parte ii – metodologia de investigaÇÃo
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PARTE II – METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
Capítulo VIII – A investigação e a sua metodologia
8.1. Opções metodológicas
As pesquisas em educação não podem ignorar os quadros de referência
paradigmáticos1 que as orientam e, consequentemente, provocar um debate sobre a
contribuição das abordagens quantitativa e qualitativa para a aproximação à realidade
estudada. Os objectos de estudo em educação, geralmente, apresentam-se de forma
complexa e, neste âmbito, a perspectiva positivista tem sido identificada como ineficaz
para a análise intricada dessas situações. É que, a linearidade dessa perspectiva tem
como finalidade trazer à luz dados objectivos, medíveis, regularidades e tendências
observáveis, por isso coloca-se em questão se esta será a aproximação mais adequada
para estudar algo, como os processos humanos e sociais, que são abrangentes,
dinâmicos e enleados. Para melhorar a compreensão dessas realidades complexas,
contrapõe-se a perspectiva qualitativa de pesquisa que tem como objectivo a
compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas acções num dado
contexto. Nesta abordagem, pretende-se interpretar em vez de mensurar e procura-se
compreender a realidade tal como ela é, experienciada pelos sujeitos ou grupos a partir
do que pensam e como agem (seus valores, representações, crenças, opiniões, atitudes,
hábitos).
Embora as duas perspectivas tenham uma natureza diferenciada e aparentemente
incompatíveis, há autores (Serrano, 2004; Lincoln, Y. e Guba, E. in Denzin, N.,
Lincoln, Y. e col., 2006) que sugerem a combinação das duas sempre que seja útil e
adequado para compreender, explicar ou aprofundar a realidade em estudo. Assim, há
autores (Serrano, 2004; Lincoln, Y. e Guba, E. in Denzin, N., Lincoln, Y. e col., 2006)
que sugerem uma abordagem mista, originando a complementaridade entre métodos
1 Entende-se paradigma como um sistema de crenças, princípios e postulados que informam, dão sentido e rumo às práticas de investigação (Serrano, 2004; Denzin, Lincoln, e col., 2006). O paradigma positivista quantitativo supõe leis gerais que regem os fenómenos (formula hipóteses prévias, usa técnicas de verificação sistemática, procura explicações causais para os fenómenos e produz generalizações teóricas com validade e confiabilidade), recusando a compreensão subjectiva dos factos de uma realidade (Serrano, 2004; Denzin, Lincoln, e col., 2006). O paradigma pós-positivista qualitativo trabalha com crenças, valores, opiniões, representações, práticas, lógicas de acção, atitudes, normas culturais, pois o objectivo é conseguir um entendimento profundo e, até, subjectivo dos sujeitos (individual ou colectivo) e dos fenómenos, dirigindo a pesquisa para grupos reduzidos, mas a serem intensamente estudados (Serrano, 2004; Denzin, Lincoln, e col., 2006).
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quantitativos e qualitativos, através da sua aplicabilidade nos diferentes momentos de
uma investigação. Segundo esses autores (Serrano, 2004; Lincoln, Y. e Guba, E. in
Denzin, N., Lincoln, Y. e col., 2006), esta postura pode permitir uma melhor
inteligibilidade do real2, pode evitar atitudes reducionistas, posturas ideológicas e
dicotomias entre perspectivas. Apesar disso, os autores salvaguardam que a natureza, a
temática e o dinamismo de uma investigação pode exigir uma opção mais definida por
uma das abordagens e isso não significa uma ruptura com a outra (Serrano, 2004).
Assim, em investigação educacional são diversas as possibilidades e as opções
metodológicas a serem utilizadas. Dado que a escolha da metodologia se deve fazer em
função da natureza do problema a estudar (Pacheco, 1995ª; Serrano, 2004; Lincoln, Y. e
Guba, E. in Denzin, N., Lincoln, Y. e col., 2006) considerou-se pertinente seguir uma
metodologia de investigação qualitativa ou interpretativa, pois entendeu-se que seria a
mais adequada para perceber os processos, os produtos, os fenómenos inerentes à
problemática desta investigação – Formação em contexto: um estudo de caso no âmbito
da pedagogia da infância – a partir das representações e das percepções interiores dos
sujeitos. É que, tal como refere Lefébvre (1990 cit. Pacheco, 1995ª:16) pretendemos
efectuar uma investigação “das ideias, da descoberta dos significativos inerentes ao
próprio indivíduo, já que ele é base de todo a indagação”.
As investigações qualitativas privilegiam, essencialmente, a compreensão dos
problemas a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. Neste contexto, Bogdan
e Biklen (1994) consideram que esta abordagem permite descrever um fenómeno em
profundidade através da apreensão de significados e dos estados subjectivos dos sujeitos
pois, nestes estudos, há sempre uma tentativa de capturar e compreender, com
pormenor, as perspectivas e os pontos de vista dos indivíduos sobre determinado
assunto. Pode-se dizer que o principal interesse, destes estudos, não é efectuar
generalizações, mas antes particularizar e compreender os sujeitos e os fenómenos na
sua complexidade e singularidade. Assim, em oposição às afirmações universais e à
explicação dos fenómenos numa causalidade linear preferiu-se, nesta dissertação, a
descrição concreta das experiências e das representações dos sujeitos que conduzem a
uma compreensão espiroidal dos fenómenos (Woods, 1987; Bogdan e Biklen, 1994).
2 As descrições precisas dos factos a partir dos significados dos sujeitos podem ser complementados por uma representação matemática útil que possibilite confirmar ou dar segurança à interpretação de todos os fenómenos de uma realidade.
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Neste quadro, não interessa determinar relações de causa e efeito numa relação
linear nem, tão pouco, explicar fenómenos, provar hipóteses e estabelecer leis gerais –
pressupostos de uma perspectiva de investigação positivista – mas possibilitar a
transferibilidade do que se descobriu a outras situações e sujeitos. Como referem
Bogdan e Biklen “a preocupação central não é a de se os resultados são susceptíveis
de generalização, mas sim a de que outros contextos e sujeitos a eles podem ser
generalizados” (1994:66). Esta visão faz parte integrante das abordagens qualitativas.
As pesquisas qualitativas interessam-se mais pelos processos do que pelos
produtos (Bogdan e Biklen, 1994; Ludke e André, 1986) e preocupam-se mais com a
compreensão e a interpretação sobre como os factos e os fenómenos se manifestam do
que em determinar causas para os mesmos (Serrano, 2004).
Deste modo, entre as técnicas de pesquisa qualitativa, a técnica de entrevista e a
observação participante (que se utilizaram nesta investigação) são algumas das que
melhor dão resposta às características anteriormente referidas (Serrano, 2004). É que,
estas técnicas colocam o investigador em contacto directo e aprofundado com os
indivíduos e permitem compreender com detalhe o que eles pensam sobre determinado
assunto ou fazem em determinadas circunstâncias. Como refere Serrano (2004:32)
interessa “conhecer as realidades concretas nas suas dimensões reais e temporais, o
aqui e o agora no seu contexto social”.
Na pesquisa qualitativa parte-se do pressuposto que a construção do conhecimento
se processa “de modo indutivo e sistemático, a partir do próprio terreno, à medida que
os dados empíricos emergem” (Lefébvre, 1990 cit. Pacheco, 1995ª:16) ao contrário da
abordagem quantitativa que procura comprovar teorias, recolher dados para confirmar
ou infirmar hipóteses e generalizar fenómenos e comportamentos.
Assim, em investigação qualitativa a teoria surge a partir da recolha, análise,
descrição e interpretação dos dados. É o que Glaser e Strauss (1967) designam de
“teoria fundamentada” (cit. Bogdan e Biklen, 1994) pois:
“as abstracções são construídas à medida que os dados particulares que foram recolhidos
se vão agrupando. Uma teoria desenvolvida deste modo procede de ‘baixo para cima’ (em
vez de ‘cima para baixo’), com base em muitas peças individuais de informação recolhida
que são inter-relacionadas” (cit. Bogdan e Biklen, 1994:50).
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Assim, enquanto a investigação quantitativa se orienta para a produção de
proposições generalizáveis e com validade universal decorrentes de um processo
experimental, hipotético-dedutivo e estatisticamente comprovado, a investigação
qualitativa orienta-se por uma perspectiva hermenêutica e interpretativa dos fenómenos
educativos (Serrano, 2004) procurando, desse modo, compreender o fenómeno
educativo a partir da indução dos significados dos próprios contextos na sua
singularidade e complexidade.
O processo de produção de conhecimentos, nesta perspectiva, dá-se à medida que
se recolhem e analisam os dados (Bogdan e Biklen, 1994; Serrano, 2004). Utilizando
uma imagem pode-se dizer que o desenvolvimento da investigação se parece a um funil
porque:
“no início há questões ou focos de interesses muito amplos, que no final se tornam mais
directos e específicos. O pesquisador vai precisando melhor esses focos à medida que o
estudo se desenvolve” (Ludke e André, 1986:13).
Os investigadores qualitativos “abordam o mundo de forma minuciosa” (Bogdan
e Biklen, 1994) na tentativa de ilustrar, de forma mais completa possível, as situações e
as experiências dos sujeitos. Nesta busca profunda de conhecimento da realidade todos
os detalhes são importantes (Ludke e André, 1986), deste modo, os dados colectados,
neste tipo de investigação, são predominantemente descritivos (Serrano, 2004), pois a
“descrição funciona bem como método de recolha de dados, quando se pretende que
nenhum detalhe escape ao escrutínio” (Bogdan e Biklen, 1994: 49).
Como já foi anteriormente referido, o objectivo principal da abordagem
qualitativa é o de compreender de uma forma global as situações, as experiências e os
significados das acções e das percepções dos sujeitos através da sua dilucidação e
descrição (Bogdan e Biklen, 1994). Deste pressuposto decorre, ainda, outra reflexão que
importa explicitar. Ao afirmar que os dados, neste tipo de investigação, são produzidos
e interpretados pelo investigador supõem-se, que é possível, que eles reflictam a sua
subjectividade, envolvimento e cunho pessoal. Daí que Bogdan e Biklen (1994:67)
refiram que “os dados carregam o peso de qualquer interpretação”.
Apesar disso, procura-se, em investigação qualitativa, não deixar ir demasiado
longe a subjectividade desse envolvimento para não enviesar o conhecimento e a
interpretação da realidade. Assim, através do rigor e da abrangência da recolha e análise
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dos dados, de uma leitura articulada dos dados com uma contextualização teórica e de
uma postura de omissão de opiniões pessoais (Bogdan e Biklen, 1994) – embora se
tenha presente de que é pelo processo de identificação e reconhecimento da
subjectividade do investigador que, na abordagem qualitativa, se lida com os
enviesamentos e se limita as ilações do senso comum (Ludke e André, 1986) – que se
procurou levar a cabo o processo de produção de conhecimentos, nesta dissertação.
8.2. Estudo de caso
O método de estudo de casos vem sendo cada vez mais utilizado no âmbito das
ciências humanas e socais como procedimento de análise da realidade (Serrano, 2004;
Yin, 2005). Constata-se, também, que o estudo de caso oferece inúmeras possibilidades
de estudo, compreensão e melhoria da realidade social e profissional, por isso no campo
da investigação em educação o uso deste método é crescente (Serrano, 2004). A este
incremento não ficou ausente a comunidade de investigadores da educação de infância,
reflectindo a adequação desta abordagem, também, a este nível educativo, através de
produção de investigações (Oliveira-Formosinho, 1998; Vasconcelos, 1997; Pascal e
Bertram, 1999; Hubbard, 1989; Bissex, 1980; Newkirk, 1989; Paley, 1986). É que, o
estudo de caso definido por Denny é “um estudo completo ou intenso de uma faceta,
uma questão ou quiçá dos acontecimentos que ocorrem num contexto geográfico ao
longo de um período de tempo” (1978 cit. Gómez, Flores e Jiménez, 1999:91). Por seu
turno, autores como MacDonald e Walker (1977), referidos por Gómez, Flores e
Jiménez (1999:92) definem estudo de caso como “um estudo de um caso em acção”,
salientando-se aqui a faceta viva, real e natural dos casos em estudo.
De acordo com esta perspectiva considera-se que o estudo de caso é uma
abordagem metodológica que permite analisar com intensidade e profundidade diversos
aspectos de um fenómeno, de um problema, de uma situação real: o caso. Assim, como
refere Stake (2005:11) o estudo de caso consiste no “estudo da particularidade e da
complexidade de um caso singular para chegar a compreender a sua complexidade”.
Neste contexto de compreensão profunda de uma realidade, Yin3 (2005:13) define
estudo de caso como “uma investigação empírica que estuda um fenómeno
contemporâneo dentro do contexto de vida real de vida, especialmente quando as
fronteiras entre o fenómeno e o contexto não são absolutamente evidentes” e acrescenta
3 Yin (2005) e Stake (2005) são dos autores mais citados e considerados na investigação baseada em estudo de casos.
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que para tal se podem usar múltiplas fontes para recolher evidências e informações
(Yin, 2005), desde que sejam apropriadas e possibilitem compreender o caso no seu
todo4 (Yin, 2005). É que, o estudo de caso implica um conhecimento profundo da
realidade investigada e, como tal, recorre a diferentes métodos e técnicas que se
enquadram, sobretudo, num paradigma de investigação qualitativa5.
Pelas definições, antes, expostas também é possível constatar que o estudo de caso
tem como objecto de investigação uma unidade particular que pode ser uma pessoa, um
grupo, um acontecimento, uma organização, uma comunidade, (Serrano, 2004).
Transpondo estes objectivos para a realidade educativa, pode ser uma classe, um aluno,
um professor, um programa de ensino, a prática de um professor, uma determinada
política educativa, entre outras possibilidades (Gómez, Flores e Jiménez, 1999).
Neste quadro, Patton (1980) referido por Gómez, Flores e Jiménez, (1999:92)
considera, ainda, o estudo de caso como “uma forma particular de recolher, organizar
e analisar informações”. Como corolário, o estudo de caso implica, segundo Garcia
Jiménez (1991) referido por Gómez, Flores e Jiménez, (1999:92) “um processo de
indagação que se caracteriza por um estudo detalhado, compreensivo, sistemático e em
profundidade do caso objecto de interesse”.
