o telespectador brasiliense: estudo de recepção sobre o sotaque no telejornalismo

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 CENTRO UNIVERSITÁRIO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA – IESB COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO BHÁRBARA MARTINS DE CARVALHO O TELESPECTADOR BRASILIENSE: Estudo de recepção sobre o sotaque no telejornalismo  BRASÍLIA 2014

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O presente trabalho baseia-se na elaboração de grupos focais, com telespectadores doDistrito Federal, com a finalidade de reunir dados de recepção sobre o sotaque notelejornalismo da Rede Globo e os efeitos da padronização do falar na TV. Conhecidospela provável exclusão do sotaque – um falar “neutro” – os brasilienses parecem apoiar aneutralidade nos telejornais. Faz-se necessária uma continuação da pesquisa paraafirmar a investigação e para ilustrar a dimensão da repercussão do padrão de qualidade.

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  • CENTRO UNIVERSITRIO INSTITUTO DE EDUCAOSUPERIOR DE BRASLIA IESB

    COMUNICAO SOCIAL JORNALISMO

    BHRBARA MARTINS DE CARVALHO

    O TELESPECTADOR BRASILIENSE:Estudo de recepo sobre o sotaque no telejornalismo

    BRASLIA

    2014

  • BHRBARA MARTINS DE CARVALHO

    O TELESPECTADOR BRASILIENSE:Estudo de recepo sobre o sotaque no telejornalismo

    Trabalho de Concluso de Curso

    apresentado ao curso de Comunicao

    Social do Instituto de Educao

    Superior de Braslia, como requisito

    parcial para obteno do grau de

    Bacharel em Jornalismo.

    Orientadora: Profa. Dra. Luciane Agnez

    BRASLIA

    2014

  • BHRBARA MARTINS DE CARVALHO

    O TELESPECTADOR BRASILIENSE:Estudo de recepo sobre o sotaque no telejornalismo

    Trabalho de Concluso de Curso

    apresentado ao curso de Comunicao

    Social do Instituto de Educao

    Superior de Braslia, como requisito

    parcial para obteno do grau de

    Bacharel em Jornalismo.

    Orientadora: Profa. Dra. Luciane Agnez

    Banca Examinadora:

    ______________________________

    Profa. Dra. Luciane Agnez Orientadora

    ______________________________

    Profa. Dra. Alzimar Ramalho Convidada

    ______________________________

    Profa. Dra. Chalini Torquato Gonalves de Barros Convidada

  • DEDICATRIA

    Ao regente do Universo, que sempre me concede

    grandes experincias e aprendizados e que,

    imprevisivelmente, me convence de que o avesso

    o meu lado certo.

    Aos meus pais, pela criao, confiana, pacincia e

    por me ensinarem desde cedo que os outros

    passaro, eu passarinho.

    Aos meus irmos, Matheus e Jade, eternos

    companheiros e por nunca me deixarem esquecer

    daqueles tempos.

    Ao meu pequeno Henrique, por me apresentar o

    lado bom da vida, junto ao meu grande Gustavo.

    E, pelo menos, que o amor nos salve da vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar, aos meus pais, que me proporcionaram a realizao de um dos meus

    sonhos, e tambm aos meus familiares, que me apoiaram em todas as fases de

    elaborao deste trabalho. Admito que compartilhamos, em alguns momentos, o

    nervosismo e a ansiedade diante desse desafio, mas, no fim, o que se destacou foi o

    carinho e a dedicao de todos.

    Aos meus amigos, as que no estavam no Brasil ou aos que no esqueceram de oferecer

    ajuda, mesmo quando no tinham tempo nem para me encontrar. Aos que estavam em

    terras brasileiras e que me ajudaram a sonhar e colocar em prtica esta experincia.

    Tambm aos que, junto comigo, fizeram das bibliotecas de Braslia um refgio de

    dedicao e foco.

    Aos grandes mestres que tive o prazer de conhecer no IESB. Em especial minha

    orientadora, Luciane Agnez, a quem agradeo pela motivao acadmica e tambm por

    me incentivar para a realizao do que quero ser quando crescer. A ela a minha eterna

    admirao.

    Talvez elas nem faam ideia da sua importncia delas para a concluso dessa etapa, mas

    agradeo a todas as moas que trabalham na minha casa, as empregadas ou babs.

    Imagino outros tempos, em que a rotina do lar impossibilitava a presena das mulheres

    nas universidades e no mercado de trabalho. Minha realidade outra e, se aqui estou, foi

    porque essas moas ficaram na minha casa, me substituindo nos meus deveres

    domsticos, enquanto eu estudava e podia batalhar pelos meus sonhos. A meu ver, est

    a a importncia dessas guerreiras: elas no s cuidaram das minhas atribuies, mas

    tambm passaram para mim o direito de conquistar a formao acadmica que tanto

    sonhei.

  • EPGRAFE

    Emlia no achou que fosse caso de conservar

    na cadeia o pobre matuto. Alegou que ele

    tambm estava trabalhando na evoluo da

    lngua e soltou-o.

    -V passear, seu Jeca. Muita coisa que

    hoje esta senhora condena vai ser lei um dia.

    Foi voc que inventou o VOC em vez de TU, e

    s isso quanto no vale? Estamos livres da

    complicao antiga do Tuturututu.

    Monteiro Lobato

  • RESUMO

    O presente trabalho baseia-se na elaborao de grupos focais, com telespectadores doDistrito Federal, com a finalidade de reunir dados de recepo sobre o sotaque notelejornalismo da Rede Globo e os efeitos da padronizao do falar na TV. Conhecidospela provvel excluso do sotaque um falar neutro os brasilienses parecem apoiar aneutralidade nos telejornais. Faz-se necessria uma continuao da pesquisa paraafirmar a investigao e para ilustrar a dimenso da repercusso do padro de qualidade.

    Palavras chave: Grupo focal; Telejornalismo; Recepo; Sotaque; Preconceito lingustico.

  • ABSTRACT

    The present work is based on the elaboration of focal groups, with the finality of gatheringdata of reception about the accents in the television journalism of the station Rede Globoand the effects of standardization of the voice in TV, together with the television viewers ofthe Federal District (DF). Known for their likely exclusion of the accent a neutral voice the Brazilian people seem to support the neutrality in TV journalism. It is necessary tomake a continuation of the research to reaffirm the investigation and to illustrate theprobable dimension of the repercussion of the standard for quality.

    Key Words: Focal groups; Television journalism; Reception; Accent; Linguisticdiscrimination.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Idade, sexo e classe social dos telespectadores da Globo Braslia..................37

    Figura 2 Convite usado para divulgao.........................................................................38

    Figura 3 Trechos dos ncoras da tomada 01..................................................................41

    Figura 4 Trechos dos reprteres da tomada 02...............................................................41

    Figura 5 Apresentadora, reprter e entrevistada da reportagem da tomada 03..............42

    Figura 6 Reprter nordestino para o Jornal Hoje da tomada 04.......................................42

    Figura 7 Chamada para a srie especial da tomada 05..................................................43

    Figura 8 Reprteres de outras regies do Brasil que trabalham na Globo Braslia da

    tomada 06...........................................................................................................................43

    Figura 9 - Reprteres de Braslia e de outras regies nos jornais locais da capital da

    tomada 07...........................................................................................................................44

    Figura 10 Relao de gnero e idade dos participantes..................................................46

    Figura 11 Grfico de nvel de escolaridade dos participantes.........................................46

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 rea profissional dos participantes do GF I...................................................46

    Quatro 02 rea profissional dos participantes do GF II...................................................47

  • Sumrio

    INTRODUO.....................................................................................................................11

    1. OBJETIVOS:....................................................................................................................14

    1.1 Objetivo geral:...........................................................................................................14

    1.2 Objetivos especficos:...............................................................................................14

    2. JUSTIFICATIVA................................................................................................................15

    3. METODOLOGIA..............................................................................................................16

    4. A regionalizao do telejornalismo..................................................................................19

    5. O sotaque e o preconceito lingustico..............................................................................25

    6. O falar do telejornalismo..................................................................................................30

    7. Os grupos focais..............................................................................................................36

    7.1. Memorial descritivo...................................................................................................36

    7.1.1 Os integrantes...................................................................................................37

    7.1.2 O convite...........................................................................................................38

    7.1.3 Roteiro de perguntas.........................................................................................39

    7.1.4 Primeira etapa: os vdeos..................................................................................40

    7.1.6 Segunda etapa: documentos finais...................................................................44

    7.1.7 Registros do evento..........................................................................................45

    7.2. Anlise dos dados.....................................................................................................46

    7.2.1 Questionrios socioeconmicos........................................................................46

    7.2.2 Ouvindo o telespectador....................................................................................48

    7.2.3 Questionrio final................................................................................................60

    CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................62

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:...................................................................................64

    APNDICES........................................................................................................................68

  • 12

    INTRODUO

    O telejornalismo passou, como ainda passa, por grandes mudanas ao longo

    de sua trajetria no Brasil. No caso da linguagem televisiva, se o sotaque no era

    bem-vindo na TV Globo de 1970, hoje possvel perceber, ainda que amenizada,

    um pouco da diversidade do falar brasileiro em seus jornais. A partir disso, este

    trabalho busca analisar, por meio de grupos focais, os efeitos de percepo do

    pblico brasiliense sobre a presena de reprteres com e sem sotaque nos jornais,

    iniciando, assim, uma reflexo sobre at que ponto a excluso do sotaque no

    telejornalismo uma forma de a TV perpetuar o preconceito lingustico.

    A lngua heterognea e varivel, o que torna o monolinguismo uma fantasia.

    No caso do portugus brasileiro, essa variao est presente em muitos nveis

    estruturais e sociais, como a variao regional (BAGNO, 2013). Essa diversidade

    lingustica compe a identidade cultural dos falantes e, nesse casamento, condenar

    um condenar o outro. Dessa forma, excluir um ou mais sotaques do jornal deixar

    de retratar um Brasil plural e enobrecer, no ar, uma s regio entre tantas:

    preciso evitar a prtica distorcida de apresentar a variao como seela existisse apenas nos meios rurais e menos escolarizados, comose no houvesse variao (e mudana) lingustica entre os falantesurbanos, socialmente prestigiados e altamente escolarizados [](BAGNO, 2012, p. 40).

    Em um pas banhado por diversidade, riqueza cultural, grande em territrio e

    em habitantes, esta pesquisa se concentra no exame do preconceito lingustico

    existente na televiso brasileira, que, alis, ainda passa despercebido por muitos. Ao

    levar essa realidade para o Distrito Federal, que est no centro dessa multiplicidade,

    buscaremos verificar, a partir da histria de sua formao, como os seus moradores

    recebem a variante lingustica no jornal de TV.

