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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ – CES VII CURSO DE CIÊNCIA JURÍDICA ÓRGÃOS PÚBLICOS E A RESPONSABILIDADE PELOS SERVIÇOS PRESTADOS NO ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Monografia apresentada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito, na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICO LUIZ CARLOS THIESEN São José (SC), junho de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ – CES VII CURSO DE CIÊNCIA JURÍDICA

ÓRGÃOS PÚBLICOS E A RESPONSABILIDADE PELOS SERVIÇOS PRESTADOS NO ÂMBITO DO CÓDIGO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Monografia apresentada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito, na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICO LUIZ CARLOS THIESEN

São José (SC), junho de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ – CES VII CURSO DE CIÊNCIA JURÍDICA

ÓRGÃOS PÚBLICOS E A RESPONSABILIDADE PELOS SERVIÇOS PRESTADOS NO ÂMBITO DO CÓDIGO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito, na Universidade do Vale do Itajaí, sob orientação de conteúdo e metodológica do Prof. : Carlos Alberto Luz Gonçalves . ACADÊMICO LUIZ CARLOS THIESEN

São José (SC), junho de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ – CES VII CURSO DE CIÊNCIA JURÍDICA

ÓRGÃOS PÚBLICOS E A RESPONSABILIDADE PELOS SERVIÇOS PRESTADOS NO ÂMBITO DO CÓDIGO

DE DEFESA DO CONSUMIDOR

LUIZ CARLOS THIESEN A presente monografia foi apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, 18 de junho de 2004. Banca Examinadora:

______________________________________________________ Professor: Carlos Alberto Luz Gonçalves

______________________________________________________ Prof. (título) Nome - Membro

______________________________________________________ Prof. (título) Nome - Membro

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DEDICATÓRIA

A meu Pai, pelo sonho que sempre acalentou de me ver

formado, pela certeza que existirá uma alegria impar em seu coração, e

pelo princípios de caráter, hombridade, perseverança e amor que me

transmitiu e que serei eternamente grato.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, e Nossa Senhora Auxiliadora que sempre andam ao meu lado.

Aos meus pais, Argeu e Antonia, meus incentivadores maiores e minha inspiração para nunca

desistir de meus objetivos.

A minha esposa Suzana e meus filhos Gabriel e Fabiana, por compreenderem minha ausência

em muitos momentos.

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Não pises nas pessoas quando estiveres subindo, pois poderás encontrá-las quando estiveres descendo. (autor desconhecido)

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SUMÁRIO

RESUMO...............................................................................................................................vii

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................8

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...........................................................................................10

1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................................................12

1.1 Intróito...............................................................................................................................12 1.2 Conceito e pressupostos....................................................................................................13 1.3 Tipos de responsabilidade.................................................................................................20

1.3.1 Responsabilidade contratual e extracontratual ....................................................................................20 1.3.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva ................................................................................................22

1.4 Responsabilidade civil do Estado .....................................................................................27

2 DOS CONCEITOS BÁSICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .....29

2.1 Consumidor.......................................................................................................................29 2.2 Fornecedor ........................................................................................................................33 2.3 Produto..............................................................................................................................36 2.4 Serviço ..............................................................................................................................38

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR................................................................................................................................................42

3.1 Intróito...............................................................................................................................42 3.2 A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor .......................................44 3.3 A teoria da qualidade ........................................................................................................46 3.4 Da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço .......................................................47 3.5 Da responsabilidade pelo vício do produto ou serviço .....................................................51

4 A RESPONSABILIDADE DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS NO ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR......................................................................................55

4.1 Intróito...............................................................................................................................55 4.2 Serviços públicos ..............................................................................................................56 4.3 Órgãos públicos ................................................................................................................58 4.4 Serviço público no Código de Defesa do Consumidor.....................................................60 4.5 Responsabilidade dos órgãos públicos..............................................................................63 4.6 Causas de exclusão da responsabilidade...........................................................................64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................70

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RESUMO

O Estado desempenha, junto à sociedade, diversas funções, prestando um sem número de serviços, os quais podem ser divididos em próprios e impróprios, sendo os primeiros aqueles prestados uti universi, sem remuneração específica. Já os serviços impróprios são aqueles prestados a cada indivíduo individualmente – uti singuli -, sendo assim mensurados e remunerados conforme o uso. Quanto a estes serviços impróprios enquadra-se a categoria dos serviços públicos no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, atribuindo-lhe responsabilidades como fornecedor e dando ao usuário as prerrogativas de consumidor. A responsabilidade do Estado deste caso, obedece o regime da teoria objetiva da responsabilidade para os fatos do produto ou do serviço, correspondentes aos acidentes de consumo, e responde com presunção de culpa quando incorrer em responsabilidade por vício no produto ou serviço. Sendo inadequados, ineficientes, inseguros ou descontínuos os serviços prestados, serão os fornecedores obrigados a cumprir suas obrigações, na forma prevista no código, sendo compelidos a reexecutar os serviços ou a reparar os danos, independentemente da existência de culpa.

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INTRODUÇÃO

A responsabilidade da Administração Pública pelos serviços por ela prestados ou

mesmo pelos produtos por ela fornecidos sempre foi parte integrante das matérias de estudo

do Direito Administrativo.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078/90 - buscou-se

modificar esta situação, inserindo as entidades de direito público como fornecedoras de

produtos e serviços, e, por conseguinte como partes nas chamadas relações de consumo.

Esta nova normatização da responsabilidade do Estado como fornecedor de serviços

no âmbito do Código de Defesa do Consumidor implica na renovação de diversos conceitos

relativos à matéria, os quais até a pouco eram entendidos como verdades absolutas, são agora

revisados e atualizados diante dos novos rumos tomados pelo Direito, com a importância

conferida aos chamados direitos coletivos e difusos, deixando de atender apenas à órbita

individualista para dar atenção a relações macro, como aquelas entre homem e natureza e

entre consumidores e fornecedores.

Este trabalho pretende analisar a responsabilidade civil dentro do Código de Defesa

do Consumidor, enfocando de modo especial à responsabilidade atribuída ao Estado como

Fornecedor de produtos e serviços, matéria introduzida no ordenamento jurídico e

consubstanciada pelo art.22 do referido Código.

Além de introdução, consideração inicial e final, compreende a presente monografia

um capítulo inicial a respeito do instituto da responsabilidade civil, seus fundamentos e

pressupostos, além de uma breve exposição a respeito dos tipos de responsabilidade,

contratuais e extracontratuais, objetivas e subjetivas, dando especial enfoque a

responsabilidade civil do Estado.

O capítulo seguinte buscar esclarecer as categorias básicas de fornecedor,

consumidor, produto e serviço, presentes no Código, com o objetivo de firmar acordo

semântico, imprescindível para o prosseguimento do estudo, que no capítulo III se estende à

responsabilidade civil trazida pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, dividida entre

as responsabilidades pelo fato e pelos vícios do produto ou do serviço.

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O quarto e último capítulo vêm a analisar a responsabilidade dos órgãos públicos na

posição de fornecedores, de acordo com a doutrina do Código do Consumidor, com a análise

do art. 22, conceituando serviços e órgãos públicos, assim como as conseqüências do

descumprimento das obrigações a eles atribuídas e as causas de exclusão de responsabilidade.

O método de pesquisa aplicado para o desenvolvimento deste estudo foi o indutivo,

tendo sido utilizada unicamente a pesquisa bibliográfica baseada nas obras elencadas nas

referências bibliográficas.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Estado tem o dever de prestação dos serviços públicos que lhe são inerentes, em

especial aqueles voltados às atividades de declarar o direito, distribuir a justiça, preservar a

ordem pública e defender o país de qualquer inimigo externo. Além disso, entretanto,

desenvolveu o Estado uma atividade social, dirigida a promover o bem estar e a prosperidade

social, tendo por base o interesse comum nesta interferência do Estado na vida da sociedade.

A solução de problemas sociais como a educação e saúde pública e de ordem

econômica somente deve ser abraçada pelo Estado quando a iniciativa privada não atuar de

modo a atender aos interesses da coletividade, sendo esta a razão porque a exploração da

atividade econômica continua autorizada pela Carta Magna vigente, desde que necessária o

relevante interesse coletivo.

Não está o Estado, entretanto, impedido de descentralizar suas amplas e complexas

atividades de prestação de serviços públicos e de utilidade pública, as quais são outorgadas às

autarquias e entidades paraestatais ou delegadas a concessionárias, permissionárias e

autorizatárias, ou ainda se executam por acordos sob a modalidade de convênios ou

consórcios administrativos.

Uma modalidade destes serviços prestados pelo Estado, por suas características

especiais, enquadra-se na categoria de fornecimento de serviços, ocupando-se os órgãos

públicos de atividade econômica com o recebimento de contra-prestação, do consumidor, pelo

serviço oferecido.

Estas relações jurídicas enquadram-se no rol das relações de consumo defendidas

pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual visa proteger a parte hipossuficiente da relação,

em razão da superioridade jurídica do fornecedor, no caso os órgãos públicos.

Apesar de prestado pelo Estado, principal gestor do interesse coletivo, e por pessoas

jurídicas por ele indicadas, regularmente fiscalizadas e com a atividade regulamentada, estes

serviços mereceram a proteção do Código consumerista que estabeleceu a responsabilidade do

Estado Fornecedor pelos danos que causasse ao Usuário Consumidor pela inadequação,

ineficiência, insegurança e descontinuidade dos serviços prestados.

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Trata-se de uma posição no mínimo interessante. Ao Estado compete propiciar aos

cidadãos mecanismos jurídicos, legais, de defesa e proteção ante os abusos praticados por

fornecedores, no entanto, quando revestido da postura de fornecedor o Estado entra em

choque com o usuário-consumidor, tornando necessário a este o uso do sistema legal protetor

não só contra os fornecedores da iniciativa privada, mas também em face do fornecedor

público.

O Estado larga aqui sua característica de potestade, a força do poder soberano, seu

poder de imperium, tomando a feição de Estado Administração, e inserindo-se nos domínios

econômico e social para executar tarefas peculiares às empresas privadas, submetendo-se às

regras do Código de Defesa do Consumidor e outros diplomas legais, e respondendo por

possíveis abusos do poder econômico como parte da relação de consumo.

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1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 Intróito

Toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade, não se

concebendo esta relação sem a figuração da pessoa em seus pólos, uma vez que a

responsabilidade nada mais é do que o resultado do comportamento do homem em face dos

deveres e obrigações a ele impostas. A palavra responsabilidade sempre esteve ligada a uma

noção de obrigação, exprimindo a idéia de equivalência, de contraprestação.1

O Direito não poderia permitir que o agente causador de um dano restasse incólume

diante do prejuízo por ele infligido a outra pessoa, seja moral ou patrimonial. Não pode a

vítima suportar os prejuízos que lhe foram impostos pela conduta do agente, tenha ele advindo

de ato ilícito, do risco ou mesmo de ato lícito, sendo que os sistemas jurídicos democráticos

de todos os tempos são unânimes ao garantir à vítima de uma ofensa, o direito de receber por

parte do ofensor uma reparação.

A idéia de responsabilidade civil consubstancia-se na obrigação de reparar o dano

causado a outrem, anulando seus efeitos, e objetivando restituir o lesado à situação em que se

encontrava antes da ocorrência do efeito danoso.

Por restabelecer o equilíbrio existente na sociedade é que a responsabilidade civil

assume papel de inigualável importância nos presentes dias, sendo sua fonte geradora

fundamentada no interesse coletivo de ver restabelecida a harmonia violada pelo ato lesivo.

Por esta razão é que o instituto da responsabilidade ocupa lugar central no estudo do

direito civil, não sendo exagero dizer que está em vias de absorver todo o direito.

Este fenômeno iniciou-se com maior impulso a partir da Revolução Industrial, não

apenas em razão do vertiginoso desenvolvimento econômico, mas também da transformação

gradativa da mentalidade e da atitude dos indivíduos em face do infortúnio.

1 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.1, p.2.

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A humanidade reavaliou seus conceitos mais básicos, insistindo numa maior

valorização do homem, como sujeito da história, decaindo em muito a mentalidade

conformista que depositava as causas dos males exclusivamente na vontade de Deus, e

crescendo o sentimento de busca pela reparação como forma de aplicação da Justiça.

O homem deixou de creditar fatalidades aos reveses do destino, rejeitando a idéia de

que as conseqüências devem ser assumidas com resignação pelo infortunado, e começando a

exigir a reparação de todos os danos, evitando que o lesado assuma sozinho o pesado encargo

de suportar os prejuízos sofridos.

A evolução ainda persistiu, operando profundas mudanças também no conceito de

dano, o qual deixou de ser entendido apenas como prejuízo patrimonial, para ver-se ampliado

ao campo moral, os quais hoje, depois de acirrada resistência, têm sua reparabilidade

garantida.

Uma outra faceta da evolução da responsabilidade civil é o caráter preventivo que

vem assumindo, ao impor aos responsáveis maiores cuidados e atenção na realização de suas

atividades.

Torna-se cada vez maior a expectativa da total reparação dos danos, e, em

conseqüência disso, a responsabilidade civil não cessa de crescer, alterando-se e adaptando-se

para corresponder aos anseios da sociedade moderna, revelando-se cada dia mais presente na

vida de cada indivíduo e nas suas relações com os demais membros da sociedade.

1.2 Conceito e pressupostos

Maria Helena Diniz2, define de forma bastante abrangente a responsabilidade civil,

independentemente do fundamento a ser usado: “Responsabilidade civil é a aplicação de

medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros,

em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa

2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Parte Geral. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1989

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a ela pertencente ou de simples imposição legal. ”Já José de Aguiar Dias3, citando Marton,

define a responsabilidade como a situação de quem tendo violado uma norma qualquer se vê

exposto às conseqüências desta atitude, trazidas pela sanção aplicada pela autoridade

competente. Completa o mesmo autor, que a responsabilidade pode ser encarada como uma

espécie de execução indireta, aonde a pessoa que não cumpriu a obrigação, não podendo mais

fazê-lo in natura, será condenada em perdas e danos.

A responsabilidade pode surgir em razão da violação simultânea de normas tanto

morais quanto jurídicas, não existindo entre as duas disciplinas separação estanque, estando,

ao contrário, ambas intimamente ligadas, pois decerto a norma jurídica estaria despojada de

fundamento se estivesse em desacerto com a ordem moral. O campo da moral, contudo, é

muito mais vasto que o campo do direito e a este último só interessam os fatos capazes de

comprometer a paz social em virtude de prejuízo efetivamente causado. Assim, não se pode

falar em responsabilidade jurídica na ausência de prejuízo.

