o evangelho da prosperidade

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Analise teologica, historica e biblica da teologia da prosperidade.

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O evangelho da

PROSPERIDADE Alan B. Pieratt

tradução de

Robinson Malkomes

Digitalizado e revisado por Micscan

Para: semeador.forumeiros.com

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Caixa Postal 21.406 • CEP 04698-970 • São Paulo-SP

Page 3: O EVANGELHO DA PROSPERIDADE

Copyright • 1993 de Alan B. Pieratt

Arte de capa: Melody Pieratt e Íbis Roxane Coordenação editorial: Robinson Malkomes Coordenação de produção: Eber Cocareli

Primeira edição: abril de 1993

Todos os direitos de publicação reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Caixa Postal 21486 - 04698-970 São Paulo-SP

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Conteúdo Capítulo 1. Considerações Introdutórias 08 1. Visão Geral 09 2. Antecedentes Históricos 16 3. Prévia do Conteúdo 28 Capítulo 2. Os Ensinos da Teologia da Prosperidade 31 1. Autoridade Espiritual 33 2. Saúde e Prosperidade 47 3. A Confissão Positiva 61 Capítulo 3. Respostas ao Evangelho da Prosperidade 90 1. Autoridade Espiritual 95 2. Saúde e Prosperidade 125 3. A Confissão Positiva 153 Capítulo 4. A Cosmologia da Prosperidade 173 1. O Dualismo do Corpo e do Espírito 176 2. O Dualismo no Conhecimento 183 3. O Dualismo na Salvação 196 4. O Dualismo de Deuses 203 5. O Problema do Mal 209 Capítulo 5. A Espiritualidade do Evangelho da Prosperidade 220 1. Promessas e Exigências 221 2. Teologia da Glória — Teologia da Cruz 228 Bibliografia 230

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PREFÁCIO DOS EDITORES

Uma das características do século XX na esfera teológica é a extensa produção das chamadas "teologias de genitivo". A elaboração de reflexões cada vez menos sistemáticas e mais especulativas fez surgir no cenário teológico do nosso tempo as Teologias "do Processo", "da Esperança", "da Morte de Deus", "da Libertação", dentre outras. Por meio de um processo progressivo de fuga da teologia sistemática tradicional, essas teologias, com suas diversas ênfases, alcançaram autonomia em relação às diferentes confissões de fé cristãs, tornando-se, em maior ou menor grau — dependendo da cultura onde estão inseridas — objetos de opção pessoal.

Esse método de fazer teologia influenciou e incentivou, ainda que não intencionalmente, o surgimento de "novas descobertas" no campo das relações entre Deus e o homem. Há alguns anos, por exemplo, descobriu-se que determinados ensinos que nos foram transmitidos desde a era apostólica estavam errados. Os filhos de Deus são filhos do Rei, e é nessa condição que devem viver. A perspectiva de uma vida cristã repleta de restrições, sofrimentos e tribulações por amor a Cristo não corresponde ao verdadeiro plano de Deus para Seus filhos amados. Ao contrário, Ele deseja que Seus filhos sejam em tudo bem sucedidos, vitoriosos e triunfantes sobre todas as vicissitudes da vida. Afinal, toda espécie de mal — incluindo as doenças e a pobreza — é fruto da ação direta de Satanás e, portanto, destinada apenas aos que se encontram sob o seu sinistro domínio, nunca aos verdadeiros crentes. A razão de existirem muitos cristãos que

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ainda padecem dos males deste mundo tenebroso é a sua ignorância quanto a seus direitos como filhos de Deus e ao poder divino disponível nas palavras daqueles que conhecem os segredos da confissão positiva. Os méritos dessa descoberta são reivindicados pelo norte-americano Kenneth Hagin, autor de vários livros sobre o assunto, muitos deles já traduzidos para o português.

No Brasil, essa nova teologia tem recebido designações variadas, tais como: "Movimento Palavra da Fé", "Teologia da Confissão Positiva" ou "Teologia da Prosperidade". Travamos conhecimento com esses novos ensinos inicialmente por meio do tele-evangelista norte-americano Rex Humbard e, atualmente, mediante pregações em rádio e televisão e nos púlpitos de grandes igrejas que se encontram em evidência. Milhares de cristãos, membros de denominações tanto pentecostais quanto históricas, tem abraçado com entusiasmo os ensinamentos dessa nova teologia. Há também variantes mais místicas do mesmo pensamento, representadas por aqueles que enfatizam à exaustão a necessidade de o crente conhecer os mistérios ligados à batalha espiritual e à ministração de cura interior. O impacto disso tudo se faz sentir no grau de confusão, desorientação e assombro presentes em quase toda a comunidade evangélica brasileira. Mesmo a atividade pastoral tem se ressentido da falta de referenciais teológicos, bíblicos e eruditos que confrontem satisfatoriamente o problema.

O Evangelho da Prosperidade — Análise e Resposta tem por objetivo iniciar um debate sério, honesto, bíblico e imparcial sobre o tema. Para tanto, o autor analisa criteriosamente a tríplice base da nova doutrina: 1) as alegações de Hagin sobre sua autoridade espiritual de caráter profético; 2) as promessas de saúde e riqueza; e 3) o método da confissão positiva. Cada uma dessas bases é analisada separadamente, com numerosas citações

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que enriquecem sobremaneira esta obra. No capítulo 4, discute-se a cosmologia do evangelho da prosperidade, analisando-se seus pressupostos ontológicos, antropológicos e. epistemológicos de forma altamente elucidativa. Ali o autor também expõe a teodicéia de Hagin, apresentando sua solução para o problema do mal e contrapondo-a à solução cristã tradicional de origem agostiniana.

O Dr. Alan Pieratt, teólogo, Ph.D. em Ciências da Religião, professor na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, onde leciona as disciplinas de Hermenêutica e Teologia Contemporânea, traz com seu O Evangelho da Prosperidade — Análise e Resposta uma contribuição inestimável ao labor teológico atual, marcado por tantas controvérsias absolutamente desnecessárias e por uma injustificável ausência de erudição. Edições Vida Nova espera, com este livro, ajudar àqueles que sinceramente procuram trilhar o caminho apertado e estreito que conduz à salvação.

Rev. Eber Cocareli

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Capítulo Um CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

De onde veio o evangelho da prosperidade? Como ele se relaciona com o pentecostalismo? Quem são Kenneth Hagin e E. W. Kenyon e por que são importantes para este movimento? Fornecemos aqui uma breve introdução his-tórica ao movimento da prosperidade.

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1. Visão Geral A igreja protestante no Brasil de hoje enfrenta numerosos problemas inerentes à América Latina, incluindo catolicismo cultural, pobreza, analfabetismo, espiritismo, religiões africanas, corrupção política, etc. Do lado de fora, cada um desses desafios confronta a igreja como uma forma diferente do "mundo" contra o qual o apóstolo João advertiu que nos preveníssemos (1 Jo 2.15). Entretanto, como o próprio título indica, esta obra trata de um desafio para a igreja, que está surgindo dentro dela e, portanto, constitui uma ameaça de natureza completamente distinta. Uma interpretação do evangelho, nova e extremamente atrativa, cruzou as fronteiras para invadir o cristianismo brasileiro. Ela tem recebido vários nomes, a saber: "Palavra da Fé", "Ensino da Fé", "Confissão Positiva" ou "Evangelho da Prosperidade". Destes, o último parece o mais exato, pois esse movimento surge para oferecer uma compreensão distinta do evangelho de Cristo como um todo. A semelhança do conhecido evangelho, ele proclama boas novas. Mas as novas não são de que temos o perdão dos pecados e paz com Deus por meio de Cristo. São de que podemos ter a solução de nossos problemas e viver com saúde e prosperidade. Esta mudança no conteúdo da esperança cristã, passando do porvir para o aqui e agora, tem conseqüências de tão grande alcance que o nome "evangelho da prosperidade" parece apropriado.

