o evangelho da prosperidade alan b. pieratt

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O evangelho da

PROSPERIDADE Alan B. Pieratt

tradução de

Robinson Malkomes

Digitalizado e revisado por Micscan

Para: semeador.forumeiros.com

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Caixa Postal 21.406 • CEP 04698-970 • São Paulo-SP

Page 3: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Copyright • 1993 de Alan B. Pieratt

Arte de capa: Melody Pieratt e Íbis Roxane Coordenação editorial: Robinson Malkomes Coordenação de produção: Eber Cocareli

Primeira edição: abril de 1993

Todos os direitos de publicação reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Caixa Postal 21486 - 04698-970 São Paulo-SP

Page 4: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Conteúdo

Capítulo 1. Considerações Introdutórias 08

1. Visão Geral 09

2. Antecedentes Históricos 16

3. Prévia do Conteúdo 28

Capítulo 2. Os Ensinos da Teologia da Prosperidade 31

1. Autoridade Espiritual 33

2. Saúde e Prosperidade 47

3. A Confissão Positiva 61

Capítulo 3. Respostas ao Evangelho da Prosperidade 90

1. Autoridade Espiritual 95

2. Saúde e Prosperidade 125

3. A Confissão Positiva 153

Capítulo 4. A Cosmologia da Prosperidade 173

1. O Dualismo do Corpo e do Espírito 176

2. O Dualismo no Conhecimento 183

3. O Dualismo na Salvação 196

4. O Dualismo de Deuses 203

5. O Problema do Mal 209

Capítulo 5. A Espiritualidade do Evangelho da Prosperidade 220

1. Promessas e Exigências 221

2. Teologia da Glória — Teologia da Cruz 228

Bibliografia 230

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PREFÁCIO DOS EDITORES

Uma das características do século XX na esfera teológica é a

extensa produção das chamadas "teologias de genitivo". A

elaboração de reflexões cada vez menos sistemáticas e mais

especulativas fez surgir no cenário teológico do nosso tempo as

Teologias "do Processo", "da Esperança", "da Morte de Deus",

"da Libertação", dentre outras. Por meio de um processo

progressivo de fuga da teologia sistemática tradicional, essas

teologias, com suas diversas ênfases, alcançaram autonomia em

relação às diferentes confissões de fé cristãs, tornando-se, em

maior ou menor grau — dependendo da cultura onde estão

inseridas — objetos de opção pessoal.

Esse método de fazer teologia influenciou e incentivou, ainda

que não intencionalmente, o surgimento de "novas descobertas"

no campo das relações entre Deus e o homem. Há alguns anos,

por exemplo, descobriu-se que determinados ensinos que nos

foram transmitidos desde a era apostólica estavam errados. Os

filhos de Deus são filhos do Rei, e é nessa condição que devem

viver. A perspectiva de uma vida cristã repleta de restrições,

sofrimentos e tribulações por amor a Cristo não corresponde ao

verdadeiro plano de Deus para Seus filhos amados. Ao contrário,

Ele deseja que Seus filhos sejam em tudo bem sucedidos,

vitoriosos e triunfantes sobre todas as vicissitudes da vida.

Afinal, toda espécie de mal — incluindo as doenças e a pobreza

— é fruto da ação direta de Satanás e, portanto, destinada apenas

aos que se encontram sob o seu sinistro domínio, nunca aos

verdadeiros crentes. A razão de existirem muitos cristãos que

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ainda padecem dos males deste mundo tenebroso é a sua

ignorância quanto a seus direitos como filhos de Deus e ao poder

divino disponível nas palavras daqueles que conhecem os

segredos da confissão positiva. Os méritos dessa descoberta são

reivindicados pelo norte-americano Kenneth Hagin, autor de

vários livros sobre o assunto, muitos deles já traduzidos para o

português.

No Brasil, essa nova teologia tem recebido designações

variadas, tais como: "Movimento Palavra da Fé", "Teologia da

Confissão Positiva" ou "Teologia da Prosperidade". Travamos

conhecimento com esses novos ensinos inicialmente por meio do

tele-evangelista norte-americano Rex Humbard e, atualmente,

mediante pregações em rádio e televisão e nos púlpitos de

grandes igrejas que se encontram em evidência. Milhares de

cristãos, membros de denominações tanto pentecostais quanto

históricas, tem abraçado com entusiasmo os ensinamentos dessa

nova teologia. Há também variantes mais místicas do mesmo

pensamento, representadas por aqueles que enfatizam à exaustão

a necessidade de o crente conhecer os mistérios ligados à batalha

espiritual e à ministração de cura interior. O impacto disso tudo

se faz sentir no grau de confusão, desorientação e assombro

presentes em quase toda a comunidade evangélica brasileira.

Mesmo a atividade pastoral tem se ressentido da falta de

referenciais teológicos, bíblicos e eruditos que confrontem

satisfatoriamente o problema.

O Evangelho da Prosperidade — Análise e Resposta tem por

objetivo iniciar um debate sério, honesto, bíblico e imparcial

sobre o tema. Para tanto, o autor analisa criteriosamente a tríplice

base da nova doutrina: 1) as alegações de Hagin sobre sua

autoridade espiritual de caráter profético; 2) as promessas de

saúde e riqueza; e 3) o método da confissão positiva. Cada uma

dessas bases é analisada separadamente, com numerosas citações

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que enriquecem sobremaneira esta obra. No capítulo 4, discute-se

a cosmologia do evangelho da prosperidade, analisando-se seus

pressupostos ontológicos, antropológicos e. epistemológicos

de forma altamente elucidativa. Ali o autor também expõe a

teodicéia de Hagin, apresentando sua solução para o problema do

mal e contrapondo-a à solução cristã tradicional de origem

agostiniana.

O Dr. Alan Pieratt, teólogo, Ph.D. em Ciências da Religião,

professor na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, onde

leciona as disciplinas de Hermenêutica e Teologia

Contemporânea, traz com seu O Evangelho da Prosperidade —

Análise e Resposta uma contribuição inestimável ao labor

teológico atual, marcado por tantas controvérsias absolutamente

desnecessárias e por uma injustificável ausência de erudição.

Edições Vida Nova espera, com este livro, ajudar àqueles que

sinceramente procuram trilhar o caminho apertado e estreito que

conduz à salvação.

Rev. Eber Cocareli

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Capítulo Um CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

De onde veio o evangelho da prosperidade? Como ele se

relaciona com o pentecostalismo? Quem são Kenneth Hagin e

E. W. Kenyon e por que são importantes para este

movimento? Fornecemos aqui uma breve introdução his-

tórica ao movimento da prosperidade.

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1. Visão Geral

A igreja protestante no Brasil de hoje enfrenta numerosos

problemas inerentes à América Latina, incluindo catolicismo

cultural, pobreza, analfabetismo, espiritismo, religiões africanas,

corrupção política, etc. Do lado de fora, cada um desses desafios

confronta a igreja como uma forma diferente do "mundo" contra

o qual o apóstolo João advertiu que nos preveníssemos (1 Jo

2.15). Entretanto, como o próprio título indica, esta obra trata de

um desafio para a igreja, que está surgindo dentro dela e,

portanto, constitui uma ameaça de natureza completamente

distinta. Uma interpretação do evangelho, nova e extremamente

atrativa, cruzou as fronteiras para invadir o cristianismo

brasileiro. Ela tem recebido vários nomes, a saber: "Palavra da

Fé", "Ensino da Fé", "Confissão Positiva" ou "Evangelho da

Prosperidade". Destes, o último parece o mais exato, pois esse

movimento surge para oferecer uma compreensão distinta do

evangelho de Cristo como um todo. A semelhança do conhecido

evangelho, ele proclama boas novas. Mas as novas não são de

que temos o perdão dos pecados e paz com Deus por meio de

Cristo. São de que podemos ter a solução de nossos problemas e

viver com saúde e prosperidade. Esta mudança no conteúdo da

esperança cristã, passando do porvir para o aqui e agora, tem

conseqüências de tão grande alcance que o nome "evangelho da

prosperidade" parece apropriado.

As raízes desse evangelho encontram-se no Primeiro Mundo.

Talvez isto seja justo, uma vez que sua ênfase está naquilo que os

países do norte tanto parecem ter — prosperidade financeira.

Mas ele foi rapidamente bem recebido aqui no Brasil e, apesar de

ainda estar em sua infância, parece crescer a passos gigantescos.

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É claro que a atração no contexto brasileiro não é exercida pela

presença da prosperidade, mas por sua ausência. De qualquer

forma, o evangelho da prosperidade é uma mensagem de muito

poder e esperança que não está limitada a nenhum continente,

igreja ou denominação.

O propósito deste livro é analisar esse novo movimento e

oferecer uma resposta a ele. O leitor atento perceberá que, ao

chamá-lo "novo", colocamo-lo sob suspeita desde o princípio.

Em matéria de fé, raramente o novo é melhor. Voltaremos a esse

ponto no capítulo três. Basta afirmar agora que a teologia tem

como tarefa principal a transmissão fiel da mensagem recebida

pelos Doze (1 Co 15.3). O leitor que concordar comigo neste

ponto desejará então saber qual é meu ponto de vista sobre a

teologia. De que perspectiva serão feitas essa crítica e essa

análise? Esta é uma pergunta justa e necessária. A teologia que

está por trás deste livro foi formulada na Reforma e pode ser

chamada "protestantismo clássico". Seu princípio fundamental é

de que somente a Bíblia é o único guia para conhecermos a Deus

e apenas Cristo é a única esperança de salvação. Desses dois

critérios, o primeiro é suficiente para fornecer a base da crítica à

teologia da prosperidade. O leitor que se encaixa na tradição

protestante logo se sentirá à vontade com essa abordagem.

Entretanto, quaisquer que sejam suas convicções teológicas,

espero que ele se digne a ler o argumento até o fim. Qualquer

pessoa que tenha desembolsado dinheiro para comprar este livro

deve ser um pastor, um obreiro cristão ou um leigo inteligente.

Neste caso, você é um dos líderes de sua igreja e, conforme

Paulo afirmou há muito tempo, tem a responsabilidade tanto de

"exortar pelo reto ensino como para convencer os que

contradizem" (Tt 1.9). Para realizar essa tarefa, precisamos, em

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primeiro lugar, entender com clareza nossa própria teologia e,

depois, a de nosso opositor.

Algumas obras norte-americanas, escritas contra a teologia da

prosperidade, tratam-na como se fosse uma heresia ou uma seita

(McConnell, 1988). A posição que adotamos aqui é de que,

certamente, ela não é uma seita. Uma seita é composta por um

grupo bem definido de pessoas, assim como as testemunhas de

Jeová ou os mórmons, que se chamam cristãos, mas negam

doutrinas básicas da Bíblia, tais como a trindade e a divindade de

Cristo. A compreensão defeituosa que têm do cristianismo é

suficientemente séria para colocá-las fora do círculo da fé. Isso,

porém, não se aplica aos ensinos do evangelho da prosperidade.

Seus adeptos não negam nenhuma doutrina básica nem buscam

outro fundamento que não seja Cristo e os apóstolos. Antes,

trata-se de uma forma de compreender a Bíblia que, conforme

mostrarei, abandona em alguns pontos as possibilidades de

interpretação permitidas pela própria Bíblia.1 Eu acrescentaria

que ela e uma forma bem moderna de interpretação, que reflete

pressuposições contemporâneas sobre aquilo que o homem pode

esperar da vida. Seus ensinos podem ser comparados a outro

fenômeno moderno: o vírus de computador. Ambos são capazes

de se espalhar em qualquer sistema, danificando aquilo que

1 O autor não deseja usar a palavra "heresia" para rotular a doutrina da prosperidade, pois

tal julgamento é severo e deve ser feito somente com muita cautela e por muitas vozes

juntas. Vale observar que, na Bíblia, a palavra heresia é usada para se referir a três coisas:

1) um partido ou facção dos judeus, como os saduceus ou os fariseus (At 5.17); 2) um

partido ou facção dos cristãos (At 24.14; 1 Co 11.19) — aqui, a palavra é sinônimo de

cisma; e 3) uma opinião ou doutrina contrária à crença da igreja (Gl 1.8; 5.20; 2 Pe 2.1).

Em grego, "allos" significa "outro" do mesmo tipo ou numa série. "Heteros" significa "outro" de um tipo diferente. Em alguns contextos, as palavras são intercambiáveis. Mas,

em Gálatas, o sentido de "heteros" é claro. Além disso. Pedro classifica como destruidoras

as heresias que chegavam ao ponto de negar Jesus Cristo (2 Pe 2.1). Paulo afirma que o

homem que causa divisões na igreja é "herege", pervertido e autocondenado (Tt3.10; ARC).

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tocam, mas raramente destruindo por completo o objeto da

infecção. De modo semelhante, esta interpretação do evangelho

altera a mensagem cristã, mas não a torna irreconhecível ou

irrecuperável.

Na história da igreja, novas interpretações da Bíblia ou de uma

única doutrina apareceram em dimensões e formas diferentes.

Algumas começaram em círculos pequenos e continuam assim,

tal como o reduzido grupo de igrejas "apostólicas" de hoje, que

crêem que a doutrina da trindade não é bíblica. Outros, tais como

os adventistas do sétimo dia, desenvolvem interpretações o

bastante para atrair adeptos que chegam a formar uma

denominação por si mesmos. Cada caso e diferente, mas, de

modo geral, uma nova interpretação da Bíblia irá se expandir se

atender uma ou mais das seguintes condições: 1) ter um líder

"carismático" (ou líderes) que expresse com eloqüência a nova

doutrina; 2) satisfazer as necessidades e esperanças das pessoas;

e 3) corresponder bem ao ambiente cultural. A teologia da

prosperidade atende com excelência cada uma dessas três

condições. É dirigida por um grupo relativamente pequeno de

líderes talentosos e que estão em evidência. Ela tem resposta para

algumas das esperanças mais profundas que as pessoas têm na

vida, ou seja, o desejo de ter saúde e prosperidade financeira.

Além disso, encaixa-se bem nas pressuposições culturais da

sociedade ocidental, no sentido de que as boas coisas da vida não

devem ser evitadas, mas buscadas e aproveitadas. Dentre esses

fatores, os mais importantes são o segundo e o terceiro. O

evangelho da prosperidade está fadado a se expandir por algum

tempo e a ser ouvido e acatado por muitos, pois diz aquilo que as

pessoas querem escutar. Novos movimentos crescem porque

satisfazem alguma necessidade do coração humano expressa na

cultura de determinada época. Na igreja primitiva, os primeiros

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convertidos eram quase todos judeus. Durante décadas os

apóstolos lutaram contra a inclinação que eles apresentavam,

como seguidores de Cristo, de continuar sendo judeus antes de

mais nada. No segundo e terceiro séculos, o gnosticismo dizia

aos gregos e romanos recém-convertidos que havia um

conhecimento secreto que estava à disposição daqueles que o

buscassem. Isso exercia uma enorme atração sobre aqueles que

haviam sido educados segundo o pensamento grego, pois tais

pessoas haviam aprendido que as verdades mais elevadas sobre

as realidades espirituais estavam à disposição daqueles que as

buscassem. Em nossa época, parece que a promessa de saúde e

riqueza vai de encontro às mais profundas esperanças culturais e

pessoais do homem atual.

O evangelho da prosperidade aproveita-se das pressuposições de

nossa cultura e das esperanças pessoais de forma extremamente

agressiva. Observe o seguinte anúncio, colocado em dois jornais

que atendem a colônia brasileira da costa leste dos Estados

Unidos, o Brazilian Voice e o Brazilian Times. O anúncio

prometia solução para os seguintes casos:

Desemprego, caminhos fechados, dificuldades financeiras,

depressão, vontade de suicidar, solidão, casamento

destruído, desunião na família, vícios (cocaína, crack,

álcool, etc), doenças incuráveis (câncer, aids, etc), dores

constantes (de cabeça, coluna, pernas), insônia, desejos

homossexuais, perturbações espirituais (você vê vultos,

ouve vozes, tem pesadelos, foi vítima de bruxaria,

macumba, inveja ou olho grande), má sorte no amor,

desânimo total, obesidade, etc. ... Nós! Sim, nós temos a

solução para você! (Ultimato, janeiro de 93, 14.)

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Dificilmente existe um problema conhecido pela humanidade que

não esteja incluído nessa lista. Qual a pessoa que, à margem de

uma sociedade estranha, sentindo-se deslocada e alienada, não

ficaria curiosa para buscar maiores informações?

Parte da fascinação dos ensinos sobre prosperidade está no fato

de eles, aparentemente, prometerem tantas coisas e exigirem tão

pouco em troca. Eles afirmam que a saúde e as riquezas são

nossas; basta que sigamos os passos apropriados da confissão

positiva. A maioria das religiões e pseudo-religiões exige mais de

seus seguidores. O marxismo oferece um bom contraste. No

início e até meados deste século, ele exerceu forte atração sobre

as sociedades que estavam desencantadas com a liberdade

política de que gozavam e cansadas da pobreza econômica. O

marxismo atraía seus adeptos por meio de promessas quase

religiosas de justiça, liberdade e cumprimento para toda a

sociedade do futuro. Entretanto, ele não prometeu que a utopia

futura viria sem um preço. Dificuldades econômicas, perda de

liberdade pessoal e governos ditatoriais faziam parte do preço

que a geração daquele momento deveria pagar. Muitos aceitaram

aquilo de boa vontade, pensando que assim trariam uma

sociedade melhor para seus filhos (Hyde, 1966). Mas isso não

aconteceu. A questão é que, ao contrário do marxismo, os

pregadores do evangelho da prosperidade parecem oferecer tudo

e exigir quase nada em troca, exceto, talvez, que o fiel seja mais

generoso na hora de abrir a carteira durante a oferta. No último

capítulo, verificaremos que as reais exigências são bem maiores

do que essa, embora, a princípio, sejam ocultadas.

Com esse tipo de mensagem é possível formar uma igreja grande

em pouco tempo. Dos que estão doentes, quem não virá para

ouvir promessas de cura? Satanás observou há muito tempo que a

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oferta de cura é irresistível: "... e tudo quanto o homem tem dará

pela sua vida" (Jó 2.4). Dentre os pobres, quem não virá para

ouvir promessas de prosperidade? Dentre aqueles que não têm

certeza do que fazer e de qual direção dar à vida, quem não

seguirá prontamente os que afirmam ter autoridade divina? Resta

saber por quanto tempo essas pessoas permanecerão fiéis a tal

mensagem.

Iniciamos este exame do evangelho da prosperidade com a

consciência de que, junto com este trabalho, aparecem duas

responsabilidades. Primeira, os ensinos do evangelho da prospe-

ridade devem ser apresentados da forma mais justa e exata

possível. Não deve haver exageros ou distorções daquilo que está

sendo dito e pensado. Segunda. aqueles que consideram este

novo evangelho atraente devem ser tratados como irmãos.

Qualquer um que afirme ser cristão deve ser tratado como tal, até

que atos ou palavras provem o contrário. A responsabilidade dos

pastores e líderes na igreja é de examinar e avaliar

cuidadosamente qualquer doutrina que desafie o cristianismo

bíblico. Mas essa responsabilidade não envolve, o questio-

namento da salvação de alguém. Aqueles que afirmam ser

seguidores de Cristo devem ser recebidos, tanto quanto possível,

como irmãos na fé. Isso significa que eles devem ser amados, não

odiados, incentivados por meio da correção, não amaldiçoados

ou expulsos. É à luz dessas considerações que devem ser lidos os

comentários críticos presentes nesse trabalho.

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2. Antecedentes Históricos

O evangelho da prosperidade é algo novo na história da igreja.

Parece que nada como ele já foi visto antes. Mas isso não quer

dizer que ele tenha surgido de modo repentino ou aparecido

totalmente formado. Como todo movimento, ele se desenvolveu

com o tempo, e isso significa que tem raízes ligadas a pessoas,

épocas e lugares diversos. Nesta parte, identificaremos alguns de

seus personagens principais e estabeleceremos o papel que

tiveram na expansão do movimento. Uma vez feito isso, o leitor

terá um fundamento histórico a partir do qual poderá entender

melhor a ramificação brasileira desse movimento contempo-

râneo.

Amplas pesquisas feitas nos Estados Unidos sobre o assunto

revelam que existem duas raízes históricas e filosóficas do

evangelho da prosperidade: pentecostalismo (Barron, 1987) e

várias seitas metafísicas do início do século XX, que floresceram

na área de Boston (McConnell, 1988). Dessas duas fontes, o

pentecostalismo forneceu a base ou o grupo onde a teologia

encontrou a maior parte de seus adeptos, enquanto os

pressupostos filosóficos propriamente ditos foram fornecidos

pelas seitas metafísicas. É de suma importância que o leitor

pentecostal inquiridor perceba essa importante distinção. Desde

seu início, a teologia da prosperidade encontrou nas igrejas

pentecostais e carismáticas uma acolhida maior do que a de

qualquer outro contexto, mas foram as seitas metafísicas que

forneceram os ensinos distintivos e a cosmovisão geral que

deram forma ao evangelho da prosperidade. Desses dois

elementos, estamos mais preocupados com o último, ou seja, a

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cosmovisão estranha que a doutrina da prosperidade absorveu.

Entretanto, antes de passarmos a considerá-la em detalhes,

precisamos olhar brevemente para as raízes históricas nas

denominações pentecostais e carismáticas.

2.1 A Conexão Pentecostal

O movimento pentecostal é um fenômeno relativamente novo e

teve suas origens no início do século XX, nos Estados Unidos.

Mas o evangelho da prosperidade é ainda mais novo. Suas

origens remontam com certeza até, no máximo, os dias de E. W.

Kenyon, que alcançou o auge de sua carreira nos anos 30 e 40. A

doutrina da prosperidade é tão recente que apenas nos anos 70 ela

havia se desenvolvido o bastante para ser identificada como um

movimento constituído. No Brasil, ela é ainda mais recente.

Entretanto, a questão histórica mais importante não é o fato de

ela ser nova, mas que o pentecostalismo não foi o pai desse novo

evangelho, embora talvez possa ser chamado de padrasto, por

causa da forma como o abraçou e seguiu seus ensinos. Então, a

primeira pergunta que se levanta é por que as denominações

pentecostais têm sido mais abertas a esse ensino do que qualquer

outro grupo protestante. A resposta parece estar na tendência que

elas têm de aceitar dons de profecia e profetas dos dias atuais que

afirmam exercer esses dons. Por causa da abertura para visões,

revelações e orientações espirituais contínuas fora da Bíblia, cria-

se um espaço para a entrada das afirmações do evangelho da

prosperidade. Isso traz uma importante implicação para o leitor

que está tentando identificar as raízes e sutilezas da doutrina da

prosperidade — não há necessariamente nenhuma ligação entre o

pentecostalismo e os ensinos do evangelho da prosperidade.

Todavia, por causa das associações históricas, em vez de

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conceptuais, vale a pena traçar brevemente a história do

pentecostalismo, com ênfase sobre aqueles que, dentro do

movimento, afirmavam curar pela fé e apoiavam essa prática.

As raízes históricas do movimento pentecostal remontam aos

meados do século XIX na Europa e início do século XX nos

Estados Unidos. Os primeiros pregadores que afirmavam ter os

atuais dons de cura e de línguas apareceram nas décadas de 1850

e 1860, na Inglaterra e na Alemanha. Entre eles estavam o

pregador escocês Edward Irving, Dorothea Trudel, uma

camponesa suíça, Johann Christian Blumhardt, ministro luterano,

e Otto Stockmayer, pastor suíço (Holleweger, 1988). Esses

indivíduos não estavam ligados como partes de um movimento

constituído, mas a fama do ministério deles espalhou-se pelo

mundo e chamou atenção para suas afirmações de cura por meio

da fé somente. Embora afirmassem possuir o dom espiritual da

cura, aquelas pessoas não ensinavam completamente um

evangelho de saúde e prosperidade. Isso apareceu muito mais

tarde.

No final do século XIX, vários pregadores na América do Norte

também começaram a afirmar que possuíam dons de cura e, além

disso, que todos os cristãos tinham direito à saúde como parte da

expiação. A. J. Gordon, fundador de uma respeitada instituição

de ensino teológico, e A. B. Simpson, fundador da Aliança Cristã

e Missionária, foram dois líderes importantes. Ambos escreveram

livros sobre cura que até hoje são utilizados como fontes básicas

por aqueles que ensinam a cura pela fé (Gordon, 1881; Simpson,

1925). Por meio da liderança deles, junto com muitos outros que

pregavam idéias semelhantes, o número de pessoas que

curavam pela fé havia crescido dramaticamente no final do

século XIX, e a expressão "cura pela fé" havia se tornado quase

Page 19: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

um chavão na Europa e nos Estados Unidos. Alguns pregadores

da cura ganharam reconhecimento nacional, incluindo Dowie,

Parham, McPherson, Wigglesworth, Seymour, Bosworth e

alguns outros. Esses homens (e mulheres) trabalhavam de modo

independente, como evangelistas itinerantes que afirmavam ter

vários dons especiais, incluindo invariavelmente línguas e

cura. (Eles também partilhavam da característica de não terem

treinamento teológico formal.) Embora tenham levado grandes

multidões a seus encontros, o principal segmento da igreja

evangélica nunca aceitou realmente suas afirmações de que

tinham poder para curar. É surpreendente que nesse segmento

estavam incluídas as jovens denominações pentecostais daquela

época. Aparentemente elas consideravam sem substância e muito

radicais as afirmações dos detentores de dons de cura (Barron,

1987). Mais ou menos em meados da década de 1930, parecia

que a cura pela fé iria cair no esquecimento. Em vez disso, ela

encontrou nova vida no movimento carismático.

O leitor se lembrará de que a palavra "carismático" aplica-se

àqueles que afirmam ter o dom de línguas ou outros dons

espirituais extraordinários, mas que permanecem filiados às

denominações tradicionais. Nos Estados Unidos, o movimento

carismático floresceu nos anos 50 e 60, e foi nas principais

igrejas que a mensagem de cura e prosperidade encontrou um

novo público. Esse foi um ponto crítico para aqueles evangelistas

e pregadores que utilizavam o rádio, tais como Osborn, Lindsay e

Hagin, pois lhes conferiu uma audiência muito mais ampla e um

acesso bem maior às contribuições financeiras. Foi com o

impulso dado pelo movimento carismático que a mensagem de fé

e prosperidade não desapareceu, mas cresceu em alcance e

influência.

Page 20: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Resumindo, os ensinos de prosperidade não tiveram origem

dentro do pentecostalismo. Todavia, a tendência das denomi-

nações pentecostais de aceitarem afirmações de autoridade

profética criou um espaço teológico onde a doutrina da

prosperidade pôde se firmar e crescer. Após um período de

rejeição, muitos que faziam parte das denominações pentecostais

estavam seguindo os líderes que afirmavam ter tal autoridade e

que, com base nela, ensinavam a doutrina da prosperidade. Nossa

primeira conclusão histórica, então, é que o pentecostalismo foi o

portador dessa doutrina, mas ela necessariamente não faz parte

das crenças pentecostais.

2.2 As Raízes nas Seitas Metafísicas

A crença de que a cura é um direito do cristão há muito tempo

faz parte de várias igrejas. Mas o ensino de que o cristão também

tem direito à prosperidade e de que deve reivindicá-lo por meio

da confissão positiva encontra raízes diferentes. O núcleo

conceptual do evangelho da prosperidade está numa cosmovisão

que remonta não à doutrina pentecostal, mas a alguns pequenos

movimentos heterogêneos do início do século XX conhecidos

como "seitas metafísicas" (McConnell, 1988). Talvez essas seitas

possam ser consideradas o equivalente antigo daquilo que hoje

conhecemos como movimento da Nova Era. Nesta parte de nossa

introdução, verificaremos brevemente como as crenças dessas

seitas puderam influenciar as idéias de milhões de cristãos de

nossa época. A ligação doutrinária entre elas e o ensino do

evangelho da prosperidade converge para apenas dois homens:

Kenneth Hagin e E. W. Kenyon.

Page 21: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Kenneth Hagin

Hagin nasceu em 1918, prematuro de alguns meses. Parece que

isso o deixou com uma lesão congênita no coração que nunca foi

exatamente diagnosticada. É certo que ele foi frágil e doente em

sua infância. Para complicar mais as coisas, ele foi educado num

ambiente de relativa pobreza, porque aquela foi uma época difícil

na história dos Estados Unidos e também porque seu pai

abandonou a família, quando Hagin tinha seis anos de idade.

Quando ele atingiu a adolescência, sua saúde piorou. Aos 16

anos foi confinado a uma cama e recebeu esperança de pouco

tempo de vida. Segundo seu testemunho, ele ficou ali durante 16

meses, antes que sua vida mudasse radicalmente para melhor.

Aconteceram duas coisas para inverter sua sorte: primeira, ele

afirma ter recebido uma série de visões nas quais foi levado

primeiro ao inferno e depois ao céu, três vezes em seguida. As

viagens para o inferno afugentaram-no para o arrependimento, e

as visitas ao céu conduziram-no à fé e à conversão. Discutiremos

com mais detalhes essa e outras visões nos capítulos dois e três.)

Ele diz a seus seguidores que, logo depois disso, recebeu uma

revelação do "verdadeiro" significado de Marcos 11.23, 24 e da

natureza da fé cristã. A essência dessa revelação era que, para

obter resultados da parte de Deus, o fiel deve confessar em voz

alta seus pedidos e nunca duvidar de que tenham sido

respondidos, mesmo que as evidencias físicas não indiquem que

a oração foi atendida. Uma vez feita a oração, o fiel deve afirmar

constantemente a resposta, até que surja a prova. Essa é, por

certo, a essência daquilo que é hoje ensinado como "confissão

Page 22: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

positiva". Hagin afirma que a fonte disso não foi outra senão o

próprio Senhor.

Ele nos conta que, na condição de um adolescente preso à cama,

começou a colocar em prática essa nova compreensão do

evangelho. Depois de pedir ao Senhor que o curasse, ele

começou a declarar todos os dias que havia sido curado,

repetindo sempre para si próprio que Deus tinha respondido à sua

oração e que ele estava bem, não importando como se sentisse.

Por fim, depois de afirmar sua saúde durante oito meses, ele saiu

da cama e deu alguns passos. A cada dia ele andava um pouco

mais e foi se fortalecendo aos poucos. Embora Hagin tenha tido

uma saúde frágil durante muitos anos depois daquilo, ele

realmente não morreu como os médicos haviam previsto e,

segundo seu testemunho, nunca mais ficou doente.

As visões na adolescência de Hagin e as melhoras posteriores em

sua saúde foram um ponto crítico em sua vida. Ele decidiu que

iria consagrá-la ao Senhor e ganhar a vida pregando o evangelho.

Ele não freqüentou um seminário, mas depois de se formar no

segundo grau começou imediatamente a pastorear uma igreja

batista. O primeiro pastorado não durou mais do que alguns

meses depois de sua posse e, após recontar suas histórias das

visões de Deus, afirmou também ter recebido o dom de línguas.

Foi então convidado a sair. Ele se juntou à Assembléia de Deus,

pelo fato de haver ali uma política de maior abertura diante de

visões e dons espirituais. Nos 12 anos seguintes, ele pastoreou

várias igrejas pentecostais na região sul dos Estados Unidos.

Com a idade de 30 anos, decidiu deixar o pastorado e se tornar

pregador da cura itinerante. Aqueles eram os anos 50, época nos

Estados Unidos em que, como observamos acima, o movimento

carismático estava crescendo rapidamente, e assim começaram a

Page 23: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

aparecer os grandes nomes de hoje da cura pela fé. Hagin fez um

pouco de sucesso e, tendo facilidade de ensinar num estilo

simples e despretensioso, começou a circular um boletim mensal.

Seu público leitor cresceu com o passar do tempo e, no início dos

anos 70, seu ministério tinha tamanho suficiente para justificar a

construção de sua própria escola, conhecida até hoje como

Instituto Bíblico Rhema.

É bom enfatizar que Hagin não tem nenhum treinamento

teológico formal. Ele nunca estudou os pais da igreja, nem os

reformadores, nunca teve de prestar um exame de teologia

sistemática ou fazer uma lista das regras básicas de herme-

nêutica. Pelo contrário, Hagin afirma ter superado a necessidade

de tal treinamento. À semelhança do apóstolo Paulo, ele diz que

nenhum homem lhe ensinou sua doutrina, uma vez que ele a

recebeu diretamente de Cristo. (Em contraste com isso, temos

Paulo, que, antes de se converter, era um rabino judeu altamente

treinado.) De importância fundamental é a alegação de, instrução

divina feita por Hagin. Antes de qualquer outra coisa, isso coloca

o selo de aprovação de Deus sobre sua mensagem e ministério.

Com efeito, discutir com Hagin é discutir com Deus. Em

segundo lugar, ele nega qualquer ligação com grupos ou pessoas

ou mesmo influência da parte deles. Tendo se originado na boca

de Deus, seu ensino de prosperidade não tem raízes históricas,

mas simplesmente caiu pronto do céu. Pelo menos é isso que ele

afirma. Entretanto, aqueles que têm pesquisado a doutrina da

prosperidade percebem que os ensinos de Hagin são

notavelmente parecidos com os de E. W. Kenyon, pregador da

cura que viveu uma geração antes. E para ele que agora nos

voltamos.

Page 24: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

E. W. Kenyon

Kenyon participa de nossa história, porque parece que ele foi a

verdadeira fonte dos ensinos de Hagin sobre a confissão positiva.

Mais ou menos como Hagin, ele teve pouco treinamento

teológico formal e começou seu ministério pastoreando várias

igrejas, incluindo metodistas, batistas e pentecostais. Contudo,

sua teologia era diferente das de todas elas e, por fim, tornou-se

um evangelista itinerante sem vínculos com nenhuma

denominação. Com o passar do tempo, começou a atingir um

grande público por meio de seu programa de rádio e de um

boletim periódico, tendo chegado ao ponto máximo de audiência

no final dos anos 30 e início da década de 40. Para nós, o que

mais importa é que ele produziu 18 livretos sobre seus ensinos.

São esses livretos que nos permitem traçar sua ligação com

Hagin. Antes de discutirmos o conteúdo deles, será bom saber

algo mais dos antecedentes teológicos de Kenyon.

Embora não tenha freqüentado um seminário teológico, ele

estudou em uma escola de nível inferior ao universitário. Quando

jovem, matriculou-se no Emerson College, em Boston, o núcleo

do movimento "transcendental" do final do século XIX e início

do XX. As várias sociedades filosóficas que floresceram durante

certo tempo naquele campus, àquela época, são hoje reunidas sob

o título "seitas metafísicas". Muitas tiveram vida curta, e poucas

sobreviveram depois da Segunda Guerra Mundial. Mas durante

os anos 20 e 30, quanto estavam em seu auge, elas incluíam em

seu rol pequenas sociedades conhecidas como "Escola da

Unidade do Cristianismo", "Ciência Divina", "Igreja da Ciência

Religiosa", "Lar da Verdade", "Igreja da Verdade", "Liga da

Igreja de Cristo", "Sociedade do Cristo que Cura" e "Assembléia

Cristã". Para o leitor brasileiro é difícil compreender as sutilezas

Page 25: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

dessas seitas orientais e as distinções entre elas, assim como não

é fácil explicar para um norte-americano os diferentes tipos de

espiritismo aqui no Brasil. Cada um desses grupos é

característico de sua própria cultura. Para nossos fins, não é

necessário conhecer detalhes de suas crenças, mas apenas captar

a maneira como eles enxergam o mundo.

Em primeiro lugar, aqueles grupos eram conhecidos como

"metafísicos", por ensinarem que a verdadeira realidade é "meta-

física", ou seja, vai além da realidade física. Isto significa que a

esfera do espírito não somente é maior do que o mundo físico,

mas também controla cada aspecto dele e é a causa de todos os

efeitos por ele sofrido. Alguns de seus ensinos centrais foram

registrados como declarações com efeito de credo e incluem as

seguintes proposições:

Todas as causas primárias são forças internas... A mente é

primária e causativa... A solução para todo defeito ou

desordem é metafísica, além do elemento físico, na esfera

das causas, que são mentais e espirituais... Deus é

imanente, Espírito que habita, Todo-Sabedoria, Todo-

Bondade, sempre presente no universo. Portanto, o Mal não

pode ter espaço no mundo como realidade permanente; ele

é a ausência do bem... (McConnell, 1988, 39, 40).

O leitor notará que o destaque dado à esfera espiritual foi casado

com a crença de que a mente humana pode controlá-la. É

fundamental para as crenças desses grupos sustentar que o

homem tem a capacidade inata de controlar o mundo material por

meio de sua influencia sobre o espiritual. Bastam conhecimento e

fé. Se o homem compreender corretamente as leis espirituais da

Page 26: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

vida e tiver fé para agir segundo elas, poderá atingir resultados

espantosos,

Em segundo lugar, para eles a cura constituía o principal ponto

de destaque. No artigo sobre essas seitas metafísicas, a

Encyclopedia Britannica descreveu-as como um "movimento de

cura pela mente..." (15a edição). Diziam eles que, se pensarmos

de modo certo, podemos controlar nossa saúde e, se nossa

capacidade mental for especialmente grande, podemos dar forma

a cada aspecto de nossa vida, decidindo-nos por ter saúde e

prosperidade. O leitor perspicaz observará que alguma coisa

parecida com isso está sendo ensinada hoje pelo movimento da

Nova Era e, em sua forma secular, pela grande variedade de

livros de auto-ajuda e de motivação ao sucesso. A maioria das

pessoas que lê esses livros não tem consciência de que eles

contêm uma visão metafísica distinta, que pressupõe que a mente

humana tem controle sobre a esfera espiritual. Kenyon, enquanto

estudava no Emerson, tornou-se um seguidor fiel desses ensinos

"transcendentais". Ele acreditava que essa forma de ver o mundo

não somente era compatível com o cristianismo, mas também

oferecia um aperfeiçoamento da espiritualidade cristã tradicional.

Decidiu, então, reunir a fé cristã na redenção por meio de Cristo

e o ensino transcendental de que a mente pode controlar a

realidade. Mediante o uso correto da mente, os benefícios da

redenção podiam ser reivindicados pelo fiel. Durante o restante

de sua vida, ele fez questão de ensinar essa nova interpretação

das Escrituras, certo de que aquilo representava um

aperfeiçoamento maravilhoso da tradição cristã e de que traria à

tona um cristianismo melhor, no qual todos os que seguissem a

Cristo gozariam de saúde e prosperidade durante toda a vida. Não

havia limite para as possibilidades — talvez surgisse uma super-

raça de cristãos que não mais estariam presos à doença ou a

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pobreza. Conscientes do poder que estava à disposição deles na

esfera espiritual, esses cristãos poderiam assumir o controle do

mundo nos últimos dias antes da volta de Cristo (McConnell,

1988, 51).

Retornemos agora a Hagin e à sua interpretação de Marcos 11,

que ele afirma ter recebido enquanto estava doente, em 1934. Ele

diz que aquela visão foi o início de sua nova compreensão da

Bíblia e, tendo saído da boca do Senhor, era a Palavra de Deus

autêntica. Entretanto, existe outra explicação, que deriva do fato

de que os escritos de Hagin são muito parecidos com os de

Kenyon, e isso não é coincidência. Parece que, enquanto era

jovem. Hagin leu muita coisa escrita por Kenyon. As

semelhanças entre os livros que Kenyon escreveu sobre cura,

prosperidade, e confissão positiva e aqueles que Hagin mais tarde

escreveu, afirmando terem vindo diretamente de Deus, ficam

evidentes para qualquer pessoa que tenha em mãos as duas

coleções de livros. De fato, em alguns casos, Hagin não

somente leu os textos de Kenyon; ele copiou palavra por palavra

e, depois, lançou os resultados como se fossem fruto de seu

trabalho. Por exemplo, quase 75% da edição original do livro A

Autoridade do Crente coincide palavra por palavra com um

livreto anterior de Kenyon, publicado em sua origem com o

mesmo título. Desse modo, não nos causa nenhuma surpresa o

fato de os ensinos de ambos serem os mesmos. É claro que nem

todos os livros de Hagin são cópias dos de Kenyon mas as

semelhanças são grandes. Depois de fazer uma comparação entre

os escritos dos dois, McConnell escreveu: "Até as doutrinas

que fizeram de Kenneth Hagin e do Movimento da Fé uma força

poderosa e distintiva dentro do movimento carismático

independente são plagiadas de E. W. Kenyon" (1988, p.7).

Page 28: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Hagin nega de modo inflexível que isso seja verdade. Ele diz que

nunca plagiou Kenyon e que seus ensinos vieram diretamente da

boca do Senhor. Somente depois de 1979, quando as

semelhanças entre os livros foram apontadas por vários leitores,

ele veio a admitir ter lido as obras de Kenyon. Mesmo assim, ele

tem certeza de que não estudou nenhum dos escritos de Kenyon

antes de 1950, ou seja, 13 anos depois de ter recebido a revelação

que fez seu ministério decolar. Então, como ele explica as

semelhanças? Hagin diz que elas se devem ao fato de ambos os

escritos serem a Palavra de Deus.

A conclusão dessa história é que a teologia de Hagin tem suas

raízes nos escritos de Kenyon, os quais, por sua vez, estão

baseados numa cosmovisão estranha ao cristianismo. Por isso,

constitui ponto de destaque nessa introdução dizer que, apesar de

o evangelho da prosperidade ter se difundido dentro do círculo

pentecostal, ele não teve ali sua origem e não faz

obrigatoriamente parte de seus ensinos. Parte do alvo deste

trabalho é isolar essa influência estranha e demonstrar sua

incompatibilidade com o cristianismo bíblico.

3. Prévia do Conteúdo

Os quatro capítulos restantes deste livro assumem a seguinte

forma: no capítulo dois, os ensinos da teologia da prosperidade

serão apresentados de maneira sistemática. As fontes estarão

quase inteiramente limitadas aos escritos de Hagin, muitos dos

quais se encontram em português. Estes serão ocasionalmente

complementados com aquilo que escrevem R. R. Soares ou Ken

Copeland, mas Hagin é merecidamente conhecido como o pai da

Page 29: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

doutrina da prosperidade, e até esta data seus escritos fornecem a

melhor exposição de suas idéias.

O leitor poderá fazer a objeção de que existem diferenças

importantes entre Hagin e outros indivíduos que pregam a

doutrina da prosperidade. É verdade que o evangelho da

prosperidade é antes um movimento, não uma denominação, e,

portanto, cada pessoa faz e ensina aquilo que acha mais

apropriado. Entretanto, parece haver um grau razoável de

homogeneidade nas crenças. Este livro teve origem num

ambiente de aulas de seminário, e uma das tarefas que cada aluno

recebeu foi a de ir a uma igreja que estivesse ensinando a

doutrina da prosperidade e depois fazer um relatório sobre aquilo

que ouviu. Os resultados confirmaram a suspeita de que o

evangelho da prosperidade pode ser um movimento que cruza as

fronteiras denominacionais, mas seus verdadeiros ensinos variam

muito pouco e são muito bem abrangidos pelos escritos de Hagin.

O capítulo dois considerará a teologia da prosperidade sob três

aspectos diferentes: l) autoridade espiritual; 2) saúde e

prosperidade; 3) confissão positiva. Os mesmos títulos serão

usados como temas divisores no capítulo três, onde será

oferecida uma resposta a cada ponto em particular. Na divisão

intitulada "Autoridade Espiritual", provarei que as afirmações de

Hagin e outros quanto à autoridade profética não resistem ao

escrutínio. Em segundo lugar, na seção chamada "Saúde e

Prosperidade", tentarei mostrar que as promessas feitas são

baseadas numa exegese da Bíblia que se revela defeituosa e de

qualidade inferior. Em terceiro lugar, na parte intitulada

"Confissão Positiva", procurarei demonstrar que as regras e os

métodos dessa prática tem suas raízes numa cosmovisão que tem

Page 30: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

mais a ver com as seitas metafísicas do que com o cristianismo

bíblico.

O capítulo quatro analisará com mais detalhes a cosmovisão que

está por trás da doutrina da prosperidade. Embora os tópicos

desse capítulo raramente sejam pregados nos púlpitos da

prosperidade, eles são essenciais para compreendermos a razão

pela qual essa teologia faz as afirmações que vemos. A discussão

será dividida em cinco áreas: o dualismo da natureza humana, do

conhecimento humano, da salvação, dos deuses e, por fim, do

problema do mal.

No final, no capítulo cinco será oferecido um resumo que

compara a espiritualidade da doutrina da prosperidade com a

espiritualidade da Bíblia.

Page 31: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Capítulo

Dois

OS ENSINOS DA TEOLOGIA DA

PROSPERIDADE

Qual é a mensagem do evangelho da prosperidade como um

todo? Como ele justifica sua afirmação de que é uma nova e

melhor interpretação da Bíblia? O que o cristão precisa fazer

para conseguir gozar a promessa de saúde e prosperidade?

Neste capítulo, tentaremos apresentar de forma ordenada os

ensinos da doutrina da prosperidade, começando com sua

alegação de autoridade espiritual, seguida pelas promessas

feitas com base nessa autoridade, até chegarmos às regras ou

método necessário para a obtenção daquilo que é prometido.

Page 32: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Introdução

Conforme observamos acima, o evangelho da prosperidade será

considerado de acordo com as três divisões seguintes:

"Autoridade Espiritual", "Saúde e Prosperidade" e "Confissão

Positiva". Juntas, elas perfazem um sistema coeso. É claro que o

leitor não irá encontrar esse tipo de apresentação em nenhum dos

livros de Hagin nem ouvi-lo num sermão, pois essas categorias

são extraídas a partir de uma análise cuidadosa de seus livros,

vistos como um todo e organizados de maneira lógica. O leitor

descobrirá que, uma vez que a teologia de Hagin e assim

organizada, seus escritos fazem mais sentido.

Presume-se que muitos leitores deste livro leram poucos ou

nenhum dos livros sobre prosperidade que se encontram à venda.

Talvez você tenha tido contato com a doutrina da prosperidade

somente por meio do rádio ou da televisão ou ouvido falar sobre

ela em conversas com amigos e membros de sua igreja, sem

nunca havê-la conhecido de forma direta. Por isso, forneceremos

citações extensas das obras de Hagin. Isso dará condições ao

leitor de julgar por si próprio se as análises e respostas aqui

oferecidas são justas e convincentes. O leitor deve manter em

mente que o propósito do capítulo dois é somente de expor a

doutrina da saúde e da prosperidade e não apresentar uma

resposta a ela. Todos os comentários críticos foram colocados no

capítulo seguinte, onde se encontra uma resposta a cada questão

levantada.

Uma palavra sobre as citações: as de Hagin serão seguidas pela

palavra principal extraída do título do livro que está sendo citado.

Para localizar o texto, o leitor precisa simplesmente encontrar o

Page 33: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

título completo do livro na bibliografia no final deste volume e,

então, verificar o número da página. Por exemplo, a referência

(Unção, 9) significa que a citação foi extraída da página 9 do

livro de Hagin chamado Compreendendo a Unção. Todos os

demais livros citados seguirão este padrão: nome do autor, data

de publicação e, se necessário, número da página.2

1. Autoridade Espiritual

A semelhança de muitas igrejas carismáticas e pentecostais,

Hagin ensina que Deus está ungindo profetas nos dias de hoje.

Tais homens são porta-vozes de Deus e, portanto, trazem consigo

a autoridade do próprio Senhor. "Deus ainda está ungindo

profetas hoje. Esses profetas são porta-vozes dEle..." (Unção, 9).