Neste ponto difere a responsabilidade jurídica daquela puramente moral. Na

responsabilidade moral evidencia-se a noção de pecado, onde o fator determinante é o estado

da alma do agente, a sua consciência, enquanto que na responsabilidade jurídica o ponto

central encontra-se no prejuízo causado.

Este prejuízo causado ao particular é considerado como uma perturbação no

equilíbrio social, uma vez que cada indivíduo é parte integrante da sociedade, e que a

igualdade estabelecida pela lei é essencial para a convivência social. Repousa o fundamento

da responsabilidade civil no interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico

alterado pelo dano.

A punição de uma só pessoa que cometa ilícito civil interessa à toda a sociedade, não

no aspecto patrimonial, obviamente, mas na repercussão social e desequilíbrio do sistema, as

quais desapareceram com o restabelecimento do status quo ante.

Dois são os objetivos principais da responsabilidade civil, o seu caráter pedagógico e

preventivo, e a sua condição de meio de retorno ao status quo ante, através da reparação do

dano sofrido.

3 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p.3.

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Todos os casos de responsabilidade civil obedecem a certos requisitos comuns e

indispensáveis:

a) Ação ou omissão

Segundo Fernando de Noronha4, para que o ato ou fato ocasione responsabilidade

civil, ele há que ser antijurídico, ou seja, ofender direitos alheios de forma contrária ao direito.

A ação ou omissão do agente pode ser atos humanos, culposos ou não, sendo que na

responsabilidade subjetiva será sempre um ato ilícito. Já na responsabilidade objetiva tanto

poderá ser um ato humano como um natural

Importante ressaltar que nem sempre a lesão a direito de outrem representa

antijuridicidade, como é o caso da legítima defesa, quando causadora de danos ao próprio

agressor.

O fato gerador da responsabilidade civil subjetiva, com fulcro no art. 186 e 927 do

Código Civil, será sempre uma conduta humana, atos ilícitos, determinados por uma ação ou

omissão, dolosa ou culposa.

A responsabilidade do agente pode sobrevir tanto de ato próprio como de ato de

terceiro que esteja sob sua responsabilidade, sendo que, segundo Silvio Rodrigues5, o dever de

reparar existe não somente quando se trata de ato ofensivo ao direito, mas também quando

mesmo sem infringir a lei, o ato foge à finalidade social a que se destina, sendo praticados

com abuso de direito.

Existe ainda a responsabilidade por fato de terceiro, que criada pela lei e reforçada

pela jurisprudência, visa proteger a vítima, extravasando os quadros da responsabilidade

aquiliana, para se apresentar nas relações contratuais, como é o caso da responsabilidade dos

hoteleiros ou transportadores por seus clientes e pertences.

b) Culpa do agente

Nos termos da lei, para que a responsabilidade se caraterize, faz-se necessária a prova

de que o comportamento do agente causador do dano tenha sido doloso ou ao menos culposo,

4 NORONHA, Fernando. Responsabilidade civil: uma tentativa de resistematização, Revista de Direito Civil, nº64, abr/jun 1993, p.19.

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realizado com negligência ou imprudência, as quais devem ser provadas pela vítima ao

pleitear a reparação dos danos.

Existem, entretanto, exceções a esta regra, casos especiais em que não cabe ao lesado

o ônus de provar o dolo ou a culpa, operando a seu favor presunção juris tantum da culpa do

agente, cabendo a este, para se libertar da responsabilidade, demonstrar que tomou todos os

cuidados possíveis.

A imputabilidade é elemento constitutivo da culpa, atinente às condições pessoais de

quem praticou o ato. Daí porque haverá inimputabilidade quando houver ausência de

discernimento ou autodeterminação do agente.

Para Fernando de Noronha6 este pressuposto ganha uma maior amplitude, sendo

chamado de nexo de imputação, e sendo conceituado como a razão da atribuição de

responsabilidade a determinada pessoa, pelos danos causados.

Prossegue o autor afirmando que em regra o fundamento de tal imputação é uma

atuação culposa, ocorrendo, então uma responsabilidade objetiva. Em outros casos, de

natureza excepcional, o fundamento da imputação é a teoria do risco, ou seja, as pessoas que

exercem atividades que podem por em perigo pessoas e bens alheios devem suportar os

prejuízos que daí advém, configurando a tão mencionada responsabilidade objetiva.7

c) Nexo de causalidade

Para que exista a obrigação de reparar, faz-se necessária à existência de uma relação

de causalidade entre o fato gerador e o dano, ou seja, o dano deve ser necessariamente uma

conseqüência previsível do ato ou omissão.

Pode-se dizer que há dois tipos de formulação no que tange o nexo de causalidade: a

formulação positiva, segundo a qual o fato será considerado causa do dano quando este

constitui-se como conseqüência normal daquele; e a formulação negativa, que diz ser

adequada a causa que não é indiferente ao dano, ou seja, aquelas que não são totalmente

5 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 12 ed., São Paulo: Saraiva, 1989, v.4, p.15. 6 NORONHA, Fernando. Responsabilidade civil: uma tentativa de resistematização, Revista de Direito Civil, p.19. 7 NORONHA, Fernando. Responsabilidade civil: uma tentativa de resistematização, Revista de Direito Civil, p.20.

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inadequadas e extraordinárias, com cuja possível realização não se pudesse contar, tendo

surgido de coincidência de circunstâncias.

Não há que falar em indenização, por exemplo, em casos de culpa exclusiva da

vítima, caso fortuito ou força maior e existência de cláusula de não-indenizar.

São as chamadas excludentes de responsabilidade, através das quais rompe-se o nexo

de causalidade, descaracterizando o nexo de imputação:

∗ Culpa exclusiva da vítima

Se a culpa da vítima foi a causa exclusiva do evento danoso, impossível será a

responsabilização do agente causador do dano, sendo este mero instrumento do acidente, não

se podendo cogitar do nexo de causa entre sua conduta e o dano sofrido. Claro é o exemplo do

um indivíduo que, tentando suicidar-se, se atira sob as rodas de um veículo, situação na qual o

motorista estará isento de qualquer obrigação8.

Quando ambos, vítima e agente, contribuem para o resultado, têm-se culpa

concorrente, a qual não desnatura o nexo de causa, atenuando apenas a responsabilidade, e

sendo a indenização devida pela metade ou dividida proporcionalmente, dependendo do caso.

∗ Fato de terceiro

Chama-se terceiro, numa situação, a qualquer pessoa, além da vítima e do agente.

Não integram a categoria terceiros, as pessoas por quem o agente responde, casos esse

elencados no artigo 932 do Código Civil Brasileiro, pois em tais casos há a denominada

responsabilidade indireta, na qual a culpa dos agentes e responsáveis é presumida.

Quando o fato de terceiro é fonte exclusiva do prejuízo, desaparece a relação de

causalidade entre o indigitado responsável e o lesado, mas para que constitua motivo

exonerador de responsabilidade, é necessário que além de estar ligado ao dano por uma

relação de causa e efeito, seja também imprevisível e inevitável.

O fato de terceira figura ao lado do caso fortuito e da força maior como causa

estranha, somente exonerando de responsabilidade quando constitui causa estranha ao

8 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Parte Geral, p.78

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devedor, isto é, quando elimina totalmente a relação de causalidade entre o dano e o

desempenho do contrato9.

Da mesma forma que na culpa do lesado, se o fato de terceiro for causa parcial do

evento danoso, para o qual o agente concorreu com uma parcela de culpa, a responsabilidade

será dividida, sendo a indenização arbitrada proporcionalmente à culpa de cada um.

∗ Caso fortuito ou de força maior

Diz-se caso fortuito ou de força maior o acontecimento inevitável que deu causa a

dano, independente de qualquer atividade da pessoa de cuja responsabilidade se cogita. Este

conceito pode abranger não somente os casos em sentido estrito, ou seja, acontecimentos

naturais e ação humana não individualizada, mas também aquelas devidas à culpa do próprio

lesado ou de terceira pessoa.

Neste sentido amplo, concebe-se o caso fortuito e a força maior como um

acontecimento inevitável, que impossibilita a ação da pessoa. Para que assim seja, devem

estar presentes três requisitos:

• externidade, só é inevitável o que ocorre fora da esfera pela qual a pessoa é

responsável;

• irresistibilidade, o acontecimento seria inevitável mesmo que pudesse ser previsto;

e

• imprevisibilidade, o acontecimento seria evitável se tivesse sido previsto.10

A distinção entre caso fortuito e força maior, em razão de carecer de maior

importância prática, fica relegada a segundo plano pela doutrina, podendo-se, entretanto,

encontrar definições como a elaborada por Fernando de Noronha11, na qual caso fortuito seria

o acontecimento normalmente imprevisível, ainda que pudesse ser evitado se houvesse sido

previsto; e força maior seria um fato natural que não fosse possível evitar, mesmo que se

pudesse prever.

9 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. p. 679 10 NORONHA, Fernando. Responsabilidade civil: uma tentativa de ressistematização. Revista de Direito Civil, p.31. 11 NORONHA, Fernando. Responsabilidade civil: uma tentativa de ressistematização. Revista de Direito Civil, p.32.

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∗ Cláusula de não indenizar

Silvio Rodrigues define a cláusula de não indenizar como a estipulação através da

qual uma das partes contratantes declara, com a concordância da outra, que não será

responsável pelo dano por esta experimentado, resultante da inexecução ou da execução

inadequada de um contrato, dano esse que sem a cláusula, deveria ser ressarcido pelo

estipulante.12

Esta causa excludente de responsabilidade restringe-se à seara contratual, ensejando

posições extremadas da doutrina, tanto no sentido de repeli-la quanto no de admiti-la sem

restrições. O direito pátrio adota posição intermediária, ora admitindo-a, com maiores ou

menores restrições, ora proibindo-a, como é o caso dos transportes aéreos.

A condição de validade da cláusula é os consentimentos bilaterais, que não poderá

ser contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

Em algumas hipóteses, entretanto, a existência desta cláusula é proibida por lei, como

é o caso do Código de Defesa do Consumidor, em seu art.25.

d) Dano

A existência efetiva de dano ao lesado, entendido este como prejuízo sofrido em

decorrência da violação de um direito seu, é imprescindível, uma vez que não pode existir

responsabilidade civil na ausência de dano, considerando José de Aguiar Dias13, “verdadeiro

truísmo sustentar esse princípio, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de

ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde nada há que reparar”.

Pode-se classificar o dano de diversas formas:

a) patrimonial e moral;

b) a pessoas e a coisas;

c) previsível e imprevisível;

d) direto e indireto;

12 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, p.195 13 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, p.713

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20

e) próximo e remoto.

É importante ter em mente, entretanto, que nem todo dano é ressarcível.

A possibilidade de reparação através do ressarcimento, segundo a doutrina, exige que

este seja certo, pois o ordenamento não admite o pedido de reparação fundado na existência de

um dano meramente eventual, que pode não acontecer.

É necessário, ainda, que além de certo, o dano seja atual, no sentido de já existir no

momento da ação de responsabilidade. A atualidade do dano não exclui da reparação o

prejuízo futuro, desde que, segundo Caio Mário da Silva Pereira14, “sua realização seja desde

logo previsível pelo fato da certeza do desenvolvimento atual”

1.3 Tipos de responsabilidade

1.3.1 Responsabilidade contratual e extracontratual

Pode-se distinguir certos tipos de responsabilidade civil, e entre eles as

responsabilidades contratual e extracontratual.

Os danos, objetos da obrigação de reparar, podem originar-se do inadimplemento de

um contrato, responsabilidade contratual, ou da lesão ao direito subjetivo de alguém, sem que

haja qualquer relação jurídica anterior, responsabilidade extracontratual.

Em se tratando da responsabilidade contratual, o dever de reparação nasce da

inexecução total ou parcial do contrato, ou seja, abrange a obrigação de reparação dos danos

decorrentes do inadimplemento, da má execução ou do atraso no cumprimento das obrigações

negociais. Portanto, para a caracterização da responsabilidade contratual, mister que,

anteriormente ao surgimento da obrigação de indenizar, exista entre as partes um vínculo

jurídico convencional.

14 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro : Forense, 1996, p. 40.

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21

Para que se caracterize a responsabilidade extracontratual, há que advir conduta

ilícita do agente causador do dano, ou situação de risco relativo à atividade empreendida.

Nesta hipótese, inexiste entre a vítima e o agente causador do dano qualquer vínculo jurídico,

surgindo o dever de reparação da conduta lesiva do agente, causadora de prejuízo.

Ressalta, ainda, Maria Helena Diniz15 que “a idéia de reparação é mais ampla do que

a de ato ilícito...”.

O Código Civil Brasileiro normatiza, através do art. 186 e 927, as obrigações

decorrentes de ato ilícito, ou seja, a responsabilidade extracontratual, e a responsabilidade

contratual em seu art. 389.

Vários dos pressupostos dos dois tipos de responsabilidade são comuns, é necessária

a existência de dano, a culpa do agente (exceto nos casos de responsabilidade objetiva em que

se abstrai da idéia de culpa), e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano

gerado.

Apesar das semelhanças, entretanto, faz-se pertinente a diferenciação em razão de

elementos como, por exemplo, a questão da capacidade. Cabe aos incapazes a reparação dos

danos por eles causados em decorrência de atos ilícitos. Assim, em se tratando de

responsabilidade aquiliana, os atos dos incapazes darão origem à reparação do dano, por eles

próprios (CC art. 186), ou por quem tinha o dever de sua guarda (CC art. 932, I e II).

Em caso de responsabilidade contratual, ao contrário, parte-se da premissa de que a

responsabilidade contratual vincula-se à pré-existência de uma relação negocial entre as

partes, verificando-se a sua não incidência em se tratando de incapazes. Os negócios jurídicos

dependem, para sua validade, de agente capaz, e na ausência deste requisito, ter-se-á a

anulabilidade ou a nulidade, sem que se cogite o nascimento de responsabilidade.

Pode-se dizer que uma exceção a esta regra é a norma contida no art. 180 do Código

Civil, a qual estabelece que quando o menor oculta maliciosamente sua incapacidade,

declarando-se maior quando questionado pela outra parte, sua atitude o torna plenamente

responsável por seus atos.

15 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro Responsabilidade Civil, p.15

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22

Outro fator de diferenciação é a prova. Se for contratual a responsabilidade, caberá ao

inadimplente comprovar alguma causa que exclua sua responsabilidade. Ao lesado caberá

demonstrar o descumprimento da obrigação.