As raízes desse evangelho encontram-se no Primeiro Mundo. Talvez isto seja justo, uma vez que sua ênfase está naquilo que os países do norte tanto parecem ter — prosperidade financeira. Mas ele foi rapidamente bem recebido aqui no Brasil e, apesar de ainda estar em sua infância, parece crescer a passos gigantescos.

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É claro que a atração no contexto brasileiro não é exercida pela presença da prosperidade, mas por sua ausência. De qualquer forma, o evangelho da prosperidade é uma mensagem de muito poder e esperança que não está limitada a nenhum continente, igreja ou denominação.

O propósito deste livro é analisar esse novo movimento e oferecer uma resposta a ele. O leitor atento perceberá que, ao chamá-lo "novo", colocamo-lo sob suspeita desde o princípio. Em matéria de fé, raramente o novo é melhor. Voltaremos a esse ponto no capítulo três. Basta afirmar agora que a teologia tem como tarefa principal a transmissão fiel da mensagem recebida pelos Doze (1 Co 15.3). O leitor que concordar comigo neste ponto desejará então saber qual é meu ponto de vista sobre a teologia. De que perspectiva serão feitas essa crítica e essa análise? Esta é uma pergunta justa e necessária. A teologia que está por trás deste livro foi formulada na Reforma e pode ser chamada "protestantismo clássico". Seu princípio fundamental é de que somente a Bíblia é o único guia para conhecermos a Deus e apenas Cristo é a única esperança de salvação. Desses dois critérios, o primeiro é suficiente para fornecer a base da crítica à teologia da prosperidade. O leitor que se encaixa na tradição protestante logo se sentirá à vontade com essa abordagem. Entretanto, quaisquer que sejam suas convicções teológicas, espero que ele se digne a ler o argumento até o fim. Qualquer pessoa que tenha desembolsado dinheiro para comprar este livro deve ser um pastor, um obreiro cristão ou um leigo inteligente. Neste caso, você é um dos líderes de sua igreja e, conforme Paulo afirmou há muito tempo, tem a responsabilidade tanto de "exortar pelo reto ensino como para convencer os que contradizem" (Tt 1.9). Para realizar essa tarefa, precisamos, em

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primeiro lugar, entender com clareza nossa própria teologia e, depois, a de nosso opositor.

Algumas obras norte-americanas, escritas contra a teologia da prosperidade, tratam-na como se fosse uma heresia ou uma seita (McConnell, 1988). A posição que adotamos aqui é de que, certamente, ela não é uma seita. Uma seita é composta por um grupo bem definido de pessoas, assim como as testemunhas de Jeová ou os mórmons, que se chamam cristãos, mas negam doutrinas básicas da Bíblia, tais como a trindade e a divindade de Cristo. A compreensão defeituosa que têm do cristianismo é suficientemente séria para colocá-las fora do círculo da fé. Isso, porém, não se aplica aos ensinos do evangelho da prosperidade. Seus adeptos não negam nenhuma doutrina básica nem buscam outro fundamento que não seja Cristo e os apóstolos. Antes, trata-se de uma forma de compreender a Bíblia que, conforme mostrarei, abandona em alguns pontos as possibilidades de interpretação permitidas pela própria Bíblia.1 Eu acrescentaria que ela e uma forma bem moderna de interpretação, que reflete pressuposições contemporâneas sobre aquilo que o homem pode esperar da vida. Seus ensinos podem ser comparados a outro fenômeno moderno: o vírus de computador. Ambos são capazes de se espalhar em qualquer sistema, danificando aquilo que

1 O autor não deseja usar a palavra "heresia" para rotular a doutrina da prosperidade, pois tal julgamento é severo e deve ser feito somente com muita cautela e por muitas vozes juntas. Vale observar que, na Bíblia, a palavra heresia é usada para se referir a três coisas: 1) um partido ou facção dos judeus, como os saduceus ou os fariseus (At 5.17); 2) um partido ou facção dos cristãos (At 24.14; 1 Co 11.19) — aqui, a palavra é sinônimo de cisma; e 3) uma opinião ou doutrina contrária à crença da igreja (Gl 1.8; 5.20; 2 Pe 2.1). Em grego, "allos" significa "outro" do mesmo tipo ou numa série. "Heteros" significa "outro" de um tipo diferente. Em alguns contextos, as palavras são intercambiáveis. Mas, em Gálatas, o sentido de "heteros" é claro. Além disso. Pedro classifica como destruidoras as heresias que chegavam ao ponto de negar Jesus Cristo (2 Pe 2.1). Paulo afirma que o homem que causa divisões na igreja é "herege", pervertido e autocondenado (Tt3.10; ARC).

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tocam, mas raramente destruindo por completo o objeto da infecção. De modo semelhante, esta interpretação do evangelho altera a mensagem cristã, mas não a torna irreconhecível ou irrecuperável.

Na história da igreja, novas interpretações da Bíblia ou de uma única doutrina apareceram em dimensões e formas diferentes. Algumas começaram em círculos pequenos e continuam assim, tal como o reduzido grupo de igrejas "apostólicas" de hoje, que crêem que a doutrina da trindade não é bíblica. Outros, tais como os adventistas do sétimo dia, desenvolvem interpretações o bastante para atrair adeptos que chegam a formar uma denominação por si mesmos. Cada caso e diferente, mas, de modo geral, uma nova interpretação da Bíblia irá se expandir se atender uma ou mais das seguintes condições: 1) ter um líder "carismático" (ou líderes) que expresse com eloqüência a nova doutrina; 2) satisfazer as necessidades e esperanças das pessoas; e 3) corresponder bem ao ambiente cultural. A teologia da prosperidade atende com excelência cada uma dessas três condições. É dirigida por um grupo relativamente pequeno de líderes talentosos e que estão em evidência. Ela tem resposta para algumas das esperanças mais profundas que as pessoas têm na vida, ou seja, o desejo de ter saúde e prosperidade financeira. Além disso, encaixa-se bem nas pressuposições culturais da sociedade ocidental, no sentido de que as boas coisas da vida não devem ser evitadas, mas buscadas e aproveitadas. Dentre esses fatores, os mais importantes são o segundo e o terceiro. O evangelho da prosperidade está fadado a se expandir por algum tempo e a ser ouvido e acatado por muitos, pois diz aquilo que as pessoas querem escutar. Novos movimentos crescem porque satisfazem alguma necessidade do coração humano expressa na cultura de determinada época. Na igreja primitiva, os primeiros

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convertidos eram quase todos judeus. Durante décadas os apóstolos lutaram contra a inclinação que eles apresentavam, como seguidores de Cristo, de continuar sendo judeus antes de mais nada. No segundo e terceiro séculos, o gnosticismo dizia aos gregos e romanos recém-convertidos que havia um conhecimento secreto que estava à disposição daqueles que o buscassem. Isso exercia uma enorme atração sobre aqueles que haviam sido educados segundo o pensamento grego, pois tais pessoas haviam aprendido que as verdades mais elevadas sobre as realidades espirituais estavam à disposição daqueles que as buscassem. Em nossa época, parece que a promessa de saúde e riqueza vai de encontro às mais profundas esperanças culturais e pessoais do homem atual.