Ele ridiculariza aquelas denominações que ensinam que a

autoridade apostólica cessou com a morte dos Doze, dizendo que

"o diabo já ludibriou denominações inteiras", fazendo-as pensar

que esse dom cessou com os Doze (Nome, 51), Não nos

surpreende o fato de Hagin afirmar ser um desses porta-vozes

escolhidos, e seus sermões e escritos estão repletos de mensagens

e visões da parte de Deus. As expressões encontradas com maior

freqüência em seus livros são: "tive uma visão", "tive uma visão

espiritual rápida" ou "o Senhor me disse". Algumas vezes essas

visões são de natureza espetacular, à semelhança da vez em que

ele foi levado ao inferno três vezes num único dia.

2 Os textos extraídos dos livros de Hagin em português e os do livro de R. R. Soares serão

citados na íntegra, incluindo os erros gramaticais, freqüentes naquelas publicações (nota do

tradutor).

Page 34: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

... conforme já preguei muitas vezes, eu mesmo fui para o

inferno. Foi no dia 22 de abril de 1933, às 19:30 do

sábado... meu coração parou em meu peito, e senti a

circulação desligada... tive a sensação de pular para fora

do meu corpo... Comecei a descer. Desci cada vez mais

fundo, como se fosse em direção ao fundo de um poço.

Olhei para cima, e ainda via as luzes da Terra, muito acima

de mim. Quanto mais descia, tanto mais escuro ficava.

Finalmente, as trevas me envolveram... Minha mente, minha

alma, estava intacta... Vi lá longe, na minha frente, uma

chama alaranjada gigante, com uma crista branca. Então

cheguei ao portão, à entrada, aos portais do próprio

inferno. Algum tipo de criatura estava me esperando no

fundo do poço... a criatura... agarrou o meu braço... No

momento em que aquela criatura me pegou pelo braço para

me escoltar para dentro, uma voz falou... Não consegui

compreender o que a voz dizia... Quando, porém, Ele falou

aquilo, seja o que for... aquele local inteiro tremeu e

estremeceu como uma folha no vento. Então aquela criatura

largou o meu braço, e alguma coisa como uma sucção,

puxando-me irresistivelmente pelas costas, sem me virar,

me puxou para trás, para longe da entrada do inferno e das

trevas do abismo, e subi... O cenário inteiro repetiu-se três

vezes (Crescimento, 38-40).

A mesma experiência repetiu-se algum tempo depois, mas dessa

vez a direção foi para cima, em vez de para baixo:

E quatro meses mais tarde, no dia 16 de agosto de 1933, às

13:30, fiquei sabendo de novo que estava morrendo... tive a

mesma sensação que já tivera antes. Mas desta vez, eu era

Page 35: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

salvo!... Dessa vez a viagem não era para baixo, mas para

cima (Crescimento, 41; veja também Nome, 63).

Muito mais importantes do que essas viagens para o céu e para o

inferno são suas afirmações de ter sido instruído pessoalmente

por Jesus em assuntos de doutrina. Ele alega ter recebido não

menos do que oito visitas pessoais de Jesus que visavam ensinar-

lhe a verdade. As seguintes passagens são bem características:

Em dezembro de 1952, enquanto eu e um pastor orávamos

na cozinha da sua casa pastoral, o Senhor Jesus Cristo

apareceu diante de mim numa visão. Disse: "Vou-lhe

ensinar a respeito do diabo, dos demônios, e dos espíritos

maus"... Fiquei arrebatado naquela visão durante uma hora

e meia enquanto Jesus me ensinava. (Nome, 78.)

Certa noite, enquanto alguns amigos se preparavam para

servir um lanche depois de um culto em Phoenix, Estado da

Arizona, recebi da parte do Espírito Santo um impulso

excepcionalmente forte para orar... "Estou obrigado a orar

agora", falei aos meus amigos. "Oremos todos nós,

portanto", concordaram. Mal meus joelhos tocaram no

chão, e eu já estava no Espírito... Durante 45 minutos, orei

em línguas, com gemidos... Em seguida, tive uma visão...

Então, o próprio Senhor Jesus apareceu a mim. Vi-O tão

claramente quanto poderia ver você. Ele ficou menos de um

metro de distância de mim. Tratou de assuntos que diziam

respeito ao meu ministério e à minha situação financeira, e

até mesmo ao nosso governo dos Estados Unidos...

Terminando, Ele me exortou: "Seja fiel e cumpra seu

ministério, meu filho, pois o tempo está curto". Essa visão

me foi dada em dezembro de 1953. Jesus virou-Se, e

Page 36: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

começou a afastar-Se, mas falei: "Querido Senhor Jesus,

antes de ires embora, posso fazer-Te uma pergunta? Jesus

deu uns passos de volta, ficou em pé perto de onde me

ajoelhava, e disse: "Pode." (Crescimento, 75, 76.)

Quero voltar... para aquilo que Jesus me disse em fevereiro

de 1959 em El Paso, Texas. Eram seis e meia da tarde. Eu

estava sentado na cama, estudando... Ouvi passos. A porta

do meu quarto estava semi-aberta, uns 30 ou 40

centímetros. Olhei, portanto, para ver quem estava

entrando no meu quarto. Esperava ver alguma pessoa

física, literal. Mas quando olhei para ver quem era, vi

Jesus. Parecia que os cabelos do meu pescoço e da minha

cabeça ficaram eriçados, totalmente em pé. Caroços de

arrepio surgiram de repente em todas as partes do meu

corpo. Vi-O. Ele estava usando vestes brancas. Estava

usando sandálias romanas. (Jesus apareceu na minha frente

oito vezes. Em todas as demais ocasiões, senão esta, Seus

pés estavam descalços. Desta vez, Ele usava sandálias;

foram as sandálias que eu escutara). Ele parecia medir

cerca de 1 metro 80 centímetros, e dava a impressão de

pesar cerca de 82 kg. Ele passou pela porta e a empurrou

para trás até quase fechá-la. Andou em derredor do pé da

minha cama. Eu O seguia com os olhos — quase fascinado.

Ele pegou uma cadeira de costas retas e a puxou para perto

da minha cama. Depois, sentou-se nela, dobrou as mãos, e

começou Sua conversa, dizendo: "Disse-lhe anteontem à

noite no automóvel pelo Meu Espírito"... (Dirigido, 29, 30;

veja também Planos, 99; Unção, 39.)

Tais sessões educativas devem ter grande importância no reino

celestial, pois Hagin relata que, às vezes, demônios tentam

Page 37: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

impedir que ele tenha percepção do ensino de Jesus durante essas

visitas.

Em 1952, o Senhor Jesus Cristo me apareceu numa visão...

No final daquela visão, um espírito maligno que parecia um

macaquinho ou um duende correu entre mim e Jesus,

espalhando alguma coisa parecida com fumaça ou nuvem

escura. Então este demônio começou a pular, gritando com

uma voz estridente: "Iaqueti-iac, iaqueti-iac, iaqueti-iac".

Eu não podia ver a Jesus, nem entender o que Ele dizia.

(Durante todo o tempo dessa experiência, Jesus estava me

ensinando alguma coisa... Não podia compreender por que

Jesus permitia ao demônio fazer tanta algazarra...

(Autoridade, 37.)

As entrevistas de Hagin com o Senhor são tão profundas e ele é

levado para tão longe da terra que, às vezes, tem medo de entrar

demais na dimensão espiritual, a ponto de não poder voltar.

Não sei se você já teve alguma experiência no Espírito, ou

não, mas eu já tive muitas, e posso falar-lhe com a mais

perfeita sinceridade: Quando vem aquela unção, quase

ficamos com medo do ponto de vista natural, porque temos

medo de não podermos voltar. (Unção, 145.)

A autoridade espiritual de Hagin é apoiada não apenas por

afirmações de visões do céu e do inferno e instruções pessoais

com Cristo. Ele também descreve com alguns detalhes unções

especiais de espiritualidade. Estas apresentam vários aspectos

diferentes; por exemplo, ele diz que, às vezes, fica em oração

durante horas, sem ter noção do tempo que passa (Planos, 36,

99). Outras vezes, ele sente uma unção de grande poder,

Page 38: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

enquanto prega, e descreve-a como sendo semelhante a uma capa

ou manto caindo sobre seus ombros. Há oportunidades em que tal

sentimento é muito intenso, e ele entra em êxtase:

Às vezes no ministério, quando a unção vem sobre mim,

parece que um manto desce sobre mim. Parece que estou

vestindo um manto, um casaco, quando na realidade, não

estou. Mas o poder de Deus — a unção — me envolve tanto

que me sinto vestido assim. (Unção, 99; veja também 125.)

... veio sobre mim a unção. De novo, era como se alguém

tivesse passado por mim correndo e jogado uma capa sobre

mim. Sentia-a em todo o corpo. Sabia, de novo, que a unção

não duraria por muito tempo, porque eu não poderia

agüentá-la fisicamente... Fiquei arrebatado naquela glória,

e me contaram depois, que toda pessoa tocada por mim

caiu... (Unção, 141.)

Em Dezembro de 1962, eu estava pregando em Houston...

De repente, senti um vento soprando sobre mim. Veio com

tamanha força que me derrubou ao chão e caí em êxtase...

Vi... Jesus. (Planos, 34.)

Há vezes em que ele se vê cercado por uma nuvem de glória,

enquanto prega.3

Certo domingo de noite... tinha pregado durante uns 15

minutos, ungido pelo Espírito Santo, quando, então, o poder

de Deus entrou naquele auditório da igreja e o encheu 3 A presença de uma nuvem de glória era uma afirmação comum entre os pregadores,

durante os avivamentos de cura que vieram depois da Segunda Guerra Mundial, nos

Estados Unidos (McConnell, 74).

Page 39: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

como nuvem. Não consegui ver nem um só membro —

estava dentro da nuvem. Escutava o som da minha voz, mas

não reconhecia uma única palavra daquilo que dizia...

Finalmente, consegui enxergar pessoas nas três primeiras

fileiras de assentos. Então, a unção começou a desaparecer.

(Unção, 50; veja também 54, 83.)

Hagin afirma que há vezes em que seus seguidores vêem seu

rosto brilhar, pelo fato de estar na nuvem de glória (Unção, 51).

Ele diz que, depois dessas experiências de êxtase, não consegue

andar durante algum tempo nem dirigir um carro. Antes, prefere

simplesmente ficar sozinho, sem falar com ninguém nem ser

tocado por nenhuma pessoa, a fim de que não seja trazido de

volta muito rapidamente de seu êxtase espiritual (Unção, 143).

Além de uma espiritualidade profunda e poderosa, Hagin

também alega ter recebido dons especiais de inteligência e

presciência. Depois de sua conversão, sua inteligência aumentou

entre 30 e 60% (Dirigido, 54), e ele recebeu o dom de uma

memória perfeita (Unção, 58). Como se isso não bastasse para

transformá-lo num erudito de primeira linha, ele também recebeu

diretamente do Senhor o dom de ensino e o de cura:

Lembro-me, porém, de certa quinta-feira às três horas da

tarde... Enquanto atravessava a sala... e estava bem no

centro dela, algo caiu sobre mim e para dentro de mim.

Desceu dentro de mim com um "clique," como quando a

ficha telefônica é recebida... Sabia do que se tratava. Era

um dom de ensino... Falei: "Agora sei ensinar". (Unção, 58,

59.)

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Quando o Senhor apareceu a mim naquela primeira visão

em 2 de setembro de 1950... Ele tocou nas palmas das

minhas mãos com o dedo da Sua mão direita... e disse:

"Chamei-te e te ungi e te dei uma unção especial para

ministrar aos enfermos". (Unção, 137, 138.)

Hagin sempre recebe conhecimento do futuro, principalmente

quando se trata de prever uma desgraça iminente. Por exemplo,

ele diz que Deus o avisa de um problema que se aproxima,

sempre que se hospeda na casa de alguém:

Na realidade, até agora nunca fiquei hospedado na casa de

ninguém sem Deus me advertir no tocante a qualquer

tragédia iminente. Se estivesse para haver alguma morte

entre aquela família dentro dos dois anos futuros, Ele me

contava. (Unção, 89.)

Ele soube com antecedência, por meio de uma visão, com quem

iria se casar e os filhos que iria ter (Planos, 33).

Os mais espetaculares milagres de Hagin encontram-se relatados

nos boletins enviados regularmente aos seguidores nos Estados

Unidos. Eles ainda não foram publicados no Brasil, mas

apresentam afirmações muito mais dramáticas, incluindo

milagres de levitação e até ressurreição dos mortos. D. R.

McConnell, responsável pela produção dos mais bem

pesquisados relatos do ministério de Hagin, descreve alguns

desses acontecimentos miraculosos:

Em 1937, Hagin foi ordenado ministro da Assembléia de

Deus e pastoreou várias igrejas pequenas no estado do

Texas. Por ser pentecostal, seu ministério cresceu ainda

mais para o lado abertamente sobrenatural. Além da nuvem

Page 41: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

de glória e das pregações em estado de suspensão

temporária das funções vitais, Hagin descreve reuniões em

que, numa delas, uma mulher levitou à meia-altura,

enquanto dançava, e outra ficou fisicamente congelada,

num transe de catalepsia, durante 8 horas e 40 minutos. As

curas eram freqüentes, e no ministério pastoral de Hagin

chegaram a acontecer até supostas ressurreições dos

mortos. (McConnell, 1988, 60.)

Talvez a afirmação mais notável de Hagin seja a de que, em 45

anos, ele nunca ficou desanimado, preocupado ou enfrentou

alguma luta.

Ouço as pessoas, Deus abençoe o coração delas, que falam

a respeito de estar no vale, e depois, de estar na montanha,

para então voltarem ao vale. Eu nunca fui para o vale. Faz

45 anos que sou salvo, e nunca fui para lugar algum senão

para o cume das montanhas... Oh, sim, tem havido provas e

provações, mas eu fiquei no cume da montanha, gritando a

vitória o tempo todo — vivendo acima dos problemas!

(Dirigido, 73, 74.)

Muito mais pode ser dito. Na verdade, se extraíssemos todos os

relatas de sinais e maravilhas daqueles textos já publicados no

Brasil poderíamos formar um livreto de tamanho razoável.

Aqueles citados aqui servem para que o leitor tenha um quadro

geral. A esta altura, precisamos nos lembrar do motivo dessas

visões, sinais e maravilhas. Eles são fornecidos para dar

substância à alegação de Hagin no sentido de ser um profeta de

Deus dos dias de hoje, que recebeu uma revelação nova para os

últimos tempos. Suas afirmações de visões e dons de profecia

Page 42: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

justificam seu ministério público e colocam o selo de aprovação

divina sobre seus ensinos.

Vale notar que Hagin não tolera qualquer questionamento de seus

ensinos. Ele não permite que suas visões sejam objeto de

discussão por parte de seus seguidores. O relato seguinte de um

confronto com sua própria esposa ilustra dramaticamente essa

questão:

Após um caso sobrenatural de levitação em um de seus

cultos, a própria esposa de Hagin, o irmão e a esposa do

pastor, em cuja igreja ele estava ministrando, questionaram

se aquele fenômeno era de Deus. No dia seguinte, enquanto

ele orava, a "palavra do Senhor" veio a Hagin, instruindo-o

a tocar levemente a testa dos três com seu dedo mínimo. Ao

tocar sua esposa, ela caiu de costas no chão, "como se

tivesse sido atingida por um taco de beisebol". À

semelhança dela, os outros dois também foram "abatidos no

Espírito". As três vítimas paralisadas ficaram "coladas no

chão". Quando o pastor, logicamente preocupado, tentou

levantar sua esposa, ele "não conseguiu sequer levantar o

braço dela do chão, muito menos seu corpo". Então, uma

voz deu instruções a Hagin para que se ajoelhasse diante de

cada um deles. Diga-lhes que tentem se levantar. Depois,

pergunte-lhes se admitem que o que está acontecendo deve-

se ao poder de Deus". Ao tentarem se mexer e verem que

estavam completamente imobilizados, os três, é claro,

dispuseram-se a admitir que o poder e o ministério de

Hagin eram de Deus. Então, a voz instruiu a Hagin para

que os "soltasse", tocando novamente a testa de cada um

com seu dedo. Eles haviam sido convencidos. Se,

obedecendo à voz interior, Hagin podia fazer tudo isso

Page 43: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

somente com seu dedo mínimo, era inevitável que tais

julgamentos proféticos aumentassem, à medida que seu

ministério crescia. Em 1959, em sua sexta visão de Jesus, o

Senhor disse a Hagin... (que) se uma igreja se recusasse a

aceitar seu ministério, Deus iria retirar dela seu candeeiro.

Por mais sérias que sejam essas conseqüências para a

igreja, elas não são nada se comparadas ao julgamento

pronunciado sobre o ministério de um indivíduo que desafie

o trabalho profético de Hagin. Afirmando que "se um pastor

não aceitar essa mensagem, então lhe sobrevirá

julgamento", Hagin escreve; "O Senhor me disse: Se eu lhe

der uma mensagem destinada a um indivíduo, igreja ou

pastor e eles não a aceitarem, você não será responsável.

Eles serão responsáveis. Haverá ministros que não a

aceitarão e cairão mortos no púlpito".

Aqueles que pensam que essas declarações não passam de

vãs ameaças ou de hipérbole profética devem ouvir mais o

"profeta": "Digo isso com relutância, mas realmente

aconteceu num lugar onde eu havia pregado. Duas semanas

depois da reunião, o pastor caiu morto no púlpito. Eu havia

saído chorando da igreja e disse ao pastor da igreja

seguinte, onde eu fora dirigir uma reunião: "Aquele homem

vai morrer no púlpito". E isso aconteceu pouquíssimo tempo

depois. Por quê? Porque ele não aceitou a mensagem que

Deus me deu para lhe entregar diretamente do Espírito". Se

um ministro pode ter um destino assim, o que dizer de um

mero leigo que ouse questionar a mensagem de Hagin? Na

publicação original deste material, Hagin também avisou

que "nos últimos dias, haverá leigos que cairão mortos na

igreja, à semelhança de Ananias e Safira. Eles mentiram

para Deus". (McConnell, 1988, 66. 67.)

Page 44: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Hagin diz que aqueles pregadores e leigos que rejeitarem seu

ensino serão atingidos de morte, como Ananias e Safira, e que a

ira divina cairá sobre aqueles que não seguem suas idéias. Desse

modo, não somente sua teologia vem diretamente de Jesus, mas

também a ira divina arde contra aqueles que se opõem a seu

ministério de ensino.

Hagin é um bom exemplo do tipo de autoridade que os líderes do

movimento da prosperidade alegam ter, e seus escritos

demonstram bem o destaque extraordinário que é dado aos sinais

e maravilhas dentro do movimento. Visões, profecias, entrevistas

com Jesus, curas, palavras de conhecimento, falar em línguas, ser

abatido no Espírito, nuvens de glória, rostos que brilham com luz

sobrenatural, conhecimento do futuro, rejeição de dores de

cabeça e gripes por meio de uma palavra de comando, etc; esses

são os elementos que tornam emocionante a doutrina da

prosperidade. Eles não apenas verificam que Deus está presente e

em atividade, mas também contribuem para sermões fascinantes.

Entretanto, essas histórias e casos não estão sozinhos. Eles são

sustentados pelo pressuposto teológico de que sinais e maravilhas

têm um lugar importante na igreja, pois se afirma que o poder de

Jesus para operar milagres foi cedido para o uso da igreja. O

argumento que apóia essa afirmação tem dois aspectos diferentes.

Primeiro, observa-se que os milagres são um fator importante do

ministério de Jesus, a maioria dos quais constituída de curas. Na

verdade, dos 33 milagres registrados nos evangelhos, 17 são

curas e quatro outros são exorcismos que envolviam cura. A

leitura dos autores dos evangelhos deixa claro que Jesus era

capaz de curar quando quisesse e que ele curou todos os que o

procuraram com esse propósito. Mateus 9.35 diz que "percorria

Jesus todas as cidades e povoados, ensinando... pregando... e

Page 45: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

curando toda sorte de doenças e enfermidades". Em nenhum

lugar se vê Jesus mandar embora uma pessoa que desejasse ser

curada. Nas ocasiões em que se diz que Jesus operou poucos

milagres ou mesmo nenhum, a incredulidade é apresentada como

causa imediata daquilo, embora isso não queira dizer que Jesus

não poderia ter exercido seu poder se quisesse (Mc 6.5, 6). Com

base nessa ênfase no Novo Testamento, a doutrina da

prosperidade afirma que o mesmo poder para realizar milagres

encontra-se hoje à disposição da igreja. O raciocínio é este: uma

vez que Jesus permanece o mesmo (Hb 13.8), ele deve estar

disposto a curar agora, como estava naquela época. Sobretudo, o

próprio Jesus afirmou que seus seguidores fariam obras maiores

do que as dele (Jo 14.12). Assim, alega-se que a conclusão disso

tudo é a seguinte: os cristãos devem ser capazes de realizar

aquilo que Cristo realizou enquanto estava presente em seu corpo

sobre a terra (Duffield, 1983, II: 137-218).

O segundo aspecto desse argumento é que o poder de cura

revelado pelos apóstolos, enquanto viveram, mostra que Jesus, de

fato, concedeu seu poder à igreja. A missão que Cristo deu aos

doze (Mt 10.1; Lc 9.1) e aos setenta (Lc 10.9), ao enviá-los para

pregar, inclui a ordem de curar os doentes. Essa incumbência é

renovada pelo Cristo ressurreto, em Marcos 16.18, que ordena a

imposição de mãos sobre os doentes e acrescenta a promessa de

que estes serão curados. Afirma-se que Lucas registra o

cumprimento dessa promessa em seu livro de Atos, pois ele está

repleto de milagres, incluindo as narrativas em que Pedro cura o

homem coxo, na porta do templo (3.1ss.), da cura de Enéias, em

Lida (9.32ss.), e de Tabita, em Jope (9.36ss.). Lucas também

registra a cura de um paralítico em Listra (14.8ss.), do pai de

Públio, em Malta (28.7, 8), e a restauração de Êutico à vida, em

Trôade (20.9ss.). Conclui-se que Atos revela aquilo que Deus

Page 46: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

espera de sua igreja, pois o mesmo poder concedido aos

apóstolos também foi dado à igreja. Portanto, o poder de Jesus

para a realização de milagres é um dom permanente concedido à

igreja, e esta deve manifestar tais sinais e maravilhas em seu dia-

a-dia.

Os próprios escritos de Hagin são incomuns, por causa da

quantidade e de sua natureza dramática, mas não deixam de ser

coerentes com a teologia que se encontra por trás deles, a qual

garante a possibilidade de autoridade e autenticação apostólicas

nos dias de hoje. Isso traz duas implicações para aquelas igrejas e

pastores que seguem Hagin e os ensinos sobre prosperidade.

Primeira, eles são obrigados a aceitar a responsabilidade que

decorre do fato de crerem que a autoridade profética ou

apostólica encontra-se presente na igreja de hoje, pois é

exatamente isso que Hagin afirma. Qualquer pessoa que aceite a

doutrina da prosperidade, está aceitando Implicitamente a

afirmação de Hagin de que essa nova doutrina foi-lhe ensinada

por Jesus Cristo em pessoa. Segunda, as alegações de Hagin de

autoridade apostólica são apoiadas por suas histórias mira-

culosas. Aquelas igrejas e pastores que seguem os ensinos da

prosperidade são obrigados a aceitar a responsabilidade de

garantir a validade dos sinais e maravilhas entre seus membros.

Voltaremos a esse ponto no capítulo seguinte para oferecer

algumas idéias que recomendam prudência no consentimento

com tais afirmações.

Page 47: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

2. Saúde e Prosperidade

Chegamos agora às promessas centrais da doutrina da

prosperidade: o direito que todo cristão tem de gozar de saúde e

riqueza. Hagin não se cansa de dizer que as duas coisas

representam sempre a vontade de Deus para o cristão:

Nós, como cristãos, não precisamos sofrer reveses

financeiros; não precisamos ser cativos da pobreza ou da

enfermidade! Deus proverá a cura e a prosperidade para

Seus filhos se eles obedecerem aos Seus mandamentos...

Deus quer que Seus filhos... tenham o melhor de tudo.

(Limiares, 66.)

São essas promessas que tornam tão atraente o evangelho da

prosperidade. Embora estejam logicamente ligadas, faremos

distinção aqui entre as afirmações quanto à saúde e aquelas que

dizem respeito à riqueza ou prosperidade.

2.1 Saúde

A teologia da prosperidade não se cansa de repetir que nem

doenças nem problemas financeiros são da vontade de Deus para

o cristão, nem é necessário que este se confronte com eles

durante a vida.

As doenças e as enfermidades não são da vontade de Deus

para o Seu povo. Ele não quer que a maldição paire sobre

os Seus filhos por causa da desobediência; Ele quer

abençoá-los com a saúde... Não é da vontade de Deus que

fiquemos doentes. Nos dias do Antigo Testamento, não era

Page 48: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

da vontade de Deus que os filhos de Israel ficassem doentes,

e eles eram servos de Deus. Hoje, somos filhos de Deus. Se

Sua vontade era que nem sequer Seus servos ficassem

doentes, não pode ser Sua vontade que Seus filhos fiquem

doentes! As doenças e as enfermidades não provêm do

amor. Deus é amor... Nunca diga a ninguém que a

enfermidade é a vontade de Deus para nós. Não é! A cura e

a saúde são a vontade de Deus para a humanidade. Se a

enfermidade fosse a vontade de Deus, o céu estaria cheio de

enfermidades e doenças. (Redimidos, 18-20.)

Se a vontade de Deus é sempre de que o cristão esteja bem, então

o contrário deve ser verdade; a doença nunca é da vontade de

Deus para o fiel. O testemunho de Hagin nesta área é um bom

exemplo. Ele alega não ter sofrido mais do que uma dor de

cabeça em toda a fase adulta de sua vida: "A última dor de

cabeça que senti foi em agosto de 1933" (Unção, 31). Mas, o que

falar daquelas passagens bíblicas que se referem aos problemas

na vida, tais como, por exemplo, 2 Coríntios 6.4-6, onde Paulo

diz que o cristão pode esperar aflições de todo tipo? Isso não

inclui as várias espécies de doença? Hagin diz que não. O cristão

pode passar por problemas, embora Hagin não os defina, mas

eles nunca incluem as doenças.

Falamos em pessoas "aflitas" com enfermidades. Mas a

palavra grega aqui traduzida "aflições" significa "nas

provas" ou "nas provações". (Necessário, 12.)

Quando a Bíblia fala no sofrimento, não se refere à

"enfermidade". Não temos nenhum motivo para sofrermos

com enfermidades e doenças, porque Jesus nos redimiu

delas. (Necessário, 8.)

Page 49: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Sim, há sofrimento, mas não doença e enfermidades.

Graças a Deus que não precisamos padecer tais coisas,

porque Cristo carregou sobre Si as nossas enfermidades.

(Necessário, 43.)

A interpretação de 2 Coríntios 11.23-31, onde Paulo se refere aos

sofrimentos que ele suportou por Cristo, é da mesma natureza.

Paulo conclui, no versículo 30: "Se tenho de gloriar-me, gloriar-

me-ei no que diz respeito à minha fraqueza". Hagin diz que a

idéia que Paulo tem de fraqueza, nessa passagem, "nada tem que

ver com enfermidades; trata-se das provas e provações que o

apóstolo acaba de mencionar" (Necessário, 13). Outras passagens

que se referem a aflições são interpretadas de maneira

semelhante. Salmos 34.19, por exemplo, diz: "Muitas são as

aflições do justo, mas o Senhor de todas o livra". Este é o

comentário que Hagin faz dessa passagem:

No Antigo Testamento, essa palavra "aflição" não significa

doença nem enfermidade; a palavra hebraica realmente

significa "teste" ou "provação". É isso que nossos

problemas são: testes e provações". (El Shaddai, 22.)

E aquelas passagens nas Escrituras onde alguém é mencionado

de forma específica como estando doente, a exemplo de Timóteo

(1 Tm 5.23), Epafrodito (Fp 2.27) e Trófimo (2 Tm 4.20)? Hagin

responde a isso de duas maneiras diferentes em ocasiões

distintas. Uma resposta diz que as referências à enfermidade no

Novo Testamento sempre destacam a cura, em vez da doença.

Esta é mencionada apenas para mostrar que a cura de Deus

estava a caminho. A segunda resposta, sem demonstrar

necessária coerência com a primeira, afirma que aquelas poucas

passagens que se referem a um cristão doente devem ser

Page 50: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

interpretadas no sentido de que faltava fé à pessoa enferma. Se

esta possuísse fé suficiente, não haveria qualquer registro de

enfermidade. Permanece a passagem onde Paulo descreve a si

próprio como tendo um espinho na carne (2 Co 12.7). Mas

aparentemente, esse trecho não apresenta tamanha dificuldade,

pois Hagin responde que o espinho de Paulo não se referia a uma

enfermidade física. Antes, ele está falando de algum outro tipo de

problema, tal como perseguição, um demônio ou alguma

tentação ao pecado.

Essas respostas podem ser satisfatórias se aplicadas aos

personagens bíblicos, mas o que dizer de um cristão que adoece

nos dias de hoje? Como ele deve interpretar a doença, se a saúde

faz parte de seus direitos como cristão? A resposta mais comum,

seja de Hagin ou de qualquer outro pregador da doutrina da

prosperidade, é esta: a doença não é um problema com o qual

devamos nos preocupar. Se alguém ficar doente, essa pessoa

sempre terá a cura à sua disposição. Um pregador da cura dos

dias de hoje é citado como autor das seguintes palavras: "Ser

curado de câncer é tão fácil quanto ter os pecados perdoados"

(Biederwolf, 1934, 10). Entretanto, é óbvio que muitos cristãos

adoecem e alguns deles morrem. Por que isso acontece? Razões

diversas são mencionadas por diferentes pregadores da cura, mas

todas elas se encaixam numa lista de cinco: primeira, à

semelhança dos personagens bíblicos, as pessoas de hoje

adoecem por falta de fé. Se elas crerem, a cura estará à espera

dela. Segunda, muitas pessoas estão doentes por desconhecerem

seus direitos como cristãs. Elas seriam curadas imediatamente, se

conhecessem a interpretação correta da Bíblia. Terceira, alguns

estão doentes simplesmente porque não pedem ajuda. Em quarto

lugar, em alguns casos, existe pecado não confessado, e isso

bloqueia o poder da cura. Por fim, há quem permaneça doente

Page 51: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

por deixar de expulsar a Satanás mediante a confissão positiva. É

provável que esta última razão seja a mais ouvida. São freqüentes

os casos em que o pastor da prosperidade afirma que há um

"espírito de miséria que paira sobre as pessoas" e, então, faz um

verdadeiro show de expulsão de demônio(s) e de libertação das

enfermidades por eles causadas. Entretanto, de qualquer modo, a

causa principal está no cristão ou no diabo; nunca se trata de uma

questão da vontade de Deus. Com efeito, Hagin insinua que,

além do sofrimento que procede do fato de estar doente, o cristão

tem de enfrentar a realidade de que as doenças exaltam o diabo.

Muitos cristãos nascidos de novo e cheios do Espírito vivem

num baixo nível de vida, vencidos pelo diabo. Na realidade,

falam mais no diabo do que em qualquer coisa. Cada vez

que contam uma desventura, exaltam o diabo. Cada vez que

contam quão doentes se sentem, exaltam o diabo (ele é o

autor das doenças e das enfermidades — e não Deus). Cada

vez que dizem: "Parece que não vamos conseguir", exaltam

o diabo. (Nome, 19.)

Conclui-se que é desnecessária toda e qualquer enfermidade entre

cristãos:

Por que, pois, o diabo — a depressão, a opressão, os

demônios, as enfermidades, e tudo mais que provém do

diabo — está dominando tantos cristãos e até mesmo

igrejas? É porque não sabem o que pertence a eles. (Nome,

37.)

Page 52: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

A Morte e os Médicos

Embora os cristãos tenham direito à saúde, isso não significa que

possamos evitar a morte ou que ela não seja real, conforme

ensina a Ciência Cristã. Hagin interpreta a morte como parte da

maldição decorrente da queda de Adão, a qual todos temos de

enfrentar. Mas, embora o cristão precise morrer, a morte deve ser

uma experiência indolor, não ligada às doenças, que ocorre

depois de uma vida "plena e longa" (Zoe, 37), sendo que sua

duração é de "70 ou 80 anos" (El Shaddai, 39). Uma

conseqüência disso e que há pouca necessidade de médicos entre

os cristãos adeptos da doutrina da prosperidade. É exatamente

essa a conclusão a que Hagin chega. Para aqueles que atingiram

uma fé madura, nem a medicina nem os conselhos médicos

devem ser necessários.

É claro que estamos a favor da ciência médica, e que damos

graças a Deus por aquilo que ela consegue fazer.

Certamente não nos opomos aos médicos. Mas algumas

pessoas confundem a ciência médica com os dons de curas.

Já ouvi alguns dizerem que os dons de curas eram os

médicos e os conhecimentos da medicina que Deus lhes deu.

Se a ciência médica é o método divino da cura, no entanto,

os médicos não deviam cobrar — seus serviços deviam ser

gratuitos... Além disso, a ciência médica estaria livre de

erros. Os médicos não cometeriam enganos. (Dons, 102.)

Não me compreenda mal: não sou contra os médicos. Dou

graças a Deus por eles. A ciência médica ajudará as

pessoas tanto quanto puder. Se eu tivesse tido necessidade

de ir a um médico nestes últimos cinqüenta anos, teria ido

— mas nunca foi necessário. Por outro lado, já mandei

Page 53: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

outras pessoas aos médicos, paguei as contas, e comprei os

remédios (muitas vezes, os médicos conseguem manter as

pessoas com vida até que possamos colocar dentro delas

uma dose suficiente da Palavra para receberem a cura

divina total). (Unção, 31.)

Outros pregadores da prosperidade, tais como R. R. Soares,

assumem uma posição mais rígida e defendem a idéia de que,

para o cristão, é errado procurar um médico, sob quaisquer

circunstâncias. Aqueles que apelam para um médico, que são

internados em hospitais, demonstram uma falta de fé que desonra

a Deus. Os médicos destinam-se apenas aos descrentes, e a

profissão que eles exercem é um testemunho da bondade de Deus

para com o mundo pagão.

Alguém uma vez me disse: Mas, Deus não colocou os

médicos no mundo?... Eu respondi: É verdade. Ele é tão

bom que pensou nos crentes incrédulos. (Soares, 1987. 40.)

R R. Soares oferece sua própria experiência como norma para

todos os cristãos, dizendo que, desde que entendeu o ensino da

prosperidade, nunca mais ficou doente.

Um dia li o livro "O Nome de Jesus" de Kenneth Hagin.

Acabei de lê-lo no dia 2 de dezembro de 1984 e de lá para

cá nunca mais tomei um comprimido sequer, com exceção

de um antiácido que tomei 15 dias após, numa madrugada

por causa de uma indisposição estomacal... (Soares, 1987,

16.)

O ensino do evangelho da prosperidade é claro e sem

qualificações: todo cristão deve gozar de saúde durante toda sua

vida. Qualquer coisa que esteja aquém disso só pode significar

Page 54: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

que existe um problema espiritual na vida do cristão. Ele

desconhece o meio de obter a saúde, ou não tem fé, ou está em

pecado, ou encontra-se sob o domínio do diabo.

2.2 Prosperidade

No campo das finanças, Hagin segue exatamente o mesmo

raciocínio que utiliza em suas afirmações sobre saúde. A

prosperidade financeira é um direito do cristão, pois faz parte da

expiação efetuada por Cristo. Assim como o cristão tem direito à

saúde, ele também tem direito de ser próspero. Exatamente da

mesma forma como as enfermidades nunca representam a

vontade de Deus para o fiel, assim também a pobreza ou as

dificuldades financeiras de qualquer espécie. O pastor de hoje

tem o dever de pregar essa mensagem com toda sua força, pois

no passado a igreja deu destaque demasiado ao lado espiritual da

salvação. O direito de sermos financeiramente prósperos precisa

ser cada vez mais proclamado dos púlpitos. Depois de citar Josué

1.8, Hagin diz:

Você quer ser bem sucedido? Deus nos conta como

prosperar, neste versículo. Ele diz que se a Sua Palavra

enche o nosso coração ao ponto de "meditarmos nela dia e

noite", acharemos prosperidade. Subentende-se que o

homem cheio da Palavra de Deus prosperará

espiritualmente. Mas o aspecto que quero enfatizar aqui é a

promessa que Deus deu da prosperidade física, e não

somente espiritual. (Espírito, 15.)

Para defender sua idéia, Hagin aponta várias passagens bíblicas.

Em Filipenses 4, por exemplo, onde Paulo diz que havia

Page 55: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

aprendido a "viver contente em toda e qualquer situação", Hagin

afirma que deve ser dado destaque não tanto ao contentamento,

mas à provisão que Deus faz de nossas necessidades financeiras e

materiais.

Paulo disse, escrevendo à igreja em Filipos: "E o meu

Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir em

Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades" (Fp 4.19).

Todas as suas necessidades incluem as necessidades

financeiras, materiais, e as demais. Na realidade, nesse

capítulo, Paulo está falando a respeito das coisas

financeiras e materiais. (Redimidos, 5, 6.)

Ele oferece uma interpretação semelhante de 3 João 2: "Amado,

acima de tudo faço votos por tua prosperidade e saúde, assim

como é próspera a tua alma". Hagin afirma que, nesse versículo,

João não está simplesmente fazendo uma saudação ou

expressando um desejo pessoal, mas revelando a vontade de

Deus no sentido de que todos os cristãos gozem de prosperidade

financeira.

A oração aqui traduzida "faço votos" é "orar" no grego

original. Logo, João disse aqui. Amado, acima de tudo

ORO por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera

a tua alma. Se ele foi motivado pelo Espírito para orar

assim, esse deve ser o desejo do Espírito para todas as

pessoas. É correto, portanto, orar pedindo prosperidade

financeira, porque João disse: Acima de tudo ORO... A

oração de João aqui diz respeito a três dimensões da nossa

vida: a física, a espiritual, e a material. Ele disse: ... oro

por tua prosperidade [bênçãos materiais] e saúde [bênçãos

físicas] assim como é próspera a tua alma [bênçãos

Page 56: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

espirituais]. Assim, vemos que Deus deseja abençoar todas

as partes da vida do crente. (Paz, 99.)

É comum ouvirmos os pregadores da prosperidade afirmarem

que "Deus quer que seus filhos comam a melhor comida, vistam

as melhores roupas, dirijam os melhores carros e tenham o

melhor de todas as coisas". Hagin diz que Jesus dirigiria um

Cadillac, se estivesse desempenhando seu ministério messiânico

nos dias atuais:

... muitos crentes confundem humildade com pobreza. Um

pregador certa vez me disse que fulano possuía humildade,

porque andava num carro muito velho. Repliquei: "Isso não

é ser humilde — isso é ser ignorante!" A idéia que o

pregador tinha de humildade era a de dirigir um carro

velho. Um outro observou: "Sabe, Jesus e os discípulos

nunca andaram num Cadilac." Não havia Cadilac naquela

época. Mas Jesus andou num jumento. Era o "Cadilac" da

época — o melhor meio de transporte existente. Os crentes

têm permitido ao diabo lesá-los em todas as bênçãos que

poderiam usufruir. Não era intenção de Deus que

vivêssemos em pobreza. Ele disse que éramos para reinar

em vida como reis. Quem jamais imaginaria um rei vivendo

em estrita pobreza? A idéia de pobreza simplesmente não

combina com reis. (Autoridade, 48.)

É natural que Hagin ouça críticas contra uma pregação que

parece tão materialista. Sua resposta é que somos filhos do rei e,

nessa posição elevada, devemos esperar viver não apenas com as

necessidades básicas da vida, mas abundantemente. Devemos

aproveitar todas as coisas boas do mundo, sem impor limites às

Page 57: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

riquezas que os cristãos podem acumular. A história a seguir

ilustra bem esse fato:

Tenho uma fita-cassete de ensino que ajudou muitas

pessoas neste âmbito. Certo jovem, que conheço bastante

bem, deu seu testemunho de como a fita o ajudou, durante

uma de nossas reuniões recentes. Há apenas uns poucos

anos, quando ele tinha 31 ou 32 anos de idade, entrou nos

negócios. Deixou seu emprego assalariado, tendo em mãos

um total de USS 5.500... Deu o seguinte testemunho:

"Escutei as fitas do irmão Hagin. Havia três sobre a fé e a

confissão, e uma que se chamava: Como Treinar o Espírito

Humano. Deitava-me todas as noites ouvindo aquela fita.

Ligava-a de manhã e a escutava enquanto fazia a barba.

Escutei-a repetidas vezes — provavelmente centenas de

vezes — até que aquela mensagem entrasse no meu espírito.

Depois, por meio de escutar o meu espírito e de usar a

minha fé, já tenho um patrimônio cujo valor total ultrapassa

USS 30 milhões. Este jovem senhor tem apenas 38 anos,

mais ou menos, hoje. Ele não é pregador. É negociante.

Contou-me como seu espírito lhe tem falado e lhe ensinado

como investir e como comprar terras. (Dirigido, 129, 130.)

Isto se aplica aos ministros da palavra e também às pessoas

leigas. Um pregador que possua cem casas, por exemplo, é

coerente com o cristianismo bíblico.

Você já deve ter lido a respeito de pessoas que murmuram

porque um pregador tem uma casa bonita. E se ele tivesse

uma centena de casas? Isto seria bíblico. (Necessário, 20.)

Page 58: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Se somos filhos do rei e temos não apenas o privilégio, mas o

dever de ser prósperos, então, novamente, o contrário deve ser

verdade: um cristão que seja pobre tem somente a si para culpar.

Amigos, vocês sabem que a maioria de nós não é tão pobre

por ter honrado a Deus — mas por tê-lo desonrado. Vocês

devem também dizer amém, pois isso é assim. Dei-lhes

passagens bíblicas como prova. (Authority, 22.)

Com todas essas promessas bíblicas de riqueza e prosperidade, a

mente inquiridora é levada a indagar, como fizemos acima, na

parte sobre saúde, por que tantos cristãos não estão prosperando

financeiramente. Se há um motivo, este deve ser que os cristãos

de todo o mundo, aparentemente, procedem mais das classes

baixas e continuam a sofrer todos os problemas financeiros

próprios da posição social. Por que isso é assim? Uma vez que

esta pergunta tem a mesma essência daquela formulada acima,

sobre saúde, então a resposta parece ser a mesma aqui. Ou o

cristão desconhece seus direitos à prosperidade ou falta-lhe fé

para afirmar tais direitos ou o diabo o está impedindo de recebê-

los. Se houver uma suspeita de que a última causa é o problema,

uma sonora repreensão irá liberar tudo aquilo que o cristão tem

por direito. "... tudo quanto você precisa fazer é dizer: 'Satanás,

tire suas mãos do meu dinheiro'. (Limiares, 67.)

Nas mensagens pregadas sobre o assunto, existe mais uma razão

que freqüentemente aparece para explicar a falta de prosperidade

entre cristãos. Ela surge na mesma hora, a cada domingo, quando

se diz, durante a oferta, que alguns cristãos estão sofrendo com

dificuldades financeiras porque não estão dando o suficiente para

a obra de Deus. A regra espiritual das finanças e essa: se

queremos mais, precisamos dar mais.

Page 59: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Você gostaria de ver maiores bênçãos financeiras na sua

vida? Aumente suas contribuições e ofertas, porque as

Escrituras dizem que a sua colheita será... recalcada,

sacudida, transbordante... porque com a medida com que

tiverdes medido vos medirão também. Por outro lado,

podemos estorvar nossas orações em prol da prosperidade

financeira, se não cooperamos com Deus; se não entramos

pelas portas que Deus abriu para nós. (Paz, 111.)

Não é uma questão de graça, mas de lei, pois se afirma que o

retorno é proporcional à oferta do indivíduo. Muitos pregadores

da prosperidade fazem uso de Marcos 10.29, 30 como a principal

passagem sobre finanças para a igreja:

Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que

tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou

filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do

evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de

casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com

perseguições; e no mundo por vir a vida eterna.

Essa é a chamada lei do retorno cem vezes maior: receberemos

cem vezes mais do que damos. Kenneth Copeland, herdeiro

provável de Hagin nos Estados Unidos, usa muito essa passagem

em suas pregações. Ela faz parte integrante de sua cosmovisão

financeira, evidenciando-se a partir da interpretação que ele dá a

Marcos 10.17-23, onde o jovem rico se recusa a vender suas

propriedades e se tornar um discípulo de Cristo:

E, pondo-se Jesus a caminho, correu um homem ao seu

encontro e, ajoelhando-se, perguntou-lhe: Bom Mestre, que

farei para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por

Page 60: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

que me chamas bom? Ninguém é bom senão um só, que é

Deus. Sabes os mandamentos: Não matarás, não

adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, não

defraudarás ninguém, honra a teu pai e a tua mãe. Então

ele respondeu: Mestre, tudo isso tenho observado desde a

minha juventude. Mas Jesus, fitando-o, o amou e disse: Só

uma cousa te falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos

pobres, e terás um tesouro no céu; então, vem, e segue-me,

Ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste,

porque era dono de muitas propriedades. Então Jesus,

olhando ao redor, disse aos seus discípulos: Quão

dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!

Essa história parece oferecer excelentes instruções sobre o valor

do dinheiro e preço do discipulado. Mas Copeland encontra nela

outro significado. Ele diz que, em seu estudo dessa passagem, o

Senhor lhe falou e explicou que aquele jovem era rico por ter

sido fiel na observância da lei judaica. Ele teria se tornado ainda

mais rico, se tivesse dado suas riquezas ao Senhor. Copeland

conclui: "Aquela era a maior transação financeira que poderia' ter

sido oferecida ao jovem, mas ele se afastou dela, por não

conhecer o sistema financeiro de Deus" (Copeland, 1985, 62).

Concluímos o resumo das promessas do evangelho da

prosperidade na área de saúde e riquezas, fazendo uma

observação sobre sua coerência. Uma vez que se afirma que a

vontade do Senhor para o cristão envolve todas as coisas boas da

vida, não há imposição de condições nem se volta atrás naquilo

que é prometido, mas apenas a promessa clara de que qualquer

um que recorrer a Cristo receberá o que pede. As promessas têm

uma amplitude maravilhosa e uma extensão sem limites. Mas há

um porém: a "confissão positiva".

Page 61: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

3. A Confissão Positiva

Nunca é demais enfatizar que o direito que o cristão tem às

riquezas e à saúde não é desfrutado automaticamente. Há

condições a serem satisfeitas e procedimentos a serem seguidos.

Conforme gostam de dizer os economistas, "não existe almoço

gratuito". Isto se aplica até mesmo ao evangelho da prosperidade.