Ocorre inversão do onus probandi, ao reverso, se for aquiliana a responsabilidade,

cabendo à vítima demonstrar a culpa do agente causador do dano, face à dificuldade que

muitas vezes se impõe à comprovação da culpa do ofensor pelo lesado, importando mesmo

em irressarcibilidade.

Este é um dos mecanismos desenvolvidos, em nome da eqüidade e justiça, visando a

facilitação da prova da culpa, como se dá com a aplicação da culpa presumida juris tantum e

juris et de jure.

A respeito da responsabilidade extracontratual cabe ainda ressaltar a evolução que

vem sofrendo, não podendo mais ser considerada apenas como responsabilidade por ato

ilícito, posto que há casos em que a pessoa está obrigada a reparar danos causados à outrem

mesmo não tendo agido com culpa, como são os casos da responsabilidade objetiva.

O ato ilícito, apesar de representar a causa criadora mais geral de responsabilidade

civil, não é suas fontes únicas, convivendo com ele outros fatores capazes de ensejar a

responsabilização civil, como por exemplo, o risco, nos casos de responsabilidade objetiva,

em que se torna possível demandar a reparação do dano independentemente do fundamento da

culpa.

Pode-se, ainda, ir mais além, pois há casos em que o dever de reparar um dano pode

emanar até mesmos de atos lícitos, quando a conduta de alguém, mesmo que lícita causa

prejuízo a outrem, ensejando sua reparação.

1.3.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva

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Discute a doutrina jurídica, com muita intensidade a questão do fundamento da

responsabilidade civil, ensejando, como resultado, o surgimento das correntes subjetiva e

objetiva.

O elemento culpa, a partir das construções doutrinárias do século XIX, passou a

constituir a única possibilidade de se cogitar do surgimento da responsabilidade,

denominando-se esta teoria de responsabilidade subjetiva.

O art.186 e 927 do Código Civil exprime a teoria subjetiva:

Art. 186 - “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

moral, comete ato ilícito”.

Art. 927 – “Aquele que, por ato ilícito (art 186 e 187) causar dano a

outrem, fica obrigado a repará-lo”.

A responsabilidade civil subjetiva consiste na obrigação de reparar danos causados

por ações ou omissões voluntárias, negligentes ou imprudentes que violem direitos alheios,

sendo que esta espécie de responsabilidade resulta do fato de ser o indivíduo capaz de pautar

sua conduta com a lei, incidindo em culpa quando da violação desse dever de comportamento.

Cumpre lembrar, entretanto, que culpa desdobra-se em um elemento objetivo –

violação do dever, e um elemento subjetivo, ou imputabilidade, que é a capacidade do agente

de conhecer e cumprir o dever jurídico, não sendo considerados responsáveis em razão da

culpa os inimputáveis, pois lhe falta um dos elementos necessários para sua caracterização, a

idoneidade psíquica.

A responsabilidade civil subjetiva ainda hoje se mantém como regra geral no

ordenamento pátrio. A aplicação da responsabilidade objetiva é feita em caráter

eminentemente excepcional, apesar de sua relevante evolução, sendo admitida somente

através de previsão por norma específica.

A evolução da noção de responsabilidade objetiva tem-se dado gradualmente,

acompanhando as mudanças nas relações sociais, e a intensificação dos eventos danosos,

aumentando os riscos de ocorrência de fatalidades, fazendo, assim, que a demanda por

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reparação de danos se ampliasse consideravelmente, mostrando a ineficácia da teoria subjetiva

para a composição dos conflitos, sendo que a estreiteza de seus limites acabava por

desampararem inúmeros lesados frente às situações que se impunham.

Cientes desses equívocos, e, em busca do reequilíbrio social e da realização da

justiça, a doutrina e a jurisprudência passaram a, gradativamente, admitir casos em que a

responsabilidade do agente fosse reconhecida independentemente da existência de culpa,

bastando, para sua incidência, a ocorrência do dano e a existência do liame de causalidade

entre o ato do agente e o prejuízo causado.

Os defensores da responsabilidade sem culpa propugnam seja a questão observada

sob o ponto de vista exclusivo da reparação do prejuízo e não da imposição da culpa. O

problema da responsabilidade restringe-se tão-somente à reparação dos danos causados. A fim

de afastar o manifesto desequilíbrio dos interesses imposto pela teoria subjetiva, os danos e a

sua reparação não podem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do

fato causador da lesão de um bem jurídico.

Em algumas situações, a comprovação da culpa na atuação do agente, ônus da vítima,

é praticamente impossível, importando em que fique o ofendido sem direito à reparação do

dano sofrido, como era o caso do consumidor frente ao fornecedor, numa situação de dano

ocasionado em razão de defeito no produto.

Fundamenta-se, assim, a responsabilidade civil objetiva, independentemente da

existência de culpa, sendo possível o seu afastamento mediante a comprovação da ausência de

vínculo entre o ato praticado pelo agente e o prejuízo sofrido pela vítima.

Esta modalidade de responsabilidade está fundamentalmente ligada a dois tipos de

danos: os danos ocasionados em virtude de atividades perigosas e potencialmente criadoras de

riscos e os danos ocorridos por atuação culposa de subordinados e dependentes.

A dificuldade da prova da culpa, que, a final, negava às vítimas o direito ao

ressarcimento dos prejuízos sofridos, por outro lado, beneficiava, injustamente, os causadores

dos danos que, ficam incólumes ao dever reparação.

Ressalta-se, ainda a flagrante desigualdade sob o prisma econômico ou

organizacional, entre as partes neste tipo de demanda, gerando efeitos de brutal iniqüidade,

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25

quando se considera, por exemplo, a situação de uma grande empresa diante da quase absoluta

hipossuficiência da vítima, lesada por atividades por ela causadas.

Levantada, desta forma a ineficácia da teoria subjetiva começou a tomar forma a

teoria da culpa presumida, liberando a vítima do ônus de comprovar a atitude culposa do

agente ofensor, invertendo-se o onus probandi.

Uma vez ocorrido o dano, presume-se a culpa do ofensor que somente se exime da

responsabilidade comprovando a ausência de culpa, sendo que em alguns casos, a presunção

legal da culpa é absoluta, a chamada juris et de jure, o que representa o reconhecimento da

responsabilidade em decorrência do risco.

A responsabilidade objetiva ocorre ou porque não existe a culpa, ou porque a culpa

deixa de ser pressuposto da responsabilização em atenção a princípios de eqüidade, como nos

casos de responsabilidade civil estatal por atos lesivos de seus agentes, nessa qualidade.

O Código Civil brasileiro reconhece algumas hipóteses de responsabilidade não

ligadas à culpa da pessoa que reparará o dano, mas sim àquela de pessoas ou seres que de

alguma forma estejam sob seus cuidados e vigilância, como por exemplo, a responsabilidade

dos pais pelos atos dos filhos que estão sob sua autoridade e em sua companhia (art.932, I), o

empregador por seus empregados (art.932, III), do dono de animal pelos danos que este causar

(art.936), entre outros.

Em assim sendo, percebe-se que a culpa já não basta como única geratriz de

responsabilidade civil, reagindo a doutrina no sentido de desvincular a idéia da culpa do dever

de reparação, surgindo, destarte, a corrente objetivista, concentrada na idéia do risco da

atividade, independente da culpa do agente, vindo a responder pelo dano aquele que criou o

risco do acidente pela realização de determinada atividade, pois foi este que dela se

beneficiou, auferindo os lucros dela decorrentes.

Este entendimento funda-se num princípio de eqüidade, segundo o qual aquele que

lucra com uma atuação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes.

As empresas acabarão, com o passar dos tempos, por considerar os riscos como

condição de sua atividade, chegando a incluí-los em seu próprio passivo, distribuindo-se o

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prejuízo, que será repartido entre todos os consumidores do bem ou serviço, pois, ao pagarem

o preço, já suportam o valor atribuído pela empresa por conta de prováveis riscos.

Percebe-se, entretanto, que o ordenamento civil brasileiro, ao tratar da

responsabilidade civil, privilegia as modalidades subjetivas de responsabilidade, submetendo,

na maior parte dos casos, a responsabilidade à teoria da culpa.

Orlando Gomes16 afirma, sobre a substituição da idéia de culpa pela de risco, que

“para a responsabilidade pelo dano produzido por certas coisas mais perigosas, isto é,

suscetíveis de causá-lo com maior freqüência, até os novos conceitos de culpa foram

reputados insuficientes, não obstante eliminarem-na praticamente. Infletiu-se para a chamada

responsabilidade objetiva, substituindo-se a idéia de culpa pela de risco.”

Excluídos, assim, alguns casos de responsabilidade objetiva decorrente da presunção

de culpa, advindos de produção jurisprudencial, a teoria da responsabilidade civil objetiva

alicerça-se fundamentalmente no risco criado pela atividade realizada, ou pelo menos no risco

que ocorre dentro da esfera de ação da pessoa que realiza a atividade e que dela tira proveito,

prestando-se a responsabilidade objetiva a reparar danos ocasionados em virtude do exercício

de atividades organizadas para a produção e distribuição de bens e serviços, aos danos

relacionados à administração pública e ainda àqueles relacionados às atividades perigosas.

Dispositivos legais contemporâneos têm adotado a teoria da responsabilidade

objetiva em alguns casos especiais, na tentativa de equilibrar o sistema jurisdicional, como é o

caso do Código de Defesa do Consumidor, onde prevalece a responsabilidade civil

independentemente da idéia de culpa.

Na verdade, o ideal seria a adoção de um sistema que concilie as duas correntes. A

teoria do risco deverá sempre ser adotada quando for detectado que a teoria da culpa não é

suficiente para garantir a reparação de danos injustamente causados a outrem, de modo que os

anseios de segurança reclamados pela sociedade sejam alcançados através da reparação de

todos os danos.

16 GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro : Forense, 1998, p.302

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1.4 Responsabilidade civil do Estado

Na lição do mestre Hely Lopes Meirelles17, responsabilidade civil do Estado é aquela

que “impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros, por agentes

públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las”.

Na origem do direito público prevalecia o princípio da irresponsabilidade do Estado,

característica dos governos absolutistas, segundo a qual não haveria possibilidade de acionar o

rei ou os funcionários diretamente dependentes dele, com base na responsabilidade civil, pois

ele estaria acima de quaisquer erros.

A partir do século XIX adotou-se a teoria da responsabilidade com culpa, hoje

denominada subjetiva, procurando construir a responsabilidade dos órgãos públicos com base

no direito privado, propugnando-se a aplicação dos princípios de responsabilidade civil a todo

tipo de atividade administrativa, fosse no desempenho de atividades econômicas fosse nos

atos de império.

O estágio seguinte da evolução da teoria da responsabilidade civil do Estado foi o

surgimento da responsabilidade pública, hoje denominada objetiva, baseada apenas em

simples relação de causa e efeito entre o comportamento administrativo e o evento danoso.

Três são as teses que vêm servindo de fundamento à teoria objetiva aplicada à

responsabilidade civil do Estado:

a) Teoria da culpa administrativa

Leva em conta a falta do serviço para inferir a responsabilidade da Administração,

propugnando pela demonstração de culpa por parte dos órgãos públicos. A falta do serviço em

si mesmo é o fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro, exigindo-se a

existência de culpa administrativa, a qual se apresenta na forma de inexistência, mau

funcionamento ou retardamento do serviço.

Desde que o serviço não funcione por inação administrativa, funcione mal ou com

atraso, presume-se a culpa administrativa, assim como a obrigação de indenizar.

b) Teoria do risco administrativo

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A obrigação de indenizar surge em decorrência da lesão causada ao particular pelo

ato da Administração, bastando o dano, sem que haja a necessidade do concurso do lesado. O

fato gerador é, então, o fato lesivo e injusto causado à vítima, não sendo exigida a

comprovação de qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes, sendo estes

elementos substituídos pelo nexo de causalidade entre a ação do Estado, por seu agente, e o

dano causado.

Permite, entretanto, a teoria, que o Estado demonstre a culpa da vítima de modo a

excluir ou atenuar a indenização.

A base desta teoria está no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: como

os benefícios da atuação estatal estão divididos entre todos, também os prejuízos sofridos por

alguns membros devem ser repartidos.

c) Teoria do risco integral

Através desta teoria a Administração estaria obrigada a indenizar todo e qualquer

dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima, não admitindo

excludentes de responsabilidade do Estado, bastando o simples nexo causal, por tratar-se de

uma presunção absoluta.

Adota-se, no Brasil, desde 1946 a teoria da responsabilidade objetiva sob a

modalidade do risco administrativo, sendo este comando reproduzido pelo §6.º do art.37 da

Constituição Federal de 1988, ao dispor que “as pessoas jurídicas de direito público e as de

direito privado, prestadoras de serviço público responderão pelos danos que, nessa qualidade,

causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo

ou culpa”.

Em cada caso concreto relativo à responsabilidade civil do Estado deve-se verificar a

real ocorrência do dano, assim como o nexo causalidade entre a ação ou omissão e o evento

em questão, podendo ainda ser considerados como excludentes a culpa da vítima e a força

maior, desde que sejam causas exclusivas do dano.

17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19 ed., São Paulo : RT, 1994, p. 555

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2 DOS CONCEITOS BÁSICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Face à explosão do mercado de consumo, no qual todos somos de certo modo

fornecedores e consumidores, carecia a sociedade brasileira de uma política de relações de

consumo, a qual veio a concretizar-se com a edição do Código de Defesa do Consumidor –

Lei 8.078/90, que passou a reger as relações de consumo com absoluta proteção do

consumidor, geralmente parte mais fraca nessas relações.

Não é possível olvidar também o forte intuito coercitivo da legislação, reforçando a

possibilidade dos consumidores de fazer frente ao poder econômico dos fornecedores,

adequando-os a uma nova realidade de mercado, ao dotá-los de facilidades jurídicas como a

responsabilidade objetiva e a inversão do ônus da prova.

Para que se possa entrar na esfera do “Direito do Consumidor” torna -se necessário o

estudo de alguns conceitos básicos à sua existência, como consumidor, fornecedor, produto e

serviço.

2.1 Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2º traz a definição de consumidor

como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final.”

Trata-se de definição de natureza econômica, sendo daí abstraídas quaisquer outras

conotações, e considerando-se assim o consumidor, segundo José Geraldo Brito Filomeno18

como qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo

final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, assim como a

prestação de um serviço.

Tal conceito pressupõe a existência de uma relação de consumo, onde são envolvidas

duas partes bem definidas, fornecedor e consumidor, tendo como objetivo a satisfação de uma

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necessidade privada deste último. Nesta relação o consumidor submete-se às condições

impostas pelos detentores dos bens de capital em razão de sua hipossuficiência, de sua

vulnerabilidade diante da superioridade econômica dos fornecedores.