O evangelho da prosperidade aproveita-se das pressuposições de nossa cultura e das esperanças pessoais de forma extremamente agressiva. Observe o seguinte anúncio, colocado em dois jornais que atendem a colônia brasileira da costa leste dos Estados Unidos, o Brazilian Voice e o Brazilian Times. O anúncio prometia solução para os seguintes casos:

Desemprego, caminhos fechados, dificuldades financeiras, depressão, vontade de suicidar, solidão, casamento destruído, desunião na família, vícios (cocaína, crack, álcool, etc), doenças incuráveis (câncer, aids, etc), dores constantes (de cabeça, coluna, pernas), insônia, desejos homossexuais, perturbações espirituais (você vê vultos, ouve vozes, tem pesadelos, foi vítima de bruxaria, macumba, inveja ou olho grande), má sorte no amor, desânimo total, obesidade, etc. ... Nós! Sim, nós temos a solução para você! (Ultimato, janeiro de 93, 14.)

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Dificilmente existe um problema conhecido pela humanidade que não esteja incluído nessa lista. Qual a pessoa que, à margem de uma sociedade estranha, sentindo-se deslocada e alienada, não ficaria curiosa para buscar maiores informações?

Parte da fascinação dos ensinos sobre prosperidade está no fato de eles, aparentemente, prometerem tantas coisas e exigirem tão pouco em troca. Eles afirmam que a saúde e as riquezas são nossas; basta que sigamos os passos apropriados da confissão positiva. A maioria das religiões e pseudo-religiões exige mais de seus seguidores. O marxismo oferece um bom contraste. No início e até meados deste século, ele exerceu forte atração sobre as sociedades que estavam desencantadas com a liberdade política de que gozavam e cansadas da pobreza econômica. O marxismo atraía seus adeptos por meio de promessas quase religiosas de justiça, liberdade e cumprimento para toda a sociedade do futuro. Entretanto, ele não prometeu que a utopia futura viria sem um preço. Dificuldades econômicas, perda de liberdade pessoal e governos ditatoriais faziam parte do preço que a geração daquele momento deveria pagar. Muitos aceitaram aquilo de boa vontade, pensando que assim trariam uma sociedade melhor para seus filhos (Hyde, 1966). Mas isso não aconteceu. A questão é que, ao contrário do marxismo, os pregadores do evangelho da prosperidade parecem oferecer tudo e exigir quase nada em troca, exceto, talvez, que o fiel seja mais generoso na hora de abrir a carteira durante a oferta. No último capítulo, verificaremos que as reais exigências são bem maiores do que essa, embora, a princípio, sejam ocultadas.

Com esse tipo de mensagem é possível formar uma igreja grande em pouco tempo. Dos que estão doentes, quem não virá para ouvir promessas de cura? Satanás observou há muito tempo que a

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oferta de cura é irresistível: "... e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida" (Jó 2.4). Dentre os pobres, quem não virá para ouvir promessas de prosperidade? Dentre aqueles que não têm certeza do que fazer e de qual direção dar à vida, quem não seguirá prontamente os que afirmam ter autoridade divina? Resta saber por quanto tempo essas pessoas permanecerão fiéis a tal mensagem.

Iniciamos este exame do evangelho da prosperidade com a consciência de que, junto com este trabalho, aparecem duas responsabilidades. Primeira, os ensinos do evangelho da prospe-ridade devem ser apresentados da forma mais justa e exata possível. Não deve haver exageros ou distorções daquilo que está sendo dito e pensado. Segunda. aqueles que consideram este novo evangelho atraente devem ser tratados como irmãos. Qualquer um que afirme ser cristão deve ser tratado como tal, até que atos ou palavras provem o contrário. A responsabilidade dos pastores e líderes na igreja é de examinar e avaliar cuidadosamente qualquer doutrina que desafie o cristianismo bíblico. Mas essa responsabilidade não envolve, o questio-namento da salvação de alguém. Aqueles que afirmam ser seguidores de Cristo devem ser recebidos, tanto quanto possível, como irmãos na fé. Isso significa que eles devem ser amados, não odiados, incentivados por meio da correção, não amaldiçoados ou expulsos. É à luz dessas considerações que devem ser lidos os comentários críticos presentes nesse trabalho.

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2. Antecedentes Históricos O evangelho da prosperidade é algo novo na história da igreja. Parece que nada como ele já foi visto antes. Mas isso não quer dizer que ele tenha surgido de modo repentino ou aparecido totalmente formado. Como todo movimento, ele se desenvolveu com o tempo, e isso significa que tem raízes ligadas a pessoas, épocas e lugares diversos. Nesta parte, identificaremos alguns de seus personagens principais e estabeleceremos o papel que tiveram na expansão do movimento. Uma vez feito isso, o leitor terá um fundamento histórico a partir do qual poderá entender melhor a ramificação brasileira desse movimento contempo-râneo.

Amplas pesquisas feitas nos Estados Unidos sobre o assunto revelam que existem duas raízes históricas e filosóficas do evangelho da prosperidade: pentecostalismo (Barron, 1987) e várias seitas metafísicas do início do século XX, que floresceram na área de Boston (McConnell, 1988). Dessas duas fontes, o pentecostalismo forneceu a base ou o grupo onde a teologia encontrou a maior parte de seus adeptos, enquanto os pressupostos filosóficos propriamente ditos foram fornecidos pelas seitas metafísicas. É de suma importância que o leitor pentecostal inquiridor perceba essa importante distinção. Desde seu início, a teologia da prosperidade encontrou nas igrejas pentecostais e carismáticas uma acolhida maior do que a de qualquer outro contexto, mas foram as seitas metafísicas que forneceram os ensinos distintivos e a cosmovisão geral que deram forma ao evangelho da prosperidade. Desses dois elementos, estamos mais preocupados com o último, ou seja, a

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cosmovisão estranha que a doutrina da prosperidade absorveu. Entretanto, antes de passarmos a considerá-la em detalhes, precisamos olhar brevemente para as raízes históricas nas denominações pentecostais e carismáticas.

2.1 A Conexão Pentecostal

O movimento pentecostal é um fenômeno relativamente novo e teve suas origens no início do século XX, nos Estados Unidos. Mas o evangelho da prosperidade é ainda mais novo. Suas origens remontam com certeza até, no máximo, os dias de E. W. Kenyon, que alcançou o auge de sua carreira nos anos 30 e 40. A doutrina da prosperidade é tão recente que apenas nos anos 70 ela havia se desenvolvido o bastante para ser identificada como um movimento constituído. No Brasil, ela é ainda mais recente. Entretanto, a questão histórica mais importante não é o fato de ela ser nova, mas que o pentecostalismo não foi o pai desse novo evangelho, embora talvez possa ser chamado de padrasto, por causa da forma como o abraçou e seguiu seus ensinos. Então, a primeira pergunta que se levanta é por que as denominações pentecostais têm sido mais abertas a esse ensino do que qualquer outro grupo protestante. A resposta parece estar na tendência que elas têm de aceitar dons de profecia e profetas dos dias atuais que afirmam exercer esses dons. Por causa da abertura para visões, revelações e orientações espirituais contínuas fora da Bíblia, cria-se um espaço para a entrada das afirmações do evangelho da prosperidade. Isso traz uma importante implicação para o leitor que está tentando identificar as raízes e sutilezas da doutrina da prosperidade — não há necessariamente nenhuma ligação entre o pentecostalismo e os ensinos do evangelho da prosperidade. Todavia, por causa das associações históricas, em vez de

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conceptuais, vale a pena traçar brevemente a história do pentecostalismo, com ênfase sobre aqueles que, dentro do movimento, afirmavam curar pela fé e apoiavam essa prática.

