oficina sobre a inversão da dialética hegeliana por marx

89
7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 1/89 Oficina: ainversãodadialética hegelianapor Marx. Elaboração:  Vinicius Barbosa de Araújo.

Upload: vinicius-barbosa-de-araujo

Post on 07-Jan-2016

10 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

TRANSCRIPT

Page 1: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 1/89

Oficina: a inversão da dialéticahegeliana por Marx.

Elaboração:

 Vinicius Barbosa de Araújo.

Page 2: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 2/89

Parte 1:a dialéticahegeliana

Page 3: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 3/89

1) Limitações da exposição sobreHegel

a) Vai-se abordar um momento específico da vastaobra de Hegel: a Enciclopédia das Ciências Filosóficas(escrita em 1817 e reeditada em 1830);

b) A Enciclopédia das Ciências Filosóficas já é umtexto com certos limites, uma vez que constitui umaespécie de guia para as aulas que Hegel ministrou naUniversidade de Heidelberg e posteriormente na

Universidade de Berlim;

Page 4: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 4/89

c) Logo, a Enciclopédia,além de corresponder a um

momento específico da obra de Hegel (Hegel maduro),detém-se brevemente em diversos aspectos do sistemahegeliano e omite outros. Não obstante, a Enciclopédiaéuma exposição sintética do sistema hegeliano como um todo.

d) Composição da Enciclopédia: três partes, sendo aprimeira aCiência da Lógica(conhecida como “pequenaLógica” a fim de diferenciá-la da obra homônima de 1812-6conhecida como “grande Lógica”, para a qual funciona comouma espécie de “resumo”); a segunda, a Filosofia daNatureza (texto em que Hegel mais se detém nesse aspectoespecífico de seu sistema, é a parte mais extensa daEnciclopédia); terceira, Filosofia do Espírito(engloba temasdispersos pela obra de Hegel).

Page 5: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 5/89

.

2) A ideia de sistema filosófico e caminhosexplicativos próprios da Filosofia ocidental.

a)A minoria dos filósofos se aventurou a desenvolver umsistema filosófico, entendido como uma exposiçãosistemática do todo da realidade e dos conhecimentos

humanos. Talvez se possa falar de três grandessistemas na história do pensamento ocidental: oaristotélico, o kantiano e o hegeliano.

b)Na Filosofia desenvolvida principalmente a partir daModernidade, dois modos diversos de explicação darealidade estiveram em voga: um que parte dascausas e outro que parte das “razões”.

Page 6: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 6/89

c) O primeiro modo, dito por alguns “realista” e vinculadosobretudo ao empirismo (desenvolvido especialmente apartir do pensamento de Francis Bacon), entende a

realidade como uma cadeia de elementos conectados porrelaçõescausais.

Relação causais são as do tipo: “se A é, B será”. Assim, pela via da causalidade e do empirismo,explicar a realidade seria captar, na observação dosfenômenos dados à consciência (empiria), os elementoscomuns a diversos fenômenos e apreender sua “leicausal”.

É, por isso, um caminho que vai do específico(fenômenos reais) ao genérico (leis causais válidas paraum grupo de fenômenos). É o caminho vinculado aométodo ditoindutivo.

Page 7: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 7/89

d) O segundo caminho, dito por alguns “idealista” evinculado sobretudo ao racionalismo (desenvolvidoespecialmente a partir do pensamento de RenéDescartes), entende a realidade como uma cadeia deelementos conectados segundo relações de “necessidadelógica”.

 Essas relações de “necessidade lógica” se dão pelaapreensão de um modo próprio e geral de a realidadeorganizar-se, independentemente dos objetos dados pelos

sentidos, independentemente da relação fenomênicaestabelecida entre consciência que conhece e mundo queé conhecido.

Page 8: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 8/89

Logo, para o racionalismo, explicar a realidade édescobrir racionalmente e independentemente daexperiência sensível as leis gerais que regem aorganização da realidade e apreender como essas leisse especificam em cada caso.

É, portanto, um caminho que parte do genérico (leisracionais dadas por “necessidade lógica”) para oespecífico (fenômenos do mundo). É a via vinculada ao

método dito dedutivo.

Page 9: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 9/89

Observações:1 – Essas divisões entre racionalismo/empirismo,necessidade lógica/causalidade, idealismo/realismo,dedução/indução etc. não são rígidas e as duasperspectivas apresentadas não são necessariamenteexcludentes (conquanto tenham sido entendidas como taldurante largo período da Modernidade ocidental).

2 – Essa divisão didática desconsidera as especificidadese modos específicos de trabalho teórico dos váriosfilósofos.

3 – Contudo, possui um útil caráter didático e mais oumenos explicativo.

Page 10: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 10/89

5 – Essa problemática está vinculada principalmente àquestão da validade e modos de construção do

conhecimento. Logo, é uma problemática, sobretudo,  epistemológica, isto é, voltada a responder à pergunta“como se pode conhecer a realidade”?

6 – Como veremos, o pensamento de Hegel, embora nãoprescinda da problemática epistemológica, privilegia umaoutra problemática que pode ser chamada deontológica,voltada à pergunta “o que é a realidade”?

7 – Pode-se dizer, com todas as ressalvas ao modo comoHegel resolve essa relação, que ele considera haver umaprimazia da ontologia sobre a epistemologia.

Page 11: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 11/89

Sobre a relação entre epistemologia e ontologia,basicamente duas posições são possíveis:

1- A pergunta “como conhecer a realidade?” precede apergunta “o que é a realidade?”. É uma posição queassume a primazia da epistemologia sobre a ontologia,entendendo que apenas posso dizer o que é a realidadese disponho de um modo seguro e racional de conhecê-

la.

2 - A pergunta “o que é a realidade?” precede a pergunta“como conhecer a realidade?”. É uma posição que

assume a primazia da ontologia sobre a epistemologia,entendendo que qualquer modo de conhecer arealidade já pressupõe necessariamente um concepçãosobre o que é a realidade, mesmo que seja umaconcepção genérica do tipo “a realidade é algo que podeser conhecido pela razão”.

Page 12: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 12/89

a)Hegel assume um caminho filosófico que privilegia odesenvolvimento de noções mais genéricas em noçõesmais específicas.

b)Isso o aproxima, de certo modo e apesar de suasespecificidades, do racionalismo. Contudo, aproblemática de Hegel é principalmente ontológica,pois ele pensa especialmente sobre os modos de a

realidade vir a ser o que é.c)Para tanto, Hegel parte de uma concepção sobre qual éo princípio que organiza o modo de a realidade vir a sero que é. A esse princípio Hegel chama Razão.

3) Ideia de Razão em Hegel e seu caminho deexplicação filosófica.

Page 13: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 13/89

a) A Razão para Hegel não é simplesmente umafaculdade mental humana, mas é o princípioorganizador da realidade. O fato de os seres humanos

possuírem uma faculdade racional é apenas o reflexodo princípio racional que organiza o modo de ser detoda a realidade.

b)Logo, para Hegel, a Razão não é uma “coisa”. A Razãoé universal (é geral, abrange toda a realidade),abstrata (indiferenciada em um primeiro momento),autoexplicativa e autogerativa.

c) A Razão é um absoluto,ou seja, é aquilo que há demais genérico no ser, desprovido de atributos naturaisou humanos, mas apenas sendo cognoscível devido àsuas manifestações na natureza e no mundo humano.

Page 14: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 14/89

Daí a célebre afirmação hegeliana, registradano Prefácio de sua obra Filosofia do Direito(mas que perpassa todo o seu pensamento): “oque é racional é real e o que é real é racional”.

O que é real é racional porque a realidade énada mais que a realização da razão; o que é

racional é real porque o modo de ser da razão émanifestar-se como mundo, como modo deorganização e dinâmica da realidade.

Page 15: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 15/89

4) Primeiras distinções do pensamento hegeliano etentativa de aproximação de seu vocabulário e noções.

a) Abstrato e Concreto

a1) Noções de abstrato e concreto para o racionalismo e oempirismo.

 As noções usuais sobre o que são abstrato e concretoadvém principalmente de uma posição filosófica: a queassume serconcreto aquilo que existe por si e é individual eabstrato aquilo que não existe por si e é genérico. Exemplo: “árvore” é um substantivo concreto e “ floresta” é

um substantivo abstrato.Em larga medida, são essas as noções de abstrato econcreto com que racionalismo e empirismo trabalham.