As pessoas jurídicas são também incluídas, pela letra da lei, entre os consumidores,

apesar de sua aparente possibilidade de defender-se dos fornecedores em igualdade de

condições. São consideradas consumidoras as pessoas jurídicas, somente em relações de

consumo em que se enquadrarem como destinatárias finais dos produtos e serviços que

adquirirem, excluindo-se, assim, as oportunidades de compra de insumos utilizados em sua

atividade lucrativa.

Os destinatários finais econômico, mencionados pelo art.2º, é aquele que adquire o

produto para fins de consumo, colocando um fim na cadeia de produção, sem conferir-lhe

utilização profissional, intermediando sua venda ou utilizando-o como insumo ou matéria-

prima para transformação ou aperfeiçoamento com fins lucrativos. A destinação final fática,

ao contrário, consiste na simples retirada do produto ou serviço da cadeia produtiva.

Deve-se analisar, assim, em cada caso concreto, se o bem ou serviço adquirido

comporá o preço final do produto ou se a sua aquisição apenas satisfez uma necessidade não

produtiva da pessoa jurídica.

Não há que perder de vista questão levantada por alguns autores, quanto à dificuldade

de caracterização de hipossuficiência entre as pessoas jurídicas. O desequilíbrio nas relações

de consumo foi o ponto de impulso para o surgimento do movimento de proteção do

consumidor, estando esta defesa indissociavelmente ligada à identificação de uma parte

economicamente mais fraca, a qual precisa ser protegida através da intervenção estatal

expressa pelo direito positivo, evitando assim sua eterna submissão pelo mais forte.

Não podem, segundo o autor supracitado, ser aplicados os dispositivos do Código de

Defesa do Consumidor sem que seja perceptível o desequilíbrio de forças entre consumidor e

fornecedor. O próprio Código expressa esta assertiva em seu art.4º, inciso I, quando enumera

o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor como um dos princípios norteadores da

matéria.

18 FILOMENO, José Geraldo de Brito. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 5 ed., Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1998, p.26.

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As relações entre iguais, economicamente suficientes e dotados de acesso à

informação e à justiça, devem continuar a reger-se pelos outros Códigos, os quais não foram

revogados pelo Código de Defesa ao Consumidor. As relações entre profissionais devem

continuar a serem regidas pelo Código Comercial e entre não profissionais pelo Código Civil.

Como o próprio Código de Defesa do Consumidor contempla a hipótese de proteção

de pessoas jurídicas, há que ser observada, caso a caso, a possibilidade de aplicação do

dispositivo, verificando de forma especial:

1) se foram realmente adquiridos bens de consumo e não de capital, a serem

aplicados na cadeia produtiva; e ainda.

2) se há desequilíbrio econômico entre as partes, caracterizando a vulnerabilidade do

consumidor.

Claudia Lima Marques19 descreve duas correntes doutrinárias divergentes quanto à

conceituação de consumidor e a sua conseqüente abrangência no sistema legal.

A primeira delas é denominada finalista, segundo a qual deve ser dada interpretação

restritiva à definição do Código, estabelecendo-se como consumidoras apenas as partes que

podem ser consideradas vulneráveis na relação de consumo, interpretando, restritamente

também a expressão destinatário final constante do art.2º, o qual seria apenas aquele que

adquire o produto ou serviço para uso próprio e de sua família, excluindo da proteção os

consumidores profissionais.

Os maximalistas, como é denominada a segunda corrente, ao contrário, encaram as

normas de defesa do consumidor como um novo regulamento do mercado de consumo

brasileiro, e não como uma proteção restrita aos consumidores não-profissionais. Segundo

esta corrente a Lei atinge a todos os agentes de mercado, que podem desempenhar os papéis

ora de consumidores ora de fornecedores, aduzindo, ainda, não conter importância o fato de os

consumidores auferirem ou não lucro nas relações, sendo considerado destinatário final aquele

que tira o produto do mercado e o consome.

19 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2 ed., São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995, p.67.

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Deve-se assinalar, ainda, que não apenas a compra e venda caracterizam a condição

de consumidor, esta pode existir qualquer que seja o modo de aquisição e posse, como por

exemplo, a doação, a permuta, ou até o recebimento de amostra grátis.

Também a noção de consumidor foi ampliada pelo Código, outorgando à

coletividade a mesma proteção que ao consumidor individualmente considerado, desde que

tenha havido relação de consumo e que cada um dos componentes da coletividade tenha dela

participado na condição de destinatário final.

Como parte de uma universalidade são concedidos aos consumidores instrumentos

jurídico-processuais para que possam obter reparação de forma mais justa, completa e efetiva

possível.

Segundo José Carlos Barbosa Moreira20 a coletividade de consumidores caracteriza-

se pela pluralidade de titulares, em número indeterminável e pela indivisibilidade do objeto de

interesse. Afirma o autor que na área do Direito do Consumidor tais interesses são detectados

principalmente na honestidade da propaganda comercial, na proscrição de alimentos e

medicamentos nocivos à saúde, na adoção de medidas de segurança para produtos perigosos e

na regularidade na prestação de serviços ao público.

No conceito da coletividade de consumidores enquadram-se conceitos diferentes de

interesse, os quais devem ser esclarecidos.

O primeiro deles é o interesse difuso, o qual pertence a um número indeterminado de

titulares, os quais são indivisíveis por ocasião de qualquer medida que vise sua proteção. Já no

interesse coletivo propriamente dito, a coletividade é indivisível como no primeiro, sendo,

entretanto, determináveis seus titulares.

Fala-se, ainda, no interesse individual homogêneo de origem comum, ou seja, um

direito individual tratado de forma coletiva, permitindo que, por exemplo, diante de diversos

danos individuais causados por um mesmo produto, seja ajuizada uma ação coletiva ao invés

de diversas individuais, liquidando-se, ao final, o dano sofrido pelos indivíduos

separadamente.

20 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Código de Defesa do Consumidor comentado , p.32.

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33

O conceito de consumidor pode ser ainda ampliado, conforme o art.29 do Código,

que prevê a equiparação aos consumidores de todas as pessoas, determináveis ou não,

expostas às práticas comerciais.

O consumidor concretamente considerado, previsto no art.2º, é aquele que de alguma

forma adquiriu ou utilizou os produtos ou serviços, enquanto que para os consumidores

abstratamente considerados, do art.29, basta a simples exposição à prática comercial, podendo

ser estas pessoas determináveis ou não, nos mesmos moldes do art.2º, não importando se

podem ser identificadas individualmente ou se fazem parte de uma coletividade

indeterminada.

O art.17 traz outra faceta do conceito de consumidor, lato sensu, a qual inclui na

categoria qualquer vítima de evento danoso, que não participou da relação de consumo, não

foi o destinatário final do produto, mas será beneficiado pelas normas protetivas. Este é o

caso, por exemplo, do vizinho atingido pela explosão de um bujão de gás21, ou o uso de

fertilizantes contaminando rios.22

2.2 Fornecedor

O fornecedor é definido pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art.3º, caput,

como sendo “toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem

como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem,

criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição, comercialização de

produtos ou prestação de serviços” .

O fornecedor é o outro polo da relação de consumo, e dele pode-se dizer, em resumo,

ser o responsável pela colocação de produtos e serviços à disposição do consumidor.

Segundo o art.3º, podem ser considerados fornecedores tanto pessoas de direito

público como privado, enquadrando-se entre as primeiras o próprio Poder Público, através de

21 BONATTO, Cláudio, MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do

Consumidor. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p.85. 22 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.162

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empresas públicas que desenvolvem trabalho de produção ou prestação de serviços, ou ainda

as concessionárias de serviços públicos.23

São incluídos pelo Código, ainda, fornecedores estrangeiros, os quais ao exportar

produtos ou serviços para o país arcam com a responsabilidade por eventuais danos ou

defeitos.

Os entes despersonalizados, indicados pelo art.3º como fornecedores, são aqueles

que, embora não dotados de personalidade jurídica, exercem atividades produtivas de bens e

serviços.

Seguindo na análise do conceito legal, temos que fornecedor é toda a pessoa física ou

jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados,

que desenvolvem atividades.

O desenvolvimento de atividades é o núcleo da definição, ou seja, é necessária a

existência de ação visando alterar o estado das coisas, a transferir um bem da vida, assim

considerados tanto os produtos como os serviços. Estas atividades somente serão

desenvolvidas, no espírito da lei consumerista, no dizer de Bonato & Moraes, quando presente

o elemento da profissionalidade, ou seja, quando o objetivo final seja a obtenção de

benefícios, ganhos e lucros.24

Cumpre que estas atividades estejam organizadas de forma a atender ao fim

colimado, devendo ser dotadas de habitualidade, continuidade e tendo a duração necessária

para tanto. Simples atos isolados não caracterizam atividade, e por conseguinte não se inserem

em relação contratual de consumo.

Simples atos de liberalidade entre amigos não caracterizam fornecimento de

produtos, como a torta que um vizinho dá a outro, não podendo ser responsabilizado por

defeitos no produto aquele particular que confeccionou o alimento, por faltarem-lhe as

características típicas do fornecedor.

23 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.39. 24 BONATTO, Cláudio, MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p.88.

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35

Outro elemento caracterizador do fornecimento é a remuneração, principalmente

quando se trata de prestação de serviços. O elemento caracterizador da relação de consumo

neste caso é a remuneração, e não a profissionalidade ou a habitualidade de quem o presta.

Mesmo que um indivíduo exerça uma determinada atividade de prestação de serviços

de forma profissional, não há que falar em relação de consumo se inexiste contraprestação

pecuniária pelo serviço prestado. Em assim sendo, por não haver relação de consumo,

obviamente não há que falar em responsabilidade do fornecedor por defeitos do serviço

prestado nos moldes do Código de Defesa do Consumidor, devendo ser usados para resolver o

problema os preceitos do Código Civil.

Sendo gratuita a prestação de serviço, não há que falar em relação de consumo.

A remuneração, entretanto, pode ser direta, de forma clara e visível, ou indireta,

embutida nos demais serviços pagos pelo consumidor. Esta diferenciação deve ser feita

casuisticamente. Um exemplo claro é a lavação de carros oferecida “gratuitamente” pelos

postos de gasolina quando o consumidor utiliza outros serviços do estabelecimento. Nesta

situação o serviço não é gratuito, mas uma espécie de publicidade subliminar, a qual é paga

pelo valor total despendido no estabelecimento, através dos outros produtos e serviços

adquiridos pelo consumidor.25

Este tipo de atividade consiste num possível implemento no negócio do fornecedor,

uma espécie de vantagem com a qual atrai consumidores em potencial ao seu estabelecimento,

atraídos pelas facilidades apresentadas, como, por exemplo, a distribuição de amostras grátis,

o estacionamento de veículos em shopping centers e supermercados26, os serviços de baby-

sitter em grandes lojas, entre tantos outros usados para atrair os consumidores.

Quanto a estes serviços responde o fornecedor nos moldes do Código de Defesa do

Consumidor por tratar-se de serviço remunerado indiretamente.

Outra questão a analisar é o caráter de prestadores de serviço de certas

universalidades de direito como os condomínios e as associações desportivas e de lazer. Tais

entidades apesar de prestarem serviços aos seus associados não podem ser consideradas

25 BONATTO, Cláudio, MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p.88.

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fornecedoras, na opinião de Ada Pellegrini Grinover27, por serem as deliberações de fim

social, feitas pelos próprios associados, através de conselho deliberativo ou até de decisão em

assembléia geral.

Em assim sendo, cada associado tem a chance de deliberar sobre seus destinos, não

cabendo a alegação de que os serviços prestados por funcionários, síndicos ou diretores

caracterizem-os como fornecedores de serviços nos moldes do Código de Defesa do

Consumidor.

Situação diversa é a que envolve associação cujo fim é a prestação de serviços de

determinada natureza, como por exemplo, assistência médica, nas quais cobra-se certa

contribuição, dando em troca o serviço contratado. Trata-se de relação de consumo, uma vez

que não há gestão da coisa comum, mas sim prestação de serviço de um fornecedor a uma

universalidade de consumidores.

2.3 Produto

O Código de Defesa do Consumidor, no §1º do art.2º dá a definição legal de produto:

“Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.”

Pode-se perceber que o núcleo da definição de produto repousa no vocábulo bem, o

qual, por si, apresenta uma abrangência muito maior.

Segundo José Cretella Jr28, para efeitos do CDC, bem é toda coisa que sendo dotada

de valor econômico, disponha de relevância para o direito, concluindo, por fim que produto

seria “toda coisa que, por ter valor econômico, entra no campo jurídico, sendo objeto de

cogitação pelo homem, quando parte integrante da relação jurídica.”

Silvio Rodrigues29 define bens, economicamente considerados, como “coisa s que,

sendo úteis aos homens, provocam sua cupidez e, por conseguinte, são objetos de apropriação

26 BERTOLDI, Marcelo Marco. Responsabilidade contratual do fornecedor pelo vício do produto ou do serviço, Revista de Direito do Consumidor. São Paulo : RT, 1994, nº10, p.130. 27 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.40 28 CRETELLA Jr, José. Comentários ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.14. 29 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 22 ed., São Paulo : Saraiva, 1991, p.115

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privada” . Em sua opinião bem econômico é aquele que é útil ao homem e existe em

quantidade limitada no universo.

Só serão economicamente considerados os bens que sejam úteis e que se encontrem

no universo em quantidades limitadas. Bens como o ar atmosférico e a luz solar não são

regulados por normas jurídicas por não haver interesse econômico em controlá-los.

Maria Helena Diniz30 aponta três caracteres essenciais para que o bem possa ser

objeto de relação jurídica:

1) Idoneidade para satisfazer um interesse econômico;

2) Gestão econômica autônoma;

3) Subordinação jurídica ao seu titular.

O produto é definido por Ada Pellegrini Grinover31, ao lado do serviço, como o

efetivo objeto da relação de consumo, aquele que figura entre consumidor e fornecedor,

destinando-se a satisfazer uma necessidade de quem o adquire, como destinatário final.

Definido o núcleo do conceito legal, passa-se à definição dos demais elemento. Bem

móvel, pode ser definido, segundo Bonatto & Moraes32 como aqueles que podem ser

removidos de um lugar para outro, por ato próprio ou alheio, enquadrando-se nesta definição

também os semoventes.

Bens imóveis são aqueles que não podem ser transportados sem destruição, sem

ocasionar sua ruptura, segundo o art. 79 do Código Civil.