As raízes históricas do movimento pentecostal remontam aos meados do século XIX na Europa e início do século XX nos Estados Unidos. Os primeiros pregadores que afirmavam ter os atuais dons de cura e de línguas apareceram nas décadas de 1850 e 1860, na Inglaterra e na Alemanha. Entre eles estavam o pregador escocês Edward Irving, Dorothea Trudel, uma camponesa suíça, Johann Christian Blumhardt, ministro luterano, e Otto Stockmayer, pastor suíço (Holleweger, 1988). Esses indivíduos não estavam ligados como partes de um movimento constituído, mas a fama do ministério deles espalhou-se pelo mundo e chamou atenção para suas afirmações de cura por meio da fé somente. Embora afirmassem possuir o dom espiritual da cura, aquelas pessoas não ensinavam completamente um evangelho de saúde e prosperidade. Isso apareceu muito mais tarde.

No final do século XIX, vários pregadores na América do Norte também começaram a afirmar que possuíam dons de cura e, além disso, que todos os cristãos tinham direito à saúde como parte da expiação. A. J. Gordon, fundador de uma respeitada instituição de ensino teológico, e A. B. Simpson, fundador da Aliança Cristã e Missionária, foram dois líderes importantes. Ambos escreveram livros sobre cura que até hoje são utilizados como fontes básicas por aqueles que ensinam a cura pela fé (Gordon, 1881; Simpson, 1925). Por meio da liderança deles, junto com muitos outros que pregavam idéias semelhantes, o número de pessoas que curavam pela fé havia crescido dramaticamente no final do século XIX, e a expressão "cura pela fé" havia se tornado quase

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um chavão na Europa e nos Estados Unidos. Alguns pregadores da cura ganharam reconhecimento nacional, incluindo Dowie, Parham, McPherson, Wigglesworth, Seymour, Bosworth e alguns outros. Esses homens (e mulheres) trabalhavam de modo independente, como evangelistas itinerantes que afirmavam ter vários dons especiais, incluindo invariavelmente línguas e cura. (Eles também partilhavam da característica de não terem treinamento teológico formal.) Embora tenham levado grandes multidões a seus encontros, o principal segmento da igreja evangélica nunca aceitou realmente suas afirmações de que tinham poder para curar. É surpreendente que nesse segmento estavam incluídas as jovens denominações pentecostais daquela época. Aparentemente elas consideravam sem substância e muito radicais as afirmações dos detentores de dons de cura (Barron, 1987). Mais ou menos em meados da década de 1930, parecia que a cura pela fé iria cair no esquecimento. Em vez disso, ela encontrou nova vida no movimento carismático.

O leitor se lembrará de que a palavra "carismático" aplica-se àqueles que afirmam ter o dom de línguas ou outros dons espirituais extraordinários, mas que permanecem filiados às denominações tradicionais. Nos Estados Unidos, o movimento carismático floresceu nos anos 50 e 60, e foi nas principais igrejas que a mensagem de cura e prosperidade encontrou um novo público. Esse foi um ponto crítico para aqueles evangelistas e pregadores que utilizavam o rádio, tais como Osborn, Lindsay e Hagin, pois lhes conferiu uma audiência muito mais ampla e um acesso bem maior às contribuições financeiras. Foi com o impulso dado pelo movimento carismático que a mensagem de fé e prosperidade não desapareceu, mas cresceu em alcance e influência.

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Resumindo, os ensinos de prosperidade não tiveram origem dentro do pentecostalismo. Todavia, a tendência das denomi-nações pentecostais de aceitarem afirmações de autoridade profética criou um espaço teológico onde a doutrina da prosperidade pôde se firmar e crescer. Após um período de rejeição, muitos que faziam parte das denominações pentecostais estavam seguindo os líderes que afirmavam ter tal autoridade e que, com base nela, ensinavam a doutrina da prosperidade. Nossa primeira conclusão histórica, então, é que o pentecostalismo foi o portador dessa doutrina, mas ela necessariamente não faz parte das crenças pentecostais.

2.2 As Raízes nas Seitas Metafísicas

A crença de que a cura é um direito do cristão há muito tempo faz parte de várias igrejas. Mas o ensino de que o cristão também tem direito à prosperidade e de que deve reivindicá-lo por meio da confissão positiva encontra raízes diferentes. O núcleo conceptual do evangelho da prosperidade está numa cosmovisão que remonta não à doutrina pentecostal, mas a alguns pequenos movimentos heterogêneos do início do século XX conhecidos como "seitas metafísicas" (McConnell, 1988). Talvez essas seitas possam ser consideradas o equivalente antigo daquilo que hoje conhecemos como movimento da Nova Era. Nesta parte de nossa introdução, verificaremos brevemente como as crenças dessas seitas puderam influenciar as idéias de milhões de cristãos de nossa época. A ligação doutrinária entre elas e o ensino do evangelho da prosperidade converge para apenas dois homens: Kenneth Hagin e E. W. Kenyon.

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Kenneth Hagin

Hagin nasceu em 1918, prematuro de alguns meses. Parece que isso o deixou com uma lesão congênita no coração que nunca foi exatamente diagnosticada. É certo que ele foi frágil e doente em sua infância. Para complicar mais as coisas, ele foi educado num ambiente de relativa pobreza, porque aquela foi uma época difícil na história dos Estados Unidos e também porque seu pai abandonou a família, quando Hagin tinha seis anos de idade.

Quando ele atingiu a adolescência, sua saúde piorou. Aos 16 anos foi confinado a uma cama e recebeu esperança de pouco tempo de vida. Segundo seu testemunho, ele ficou ali durante 16 meses, antes que sua vida mudasse radicalmente para melhor. Aconteceram duas coisas para inverter sua sorte: primeira, ele afirma ter recebido uma série de visões nas quais foi levado primeiro ao inferno e depois ao céu, três vezes em seguida. As viagens para o inferno afugentaram-no para o arrependimento, e as visitas ao céu conduziram-no à fé e à conversão. Discutiremos com mais detalhes essa e outras visões nos capítulos dois e três.)

Ele diz a seus seguidores que, logo depois disso, recebeu uma revelação do "verdadeiro" significado de Marcos 11.23, 24 e da natureza da fé cristã. A essência dessa revelação era que, para obter resultados da parte de Deus, o fiel deve confessar em voz alta seus pedidos e nunca duvidar de que tenham sido respondidos, mesmo que as evidencias físicas não indiquem que a oração foi atendida. Uma vez feita a oração, o fiel deve afirmar constantemente a resposta, até que surja a prova. Essa é, por certo, a essência daquilo que é hoje ensinado como "confissão

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positiva". Hagin afirma que a fonte disso não foi outra senão o próprio Senhor.