    A intensa miscigenao do DF, em funo dos processos migratrios para a

    construo da nova capital, fez surgir um falar prprio da cidade, que nem sempre

    percebido pelos falantes. Dessa mistura, aparece uma fala definida por alguns

    estudiosos como limpa ou neutra, o que inusitado, uma vez que, com a

    diversidade, esperava-se uma fala rica em sotaques de vrios lugares do Brasil e

    no a excluso das variantes.

  • 13

    Dentro desse quadro lingustico, investigaremos a maneira como o pblico

    brasiliense se relaciona com a presena, ou ausncia, do sotaque nos telejornais

    locais e nacionais. Sobre os veculos de comunicao, analisaremos somente a

    recepo dos jornais da Rede Globo, em funo da bibliografia limitada sobre o

    tema e pela sua notabilidade:

    No Brasil, a Rede Globo de Televiso, da famlia Marinho, , segundoo IBOPE, lder de audincia na maior parte dos horrios,configurando-se, h quase quatro dcadas, como a mais importanteempresa do mercado televisivo nacional e como a que mais investena regionalizao da programao (BAZI, 2007, p. 4).

    A ferramenta utilizada para traar esse produto da recepo ser a

    metodologia do grupo focal. A prtica consiste em simular um ambiente de conforto,

    como se fosse natural, para que os participantes compartilhem pensamentos e

    opinies sobre o tema. Por serem grupos heterogneros, contamos com um debate

    rico e diversificado sobre o que os brasilienses pensam sobre o sotaque, e a

    ausncia dele, no jornalismo da Rede Globo.

    No primeiro contato com a bibliografia disponvel, nota-se que a televiso

    brasileira parece tratar o sotaque como uma disformidade capaz de atrapalhar o

    carter qualitativo da produo telejornalstica. Alm de desmotivar a sua ocorrncia

    na fala dos reprteres dos jornais exibidos nacionalmente, com a regionalizao da

    programao, o mesmo parece acontecer nos jornais locais no qual, para todos os

    efeitos, o sotaque deveria ser um trao cultural da regio representada.

    Se a variao presente na fala brasileira no conquistou, ainda, um espao

    representativo nos jornais, objetivamos examinar quais foram as possveis

    influncias do Padro Globo de Qualidade na elaborao de um jeito caracterstico

    de falar no ar. Observando a inclinao da emissora em neutralizar, no passado, o

    sotaque e em ameniz-lo, no presente, muitas vezes transformando-o num linguajar

    do eixo RJ/SP.

    O presente trabalho est organizado em quatro captulos: a regionalizao do

    telejornalismo; o sotaque e o preconceito lingustico; o falar do telejornalismo; os

    grupos focais.

    No primeiro captulo, explicaremos a tendncia de regionalizao da

    produo televisiva, mesmo que o fenmeno ainda no possua definio, passando

    pela nacionalizao e pelo Padro Globo de Qualidade. Alm disso, indicaremos

  • 14

    pontos da Constituio Federal e do Cdigo de tica dos Jornalistas que defendem

    o regionalismo, mas no so obedecidos pelas emissoras e pelos profissionais da

    rea.

    Ao falar sobre o sotaque e o preconceito lingustico, no captulo dois,

    explicaremos o significado das expresses, mostrando a variao nas lnguas e,

    principalmente, no falar do Distrito Federal. Mostraremos quatro tipos de variao

    (diacrnica, diatpica, diastrtica e diamsica) e como a rejeio delas pelo

    jornalismo de TV pode alimentar a intolerncia variao pelo telespectador.

    A partir desses termos, analisaremos, no captulo trs, a fala dos reprteres

    de TV. Levantaremos as definies de alguns manuais de telejornalismo que

    defendem a simplicidade gramatical no texto televiso e, em paralelo, a tentativa de

    diminuir a incidncia de jornalistas com sotaque, suavizando-o ou substituindo-o.

    Nesse momento, abordaremos como a excluso do sotaque interfere na identidade

    dos jornais locais e dos reprteres e no entendimento da notcia.

    Por fim, no captulo quatro, encontra-se o memorial descritivo, uma narrao

    detalhada dos grupos focais. Em seguida, divulgaremos os resultados dos eventos

    realizados com telespectadores, moradores do Distrito Federal, subdivididos em

    faixa etria, de 18 aos 29 anos e 30 ou mais.

  • 15

    1. OBJETIVOS:

    1.1 Objetivo geral:

    Analisar o posicionamento do telespectador do Distrito Federal sobre a

    presena e a ausncia do sotaque no telejornalismo da Rede Globo.

    1.2 Objetivos especficos:

    Identificar, por meio da realizao de grupos focais, a impresso

    que o telespectador do DF tem sobre o aparecimento ou a

    ausncia do sotaque nos telejornais;

    Descrever o conceito e os efeitos do regionalismo da televiso

    brasileira e a sua relao com o aparecimento de diversos

    sotaques na TV;

    Compreender as tcnicas de linguagem no telejornalismo, a partir

    do Padro Globo de Qualidade, que foi estabelecido como

    modelo para o telejornalismo brasileiro.

    Refletir se a excluso do sotaque no telejornalismo contraria leis e

    deveres de conduta dos jornalistas e quais so as possveis

    consequncias desse feito;

  • 16

    2. JUSTIFICATIVA

    Pela experincia da autora como aluna do curso de Letras e de Jornalismo,

    surgiu a ideia de um tema capaz de reunir o que mais apreciava nas disciplinas. Da

    Sociolingustica veio o sotaque e da Comunicao, o telejornalismo. Ao assistir ao

    jornal com outras pessoas ou ao mencionar o visto, notava, com certa frequncia,

    que a maioria delas faziam comentrios sobre o sotaque dos reprteres. Alguns,

    alm de focar nas diferenas, tambm mostravam-se incomodados.

    Desse retrato do incmodo com a variedade do portugus brasileiro na TV,

    veio a iniciativa de pesquisar o porqu da excluso do sotaque nos telejornais,

    inclusive nos da programao local. Um dos motivos que impulsionou o

    desenvolvimento do trabalho nessa linha foi a carncia de estudos sobre o sotaque

    no jornalismo e tambm na rea de recepo. Vemos que as tcnicas do jornalismo

    esto sempre em discusso, mas que o foco para o pblico ainda pouco.

    Tambm de relevncia a escolha do tema para identificar se a diversidade

    de grupos de falantes do Distrito Federal, possivelmente estabelecido por classes

    sociais e a variedade de regionalismos, interfere na forma de dar a notcia e at na

    forma em que ela entendida pelo telespectador brasiliense.

  • 17

    3. METODOLOGIA

    Entre a variedade de mtodos cientficos, adotamos uma abordagem terica

    da pesquisa qualitativa. O modelo adequado para a seguinte pesquisa, a princpio,

    por defrontar a multiplicidade. Em outras palavras, como ressalta Flick (2004, p. 17),

    a relevncia especfica da pesquisa qualitativa para o estudo das relaes sociais

    deve-se ao fato da pluralizao das esferas de vida.

    O mtodo tambm planejado para conter a relao de influncia do

    pesquisador sobre o fenmeno estudado, ainda que proporcione a interao com o

    tema para evitar a falta de familiaridade do observador com os observados (FLICK,

    2004). A pesquisa qualitativa induz diversidade e a uma viso realista no processo

    de coleta de dados.

    Assim, optamos por investigar o processo de recepo das reportagens

    produzidas por reprteres com sotaque. Os estudos de recepo, de acordo com

    Jacks (1995), inserem o receptor na pesquisa, tornando-o componente importante

    no processo: [] visam compreenso da complexidade do real em que est

    imerso eu sujeito, encontram os elementos simblicos que realizam o contato do

    indivduo com seu campo social (JACKS, 1995, p.153).

    O intuito no entender a adaptao do jornalista aos padres

    fonoaudiolgicos das emissoras e, sim, explorar como o telespectador recebe e

    interpreta o contedo sem ou com a neutralizao do sotaque. importante

    destacar que esse receptor, como prope Martn-Barbero (1995), no uma figura

    frgil que recebe o que veiculado na TV sem se opor. Na verdade, os estudos de

    recepo resgatam a relao entre o emissor e o receptor, devolvendo o papel

    participativo para o ltimo. Sobre o telespectador, Sousa diz:

    O receptor deixa de ser visto, mesmo empiricamente, comoconsumidor necessrio de suprfluos culturais ou produtomassificado apenas porque consome, mas resta-se nele tambm umespao de produo cultural; um receptor em situaes econdies, e por isso mesmo cada vez mais a comunicao buscana cultura as formas de compeend-lo, emprica e teoricamente(SOUSA, 1995, p. 26-27).

  • 18

    Para provocar a variedade de opinies, na linha da abordagem indireta,

    aplicamos o grupo focal (GF). Segundo Powell e Single (1996, p. 449 apud GATTI,

    2005, p. 7): um grupo focal um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por

    pesquisadores para discutir e comentar um tema, que objeto de pesquisa, a partir

    de sua experincia pessoal.

    A escolha dessa ferramenta justificada por vrios fatores. Entre eles, o fato

    de que a prtica provoca a interao entre os participantes e expe o que, como e

    porque os grupos pensam sobre o objeto da pesquisa. Inclusive, como cita Gatti

    (2005, p. 9): [] um grupo focal permite ao pesquisador conseguir boa quantidade

    de informao em um perodo de tempo mais curto.

    Outra vantagem assegurar que o pblico estudado, em virtude da

    heterogeneidade dos grupos, sinta-se vontade com as condies e o ambiente

    para compartilhar opinies e pensamentos. Se os falantes no reconhecem a

    existncia do preconceito lingustico, como defende Bagno (2013, p. 24),

    acreditamos que o mtodo proporcione ao telespectador brasiliense queira falar

    espontaneamente sobre o assunto:

    Pode ser que as pessoas no queiram responder certas perguntas,ou mesmo que elas no consigam faz-lo. Talvez elas no desejemdar respostas verdadeiras a perguntas que invadam sua privacidade,causem desconforto ou tenham impacto negativo sobre seu ego oustatus (MALHOTRA, 2010, p. 111-112).

    Realizamos dois grupos focais, cada um composto por 06-12 pessoas, valor

    recomendado por Costa (2010), delimitados por caractersticas como a faixa etria

    dos membros (18 aos 29 e 30 para cima) e mesclados com nascidos ou no em

    Braslia. Nesse caso, brasileiros advindos de outros estados, que tinham em comum

    o fato de residir na capital federal por, no mnimo, trs anos, fizeram parte da

    pesquisa.

    Como requisito indispensvel para o desenvolvimento do GF, procuramos

    estabelecer, pelo menos, um ponto em comum entre os participantes. Por isso,

    determinamos que eles precisavam assistir a qualquer telejornal, nacional ou local,

    com qualquer frequncia. Alguns jornalistas e linguistas se interessaram pelo tema

    proposto, todavia decidimos que, talvez, a participao desse pblico poderia

    influenciar nas respostas gerais e, assim, decidimos que esses poderiam assistir a

    dinmica, mas no participar dela.