Page 16: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 16/89

a2) Abstrato econcreto para HegelHegel assume definições diversas sobre o que sãoabstrato econcreto.

  Abstrato é aquilo que não é considerado em suas conexõescom o resto da realidade. Logo, o abstrato é carente demediações (conexões) com aquilo que não é ele mas existeem conjunto com ele.

O abstrato é algo imediato, não desenvolvido, pois é carente demediações.

Já oconcreto é aquilo que é considerado em suas conexõescom aquilo que não é ele mas existe em conjunto com ele. O

concreto, portanto, é algo pleno de mediações (de conexões)em um todo.

O concreto é algo mediato (mediado), desenvolvido, pois é pleno de mediações

Page 17: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 17/89

a3) Diferença entreabstração eabstrato para Hegel Abstração não é um atributo (uma qualidade) que seatribui a algo, como a noção deabstrato,mas uma operação

mental.Dessa operação mental, pode resultar apreenderem-seatributos abstratos da realidade. A operação mental deabstrair consiste em separar, em

um conjunto de indivíduos, aquilo que eles têm em comum. Abstrair tem o sentido de subtrair, tirar, separar algo. Aabstração é uma operação mental que capta aquilo quehá de comum entre vários indivíduos e o separa como uma

 formagenérica que é comum a muitas substâncias.Exemplos: (a) o gosto salgado em relação a todas as coisassalgadas; (b) a forma geométrica “quadrado” em relação atodos os quadrados efetivamente existentes.

Page 18: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 18/89

b) Universais, particulares e singulares

b1) Singulares: são os seres existentes comoindividualidades, como algo único e diferenciado em relaçãoa toda a existência (por exemplo a carteira desta sala daUnesp em que cada um está sentado). As singularidades estão no plano do sensível. Elas se dãoà consciência por meio de fenômenos. De modoextremamente simplificado, os fenômenos podem serpensados como a relação estabelecida entre um objeto e umaconsciência que se dirige a esse objeto.

O contato com as singularidades se dá por meio dasensação ou daintuiçãosensível.

Page 19: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 19/89

b2) Particulares: são noções genéricas em relação àssingularidades.

No geral, implicam a abstração de certas característicasdas singularidades (individualidades) e a reunião dessascaracterísticas em uma representação.

 As representações tendem a ser verbais. Quando digo queum animal é um “cachorro”, a palavra cachorro implicaque reuni em um nome diversas características que sãoparticulares desse tipo de animal.

Page 20: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 20/89

b3) Universais: são noções ainda mais genéricas do que asparticularidades.

 A bem da verdade, apenas se pode dizer que algo éuniversal se se considera em relação a que ele é universal.Por exemplo, se eu admito que a noção de “ser humano” é

universal, ela apenas é universal em relação às noções de“homem” e “mulher”, que são particulares em relação àprimeira. Mas, por sua vez, a noção de “ser humano” éparticular em relação à noção de “ser vivo”, sendo estauniversal em relação àquela.

Pode-se dizer que os universais, para Hegel, são noçõesgenéricas que estão mais distanciadas da dimensãosensível da realidade.

Page 21: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 21/89

Para Hegel, os universais sãoimanentes, isto é, são noções

que não se alteram com o devir histórico.

Já os particulares e singulares sãocontingentes, estãosujeitos ao devir histórico e suas vicissitudes, como osurgimento e o padecimento.

Os universais podem ser racionalmente alcançados pelaabstração das características comuns a váriosparticulares.

 Aos universais tendem a corresponderconceitos.

Page 22: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 22/89

c) Os universais, particulares e singulares como concretosou abstratos.

c1) Para racionalismo e empirismo.Racionalismo e empirismo trabalham maisespecificamente com as noções de universal e particular.Para eles, os universais seriam abstratos por seremgenéricos e os particulares, concretos por serem específicos.

 Assim, o universal, por exigir abstração, seria maisabstrato e genérico (reúne características comuns a muitosparticulares e não considera as particularidades destes).O particular, por exigir menos abstração, seria maisconcreto, uma vez que seria dotado de uma série deespecificidades não consideradas no universal.

Page 23: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 23/89

c2) Para Hegel.Hegel entende que a realidade, além de racional, éhistórica, ou seja, é um processo,um contínuovir a ser o que

ela é.Como visto anteriormente, Hegel quer explicar a realidadepelas relações de necessidade lógica, caminho que parte domais genérico (do mais universal) ao mais específico (ao maisparticular). Assim, o universal já conteria em si o particular, isto é, oparticular seria um caso específico do universal: a mesaredonda seria nada mais que um caso específico da formageométrica “círculo”; um homem (particular) nada mais seria

que um caso específico de “ser humano” (universal).Contudo, em um primeiro momento, o universal, em simesmo, seria indiferenciado e imediato (nada além de simesmo). Apenas com o vir a ser da realidade o universal secolocaria no mundo como vários particulares.

Page 24: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 24/89

Esse processo de o universal se colocar no mundo comoparticular e como singular é chamado por Hegel dereflexão.

 Assim, para Hegel, a história nada mais é do que oprocesso de os universais se colocarem no mundo comoparticulares e singulares, para, em conexão com eles,formar a realidade.

Portanto, para Hegel, diversamente do racionalismo e doempirismo, os singulares e os particulares são abstratos,enquanto os universais podem ser abstratos ou concretos.

Page 25: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 25/89

Os universais, quando não refletidos (quando nãoconectados aos particulares e singulares que deledecorrem), seriam abstratos (carentes de conexões ou

mediações); apenas quando conectados com eles osuniversais se tornariam concretos, isto é, plenos demediações (conexões) em um todo.

Já o particulares e os singulares seriam sempreabstratos, porque para que possam ser percebidos como

noções específicas é necessário desconsiderar aquilo degenérico e universal que está neles.

 Ao se desconsiderar o que de genérico há nos particularese singulares (justamente as características que os unem a

tudo aquilo que eles não são), perder-se-ia suas conexões,suas mediações. Logo, eles restariam como “coisas”abstratas, isto é, “coisas” não consideradas em suasconexões num todo.

Page 26: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 26/89

Disso se pode tirar uma primeira ideia do que sejadialética para Hegel: dialética é o processo por meiodo qual as coisas do mundo são o que são devidoàquilo que elas não são.

Em outros termos, um processo do ser no geral emque os seres individuais vem a ser o que são devidoàquilo com que eles guardam conexão num todo.

Ou ainda, um processo do ser em que ele passa dealgo imediato e pouco desenvolvido a algo mediado(cheio de mediações) e desenvolvido.

Page 27: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 27/89

Logo, a história para Hegel é o processo dialéticode desenvolvimento dos universais abstratos rumo

a se tornarem universais concretos por meio desua conexão (reflexão) com os particulares esingulares abstratos que deles decorrem.

Com o vir a ser histórico, os universais explicitam(manifestam) aquilo que estava neles implícito (osparticulares e singulares).

 A dialética tem, portanto, um momento positivo,

afirmativo, dado pelo movimento de explicitação.

Page 28: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 28/89

Page 29: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 29/89

 A identidade concreta é, para Hegel, a justaposiçãode universais que vem a formar um particular, isto é,

o processo por meio do que algo passa a serconsiderado de acordo com as conexões que estabelecenum todo, conexões que o levam a ser o que ele écomo identidade ou individualidade. Por isso Hegelcritica o que chama de “identidade abstrata”,entendida como uma identidade tautológica formadapela reiteração do ser pelo que ele é, e não pelo queele não é (algo como “A é A, porque não é B ou C”).

Logo, não se trata de afirmar uma tautologia, como alógica formal (“A=A”), mas de afirmar que “A” apenaspode ser A se relacionado e se diferenciando natotalidade a que pertence e por conta da qual existe.

Page 30: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 30/89

d) Os universais e particulares como objetividades não sensíveis.

E o que seriam essas noções universais e particulares,

genéricas em relação aos indivíduos (singulares) quepovoam o mundo e com que podemos travar contato?

Os particulares e universais são alcançados pelo

entendimento humano por meio da abstração. Isso fazdeles meras ideias ou seriam eles entes que estão narealidade?