Ele nos conta que, na condição de um adolescente preso à cama, começou a colocar em prática essa nova compreensão do evangelho. Depois de pedir ao Senhor que o curasse, ele começou a declarar todos os dias que havia sido curado, repetindo sempre para si próprio que Deus tinha respondido à sua oração e que ele estava bem, não importando como se sentisse. Por fim, depois de afirmar sua saúde durante oito meses, ele saiu da cama e deu alguns passos. A cada dia ele andava um pouco mais e foi se fortalecendo aos poucos. Embora Hagin tenha tido uma saúde frágil durante muitos anos depois daquilo, ele realmente não morreu como os médicos haviam previsto e, segundo seu testemunho, nunca mais ficou doente.

As visões na adolescência de Hagin e as melhoras posteriores em sua saúde foram um ponto crítico em sua vida. Ele decidiu que iria consagrá-la ao Senhor e ganhar a vida pregando o evangelho. Ele não freqüentou um seminário, mas depois de se formar no segundo grau começou imediatamente a pastorear uma igreja batista. O primeiro pastorado não durou mais do que alguns meses depois de sua posse e, após recontar suas histórias das visões de Deus, afirmou também ter recebido o dom de línguas. Foi então convidado a sair. Ele se juntou à Assembléia de Deus, pelo fato de haver ali uma política de maior abertura diante de visões e dons espirituais. Nos 12 anos seguintes, ele pastoreou várias igrejas pentecostais na região sul dos Estados Unidos. Com a idade de 30 anos, decidiu deixar o pastorado e se tornar pregador da cura itinerante. Aqueles eram os anos 50, época nos Estados Unidos em que, como observamos acima, o movimento carismático estava crescendo rapidamente, e assim começaram a

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aparecer os grandes nomes de hoje da cura pela fé. Hagin fez um pouco de sucesso e, tendo facilidade de ensinar num estilo simples e despretensioso, começou a circular um boletim mensal. Seu público leitor cresceu com o passar do tempo e, no início dos anos 70, seu ministério tinha tamanho suficiente para justificar a construção de sua própria escola, conhecida até hoje como Instituto Bíblico Rhema.

É bom enfatizar que Hagin não tem nenhum treinamento teológico formal. Ele nunca estudou os pais da igreja, nem os reformadores, nunca teve de prestar um exame de teologia sistemática ou fazer uma lista das regras básicas de herme-nêutica. Pelo contrário, Hagin afirma ter superado a necessidade de tal treinamento. À semelhança do apóstolo Paulo, ele diz que nenhum homem lhe ensinou sua doutrina, uma vez que ele a recebeu diretamente de Cristo. (Em contraste com isso, temos Paulo, que, antes de se converter, era um rabino judeu altamente treinado.) De importância fundamental é a alegação de, instrução divina feita por Hagin. Antes de qualquer outra coisa, isso coloca o selo de aprovação de Deus sobre sua mensagem e ministério. Com efeito, discutir com Hagin é discutir com Deus. Em segundo lugar, ele nega qualquer ligação com grupos ou pessoas ou mesmo influência da parte deles. Tendo se originado na boca de Deus, seu ensino de prosperidade não tem raízes históricas, mas simplesmente caiu pronto do céu. Pelo menos é isso que ele afirma. Entretanto, aqueles que têm pesquisado a doutrina da prosperidade percebem que os ensinos de Hagin são notavelmente parecidos com os de E. W. Kenyon, pregador da cura que viveu uma geração antes. E para ele que agora nos voltamos.

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E. W. Kenyon

Kenyon participa de nossa história, porque parece que ele foi a verdadeira fonte dos ensinos de Hagin sobre a confissão positiva. Mais ou menos como Hagin, ele teve pouco treinamento teológico formal e começou seu ministério pastoreando várias igrejas, incluindo metodistas, batistas e pentecostais. Contudo, sua teologia era diferente das de todas elas e, por fim, tornou-se um evangelista itinerante sem vínculos com nenhuma denominação. Com o passar do tempo, começou a atingir um grande público por meio de seu programa de rádio e de um boletim periódico, tendo chegado ao ponto máximo de audiência no final dos anos 30 e início da década de 40. Para nós, o que mais importa é que ele produziu 18 livretos sobre seus ensinos. São esses livretos que nos permitem traçar sua ligação com Hagin. Antes de discutirmos o conteúdo deles, será bom saber algo mais dos antecedentes teológicos de Kenyon.

Embora não tenha freqüentado um seminário teológico, ele estudou em uma escola de nível inferior ao universitário. Quando jovem, matriculou-se no Emerson College, em Boston, o núcleo do movimento "transcendental" do final do século XIX e início do XX. As várias sociedades filosóficas que floresceram durante certo tempo naquele campus, àquela época, são hoje reunidas sob o título "seitas metafísicas". Muitas tiveram vida curta, e poucas sobreviveram depois da Segunda Guerra Mundial. Mas durante os anos 20 e 30, quanto estavam em seu auge, elas incluíam em seu rol pequenas sociedades conhecidas como "Escola da Unidade do Cristianismo", "Ciência Divina", "Igreja da Ciência Religiosa", "Lar da Verdade", "Igreja da Verdade", "Liga da Igreja de Cristo", "Sociedade do Cristo que Cura" e "Assembléia Cristã". Para o leitor brasileiro é difícil compreender as sutilezas

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dessas seitas orientais e as distinções entre elas, assim como não é fácil explicar para um norte-americano os diferentes tipos de espiritismo aqui no Brasil. Cada um desses grupos é característico de sua própria cultura. Para nossos fins, não é necessário conhecer detalhes de suas crenças, mas apenas captar a maneira como eles enxergam o mundo.

Em primeiro lugar, aqueles grupos eram conhecidos como "metafísicos", por ensinarem que a verdadeira realidade é "meta-física", ou seja, vai além da realidade física. Isto significa que a esfera do espírito não somente é maior do que o mundo físico, mas também controla cada aspecto dele e é a causa de todos os efeitos por ele sofrido. Alguns de seus ensinos centrais foram registrados como declarações com efeito de credo e incluem as seguintes proposições:

Todas as causas primárias são forças internas... A mente é primária e causativa... A solução para todo defeito ou desordem é metafísica, além do elemento físico, na esfera das causas, que são mentais e espirituais... Deus é imanente, Espírito que habita, Todo-Sabedoria, Todo-Bondade, sempre presente no universo. Portanto, o Mal não pode ter espaço no mundo como realidade permanente; ele é a ausência do bem... (McConnell, 1988, 39, 40).