Os bens materiais podem ser perfeitamente entendidos quando contrapostos aos bens

imateriais, os quais são aqueles que não podem ser pesados, medidos, tocados. Não são

palpáveis mas podem ser apreciados economicamente. O consumo dos bens imateriais não

configura a ocorrência de destruição, gasto, mas sim a satisfação de uma necessidade da

pessoa. São exemplos claros a diversão oferecida por casas de espetáculo e o ingresso em

galerias de arte. Podem ser ainda mencionados os bens materiais intangíveis como o direito

30 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. 7 ed., São Paulo : Saraiva, v.1, 1989 31 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.42 32 BONATTO, Cláudio, MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p.95

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autoral e a propriedade industrial, os quais podem ser objeto de valoração econômica, podem

satisfazer necessidade, sendo, portanto, passíveis de figurar como objeto de relação de

consumo.33

Ao contrário dos serviços, no que tange os produtos a remuneração não é um

requisito essencial para que seja considerada existente a relação de consumo. Isto significa

que mesmo as amostras grátis distribuídas pelo fornecedor, se apresentarem qualquer defeito

ou causarem dano a alguém enquadraram o responsável nos ditames do Código.

2.4 Serviço

O Código de Defesa do Consumidor no §2º do art.3º define serviços como “qualquer

atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza

bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter

trabalhista.”

O serviço, como objeto da relação de consumo, apresenta como elemento essencial a

remuneração, que pode ser realizada, conforme já demonstrado, de forma direta ou indireta.

A remuneração direta é aquela realizada em contraprestação direta pelo serviço

recebido. Já a indireta representa uma forma de promover o negócio e atrair a clientela,

iludindo o consumidor a respeito de serviços supostamente gratuitos quando o preço está

embutido nos demais bens adquiridos e serviço prestado. É o caso das promoções da venda

casada, ou da prestação serviços gratuitos na compra de outros.

Cumpre ainda acrescentar que não podem ser considerados como remuneração os

tributos em geral, nem mesmo as taxas e contribuições de melhoria. Não há que confundir o

consumidor com o contribuinte. Os tributos são cobrados em nome do desempenho da

atividade precípua do Estado, aí inseridos a persecução do bem comum e a prestação de

serviços públicos genéricos.

Diferentemente dos tributos, as tarifas podem ser consideradas como remuneração,

da mesma forma que o preço público, pago em contraprestação a um serviço prestado

33 BONATTO, Cláudio, MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p.95.

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diretamente pelo Poder Público ou, mediante sua concessão ou permissão, pela iniciativa

privada.34

Incluem o dispositivo legal acima transcrito, as atividades bancárias financeira, de

crédito e securitária entre aquelas reguladas pelo CDC. Grandes são, no entanto, as

divergências a respeito.

Os autores do anteprojeto do Código, em seus comentários, afirmam que as

atividades desempenhadas pelas instituições financeiras quer na prestação de serviços, quer na

concessão de mútuos e financiamentos, inserem-se no conceito de serviços. Assim também

acontece com os planos de aposentadoria privada e os mais diversos tipos de seguros.35

Defendendo este mesmo ponto de vista Bonatto & Moraes36 argumentam que a

pessoa que recebe um crédito o “consome”, pois gasta o dinheiro. Em sua opinião, o fato de

voltar o dinheiro em seguida para o fornecedor, com o pagamento do crédito não

descaracteriza a relação de consumo, o que demonstra através de um exemplo: no fim do

contrato de automóveis o veículo é devolvido à empresa, o que não descaracteriza, entretanto

a relação de consumo, pois o consumidor pagou pelo transporte.

Da mesma forma o crédito, pois o dinheiro é recebido como um “transporte” das

intenções e planos do consumidor, que se usa desta quantia para atingir os seus objetivos,

pagando por isto uma taxa pelos serviços prestados pela instituição financeira no “aluguel do

dinheiro”, o qual propiciou a satisfação de suas necessidades. 37

O mesmo ocorre no financiamento de um carro, onde a pessoa que não poderia

comprá-lo de uma só vez, o faz em parcelas, beneficiando-se de um serviço, pelo qual paga

determinado preço, incluindo-se assim entre as partes de uma relação de consumo.38

O art.52 do CDC reforça este entendimento ao fixar diretriz a respeito do

fornecimento de produtos ou serviços que envolvam a outorga de crédito ou a concessão de

34 GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.44 35 ibid, p.41 36 BONATTO, Cláudio, MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p.98 37 ibid, p.98 38 ibid, p.99

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financiamento ao consumidor, reforçando literalmente a inclusão destas operações no rol

daquelas protegidas pelo Código.

Alguns autores esposam entendimento diverso, como é o caso de Arnold Wald39, o

qual afirma estarem excluídas da esfera de proteção do Código de Defesa do Consumidor

todas as obrigações de dar, consistindo relações de consumo somente certas obrigações de

fazer. Argumenta que não podem ser consideradas relações de consumo aquelas relações

bancárias em que os produtos ingressem em sua esfera jurídico-patrimonial, uma vez que ao

dinheiro ou ao crédito não pode ser dado destino final, a não ser em caso de colecionadores de

moedas.

Também Paulo Brossard40 reforça este ponto afirmando que as operações bancárias

não dizem respeito ao consumo, são, isso sim, intermediários na produção de bens.

Vilson Rodrigues Alves41 combate essas teses afirmando não ser a moeda o bem

circulado nestas relações jurídicas, mas sim o valor nelas corporificado. O produto dos bancos

é o dinheiro ou o crédito, sendo estes bens juridicamente consumíveis. Por outro lado está

clara a condição de fornecedor do estabelecimento bancário, uma vez que fornece serviços a

terceiros, mediante remuneração, a qual está presente mesmo nos investimentos chamados de

risco.

Os recursos financeiros obtidos através de mútuo podem ser caracterizados como de

uso final, desde que este dinheiro permaneça na esfera jurídica do consumidor, o que não

ocorre se ele não usa o produto ou o serviço, vindo a repassá-lo a outrem.

O simples fato de agir a pessoa profissionalmente quando contrata com o banco não

afasta a qualificação de consumidor, uma vez que se destinatário final do bem, pode usá-lo

para fins profissionais.

39 WALD, Arnold. O Direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº666, abr 1991, p.15. 40 BROSSARD, Paulo. Defesa do consumidor – atividade do ministério público – incursão em operações bancárias e quebra de sigilo – impossibilidade de interferência, Revista dos Tribunais, São Paulo : Revista dos Tribunais, nº718, ago 1995, p.88. 41 ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil nos estabelecimentos bancários, São Paulo : Bookseller, 1997, p.93.

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Reforça, o mesmo autor, o desequilíbrio existente entre clientes e bancos, os quais

agem profissionalmente, assumindo as obrigações de dar e fazer perante pessoas em regra

leigas e desinformadas, a respeito das atividades bancárias. Os consumidores, na maioria dos

casos, buscam as instituições em situação de grave debilidade financeira, vendo-se forçadas

pelas circunstâncias a abdicar de sua liberdade contratual, aceitando o vínculo unilateralmente

imposto pelo estabelecimento bancário.

Prossegue afirmando que estas peculiaridades levam à justificação da adoção de

medidas visando a redução destas gritantes desigualdades sócio-jurídicas, e servem de base

para a definição da responsabilidade objetiva dos bancos comerciais nas lesões verificadas em

suas atividades a clientes e não-clientes.

José Geraldo Brito Filomeno42, analisando o caso dos investidores de valores no

mercado mobiliário em relação às instituições ou empresas que propiciam este tipo de

investimento, afirma que não há relação de consumo, uma vez que não se pode falar em

destino final. Melhor sorte não assiste aos interesses de caráter trabalhista, a não ser nos casos

de empreitada, onde não existe subordinação jurídica e sim trabalho autônomo, enquadrando-

se como relação de consumo, a qual tem por objeto a prestação de serviços.

42 FILOMENO, José Geraldo Brito. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p.41

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3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

3.1 Intróito

O Direito vem, através dos tempos, acompanhando, a passos lentos, as mudanças da

sociedade, regulamentando e disciplinando certos pontos, de forma a equilibrar a sempre

instável balança da Justiça.

Um claro exemplo disto é a criação, através dos tempos, da proteção ao consumidor.

O marco inicial desta evolução do pensamento jurídico se deu com a Revolução Industrial,

ocasião em que começou a declinar o trabalho artesanal em função da produção em massa,

fortalecendo gradativamente a posição econômica dos fornecedores e fragilizando os

consumidores, hoje denominados hipo-suficientes.

Com o tempo, as relações de consumo foram se intensificando num ritmo freqüente,

chegando, em nossos dias a um mercado globalizado e massificado, onde a pesquisa de novos

métodos de fabricação, a melhoria da qualidade dos produtos, a expansão dos mercados e o

aparecimento de formas agressivas de venda provocaram o aumento da oferta e da procura de

bens e serviços, forjando necessidades e apelos antes não existentes no mundo do consumidor.

A este crescimento na expectativa de consumo e à expansão do leque de bens e

serviços oferecidos, corresponde a alteração de práticas comerciais, a mudança no modo de

celebração dos contratos e das formas de crédito ao consumo, o que exige, com o passar do

tempo a regulamentação da matéria pelo ordenamento jurídico vigente, em razão da

necessidade de estabelecer regras que permitam a defesa eficaz e adequada dos interesses

daqueles que intervém na relação de consumo, na qualidade de consumidores, no sentido de

prevenir e sancionar ações turbadoras, compensando-os através de mecanismos inibidores e

sob a ação de entidades que, coletivamente, possam obter resultados efetivos.

Entre as iniciativas internacionais para a regulamentação da matéria pode-se citar, em

1973, a edição pelo Conselho da Europa da Carta do Consumidor, e mais adiante, em 1985, o

estabelecimento de diretrizes para uma política de proteção aos consumidores, elaborada pela

Organização das Nações Unidas, através da Resolução de nº 39248, que estabeleceu certos

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princípios fundamentais seguidos à risca pelo legislador ao idealizar o Código de Defesa do

Consumidor :

∗ proteção dos consumidores frente aos riscos para a sua saúde e segurança;

∗ promoção e proteção dos interesses econômicos dos consumidores;

∗ acesso dos consumidores à informação adequada sobre os produtos e serviços

existentes no mercado;

∗ educação do consumidor;

∗ possibilidade de compensação efetiva do consumidor em face dos danos e

prejuízos sofridos e;

∗ liberdade para que sejam constituídos grupos e organizações de consumidores,

assim como a necessidade de que sejam ouvidos na tomada de decisões que lhes digam

respeito43.

Em nosso país, ocorreu a previsão constitucional da matéria em 1988, onde foi

previsto o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a princípio no artigo 5º, que dispõe

sobre os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, em seu inciso XXXII, que

estabelece o seguinte: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”

A defesa ao consumidor é ainda mencionada na Constituição vigente, no capítulo que

trata da Ordem Econômica e Financeira, elencada no artigo 170 como princípio a ser

observado na manutenção da ordem econômica, cujo fim é assegurar a todos existência digna,

dentro da justiça social

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 48, dispôs sobre o

prazo para elaboração do Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo para isso, o

período de quatro meses após a promulgação da Carta Maior.

Este trabalho de elaboração foi levado a cabo somente em 11.09.90, com a

publicação do Código de Defesa do Consumidor, na forma da Lei 8.078, considerada em todo

43 AMARAL JUNIOR, Alberto do. Proteção do consumidor no contrato de compra e venda. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 221

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o mundo como uma legislação de vanguarda, encontrada em poucos lugares do mundo de

forma tão sistematizada e com abrangência tão ampla.

3.2 A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor

O consumidor, em posição de desvantagem frente ao fornecedor, potencialmente

mais forte em termos de poder econômico, mereceu, por parte do ordenamento jurídico, um

tratamento diferenciado, gozando, a algum tempo de amparo especial na órbita jurídica, como

por exemplo, as garantias da evicção e dos vícios redibitórios.

Estas modalidades de proteção, entretanto, eram dadas de forma a proteger qualquer

contrato de compra e venda, atendendo da mesma forma as partes do contrato, presumindo

que ambas atuassem com equilíbrio econômico-financeiro, ao contrário da efetiva realidade.

Percebe-se, desta forma, serem insuficientes estes instrumentos na proteção dos

interesses dos consumidores, uma vez que forjados num ambiente sócio-econômico muito

diferente do atualmente existente, propiciando, assim, a criação de novos preceitos jurídicos,

em substituição, quanto à matéria de consumo, da antiga responsabilidade fundada na teoria

do vício redibitório, por uma responsabilidade mais ampla e capaz de fornecer aos

consumidores respostas mais eficientes.

Um exemplo claro é a possibilidade, em sede do novo sistema, de responsabilizar

toda a cadeia de consumo, enquanto que na teoria dos vícios redibitórios seria necessária

existência do vínculo contratual, pois dificilmente o consumidor estabelece contratos com

outras pessoas que não o comerciante, constituindo-se o negócio realizado ‘res inter alios

acta’ com o produtor ou o fabricante.

No conceito de vício redibitório encaixam-se, somente os casos em que os defeitos

ou vícios sejam de tal grau que tornem impróprio o produto para o fim destinado ou lhe

diminua o valor, deixando o consumidor a mercê daqueles vícios menores que freqüentemente

ocorrem no mercado de consumo.

Uma outra dificuldade sentida pelos consumidores no sistema dos vícios redibitórios

é quanto à prova do vício, que por vezes impede o exercício do direito do fornecedor, uma vez

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que pelo sistema tradicional, compete ao consumidor a prova de que o vício é anterior entrega

do produto, coisa que somente pode ser feito através de perícia em processos judiciais

dispendiosos.

A insuficiência da garantia dos vícios redibitórios nos moldes do “direito tradicional”

– direito civil genérico, permitiu a reformulação do quadro até então existente, construindo-se

panorama diverso, mais moderno, melhor moldado às necessidades jurídicas atuais,

demonstrando preocupação não só com o aspecto econômico das relações de consumo, mas

também tutelando a incolumidade física e psíquica dos consumidores e daqueles a ele

equiparados.

A integridade física do consumidor sofre constantes ameaças nesta sociedade

caracterizada por uma produção e comercialização de produtos em grande escala, sendo

inevitável o aumento no número de acidentes de consumo, os quais podem afetar a saúde,

colocando em risco para a própria vida.

Um segundo aspecto a ser resguardado é o relativo à esfera econômica de interesse

do consumidor, pois, na relação de consumo, seu patrimônio torna-se vulnerável frente ao

poder econômico dos fornecedores.

É a chamada hipossuficiência do consumidor, nas relações de consumo, demonstrada

por inúmeros fatores, entre eles o menor acesso aos meios de defesa, a falta de oportunidade

de escolha e livre expressão da vontade, limitando-se o consumidor a aderir ao negócio

jurídico, desprovido da liberdade de contratar.