  • 19

    Atravs da internet, divulgamos o convite para o encontro duas semanas

    antes de sua realizao. No texto, publicado em redes sociais, foi exposto que seria

    uma conversa sobre o telejornalismo produzido no DF. Dessa forma, os participantes

    sabiam que o assunto seriam os jornais brasileiros e suas caractersticas, mas no

    sabiam que o foco seria a presena do sotaque. As reunies aconteceram no Centro

    Universitrio IESB nos dias 19 e 20 de setembro de 2014 com durao de,

    aproximadamente, 1h e 30min.

    Ao escolher o grupo focal como metodologia, conhecamos os

    possveis limites e benefcios da experincia para o trabalho. A todo momento, o

    objetivo era desenvolver uma comunicao entre os participantes para conseguir

    captar o que, como e o porqu que cada membro pensava sobre o tema:

    O grupo focal permite fazer emergir uma multiplicidade de pontos devista e processos emocionais, pelo prprio contexto de interaocriado, permitindo a captao de significados que, com outros meios,poderiam ser difceis de se manifestar (GATTI, 2010, p. 09).

    Como expomos no incio desse trabalho, o preconceito lingustico um tema

    evitado, e at mesmo desconhecido, por muitas pessoas. Comentar sobre a

    presena do sotaque no telejornalismo seria uma tarefa difcil de ser feita por meio

    de um questionrio, por exemplo. Fez-se necessrio estar presente e fazer o tema

    aparecer como um assunto percebido pelo grupo e no como algo que pudesse

    causar desconforto para os entrevistados.

    No fim, notamos que o mtodo foi capaz de ajudar na captao, de maneira

    dialogada, das opinies sobre o tema. Pelos comentrios finais e assuntos ps GF,

    notamos que muitos dos presentes expressaram que nunca tinham parado para

    pensar no tema e que, depois da experincia, passariam a reparar mais na presena

    do sotaque no telejornalismo e at que ponto eles se incomodaram (ou no) com a

    presena dele na TV.

  • 20

    4. A regionalizao do telejornalismo

    Nas ltimas seis dcadas, a televiso conquistou o Brasil: 95,1% dos lares

    brasileiros possuem, pelo menos, um aparelho de televiso, de acordo com o Censo

    2010 do IBGE. Essa tecnologia, como afirmam Bistane e Bacellar (2008, p. 9) a

    principal fonte de informao e diverso de uma parte significativa dos brasileiros.

    Alm de informar, a tecnologia pode ir mais alm:

    [] a televiso, um definidor de culturas lingusticas, responsvelpela disseminao no s de entretenimento, informao e notcia,mas dotado de prticas discursivas que interferem de uma formaabrangente o povo brasileiro (BATISTA; FIGUEIREDO, 2009, p. 2)

    Os jornais impressos no Brasil, nas grandes capitais, reduziram as tiragens

    dirias e um dos fenmenos que explicam essa realidade foi o incremento do

    telejornalismo (TEODORO, 1980). Para ele, migraram os que no tinham dinheiro

    para comprar diariamente o impresso, parte dos que faziam isso de maneira rotineira

    e a parcela analfabeta da poca. Ao trocar palavras por imagens, o telespectador

    adotou a televiso como guia para se informar sobre o que acontece no pas e no

    mundo, e o telejornal ganhou o seu destaque. Como defende Camila Guimares

    (2006, p. 6, grifo nosso): o telejornalismo exerce um importante papel na televiso

    com sua funo social: a de formar uma opinio pblica, prestar servio comunidade e permitir um amplo acesso informao.

    Para entender como chegamos tendncia de regionalizar o telejornalismo

    necessrio voltar aos anos 1970, dcada marcada pelo conceito de integrao

    nacional. Em pleno Regime Militar, o Brasil dos anos 1970 foi marcado pela

    represso e por grande censura imprensa. A poltica dos militares era expandir e

    unificar o territrio brasileiro, com o intuito de notabilizar o patriotismo. Maria Rita

    Kehl (1980, p. 24) defende que 'integrar a nao pode significar, em termos

    polticos, afinar o coro dos descontentes de acordo com o tom ditado pela minoria

    satisfeita.

    Nesse contexto entrava no ar, no dia 1 de setembro de 1969, a mais nova

    produo da TV Globo: o Jornal Nacional. Pensando na integrao regional via

    televiso, o jornal estabeleceu como objetivo, desde o incio, reproduzir diariamente

    o que acontecia de mais importante no Brasil e no mundo durante o dia. Nas

  • 21

    palavras de Cid Moreira (apud ZAHAR, 2005, p. 25), ao encerrar o primeiro

    programa, o Brasil ao vivo a na sua casa.

    A partir da, a programao ficou sob controle do eixo Rio de Janeiro/So

    Paulo. Alm de unir o Brasil em uma s estrutura de transmisso, essa integrao

    nacional tambm uniformizou linguagens e reduziu o tempo destinado para a

    programao regional (KEHL, 1980, p. 8-13). A TV Globo aparentava adotar uma

    viso de que, para produzir um jornal para todo o Brasil, era necessrio padronizar

    um estilo para ser seguido pelos reprteres de todos os estados afiliados.

    O telejornalismo da TV Globo estabeleceu padres, ao criar um manual

    prprio de como fazer o jornal. Parmetros que no s ditam normas estticas como

    tambm criam uma forma nica de transmitir a notcia (CARVALHO, 1980, p.34).

    Esse prottipo ganhou nome: Padro Globo de Qualidade.

    A Globo ento se sobressai pelo seu produto mais moderno: o'padro Globo de qualidade'. este um poderoso instrumentoutilizado pela emissora para neutralizar a sua linguagem e o que adestaca, entre outras coisas, das demais emissoras, quanto formade veicular o discurso dominante (RIBEIRO; BOTELHO, 1980, p. 79).

    Sobre o assunto, Ribeiro e Botelho (1980, p. 96-97) publicam a opinio de

    Homero Snchez, diretor do departamento de Anlise e Pesquisa da TV Globo em

    1971: ainda Homero Sanchez que afirma que a Globo no tem inteno de

    homogeneizar, mas sim de encontrar uma linguagem comum. Essa unificao no

    objetivava ser simples para atender o pblico-alvo. Freire Filho (2004, p. 101)

    argumenta que o padro global de qualidade consubstanciava o intento declarado

    da emissora do Jardim Botnico de ser popular sem ser popularesca.

    Como explica Silva (2002), essa exigncia para estabelecer a qualidade do

    telejornalismo acaba sendo um dos obstculos para a ampliao da produo local

    na programao das emissoras. Existe, por exemplo, a batalha enfrentada pelas

    prprias afiliadas da Rede Globo para atender ao padro de qualidade do

    telejornalismo. Essas, para entrar no ar, por volta de trs vezes ao dia, j obedecem

    a tantas regras que, se o horrio destinado programao local aumentasse,

    cresceria tambm a lista de exigncias e de gastos para cobrir. Sem contar que

    mais fcil monitorar se as normas esto sendo seguidas quando no extenso o

    tempo de programao local.

  • 22

    As regras tambm atingiram outras realidades: na busca por audincia,

    diversas emissoras brasileiras precisaram seguir o padro aplicado pela TV Globo.

    Era perigoso inovar e ir contra ao modelo global, que j conquistava grande parte do

    pblico brasileiro. Canais como Cultura, Bandeirantes e Tupi tentaram reproduzir o

    novo tipo de noticirio, mas a carncia de recursos tecnolgicos como a falta de

    cmeras modernas e grandes estdios foi um dos fatores que fizeram a tentativa

    fracassar:

    As demais emissoras, na nsia de reconquistar um pblico quemaciamente transferiu sua preferncia para a programao global,cairiam fatalmente na cpia. E, como nenhuma delas jamaisconseguiu dispor de condies tcnicas capazes de levar ao ar oshow telejornalstico iluminado pelo brilho de paets e nacarados, acpia era invariavelmente ruim, mal-acabada e pobre (CARVALHO,1980, p. 39).

    Na pretenso de ser gigante, uma das consequncias da integrao do

    pblico foi a inexistncia de uma produo local e, quando ainda existe,

    insignificante (RIBEIRO; BOTELHO, 1980, p. 97), contrariando a Constituio

    Federal de 1988 que, no art. n 22, inciso III, prev a regionalizao da produo

    cultural, artstica e jornalstica, conforme percentuais estabelecidos em lei. Desde

    2002, tramita no Senado o projeto de lei 7.075/02, de autoria do senador Antero

    Paes (PSDB/MT), que determina que as emissoras nacionais de rdio e TV devem

    produzir, no mnimo, 30% de programao regional. No caso da televiso, o horrio

    entre 18h e 22h seria destinado veiculao da cultura local.

    Existe a exigncia da regionalizao, mas falta a definio do conceito dentro

    da legislao brasileira de radiodifuso. No meio acadmico, ainda so novas as

    pesquisas e explicaes para o termo. Silva (2002) define o fenmeno de

    regionalizao da programao como a volta valorizao da produo local e da

    cultura popular. Por outro lado, as emissoras interpretam que regionalizar a

    programao fazer menos que isso:

    [] Os programadores entendem produo regional como sendoaquela programao produzida e gerada por uma emissora afiliadadentro da grade nacional dirigida a um pblico especfico em horrionobre (MATTOS, 2012, p. 21).

    Com esse entendimento, para regionalizar a programao de maneira tmida,

    a Rede Globo criou telejornais locais em horrios estabelecidos antes dos jornais de

  • 23

    exibio nacional: o Bom Dia Brasil, o Jornal Hoje e o Jornal Nacional. Como diz

    William Bonner, editor e ncora do Jornal Nacional, ao explicar como funciona esse

    revesamento de transmisso local e nacional:

    O telespectador pode acompanhar de perto, pelo jornalismocomunitrio, os problemas que afetam sua cidade e seu estado. Achamada 'grade de programao' da Rede reserva faixas de horriopara as produes locais (BONNER, 2009, p. 33).

    A Globo Braslia, por exemplo, criou o DFTV, que foi ao ar pela primeira vez

    no dia 03 de janeiro de 1983, s 19h45. O telejornal local chegou a ter, em 1983,

    trs edies. A 3 edio do DFTV, com o resumo dos acontecimentos do dia, era

    transmitida s 23h40, mas saiu do ar em 1989 (GUIMARES, 2006, p.23).

    Hoje, a emissora apresenta duas edies do DFTV, de segunda a sbado, a

    primeira por volta de 12h05 e a segunda ainda s 19h45. Alm disso, a emissora

    tambm exibe, de segunda a sexta-feira, o Bom dia DF. O tempo de durao dos

    jornais varia, computando-se a publicidade: o DFTV 2 com 15 min, o DFTV 1 com

    30 min e o Bom Dia DF com 1 hora.