Essa pergunta leva a uma das grandes discussões daFilosofia ocidental: adisputa dos universais.

Page 31: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 31/89

 A disputa dos universais foi o debate que se formou naescolástica medieval em torno de duas leituras diversasda obra de Aristóteles.

Em sua obraOrganon, Aristóteles faz um estudo própriosobre o que chama de “categorias”. As categorias sãoentendidas como formas, como noções genéricas que serefeririam a diversos indivíduos. Em suma, as categoriassão entendidas por Aristóteles comouniversais.

Durante o Medievo, a leitura de Aristóteles pelos filósofosescolásticos levou aos seguintes questionamentos: teriam

as categorias natureza ontológica ou simplesmentelinguístico-gramatical? Seriam as categoriasdeterminações do ser ou apenas aquilo que se poderiadizer sobre o ser?

Page 32: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 32/89

Em torno dessa polêmica, formaram-sebasicamente duasposições: onominalismo e orealismo.

Os nominalistas entendiam que as categorias (e osuniversais) são apenas nomes que se dão às relaçõesentre os seres. Do nominalismo, surgiu uma posição maisespecífica chamada conceptualismo, que entende que osuniversais são conceitos apenas, isto é, tem naturezaapenas psicológica.

Para o realismo, as categorias (universais) seriam maisdo que nomes ou conceitos, seriam determinações da

própria existência. Logo, além do nome e do conceitopsicológico, haveria uma entidade objetiva a que osprimeiros remeteriam: para o realismo, os universais sãoobjetivos, estão na realidade.

Page 33: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 33/89

 A posição de Hegel (de que Marx compartilha) é a de que osuniversais são reais e objetivos, logo, uma posição próxima à dorealismo.

Não se há de confundir a distinção entre nominalismo erealismo com a distinção entre idealismo e materialismo: hámaterialistas com posições próximas ao nominalismo(Feuerbach) e ao realismo (Marx), assim como idealistas com

posições próximas ao nominalismo (Kant) e ao realismo(Hegel).

Exemplo de como Marx articula essa questão no cap. I doCapital  relação entre valor de uso (bem econômico singular), valor de troca

(forma de valor particular referente à relação de uma série de valoresde uso no processo social de troca/circulação) e valor (forma universalque surge do trabalho humano concreto/produção concreta): emboraos valores de troca e o valor não sejam entes sensíveis, são objetivos –tão objetivos que sua influência se mostra na existência socialconcreta, entre outras coisas, por meio das crises do capitalismo.

Page 34: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 34/89

4) Passagem do abstrato ao concreto, síntese deoposto, força do negativo e primeira tríade do sistema

hegeliano.a)O Ser, idêntico ao Nada, e o Devir (vir a ser).

 O sistema hegeliano se desenvolve em tríades que, por enquanto, diremos ser compostas por três momentos:

tese, antítese e síntese (veremos que esses termos são problemáticos).

Para clarificar a exposição, convém introduzir aprimeira tríade do sistema hegeliano: Ser, Nada eDevir.

Page 35: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 35/89

Como Hegel parte daquilo que é mais genérico rumoàquilo que é mais específico, ele entende que nada é

mais genérico do que o Ser considerado sem qualquerde suas diferenciações ou atributos (determinações).Tal ser abrangeria tudo o que é a realidade.

 Ao abranger o todo da realidade, o Ser tambémabrangeria o seu contrário, o Nada. O Ser é ummomento positivo, é um momento de explicitação(tese) que, por ser tão genérico, guarda em si,implicitamente, a sua negação (antítese), o Nada.

O Nada é uma limitação do Ser, algo que torna o Serdiferenciado, determinado perante si mesmo.

Page 36: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 36/89

É isso que Hegel entende por força do negativo: adinâmica de negação de um estado da realidade pela

explicitação de um estado contrário que o primeirotrazia implicitamente.

Pela posição do Nada, o Ser em um primeiromomento não reconhece o Nada como proveniente desi mesmo, havendo entre eles uma relação de estranhamento.

Essa contradição entre Ser e Nada será resolvida pelo

Devir, ovir-a-ser em que todo o conjunto do Ser seenvolverá para explicitar aquilo que se encontraimplícito.

Page 37: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 37/89

O Devir conserva os elementos de Ser e Nada, na medidaque os coloca em uma relação diferente da inicial, relação

em que é possível reconhecer a origem do Nada no Ser edepreender sua conciliação no Devir, no diferenciar-se doSer genérico para pôr-se como mundo em todas suasparticularidades.

Essa primeira tríade guarda basicamente a dinâmica queHegel flagra no processo de desenvolvimento do todo darealidade: a explicitação (extrusão, “Entaüsserung” emalemão), o estranhamento (alienação, “Entfremdung”) e areconciliação (suprassunção, “Aufheben”).

São esses os termos normalmente traduzidos ou aludidosrespectivamente como tese, antítese e síntese.

Page 38: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 38/89

Tese, antítese e síntese não são termos muitoapropriados por dois motivos: (1) estão associados àconcepção aristotélica de dialética, a dialética como

lógica do provável; (2) não traduzemsatisfatoriamente as noções de extrusão, alienação esuprassunção em Hegel.

 A extrusão é o momento positivo e negativo em que o

que estava implícito no ser se explicita (afirma-se),negando o estado anterior; a alienação (ouestranhamento) decorre do não reconhecimento doser naquilo que se explicitou; a suprassunção é

concomitantemente a superação e a conservação datensão anterior entre os opostos, agora dada em umnovo patamar.

Page 39: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 39/89

Uma metáfora um tanto quanto problemática, masexplicativa e passível de ser relacionada às noções deextrusão, alienação e suprassunção é esta: a criança, ao

realizar sua infância, nega-a com colocar-se comoadolescente (extrusão); o adolescente não se reconhecena criança que fora (alienação); o adulto se reconciliaconsigo mesmo, recuperando a infância e a adolescênciacomo partes constitutivas do que é hoje, reconhecendo-

as e conservando parte de suas determinações pararefletir sobre si mesmo de um modo superior(suprassunção).

Page 40: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 40/89

 Assim se chega também à ideia de síntese de opostos em Hegel, aunidade entre uma posição afirmativa e aquilo de novo que se explicitounegando-a, síntese de dois opostos que na verdade são idênticos.

É essa a relação estabelecida entre sujeito e objeto para Hegel, umaunidade de opostos que na verdade são idênticos, identidade que apenasvem à tona quando o sujeito supera o estranhamento e percebe o objetocomo sua própria realização: o sujeito por excelência da dialéticahegeliana é a Razão e seu obejto é o mundo. Todo objeto é tambémsujeito (o mundo é a realização da Razão).

 A partir das noções de extrusão, alienação e suprassunção, é possívelpensar a relação entre outras noções hegelianas, como o em-si, o para-outros e o para-si,muito presentes (mas não só) na parte do sistemahegeliano chamada Fenomenologia(vide, por exemplo, a dialética entresenhor e escravo na luta por reconhecimento de sua humanidade; ou

ainda, a realização da subjetividade do escravo no produto do trabalho,o que o eleva a um patamar de auto-conhecimento para-si superior aodo senhor).

Page 41: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 41/89

 Aquilo que é imediato, que não é considerado em suasconexões (abstrato) com o todo é algo em-si, algorefletido apenas sobre si mesmo e indiferenciado; o

 para-outros é algo colocado explicitamente emoposição àquilo que ele não é, explicitando oreconhecimento dos limites da individualidade; o para-si é a possibilidade de retorno desse algo sobresi mesmo, agora percebendo-se como algo único ediferenciado devido à sua oposição àquilo que ele nãoé, mas em conexão com o todo dele diferenciado(concreto).

Page 42: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 42/89

Para compreensão dessas noções, pode-se pensar naformação da personalidade humana a partir do contato

com o outro: sem o outro, a consciência é em-si,indiferenciada, uma vez que não pode perceber-se comopersonalidade sem ter algo do que se diferenciar; ao sedeparar com o outro, a consciência se limita e se colocacomo uma existência individual para o outro; dessalimitação de si pelo outro, subsiste a possibilidade de aconsciência retornar para-si e perceber-se como umapersonalidade individual, o que faz com que ela possaagora aprofundar-se nela mesma em condições

superiores.