Como forma de suprir a inferioridade do consumidor frente aos fornecedores de

produtos e serviços, criou o legislador dispositivos facilitando a preservação e conseqüente

reparabilidade da lesão ao patrimônio dos consumidores, como é o caso do inciso VI do art. 6º

do Código, o qual prevê a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,

individuais, coletivos e difusos, primando pelo estabelecimento de uma igualdade de

condições entre fornecedor e consumidor, dotando este último de instrumentos processuais

modernos e eficazes para gerar a reparação dos danos eventualmente ocorridos na relação de

consumo.

A reparabilidade não é, entretanto, o único meio de preservação de direitos. Inova o

Código do Consumidor ao versar sobre a prevenção do dano, buscando criar um ambiente

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seguro para os consumidores, amparando-os desde o momento de exposição à propaganda do

produto até o resultado final do consumo.

Outras inovações também fazem parte do quadro da defesa do consumidor, como por

exemplo, os mecanismos para a sua defesa em juízo, visando criar um mecanismo de paridade

entre as partes no processo, com a adoção da inversão do ônus da prova, da responsabilidade

objetiva e da solidariedade passiva, além da possibilidade de defesa dos interesses difusos e

coletivos.

3.3 A teoria da qualidade

Outra inovação trazida pelo Código de Defesa do Consumidor é a teoria da

qualidade, a qual objetiva reestruturar o sistema das garantias tradicionais trabalhando a nível

de produção, comercialização e consumo em massa, vindo a aprimorar as garantias

tradicionais, possibilitando ao consumidor enfrentar os problemas surgidos em decorrência de

sua relação com o fornecedor, em relativa igualdade de condições.

Caracteriza-se a teoria da qualidade pela proteção do patrimônio do consumidor, com

o tratamento dos vícios de qualidade por inadequação, e pela proteção da saúde do

consumidor, com tratamento dos vícios de qualidade por insegurança.

Quanto aos vícios de qualidade por inadequação, verificada a insuficiência total ou

parcial de aptidão ou idoneidade do produto ou serviço em alcançar o fim para o qual foi

destinado, retiram-se os produtos do mercado, evitando sua comercialização. Já no caso de

vício de qualidade por insegurança, são tomadas providências após a verificação do risco que

corre a integridade física ou psíquica do pólo economicamente mais fraco da relação.

Inclui, a teoria da qualidade, conseqüências repressivas para o violador, tanto de

natureza administrativa, como penal, predominando em sede de responsabilidade civil, a

reparação, elemento essencial para o consumidor lesado, ganhando, neste ponto, a qualidade,

enorme importância econômica44.

44 BENJAMIN, Antônio Hermen de Vasconcelos e. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo : Saraiva, 1991, p.187.

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Esta subdivisão da teoria da qualidade está expressa no Código de Defesa do

Consumidor, sendo denominada a primeira de responsabilidade pelo fato do produto ou

serviço, prevista nos artigos 12 a 17, tratando da incolumidade do consumidor; e a segunda,

responsabilidade pelo vício do produto ou serviço com previsão nos artigos 18 a 25 do

Código, cuidando da esfera patrimonial atingida.

3.4 Da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço

O Código de Defesa do Consumidor, a partir do art.12 trata da responsabilidade pelo

fato do produto ou do serviço, prevendo os chamados acidentes de consumo, que podem ser

definidos como situações que ocorrem em virtude da inadequação do bem ou serviço,

causando dano a consumidor ou a terceiro a ele equiparado, sendo que quanto à segurança, os

produtos ou serviços postos à disposição dos consumidores podem ser divididos em dois

grupos:

• Periculosidade inerente - trazem em si um risco intrínseco, ligado à sua própria

qualidade ou modo de funcionamento, e embora se mostre capaz de causar acidentes, a

periculosidade dos mesmos torna-se natural, previsível, em consonância com a expectativa

legítima do consumidor que vai utilizá-la, sendo que ao adquirir ou manusear tal produto, o

consumidor já traz precauções ínsitas, diretamente proporcionais ao perigo proporcionado

pelo objeto.

• Periculosidade adquirida - são aqueles que se tornam perigosos em decorrência de

um defeito que, por qualquer motivo, apresentam. Sua principal característica é exatamente a

imprevisibilidade para o consumidor, sendo ineficaz qualquer modalidade de advertência para

afastar o perigo. A periculosidade adquirida pode ter origem na fabricação, concepção ou

comercialização do produto ou serviço, sendo que nos dois primeiros casos o defeito decorre

de vícios materiais intrínsecos e no terceiro advém da falta de instrução ou informação.

A periculosidade adquirida é a única que enseja a responsabilidade do produtor ou

fornecedor do produto ou serviço, o que não ocorre com a periculosidade inerente.

Torna-se óbvia tal distinção quando trazida ao campo fático: o fabricante de faca de

cozinha, ou qualquer outro objeto cortante, não está obrigado a reparar o dano sofrido pelo

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48

consumidor ao utilizá-lo em suas atividades domésticas. Devem, entretanto, ser analisadas,

caso a caso, as condições particulares do consumidor, inclusive sua capacidade de conhecer e

avaliar as informações fornecidas acerca dos riscos inerentes ao produto e ao serviço,

sopesando, no caso concreto, a obrigação de reparar, de acordo com as condições particulares

do consumidor.

A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço guarda estreita correlação com

a teoria da responsabilidade objetiva, uma vez que preconiza a resolução de casos em que não

é usado o critério clássico da culpa para proceder à reparação.

Esta disposição do Código assinala a evolução da noção de responsabilidade civil, a

qual acompanhando o desenvolvimento da sociedade caminhou para a prescindibilidade da

demonstração de culpa.

O Código, em sua intenção de proteger o consumidor, chega a determinar, a inversão

do ônus da prova, através da qual seria tarefa do fornecedor ilidir sua culpa, e não do

consumidor em comprová-la.

Os profissionais liberais são a única categoria a que não se aplica a teoria da

responsabilidade objetiva, exigindo o § 2º do artigo 14, que seja necessária a caracterização da

culpa para a efetiva reparação do dano. Esta diferenciação tem fundamento no fato de consistir

o contrato com um profissional liberal uma obrigação de meio, e não de resultado.

Estes profissionais, ao serem contratados, comprometem-se, apenas a empreender

todos os esforços possíveis para alcançar determinado resultado. É a chamada obrigação de

meio, onde não há a obrigação de trazer um resultado pré-estabelecido. É o caso de um

médico, que é contratado para fazer todo o possível para salvar a vida de seu paciente, não

podendo ser responsabilizado por sua eventual morte, para a qual não contribuiu diretamente.

Ao contrário dos profissionais liberais, aos fornecedores de produtos e serviços se

aplica a teoria da responsabilidade objetiva, uma vez que se obrigam a proporcionar um

determinado resultado ou a transmitir um produto com certas características de qualidade e

quantidade, sendo o que se pode chamar de obrigações de resultado, onde o credor pode exigir

sua consecução, sob pena de se ter a relação jurídica inadimplida, interessando, assim, para a

reparabilidade do dano, a inocorrência do resultado prometido e contratado, ao invés da culpa

pela não obtenção do resultado.

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49

Os responsáveis pelo dever de indenizar os danos causados pelo fato do produto e do

serviço são seus fabricantes, construtores, produtores e importadores, sendo que os

comerciantes serão apenas responsáveis subsidiários, somente chamados a responder quando

os verdadeiros responsáveis não forem identificados, ou quando o dano decorrer da

conservação inadequada o produto.

As categorias expressas no artigo 12 para enumerar os entes responsáveis pela

reparação de danos causados em decorrência dos produtos ou serviços podem ser definidas da

seguinte forma:

• Fabricante - é qualquer pessoa, físicas ou jurídicas, que está inserida, direta ou

indiretamente, no processo de desenvolvimento e lançamento do produto no mercado,

enquadrando-se na definição não só o manufaturador final, como também, o que produz peças

e componentes. No caso de um determinado produto ter mais de um fabricante, todos são

solidariamente responsáveis pelos defeitos e suas conseqüências, cabendo ação regressiva

contra aquele que efetivamente deu causa ao problema;

• Construtor - é aquele que lança produtos imobiliários no mercado, sendo que sua

responsabilidade pode advir tanto da má técnica utilizada na construção, como também na

incorporação de um produto defeituoso fabricado por terceiro. Responde assim por ter

escolhido mal seu fornecedor;

• Produtor - é aquele que coloca no mercado produtos animais e vegetais não

industrializados. Se o produto animal ou vegetal sofrer algum processamento, como por

exemplo embalagem, serão solidariamente responsáveis o produtor e o que efetuou o processo

de embalagem, cabendo tão somente ação regressiva do fornecedor responsabilizado contra o

que efetivamente deu causa ao defeito;

• Importador - é a pessoa que traz para o país produto fabricado ou produzido no

exterior. A sua responsabilidade independe da natureza jurídica do negócio que ensejou a

importação, sendo certo que sua responsabilidade advém do fato de não poder o consumidor

facilmente alcançar o produtor ou fabricante do produto em seu país de origem.

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50

O elemento causador do acidente de consumo é o chamado defeito, o qual, uma vez

comprovado, gera a responsabilização, dentro do sistema objetivista, ou seja,

independentemente de culpa.

A idéia de defeito é inserida e delimitada pelo Código em seu artigo 12, §1º,

apontando como defeituoso o produto que não apresente segurança, apresentando uma

periculosidade inerente, sendo que somente poderá ser alegado pelo consumidor quando este é

surpreendido pelo mesmo.

Devem ser levadas em consideração para a determinação dos defeitos, características

como a apresentação, o uso e o risco que razoavelmente se esperam e a época em que se deu a

comercialização, através dos quais poderão os Magistrados determinar o grau de segurança

dos produtos, da seguinte forma:

a) apresentação do produto - relaciona-se com a quantidade e forma de orientação

sobre os riscos;

b) o uso - é caracterizado pela utilização razoável do produto;

c) a época em que foi colocado no mercado - determina a expectativa de segurança

no momento da colocação do produto no mercado e não na ocasião da ocorrência do dano ou

do julgamento do juiz.

Podem ser concebidos três tipos de defeitos em relação ao segmento do processo

produtivo em que se concentrou o erro:

• Defeito de fabricação - mau funcionamento inteiramente alheio à vontade do

fornecedor, caracterizado por imperfeições inadvertidas que fazem com que os produtos

deixem de funcionar de acordo com a função desejada. Têm eles origem na falibilidade do

processo produtivo e podem abranger tanto os produtos que desviam o seu funcionamento dos

demais que advém da mesma linha de produção, como aqueles que, mesmo tecnicamente

perfeitos, tem sua funcionabilidade comprometida por corpos estranhos;

• Defeitos de concepção - são decorrentes da escolha do fornecedor acerca das

características finais do produto, podendo ocorrer na sua atividade de desenvolvimento, na

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51

escolha do material utilizado na sua confecção, na eleição de técnicas de fabricação e também

no modo como seus componentes são montados ou utilizados.

• Defeitos de comercialização - estão relacionados com o dever de informar acerca

da correta forma de utilização do produto ou fruição do serviço. Neste caso, o produto ou

serviço não apresenta um defeito em si mesmo, mas incorreta ou insuficiente informação

sobre sua utilização.

3.5 Da responsabilidade pelo vício do produto ou serviço

Visa o Código de Defesa do Consumidor, com base na teoria da qualidade, dar ampla

proteção à esfera jurídica do consumidor, garantindo sua segurança física e psíquica, assim

como sua segurança patrimonial.

Nos seus artigos 18 a 25, trata o Código da responsabilidade por vício do produto ou

do serviço, tendo por função justamente a defesa da esfera patrimonial do consumidor,

apresentando proteção para os vícios de qualidade por inadequação e dos vícios de

quantidade.

Os referidos problemas podem decorrer de impropriedade do produto ou do serviço,

de diminuição de seu valor e de disparidade informativa, sendo que para cada um dos casos, o

Código indica as formas pelas quais devem ser reparados os danos.

Nas hipóteses em que os defeitos ou vícios tornam o produto impróprio ou lhe

diminuem o valor, ou ainda quando estes não guardam consonância com a publicidade

realizada, estabelece o Código em seu art. 18, a possibilidade de exigir sua substituição,

obrigando o fornecedor, quando não proceder à substituição no prazo de 30 dias, a realizá-la

compulsoriamente, ou a restituir a quantia paga ou ainda a conceder abatimento no preço

pago.

Respeitando o princípio da bilateralidade do contrato, assim como aquele da

autonomia da vontade, permite o Código a restrição ou alargamento do prazo para a

substituição do produto (art.18, §2º), dando como limites para negociação o prazo mínimo de

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sete e máximo de cento e oitenta dias, para a substituição do produto, sendo obrigatória,

entretanto, para a mudança no prazo, a aquiescência expressa do consumidor.

Respondem o fornecedor e o prestador de serviços pelos vícios de qualidade e

quantidade que tornem os produtos impróprios, ou inadequados ao consumo.

Chama-se impropriedade à inconformidade material ou formal do produto, quer seja

ela localizada na segurança, na adequação ou na quantidade do produto ou serviço.

Especifica o Código Consumerista os seguintes casos de impropriedade:

1. Produtos com prazo de validade vencido - caso em que a impropriedade é formal,

alheia ao seu conteúdo;

2. Produtos deteriorados - que tem sua qualidade ou condição primitiva modificada

por causas naturais, somente indiretamente ligada ao comportamento humano (má

conservação);

3. Produtos alterados - que tem sua condição e qualidade primitiva alteradas por

intervenção humana direta, intervenção esta não comunicada ao consumidor;

4. Produtos corrompidos ou adulterados - que são produtos modificados para pior em

sua essência, por ação humana direta;

5. Produtos falsificados - que são produtos modificados, com aparência genuína;

6. Produtos avariados - que não se prestam a cumprir, por completo, sua destinação

mercadológica, sejam por apresentarem alguma falha interna, seja por estarem em mau estado;

7. Produtos portadores de vícios de qualidade por segurança - nocivos a saúde e a

vida humana e;

8. Produtos em desacordo com normas regulamentares;

9. Produtos inadequados ao fim a que se destinam.

Os produtos inadequados, também listados entre os produtos impróprios (art.18,§6º),

são aqueles cujo vício consiste num desajuste com o fim a que comumente se destina, sendo

sua avaliação pautada pela noção de expectativa legítima do consumidor.

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53

Pode ser definido, portanto, o produto inadequado como aquele que não está

preparado para os fins ordinários para os quais foi adquirido, configurando-se a inadequação

como uma relação entre o bem e o seu destinatário, e não como um traço do produto em si45.