    Esses jornais locais cativaram os telespectadores, por exemplo, pela escolha

    de acontecimentos das cidades do DF para virarem pautas dirias. Temas desde a

    falta de transporte coletivo at os buracos das vias de Ceilndia, uma das regies

    administrativas do DF, aproximaram a emissora do pblico brasiliense. Os telejornais

    adquiriram outra funo: o papel assistencialista. Em suma, Gomes (2006) explica

    que o fato de o cidado procurar as redaes dos jornais locais para expor

    problemas da cidade uma ao que revela a necessidade dos moradores de

    serem representados:

    O receptor se conecta com a cidade atravs do telejornal; partilha,assiste pela tela da televiso cidados como ele vivendo problemassemelhantes ao dele. O telejornal local um mediador entre oreceptor e a cidade, influencia o sentimento de pertencimento docidado em seu espao pblico (GOMES, 2006, p. 6).

    No caso dos jornais locais da Rede Globo no Distrito Federal, essa

    representao parece moderada e garantida pelas pautas e no por caractersticas

    culturais da capital. Se temos o reprter narrando um acidente na Esplanada dos

    Ministrios, este no usa, no retrato da fala, expresses locais e muito menos o

    sotaque da cidade. Assim, percebemos que a padronizao do telejornalismo

  • 24

    nacional, estabelecida por conceitos como o Padro Globo de Qualidade, tambm

    atingiu a produo local.

    Quando esse modelo de como fazer o jornal encontra a produo regional,

    vrios conceitos entram em conflito. No caso do jeito de falar na televiso, aparece a

    falta de identidade lingustica no jornal mesmo quando ele produzido para um

    determinado pblico. Essa carncia faz com que os grandes meios de comunicao

    no Brasil tornem-se os maiores difusores do preconceito lingustico (BAGNO, 2013).

    Ao ver o reprter na televiso, o telespectador entende que o falar bem e com

    clareza exige a excluso do sotaque, mesmo que a pessoa que assista ao jornal

    possua as mesmas caractersticas culturais na fala que o jornalista.

    O reprter fonte de referncia para quem assiste ao jornal. Em outras

    palavras, ao obedecer a um padro, ele tambm perpetua essa doutrina, difundindo

    uma imagem do jeito certo de falar no ar. O jornalista de TV tambm possui

    responsabilidades profissionais, zeladas pelo Cdigo de tica dos Jornalistas

    Brasileiros. O mesmo estabelece no Captulo III, art. 12, inciso VIII, que o jornalista

    deve preservar a lngua e a cultura do Brasil, respeitando a diversidade e as

    identidades culturais.

    Para preservar a lngua, o reprter deveria defender e at mesmo garantir

    que as diferentes formas de falar estivessem presentes em um jornal local. Excluir o

    sotaque por completo para atender ao molde de qualidade, alm de contrariar o

    Cdigo de tica, um desafio dirio para esse profissional. Medeiros (2006) explica

    que eles passam a confrontar todos os dias a existncia de duas referncias: a

    identidade regional e a identidade profissional. O jornalista assume um jeito diferente

    de falar na televiso para produzir uma reportagem sem rudos, sem considerar

    que a apario do sotaque pode ser, por exemplo, uma forma de aproxim-lo do

    telespectador:

    O reprter no se deu conta, ainda, que, ao narrar uma histria, osotaque pode ser um recurso a mais, como os grandes romancistasfazem na escrita, mantendo expresses regionais (MEDEIROS,2006, p. 71).

    A excluso do sotaque no telejornalismo vem acompanhado de uma srie de

    exigncias de um padro que, nos anos 1970, tinha outra fora, outra razo para

    existir. A presena do regional na televiso brasileira est muito diferente do que h

  • 25

    50 anos, mas, mesmo assim, ainda se faz necessrio excluir os vestgios de um

    antigo padro de qualidade.

    Aplicar o que se prev em lei talvez no seja uma forma de garantir o

    multiculturalismo na televiso, mas pode ser o comeo e uma das formas de diminuir

    o preconceito lingustico que a televiso brasileira vem, desde o seu incio,

    alimentando diariamente com jornais locais sem identidade prpria.

  • 26

    5. O sotaque e o preconceito lingustico

    Para entender o porqu da existncia do sotaque e as consequncias de

    discrimin-lo do telejornalismo importante citar e explicar, atravs da lingustica, a

    origem de conceitos bsicos da lngua falada. Faz-se necessrio tambm lembrar

    que a lingustica uma entre as muitas reas que estudam a linguagem, mas, para

    a elaborao do trabalho, escolhemos usar as teorias desse campo.

    Muitos estudiosos buscaram definir a diferena entre linguagem e lngua e,

    como resultado, acabaram por definir tambm a apario de outro elemento: a fala.

    Saussure (1972) defendia que a linguagem era complexa e abrangia vrios

    domnios. Uma manifestao dela seria a lngua, a parte social da linguagem

    formada pelo conjunto de signos:

    O signo a unio de um conceito com uma imagem acstica, queno o som material, fsico, mas a impresso psquica dos sons,perceptvel quando pensamos numa palavra, mas no a falamos. []Ao conceito Saussure chama significado e imagem acstica,significante. [] O significado no a realidade que ele designa,mas a sua representao. [] o significante o veculo dosignificado, que o que se entende quando se usa o signo, suaparte sensvel (FIORIN, 2010, p. 58).

    Do encontro desses dois termos aparece a fala. Essa seria o resultado da

    combinao dos cdigos lingusticos feita pelos falantes. Petter (2010, p. 14) diz que

    a lngua condio para se produzir a fala, mas no h lngua sem o exerccio da

    fala.

    A lingustica est voltada para a linguagem em geral, enquanto o movimento

    que vai estudar a lngua em seu uso cotidiano a sociolingustica. Norteado pelo

    linguista William Labov, surgiu nos Estados Unidos na dcada de 1960 e se

    preocupa em analisar o lado social da linguagem, das diferenas entre falantes das

    comunidades e at mesmo as caractersticas de fala de pequenos grupos sociais.

    tambm denominada como a teoria da variao:

    A sociolingustica parte do princpio de que a variao e a mudanaso inerentes s lnguas e que, por isso, devem sempre ser levadasem conta na anlise lingustica. O sociolinguista se interessa portodas as manifestaes verbais nas diferentes variedades de umalngua (CEZARIO; VOTRE, 2010, p. 141).

  • 27

    Analisa-se a variao entre formas diferentes na lngua, sem a alterao do

    significado bsico. Por exemplo, a variao da fala no uso dos pronomes pessoais

    na primeira pessoa do plural a gente e ns. Cezario e Votre (2010) explicam que

    existem trs tipos bsicos de variao lingustica: a variao regional, a variao

    social e a variao de registro. A primeira est associada aos diferentes estados

    brasileiros e at mesmo a varivel geogrfica entre os pases e a segunda variante

    est relacionada as diferenas entre os grupos socioeconmicos. Por fim, a ltima

    diz respeito aos meios de comunicao e a formalidade exigida para o seu uso,

    como a produo de um jornal ou de um e-mail.

    Ilari e Basso (2012) incluem mais um tipo de variao existente e, assim,

    passamos a ter quatro formas: a variao diacrnica, a diatpica, a diastrtica e a

    diamsica. Comparando com Cezario e Votre (2012), a variao regional seria a

    diatpica, a variao social seria a diastrtica e a diamsica se compara variao

    de registro. A disparidade seria a variao diacrnica, que acontece na passagem do

    tempo. Percebe-se a sua existncia comparando diferentes geraes e

    caractersticas de suas falas, como o uso de grias de diferentes perodos.

    Em sntese, a variao ocorre por conta do favorecimento do ambiente

    lingustico. Por exemplo, Ilari e Basso (2012) alegam que os traos regionais

    costumam aparecer mais ntidos em falas informais. Esse tipo de situao favorece

    o aparecimento do sotaque porque o indivduo, dentro da comunidade, procura

    firmar grupos no qual possa partilhar traos comuns. Conforme Cezario e Votre

    (2010, p. 150), para ocorrer uma mudana lingustica, no entanto, necessria a

    interferncia de fatores sociais, refletindo as lutas pelo poder, o prestgio entre

    classes, sexos e geraes. A busca por essa categorizao pode evoluir para o

    enquadramento por faixa etria, escolaridade, profisso e at mesmo por sexo. Em

    ntidas separaes de classes, podemos perceber semelhanas, e diferenas, no

    modo de falar uma lngua.

    Um exemplo o sotaque, que aparece dentro da variao diatpica ou

    regional. Romaine (2000) diz que o sotaque uma das formas de pronunciar uma

    variante. Para facilitar a definio do termo, muitos estudiosos diferenciam sotaque

    de dialeto. O sotaque est ligado, exclusivamente, variedade de pronncia e o

    dialeto tambm conta com a diferena de gramticas e de vocabulrios.

  • 28

    J Bonora (2004, p. 82) resume o sotaque como [] o estilo caracterstico de

    falar ou pronunciar slabas, palavras ou frases. Coupland (2007, p. 5) expande a

    definio alegando que os falantes no so plenamente estveis em como usam os

    recursos do sotaque ou dialeto. A fala muitas vezes, por exemplo, apresentam uma

    mistura das formas 'padro' e 'no padro' no mesmo discurso1.

    Um dos fatores que provocam a existncia e a sustentao do sotaque a

    convivncia em grupo:

    [] a fala do carioca da maneira que porque a comunicao, nosentido de contato lingustico, entre os membros da comunidade defala carioca muito mais intensa do que sua comunicao commembros de outras comunidades. As chances cotidianas de umcarioca falar com outro carioca so muito maiores do que suasoportunidades de falar com um paulistano ou com um gacho. Dessemodo, ao mesmo tempo que a comunicao intensa entre membrosde uma comunidade leva manuteno de suas caractersticaslingusticas, a falta de contato lingustico entre comunidades favoreceo desenvolvimento de diferenas lingusticas (BELINE, 2002, p. 129).

    No caso dessa pesquisa, levamos em conta o sotaque do Distrito Federal.

    Sabemos que ainda comum, entre os moradores da capital federal, surgir a

    afirmao de que brasiliense no possui sotaque. Essa alegao contestada no

    s por estudiosos, mas tambm por outros brasileiros, que detectam a existncia de

    uma forma de falar de Braslia.

    importante citar um detalhe essencial da histria, a questo da criao da

    cidade. Em meados de 1956, no incio da construo da nova capital, muitos

    migrantes vieram para ajudar a erguer a estrutura da cidade e, assim como saram

    de diversas regies brasileiras, tambm trouxeram uma vastido de sotaques.