Page 43: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 43/89

 Adendo: Marx valoriza as noções de em-si e para-si aodiscutir a questão da consciência de classe na Misériada Filosofia: aclasse em sié a classe social que aindadesconhece suas conexões (mediações) com o todo social,

desconhece sua função para a reprodução da totalidadeda vida social; aclasse para si é a classe que já possuiconsciência de si, isto é, já se reconhece como classesocial, em oposição às outras, reconhece suas funções nareprodução social e suas conexões com o todo orgânicoda sociedade. A classe para sise percebeu comointegrante da totalidade social, de modo que agorapossui uma consciência superior sobre si mesma.

Page 44: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 44/89

 Assim Hegel se expressa sobre a relação entre aconsciência e o mundo:

"A consciência contém já como tal em si mesma a determinação do ser-para-si, posto que serepresentaum objeto que sente, intui etc., valedizer, cujo conteúdo tem em si; e de tal maneira que esse conteúdoexiste como ideal. […] O ser-para-si é o comportamento polêmico,negativo contra o outro que limita; e por meio dessa negação dele é oser-refletido-dentro-de-si, ainda quando,ao ladodesse retorno da

consciência em si e da idealidade do objeto, se conserva aindatambém arealidade desse objeto enquanto ele é conhecidoao mesmotempocomo uma existência exterior. A consciência é desse modoaque aparece, ou seja, o dualismo de, por um lado, conhecer um objetodiferente dela mesma e exterior e, por outro, de estar em si mesma,

de ter o objeto nela idealmente, de estar não apenas no outro, mastambém em si mesma dentro desse outro. A autoconsciência, aocontrário, é o ser-para-si como realizado e posto; aquele aspecto darelação com um outro, ou seja, com um objeto exterior, édesconsiderada" (HEGEL, Ciência da Lógica, 1968, p.139-40).

Page 45: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 45/89

Esse movimento em que as particularidades sãoexplicitadas a partir das universalidades é ummovimento de passagem do abstrato ao concreto,

daquilo que é carente de mediação àquilo que é plenode mediações.

Com a reflexão – dada pela dinâmica entre extrusão,alienação e suprassunção – os universais colocam

para si mesmos um objeto a partir do que podemreconhecê-lo como diferente de si e proveniente de si.

Page 46: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 46/89

5) Realidade e existência, essência e aparência.

Essas são distinções basilares do sistema hegeliano.

a) Realidade (efetividade) e existência.

 Para Hegel, realidade e existência não são sinônimos:a existência é uma parcela limitada da realidade.

Na existência estão os fenômenos, isto é, o contatosensível entre consciência e mundo que aparece àconsciência.

Na existência temos apenas entes singulares (estacadeira, este livro, esta parede etc.)

Page 47: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 47/89

 A realidade (também traduzida como “efetividade”) émais ampla que a existência na medida em que ela

engloba não apenas os singulares que aparecem(manifestam-se, põem-se como fenômeno), mastambém os particulares e os universais com que aconsciência não tem contato sensível.

Conforme visto, os universais e os particulares são,para Hegel, objetivos, ainda que não sejam sensíveis.

Logo, a realidade é o todo de que a existência é apenasuma parte. Daí Hegel considerar que a existência éabstrata em relação à realidade.

Page 48: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 48/89

Page 49: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 49/89

b) Essência e aparência.

 Distinção profundamente conectada à primeira.

Como a realidade decorre por necessidade lógica dos universais

para os singulares (extremos mediados pela particularidade),

Hegel entende que os universais são o fundamento dos singulares,

são sua essência.

 A essência é o fundamento daquilo que aparece no plano da

existência e, para Hegel, existir é aparecer.

Logo, a aparência é a forma que a essência toma para pôr-se naexistência. A existência é a dimensão da realidade em que as

aparências remetem para algo além de si mesmas: remetem para

o seu fundamento, para sua essência.

Page 50: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 50/89

Daí se dizer que os universais não têm existência, mas

tem realidade.

Isso porque eles são objetivos mas apenas se colocam

no plano da existência por meio da sua reflexão nosparticulares e nos singulares.

 A particularidade, embora não seja sensível, está

muito próxima da existência, uma vez que é uma

forma abstrata imediata das singularidades existentes.

Page 51: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 51/89

Talvez o seguinte trecho daCiência da Lógica(“grande

Lógica”) possa clarificar um pouco tais relações:

“A existência é a imediação do ser, na qual a essência se restabeleceu de

novo. Essa imediação é em si a reflexão da essência em si. […] A

existência é essa imediação refletida porque nela mesma ela é a pura

negatividade. […] Por conseguinte, a aparência é antes de tudo a essência

em sua existência, a essência se acha de modo imediato nela. […]Somente há aparência no sentido de que a existência como tal é apenas

algo posto, não um ser existente em si e por si. O que constitui sua

essencialidade é o seguinte: o ter em si mesma a negatividade da

reflexão, a natureza da essência. Não se trata de uma reflexão estranha,

extrínseca, à qual pertença a essência, a qual por meio de sua

comparação com a existência explique a esta como aparência. Se não que,

como se há demonstrado, essa essência da existência – quer dizer, o ser

aparência – é a própria verdade da existência” (HEGEL, 1968, p. 439)

Page 52: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 52/89

6) A divisão do sistema hegeliano.

 A partir da primeira tríade (Ser, Nada e Devir), o

sistema hegeliano se estrutura em suas três partes:

a)Ideia ou Lógica: o modo mais abstrato da ontologia,lida com as categorias universais e independentes da

forma sensível (funciona como uma tese).b)Natureza: lida com os conceitos (e não com os seresefetivos) que povoam a natureza.

c)Espírito: lida com o mundo humano, suas instituições emodos de ser.

Page 53: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 53/89

Legenda:

T: Tese

 A:AntíteseS: Síntese

Page 54: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 54/89

a)Ideia ou Lógica: o modo mais abstrato da ontologia, lida com

as categorias universais e independentes da forma sensível

(funciona como uma tese).

Divide-se em:

a1) ser (com letra minúscula mesmo): diferente do Ser da primeira

tríade, é o ser determinado, ser que já é considerado conformealguns de seus atributos, como qualidade, quantidade e medida.

a2) Essência: exposição da dialética da reflexão existente entre essência

e aparência e entre existência e realidade (efetividade).

a3) Conceito: é a unidade entre o ser e a razão, uma vez que é a

captação da essência dos fenômenos em conceitos universais.

Engloba o conceito subjetivo, o conceito objetivo e a ideia absoluta

(unidade entre conceito subjetivo e objetivo).

Page 55: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 55/89

b) Natureza: lida com os conceitos (e não com os seres

efetivos) que povoam a natureza.

Divide-se em:

b1) Mecânica: discute os conceitos de tempo, espaço, lugar,

movimento, gravitação, força, deformação etc. Prescinde da

especificidade dos seres naturais, uma vez que tais conceitos se

aplicam a todos indistintamente.

b2) Física: considera a particularidade dos seres naturais,

como a luz, o som, o calor, os processos químicos etc., discutindo seusprincípios constitutivos.

b3) Física Orgânica: discute a particularidade constitutiva dos

seres vivos.

Page 56: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 56/89

c) Espírito: lida com o mundo humano, suas instituições e modos de ser.

Divide-se em:

c1) Espírito subjetivo: a capacidade cognitiva humana, por sua vez dividido

em:

c1.1 - Antropologia: doutrina sobre a alma, a dimensão da capacidade

cognitiva humana mais imediata em relação ao ser natural. Trata basicamente da

sensação e da intuição sensível.

c1.2 - Fenomenologia: debruça-se sobre as relações estabelecidas entre a

consciência e um objeto a ela dado.

c1.3 - Psicologia: discute a capacidade cognitiva humana

independentemente do objeto de conhecimento. Trata do modo como intuição erepresentação são articulados como conceitos.