A modalidade de estudo de caso possui uma dupla vertente: por um lado, é uma
modalidade de investigação apropriada para estudos exploratórios e compreensivos e
que tem, sobretudo, como objectivo a descrição de uma situação, a explicação de
resultados a partir de uma teoria, a identificação das relações entre causas e efeitos ou a
validação de teorias (Serrano, 2004). Mas, por outro lado permite ilustrar e analisar uma
dada situação real e fomentar a discussão e a tomada decisões, convenientes, para os
mudar ou melhorar, podendo servir, neste contexto, objectivos de aprendizagem e de
formação (Serrano, 2004). É que, de acordo com Gómez, Flores e Jiménez, (1999:92)
esta abordagem possui características que a tornam muito útil “para a análise de
problemas práticos, situações ou acontecimentos que surgem no quotidiano”. O
produto final de um estudo de caso constitui uma descrição detalhada do objecto de
estudo em que se utilizam técnicas narrativas para descrever, ilustrar e analisar as 4 O caso não pode perder a sua unicidade (Yin, 2005), por isso a pesquisa, no estudo de caso, efectua-se de forma holística (Serrano, 2004), integrada, sistémica. 5 Segundo Serrano (2004) como o estudo de caso tem como eleição descobrir, compreender ou interpretar o significado de uma realidade, mais do que comprovar hipóteses, a sua lógica enquadra-se melhor numa perspectiva de investigação qualitativa, embora isso não signifique que se excluam os métodos e técnicas de cariz quantitativo. Assim, o estudo de caso é uma abordagem abrangente que pode incluir técnicas como observação, entrevistas, questionários, análise de documentos e outras, podendo os dados ser tanto qualitativos como quantitativos (Serrano, 2004)
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situações (Serrano, 2004; Gómez, Flores e Jiménez, 1999). Stenhouse (1990), referido
por Gómez, Flores e Jiménez, (1999:92), denomina este processo de “o registo do
caso”.
A multiplicidade de critérios e características que compõem os estudos de caso
levam a algumas classificações e tipificações. Assim, de acordo com os objectivos e a
natureza das informações finais, Yin (2005) classifica os estudos de caso como:
exploratórios, descritivos, explicativos e avaliativos. Segundo o autor (2005) um estudo
de caso é exploratório quando se conhece muito pouco da realidade em estudo e os
dados se dirigem ao esclarecimento e delimitação dos problemas ou fenómenos da
realidade; um estudo de caso é descritivo quando há uma descrição densa e detalhada de
um fenómeno no seu contexto natural; um estudo de caso é explicativo quando os dados
tratam de determinar relações de causa e efeito em situações reais, ou seja de que forma
os factos acontecem em função uns dos outros; um estudo de caso é avaliativo quando
produz descrição densa, esclarece significados e produz juízos. A emissão de juízos é o
acto essencial da avaliação. Por seu turno, Gomez, Flores e Jiménez (1999) propõem um
quarto elemento, pois os objectivos que orientam o estudo de caso podem ser
coincidentes com os da investigação educativa em geral. Assim, dependendo dos
objectivos da investigação, o estudo de caso pode ser exploratório, descritivo,
explicativo, transformador e avaliativo.
Existem diversas propostas de tipificação dos estudos de caso. Considerando a
proposta de Yin (2005) e também de Bogdan e Biklen (1994) é possível encontrar o
estudo de caso único e o estudo de caso múltiplo ou comparativo. No primeiro
exemplo, o investigador estuda uma realidade, um ambiente, enfim um caso. No
segundo exemplo, o investigador estuda dois ou mais casos. Neste cenário, o estudo de
caso comparativo distingue-se, ainda, porque embora estejam em estudo dois ou mais
casos, estes efectuam-se para posteriormente serem “comparados e contrastados”
(Bogdan e Biklen, 1994:97).
Stake (2005), partindo dos propósitos da investigação, Stake (2005) propõe uma
tipologia de estudos de caso que integra e distingue três tipos: o estudo de caso
intrínseco, quando o investigador pretende estudar uma situação específica na sua
particularidade e complexidade, pois o interesse do investigador é compreender melhor
um dado caso; o estudo de caso instrumental, quando o investigador utiliza o estudo do
caso para aprofundar e compreender melhor um tema que é o objecto de estudo ou para
entender melhor fenómenos externos; o estudo de caso colectivo, quando o investigador
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utiliza vários casos para, através da sua comparação, conseguir um conhecimento mais
profundo sobre um fenómeno ou uma situação real. Trata-se de um estudo intensivo de
vários casos.
Os estudos de caso são efectuados com unidades particulares ou pequenas
unidades sociais, não sendo, por isso, possível efectuar generalizações estatísticas (Yin,
2005). Como alternativa, Yin (2005) esclarece que a generalização analítica é mais
adequada, dado que o objectivo é ampliar e generalizar o modelo teórico encontrado, a
partir do estudo de caso. O que se procura generalizar são proposições teóricas e não
proposições sobre populações (Yin, 2005). Por seu turno, quanto à questão da
generalização no estudo de caso, Stake (2005) refere, ainda, que a finalidade deste
método é interpretar e compreender, um dado caso real, e não generalizar, que é uma
base extremamente débil neste método. Serrano (2004) menciona, ainda, que
generalizar resultados não é uma questão indispensável no estudo de caso. No entanto,
sendo possível destacar algumas generalizações, estas podem servir para, de algum
modo, ser aplicadas noutras realidades.
Assim, se alguns autores consideram que os estudos de caso possuem as
virtuosidades, antes descritas, outros consideram esta abordagem como uma
investigação pouco rigorosa, imprecisa, parca em objectividade e pouco credível em
conclusões e generalizações, entre outros aspectos (Yin, 2005; Serrano 2004). Estes
autores tecem, assim, algumas críticas que não é possível ignorar, pelo contrário, é
necessário contornar. Este facto conduz à reflexão sobre as questões da validade externa
(generalização dos resultados), da fiabilidade (do processo de recolha e análise de
dados) e da validade interna (rigor das conclusões).
Em primeiro lugar há que compreender que o estudo de caso é uma abordagem
alternativa à tradicional6. Assim, a questão da generalização para Stake (2005) não tem
qualquer sentido dado que se trata de investigações sobre casos reais que são únicos em
certos aspectos e, por isso, irrepetíveis (Stake, 2005) e a sua validade externa encontra-
se no seu poder “revelatório”7 (Yin, 2005:40) da situação concreta. Porém, quando os
estudos de caso procuram, de algum modo, generalizar resultados8, pode-se encontrar
proposições ou hipóteses que relacionam conceitos ou factores dentro do caso,
6 Refere-se a uma abordagem de carácter positivista. A generalização no estudo de caso está relacionada com a teoria e, por isso, Stake (2005) a define com analítica 7 O sentido dado ao carácter revelatório do estudo de caso está bem definido por Serrano (2004:95) ao dizer que a revelação se produz quando“um investigador tem a oportunidade de observar e analisar um fenómeno, situação, sujeito ou facto que antes era inacessível para a investigação científica” 8 Como ocorre, por exemplo, com os estudos multicasos
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constituindo estas o final da investigação9 e, deste modo, sugerindo pistas para
investigações futuras (Serrano, 2004; Stake, 2005). Assim, como sugere Bartolomé
(1992), referido por Gómez, Flores e Jiménez
“o estudo de casos coaduna-se com a finalidade de chegar a gerar hipóteses, a partir de
um estabelecimento sólido de relações descobertas, aventurando-se a alcançar níveis
explicativos de supostas relações causais que aparecem num contexto natural concreto e
dentro de um dado processo” (1999:98)
Em segundo lugar a questão da fiabilidade (fidelidade) relaciona-se com a
replicabilidade das conclusões, isto é com a possibilidade de outros investigadores com
os mesmos instrumentos poderem obter resultados idênticos sobre o mesmo fenómeno.
Ora, no estudo de caso, não só, o investigador é, inúmeras vezes, o único instrumento
do estudo, como também, o caso, em si, não pode ser replicado (Yin, 2005). Logo, para
que seja reconhecida a fiabilidade no estudo de caso, Yin (2005) aconselha o
investigador a efectuar uma descrição pormenorizada, rigorosa e clara de todos os
passos do estudo, para que outros investigadores possam repetir os mesmos
procedimentos em contextos similares (Yin, 2005).
Em terceiro lugar a questão do rigor ou da validade interna deve ser contornada
pela precisão das conclusões, na medida em que estas têm de traduzir com justeza a
realidade investigada. Para tal, Yin, (2005) diz que é possível e importante reduzir a
subjectividade do investigador, através de uma descrição densa das relações entre
causas e efeitos e das inferências consideradas na investigação (Yin, 2005). Por seu
turno, Stake (2005) sugere que o estudo de caso pode ganhar em credibilidade se o
investigador recorrer a processos de triangulação metodológica, como por exemplo,
utilizando mais do que uma vez o mesmo método e comparar os dados obtidos; ou se
utilizar mais do que um método (entrevista, questionário etc.) para captar informações;
ou se mais do que um investigador confrontar os dados obtidos no mesmo caso.
8.2.1. O estudo de caso de cariz construtivista
Segundo Lincoln e Guba (2006 in Denzin, Lincoln e col., 2006) quadro grandes
paradigmas10 estruturam e organizam a investigação qualitativa: positivismo, pós-
9 Ao contrário das abordagens tradicionais que começam pela formulação de hipóteses 10 Denzin, Lincoln (2006 in Denzin, Lincoln e col., 2006:163) definem paradigma como “um conjunto de básico de crenças que orientam a acção”
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positivismo, teoria crítica e o construtivismo. O paradigma construtivista, entendido
como um meio de conhecer o mundo a partir do ponto de vista daqueles que nele vivem,
adequa-se completamente à metodologia do estudo de caso, pois sintonizam numa
leitura complexa, rica e profunda da realidade. Mas, ao destacar o construtivismo
convém esclarecer algumas questões que este paradigma encerra e que dizem respeito à
epistemologia, à ontologia, à metodologia privilegiada para aceder ao conhecimento e
ao objectivo da ciência (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e
Kishimoto, 2002).
A questão epistemológica concretiza-se na resposta à pergunta “Qual é a natureza
da relação entre sujeito e objecto do conhecimento?” (Oliveira-Formosinho, 2002 in
Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:101). Segundo Denzin, Lincoln (2006 in
Denzin, Lincoln e col. 2006:164) a abordagem construtivista possui um “compromisso
para com o estudo do mundo a partir do indivíduo em interacção”. Logo, em termos
epistemológicos o conhecimento produzido pelo investigador caracteriza-se por ser
“transacional/subjectivista” e as “descobertas criadas” por ele (Lincoln e Guba, 2006
in Denzin, Lincoln e col. 2006:171), através de um acumulo de conhecimento que
conduz a “reconstruções mais informadas e sofisticadas” e que constituem uma
“experiência vicária” (Lincoln e Guba, 2006 in Denzin, Lincoln e col. 2006:172).
Assim, o estudo de caso assente numa perspectiva construtivista11 parte do pressuposto
de que o conhecimento resulta da interpretação de quem investiga, através de um
processo dialéctico com os actores sociais implicados no seu contexto de actuação
(Denzin, Lincoln, 2006 in Denzin, Lincoln e col. 2006). Neste sentido, a relação entre o
investigador e o caso em estudo possui uma natureza subjectiva, pois “a interacção
subjectiva permitirá a abordagem das realidades construídas por cada um” (Oliveira-
Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:101).
Quanto à questão ontológica, que se concretiza na pergunta “Qual é a natureza da
realidade que conhecemos?” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e
Kishimoto, 2002:101), a perspectiva construtivista considera que “a realidade existe
enquanto construção mental, dependendo a sua forma e conteúdo das vivências sociais
de cada um” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto,
2002:101) situadas num dado espaço e tempo. Neste sentido, Denzin, Lincoln (2006 in
Denzin, Lincoln e col. 2006) consideram que o construtivismo adopta uma ontologia
relativista, pois trata-se de “realidades construídas em planos locais e específicos” 11 Também denominado de interpretativo ou hermenêutico (Denzin, Lincoln e col., 2006)
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(Lincoln e Guba, 2006 in Denzin, Lincoln e col., 2006:164) e, nesta perspectiva, não há
realidade mas realidades. Assim, num estudo de caso construtivista, o investigador
constrói uma versão possível para os fenómenos investigados, resultantes da sua
“compreensão” (Lincoln e Guba, 2006 in Denzin, Lincoln e col., 2006:172) ou da sua
construção mental sobre o caso (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e
Kishimoto, 2002). Sendo um estudo de caso uma descrição de uma situação real, numa
abordagem construtivista, a descrição será o resultado da experiência do investigador,
da sua interpretação sobre o contexto e sobre os significados dos sujeitos implicados.
Aqui se situa o relativismo ontológico do estudo de caso construtivista.
A questão metodológica concretiza-se na resposta à pergunta “Quais as formas
privilegiadas para construir conhecimento?” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-
Formosinho e Kishimoto, 2002:100). A perspectiva construtivista adopta uma postura
“hermenêutica12/dialéctica” (Lincoln e Guba, 2006 in Denzin, Lincoln e col.,
2006:164) visando a interpretação das vozes (falada ou escrita) dos sujeitos e a procura
dos seus significados. É que, o construtivismo entende que o sujeito conhece a realidade
a partir dos pontos de vista daqueles que nele vivem. Nesta acepção, o conhecimento é o
resultado da relação dialéctica que os actores mantêm num dado contexto. Num certo
sentido, na óptica hermenêutica e dialéctica o conhecimento resulta de comparar e
contrastar “as construções individuais, incluindo a do investigador, de modo que cada
um possa confrontar as suas construções com as dos outros no sentido de «realidades
de compromisso»” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto,
2002:101). Assim, se pode dizer com Lincoln e Guba que a natureza do conhecimento,
num estudo de caso construtivista, será fruto das “reconstruções individuais que se
fundem em torno de um consenso comum” (2006 in Denzin, Lincoln e col., 2006:172).
Deduz-se do exposto que o objectivo da ciência é “reconstruir o mundo”
(Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:101). Assim,
um estudo de caso de natureza construtivista, tem como finalidade de investigação
reconstruir a realidade social, o fenómeno, o contexto: o caso.
De acordo com Oliveira-Formosinho (2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto,
2002) a operacionalização de um estudo de caso construtivista obedece a um caminho
12 O termo "hermenêutica" provém do verbo grego "hermēneuein" e significa "declarar", "anunciar", "interpretar", "esclarecer" e, por último, "traduzir". Significa que alguma coisa é "tornada compreensível" ou "levada à compreensão" (Wikipédia, a enciclopédia livre. Retrieved 17:07, Novembro 23, 2006 from http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Hermen%C3%AAutica&oldid=3762456.)
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heurístico e, como tal, o investigador recorre a um “conjunto de instrumentos para a
descrição, a análise dos processos de intervenção, permitindo documentá-los e
posteriormente interpretá-los” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e
Kishimoto, 2002:102). Esse conjunto de instrumentos capta o desenrolar do caso em
todo o seu desenvolvimento. Para tal, o investigador recorre a técnicas como
“observação participante, notas de campo, entrevistas semi-estruturadas individuais e
colectivas, dados de observação estruturada usando escalas, incidentes críticos,
fotografias” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto,
2002:102). O uso destes instrumentos de colecta de informações permite ao
investigador “escutar as percepções dos actores, segui-las, ouvi-las, registá-las”
(Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:102) e fazer o
retrato de uma situação social particular captando modos de vida, componentes
culturais, perspectivas, valores, atitudes, conhecimentos, interacções dos sujeitos
(Gomez, Flores e Jiménez, 1999). Deste modo, o investigador compreende as
perspectivas, os significados e o envolvimento dos sujeitos numa situação particular.