Não basta apenas crer em Cristo, ser batizado, freqüentar uma

igreja, orar e viver uma vida piedosa. Esses elementos sozinhos

não podem trazer aquilo que o cristão tem por direito. A maneira

como vive a maioria dos cristãos torna isso óbvio. A maior parte

deles em todo o mundo é pobre e, à semelhança dos não-cristãos

que os cercam, passa por todos os problemas físicos e doenças

conhecidos pela sociedade em que vive. Na questão da saúde ou

da prosperidade, há poucas diferenças entre cristãos e não-

cristãos. Sempre foi assim. Se existe alguma diferença, esta se

encontra no fato de, através dos séculos, os cristãos tenderem a

ser, como observam Paulo e Tiago (1 Co 1.26; Tg 2.5), menos

sábios, menos poderosos, menos prósperos. Entretanto, segundo

a doutrina da prosperidade, os apóstolos estavam enganados

quanto à vontade de Deus nesse sentido. Deus pode ter escolhido

os pobres e os de condição inferior deste mundo, mas nunca

pretendeu que eles continuassem assim.

A grande descoberta de Hagin e dos mestres da prosperidade foi

a do elemento perdido do cristianismo, um elemento que pode

livrar os cristãos da condição miserável em que vivem, e ele nada

mais e do que certo conjunto de regras e procedimentos muito

simples, porém rígido. A doutrina da prosperidade entende que

este conjunto faz parte da expressão "confissão positiva". Desse

modo, a confissão positiva atua em ambas as direções; é a dádiva

Page 62: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

por meio da qual a saúde e a prosperidade são recebidas, mas, ao

mesmo tempo, é uma exigência que não pode ser evitada. Se,

para Lutero a justificação pela fé é vista como a tônica do

evangelho, assim como a predestinação para Calvino, então é

nesse ponto, nessas regras e procedimentos, que se encontra o

coração do evangelho da prosperidade.

A fim de esclarecer tudo o que é englobado pelo termo

"confissão positiva", ele será dividido em três categorias:

conhecimento, fé e confissão propriamente dita. Para antecipar

nossa conclusão, diremos que a confissão positiva ensina que o

cristão será próspero segundo aquilo que ele conhece sobre seus

direitos, de acordo com a firmeza com que ele acredita neles e

pelo modo como os confessa.

3.1 O Conhecimento de Nossos Direitos

Hagin diz que a razão de muitos cristãos continuarem a sofrer

com os problemas na vida, depois de se converterem, está em

desconhecerem aquilo que lhes pertence por direito.

Por que, pois o diabo — a depressão, a opressão, os

demônios, as enfermidades, e tudo mais que provém do

diabo — está dominando tantos cristãos e até mesmo

igrejas? É porque não sabem o que pertence a eles. (Nome,

37.)

No Velho Testamento, afirmou Deus: O meu povo está

sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento (Oséias

4.6). Em outras palavras, o Senhor está dizendo que, se os

Page 63: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

israelitas tivessem consciência do que realmente

representavam e do que Deus representava para eles, não

seriam destruídos. Se conhecessem seus direitos, privilégios

e domínios não teriam sido submetidos a tantas angústias...

você tem direitos garantidos junto a Deus. (Zoe, 71, 72.)

Conforme vimos na seção anterior, não precisamos esperar a

outra vida para usufruir desses direitos. Eles visam nosso

benefício aqui e agora.

Bem, graças a Deus, iremos para o céu e será maravilhoso,

mas não precisamos esperar até chegarmos lá para

desfrutar dos direitos e privilégios que temos em Cristo!

(Combater, 56.)"

Como a cura se encaixa na obra da expiação? A expiação

perfeita, realizada por Jesus Cristo, resolveu o problema do

pecado de forma tão completa que remove também as

conseqüências dele. À passagem de Isaías 53 bem como a

citação dela em Mateus e sua inspirada interpretação

constituem uma afirmação bíblica bastante direta no

sentido de que a cura está contida na expiação. Esse ensino

de que a cura se acha contida na obra da expiação não é

uma afirmação, porém, de que a cura divina esteja à

disposição de todos os homens, universalmente, mas que se

acha à disposição dos crentes, com base na expiação do

sangue de Cristo. O sangue de Cristo é o preço por meio do

qual o crente obtém a cura. (Bailey, 1977, 50.)

A raiz do problema, quando sofremos a falta de alguma coisa,

está obrigatoriamente na ausência de conhecimento. Não

entendemos aquilo que nos pertence por direito.

Page 64: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Uma razão por que nós, cristãos, vivemos em descrença e

nossa fé tem sido obstruída, é a falta do conhecimento da

redenção e dos nossos direitos na redenção, e essa falta de

conhecimento é a maior inimiga da fé. (Combater, 9.)

Na Bíblia, os grandes homens de fé foram capazes de realizar

tantas coisas não por causa da providência de Deus ou por fé e

força de vontade, mas, sim, porque eles conheciam aquilo que

lhes pertencia por direito.

Os homens que fizeram grandes coisas no passado não

eram especiais, privilegiados... A diferença entre eles e nós,

é que eles tinham o entendimento de como as coisas

espirituais funcionam. (Soares, 1987, 56.)

A idéia de que nosso êxito no mundo baseia-se em direitos que

temos perante Deus pode parecer estranha ao leitor acostumado

com o Novo Testamento, pois este sabe que a Bíblia fala de

nossa relação com Deus como algo baseado na graça. Mas Hagin

deixa bem claro que nossa posição como cristãos deve ser

interpretada em termos de direitos legais. As citações que vêm a

seguir são extraídas de quatro livros diferentes de Hagin, e em

cada um deles o Antigo Testamento e o Novo são descritos como

documentos legais que explicam tais direitos.

Graças a Deus, temos o documento jurídico da Nova

Aliança, o Novo Testamento, selado pelo sangue de Jesus

Cristo. (Nome, 53.)

A Palavra de Deus é um documento jurídico. O Novo

Testamento... é a vontade de Deus para eu ter tudo quanto a

Sua Palavra diz que me pertence. (Perdida, 102.)

Page 65: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Todo homem e mulher neste mundo tem o direito legal à

salvação. (Limiares, 92.)

Se eu permanecer em Deus e junto dEle, meus direitos

estarão plenamente assegurados. (Zoe, 79.)

Esses direitos estão garantidos porque Deus os estabeleceu como

parte das leis espirituais que regem o mundo. É dever do cristão

compreender essas leis espirituais e, por meio da fé, ter controle

sobre elas. E. W. Kenyon afirmou por escrito, com a maior

clareza possível, que seu trabalho como pregador do evangelho

era de ensinar "as leis básicas da existência humana, as grandes

leis espirituais que regem as forças invisíveis da vida"

(McConnell, 1988, 45; veja também 136). Essas leis estão à

disposição do cristão, para serem usadas e manipuladas, assim

como usamos e manipulamos as leis da gravidade e de circulação

do ar, quando viajamos de avião.

Precisamos entender que há leis que regem cada coisa que

existe. Nada se dá por acidente. Há leis do mundo espiritual

e leis do mundo natural... Precisamos compreender que o

mundo espiritual e suas leis são mais poderosos do que o

mundo físico com suas leis. Leis espirituais geram leis

físicas. O mundo e as forças físicas que o regem foram

criados pelo poder da fé — uma força espiritual... é esta

força da fé que ativa as leis do mundo espiritual... A mesma

regra aplica-se à prosperidade. Há certas leis que regem a

prosperidade na Palavra de Deus. A fé faz com que elas

atuem... As fórmulas de sucesso na Palavra de Deus

produzem resultados, quando utilizadas segundo

orientação. (Copeland, 1985, 18-20.)

Page 66: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Portanto, a primeira condição para termos saúde e sucesso é

conhecer aquilo que nos pertence. A passagem-chave que Hagin

emprega para explicar isso é Gálatas 3.13, 14:

Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele

próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito:

Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; para

que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus

Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito

prometido.

Esta é a passagem citada com mais freqüência por Hagin, porque

sua dialética entre a maldição da lei e a bênção de Abraão parece

corresponder à compreensão que ele tem da redenção. Por um

lado, Hagin identifica a maldição da lei, nessa passagem, como

sendo aquelas maldições que Moisés proclamou à nação de

Israel, no Monte Ebal, em Deuteronômio 28. Ele resume as

maldições a três:

Somos redimidos da maldição da lei. Para descobrir

exatamente qual é a maldição da lei, devemos voltar aos

cinco primeiros livros da Bíblia. Ali, vemos que a maldição,

ou o castigo pela quebra da Lei de Deus, é tríplice: a

pobreza, a doença, e a segunda morte. (Limiares, 57.)

Desses três elementos, Hagin está preocupado principalmente

com a pobreza e a doença e afirma com insistência que a doença

é resultado da desobediência à lei:

Percebemos facilmente nesses versículos bíblicos que a

enfermidade é uma maldição da lei. As doenças horríveis

enumeradas aqui — e, na realidade, todas as demais

enfermidades e pragas, de acordo com o v. 61 — fazem

Page 67: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

parte do castigo pela quebra da lei de Deus. (Redimidos,

16.)

Por outro lado, a bênção de Abraão também é identificada como

sendo tríplice: financeira, física e espiritual.

Assim como a maldição é tríplice na natureza, assim

também era a bênção de Abraão. Primeiro, era uma bênção

material e financeira. Segundo, era uma benção física.

Terceiro, era uma bênção espiritual. (Limiares, 64.)

Para ajudar a apoiar essa interpretação da bênção de Abraão,

Hagin volta-se para Gênesis 17, onde Deus promete a Abraão

que ele seria extraordinariamente fecundo (v. 6). Ele afirma que

essa expressão tem o objetivo claro de se referir às riquezas

materiais. Para ampliar isso um pouco mais, ele apela à primeira

metade de Deuteronômio 28, onde encontramos uma lista de

bênçãos que seriam conferidas à nação de Israel, se eles fossem

fiéis a Jeová. Segundo Hagin, essas bênçãos representam uma

ampliação da bênção dada a Abraão, em Gênesis 17.

O tratamento incomum que ele dispensa a Gálatas 3 é o

fundamento exegético da teologia da prosperidade ensinada por

Hagin. Resumindo-o, a obra redentora de Cristo, por um lado,

retirou as maldições da lei mosaica, principalmente a doença e a

pobreza. Por outro lado, trouxe a bênção de Abraão, representada

basicamente pela prosperidade financeira. Teremos muita coisa a

dizer sobre essa exegese, no capítulo seguinte. No momento,

basta observar que identificar a maldição como sendo a lei

mosaica e a bênção como prosperidade financeira e física é um

ato que coloca a doutrina da prosperidade fora do círculo da

interpretação bíblica e protestante. Esse ponto é de importância

Page 68: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

fundamental. Tanto o catolicismo quanto o ensino protestante

entendem que a maldição de Deus sobre a humanidade originou-

se na queda de Adão. A doutrina da prosperidade nega isso

afirmando que a queda adâmica trouxe para o mundo apenas os

três elementos mencionados de forma específica em Gênesis 3:

dores de parto, inimizade com serpentes e morte física. Estes

permanecerão até o dia do juízo, quando o mundo será

restaurado. Gálatas 3, segundo Hagin, não está fazendo

referência à maldição sobre a humanidade, mas à lei de Moisés.

A conclusão é esta: a doença e a pobreza faziam parte da

maldição mosaica, a qual foi retirada pela expiação; assim, o

cristão não precisa passar novamente por doenças, mas, como

filho de Abraão, está livre para gozar de saúde e riquezas

abundantes.

Ao encerrar esta parte, voltamos a nosso ponto de origem. Evitar

a maldição de Gálatas 3 e gozar a bênção de Abraão constituem

um direito do cristão, mas não um direito gozado

automaticamente. A primeira condição para usufruí-lo é saber

que ele existe. Se um cristão está doente, é provável que isso se

deva ao fato de ele desconhecer que a expiação tomou

providências que visavam sua cura. Hagin diz que teve uma

infância com doença exatamente por causa de sua ignorância

acerca disso. Se ele conhecesse os passos certos a serem

seguidos, teria sido curado bem antes.

Felizmente, após muito estudo da Palavra, percebi os

passos exatos a seguir na oração e como liberar minha fé

para receber a cura. Se tivesse sabido e compreendido isso

meses antes, poderia ter saído daquela cama há muito mais

tempo... O problema não estava com Deus, estava comigo.

Era minha falta de conhecimento da Palavra de Deus que

Page 69: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

obstruía minha fé. Assim que descobri o que a Palavra de

Deus dizia e agi de acordo com suas palavras, obtive

resultados! (Combater, 12.)

Portanto, a tarefa da teologia da prosperidade é eliminar a falta de

conhecimento acerca de nossa real condição como cristãos e,

desse modo espalhar saúde e prosperidade pelo mundo.

Antes de passarmos à segunda condição para o exercício desses

direitos, devemos observar que essa interpretação de Gálatas

3.13, 14 fornece o padrão interpretativo de todos os outros textos.

Os escritos de Hagin estão recheados de citações de várias

passagens que devem ser entendidas segundo o pensamento da

prosperidade. Mateus 8.17, Isaías 53.9, 2 Coríntios 8.9, 1 Pedro

2.24 e 3 João 2 talvez sejam seus textos favoritos, mas não há

passagem que não possa ser vista da perspectiva dialética de

maldição/benção. Até mesmo Jó é reinterpretado à luz da

doutrina da prosperidade. Hagin afirma que o significado de Jó

não está no fato de ele ter sofrido como justo e inocente, mas em

ter sido curado.

Alguém disse: "Irmão, acho que sou outro Jó". O que você

quer dizer com ser outro Jó? Louvado seja Deus, se você é

o Jó de Deus, você receberá sua cura. Jó foi curado.

(Redimidos, 12.)

Se você pensa que você é outro Jó, isso significa que você

vai ser uma das pessoas mais ricas das redondezas... Se

você for outro Jó, prosperará. (Limiares, 63.)

Se Jó é reinterpretado dessa forma, não há livro ou versículo da

Bíblia que não possa ser lido sob a ótica da prosperidade.

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3.2 A Firmeza de Fé

Depois do conhecimento de nossos direitos, a segunda condição

para usufruirmos de saúde e riqueza é a fé. Não qualquer tipo de

fé, mas uma fé que possua certa qualidade. R. R. Soares refere-se

ao tipo normal de fé como "a fé da sorte" e descreve-a nos

seguintes termos:

A gente ora, se Deus responder, ficamos alegres, pois

recebemos a bênção. E, se a resposta não vier, a gente não

fica zangado. Afinal, temos recursos humanos que nos

ajudam a aliviar o fardo. É claro que este não é o método

bíblico. (Soares, 1987, 86.)

A verdadeira fé não fica simplesmente esperando para ver se

Deus irá responder à oração. Ela exige seus direitos e pressupõe

que eles foram respeitados por causa da força da oração feita.

Portanto, a verdadeira fé tem três características: 1) exige seus

direitos; 2) exige-os em nome de Jesus; 3) nunca duvida. Quanto

à primeira característica, os cristãos devem ter fé suficientemente

forte para exigir aquilo que lhes é devido por meio da expiação.

Hagin diz que Jesus, ao ensinar seus discípulos a orar e fazer

pedidos a Deus, instruiu-os a exigir aquilo que desejavam.

Descobri que o modo mais eficaz de se orar é aquele pelo

qual você requer os seus direitos. É assim que eu oro:

"Exijo meus direitos” (Autoridade, 30.)

Não precisamos esforçar-nos para ter fé. É simples questão

de reivindicar os nossos direitos e de usar com ousadia

aquilo que sabemos pertencer-nos. (Paz, 23.)

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Corno bom aluno de Hagin, R. R. Soares dá destaque à mesma

coisa:

Deus já fez o que tinha que fazer para você... Agora é você

que tem que fazer algo. (Soares, 1987, 26.)

Quando começamos a agir por este método de Deus não só

estamos... entrando por um caminho que nos fará possuir o

que quisermos. (Soares, 1987, 35.)

... somos nós que decidimos o que teremos ou não. (Soares,

1987, 36.)

A insistência em que a oração seja dirigida a Deus não como

pedido, mas como exigência, tem uma justificativa exegética:

"pedir" realmente significa "exigir". Essa explicação lexical

repete-se muito nos escritos de Hagin e aparece invariavelmente

como parte de sua exegese de João 14.12-14.

Examinemos esses textos bíblicos no Novo Testamento

Grego. A palavra grega, aqui traduzida como "pedir"

significa "exigir". Ou: "Se exigirdes alguma coisa em meu

nome, eu o farei." (Paz, 82.)

A palavra "pedir" também significa "exigir". "E tudo quanto

exigirdes em Meu Nome, isso /Eu, Jesus/ farei"... A

Concordância de Strong ressalta este significado da

palavra grega que aqui é traduzida por "pedir": "exigir

algo que é devido." (Nome, 70.)

Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em

mim, fará também as obras que eu faço, e outras maiores

fará, porque eu vou para junto do Pai. E tudo quanto

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pedirdes EM MEU NOME, isso farei, a fim de que o Pai

seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa EM

MEU NOME, eu o farei. Embora usamos os versículos

acima em relação à oração, eles não se referem à oração...

A palavra grega traduzida "pedir" aqui significa

"reivindicar". Então Jesus estava realmente dizendo: Aquilo

que você reivindicar em meu Nome, eu farei. Jesus, aqui,

não está falando sobre orar ao Pai para que Ele possa fazer

alguma coisa a nosso favor. Não, Jesus está falando sobre

usar o nome dEle contra o inimigo e contra circunstâncias

da vida diária. (Combater, 74.)

3.3 O Uso do Nome de Jesus

Ao cristão não basta apenas compreender seus direitos e exigi-los

de Deus; ele também precisa fazer isso utilizando a expressão

"em nome de Jesus". Esse nome, assim empregado, coloca em

atividade a força das leis espirituais na esfera celestial.

Ha uma chave à oração que destravará as portas e as

janelas do céu e satisfará todas as nossas necessidades...

Jesus mandou pedir ao Pai em Seu Nome. Essa é a chave

que destravará o céu em nosso favor. (Paz, 16.)

(O nome dele)... é legalmente nosso... Se você é filho de

Deus, logo, é um herdeiro de Deus — um co-herdeiro com

Cristo — tem direito ao uso do Nome de Jesus, e se você

tem este Direito, é por causa do seu lugar na família.

(Nome, 110.)

Novamente, conforme Hagin afirma na citação acima, constitui

direito do cristão o acesso ao poder que esse nome traz. Um dos

Page 73: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

livros de Hagin tem um capítulo intitulado "Compreendendo

nosso Direito Legal do Nome de Jesus" (Combater, 63-77). Ele

escreve o seguinte nesse capítulo: "Veja bem, Jesus nos deu o

nome dEle. Legalmente é para nosso uso, e não precisamos ter fé

para usar o que é nosso" (p. 71). Em outro lugar, Hagin compara

o direito de usarmos o nome de Jesus a um tipo de procuração.

A oração deve ser dirigida ao Pai em nome de Jesus. Essa é

a chave para recebermos a resposta às nossas orações...

Jesus nos deu a procuração, ou o direito de usar o Seu

Nome. Usamos o Seu Nome, quando oramos em favor das

nossas necessidades individuais e quando lidamos com o

diabo. (Paz, 20.)

Em outros lugares ainda, os direitos implicados no uso do nome

de Jesus são comparados a uma conta bancária. Receber resposta

a uma oração é o mesmo que emitir um cheque.

Use este Nome com a mesma liberdade que você usa seu

talão de cheques. O dinheiro já está depositado, você emite

o cheque sem exercer qualquer fé especial; ou seja: você

não está consciente de exercê-la — embora você a esteja

usando. (Nome, 120.)

Com efeito, uma das expressões favoritas de Hagin é "como

preencher seu próprio cheque com Deus", título de dois capítulos

de seus livros (Crescimento, 75-94; Limiares, 99-102). No

primeiro, Hagin reconta uma visão na qual o próprio Jesus

emprega essa expressão e a figura de um talão de cheque:

"Mas agora, Tu disseste que se qualquer pessoa, em

qualquer lugar, der aqueles quatro passos, receberia de Ti

qualquer coisa que desejasse. Queres dizer que as pessoas

Page 74: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

podem receber a plenitude do Espírito Santo daquela

maneira?" Ele disse: "Sim, com absoluta certeza". Falei,

então, a Ele: "Senhor, e o que dizer a respeito dos

cristãos?... Tu me dizes que qualquer crente, em qualquer

lugar, pode escrever seu cheque de vitória sobre o mundo, a

carne, e o diabo? Eles mesmos podem fazê-lo?" Ele disse

enfaticamente: "Sim!" Jesus continuou: "Se eles não o

fizerem, não será feito. Seria uma perda de tempo deles

orarem para Eu lhes dar a vitória. Precisam preencher seu

próprio cheque". (Crescimento, 86.)

Jesus já depositou o dinheiro para nós e não somente para nós,

mas para qualquer um que saiba usar seu nome. As leis

espirituais são como as leis físicas, pelo fato de serem impessoais

e funcionarem para qualquer um que saiba como empregá-las.

Não há limite para aquilo que pode ser pedido ou obtido. Desse

modo, o nome de Jesus pode ser usado não somente para

expulsar demônios, mas também dores de cabeça.

Eu disse: "Em Nome de Jesus (você entende, o Nome

representa toda a Sua autoridade e poder!), não tenho dor

de cabeça. Em Nome de Jesus, não vou ter dor de cabeça.

E, em Nome de Jesus, saia, dor!" Nem sequer as palavras

saíram da minha boca, e a dor saiu. Simplesmente

desapareceu. Alguém disse: "Gostaria que isto funcionasse

para mim". Não funciona por meio do desejo — funciona

por meio do conhecimento. (Nome, 38.)

O conhecimento de nosso direito ao uso do nome de Jesus não é

somente um elemento informativo, mas também um

procedimento que não admite variações. Muitos sofrem desne-

cessariamente por não usarem o nome de Jesus, enquanto outros

Page 75: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

sofrem por empregá-lo de forma incorreta. Assim como um

cheque precisa ser preenchido da maneira certa, o nome de Jesus

também precisa ser proferido corretamente. Frases como "por

amor de Jesus" não podem ser usadas. Muitas orações já foram

destruídas por não terem sido feitas da maneira certa.

Não, não pedimos por amor de Jesus. Pedir por amor de

Jesus não é pedir em Seu Nome. Estamos pedindo em prol

de nós mesmos... Devido a uma falta de conhecimento neste

sentido, muitas orações têm sido destruídas e não

funcionaram, porque foram oradas por amor de Jesus, ao

invés de em Nome de Jesus. (Nome, 12.)

Uma conseqüência básica desse poder inerente que o nome de

Jesus tem para atender as orações de forma automática é que a

resposta não está associada a uma decisão pessoal de Deus, mas

ao poder concedido ao nome de Jesus e ao direito que temos de

reivindicá-lo. Deus retira-se para as sombras, enquanto nosso

acesso às leis espirituais coloca-se em primeiro plano. Hagin não

hesita em tirar exatamente essa conclusão. Citando E. W.

Kenyon, ele escreve:

Quando Jesus nos deu o direito legal de usar este Nome, o

Pai sabia tudo quanto o Nome subentenderia quando fosse

sussurrado na oração... e é a Sua alegria reconhecer este

Nome. (Nome, 18.)

Tudo que o cristão tem a fazer e proferir o nome de Jesus, e nada

lhe será negado. Recorrer a seu poder espiritual é como

preencher um cheque para sacar dinheiro de um banco.

Falemos de Jesus! Falemos do Nome de Jesus! Ele nos deu,

individualmente, um cheque assinado, dizendo: "Preencha-

Page 76: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

o". Deu-nos um cheque assinado, cobrável aos recursos do

céu. (Nome, 19.)

Nada poderia ser mais fácil ou impessoal.

3.4 Não Duvidar

O tipo de fé que obtém resultados não apenas exige seus direitos

em nome de Jesus, mas também faz isso de uma forma que nunca

demonstra hesitação ou dúvida. A fé precisa ser segura de si

mesma, tão segura que, ainda que pareça que o pedido não foi

atendido, o fiel continua a fazer um quadro mental daquilo que

ele quer e não pára de crer que obterá o que deseja.

Muitas pessoas desejam obter algo, para então crer que o

receberam. Mas precisamos crer que recebemos algo, e

então o recebemos. (Crescimento, 19.)

Deixe todo pensamento e desejo afirmar aquilo que você

tem pedido em oração. Nunca permita que um quadro

mental de fracasso permaneça na sua mente. Nunca duvide

por um só momento de que você tem a resposta. Se as

dúvidas persistirem, repreenda-as. A Bíblia diz ''Resisti ao

diabo, e ele fugirá de vós" (Tiago 4.7). A dúvida é do diabo.

Resista as dúvidas e repreenda-as. Fixe a sua mente na

resposta. Erradique qualquer imagem, sugestão, visão,

sonho, impressão, sentimento, e todo e qualquer

pensamento que não contribui para a sua fé no sentido de

que você recebe o que você disser. Erradicar significa

desarraigar ou remover. (Perdida, 81.)

Page 77: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

É crucial que se continue a pensar de maneira positiva, acredi-

tando que o pedido foi atendido, mesmo que as circunstâncias

mostrem o contrário.

Recuse-se a duvidar. Faça com que cada pensamento e

desejo afirme que você recebeu aquilo que pediu. Nunca

permita que um quadro mental do fracasso permaneça na

sua mente. Nunca duvide, nem sequer por um momento, de

que você recebeu a resposta... Erradique todo quadro

mental, sugestão, sentimento ou pensamento que não

contribuam para sua fé. (Paz, 11.)

A quantidade de força que a fé produz para atingir seus alvos é

determinada pela quantidade de confiança e de ausência de

dúvida que o fiel confere a seu pedido. Qualquer espécie de

dúvida destruirá o poder que a oração possui de obter o que pede.

Lembre-se de que, no momento em que você se pergunta

por que Deus não respondeu, ou olha em derredor

procurando alguma razão por que Ele não ouviu a sua

oração, ou você começa a aceitar a demora na resposta

como a vontade de Deus para você não ter aquilo que você

pediu, você está derrotado. Você está automaticamente

derrotado porque você deixou de manter-se firme, tendo fé

inabalável em Deus de que receberia a resposta. (Perdida,

101.)

Assim, ao orar, o cristão nunca deve usar a expressão ''se for de

tua vontade", pois isso é uma demonstração de dúvida.

Quando oro uma ''oração para receber algo da parte de

Deus," não posso colocar um "se" no meio e ainda esperar

que algum dia receberei uma resposta. Nesse tipo de

Page 78: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

oração, o "se" indica a descrença — "se” é o distintivo da

dúvida. (Perdida, 78.)

Hagin é incisivo neste ponto. Ele diz que, no Novo Testamento,

não se encontra nenhuma oração que utilize dessa forma a

partícula condicional. Em vez disso, ele diz que, quando oramos,

sempre "adicionamos outra coisa. 'Deus fará, se for a Sua

vontade — mas pode não ser a Sua vontade,' temos dito. Não se

acha este tipo de conversa no Novo Testamento" (Nome, 13). O

raciocínio é este: "se" é um sinal de dúvida, não de fé, e duvidar é

um erro, um pecado.

A dúvida não é revelada apenas pelo "se" em nossas orações; ela

também emerge quando repelimos uma oração. Isso fica bem

ilustrado na história a seguir:

Durante uma convenção em Texas, certa vez, ouvi o Rev.

Raymond T. Richey dirigir orações em favor de um homem

que estava no hospital, morrendo. Depois de termos orado,

demos graças a Deus porque Ele nos atendera. O irmão

Richey começou a descer do púlpito, mas depois voltou até

ao microfone. Perguntou quantos na congregação iriam

continuar orando por esse homem no hospital. Quase todos

levantaram a mão. "Para que vocês vão querer fazer isso?"

perguntou o irmão Richey. "Já oramos por ele. Agora,

continuemos louvando a Deus porque Ele já curou esse

homem." (Paz, 14.)

O raciocínio aqui parece ser este: uma vez que nossos direitos já

foram garantidos na expiação, a vontade de Deus para nós

sempre será de que tenhamos saúde e prosperidade. Hagin

acrescenta seu próprio testemunho de que isso é realmente assim:

Page 79: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Não orei uma só oração em 45 anos (quero dizer, para

mim e para meus filhos enquanto eram pequenos) sem obter

uma resposta. Sempre recebi uma resposta — e a resposta

foi sempre "sim". Algumas pessoas dizem: "Deus sempre

responde às orações. Às vezes diz: "Sim," e às vezes diz:

"Não". Nunca li isto na Bíblia. Trata-se apenas de

raciocínio humano. (Nome, 13, 14.)

Portanto, precisamos orar apenas uma vez por alguma coisa; se

sentirmos necessidade de repetir a oração, isso se deve ao fato de

estarmos duvidando. Devemos ser como a mulher que teve fé

para tocar as vestes de Jesus (Mt 9.21) e ser curada no primeiro

toque.

3.5 Confessar em Voz Alta

A terceira e última qualificação para recebermos saúde e

prosperidade como nossos direitos é confessar em voz alta que

obtivemos aquilo que desejávamos. Conforme diz Hagin,

precisamos proclamar "em voz alta... [que] a minha fé funciona"

(Perdida, 31). Isso significa que confessamos aos outros que já

recebemos a resposta, mesmo que faltem evidências físicas. A

ordem correta das coisas na dimensão espiritual é primeiramente

fé, confissão e somente depois resultados visíveis. Portanto,

precisamos sempre agir e falar como se nosso pedido tivesse sido

atendido, mesmo que isso não pareça verdade. Em seu livro O

Que Fazer Quando a Fé Parece Fraca e a Vitória Perdida,

Hagin fornece dez passos sobre como obter a vitória. O passo 9

diz: "Dê glória a Deus antes mesmo de a bênção manifestar-se".

O passo 10 recomenda: "Aja como se você já tivesse recebido

aquilo que você pediu" (pp. 95, 99). A fé eficaz, portanto,

despreza a evidência física e concentra-se na resposta que se

Page 80: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

deseja. Se o cristão permanecer firme nessa atitude, a resposta

que se espera finalmente aparecerá. "A fé do coração crê

primeiramente na Palavra de Deus; depois, a evidência física

cuidará de si mesma" (Crescimento, 54; veja também Unção,

30, 31; Soares, 1987, 10). Em outro lugar, ele escreve:

... os princípios da fé são assim em qualquer âmbito —

espiritual, físico, material. No que diz respeito às

necessidades financeiras, por exemplo, aprendi a chamar as

coisas que não eram como se já fossem — e assim se

tornaram! A fé chama as coisas que não são como se já

fossem! (Perdida, 89, 90.)

Provavelmente é este o aspecto da confissão positiva que recebe

mais atenção, e é isso que se tem em vista quando um pregador

começa a falar sobre o assunto.

O verdadeiro teste da confissão positiva está na atitude do cristão

depois de orar pela cura. Geralmente a dor e a fraqueza persistem

durante um tempo e, se isso acontece, a reação do fiel não pode

ser de dúvida ou incerteza. Deve-se ignorar a dor, mantendo-se a

confissão positiva de que a cura já foi efetuada. A dor precisa ser

negada, pois, embora seja real, ela não é a verdade. A verdade

que deve ser abraçada é de que a cura está garantida, apesar de

sintomas que mostrem o contrário. Se a crença for mantida contra

a evidência, mais tarde esta dará sustentação à crença. Hagin

conta como ele reage quando parece que está cedendo a uma

enfermidade.

Certa vez, enquanto pregava numa igreja pequena, fiquei

quente demais. Quando saí do templo depois do culto, meu

corpo estava pingando suor. Quando o ar frio lá fora

Page 81: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

atingiu meu rosto, comecei a sentir dores de garganta, e até

chegar ao estacionamento, estava falando com dificuldade.

No dia seguinte, sentia dores nos pulmões, e só falava

sussurrando. Comecei a ler as Escrituras a respeito da

cura. Com minha Bíblia aberta na minha frente, orei

silenciosamente... Quando chegou a hora do culto da noite,

fui até ao microfone e falei que queria dar graças a Deus

porque estava curado. A congregação olhava para mim

como se eu estivesse louco, porque quase nem conseguia

sussurrar. Comecei a contar a eles o que a Palavra de Deus

diz a respeito da cura. Demonstrei-lhes pela Palavra que eu

estava curado. Falei-lhes que aquilo que Deus diz é

verdade, e que se eu dissesse que não estava curado, estaria

mentindo. Falei-lhes, ainda, que desejava que ficassem em

pé e louvassem a Deus comigo, porque eu estava curado.

Quando começamos a louvar a Deus em pé, minha voz

voltou antes de eu ter falado "aleluia" três vezes. Em

seguida, preguei o meu sermão com uma voz forte e nítida.

(Paz, 9, 10.)

Assim como obtemos a resposta desejada para nossa oração por

meio de uma recusa obstinada de duvidar, o contrário também é

verdade. Se duvidamos, criamos uma confissão negativa e o

pedido é destruído. Se uma pessoa, por exemplo, afirma que está

curada e mais tarde admite que a dor persiste, a segunda

admissão anula a primeira confissão e dá a Satanás o direito de

infligir a dor. Quando um cristão se preocupa com uma doença

ou dela reclama, ele perde o direito à cura contida na expiação.

Até mesmo dizer "estou ficando resfriado" faz com que o

resfriado se instale. Por isso, mesmo que haja dúvida interior, ela

deve ser rapidamente negada e nunca admitida perante os outros.

Page 82: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

A dúvida é sempre do diabo e, portanto, jamais deve ser

compartilhada com alguém.

Não confesse as suas dúvidas... A dúvida é do diabo... A

dúvida é maligna. O cristão não deve falar a respeito da

dúvida, pois ela não pertence a ele. (Limiares, 61.)

A esta altura deve estar claro por que dizer "se for de tua

vontade" não é aceitável na confissão positiva. Isso indica

dúvida, e dúvida destrói a eficácia da fé como força. Por isso, os

membros do movimento da prosperidade que se encontram

doentes nunca admitem ou falam sobre os sintomas da doença.

Em uma seção intitulada "O Medo Abre a Porta Para o Diabo",

Hagin diz:

Há alguns anos, minha esposa e eu fomos visitar alguém

que soubemos estar doente. "Se você está com medo", essa

pessoa advertiu, "é melhor vocês não virem até aqui.

Contraí um vírus e estou numa fase difícil da doença". "Não

permita que isso a incomode nem um pouco", eu disse, "Eu

nunca terei esse vírus". Mas minha esposa disse: "Bem,

talvez seja melhor eu não entrar. Poderia pegá-lo". Eu disse

para que ela fizesse a escolha própria. Ela continuou e

entrou comigo, mas certamente ficou doente, como disse

que ficaria. Eu não fiquei doente. Mencionei isso para ela e

disse: "Você disse a coisa errada". Ela falou com hesitação.

Ela ficou indecisa. Ela foi acometida daquela doença quase

antes de chegarmos em casa. A doença sobressaltou-a

assim tão rápido. (Combater, 116.)

Por meio de histórias como essas, o leitor pode perceber quão

rígido é o cumprimento das regras da confissão positiva na esfera

Page 83: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

espiritual. Não é uma simples questão de a pessoa conhecer seus

direitos nem de ter muita fé. Há procedimentos a serem seguidos,

e qualquer falha ocasiona a perda da bênção desejada. Hagin diz

exatamente isso, ao escrever: "Muitas pessoas perdem a bênção

que Deus tem para elas, simplesmente por fazerem uma

confissão errada" (Limiares, 60).

Diante dessa visão de mundo, explica-se por que Hagin descreve

a fé eficaz como "fé do tipo de Deus", a espécie de fé que Deus

usou para criar o mundo.

... por que Deus chama à existência as coisas que não

existem? Porque Ele é um Deus da fé... Devemos, portanto,

agir como Deus e chamar as coisas que não existem como

se existissem. (Perdida, 86.)

Ele amplia sua explicação num capítulo chamado "A Fé do Tipo

de Deus", onde, comentando Hebreus 11.3, escreve:

Pela fé entendemos que foi o universo formado pela palavra

de Deus... Como Deus fez isso? Ele falou a Palavra, e aí

estava a Terra... Ele falou, e assim foi. Aquela é a fé do tipo

de Deus. Deus creu que aquilo que Ele falou se realizaria,

e assim foi! (Crescimento, 96.)

R. R. Soares reforça essencialmente o mesmo ponto:

Só existe este caminho — o caminho da fé. Foi deste modo

que o Senhor no princípio criou os céus e a terra. Mesmo

sendo Deus, Ele não podia ficar pensando em criar as

coisas que elas logo existiriam. Ele usou a fé e soltou a Sua

Palavra, e tudo se fez. (Soares, 1987, 91.)

Page 84: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

A fé verdadeira é chamada fé do tipo de Deus, pois é totalmente

autoconfiante, tal como a fé que Deus empregou ao criar o

mundo. Deus estava exercitando sua fé, pois cria na existência de

coisas que ele ainda não havia visto, mas que sabia que viriam a

existir. O fiel deve ter esse mesmo tipo de fé que Deus tem, isto

é, confiança em si mesmo, conforme Hagin recomenda:

"Aprenda a depender dAquele que está em você. Aprenda a

desenvolver o seu próprio espírito. Tenha fé na sua fé" (Dirigido,

68).

Esse tipo de fé coloca em atividade nossos direitos espirituais no

céu. Assim como Deus nunca duvidou ao chamar o mundo à

existência, também nós devemos recusar a hesitação, a despeito

das evidencias em contrário que possam vir dos sentidos físicos.

Chegamos ao fim de nossa exposição sobre a idéia de confissão

positiva. Assim como Gálatas 3 forma a base teológica de nossos

direitos à saúde e prosperidade, também a confissão positiva é o

segredo para recebermos tais direitos. É de importância vital que

o cristão conheça esses direitos e então os confesse em cada

necessidade ou problema na vida. As leis espirituais que regem o

universo não entram em funcionamento de modo automático e só

exercem sua força em nosso favor quando seguimos os devidos

passos. As regras da confissão positiva são inflexíveis. Falhar em

alguma delas é o mesmo que perder nossa bênção. Se usamos um

"se" em nossas orações, se duvidamos, se deixamos de confessar

ou se reclamamos do fato de nossos pedidos não serem

atendidos, fazemos com que qualquer desses erros perpetue

nosso problema ou até o torne pior. Se satisfizermos da forma

correta todas essas condições, poderemos reivindicar qualquer

desejo de nosso coração.

Page 85: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Resumo

Consideramos até agora os principais temas do evangelho da

prosperidade. Quando visto em sua totalidade, percebemos que

se trata de um sistema surpreendentemente complexo. Em geral,

um sermão baseado na doutrina da prosperidade tocará apenas

um ou dois pontos centrais, especialmente os que dizem respeito

à confissão positiva. Raramente, ou mesmo nunca, o sistema é

visto como um todo. Antes de passar para a análise crítica,

consideramos aqui o lugar apropriado para alguns breves

comentários sobre certos pressupostos espirituais que estão por

trás dessa teologia.

Antes de tudo, vale repetir que embora o evangelho da

prosperidade esteja se difundindo principalmente entre as igrejas

pentecostais, sua cosmovisão é extraída de várias seitas

metafísicas obscuras. Essa cosmovisão tem dois pontos fáceis de

declarar, mas com conseqüências de longo alcance. Primeiro,

pressupõe-se que o mundo material está debaixo do controle de

forças espirituais. Segundo, ensina-se que essas forças podem ser

manipuladas e controladas por meio da fé. O primeiro

pressuposto significa que sempre que o cristão se encontra

doente, sem dinheiro ou passando por algum problema na vida,

alguma coisa está espiritualmente errada. O segundo implica que

o cristão sempre é culpado, pelo menos em parte. Pode ser que

ele desconheça seus direitos espirituais, não os exija com firmeza

suficiente ou, talvez, permita que surjam dúvidas, criando, desse

modo, forças negativas que destroem a confissão. Em qualquer

caso, trata-se da responsabilidade do cristão, pois Deus colocou

em nossas mãos o uso e o controle dessas forças espirituais.

Quando os pressupostos são declarados com tal clareza, torna-se

evidente por que a confissão positiva é uma parte tão importante

Page 86: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

dessa mensagem. Aquilo que confessamos acontecerá, para o

bem ou para o mal, pois nossa confissão cria mesmo a realidade.

Segundo Hagin afirma,

Tudo que Deus diz que você é e tudo que Deus diz que você

tem, já é real na dimensão espiritual. Mas você deseja que

se torne real na dimensão física para então desfrutar o que

já é seu em Cristo. (Combater, 35.)

... a confissão da fé cria a realidade. (Limiares, 54.)

A fé é apanhar as irrealidades da esperança e trazê-las

para a dimensão da realidade. (Crescimento, 17.)

Tudo quanto precisamos, está providenciado para nós na

dimensão espiritual... Aquilo que está na dimensão

espiritual fica sendo real na dimensão natural, mediante a

fé. A fé o capta e cria a realidade dele na nossa vida. (Paz,

9.)

Essa espiritualidade que concebe a fé como "uma força"

(Necessário, 34) está por trás de toda exegese feita pelos

pregadores da prosperidade. A idéia é de que a fé apodera-se das

forças da esfera invisível e coloca-as em atividade no mundo

visível. Não importa se gostamos ou sabemos disso, mas criamos

nossa própria realidade por meio da força espiritual de nossas

esperanças e desejos.

Quando você faz uma confissão positiva da fé, é criada uma

realidade na sua vida. E então, você caminha na realidade

das bênçãos de Deus... Se confessamos fraquezas,

fracassos, e doenças, destruímos a fé... Quando

conservamos firme nossa confissão, trazemos Deus para o

Page 87: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

cenário. Nossas confissões nos governam. Essa é uma lei

espiritual que poucos de nós percebem... Eu falo para as

pessoas o tempo todo: "Se você não está satisfeito com o

que tem na vida, então mude o que você está dizendo. Você

criou o que tem em sua vida com suas próprias palavras".

(Combater, 110. 111.)

Essa visão de mundo é parecida com a da Ciência Cristã, que

ensina que todas as doenças físicas são uma ilusão e, portanto,

podem ser superadas pelo modo certo de pensar. A "maneira

correta" de entender as doenças e a dor resume-se na simples

negação de que elas são reais. Hagin soube dessa comparação e

fez questão de negar qualquer semelhança entre as duas crenças:

Algumas pessoas dizem: "Irmão Hagin, ore por mim. Creio

que estou ficando gripado". Não haveria nenhum proveito

na minha oração, porque se crêem que estão ficando

doentes, vão ficar doentes. "Seja feito convosco segundo a

vossa fé". Se você continuar tendo fé para ficar com a

doença, ficará mesmo. Não considere nem veja a coisa

errada. Algumas pessoas captam apenas parte daquilo que

estou dizendo. Acham que estou ensinando como a Ciência

Cristã, e mandando negar a existência de todos os sintomas

e continuar vivendo como se os sintomas não fossem reais.

Há, porém, tanta diferença entre os meus ensinos e os da

Ciência Cristã, quanto há diferença entre a luz do dia e as

trevas noturnas. Conforme disse certo médico: "Não se

trata da Ciência Cristã; trata-se do bom-senso cristão".

Não negamos existência dos sintomas, pois são reais.

Certamente a dor é real. O pecado é real. E o diabo é real.

Mas note o que a Palavra de Deus diz: "Abraão não

considerou seu próprio corpo". Não considere, pois, seu

Page 88: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

próprio corpo, mas olhe para Jesus, nosso Sumo Sacerdote,

o Autor e Consumador da nossa fé. (Crescimento, 24.)

Entretanto, a questão essencial permanece: tanto a Ciência Cristã

quanto o ensino da prosperidade afirmam que o mundo é regido

por forças espirituais que, por sua vez, são controladas por

pensamentos humanos. É exatamente por isso que Hagin ensina

que a fé do cristão é do mesmo tipo da fé que Deus possui. Por

mais ridícula que essa idéia pareça, ela é coerente com uma

cosmovisão em que as leis espirituais são regidas pela vontade

humana. O que realmente está por trás da doutrina da

prosperidade é uma mensagem utilitarista: é bem melhor

controlar o grande poder da esfera espiritual, tendo o bem como

alvo, e gozar daquilo que Deus colocou à nossa disposição em

Cristo.

Terei alcançado êxito em minha exposição se, a esta altura, o

leitor já tiver percebido a força e a atração da mensagem da

prosperidade. Sua fascinação vem pelas promessas de capa-

citação para obtermos saúde e riquezas, se seguirmos certas leis

espirituais rígidas que, embora não sejam fáceis, estão ao alcance

de todos os cristãos. Nos capítulos seguintes, teremos

oportunidade de comparar essa mensagem com a do gnosticismo,

tão popular durante algum tempo nos segundo e terceiro séculos,

e que, de longe, era a mais atraente interpretação rival do

cristianismo daquela época. Irineu, um dos pais da igreja do

segundo século, foi prolífico em seus escritos contra o

gnosticismo. Ele observou seu poder de atração e a dificuldade

de refutá-lo. Uma de suas observações tem uma pertinência

especial aqui.

Page 89: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

De fato, o erro nunca se apresenta claramente deformado,

pois, assim exposto, seria detectado de imediato. Mas ele é

astuciosamente vestido de maneira atraente para que,

mediante sua forma exterior, pareça ao inexperiente (por

mais ridícula que seja a expressão) mais verdadeiro do que

a própria verdade. (Contra Heresias, 1:2.)

O mesmo se dá com o evangelho da prosperidade; é uma

distorção do verdadeiro evangelho, em alguns casos muito sutil,

mas recebe ampla credibilidade a priori, por parecer que

corresponde aos ensinos cristãos de que Deus é amor, deseja o

melhor para seu povo e de que, por meio da redenção que temos

em Cristo, seremos renovados tanto no corpo quanto na alma.

Por isso, trata-se de uma doutrina que está arrebanhando grande

número de seguidores.

Agora estamos prontos para passar para o capítulo três, onde

ofereceremos uma resposta.

Page 90: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Capítulo

Três

RESPOSTAS AO EVANGELHO DA

PROSPERIDADE

Como devemos entender as visões de Hagin? Existem meios

para testar as alegações de autoridade espiritual? Será que a

Bíblia promete saúde e riquezas nesta vida para aquele que

crê? Pode o cristão ter controle sobre forças espirituais por

intermédio das regras da confissão positiva? Daremos neste

capítulo uma resposta a cada ponto dos ensinos da teologia

da prosperidade.

Page 91: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Introdução

Neste capítulo tentaremos responder a cada um dos pontos

levantados no capítulo anterior. Antes de começarmos, fazem-se

necessárias várias observações. Em primeiro lugar, deve ficar

claro que o evangelho da prosperidade é uma compreensão

realmente nova da fé cristã. Isso só pode significar que a igreja

esteve pregando a mensagem errada durante todos esses séculos.

Toda a tradição teológica estava errada e deve ser abandonada.

Os que foram criados nas denominações tradicionais precisam

desaprender o que lhes foi ensinado na igreja e na Escola

Dominical.

Muitíssimas vezes temos sido derrotados porque não fomos

ensinados... ou fomos ensinados para algo que não é assim,

e tivemos que "desaprendê-lo". É muito mais difícil

"desaprender" do que aprender. Antes de podermos

prosseguir em nossa caminhada com Deus, às vezes

precisamos "desaprender" algumas coisas. (Unção, 25.)

Creio que quase toda a nossa "teologia" tem que ser

mudada. Fomos mal ensinados e por isso estamos sendo

destruídos. (Soares, 1987, 49; veja também 85, 89.)

Essas alegações audaciosas expressam da maneira mais clara

possível o desafio da doutrina da prosperidade à teologia

protestante. A "velha" teologia precisa ser desaprendida e o

evangelho da prosperidade instalado em seu lugar. Tal exigência

é característica de todos os movimentos e seitas que oferecem

uma nova interpretação da Bíblia. Todas as seitas e heresias que

apareceram desde os dias de Cristo, sejam os gnósticos,

montanistas, bogomilos ou, em nossa época, os mórmons ou

Page 92: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

testemunhas de Jeová, afirmavam que a tradição da igreja precisa

ser rejeitada. O antigo deve sair de cena para dar lugar ao novo.