    Dessa mistura, podemos notar o aparecimento de vrios fenmenos

    lingusticos. Entre os migrantes, a mudana no sistema fonolgico na convivncia

    multidialetal e, nos nascidos no DF, aparece o uso de padres lingusticos diferentes

    dos paternos (BARBOSA, 2002). Essa alterao, ou at mesmo a excluso de

    caractersticas da forma de falar de outros locais do Brasil, um dos fatores que

    construiram um jeito de falar brasiliense. Em outras palavras, em vez de misturar as

    influncias regionais, nota-se que a forma de falar local surge da rejeio.

    1 COUPLAND, traduo livre da autora. Speakers are not fully consistent in how they use accent ordialect features. Their speech will often, for example, show a mixture of 'standard' and 'non-standard'forms of the same speech feature.

  • 29

    Um dos primeiros estudos sobre o falar do DF foi o de Hanna (1986), que

    defendia que o jeito de falar dos brasilienses de classe mdia do Plano Piloto

    aparentava ausncia de sotaque e que parecia com o jeito neutro de falar dos

    telejornalistas. J Barbosa (2002) questionou se esse sotaque neutro no seria uma

    forma de a classe mdia, ao juntar vrios sotaques, criar um padro destacado e

    limpo de falar:

    O que vemos acontecer em Braslia, talvez por verificarmos ali umfenmeno claro de mudana em processo, a exarcebao de umvalor negativo atribudo a sotaque no processo de afirmao de umafala prpria aos brasilienses. Isso foi verificado junto a indivduos declasse mdia. Fica aberta e premente a investigao de mesmanatureza com indivduos de classes baixas, menos escolarizados,menos identificados com a ideologia da moderna capital (BARBOSA,2002, p. 73-74).

    Podemos inferir dos estudos feitos pelas autoras que o jeito de falar de

    Braslia neutro para manter o discurso de que brasiliense no possui sotaque.

    Talvez esse seja um dos fenmenos lingusticos que acontecem quando algumas

    pessoas definem o sotaque como uma imperfeio e o tratam como um

    enfraquecimento da lngua. Infelizmente, no momento em que o sotaque passa a

    ser tratado como anormal que o problema aparece. Nesse processo, comum

    misturar as caractersticas da variao diatpica (regional) e diastrtica (social). Isso

    acontece porque, alm da extenso territorial do Brasil ser enorme, ainda possvel

    observar, em muitas regies, as camadas urbanas e rurais, muitas vezes

    censuradas por classes sociais opostas. Bagno (2013) nomeia essa oposio de

    abismo lingustico. A televiso pode, de certa forma, ajudar a alimentar a variao

    diastrtica. Da Vi (1977, p. 17) lembra que os meios de comunicao atingem os

    grupos sociais, quebram sua estrutura e contribuem formao de um novo

    conceito de classe, resultando em busca natural e inconsciente de ascenso social.

    O falso julgamento da falha na lngua pode ganhar foras. Essas diferenas

    de classes sociais e de territrio, quando incorporam as normas gramaticais, em

    outras palavras o jeito certo de se falar, fazem aparecer uma outra forma de

    intolerncia variao: quando a norma padro da lngua encontra suas variantes

    que aparece o preconceito lingustico:

    [] independentemente de quem somos, normal quemantenhamos algum tipo de interao com pessoas de outrasclasses sociais, de outra idade, de outro sexo, assim como normal

  • 30

    para qualquer um de ns produzir textos escritos e falados queutilizam formatos diferentes. Nessas vrias formas de interao, alngua que utilizamos muda, em alguma medida, para adaptar-se aointerlocutor e ao contexto ou situao. Portanto, variao existe, quergostemos disso, quer no. Mas h muita gente para quem esse fato um problema: essas pessoas se sensibilizam com a variaodiastrtica e tendem a achar que falar uma variedade diferente davariedade padro um problema srio para a sociedade e paraquem o faz, talvez um vcio, talvez um crime, talvez umamanifestao de inferioridade (ILARI; BASSO, 2012, p. 195).

    Em nenhum momento, a lngua deve ser usada para provocar a excluso

    social. Consequentemente, o jornalismo tambm deve cuidar para no fazer

    germinar, mesmo que sem querer, essa excluso. Bagno (2013) alega que,

    atualmente, a mdia brasileira uma das maiores divulgadoras e perpetuadoras do

    preconceito lingustico. Exemplo disso so as novelas que, mesmo com tanta

    riqueza na produo, acabam retratando regies do Brasil de forma caricaturesca.

    Levando essa realidade para o jornalismo de TV produzido no Brasil,

    encontramos telejornais sem expresso regional e padronizados. A excluso do

    sotaque, por exemplo, to evidente que, ao assistirmos ao jornal, notamos a

    diferena entre o reprter e os entrevistados que possuem caractersticas da fala de

    outras regies brasileiras. Alm disso, tambm vemos que os telejornais regionais,

    que existem na ideologia de representar uma cidade, no possuem, ou talvez no

    possam ter, ao menos o falar prprio do local representado.

    No prximo captulo, discutiremos quais so os efeitos dessa padronizao

    na forma de falar no telejornalismo.

  • 31

    6. O falar do telejornalismo

    Bistane e Bacellar (2008) aprovam um falar coloquial, direto e com frases

    curtas para o reprter de TV. Destacam, tambm, a importncia de empregar o falar

    do dia a dia, da mesma forma que conversamos com o zelador do prdio, por

    exemplo. Maciel (1995) sustenta o mesmo pensamento e o completa citando a

    importncia do uso da linguagem conversada:

    Estudiosos da linguagem de televiso e profissionais maisexperientes costumam dizer que, diante do telespectador, temos denos comportar como se estivssemos contando as notcias do diapara um parente ou amigo, sentado no sof da sala de visitas(MACIEL, 1995, p. 31).

    Bonner (2009, p. 223) tambm transmite a relevncia de falar de maneira

    clara e com sentido para quem est assistindo ao jornal. O pblico alvo, o que o

    Jornal Nacional busca atingir, ganha, nas palavras do autor, o perfil semelhante ao

    personagem Homer Simpson: Um chefe de famlia trabalhador, protetor, classe

    mdia, nvel intermedirio de instruo, cansado, ao fim do dia.

    Em sntese, a maioria dos estudiosos e professores da rea concordam em

    que o falar no telejornalismo deve ser, em uma palavra, simples. Se o objetivo

    atingir qualquer tipo de telespectador, do analfabeto ao graduado, importante

    manter uma linguagem que conquiste o coletivo. Pensando assim, comum usar a

    expresso a lngua que falamos.

    O jeito com que falamos diariamente no envolve o uso das normas

    gramaticais por completo. Na verdade, vemos com frequncia regras da norma-

    padro sumirem das nossas conversas ao longo do dia. Exemplo seriam os

    pronomes oblquos de 3 pessoa o, as, os, as que entram na velha questo do

    eu a vi na loja, como diz a regra, e o eu vi ela, que, por mais que retrucado por

    alguns (viela uma rua pequena), falado rotineiramente pelos brasileiros.

    Para o desenvolvimento deste trabalho, importante lembrar que no

    entraremos na discusso do uso de termos gramaticais no ar, como se certo o uso

    de expresses populares como o a gente no lugar de ns. Esse debate no nos

    importa. O que levaremos em questo o emprego do sotaque no telejornalismo.

    Assim sendo, chegamos num contrassenso: mesmo que o jornal seja produzido para

  • 32

    que at os no letrados possam entender de que se trata, o uso do sotaque no

    bem-vindo na televiso, por questes de padro de qualidade.

    Dessa forma, se os jornais repensassem a sugesto de criar uma identidade

    prpria para si, acreditamos que assistiramos a telejornais com a presena de

    reprteres e apresentadores com sotaque. Afinal, o objetivo de qualquer reprter ,

    ao construir uma reportagem, se aproximar do telespectador o mximo possvel,

    para que ele entenda o que est sendo retratado na televiso. Nessa viso, o uso do

    falar local poderia ser uma das ferramentas que destacariam o olhar do jornalista

    sobre o assunto coberto.

    Nota-se que o sotaque no est to ausente da televiso brasileira como j

    esteve no passado. Mesmo que em poucos jornais, mais fcil achar um reprter no

    Jornal Nacional com sotaque hoje do que nos anos 1970, por exemplo. Se essa

    variao ganhou espao na TV, isso aconteceu por persistncia dos falantes.

    Medeiros (2006) lembra que muitos reprteres relatam que, em outros

    tempos, sofreram algum tipo de rejeio ou preconceito por conta do sotaque. A fala

    carregada de expresso de uma regio do Brasil, que no fosse de a So Paulo ou

    a do Rio de Janeiro, acabava sendo um problema. E a qualidade da matria

    chegava, muitas vezes, a nem ser avaliada por conta disso. Para a autora, por um

    lado, essas ocorrncias serviram para mudar o que vemos atualmente. So esses

    jornalistas que hoje selecionam quem trabalhar no jornal televisivo. Pela bagagem

    histrica, pelo que enfrentaram para entrar na profisso, esses so mais flexveis e

    ajudaram a diminuir a imagem de que um tipo de fala especfico, sem sotaque,

    fundamental.

    Contudo, o sotaque parece ainda ser indesejado nos telejornais, mas as

    palavras usada por autores brasileiros para defender a banalizao da variao so

    outras. Bistane e Bacellar (2008, p.102, grifo nosso), em um captulo nomeado de

    TEM CONSERTO, alegam que bons reprteres de televiso tiveram problemas

    com a voz ou com o sotaque muito acentuado. E conseguiram melhoraconsidervel. Bonora (2004, p. 82, grifo nosso) diz que o sotaque no pode ser um

    rudo na comunicao, chamando mais ateno que a notcia. Maria (2004, p.02,grifo nosso) alega que [] o sotaque muito forte no funciona em televiso.

  • 33

    Desses trechos podemos entender, de forma geral, que o sotaque no

    consegue atender a qualidade exigida pelo telejornalismo. Se o falante melhorou,

    significa que antes ele apresentava uma disfuno, um distrbio na fala. Dentro

    dessa viso, o sotaque ainda um obstculo e que, para ir ao ar nos telejornais

    brasileiros, precisa ser moldado.

    Da tentativa de diminuir a incidncia de jornalistas com sotaque na televiso,

    nasceu a ideia de suaviz-lo:

    No perodo de implantao do telejornalismo, havia mais de umdesafio: era a primeira experincia da tev em rede nacional. Assim,tnhamos reprteres de vrias regies do pas. Nosso objetivo era terdiversidade no ar. E, claro, queramos ter os diversos sotaques. []Com orientao da Glorinha, partimos para manter os sotaques como cuidado de suaviz-lo (MARIA, 2004, p. 02).