O leitor notará que o destaque dado à esfera espiritual foi casado com a crença de que a mente humana pode controlá-la. É fundamental para as crenças desses grupos sustentar que o homem tem a capacidade inata de controlar o mundo material por meio de sua influencia sobre o espiritual. Bastam conhecimento e fé. Se o homem compreender corretamente as leis espirituais da

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vida e tiver fé para agir segundo elas, poderá atingir resultados espantosos,

Em segundo lugar, para eles a cura constituía o principal ponto de destaque. No artigo sobre essas seitas metafísicas, a Encyclopedia Britannica descreveu-as como um "movimento de cura pela mente..." (15a edição). Diziam eles que, se pensarmos de modo certo, podemos controlar nossa saúde e, se nossa capacidade mental for especialmente grande, podemos dar forma a cada aspecto de nossa vida, decidindo-nos por ter saúde e prosperidade. O leitor perspicaz observará que alguma coisa parecida com isso está sendo ensinada hoje pelo movimento da Nova Era e, em sua forma secular, pela grande variedade de livros de auto-ajuda e de motivação ao sucesso. A maioria das pessoas que lê esses livros não tem consciência de que eles contêm uma visão metafísica distinta, que pressupõe que a mente humana tem controle sobre a esfera espiritual. Kenyon, enquanto estudava no Emerson, tornou-se um seguidor fiel desses ensinos "transcendentais". Ele acreditava que essa forma de ver o mundo não somente era compatível com o cristianismo, mas também oferecia um aperfeiçoamento da espiritualidade cristã tradicional. Decidiu, então, reunir a fé cristã na redenção por meio de Cristo e o ensino transcendental de que a mente pode controlar a realidade. Mediante o uso correto da mente, os benefícios da redenção podiam ser reivindicados pelo fiel. Durante o restante de sua vida, ele fez questão de ensinar essa nova interpretação das Escrituras, certo de que aquilo representava um aperfeiçoamento maravilhoso da tradição cristã e de que traria à tona um cristianismo melhor, no qual todos os que seguissem a Cristo gozariam de saúde e prosperidade durante toda a vida. Não havia limite para as possibilidades — talvez surgisse uma super-raça de cristãos que não mais estariam presos à doença ou a

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pobreza. Conscientes do poder que estava à disposição deles na esfera espiritual, esses cristãos poderiam assumir o controle do mundo nos últimos dias antes da volta de Cristo (McConnell, 1988, 51).

Retornemos agora a Hagin e à sua interpretação de Marcos 11, que ele afirma ter recebido enquanto estava doente, em 1934. Ele diz que aquela visão foi o início de sua nova compreensão da Bíblia e, tendo saído da boca do Senhor, era a Palavra de Deus autêntica. Entretanto, existe outra explicação, que deriva do fato de que os escritos de Hagin são muito parecidos com os de Kenyon, e isso não é coincidência. Parece que, enquanto era jovem. Hagin leu muita coisa escrita por Kenyon. As semelhanças entre os livros que Kenyon escreveu sobre cura, prosperidade, e confissão positiva e aqueles que Hagin mais tarde escreveu, afirmando terem vindo diretamente de Deus, ficam evidentes para qualquer pessoa que tenha em mãos as duas coleções de livros. De fato, em alguns casos, Hagin não somente leu os textos de Kenyon; ele copiou palavra por palavra e, depois, lançou os resultados como se fossem fruto de seu trabalho. Por exemplo, quase 75% da edição original do livro A Autoridade do Crente coincide palavra por palavra com um livreto anterior de Kenyon, publicado em sua origem com o mesmo título. Desse modo, não nos causa nenhuma surpresa o fato de os ensinos de ambos serem os mesmos. É claro que nem todos os livros de Hagin são cópias dos de Kenyon mas as semelhanças são grandes. Depois de fazer uma comparação entre os escritos dos dois, McConnell escreveu: "Até as doutrinas que fizeram de Kenneth Hagin e do Movimento da Fé uma força poderosa e distintiva dentro do movimento carismático independente são plagiadas de E. W. Kenyon" (1988, p.7).

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Hagin nega de modo inflexível que isso seja verdade. Ele diz que nunca plagiou Kenyon e que seus ensinos vieram diretamente da boca do Senhor. Somente depois de 1979, quando as semelhanças entre os livros foram apontadas por vários leitores, ele veio a admitir ter lido as obras de Kenyon. Mesmo assim, ele tem certeza de que não estudou nenhum dos escritos de Kenyon antes de 1950, ou seja, 13 anos depois de ter recebido a revelação que fez seu ministério decolar. Então, como ele explica as semelhanças? Hagin diz que elas se devem ao fato de ambos os escritos serem a Palavra de Deus.

A conclusão dessa história é que a teologia de Hagin tem suas raízes nos escritos de Kenyon, os quais, por sua vez, estão baseados numa cosmovisão estranha ao cristianismo. Por isso, constitui ponto de destaque nessa introdução dizer que, apesar de o evangelho da prosperidade ter se difundido dentro do círculo pentecostal, ele não teve ali sua origem e não faz obrigatoriamente parte de seus ensinos. Parte do alvo deste trabalho é isolar essa influência estranha e demonstrar sua incompatibilidade com o cristianismo bíblico.

3. Prévia do Conteúdo

Os quatro capítulos restantes deste livro assumem a seguinte forma: no capítulo dois, os ensinos da teologia da prosperidade serão apresentados de maneira sistemática. As fontes estarão quase inteiramente limitadas aos escritos de Hagin, muitos dos quais se encontram em português. Estes serão ocasionalmente complementados com aquilo que escrevem R. R. Soares ou Ken Copeland, mas Hagin é merecidamente conhecido como o pai da

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doutrina da prosperidade, e até esta data seus escritos fornecem a melhor exposição de suas idéias.

O leitor poderá fazer a objeção de que existem diferenças importantes entre Hagin e outros indivíduos que pregam a doutrina da prosperidade. É verdade que o evangelho da prosperidade é antes um movimento, não uma denominação, e, portanto, cada pessoa faz e ensina aquilo que acha mais apropriado. Entretanto, parece haver um grau razoável de homogeneidade nas crenças. Este livro teve origem num ambiente de aulas de seminário, e uma das tarefas que cada aluno recebeu foi a de ir a uma igreja que estivesse ensinando a doutrina da prosperidade e depois fazer um relatório sobre aquilo que ouviu. Os resultados confirmaram a suspeita de que o evangelho da prosperidade pode ser um movimento que cruza as fronteiras denominacionais, mas seus verdadeiros ensinos variam muito pouco e são muito bem abrangidos pelos escritos de Hagin.

O capítulo dois considerará a teologia da prosperidade sob três aspectos diferentes: l) autoridade espiritual; 2) saúde e prosperidade; 3) confissão positiva. Os mesmos títulos serão usados como temas divisores no capítulo três, onde será oferecida uma resposta a cada ponto em particular. Na divisão intitulada "Autoridade Espiritual", provarei que as afirmações de Hagin e outros quanto à autoridade profética não resistem ao escrutínio. Em segundo lugar, na seção chamada "Saúde e Prosperidade", tentarei mostrar que as promessas feitas são baseadas numa exegese da Bíblia que se revela defeituosa e de qualidade inferior. Em terceiro lugar, na parte intitulada "Confissão Positiva", procurarei demonstrar que as regras e os métodos dessa prática tem suas raízes numa cosmovisão que tem

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mais a ver com as seitas metafísicas do que com o cristianismo bíblico.

O capítulo quatro analisará com mais detalhes a cosmovisão que está por trás da doutrina da prosperidade. Embora os tópicos desse capítulo raramente sejam pregados nos púlpitos da prosperidade, eles são essenciais para compreendermos a razão pela qual essa teologia faz as afirmações que vemos. A discussão será dividida em cinco áreas: o dualismo da natureza humana, do conhecimento humano, da salvação, dos deuses e, por fim, do problema do mal.

No final, no capítulo cinco será oferecido um resumo que compara a espiritualidade da doutrina da prosperidade com a espiritualidade da Bíblia.