Este é um estudo de caso de uma acção e, por isso, enquadra-se num estudo de caso de
tipo etnográfico. Porém, há que distinguir estudo de caso etnográfico de estudo de caso
construtivista. O estudo de caso construtivista pretende “entender um percurso, um
processo de mudança que não é meramente emergente” (Oliveira-Formosinho, 2002 in
Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:102), mas que se faz a partir dos saberes e
experiências dos actores “e em direcção a novos saberes e experiências” (Oliveira-
Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:102-103). Trata-se,
assim, do estudo de um caso através da participação e interacção dos seus autores
“ouvindo-os, mas também confrontando-os com outras perspectivas, com outras
possibilidades, outras alternativas” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-
Formosinho e Kishimoto, 2002:103). É um estudo de caso de uma acção, mas no âmbito
de uma intervenção e com objectivos de produzir mudança, transformação, edificar
diferença13. A mudança pode situar-se, entre outras circunstâncias, ao nível das
13 São estudos de caso que não se encerram na própria metodologia, mas que visam “compreender o processo da própria intervenção orientada para metas” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:103) de mudança que se produz através da “interactividade e participação de todos os autores” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:103). Constituem um exemplo do que se referiu, anteriormente, as intervenções realizadas pela Associação Criança.
214
concepções, da acção, das perspectivas e dos significados dos sujeitos14. Como
esclarece Oliveira-Formosinho (2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:103):
“Os estudos na lógica da acção podem considerar-se etnográficos, os estudos na lógica da
intervenção podem considerar-se construtivistas, no sentido de que eles são referenciados
a valores, objectivos, intenções, compromissos, propostas que se desenrolam num tempo –
que é o tempo em que se está fazendo o estudo de caso – que é um tempo do trabalho de
todos em torno da conquista da diferença que se quer construir porque criaram novas
significações para, por exemplo, a imagem da criança, a imagem de professora, o processo
de ensino-aprendizagem, a qualidade dos serviços a oferecer pela instituição”
O estudo de caso construtivista pretende captar a mudança ou as novas percepções
dos actores, mas “em evolução e na direcção de algumas grandes finalidades que se
estabeleceram colaborativamente” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho
e Kishimoto, 2002:104), pois é um processo de intervenção participado entre
investigador e sujeitos. Recorrendo novamente a uma citação de Oliveira-Formosinho
(2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:104) explicita-se melhor esta questão:
“os [estudos de caso] etnográficos estruturam-se em torno das percepções dos sujeitos
enquanto os estudos de caso construtivistas se estruturam em torno dos processos de
crescimento e capacitação dos autores, dos processos de assunção da agência pelos
autores, dos processos colaborativos orientados para metas, assumindo a capacitação
como um processo socioconstrutivista”
Assim, o estudo de caso construtivista assenta numa lógica de compreensão dos
processos de intervenção e de mudança, bem como, de entendimento do crescimento, da
capacitação e da agência dos actores que resultam de processos colaborativos
encaminhados para finalidades15. Segundo Oliveira-Formosinho (2002 in Oliveira-
Formosinho e Kishimoto, 2002:104) procura-se também uma “construção partilhada
do significado de qualidade” e a “construção da qualidade no quotidiano das práticas
14 No âmbito das intervenções concretizadas pela Associação Criança a mudança pode efectuar-se, por exemplo, ao nível “da concepção de criança, de aluno, de professor, do papel do professor, de adulto, de director; implica uma reconstrução da concepção de ensinar e aprender […]” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:103). 15 Estes processos, no âmbito das intervenções efectuadas pela Associação Criança, centram-se na acção construída em colaboração pela “acção dos professores, das crianças, das auxiliares da acção educativa, dos pais em interacção com os membros da equipe de intervenção, nas margens de cooperação auto- definida” […]” (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:104).
215
educativas”, pois é um modo operatório que possui alguns aspectos definidos e outros
que se definem durante o processo Oliveira-Formosinho (2002 in Oliveira-Formosinho
e Kishimoto, 2002). A memória da intervenção, a avaliação da formação e o suporte da
pesquisa encontra-se documentada nos portfólios da intervenção que constituem um
instrumento fundamental para o estudo de caso construtivista (Oliveira-Formosinho,
2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002:104), pois reúnem as evidências dos
aspectos de construção e reconstrução da realidade social.
8. 2.1. 1. O estudo de caso desta investigação
Com base nos pressupostos até aqui enunciados, sobre os paradigmas de
investigação, será importante explicitar a perspectiva que configurou a produção de
conhecimentos do presente estudo de caso. O estudo de caso desta investigação segue
uma posição epistemológica de natureza qualitativa16 e de cariz construtivista, pois
procurou-se a compreensão intensa e profunda de um dado contexto social para o
perceber em toda a sua complexidade (Stake, 2005; Yin, 2005), a partir da perspectiva
dos seus actores e da interpretação do investigador num processo dialéctico (Denzin e
Lincoln, 2006 in Denzin e Linclon e col., 2006). Trata-se de um estudo de caso único,
seguindo a definição de Yin (2005) e Bogdan e Biklen (1994), pois a pesquisa incidiu
sobre uma realidade particular e circunscrita, neste caso, um dado jardim de infância e
os actores que gravitam em torno desse cenário educativo (educadores de infância,
crianças, auxiliares de acção educativa, pais e outros). E, como o propósito da
investigação incidiu sobre uma situação específica, para a estudar na sua particularidade
e singularidade, pode-se afirmar, de acordo com (Stake, 2005), que se reporta a um
estudo de caso intrínseco.
Por seu turno, trata-se de um estudo de caso descritivo (Yin, 2005) e interpretativo
porque se intentou efectuar uma descrição densa e detalhada da realidade com o
objectivo de perceber aquilo que os sujeitos pensaram e experimentaram durante o
estudo de caso. Para isso, contribuiu a realização de entrevistas e a observação do
envolvimento das crianças e do empenhamento dos adultos. Também, houve o
propósito de compreender de, algum modo, como é que os factos aconteciam em função
uns dos outros e, neste sentido, a pesquisa reporta-se a um estudo de caso explicativo
(Yin, 2005). Acresce dizer que não se procura uma causalidade linear (tal causa produz
16 Embora se usem alguns métodos quantitativos na análise de dados (Escala de envolvimento e escala de empenhamento)
216
tais efeitos), mas uma causalidade circular (os actores produzem o contexto e o contexto
produz os actores que o produzem: retroacção) tudo isto acontece num círculo em
espiral por meio da evolução e da mudança. Assim, no caso do jardim de infância em
estudo pretende-se compreender, por exemplo, as relações circulares entre o
conhecimento dos actores sobre a pedagogia da infância e a sua acção; a imagem de
criança; a noção de qualidade da educação; os direitos da criança, entre outros aspectos.
Porém, este estudo de caso teve como finalidade analisar uma dada realidade
social e fomentar a tomada de decisões convenientes para a mudar e melhorar servindo,
deste modo, objectivos de formação (Serrano, 2004). Nesta perspectiva, trata-se de um
estudo de caso transformador (Gomez, Flores e Jiménez, 1999). È que, nesta pesquisa,
a construção de conhecimento foi resultado do confronto e do contraste dos significados
dos actores e do investigador, no sentido de se edificarem realidades de compromisso
(Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002) em torno de
um consenso comum (Denzin e Lincoln, 2006 in Denzin e Linclon e col., 2006). Para
tal, teve particular importância a formação em contexto, que constituiu um forte tempo
de escuta dos actores, dos seus saberes, das suas experiências e de confronto com
perspectivas alternativas, rumo a novos saberes e experiências (Oliveira-Formosinho,
2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto, 2002). Este foi um processo colaborativo,
orientado por e para metas (não são todas definidas a priori) de mudança, que conduziu
a um relato detalhado da acção no contexto da intervenção, do crescimento, capacitação
e agência dos actores (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e Kishimoto,
2002) e cujo propósito final foi a mudança da realidade. Numa segunda fase da
investigação, novas entrevistas, observações do envolvimento das crianças e de
empenhamento do adulto, foram realizadas e contribuíram, em parte, para comparar o
desenvolvimento dos diferentes actores e analisar o impacto da formação em contexto
sobre os mesmos. Neste sentido, se reitera o carácter explicativo e transformador
(Gomez, Flores e Jiménez, 1999) deste estudo de caso.
Este percurso foi sendo registado pelo investigador, ao longo do tempo, através de
um instrumento, fundamental, de suporte ao estudo de caso construtivista, isto é, o
portfólio de investigação (Oliveira-Formosinho, 2002 in Oliveira-Formosinho e
Kishimoto, 2002). Este instrumento documenta ou evidencia o desenvolvimento da
acção no âmbito da intervenção e das mudanças conseguidas.
Como a investigação incorreu, apenas, sobre os actores sociais, de um dado
jardim de infância, procurou-se, apenas, descobrir princípios válidos num determinado
217
contexto e não efectuar generalizações universais. Nesta acepção, as generalizações
desta investigação possuem uma dimensão analítica e não estatística (Yin, 2005), pois
tendo em conta a complexidade dos fenómenos que caracterizam as pesquisas em
educação, privilegiou-se a descrição dos contextos, e dos significados dos sujeitos em
vez das contagens e da codificação quantificável. Valorizou-se, assim, o carácter
revelatório (Yin, 2005) da acção desta intervenção e da mudança da realidade social do
jardim de infância em estudo.
Houve uma séria preocupação com características apontadas como
imprescindíveis numa investigação deste tipo: a validade, a fiabilidade e a
transferibilidade e que será descreverá, com mais pormenor, noutro momento deste
trabalho.
Em suma, esta perspectiva foi a que nos pareceu mais pertinente e adequada para
abordar e compreender o caso em estudo.
8.2.3 Um estudo de caso construtivista no âmbito da investigação-acção
No contexto do que se vinha descrevendo, anteriormente, acresce explicitar que se
trata de um estudo de caso construtivista desenvolvido no âmbito da investigação-acção.
A opção pela investigação-acção deve-se ao facto desta metodologia ter como
finalidade a mudança de um contexto social concreto e contribuir para o
desenvolvimento profissional dos actores (Serrano, 2004). Intenção que também estava
presente neste estudo. Pois, como refere Corey (1953) citado por Serrano (2004:150) a
investigação-acção é um processo “através do qual os práticos pretendem estudar os
seus problemas cientificamente com o fim de guiar, corrigir e avaliar sistematicamente
as suas decisões e acções”. Assim, esta metodologia adquire uma importância
primordial no campo educativo e concretamente neste trabalho.
É que, a investigação-acção promove o diálogo teoria-prática; conjuga processos
de investigação e acção; conduz à produção de conhecimentos e mudança; e promove a
interacção entre investigadores e actores (Serrano, 2004). Pode-se afirmar que a
natureza deste estudo considerava a investigação como uma fonte de esclarecimento
para a tomada de decisões e a acção como fonte de informação para a investigação num
processo articulado. Assim, os dados da investigação auxiliavam a decidir o que, como
ou quando agir e a acção esclarecia o que, como ou quando era possível. Por outro lado,
a natureza deste estudo privilegiava uma produção partilhada de saberes entre
218
investigadora e actores. Por isso, os conhecimentos da investigadora17 foram muitas
vezes provocação, crítica e desafio à reflexão até à produção partilhada de saberes que
conduziam à mudança. Finalmente, a natureza deste estudo privilegiava a colaboração
entre investigadora e actores no processo de mudança, pois não se pretendia uma
mudança proposta pelo investigador, mas construída com os actores implicados na
transformação, em que o investigador contribuía, a cada passo18, com recursos vários,
para essa descoberta.
Em investigação-acção os sujeitos partem com uma preocupação inicial ou uma
ideia geral de que há uma necessidade de mudança ou de melhoria de uma realidade, a
seguir é necessário planificar, agir, observar e reflectir para dar conta do seguimento da
mudança e das melhorias produzidas. O ciclo repete-se cumprindo-se, deste modo, a
espiral reflexiva de investigação-acção que Kemmis e McTaggart (1992) apresentam,
como esquema de movimento para a mudança que ocorre com um grupo implicado
nesse processo. O movimento espiralar descrito não foi entendido de forma rígida e
aprisionada, neste trabalho. Procurou-se uma grande flexibilidade no decurso da sua
operacionalização, preferindo entender esses passos como guias e como pontos de
partida para a acção, sem constranger a actuação.
Mas, convém sublinhar que foi através desta sequência, em que a reflexão sobre a
prática levava a uma proposta de mudança e a implementação da mudança levava a uma
melhor compreensão da prática, que se descobriu e concretizou a riqueza formativa
desta metodologia, neste trabalho.
Assim, este estudo de caso construtivista no âmbito de uma metodologia de
investigação-acção surge interligado. Por um lado, como prática com carácter
colaborativo e, por outro lado, como actividade de investigação que, simultaneamente,
contribuíram para a mudança dos actores e da instituição em estudo. O carácter
colaborativo adveio da relação estabelecida entre a investigadora e os actores da
instituição, que se caracterizou por prosseguirem um objectivo comum: a mudança e a
melhoria da qualidade. Bem como, se caracterizou por partilharem problemas e
preocupações, em que o investigador/formador ajudou o grupo em estudo a encontrar
soluções e a desenvolver competências de reflexão sobre a sua prática. Pode-se dizer
que o investigador/formador, neste processo, assumiu o papel de amigo crítico
17 A produção de conhecimento partilhada, em investigação-acção, assume que o estatuto na produção de conhecimentos entre os diferentes intervenientes é diferenciado. Por isso, não se espera que o investigador se anule face aos actores. 18 Com os dados e as informações que recolhia da e sobre a realidade em estudo
219
(Oliveira-Formosinho, ), isto é, de alguém que auxiliou os actores a analisar e a
questionar a prática tendo como horizonte mudanças no seu pensamento e acção.
A investigação-acção, neste trabalho teve uma orientação eminentemente prática,
pois a finalidade primordial consistiu no estudo de problemas da prática com vista à
melhoria da mesma e da aprendizagem através da acção (Kemmis e McTaggart, 1992).
Pelo descrito, ficam patentes três vertentes fundamentais deste trabalho e do
processo de investigação-acção: a investigação, a acção e a formação.
A partir destes pressupostos é necessário caracterizar a realidade social, que foi
objecto deste estudo de caso e revelar quais os instrumentos e os procedimentos de
recolha de informações que se utilizaram.
8.3. A realidade social e os sujeitos de investigação
O Jardim de Infância em estudo situa-se na Freguesia de Rio Tinto, no Conselho
de Gondomar e no Distrito do Porto. Esta instituição nasceu em 1985, desde então sob a
dependência do Centro Regional de Solidariedade Social classifica-se como uma IPSS –
Instituição Particular de Solidariedade Social. É composta por quatro valências: creche,
jardim de infância, ATL, e sala de estudo e encontra-se dividida por três edifícios
distintos. Assim, no edifício principal funciona o jardim de infância (constituído por três
salas) e a creche (formada por uma sala para crianças de dois anos). Num outro edifício
funciona o ATL2 (uma sala) e mais uma sala de jardim de infância (grupo misto) e
finalmente noutro edifício funciona o ATL1 e a sala de estudo19. Esta instituição é
servida por espaços exteriores como o recreio, o parque infantil e o campo de ténis, que
são propriedade da urbanização, onde esta se encontra inserida, mas que as crianças
podem utilizar para momentos de recreação, jogo e actividade motora. A instituição
serve crianças de uma população de classe média e média baixa.