    Porm, Bonora (2004) diz que a Rede Globo, por um tempo, adotou uma

    postura mais voltada neutralizao da variao, por exemplo, o trabalho feito pela

    assessoria de fonoaudiologia da emissora em Recife, no ano de 1994. Sobre as

    definies de suavizao e neutralizao, a autora aponta que:

    Com a suavizao, os excessos do regionalismo seriam retirados, ecom a neutralizao eles seriam modificados para um padro semidentificao regional, o que acarretaria uma perda de identidadevocal do profissional (BONORA, 2004, p. 83).

    Maria da Glria Cavalcanti Beuttenmller, conhecida como Glorinha, uma

    fonoaudiloga carioca que, ao ser convidada por Alice-Maria e Armando Nogueira

    para trabalhar na TV Globo em 1974, ajudou a construir um jeito de falar para a

    televiso brasileira (MEDEIROS, 2006). interessante ressaltar que esse jeito de

    falar, elaborado puramente para a TV, muitas vezes chamado de neutro. Nas

    palavras de Mendes (2006, p. 13) sobre a linguagem dos jornalistas: Falam com um

    sotaque que no remete a lugar algum especificamente e aparentam propor, assim,

    certa neutralidade e maior compreensibilidade da notcia.

    Em entrevista concedida para Medeiros (2006), Glorinha diz que a televiso

    brasileira possui um jeito de falar prprio, conquistado atravs da suavizao dos

    sotaques do Brasil: Eu insisto muito em suavizar as pronncias porque esse pas

    to grande tem que ter uma certa uniformidade [] (apud MEDEIROS, 2006, p. 27).

    Apesar de a fonoaudiloga defender que o sotaque era suavizado, a histria

    prova o contrrio. Em 1956, em um congresso de filologia em Salvador, ficou

  • 34

    estabelecido que "[] a pronncia padro do portugus falado no Brasil seria a do

    Rio de Janeiro, com algumas restries. Os 'esses', no poderiam ser muito

    sibilantes e os 'erres' no poderiam ser muito arranhados, guturais" (RIBEIRO, 2004,

    p. 123). Ou seja, a suavizao do falar da TV Globo no envolvia somente a

    conteno do sotaque, mas tambm mold-lo para atender ao eixo RJ/SP.

    Por conta desse determinado acontecimento, percebemos a presena do

    preconceito lingustico j na construo do falar da TV brasileira. Ao definir que o

    sotaque carioca seria o modelo adotado pela emissora, estabeleciam ali no s uma

    referncia, mas tambm esculpiam um jeito certo e, principalmente, bonito de

    como falar no ar. Ento, o falar nordestino e o erre caipira do interior de So Paulo,

    por exemplo, ganhavam o semblante indigesto e, em alguns momentos, engraado,

    um tom caricato. Quando estabeleceram essa regra, vivamos tempos de

    nacionalizao do jornal, como mostrado no primeiro captulo do trabalho, e, ao

    trazermos esse acontecimento para os dias atuais, defendemos que manter essa

    viso alimentar, cada vez mais, o preconceito lingustico que a televiso brasileira

    sustenta, mesmo que sem querer.

    Indo mais alm, ao conduzir essa realidade para os tempos de regionalismo,

    nos deparamos com um universo inseguro, assim como o da regionalizao da TV

    no Brasil. Se ainda no conseguimos conceituar o que , torna-se difcil tambm

    analisar quais foram as vantagens (e desvantagens) desse acontecimento na

    questo do falar do telejornalismo. Alguns autores arriscam:

    Tambm contribuiu para a suavizao o fato de que no final dos anos90, a programao oferecida pela televiso foi regionalizada, comprogramas locais, com o intercmbio e migrao de reprteres devrias regies do Brasil. Os telejornais locais e de rede ganharamum sotaque mais rico e variado. Os reprteres tinham ento desuavizar o sotaque, sem perder a identidade regional e sem gerar umrudo na comunicao (BONORA, 2004, p. 86, grifo nosso).

    Os telejornais locais, no fim, ganharam algo: um jeito de falar copiado do

    modelo nacional. Dizer que adquiriram mais sotaques e ainda mais variados uma

    iluso que serve para explicar o motivo que faz com que o jornal local ainda no

    tenha uma identidade prpria. No Distrito Federal talvez no fique to claro os

    efeitos dessa pasteurizao, j que os poucos reprteres da Rede Globo Braslia

    que possuem sotaque suavizado de outras regies, junto com os que apresentam o

  • 35

    falar neutro do brasiliense, no so capazes de deixar o jornal com um falar

    desigual, contribuindo para a uniformizao da fala.

    Em outras palavras, o pblico brasiliense parece estar acostumado com a

    ausncia do sotaque e, por isso, dar-se conta da presena da variao da fala entre

    os jornalistas e os poucos entrevistados que a possuem. Essa inconstncia aparece

    com mais destaque em regies do Nordeste, por exemplo. Nos jornais locais, como

    o JPB 1 edio, que seria semelhante ao DFTV 1 edio, os jornalistas empregam

    a fala neutralizada, o que torna evidente o sotaque dos entrevistados.

    Eessa padronizao do falar na televiso pode ser percebida no estudo de

    Evangelista e Almeida (2014) feito com 10 jornalistas sobre o sotaque e regionalismo

    no telejornalismo da Paraba:

    Para 100% dos entrevistados, o sotaque deve ser suavizado no quediz respeito ao telejornalismo. Ou seja, na contramo dos quecriticam a personalizao do sotaque na TV, os prpriosprofissionais do meio acreditam que este padro da fala benficopara a formao da notcia, e conseqentemente, para oentendimento do pblico (EVANGELISTA; ALMEIDA, 2014, p. 09).

    Essa sequela do padro chega a ser anormal quando lembramos que muitos

    jornalistas lutaram contra esse novo jeito de falar do telejornalismo brasileiro.

    Bonora (2004) relata que muitos contestaram por acreditar que era uma atitude

    capaz de faz-los perder sua identidade com a comunidade e tambm ali estava um

    motivo que, no fim, atrapalharia a credibilidade das reportagens.

    Falta aos jornalistas e s emissoras entenderem que possvel ser

    compreendido mesmo quando se fala com sotaque. Na novela, por exemplo,

    entendemos o texto de qualquer personagem, mesmo quando ele apresenta um jeito

    de falar de uma regio diferente da nossa.

    Essa mesma realidade pode ser observada no telejornalismo. Medeiros

    (2006) sintetiza esse pensamento explicando que a fala clara que garantir o

    entendimento da reportagem e no o uso de um jeito de falar no ar. Para ela, o

    texto que precisa ser simples e carregado de criatividade para, no fim, conquistar o

    telespectador.

    O reprter privilegia a comunicao, lembrando que, no caso da televiso, ela

    construda no s com o seu falar, mas tambm com imagens. E a fica claro que

  • 36

    talvez coloquemos o peso da falta de clareza no jeito de falar, quando no jornal de

    TV, existem muitos outros fatores que atrapalham a compreensibilidade.

    Colaborar com essa ideia , cada vez mais, contribuir para que o sotaque

    possa ajudar a construir uma identidade cultural nova para os jornais. Sobre a

    imagem que ele possui atualmente, Batista e Figueiredo (2009) dizem que o

    telejornalismo atual no consegue representar totalmente os locais brasileiros, em

    mbito nacional, por conta da excluso da variante at mesmo em regies com

    sotaque.

    No prximo captulo, agruparemos os pontos levantados at agora para

    analisar, a partir de grupos focais, quais so os efeitos da criao de um jeito prprio

    de falar do telejornalismo da Rede Globo nos telespectadores do Distrito Federal.

  • 37

    7. Os grupos focais

    A seguir, mostraremos no s a descrio dos procedimentos, mas tambm

    entraremos em detalhes para, se possvel, contribuir com outros pesquisadores e

    trabalhos. Dividimos este captulo em duas partes: o memorial descritivo e a anlise

    de dados. Primeiro, contaremos como foi a experincia e, em seguida, revelaremos

    os dados das dinmicas e dos questionrios.

    7.1. Memorial descritivo

    Ao decidirmos pela metodologia do grupo focal, estabelecemos com cerca de

    um ms de antecedncia as datas e os horrios para a realizao dos encontros.

    Um dos primeiros desafios foi localizar uma sala em Braslia com fcil acesso para

    mais de um meio de transporte e por um preo atrativo. Devido ao alto valor do

    aluguel de espaos na capital federal, optamos pelo uso de salas do Instituto de

    Educao Superior de Braslia (IESB), cedidas pela coordenao.

    Aps resolvido o local, estabelecemos que o primeiro GF seria no dia 19 de

    setembro (sexta-feira) e o outro no dia seguinte, dia 20/09 (sbado). Notamos que,

    devido ao pouco tempo, a prtica no ms de setembro nos deixava com um perodo

    suficiente para a captao e anlise dos resultados. Dentro do tempo disponvel

    para uso das salas, o primeiro encontro ficou marcado para as 16h e o segundo para

    as 10h.

    Depois de estabelecidos os passos iniciais para colocar em prtica os

    encontros, foi necessrio planejar os detalhes de cada grupo focal. Como o GF

    requer a dedicao at nos mnimos pontos, cada dia tornava-se mais clara a

    importncia da antecedncia da programao. importante lembrar que a ateno

    com vrios fatores, desde a disponibilidade de sala ao uso de projetor, o que faz o

    diferencial para a garantia de que, no dia, tudo ocorra como o planejado.

    Todo o empenho no deixa de ser uma das tticas para conquistar a

    espontaneidade e a participao ativa dos membros. Por mais que o GF exista num

    ambiente e razo fabricados, notamos que, ao afastar a rigidez do encontro, tambm

  • 38

    trazemos os voluntrios para o conforto do debate. por isso que, nos dias

    escolhidos, at mesmo a disposio da sala, com as cadeiras formando um

    semicrculo, j havia sido planejada para fugir do padro de uma escola ou de uma

    reunio de negcios, por exemplo.

    Outro detalhe que exemplifica essa preocupao com o bem-estar do grupo

    foi a determinao do momento para servir o lanche: no primeiro dia, as pessoas

    serviram-se aps o bate papo, j que o encontro estava marcado para 16h. J na

    segunda sesso, marcada para 10h, o lanche serviu como a abertura do encontro,

    proporcionando uma conversa inicial com os presentes.

    J no comeo dos preparativos, estabelecemos que a autora deste trabalho

    seria a moderadora dos grupos focais. A ela coube a tarefa de coordenar o evento e

    garantir, principalmente, que todos pudessem falar e compartilhar seus gostos e

    pensamentos.