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Capítulo Dois OS ENSINOS DA TEOLOGIA DA PROSPERIDADE Qual é a mensagem do evangelho da prosperidade como um todo? Como ele justifica sua afirmação de que é uma nova e melhor interpretação da Bíblia? O que o cristão precisa fazer para conseguir gozar a promessa de saúde e prosperidade? Neste capítulo, tentaremos apresentar de forma ordenada os ensinos da doutrina da prosperidade, começando com sua alegação de autoridade espiritual, seguida pelas promessas feitas com base nessa autoridade, até chegarmos às regras ou método necessário para a obtenção daquilo que é prometido.

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Introdução

Conforme observamos acima, o evangelho da prosperidade será considerado de acordo com as três divisões seguintes: "Autoridade Espiritual", "Saúde e Prosperidade" e "Confissão Positiva". Juntas, elas perfazem um sistema coeso. É claro que o leitor não irá encontrar esse tipo de apresentação em nenhum dos livros de Hagin nem ouvi-lo num sermão, pois essas categorias são extraídas a partir de uma análise cuidadosa de seus livros, vistos como um todo e organizados de maneira lógica. O leitor descobrirá que, uma vez que a teologia de Hagin e assim organizada, seus escritos fazem mais sentido. Presume-se que muitos leitores deste livro leram poucos ou nenhum dos livros sobre prosperidade que se encontram à venda. Talvez você tenha tido contato com a doutrina da prosperidade somente por meio do rádio ou da televisão ou ouvido falar sobre ela em conversas com amigos e membros de sua igreja, sem nunca havê-la conhecido de forma direta. Por isso, forneceremos citações extensas das obras de Hagin. Isso dará condições ao leitor de julgar por si próprio se as análises e respostas aqui oferecidas são justas e convincentes. O leitor deve manter em mente que o propósito do capítulo dois é somente de expor a doutrina da saúde e da prosperidade e não apresentar uma resposta a ela. Todos os comentários críticos foram colocados no capítulo seguinte, onde se encontra uma resposta a cada questão levantada.

Uma palavra sobre as citações: as de Hagin serão seguidas pela palavra principal extraída do título do livro que está sendo citado. Para localizar o texto, o leitor precisa simplesmente encontrar o

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título completo do livro na bibliografia no final deste volume e, então, verificar o número da página. Por exemplo, a referência (Unção, 9) significa que a citação foi extraída da página 9 do livro de Hagin chamado Compreendendo a Unção. Todos os demais livros citados seguirão este padrão: nome do autor, data de publicação e, se necessário, número da página.2

1. Autoridade Espiritual A semelhança de muitas igrejas carismáticas e pentecostais, Hagin ensina que Deus está ungindo profetas nos dias de hoje. Tais homens são porta-vozes de Deus e, portanto, trazem consigo a autoridade do próprio Senhor. "Deus ainda está ungindo profetas hoje. Esses profetas são porta-vozes dEle..." (Unção, 9). Ele ridiculariza aquelas denominações que ensinam que a autoridade apostólica cessou com a morte dos Doze, dizendo que "o diabo já ludibriou denominações inteiras", fazendo-as pensar que esse dom cessou com os Doze (Nome, 51), Não nos surpreende o fato de Hagin afirmar ser um desses porta-vozes escolhidos, e seus sermões e escritos estão repletos de mensagens e visões da parte de Deus. As expressões encontradas com maior freqüência em seus livros são: "tive uma visão", "tive uma visão espiritual rápida" ou "o Senhor me disse". Algumas vezes essas visões são de natureza espetacular, à semelhança da vez em que ele foi levado ao inferno três vezes num único dia.

2 Os textos extraídos dos livros de Hagin em português e os do livro de R. R. Soares serão citados na íntegra, incluindo os erros gramaticais, freqüentes naquelas publicações (nota do tradutor).

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... conforme já preguei muitas vezes, eu mesmo fui para o inferno. Foi no dia 22 de abril de 1933, às 19:30 do sábado... meu coração parou em meu peito, e senti a circulação desligada... tive a sensação de pular para fora do meu corpo... Comecei a descer. Desci cada vez mais fundo, como se fosse em direção ao fundo de um poço. Olhei para cima, e ainda via as luzes da Terra, muito acima de mim. Quanto mais descia, tanto mais escuro ficava. Finalmente, as trevas me envolveram... Minha mente, minha alma, estava intacta... Vi lá longe, na minha frente, uma chama alaranjada gigante, com uma crista branca. Então cheguei ao portão, à entrada, aos portais do próprio inferno. Algum tipo de criatura estava me esperando no fundo do poço... a criatura... agarrou o meu braço... No momento em que aquela criatura me pegou pelo braço para me escoltar para dentro, uma voz falou... Não consegui compreender o que a voz dizia... Quando, porém, Ele falou aquilo, seja o que for... aquele local inteiro tremeu e estremeceu como uma folha no vento. Então aquela criatura largou o meu braço, e alguma coisa como uma sucção, puxando-me irresistivelmente pelas costas, sem me virar, me puxou para trás, para longe da entrada do inferno e das trevas do abismo, e subi... O cenário inteiro repetiu-se três vezes (Crescimento, 38-40).

A mesma experiência repetiu-se algum tempo depois, mas dessa vez a direção foi para cima, em vez de para baixo:

E quatro meses mais tarde, no dia 16 de agosto de 1933, às 13:30, fiquei sabendo de novo que estava morrendo... tive a mesma sensação que já tivera antes. Mas desta vez, eu era

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salvo!... Dessa vez a viagem não era para baixo, mas para cima (Crescimento, 41; veja também Nome, 63).

Muito mais importantes do que essas viagens para o céu e para o inferno são suas afirmações de ter sido instruído pessoalmente por Jesus em assuntos de doutrina. Ele alega ter recebido não menos do que oito visitas pessoais de Jesus que visavam ensinar-lhe a verdade. As seguintes passagens são bem características:

Em dezembro de 1952, enquanto eu e um pastor orávamos na cozinha da sua casa pastoral, o Senhor Jesus Cristo apareceu diante de mim numa visão. Disse: "Vou-lhe ensinar a respeito do diabo, dos demônios, e dos espíritos maus"... Fiquei arrebatado naquela visão durante uma hora e meia enquanto Jesus me ensinava. (Nome, 78.)

Certa noite, enquanto alguns amigos se preparavam para servir um lanche depois de um culto em Phoenix, Estado da Arizona, recebi da parte do Espírito Santo um impulso excepcionalmente forte para orar... "Estou obrigado a orar agora", falei aos meus amigos. "Oremos todos nós, portanto", concordaram. Mal meus joelhos tocaram no chão, e eu já estava no Espírito... Durante 45 minutos, orei em línguas, com gemidos... Em seguida, tive uma visão... Então, o próprio Senhor Jesus apareceu a mim. Vi-O tão claramente quanto poderia ver você. Ele ficou menos de um metro de distância de mim. Tratou de assuntos que diziam respeito ao meu ministério e à minha situação financeira, e até mesmo ao nosso governo dos Estados Unidos... Terminando, Ele me exortou: "Seja fiel e cumpra seu ministério, meu filho, pois o tempo está curto". Essa visão me foi dada em dezembro de 1953. Jesus virou-Se, e

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começou a afastar-Se, mas falei: "Querido Senhor Jesus, antes de ires embora, posso fazer-Te uma pergunta? Jesus deu uns passos de volta, ficou em pé perto de onde me ajoelhava, e disse: "Pode." (Crescimento, 75, 76.)