Nesse particular, o evangelho da prosperidade não é diferente. A

tradição protestante inteira, desde Lutero e Calvino até os dias de

hoje, precisa ser totalmente descartada. Conforme diz Hagin,

precisamos "desaprender" a velha teologia, pois, segundo R. R.

Soares, "fomos mal ensinados".

Entretanto, a teologia não é como a ciência moderna, que atingiu

enorme sucesso em sua compreensão do reino natural,

apreendendo novos fatos e formulando uma visão cada vez mais

completa dele. Esse tipo de descoberta criativa simplesmente não

é possível na teologia. Deus não optou por fazer continuamente

acréscimos à revelação que ele concedeu à igreja há dois mil

anos. Um dia o conhecimento sobre Deus irá outra vez crescer

rapidamente, quando o Senhor voltar. Mas esse dia ainda não

chegou. Portanto, a "velha" teologia não pode ser substituída por

algo mais novo e melhor, como se esse fosse o curso natural das

coisas. É claro que o evangelho precisa ser reafirmado em cada

geração e em cada cultura, de modo a ser compreensível, mas ele

não pode ser renovado ou reinventado, apesar de muitos haverem

tentado isso.

Nosso segundo comentário introdutório é que é muito mais fácil

ensinar o erro do que refutá-lo. Apesar de a teologia de Hagin ser

muito simples e seus muitos livros, fáceis de ler, isso não

significa que seja simples refutar sua interpretação da Bíblia.

Qualquer idiota pode fazer uma declaração simples que exija

uma equipe de eruditos para provar que ela está errada.

Considere a seguinte declaração: "Não há Deus". Essa oração

consiste de apenas três palavras, mas, mesmo assim, quanto

esforço precisa ser feito para provar que ela é falsa? Poderia ser

Page 93: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

oferecida uma resposta baseada em argumentos racionais

extraídos da teologia natural ou da experiência pessoal ou da

citação de um dos mestres da teologia na história da igreja. Mas,

qualquer que fosse o método escolhido, ele exigiria, para que

fosse convincente, raciocínio cuidadoso e ampla pesquisa. Da

mesma forma, é fácil dizer que todos temos direito à saúde e à

riqueza, mas é difícil provar que isso não é verdade. Portanto,

este trabalho não pretende ser exaustivo ou especialmente

profundo. Ainda há muita coisa a ser dita e escrita em resposta à

doutrina da prosperidade. Este livro é somente um estudo

introdutório, e espera-se que muitos outros desse tipo apareçam

em breve para o benefício do cristão de língua portuguesa.

Em terceiro lugar, deve-se observar que a presença da Bíblia não

garante ortodoxia. Isso é aplicável a qualquer sistema teológico.

Até mesmo as seitas usam as Escrituras para firmar suas

posições. Algumas, como a dos meninos de Deus, exigem com

rigor que seus membros decorem passagens bíblicas. Mas,

embora a Bíblia seja muito citada, os textos raramente recebem

atenção cuidadosa. Quase não se encontra um trabalho exegético

sério. Nesse sentido, os escritos de Hagin são semelhantes aos

das seitas. Eles estão repletos de citações bíblicas seguidas de um

ou dois parágrafos incisivos sobre o trecho em questão. Mas não

existe nenhum argumento sustentável ou qualquer análise

cuidadosa. Apesar das afirmações de Hagin quanto a seus dons

de conhecimento, memória e entendimento, sua teologia presta

muito pouca atenção nos textos bíblicos que ele cita.4

4 Continua válido hoje o comentário de William James sobre os escritos dos pregadores da

cura de sua época, no início do século XX. Ele escreveu que podemos pôr de lado "... a

verbosidade de boa parte da literatura sobre cura pela mente, algumas de um otimismo tão

Page 94: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Por fim, permitam-me acrescentar uma palavra de incentivo. Há

muitos pastores frustrados nas igrejas, perguntando que tipo de

resposta devem dar à congregação quanto à doutrina da

prosperidade. A intenção desse capítulo é exatamente fornecer a

espécie de material necessário para uma resposta detalhada,

extensa e convincente. Um pouco dele é ligeiramente técnico,

mas sua maior parte é dirigida ao uso em sermões ou para o

ensino na Escola Dominical. Espera-se que o pastor que busque

orientação ache esta análise útil e convincente.

Antes de começar, vale o esforço de olhar mais uma vez para a

estrutura geral da doutrina da prosperidade. Ela tem três

aspectos: 1) o fundamento da autoridade espiritual; 2) as

promessas de saúde e riqueza; e 3) o método ou procedimento

para a obtenção das bênçãos prometidas, por meio da confissão

positiva. A autoridade espiritual alegada por Hagin fornece a

base para as promessas que são feitas. Estas se resumem em

saúde e riqueza para todos os fiéis que estejam prontos a seguir o

ensino da prosperidade. O método ou as regras da confissão

positiva descrevem, então, como obter a bênção e completam o

sistema. Consideremos esses pontos em sua seqüência.

lunático e expressas de forma tão vaga que até a mente com perícia acadêmica acha quase

impossível lê-las" (Variety of Religious Experience, 94).

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1. Autoridade Espiritual

A alegação que Hagin faz de autoridade espiritual é bem clara:

ele não defende sua interpretação da Bíblia com base na erudição

teológica, no raciocínio filosófico cuidadoso ou na pesquisa

sobre a história das doutrinas na igreja. Antes, ele alega possuir a

autoridade de um profeta que falou com Deus. A semelhança de

Paulo, ele foi instruído diretamente por Jesus (Gl 1.12). Essa

afirmação sublime de conhecimento por meio de revelação é

ratificada por muitas histórias de poder espiritual para curar e

operar sinais e maravilhas de todos os tipos. Essa afirmação é

séria tanto hoje quanto nos dias de Moisés, quando foram feitas

as primeiras advertências contra profetas que surgiriam no futuro

(Dt 13.1-3).

Como respondemos a essas alegações de autoridade espiritual? A

primeira coisa que devemos perceber é que não somos os

primeiros a fazer essa pergunta. Antes de nós, outros já

consideraram cuidadosamente esse problema, de sorte que

podemos edificar em cima da resposta que eles ofereceram.

Como protestantes, olhamos para os reformadores, os principais

articuladores da compreensão que temos sobre a Bíblia. Eles

enfrentaram a mesma pergunta, pois, por um lado, tiveram de se

confrontar com o enorme poder da antiga tradição da igreja

católica e dizer: "isso está errado". Por outro lado, os

reformadores também precisaram enfrentar os "profetas de

Zwickau", os radicais daquele tempo que afirmavam que Deus

estava lhes dando uma nova revelação da Bíblia e de sua vontade

para suas vidas (Williams, 1962). Tanto católicos quanto radicais

indagaram aos reformadores onde eles haviam buscado

autoridade para julgá-los. A resposta dos reformadores foi a

Page 96: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

mesma nos dois casos: o único padrão de julgamento para

qualquer ensino na igreja de Cristo devem ser obrigatoriamente

as Escrituras e somente as Escrituras (Calvino, 1985, I. IX. 1;

Pieper 1950, 193-213). Não há outra fonte para onde devamos ir

a fim de conhecer a mente de Deus para a igreja. Em sua análise

do evangelho da prosperidade e das alegações feitas por seus

líderes de que trazem novas revelações e novas interpretações das

Escrituras, esta crítica apela para o mesmo padrão. Como cristãos

e protestantes, nossas crenças devem ser julgadas e limitadas de

todos os lados por aquilo que a Bíblia ensina.

Assim como na Reforma, hoje também a afirmação de Hagin de

estar recebendo novas revelações é extremamente séria para a

igreja, porque o ofício de profeta (Antigo Testamento) ou de

apóstolo (Novo Testamento) é caracterizado por autoridade

fundamental. Nada pode ser dito contra o ensino de um

verdadeiro profeta ou de um apóstolo escolhido, exceto a palavra

de outro apóstolo ou das próprias Escrituras. Algumas igrejas

fazem um cavalo de batalha em cima das passagens que nos

dizem que, nos últimos dias, haverá profecias e visões na igreja

(Jl 2.28). Sem dúvida elas existirão, pois a Bíblia declara que

assim será. Mas creio que as visões desse tipo são bem diferentes

de ensino apostólico. Elas aparecerão no fim dos tempos para

encorajar a igreja em períodos difíceis, não para dar mais

instruções em matéria de fé.

As visões de Hagin não são do tipo que simplesmente confirma a

fé e exorta os irmãos. Elas têm a natureza de revelação e trazem

novo conteúdo doutrinário que exigem uma compreensão da

Bíblia inteiramente distinta. Tais alegações não são feitas por

muitos líderes do movimento da prosperidade. A maior parte dos

pastores que prega essa doutrina simplesmente acolheu o

Page 97: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

evangelho da prosperidade como algo que exerce atração e

colocou-o em prática no ministério. Poucos têm pensado

seriamente nas implicações daquilo que estão dizendo e em como

isso se coaduna com a fé histórica. Portanto, devemos dizer da

maneira mais clara possível que qualquer pessoa que aceite a

interpretação que Hagin faz da Bíblia está também aceitando

implicitamente suas alegações de autoridade como apóstolo dos

dias atuais.

Nesta seção colocaremos à prova as alegações de autoridade

espiritual feitas por Hagin. Esse é o ponto de partida lógico para

nossa resposta, pois se ele foi verdadeira e pessoalmente

instruído por Deus quanto à interpretação correta da Bíblia, então

devemos segui-lo e acatar sua orientação. Mas se suas pretensões

de autoridade espiritual não suportarem nosso escrutínio, então

seus ensinos doutrinários também deverão ser considerados

espúrios. O leitor atento observará que estamos invertendo o

procedimento habitual. Geralmente, os grupos ou ensinos

heréticos são testados apenas com referência à ortodoxia

doutrinária. Uma vez demonstrado que os novos ensinos

fracassam na área da doutrina, a tarefa de refutar as visões é dada

por encerrada. Não há nada de errado com esse método. De fato,

a doutrina é nosso guia seguro em matéria de fé, e nas seções 2 e

3 deste capítulo seguiremos exatamente esse procedimento.

As afirmações de Hagin serão confrontadas com as Escrituras e

com a visão protestante dela. Todavia, nesta seção, deixaremos

de lado por um momento a questão da veracidade ou falsidade da

doutrina de Hagin, para nos concentrarmos somente em suas

visões e alegações de sinais e maravilhas. Creio que se verificará

que essas visões são reprovadas em vários testes que qualquer

revelação procedente de um verdadeiro profeta poderia suportar.

Page 98: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Testes como esses funcionam não apenas com as visões de

Hagin, mas também para qualquer um que afirme ser amigo

especial de Deus.

1.1 Visões: as da Bíblia e as Atuais

Nosso primeiro teste para as alegações de autoridade apostólica

de Hagin será feito por meio da comparação de suas visões com

as visões registradas pelos profetas e apóstolos na Bíblia. Talvez

devamos antes perguntar se esse teste é justo. Há justiça numa

comparação de Hagin com um profeta do Antigo Testamento ou

com um apóstolo do Novo? Parece que a resposta é afirmativa,

uma vez que, como Paulo, ele declara ter visto o Cristo ressurreto

e dele ter recebido instruções. Sobretudo, à semelhança dos

profetas antigos, ele alega operar sinais e maravilhas que

confirmam sua autoridade. Ele é como Moisés, pelo fato de ter

sido cercado por nuvens de glória e de seu rosto ter brilhado. Ele

é como Elias ou Eliseu, pois pode humilhar seus oponentes com

o toque de seu dedo. De certa forma, algumas de suas alegações

superam até mesmo aquelas dos maiores profetas da Bíblia.

Lembre-se, por exemplo, que ele afirma nunca ter recebido uma

resposta às suas orações que não fosse um "sim" de Deus.

Nenhum dos apóstolos fez tal afirmação, e Paulo diz abertamente

que algumas de suas orações não foram atendidas (2 Co 12.8, 9).

Portanto, por suas próprias afirmações, parece justo julgá-lo em

comparação com os maiores santos da Bíblia.

Portanto, nosso primeiro teste será comparar as muitas visões de

Hagin com três visões escolhidas na Bíblia, uma em Isaías, outra

em Daniel e outra em João. Comecemos com a leitura de uma

parte dessas visões nos capítulos seguintes: Daniel 10, Isaías 6 e

Apocalipse 1. Enquanto lê essas passagens, o leitor deve

Page 99: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

concentrar sua atenção na qualidade emocional das visões. Que

tipo de sentimento elas trazem à tona? Qual a impressão que se

recebe do profeta acerca da natureza de sua experiência

visionária? Observe também que esses três grandes profetas

reagiram de formas semelhantes à visitação do Senhor.

Daniel 10.1-19

No terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia, foi revelada uma

palavra a Daniel, cujo nome se chama Beltessazar; a

palavra era verdadeira, e envolvia grande conflito; ele

entendeu a palavra, e teve a inteligência da visão. Naqueles

dias eu, Daniel, pranteei durante três semanas. Manjar

desejável não comi, nem carne nem vinho entraram na

minha boca, nem me untei com óleo algum, até que

passaram as três semanas inteiras. No dia vinte e quatro do

primeiro mês, estando eu a borda do grande rio Tigre,

levantei os olhos, e olhei, e eis um homem vestido de linho,

cujos ombros estavam cingidos de ouro puro de Ufaz; o seu

corpo era como o berilo, o seu rosto como um relâmpago,

os seus olhos como tochas de fogo, os seus braços e os seus

pés brilhavam como bronze polido, e a voz das suas

palavras como o estrondo de muita gente. Só eu, Daniel,

tive aquela visão; os homens que estavam comigo nada

viram, não obstante, caiu sobre eles grande temor, e

fugiram e se esconderam. Fiquei, pois, eu só, e contemplei

esta grande visão, e não restou força em mim; o meu rosto

mudou de cor e se desfigurou, e não retive força alguma.

Contudo, ouvi a voz das suas palavras; e, ouvindo-a, caí

sem sentido, rosto em terra. Eis que certa mão me tocou,

sacudiu-me e me pôs sobre os meus joelhos e as palmas das

minhas mãos. Ele me disse: Daniel, homem muito amado,

Page 100: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

está atento às palavras que te vou dizer, e levanta-te sobre

os pés; porque eis que te sou enviado. Ao falar ele comigo

esta palavra, eu me pus em pé tremendo. Então me disse:

Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia, em que

aplicaste o coração a compreender e a humilhar-te perante

o teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras; e por causa das

tuas palavras é que eu vim. Mas o príncipe do reino da

Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um

dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive

vitória sobre os reis da Pérsia. Agora vim para fazer-te

entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias;

porque a visão se refere a dias ainda distantes. Ao falar ele

comigo estas palavras, dirigi o olhar para a terra, e calei. E

eis que uma como semelhança dos filhos dos homens me

tocou os lábios; então passei a falar, e disse àquele que

estava diante de mim: Meu senhor, por causa da visão me

sobrevieram dores, e não me ficou força alguma. Como,

pois, pode o servo do meu senhor falar com o meu senhor?

porque, quanto a mim, não me resta já força alguma, nem

fôlego ficou em mim. Então me tornou a tocar aquele

semelhante a um homem, e me fortaleceu; e disse: Não

temas, homem muito amado, paz seja contigo; sê forte, sê

forte. Ao falar ele comigo, fiquei fortalecido, e disse: Fala,

meu senhor, pois me fortaleceste.

Isaías 6.1-5

No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado

sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes

enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um

tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria

os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os

Page 101: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

outros, dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos

Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. As bases do

limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se

encheu de fumaça. Então disse eu: Ai de mim! Estou

perdido! porque sou homem de lábios impuros, habito no

meio dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o

Rei, o Senhor dos Exércitos!

Apocalipse 1.9-17

Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no

reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha

chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do

testemunho de Jesus. Achei-me em espírito, no dia do

Senhor, e ouvi por detrás de mim grande voz, como de

trombeta, dizendo: O que vês, escreve em livro e manda às

sete igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes,

Filadélfia e Laodicéia. Voltei-me para ver quem falava

comigo e, voltado, vi sete candeeiros de ouro, e, no meio

dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com

vestes talares, e cingido à altura do peito com uma cinta de

ouro. A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã,

como neve; os olhos, como chama de fogo; os pés

semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa

fornalha; a voz como de muitas águas. Tinha na mão direita

sete estrelas, e da boca saía-lhe uma afiada espada de dois

gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua força.

Quando o vi, caí a seus pés como morto.

Poderíamos usar muito espaço, fazendo uma exegese cuidadosa

dessas visões, mas para nossos objetivos aqui, é suficiente

observar somente algumas características principais que elas têm

Page 102: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

em comum. Em primeiro lugar, o mensageiro, seja um anjo,

Cristo ou o próprio Senhor, traz consigo um senso de grande

poder e glória. O profeta que se encontra, de repente, perto de um

ser assim tem uma enorme consciência de sua própria fraqueza.

Daniel e João professam ter sentido tamanha fraqueza que não

conseguiram ficar de pé, tendo os dois caído com o rosto em

terra. João diz que se sentiu como se estivesse morto. Daniel

declara que, mesmo depois de fortalecido pelo Ser divino, ainda

tremia e sentia-se fraco. Isaías pode muito bem ter tido a mesma

sensação, mas não se incomoda em descrevê-la em seu relato

bastante conciso do evento. De qualquer modo, a sensação de

fraqueza na presença de um ser santo é esmagadora, ao ponto de

incapacitar totalmente o profeta. Eles nos dizem que, sem uma

infusão de força, não seriam capazes de receber o visitante

divino. A sensação de estar na presença de uma grandeza

inefável e coerente com a idéia sublime que a Bíblia sustenta, em

todos os lugares, quanto ao Senhor ou a seus seres santos. O

reino do céu é bem mais grandioso do que a ordem atual, e

qualquer contato com ele é suficiente para atordoar os profetas e

os apóstolos.

Em segundo lugar, em cada caso, a reação do profeta inclui um

sentimento de temor santo. Os homens que acompanhavam

Daniel fugiram apavorados, sem saber de onde vinha tamanho

temor. Isaías exclamou: "Ai de mim! Estou perdido!" Seu senso

de pecado é tão forte que ele não apenas se sente indigno de ficar

na presença do Senhor, mas também teme por sua própria vida.

Destruição completa e repentina parece algo provável e iminente.

Na Bíblia, em todos os 75 casos em que uma pessoa entra na

presença de Deus ou um mensageiro santo é enviado por ele, a

reação inclui esse sentimento de temor.

Page 103: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Em terceiro lugar, em todas as passagens o centro de atenção está

no Senhor ou no mensageiro divino e em sua mensagem. Nos

três exemplos acima, a descrição feita do Senhor ou do anjo é

breve, porém apresenta grande força literária. "... e as abas de

suas vestes enchiam o templo", afirma Isaías. Nas descrições

mais detalhadas de Daniel e João, ambas parecem estar à busca

de superlativos na tentativa de retratar de modo adequado a

glória do visitante celestial. No caso de João, o esplendor e o

brilho terríveis do Senhor ressurreto são particularmente

instrutivos, pois essa é a única descrição que a Bíblia oferece do

Senhor após a ascensão. Seria uma inferência razoável supor que

esta é agora a aparência de Cristo em seu estado de exaltação

como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Em todos os casos,

concentra-se inteiramente no visitante divino, nunca no profeta

que tem a visão.

Por fim, como resultado dessas visões, os profetas e apóstolos

falavam com grande autoridade. Não se questionavam suas

mensagens nem seus mandatos. Suas palavras não se

caracterizam por um "bem, acho que...", mas por um "assim diz o

Senhor". Eles falam com muita autoridade, pois a impressão

deixada sobre eles pela visitação trazia consigo grande dose de

certeza. O profeta que recebia a visão poderia, depois daquilo,

duvidar de tudo na vida, até de sua existência, mas ele nunca

duvidaria do mensageiro nem da mensagem que lhe havia sido

trazida.

Cada uma dessas características forma um contraste com as

visões de Hagin. Esse ponto não precisa ser atacado. O leitor

pode voltar por si mesmo e comparar as passagens acima com

aquelas que se encontram nas obras de Hagin. A diferença será

notada imediatamente ou nunca. Entretanto, para poupar tempo e

Page 104: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

esforço ao leitor, podemos observar brevemente que nas visões

de Hagin existe uma ausência quase completa da sensação de

estar na presença de um Ser santo que é mais poderoso do que

ele. O leitor até procura isso, mas não consegue encontrar

nenhum sentimento de temor santo nas visões dele. Pelo

contrário, Hagin demonstra tanta confiança em si mesmo na

presença do Senhor que chega a nos dizer que sempre discute

com Jesus sobre a interpretação de uma passagem da Bíblia. É

claro que, em suas histórias, Jesus sempre sai vitorioso nas

discussões, mas isso se deve ao fato de Hagin defender a posição

ortodoxa ultrapassada e Jesus as doutrinas de saúde, prosperidade

e confissão. Parece que Hagin não tem nenhuma dificuldade em

ser levado para o céu ou para o inferno ou em estar na presença

do Senhor glorificado. Com efeito, a aparência de Jesus nas

visões dele e muito comum, sem qualquer vestígio de algum

elemento divino. Essas descrições de Jesus formam o contraste

mais agudo possível com a glória descrita por João.

Em segundo lugar, o conteúdo das visões de Hagin está muito

concentrado nele mesmo. Por isso, ao terminar de ler uma dessas

histórias, o leitor não se sente como se tivesse lido alguma coisa

pertinente às Escrituras Sagradas. Não há nenhuma sensação de

que ali se encontra algo especial. Antes, o sentimento é mais o de

ter lido uma notícia interessante no jornal da manhã. Creio que

isso se deve à ausência de temor santo e ao fato de a atenção nas

visões estar concentrada principalmente em Hagin.

Por fim, como resultado dessas visões, Hagin afirma trazer à

igreja o verdadeiro entendimento das Escrituras, algo que nunca

foi visto em dois mil anos de história eclesiástica. Tal afirmação

deveria ser feita com a autoridade de um Moisés que se encontra

no Monte Sinai, de um João que escreve de Patmos ou de um

Page 105: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Paulo que discute com os gregos. Em vez disso, ouvimos as

palavras de um velho simpático e bondoso conhecido como

"vovô Hagin". (Ninguém duvida da sinceridade ou da simpatia de

Hagin.)

Antes de passar para o segundo teste, consideremos agora uma

passagem da experiência de Paulo ao ser levado ao céu,

registrada em 2 Coríntios 12.1-6. Ali ele fala brevemente de seu

arrebatamento ao céu:

Se é necessário que me glorie, ainda que não convém,

passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um

homem em Cristo que, há catorze anos foi arrebatado até

ao terceiro céu, se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus

o sabe. E sei que o tal homem, se no corpo ou fora do

corpo, não sei, Deus o sabe, foi arrebatado ao paraíso e

ouviu palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem

referir. De tal coisa me gloriarei; não, porém, de mim

mesmo, salvo nas minhas fraquezas. Pois se eu vier a

gloriar-me não serei néscio, porque direi a verdade: mas

abstenho-me para que ninguém se preocupe comigo mais do

que em mim vê ou de mim ouve.

O aspecto mais impressionante desse relato é o tom de

humildade. Paulo diz: "De tal coisa me gloriarei; não, porém, de

mim mesmo". Ele também não descreve com detalhes o que

realmente aconteceu. Em vez disso, há uma resistência de sua

parte em falar sobre algo intensamente pessoal como foi o

encontro com Deus no céu. Registrar uma experiência dessas

seria o mesmo que expor sua alma ao mundo. É evidente o

contraste com a prontidão de Hagin em relatar tudo o que ele vê e

sente em suas visões.

Page 106: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Em pelo menos mais um ponto Hagin é diferente daqueles que

recebem revelações no Novo Testamento — ele não aceita

questionamentos ou críticas. No tempo dos apóstolos não era

assim. A discussão crítica fazia parte dos relacionamentos

apostólicos. Apesar de cada um dos apóstolos ter sido ensinado

por Cristo, nenhum deles alegava ter plena compreensão do que o

Mestre havia dito. Depois da ascensão do Senhor, ainda houve

muita discussão e pesquisa cuidadosa das Escrituras. Em Atos

15, encontramos o registro de uma discussão acalorada entre os

apóstolos a respeito do assunto central da primeira igreja: a

relação entre a lei e o evangelho. No fim, o grupo chegou a um

novo entendimento. A questão é que os apóstolos não se

colocavam acima de todo e qualquer questionamento. É evidente

que o próprio João está respondendo a questionamentos que ele

havia enfrentado muitas vezes, ao escrever, em 1 João, que havia

ouvido, visto e tocado o verdadeiro Jesus. Isso estabelece um

contraste com Hagin e outros pregadores da cura de hoje, que

rejeitam qualquer questionamento. Hagin vai mais longe e coloca

medo em seus seguidores, fazendo-lhes ameaças. Isso lhes tira a

capacidade de pensar por si mesmos. Eles acreditam que Hagin é

profeta e mestre, visionário místico e erudito bíblico, tudo ao

mesmo tempo. Sua autoridade é intocável. Aqueles que o

desafiam são repreendidos, por estarem rejeitando a palavra de

Deus. Eles dizem que não devemos tocar no ungido do Senhor.

Esse tipo de demagogia forma um contraste gritante com a

humildade de Paulo.

Como em todas as outras questões de fé e doutrina, o leitor terá

de decidir por si mesmo, mas este autor acha que existe uma

enorme diferença em termos de qualidade entre as visões de

Hagin e as dos profetas e apóstolos da Bíblia. As de Hagin

parecem ficar muito aquém do poder, da glória e do temor santo

Page 107: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

daqueles que foram portadores de uma nova e verdadeira

revelação da parte de Deus. Em nossos dias, parece que está

crescendo o número dos que não têm medo de afirmar que

trazem sobre seus ombros um manto divino. As visões descritas

na Bíblia formam um padrão a ser seguido por outros. O profeta

dos dias atuais tem esse sentimento de temor santo? Suas visões

se concentram no Santo? Ele retorna dessas visões exaltado pelo

orgulho ou humilhado com uma sensação de pecado? É

necessário que existam menos ingenuidade e mais comparação

das visões de hoje com o padrão estabelecido pela Bíblia.

O segundo teste que aplicaremos é muito mais simples. Ele

consiste de perguntarmos se as afirmações que Hagin faz quanto

à sua posição de profeta de Deus autonomeado são coerentes

umas com as outras. A coerência interna é um teste importante

em qualquer trabalho teológico ou filosófico e aplica-se também

a testemunhos pessoais. Num tribunal, é comum o promotor usar

a tática de fazer o réu tropeçar em alguma incoerência em seu

testemunho, demonstrando assim que ele está mentindo ou pelo

menos escondendo parte da verdade. Portanto, vale a pena notar

que o testemunho de Hagin quanto a seu ministério pessoal

apresenta incoerências. Por um lado, temos suas afirmações de

que ele sempre viveu numa elevada condição espiritual, nunca

sofreu uma derrota, nunca teve problemas, sempre teve resposta

para suas orações, foi cercado por nuvens de glória, curou todas

aqueles que o procuraram. Por outro lado ele admite tanto em

seus sermões quanto em seus livros que seus primeiros 12 anos

de ministério pastoral foram um fracasso total e, por isso, ele

precisava do perdão divino (McConnell, 1988, 60). Esses dois

conjuntos de afirmações não se harmonizam. Um ou outro

precisa ser modificado. Por si só, esta única contradição é

suficiente para colocar em dúvida tudo o mais que Hagin afirma,

Page 108: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

pois é o próprio testemunho dele que dá credibilidade às suas

visões e profecias. Portanto, questionar a veracidade de seu

testemunho é o mesmo que questionar o fundamento de sua

alegação de ser profeta.

O terceiro e último teste a ser aplicado é de natureza moral.

Como vimos, Hagin não foi totalmente honesto em sua

explicação das origens de seus ensinos. Ele afirma que eles

vieram exclusivamente do Senhor e não de algum autor humano.

Todavia, conforme notamos na introdução, ele plagiou ampla e

repetidamente a E. W. Kenyon, durante anos, antes de admitir ter

lido os livros de Kenyon. Somente depois de ter sido desafiado

(1978-1979), Hagin começou a mudar seus escritos, editando a

fraseologia e dando crédito aqui e ali a Kenyon. Esse tipo de

plágio intelectual não é algo sem importância. Ele não é tolerado

em escolas seculares, muito menos em seminários. Seria isso

coerente com a vida e o ensino de um profeta ou apóstolo?

Novamente o leitor terá de tomar sua decisão sobre como

responder a essa pergunta. A conclusão que oferecemos aqui é de

que, pelos testes de moralidade, coerência interna e pela

comparação das visões de Hagin com as da Bíblia, suas

alegações de ensino apostólico caem por terra. Com base nesses

testes somente, descontando seus verdadeiros ensinos doutri-

nários, suas afirmações de autoridade espiritual podem ser

declaradas espúrias.5

5 Remetemos o leitor ao livro de Jonathan Edwards, A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais

de Autenticidade (Vida Nova, 1992). Ele apresenta testes semelhantes pelos quais podem

ser feitos julgamentos relacionados a um avivamento ou a alguma obra espiritual.

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1.2 Sinais e Maravilhas

Visões, profecias, visitas de Jesus, curas, palavras de conhe-

cimento, falar em línguas, ser abatido no Espírito, nuvens de

glória, rostos que brilham com luz sobrenatural, conhecimento do

futuro, dons espirituais que descem com um "clique"; estes são

os sinais e maravilhas. Na igreja atual, muitas pessoas tendem a

acreditar que esse tipo de coisa é algo novo. Ele sempre está

associado a sinais do fim dos tempos ou, no mínimo, a provas de

uma unção especial do Espírito. Mas o fato é que tais relatos

sempre foram comuns na história da igreja, desde cerca do quarto

século. A história dos sinais e maravilhas é fascinante e traz uma

lição para a igreja de hoje. O propósito dessa parte é mostrar a

natureza dessa lição.

Sinais e Maravilhas no Passado

É ponto pacífico que os milagres de cura fizeram parte do

ministério dos apóstolos, enquanto eles continuaram a

evangelizar, embora haja quem diga que, mesmo enquanto eles

estavam vivos, a freqüência deles diminuiu. A questão é se o

poder de realizar milagres na igreja foi transferido para seus

seguidores. Será que, no final do primeiro século e início do

segundo, os seguidores dos apóstolos também realizaram

milagres de cura? O poder de curar e de realizar sinais e

maravilhas teria sido conferido à igreja?

Essas perguntas têm recebido diferentes respostas. Lutero,

Calvino, Zuínglio e outros reformadores disseram sim: o poder

de operar milagres continuou na igreja depois da morte dos

apóstolos, mas somente durante algum tempo. Eles pressu-

punham que o poder para realizar milagres era necessário para a

Page 110: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

edificação da igreja, mas, à medida que ela cresceu em número e

força, tal necessidade diminuiu e, finalmente, cessou. Pelo menos

era esse o argumento que eles usavam em suas discussões contra

opositores católicos. Por sua vez, os católicos apontavam para os

milagres atribuídos aos santos que viveram na Idade Média. As

histórias miraculosas daquele período são abundantes e os

debatedores católicos argumentavam contra os teólogos

protestantes que os milagres registrados eram prova da

autenticidade da doutrina católica. Afinal, se Deus operava

milagres por intermédio dos santos católicos, isso vindicava

claramente a verdade da igreja católica.

Se os reformadores estavam certos em dizer que os milagres

desapareceram lentamente, á medida que a igreja primitiva se

firmava, então não pode ter existido nenhum milagre autêntico

durante a Idade Média (Calvino, 1989, IV. XIX. 18). Portanto, a

igreja católica não poderia apelar aos milagres como prova de

que era a única igreja verdadeira. O mesmo argumento foi usado

contra a ala radical da Reforma e contra visionários como

Thomas Müntzer, que, à semelhança dos modernos pregadores

da cura, afirmava ter recebido todo tipo de visão e poderes

especiais de Deus. Nos dois casos, nos debates contra a igreja

católica ou contra os radicais, os reformadores fizeram uso do

mesmo argumento. Os milagres continuaram durante certo tempo

na era pós-apostólica e, então, começaram a desaparecer aos

poucos, como uma luz que lentamente perde intensidade. De

modo geral, o fim deles é fixado no início do quarto século, com

o surgimento de Constantino.

Os reformadores estavam enganados. A partir do século XVIII,

os escritos da igreja primitiva começaram a ser objetos de uma

pesquisa mais cuidadosa. Deve ser lembrado que os reformadores

Page 111: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

tiveram pouco ou nenhum acesso a esses primeiros registros.

Eles estavam arriscando um palpite, ao dizerem que os milagres

desapareceram lentamente depois da era apostólica. A facilidade

de acesso a esses primeiros documentos, obtida pelos

historiadores atuais, permitiu uma apreciação mais exata daquilo

que aconteceu. B. B. Warfield, o grande teólogo evangélico do

seminário de Princeton durante as décadas de 1920 e 1930,

pesquisou meticulosamente a história dos sinais e maravilhas. Ele

provou que, depois da era apostólica, os sinais e maravilhas

deixaram de ser relatados quase completamente.

Nos dois séculos posteriores à morte do último dos apóstolos, a

literatura da época apresenta relatos de milagres que podem ser

classificados de muito vagos.6

Há pouca ou absolutamente nenhuma evidência de

operação de milagres durante os primeiros 50 anos da

igreja pós-apostólica; nos 50 anos seguintes, ela é pequena

e sem importância, começando a crescer durante o século

seguinte (o terceiro); ela se tornou abundante e precisa

somente no quarto século, aumentando ainda mais no

quinto século e depois. Assim, se as evidências valem

alguma coisa, em vez de uma diminuição progressiva e

regular, desde o início houve um crescimento contínuo da

operação de milagres. (Warfield, 1972, 10.)

Portanto, em vez de encontrarmos abundância de relatos

miraculosos, o tom dos escritos das décadas posteriores à morte

dos apóstolos foi cauteloso e conservador. Parece que houve da

6 Veja Justino Mártir, Apology, I, cap. 6; Irineu, Contra Heresies, I, cap. 34; Tertuliano, Ad

Scap IV, 4; Orígenes, Contra Celsum B, III, cap. 24; Clemente de Alexandria, Epis C, XII.

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parte dos pais pós-apostólicos um esforço deliberado de não

alegar qualquer tipo de poder especial para operar sinais e

maravilhas. Por isso. Warfield considera aqueles primeiros

líderes cristãos

dignos do lugar que ocupam como seguidores imediatos dos

apóstolos. A ansiedade que tinham com relação a si

próprios era no sentido de que não fossem super-

valorizados ou confundidos com os apóstolos em suas

pretensões, em vez de arrogarem a si posição, dignidade ou

poderes parecidos com os dos apóstolos. (Warfield, 1972,

10.)

Uma coisa é certa: se aqueles primeiros líderes da igreja tivessem

realizado milagres de cura ou pensado como muitos na igreja

atual, seus escritos estariam recheados de referências a curas e

dons espirituais. A falta de comentários como esses demonstra

como suas expectativas e preocupações eram diferentes. A

semelhança dos apóstolos, eles se concentravam na salvação da

alma e não na cura do corpo.

Foi somente muito mais tarde, no quarto século, que milagres

começaram a ser relatados em números significativos. Naquela

época houve um aumento repentino de relatos miraculosos,

especialmente de milagres de cura. Há duas razões que justificam

esse surgimento repentino de casos na literatura da época.

Primeira, ele se deveu à emergência de livros seculares sobre os

poderes que bruxos, mágicos e todos os tipos de heróis tinham

para realizar milagres. Aquelas histórias tornaram-se

extremamente populares. Assim como milhões de brasileiros

lêem hoje Paulo Coelho, envoltos por uma fascinação su-

persticiosa, naquela época também os contos de milagres eram

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lidos como explicações daquilo que realmente podia acontecer.

Algumas daquelas histórias eram pura ficção, escritas apenas

para fins de diversão. Quanto às outras, pretendia-se que fossem

levadas a sério como prova das alegações de verdade feitas por

grupos e religiões. Também não eram apenas sacerdotes pagãos e

bruxos que relatavam milagres de todos os tipos. Grupos

heréticos como os arianos ou os montanistas também afirmavam

ter poder como prova de seus ensinos. No todo, o aparecimento

dessa literatura de histórias fantásticas exerceu uma enorme

influência sobre as expectativas da igreja. O cristão característico

daquele tempo começou a ver as histórias de curas miraculosas

como parte de sua religião.

O fato fundamental que deve ser mantido em nossa mente é

que o cristianismo, ao entrar neste mundo, entrou num

mundo pagão. À medida que ele se impunha, via-se cada

vez mais imerso numa atmosfera pagã repleta de milagres.

É claro que essa atmosfera penetrou com toda força no

cristianismo e alterou sua interpretação da existência em

todos os fatos da vida do dia-a-dia... Os próprios cristãos

batizados saíram do paganismo e levaram os conceitos

pagãos para dentro da igreja... Quem era supersticioso

continuava supersticioso; quem havia vivido num mundo

cheio de elementos miraculosos procurava e achava

maravilhas acontecendo a seu redor... Talvez igualmente

subestimemos o quanto dessa cosmovisão pagã passou para

a igreja... O cristianismo não trouxe para o mundo a crença

em milagres; ele a encontrou ali. Toda a religião dos

pagãos dependia dela; eles tinham seus deuses visando

somente os milagres. (Warfield, 1972, 74.)

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A segunda razão que levou ao aumento repentino do número de

histórias miraculosas foi a decisão tomada pelos líderes da igreja

de começarem a fazer uso de objetos como relíquias. Estas

tinham o propósito expresso de responder às orações e de operar

milagres. O poder de atração desse tipo de promessa sempre foi

grande, e a igreja primitiva percebeu esse fato por volta do tempo

de Agostinho, no final do quarto século. Ao oferecer ao público

objetos dos santos que, supostamente, realizavam milagres de

cura, multidões de pessoas, que teriam permanecido em suas

religiões pagãs, foram atraídas para a igreja. Então, os líderes

eclesiásticos sentiram-se obrigados a produzir, junto com as

relíquias, modos de verificação do poder que elas tinham,

primeiramente em forma oral e, depois, em forma de histórias

escritas sobre seus poderes para operar maravilhas.

O raciocínio das autoridades daquele tempo parece ter sido este:

se pagãos e hereges têm seus milagres, por que não a verdadeira

igreja de Deus? Foi esse tipo de pensamento que levou os líderes

eclesiásticos a copiar e produzir histórias miraculosas em forma

cristianizada. Temos bons exemplos na literatura apócrifa da

Igreja Católica Romana, tais como Atos dos Apóstolos (apócrifo);

Vida de Antônio, de Atanásio; A Vida de Paulo, Hilário e Malco,

de Jerônimo; e o Evangelho de Pedro, anônimo. Por volta do

século sexto, os contos miraculosos como forma literária haviam

sido completamente adotados de suas origens pagãs e eram

pressupostos da igreja. Resumindo essa situação, Warfield

escreve:

Pode-se dizer que, de modo geral, os cristãos transferiram

para si e apropriaram-se de cada bem religioso possuído

pelos pagãos. Um dos resultados disso foi que todo o

conjunto de lendas pagãs, de uma forma ou de outra,

Page 115: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

reproduziu-se em solo cristão... Com o século sexto

encontramos já cristianizado todo o sistema antigo de

lendas. (Warfield, 1972, 83.)

A essência dessas lendas ou contos miraculosos estava na

atribuição de milagres a heróis ou, no caso da igreja, aos santos

ou a seus objetos nos relicários. Uma vez naturalizadas na igreja,

essas histórias cristianizadas desenvolveram-se junto com a

igreja propriamente dita, crescendo em grau e número.

Quando passamos da literatura dos três primeiros séculos

para a do século quarto e seguintes, deixamos de vez a

região das referências indefinidas e superficiais às obras

miraculosas que teriam ocorrido em algum lugar ou outro

— sem dúvida as referências aumentam em número e

tornam-se mais específicas com o passar dos anos — e

entramos em contato com um conjunto de escritos

simplesmente saturado de maravilhas. Enquanto, no

período anterior, encontramos poucos escritores que

professavam ter sido testemunhas oculares de milagres e

ninguém que atribuísse a si a operação deles, no período

posterior todo mundo parece ter testemunhado milagres, e

aqueles que os realizam não são apenas identificados, mas

revelam-se como os mais famosos missionários e santos da

igreja... Eles são... os eruditos eminentes, teólogos,

pregadores e organizadores da época. (Warfield, 1972, 37,

38.)

O leitor deve ter em mente que as histórias miraculosas da Idade

Média são diferentes das histórias bíblicas em dois aspectos

fundamentais. Em primeiro lugar, elas são narradas invaria-

velmente na terceira pessoa e não representam relatos de

Page 116: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

testemunhas oculares. Ninguém alega ter realizado um milagre

ou visto alguém realizá-lo. Também é digno de nota que, embora

as lendas e histórias miraculosas tenham se espalhado muito na

Idade Média, nenhum dos principais teólogos jamais apelou a

milagres para defender uma idéia no campo teológico (Warfield,

1972, 250). Em segundo lugar, parece que muitos daqueles que

receberam o crédito pela operação de algum milagre não tinham

consciência, durante seu tempo de vida, de ter feito aquilo. Por

exemplo, nas biografias escritas depois de sua morte, São

Francisco de Assis recebe crédito pela ressurreição de 14

pessoas. A julgar de seus próprios escritos, ele próprio não teve

consciência disso enquanto viveu.

É importante fazer uma última observação histórica. Os relatos

de sinais e maravilhas continuaram existindo desde que foram

incorporados à igreja, no começo da Idade Média. Warfield faz o

seguinte comentário:

Com aquelas histórias miraculosas algo novo penetrou no

cristianismo, algo desconhecido pelo cristianismo dos

apóstolos, pelas igrejas apostólicas e por seus sucessores

sóbrios; e esse elemento novo penetrou no cristianismo

tendo vindo de fora, não pela porta, mas subindo por algum

outro caminho. E trouxe consigo uma infinidade de obras

miraculosas que vieram para ficar. (Warfield, 1972, 20.)

Tendo esses fatos em mente, fica ao leitor a tarefa de tirar suas

próprias conclusões quanto à fidedignidade daquele número

enorme de histórias sobre sinais e maravilhas dos tempos

passados. Quanto a Warfield, ele não tem dúvida sobre como

responder à pergunta acerca da veracidade desses milagres: "Há

somente uma resposta histórica que pode ser dada, Eles

Page 117: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

representam uma infusão do pensamento pagão na igreja"

(Warfield, 1972, 61).

Sinais e Maravilhas nos Dias de Hoje

A exemplo da Idade Média, também em nossa época não nos

faltam relatos de sinais e maravilhas, muitos dos quais

provenientes de igrejas que pregam a doutrina da prosperidade.

Sem variações, os líderes desse movimento vêem seu próprio

trabalho como uma seqüência natural da atuação miraculosa dos

ministérios de Jesus e dos apóstolos. Mas é importante observar

que os milagres registrados no Novo Testamento limitam-se aos

apóstolos. Todos os milagres em Atos são atribuídos aos

discípulos imediatos de Cristo (At 5.12). Por exemplo, quando

Tabita morre, os cristãos que viviam naquele local não tentam

trazê-la de volta à vida, mas mandam buscar Pedro (At 9.38).

Essa atitude vai contra a afirmação de que o poder para operar

milagres havia se espalhado na igreja. Sobretudo, por tradição, a

teologia cristã tem se baseado principalmente nas passagens

didáticas do Novo Testamento, e as epístolas têm muito pouco a

dizer sobre curas. Assim, o Novo Testamento não dá apoio à

alegação de que sinais e maravilhas eram ou deviam ser

amplamente difundidos na igreja. Além dessas observações

neotestamentárias, acabamos de ver que o registro histórico apóia

a conclusão de que os poderes miraculosos limitaram-se aos

apóstolos e à sua época.

Vale a pena observar também que os milagres hoje registrados e

os da Bíblia têm diferenças importantes. Estas se evidenciam na

velocidade, dificuldade e qualidade das curas efetuadas. Isso se

revela quando as características das curas realizadas por Cristo

são comparadas com aquelas que a igreja relata hoje. As curas

Page 118: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

miraculosas de Cristo eram 1) instantâneas; 2) completas; 3)

desvinculadas da fé da pessoa afligida — em muitos casos, não

há nenhuma menção de qualquer fé que seja (Mt 9.32; 12.10, 22;

20.30; Mc 8.22; Lc 4.39; 5.19; 14.12); Jesus curou pessoas

incapazes de exercer fé e, certa vez, até mesmo debaixo do

protesto delas (Mt 8.23; Mc 5.7; Lc 4.33; 8.28); ele exigiu a

presença de fé somente em um caso (Mt 9.29) e apenas uma vez

repreendeu os discípulos por causa da falta de fé (Mt 17.14-20);

4) Jesus curava todos os que iam até ele; e 5) ele curava sem

fazer daquilo um espetáculo (Biederwolf, 1934, 36, 37).

Essas cinco características estão em franca oposição às

tendências das curas dos dias de hoje, as quais sempre são

graduais, incompletas ou as duas coisas juntas. Os pregadores da

cura pela fé olham para a Bíblia procurando exemplos de cura

gradual, mas não existe nenhum.7 Em segundo lugar, os

pregadores da cura exigem fé daquele que busca o milagre. Já

vimos as exigências rígidas feitas pela doutrina da prosperidade

quanto à confissão positiva. Não se permite que o suplicante se

afaste nem um pouquinho da exigência de crer sem duvidar e de

confessar sem hesitar. Em terceiro lugar, a cura está à disposição

apenas dos cristãos. Hoje ninguém afirma ter poder para curar

onde e quando quiser. Quarto, a cura pela fé dos dias de hoje

sempre envolve muito espetáculo.

É digno de nota que, a exemplo da Idade Média, também hoje

poucas pessoas viram pessoalmente um milagre de cura. Embora

sejam feitas muitas alegações, quando se busca uma confirmação

posterior, pouquíssimos casos mostram ter alguma importância.

7 Os exemplos de cura instantânea têm duas exceções: Lucas 17.11-14 e Marcos 8.22-26,

mas até mesmo esses casos foram de cura relativamente rápida.

Page 119: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Talvez seja por isso que muitos pregadores da cura pela fé evitem

o escrutínio. O próprio Hagin ameaça aqueles que desafiam suas

afirmações nessa área. Mas o que há para ser temido? O Espírito

pode ser analisado da forma mais crítica possível. Se aquilo é de

Deus, a obra suportará qualquer tipo de escrutínio. O apóstolo

João recomenda; "... provai os espíritos se procedem de Deus".

Como na Idade Média, muitas curas relatadas hoje ocorrem por

meio de processos naturais, sem dúvida com a ajuda da resposta

do Senhor à oração. Grande parte da melhora parece ter mais a

ver com o poder de sugestão do que com qualquer outra coisa

que possa ser realmente chamada de miraculosa. Sempre foi

assim. Warfield estudou as afirmações dos adeptos da Nova Era

de seus dias, os mesmerianos, e as dos pregadores da cura. Ele

chegou à seguinte conclusão:

... o que vem à tona... é que uma linha nítida é traçada entre

as categorias de cura que podem ser obtidas e as categorias

que não podem ser obtidas pela fé, e essa linha é traçada

aproximadamente no exato ponto onde passa a linha que

separa as curas que são obtidas daquelas que não são

obtidas pela mente... Há categorias de doenças que a cura

pela fé pode resolver e categorias que ela não pode. Num

exemplo específico, ela não consegue curar ossos

quebrados, restaurar mutilações ou fazer algo tão simples

quanto recuperar dentes perdidos. (Warfield, 1972, 191.)