No contexto desta realidade, escolheu-se a valência de jardim de infância e todos
os actores que gravitam nesta cena educativa, para unidade particular do estudo de caso
Assim, a pesquisa incide sobre os profissionais (educadores de infância, auxiliares de
acção educativa, funcionários); sobre as crianças; sobre os pais das crianças; sobre a
direcção e sobre a coordenação do estabelecimento, uma vez que é necessário entender
19 A maior parte do tempo desta investigação coincidiu com esta organização de valências e de grupos de crianças. Porém importa referir que quando se iniciou esta pesquisa (ano lectivo de 2001-02) não existia a sala do grupo misto e actualmente (desde ano lectivo de 2006-07) existem duas salas de grupos mistos no mesmo edifício, fazendo transferir a sala de ATL2 para outro espaço.
220
a realidade na sua globalidade dos seus actores e numa perspectiva sistémica. Mas, mais
especificamente o estudo de caso incidiu sobre os educadores de infância e as crianças.
Resta dizer que durante o período da investigação os actores não foram sempre os
mesmos. É obvio que as crianças crescem e saem do jardim de infância, mas outras
entram e formam novos grupos. Os pais, obviamente, que não foram sempre os
mesmos. Também houve mobilidade no grupo de educadoras de infância durante este
tempo e que por razões profissionais deixaram a instituição e foram sendo substituídas
por outras. Por esta razão apresenta-se, seguidamente, o elenco dos profissionais e dos
respectivos grupos de crianças por anos lectivos, como se pode ver no Quadro1.
Acresce dizer que a instituição tem um protocolo de colaboração com uma Escola
Superior de Educação e, por isso, as educadoras têm estagiárias. Neste contexto, as
estagiárias finalistas são aquelas que têm maior influência neste estudo de caso, pois
algumas delas substituíram educadoras cooperantes na altura em que estas deixavam a
instituição e, de algum modo, deram continuidade ao trabalho resultante da formação
em contexto efectuado. Nesta instituição as educadoras seguem o grupo de crianças
desde a creche (sala dos 2anos) até à saída dos anos e retomam um novo grupo de
creche. Exceptua-se a educadora que assume o grupo misto que se mantém sempre
nesse grupo, não rodando por outras salas.
Quadro 1 – Dados sobre as educadoras, os grupos de crianças e anos lectivos
Ano lectivo 2001-02 Ano lectivo 2002-03
Ano lectivo 2003-04 Ano lectivo 2004-05 Ano lectivo 2005-06
Educadora Grupo
Educadora Grupo Educadora Grupo Educadora Grupo Educadora Grupo
CO 5 anos DO 5 anos DO 5 anos AX. 5 anos MO. 5 anos AL* 4 anos IN 4 anos AX 4 anos MO. 4 anos CG. 4 anos IN 3 anos H 3 anos MO 3 anos CG. 3 anos DO. 3 anos PB misto PB misto PB* misto PC. misto PC. misto H creche CO creche CE creche DO. creche AX. creche * Educadora com grupo de crianças e que desempenhava, simultaneamente, as funções de coordenadora do jardim de infância.
8.3.1 Breve caracterização do grupo de educadoras de infância
Como se pode ver no quadro 2, no ano lectivo em que se iniciou o estudo de caso
(2001-02), o grupo de educadoras do jardim de infância era composto por quatro
profissionais, com o bacharelato em educação de infância. Duas destas educadoras
realizaram, ainda, cursos de complemento de formação e uma frequentava uma
221
licenciatura em ciências da educação. O tempo de serviço destas profissionais variava
entre os treze e os sete anos de serviço. O tempo de serviço das profissionais na própria
instituição em estudo variava entre os onze e o primeiro ano de serviço. O grupo era
heterogéneo no que diz respeito à escola de formação inicial, pois uma educadora tinha
tirado o curso numa escola da cidade do Porto; duas educadoras tinham tirado o curso
de educação de infância numa outra escola da cidade do Porto e a quarta educadora
tinha tirado o curso numa outra escola, mas na cidade de Lisboa. Apesar disso, o
número de anos de serviço no mesmo jardim de infância e a trabalhar como cooperantes
dos estágios, de uma dessas escolas superiores de educação do Porto, fazia com que as
três primeiras educadoras possuíssem um modo de trabalhar muito idêntico.
No ano lectivo em que se voltaram a aplicar as escalas de envolvimento da criança
e de empenhamento do adulto (2003-04), o grupo de profissionais do jardim de infância
era composto por quatro educadoras. Três educadoras tinham como formação inicial a
licenciatura em educação de infância e a quarta educadora continuava com o
bacharelato em educação de infância. Em média, o tempo de serviço destas profissionais
era, agora, bastante menor, pois havia uma educadora a iniciar o primeiro ano, duas
educadoras a iniciar o segundo ano e a quarta educadora com sete anos de serviço. O
tempo de serviço das profissionais na própria instituição em estudo compreendia duas
educadoras a iniciar o seu primeiro ano, uma a iniciar o segundo ano e uma última a
iniciar o terceiro anos de serviço na instituição. O grupo continuava heterogéneo no que
diz respeito à escola de formação inicial, pois duas educadoras tinham tirado o curso
numa escola da cidade do Porto; uma educadora tinha tirado o curso de educação de
infância numa escola da cidade de Braga e a quarta educadora tinha tirado o curso numa
outra escola, mas na cidade de Lisboa. Apesar disso, as três educadoras com menos
anos de serviço tinham realizado o estágio final da licenciatura naquele jardim de
infância. Acresce referir que no ano lectivo de 2003-04, as quatro educadoras estavam a
trabalhar como cooperantes dos estágios, de uma escola superior de educação do Porto
com quem o jardim de infância mantinha há alguns anos um protocolo de colaboração
de estágios. Também, duas destas educadoras tinham tirado a licenciatura nessa escola
superior de educação. Pretende-se com isto dizer, também, que apesar da mobilidade de
algumas educadoras, estas iam sendo substituídas por outras que foram suas estagiárias
e que conheciam a instituição e as mudanças que se vinham a efectuar desde o início da
intervenção no jardim de infância.
222
Quadro 2 – Habilitações e anos de serviço do grupo de educadoras do jardim de infância
Ano lectivo 2001-02
Ano lectivo 2003-04
Educadoras Habilitações Profissionais
Anos de Serviço
Anos de Serviço na instituição
Educadoras Habilitações Profissionais
Anos de Serviço
Anos de Serviço na instituição
AL Bacharelato e frequência de licenciatura em C. da educação
13 13 DO Licenciatura A iniciar o 2º ano
A iniciar o 2º ano
CO Bacharelato e Complemento de formação
7 7 AX Licenciatura A iniciar o 2º ano
A iniciar o 1º ano
IN Bacharelato e Complemento de formação
6 2 MO Licenciatura A iniciar o 1º ano
A iniciar o 1º ano
PB Bacharelato
5 A iniciar o 1º ano
PB Bacharelato
7 A iniciar o 3º ano
8.4. O tempo da investigação
A investigação no terreno e especificamente aquelas que implicam estudos de
caso construtivistas têm como finalidade a melhoria e a mudança da realidade social.
Por isso, são investigações que exigem algum tempo (Serrano, 2004) para recolha de
dados e tornam-se demoradas porque a produção de mudanças necessita, habitualmente,
de períodos de intervenção mais ou menos longos. Acresce o facto de que um estudo em
profundidade implica um tempo prolongado (Serrano, 2004; Stake, 2005) e a presença
suficiente do investigador na realidade social. Por estas razões, este trabalho
corresponde a um período de cinco anos lectivos de pesquisa (embora a intervenção na
instituição ainda se mantenha). Assim, antes de proceder à descrição da recolha de
dados apresenta-se, em esquema, como decorreu o processo de intervenção
(investigação, formação e acção) desenvolvido ao longo do tempo.
Quadro 3 – Plano de intervenção
Ficha de observação das oportunidades educativas da criança: - Observação de experiências de aprendizagem; formas de organização do grupo oportunidades de escolha; modos predominantes de interacção; Escala de envolvimento da criança
Escala de empenhamento do adulto
Entrevistas (Educadora, crianças, coordenadora pedagógica, auxiliar de acção educativa, pai/mãe, director)
Ano lectivo 2001-02
Formação em contexto
223
Ano lectivo 2002-03 Formação em contexto
Ficha de observação das oportunidades educativas da criança: - Observação de experiências de aprendizagem; formas de organização do grupo oportunidades de escolha; modos predominantes de interacção; Escala de envolvimento da criança
Escala de empenhamento do adulto
Entrevistas (Educadora, crianças, coordenadora pedagógica, auxiliar de acção educativa, pai/mãe, director)
Ano lectivo 2003-04
Formação em contexto
Ano lectivo 2004-05
Formação em contexto
Ano lectivo 2005-06
Formação em contexto
Assim, a formação em contexto e a consequente intervenção decorreu ao longo do
período de tempo que compreende o ano lectivo 2001-02 a 2005-06. Mas, dois
momentos específicos foram cruciais no que diz respeito à utilização de técnicas de
recolha de dados. Por esse motivo torna-se necessário situá-los e destacá-los neste
tempo da investigação (Quadro 3). O primeiro momento refere-se ao ano inicial da
pesquisa em que se aplicou a Ficha de oportunidades educativas da criança e que inclui
a Escala de envolvimento das crianças; a Escala de empenhamento do adulto e as
Entrevistas a vários actores da cena educativa. Esta primeira aplicação das técnicas de
recolha de dados foi importante para fazer uma avaliação inicial da realidade em estudo
e estabelecer uma base line sobre o contexto de pesquisa. Também, foi essencial porque
forneceu pistas sobre o estado inicial da realidade permitindo, a partir desses dados,
reflectir e tomar algumas decisões sobre a condução da intervenção. O segundo
momento refere-se ao ano lectivo 2003-04, pois considerou-se importante voltar a
aplicar os mesmos instrumentos nesse ano, desta vez para avaliar as mudanças e a
evolução operada, bem como, para iluminar a tomada de decisões sobre os passos
seguintes da condução da intervenção.
A aplicação destes instrumentos exigiu a deslocação da investigadora ao jardim de
infância em estudo e implicou uma presença sistemática ao longo do tempo e contínua
nos dias de aplicação (manhãs e tardes, inteiras e, também, dias completos).
Acresce, porém, referir que foram igualmente importantes, para toda a pesquisa e
intervenção, a utilização de outras técnicas de recolha de dados como o portfólio de
investigação (notas de campo, registos escritos, produções de natureza reflexiva,
documentos oficiais da instituição, evidencias significativas como fotografias e filmes e
224
produções de natureza reflexiva) e os dossiers de estágio das estagiárias, que
testemunham por escrito e mostram por outros meios as transformações que se foram
operando em todas as dimensões curriculares integradas e, no geral, em toda a
instituição e seus intervenientes. Estas técnicas de recolhas de dados não se encontram
referidas no Quadro 3, porque não tiveram um período específico para aplicações, antes
pelo contrário, foram elaboradas e recolhidas ao longo de todo o tempo da pesquisa.
A utilização de diversos instrumentos de recolha de dados foi um dos meios,
intencionais, que se utilizaram para a triangulação dos dados obtidos e que referiremos
com mais pormenor noutros momentos deste trabalho.
8.5. O Portfólio de investigação como elemento integrador da recolha de
dados: descrição de instrumentos e procedimentos metodológicos
Oliveira-Formosinho refere que os estudos de caso encontram nos portfólios um
instrumento de “documentação sistemática, colaborativa, contextual, portanto referida
a um espaço, a um tempo e suas experiênciações que guardam a memória da
intervenção cooperada como recurso para avaliar a formação em contexto e sustentar
a sua pesquisa” (2002a:105).
Neste estudo, o portfólio de investigação constituiu um instrumento de registo e
colecta de evidências advindos do quotidiano, de cinco anos, na instituição em pesquisa.
Por isso, reuniu um conjunto de dados decorrentes da aplicação de instrumentos e
técnicas de recolha de informação como a Ficha de oportunidades educativas e a escala
de envolvimento da criança, a escala de empenhamento do adulto e entrevistas a
diversos intervenientes da contexto educativo em estudo.
Mas não só. O portfólio foi um espaço para descrever, reflectir, problematizar e
contextualizar a intervenção e a acção e, como tal, integra notas de campo, produções de
natureza reflexiva e registos escritos da investigadora sobre situações, acções, conversas
observadas e dinâmicas em que esteve envolvida. Assim, o portfólio contém, como
referem Bogdan e Biklen, relatos escritos sobre “o que investigador ouve, vê,
experiência e pensa no decurso da recolha e reflectindo sobre os dados” (1994:150).
Neste sentido, anotações sobre a participação em reuniões de formação em contextos ou
outras; as anotações sobre momentos de participação em actividades diversas da
instituição; as anotações sobre ocorrências relatadas, em particular, por algum
interveniente da investigação e outras situações formais ou informais, foram
fundamentais para a interpretação dos factos, para o entendimento das causas, dos
225
efeitos e das conexões entre acções e acontecimentos. Enfim, foi fundamental para a
compreensão do todo.
Documentos oficiais da instituição em estudo como Projecto educativo;
Regulamento interno, Planos anuais de actividades e outros, também integraram o
portfólio de investigação, pois retratam, de algum modo, quem é e como funciona a
instituição20.
O portfólio, também, permitiu colectar documentação significativa sobre as
ocorrências ao longo do tempo de investigação, constituindo um instrumento
fundamental de memória do caso, que a todo o tempo era possível recuperar e analisar.
Assim, não só documentos escritos integraram o portfólio de investigação: registos
fotográficos, filmes e ou outro tipo de produções visuais completou o portfólio de
investigação, constituindo um outro meio de apreender a realidade e apresentá-la.
As notas de campo, quase diárias, dos dias de visita ao jardim de infância em
estudo tinham como objectivo recolher informação sobre a prática em mudança; sobre
os conhecimentos transformados; sobre a acção; sobre a intervenção e sobre os
momentos de formação em contexto. Como tal, ocupou um papel central na organização
da intervenção, em virtude da importância que passou a ter durante todo o processo.
O portfólio de investigação compilou um conjunto de trabalhos que procuraram
evidenciar a natureza reflexiva, colaborativa e interpessoal dos processos de construção
de conhecimentos (Oliveira-Formosinho, 2002b). Sem o portfólio era possível que
muitos factos e desenvolvimentos tivessem passado despercebidos.