Page 57: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 57/89

c2) Espírito objetivo: as instituições organizadoras do mundo

humano-social:

c2.1 – Direito: pensa de modo abstrato as relações estabelecidas pelossujeitos da sociedade, como o contrato, a propriedade etc.

c2.2 – Moralidade: doutrina sobre o agir moral e o que hoje se conhece pelo

nome de ética. Ou seja, é uma reflexão sobre o agir humano em relação a seus

objetivos, meios e desejos.

c2.3 – Eticidade: relações estabelecidas entre a família, a sociedade civil e

o Estado. Trata inclusive das dimensões legislativa, judicial e administrativa

da vida social na subsunção dos interesses particulares, dados na família e na

sociedade civil, ao interesse universal, resguardado pelo Estado.

c3) Espírito absoluto: as formas superiores do conhecimento

humano sobre a realidade, como a Arte, a Religião e a Filosofia.

Page 58: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 58/89

Parte 2:

a inversão dadialética hegeliana

em Marx

1)N t d l ã t M diléti hgli

Page 59: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 59/89

1) Natureza da relação entre Marx e a dialética hegeliana

 No seguinte trecho, Marx se refere à sua relação com a dialética hegeliana

da seguinte forma:

“Há quase trinta anos [portanto, em 1843-4], numa época em que ela ainda estava na

moda, critiquei o lado mistificador da dialética hegeliana. Quando eu elaborava o

primeiro volume deO Capital, epígonos aborrecidos, arrogantes e medíocres que agora

pontificam na Alemanha culta, se permitiam tratar Hegel como o bravo Moses

Mendelssohn tratou Espinosa na época de Lessing, ou seja, como um ‘cachorro morto’.Por isso, confessei-me abertamente discípulo daquele grande pensador e, no capítulo

sobre o valor, até andei namorando aqui e acolá os seus modos peculiares de expressão.

 A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede, de modo algum, que

ele tenha sido o primeiro a expor as suas formas gerais de movimento, de maneira

ampla e consciente. É necessário invertê-la, para descobrir o cerne racional dentro doinvólucro místico” – Marx, Prefácio de 1873para a segunda edição deO Capital.

 As metáforas da “inversão” e do “cerne racional” têm sido comumente utilizadas

pelos marxistas para referir o trato que Marx dá à dialética de Hegel.

Page 60: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 60/89

a) AnoçãodecríticafilosóficaemMarx

Page 61: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 61/89

a) A noção de crítica filosófica em Marx

Contudo, essas metáforas são um tanto quanto imprecisas, pois não

há propriamente uma simples inversão acrítica ou a conservação

de um “cerne racional”, deixado ileso: no geral, Marx se apropria de

parte do pensamento de Hegel, retrabalha diversas de suas

categorias e propõe novas articulações e problematizações.

Pode-se dizer que as relações com o pensamento hegeliano se dãopela via do que Marx chama de “crítica filosófica”, diversa da

“crítica dogmática”.

Enquanto a crítica dogmática “luta contra seu objeto”, a crítica

filosófica “ não indica somente as contradições existentes [em seuobjeto]; ela esclareceessas contradições, compreende sua gênese,

sua necessidade” (MARX,Crítica da Filosofia do Direito de Hegel,

2005, p. 108).

Essanoçãode“crítica”formuladaem1843acompanhaMarxpelorestode

Page 62: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 62/89

Essa noção de crítica, formulada em 1843, acompanha Marx pelo resto de

sua carreira teórica, como fica evidente pelos títulos, subtítulos,

procedimentos e conteúdos de diversas de suas obras:

-Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução [1843];

- Crítica da Dialética e da Filosofia Hegelianas em Geral(um dos

 Manuscritos Econômico-Filosóficos) [1844];

- A Sagrada Família, ou Crítica da Crítica Crítica [1845];

- A Ideologia Alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus

representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus

diferentes profetas [1845];

- Elementos fundamentais para a crítica da economia política (conhecidocomo Grundrisse) [1857-8];

- Para a Crítica da Economia Política [1859];

-O Capital, ou Crítica da Economia Política [1867] etc.

b)AstrêscríticasdeMarxaHegel

Page 63: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 63/89

b) As três críticas de Marx a Hegel

Principalmente em três textos Marx realiza de modo mais explícito sua

crítica do pensamento de Hegel:

1.Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843): Marx estuda a relação

entre Estado e Sociedade Civil, conforme descrita por Hegel em Princípios de

Filosofia do Direito, e propõe que é a Sociedade Civil que coloca primeiramente

determinações ao Estado, não o contrário.

2. Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844): a tônica do texto, em sua

parte mais significativa, é a de uma discussão em torno dos conceitos de extrusão

(“Entäusserung”, traduzido algumas vezes como exteriorização ou objetivação) e

alienação (“Entfremdung”, estranhamento), relacionados às condições de

trabalho na sociedade civil capitalista, as quais impedem aohomem singular

existente o livre acesso aos produtos de sua essência humano- genérica

universal. Marx discute o conceito de trabalho na Fenomenologia do Espírito.

3.Grundrisse (1857-58): Marx trabalha explicitamente com os termos e

noções da Lógicae da Psicologia do Espírito hegelianas.

c)AcríticanaIntroduçãode1857(introduçãoaosGrundrisse)

Page 64: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 64/89

c) A crítica na Introdução de 1857 (introdução aos Grundrisse)

 Vamos nos concentrar apenas na terceira crítica de Marx a Hegel.

c1) A ideia de “determinação” em Hegel e Marx

É comum afirmar que, para Marx, há uma relação de “determinação” entre certas

esferas da existência social.

Por exemplo a clássica afirmação, extraída do Prefácio de 1859 a Para a Crítica da

 Economia Política, de que a “infraestrutura econômica determina as

superestruturas, como o Estado e o direito”.

É necessário entender qual o significado desse verbo “determinar” para Marx (e

para Hegel).

 A ideia mais corrente de “determinação” nas ciências sociais está relacionada ao

positivismo sociológico francês e traz a noção de uma relação de causalidade: “se A é,B será”, “AB”, ou “se temos certa infraestrutura, teremos certas superestruturas”.

Esse não é o sentido da palavra utilizado por Marx. A determinação, para Marx, tem

o sentido de “ser determinado, concreto, contextualizado em uma totalidade à qual

pertence”.

AdeterminaçãoparaMarxnãotemosentidoderelaçãodecausalidade

Page 65: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 65/89

 A determinação para Marx não tem o sentido de relação de causalidade,

mas de relação de primazia ontológica: “B não pode existir sem que A

exista, mas ao B passar a existir estabelece uma relação de mútua

implicância com A”.

Nas palavras de Lukács, no capítulo dedicado exclusivamente a Marx

em suaOntologia do Ser Social, “quando atribuímos uma prioridade

ontológica a determinada categoria com relação a outra, entendemos

simplesmente o seguinte: a primeira pode existir sem a segunda,enquanto o inverso é ontologicamente impossível. É algo semelhante à

tese central de todo materialismo, segundo a qual o ser tem prioridade

ontológica com relação à consciência” (1979, p. 40).

 As diversas ordens da existência social (produção, circulação,distribuição, consumo, mídia, religião, Estado, direito, moral, produção

artística etc.) guardam entre si, portanto, relativa independência

decorrente de sua especificidade, embora só se desenvolvam nas

relações de umas com as outras.

Asordenssociais,contudo,limitam odesenvolvimentoumasdasoutras.

Page 66: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 66/89

 As ordens sociais, contudo, limitam o desenvolvimento umas das outras.

Exemplo dos limites colocados ao Direito pela organização da existência social

na sociedade civil: normas jurídicas válidas e efetivas que não atingem eficácia.

Quando Marx assume a primazia ontológica da produção sobre qualquer outraforma da sociabilidade, está a pensar nisto: qualquer forma de sociabilidade

pressupõe homens vivos, ou seja, homens que atendem às suas necessidades no

intercâmbio com a natureza por meio do trabalho (isto é, produção).

Por isso se afirma ser o trabalho a categoria fundante do ser social, pois é o

trabalho que permite o intercâmbio com a natureza .

“O processo de trabalho [...] é atividade orientada a um fim para produzir

valores de uso, apropriação do natural para satisfazer necessidades humanas,

condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição

natural eterna da vida humana e, portanto, independentemente de qualquerforma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas

sociais” (MARX, O Capital I, 1983, p. 153).

Contudo essaéapenasumaabstração poismesmoaforma

Page 67: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 67/89

Contudo, essa é apenas uma abstração, pois mesmo a forma

rudimentarmente socializada do trabalho já exige outras categorias

(divisão do trabalho, trabalho coordenado, linguagem etc.).