É difícil negar o argumento de Warfield que os cristãos que

curam pela fé podem fazer somente aquilo que fazem a Ciência

Cristã, os hipnotizadores e outras abordagens de cura mental.

Page 120: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Por isso, "providência" e "milagre" devem ser vistos como duas

coisas separadas.8 "Providencia" é a atuação da vontade de Deus

no mundo, mediante meios naturais, de forma que não pode ser

discernida sem fé. Isto se contrapõe ao "milagre", que é a ação de

Deus sem o emprego dos meios normais e naturais. Em outras

palavras, um verdadeiro milagre é a atuação direta e imediata de

Deus sobre o objeto. É a criação de novas terminações nervosas

no homem que nasceu sem visão, de carne nova e ossos para a

cura de um braço atrofiado. É o fogo que cai do céu sob a ordem

de Elias. Esses atos de Deus são bem diferentes de sua

providência, a qual está oculta, por atuar mediante as leis da

natureza, como, por exemplo, quando o Senhor usa o sistema

imunológico do corpo para vencer uma doença.

A experiência da grande maioria dos cristãos através da história

não tem sido com o elemento miraculoso, mas com o poder que

Deus, em sua graça, concede por meios naturais. A maior parte

dos milagres relatados na história da igreja, incluindo aqueles da

era moderna, podem ser mais bem compreendidos dessa forma.

A distinção entre o elemento verdadeiramente miraculoso e a

providência de Deus elimina uma porção de idéias vagas e

confusas e guarda os milagres da Bíblia como atos distintos da

intervenção divina que não podem ser interpretados simples-

mente como processos naturais. Desse modo, Deus é glorificado

sem baratear aquilo que é verdadeiramente miraculoso. Warfield

comenta esse ponto:

8 Em geral são admitidos três propósitos para os milagres na Bíblia: primeiro, eles

autenticavam a mensagem daquele que o efetuava (1 Rs 18.21; Jo 5.36); segundo, eles

mostravam que o reino de Deus estava presente (Mt 12.28); e terceiro, revelavam o caráter

de Deus (Jo 9.35). Jesus curava e realizava milagres porque era Deus e, portanto, doença e

opressão eram suas inimigas.

Page 121: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Os milagres não surgem errantes nas páginas das

Escrituras, aqui, ali e acolá, indiferentemente, sem razão

justa. Eles pertencem a períodos de revelação e aparecem

somente quando Deus está falando a seu povo por meio de

mensageiros dignos de crédito... A priori, de fato poderia

ser concebível que Deus deva lidar com os homens

atomisticamente, revelando a si e a sua vontade a cada

indivíduo, através de todo o curso da história, no recesso de

sua própria consciência. Este é o sonho do místico... Ele

escolheu, em vez disso, lidar com a raça como um todo e

dar a ela a revelação completa de si mesmo num conjunto

orgânico... e quando o conhecimento total de Deus... havia

sido absorvido pelo corpo vivo do pensamento do mundo —

ali permaneceu; é claro, nenhuma revelação mais existe

para ser feita e, conseqüentemente, nenhuma outra foi feita.

O Deus Espírito Santo fez de sua obra posterior não a

introdução de revelações novas e desnecessárias no mundo,

mas a divulgação dessa revelação completa através do

mundo e a condução da humanidade ao conhecimento que

salva. (Warfield, 1972, 25, 26.)

Há quem afirme que fazer essa distinção entre milagres e

providência tira a motivação de orar pela cura nos dias de hoje

(Bailey, 1977). Outros assumem uma posição mais forte e dizem

que negar ou minimizar o poder que a igreja tem para curar

miraculosamente é o mesmo que retirar uma parte essencial do

evangelho (Duffield, 1991; McNutt, 1976). Há algo de válido

nessas acusações. Com muita freqüência deixamos de orar pelo

doente, em particular ou em público, exceto em casos extremos,

quando um membro da igreja se encontra hospitalizado. Mais à

frente, olharemos para o capítulo 5 de Tiago, onde temos um

Page 122: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

conselho apostólico quanto à forma e significado da oração pelos

enfermos.

Nosso último comentário é que não se pode aceitar nenhuma

alegação de operação de milagre em apoio a um erro teológico.

Em outras palavras, não se pode aceitar nenhum milagre que vá

contra a verdade, e qualquer milagre afirmado em favor de uma

falsa doutrina está se autocondenando. Esse princípio pode ser

declarado de forma inversa: uma doutrina errada destrói um

suposto milagre. Duas citações de Warfield expressam bem esse

princípio:

Deus não é só onipotência. Ele também é onisciência

absoluta. É impossível que ele seja o agente imediato numa

ação em que fica evidente um erro grosseiro de

"sabedoria"... Muito menos pode-se supor que ele seja o

sujeito imediato em ocorrências onde estão envolvidas

imoralidades ou em que... existam implicações

incorporadas de, por assim dizer, irreligião ou

superstição... Portanto, um princípio básico é que nenhum

evento pode ser realmente miraculoso se houver

implicações incompatíveis com a verdade religiosa

fundamental. (Warfield, 1972, 121, 122.)

Este último ponto é de suma importância. O fato de não

entendermos como alguma coisa acontece não nos dá o direito de

chamá-lo de milagre. Conforme observa Warfield, "o

inexplicável e o miraculoso não são exatamente sinônimos" (p.

118). Dito de uma forma mais abstrata,

minha ignorância não pode ser a medida da realidade... A

natureza foi feita por Deus, não pelo homem, e nela pode

Page 123: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

haver forças atuantes que nossa filosofia jamais imaginou

que existissem e que, além disso, fogem à compreensão

humana. (Warfield, 1972, 120.)

Por si só esse critério elimina a grande maioria dos milagres

registrados pela história, pois estavam associados às formas mais

grosseiras de superstição, sendo atribuídos ao poder de relíquias

ou às orações feitas para santos que há muito haviam morrido.

Portanto, devemos estabelecer como princípio geral que o

elemento miraculoso deve sempre ser questionado. Jesus disse

que, no dia do julgamento, haverá aqueles que terão feito sinais e

maravilhas, mas que lhe serão estranhos (Mt 7). Mesmo que um

milagre seja feito diante de nossos olhos, em si ele não valida a

mensagem. Assim como Faraó teve seus imitadores de Moisés,

também hoje devemos fazer distinção entre o elemento

miraculoso e a mão de Deus. O que importa é a mensagem, não o

mensageiro.

O que podemos concluir a partir da presença de sinais e

maravilhas na igreja de nossos dias? Para este autor, três coisas

ficam evidentes. Primeira, o elemento verdadeiramente mira-

culoso é muitíssimo raro. A escassez de referencias à cura como

parte da vida da igreja primitiva revela que a presença de Deus na

igreja torna os milagres possíveis, mas não necessários. Devemos

permanecer abertos para essa possibilidade, mas não insistir nela.

As Escrituras ensinam que Deus, em sua liberdade soberana, faz

uso de milagres, mas a própria Bíblia, a história e a experiência

pessoal confirmam que Deus raramente utiliza meios que não

sejam os normais na execução de sua vontade. Também em

outras áreas, Deus não atua por meio de milagres, tais como

evangelização, ensino, etc. Em vez disso, ele emprega em seu

trabalho nossa fé, mente, capacidade, treinamento, etc. Por que,

Page 124: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

então, deveria Deus realizar sinais e maravilhas hoje, para

edificar sua igreja? É claro que Deus é soberano e pode, em

lugares e épocas diferentes, fazer uso de milagres. Mas o mínimo

que podemos dizer é que seus meios habituais de atuação não

incluem milagres. Também não parece que os milagres

necessariamente edificam a igreja. A cura pela fé, que dá tanto

destaque ao elemento miraculoso, muitas vezes leva a um

desprezo dos meios, isto é, inteligência humana e trabalho árduo.

Isso se verifica na história daqueles grupos que valorizam os

milagres e na maneira como subestimam o treinamento teológico.

Hagin ilustra bem essa verdade. Seus escritos revelam da

maneira mais clara possível a falta de estudo teológico ou

pastoral. A igreja nunca foi edificada nas costas daqueles que dão

pouco ou nenhum valor ao trabalho intelectual.

Em segundo lugar, os sinais e maravilhas ligados ao evangelho

da prosperidade precisam ser considerados espúrios, por serem

utilizados em apoio a doutrinas defeituosas. Isso não significa

que alguma coisa incomum ou mesmo miraculosa não tenha

acontecido quando sinais e maravilhas são relatados. Não

queremos afirmar que tudo que é relatado é fictício. Mas não

podemos raciocinar a partir daquilo que é incomum e assombroso

para chegarmos à conclusão de que a mensagem que o

acompanha vem de Deus.

Em terceiro lugar, o pastor protestante deve ser lembrado de que

o protestantismo, desde seus primórdios, tem rejeitado a

importância de sinais e maravilhas na igreja. Cremos num Deus

que opera maravilhas, não numa igreja que opera maravilhas.

Warfield observa o seguinte:

Page 125: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Em questão de interpretação, a história do protestantismo é

uma negação uniforme de qualquer promessa bíblica no

sentido de que poderes miraculosos continuariam a existir

na igreja. (Warfield, 1972, 127.)

O tipo de espiritualidade incentivado pela doutrina da

prosperidade é estranho ao espírito do protestantismo. Portanto, o

pastor protestante que examina de modo crítico os sinais e

maravilhas na igreja está sendo coerente com sua fé e encontra-se

na boa companhia dos reformadores e de seus sucessores. É

necessário que essa posição seja tomada com muita humildade,

sempre admitindo que Deus age neste mundo de acordo com seu

desejo.

2. Saúde e Prosperidade

Ao passarmos da questão da autoridade espiritual para as

promessas da doutrina da prosperidade, precisamos ter cuidado

com aquilo que está sendo questionado. A questão não é se Deus

responde às orações de seu povo. Adoramos e servimos a um

Deus de amor que se preocupa conosco, tanto com a alma como

com o corpo. Somos convidados a levar-lhe nossas necessidades

(1 Pe 5.7) e cremos que ele ouve nossas orações e está conosco,

na saúde ou na doença (Mt 28.20). Portanto, o que está em jogo

nesta seção não é o caráter de Deus nem o valor da oração. A

questão aqui é a validade das promessas feitas ao cristão que crê

na doutrina da prosperidade. Seria válido esperar saúde e riqueza

como parte de nossos "direitos" com Deus? Doença e pobreza

fazem parte da maldição da lei, a qual foi substituída pela bênção

de Abraão? Responderemos a essas perguntas, olhando

primeiramente para Gálatas 3 e, depois, para os textos

específicos usados para defender a idéia de saúde e riqueza.

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2.1 A Bênção e a Maldição de Gálatas 3

Vimos que o fundamento exegético da teologia de Hagin

encontra-se em Gálatas 3.13, 14:

Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele

próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito:

Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; para

que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus

Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito

prometido.

Mediante essa passagem, Hagin tenta justificar biblicamente as

promessas de prosperidade. O argumento aqui concentra-se no

fato de que sua exegese comete vários erros básicos, mas também

profundos.

Em primeiro lugar, Hagin identifica mal a lei na passagem.

Admite-se que qualquer discussão sobre a natureza da lei logo se

torna complexa, pois ela tem muitos aspectos. No Novo

Testamento, a palavra "lei" pode referir-se a todo o Antigo

Testamento ou, com maior freqüência, aos cinco primeiros livros

de Moisés, conforme a citação de Jesus, em Mateus 5.17, 18. Em

outros contextos, como nos escritos de Paulo, "lei" pode referir-

se a um único estatuto (Rm 7.3), a um princípio (Rm 2.14) ou à

exigência de santidade moral feita por Deus (Gl 2.15, 16; 3.2, 5).

Devido a essa flexibilidade na aplicação, sempre ao falar sobre a

"lei", o interprete da Bíblia precisa ter o cuidado de identificar

com clareza seu referente.

Em Gálatas 3, Hagin identifica a lei como sendo a lei de Moisés.

Ele afirma que, uma vez que fomos redimidos dela, não estamos

Page 127: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

mais debaixo dos efeitos de sua maldição tríplice: pobreza,

doença e morte espiritual. Todavia, Gálatas 3 não está se

referindo à lei mosaica, mas, sim, à lei universal de Deus que o

homem infringiu. Paulo deixa claro que esse tipo de lei existe,

nos primeiros capítulos de Romanos. Ele escreve: "... todos

pecaram e carecem da glória de Deus" (3.23). A lei de Moisés

está incluída na lei universal, mas a "lei" não se limita a ela. Por

isso, os gentios também estão condenados diante de Deus, e é

exatamente a eles que Paulo dirige suas palavras em Gálatas 3.

Portanto, a "lei'' nesse texto representa a vontade de Deus

revelada no Antigo Testamento e gravada no coração dos

homens, não a lei mosaica de Deuteronômio 28, como Hagin

gostaria que acreditássemos.

Em segundo lugar, Hagin comete mais um erro, ao identificar a

maldição da lei como sendo doença e pobreza (Fung, 1988). Ele

tenta achar em Deuteronômio 28 apoio para essa interpretação

estranha, onde Deus promete ferir os israelitas com pobreza,

doença e morte, caso fossem infiéis à seu pacto com eles. Mas a

maldição a que Paulo está se referindo em Gálatas é a

condenação de Deus, debaixo da qual se encontram todos os

homens sem Cristo. Nessa condição, eles permanecem em seus

pecados, culpados de terem infringido a lei gravada no coração.

Aqui se revela o propósito real e mais profundo da lei. Ela foi

outorgada para nos mostrar nossos pecados e despertar em nós a

percepção de que precisamos de um salvador. E por isso que

Paulo chama a lei veterotestamentária de aio (feitor) que nos

conduz a Cristo (Gl 3.24). Ela é um feitor porque nos traz

consciência de nosso pecado e, portanto, de nossa culpa diante de

Deus (Rm 3.20). James Boice expressa bem essa verdade, ao

escrever:

Page 128: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Uma visão característica da lei é de que ela tem como

propósito nos ensinar a sermos bons. Esse não é o destaque

da Bíblia. É verdade que a lei instrui o perverso, a fim de

refrear o mal, e instrui até aquele que crê, como expressão

da vontade e do caráter de Deus, pelos quais eles podem ser

instados a viver a vida cristã. Mas seu propósito principal é

convencer-nos de que somos pecadores e de que precisamos

de um Salvador. (Boice, 1978, 219.)

Ao identificar a lei em Gálatas como sendo a lei mosaica de

Deuteronômio 28, Hagin entendeu de forma completamente

errônea a natureza da salvação e tornou insignificante a

necessidade que o homem tem de um salvador. Não é somente da

pobreza e da doença que precisamos ser redimidos, mas, acima

de tudo, da culpa do pecado cometido.

Em terceiro lugar, Hagin interpreta de forma errada o

relacionamento entre o Antigo Testamento e o Novo. Ele afirma

que, hoje, os cristãos passam por doenças e pobreza como

resultado da maldição da lei mosaica. Isto só pode ter um

significado: a lei mosaica aplica-se à igreja cristã de hoje. Mas,

seguramente, isso representa uma completa confusão entre Israel

e a igreja e revela que ele confunde o Antigo Testamento com o

Novo. A igreja não se encontra debaixo da lei de Moisés (cf. Rm

3.19 e Ef 2.14). Se fosse assim, todos os homens deveriam se

submeter à circuncisão, as festas judaicas deveriam ser

observadas, poderíamos ingerir apenas comida kosher, sacrifícios

deveriam ser oferecidos no templo, etc. Mas a lei foi abolida para

a igreja e portanto, as maldições de Deuteronômio 28 não têm

aplicação direta para ela.

Page 129: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Quarto, Hagin interpreta mal a natureza da doença. Ele diz que o

cristão passa por doenças, porque a maldição da lei mosaica

sobrevém àquele que não afirma seus direitos por meio da

expiação. Mas se é assim, qual a razão que leva o restante da

humanidade a sofrer doenças e pobreza? A resposta bíblica para

esta pergunta está no fato de que o mundo não é aquilo que

deveria ser, por causa da queda de Adão, registrada em Gênesis

3. Com Adão, a raça humana inteira ficou sujeita a doenças,

miséria e morte. As doenças alistadas em Deuteronômio 28 não

faziam parte desse julgamento divino sobre o mundo como um

todo, mas representavam o julgamento prometido aos judeus que

desobedecessem. Ele não está ligado à fraqueza do corpo, que faz

parte de nossa natureza decaída. Paulo disse que habitamos um

"corpo de humilhação" (Fp 3.21) e que nosso homem exterior

está se corrompendo (2 Co 4.16). Ele afirma que toda a criação

"geme" debaixo da maldição do sofrimento (Rm 8.19, 20),

incluindo os cristãos. O corpo humano será transformado um dia,

para ser como Cristo (Fp 3.21), mas esse dia ainda não chegou.

Finalmente, assim como Hagin não entendeu o significado da lei

em Gálatas 3, ele também identificou de forma errada a bênção

de Abraão como sendo prosperidade material. Ele escreve: "A

primeira coisa que Deus prometeu a Abraão foi que iria

enriquecê-lo. 'Você quer dizer que Deus vai enriquecer todos

nós?' Sim, é isto que quero dizer" (Redimidos, 8). Mas isso perde

totalmente de vista aquilo que Paulo está tentando dizer nessa

passagem. Ele está explicando que as nações gentílicas foram

incluídas na esperança da salvação por meio de Abraão. Isso fica

muito claro em Gálatas 3.7-9:

Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. Ora,

tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os

Page 130: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti serão

abençoados todos os povos. De modo que os da fé são

abençoados com o crente Abraão.

A expiação abriu as portas para que os gentios fossem contados

como filhos de Abraão, que é sempre mencionado no Novo

Testamento como exemplo de um homem que, por meio de sua

fé, encontrou salvação, não riqueza. Ele ficou conhecido como o

pai dos que crêem, exemplo supremo de um homem de fé (Rm

4.12-16; Gl 3.6, 9), não por ser rico e próspero, mas porque teve

fé para deixar sua terra (Hb 11.8), para confiar na promessa que

Deus fez de lhe dar um filho em sua velhice (Hb 11.11) e até para

sacrificar seu próprio filho, quando este lhe foi solicitado (Hb

11.17; Tg 2.21). O ponto central de Hebreus 11 é que os santos

de Deus, incluindo Abraão, foram fiéis apesar dos problemas,

não por serem prósperos. A maioria deles nem levou uma vida de

prosperidade, mas, em vez disso, morreu martirizada. A fé que

eles demonstraram honrou a Deus por ser fé apesar das

circunstâncias, não uma fé que muda as circunstâncias para

melhor.

Por outro lado, em oposição à interpretação de Hagin, a

prosperidade física de Abraão nunca é um assunto de interesse na

Bíblia. Nos 216 versículos que mencionam o patriarca, não existe

qualquer indício de que a riqueza que lhe foi dada fosse

importante para ele como pessoa ou elemento essencial de sua

relação com Deus. Portanto, ver na promessa de Deus a Abraão

uma referência básica às riquezas materiais não passa de uma

interpretação grosseira.

A conclusão dessa exegese de Gálatas 3 é que Hagin identificou

erroneamente tanto a maldição quanto a bênção referidas na

Page 131: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

passagem. A maldição debaixo da qual a humanidade se encontra

sofrendo não é simplesmente a doença ou a pobreza, mas a ira de

Deus dirigida ao homem por causa do pecado. Assim como a

maldição de Gálatas 3 é muito mais profunda e mais terrível do

que Hagin supõe, igualmente a bênção é muito mais maravilhosa.

Hagin coloca-a dentro dos limites da riqueza e prosperidade

física, mas, de fato, ela é nada mais nada menos do que a

salvação. Somos abençoados porque, pela fé, tornamo-nos filhos

de Abraão e herdamos o direito de nos assentar com ele no reino.

Embora o próprio Hagin possa não ser um materialista que busca

lucro pessoal, ao destacar a prosperidade material e as bênçãos

físicas como resultado da fé, ele está transformando o

cristianismo numa religião de supermercado, onde as pessoas

vão, pagam e esperam receber em troca a satisfação de suas

necessidades.

Antes de passar para as promessas de saúde e prosperidade, deve-

se notar que esta compreensão errônea de Gálatas 3 é a chave

para a interpretação da Bíblia, segundo os ensinos da

prosperidade. Identificar a lei como sendo a lei mosaica e a

bênção como prosperidade material torna-se a base interpretativa

de todos os outros textos que versam sobre salvação. Por

exemplo, Mateus 8.17, referindo-se a Cristo, diz o seguinte:

"... para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do

profeta Isaías: Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e

carregou com as nossas doenças". Esta citação de Isaías 53.4, 5 é

interpretada da perspectiva da doutrina da prosperidade e

considerada como prova de que a redenção inclui a promessa de

saúde perpétua para o cristão. Não pode haver dúvida de que

Mateus (veja também 1 Pedro 2.24) está se referindo aos

benefícios físicos e espirituais da expiação. Mas a questão não é

Page 132: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

se a redenção envolve o homem como um todo. E claro que sim.

Tanto o corpo quanto a alma serão um dia redimidos (Rm 8.23).

A questão é se essa redenção aplica-se completamente aqui e

agora, nesta vida. Ela será discutida com mais detalhes na

próxima divisão. Por ora, basta observar que, nesse versículo, a

expressão "para que se cumprisse" não significa que a profecia

foi completamente cumprida naquela época ou no tempo vivido

hoje pela igreja, sendo que nada mais resta. Tanto em sua

execução quanto em seus benefícios, a redenção é um processo, e

nem todos esses benefícios já foram alcançados.

Outros dois versículos geralmente interpretados por Hagin da

perspectiva da doutrina da prosperidade são Mateus 15.26 e

Êxodo 15.26. Sobre este último afirma-se que se trata da primeira

promessa de cura na Bíblia. Junto com textos como Salmos 103.3

(Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades; quem sara todas as

tuas enfermidades), afirma-se que a cura estava e está à

disposição de todos os que crêem. Mas não se explica como

essas promessas do Antigo Testamento se relacionam com a

expiação de Cristo, que apareceria somente séculos depois. Na

passagem de Mateus, a cura da enfermidade efetuada por Jesus é

chamada de "o pão dos filhos". Há quem afirme que isso pode

significar só uma coisa: a cura é uma norma para os cristãos de

hoje (Bailey, 1977; Soares, 1987), uma vez que todos os cristãos

são filhos de Deus. Nos dois versículos, o que está em jogo são

os benefícios da expiação.

Eles foram plenamente recebidos? Teríamos nós o direito de

esperar a cura completa do corpo e da alma quando nos tornamos

cristãos?

Page 133: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Precisa ser observado que em nenhum dos versículos existe a

promessa de que todas as enfermidades serão curadas, mas

apenas uma declaração de fé no sentido de que, quando a cura

acontece, Deus é sua fonte. Dizer que Deus é quem cura não é o

mesmo que dizer que Deus é quem sempre opta por curar, ou

quem cura automaticamente, ou quem confere o direito à cura. Ê

simplesmente dizer que, quando existe cura, ela vem de Deus.

Resumindo, o erro básico da doutrina da prosperidade está em

pressupor que a expiação de Cristo removeu não somente a culpa

do pecado, mas também suas conseqüências. Em outras palavras,

ela afirma que não apenas fomos perdoados de nossos pecados,

mas os efeitos do pecado também foram removidos. Mas Paulo

deixa claro que as conseqüências do pecado não serão removidas

nessa vida. É exatamente por isso que toda a criação geme (2 Co

5.4), aguardando o dia em que a redenção se completará. Por

enquanto, o mundo continua decaído em natureza, e a vida ainda

é curta e difícil. Muita coisa da expiação está no futuro. Esse

ponto constitui nossa primeira grande resposta à teologia de

Hagin e, portanto, precisa receber toda atenção.

2.2 O Processo de Expiação

A afirmação central da teologia da prosperidade é que saúde e

riquezas são benefícios da expiação que podem ser usufruídos

aqui e agora. Isso quer dizer que a expiação é uma dádiva plena,

e todos os benefícios decorrentes dela, com exceção do céu, já

estão à nossa disposição. Mas a Bíblia diz que a expiação é um

processo que se desdobra no tempo, parte de um plano que Deus

estende da eternidade passada até a eternidade futura. Muita coisa

ainda está reservada ao futuro: Cristo terá ainda de voltar, julgar

o mundo e estabelecer seu reino. Isso só pode significar que

Page 134: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

embora o preço da redenção já tenha sido pago na cruz, o

processo da redenção ainda está em andamento. Nem tudo o que

Deus tem em mente para seu povo já surgiu. No presente,

gozamos só alguns benefícios da salvação. Ao optarmos por crer

em Cristo, fomos declarados justos aos olhos de Deus (Rm 3.22-

24) e selados com o Espírito (Ef 4.30). Mas nossa natureza

pecaminosa permanece, assim como os milhares de problemas

que temos de enfrentar na vida. Aguardamos para o futuro a

remoção de todos os efeitos de nossa natureza pecaminosa, tanto

aqueles que nos atingem como os que atingem o mundo. No fim,

a Bíblia promete que haverá cura completa, tanto física quanto

espiritual. Não haverá enfermidade, morte, pecado ou condições

que imponham limites. A promessa de Mateus 8.17 será

completamente cumprida e o pão de Mateus 15.26, oferecido em

abundância. Paulo nos diz que não temos noção da realidade que

aguarda os cristãos no futuro (1 Co 2.9, 10). O ponto principal é

que muita coisa que nos foi prometida está reservada para depois.

Os teólogos referem-se a esse aspecto da expiação como "viver

entre os tempos". Vivemos entre o tempo da cruz e o da segunda

vinda de Cristo. Nessa época da história, homens e mulheres são

redimidos por meio da igreja, mas o reino ainda não chegou em

sua plenitude (veja as parábolas de Mateus 13). Fomos

crucificados com Cristo, mas ainda não completamente

redimidos (Gl 2.20; Cl 3.1-3). Ressuscitamos com Cristo, mas

permanecemos num mundo decaído, esperando nosso corpo

glorificado (Rm 8.2). Já fomos libertados da lei do pecado e da

morte, mas continuamos a pecar e não temos experiência da

redenção plena. Por enquanto, "gememos" em nossos corpos

propensos ao pecado (Rm 8.25; 2 Co 5.2) e vivemos em vasos

terrenos sobre os quais a morte ainda atua (2 Co 4.7, 8).

Page 135: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Por outro lado, o cristão recebe agora alguns benefícios da

expiação: ele goza de paz com Deus. O peso do pecado foi

retirado. Sua vida recebe significado e propósito. Seu caráter está

em processo de restauração. Ele é mais honesto, mais

disciplinado, pois todas as coisas são feitas tendo Deus em

mente. A alma recebe um antegozo da vida do porvir. Muitas

vezes, a redenção da alma leva à restauração do caráter e,

portanto, a uma melhora nas condições de vida (Marcom, 1990).

O homem que antes era bêbado, mulherengo e ladrão, agora é um

pai de família honesto e trabalhador. Em vez de gastar seu

dinheiro com bebida, ele gasta com a família. Esses são os efeitos

do evangelho nessa vida. Portanto, as promessas feitas no âmbito

de saúde e prosperidade não atingem o alvo nem das Escrituras

nem da experiência. É para elas que agora nos voltamos.

2.3 Promessas de Saúde

A doutrina da prosperidade afirma que o cristão tem direito a

uma saúde completa e perpétua e que deve esperar viver uma

vida plena, isenta de doenças, e adormecer com a idade de 70 ou

80 anos, sem dor ou sofrimento. Aqueles que ficam aquém

dessas expectativas não entenderam seus direitos ou deixaram de

reivindicá-los com fé suficiente. Entre os mestres da pros-

peridade, essa posição é defendida com muita firmeza. Não se

admitem exceções. Hagin concede que os cristãos podem passar

por problemas na vida, mas estes nunca representarão algo muito

sério (o exemplo pessoal que ele fornece é o de pregar numa

igreja hostil, dificilmente um fardo muito pesado [Nova, 69]).

Outros pregadores da cura refletem a mesma promessa, dizendo

que a única cruz que Jesus deseja que o cristão carregue é a

perseguição que vem de fora (MacNutt, 1976, 64-84). O cristão

também não precisa ter medo de passar por coisas piores como

Page 136: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

incêndios, assaltos ou acidentes sérios. Os problemas podem

surgir, mas eles representam vales temporários entre os cumes da

vitória. Sob hipótese alguma a enfermidade fará parte das

provações que precisamos enfrentar na vida.

Nossa resposta para esses ensinos assumirá a forma de um debate

imaginário que começa apontando para o mundo real,

observando que os cristãos passam por sofrimentos e ficam

doentes como resultado do curso normal da vida. Quem, com

exceção de Hagin, já não ficou doente uma vez ou outra? (É

digno de nota que alguns dos mais famosos pregadores da cura

sofreram de doenças sérias durante toda a vida [veja Frost,

1984].) Os mestres da prosperidade respondem a essa

observação, dizendo que a vida pode ser assim, mas não precisa

ser assim, se o cristão simplesmente reivindicar seus direitos pela

fé. Isso nos leva à nossa segunda resposta, que diz que não

somente a experiência pessoal vai contra tais afirmações, mas

também a própria Bíblia, que diz: "No mundo passais por

aflições" (Jo 16.33). Não são feitas qualificações nessa

declaração de Jesus registrada por João. Até os cristãos que

vivem no centro da vontade de Deus passam por problemas e

enfermidades.

É fácil encontrar exemplos disso na Bíblia, e o próprio Paulo

constitui a prova número um. Em 1 Coríntios 4.11, o apóstolo diz

que, junto com os outros apóstolos, passou por fome, sede, falta

de roupa, agressões físicas e falta de moradia. Qual a conclusão

que ele tira desse nível de prosperidade extremamente baixo? Foi

a de que eles haviam se esquecido de reivindicar seus direitos

perante Deus? Ou talvez de que haviam perdido a bênção porque

demonstraram dúvida? Ou será que eles não haviam usado

corretamente o nome de Jesus? A resposta é negativa em cada

Page 137: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

caso, pois, bem ao contrário da doutrina da prosperidade, Paulo

exorta os Coríntios a serem seus imitadores nos sofrimentos.

Existe aqui uma enorme contradição, mas ela não está no

pensamento de Paulo. Ele não se esqueceu de incluir uma frase

como esta: "sejam meus imitadores — exceto em meus

sofrimentos". A contradição está entre a espiritualidade paulina e

a da doutrina da prosperidade. Paulo nunca insinuou que os

cristãos devem se dirigir a Deus, exigindo dele a solução dos

problemas; antes, devem se voltar para Deus para saber como

podem servir em gratidão. Apesar das dificuldades, a doutrina do

serviço ensinada por Paulo nega e contradiz completamente as

promessas de prosperidade.

Os pregadores da prosperidade cedem um pouco a essa réplica da

Bíblia, admitindo que o cristão pode passar por problemas na

vida, mas estes nunca envolverão qualquer doença. Em

contrapartida, respondemos que a Bíblia está cheia de exemplos

de homens e mulheres fiéis que sofreram doenças de vários tipos.

Alguns poucos exemplos serão suficientes para provar o que

dizemos.9 Por exemplo, em 2 Reis 13.14, 20, vemos a morte de

Eliseu provocada por uma doença não identificada, embora ele

continuasse sendo porta-voz de Deus até o fim. Em Atos 7.9-11,

a tribulação se refere ao desconforto mental sofrido por José,

enquanto era escravo no Egito, e aos sofrimentos físicos

decorrentes da fome. Em 2 Coríntios 1.3-11, Paulo fala de uma

tribulação sofrida na Ásia, usando palavras que lembram uma 9 Um fato significativo é que no Antigo Testamento nunca houve sacrifício pela

enfermidade, somente pelo pecado. Eram oferecidos sacrifícios pela lepra e por vários tipos

de pestes (Lv 14.1-32), mas eles tinham natureza cerimonial, eram ações de graça pela

pessoa que havia sido curada. A oferta restaurava a comunhão primeiramente com a

comunidade judaica e, depois de oito dias, com Deus, mas não se tratava de um sacrifício

que visasse a cura do mal.

Page 138: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

enfermidade física. Em Gálatas 4.13, Paulo diz que estava

doente. Em outras passagens, escreve que seus colaboradores na

obra, Epafrodito, Timóteo e Trófimo, adoeceram em uma ou

outra oportunidade. Filipenses 2.30 afirma que Epafrodito quase

morreu. Timóteo tinha uma doença estomacal crônica (1 Tm

5.23), e parece que Trófimo teve de ser deixado para trás por

causa de uma doença séria (2 Tm 4.20).

Esses exemplos bíblicos não convencem os pregadores da

prosperidade. Eles respondem a esses casos de doença entre os

santos da Bíblia, dizendo que a culpa era deles. Se Paulo,

Epafrodito, Timóteo e Trófimo estavam doentes, a culpa era

deles, pois não reivindicaram a benção que tinham por direito. O

leitor pode perceber aqui até que ponto chegarão Hagin e os

mestres da prosperidade para defender sua teologia. Essas

passagens referem-se a homens no ministério, que estavam

trabalhando para o Senhor. Será possível que eles não satisfaziam

as condições para terem suas orações atendidas? A Bíblia afirma

que existe oração eficaz quando duas ou mais pessoas concordam

numa coisa (Mt 18.19), confessam seus pecados (Tg 5.15, 16),

afastam-se de toda forma conhecida de pecado (Sl 66.18), oram

em nome de Jesus (Jo 14.13) e fazem a oração da fé (Tg 5.15).

Será possível que aqueles homens não satisfaziam essas

condições? Com essa afirmação chegamos às raias do absurdo, e

a doutrina da prosperidade sucumbe como argumento coerente.

A contradição entre os ensinos da prosperidade e a visão bíblica

de fé deve ser deixada assim mesmo. Não haverá conciliação. O

leitor deverá escolher por si o lado que for mais convincente.

Nesse momento estamos prontos para deixar de lado o ensino da

prosperidade na área de saúde e tentar desenvolver uma visão

bíblica sobre a saúde e a doença. Essa tentativa será feita sob dois

Page 139: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

aspectos: primeiro, a mão de Deus no sofrimento e, segundo, a

mão de Deus na cura.

A Mão de Deus no Sofrimento

Ao contrário de Hagin, que afirma que Deus nunca deseja que o

cristão esteja doente ou sofrendo, a Bíblia diz que esse tipo de

aflição pode vir até mesmo da mão de Deus. Não é só como

resultado da ordem natural que ficamos doentes nem se trata

simplesmente do diabo correndo cheio de fúria homicida através

do mundo. Em muitas passagens bíblicas, fraquezas, enfer-

midades e até defeitos congênitos são vistos como resultado da

escolha pessoal de Deus. Tais aflições nunca são arbitrárias.

Deus tem uma razão para elas e, embora muita coisa ainda não

nos tenha sido revelada, nos textos bíblicos podemos distinguir

pelo menos três razões para o sofrimento e as doenças.

Em primeiro lugar, a Bíblia diz que Deus emprega as aflições,

incluindo doenças, com fins disciplinares ou punitivos, tanto para

cristãos como para incrédulos, e isso pode incluir até a morte. Os

exemplos bíblicos são muitos e, embora possam envolver casos

em que existe pecado inconfesso na vida do cristão, eles não se

limitam a isso. Convidamos o leitor a fazer uma consideração

cuidadosa das seguintes passagens: Gênesis 12.17; 20.3, 4;

Êxodo 4.22, 23, 29; 12.12, 29; Levítico 10.1, 2; Números 12.9,

10; 16.31-33; 21.5, 6; 1 Samuel 5.6; 6.19; 2 Samuel 24.15; 2 Reis

15.5; 2 Crônicas 21.18; 26.19, 20; Salmos 31; 38; 66.18; 103.3;

107.17-20; Isaías 33.24; Daniel 4.31, 32; João 5.14; Atos 5.5;

9.8; 12.23; 1 Coríntios 6.28-30; 11.27-31; Hebreus 12,5-13;

Tiago 5.16. Consideraremos uma passagem dessa lista: 1

Coríntios 11.28-31, onde, com referência à participação na ceia

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do Senhor na igreja, Paulo diz que alguns estavam doentes e

outros haviam morrido:

Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do

pão e beba do cálice; pois quem come e bebe, sem discernir

o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há

entre vós muitos fracos e doentes, e não poucos os que

dormem. Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não

seríamos julgados.

Essa passagem ensina com clareza que Deus está julgando os

cristãos no tempo presente. Portanto, nem todo julgamento está

reservado para o futuro. Esse único trecho é suficiente para

refutar o ensino da prosperidade no sentido de que os cristãos

nunca ficam doentes.

Em segundo lugar, aflições de toda espécie são empregadas para

nos provar e para que possamos crescer. Pedro recomenda:

"Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de

vós, destinado a provar-vos" (1 Pe 4.12). Paulo e Barnabé avisam

seus convertidos nas cidades de Listra, Icônio e Antioquia de que

"através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de

Deus" (At 14.22). Hagin afirma que, em todas as suas aplicações,

a palavra "aflições" ou "tribulações" pode significar um teste da

parte de Deus, mas isso jamais envolverá doença. Entretanto, um

estudo das aplicações da palavra na Bíblia revelará que ela é um

termo amplo que inclui quase todo tipo de experiência difícil ou

dolorosa, até mesmo as doenças (Brown, 1971). Na teologia

paulina, o sofrimento por Cristo ou com Cristo (Rm 8.17; Fp

3.10) inclui todos os problemas e provações que sobrevêm ao

cristão nessa era, e as doenças não estão excluídas. Isto se aplica

Page 141: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

ao próprio Paulo, conforme revela sua lista de dificuldades e

sofrimentos, em 2 Coríntios 6.4-10:

Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós mesmos

como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições,

nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos

tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns... como se

estivéssemos morrendo e contudo eis que vivemos; como

castigados, porém não mortos; entristecidos, mas sempre

alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo,

mas possuindo tudo.

Essa lista pode ser dividida em três grupos de três elementos: os

termos gerais são: aflições, privações e angústias; as

perseguições específicas envolvem açoites, prisões e tumultos; as

dificuldades auto-impostas são trabalhos, vigílias e jejuns.

Observe ainda que, no v. 10, ele descreve a si mesmo como

pobre e nada tendo. Mais à frente, em 11.23ss., ele fala do que

sofreu em termos um pouco diferentes, mas não menos severos:

"prisões", "açoites", "apedrejamento", "naufrágio", etc.

Dificilmente isso pode ser chamado de teologia da prosperidade.

Em terceiro lugar, Deus usa a doença humana para sua glória.

Das verdades espirituais relacionadas com o ensino bíblico sobre

sofrimento, esta é a mais difícil de entender. Mas pelo menos

quatro exemplos demonstram que ela é verdadeira: a história de

Jó, o cego de nascença (Jo 9), a morte de Lázaro (Jo 11) e o

espinho na carne de Paulo (2 Co 12). Afirma-se em cada caso

que o sofrimento é para a glória de Deus. Jó foi declarado

inocente (1.8), mas, assim mesmo, perdeu tudo o que possuía, até

a saúde. Em sua reação de confiança e fé, Deus foi glorificado e

Satanás, humilhado. Em face do ensino da prosperidade, nunca é

Page 142: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

demais destacar que Satanás foi derrotado não pela remoção do

sofrimento de Jó, mas por sua fé e confiança obstinadas, apesar

do sofrimento. Em João 9, os discípulos perguntam a Jesus por

que o mendigo cego havia nascido naquela condição infeliz.

Aquilo se devia a seus próprios pecados ou aos pecados de sua

família? Jesus disse não às duas conjecturas. Ele estava sofrendo

para que a glória de Deus pudesse ser vista (v. 3). Em João 11,

Lázaro, amigo pessoal e íntimo de Jesus, adoece. O texto diz que

quando apelaram a Jesus para que ele fosse rapidamente ver o

amigo, ele permaneceu onde estava, esperando que a doença

prosseguisse em seu curso e Lázaro morresse. Não apenas Marta

e Maria, mas também os discípulos perguntavam por que ele

havia esperado e deixado que Lázaro sofresse e morresse daquele

modo. Em sua explicação, Jesus respondeu que aquilo visava a

"glória de Deus" (v. 40).

Finalmente, voltamo-nos para 2 Coríntios 12.7-10, onde Paulo

descreve seu "espinho na carne", uma passagem crucial para a

doutrina da prosperidade, pois não se pode admitir que o espinho

era um problema físico. Ela não pode ceder nesse ponto, pois tal

acarretaria a prova bíblica definitiva de que nem sempre Deus

remove as enfermidades de seus fiéis e de que ele, às vezes, tem

um propósito ao permitir que seus servos sofram. Portanto, os

pregadores da prosperidade normalmente dizem que o espinho

era uma dessas três coisas: 1) algum tipo de perseguição da qual

Paulo estava fugindo; 2) um ataque demoníaco; e 3) uma

tentação ao pecado, sendo que Paulo estava passando por um

difícil período de resistência. Devemos olhar mais de perto para a

passagem. Paulo começa com uma breve descrição de suas

visões de Deus e, depois, passa a explicar o problema:

Page 143: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das

revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro

de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte.

Por causa disto três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de

mim. Então ele me disse: A minha graça te basta, porque o

poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois,

mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim

repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas

fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições,

nas angústias por amor de Cristo. Porque quando sou

fraco, então é que sou forte.

No versículo 7, Paulo diz que o problema era "na carne". Hagin

afirma que o caso dativo não está no texto grego e, portanto, não

se pode empregar a preposição "em". Ele também diz que a

palavra traduzida por "espinho" é utilizada no Antigo Testamento

em relação aos adversários de Israel. Ele está certo em ambas as

observações. A frase não está no dativo, e a palavra traduzida

como "espinho" aparece na Septuaginta aplicada aos adversários

de Israel. Mas isso não significa, em absoluto, que seja correto

concluir que o espinho não era um problema físico. Quatro

observações mostram que, aqui, Paulo está se referindo a uma

enfermidade física. Primeira, o estilo da frase lembra as formas

literárias helenísticas, nas quais a fraqueza física aparece como

sujeito (Bultmann, 1964; Brown, 1982). Segunda, Paulo refere-se

de modo geral ao problema como sendo uma "fraqueza", palavra

comumente utilizada no sentido dos aspectos corruptíveis e

incapacidades dessa era. Terceira, o modo pelo qual ele atribui o

espinho a Deus e a Satanás lembra outros textos onde se

descrevem incapacidades físicas (1 Co 5.5; Jó 2.1-10). Quarta,

para este autor, parece claro que o fato de as duas palavras,

"espinho" e "carne", aparecerem juntas significa que se tem em

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vista uma doença física. Paulo só poderia ser mais direto se

dissesse "estou doente". Não se sabe qual era a doença, mas

Gálatas revela que ele tinha um problema com sua visão e,

possivelmente, também com seu aspecto físico (4.13, 15; 6.11).

Para piorar as coisas para a doutrina da prosperidade, Paulo

acrescenta: "foi-me posto". Em outras palavras, seu problema

veio da própria mão de Deus. Ele nos diz que isso tinha um duplo

propósito: mantê-lo humilde e enriquecê-lo espiritualmente. Isso

dá sustentação ao ponto que Hagin tenta negar, isto é, de que

Deus utiliza a enfermidade para testar, julgar e fortalecer os

cristãos e, assim fazendo, glorifica seu santo nome.

Por fim, ao delinearmos nosso último pensamento nessa divisão,

apelamos outra vez para Paulo: se a cura física fizesse parte dos

benefícios da expiação para esta vida, com certeza ele teria

declarado isso de forma bem clara em suas epístolas. Paulo era

um mestre em lógica e argumentação e esforçou-se muito para

explicar a natureza da salvação. Mas em nenhum lugar ele fala

em cura ou prosperidade como parte de nossos "direitos" em

Cristo. Em vez disso, o destaque sempre fica para o perdão dos

pecados e para o que significa ganhar ou perder a vida eterna. Se

Paulo quisesse pregar um evangelho da prosperidade, ele

certamente teria feito isso.

A Mão de Deus na Cura

Em contraposição às promessas que o evangelho da prosperidade

faz em excesso, conferimos grande destaque ao fato de que Deus

nem sempre opta pela cura. Isso foi assim mesmo nos dias de

Cristo e dos apóstolos. Nem todo mundo foi curado em Israel

nem mesmo em Jerusalém. É verdade que nem Jesus nem os

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apóstolos mandaram embora alguém que tivesse vindo para ser

curado. Mas também não se diz que eles tenham curado todos os

enfermos com os quais tiveram contato. Uma multidão de

enfermos jazia nos pavilhões do tanque de Betesda, mas Jesus,

pelo que sabemos, curou apenas uma pessoa ali (Jo 5.1ss.).

Também vimos que há vezes em que Deus envia doenças para

testar ou punir seu povo; outras vezes, o objetivo é demonstrar a

sua glória.

Chegou a hora de descrever brevemente o outro lado da moeda.

Muitas vezes, Deus responde com um "sim" a nossos pedidos de

cura e saúde (Sl 103). Tal fato não nos deve causar surpresa, pois

as Escrituras são claras em dizer que Deus se preocupa não

somente com nossa alma, mas também com nosso corpo. Na

discussão de Paulo sobre a função do corpo, em 1 Coríntios 6, ele

afirma no espaço de alguns poucos versículos que nossos "corpos

são membros de Cristo" (v. 15), "santuário do Espírito Santo" (v.

19) e que "o corpo... é... para o Senhor, e o Senhor para o corpo"

(v. 13). O Senhor se interessa por nosso bem-estar físico e,

falando de modo geral, a vontade de Deus é que tenhamos saúde.

Portanto, ninguém que seja cristão na acepção da palavra duvida

de que Deus ouve e responde às nossas orações pela cura dos

enfermos.

Tiago 5.13-15 é a passagem que mais informações fornece sobre

a vontade de Deus quanto à cura. Tiago ordena que oremos pelo

enfermo, a fim de que ele possa ser curado.

Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração. Está alguém

alegre? Cante louvores. Está alguém entre vós doente?

Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre

ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da

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fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver

cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.

Essa é a única passagem do Novo Testamento que expressa com

clareza o privilégio que o cristão tem de orar por si próprio e a

responsabilidade dos líderes da igreja de orarem quando lhes é

pedido que assim façam. Convém observar que não se promete

nenhuma resposta especial nem se exige algum tipo específico de

fé. O uso do óleo pode ter vários significados,10

mas qualquer

que seja ele, a frase crucial é esta: "E a oração da fé salvará o

enfermo". Isso faz com que a passagem dê destaque não à unção,

mas ao fato de ser feita em nome do Senhor. Warfield faz o

seguinte comentário:

A passagem não fica por si mesma em isolamento: ela tem

um contexto, o qual lança luz sobre a simplicidade do

significado. Tiago pergunta: "Está alguém entre vós

sofrendo?" e aconselha; "Faça oração". "Está alguém

alegre? Cante louvores. Está alguém entre vós doente?"...