É que, todos os elementos do portfólio possibilitavam constatar, passo a passo, o
desenvolvimento da intervenção e fazer a análise dos progressos: analisavam-se as
últimas evidências, comparavam-se com as primeiras e percebiam-se os avanços
obtidos. Neste processo, o investigador teve a possibilidade de, entre momentos, ir
definindo intenções e reflectir para onde desejava ir, quais as decisões a tomar e quais as
escolhas a fazer em função disso. Pois, os diversos elementos, que constituíam a
informação deste estudo, ao serem reunidos no portfólio de investigação, permitiam
obter uma visão integrada dos diferentes dados e, por seu turno, uma compreensão
holística da realidade em pesquisa, que foi fundamental para a decisão sobre as
intenções e os passos a dar em cada momento do longo percurso deste estudo. Assim,
pode-se afirmar que o portfólio de investigação estimulou a reflexão e a
20 Evidentemente que estes documentos não retratam a verdadeira realidade, mas somente a “perspectiva oficial” (Bogdan e Biklen, 1994) da mesma.
226
consciencialização de factos e ocorrências e contribuiu para a estruturação do
conhecimento e a compreensão dos processos no seu fluir (Oliveira-Formosinho,
2002b).
A grande colecta que constituiu o portfólio de investigação permitiu, por outro
lado, percepcionar as experiências vividas pelas educadoras, pelas crianças, pela
instituição em geral, ao longo do tempo, como se contasse uma história com princípio,
meio e fim. Este era também um dos objectivos de elaboração do portfólio de
investigação.
Entre outros aspectos, o interesse do portfólio de investigação, neste estudo,
residiu na possibilidade de utilização triangulada dos diversos métodos de recolha de
dados. Yin (2005) considera que a questão da validade e da confiabilidade de um estudo
de caso se resolve, em parte, pela triangulação efectuada através da utilização de
múltiplas fontes de evidência que convergem para o mesmo conjunto de factos,
fenómeno ou estudo de realidade. Assim, “qualquer descoberta ou conclusão em um
estudo de caso provavelmente será muito mais convincente e acurada se baseada em
várias fontes distintas de informação, obedecendo a um estilo corroborativo de
pesquisa” (Yin, 2005:126). Pode-se afirmar, neste contexto, que o portfólio de
investigação reuniu as várias fontes distintas de informação, de que fala Yin (2005), que
convergiram, a cada passo, para iluminar a realidade em estudo.
Também, de acordo com Stake (2005) nos estudos de caso o investigador deve
recorrer a uma ou mais do que uma estratégia de triangulação, que existem para
aumentar a credibilidade do estudo. Neste contexto, baseando-se em Denzin (1978),
Stake (2005) e Gómez, Flores e Jiménez (1996) identificam quatro modalidades de
triangulação. A citação seguinte explicita o que referem esses autores.
“1. Triangulação de dados – utilizando uma grande variedade de fontes de dados em
estudo.
2. Triangulação do investigador – utilizando diferentes investigadores ou avaliadores
3. Triangulação teórica – utilizando diferentes perspectivas para interpretar um único
conjunto de dados.
4. Triangulação metodológica – utilizando múltiplos métodos para estudar um único
problema.
5. Triangulação disciplinar – utilizando distintas disciplinas para informar a investigação”
(Gómez, Flores e Jiménez, 1996:70).
227
Ocorre, por agora, dizer que se utilizou mais do que uma modalidade de
triangulação. A triangulação metodológica foi concretizada através da utilização de
vários métodos que implicaram técnicas diferenciadas como a observação, a entrevista,
a análise documental, concorrendo de forma convergente com evidências para o estudo
da realidade (Yin, 2005). A triangulação de dados obtidos com a Ficha de observação
das oportunidades educativas, Escala de envolvimento, a Escala de empenhamento e as
entrevistas permitiram o cruzamento de dados provenientes de várias fontes, técnicas e
instrumentos. Estes dados foram cruzados com as notas de campo e outros documentos
recolhidos pela investigadora. Os dados foram ainda cruzados, a cada passo, com as
informações recolhidas nos dossiers de estágio das alunas. A triangulação de
investigadores foi conseguida entre a investigadora da pesquisa e uma investigadora
externa que acompanhou toda a pesquisa e possibilitou a discussão e a reflexão crítica e
objectiva de todo o percurso. Esta investigadora participou na análise de conteúdo das
entrevistas confirmando a categorização efectuada. Mais dois momentos significativos,
no percurso deste trabalho, contribuíram para esta modalidade de triangulação. Um
momento refere-se à fase em que uma investigadora externa comparou com a
investigadora da pesquisa dados de observação da Ficha de oportunidades educativas,
Escala de envolvimento e Escala de Empenhamento, através de observações efectuadas
no terreno por ambas as investigadoras. E, o outro momento refere-se à inserção e à
observação efectuada por uma investigadora externa no contexto de pesquisa e que
permitiu presenciar, examinar, compreender, consciencializar e avaliar objectivamente a
realidade e a acção dos intervenientes do jardim de infância em estudo.
Será interessante referir com Stake (2005) que as interpretações alternativas, não
invalidam os dados do investigador, antes podem constituir um contributo enriquecedor
para a investigação.
As referências teóricas de pedagogos como Freinet, Dewey, Malaguzzi, entre
outros, permitiram ainda uma triangulação teórica, dado que os referenciais desses
autores da pedagogia da infância orientaram a interpretação dos dados obtidos na
investigação.
A especificação dos momentos e dos processos de triangulação descritos serão
assinalados, também, ao longo do estudo.
Também é importante referir que critérios de rigor e ética, outra forma de
triangulação, presidiram, antes de mais, a todo o percurso de investigação. Em primeiro
228
lugar pelo uso de instrumentos partilhados pela comunidade científica21 e pelo treino22
da investigadora em momentos prévios à sua aplicação. Em segundo lugar, pelo rigor da
monitorização e pela significância construída no processo. Em terceiro lugar, pelo
cuidado e pela autenticidade tida na descrição e na interpretação dos dados.
8.5.1 Instrumentos de recolha de dados e os procedimentos metodológicos
A recolha de dados desta investigação centrou-se, como foi referido
anteriormente, numa diversidade de instrumentos e técnicas que foram colectadas no
portfólio de investigação. Neste ponto do trabalho pretende-se descrever cada
instrumento e explicitar o procedimento metodológico utilizado em termos de recolha e
tratamento dos dados.
8.5.1.1 As notas de campo, os registos escritos, as produções de natureza reflexiva,
documentos oficiais da instituição em estudo e evidencias significativas como fotografias e filmes
Os diferentes elementos que integram o portfólio de investigação tais como notas
de campo, registos escritos, produções de natureza reflexiva, documentos oficiais da
instituição, evidencias significativas como fotografias e filmes e produções de natureza
reflexiva constituíram uma panóplia imensa de informações que complementaram todo
o estudo. As notas de campo, outros registos escritos e produções de natureza reflexiva
descrevem detalhadamente situações e ocorrências ao longo do tempo. Os documentos
oficiais da instituição representam como esta é definida pelos vários intervenientes da
mesma. Os materiais fotográficos e os filmes sugerem aspectos da vida, da cultura e das
práticas da instituição e dos seus intervenientes.
Estes materiais têm interesse, também, pela triangulação de dados que é possível
fazer com outras informações recolhidas por outros instrumentos e fontes.
8.5.1.2 A ficha de observação das oportunidades educativas das crianças
A ficha de observação das oportunidades educativas das crianças tem origem no
Projecto EEL – Efective Early Learning (Pascal e Bertram, 1999)23. É uma ficha de
observação composta por vários itens: experiências de aprendizagem; oportunidades de
21Como a Ficha de oportunidades educativas que inclui a Escala de envolvimento (Pascal e Bertram, 1999) e a Escala de empenhamento do adulto (Leavers, 1994; Pascal e Bertram, 1999) 22 A investigadora teve formação e treino nessas escalas, no âmbito da formação realizada no projecto DQP – Desenvolvendo a qualidade em parcerias (1997-2000) 23 Sob a coordenação científica de Júlia Oliveira-Formosinho, este instrumento foi adaptado, à realidade portuguesa, pela Associação Criança e pelo projecto DQP – Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias promovido pelo ME-DEB-NEPE (1997-2000)
229
escolha proporcionadas às crianças; formas de organização do grupo; modos
predominantes de interacção criança/adulto; e escala de envolvimento. Este instrumento
de observação destina-se ao contexto de jardim de infância e evidencia o seu quotidiano.
Assim, observa-se uma amostra de crianças, determinada em função dos objectivos da
investigação, para obter informações sobre o quotidiano da criança no contexto de
jardim de infância.
A ficha de observação das oportunidades educativas das crianças num primeiro
item permite, através de uma escala, identificar os níveis de iniciativa da criança
possibilitados pela organização da sala. Os níveis são classificados de 1 a 4:
Nível 1 – Não é dada escolha à criança. Esta tem que fazer a actividade proposta
Nível 2 – É oferecido um número limitado de escolhas de enre determinadas
actividades.
Nível 3 – Há algumas actividades que não podem ser escolhidas.
Nível 4 – É dada total liberdade de escolha à criança
Um segundo item permite conhecer as experiências de aprendizagem
proporcionadas à criança, dispostas pelas três áreas de conteúdo das Orientações
Curriculares para a Educação Pré-escolar e respectivos domínios24.
Um terceiro item permite detectar o tipo de interacção dominante entre criança-
criança e criança-adulto nas mais diversas vertentes.
Um quarto item permite entender as formas de organização do grupo dominantes
(grande grupo; pequeno grupo; par; individual) assinalando-se a situação predominante
no momento da observação.
Um quinto item corresponde à Escala de envolvimento da criança25 (Laevers,
1994b) que é composta por cinco níveis assinaláveis. Esses níveis são:
Nível 1 – Inactiva
Nível 2 – Actividade interrompida
Nível 3 – Actividade mais ou menos contínua
Nível 4 – Actividade com momentos de grande intensidade
Nível 5 – Actividade contínua e intensa
24 Área de Formação pessoal e social; Área das Expressões e comunicação: domínio da linguagem oral e abordagem à escrita, matemática, expressão plástica, motora, dramática e musical; Área do conhecimento do mundo 25 A investigadora teve formação e treino na escala de Envolvimento da criança no âmbito da formação realizada no projecto DQP – Desenvolvendo a qualidade em parcerias (1997-2000)
230
Nesta investigação usou-se a Ficha de observação das oportunidades educativas
das crianças em todos os seus itens. No ano lectivo de 2001-02 aplicou-se a ficha em
todas as salas do jardim de infância, mas observando-se apenas um grupo de crianças de
cada sala26, perfazendo um total de 39 crianças (Quadro 4). No ano lectivo 2003-04
aplicou-se a ficha em todas as salas do jardim de infância (excepto na sala dos três
anos27), observando-se também apenas uma parte do grupo de crianças de cada sala,
perfazendo um total de 30 crianças (Quadro 4).
Quadro 4 – Total de crianças observadas por anos lectivos e por sala:
Ficha de oportunidades educativas da criança
Grupo 5anos
Grupo 4anos
Grupo 3anos
Grupo Misto
Total de crianças
Total de observações
Ano lectivo 2001-02
10 10 9 10 39 156
Ano lectivo 2003-04
10 10 -- 10 30 120
As crianças foram seleccionadas aleatoriamente, tendo em consideração um
número igualado de meninas e de meninos. Em cada ano lectivo, foram realizadas
quatro observações por cada criança, o que perfaz um total de 156 observações no ano
lectivo 2001-02 e um total de 120 observações no ano lectivo de 2003-04 (Quadro4).
Estabeleceu-se que duas observações seriam feitas na parte da manhã e duas da parte de
tarde. Cada momento de observação tinha a duração de cinco minutos. Simultaneamente
a investigadora efectuava o registo da observação na ficha (em espaço próprio). No final
da observação pontuava os diferentes itens e níveis da escala da Ficha de oportunidades
educativas da criança. Este procedimento permitia obter informação representativa das
oportunidades educativas nos diferentes tempos da rotina diária e sobre o quotidiano das
salas em estudo.
A Escala de envolvimento da criança é um instrumento usado pela comunidade
científica, não só portuguesa, como internacional. Este facto permite, por um lado,
comparações de resultados, entre investigadores de realidades diferentes, o que constitui
um tipo de triangulação de fontes e, por outro lado faculta uma monitorização do
26 Os autores aconselham a seleccionar um grupo de crianças por contexto. Deste modo, considerou-se que a amostra de crianças por sala, indicada no Quadro 4, era representativa para obter a informação pretendida. Neste sentido, optou-se ainda por observar grupos formados por igual número de meninos e meninas. 27 A investigadora não tinha facilidade em observar esta sala, pois a educadora não era cooperante de estágios nesse ano lectivo
231
processo de investigação. Estas possibilidades aumentam a validade e confiabilidade do
estudo.
8.5.1. 3 A Escala de empenhamento do adulto
A Escala de empenhamento do adulto (Laevers, 1994b) baseia-se no conceito de
que a natureza da relação entre o adulto e crianças pode ser categorizada como
apresentando ou não características de empenhamento. Assim, Laevers (1994b)
identificou três categorias grandes categorias: sensibilidade, estimulação e autonomia.
Com estas categorias Laevers (1994b) construiu uma grelha de observação na qual
especificou vários tipos de comportamento em cada uma destas categorias. Pascal e
Bertram (1999) adaptaram e utilizaram esta escala no âmbito do Projecto EEL –
Efective Early Learning, pois consideram que este instrumento possibilita “fazer uma
avaliação objectiva da qualidade das interacções de um adulto com uma criança”
(Pascal e Bertram, 1999:30). É que, se parte do pressuposto de que a qualidade das
interacções entre adulto e crianças é um factor crítico na eficácia das experiências de
aprendizagem (Pascal e Bertram, 1999). Assim, para explicitar algumas atitudes
referentes a cada uma das categorias utiliza-se a citação de (Pascal e Bertram, 1999:30):
“Sensibilidade – trata-se neste caso da sensibilidade do adulto aos sentimentos e bem-estar
da criança e inclui elementos de sinceridade, empatia, capacidade de resposta e afecto.
Estimulação – Esta é a forma por que o adulto intervém num processo de aprendizagem e o
conteúdo de tais intervenções
Autonomia – Este é o grau de liberdade que o adulto dá à criança para experimentar, fazer
juízos de valor, escolher actividades e expressar ideias. Inclui também o modo como o
adulto gere os conflitos, os regulamentos e as questões comportamentais”
A escala de empenhamento28 é composta por estas três categorias e cada uma
delas é caracterizada por um conjunto de atitudes. O investigador deve observar as três
categorias, numa acção, durante dois minutos e registar resumidamente o que observou
em folha própria. Após os dois minutos de observação o investigador deve ponderar
sobre as categorias observadas (Sensibilidade, Estimulação e Autonomia) e decidir
quais as atitudes predominantes no adulto observado nessas três categorias, pontuando-
28 Sob a coordenação científica de Júlia Oliveira-Formosinho, este instrumento foi adaptado, à realidade portuguesa, pela Associação Criança e pelo projecto DQP – Desenvolvendo a Qualidade em Parcerias promovido pelo ME-DEB-NEPE (1997-2000)
232
as através de uma escala de cinco pontos29 e assinalando em local próprio na folha de
registo.