O trabalho, quando considerado como “trabalho em geral”, é,

portanto, uma categoria universal e uma determinação

transhistórica (atravessa toda a história humana e é a condição de

possibilidade de todas as outras formas de sociabilidade).

Contudo, “até as categorias mais abstratas – precisamente por

causa de sua abstração –, apesar de sua validade para todas as

épocas, são, contudo, na determinidade dessa abstração,

igualmente produto de condições históricas, e não possuem plenavalidez senão para essas condições e dentro dos limites destas”

(Marx, Introdução de 1857, p. 17).

Portantonoreferenteaotrabalhoeàprodução“existemdeterminações

Page 68: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 68/89

Portanto, no referente ao trabalho e à produção, existem determinações

comuns a todos os graus de produção [e a todas as épocas], apreendidas

pelo pensamento como gerais; mas as chamadas condições gerais de toda

a produção não são outra coisa senão esses fatores abstratos, os quais não

explicam nenhum grau histórico efetivo da produção” (Marx, Introdução

de 1857, p. 6).

Isso conduz a duas conclusões importantíssima para a se apreender a

concepção de dialética em Marx:

1) Mesmo as categorias gerais, transhistóricas e universais (plano

da essência) são produto das condições históricas particulares da

existência dos sujeitos singulares.

2) Se apenas se fixa os olhos nessas determinações ou categoriasuniversais, se perde de vista a marcha histórica, o devir da

realidade. A história decorre justamente da contingência (sujeição à

mudança) e das particularidades vívidas e mutáveis do ser social.

d)OmétododaEconomiaPolítica(itemterceiroda“Introdução ”)

Page 69: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 69/89

d) O método da Economia Política (item terceiro da Introdução...)

É a exposição mais explícita sobre metodologia e epistemologia em Marx.

Seu tamanho (é um texto bastante curto) decorre de o pensamento deMarx privilegiar a ontologia e de se reportar em muito ao modo como Hegel

trabalha a capacidade cognitiva humana na parte de seu sistema chamado

“Espírito Subjetivo”, mais precisamente a parte chamada “Psicologia”, que,

como visto, pensa a capacidade cognitiva humana sem considerar a relação

entre alma e natureza (dada na intuição sensível e tarefa da Antropologia)

e a relação entre a consciência e seus objetos (relação eu/outro ou

consciência/mundo, tarefa da Fenomenologia).

Devido a isso, é um texto extremamente denso, pois apesar de poucoextenso, sua correta compreensão pede certo conhecimento do pensamento

hegeliano. Assim, apesar de sua redação clara e mesmo um tanto quanto

simplória, é um texto que apresenta bastante complexidade devido às

categorias filosóficas com que trabalha.

d1)Orealeoconcretocomopressuposiçãopréviaeefetivaeatotalidade

Page 70: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 70/89

d1) O real e o concreto como pressuposição prévia e efetiva e a totalidade

concreta (plena de determinações e mediações).

 Segundo Marx, “parece que o correto é começar pelo real e pelo

concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva [...] no entanto,

graças a uma observação mais atenta, tomamos conhecimento de que

isso é falso. A população é uma abstração, se desprezamos, por exemplo,

as classes que a compõem. [...] Assim, se começássemos pela população,

teríamos uma representação caótica do todo, e através de umadeterminação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a

conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a

abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais

simples. Chegados a esse ponto, teríamos de voltar a fazer a viagem demodo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com

uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade

de determinações e relações diversas. ” (Introdução de 1857, p. 14).

Logo paraMarx mesmoaquiloquenosparececoncreto(em sentido

Page 71: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 71/89

Logo, para Marx, mesmo aquilo que nos parece concreto (em sentido

hegeliano, um ser determinado, isto é, rico em determinações e mediações

na totalidade a que pertence) não pode ser apreendido como concreto em um

exame imediato: apenas se consegue aproximar idealmente da

concreticidade do objeto real com decompô-lo (abstração) em seus elementos

determinantes (tanto os sensíveis, substanciais e aparentes, quanto os não

sensíveis, formais e essenciais) e com captar quais são as relações que ele

guarda com a totalidade a que pertence e com os elementos desta (relação

dialética do objeto com tudo aquilo que não é ele, mas que possibilita que ele

seja o que é).

 Apenas depois de percorrer esse caminho de abstração é possível apreender

o objeto examinado como algo concreto, como uma “síntese de múltiplas

determinações, isto é, como unidade do diverso” (Introdução de 1857, p. 14).

É por isso que se pode dizer que o método de Marx consiste em “elevar-se do

abstrato ao concreto”, isto é, em decompor o objeto em suas determinações

abstratas e reproduzi-lo idealmente pela ordenação dessas determinações:

“reproduzi-lo como concreto pensado” (Introdução de 1857, p. 14).

IssoporqueparaMarxninguémpodeacessarracionalmenteoconcretodemodo

Page 72: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 72/89

Isso porque para Marx ninguém pode acessar racionalmente o concreto de modo

imediato, como se bastasse olhar (acesso via intuição). “Por isso o concreto

aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, não como

ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto

de partida também da intuição e da representação” (Introdução de 1857, p. 14).

Como vimos, para Hegel a realidade é mais ampla que a existência e é formada

por objetividades sensíveis e não sensíveis.

Marx é da mesma opinião e, por isso, para ele, considerar a realidade como umtodo articulado, captado pela consciência de um modo imediato como “concreto

idealizado”, parece uma pressuposição correta, pois é assumir que a realidade é

um todo articulado em diversas relações dadas entre as partes e entre as partes

e o todo.

Isso é uma posturaontológica, a postura de pressupor a realidade como uma

totalidade, acessível à consciência justamente por ser uma totalidade.

Logo, antes de propor uma epistemologia, é necessário considerar que a

realidade se organiza como umatotalidade concreta.

d2)Aperspectivadetotalidade

Page 73: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 73/89

d2) A perspectiva de totalidade

 A totalidade é uma noção tomada do pensamento hegeliano e

extremamente valorizada por Marx.

De modo prévio, pode-se dizer que a perspectiva de totalidade é uma

teoria sobre o que a realidade é (e isso é uma postura ontológica) do que

pode decorrer, ou não, um modo de conhecer essa realidade (uma

proposta epistemológica, portanto).

 A totalidade pode ser definida como um todo dinâmico composto de

elementos e suas relações. Logo, a totalidade é mais do que a simples

soma dos seus componentes.

Com essa definição, pode-se pensar que o conceito de totalidade

equivale ao de sistema, mas isso não é verdadeiro: o conceito de

totalidade pressupõe o conceito de sistema, mas possui uma maior

complexidade.

Umsistemaéumtodocujaspartessãomutuamenteimplicantes.Assim,

Page 74: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 74/89

Um sistema é um todo cujas partes são mutuamente implicantes. Assim,

se um elemento do sistema sofre mudança, o sistema como um todo muda,

passa a ser um novo sistema, não passível de comparação com o anterior.

Um bom exemplo de sistema é um tabuleiro de xadrez: as peças são seuselementos e as posições no tabuleiro dão as relações possíveis entre seus

elementos. O jogo de xadrez, como sistema, é mais do que a simples soma

de suas partes e das relações possíveis entre elas. Se trocamos o rei por

uma dama, não temos mais um jogo de xadrez, temos um sistema novo,

com uma legalidade própria.

Uma equação como “x2 - 3x -4 = 0” também é um sistema, com uma

legalidade própria (por exemplo, apenas são raízes dessa equação 4 e -1);

se altero um dos termos da equação (“x2 - 9x -4 = 0”), temos uma nova

equação, diversa da anterior (inclusive com novas raízes). Ainda que

mantenha a proporção entre os termos (“2x2 - 6x -8 = 0”) e conte com as

mesmas raízes, tenho uma nova equação (as constantes desta são

diferentes das da primeira).

 A ideia de sistema pode ser aproximada à de estrutura. Inclusive, diga-se que a

Page 75: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 75/89

p p g q

metáfora do jogo de xadrez foi emprestada de Ferdinand de Saussure, pai da linguística

moderna e do estruturalismo. Ele compara a língua ao jogo de xadrez, pois ambos são

sistemas ou estruturas: ao se substituir um elemento ou uma forma possível de relação,

tem-se um novo sistema ou estrutura (no caso, um novo jogo e uma nova língua).