Existe aqui alguma coisa que não se repita diante de nossos

olhos todos os dias, sempre que um cristão está doente —

10 O óleo pode ser símbolo do poder do Espírito ou ser entendido literalmente como recurso

medicinal. Nesse caso, a passagem indica que se devem utilizar todos os remédios

disponíveis em conjunto com a oração. Há muitos versículos que dão apoio a essa idéia.

Isaías 38.21 mostra a recomendação de Isaías a Ezequias para que colocasse um emplastro

de pasta de figo sobre sua úlcera (cf. 2 Rs 20.7). Paulo disse a Timóteo que fizesse uso de

um pouco de vinho para seu estômago, não como bebida, mas como remédio para seu mal.

Em Colossenses 4.14, ele se refere a Lucas como o médico amado. O óleo também pode ser

símbolo da própria oração. Sua aplicação seria um ato simbólico destinado a assegurar á

pessoa doente que ela estava sendo separada para receber atenção especial do Senhor. Há

muitas opiniões em apoio às duas interpretações (veja Biederwolf, 1934. 76, 77). Warfield

defende a idéia de que o óleo é símbolo de remédio e crê que Tiago também poderia ter

escrito simplesmente "dêem-lhe o remédio em nome do Senhor" (Warfield, 1972, 171).

Page 147: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

com exceção do fato de que permitimos que a intercessão

formal da igreja caísse em desuso? (Warfield, 1972, 170.)

Encerramos essa discussão sobre saúde e cura, retornando ao

pensamento que já demonstramos quanto à expiação: a teologia

de Hagin é uma "escatologia ultra-realizada" (Moo, 1988), pois

traz para o presente as promessas que pertencem ao futuro. Hagin

tem razão quando diz que Deus prometeu remover todas as

enfermidades físicas, mas está errado ao afirmar que isso

acontecerá agora. É por isso que a esperança é um dos três

elementos que Paulo menciona em 1 Coríntios 13 como sendo

essenciais para nossa fé.

2.4 As Promessas de Riqueza

Passamos agora a considerar os ensinos sobre prosperidade

financeira. O raciocínio é exatamente o mesmo empregado para

as afirmações sobre saúde. Assim como o cristão tem direito à

saúde, ele também tem direito às riquezas materiais. Da mesma

forma como as enfermidades fazem parte da maldição da lei

removida pela cruz, também as riquezas integram a bênção

reservada àquele que crê. Se não há prosperidade, a causa está na

ignorância do cristão ou no fato de ele não seguir corretamente os

procedimentos da confissão positiva.

Antes de analisarmos a riqueza no Novo Testamento, e essencial

que estabeleçamos o princípio de que não existe nenhuma regra

econômica especial que se aplique somente aos cristãos. Em

outras palavras, não estamos imunes às leis econômicas da vida.

Simplesmente não procede a afirmação de que, pelo fato de um

cristão seguir os mandamentos e crer de todo coração,

obedecendo a todas as regras da confissão positiva, ele será rico

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ou terá saúde. Se fosse assim, poderíamos dizer que o fato de

obedecer aos mandamentos e crer torna o cristão imune à lei da

gravidade. Todos os homens vivem num complexo de forças

chamadas leis da natureza, e ninguém está livre delas. Não

importa o quanto uma pessoa seja santa — se ela pular da janela

do décimo andar de um prédio, cairá com a mesma velocidade de

aceleração de qualquer outra pessoa. A lei da gravidade não é

cancelada por nosso caráter moral, pelo conhecimento de

princípios espirituais ou pela força da fé. O mesmo se aplica à

saúde e prosperidade. No caso do cristão, há leis de economia

que regem a aquisição de bens, assim como no caso de qualquer

outra pessoa. De forma semelhante, quando o vibrião da cólera

aloja-se num corpo, seja o de um cristão ou de um ateu, ele, com

toda certeza, produz os mesmos efeitos terríveis. Vivemos num

mundo regido por leis materiais, sociais e econômicas das quais

não podemos escapar e das quais Deus não prometeu que nos

livraria, até que chegasse o dia final, quando todas as leis serão

refeitas. À semelhança de Trófimo em Mileto (2 Tm 4.20), fomos

todos deixados doentes aqui. Se insistirmos em ser aliviados

dessa enfermidade, poderemos esperar apenas a resposta dada a

Paulo: "A minha graça te basta" (2 Co 12.9).

A Riqueza no Novo Testamento

O Novo Testamento tem muita coisa a dizer sobre a riqueza, mas

em nenhum lugar ela é apresentada como algo que deva ser

buscado. Em vez disso, quase sempre é apresentada como uma

armadilha ou um perigo. Jesus disse que era difícil ao rico entrar

no céu (Mt 19.23) e que não podemos servir a Deus e às riquezas

(Lc 16,13). Ele desafiou seus discípulos a seguirem seu exemplo

de simplicidade e pobreza, respondendo a alguém que pretendia

segui-lo que não tinha lugar nem mesmo para dormir (Mt 8.20).

Page 149: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Ele deu destaque ao preço do compromisso cristão nessa vida,

não à sua lucratividade (Mt 16.24; Lc 14.28). Pela lógica da

doutrina da prosperidade, os discípulos deveriam ter sido os mais

ricos dos homens. Mas, pelo contrário, eles viveram uma vida

simples e fizeram advertências contra a riqueza (Tg 2.5; 1 Jo

2.15). Paulo lamentou as conseqüências trágicas que sobrevêm

àqueles que anseiam por dinheiro (1 Tm 6.9, 10) e condenou com

rigor os homens de mente corrompida que pensam que a piedade

é um meio de ganhar dinheiro (1 Tm 6.5, 6). Ele mesmo seguiu o

exemplo de Jesus, gloriando-se não na riqueza, mas em

fraquezas, perseguições, perigos, fome, fadiga (1 Co 4.9-13). Ele

ensinou que a força de Deus revela-se nas necessidades e

fraquezas, não na fartura (2 Co 11.23ss.). Segundo a teologia

paulina, o que manifesta a presença do reino não são as coisas

espetaculares, confortáveis ou triunfantes, mas as discretas, os

sofrimentos e a aparente derrota (2 Tm 2.3; 4.5; Hb 12.7). Em

sua lista do fruto do Espírito (Gl 5.22ss.) não estão incluídos nem

saúde nem prosperidade.

Num contraste gritante com a visão de Paulo sobre os bens

materiais, Hagin e outros pregadores da prosperidade dão muito

destaque à posse das melhores coisas: os melhores carros, as

melhores casas, as melhores roupas, tudo que contribua para uma

vida de luxo. A ingenuidade da doutrina da prosperidade pode ser

vista com total clareza na tentativa ridícula de Hagin no sentido

de justificar a busca das riquezas, quando diz que Jesus andou no

Cadillac de seus dias — um jumento. É difícil acreditar que ele

não saiba que um jumento, ainda mais emprestado, estava muito

abaixo da dignidade e do luxo conferidos por um cavalo ou uma

carruagem. É a mesma coisa que chamar cimento de ouro. Nos

dias de Jesus, os soldados romanos reclamavam de que seus

salários eram muito baixos. Mas João Batista disse-lhes que

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deviam se contentar com o que recebiam (Lc 3.14). Paulo fez uso

de uma expressão semelhante, ao dizer: "... aprendi a viver

contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado,

como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias

já tenho experiência, tanto de fartura, como de fome; assim de

abundância, como de escassez (Fp 4.11, 12). No Novo

Testamento, o que anda ao lado da piedade é o contentamento,

não a riqueza (Hb 13.5; 1 Tm 6.8). Deus prometeu que atenderia

nossas necessidades, mas ele nunca disse que satisfaria nossos

desejos. Em vez disso, a ordem é para que os crucifiquemos (Rm

6.1-14; 8.12, 13; Gl 5.16-24). Jesus afirmou que temos

"necessidade" de muito pouca coisa no mundo. O Sermão da

Montanha menciona apenas três: alimento, bebida e roupa. Paulo

reduz as necessidades para duas: alimento e roupa (1 Tm 6.8).

Em outra ocasião, Jesus declara que, na realidade, só uma coisa

era necessária na vida, e esta era gastar tempo com Deus e sua

palavra (Lc 10.42).

Por outro lado, a igreja não deve cair no erro de dizer que a

pobreza é boa em si mesma e que, de alguma forma, traz até nós

a graça de Deus. No passado, esse foi o erro do monasticismo, o

qual permanece entre nós até hoje na teologia da libertação. Na

cosmovisão da Bíblia nem a pobreza nem a prosperidade são

virtudes, mas, entre as duas, um acesso relativo à prosperidade

constitui o ideal bíblico. É isso que João desejou para seus

leitores de 3 João 2. A prosperidade contra a qual a Bíblia prega

é aquele acúmulo de bens que vem com a riqueza e que engana a

mente e a alma, fazendo com que se sintam auto-suficientes,

pensando que não devem nada a Deus ou aos homens. A

prosperidade é um bem, se for concebida no sentido de uma vida

ordeira e decente, sem uma preocupação excessiva com

Page 151: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

pagamento de contas, consumo e educação, onde sobra o

necessário para ajudar o próximo.

Muitas vezes, Satanás é culpado pelos problemas que um cristão

pode estar enfrentando, seja doença ou pobreza. Mas, na Bíblia,

Satanás não é caracterizado somente como opressor ou como

causa da miséria. Há casos, como no livro de Jó, em que ele é o

grande destruidor. Mas ele também é visto como doador de

riquezas, tendo-as oferecido até para Cristo (Lc 4.6). É muita

ingenuidade pensar que riqueza e prosperidade vêm somente das

mãos de Deus ou que os bens espirituais são a causa ou a

conseqüência delas.

Dar e Receber

Algumas passagens bíblicas relacionadas com ofertas são muito

usadas nas igrejas da prosperidade. Naquela hora do culto, a

ênfase muda repentinamente, passando do receber para o dar.

Com muita freqüência é citado 2 Coríntios 9.6: "Aquele que

semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com

fartura, com abundância também ceifará". Hagin interpreta essas

palavras, dizendo que aquilo que recebemos é proporcional ao

que damos. Se damos mais, receberemos mais de volta.

Entretanto, essa passagem não deve ser entendida como se fosse

uma regra matemática. É um princípio geral que não tem a

mesma aplicação em todos os casos, além do que não são

necessariamente as finanças que estão sendo consideradas. Na

vida há muito mais do que finanças para ser semeado e colhido.

O mais importante é que a noção de que receberemos somente se

dermos e uma perversão da idéia cristã de caridade. Isso tem

mais a ver com o utilitarismo pagão, que avalia todas os atos

morais da vida segundo o benefício recebido por aquele que o

Page 152: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

pratica. A ética cristã declara que devemos dar porque Deus nos

deu primeiro. Para o cristão, o dar deve ser um ato de adoração,

gratidão e amor, não um exercício em que se calcula o quanto

receberemos de volta (1 Jo 4.19).

Marcos 10.29, 30 também é muito usado para estimular as

ofertas. O texto diz:

Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que

tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou

filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do

evangelho que não receba, já no presente, o cêntuplo de

casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com

perseguições; e no mundo por vir a vida eterna.

Algumas vezes esse versículo é citado do púlpito e interpretado

de forma a dizer que se dermos $1 receberemos $100. Grande

destaque é conferido à taxa de 100 por 1, como se o reino fosse

um jogo de roleta que sempre remunera bem. Seguramente essa é

uma imitação burlesca de exegese. Em primeiro lugar, a

promessa de retorno cem vezes maior tem condições restritas.

Não é para aqueles que preencheram um cheque, mas para os que

deixaram tudo para trás. O verdadeiro assunto dessa passagem

não é dar ou receber, mas o preço e os benefícios do discipulado.

Jesus disse que o custo é alto: perda de casa e família por amor

ao evangelho. Mas ele acrescenta que as recompensas também

são grandes, embora envolvam perseguições.

Em segundo lugar, o ponto central desse trecho não é o dinheiro,

mas os relacionamentos. Todas as sete coisas ali mencionadas

têm a ver com lar, família e nação. Não se fala nada sobre

riqueza. Pelo contrário, a passagem como um todo deve ser vista

Page 153: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

como uma advertência contra as riquezas materiais. No versículo

21, Jesus não disse: "Você aplicou bem seu dinheiro, vá e ganhe

mais". Em vez disso, ele falou o seguinte: "Só uma coisa te falta:

Vai, vende tudo o que tens, dá-o as pobres, e terás um tesouro no

céu". Essa ordem pressupõe uma inversão total dos valores

humanos (v. 31). Aquilo que hoje é considerado de natureza

humilde, um dia será exaltado; aquilo que hoje é exaltado será

um dia humilhado.

Antes de encerrarmos a resposta às promessas de saúde e

prosperidade, vale a pena dizer que esse tipo de pensamento

teológico defeituoso não é nenhuma novidade. Ele já foi

encontrado há muito tempo, na argumentação dos amigos de Jó,

e está conosco desde então. Eles pressupunham que se você for

fiel e bom, será abençoado. Se você é pobre, doente e sofre, isso

só pode ser atribuído a algum pecado, pois a lei do espírito diz

que você recebe aquilo que merece. É exatamente esse o

argumento usado pelos pregadores da prosperidade. Ele coloca a

lei como base de nosso relacionamento com Deus — olho por

olho. Não devemos nos esquecer de que, por causa da teologia

que abraçaram, os amigos de Jó receberam condenação (Jó 42.7).

3. A Confissão Positiva

Chegamos agora à terceira e última categoria — os métodos e as

regras da confissão positiva. No capítulo dois, vimos que as

promessas de saúde e prosperidade não são colocadas em

funcionamento de forma automática, mas recebidas somente por

meio de alguns procedimentos agrupados pela frase "confissão

positiva". Encontramos aqui os meios ou métodos pelos quais o

cristão consegue ou merece saúde e prosperidade. Eles envolvem

a afirmação dos direitos em voz alta, nunca duvidar, nunca

Page 154: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

repetir uma oração, negar qualquer sintoma negativo, etc. O

pressuposto é que essas regras e procedimentos refletem as leis

espirituais que regem o mundo. Uma vez que descubra essas leis,

o cristão pode colocá-las em funcionamento para seu próprio

bem. Elas existem para que o homem de fé possa utilizá-las e

manipulá-las da mesma forma como usa e manipula a lei da

gravidade e da circulação do ar ao andar de avião. Empregando

uma metáfora mais comum para Hagin, é o mesmo que fazer uso

das vantagens das leis da atividade bancária quando preenchemos

um cheque.

A pressuposição crucial nessa cosmovisão é que Deus criou leis

espirituais que reagem à fé daquele que crê, seja ela firme e

positiva ou fraca e negativa. Nossas orações são respondidas

rigorosamente de acordo com nossa fidelidade às regras da

confissão positiva. Isso quer dizer que Deus não precisa tomar a

iniciativa para decidir qualquer coisa que seja, pois sua decisão

pessoal é desnecessária ao atendimento das orações. Esse papel é

cumprido de forma automática pelas leis espirituais criadas para

reger o mundo.

Não é a primeira vez que essa idéia aparece na história da igreja.

Nos séculos XVII e XVIII, alguns teólogos ingleses receberam o

nome de "deístas", por proporem idéias parecidas com essa.11

A

11 A principal marca registrada do deísmo não era a noção de que o mundo funciona

automaticamente, mas o racionalismo, que afirma que, pelo uso da razão somente, podem

ser deduzidas todas as verdades do cristianismo, sem a ajuda da Bíblia. Como resultado, o

deísmo caracterizou-se por um anti-sobrenaturalismo muito acentuado e afirmava que os

milagres na natureza não ocorrem nem podem ocorrer. Um corolário dessa crença é a

pressuposição de que o mundo funciona de acordo com um conjunto de leis que agem

automaticamente nas esferas física e sobrenatural. No artigo sobre deísmo, no Dictionary of

the History of Ideas, a terceira característica do deísmo é definida como "os poderes ativos

de Deus, os quais são revelados no mundo, criados, sustentados e ordenados por meio de

Page 155: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

figura que eles usavam para explicar o modo como Deus conduz

o mundo era de natureza mecânica: o universo é como um

relógio ao qual ele deu corda no início dos tempos. Desde então,

ele não precisa mais de nenhuma atenção, mas funciona

automaticamente, livrando Deus da necessidade de intervir no

curso natural da história humana.

Mais recentemente, as seitas metafísicas analisadas no capítulo

introdutório defenderam uma idéia semelhante. Na visão que elas

têm do mundo, Deus não é um ser pessoal que rege o universo

com soberania, mas sim uma força impessoal que faz o mundo

funcionar por meio de leis espirituais imutáveis. De modo geral,

um tipo de deísmo evidencia-se quando são feitas referências a

Deus como a "Força Infinita", o "Espírito da Vida Infinita", "o

Absoluto", o "Espírito Absoluto", a "Inteligência Infinita", etc.

Embora o evangelho da prosperidade não faça uso dessas

expressões, geralmente é a mesma interpretação do mundo

espiritual que atua em sua teologia.

3.1 Princípios da Providência

Assim como o deísmo do século XVIII representava uma

compreensão errônea de Deus e de sua providência, tal visão

continua errada hoje. Deus não se afastou do mundo, como se

este fosse uma máquina que ele criou no início para funcionar de

leis naturais, tanto morais como físicas, divinamente sancionadas". O evangelho da

prosperidade é deísta na medida em que acredita que o mundo funciona de acordo com um

conjunto de leis espirituais. Por outro lado, a quinta característica diz: "Não há nenhuma

providência especial; milagres ou outras intervenções divinas não infringem a ordem

natural legal". Nesse sentido, o evangelho da prosperidade não acompanha o padrão de

pensamento deísta. Veja E. G. Waring, ed., Deism and Natural Religion, Ungar, 1967. A

Encyclopedia of Philosophy, Macmillan, 1967, fornece uma extensa bibliografia.

Page 156: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

forma autônoma. A Bíblia deixa bem claro que Deus mantém sua

autoridade soberana para tomar decisões em cada área da vida,

incluindo as enfermidades e o sofrimento (cf. Êx 4.11; Dt 32.39;

Jó 5.17, 18; Is 45.7; Lm 3.37). Isso quer dizer que não existem

leis espirituais que funcionem automaticamente, à parte da

vontade pessoal de Deus (Dn 4.34ss., Ef 1,11).

O termo utilizado pela teologia protestante para descrever de

forma bíblica e correta o relacionamento de Deus com o mundo é

"providência" (Berkouwer, 1952), com três aspectos distintos: 1)

Deus sustenta o mundo diretamente pelo seu poder (Rm 11.36;

Cl 1.17; 1 Co 8.6; Hb 1.3); 2) Deus conduz o mundo em direção

a um fim predeterminado (Ef 1); e 3) Deus atua junto com o

homem para realizar seus propósitos, sem lhe negar o livre-

arbítrio, mas atingindo seus objetivos. O primeiro e terceiro

pontos vão diretamente contra a teologia da prosperidade e

fornecem o critério para uma análise crítica tanto do deísmo

quanto de seu equivalente moderno.

3.2 Oração não é Mágica

A tendência do pensamento deísta é de reduzir o envolvimento

de Deus com o mundo, ao substituir a decisão soberana pelas leis

espirituais impessoais. Qualquer teologia ou movimento, por

mais popular que seja, que separe Deus do envolvimento com o

mundo é antibíblico. Essa idéia continua a surgir na igreja, pois a

manipulação de leis espirituais impessoais por parte do homem é

algo que exerce muita atração. É muito mais fácil lidar com leis

do que ter uma relação com um Deus santo e sublime. Isso

sempre produz uma espiritualidade infinitamente mais previsível

e controlável. A doutrina da prosperidade oferece suas promessas

de saúde e riqueza com tanta confiança exatamente porque

Page 157: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

acredita que as regras de confissão positiva manipulam e

controlam não as decisões pessoais de Deus, mas as regras que

ele criou. Isso apresenta dois problemas: por um lado, a Bíblia

em nenhum lugar se refere à esfera espiritual como se ela fosse

uma reserva de forças espirituais passíveis de controle. Essa é a

cosmologia da série Guerra nas Estrelas, em que Lucas

Skywalker aprende a manipular "a força" com o controle de sua

mente. Por outro lado, em todo canto a Bíblia declara que Deus

está pessoalmente envolvido com o mundo.

É de importância fundamental que o cristão perceba que fórmulas

e métodos não têm lugar na espiritualidade cristã, como se leis

espirituais pudessem ser assim controladas e manipuladas. Uma

cosmovisão dessas tem mais a ver com magia do que com o

cristianismo, uma vez que magia é a tentativa de controlar forças

e seres espirituais em benefício próprio (Shuster, 1987). Seria um

exagero acusar Hagin de estar se rebaixando a ponto de seguir

princípios de magia, mas continua a semelhança entre os

métodos e pressupostos da magia e os da confissão positiva.

Observe a afirmação de Hagin de que "muitas orações têm sido

destruídas e não funcionaram, porque foram oradas por amor de

Jesus, ao invés de em Nome de Jesus (Nome, 12). O que é isso, a

não ser um modo de tratar o nome de Jesus como se fosse uma

fórmula mágica que tem de ser proferida da maneira exata? Veja

também a citação seguinte, onde o uso do nome de Jesus está

ligado ao conhecimento de seu poder:

Eu disse: "Em Nome de Jesus (você entende, o Nome

representa toda a Sua autoridade e poder!), não tenho dor

de cabeça. Em Nome de Jesus, não vou ter dor de cabeça.

E, em Nome de Jesus, saia, dor!" Nem sequer as palavras

saíram da minha boca, e a dor saiu. Simplesmente

Page 158: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

desapareceu. Alguém disse: "Gostaria que isto funcionasse

para mim". Não funciona por meio do desejo — funciona

por meio do conhecimento.

Observe nessa citação que Hagin afirma que a oração que não foi

respondida fracassou por falta de conhecimento. As regras e

procedimentos da magia também afirmam invariavelmente que

recebemos poder mediante o conhecimento de fórmulas secretas

que invocam forças sobrenaturais.

A Bíblia é muito clara ao ensinar que o nome de Jesus não pode

ser utilizado como se portasse algum poder secreto ou atuasse

como uma expressão mágica que traz resultados por meio de sua

repetição. Veja o exemplo dos sete filhos de Ceva, em Atos

19.13-18:

E alguns judeus, exorcistas ambulantes, tentaram invocar o

nome do Senhor Jesus sobre possessos de espíritos

malignos, dizendo: Esconjuro-vos por Jesus a quem Paulo

prega. Os que faziam isto eram sete filhos de um judeu

chamado Ceva, sumo sacerdote. Mas o espírito maligno

lhes respondeu: Conheço a Jesus e sei quem é Paulo; mas

vós, quem sois? E o possesso do espírito maligno saltou

sobre eles, subjugando a todos, e, de tal modo prevaleceu

contra eles, que, desnudos e feridos, fugiram daquela casa.

Chegou este fato ao conhecimento de todos, assim judeus

como gregos, habitantes de Éfeso; veio temor sobre todos

eles e o nome do Senhor Jesus era engrandecido. Muitos

dos que creram vieram confessando e denunciando

publicamente as suas próprias obras.

Page 159: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Aqueles jovens pensaram que podiam acrescentar o nome de

Jesus ao repertório de ritos e magias que utilizavam para

exorcizar demônios. Os resultados foram desastrosos. Observe

que aquele fracasso e a surra a que foram submetidos

ocasionaram o temor de Deus e a exaltação do nome de Cristo

não porque o nome funcionou, mas exatamente por não ter

funcionado. A magia nunca resulta em temor a Deus. Ela produz

apenas a exaltação do homem, pois faz parecer que este pode

controlar forças sobrenaturais. O nome de Cristo passou a ser

mais temido e honrado por causa desse fracasso, pois ficou

patente que Jesus não tem nada a ver com magia.

Não adianta muito Hagin negar que o nome de Jesus atue como

magia (Nome, 37). Isso não impede que ele o trate como se fosse

algo mágico. Hagin diz que é importante orar apenas e

exatamente "em nome de Jesus", sem qualquer variação. Mas não

existe diferença lógica entre declarações como "em nome de

Jesus", "por amor de Jesus", "por Jesus" ou qualquer outra

variável. Em cada caso, a frase representa uma sinédoque, figura

de linguagem em que uma expressão mais curta é usada em lugar

de outra mais longa. A sinédoque, nesse caso, está no uso de "em

nome de Jesus" ou "por amor de Jesus" em lugar da frase mais

longa "peço que esta oração seja respondida por amor daquilo

que Jesus fez por mim e afirmo isso como um de seus

seguidores".

Jesus prometeu a seus discípulos que se pedissem em seu nome,

eles receberiam (Jo 16.24). Mas isso nunca quis dizer que a

promessa seria automaticamente cumprida. Ela foi acompanhada

de exigências rigorosas. Devemos permanecer nele e permitir que

sua palavra permaneça em nós (Jo 15.7); devemos guardar seus

mandamentos (1 Jo 3.22) e orar de acordo com sua vontade (1 Jo

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5.14). Acima de tudo, Tiago observa que os motivos e objetos

pelos quais oramos são cruciais: "... pedis, e não recebeis, porque

pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres" (Tg 4.3).

Alguns eruditos observaram que o pensamento religioso

primitivo compartilha de muitas características da cosmovisão da

magia. O ponto essencial de comparação é que ambos acreditam

que toda a natureza opera segundo forças pessoais, em favor de

fins individuais. Em outras palavras, o mundo está cheio de

poderes espirituais ocultos que podem ser influenciados e

controlados pelo homem, se este tiver o conhecimento certo e

seguir os procedimentos corretos. No âmbito secular, a cura pela

fé nos dias de hoje emprega uma visão semelhante e acredita que

a mente pode controlar a natureza, especialmente o corpo

humano (James, 1902, 117). Algo parecido com isso é

encontrado no conceito de fé adotado pela doutrina da

prosperidade, em que a fé é uma ferramenta que pode ser usada

para a manipulação de forças espirituais. Todavia, contrariando

tanto o deísmo quanto a magia, a Bíblia ensina que Deus detém o

controle soberano total para decidir quando deve dizer sim e

quando deve dizer não a uma oração. Não existe nada parecido

com o uso da fé como uma "força" para recebermos nossos

direitos. Até mesmo na Bíblia, alguns dos grandes homens de

Deus não foram atendidos em suas orações. Moisés não orou

para ver a terra prometida? João Batista não orou para ser

libertado da prisão? Deus disse não a ambos os pedidos. Até

alguns desejos de Jesus não foram atendidos como, por exemplo,

quando ele chorou sobre Jerusalém ou quando o jovem rico foi

embora ou quando ele cedeu, depois de uma noite de oração no

Jardim das Oliveiras, dizendo: "... não seja como eu quero, e,

sim, como tu queres". É certo que Paulo nem sempre foi atendido

em seus pedidos. O espinho na carne é um bom exemplo. Uma

Page 161: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

vez que se admita que Deus não atende a alguns pedidos, nega-se

toda a idéia de fé como força que sempre atinge seu objetivo.

Portanto, o estudante da Bíblia que se esforça para entender a

doutrina da prosperidade deve manter como ponto fundamental

que todas as orações, incluindo aquelas em favor da cura, estão

subordinadas às decisões pessoais de Deus. Isso nega, desde o

princípio, todas as idéias de magia ou confissão positiva.

Nenhuma oração será eficaz, se Deus não optar por respondê-la,

não importa quanta fé esteja envolvida da parte dos que oram ou

quantos procedimentos sejam seguidos da maneira certa.

Podemos voltar a Jó para reforçar essa verdade. Os mestres que

atribuem o fracasso em receber cura ou prosperidade a algum

problema com a fé ou à falta de algum elemento na confissão

podem ser comparados aos três amigos desorientados que

chegaram para confortar Jó no meio de sua tragédia. A teologia

de Elifaz, Bildade e Zofar não cogitava a possibilidade de o justo

sofrer. Se Jó estava sofrendo, então ele merecia sofrer. Mas Deus

já havia considerado a Jó como "íntegro e reto" (1.8). A única

contenda de Deus com Jó era que ele, um simples mortal, exigia

uma explicação completa dos propósitos que estavam por trás do

sofrimento. A lição de Jó reforça a crença cristã de que as

respostas às nossas orações não são obtidas pela reivindicação de

direitos espirituais; elas são recebidas de acordo com a decisão

pessoal de um Deus vivo e santo.

Resumindo, a doutrina da prosperidade está errada porque faz

uma separação entre Deus e o mundo, por meio da imposição de

leis espirituais. Essa idéia tem mais a ver com deísmo ou magia

do que com cristianismo. Passamos agora a considerar o

pensamento de Hagin sobre fé e dúvida.

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3.3 A Fé não Exige

Hagin diz que, quando oramos, devemos exigir corajosamente

nossos direitos e nunca mostrar qualquer indício de dúvida de

que nossa oração será atendida. A questão da soberania de Deus

é totalmente abafada pelo destaque conferido aos direitos da

pessoa que crê. Um crítico dessa opinião escreve o seguinte:

A soberania de Deus é a doutrina que afirma que Deus é

supremo, tanto em governo quanto em autoridade sobre

todas as coisas. Nos círculos dos Ensinos da fé, ela não é

levada muito a sério. Verbos como exigir, decretar,

determinar, reivindicar, freqüentemente substituem os

verbos pedir, rogar, suplicar, etc. (Romeiro, 32.)

O pastor ou mestre cristão bem versado na Bíblia dificilmente

pode deixar de ficar chocado ao extremo com os ensinos de

Hagin sobre a oração. Será que a fé sempre tem o direito de

exigir? Será que os papeis de Deus e do homem foram de alguma

forma invertidos? Será que o arcanjo mais santo e mais sublime

alguma vez já se aproximou do Criador com tais afirmações?

Vale observar que no texto de Isaías 6, passagem já utilizada na

análise das visões de Hagin, seres especiais conhecidos como

serafins são descritos como estando na presença de Deus, cuja

santidade eles proclamam continuamente, dizendo: "Santo, santo,

santo é o Senhor dos Exércitos". O nome daqueles seres especiais

indica que eles ardiam com fogo santo, uma vez que serafim

significa "aquele que queima". O estudante da Bíblia atento

observará que eles foram criados com seis asas: duas para voar,

duas para cobrir o rosto e duas para cobrir os pés. A humildade e

o respeito profundos daqueles seres na presença do Santo

dificilmente poderiam ser mais bem representados do que pela

Page 163: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

cobertura do rosto e dos pés. Diante dessas cenas celestiais, que

mais poderíamos dizer sobre aqueles que oram exigindo seus

direitos de Deus?

Embora não pareça necessário, devemos acrescentar aqui que

dizer "se for de tua vontade" é totalmente certo e bíblico. Orar

assim não é um sintoma de dúvida ou de incredulidade, mas o

reconhecimento humilde de nossa incapacidade de conhecer a

mente de Deus ou de fazer suposições acerca de seus propósitos.

A dúvida não é uma virtude, mas é aceitável quando confessada

(Mc 9.24). Até mesmo os apóstolos pediram ao Senhor:

"Aumenta-nos a fé" (Lc 17.5). Tiago também recomenda que

oremos assim, pois não temos sabedoria para conhecer o futuro

(4.15). Jesus ficou satisfeito com a oração do leproso que foi até

ele, implorando: "Senhor, se quiseres, podes purificar-me" (Mt

8.2; Mc 1.40). No Getsêmani, ele próprio disse: "... não seja o

que eu quero, e, sim, o que tu queres" (Mc 14.35); e nós também

devemos orar, dizendo sempre "faça-se a tua vontade" (Mt 6.10).

Qualquer discussão sobre o uso da partícula "se" na oração deve

incluir a história registrada em Daniel 3.17, 18 referente a

Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Talvez este seja o maior e

melhor uso do "se" na Bíblia.12

Depois de serem ameaçados de

morte certa na fornalha de fogo ardente, caso não se prostrassem

imediatamente diante da imagem de ouro, eles responderam ao

rei:

12 Bruce Barron escreve o seguinte: "A conhecida história dos três homens na fornalha de

fogo ardente... deu ocasião a algumas interpretações fascinantes no movimento da fé...

Ironicamente, Gloria Copeland cita essa mesma passagem como exemplo da "postura

mental correta". Ao citá-la, ela deixa de fora as palavras cruciais "se não" (se Deus não nos

quiser livrar), do v. 18... sem apoio da passagem, ela afirma que os três "foram para o fogo

com plena intenção de voltar" (p. 108).

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Ó Nabucodonosor, quanto a isto não necessitamos de te

responder. Se o nosso Deus a quem servimos, quer livrar-

nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas

mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos

a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que

levantaste.

Esta é a fé que não presume conhecer a vontade de Deus quanto à

vida ou à morte, mas que, assim mesmo, confia e obedece.

3.4 A Confissão não Cria a Realidade

Seguindo seu método de costume, Hagin usa várias passagens

fora de contexto para mostrar que a fé deve ser agressiva ao

ponto de oferecer testemunho público da resposta da oração,

antes mesmo que ela apareça. Provérbios 6.2 é muito citado fora

de seu contexto, para sustentar a afirmação de que a confissão

positiva é necessária, porque a confissão negativa cria uma

realidade igualmente negativa. Do modo como Hagin a cita, a

passagem diz o seguinte: "... estás enredado com o que dizem os

teus lábios". Mas, ouçamos o provérbio como um todo (vv. 1-3):

Filho meu, se ficaste por fíador do teu companheiro, e se te

empenhaste ao estranho, estás enredado com o que dizem

os teus lábios, estás preso com as palavras da tua boca.

Agora, pois, faze isto, filho meu, e livra-te, pois caíste nas

mãos do teu companheiro; vai, prostra-te e importuna o teu

companheiro.

Quando o provérbio todo é ouvido, fica claro que seu significado

é que não devemos assumir compromissos insensatos em

Page 165: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

questões financeiras. O primeiro pecado da hermenêutica é

interpretar o texto fora de seu contexto.

Hebreus 3.1 é outra passagem muito citada. Ela diz: "...

considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa

confissão, Jesus". Os pregadores da prosperidade dizem que a

palavra grega traduzida por "confissão" significa literalmente

"dizer a mesma coisa". Assim, eles afirmam que devemos

proferir com nossa boca a mesma coisa que Deus diz a nosso

respeito, a fim de sermos abençoados. Mas esse é apenas um dos

significados da palavra "confissão" e dificilmente é o que o autor

de Hebreus tinha em mente. O contexto da passagem mostra que

"confissão" aqui refere-se ao compromisso do leitor com Cristo e

não alguma forma de confissão positiva.

Hebreus 11.1 é freqüentemente mencionado como prova de que

podemos obter favores divinos nesta vida, pois fé "é a certeza de

coisas que se esperam". Mas a definição de fé oferecida aqui é de

crença em Deus e em seu reino, a esfera invisível, mas que

cremos ser verdadeira. Hagin também identificou de forma

errada aquilo que é esperado pela fé, ao dizer que as "coisas" são

saúde e prosperidade. No restante do capítulo essas "coisas" são

descritas e não envolvem riquezas ou saúde. Em vez disso, elas

se referem a Cristo e sua glória. Essa interpretação de Hebreus 11

é particularmente grosseira, porque, depois de Jó e do salmo 73,

esse capítulo contém o material mais incisivo em toda a Bíblia

contra a doutrina da prosperidade, uma vez que descreve aqueles

homens e mulheres que morreram sem receber a resposta para

suas orações (v. 13). A fé que eles tinham honrou a Deus, porque

se manteve durante as dificuldades e privações, não em meio à

saúde e prosperidade.

Page 166: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Finalmente, consideraremos Marcos 11.22, muito citado por

Hagin como prova de que devemos ter a fé do tipo de Deus. Esse

versículo aparece no meio da história em que Cristo amaldiçoa a

figueira por causa da falta de fruto. O texto diz:

Então Pedro, lembrando-se, falou: Mestre, eis que a

figueira, que amaldiçoaste, secou. Ao que Jesus lhes disse:

Tende fé em Deus; porque em verdade vos afirmo que se

alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e

não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz,

assim será com ele. Por isso vos digo que tudo quanto em

oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim

convosco.

O ponto central está no v. 22: "Tende fé em Deus". Ele é assim

traduzido por Hagin: "Tende a fé do tipo de Deus". Ele escreve:

Focalizemos nossa atenção na declaração Tende fé em

Deus (v. 22) ou, alternativamente: "Tende a fé de Deus." Os

estudiosos da língua grega dizem que uma tradução

possível seria: "Tende a fé do tipo de Deus."... É esse o tipo

de fé que falou, e o mundo veio a existir!... Deus... falou a

Palavra, e aí estava a Terra... Ele falou e assim foi!... Deus

creu que aquilo que ele falou se realizaria, e assim foi!...

Vemos aqui o princípio básico inerente à fé do tipo de

Deus: crer com o coração e dizer com a boca. Jesus creu e

falou. Deus creu e falou, e o mundo veio a existir pela Sua

palavra. (Limiares, 90-92.)

Essa interpretação errônea é compatível com Hagin e seu

conceito de fé como uma força que cria a realidade. Ele escreve

em seu livro sobre a natureza de Deus:

Page 167: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

O Senhor Deus é um Deus de fé... De igual modo, criou o

homem: um homem de fé. Por isso, o ser humano pertence à

mesma categoria de Deus. Um homem de fé vive no domínio

criativo de Deus. (Zoe, 51.)

Segunda essa opinião, nosso Deus que cria tem uma grande

quantidade de fé, porque fé é isso: força que cria. O homem é

como Deus, ao partilhar com ele a capacidade de criar pela fé.

Portanto, a verdadeira fé é como a fé que Deus tem: poderosa,

livre de dúvidas e, por isso, capaz de trazer à existência aquilo

que deseja.

É óbvio que existe uma série de coisas extremamente erradas

nessa compreensão da fé e de Deus. Em primeiro lugar, Hagin

inverte a frase "tende fé em Deus" para afirmar "tende a fé do

tipo de Deus". Isto é erro de tradução puro e não há nada que

possa ser dito em seu favor. Em segundo lugar, a idéia de que

Deus exerce fé é estranha ao cristianismo. Dizer que Deus tem fé

naquilo que vai fazer é algo que não tem sentido, a menos que se

tenha um conceito inferior de Deus. O Deus da Bíblia é Todo-

Sabedoria e Todo-Poderoso, capaz de ver o fim desde o começo.

O conceito de Hagin tem mais afinidade com a idéia gnóstica do

demiurgo ou deus inferior do que com o Pai do Senhor Jesus

Cristo que aparece no Novo Testamento.

Em terceiro lugar, a idéia de Hagin de que fé é uma força que

cria a realidade também é estranha ao cristianismo. Já tivemos

oportunidade de ver que ela tem mais a ver com magia ou com a

cosmologia do tipo Guerra nas Estrelas do que com a

espiritualidade bíblica. Há outros grupos, como a Ciência Cristã,

que defendem idéias semelhantes de fé, ou seja, o meio pelo qual

fazemos com que o invisível se torne realidade. Hagin, é claro,

Page 168: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

não gosta de ser associado a esses grupos. Entretanto, ele pode

negar de todas as formas que existam semelhanças entre seu

ensino e os da Ciência Cristã, mas permanece inalterado o fato de

que, exatamente como a Ciência Cristã, sua teologia retrata o

mundo regido por leis espirituais que podem ser controladas por

aquele que crê.

3.5 A Medicina e seus Meios de Cura

Muitos pregadores da prosperidade dizem que, em caso de

doença, o cristão deve descartar os recursos da medicina e

confiar somente na oração. Duas razões são apresentadas:

primeira, recorrer a um médico revela falta de fé e destrói a força

da confissão da pessoa. Segunda, uma vez que a medicina é uma

ciência física, ela não pode tratar das verdadeiras causas da

doença, que são espirituais. Na melhor das hipóteses, a ciência

médica pode tratar do aspecto físico, mas fica longe da cura

espiritual. Nossa resposta a isso remete-nos ao terceiro ponto do

ensino bíblico sobre providência, ou seja, Deus atua junto com o

homem no cumprimento de sua vontade. Esta é uma daquelas

verdades tão óbvias que facilmente são esquecidas. As Escrituras

poderiam fornecer inúmeros exemplos. Aqui mencionaremos

apenas um: na primeira vez em que Deus desejou um templo

onde seu povo pudesse adorá-lo, foram necessárias duas gerações

para o planejamento e a construção. Deus poderia tê-lo criado já

pronto, mas escolheu atuar por meio de projetistas, artífices,

sacerdotes e figuras políticas da época. O mesmo acontece no

campo da cura. Deus usa a ciência médica e os médicos para

efetuar a cura do doente.

Essa verdade é aplicável a todas as áreas da vida. Deus espera

que trabalhemos com o máximo de nossa capacidade. Isso é

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ponto pacífico. O agricultor que ora pela colheita e não ara nem

semeia nem colhe é um idiota ou um fanático. O mesmo acontece

na esfera espiritual. Quando Jesus disse "pedi e recebereis" (Jo

16.24), ele certamente não queria dizer que seríamos alimentados

com maná do céu. Em vez disso, temos de trabalhar muito e

pedir que Deus abençoe nosso trabalho. Pense em Tiago 1.5, que

diz: "Se... algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus..."

Será que isso significa que o conhecimento de Deus pode ser

obtido sem que se freqüente a escola e o seminário? Será que a

sabedoria nos é dada numa bandeja ou precisamos aprender a

pensar e raciocinar cuidadosamente, mesmo quando pedimos a

Deus capacidade para pensar com sabedoria? De acordo com a

lógica da prosperidade, Deus não utiliza esses meios, mas cura

sem intervenção dos médicos e distribui riquezas sem que se

trabalhe muito. Essa forma de pensar é tão insensata quanto

aquela do agricultor que ora mas não prepara a terra. Em

oposição a toda essa tolice, o cristão que ora pela restauração da

saúde deve empregar todos os meios de cura que estiverem a seu

alcance, tais como higiene, remédios, enfermagem, repouso ou

cirurgia.

Concluímos que uma falsa compreensão da providência de Deus

pode nos levar a erros de todo tipo. Por um lado, pode fazer com

que as pessoas pensem que têm condições de controlar o mundo

espiritual como se Deus não fosse soberano e pessoal em suas

decisões. Por outro lado, ela pode causar uma rejeição ingênua da

ajuda humana, como a que é oferecida pelos médicos e pela

medicina, como se Deus não atuasse por meio do mundo natural

para ajudar seu povo e responder às suas orações. Em nenhum

outro lugar uma compreensão elevada e santa da providência está

mais bem ligada à ordem de trabalhar arduamente do que nesta

declaração de Paulo: "... desenvolvei a vossa salvação com temor

Page 170: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como

o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.12, 13).

Existe ainda outro aspecto sombrio na posição do evangelho da

prosperidade quanto aos cuidados médicos. Por causa da rejeição

da ajuda da medicina como sinal de fraqueza na fé, devendo,

portanto, ser evitada, o movimento da prosperidade não tem

nenhuma base para oferecer cuidado pastoral ao enfermo. Se a

doença é algo de que devemos nos envergonhar, a única resposta

que um pastor da prosperidade tem para o enfermo é no sentido

de exortá-lo a crer mais e/ou de uma condenação por ignorância

ou pecado. O pastor da prosperidade é como um dos amigos de

Jó, que vieram para oferecer conforto, mas acabaram trazendo

apenas condenação. Àqueles que continuam doentes depois de

exortados a ter mais fé, não resta nada a dizer. Hagin pergunta se

as pessoas com doenças sérias realmente são cristãs:

É muito freqüente, no entanto, deixarmos de receber aquilo

que pedimos; não achamos aquilo que buscamos, e a porta

em que batemos não nos é aberta. Por quê? Quando não

recebemos, estamos fazendo algo errado, pois o versículo

seguinte promete: Pois todo o que pede recebe; o que

busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á... Qual é a

razão do nosso fracasso?... Se, quando pedimos, não

recebemos; se, quando buscamos, não achamos; se, quando

batemos, a porta não nos é aberta, devemos perguntar a nós

mesmos se o Senhor da casa nos conhece. (Paz, 74.)

O membro da igreja da prosperidade que tem a infelicidade de

ficar doente precisa enfrentar a enfermidade sozinho. Ele é uma

pessoa que está fora da vontade de Deus e isolada da igreja,

alguém de fé inferior. As doutrinas do amor e da graça de Deus,

Page 171: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

que deveriam lhe servir de conforto durante o tempo de

enfermidade, tornam-se-lhe estranhas e voltam-se contra ele,

condenando-o por falta de fé. Numa ironia, para o cristão

seriamente enfermo, o evangelho da prosperidade e da saúde só

tem palavras de condenação. Quando essa pessoa adoece e

morre, ela morre sozinha.

Conclusão

O leitor que caminhou até aqui já recebeu uma sólida

compreensão do ensino da prosperidade e de nossa resposta a ele.

Em vez de seguir a estrutura desconexa dos livros de Hagin, sua

teologia foi organizada sob três aspectos: autoridade espiritual,

promessas de saúde e prosperidade e método da confissão

positiva. No primeiro aspecto da autoridade espiritual,

analisamos as alegações que Hagin faz no sentido de ser um

apóstolo dos dias de hoje, que tem o direito de proclamar um

novo tipo de cristianismo. Respondemos às suas afirmações por

meio do princípio protestante da "sola scripturae", somente a

Escritura. Como protestantes, rejeitamos em princípio qualquer

autoridade espiritual que não seja a Bíblia. Além disso, vimos

que existem boas razões para rejeitarmos como espúrias as visões

de Cristo que Hagin alega ter tido. Oferecemos ainda razões para

questionarmos os sinais e maravilhas usados para ratificar Hagin

e sua condição elevada de profeta dos dias atuais.

Em segundo lugar, respondemos às promessas de saúde e

prosperidade, observando sua exegese defeituosa de Gálatas 3 e

destacando que a redenção é um processo ainda incompleto.

Portanto, nem todos os seus benefícios estão hoje à nossa

disposição. A cruz encontra-se no passado e, portanto, nossa

redenção está assegurada, mas muita coisa que faz parte dela

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ainda aguarda o futuro, quando o reino virá em poder. Um dos

benefícios que estão no futuro é a saúde perpetua. Também

dissemos que a "bênção" da prosperidade material tem como

base uma espiritualidade estranha a Jesus e aos apóstolos.

Finalmente, respondemos aos métodos da confissão positiva,

afirmando que eles se baseiam em falsas pressuposições sobre o

relacionamento de Deus com o mundo. A imposição de leis

espirituais colocadas em atividade por meio da confissão positiva

vai diretamente contra a idéia bíblica de providência e soberania

de Deus. Vimos ainda que as noções de direitos, de pensamento

positivo, de negar o elemento negativo e de usar o nome de Jesus

como uma fórmula são todas baseadas numa cosmovisão

estranha à Bíblia. Estamos prontos para passar para o capítulo

quatro, onde consideraremos com mais detalhes a natureza dessa

cosmovisão e seus efeitos sobre a teologia cristã.

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Capítulo

Quatro

A COSMOLOGIA DA PROSPERIDADE

Quais são os pressupostos sobre o mundo espiritual que estão

por trás dos ensinos da prosperidade? Qual a natureza do

homem que deve ter o direito de controlar forças espirituais?

Como ele adquire conhecimento sobre o mundo espiritual?

Como esses pressupostos afetam sua compreensão da cruz de

Cristo? Como a doutrina da prosperidade responde ao

problema da presença do mal no mundo? Neste capítulo

analisaremos a cosmovisão dessa teologia. Uma visão

altamente dualista da realidade é o que dá forma ao

significado e torna possível tudo que é ensinado acerca do

reino espiritual.