    7.1.1 Os integrantes

    Os participantes, alm de ter que assistir telejornais ao menos uma vez por

    semana, tambm precisavam ser moradores do Distrito Federal. Para delimitar a

    idade dos presentes, seguimos o perfil da audincia da Rede Globo Braslia:

    Figura 1 Idade, sexo e classe social dos telespectadores da Globo Braslia

    Fonte Comercial Rede Globo2

    2 Disponvel em Acessado em 30 de out. de 2014.

  • 39

    O sexo e a classe social no foram fatores determinantes nesse primeiro

    contato com o tema. Na verdade, o diferencial seria a idade dos participantes,

    sustentado pela variao diacrnica. De incio, exclumos os menores de idade, j

    que a participao deles requereria a autorizao dos responsveis legais. Assim,

    ficamos com quatro opes de idades (18-24, 25-34, 35-49 e 50+). Devido ao pouco

    tempo, escolhemos agrup-las e trabalhar com dois grupos (18-29 e 30-50+).

    Nos dias dos GF, percebemos que a heterogeneidade do grupo no foi um

    problema e sim uma caracterstica que contribuiu para a pesquisa. Cada participante

    levantou um olhar sobre o assunto capaz de provocar o surgimento de perspectivas

    diferentes, que tornavam mais fcil o debate.

    7.1.2 O convite

    Talvez a etapa mais cansativa da realizao de um grupo focal seja esta.

    necessrio convidar o mximo de pessoas possveis para, no dia, ter o mnimo

    recomendado. Sem contar que desconfortvel a sensao de no ter certeza de

    que o GF dar certo ou no. Afinal, no adianta nada passar meses projetando a

    dimenso do evento para, no dia, no funcionar por conta do mnimo de pessoas

    para a realizao do debate.

    Com os horrios, dias, locais e o perfil do pblico esperado, comeamos a

    divulgar o grupo focal para chamar os telespectadores do DF. Disparamos, por e-

    mail, redes sociais e mensagem de celular, a seguinte mensagem:

    Figura 2 Convite usado para divulgao.

    Fonte imagem criada pela autora

  • 40

    Para no direcionar os convidados ao tema central dos grupos focais,

    definimos que no divulgaramos que o bate papo seria sobre o sotaque no

    telejornalismo. Assim, ao chamar as pessoas para o evento, tanto pelo convite digital

    e por conversa, comentvamos que era um debate sobre o jornalismo de TV.

    Inclumos o sorteio de 10 brindes, no fim de cada GF, para motivar a ida de

    mais participantes. Entre as prendas, compramos filmes, livros e kits de manicure.

    No fim, notamos que a prtica, alm de instigar a ida das pessoas tambm serviu

    para criar um clima de menos rigor possvel.

    Pela regra definida por ns, amigos e parentes da autora no poderiam

    participar do grupo focal. Alm disso, optamos por excluir a presena de jornalistas e

    linguistas nessa etapa. Cogitamos que a figura de pessoas dessas reas poderiam

    criar um ambiente de respostas certas e erradas, diferente do que era a nossa

    proposta de deixar os participantes vontade.

    Na vspera dos grupos focais, a lista de pessoas confirmadas para o evento

    j atendia ao que espervamos. No primeiro, sete pessoas avisaram que estariam

    presentes e, no segundo, mais de 20 pessoas indicaram que gostariam de participar.

    Porm, foi grande o nmero de desistncias: dos sete compareceu uma pessoa e no

    sbado, 11 pessoas.

    comum achar, em outras pesquisas acadmicas, autores narrando que o

    primeiro grupo focal no funcionou por conta da falta de participantes. No nosso

    caso, a persistncia foi o segredo. Com apenas uma pessoa na sala, no primeiro

    dia, passamos a andar pela faculdade convidando alunos para se juntar ao grupo.

    importante citar isso para que outras pessoas, quando optarem por essa

    metodologia, fiquem cientes de que, para assumir uma responsabilidade acadmica

    dessas, importante, desde o incio, estar preparado para qualquer eventualidade.

    Mesmo com todos os desafios, os grupos focais acabaram acontecendo

    dentro do dia e horrio planejados. O encontro de sexta durou cerca de 1h e 30

    minutos e, o de sbado, 1h e 50 minutos.

    7.1.3 Roteiro de perguntas

    Para a dinmica da ao, elaboramos um roteiro de questes3, uma espcie

    de guia, como prope Costa (2010) que serviu como auxlio e no como um manual3 Roteiro disponvel nos apndices I do trabalho.

  • 41

    de como deveria ser feito e conduzido o encontro. Por isso, era possvel que a

    moderadora trocasse certas questes de ordem de acordo com a necessidade de

    prolongar ou trocar o assunto.

    O ritmo de questes desse documento foi elaborado com a ideia de permitir

    que o tema sotaque no telejornalismo surgisse voluntariamente. Os tpicos que

    abriram o debate permitiam que cada participante interagisse comentando sobre

    qualquer detalhe captado e, no fim, as perguntas, mais estruturadas, j previam

    certos rumos de respostas. Costa (2010) lembra que a sequncia das perguntas

    tambm um diferencial para o andamento do grupo focal. Optamos pelo uso de

    perguntas abertas, j que possibilita a apario das contestaes e dos

    entendimentos. Se a ideia preservar o debate natural, outra vantagem desse tipo

    de pergunta o surgimento de comentrios diferentes dos que eram esperados.

    Cada sesso foi dividida em dois momentos: o de exibio e debate sobre os

    vdeos e o de preenchimento dos questionrios finais. Na primeira parte, exibimos

    reportagens e cabeas4 de jornais da Rede Globo e, em seguida, pedamos para os

    participantes fizessem comentrios sobre o vdeo assistido. Por mais que a

    moderadora incitasse um assunto, a ideia era, a todo momento, preservar o debate

    natural e espontneo. Depois, entregamos os questionrios sociodemogrficos5 e

    algumas perguntas escritas6 para as consideraes finais.

    7.1.4 Primeira etapa: os vdeos

    Decidimos que, para garantir o compartilhamento de opinies, exibiramos

    algumas reportagens antes de propor um assunto. No queramos que os membros

    presentes se sentissem pressionados a ter que comentar e sim que, da maneira

    mais espontnea possvel, eles argumentassem sobre o que fora visto no vdeo.

    Alm disso, a ideia era analisar o que o telespectador nota ao assistir aos

    jornais de TV. Trazer vdeos para introduzir o assunto era, no fim, uma forma de

    simular uma situao em que eles estivessem assistindo juntos e comentando o que

    notaram. Em outras palavras, o objetivo ao exibir o material era trazer para o grupo

    4 Texto lido pelo ncora no incio da reportagem.5 Questionrio sociodemogrfico disponvel nos apndices II do trabalho.6 Documento de perguntas escritas disponvel nos apndices III do trabalho.

  • 42

    focal o cenrio da sala de estar dos participantes, tirando do roteiro de perguntas o

    peso da seriedade e tornando o debate natural.

    Ao total, montamos uma lista com sete vdeos e um udio. Todo o material

    possua relao com o roteiro de perguntas, mesmo que, muitas vezes, o vdeo

    encaminhasse os participantes para tpicos diferentes do que espervamos. Cada

    um possua um diferente foco para o debate.

    Contamos com a participao do telespectador desde o inicio. Para chegar

    nessa lista, passamos duas semanas anotando nomes de reprteres com sotaque,

    indicados por conhecidos que assistiam aos jornais:

    Tomada 01: Composto por quatro trechos de ncoras de jornais locais da

    Rede Globo, o NETV 1 edio, o JPB 2 edio, o Bom Dia DF e o Bom Dia

    PA. Durao de 01:16''.

    Figura 3 Trechos dos ncoras da tomada 01.

    Fonte: Youtube (NETV7, JPB8, BOM DIA DF9, BOM DIA PA10)

    Tomada 02: Dois trechos de reportagens dos jornais exibidos para todo o

    Brasil, o Jornal Hoje e o Jornal Nacional. Durao de 00:41''.

    7 Disponvel em: Acessado em 30 de out. de2014.

    8 Disponvel em: Acessado em 30 de out. de2014.

    9 Disponvel em: Acessado em 30 de out. de2014.

    10 Disponvel em: Acessado em 30 de out. de2014.

  • 43

    Figura 4 Trechos dos reprteres da tomada 02.

    Fonte: Youtube (Jornal Hoje11, Jornal Nacional12)

    Tomada 03: Reportagem do JPB 1 edio sobre a Miss Paraba. Durao de

    02:41''.

    Figura 5 Apresentadora, reprter e entrevistada da reportagem da tomada 03.

    Fonte: Youtube13

    Tomada 04: Trecho de reportagem do Jornal Hoje, da coluna T de folga,

    sobre a ilha de Itamarac PE. Em seguida, dois udios gravados com um

    reprter nordestino, um com e o outro sem a neutralizao do sotaque.

    Durao de 00:44''.

    11 Disponvel em Acessado em 30 de outubro de2014.

    12 Disponvel em Acesso em 30 de out. de2014.

    13 Disponvel em Acessado em 30 de out. de2014.

  • 44

    Figura 6 Reprter nordestino para o Jornal Hoje da tomada 04.

    Fonte: Portal do Jornal Hoje14

    Tomada 05: ncoras do Jornal Hoje em trecho da chamada para o quadro

    Sotaques do Brasil. Durao de 00:16''.

    Figura 7 Chamada para a srie especial da tomada 05.

    Fonte: Portal do Jornal Hoje15

    Tomada 06: Trechos de reportagens para o Jornal Nacional e para o DFTV 1

    edio, com reprteres da Globo Braslia. Durao de 00:41''.

    Figura 8 Reprteres de outras regies do Brasil que trabalham na Globo Braslia da tomada 06.

    Fonte: Youtube16 e site do DFTV 1 edio17

    14 Disponvel em Acessado em 30 deout. de 2014.

    15 Disponvel em Acessado em 30 de out. de 2014.

    16 Disponvel em Acesso em 30 de out. de 2014.

  • 45

    Tomada 07: Trechos de reportagens do DFTV 1 edio com dois reprteres

    nascidos em Braslia e dois de outras regies. Durao de 01:10''.

    Figura 9 - Reprteres de Braslia e de outras regies nos jornais locais da capital da tomada 07.

    Fonte: Portal do DFTV 1 edio18 19 20 e Bom Dia DF21

    7.1.6 Segunda etapa: documentos finais

    Aps o debate, distribumos dois documentos para serem preenchidos pelos

    participantes. Um deles era a pesquisa sociodemogrfica, responsvel por nos

    ajudar a entender qual era a realidade dos presentes nos grupos focais. A partir dele

    pudemos, por exemplo, traar o perfil completo dos membros.

    Tambm optamos por distribuir um questionrio no final do evento. Essa

    deciso se justifica por vrios fatores, os mais importantes:

    a) no revelar pelo questionrio o tema do grupo focal, caso ele fosse

    entregue no incio do encontro;

    17 Disponvel em Acessado em 30 de out. de2014.

    18 Disponvel em Acesso em 30 de out. de2014.

    19 Disponvel em Acesso em 30 de out. de 2014.

    20 Disponvel em Acesso em 30 de out. de2014.

    21 Disponvel em Acesso em 30 de out. de 2014.

  • 46

    b) obter dois tipos de vises sobre o tema: uma com os vdeos e debate e

    outra no fim da dinmica.

    c) como o sotaque no jornalismo e o preconceito lingustico no so temas

    muito debatidos, os participantes poderiam escrever o que, talvez, eles no tivessem

    compartilhado ao assistir os vdeos.