Alguns fatores secundários são também analisados para a configuração da

inadequação, tais como a natureza do bem de consumo, o estado da técnica, as informações

prestadas pelo fornecedor e o fim a que se destina. A adequação não é sinônima de perfeição e

de carência absoluta de riscos ou de aspectos negativos, mostra-se, isso sim, como uns

conceitos relativos, que exatamente por levar em consideração a expectativa legítima do

consumidor, é consideravelmente mutável e flexível.

Sendo inadequados ou impróprios os produtos e serviços responderão civilmente

seus fornecedores, presumindo-se sua culpa pelo dano.

Sendo assim, basta que haja o dano e o nexo de causalidade com o consumo do

produto ou do serviço, não havendo a necessidade de comprovação de culpa do fornecedor, o

qual não pode eximir-se de sua responsabilidade pela ignorância acerca dos vícios de

qualidade e quantidade dos produtos e serviços que coloca no mercado, devendo arcar com os

custos sociais da produção.

São responsáveis solidariamente todos os fornecedores da cadeia produtiva, inclusive

os comerciantes, podendo o ressarcimento ser dirigido a qualquer dos fornecedores,

indistintamente, nos termos da lei civil. O consumidor pode escolher qual dos constituintes da

cadeia produtiva irá acionar, sendo que cada um é responsável pela totalidade da obrigação de

ressarcimento.

O Código expressa exceção quanto aos alimentos comercializados in natura, sem

processamento, quando somente será responsável o fornecedor imediato na hipótese em que

seu produtor não estiver identificado claramente (art.18, §5º) e quando os produtos forem

pesados na presença do consumidor, sendo responsável o fornecedor imediato, quando os

instrumentos de mediação não estiverem de acordo com os padrões oficiais.

A solidariedade passiva, instituída pelo Código de Defesa do Consumidor em seu

art.18, possibilita a opção pela responsabilização daqueles que participam da cadeia de

45 BENJAMIN, Antônio Hermen de Vasconcelos e. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, p.217

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produção, fabricação, distribuição, importação ou comercialização do produto viciado,

conforme melhor lhe convier, garantindo ao consumidor, exercitar sua pretensão de demandar

qualquer dos fornecedores, ou todos eles, se não desejar acionar apenas um.

Restringe o Código o instrumento processual de denunciação da lide, determinando

que o fornecedor não poderá chamar à lide os demais integrantes da cadeia produtiva,

limitando-se a propor, a final, ação autônoma de regresso contra os outros fornecedores que

contribuíram com o evento danoso.

Este expediente torna mais célere a ação de responsabilidade civil, evitando, desta

forma, que a tutela jurídica processual dos consumidores pudesse ser retardada por incidentes

processuais protelatórios.

Também a questão da prova vem a facilitar a atuação do consumidor em juízo,

cabendo a inversão do ônus a favor deste, conforme preceitua expressamente o artigo 6º, VIII,

do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

O consumidor, normalmente parte hipossuficiente da demanda, tem maior

dificuldade em colher prova nas relações de consumo, para demonstrar a verdade de suas

alegações e proteger seus direitos, sendo que a presunção que estabelece o juiz para

determinar a inversão do ônus da prova pode não ser o mais seguro critério, por não se basear

em prova direta para firmar seu convencimento, mas é mal menor diante de sua

vulnerabilidade no mercado, servindo a mencionada inversão para se igualarem as partes no

processo.46

Apesar da inversão do ônus da prova, tem o Magistrado a liberdade para julgar pelo

sistema da livre convicção, não estando, de forma alguma vinculado aos fatos alegados pelo

consumidor, conferindo apenas, o mencionado art. 6º, a faculdade de facilitar a defesa,

invertendo o ônus da prova, diante do vislumbramento da verossimilhança das alegações e da

hipossuficiência econômica do consumidor.

46 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p.53

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4 A RESPONSABILIDADE DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS NO ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

4.1 Intróito

A história da humanidade apresenta-se de forma extremamente dialética, partindo de

teses e antíteses para chegar a sofridas sínteses, para logo depois voltar ao mesmo processo,

neste impulso constante de desenvolvimento.

O Estado, como elemento essencial no desenrolar da história, passou por uma série

de dialéticas transformações, desde o seu surgimento, saindo da máxima intervenção e

controle do absolutismo, para a tendência à minimização proposta pelo liberalismo, para

chegar à síntese, onde o Estado moderno volta a assumir uma série de funções, não só na área

social, mas também na esfera econômica, chegando, inclusive, a atuar em nível de

concorrência com a iniciativa privada, fornecendo produtos e prestando serviços.

Esta posição de verdadeiro fornecedor explica a regulamentação de seus atos, nesta

qualidade, pelo Código de Defesa do Consumidor, o qual estende seus braços protetores sobre

a atuação do Estado e de suas empresas concessionárias e permissionárias.

Os serviços públicos estão disciplinados pelo Código de Defesa do Consumidor em

quatro dispositivos diferentes.

O art. 3.º, ao dar o conceito de fornecedor, inclui nesta categoria as pessoas jurídicas

de direito público, podendo ser tidas como fornecedoras na medida em que prestarem serviço

público específico e impróprio.

O art. 4.º, VII elege como princípio da Política Nacional de Relações de Consumo a

racionalização e melhoria dos serviços públicos, apontando-o como um dos objetivos a ser

buscado pela administração pública.

O art. 6.º, ao enumerar os direitos básicos do consumidor, coloca, em seu inciso X, a

adequada e eficaz prestação de serviços públicos em geral.

O art.22, por fim, estabelece a obrigação dos órgãos públicos, por si ou por suas

empresas concessionárias, permissionárias ou de qualquer outro revestimento empresarial, a

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obrigação de fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, que

sejam também contínuos. O parágrafo único estabelece ainda a responsabilidade em caso de

descumprimento das obrigações, dispondo que os fornecedores de serviços públicos serão

compelidos a cumpri-las e a reparar os danos que tiverem causado.

4.2 Serviços públicos

Cumpre que se esclareça, em primeiro lugar, a categoria serviço público, a qual, em

geral é objeto de estudo do Direito Administrativo, por competir, normalmente à

administração pública.

Muitos desses serviços, entretanto, não são sempre prestados pela administração

central, sendo muitas vezes delegados até a particulares, possibilidade esta estabelecida pela

própria Constituição Federal, em seu art.175, caput, o qual determina incumbir ao Poder

Público, na forma da lei, a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob regime de

concessão ou permissão, sempre através de licitação.

Hely Lopes Meirelles47, grande mestre do Direito Administrativo, expressa a

dificuldade em conceituar serviço público por se tratar de uma definição variável em função

das contingências econômicas, sociais, culturais e históricas, conceituando-o, por fim, como

“todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles

estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples

conveniências do Estado.”

Seguindo a mesma esteira, José Cretella Junior48 define serviço público como “toda

atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades

públicas mediante procedimento típico do direito público.”

Os serviços públicos podem ser classificados49 em:

a) Próprios - são aqueles prestados diretamente pelo Estado, através da

Administração, não podendo ser delegados a terceiros. Trata-se de serviços gratuitos ou de

47 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 294. 48 CRETELLA Jr., José. Comentários ao Código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.77. 49 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p.295.

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baixa remuneração, uma vez que devem estar ao alcance de todos, sendo mantidos pelos

tributos gerais. Relacionam-se, estes serviços, com as atribuições do Poder Público e para a

execução dos quais deve fazer uso do poder de império sobre os administrados. São também

chamados serviços uti universi, por não serem destinados a um usuário em particular, mas a

toda a coletividade indiscriminadamente, sendo indivisíveis e imensurável a sua utilização,

como por exemplo os serviços de defesa nacional, saúde pública, iluminação pública e

pavimentação de ruas.

b) Impróprios - Estes serviços não têm a mesma nota de essencialidade dos próprios,

sendo serviços de utilidade pública que atendem a conveniência dos cidadãos e não às

necessidades da comunidade como um todo, podendo ser prestados pelo próprio Estado ou

por delegação a terceiros mediante concessões, permissões ou autorizações, com a existência

de remuneração, exercendo o Estado o poder de controle e regulamentação sobre estas

atividades. Seu pagamento é feito através de taxas e tarifas, uma vez que sua utilização é

mensurável, correspondendo ao uso individual do serviço. É o caso dos serviços de telefone,

água e energia elétrica domiciliares, os quais, uma vez implantados, geram direito a sua

obtenção a todos os indivíduos que se encontrem dentro das condições regulamentares,

obedecendo ao princípio da auto vinculação da administração.

Diante da diferenciação entre serviços públicos próprios e impróprios, pode-se com

toda segurança afirmar tratar o Código de Defesa ao Consumidor, em seu art.22, daqueles

serviços denominados impróprios, uma vez que são estes os únicos prestados pelo Estado ou

empresas concessionárias e permissionárias, mediante remuneração direta e individual do

consumidor.

O §2º do art.3º da Lei Consumerista é claro ao elencar a remuneração como peça

fundamental da categoria serviço, sendo essencial a profissionalidade do fornecedor para que

se configure a relação de consumo.

Os serviços públicos próprios não são pagos diretamente pelos cidadãos, mas sim

mantidos através dos tributos gerais, sendo que apesar de prestar estes serviços o Estado não

se caracteriza, aí, como fornecedor de serviços de consumo por faltar-lhe, na categoria uti

universi, o requisito da profissionalidade.

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Os serviços uti singuli são pagos pelos cidadãos, individualmente, através de tarifas,

as quais se constituem em medida de consumo, sendo pagas diferentemente pelos usuários.

4.3 Órgãos públicos

Refere-se o art.22 aos órgãos públicos, incluindo nesta categoria aqueles que

integram pessoas jurídicas de direito público interno, como também aquelas pessoas jurídicas

de direito privado que possam ter alguma delegação para execução indireta de serviços

públicos.

Segundo Hely Lopes Meirelles50, “órgãos públicos são centros de competência

instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é

imputada à pessoa jurídica a que pertencem”.

Já Celso Antonio Bandeira de Mello51 define órgãos públicos como unidades que

traduzem os círculos de atribuições do Estado, os quais “devem ser expressados pelos agentes

investidos dos correspondentes poderes funcionais, a fim de exprimir na qualidade de titulares

deles, a vontade estatal”.

Elemento comum aos órgãos públicos é a existência de uma pessoa física que atua,

dentro do limite de suas atribuições, para expressar a vontade da pessoa jurídica.

Este limite que se dá às suas atribuições é denominado esfera de competência

funcional, a qual é moldada pelo ato constitutivo da pessoa jurídica, estando também sujeita,

nas pessoas jurídicas de direito público, ao princípio da legalidade, não sobrando ao agente,

que atua em nome do Estado, espaço para agir conforme sua própria vontade, uma vez que em

tudo submetido aos ditames da lei.

A primeira das condições estabelecidas pelo referido princípio da legalidade é a

competência do agente. Somente poderá ser exigida a prestação de serviços adequados,

eficientes seguros e contínuos (art.22) da pessoa jurídica competente para prestá-los.

50 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p.63 51 MELLO, Celso Antonio Bandeira. Serviços públicos nas relações de consumo. Revista de Direito do Consumidor. n.º 29, p.23.

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A competência é fixada por lei, não podendo o consumidor exigir determinados

serviços de órgão público juridicamente incompetente para tanto, nem tampouco deve o

agente público prestar serviços estranhos a sua esfera de competência, sob pena de agir com

desvio ou excesso de poder.

A Constituição Federal divide as competências entre União, Estados e Municípios,

entregando a cada uma determinadas tarefas da gestão pública, inclusive serviços públicos.

Cabe à União explorar, segundo o art.21 da Carta Magna, diretamente ou mediante

concessão e empresas sob controle estatal os serviços: telefônicos, telegráficos e demais

serviços públicos de telecomunicação; de energia elétrica, em articulação com os Estados

onde se localizam os potenciais hidroenergéticos; de navegação aérea, aeroespacial e infra-

estrutura aeroportuária; de transporte ferroviário e aquaviário; de transporte rodoviário

interestadual e internacional; dos portos marítimos, fluviais e lacustres.

Aos Municípios cabe a prestação de serviços públicos de interesse local, inclusive o

transporte coletivo (art.30 da Constituição Federal).

Cabe, por fim, aos Estados, a competência residual, compreendida entre os serviços

não afetados à União e os que não representam interesse peculiar aos Municípios.

Estabelece o sistema legislativo a possibilidade de descentralização das atividades

dos entes da administração, outorgando-se a prestação dos serviços públicos e de utilidade

pública às autarquias e entidades paraestatais ou delegadas a concessionárias, permissionárias

e autorizatárias, ou ainda se executam por acordos sob a modalidade de convênios ou

consórcios administrativos.

Trata-se de execução indireta dos serviços, em que o órgão responsável pela sua

prestação atribui a terceiros a tarefa de executá-los nas condições regulamentares,

estabelecendo uma parceria, ou seja, uma relação negocial em que uma das partes assume

obrigações determinadas com vistas a participar de lucros alcançados52.

Chama-se concessão de serviço público ao contrato administrativo bilateral pelo qual

a Administração delega ao particular a execução remunerada de um serviço de utilidade

pública. Já a autorização é o ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a

52 LAZZARINI, Alvaro. Serviços públicos nas relações de consumo. Revista de Direito do Consumidor. p.25.

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Administração consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um

bem público. A permissão, por fim, é um ato administrativo negocial, também discricionário e

precário, pela qual o Poder Público faculta ao particular a execução de serviços de interesse

coletivo, ou o uso especial de bens públicos, a título gratuito ou remunerado, nas condições

estabelecidas pela administração, concorrendo para tanto os interesses do permitente, do

permissionário e do público53.

4.4 Serviço público no Código de Defesa do Consumidor

O art.22 do Código de Defesa do Consumidor estabelece as principais diretrizes

quanto a responsabilidades dos órgãos prestadores de serviços públicos, estabelecendo suas

obrigações e sanções pelo descumprimento:

“Art.22 - Os órgãos públicos, por si ou por suas empresas concessionárias,

permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer

serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”.

“Parágrafo único - No caso de descumprimento, total ou parcial, das obrigações

referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos

causados, na forma prevista neste Código.”

Em seu caput, o art.22 determina as características que devem acompanhar os

serviços prestados pelos órgãos públicos, na ausência das quais respondem estes nos termos

do Código Consumerista:

a) Eficiência e adequação

Eficiente é o serviço executado com a observância de certos requisitos de qualidade,

como por exemplo a empresa de ônibus que realiza a prestação de serviço de transporte de

um determinado trecho num lapso de tempo considerado razoável, tendo em vista a distância

percorrida.