No exame de um sistema ou de uma estrutura pode-se privilegiar uma perspectiva

sincrônica (abordando o sistema de um modo estático, por exemplo o estado atual do

português) ou diacrônica (abordando o sistema em sua transformação em outro sistema,

como a transformação do galego português em português ou do português do séc. XIX

no atual).

Diversas perspectivas teóricas se valem do conceito de sistema e de formas de

abordagens mais ou menos comparáveis à sincrônica e à diacrônica: os positivismos

sociológicos de Comte e de Durkheim, o estruturalismo, a Teoria Pura do Direito

(Kelsen fala em um sistema escalonado de normas e agentes e em dinâmica e estática

 jurídicas) etc.

 A metáfora do jogo de xadrez é útil para distinguir essas perspectivas da perspectiva

dialética (a partir de Hegel), que desconhece essa clivagem entre abordagem sincrônica

e diacrônica.

 A totalidade pressupõe o conceito de sistema, pois suas partes e as relações

Page 76: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 76/89

p p ,p p ç

entre elas também são mutuamente implicantes. Alterando algo na

totalidade, ela assume uma nova configuração.

 A diferença entre o sistema e a totalidade é que a última está sujeita ao devirhistórico e, por isso, não apenas suas partes se transformam, mas as formas

de relação entre elas. Tem-se, com o devir, novos elementos e novas formas de

articulação entre eles, mesmo que algumas determinações permaneçam.

Usando a metáfora do jogo de xadrez, ele poderia ser considerado umatotalidade apenas se com o decorrer do tempo as relações entre suas partes

gerassem novas partes (por exemplo, novas peças, também sujeitas a sumirem

ou se alterarem um dia) e novas formas de relação entre elas (por exemplo,

novos formatos de tabuleiro).

 Assim, na totalidade real, que é concreta (pois é plena de mediações, de

conexões entre seus elementos), seus elementos estão sujeitos à dinâmica do

ser, ao devir, de um modo muito mais intenso e estruturante do que numa

abordagem diacrônica.

Falar em conhecimento da totalidade não é o mesmo que falar em

Page 77: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 77/89

aa e co ec etodatotadade ãoéo es oque aa e

conhecimento total, pois:

1) Considerar a realidade como totalidade apenas é tê-la com um todo

dinâmico e articulado em que as relações entre as partes e entre as

partes e o todo geram novas formas de relação, novas partes e um

novo todo.

2) Considerar a totalidade como concreta é considerá-la como rica em

elementos e mediações, de modo que sempre se pode intentar um nível

de análise mais ou menos abrangente: sempre é possível incluir ou

desconsiderar um elemento praticamente ao infinito.

3) Logo, o conhecimento da totalidade sempre é parcial, pois a totalidadereal sempre é mais rica e complexa (mais concreta) que sua

representação teórica. Nos termos de Marx, o “concreto pensado” é

menos complexo que a totalidade real. Ou seja, a teoria éabstrata em

relação à realidade.

d3) A concepção ontológica das categorias em Marx

Page 78: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 78/89

) pç g g

Contudo, conceber a realidade como totalidade diz muito pouco sobre a

realidade e seus elementos constitutivos. É necessário fazer uma análise,

uma abstração, a partir do que se pode chegar aos elementos simples eabstratos que, sensíveis ou não, compõem essa realidade.

Em suma, é necessário captar ascategorias dessa realidade.

Para Marx, “em toda ciência histórica e social em geral é preciso ter sempreem conta, a propósito do curso das categorias econômicas, que o sujeito, nesse

caso, a sociedade burguesa moderna, está dado tanto na realidade efetiva

quanto no cérebro; que as categorias exprimem portanto formas de modos de

ser, determinações da existência” (p. 18).

 Aqui surge pertinente a aproximação feita entre Hegel e o realismo

escolástico para pensarmos Marx: não apenas os sujeitos do real, mas as

próprias categorias estão dadas “tanto na realidade efetiva quanto no

cérebro”, na consciência.

Fica evidente que, para Marx, as categorias são reais, estão na realidade e,

Page 79: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 79/89

por isso mesmo, pode-se chegar a concebê-las na consciência. Logo, as

categorias têm um caráter ontológico, e não epistemológico (como os

conceitos).

Essa aproximação da posição marxiana com a leitura realista do tratado

sobre as categorias do Organon de Aristóteles é evidente em outro texto, os

cadernos deCrítica da Filosofia do Direito de Hegel, em que a crítica de Marx

a Hegel se diferencia daquela realizada por Feurbach justamente nesse ponto:

para Feuerbach, Hegel concebe o ser como predicado da ideia, tida comosujeito do real, quando na verdade o ser, enquanto objeto dos sentidos, seria o

sujeito de que o pensamento seria o predicado. Em suma, para Feuerbach, as

categorias da Lógica de Hegel seriam apenas pensamento, e não reais, pois

para ele a realidade é composta apenas pelos elementos sensíveis apreendidos

pela sensação, pela intuição sensível (posição próxima ao nominalismo).

É nesse sentido que se diz que a concepção de essência humana de Feuerbach

é antropológica, no sentido da Antropologia de Hegel, da relação entre alma e

natureza dada por meio da intuição.

Marx nunca incorreu na postura de Feuerbach, pois para ele a realidade é mais

Page 80: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 80/89

do que o imediatamente sensível.

Também salta aos olhos a distinção feita por Hegel entre realidade e

existência: se “as categorias exprimem [...] formas de modos de ser,determinações da existência”, quer dizer que as categorias são as formas

essenciais (entes não sensíveis) dadas pela organização das substâncias (entes

sensíveis) na existência.

 As categorias são as formas particulares e universais oriundas da configuração

das singularidades aparentes dadas à consciência por meio da relação

fenomênica (relação eu/outro, consciência/mundo). Na existência se encontram

as singularidades aparentes (fenômeno) em suas formas particulares de

manifestação, e a realidade seria formada não apenas pelo plano da existência,

mas também pelo plano das essências particulares e universais.

Por isso, atento ao pensamento hegeliano, Marx afirma no livro III deO

Capitalque “toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação e a

essência das coisas coincidissem imediatamente” (1985, p. 271).

Essas considerações levam a conclusões importantes:

Page 81: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 81/89

ç

1) Se as categorias são formas da existência e a existência está sujeita ao devir,

as categorias também estão. Logo, as categorias são históricas e apenas são

reais na medida em que os entes singulares a que estão conectadas aindaexistem.

2) Não faz sentido, portanto, procurar categorias captadas por Marx como

próprias do capitalismo em outras formações sócio- históricas (por exemplo,

lei tendencial da queda da taxa de lucro na Grécia antiga). E mesmo que

certas categorias estejam presentes em todas as épocas e formações

sociais (o “trabalho em geral”, por exemplo), isso é indicativo de que são

pouco explicativas sobre as peculiaridades e particularidades de cada

formação sócio-histórica específica.

3) Logo, a elaboração de Marx não é universalizável nem para todas as épocasnem para todas as formas de organização social. E Marx tampouco pretende

que ela seja: sua teoria tem validade apenas em relação ao seu objeto – a saber,

as condições de formação, reprodução e crise da sociedade civil burguesa – e

enquanto o devir desse objeto não invalidar a representação teórica.

4) A revisão e atualização teóricas são princípios constitutivos do pensamento

Page 82: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 82/89

metodológico de Marx, de modo que cabe à teoria sempre “correr atrás” do processo de

vir a ser da realidade.

5) Marx teorizou sobre – isto é, captou as categorias de – certos objetos

específicos, o que não impede que se parta da suas concepções ontológica e

epistemológica para abordar outros objetos, desde de que se respeitem a

especificidade e modo de ser de cada objeto (dotado de categorias próprias), como

fizeram alguns dos mais eminentes marxistas do séc. XX: por exemplo, entre diversos

outros dignos de lembrança, Lukács em relação à estética e à “sociologia” da

literatura; ou Lefébvre em relação à produção do espaço urbano e rural e àestrutura da vida quotidiana; etc.