Nesta investigação usou-se a Escala de empenhamento do adulto30 no ano lectivo
2001-02 para avaliar as características iniciais das educadoras a esse nível e
posteriormente voltou-se a aplicar a mesma escala em 2003-04 (Quadro 3). Para tal,
observaram-se, em cada ano lectivo, as educadoras participantes no estudo (Quadro 5),
em momentos de actividade. Combinou-se que cada observação duraria três minutos.
Cada educadora seria observada em dois dias diferentes e em cada dia seria observada
cinco vezes seguidas de manhã e cinco vezes seguidas de tarde. Simultaneamente a
investigadora efectuava o registo da observação na ficha de observação (em espaço
próprio). No final da observação ponderava sobre as atitudes e pontuava imediatamente.
Acresce referir que no total cada educadora foi observada durante 60minutos. Estes
procedimentos permitiam obter informação representativa das atitudes de
empenhamento das educadoras nos diferentes tempos da rotina diária e o quotidiano das
salas em estudo.
Quadro 5 – Total de adultos observados por anos lectivos:
Escala de empenhamento do adulto
Ano lectivo 2001-02
Educadora AL Educadora CO Educadora IN Educadora PB
1º Dia
Nº observ.
2º Dia
Nº observ.
1º Dia
Nº observ.
2º Dia
Nº observ.
1º Dia
Nº observ.
2º Dia
Nº observ.
1º Dia
Nº observ.
2º Dia
Nº observ.
M T M T M T M T M T M T M T M T
5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5
Duração de cada observação = 3min.
Ano lectivo 2003-04
Educadora DO Educadora AX Educadora PB
1º Dia
Nº observ.
2º Dia
Nº observ.
1º Dia
Nº observ.
2º Dia
Nº observ.
1º Dia
Nº observ.
2º Dia
Nº observ.
M T M T M T M T M T M T
5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5
Duração de cada observação = 3min.
29 A escala composta por cinco pontos representa um continuum dos níveis de empenhamento que vai do um aos cinco. Cada ponto da escala retrata o grau em que as acções observadas representam atitudes de apoio à aprendizagem das crianças. Explicita-se a pontuação de um a cinco: o ponto 5 – Atitudes de total empenhamento; o ponto 4 – Atitudes predominantes de empenhamento com traços de não empenhamento; o ponto 3 – Atitudes nem de empenhamento nem de falta de empenhamento; o ponto 2 – Atitudes predominantes de falta de empenhamento com traços de empenhamento; o ponto 1 – atitudes de total falta de empenhamento (ME-DEB-NEPE, 1998) 30 A investigadora teve formação e treino na escala de Empenhamento do adulto no âmbito da formação realizada no projecto DQP – Desenvolvendo a qualidade em parcerias (1997-2000)
233
A Escala de empenhamento do adulto é um instrumento usado pela comunidade
científica nacional e internacional. Este facto permite, por um lado, comparações de
resultados, entre investigadores de realidades diferentes, representando um tipo de
triangulação de fontes e, por outro lado, faculta uma monitorização do processo de
investigação. Estas possibilidades aumentam a validade e confiabilidade do estudo.
8.5.1. 4 As entrevistas
Entre as técnicas de recolha de informações, disponíveis em metodologia
qualitativa, a entrevista é uma das mais utilizadas. Ludke e André (1986) consideram
que a técnica de entrevista desempenha um papel importante na actividade científica e
especificamente na pesquisa em educação.
Sendo a entrevista “uma conversa entre o entrevistado e um entrevistador que
tem o objectivo de extrair determinada informação do entrevistado” (Moser e Kalton,
1971 cit. Bell, 1997:118), permite captar a informação desejada de uma forma directa e
imediata “praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados
tópicos” (Ludke e André, 1986: 34). A técnica de entrevista possibilita, também, ter
acesso ao que as pessoas pensam sobre determinado assunto, aos seus pontos de vista,
aos seus valores. No fundo permite aceder aos significados que as pessoas atribuem às
coisas e às situações (Ludke e André, 1986), respeitando como refere Quivy e
Campenhoudt “os seus próprios quadros de referência – a sua linguagem e as suas
categorias mentais” (1992:195). Deste modo, a entrevista possibilita um “grau de
profundidade dos elementos de análise recolhidos” (Quivy e Campenhoudt, 1992:195)
que constituem uma das grandes vantagens desta técnica.
Nesta investigação, utilizaram-se os Guiões de entrevistas propostos pelo EEL
Project / Projecto DQP – Avaliação e Desenvolvimento da Qualidade nos
Estabelecimentos de Educação Pré-escolar (ME-DEB- NEPE, 1998), por se
considerarem abrangentes e adequados à problemática em estudo31. Os guiões das
entrevistas foram utilizados apenas como referência e orientação para o entrevistador.
Assim, o guião teve como função, por um lado, “levantar uma série de tópicos”
(Bogdan e Biklen, 1994:135) e não fugir, durante a entrevista, demasiado ao assunto em
estudo. E, por outro lado, no desenrolar da entrevista, possibilitou ao entrevistado
definir o seu conteúdo. Por estes motivos pode considerar-se que se efectuaram
31 Além disso, a investigadora estava familiarizada com os referidos guiões dada a formação que realizou no âmbito do Projecto DQP – Desenvolvendo a qualidade em parcerias (1997-2000)
234
entrevistas semi-estruturadas. Quivy e Campenhoudt esclarecem a função do guião das
entrevistas semi-estruturadas através das seguintes considerações:
“Geralmente o investigador dispõe de uma série de perguntas – guias, relativamente
abertas, a propósito das quais é imperativo receber uma informação da parte do
entrevistado. Mas não colocará necessariamente todas as perguntas na ordem em que as
anotou e sob a formulação prevista. Tanto quanto possível, ‘deixará andar’ o entrevistado
para que este possa falar abertamente, com as palavras que desejar e na ordem que lhe
convier” (1992: 194).
Foi neste quadro flexível que a investigadora se colocou quando escolheu o guião
e realizou todas as entrevistas, desta investigação. Ludke e André explicitam esta
postura que corresponde à entrevista semi-estruturada a partir da seguinte definição:
“a entrevista semi-estruturada, (é aquela) que se desenrola a partir de um esquema básico,
porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias
adaptações” (1986 :34).
Estas entrevistas pelo grau de flexibilidade e maleabilidade de aplicação são,
segundo Quivy e Campenhoudt (1992), consideradas apropriadas para recolher dados
em estudos qualitativos, como acontece nesta investigação.
O grupo de entrevistados foi constituído por diferentes actores do cenário de
educação pré-escolar em estudo. Era necessário entrevistar uma educadora, uma auxiliar
de educação, a coordenadora do jardim de infância, um director, um pai/mãe e duas
crianças. Tratava-se de seleccionar um pequeno grupo de sujeitos e não uma amostra
extensiva. É sabido que em investigação qualitativa se trabalha com amostras mais
pequenas, do que em investigação quantitativa, e que no primeiro caso as amostras
tendem a ser intencionais, enquanto que as segundas são aleatórias (Bogdan e Biklen
1994; Almeida, e Freire, 1997).
Deste modo, os indivíduos foram seleccionados, tendo-se partido do pressuposto
de que representariam particularmente bem o conjunto de sujeitos que iam retractar32.
32 Por exemplo um pai que representasse convenientemente o grupo de pais; uma educadora que representasse comummente o grupo de educadoras etc. Nesta selecção, a investigadora teve a colaboração da coordenadora pedagógica por conhecer melhor alguns desses actores e por a sua opinião, em conjunto com a investigadora, contribuir para uma escolha o mais objectiva, isenta e criteriosa possível. É que, deste modo, estava-se a ter como cuidado metodológico, usar mais do que uma perspectiva para, assim, reduzir as possibilidades de enviesamento.
235
Posteriormente, foram contactados para se perceber se teriam disponibilidade para
participar na realização da entrevista.
Assim, como referem Bogdan e Biklen (1994) e Almeida e Freire (1997) tratou-se
de um método não probabilístico de amostragem, que se revela muito útil quando se
pretende estudar determinado grupo e não amostras de sujeitos. Para explicitar melhor
esta noção atente-se à definição que Almeida e Freire apresentam:
“A diferenciação entre grupos e amostras de sujeitos prende-se, por um lado, com o
número de efectivos considerados (menor, em geral, no caso dos grupos) e, por outro, com
a metodologia de amostragem seguida (menos aleatória no caso dos grupos)” (1997: 104-
105)
Nesta linha pode-se dizer que se tratou de uma amostra intencional tal como ela é
definida por Almeida e Freire na medida em que:
“determinado grupo de indivíduos ‘representa’ particularmente bem determinado
fenómeno, opinião ou comportamento e, por esse facto, são escolhidos para o seu estudo”
(1997:105).
Acresce ainda referir que os estudos de grupos trazem vantagens quando se
pretende estudar determinado assunto em profundidade mas, por outro lado, perde-se
“qualquer possibilidade de generalização dos dados e das conclusões obtidas para
outras situações ou amostras para além daquelas em que a investigação se
concretizou” (Almeida e Freire, 1997:104), o que não contrariava o estudo que se
desejava levar a cabo.
Para garantir a validade e a fiabilidade das entrevistas consideraram-se, ainda,
algumas exigências e cuidados, recomendados por alguns autores, nesta fase de recolha
dos dados.
Previamente ao momento da entrevista, os sujeitos de investigação eram
contactados e informados sobre “os objectivos da entrevista” (Ludke e André, 1986:37)
e garantia-se que as informações fornecidas seriam “utilizadas exclusivamente para fins
de pesquisa” (Ludke e André, 1986:37) respeitando o sigilo e o anonimato dos
informantes (Ludke e André, 1986; Bodgan e Biklen, 1994). Este contacto servia,
igualmente, para obter a adesão e o consentimento dos sujeitos para participar na
investigação, através da realização da entrevista. Após o consentimento dos
236
participantes, neste primeiro contacto pessoal, era marcada a data, a hora e o local para
fazer a entrevista. Acresce referir que todos os sujeitos contactados acederam a realizar
a entrevista com disponibilidade e interesse em colaborarem.
As entrevistas foram realizadas no jardim de infância em estudo. Procurou-se,
encontrar um espaço adequado à realização da entrevista (um dos gabinetes da
instituição em estudo) – reservado, sem ruídos perturbadores da atenção, cómodo e que
permitisse não ter interrupções.
As informações sobre sigilo e anonimato foram sempre repetidas aos participantes
no início de cada entrevista. E, após o pedido do investigador e o consentimento do
entrevistado para gravar a conversa garantia-se aos informantes a possibilidade de
corrigir alguma resposta após o final da entrevista ou depois da transcrição das mesmas
(Woods, 1987). No grupo de entrevistados, deste estudo, nenhum manifestou a
necessidade de requerer esse direito o que, nesta dimensão, contribui para a validade
dos dados obtidos.
No decorrer das entrevistas procurou-se criar um clima de conforto, confiança,
empatia, credibilidade e relação (Woods, 1987; Ludke e André, 1986; Bogdan e Biklen,
1994) para que o entrevistado se sentisse à vontade para falar e se expressar livremente.
Para criar este clima é importante que o entrevistador encoraje os entrevistados a
falarem. Assim, estar atento; acenar com a cabeça; utilizar expressões faciais
adequadas; e não emitir juízos de valor acerca do que o entrevistado revela (Woods,
1987; Ludke e André, 1986; Bogdan e Biklen, 1994) são, entre outras, algumas das
atitudes do entrevistador que ajudam à estimulação das respostas. Saber ouvir é outra
atitude, do entrevistador, que ajuda a criar um clima propício à entrevista. Ouvir
pacientemente o que a pessoa tem para dizer não interrompendo ou desviando as
respostas, “como se ela fosse potencialmente desvendar o mistério que é o modo de
cada sujeito olhar para o mundo” (Bogdan e Biklen, 1994:137), são algumas das
atitudes que desenvolvem um sentimento de confiança e relação facilitadora da
comunicação. Igualmente, saber esperar nos momentos de silêncio e saber utilizá-los
para colocar uma questão apropriada são atitudes que favorecem o fluir da
comunicação. Por vezes torna-se necessário fazer perguntas de esclarecimento ou de
especificação sobre o que o sujeito está a dizer. Neste caso, como referem Bogdan e
Biklen, quando não se conseguir compreender o que o entrevistado está a exprimir
“faça perguntas, não com o intuito de desafiar, mas sim de clarificar” o assunto
(1994:137). A técnica de entrevista (semi-estruturada) requer flexibilidade por parte do
237
entrevistador (Bogdan e Biklen, 1994) para, sem condicionar as respostas, tentar captar
com detalhe o que vai no interior do entrevistado.
Os cuidados, anteriormente relatados, fazem parte de um conjunto de exigências
que Ludke e André referem ser necessário, devido a “um muito grande respeito pelo
entrevistado” (1986:35) e que os bons entrevistadores devem possuir. Então, ao longo
do percurso das entrevistas, procurou-se ter presentes estas referências.
Acresce de resto dizer, como foi anteriormente descrito, que as entrevistas foram
flexivelmente orientadas por um guião contendo os pontos principais sobre a
problemática desta investigação. Procurou-se efectuar todas as questões contidas no
guião, embora nem sempre pela ordem aí indicada, dependendo este facto do
desenvolvimento da própria entrevista.
Finalmente, resta dizer que no total foram efectuadas catorze entrevistas. Sete em
cada um dos anos lectivos, antes indicados. As entrevistas oscilaram, em duração, entre
cerca de 40 min. e 60 min. Todas as entrevistas foram gravadas em fita magnética, por
um lado, pela vantagem de captar, de forma completa (Bogdan e Biklen 1994), tudo o
que os entrevistados referiam e, por outro lado, para deixar o entrevistador livre para
prestar atenção ao entrevistado e captar:
“toda uma gama de gestos, expressões, entoações, sinais não-verbais, alterações de ritmo,
enfim toda uma comunicação não verbal cuja captação é muito importante para a
compreensão e a validação do que foi efectivamente dito” (Ludke e André, 1986:36).
À medida que se efectuavam as entrevistas ia-se fazendo a sua transcrição literal.
Este processo revelou-se extremamente moroso. Os autores, Bogdan e Biklen, estimam
que “uma entrevista de uma hora, quando dactilografada, fica em cerca de vinte a
quarenta páginas de dados (...) isto significa centenas de horas do seu trabalho”
(1994:173). Mas, por outro lado, este processo permitiu ter um contacto, actualizado e
próximo dos dados que proporcionou um domínio geral e um conhecimento
aprofundado de toda a informação obtida que se tornou extremamente útil na fase de
categorização das informações.
Referiu-se, anteriormente, que foram efectuadas e transcritas catorze entrevistas,
as quais permitiram ter um conhecimento abrangente da problemática em causa e ir,
posteriormente, tomando decisões acerca da intervenção, bem como, passar para uma
fase de maior especificidade e aprofundamento do estudo do caso.
238
8.5.1.4.1 A especificidade das entrevistas a crianças
A especificidade das entrevistas a crianças requer, neste trabalho, que se faça um
breve destaque no conjunto das restantes entrevistas que foram efectuadas aos adultos.
Essa especificidade exige, também, que se refiram os cuidados e as condições
particulares que foram criadas para manter a confiabilidade, a consistência e a validade
deste estudo.