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Introdução

Ao iniciar essa análise final, voltamos ao capítulo um, onde

traçamos brevemente a história e os antecedentes do evangelho

da prosperidade. Dissemos que suas principais crenças sobre o

reino espiritual não são extraídas nem da Bíblia nem do

pentecostalismo, mas de várias seitas metafísicas que floresceram

na área de Boston, nos Estados Unidos, no início do século XX.

Aquelas seitas faziam uma estranha mistura de crenças sobre o

mundo espiritual com a capacidade que a mente humana tem de

controlá-lo. Vimos que essas idéias foram transmitidas a Kenneth

Hagin por intermédio de E. W. Kenyon e, a partir de Hagin,

tornaram-se partes essenciais dos ensinos sobre prosperidade,

principalmente aqueles que falam de leis espirituais, de direitos

diante de Deus e de regras e procedimentos na confissão positiva.

Neste capítulo voltamo-nos para essas crenças básicas sobre a

esfera espiritual, a fim de completar os dados sobre a doutrina da

prosperidade.

O ponto de partida para entendermos a cosmovisão de Hagin está

no fato de que ela é dualista, à semelhança das seitas metafísicas

analisadas no capítulo um. Ela sustenta que toda realidade é

dividida em dois tipos fundamentalmente distintos que, de modo

geral, estão em oposição mútua. A oposição mais básica é vista

entre os reinos espiritual e material. O primeiro é visto como

tendo superioridade inerente em relação a todos os elementos do

reino material. Tal idéia é compatível com o ensino bíblico, que

também entende que o reino é de natureza principalmente

espiritual e maior do que o mundo presente. Na visão de Hagin,

porém, existe este outro elemento de oposição colocado entre os

dois reinos. Aqui se encontra o problema, pois a Bíblia não

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coloca o elemento espiritual acima do físico, como se os dois

fossem incompatíveis. Pelo contrário, a compatibilidade entre

eles é afirmada na Bíblia, tanto na criação, quando o homem se

tornou ser vivente, quanto na encarnação, quando Deus assumiu

a natureza humana.

A idéia de que o mundo espiritual não somente é maior do que o

físico, mas também de que o material é indigno, inferior ou

insignificante em comparação com o espiritual é um pensamento

antigo que tem sido defendido por muitas religiões diferentes em

épocas diversas. Na história ocidental, ele remonta aos primeiros

filósofos gregos e, no oriente, é ainda mais antigo. Essa

cosmovisão sempre exerceu atração sobre os pensadores

religiosos, pois ela invariavelmente se faz acompanhar da

pressuposição de que o ser humano, em essência, é espiritual.

Isso quer dizer que, dependendo da filosofia ou religião que

elabora a visão, o homem, por natureza, tem um pé no céu e/ou

que ele tem a capacidade de moldar a realidade por meio dos

poderes de sua mente. Essa idéia é muito importante no

movimento da Nova Era e é responsável por grande parte de seu

poder de atração.

O dualismo de Hagin é de natureza semelhante. A divisão que ele

faz da realidade em esferas espiritual e física pressupõe que o

homem é essencialmente espiritual e, portanto, esse lado é mais

importante e pode ter acesso aos poderes da esfera espiritual e

controlá-los.

Os dois lados desse ensino são atraentes, mas também vão contra

a doutrina bíblica. As idéias de Hagin serão consideradas sob

quatro aspectos diferentes: primeiro, o dualismo da natureza

humana; segundo, o dualismo do conhecimento humano;

Page 176: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

terceiro, o dualismo da redenção; e quarto, uma tendência

dualista à exaltação de Satanás. Por fim, antes de encerrar este

capítulo, veremos que resposta os ensinos da prosperidade

oferecem ao problema do mal.

1. O Dualismo do

Corpo e do Espírito

Hagin ensina que o homem é constituído de três partes: espírito,

alma (ou mente) e corpo: "O homem é um espírito — tem uma

alma — e vive num corpo" (Nome, 89). Cada uma dessas três

partes tem uma função que corresponde aos aspectos espiritual,

mental e físico da vida humana. O espírito lida com a esfera

espiritual, a alma fornece as funções mentais e o corpo provê a

corporalidade.

Resumidamente, a natureza tríplice do homem é a seguinte:

(1) espírito — a parte do homem que lida com a dimensão

espiritual, (2) a alma — a parte do homem que lida com a

dimensão mental: seu raciocínio e seus poderes

intelectuais; (3) o corpo — a parte do homem que lida com

a dimensão física. (Espírito, 9; veja também 11, 13.)

Embora os ensinos de Hagin estejam longe de ser claros, é

evidente que ele coloca a diferença básica entre esses três

aspectos da natureza humana entre o espírito e os outros dois,

isto é, o corpo e a alma ou mente. Nas citações seguintes, o leitor

poderá observar como Hagin divide a natureza humana, fazendo

da mente/alma e do corpo elementos interiores ao espírito.

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Paulo indicou que há um homem exterior e um homem

interior. O homem exterior é o corpo. O homem interior é o

espírito... O homem exterior que olhamos não é o homem

verdadeiro, mas apenas a casa onde moramos. (Limiares,

35; veja também Dirigido, 18.)

Antes de podermos entender a morte, porém, devemos

entender que o homem não é um ser físico. O homem é um

espírito que possui uma alma e que habita num corpo (1 Ts

5.23)... O homem real é o espírito... O "eu" real (seu

espírito) e sua alma habitam num corpo físico. (Redimidos,

27, 28; veja também Soares, 1987, 70.)

Há um homem interior. E há um homem exterior. O homem

exterior não é o eu verdadeiro. O homem exterior é apenas

a casa que você habita. O homem interior é o eu

verdadeiro. O homem interior nunca envelhece. É renovado

de dia em dia. Ele é o homem espiritual. (Dirigido, 12, 13.)

Fazer essa separação entre corpo e mente/alma e o espírito traz

conseqüências incalculáveis, pois a teologia pressupõe a

capacidade da pessoa inquiridora de entender a Deus e seus

caminhos de forma lógica e ordenada, por meio da razão.

Voltaremos mais tarde a esse ponto. No momento, a atenção

concentra-se na crença de Hagin de que apenas o lado espiritual

do homem se relaciona com Deus. A mente e o corpo não têm

nada a ver com a realidade espiritual e, portanto, não mantêm

contato com o Criador.

O homem encoberto do coração é o espírito, o verdadeiro

homem. Esse verdadeiro homem, o homem encoberto, o

homem interior, é espírito. Ele tem uma alma e mora num

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corpo. Com o corpo13

, contatamos a dimensão espiritual.

Com a alma, contatamos a dimensão intelectual. Com o

corpo, contatamos a dimensão física. Não podemos

contatar Deus com nossa mente. Não podemos contatá-lo

com nosso corpo. É somente com o nosso espírito que

podemos entrar em contato com Deus. (Crescimento, 48.)

A cosmovisão de Hagin é muito clara nesse ponto. Ele traça a

linha mais nítida possível entre os mundos espiritual e

físico/mental. Ao fazer tal distinção, Hagin demonstra toda sua

ingenuidade filosófica, pois ele é totalmente incapaz de explicar

como o espírito pode desempenhar atividades que associamos

com o pensamento, vontade, memória, imaginação e até com o

próprio raciocínio. Por isso, na maioria dos sistemas dualistas, a

mente é em geral colocada em pé de igualdade com o espírito ou

pelo menos intimamente ligada a ele. Caso contrário, criam-se

problemas insuperáveis em explicar como o espírito pode atuar

em independência total. Com efeito, cria-se uma espécie de

homem duplo, com uma natureza inferior, que pensa apenas por

meio da esfera sensorial, e outra superior, a espiritual, que pensa

apenas no mundo espiritual, qualquer que seja ele.

Uma conseqüência básica do dualismo de Hagin é que, uma vez

que a realidade é espiritual, todos os problemas que o homem

enfrenta também precisam ser fundamentalmente espirituais. Isso

inclui a doença, que não é nada mais do que o efeito físico de

uma causa espiritual mais profunda. Essa é a pressuposição que

que está por trás da rejeição da ajuda médica. Se todas as

doenças, em última análise, vêm do mundo espiritual e do poder

13 É evidente aqui a presença de mais um erro na edição em português desse livro de Hagin.

Onde se lê "corpo", leia-se "espírito" (nota do tradutor).

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de Satanás, nossa abordagem em relação à cura também precisa

ser espiritual.

O pressuposto de que o homem é basicamente um ser espiritual

com acesso às forças espirituais que regem o mundo material é o

que também se encontra por trás das regras e métodos da

confissão positiva. Por causa de nossa natureza espiritual, nossa

confissão cria a realidade espiritual que, por sua vez, controla o

mundo físico. Isso atua em duas direções. Se duvidamos e, desse

modo, fazemos uma confissão negativa, o bem que desejamos se

perde. Se nos mantemos firmes e negamos todos os sinais físicos

que parecem contrariar nosso desejo, recebemos aquilo que

pedimos. Assim, tanto o medo quanto a fé criam realidades. A

verdade nua e crua é que o fator determinante daquilo que

acontece na vida da pessoa que crê não é tanto a decisão de um

Deus soberano, mas o tipo de atitude que temos diante de nossa

posição no mundo. Esse dualismo representa a estrutura básica

da cosmovisão de Hagin. Tendo-o observado em seus aspectos

essenciais, estamos prontos para apresentar uma resposta. Nesse

ponto devemos justificar nossos limites. A análise de qualquer

cosmologia é uma questão muito ampla e poderia facilmente

envolver um manuscrito inteiro em sua discussão plena. O

propósito aqui é mais modesto. Tentaremos observar três ou

quatro pontos centrais que, pela Bíblia ou pelo senso comum,

surgem de imediato contra a cosmologia da prosperidade.

Em primeiro lugar, Hagin está dentro dos limites da Bíblia,

quando diz que a natureza humana consiste de corpo, alma e

espírito (1 Ts 5.23). Mas ele erra ao deixar de observar que, na

Bíblia, os três são concebidos como um elemento. Gênesis chama

o homem de "alma vivente", que recebeu vida a partir da

combinação do pó da terra com o sopro de Deus (Gn 2.7). Aqui,

Page 180: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

a figura do pó e do sopro divino ilustra tanto o aspecto físico

como o espiritual do ser humano (Delitzsch). O homem não é

apenas pó, a matéria, ou apenas sopro, o espírito. Ele é uma

criação de Deus distinta, pois matéria e espírito aparecem juntos

para formar uma unidade permanente. Isso é afirmado em muitas

promessas da Bíblia quanto à ressurreição dos mortos (Mt 22.30;

Jo 11.25; 1 Co 15.42). Exatamente essa crença é que foi motivo

de zombaria por parte dos gregos que ouviram a pregação de

Paulo no Areópago (At 17.32). Eles também acreditavam que o

homem era de natureza essencialmente espiritual e que o corpo

era apenas um invólucro. Mas a Bíblia ensina que o homem não é

um espírito que espera ser libertado do corpo. Não apenas a

promessa de ressurreição dos mortos, mas também a de

glorificação de nossos corpos (Rm 8.30; 1 Co 15.35ss.)

certificam-nos de que nossa unidade de matéria e espírito em um

único ser continuará a existir na vida por vir.

Portanto, é errado dividir a natureza humana em três aspectos

separados, como se o homem fosse três coisas distintas e coladas

numa unidade desigual. Também não se pode dizer que o espírito

é a sede de nosso ser e a única parte que se relaciona com Deus.

Além disso, é errado dizer que a alma é a base de nossas

faculdades emocionais e intelectuais e, pior ainda, que o corpo é

simplesmente um invólucro ou aparência externa que nos permite

ter sentimentos e nos movimentar no mundo material. De fato,

com todos nossos avanços, hoje sabemos quase nada sobre o ser

chamado homem. Não conhecemos a natureza da distinção entre

espírito, alma e corpo, se é que ela existe. Não sabemos nem

como estão inter-relacionados. Não podemos nem dizer onde um

começa e o outro termina ou quais são as funções específicas de

cada um. Sabemos que todos os processos mentais têm um lado

físico e outro espiritual, todos profundamente interligados. Em

Page 181: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

tudo isso, seguimos o que a Bíblia ensina e por meio dela

estabelecemos os limites até onde podemos ir.

Uma coisa é clara: a cosmologia cristã não é dualista, pois crê

num Deus único que criou o mundo e tudo o que nele há.

Portanto, espírito e matéria não são dois princípios opostos, mas

eles se unem debaixo de um Deus que está acima de tudo. Isso

nos leva a nosso segundo ponto: o espírito não é superior ao

corpo de alguma forma que negue a posição vital tanto do

elemento espiritual quanto do material. A Bíblia não admite

qualquer dualismo entre mente/corpo que separe o corpo e o

espírito, tornando este superior àquele. O corpo tem um lugar

importantíssimo nas coisas espirituais. Isso pode ser contemplado

na encarnação e na expiação, ambas de natureza física e a mais

sublime revelação de Deus. João diz que "o Verbo se fez carne"

(Jo 1.14) e que os apóstolos tocaram com as mãos o "Verbo da

vida" (1 Jo 1.1). Paulo afirma que em Jesus "habita

corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Cl 2.9) e, junto

com Pedro, mostra que fomos reconciliados por meio de seu

corpo e de seu sangue (Cl 1.22; 1 Pe 1.19).

Em sua crença de que o espírito é completamente superior ao

físico e de que somente ele constitui a parte essencialmente

humana do homem, Hagin está à beira de ensinar que só o

espírito será salvo. Contra tais opiniões, a Bíblia afirma que a

salvação é tanto física quanto espiritual. Na verdade, o Novo

Testamento dá certo destaque ao lado físico da redenção, dizendo

que somos salvos "pelo sangue" de Cristo (Cl 1.20) e que somos

reconciliados com Deus "no corpo da sua carne, mediante a sua

morte" (Cl 1.22). Portanto, desvalorizar os aspectos físico e

mental do ser humano é uma atitude contrária à visão cristã da

salvação e causa danos à espiritualidade cristã, a qual envolve

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corpo e alma em todos os aspectos da salvação e do serviço a

Deus.

Em terceiro lugar, a espiritualidade hierárquica de Hagin (a idéia

de que o espírito é superior à alma e de que esta se encontra

acima do corpo) implica que a natureza da realidade espiritual é

panteísta, pois baseia-se no pressuposto, que ele não tem medo

de afirmar, de que a natureza do homem é do mesmo tipo da de

Deus. Isso tem de ser negado da maneira mais firme possível. O

espírito do homem não é divino, porque salvação não é

deificação. O homem redimido continua sendo homem e não

Deus (Ef 2.10). O homem sem salvação não é um demônio, nem

o homem restaurado é Deus. Sempre que falamos da natureza do

Espírito, devemos tomar cuidado, pois aqui há mistérios

profundos que não conhecemos. Partilhamos do Espírito de

Deus, mas não somos idênticos a esse Espírito. Ensinar que

fazemos parte de um Espírito é panteísmo, não cristianismo.

Em último lugar, antes de passarmos a considerar o dualismo

epistemológico de Hagin, ou seja, de que existem dois tipos de

conhecimento, precisamos fazer a observação de que o evangelho

da prosperidade contém uma ironia profundamente encravada em

seu sistema. Por um lado, ele afirma que o cristianismo

tradicional é por demais espiritualizado, pois não dá atenção

suficiente à vida que vivemos agora e não ensina que as bênçãos

materiais de saúde e prosperidade encontram-se hoje à disposição

de quem crê. Por outro lado, a doutrina da prosperidade ensina

que a parte mais importante da realidade é de natureza espiritual

e que tudo aquilo que é essencialmente verdadeiro nos

ensinamentos do cristianismo é recebido pelo espírito humano,

não pela mente ou pela alma. Isto é uma ironia, pois parece

conter princípios opostos sem reconhecer a contradição entre

Page 183: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

eles. Qualquer sistema teológico ou filosófico tem o direito de

conter elementos paradoxais ou dialéticos, desde que sejam

declarados e admitidos. Mas ironia dessa espécie é destrutiva. Ela

fica encravada no sistema, feito uma rachadura no alicerce,

esperando ser encontrada como sinal de que o próprio sistema

está condenado.

2. O Dualismo no Conhecimento

Conceitos hierárquicos da natureza humana são quase sempre

acompanhados por uma hierarquia equivalente no campo do

conhecimento humano, e a doutrina da prosperidade não constitui

exceção. Assim como o universo se divide em duas partes, uma

espiritual e outra física, sendo a primeira superior, também o

conhecimento apresenta a mesma divisão. Existe um

conhecimento superior, o espiritual, e outro inferior, o físico. O

primeiro é chamado de "verdade revelacional", enquanto o

inferior é chamado de "conhecimento dos sentidos" (Paz, 9).

Como o leitor poderia prever, Hagin ensina que somente o lado

espiritual do homem pode ter percepção do conhecimento mais

elevado. A mente não tem capacidade de perceber ou entender as

coisas do espírito nem qualquer outra coisa que tenha a ver com

conhecimento de revelação do mundo espiritual (Crescendo,

107).

Um corolário desse conceito de dois níveis do conhecimento é a

rejeição da razão humana em matéria de fé. Uma vez que o

conhecimento de revelação é de natureza espiritual, ele não pode

ser julgado meramente pela razão. Ele somente pode ser seguido

pela fé:

Page 184: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Não podemos entender coisas espirituais com nossa mente

natural... A Palavra de Deus foi dada pelo Espírito de

Deus... É por isso que a mente natural não pode entender a

Palavra de Deus. A Bíblia pode ser entendida somente com

o coração. Precisamos receber a revelação dela em nosso

espírito". (Espírito, 7; veja também Crescimento, 59.)

Sua mente natural não pode aceitar as coisas do Espírito de

Deus. São discernidas espiritualmente. (Nome, 108).

Por outro lado, a forma inferior de conhecimento conferida pelos

cinco sentidos físicos não deixa de ter valor para a vida humana,

porque é o conhecimento científico do mundo que inclui todas as

coisas envolvidas na razão humana e nas funções normais da

mente. É claro, esse aspecto inferior do conhecimento do homem

limita-se àquilo que nossos sentidos podem perceber nesse

mundo e fica aquém de qualquer capacidade de reconhecer coisas

espirituais. Por meio do raciocínio, não podemos entender a

Bíblia nem perceber a direção de Deus.

Com a nossa mente, não compreendemos a Bíblia. Ela é

compreendida espiritualmente. Nós a compreendemos com

nosso espírito, ou nosso coração... Crer com o coração

significa crer independentemente daquilo que nosso corpo

físico nos diz, ou que nossos sentimentos indicam...

(Limiares, 39, 40.)

Seu espírito sabe coisas que sua cabeça não sabe. Porque o

Espírito Santo está no seu espírito. (Dirigido, 65.)

O Espírito Santo, que habita em nosso espírito, deve

comunicar-Se conosco mediante o nosso espírito — e não

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através da nossa mente. É por isso que seu espírito conhece

coisas que sua cabeça não sabe. (Dirigido, 125.)

À guisa de resposta, o leitor observará, em primeiro lugar, que a

separação que Hagin faz do conhecimento em dois níveis

funciona como uma espada de dois gumes em seu sistema. As

duas faces são igualmente afiadas. Por um lado, mediante o

conhecimento de revelação, Hagin afirma receber e ensinar

somente o conhecimento verdadeiro do mundo espiritual. Por

outro lado, ele é capaz de negar o valor de qualquer argumento

que seja levantado contra ele, rotulando-o de conhecimento

inferior baseado simplesmente na razão humana. Não há crítica

contra seus ensinos que não seja rotulada de conhecimento

sensorial. Esse é o argumento que Hagin levanta contra teólogos

que se opõem ao evangelho da saúde e da prosperidade. Eles

tentaram entender Deus e a Bíblia fazendo uso da mente e, por

isso, cometeram erros.

Quando a razão toma o lugar do milagroso, o Cristianismo

perde a sua virilidade, o seu fascínio, e a sua capacidade de

dar frutos... A Igreja nunca foi erguida dos seus tropeços

pelos grandes mestres filosóficos, mas por leigos humildes

que têm tido uma nova visão de Cristo... (Nome, 106.)

Há vezes em que ele acusa seus opositores de não estarem

caminhando pela fé. Mas o significado é o mesmo: eles estão

seguindo uma forma de conhecimento inferior e menos espiritual.

Devemos andar por fé, e não pelo que vemos (2 Co 5.7). A

vista nunca chama as coisas que não são como se já fossem.

Andar pelo que vemos significa andar segundo a razão. A

Page 186: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

razão nunca chama as coisas que não são como se já

fossem. (Perdida, 91,)

Esse tipo de argumento nega qualquer campo comum sobre o

qual possamos discutir teologia com Hagin. Suas afirmações

sempre são completa e automaticamente verdadeiras, pois se

baseiam no conhecimento de revelação. Afirmações contrárias

são sempre falsas e carentes de elemento espiritual, pois têm

como base o conhecimento sensorial. Pelas regras desse jogo,

não há ponto de contato nem apelação. Trata-se de um sistema

fechado em si mesmo que deve ser aceito ou abandonado.

Em segundo lugar e intimamente relacionado com o ponto acima,

a distinção que Hagin faz entre duas espécies de conhecimento é

de natureza fideísta, isto é, rejeita o uso da razão em matéria de

fé. Isso significa que seus ensinos são baseados apenas na fé e no

conhecimento de revelação e não são apoiados pela razão, pela

evidência sensorial ou pela história. Segundo essa opinião, não

existe simplesmente nenhum valor em qualquer tipo de

raciocínio filosófico, teológico ou científico. A razão nunca será

capaz de nos ajudar a ter fé ou de entendê-la melhor. A primeira

conseqüência dessa posição é que o conhecimento de Deus e

irracional ou, como diz Hagin, espiritual. Essa visão força o

cristão a ficar suspenso no ar, aparentemente sem apoio de

qualquer tipo que não seja aquele fornecido pelas alegações de

sinais e maravilhas. Claro, esta conclusão é muito conveniente

para qualquer pessoa que alegue operar maravilhas como única

portadora do conhecimento de revelação.

Entretanto, a Bíblia nega todos esses argumentos contra o valor

da razão humana (Pieratt, 1992). Ela não ensina nem que a razão

é inimiga da fé nem que Deus é um ser irracional que não pode

Page 187: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

ser compreendido por nossa mente. Em vez disso, ela declara que

nossa mente foi feita para conhecer a Deus e gozá-lo para

sempre. O grande shema em Deuteronômio 6.5 diz: "Amarás,

pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua

alma, e de toda a tua força". Jesus alterou-o levemente em sua

citação, dizendo: "Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu

coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda

a tua força (Mc 12.30). Pedro diz que devemos cingir nosso

entendimento para a ação (1 Pe 1.13). Paulo fez questão de

arrazoar com os judeus para convencê-los a crerem em Cristo (At

17.2) e escreveu aos colossenses: "Pensai nas coisas lá do alto"

(3.2). Tiago diz que a sabedoria divina é "cheia de pensamentos

misericordiosos" (Tg 3.17, Phillips, 1.993). No Antigo

Testamento, Provérbios recomenda que busquemos a sabedoria, e

o profeta Isaías cita o convite de Deus, dizendo: "Vinde, pois, e

arrazoemos" (Is 1.18). John Stott escreve, resumindo o ponto de

vista bíblico:

O conhecimento é indispensável para a vida e o serviço

cristãos. Se não fazemos uso da mente que Deus nos deu,

condenamo-nos à superficialidade espiritual e abrimos mão

de muitas riquezas da graça de Deus. Ao mesmo tempo, o

conhecimento nos é dado para ser usado, para nos conduzir

a uma adoração mais sublime, a uma fé maior, a uma

santidade mais profunda a um serviço de melhor qualidade.

Precisamos não de menos conhecimento e, sim, de mais

conhecimento, enquanto o estivermos aplicando. (Stott,

1978, 60.)

Em terceiro lugar, à semelhança do dualismo entre o espírito e a

mente observado na última divisão, também aqui vemos outra

vez semelhanças entre o pensamento de Hagin e os dos gnósticos

Page 188: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

e das religiões de mistério do segundo e terceiro séculos

(Bultmann, 1964). Ambos davam um lugar importante para o

conhecimento espiritual secreto ou mais elevado. Com efeito, o

termo "gnóstico" vem da palavra grega "gnosis", que significa

conhecimento. Como os gnósticos, Hagin ensina que hoje

também existe um conhecimento secreto ou mais elevado à

disposição do fiel que o aceite. Tal conhecimento não apenas se

encontra à disposição, mas é necessário para aqueles que querem

receber a plenitude das promessas do reino. Os gnósticos

declaravam que todos os que possuíam esse conhecimento

espiritual mais elevado formavam uma classe especial de

pessoas. De modo semelhante, as afirmações que Hagin faz de

conhecimento de revelação colocam suas visões e interpretações

numa categoria de conhecimento superior e isolada. Essa idéia, a

princípio, exerce atração, porque todos nós queremos ter

orientação segura na vida. Mas, uma vez que se aceite o

dualismo, não há mais regras que limitam nem critérios pelos

quais as afirmações verdadeiras possam ser diferenciadas das

falsas. Quem aceita que alguns profetas de hoje possuem

conhecimento especial não tem como verificar ou julgar seus

ensinos ou os de qualquer pessoa ou grupo que apareça, dizendo

saber mais coisas sobre Deus. Por exemplo, como Hagin

argumentará contra um profeta que surja daqui a cinco anos

dizendo que também recebeu visões de Jesus, o qual lhe ensinou

algo completamente diferente e, é lógico, muito melhor do que a

doutrina da prosperidade? Por isso o protestantismo tem sempre

se mantido firme contra supostas revelações fora da Bíblia.

Hagin não parece ter consciência do fato de sua distinção entre

conhecimento sensorial e de revelação causar o surgimento de

uma classe de profetas autonomeados que interpretam a Bíblia e

a vontade de Deus para os leigos. Nesse ponto, as alegações de

revelação especial ou de orientação divina feitas por Hagin

Page 189: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

colocam-se em oposição direta aos reformadores, os quais

insistiam em dizer que o conhecimento de Deus deve se limitar à

Bíblia e está à disposição de todos os cristãos para ser estudado e

crido.

Por fim, encerramos essa discussão, observando que o argumento

de Hagin simplesmente não faz sentido. Analise como um todo

as afirmações que ele faz quanto ao conhecimento. Ele nega o

valor de qualquer tipo de raciocínio ou argumento contra a

revelação e também nega à mente qualquer papel na percepção

da realidade espiritual. Mas, sem nossa razão e nossos sentidos,

como entendemos ou conhecemos qualquer coisa que seja sobre

Deus e seu reino? Veja por um momento algo que tomamos por

certo ao ler a Bíblia. Como isso pode ser feito, sem nossos olhos

e sem a capacidade que a mente tem de interpretar o que vemos?

Como poderíamos sequer perceber ou entender o que lemos?

Como, então, nosso espírito poderia ser tocado com os ensinos da

Bíblia? A mesma linha de questionamento estende-se a cada área

da racionalidade humana. Sem a lógica, como ordenamos nossos

pensamentos para orar ou pregar? Sem o uso da mente, que

processos mentais existem que nos permitam pensar em Deus e

contemplar as coisas do reino ou mesmo decorar versículos?

Hagin é incoerente nesse ponto também, pois seus próprios livros

demonstram ordem e, portanto, lógica. A divisão que ele faz do

conhecimento humano, atribuindo-lhe aspectos superiores e

aspectos inferiores, simplesmente não funciona.

2.1 A Orientação Espiritual

Este é o local apropriado para fazermos uma digressão

momentânea e analisar a orientação espiritual, pois ela faz parte

do tema mais amplo do conhecimento propriamente dito. Muita

Page 190: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

coisa que se diz hoje nos púlpitos da prosperidade sobre a

orientação do Espírito baseia-se no dualismo entre raciocínio

espiritual e atividade mental normal. Hagin, por exemplo, alega

que todos os cristãos podem receber visões e ser guiados pelo

Espírito, por meio da voz interior. "Vamos aprender que Deus

orienta todos os Seus filhos, primariamente, por um testemunho

interior" (Dirigido, 46). Ele não hesita em dizer que essa voz

interior é um guia totalmente confiável.

A sua consciência e um guia seguro? Sim, se o seu espírito

se tornou novo homem em Cristo. Porque a sua consciência

é a voz do seu espírito... se seu espírito é um novo homem

que tem nele a Vida e a Natureza de Deus, é um guia

seguro. (Dirigido, 51.)

A maior alegação que se pode fazer a favor da luz e direção

interiores é aquela que diz que os estímulos e impressões da

mente do cristão são idênticos à voz do Espírito de Deus.

Crucial para uma opinião dessas é o pressuposto de que o espírito

humano não está corrompido. Quaisquer que sejam as condições

das partes física e mental, sua natureza espiritual está de acordo

com Deus. Hagin ensina exatamente isso:

O nosso espírito torna-se criatura totalmente nova em

Cristo Jesus. Nossa alma, no entanto, pode ser renovada ou

restaurada... (Dirigido, 23.)

Não é o homem interior do cristão que quer praticar o mal

— é o homem exterior. Você deve saber distinguir se é a

carne que quer fazer alguma coisa, ou o espírito. (Dirigido,

95.)

Page 191: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

O espírito do homem é a parte do homem que nasce de

novo. É a parte do homem que recebe a Vida Eterna, que é

a Natureza e a Vida de Deus... Não é a alma que nasce de

novo. A salvação da alma é um processo. (Dirigido, 21.)

Meu espírito não me dirá alguma coisa errada. Tem nele a

Natureza de Deus, a Vida de Deus, o Amor de Deus e o

Espírito de Deus... Tudo quanto seu espírito lhe disser será

certo. (Dirigido, 97; veja também Espírito, 29.)

Mas como o cristão pode saber se a voz interior que ele ouve é

verdadeiramente o Espírito de Deus? Não poderia ser aquela a

voz de sua natureza inferior e não completamente redimida?

Hagin responde, dizendo que, para o cristão, não se faz

necessária nenhuma distinção entre seu espírito e a orientação

direta do Espírito de Deus.

Alguém poderia perguntar: "Como posso perceber se é o

meu próprio espírito, ou o Espírito Santo que está me

mandando fazer alguma coisa? O espírito do homem é a

lâmpada do Senhor. "Mas pode ser apenas o próprio-eu

querendo fazer algo." Defina seus termos. Se com o

"próprio-eu" você quiser dizer a carne, é lógico que nem

sempre pode obedecer a carne. Mas se com o "próprio-eu"

você quiser dizer o homem interior, o verdadeiro eu então

está tudo bem. Vá adiante e faça o que ele quer que você

faça. Se o seu espírito é nova criatura em Cristo... não vai

mandar que você faça algo que não está certo. (Dirigido,

95; veja também 33, 47, 81, 100; Limiares, 110;

Crescimento, 61.)

Page 192: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

No capítulo dois vimos histórias que Hagin conta sobre pessoas

que obedeceram à voz interior e ficaram ricas. Ele atribui seu

grande sucesso no ministério à sua prontidão em seguir a voz

interior e incentiva outros a fazerem o mesmo. Ele conta o

episódio em que perguntou a um amigo, "um ministro muito

bem-sucedido", a causa do sucesso dele, tendo recebido a

seguinte resposta: "Sempre sigo as minhas premonições mais

profundas". Hagin explica isso com as seguintes palavras:

O que [ele) queria dizer? Estava simplesmente dizendo:

"Sempre escuto o meu espírito. Faço o que o meu espírito

me manda fazer. Sigo aquele testemunho interior." O

testemunho interior é tão sobrenatural quanto a orientação

mediante visões, etc.; só que não é tão espetacular.

(Dirigido, 35.)

A idéia de que a consciência do cristão é um guia seguro para a

verdade e na tomada de decisões é muito popular nos dias de

hoje, mas, é claro, este não é o ponto de vista da Bíblia. Em

primeiro lugar, a Bíblia diz que a natureza do homem e decaída:

corpo, alma e espírito. Portanto, nem o coração nem o sentimento

revelam-se totalmente confiáveis. De todas as passagens na

Bíblia que advertem contra os caprichos do coração humano,

Jeremias 17.9 é a que dá a expressão mais sucinta a isso, em

forma de pergunta retórica: "Enganoso é o coração, mais do que

todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o

conhecerá?" A pergunta de Jeremias continua válida nos dias de

hoje. Como podemos distinguir entre a orientação do Espírito de

Deus e as impressões do coração humano, as quais variam do

sublime ao ridículo?

Page 193: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

A resposta não é fácil, pois precisamos colocar um pouco de

confiança na capacidade de raciocínio de nossa mente e garantir

o lugar essencial dos sentimentos, atuando junto com a fé, para

contemplarmos o reino de Deus. O problema aparece quando as

pessoas supervalorizam os sentimentos e deixam de diferenciá-

los dos impulsos que realmente procedem do Espírito. A

adoração vigorosa, seja na igreja ou em particular, sempre

desperta emoções e, em algumas pessoas, estimula em suas

mentes a percepção de visões de todos os tipos. Em certos casos

essas impressões são tão reais que parece que a pessoa foi levada

ao céu e discutiu alguns assuntos com o próprio Senhor. Nem

sempre é preciso atribuir isso ao diabo. Contudo, não há

necessidade de supor que essas visões têm a mesma natureza das

visões de Paulo ou dos profetas. A natureza humana, debaixo de

emoções intensas, especialmente aquelas provocadas pela

adoração a Deus, pelo arrependimento de pecados ou por pedidos

de oração ansiosamente desejados é tudo que se precisa para

explicar esses fenômenos. O mesmo se aplica às impressões e

orientações de todos os tipos.

Em segundo lugar, aquilo que sentimos ser verdade nem sempre

está de acordo com a verdade. Isso vale principalmente para a

esfera das emoções. Os sentimentos isolados dificilmente

constituem um guia seguro para qualquer escolha importante na

vida. William James foi um famoso psicólogo e estudioso das

religiões mundiais que viveu no início do século XX. Depois de

estudar durante toda a sua vida a experiência religiosa, ele

escreveu o seguinte sobre a orientação do espírito:

Aquilo que de imediato parece o "melhor" nem sempre é

mais "verdadeiro", quando avaliado pelo veredicto do resto

da experiência. Isso é provado pelo exemplo clássico da

Page 194: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

diferença entre o Filipe bêbado e o Filipe sóbrio. Se

simplesmente "sentir-se bem" fosse o critério para a

decisão, a embriaguez seria a experiência humana de valor

supremo. Mas suas revelações, por mais satisfatórias que se

mostrem no momento, são inseridas num ambiente que se

recusa a corroborá-las por qualquer período de tempo. A

conseqüência dessa discrepância dos dois critérios é a

incerteza que ainda prevalece sobre tantos de nossos

julgamentos espirituais. Há momentos de experiência

mística e sentimental... que, quando surgem, trazem junto

um enorme sentimento de autoridade e iluminação

interiores. Mas eles raramente acontecem e não acontecem

para todos; e o restante da vida ou se desliga deles ou tende

a contradizê-los mais do que confirmá-los. (James, 1902,

17.)

Resumindo, sentimentos vêm e vão e raramente têm alguma

ligação firme com a realidade, especialmente a do lado espiritual

da vida. Portanto, não devemos segui-los ingenuamente, sem

reflexão cuidadosa, como se fossem auto-suficientes para nos

orientar em alguma decisão importante.

Em terceiro lugar, um erro muito comum entre os cristãos é

pensar que um sinal ou maravilha, ou mesmo uma orientação

espiritual, vem sempre de Deus e de seu Espírito. Quase nunca o

conteúdo de um sinal ou ato poderoso nos informa sua origem.

Não há nenhuma ligação visível entre o milagre ou a orientação e

o espírito que lhe deu origem, seja ele humano, satânico ou

divino. Se houvesse, não aconteceriam enganos na esfera

espiritual nem haveria necessidade de testar os espíritos, segundo

João avisa (1 Jo 4.1).

Page 195: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Em outras palavras, os seres humanos deixam-se enganar

facilmente pelas aparências. Na Bíblia, essa ingenuidade sobre a

verdade espiritual é vista atuando nas duas direções. Por um lado,

há muitos exemplos de pessoas que seguiram deuses estranhos e

seus profetas que, sem dúvida, operavam sinais e maravilhas para

convencer os outros quanto às suas alegações. Essas maravilhas

eram erroneamente aceitas como prova suficiente de que o

profeta era um legítimo representante de Deus. Por outro lado, os

fariseus que viram Jesus curar o braço atrofiado de um homem

não foram capazes de admitir que aquilo era um sinal verdadeiro

da presença do Filho de Deus (Mc 3.1-6). No final, acabaram

atribuindo o poder de operar maravilhas ao diabo (Mc 3.22). Só

podemos concluir que o aspecto externo do milagre não traz

consigo nenhum sinal confiável da fonte de seu poder.

Por essa razão, o engano espiritual é um tema importante na

Bíblia. Jesus avisou que, nos últimos dias, surgiriam falsos

cristos e falsos profetas fazendo grandes sinais e maravilhas (Mt

24.24; veja também 2 Ts 2.9-10; Ap 13.13). Paulo disse que

nossa mente é obscurecida por Satanás (2 Co 4.4; Tt 3.3; Hb

3.13). Uma falha séria da doutrina da prosperidade está em não

reconhecer Satanás como um enganador conceptual. Ouve-se

muito sobre o poder que Satanás tem para reter as bênçãos na

área de finanças e causar enfermidades e doenças, mas a obra que

ele realiza não pode se limitar somente a isso. O poder de Satanás

também se estende às doutrinas, fazendo com que aquilo que é

falso pareça verdadeiro e vice-versa. Apesar de todo o destaque

que o ensino da prosperidade confere a Satanás como fonte do

mal, não se menciona sequer uma palavra de advertência contra o

engano no campo dos ensinos e das visões.

Page 196: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Portanto, é melhor ter muita precaução em assuntos de orientação

espiritual. Só porque uma pessoa é influenciada por impressões

na mente, isso não quer dizer que a fonte delas seja o Espírito

Santo. Há muitos espíritos falsos que influenciam a mente das

pessoas. Além disso, algumas têm sentimentos fortes e

personalidades sensíveis, revelando-se mais susceptíveis a

impressões de vários tipos, tanto temporais quanto espirituais.

Assim como alguém que dorme tem sonhos dos quais não é o

autor consciente, muitas pessoas, de forma semelhante, são

objetos de impressões involuntárias mesmo quando estão

acordadas. Também é possível que a pessoa receba impressões

na mente a partir da influência comum do Espírito de Deus sobre

a humanidade (Hb 6.4, 5). Muitas pessoas referidas pela Bíblia

foram iluminadas e tiveram experiências com o Espírito, mas,

mesmo assim, continuaram estranhas às coisas que acompanham

a salvação. A conclusão a que chegamos é esta: deve-se usar de

muita precaução quando se segue a orientação interior de

alguém, mesmo que seja a nossa ou a de algum profeta de Deus

autonomeado.

3. O Dualismo na Salvação

Deixamos agora as opiniões dualistas de Hagin sobre a natureza

humana e acerca do conhecimento para olharmos sua

compreensão da expiação de Cristo na cruz. Nesse ponto, em

vista de suas pressuposições dualistas, Hagin ensina de forma

coerente que, pelo fato de a natureza humana ser basicamente

espiritual, a expiação também teve um aspecto espiritual. O

sofrimento físico de Cristo podia fazer expiação por nossa

natureza física, mas nosso espírito precisava de algo mais. A

conclusão é de que Jesus morreu duas vezes, uma fisicamente e

Page 197: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

outra espiritualmente. Afirma-se que isso aconteceu em duas

etapas. Primeira, Cristo sofreu e teve a morte física na cruz.

Então, ele desceu para o inferno, onde sofreu e morreu

espiritualmente.

O apoio exegético para a "morte dupla" de Cristo encontra-se em

Isaías 53.9, onde se diz que "designaram-lhe a sepultura com os

perversos, mas com o rico esteve na sua morte". Observa-se que,

nesse versículo, a palavra hebraica equivalente a "morte"

encontra-se no plural, a partir do que se deduz que Jesus morreu

duas vezes.

Uma vez que Jesus foi feito pecado por nós, Ele teve de

pagar a pena do pecado. Ele teve de morrer espiritual e

fisicamente, o que o levou às regiões dos condenados...

Isaías 53.9 afirma: "designaram-lhe a sepultura com os

perversos... com o rico... na sua morte"... A palavra "morte"

no original hebraico está literalmente no plural. Jesus

passou por duas mortes. Ele morreu física e

espiritualmente. Ao ser feito pecado, ele foi separado de

Deus... Jesus passou três dias e três noites horríveis nas

entranhas dessa terra, readquirindo os direitos e a

autoridade dos homens, ao pagar o preço do pecado

humano. (Copeland, 1983, 35.)

Além disso, Cristo não somente morreu duas vezes, mas sua

natureza foi transformada na natureza de Satanás. Realmente

aconteceram duas transformações. A ordem é esta: primeiro,

Jesus foi para a cruz com sua natureza divina intacta. Depois, na

hora em que ele pergunta a Deus por que o havia desamparado,

ele assumiu a natureza satânica, a mesma do homem decaído. Por

fim, depois que a expiação estava encerrada tanto no aspecto

Page 198: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

físico quanto espiritual, a natureza divina de Jesus lhe foi

restaurada. Hagin chega a essa conclusão em seus comentários

sobre Atos 13.33 e pela frase "hoje eu te gerei".

Por que precisava de ser gerado, ou de nascer? Porque Se

tornou como nós éramos; separado de Deus. Porque provou

a morte espiritual por todos os homens, Seu espírito, Seu

homem interior, foi para o inferno em nosso lugar... A

morte física não removeria os nossos pecados. Provou a

morte por todo homem — a morte espiritual... A morte

espiritual significa ter a natureza de Satanás... Lá embaixo

na masmorra do sofrimento — lá nos fundos do próprio

inferno — Jesus satisfez as reivindicações da Justiça para

todos nós. (Nome, 25, 26, 28.)

A conclusão de Hagin é de que Jesus foi o primeiro a nascer de

novo, e todos os que crêem passam pelo mesmo processo de

transformação das naturezas.

Em resposta a isso, observamos primeiramente que em nenhum

lugar a Bíblia faz qualquer insinuação de que Jesus sofreu depois

de morrer na cruz. Um estudioso da Bíblia muito cuidadoso

estudou a seqüência dos eventos na cruz e chegou a conclusões

muito diferentes das de Hagin. Estudando as palavras de Jesus,

ele observa que apenas alguns momentos depois do grito de

abandono do Senhor, "meu Deus, meu Deus, por que me

desamparaste", é que foram ouvidas as palavras "tenho sede".

Isso parece indicar que havia chegado um momento crítico. A

sensação de abandono espiritual e a agonia parecem ter chegado

ao fim, e as palavras de Jesus indicam que ele havia voltado sua

atenção para as necessidades físicas. Se esta interpretação é a

Page 199: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

correta, ela mostra que o sofrimento verdadeiro havia terminado.

Edersheim escreve o seguinte:

É provável que, depois do grito do salmo 22, que marcou o

auge de sua agonia, não tenha passado mais de um minuto

ou dois, até que as palavras "tenho sede" parecem indicar,

pelo predomínio do aspecto meramente humano do

sofrimento, que o outro aspecto mais terrível, de carregar

os pecados e do abandono de Deus, havia terminado.

Portanto, para nós, esse parece o começo, se não da

Vitória, pelo menos do Descanso, do Fim. (Edersheim,

607.)

Ao aceitar o vinagre, Jesus parece estar consciente de que o fim

de seu sofrimento está próximo, pois então ele diz: "está

consumado". Esse grito não é de desespero, mas de realização.

Os outros evangelistas confirmam essa interpretação. Mateus

27.50 diz: "E Jesus, clamando outra vez com grande voz,

entregou o espírito". Da mesma forma, João 19.30 registra:

"Quando, pois, Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado! E,

inclinando a cabeça, rendeu o espírito". Lembre-se também de

que Jesus disse ao ladrão da cruz: "Em verdade te digo que hoje

estarás comigo no paraíso" (Lc 23.43). Essas passagens

demonstram que Jesus morreu uma única vez na cruz, que isso

encerrou a missão para a qual ele viera e que ele terminou sua

vida com uma consciência renovada de comunhão com Deus.

Nas últimas palavras de Jesus não existe lugar para a suposição

de que ele sofreu depois daquilo ou de que a expiação não estava

encerrada.

Em segundo lugar, a frase "morte espiritual" não é encontrada em

nenhum lugar na Bíblia nem parece ser uma metáfora apropriada

Page 200: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

para expressar alguma coisa que acontece na esfera espiritual. Os

seguintes versículos podem ser consultados: Atos 20.28; Ef 1.7;

Cl 2.13-15; Hb 2.14, 15; 10.22, 23; 1 Pe 1.9; 2.24; 4.1; Ap 1.5.

Em terceiro lugar, o uso que Hagin faz de Isaías 53.9 como prova

da morte dupla de Cristo não resiste ao escrutínio, Realmente

esse versículo traz a palavra "morte" no plural, mas uma

característica da língua hebraica é colocar no plural substantivos

que devem ser destacados. Em outras palavras, o plural "mortes"

confere intensidade à palavra. Na linguagem de hoje, diríamos

que ele "realmente" morreu (Keil & Delitzsch, 1976).

Um pouco do ímpeto da crença de que Jesus sofreu no inferno

procede da frase do Credo Atanasiano que diz que Jesus desceu

ao inferno. Essa frase apareceu primeiramente em 400 A. D. e

não é encontrada em nenhum credo anterior, incluindo o dos

Apóstolos e o de Nicéia. Mesmo no Credo Atanasiano, as

palavras no original em latim são estas: "descendit ad infernos",

significando simplesmente "desceu ao mundo inferior". Uma

segunda morte não é afirmada nem insinuada.

A idéia de uma morte dupla é vagamente insinuada num pequeno

grupo de passagens: Salmos 16.10, 11; Atos 2.24-32; 13.34-37;

Rm 10.6, 7; Ef 4.8-10; 1 Pe 3.18-20; 4.6. Entretanto, nenhum

desses versículos revela clareza nesse ponto. Por outro lado, não

há nenhum indício de tal coisa em 1 Coríntios 15.3-5, onde a

essência do evangelho é declarada por Paulo: "Antes de tudo vos

entreguei o que também recebi; que Cristo morreu pelos nossos

pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou

ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas, e,

depois, aos doze". Um estudioso bíblico perspicaz escreveu o

seguinte a respeito dessa passagem:

Page 201: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Paulo, ao demonstrar a humildade de Cristo em seu mais

profundo nível de auto-rebaixamento, aponta para os

limites da humilhação com a frase "obediente até à morte, e

morte de cruz". Ele não diz "e morte espiritual" ou "e morte

eterna" ou "e morte dos condenados ao inferno". Pode-se

concluir com segurança que essas frases extremas não são

necessárias a uma declaração correta da verdadeira

doutrina, bastando que seja dito, em termos gerais, que

Cristo sofreu em corpo e alma todo o sofrimento possível a

um Ser santo. (Bruce, 347.)