Diz-se adequado o serviço quando ele se mostrar ajustado ao objetivo a que ele se

presta. É o caso da permissionária de ônibus que oferece, por meio de seus veículos,

53 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p.171.

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transporte de passageiros a uma determinada localidade, devendo para tanto levá-los ao

destino proposto.54

A própria Lei nº 8.987/95, chamada Estatuto da Concessão e Permissão de Serviços e

Obras Públicas, no §1º do art. 6º define serviço adequado como aquele que “satisfaz as

condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade,

cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.”

b) Segurança

O serviço há que ser, ainda, seguro nos termos do art. 8º e seguintes, ou seja, não

pode expor o consumidor a riscos anormais ou imprevisíveis, inclusive decorrentes de

informações inadequadas e equivocadas a respeito. Seguindo o exemplo dado por Cazzaniga,

é o caso do ônibus que não pode, durante o seu itinerário, colocar o passageiro em situação de

perigo por qualquer que seja o motivo.

Esta responsabilidade independe de qualquer relação contratual, primando pela

responsabilidade independente da existência de culpa, protegendo não apenas o

consumidor/usuário, mas também qualquer pessoa que com ele tenha contato.

c) Continuidade

Segundo o Código de Defesa do Consumidor, os serviços públicos essenciais

deverão ser contínuos.

São considerados essenciais aqueles serviços cujo fornecimento não pode ser

interrompido, salvo por motivo de força maior, como decorrência da importância que têm para

a normalidade da vida das pessoas.

Os serviços denominados essenciais foram enumerados pelo art.10 da Lei 7.783/89,

para o efeito de exercício do direito de greve:

1. tratamento e abastecimento de água;

2. produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

54 CAZZANIGA, Gláucia Aparecida Ferraroli. Responsabilidade dos órgãos públicos no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, nº11, jul/set 1994, p.144.

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3. assistência médica e hospitalar;

4. distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

5. funerários;

6. transporte coletivo;

7. captação e tratamento de esgoto e lixo;

8. guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais

nucleares;

9. processamento de dados ligados a serviços essenciais;

10. controle de tráfego aéreo;

11. compensação bancária.

Dentre estes serviços denominados essenciais, enquadram-se na exigência do art. 22

aqueles prestados pelos órgãos públicos ou por empresas concessionárias ou permissionárias.

Deve, outrossim, a disciplina consumerista, além de importar conceitos de outras

esferas do direito, formar sua própria semântica no que diz respeito aos serviços públicos

essenciais, devendo ser assim considerados todos os serviços considerados indispensáveis a

uma sociedade de consumo.

Quanto à continuidade dos serviços essenciais, prevê a Lei nº8.987/95 - Estatuto da

Concessão e Permissão de Serviços e Obras Públicas, no §3º do art. 6º, não se configurar

como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio

aviso, quando motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, bem

como por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade.

O inadimplemento, muito questionado como a causa mais comum de corte no

fornecimento de serviços públicos, não pode ser considerados descontinuidade e punido de

acordo com o Código. Segundo Zelmo Denari55, “a gratuidade não se presume e o Poder

55 In Ob. cit., p. 178.

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Público, não pode ser compelido a prestar serviços públicos ininterruptos se o usuário, em

contrapartida, deixa de satisfazer suas obrigações relativas ao pagamento”.

4.5 Responsabilidade dos órgãos públicos

Sendo inadequados, ineficientes, inseguros ou descontínuos os serviços prestados,

serão os fornecedores obrigados a cumprir suas obrigações, na forma prevista no Código,

sendo compelidos a reexecutar os serviços ou a reparar os danos, independentemente da

existência de culpa.

Com o Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade do Estado pelo

funcionamento dos serviços públicos não decorre da falta, mas do fato do serviço público,

acolhendo, o legislador pátrio, a teoria do risco administrativo56.

Um dos instrumentos mais adequados para a proteção do consumidor pelo não

cumprimento dos serviços públicos é aquele que objetiva o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer, previsto pelo art.84 da Lei nº 8.078/90, prevendo, inclusive a possibilidade

de tutela específica que assegure o resultado prático da ação, equivalente ao do

adimplemento(§3º), tendo, ainda como alternativa a aplicação de multa diária, vindo a

conversão da obrigação em reparação de danos como a última alternativa possível (§1º), ou se

assim optar o autor.

Esta ação tanto poderá ser individual como coletiva, e sendo que o descumprimento

da obrigação, via de regra, representará inadimplemento contratual, vigorará o regime de

inversão do ônus da prova em favor do consumidor, respondendo o fornecedor com presunção

de culpa.

Em se tratando de danos pessoais por acidente de consumo, responderá o fornecedor,

independente de culpa, pela reparação cabível.

De acordo com Adalberto Pasqualotto57, pode ser invocado o art.20, quando tratar-se

de vício de qualidade do serviço, que o torne impróprio para o consumo, ou naqueles serviços

56 DENARI, Zelmo, Revista de Direito do Consumidor nº 31, p.25. 57 PASQUALOTTO, Adalberto. Os serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº01, p.140.

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a respeito dos quais foi feita propaganda enganosa, cabendo ao consumidor escolher entre ter

o serviço reexecutado, ressarcimento da quantia paga e abatimento proporcional do preço.

Opinião dissonante apresenta Zelmo Denari58, ao afirmar gozar o Estado de posição

privilegiada, justamente por não se sujeitar às sanções do art.20, argumentando que o

parágrafo único do art.22 somente faz referência ao cumprimento do dever de prestar serviços

de boa qualidade, afastando, na sua opinião, as alternativas da restituição da quantia paga e do

abatimento do preço, envolvendo somente a reexecução dos serviços públicos defeituosos.

4.6 Causas de exclusão da responsabilidade

Os fornecedores de serviços públicos respondem de acordo com dois regimes de

responsabilidade, conforme a causa do dano. Responderá independentemente de culpa nos

caso de descumprimento da obrigação de segurança; e com presunção de culpa por

descumprimento das obrigações de eficiência, adequação e continuidade dos serviços, e em

sendo assim, distinguem-se formas diferentes de causas de exclusão de responsabilidade:

a) Obrigações de segurança

O Código do Consumidor, no §1º do art.14 define que o fornecedor não será

responsável pela reparação de danos causados aos consumidores quando inexistir o defeito e

quando a culpa for exclusivamente do consumidor ou de terceiro.

A responsabilidade pela obrigação de segurança independe da existência de culpa,

devendo haver, para tanto, o lançamento do produto no mercado, a prova do dano, e a

existência de defeito no produto.

Alguns doutrinadores, entre eles Cláudia Lima Marques59 entende esta exclusão da

responsabilidade por inexistência do defeito como uma forma de mitigar o regime de

responsabilidade independentemente de culpa, pois a possibilidade dada ao fornecedor de

provar a inexistência do dano coloca a exigência de uma conduta ilícita, a de ter colocado no

mercado um produto defeituoso, respondendo, então, por culpa presumida, que pode ser

elidida por prova em contrário.

58 Ob.cit., p.179.

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Inclui-se nesta hipótese, prevista pelo art.14, §3º, inciso I, a situação em que o

fornecedor em pauta não prestou o serviço. Diz o Código que o fornecedor não será

responsabilizado pelos danos quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste.

Tendo o serviço sido prestado por outrem, será irrelevante a prova do defeito, eximindo-se o

fornecedor por negativa de autoria, faltando o nexo de causalidade entre o dano e sua

atividade.

Uma outra causa excludente de responsabilidade do fornecedor diz respeito às

hipóteses de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, sendo estes pessoas inteiramente

alheias à relação de consumo, em qualquer de seus pólos.

Para que o fornecedor possa exonerar-se da responsabilidade a culpa pelo evento

danoso há que ser exclusivamente do consumidor ou de terceiro desinteressado, não havendo

que falar em culpa concorrente entre fornecedor e consumidor.

Como o fornecedor responde “independentemente de culpa”, mesmo que para o

evento danoso tenha o consumidor contribuído com considerável parcela de culpa, ao

primeiro cabe o dever de compor o dano.

b) Obrigações de eficiência, adequação e continuidade

Quanto a estas obrigações, responde o fornecedor com presunção de culpa pelos atos

praticados, sendo que os órgãos públicos ou privados que prestam serviços públicos, no

âmbito do Código de Defesa do Consumidor, ao descumprirem obrigação de eficiência,

adequação e continuidade poderão exonerar-se de responsabilidade ao provarem a inexistência

de imprudência, negligência e imperícia, assim como a ausência de qualquer omissão que

fosse capaz de causar dano.

Há, neste caso, a inversão do ônus da prova, cabendo ao fornecedor provar a

excludente de responsabilidade.

c) Caso fortuito e força maior

59 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: novo regime das relações contratuais. 2 ed. São Paulo: RT 1995.p.42.

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O caso fortuito e a força maior são causas clássicas de exclusão de responsabilidade,

e mesmo não estando expressamente contempladas no Código Consumerista, podem ser

analisadas e aplicadas às relações de consumo.

Confundem-se, em razão das semelhanças, os conceitos destes dois tipos de

excludentes. Utilizamo-nos para efeito de raciocínio da diferenciação feita por Fernando de

Noronha, já apresentada no capítulo I, que trata da Responsabilidade Civil.

O caso fortuito, acontecimento imprevisível que poderia ser evitado mediante prévio

conhecimento, ocorrido junto à organização do fornecedor, apesar de todas as cautelas

adotadas, não exclui a obrigação de indenizar, uma vez que o fundamento não é a culpa, mas

o risco. A eventualidade do dano é inerente ao risco assumido, e o caso fortuito está nele

compreendido60.

O mesmo não ocorreria com o caso de força maior, fato natural impossível de evitar

mesmo que previsto, uma vez que estranho aos fatores internos de risco, cujo controle cabe a

quem tem o comando da organização.

Percebe-se, assim, que por tratar-se de responsabilidade objetiva aquela denominada

pelo fato do produto ou do serviço, não deve ser considerado o caso fortuito como excludente,

restando apenas a força maior.

Já quanto à responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço, tem-se apenas a

presunção de culpa, cabendo, ambas as hipóteses como excludentes.

60 ALVIM, Agostinho apud PASQUALOTO, Adalberto. Os serviços públicos no Código de Defesa do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, p.144.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A responsabilidade civil do Estado é plenamente reconhecida pelo direito pátrio,

tendo adquirido, a partir da Constituição de 1946, contornos de responsabilidade civil

objetiva, sob a modalidade do risco administrativo.

O Estado, em nossa sociedade moderna, exerce em algumas de suas atividades, o

papel de fornecedor de serviços, estabelecendo com o usuário uma relação de consumo, e

sujeitando-se às regras regulamentadoras desta relação.

Os serviços incluídos na esfera do direito do consumidor são aqueles chamados

impróprios, prestados direta ou indiretamente pelo Estado ou, ainda, por meio de concessão,

autorização ou permissão, uma vez que remunerados pelo pagamento específico de tarifas.

Excluem-se deste ponto, os serviços uti universi, mantidos pelos tributos gerais, por faltar-

lhes o requisito da remuneração específica.

A responsabilidade nos serviços públicos assegura ao consumidor usuário o direito

de compelir os órgãos públicos a cumprirem a obrigação de fornecer serviços públicos

adequados, eficientes, seguros, contínuos, quanto aos essenciais, e devendo repara os danos

causados ao consumidor em razão do descumprimento total ou parcial dessa obrigação.

O conceito de serviço essencial pode ser buscado na Lei nº 7.783/89, que dispões

sobre o exercício do direito de greve e define as atividades essenciais, regulando o

atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Podem, entretanto, surgir, na

sociedade de consumo, outros serviços essenciais, uma vez que trata-se de conceito

indeterminado, o qual acabará por ser completado pela doutrina e jurisprudência.

A continuidade do serviço essencial não impede sua suspensão ante a configurada

inadimplência do consumidor, sob pena de premiar-se o mau usuário, o que em algum tempo,

viria a comprometer a qualidade do produto ou do serviço e por fim chegaria a inviabilizar o

seu fornecimento, punindo, em última análise àquele que honra com seus compromissos.

Aplicam-se aos fornecedores de serviços públicos dois regimes de responsabilidade

civil previstos pelo Código de Defesa do Consumidor: quanto à segurança, com base no

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defeito do serviço; e quanto à adequação, que compreende as obrigações específicas de

eficiência, adequação e continuidade.

Nos casos de falta do serviço ou de descumprimento das obrigações específicas, o

regime de responsabilidade civil é o da culpa presumida. Já no que tange às obrigações de

segurança, tem-se o regime de responsabilidade objetiva.

O Estado, como fornecedor de serviços públicos, deixará de ser responsabilizado

apenas nas hipóteses em que ficar provado que o serviço não foi prestado, que inexiste o

defeito ou ainda que a culpa foi exclusiva do consumidor ou de terceiro desinteressado.

Mesmo que não contemplada no Código, a força maior também exclui a

responsabilidade dos fornecedores, enquanto que o caso fortuito operará a exoneração apenas

nos casos em que vigorar a presunção de culpa.

Segundo a Constituição Federal, a administração pública deve agir de acordo com

uma série de princípios, entre eles o de eficiência, o qual confere aos serviços públicos a

prerrogativa de adequarem-se aos padrões vigentes de qualidade e segurança na prestação de

serviços públicos.

O Código de Defesa do Consumidor, ao corroborar tal obrigação, vem a ampliá-la no

que diz respeito às relações de consumo relativas a serviços públicos, a qual confere aos

órgãos públicos e empresas concessionárias e permissionárias uma maior responsabilidade,

que por questões culturais profundamente enraizadas ainda não foi totalmente percebida pelos

agentes públicos.

Os prestadores diretos de serviços públicos, no âmbito do Código de Defesa do

Consumidor, virão a senti-la quando em ação regressiva tenham que reembolsar aquilo que as

pessoas jurídicas que integram tiveram que pagar ao ofendido pelo descumprimento das

obrigações elencadas pelo art.22 do Código Consumerista, em razão da ação ou omissão do

próprio agente público, por sua culpa, havendo aí, responsabilidade subjetiva.

O mesmo ocorrerá quando, na hipótese de dano, os agentes forem responsabilizados

criminalmente, sofrendo ação penal pública por iniciativa do Ministério Público, nos moldes

do art.75 do Código do Consumidor, sem descartar a hipótese de improbidade administrativa

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e da responsabilidade administrativa disciplinar por violação do dever funcional de

operacionalizar serviços públicos adequados, eficientes, seguros e contínuos.

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