A prática de entrevistar crianças tem vindo a ser, nos últimos anos, muito
valorizada em vários estudos. Antes, era uma técnica pouco explorada na literatura por
se pensar que a criança era incapaz de falar das suas ideias, experiências e opiniões e
por ser difícil entrevistá-la (Walsh, Tobin e Graue, in Spodek, 2002). Actualmente surge
uma nova vaga em relação a esta atitude, cujos autores afirmam a crença de que a
criança é capaz de dar informações e exprimir opiniões.
Reiterando esta perspectiva, emerge como primeira crença a concepção de criança
competente (capaz de comunicar, exprimir, levantar hipóteses, relacionar factos etc.)
(Oliveira-Formosinho e Araújo, 2004; Zabalza, 1996; Jenks, 2001 in Christensen e
James, 2001; Christensen e James, 2001 in Christensen e James, 2001)
A segunda crença afirma a concepção de criança sujeito de direitos (que deve ser
ouvida acerca de temas que lhe dizem respeito, pois isso pode ajudar os adultos a tomar
melhores decisões) (Unicef - Convenção dos direitos da criança, 1989; Oliveira-
Formosinho e Araújo, 2004; Pinto e Sarmento, 1997).
Neste cenário, sublinha-se como terceira crença o reconhecimento da alteridade
da criança. Esta noção explicita que as crianças, não só, são diferentes dos adultos,
como não são adultos em miniatura nem, tão pouco, são seres em desenvolvimento até
(à espera) de se tornarem adultos (Oliveira-Formosinho e Araújo, s/d). Neste sentido,
Oliveira-Formosinho e Araújo referem que a criança deve ser entendida “como um ser
humano pleno de direitos e competências que deverão ser valorizados per se” (s/d:7) e,
como tal capaz de “compreender, reflectir, dar respostas válidas e participar na vida
social” (s/d:6)
A quarta crença afirma a concepção de criança participante activa, co-construtora
de conhecimento, identidade, cultura e com voz própria que deverá ser considerada
(Dahlberg, Moss e Pence, 1999). Esta é, também a perspectiva da Associação Criança
(Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2001).
239
Neste contexto, as entrevistas constituem uma das melhores oportunidades para
perceber o que a criança pensa. É que, as entrevistas às crianças constituem “uma
oportunidade dirigida para a recolha directa de dados, permitindo ao investigador
fazer perguntas aos informantes” (Walsh, Tobin e Graue, in Spodek, 2002:1055).
Sendo considerada uma técnica útil e adequada, a entrevista tem sido usada e
aconselhada por vários autores na pesquisa educacional com crianças pequenas (Mayall,
2001 in Christensen e James, 2001; O’Kane, 2001 in Christensen e James, 2001; Scott,
2001 in Christensen e James, 2001; Roberts, 2001 in Christensen e James, 2001; Walsh,
Tobin e Graue, in Spodek, 2002). Porém, alguns cuidados específicos devem ser
tomados para que as entrevistas com crianças decorram num cenário o mais natural
possível e as informações tenham consistência e validade. Assim, nesta investigação
seguiram-se procedimentos indicados na literatura sobre cuidados acrescidos a ter nas
entrevistas a crianças. Nos dois anos lectivos em que foram realizadas as entrevistas
seguiram-se os mesmos procedimentos que se descrevem seguidamente. Usou-se nesta
investigação, como foi anteriormente referido, um guião semi-directivo de entrevista a
crianças33, identificado como um dos mais adequados para entrevistas a crianças
(Oliveira-Formosinho e Araújo, s/d). Contactaram-se duas crianças, de grupos etários
diferentes, e perguntou-se se quereriam ajudar os adultos num trabalho, participando
numa conversa e respondendo a algumas perguntas. As crianças prontamente mostraram
vontade em colaborar. Esta estratégia de entrevistar crianças aos pares ou em pequenos
grupos é sugerida por D’Amato (1986) e Baturka e Walsh (1991) referidos por Walsh,
Tobin e Graue (in Spodek, 2002) e por Oliveira-Formosinho e Araújo (s/d) que
consideram que duas ou um pequeno grupo de crianças é um procedimento que deixa as
crianças mais relaxadas por estarem acompanhadas e, por isso, mais à vontade na
entrevista para se entreajudarem, lembrarem-se de situações, discutirem e até
completarem-se nas respostas.
As entrevistas a crianças requerem cuidados especiais no modo como se
formulam as perguntas e no ambiente que é criado ao serem realizadas. Assim,
combinou-se que as entrevistas seriam feitas num gabinete do jardim de infância, por
ser um local conhecido das crianças e com condições adequadas para a entrevista. Neste
contexto, considerou-se que a qualidade das respostas dependeria, entre outros factores,
da familiaridade das crianças com o local, pois este pode contribuir para reduzir
algumas inseguranças e favorecer a motivação das crianças para responder (Oliveira- 33 Guião do Projecto DQP – Desenvolvendo a qualidade em parcerias (1997-2000)
240
Formosinho e Araújo, s/d). Combinou-se, também, que não seria a investigadora34 a
fazer as perguntas às crianças, mas seriam dois dos adultos que estão com as crianças
diariamente nas salas de actividades e que mantém uma relação muito próxima e de à
vontade com as crianças. Neste contexto, consideramos que a qualidade das respostas
dependeria, entre outros factores, da qualidade da relação entre os entrevistadores e as
crianças entrevistadas (Walsh, Tobin e Graue (in Spodek, 2002). Deste modo, criou-se
um ambiente para um relato livre, espontâneo, natural e o mais próximo possível de
uma conversa do dia a dia entre adultos e crianças. Pensa-se, igualmente, ter contribuído
para evitar o tipo de respostas que as crianças sabem que são socialmente aceites, isto é,
que as crianças consideram que satisfazem o adulto, pois é aquilo que o adulto quer
ouvir (Oliveira-Formosinho e Araújo, s/d). O investigador esteve presente para auxiliar
nalguma dúvida ou problema que surgisse e para dar indicações aos entrevistadores
sobre o aprofundamento das respostas, sobretudo naquelas em que as crianças se
limitavam a dar respostas do género: “sim”, “não”, “muito” etc.
As crianças mostraram-se disponíveis em responder às perguntas, embora
tivessem começado a entrevista com uma certa timidez e um ar desconfiado. Mas, ao
fim de algum tempo respondiam espontaneamente, não se encontrando grandes
dificuldades em obter as respostas das crianças. E, embora as suas frases fossem
frequentemente curtas e com baixo conteúdo linguístico, as crianças revelaram, de
modo geral, ter percebido o que o adulto lhes perguntava, tendo respondido a todas as
perguntas.
8.5.1. 5 A consulta documental de dossiers de prática pedagógica das estagiárias
Os dossiers de prática pedagógica35 das estagiárias do curso de educação de
infância possuem um manancial de relatos e informações que mostram, ilustram e
testemunham o que foi efectuado e transformado nas salas em estudo, dado que as
alunas estagiavam nas salas de jardim de infância em pesquisa. Os dossiers de estágio
incluíam todo o tipo de documentação produzida pelas estagiárias durante o ano de 34 Apesar das crianças conhecerem a investigadora, por ter visitado as suas salas de actividades várias vezes nesses anos de pesquisa, considerou-se que pessoas mais familiares às crianças as deixariam mais à vontade na entrevista. 35 Até ao ano lectivo de 2004-05 este documento de compilação, descrição e reflexão dobre a prática pedagógica era denominado de dossier de estágio. Porém, a partir desse ano lectivo tendo-se pretendido dar-lhe um carácter mais reflexivo passou a chamar-se Portfólio reflexivo. Usa-se, neste trabalho, a denominação de dossier de estágio porque este ocupou a maior parte do tempo desta investigação e porque a elaboração do Portfólio reflexivo (a partir de 2004-05) estava a dar os primeiros passos e, por isso, a sua elaboração era ainda principiante e, até ao final desta investigação, ainda um pouco incipiente para ser considerado como tal.
241
estágio36: descrições, análises e reflexões sobre actividades e projectos; planificações;
registos de observação; organização do espaço, do tempo e dos materiais; elaboração de
instrumentos de trabalho; relatório de reuniões; narrações de intervenção ao nível da
instituição ou da comunidade, nomeadamente com os pais e outros agentes;
caracterizações do meio, instituições e crianças; recolha e análise de documentos da
instituição como o Projecto educativo, Plano anual de actividades, Regulamento Interno
e Plano Curricular; inquéritos; entrevistas e outras produções que as estagiárias
considerassem significativas. Os dossiers incluíam, ainda, um tipo de documentação não
escrita que poderia compreender desde as fotografias, filmes e gravações às produções
das crianças.
Todos esses documentos possuíam um considerável interesse na medida em que
eram reveladores da acção, das decisões e das práticas concretizadas e que de, algum
modo, eram expressão da equipa pedagógica da sala. É que, acresce dizer, as
educadoras não escrevem sobre a sua prática, mas as estagiárias tem de o fazer e
incluem essas produções no dossier de estágio que é partilhado e do conhecimento da
respectiva educadora. Este último, aspecto também é revelador da validade deste
documento. Por seu turno, o seu interesse, neste estudo, reside na sua utilização
triangulada com outros dados.
A análise documental do conteúdo dos dossiers de prática pedagógica das
estagiárias do curso de educação de infância permitiu aceder e verificar como foram
postos em prática os processos de reflexão e mudança resultantes da formação em
contexto. Possibilitou, ainda, perceber a evolução dos conhecimentos e a transformação
da prática.
8.6. O portfólio de investigação e o tratamento dos dados
Os dados recolhidos constituem um material bruto que necessita ser tratado de
modo a se conseguir a sua redução, simplificação, selecção e organização, até se
obterem elementos manuseáveis que permitam estabelecer relações, fazer interpretações
e chegar a resultados ou conclusões (Gomez, Flores e Jiménez, 1999). O tratamento dos
dados é uma das tarefas mais difíceis no processo de investigação qualitativa. É que, o
36 O investigador colectou ao longo dos anos, deste estudo, todos os dossiers do estágio final das alunas. Este procedimento foi muito importante, também, para recuperar e examinar informação. Como refere Yin “O objectivo principal ao fazer isso [refere-se à colecta e armazenamento de documentos] é, novamente, fazer com que os dados possam ser prontamente recuperáveis para inspecção ou nova leitura” (2005:131)
242
grande volume de dados recolhidos durante o estudo, a sua natureza predominantemente
verbal ou escrita e o carácter diverso e polissémico dos dados fazem com que esta tarefa
seja extremamente complexa e trabalhosa. A descrição deste processo é o que se
pretende apresentar neste ponto do trabalho.
8.6.1 As notas de campo, os registos escritos, as produções de natureza reflexiva, documentos
oficiais da instituição em estudo e evidencias significativas como fotografias e filmes
Os diferentes elementos que integram o portfólio de investigação tais como notas
de campo, registos escritos, produções de natureza reflexiva documentos oficiais da
instituição, evidencias significativas como fotografias e filmes e produções de natureza
reflexiva constituíram um material imenso e forneciam informações riquíssimas que
complementavam todo o estudo e, por isso, era necessário tratar e analisar. O tratamento
desta informação veio a efectuar-se, ao longo do percurso da investigação, através de
procedimentos de organização, sistematização, análise documental, sugerida pela
produção do estudo e não a pretexto de objectivos ou categorias previamente definidas.
8.6. 2 A ficha de observação das oportunidades educativas das crianças
Os dados obtidos nos diferentes itens da Ficha de observação das oportunidades
educativas das crianças necessitaram de ser reduzidos e sistematizados37. Como tal, os
dados obtidos pelos diferentes requisitos de observação e aplicação das escalas, que
integram esta ficha, de um modo genérico, foram submetidos a procedimentos de
cálculo, média e percentagens dos dados38, para ser possível comparar e contrastar as
informações.
Assim, no que diz respeito à escala Níveis de iniciativa da criança contabilizou-
se o número de observações por nível. Depois calcularam-se as médias obtidas em cada
nível. Finalmente, como o número total de crianças observadas no ano lectivo 2001-02 e
no ano lectivo 2003-04 não era o mesmo, foi necessário transformar as médias em
percentagem, para ser possível comparar e contrastar os dados.
37 O mesmo procedimento foi efectuado com os dados dos dois anos lectivos (2001-02 e 2003-04) em que a Ficha de observação foi aplicada. 38 A utilização de procedimentos de natureza quantitativa integrados com procedimentos qualitativos, numa investigação qualitativa, é aceite por diferentes autores como um contributo complementar ao estudo da realidade e como um meio de complementar a validade e a fiabilidade do estudo (Serrano, 2004). Pese embora a natureza quantitativa de alguns procedimentos, o paradigma de análise qualitativa que se definiu para este estudo manteve-se ao longo de todo o percurso. É que, os resultados obtidos nesta investigação, foram usados numa perspectiva qualitativa, pois serviram à investigadora para monitorizar as situações, compreender os fenómenos e interpretar o percurso das acções e das mudanças e nunca para tirar conclusões, fazer análise estatística ou generalizar resultados.
243
No que se refere ao item de observação Experiências de aprendizagem
proporcionadas à criança contabilizou-se o número de observações por cada área e
domínio. Depois calcularam-se as percentagens correspondes devido ao número total de
crianças observadas em 2001-02 e em 2003-04 não ser o mesmo e para ser possível
comparar e contrastar os dados.
Quanto ao item de observação Interacção dominante contabilizou-se o número de
observações por cada vertente. Depois, como o número total de crianças observadas em
2001-02 e em 2003-04 não era o mesmo, foi necessário proceder ao cálculo das
percentagens correspondes, para ser possível comparar e contrastar os dados.
O item Formas de organização do grupo dominante teve tratamento semelhante.
Assim, contabilizou-se o número de observações por cada posição dominante e, depois
procedeu-se ao cálculo das percentagens correspondentes, devido ao número total de
crianças observadas em 2001-02 e em 2003-04 não ser igual, e ser possível comparar e
contrastar os dados.
Finalmente, quanto à Escala de envolvimento das crianças calcularam-se as
observações por cada nível, nos diferentes anos lectivos. Seguidamente, fez-se o cálculo
da média obtida em cada ano lectivo, para se compararem e contrastarem os dados.
8.6. 3 A Escala de empenhamento do adulto
Os dados obtidos nos diferentes itens da Escala de empenhamento do adulto
foram tratados da seguinte forma. Primeiro calculou-se o número de observações pelas
disposições e níveis correspondentes. Depois calcularam-se as médias por cada
disposição e níveis, em cada ano lectivo, para se compararem e contrastarem os dados.
8.6. 4 As entrevistas
Os dados em estado bruto (Bell, 1997) provenientes das entrevistas realizadas e
transcritas necessitam de ser organizados e sistematizados, como referem Bogdan e
Biklen (1994), com o objectivo de aumentar a compreensão desses materiais e de
permitir a sua apresentação aos outros. Assim, o conjunto de dados, designado por Vala
(1986) de corpus de análise, foi sujeito à técnica de análise de conteúdo visando a sua
redução (através do sistema de categorização e codificação dos dados) com o objectivo
de possibilitar a sua passagem ao processo de descrição e interpretação (Vala, 1986).