Por último, precisamos nos opor ao ensino de Hagin de que a

natureza de Cristo foi transformada na de Satanás. A passagem

básica usada como apoio é 2 Coríntios 5.21, que diz: "Aquele que

não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós..." Afirma-se que

o fato de Cristo ter sido feito pecado significa que ele assumiu a

natureza satânica decaída. Uma interpretação literal dessa

passagem, é claro, não faz sentido. Cristo, um ser, não poderia se

tornar um pensamento, palavra ou ato contra Deus. Em vez disso,

essa passagem está fazendo uso de uma figura de linguagem para

expressar uma verdade espiritual. A oração "ele o fez pecado" é

uma metonímia em que um elemento abstrato é empregado em

lugar de uma ação concreta (Bullinger, 1968). A ação concreta

está em Cristo sofrer pelo nosso pecado, e a abstração está na

expressão dessa verdade por meio da frase "ele o fez pecado".

Em outras palavras, Cristo foi feito pecado no sentido de ter sido

divinamente apontado para sofrer as conseqüências penais de

nossas transgressões. O significado de que a natureza de Jesus foi

transformada em algo pecaminoso, satânico, ou de que ele de

alguma forma morreu espiritualmente, não faz nenhum sentido

nem a passagem o justifica gramaticalmente. A verdadeira

interpretação desse texto é oferecida em Isaías 53.5: "Mas ele foi

Page 202: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas

iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas

suas pisaduras fomos sarados". Cristo foi feito pecado no sentido

de que levou sobre si a pena de nossos pecados. De modo

semelhante, Gálatas 3.13 diz que "Cristo nos resgatou da

maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso

lugar", e isso não significa que ele tenha assumido uma natureza

maldita, mas que carregou sobre si a pena de nosso pecado. A. B.

Bruce diz o seguinte sobre esse aspecto da expiação:

Não obstante essa mudança, a personalidade (de Jesus)

continuou a mesma. Kenosis não significa auto-extinção ou

a metamorfose de um Ser Divino que se transforma num

simples homem. Aquele que se esvaziou é o mesmo que se

humilhou: kenosis e tapeinosis (humilhação) são dois

aspectos de uma única mente que reside no mesmo sujeito

(p. 22).

Também não faz sentido dizer que Cristo nasceu de novo para

uma nova natureza divina. Ele é o autor do novo nascimento, não

seu beneficiário (cf. Jo 1.12, 13; Gl 3.26). Ao encerrar essa

discussão, vale notar que, em cada caso, seja na natureza

humana, no conhecimento ou na expiação, o erro básico da

doutrina da prosperidade começa com sua visão dualista do

mundo. Por considerar a esfera espiritual sempre primária e mais

importante, ela procura uma realidade espiritual mais profunda

por trás de cada ensino. No caso da cruz. pressupõe-se que a

morte física não foi suficiente para fazer a expiação pela

realidade espiritual. Paulo refletiu árdua e demoradamente sobre

o evento e significado da cruz, chegando à conclusão de que não

somos salvos por meio de duas mortes, uma física e outra

espiritual, mas pelo sangue de Cristo (Cl 1.20) ou, como ele

Page 203: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

afirma dois versículos à frente, somos salvos "no corpo da sua

carne". Embora tenhamos verificado que Hagin não gosta de ser

comparado com a Ciência Cristã, negar que o sofrimento e a

morte física foram suficientes para fazer expiação pelos nossos

pecados é ensinar a mesma coisa que ela também ensina. Nos

dois casos, trata-se da espiritualização da obra de Jesus, impondo

à Bíblia um ensino que não se encontra nem está insinuado em

suas páginas.

4. O Dualismo de Deuses

Fechamos nossa análise da cosmovisão dualista dos ensinos da

prosperidade, olhando para a tendência de enxergar Satanás

como um deus oposto e quase igual a Jeová. Hagin diz que

"Satanás é o deus deste mundo. Satanás é um deus negativo.

Tudo neste mundo é negativo" (Perdida, 55.) É claro que Hagin

não quer dizer que Satanás é um deus igual ao criador do mundo

e, por essa razão, o leitor deve notar que estamos afirmando que

a teologia da prosperidade tende apenas a enxergar Satanás como

igual a Deus. Ela realmente não ensina que seja assim.

Entretanto, essa é uma tendência forte e ocorre em dois sentidos

distintos. Primeiro, Satanás é acusado de todos os problemas,

sofrimentos e aflições na vida.

Deus não é o deus deste mundo. 2 Coríntios 4.4 chama

Satanás de o deus deste mundo. E as leis que hoje governam

a Terra vieram a existir, em grande medida, com a queda

do homem e a maldição sobre a Terra. É porque as pessoas

não entendem isso que acusam Deus de acidentes, de

doenças, da morte de entes queridos, de tempestades, de

catástrofes, de terremotos, e de inundações. Deus não é

Page 204: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

responsável por nenhuma dessas coisas, nem é autor delas.

(Perdida, 9, 10.)

Kenneth Copeland, herdeiro provável de Hagin nos Estados

Unidos, concorda, dizendo:

Seu inimigo não são as outras pessoas. Satanás é a fonte de

todos os seus problemas. Algumas pessoas acreditam que

Deus envia provas e tribulações. Mas ele forneceu as armas

e a armadura que nos livram dos problemas! Satanás é o

criador de problemas! Não Deus! Nem seu vizinho! Nem

seu colega de trabalho! (Copeland, 1983, 22.)

Por causa de sua condição de deus deste mundo, exaltamos o

diabo sempre que estamos doentes, duvidamos ou falhamos em

viver uma vida vitoriosa.

Nas vidas individuais, a mesma verdade é aplicável. Muitos

cristãos nascidos de novo e cheios do Espírito vivem num

baixo nível de vida, vencidos pelo diabo. Na realidade,

falam mais no diabo do que em qualquer outra coisa. Cada

vez que contam uma desventura, exaltam o diabo. Cada vez

que contam quão doentes se sentem, exaltam o diabo (ele é

o autor das doenças e das enfermidades — e não Deus).

Cada vez que dizem: "Parece que não vamos conseguir",

exaltam o diabo. (Nome, 19.)

Até a própria morte é colocada aos pés de Satanás:

Devemos nos lembrar que a morte física não é de Deus, é

do inimigo. (Autoridade, 55.)

Page 205: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

É o diabo quem é o autor da morte, e não Deus.

(Crescimento, 43.)

Em segundo lugar, afirma-se que Satanás é a origem da natureza

humana decaída. Copeland diz que quando Adão pecou, ele

morreu espiritualmente e recebeu a natureza de Satanás.

Adão fez sua escolha. As conseqüências dela afetaram toda

a raça humana. O homem perdeu a vida e a natureza de

Deus... Desde Adão, a natureza de Satanás é passada a

cada membro da raça humana. Satanás tornou-se o

padrasto ilegítimo da humanidade. (Copeland, 1983, 34.)

A morte espiritual significa possuir a natureza de Satanás,

assim como receber a vida eterna significa que temos em

nós a natureza de Deus. Quando Adão e Eva prestaram

ouvidos ao diabo... o homem passou a estar unido ao

diabo... O homem é espiritualmente um filho do diabo, e

participa da natureza do seu pai. (Redimidos, 29, 30; veja

também Crescendo, 106.)

Até hoje, a natureza humana sem redenção continua satânica.

Somente por meio da conversão o homem pode ser transformado

e ocupar seu lugar de direito como participante da natureza de

Deus.

Algumas pessoas acham que a vida eterna é a vida que

terão quando chegarem ao céu. A vida eterna, no entanto, é

algo que possuímos agora mesmo! A vida eterna é a vida de

Deus. É a vida do tipo de Deus. A vida eterna é a natureza

de Deus, que entra em nosso espírito para nos recriar e nos

transformar em nova criatura; para transformar a nossa

natureza. Então, temos dentro em nós a natureza de Deus...

Page 206: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Deus é Espírito. O homem, que foi feito à imagem e

semelhança de Deus, também é uma criatura espiritual. Ele

está na mesma classe de existência que o próprio Deus.

(Espírito, 8, 13.)

Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância

(João 10.10). A palavra grega traduzida por "vida" neste

versículo é zoe. Zoe é a própria vida de Deus... Já sabemos,

portanto, que o homem é espírito. Sendo espírito, encontra-

se na mesma categoria de Deus, porque Deus é espírito... A

vida eterna que Ele me proporcionava era a sua própria

natureza... A corrupção da qual escapamos é a morte

espiritual; é a natureza satânica. Agora, porém, tornamo-

nos participantes da natureza divina: a vida de Deus está

em nós... aprendemos que a vida eterna é a natureza de

Deus; e, que se tomar filho de Deus significa participar da

natureza divina e da vida eterna. Quando recebemos a vida

eterna, a natureza satânica retira-se de nós. (Zoe, 9, 15, 28,

39, 40.)

Como resposta, devemos dizer, em primeiro lugar, que Satanás é

poderoso, mas ele não é igual a Deus nem o senhor intocável da

morte e destruição. Houve vezes em que Satanás recebeu poder

para matar as pessoas. Mas ele não é a origem da morte nem

pode exercer seu poder à toa. Se assim fosse, há muito tempo ele

teria destruído toda a raça humana. Pelo contrário, a Bíblia é

clara em afirmar que somente Deus é a origem da morte, a qual é

a punição pelo pecado (Gn 3; Rm 5). Jesus advertiu seus

discípulos para que não temessem o mal mas somente a Deus,

que tem poder sobre a morte e o inferno (Lc 12.5). No fim, Deus

se revelará Senhor sobre a morte e sobre o diabo, e ambos serão

destruídos (Ap 20).

Page 207: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Em segundo lugar, a doutrina da prosperidade acusa Satanás de

todos os problemas do mundo, desde dores de cabeças, divórcio,

imoralidade, até desemprego. Culpar os outros por nossos

problemas é conveniente, pois reduz nossa responsabilidade.

Essa atitude também é emocionalmente satisfatória, porque,

quando se responsabiliza Satanás, reconhece-se a existência da

culpa, mas a responsabilidade é retirada. Mas a Bíblia sempre

coloca sobre o homem a responsabilidade pelo pecado e pela

maldade. Adão e Eva escolheram livremente o mal, e todos nós

os acompanhamos nessa escolha. Além disso, não precisamos do

diabo para explicar muito daquilo que está errado na vida. Basta

olharmos para dentro de nós, para nossa natureza pecaminosa,

fonte de tantos problemas no mundo.

Em terceiro lugar, a Bíblia ensina que Deus detém o controle

soberano sobre aquilo que Satanás pode fazer. A história de Jó

revela isso da maneira mais clara possível. Vemos ali o poder de

Satanás sobre o homem, para ferir e matar e, ainda assim, fica

evidente que ele não podia fazer nada sem a permissão de Deus.

O diabo oprime (Jó 1.2; 2.6, 7; Lc 13.16; At 10.38), mas somente

na medida em que recebe permissão divina. Às vezes, Deus lhe

dá autoridade para matar, mas isso não é um direito absoluto

dele. O próprio Satanás é um ser finito, criado pela vontade de

Deus e, portanto, como todas as outras criaturas, deve sua

existência ao próprio Deus (Ez 28.15). Somente Deus é auto-

existente. Isso significa que a idéia de que o homem participa de

duas naturezas, satânica e divina, é pura fantasia e está

duplamente errada. Por um lado, isso exigiria que Satanás tivesse

poderes para criar por si próprio, como se fosse Deus e não uma

criatura que lhe deve sua existência. Em lugar disso, a Bíblia é

muito clara em afirmar que a natureza humana teve sua origem

em Deus, criada à imagem dele, e essa imagem permanece

Page 208: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

mesmo depois da queda (Gn 9.6). A imagem foi danificada pelo

pecado de Adão, mas não erradicada. Calvino disse que, depois

da queda, a imagem de Deus estilhaçou-se no homem, à

semelhança de um espelho quebrado. Mas, mesmo assim, o

reflexo de Deus pode ser visto numa imagem distorcida dentro

do homem (Calvino, 1985). Se a imagem de Deus tivesse sido

substituída por uma natureza satânica, não haveria qualquer

reflexo dela. Pelo contrário, restaria apenas uma pequena

diferença entre os homens e os demônios. Em nenhum lugar a

Bíblia insinua que a natureza humana seja semelhante à dos

anjos, sejam eles divinos ou decaídos.

Por outro lado, a natureza do homem restaurado pela redenção

não é divina. Salvação não é deificação. Em Cristo seremos

restaurados a tudo que se pretendia que Adão fosse (1 Co 11.7),

mas, mesmo glorificados na presença de Deus, continuamos

sendo criaturas (2 Co 5.17), não pequenos deuses em

desenvolvimento, conforme crêem os mórmons. Em Cristo, o que

é restaurado no homem é a imagem de Deus, não o próprio Deus.

O novo homem em Cristo continua sendo humano (Ef 2.10). Por

fim, como observamos acima, a experiência de Cristo não é um

padrão para a nossa, pois Cristo assumiu nossa natureza, mas nós

não assumimos a dele.

Como comentário final nessa divisão, observaremos uma

segunda ironia profundamente arraigada na doutrina da

prosperidade, desta vez sobre o poder e posição de Satanás. Por

um lado, ele é acusado de tudo que dá errado na vida. Parece que

seu poder e influência não têm limites. Ele é tanto o deus deste

mundo como a origem da natureza humana decaída. Por outro

lado, apesar do enorme poder de Satanás, afirma-se que é fácil

remover sua influência da vida daquele que crê. Este é o alicerce

Page 209: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

emocional de muita coisa que se prega nas igrejas da

prosperidade. Dentro de um ambiente de grande espetáculo, o

diabo é expulso e recebe ordens para sair, presumindo-se assim

que os problemas da vida do indivíduo estão resolvidos. Observe

como Hagin, citando as palavras de E. W. Kenyon, torna fácil o

descartar-se de Satanás, dizendo que "no momento em que

confesso que Satanás colocou em mim uma doença ou

enfermidade, exatamente naquele momento, Ele/ Deus/ é fiel e

justo para curar-me, e estou curado" (Nome, 119). De modo

semelhante, R. R. Soares conta a história de um homem que

estava enfrentando problemas em sua propriedade. Ele

determinou que se livraria da perseguição de Satanás e, tão logo

tomou essa decisão, aquilo realmente aconteceu. Segundo

conclusão de R. R. Soares, "isto é fácil" (Soares, 1987, 24).

Parece profundamente irônica a facilidade com que o deus deste

mundo, com sua intenção de ferir e destruir, é impedido de

influenciar a vida de alguma pessoa.

5. O Problema do Mal

Uma das questões centrais que qualquer teologia deve enfrentar é

a razão da existência do mal no mundo. Por que coisas ruins

acontecem às pessoas boas, até para cristãos que vivem no centro

da vontade de Deus? Antes de encerrar nossa análise e resposta à

teologia da prosperidade, vale a pena olhar brevemente para a

resposta oferecida por ela. De fato, não se trata de uma resposta,

mas, sim, de uma negação de que o problema surja na vida

daquele que crê. Segundo a doutrina da prosperidade, não há

razão por que o cristão não esteja sempre bem e prosperando. Ele

pode sofrer um pouco, mas isto são apenas vales entre as

montanhas de saúde e prosperidade. Aqueles que passam por

Page 210: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

problemas e enfermidades têm somente a si para culpar: ou estão

em pecado ou desconhecem seus direitos ou não têm fé

suficiente. Portanto, o problema do mal não existe para o cristão

vitorioso que conhece seus direitos e deles se apropria. A

intenção dessa divisão é mostrar que essa resposta ao problema

do mal é totalmente inadequada, fornecendo um breve esboço da

solução tradicionalmente oferecida pelo cristianismo.

Nosso ponto de partida é a observação de que problemas e

enfermidades fazem parte da vida de cristãos e de não-cristãos.

Hagin e os pregadores da prosperidade dão a entender que o

cristão pode viver fora do mundo, acima dos problemas dos

outros homens. Mas é óbvio que isso não é assim. Doença e

pobreza fazem parte do mundo que conhecemos e, nesse aspecto,

não há diferença entre cristãos e não-cristãos. Assim como

estamos sujeitos à lei da gravidade, também estamos debaixo dos

efeitos da ordem natural das coisas. Tanto para cristãos quanto

para não-cristãos, trabalhar é difícil, e não é fácil enfrentar as

contas e a idade de nosso corpo, à medida que envelhecemos.

Quando chove na praia, a chuva cai igualmente sobre cristãos e

não-cristãos. Quando o inverno é rigoroso, o frio atinge a todos.

Todos nós, cristãos ou não, estamos sujeitos a acidentes e

desastres naturais de todos os tipos.

A mesma igualdade de existência aplica-se ao mundo humano da

interação social. Os cristãos não estão isentos das condições

políticas e sociais da época e cultura em que vivem. Isso pode ser

facilmente provado, se olharmos para qualquer período da

história humana. Se quisermos ser dramáticos, poderíamos

apontar para as ondas de perseguição que varreram o império

romano nos primeiros dois séculos da igreja. Milhares de cristãos

foram pegos no meio dessas decisões políticas. A fé que eles

Page 211: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

tinham não impediu que os dentes dos leões nos coliseus

romanos fossem afiados e mortais. Observe o negro norte-

americano dos séculos XVIII e XIX, nos Estados Unidos. É fato

histórico que aqueles escravos aceitaram o cristianismo em

grupos numerosos. Eles são conhecidos por uma fé simples,

porém forte. Mas a fé não os livrou da vida de escravidão. Hoje

também, o cristão que vive na Bósnia ou na Somália sofrerá

igualmente os efeitos das guerras que estão despedaçando

aqueles países.

Portanto, a questão do mal não desaparecerá, se simplesmente

dissermos que ela não se aplica aos cristãos. A história e a

experiência não permitiriam uma resposta tão fácil. O problema

em si é extremamente profundo e exigente. O curso da história e

de nossa própria vida quase sempre parece sem sentido, ambíguo

e, às vezes, cruel. Raras são as vezes em que conseguimos

harmonizar aquilo que vemos na vida com aquilo que

aprendemos sobre Deus na Bíblia. A vida e a história fariam mais

sentido, se enxergássemos em Deus não um ser santo, mas

alguém dado a caprichos.

Na Bíblia, a inclusão de livros como Eclesiastes, Habacuque, Jó e

do salmo 73 prova a profundidade do problema e a luta de

homens fiéis à procura de uma resposta para ele. Será que Deus

não sabe que não existe justiça no mundo? Será que ele não sabe

que o mal prospera e que o justo sofre? pergunta Asafe. O

homem piedoso pode encontrar na vida um significado melhor do

que aquele que o pagão encontra, já que todos parecem ter o

mesmo destino? pergunta Salomão. Por que Deus permite que a

nação escolhida sofra, enquanto o mal recebe mais e mais poder?

pergunta Habacuque. Por que eu, crente fiel e servo do Altíssimo,

preciso sofrer sem motivo? protesta Jó. Cada uma dessas

Page 212: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

perguntas é uma acusação formal à maneira de Deus conduzir o

mundo.

Então, o ponto inicial é que o evangelho da prosperidade oferece

apenas a resposta mais ingênua e infantil à questão do mal e do

sofrimento no mundo. Hagin raciocina como se fosse uma

criança, dizendo com efeito: "Vou ignorar o que há de mau,

porque isso não se aplica a mim". Deixemos o ensino da

prosperidade e olhemos brevemente, em primeiro lugar, algumas

respostas que os autores bíblicos oferecem ao problema. No

fundo, a pergunta é essa: por que sofremos, se Deus realmente

nos ama? Em segundo lugar, analisaremos a resposta fornecida

por Agostinho, a qual, desde então, tem sido seguida pela igreja.

O Problema do Mal em Jó, em Asafe e nos Evangelhos

Jó e seus amigos oferecem uma resposta à complexa questão do

mal no mundo. O argumento dos três amigos de Jó, Bildade,

Elifaz e Zofar, tem importância especial em nossa discussão aqui,

pois é bastante parecido com o de Hagin. Em essência, o

argumento era que o homem recebe aquilo que merece na vida. O

justo será abençoado, e o mau irá sofrer. Há justiça nos dois

casos. Isso tem só um significado: se Jó estava sofrendo, ele não

era justo.

Parece que Hagin não tem a menor consciência de que está

usando o mesmo tipo de raciocínio. A história de Jó aparece

várias vezes em seus escritos, mas em todos os casos a atenção

está no fato de que Jó foi curado ou de que ele era próspero.

Hagin diz que poderíamos ser abençoados se fôssemos como Jó,

pois, então, seríamos prósperos. Penso no que Jó acharia dessa

avaliação de sua vida.

Page 213: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

O problema com o argumento de Bildade, Elifaz e Zofar e que

Deus já havia classificado Jó como justo, no início da provação

(1.8). Portanto, seu sofrimento não tinha nada a ver com seu

pecado, sua ignorância ou sua falta de fé — os três elementos aos

quais a doutrina da prosperidade atribui os problemas na vida do

cristão. Jó estava sofrendo na condição de inocente. Além disso,

sua fé robusta e sua vida íntegra eram a base do teste pelo qual

ele estava passando. Portanto, a causa de seu sofrimento não era

seu pecado, mas sua justiça. Isso vai em cheio contra o

argumento dos amigos de Jó. No caso dele, a fé não evitou a

doença, mas, na verdade, ocasionou-a.

O fim da história de Jó mostra que ele manteve sua fé e deu

glória a Deus. Por essa razão, ele é mencionado por Deus como

um dos três maiores homens, junto com Noé e Daniel (Ez 14.14,

20). Seus amigos foram condenados por não entenderem as

coisas da maneira certa, e Jó orou em favor deles, pedindo que

fossem poupados. No caso de Jó, o mínimo que se pode dizer é

que o justo pode sofrer de acordo com a vontade de Deus, que

pode ser glorificado em tal sofrimento. Qualquer resposta ao

problema do mal que negue essa verdade não pode ser

plenamente bíblica.

Jó não é o único homem que sofreu inocente ou injustamente. No

salmo 73, a queixa de Asafe é no sentido de que ele é um homem

justo que está sofrendo, enquanto o perverso prospera. Ele se

queixa amargamente, dizendo que isso é uma injustiça. Se ele

tivesse parado aí, seu pensamento jamais teria se tornado um dos

salmos de sabedoria. Mas Asafe percebe que não está

raciocinando da forma certa e, então, deixando de lado sua

queixa no versículo 3, passa a ponderar que a fé não traz

prosperidade nem o mal tem retribuição nessa vida. O acerto de

Page 214: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

todas as contas aguarda o julgamento e a vida do futuro. Asafe

percebe, então, que, a longo prazo, na perspectiva da eternidade,

o que importa é a fé e a fidelidade a Deus, apesar da injustiça da

ordem presente.

Mesmo com os relatos canônicos de Jó e Asafe, os judeus não

entenderam bem por que o inocente sofre, enquanto o perverso

prospera. Vemos que os discípulos de Jesus fizeram uso do

mesmo raciocínio equivocado de Bildade, Elifaz e Zofar. Eles

achavam que as coisas ruins aconteciam às pessoas porque elas

as mereciam e que a riqueza vem para aqueles que são justos.

Jesus corrigiu essa idéia em duas passagens diferentes. Em Lucas

13.1-5, ele se refere aos 18 homens que morreram num acidente

de construção. Eles morreram por serem pecadores? Jesus diz

que não. Não podemos raciocinar dessa forma. Todos nós somos

pecadores, e acidentes, problemas e sofrimentos sobrevêm a

todos nós. Em segundo lugar, em João 9, Jesus foi interrogado a

respeito do cego de nascença. Aquele homem estava sofrendo

pelo pecado de quem? perguntaram os apóstolos. De quem era a

culpa? De ninguém, disse Jesus. Aquilo acontecera como parte

do sofrimento do mundo presente e, no caso daquele homem, sua

doença iria manifestar a glória de Deus.

A Resposta de Agostinho

Os teólogos da igreja consideraram o problema do sofrimento e

do mal como uma das questões fundamentais da teologia cristã.

Para o ateu, a questão não existe. Não há Deus e, portanto, o

mundo é assim mesmo. Mas qualquer um que creia em Deus

deve responder à pergunta sobre o porquê de ele permitir que o

inocente sofra. Albert Camus tocou nesse assunto da maneira

mais nítida possível em seu livro A Peste (1980). A história

Page 215: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

conta, da perspectiva de um médico, o efeito da peste bubônica

sobre uma cidade francesa, logo depois da Segunda Guerra

Mundial. Ao ver seus pacientes adoecerem e morrerem um a um,

o médico é forçado a tomar uma decisão. Ou ele segue o

sacerdote, que acredita que Deus iria usar aquela situação para o

bem, ou é obrigado a concluir que não existe sentido na presença

do mal no mundo. Ele escolhe a última alternativa: se Deus

existe, ele deve ser mau e inimigo do homem.

Para aquele que opta pela fé, a resposta de Camus não serve. Mas

o que o cristão tem a dizer sobre a presença de tanto sofrimento

no mundo, que parece não ter nada a ver com o pecado da pessoa

que está sofrendo? O sofrimento parece não ter propósito e

exceder a culpa daqueles que passam pelo pior, como, por

exemplo, as crianças. O problema pode ser apresentado de modo

sucinto. Como podemos acreditar num Deus que é Todo-

Poderoso e Todo-Amor, mas que também permite tanta dor e

sofrimento, principalmente no caso de pessoas inocentes? Se ele

é Todo-Poderoso, tem a capacidade de eliminar o sofrimento; se

ele é Todo-Amor, deve querer acabar com o sofrimento. Então

por que ele não faz nada? Muitos teólogos já escreveram sobre

esse assunto, e a maioria reflete variações do pensamento de

Agostinho.14

14 No segundo século, Irineu ofereceu uma alternativa à teodicéia de Agostinho, afirmando

que Deus criou um mundo bom que continha em si um pouco de mal. O propósito disso era

edificar o caráter moral do homem, dando-lhe oportunidade na vida de escolher entre o bem

e o mal. Portanto, o mal neste mundo tem o propósito de edificar o caráter. No fim, ele terá

cumprido seu papel e todas as almas serão salvas. Essa é a resposta do que hoje chamamos

de visão liberal da Bíblia. Ela argumenta que o mal, em última análise, é algo bom, pois é o

educador da raça humana.

Page 216: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

A resposta de Agostinho concentra-se na queda, de Gênesis 3.

Ele observa que Deus não criou o mundo com o mal nele, mas

este apareceu como resultado do pecado do homem. Ao criar o

homem, Deus o criou com a possibilidade de pecar, como

conseqüência da liberdade de escolha. Deus não podia, ao mesmo

tempo, negar a possibilidade do mal e criar o homem com livre-

arbítrio. Sem essa liberdade, o homem teria sido um autômato e

não uma criatura que poderia escolher amar e servir a Deus. Uma

vez que ele foi assim criado, o mal era uma possibilidade desde o

início e, depois da queda de Adão, tornou-se inevitável. Então, a

origem do pecado e do sofrimento está na escolha do homem no

sentido de pecar. Junto com essa opção vieram todas as

conseqüências que recaem sobre a ordem de um mundo

amaldiçoado e decaído. Desde que Agostinho a formulou, esta

tem sido a resposta conservadora tradicional.

Tal solução tem sido aceita pela igreja como a resposta teológica

básica ao problema do mal. Entretanto, para que se complete o

ensino bíblico, é necessário que seja acrescentado um elemento:

a cruz. Nela percebemos que Deus não abandonou o homem para

que este simplesmente sofresse as conseqüências de seu pecado.

Na redenção oferecida por meio de Cristo, Deus tomou sobre si o

pecado do homem e pagou o preço exigido pela justiça. O

homem não foi abandonado depois da queda. Deus participa de

seu sofrimento, providenciando a resposta definitiva para ele

(Pannenberg, 1973). Tal pensamento não é encontrado em

nenhuma outra religião. Creio que ela coloca o conceito cristão

de Deus num nível superior a qualquer outro conhecido pelo

homem. É por essa razão, pela redenção de alto preço da raça

humana, que as multidões no céu cantarão "digno e o Cordeiro"

(Ap 5.12, 13).

Page 217: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

A resposta cristã completa para o sofrimento não é no sentido de

ignorá-lo ou de considerá-lo inaplicável. Em vez disso, ela crê

que Deus se preocupa conosco. Esta é a confissão do povo que

não vê, mas assim mesmo crê, pois, ainda que a cruz esteja no

passado, a plenitude da redenção encontra-se no futuro.

Conclusão

Examinamos aqui os ensinos da doutrina da prosperidade que

ficaram de fora da discussão dos capítulos anteriores, incluindo a

visão dualista do mundo e do conhecimento, sua forma de

entender Satanás e a ausência de resposta ao problema do mal.

Embora esses aspectos do ensino da prosperidade não se

encaixem na estrutura central de três pontos dos capítulos dois e

três, isto é, autoridade — promessa — método — eles não são

meros apêndices na teologia da prosperidade. O dualismo nítido

entre o espírito e o mundo constitui o fundamento filosófico

sobre o qual é edificado o evangelho da prosperidade. Esse

dualismo começa com a estrutura do próprio ser e, então,

estende-se à natureza humana, ao conhecimento humano e até á

expiação.

O efeito disso é sentido em todas as áreas do sistema de Hagin.

Veja, por exemplo, seu ensino de que a fé é uma força que cria a

realidade. Uma idéia dessas não é possível, se por trás dela não

houver uma cosmovisão dualista que lhe dê sustentação. Observe

seu ensino de que os remédios e a ajuda dos médicos são

recursos indesejáveis, por tratarem apenas da causa física e não

atingirem as raízes espirituais da questão. Isso também requer

uma cosmovisão dualista em que o elemento espiritual é mais

importante do que o aspecto material. Da mesma forma, as

afirmações de Hagin de que seus ensinos são verdadeiros por

Page 218: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

terem como base o conhecimento espiritual dependem de uma

hierarquia dualista de conhecimento espiritual/material. A visão

das duas mortes na expiação também é construída de modo

explícito em cima de uma oposição entre as esferas espiritual e

material.

O pseudo-dualismo entre Satanás e Deus tem uma base diferente.

Ele se revela de grande importância na pregação do dia-a-dia da

igreja, pois encontra um bode expiatório para os problemas do

homem, sendo a fonte de grande parte do entusiasmo do

ministério de pregação naquelas igrejas. Por fim, a falta de

resposta para o problema do mal simplesmente revela que os

ensinos de Hagin não são bem ponderados em todos os seus

pontos. Isto se confirma pelas duas ironias não admitidas em seu

sistema: a primeira é o contraste entre as promessas materiais de

saúde e prosperidade e a desvalorização do reino físico como

inferior em si mesmo. A segunda é a maneira pela qual Satanás é

exaltado como quase onipresente e onipotente, mas também

facilmente expulso da vida de uma pessoa.

No início desse capítulo, dissemos que muitas dessas crenças

subjacentes foram extraídas das seitas metafísicas que

floresceram nos Estados Unidos, na região de Boston, no início

do século XX, e foram transmitidas ao ensino da prosperidade

por meio de Kenyon e Hagin. Essa ligação é particularmente

visível em seus conceitos dualistas do mundo e no pressuposto de

que a mente humana tem capacidade de alterar o reino espiritual

e, desse modo, controlar a esfera física. Traçar maiores detalhes

dessa ligação é uma tarefa que exigiria muita pesquisa além da

que fizemos. Basta dizer aqui que a doutrina da prosperidade está

construída sobre um alicerce que não apenas apresenta

rachaduras mas que também carece de peças importantes, além

Page 219: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

de incluir material estranho e indigno de constar num

empreendimento cristão. Disso resulta um edifício que tem

somente uma fachada cristã.

Page 220: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Capítulo

Cinco

A ESPIRITUALIDADE DO EVANGELHO

DA PROSPERIDADE

Qual o caráter geral ou a espiritualidade da doutrina da

prosperidade? Como ela se compara com a espiritualidade

bíblica? Neste último capítulo, faremos uma breve

comparação das promessas e exigências que cada um

apresenta a seus seguidores.

Page 221: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

1. Promessas e Exigências

O propósito deste capítulo final não é repetir declarações já feitas

ou dar acabamento a idéias que possam não ter ficado bem

claras. Os resumos das divisões e dos capítulos foram escritos

com esse propósito. Também não se pretende aqui abrir uma

nova linha de investigação de algum outro aspecto do ensino da

prosperidade. Em vez disso, o objetivo é descrever de modo

sucinto a espiritualidade do evangelho da prosperidade como um

todo, comparando-a com a espiritualidade bíblica e protestante.

Todo mundo conhece o sentido da palavra "espiritualidade", mas

isso não impede que ela seja uma palavra difícil de descrever.

Um dicionário grande dirá, entre outras coisas, que

espiritualidade é o caráter geral de uma religião. Mas essa

definição é muito vaga para nossos fins aqui. Uma enciclopédia

como a de Elwell (1988) é mais clara e define espiritualidade

como "o estado de relacionamento profundo com Deus". A

palavra chave aqui é relacionamento e, se trocarmos esse

substantivo por um verbo, poderemos dizer que espiritualidade é

o meio pelo qual nos relacionamos com Deus. Pode-se restringir

um pouco mais essa definição para dizer que a espiritualidade de

uma religião pode ser vista naquilo que ela oferece a seus

seguidores por meio do relacionamento deles com Deus e no que

Deus exige deles em troca. Temos assim uma diretriz concreta

pela qual poderemos ordenar nossos pensamentos neste último

capítulo.

Nessas poucas páginas finais, será feita uma comparação entre

aquilo que é oferecido pela teologia da prosperidade e aquilo que

se exige em troca de seus adeptos. Então, isso será colocado ao

lado das promessas e exigências encontradas na Bíblia,

Page 222: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

principalmente no Novo Testamento. Um exemplo ajudará a

esclarecer o procedimento que temos em vista. No capítulo um,

foi feita uma comparação entre o marxismo e o pensamento da

prosperidade. Observamos que o marxismo prometeu muitas

coisas a seus seguidores, mas também exigiu muito em troca. O

ensino da prosperidade é semelhante pelo fato de oferecer muito,

mas difere nas poucas exigências feitas em troca; pelo menos

estas são as aparências. Pensar nele nesses termos ajuda a

explicar seu rápido crescimento em popularidade. A dialética de

promessa e exigência ajuda a destacar as diferenças entre a

espiritualidade do Novo Testamento e a do evangelho da

prosperidade. Nas páginas seguintes, o leitor fará bem em manter

esta pergunta em sua mente: o que Deus dá àquele que crê e o

que exige em troca? Nossa discussão seguirá as mesmas divisões

por assunto utilizadas na análise e crítica anteriores.

Começamos considerando as promessas e as exigências no

campo da autoridade espiritual. O evangelho da prosperidade é

encabeçado por líderes que afirmam ser porta-vozes de Deus para

os dias atuais. Hagin é um excelente exemplo desse estilo de

liderança. Ele afirma ser o recipiente de um conhecimento mais

elevado, pessoalmente instruído por Cristo e conhecedor da

mente de Deus. Embora ele fale muito na Bíblia como fonte de

sua fé e a empregue inúmeras vezes, trata-se sempre da Bíblia

vista com os óculos da revelação da prosperidade. Portanto, a

atenção se fixa não no real estudo da Palavra, mas em suas visões

particulares e nos sinais e maravilhas que ele afirma acompanhá-

las. Como amigo especial de Deus, ele dirige seus seguidores

com grande autoridade. Isso conta muito para aqueles cristãos

que buscam um líder forte que possa dar direção para suas vidas.

Page 223: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Se liderança é a promessa, submissão é a exigência, pois os

mestres da prosperidade não admitem que seus seguidores

questionem suas visões ou capacidade de operar maravilhas.

Hagin é bem claro em afirmar que desafiá-lo e o mesmo que

atrair a ira de Deus. O seguidor também não é incentivado a

examinar os ensinos da liderança, comparando-os com a Bíblia.

Qualquer investigação dessas seria rotulada, na melhor das

hipóteses, como conhecimento sensorial, que está muito aquém

do conhecimento de revelação que o líder possui.

Tal demagogia não pode ser comparada com a Bíblia nem com a

visão protestante a respeito dela. Na espiritualidade do

protestantismo, o fiel não encontrará apóstolos dos dias de hoje

dirigindo seus seguidores com base em visões. Em vez disso, a

única fonte de autoridade e direção espiritual é a Palavra de Deus

encontrada na Bíblia, nem mais nem menos. Os reformadores

criam com firmeza que as Escrituras são suficientes em matéria

de fé como guia seguro para cada área da vida e da doutrina, e

essa convicção continua sendo fundamental para as igrejas

protestantes de hoje. É claro que isso exige que o fiel se esforce

para aprender e estudar a Bíblia. Ele precisa estudá-la por si e,

desse modo, conhecer a vontade de Deus para sua vida. Por isso

o protestantismo sempre tem dado apoio a livros e programas que

ajudem o membro da igreja a aprender sobre sua fé. Sobretudo,

ele desenvolveu uma longa tradição de estudo bíblico cuidadoso,

porque acredita que a Bíblia resistirá a qualquer escrutínio e

permanecerá para oferecer sempre novas percepções sobre Deus

e sua criação (Mt 13.52). Muitos cristãos de gerações do passado

estudaram as Escrituras com um alto grau de confiança na

inspiração e produziram teologias sintonizadas com a Bíblia e

abertas ao estudo ou questionamento de qualquer fiel.

Page 224: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

A aceitação da Bíblia como única fonte de orientação e

autoridade também significa que não pode existir nenhum

conhecimento secreto ou mais elevado que esteja à disposição do

cristão ou de qualquer líder espiritual autonomeado. Não se

permitem revelações externas. Isso quer dizer que qualquer novo

ensino ou interpretação que surja na igreja deve passar

obrigatoriamente pelo crivo do cânon das Escrituras. Nesse

aspecto, a exemplo do apóstolo João, o protestantismo faz uso de

uma hermenêutica de suspeita com relação a novas afirmações

(cf. 1 Jo 4.1). É justamente por ser novo que é motivo de

suspeita, pois não se esperam novas revelações até que o Senhor

volte, mas admite-se que Satanás é um anjo de luz capaz de

transmitir boas novas dos mais diferentes tipos para enganar os

menos atentos.

Em segundo lugar, consideramos a promessa e a exigência

quanto à saúde e às riquezas. O neófito que ouve pela primeira

vez a pregação da prosperidade pressupõe que as promessas não

têm limites. Ele ouve que o fiel pode ter sempre saúde e ser

próspero ou pelo menos tem direito a isso. Quanto mais ouve, o

discípulo da prosperidade aprende que existem regras ou

procedimentos a serem respeitados: não duvidar, reivindicar a

bênção em voz alta, exigir seus direitos, usar sempre o nome de

Jesus, etc. Entretanto, o fato é que as exigências não param

quando essas regras já foram obedecidas. Há um peso maior a ser

carregado. O fiel passa a entender que ele não somente tem o

direito, mas a obrigação de ser próspero, pois a posse dessas

bênçãos prova que ele é uma pessoa de fé que está debaixo da

aprovação e da bênção de Deus. Em outras palavras, as próprias

promessas dos ensinos da prosperidade transformam-se em

exigências. Este é o segredo dessa doutrina. Se o fiel fica doente

ou está longe do sucesso, ele está falhando como cristão. É por

Page 225: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

isso que não há lugar para visitas em hospitais no ensino da

prosperidade. A pessoa doente é como Jó: encontra-se debaixo

dos olhares de acusação de seus amigos. Saúde e sucesso

perpétuos são tanto promessas quanto exigências da doutrina da

prosperidade. Este é um peso muito grande para ser carregado,

porque, mais cedo ou mais tarde, todo cristão enfrentará

problemas. Quando eles aparecem para o seguidor dos ensinos da

prosperidade, culpa e dúvida surgem como conseqüências. Com

o passar do tempo, muitos abandonam o movimento, ao

perceberem que aqueles ensinos não resolverão seus problemas,

mas farão somente com que se sintam culpados por causa da

presença deles.

Contrastando com isso, na espiritualidade bíblica o cristão tem o

direito de falhar. A Bíblia exige que perseveremos na fé e no

amor por Deus e pelos homens, mas em nenhum lugar ela insinua

que saúde e prosperidade são sinais da graça de Deus. Pelo

contrário, o sucesso não é critério pelo qual o favor de Deus pode

ser medido. Jó, Asafe, Paulo e o autor de Hebreus foram

extremamente claros nesse ponto. Em outras palavras, as

promessas que a Bíblia faz ao cristão são bem diferentes

daquelas concedidas no ensino da prosperidade, pois o

cristianismo é uma religião da vida do porvir, não da vida do

agora. Isso é bem expresso por Warfield, que escreve:

Nosso Senhor nunca permitiu que se imaginasse, sequer por

um momento, que a salvação que ele trouxe é

fundamentalmente para esta vida. Sua religião destacava-se

por ser de outro mundo. Ele com freqüência apontava para

o além, fazendo com que os homens vissem ali seu

verdadeiro lar e nele colocassem suas esperanças e

aspirações. (Warfield, 1972, 177.)

Page 226: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Com respeito a esta vida, a Bíblia tem pouco a oferecer em

termos de promessas de melhorias. Ela não promete que pelo fato

de uma pessoa ter se arrependido de seus pecados e crido em

Cristo, o salário dela irá aumentar ou sua saúde melhorar.

Pelo contrário, a palavra do Senhor nas Escrituras, diante da

doença, freqüentemente é essa: "a minha graça te basta" (2 Co

12.9). Cristo nunca foi visto enriquecendo qualquer de seus

seguidores. Em vez disso, o único conselho de economia que a

Bíblia oferece é no sentido de que lancemos sobre ele nossa

ansiedade, pois ele tem cuidado de nós (1 Pe 5.7). Melhorias na

saúde ou no padrão de vida podem ocorrer na vida do cristão,

mas caso ocorram, elas se devem ao abandono de velhos hábitos

e à adoção de outros.

Em todo este livro, principalmente no capítulo três, destacamos

que as promessas do evangelho verdadeiro não incluem bênçãos

materiais para esta vida. Dissemos que essas coisas aguardam o

futuro, quando será completado o processo da redenção. Todavia,

esse destaque ao futuro pode ser entendido de forma errônea ou

exagerada. As promessas do evangelho têm uma natureza

diferente daquelas descritas pela doutrina da prosperidade.

Observe frases como "remissão dos pecados" (Cl 1.14), "paz com

Deus" (Rm 5,1), "galardão no céu" (Lc 6.23), "não pereça, mas

tenha a vida eterna" (Jo 3.16), "tomarão lugares à mesa... no

reino dos céus" (Mt 8.11). Elas descrevem um mundo vindouro

que, em todos os seus aspectos, é melhor do que a presente

ordem. O cristão pode fazer uso de toda a sua imaginação para

contemplar o significado dessas palavras e assim mesmo não será

capaz de perscrutar a profundidade delas. Portanto, o leitor não

deve ficar com a impressão de que as promessas do evangelho

Page 227: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

são pobres ou de que, de alguma forma, estão aquém do

esplendor descrito no último livro da Bíblia.

Por outro lado, embora na espiritualidade bíblica seja oferecida

muita coisa ao cristão, as exigências também não são poucas.

Começamos por dizer que a fé deve ser do tipo que se caracteriza

por humildade e gratidão e que reconhece que tudo que vem da

mão de Deus é pura dádiva (Ef 2.8-19). Não há lugar para coisas

como "reivindicar direitos diante de Deus". Em segundo lugar,

ela deve ser do tipo que procura servir a Deus e aos homens. Na

espiritualidade bíblica, Deus nunca é procurado como meio para

se atingir um fim, como se o cristão viesse buscar a bênção que

ele pode oferecer, em vez de buscar o próprio Deus. O "eu"

nunca é o centro de atenção na espiritualidade bíblica. Antes, a

verdadeira espiritualidade olha para o lado de fora, na direção de

Deus e de nosso semelhante. Portanto, o alvo da vida cristã é

servir a Deus e aos homens (Fp 2.12; 1 Pe 4.2), e revela-se de

grande importância o fato de Paulo ter usado as mais fortes

imagens que pôde achar para declarar essa verdade (1 Co 9.19; 2

Tm 2.2-5).

Nesse ponto, a diferença entre a espiritualidade bíblica e a da

doutrina da prosperidade pode se expressar em termos de

expectativas: aquilo que o fiel espera conseguir (a promessa) e

aquilo de que ele espera abrir mão ou oferecer em troca (a

exigência). Quando a pergunta é assim formulada, a resposta vem

em duas frases contrastantes: a "teologia da glória" e a "teologia

da cruz". Em nossa última divisão, passamos a considerar o que

cada uma significa.

Page 228: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

2. Teologia da Glória

Teologia da Cruz

A expressão "teologia da glória" serve bem para caracterizar o

evangelho da prosperidade, pois este prega e ensina que a vida do

cristão deve ser uma vida de vitória. Hagin expressa exatamente

esse ponto, ao escrever:

Nosso problema é que temos pregado uma religião de

"cruz", sendo que precisamos pregar uma religião de

"trono"... Na verdade, a Cruz é um lugar de derrota, ao

passo que a Ressurreição é um lugar de triunfo. Quando se

prega a cruz, está-se pregando morte e deixa-se o povo na

morte. Morremos, sim, mas ressuscitamos com Cristo.

Estamos assentados com Ele. Essa é a nossa posição atual:

Estamos assentados com Cristo no lugar de autoridade, nos

lugares celestiais. (Autoridade, 23, 24.)

Observe bem a frase "a nossa posição atual... nos lugares

celestiais". É exatamente isto que significa a teologia da glória.

Essa espiritualidade foi encontrada primeiramente entre os

cristãos coríntios (McConnell, 1988). De fato, talvez eles possam

ser chamados os primeiros defensores da prosperidade, pois

pensavam em si mesmos como filhos do rei que já haviam

começado seu reinado nesta vida. Eles não se sentiam bem com a

vida sacrificial e o sofrimento de Paulo, pois o fraco, o doente e o

pobre não têm lugar nessa espiritualidade. Por essa razão, Paulo

teve de defender seu ministério apostólico várias vezes (2 Co

10.7-18; 11.5-33; 12.1-6). Eles se impressionavam apenas com

pregadores que revelavam poder, prestígio e prosperidade.

Page 229: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

Em contraste com isso, a teologia da cruz mede todas as coisas

pelo padrão do sofrimento de Cristo. Ela diz que as exigências do

cristianismo são grandes porque o sacrifício de Cristo foi grande.

Ela também diz que o discípulo não é maior do que seu mestre e,

se Cristo teve de sofrer, seus discípulos também precisam estar

dispostos a fazer o que for necessário a serviço dele (Mc 8.34).

Aquele que não age assim, não é digno de Cristo (Mt 10.38). Isso

significa que devemos crucificar nossos desejos pelas coisas do

mundo, em vez de exigi-los como parte de nossos direitos (Gl

5.24; Tg 4.4; 1 Jo 2.15-17). Por causa da cruz, Cristo tem todo o

direito de insistir em obediência, serviço, autonegação e

sacrifício. Paulo disse: "... pregamos a Cristo crucificado" (1 Co

1.23; 2.2). Esta era a primeira verdade do cristianismo e tinha de

ser estabelecida antes que fosse ensinada qualquer outra doutrina

ou insinuado algum outro estilo de vida.

A exemplo dos coríntios de tanto tempo atrás, o evangelho da

prosperidade fala da cruz somente em termos dos benefícios que

dela podemos auferir, nunca das exigências que ela nos faz.

Pressupõe-se que Jesus foi para a cruz a fim de que a pessoa que

crê não precisasse ir para lá e que o fiel pode colher a glória sem

participar da vergonha. Esta é a essência da teologia da glória. É

a teologia de outro evangelho.

Page 230: O evangelho da prosperidade   alan b. pieratt

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