    7.1.7 Registros do evento

    Entre as vrias maneiras existentes para registrar as interaes, escolhemos

    a presena de quatro documentadores e a gravao de vdeo do encontro com uma

    cmera digital. Os documentadores estavam posicionados de forma a poder

    observar todos os membros da sala. Alm disso, cada um estava responsvel por

    escrever numa tabela22 o que eles reparavam em cada fala e atitude dos

    participantes.

    Essa escolha foi baseada no que diz Maria Eugnia (2010), que, quando os

    documentadores escolhidos no sabem como funciona um grupo focal, o

    recomendado que se defina um nmero maior de pessoas nessa funo. Sobre o

    registro digital, Gatti explica a preferncia pelo registro do udio e no da imagem:H depoimentos de pesquisadores experientes sobre o trabalho comgrupo focais, segundo os quais as pessoas tendem a se sentir mais vontade com a gravao em udio do que em vdeo. Neste, h umaexposio por inteiro, rostos, gestos, palavras esto l, associados. Aquesto da prpria imagem, da exposio dos participantes, dosriscos de ruptura da confidencialidade, cria certo desconforto (GATTI,2005, p. 26).

    Notamos que nenhum dos presentes mostrou-se constrangido ou

    desestimulado a falar por conta da tecnologia. No discurso inicial feito pela

    moderadora, deixou-se claro a gravao do encontro por meio de uma cmera no

    canto da sala e o estabelecimento de critrios de confidencialidade. Esse foi

    mantido, por exemplo, pelo sigilo dos nomes dos participantes durante todas as

    sesses. Ao chegar, cada pessoa recebeu um nmero e assim foi identificada at o

    final do GF.

    7.2. Anlise dos dados

    22 Tabela dos observadores disponvel nos apndices IV do trabalho.

  • 47

    7.2.1 Questionrios socioeconmicos

    Atravs do questionrio socioeconmico, podemos traar detalhes dos perfis

    dos que estavam presentes nos grupos focais. O cruzamento de algumas dessas

    informaes com as respostas durante o GF so importantes para entendermos, por

    exemplo, em qual contexto social o participante est inserido:

    1. Idade:Figura 10 Relao de gnero e idade dos participantes.

    GF I GF II

    Fonte: elaborao da autora

    2. Escolaridade:Figura 11 Grfico de nvel de escolaridade dos participantes

    GF I GFII

  • 48

    Fonte: elaborao da autora

    3. Profisso:

    Quadro 1 rea profissional dos participantes do GF I.

    P.1, P.2, P.3, P.4,P.5 e P.6

    Estudantes

    Fonte: elaborao da autora

    Quadro 2 rea profissional dos participantes do GF II.

    P.1 Funcionrio pblicoP.2 Auxiliar de servios geraisP.3 CozinheiraP.4 (em branco)P.5 BabP.6 Empregado domsticoP.7 Empregada domsticaP.8 DelegadaP.9 Recepcionista

    P.10 Servidor pblicoP.11 Servidora pblica

    Fonte: elaborao da autora

    4. Estado civil:

    De todos os integrantes do grupo focal I (GF), somente um no era solteiro.

    J o GF II apresentava pessoas em estados civis diferentes: no total, eram dois

  • 49

    solteiros, dois divorciados, seis casados e um integrante do grupo se incluiu na

    opo Outro.

    5. Naturalidade dos participantes, de seus pais e o local de residncia:

    Dos seis integrantes do primeiro grupo focal, cinco nasceram no DF e um

    nasceu no Rio Grande do Sul. Deles, todos moram em Braslia, exceto um que vive

    no Gama. Novamente, o GF II apresenta grandes diferenas: trs nasceram no DF,

    trs vieram do Cear, dois da Paraba, um da Bahia, um do Rio de Janeiro e um de

    Minas Gerais. J seis dos entrevistados vivem em Braslia e os outros nas regies

    administrativas de guas Claras, de Sobradinho, de Ceilndia e de guas Lindas de

    Gois. Um no respondeu.

    Em relao aos pais dos participantes de ambos os grupos focais, todos,

    exceto dois, so de fora de Braslia. A maioria veio do Cear, Paraba, Minas Gerais

    e Goinia.

    6. Aparelhos eletrnicos:

    J no quesito de aparelhos de comunicao, o nmero final de eletrnicos do

    GF I: 24 televises, 10 rdios, 17 computadores e 26 celulares. No GF II, um total de

    30 televises, 18 rdios, 22 computadores e 36 celulares.

    Todos os integrantes do GF I possuam, em suas residncias, televiso a

    cabo e Internet. Somente trs dos integrantes assistiam aos jornais locais da Rede

    Globo, entre eles o DFTV 2 edio e o Bom Dia DF. Uma pessoa afirmou no

    assistir a programao da Rede Globo, mas de outras emissoras.

    Oito integrantes do Grupo Focal II possuam televiso a cabo e dez tm

    acesso Internet. A grande maioria do segundo grupo, alm de preferir a Rede

    Globo, assistiam ao DFTV 1 e 2 edio.

    7.2.2 Ouvindo o telespectador

    Tpico 1:

    Exibimos quatro trechos de cabeas de jornais locais da Rede Globo com

    ncoras com sotaques da regio Nordeste, do Norte e do Sul. Em seguida,

    perguntamos o que os participantes notaram no vdeo:

  • 50

    GF I: Na primeira chamada eu achei que a moa falou muito rpido. P.1

    GF II: Eles do muita pausa, no sei se pra gente entender melhor a

    reportagem. P.6A inflexo da voz quando eles querem pegar pontos. A inflexo (da voz) na

    palavra-chave da chamada. P.8.

    Quando decidimos abrir o debate com essa pergunta, sabamos que, por ela

    permitir uma amplitude de comentrios, qualquer resposta poderia aparecer. Talvez

    os figurinos, a maquiagem ou at mesmo a beleza dos jornalistas poderia ser o

    destaque dos grupos. Para a nossa surpresa, a narrao dos jornalistas foi o ponto

    mencionado.

    Assim que os P.6 e P.8, do GF II, fizeram os seguintes comentrios, um dos

    documentadores anotou: Todos concordam com um balanar de cabea, mas no

    dizem nada. claro que precisamos lembrar que, por ser o primeiro tpico, poucos

    quiseram participar, mas podemos concluir que todos repararam no jeito de narrar

    dos jornalistas, mas no fizeram comentrios sobre o sotaque.

    Por mais que todos os participantes do primeiro GF tambm no tenham

    mencionado a captao do sotaque, percebemos, pelo comentrio acima, que a

    variedade regional da fala foi reparada, mesmo que s pela alegao do uso de um

    ritmo diferente.

    Outro detalhe que refora essa constatao o fato de que os quatro

    documentadores, do primeiro grupo focal, registraram que, assim que a primeira

    ncora apareceu com o sotaque paraibano, trs participantes deram risadas

    disfaradas. Nesse momento, nenhum deles comentou sobre a variedade, mas, no

    desenvolver do debate, eles citaram como exemplo o sotaque da jornalista dessa

    primeira tomada.

    Tpico 2:

    Na tomada 2, mostramos dois reprteres com sotaque, uma carioca e um

    amapaense. Ambos tm, como forte caracterstica regional, um destaque no

  • 51

    fonema /s/. Popularmente falando, os jornalistas falam as palavras com o s chiado.

    Perguntamos qual das reportagens chamava mais ateno e, se a fala do jornalista

    no era destacada, questionamos o que eles achavam da narrativa dos

    profissionais.

    GF I:Ela (a reprter carioca) chamou mais ateno porque o sotaque dela muito

    forte. Me incomodou o fato dela (reprter) ser jornalista e ter sotaque. P.1Parece que o reprter est afobado. P.6O sotaque muito forte, o 's'. E muitas vezes eu, pelo menos, no presto

    ateno no que eles falam s para reparar no sotaque. P.3

    GF II:Ele fala to rpido que se voc no tiver prestando ateno, voc no vai

    entender nada. Eu no entendi nada. P.6 Desde a roupa at o modo dele (o reprter) falar, ele parecia um amador, um

    estagirio. Ele (reprter) tem um sotaque muito pronunciado regional e o jornalista

    no pode chamar mais ateno que a matria. P.8No GF I, assim que acabou a exibio do vdeo, os participantes j

    comentaram sobre o sotaque dos reprteres, antes de questionados sobre a opinio

    do jeito da fala da dupla. Por mais que os dois jornalistas destacassem o s, a

    maioria revelou julgar o sotaque carioca. O P.3, do primeiro grupo, alegou que no

    tinha entendido o assunto da reportagem porque estava reparando no sotaque e,

    assim que a moderadora perguntou com quem mais isso tinha acontecido, todos os

    presentes afirmaram que passaram pela mesma situao.

    J no segundo grupo focal, os membros no comentaram de incio sobre o

    sotaque, muito menos relataram o emprego dele pelos jornalistas. O grupo inteiro

    criticou o reprter do Amap, desde a sua vestimenta at o jeito de falar. Quando o

    P.8 alegou que ele possua sotaque, a moderadora perguntou o que os participantes

    achavam do outro sotaque, o da carioca. De incio, o grupo afirmou no ter

    percebido que ela tinha a variante regional. Exibimos mais uma vez o trecho da

    reprter e as opinies foram outras: para a maioria, o jeito de falar carioca no

    chamava tanta ateno quanto o amapaense.

  • 52

    Tpico 3:

    Aps o sotaque aparecer nos comentrios dos participantes, exibimos uma

    reportagem de um jornal local da Paraba sobre a Miss Paraba. A ncora do jornal e

    a reprter possuam o sotaque neutralizado, nem mesmo amenizado, e a

    entrevistada sim. Questionamos se eles repararam na forma de falar das mulheres

    do vdeo e o que eles achavam, caso tivessem notado algo de diferente entre as

    trs.

    GF I:Eu acho que o jornal tem que ter uma forma mais clara de falar. E o sotaque,

    muitas vezes, pode atrapalhar. Tem que tirar o mximo do sotaque para ter o melhor

    entendimento. O jornalista no pode ter sotaque, mas o entrevistado no tem

    problema.P.1 Engraado que s a entrevistada tinha sotaque. Se eu fosse paraibana, eu ia

    me incomodar de assistir um jornal local sem o sotaque do meu estado. Pra mim,

    que sou de Braslia, causa estranheza, mas pro povo de l deve ser normal. Isso,

    por exemplo, me faz mudar de canal. Me incomoda. P.3

    GF I