Neste contexto, acresce referir que a análise de conteúdo é uma técnica de
tratamento de informação que, segundo Vala (1986:103), “exige a maior explicitação
244
de todos os procedimentos utilizados”. É essa explicitação dos procedimentos que se
procurarará mostrar, neste ponto do trabalho, pois este é um passo importante para a
validação e a fidedignidade das informações que se apresentam numa investigação.
Assim, nesta pesquisa o processo de organização e sistematização dos dados teve
duas etapas distintas: Numa primeira etapa e numa primeira abordagem ao corpus de
análise foi efectuada uma primeira categorização a partir da leitura das entrevistas. Esta
etapa visou encontrar alguns tópicos, à priori, definidos pelos Aspectos centrais da
pedagogia da infância: dimensões curriculares integradas (Oliveira-
Formosinho?????????), mas também descobrir categorias emergentes que se
relacionassem com a problemática inicialmente levantada nesta investigação. Importa
referir que, segundo Vala, uma categoria é “habitualmente composta por um termo-
chave que indica a significação central do conceito que se quer apreender, e de outros
indicadores que descrevem o campo semântico do conceito” (1986: 111). E, ainda para
aquele autor (1986: 111) a inclusão de “um segmento de texto numa categoria
pressupõe a detecção dos indicadores relativos a essa categoria”.
A natureza das unidades ou dos segmentos de texto que se devem utilizar
dependem da problemática em estudo. Nesta pesquisa optamos pelas unidades de
registo que são constituídas, de acordo com Vala, por “a palavra, a frase (...) ou ainda
um item” ou por “o tema ou a unidade de informação” (1986: 114).
Acresce referir que, nesta investigação, o sistema de categorias pode ser
considerado misto, pois orienta-se quer por uma categorização à priori quer por uma
categorização emergente. Como refere aquele autor “a construção de um sistema de
categorias pode ser feita à priori ou à posteriori ou ainda através da combinação
destes processos” (1986:111). É que, no caso descrito, alguns pressupostos teóricos
orientaram a construção das categorias. Quando isto acontece, Vala (1986) designa as
categorias de categorias à priori pois, nesse procedimento, existem alguns pressupostos
teóricos que orientam a sua elaboração. Mas, também se utilizaram categorias à
posteriori, pois segundo Vala (1986) quando “são as técnicas de análise de conteúdo
utilizadas que são auto-geradoras dos resultados” (Ghiglione e Matalon, 1980 cit. Vala
1986:113) e, como tal, auto-geradoras de categorias à posteriori, então as categorias
emergem a partir dos dados obtidos, como também aconteceu nesta pesquisa
Neste quadro, Bardin designa de categorias emergentes as que são resultantes “da
classificação analógica e progressiva dos elementos [...]. O título conceptual de cada
categoria, somente, é definido no final da operação” (1994:119). Encontradas, as
245
categorias de análise de conteúdo, Vala aconselha a que elas sejam “sujeitas a um teste
de validade interna. Ou seja, o investigador deve procurar assegurar-se da sua
exaustividade e exclusividade” (1986: 113). O teste de validade interna, descrito por
Vala (1986), foi levado a cabo nesta pesquisa. Ele será referido mais adiante num outro
momento desta dissertação.
Esta etapa, em que se procedeu a uma primeira categorização dos dados, pela sua
riqueza heurística e exploratória, permitiu conhecer melhor o tema em estudo e perceber
aspectos significativos, aspectos recorrentes e os aspectos mais discrepantes entre os
vários sujeitos entrevistados. Pode-se afirmar que esta foi uma etapa que se caracterizou
por uma produção de conhecimentos por via indutiva, tal como é ilustrado pelas
abordagens qualitativas. Numa segunda etapa e numa nova abordagem ao corpus de
análise procedeu-se à definição da codificação das categorias e à revisão da
categorização anteriormente efectuada39 (que resultara do quadro conceptual teórico e
das questões emergentes da investigação empírica). Aqui, o processo integrou as
dimensões indutivas e a dedutiva da investigação, como preconizam alguns autores
(Vala, 1986; Ludke e André, 1986), uma vez que teve em conta o material empírico, a
delimitação do problema e o quadro conceptual teórico anteriormente desenvolvido
(Vala, 1986).
Assim, leram-se e releram-se as transcrições das entrevistas cuidadosamente tendo
em vista encontrar as categorias (que incluem informações mais abrangentes) e as
respectivas subcategorias de codificação (que incluem informações mais específicas).
Ao longo deste processo foram marcadas, nas próprias transcrições das entrevistas, as
unidades de análise e a respectiva categoria ou subcategoria atribuída. O registo da
unidade de análise foi indicado nas transcrições através de um parêntesis recto que
indicava o seu início e fim. Foram, igualmente, anotadas as respectivas abreviaturas de
codificação das categorias (processo que se descreve a seguir como foi efectuado).
A revisão da categorização que se realizou, nesta etapa, constituiu um estádio
importante da validação interna dos dados uma vez que visou, por seu turno, assegurar a
exaustividade e exclusividade das categorias propostas.
Vala refere-se à importância dos critérios de exaustividade e de exclusividade das
categorias no sentido de:
39 Esta segunda abordagem é recomendada por vários autores como Guba e Lincoln citados por Ludke e André quando referem “que se faça em seguida a avaliação do conjunto inicial de categorias” (1986:43), bem como, por Bogdan e Biklen (1997) e por Bardin (1994)
246
“garantir, no primeiro caso, que todas as unidades de registo possam ser colocadas numa
das categorias e, no segundo caso, que uma mesma unidade de registo só possa caber
numa categoria” (1986 :113).
Este processo constitui “um teste de validade interna das categorias” (1986:113).
Guba e Lincoln (cit. Ludke e André, 1986) referem-se ainda a outros critérios
como a homogeneidade interna, heterogeneidade externa, inclusividade, coerência e
plausibilidade. De acordo com Ludke e André, estes critérios significam que:
“se uma categoria abrange um único conceito, todos os itens incluídos nessa categoria
devem ser homogéneos, ou seja, devem estar lógica e coerentemente integrados. Além
disso, as categorias devem ser mutuamente exclusivas, de modo que as diferenças entre
elas fiquem bem claras. É desejável também (...) que grande parte dos dados seja incluída
em uma ou outra das categorias. E mais: o sistema deve ser passível de reprodução por
outro juiz, isto é deve ser validado por um segundo analista, que, tomando o mesmo
material, pode julgar se o sistema de classificação faz sentido em relação aos propósitos
do estudo e se esses dados foram adequadamente classificados nas diferentes categorias é
a sua credibilidade face aos informantes” (1986:43).
Procurou-se nesta etapa de categorização seguir estes critérios de validade. Este
último aspecto foi validado por outro investigador que verificou a categorização
efectuada.
Acresce referir que as categorias são muito úteis porque visam “simplificar para
potenciar a apreensão e se possível a explicação” (Vala, 1986:110) de uma realidade
ou um conjunto de dados. É que, em investigação, no processo de categorização dos
dados procura-se agrupar todos os segmentos de texto que se relacionam com um dado
conceito ou tema. Isto permite ao investigador identificar e analisar rapidamente os
indicadores que descrevem esse conceito (Vala, 1986).
Assim, terminada esta fase de categorização dos dados, através da organização em
categorias e subcategorias de codificação, foram-lhes atribuídas abreviaturas, como
indicam Bogdan e Biklen (1994). Como por exemplo, para a categoria – Espaço e
materiais – foi dada a abreviatura ESP/MAT (a primeira letra de cada uma das
palavras). Á subcategoria – Interior – foi atribuída a abreviatura ESP/MAT – INT
(constituída pela abreviatura da categoria mais a abreviatura da subcategoria separada
por um travessão). No caso das subcategorias terem sido divididas, ainda, noutras
subcategorias menores procedeu-se, na mesma lógica, à atribuição de sucessivas
247
abreviaturas. Por exemplo, na sub-subcategoria – Espaço das salas – foi dada a
abreviatura ESP/MAT – INT – ESPSAL. Estes códigos foram, igualmente, anotados
nas transcrições das entrevistas ao lado dos parêntesis rectos que abrangiam as unidades
de análise.
Construíram-se a seguir as listas com a codificação geral efectuada e criou-se uma
série de quadros que integravam as categorias de codificação com as respectivas
unidades de texto das transcrições das entrevistas.
Este processo foi trabalhoso e efectuado com rigor mas, apesar disso, para a sua
validação exigiu, que fosse efectuada por outro investigador, uma revisão final com o
intuito de verificar a constituição das categorias, das subcategorias, dos respectivos
códigos e das abreviaturas. A revisão e a confirmação das marcações, efectuadas por
mais do que um investigador, são um procedimento importante para a validade e
fidedignidade do estudo. Este processo que envolve mais do que um investigador no
tratamento dos dados é recomendado e designado por Ludke e André (1986) de
triangulação. A triangulação, neste caso, consistiu em encontrar concordância entre
investigadores na forma de representar a informação obtida. Neste contexto, Ludke e
André referem que, neste processo, se espera que “haja alguma concordância, pelo
menos temporária, de que essa forma de representação da realidade é aceitável,
embora possam existir outras igualmente aceitáveis” (1986:52).
A anterior categorização das entrevistas permitiu ter um conhecimento abrangente
da problemática em causa. Porém, foi necessário passar para uma fase de maior
especificidade e aprofundamento do problema. É que, a análise de conteúdo efectuada
às entrevistas em 2001/02, o processo de categorização e a posterior descrição dos
resultados revelou um conjunto colossal de informações que se revelava difícil de
administrar no momento de confrontar estes dados com os dados das entrevistas de
2003/04 e com os resultados provenientes de outras fontes metodológicas. Por isso,
houve necessidade de reduzir o corpus de análise de conteúdo das entrevistas
seleccionando alguns temas e categorias, de modo a delimitar e seleccionar aspectos a
aprofundar40. Ao tomar estas decisões metodológicas apoiamo-nos nas palavras de Vala,
40 As pesquisas qualitativas são caracterizadas, como já foi anteriormente referido, pela recolha de dados e informação em “funil”. Isto significa, nas palavras de Bogdan e Biklen, que estas pesquisas “de uma fase de exploração alargada (base maior do funil) passam para uma área mais restrita de análise dos dados (base mais estreita do funil)” (1994:90). Foi partindo deste pressuposto que seleccionaram e reduziram alguns tópicos das entrevistas e com este material se constituiu aquilo a que Vala (1986) designa de corpus de análise.
248
acerca da constituição do corpus de análise, quando refere que “o analista procede
habitualmente a uma escolha, e dentro do tipo de documentos escolhidos terá ainda
muitas vezes que proceder a alguma selecção, com base em critérios que explicitará”
(1986:109).
Para se proceder a esta selecção estabeleceram-se, como aconselha Vala (1986) a
designar alguns critérios de redução. O primeiro critério orientou, genericamente, a
selecção dos temas e das categorias de acordo com os aspectos que tinham sido mais
significativos para a mudança e para a sustentação da qualidade no futuro. Um segundo
critério que decorria, em parte, daquele referia-se às dimensões curriculares integradas
que orientou a selecção destas categorias pela importância que tiveram no
desenvolvimento da qualidade na instituição em estudo.
Assim, a primeira fase de análise de conteúdo incluía, basicamente, três grandes
temas e as seguintes categorias:
Tema 1 – Aspectos centrais da pedagogia da infância
Categorias – Espaço e materiais; Tempo; Interacção; Observação, planificação e
avaliação das crianças; Projectos e actividades; Organização dos grupos
Tema 2 – Aspectos centrais do funcionamento da instituição
Categorias – Pais e comunidade; Finalidades e objectivos do jardim de infância,
do projecto educativo e outros elementos; Gestão dos recursos humanos; Clima
relacional; Sinais de qualidade e planos para melhoria da qualidade; Oportunidades de
formação e desenvolvimento profissional
Tema 3 – Aspectos transversais
Categorias – Igualdade de oportunidades; Formação em contexto, mudança e
desenvolvimento profissional e institucional
A segunda fase de análise de conteúdo, com o objectivo da respectiva redução do
corpus de análise, deu origem a três grandes temas e às seguintes categorias41:
Tema 1 – Aspectos centrais da pedagogia da infância
Categorias – Espaço e materiais; Tempo; Interacção; Observação, planificação e
avaliação das crianças; Projectos e actividades; Organização dos grupos
Tema 2 – Aspectos centrais do funcionamento da instituição
Categorias – Clima relacional; Trabalho de equipa
41 É possível ver (nos anexos) a Lista de categorização da análise de conteúdo das entrevistas e os Quadros de categorização que integram o conteúdo das entrevistas os pormenores resultantes deste procedimento, bem como a codificação das categorias.
249
Tema 3 – Aspectos da formação em contexto, mudança e desenvolvimento
profissional e institucional
Categorias – Formação em contexto, mudança e desenvolvimento
Em suma, da primeira lista de categorização para a segunda lista excluíram-se as
categorias: Pais e comunidade; Gestão dos recursos humanos; Finalidades e objectivos
do jardim de infância, do Projecto educativo e outros elementos; Oportunidades de
formação e desenvolvimento profissional; e Igualdade de oportunidades. Na análise do
segundo grupo de entrevistas (2003-04) emergiu a categoria: Trabalho de equipa.
A lista de categorias das entrevistas às crianças, dada a sua especificidade, já não
integrava aspectos como: Gestão dos recursos humanos; Clima relacional; Sinais de
qualidade e planos para melhoria da qualidade; Oportunidades de formação e
desenvolvimento profissional; Formação em contexto, mudança e desenvolvimento
profissional e institucional. De resto possuía, genericamente as mesmas categorias,
embora algumas formuladas de um modo adaptado. Assim, da primeira lista de
categorias para a segunda só foi necessário reduzir às categorias: Pais e comunidade e
Igualdade de oportunidades.
Reconstruíram-se, assim, as listas que apresentam a codificação geral efectuada e
criou-se uma série de quadros que reúnem as categorias de codificação com as
respectivas unidades de texto das transcrições das entrevistas (Anexos????). Pretende-se
com esta apresentação facilitar a percepção categorial efectuada.
Acresce referir que este processo foi efectuado com rigor e, mais uma vez, outro
investigador, efectuou uma revisão final com o intuito de verificar a constituição das
categorias, das subcategorias, dos respectivos códigos e das abreviaturas. Esta revisão e
a confirmação das marcações, efectuadas por mais do que um investigador, constituem
um procedimento imprescindível para a validade e fidedignidade do estudo, como foi
anteriormente referido.
8.6. 5 Dossiers de prática pedagógica das estagiárias
Os Dossiers de prática pedagógica das estagiárias continham um material enorme
e informações riquíssimas que viriam a complementar todo o estudo e, por isso, era
necessário tratar e analisar. O tratamento desta informação veio a efectuar-se, ao longo
do trajecto da investigação, através de procedimentos de análise documental, sugerida
pela realização do estudo e não a pretexto de objectivos ou categorias previamente
definidas.