6) A filiação ao pensamento de Marx não se dá pela “aplicação de suas

categorias” (já vimos por que isso não faz sentido), mas pela adoção de suas

propostas ontológica e metodológica (calcadas na perspectiva de totalidade), cujo

princípio mestre é o respeito à configuração histórica e à dinâmica do objeto, dadas a

partir do modo de manifestação que ele apresenta. O “marxismo” vulgar tende a forçar

a presença, nos objetos examinados, de categorias captadas por Marx em relação a

outros, como se isso constituísse a garantia de uma ortodoxia marxista e não a

falsificação de Marx.

d4) Concepção metodológica e momentos ascendente e descendente em Marx:

Page 83: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 83/89

captação da concreticidade pela elaboração da intuição e da representação em

conceitos

Em Marx vislumbra-se que a atividade teórica envolve dois momentos: umascendente e outro descendente.

No momento ascendente, partido do concreto como “representação caótica do todo”,

abstraem-se os elementos da totalidade dada à consciência de modo imediato

(consideram-se os elementos comuns a muitos singulares e apreendem-se as suas

formas particulares). É um caminho do concreto ao abstrato. Contudo, nesse

primeiro momento o concreto aparece à consciência teórica como “representação

caótica do todo”, fruto de contato imediato com a totalidade. Assim, por enquanto o

concreto concebido mentalmente não é nada além de um “concreto idealizado”, uma

“pressuposição prévia e efetiva” que, apesar de ser “ponto de partida da intuição e

da representação”, não pode ser considerada como teoria devido à sua

imediaticidade e abstração: isto é, nesse momento, o conhecimento ainda é precário,

pois a atividade cognoscitiva dirigida a um dado objeto ou a uma dada parcela da

realidade não capta a concreticidade do real em suas mediações e elementos.

No momento descendente, o de passagem das determinações abstratas à

Page 84: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 84/89

concreticidade, o pensamento reorganiza as formas e categorias alcançadas por meio

da análise da totalidade dada imediatamente (abstração) e topa com a totalidade

agora como concreta e determinada, não mais com um “concreto idealizado” ou uma

“representação caótica de um todo”, mas com uma “rica totalidade de determinações erelações diversas”.

Por isso, para Marx, o método que consiste em se elevar do abstrato ao concreto é o

“método cientificamente exato”, pois permite a captação teórica da realidade, ou seja,

a construção de um “concreto de pensamentos”.

 Assim, Marx critica o método dos economistas políticos que partem do todo e, por

meio de análise, chegam a “determinações as mais simples”, pois esse método pararia

no meio do caminho; daí a necessidade de elevar-se do abstrato ao concreto, num

movimento descendente, embora só se chegue ao abstrato com um movimento

ascendente de análise (abstração) a partir da totalidade dada imediatamente à

consciência.

Em suma: “no primeiro método, a representação plena volatiliza-se em determinações

abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do

concreto por meio do pensamento” (MARX, Introdução de 1857, p. 14).

Todavia, segundo Marx, “a totalidade concreta, como totalidade de pensamentos,

Page 85: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 85/89

como um concreto de pensamentos é de fato um produto do pensar, do conceber;

[é a] elaboração da intuição e da representação em conceitos” ( Introdução...p. 15).

 Assim, seguindo Hegel, Marx faz uso das três seguintes noções:

1) Intuição (sensação): é o modo de a alma acessar os entes sensíveis,

singulares e existentes (aparentes). É tratada por Hegel principalmente

na Antropologia e na Psicologia do Espírito.

2) Representação: exige já certo grau de abstração, pois lida com a relaçãoentre consciência e mundo. Assim, a união de diversos indivíduos em uma

representação (a representação de “cadeira”, por exemplo), exige que se

comparem diversos indivíduos (entre cadeiras e não cadeiras) e se extraia

da singularidade imediata algo mais genérico. A representação é composta por

três graus – a rememoração, a imaginação e a memória – e nela se dá arelação entre pensamento e linguagem (o pensamento encarna-se em

signos e símbolos, embora não se confunda com eles). A discussão sobre a

representação conecta-se ao contexto da Fenomenologia e da Psicologia do

 Espírito.

3) Conceito: refere-se aoconceito subjetivocomo resultado do pensar

Page 86: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 86/89

em sua relação com oconceito objetivo. A diferença entre a representação e o

conceito é em relação à concreção: embora a representação já lide com

certo grau de abstração, é no conceito que se organizam (movimento

descendente) as categorias captadas por meio da abstração (movimento

ascendente). Logo, o conceito é o modo superior de o espírito teóricose

apropriar da realidade concreta, uma vez que no conceito estão captados

os elementos e as formas de relação que compõem a totalidade. Logo, a

intuição e a representação são abstratas em relação ao conceito, poiscarecem das mediações reais que o pensamento capta e organiza no conceito.

 Assim concebe Hegel os três graus do conhecimento:

Page 87: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 87/89

“Para fins de clareza, queremos agora indicar previamente, à guisa de

asserções, o curso formal do desenvolvimento da inteligência rumo ao

conhecimento. É o seguinte: em primeiro lugar, a inteligência tem um objetoimediato. Em segundo lugar, tem depois um materialrefletido sobre si

mesmo, interiorizado [erinnerten]. Enfim, em terceiro lugar, tem um objeto

tanto subjetivo como objetivo. Nascem assim três graus:

1º – Do saber relativo a um objeto imediatamente singular, saber de ummaterial– ou [grau] daintuição.

2º – Da inteligência que, [a partir] da relação à singularidade do objeto, se retira

 em simesma, e refere o objeto a um universal – ou [grau] darepresentação.

3º – Da inteligência queconceitua oconcretamente universaldos objetos; ou

[grau] do pensar, nesse sentidodeterminadode que o que pensamos

também é, também temobjetividade” (HEGEL, Enciclopedia das Ciências

 Filosóficas Vol. 3, Filosofia do Espírito, adendo ao §  445).

 Marx se apropria dessas categorias e as retrabalha, inclusive de modo crítico a

Page 88: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 88/89

Hegel, como fica evidente no seguinte trecho:

“Para a consciência, pois, o movimento das categorias aparece como ato de produção

efetivo – que recebe infelizmente apenas um impulso do exterior –, cujo resultado é omundo, e isso é certo [...] na medida em que a totalidade concreta, como totalidade de

pensamentos, como um concreto de pensamentos, é de fato um produto do pensar, do

conceber; não é de modo nenhum o produto do conceito que pensa separado e acima da

intuição e da representação, e que se engendra a si mesmo, mas da elaboração da

intuição e da representação em conceitos”. (p. 15). O trecho em destaque é patente

crítica a Hegel.

 Por isso Marx não trabalha com definições, pois para ele qualquer ser da realidade só é

 passível de ser captado pelo pensamento por meio do “encharcamento de determinações”

(expressão de Florestan Fernandes para explicar a metodologia marxiana).

 Na captação teórica da “cadeira”, é necessário partir da sua singularidade abstrata

dada por meio da intuição rumo à análise dos elementos particulares e formais também

abstratos que nela convergem (abstração dada no grau da representação) para depois

reorganizar esses elementos abstratos em conceitos concretos e na representação teórica

da totalidade concreta em que a cadeira existe.

Page 89: Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

7/17/2019 Oficina Sobre a Inversão Da Dialética Hegeliana Por Marx

http://slidepdf.com/reader/full/oficina-sobre-a-inversao-da-dialetica-hegeliana-por-marx 89/89

Referências das citações:

HEGEL, G. W. F.Ciencia de la Logica. 2. ed. Buenos Aires: Solar/Hachette, 1968.

______. Enciclopedia das Ciências Filosóficas: em compêndio. São Paulo: Loyola, 2005, vol.

1 Ciência da Lógica; 2011, vol. 3 Filosofia do Espírito.

Lukács, G.Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx.São Paulo: CiênciasHumanas, 1979.

MARX, K. “Introdução de 1857”in Para a Crítica da Economia Política. Salário, Preço e

 Lucro. O Rendimento e suas Fontes. São Paulo: Abril cultural, 1982.

______.“Prefácio de 1859”in Para a Crítica da Economia Política. Salário, Preço e Lucro. O

 Rendimento e suas Fontes. São Paulo: Abril cultural, 1982.

OC itl íti d E iPlíti SãP l AbilC lt l1983tI l1