Quero voltar... para aquilo que Jesus me disse em fevereiro de 1959 em El Paso, Texas. Eram seis e meia da tarde. Eu estava sentado na cama, estudando... Ouvi passos. A porta do meu quarto estava semi-aberta, uns 30 ou 40 centímetros. Olhei, portanto, para ver quem estava entrando no meu quarto. Esperava ver alguma pessoa física, literal. Mas quando olhei para ver quem era, vi Jesus. Parecia que os cabelos do meu pescoço e da minha cabeça ficaram eriçados, totalmente em pé. Caroços de arrepio surgiram de repente em todas as partes do meu corpo. Vi-O. Ele estava usando vestes brancas. Estava usando sandálias romanas. (Jesus apareceu na minha frente oito vezes. Em todas as demais ocasiões, senão esta, Seus pés estavam descalços. Desta vez, Ele usava sandálias; foram as sandálias que eu escutara). Ele parecia medir cerca de 1 metro 80 centímetros, e dava a impressão de pesar cerca de 82 kg. Ele passou pela porta e a empurrou para trás até quase fechá-la. Andou em derredor do pé da minha cama. Eu O seguia com os olhos — quase fascinado. Ele pegou uma cadeira de costas retas e a puxou para perto da minha cama. Depois, sentou-se nela, dobrou as mãos, e começou Sua conversa, dizendo: "Disse-lhe anteontem à noite no automóvel pelo Meu Espírito"... (Dirigido, 29, 30; veja também Planos, 99; Unção, 39.)

Tais sessões educativas devem ter grande importância no reino celestial, pois Hagin relata que, às vezes, demônios tentam

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impedir que ele tenha percepção do ensino de Jesus durante essas visitas.

Em 1952, o Senhor Jesus Cristo me apareceu numa visão... No final daquela visão, um espírito maligno que parecia um macaquinho ou um duende correu entre mim e Jesus, espalhando alguma coisa parecida com fumaça ou nuvem escura. Então este demônio começou a pular, gritando com uma voz estridente: "Iaqueti-iac, iaqueti-iac, iaqueti-iac". Eu não podia ver a Jesus, nem entender o que Ele dizia. (Durante todo o tempo dessa experiência, Jesus estava me ensinando alguma coisa... Não podia compreender por que Jesus permitia ao demônio fazer tanta algazarra... (Autoridade, 37.)

As entrevistas de Hagin com o Senhor são tão profundas e ele é levado para tão longe da terra que, às vezes, tem medo de entrar demais na dimensão espiritual, a ponto de não poder voltar.

Não sei se você já teve alguma experiência no Espírito, ou não, mas eu já tive muitas, e posso falar-lhe com a mais perfeita sinceridade: Quando vem aquela unção, quase ficamos com medo do ponto de vista natural, porque temos medo de não podermos voltar. (Unção, 145.)

A autoridade espiritual de Hagin é apoiada não apenas por afirmações de visões do céu e do inferno e instruções pessoais com Cristo. Ele também descreve com alguns detalhes unções especiais de espiritualidade. Estas apresentam vários aspectos diferentes; por exemplo, ele diz que, às vezes, fica em oração durante horas, sem ter noção do tempo que passa (Planos, 36, 99). Outras vezes, ele sente uma unção de grande poder,

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enquanto prega, e descreve-a como sendo semelhante a uma capa ou manto caindo sobre seus ombros. Há oportunidades em que tal sentimento é muito intenso, e ele entra em êxtase:

Às vezes no ministério, quando a unção vem sobre mim, parece que um manto desce sobre mim. Parece que estou vestindo um manto, um casaco, quando na realidade, não estou. Mas o poder de Deus — a unção — me envolve tanto que me sinto vestido assim. (Unção, 99; veja também 125.)

... veio sobre mim a unção. De novo, era como se alguém tivesse passado por mim correndo e jogado uma capa sobre mim. Sentia-a em todo o corpo. Sabia, de novo, que a unção não duraria por muito tempo, porque eu não poderia agüentá-la fisicamente... Fiquei arrebatado naquela glória, e me contaram depois, que toda pessoa tocada por mim caiu... (Unção, 141.)

Em Dezembro de 1962, eu estava pregando em Houston... De repente, senti um vento soprando sobre mim. Veio com tamanha força que me derrubou ao chão e caí em êxtase... Vi... Jesus. (Planos, 34.)

Há vezes em que ele se vê cercado por uma nuvem de glória, enquanto prega.3

Certo domingo de noite... tinha pregado durante uns 15 minutos, ungido pelo Espírito Santo, quando, então, o poder de Deus entrou naquele auditório da igreja e o encheu

3 A presença de uma nuvem de glória era uma afirmação comum entre os pregadores, durante os avivamentos de cura que vieram depois da Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos (McConnell, 74).

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como nuvem. Não consegui ver nem um só membro — estava dentro da nuvem. Escutava o som da minha voz, mas não reconhecia uma única palavra daquilo que dizia... Finalmente, consegui enxergar pessoas nas três primeiras fileiras de assentos. Então, a unção começou a desaparecer. (Unção, 50; veja também 54, 83.)

Hagin afirma que há vezes em que seus seguidores vêem seu rosto brilhar, pelo fato de estar na nuvem de glória (Unção, 51). Ele diz que, depois dessas experiências de êxtase, não consegue andar durante algum tempo nem dirigir um carro. Antes, prefere simplesmente ficar sozinho, sem falar com ninguém nem ser tocado por nenhuma pessoa, a fim de que não seja trazido de volta muito rapidamente de seu êxtase espiritual (Unção, 143).

Além de uma espiritualidade profunda e poderosa, Hagin também alega ter recebido dons especiais de inteligência e presciência. Depois de sua conversão, sua inteligência aumentou entre 30 e 60% (Dirigido, 54), e ele recebeu o dom de uma memória perfeita (Unção, 58). Como se isso não bastasse para transformá-lo num erudito de primeira linha, ele também recebeu diretamente do Senhor o dom de ensino e o de cura:

Lembro-me, porém, de certa quinta-feira às três horas da tarde... Enquanto atravessava a sala... e estava bem no centro dela, algo caiu sobre mim e para dentro de mim. Desceu dentro de mim com um "clique," como quando a ficha telefônica é recebida... Sabia do que se tratava. Era um dom de ensino... Falei: "Agora sei ensinar". (Unção, 58, 59.)

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Quando o Senhor apareceu a mim naquela primeira visão em 2 de setembro de 1950... Ele tocou nas palmas das minhas mãos com o dedo da Sua mão direita... e disse: "Chamei-te e te ungi e te dei uma unção especial para ministrar aos enfermos". (Unção, 137, 138.)

Hagin sempre recebe conhecimento do futuro, principalmente quando se trata de prever uma desgraça iminente. Por exemplo, ele diz que Deus o avisa de um problema que se aproxima, sempre que se hospeda na casa de alguém:

Na realidade, até agora nunca fiquei hospedado na casa de ninguém sem Deus me advertir no tocante a qualquer tragédia iminente. Se estivesse para haver alguma morte entre aquela família dentro dos dois anos futuros, Ele me contava. (Unção, 89.)

Ele soube com antecedência, por meio de uma visão, com quem iria se casar e os filhos que iria ter (Planos, 33).

Os mais espetaculares milagres de Hagin encontram-se relatados nos boletins enviados regularmente aos seguidores nos Estados Unidos. Eles ainda não foram publicados no Brasil, mas apresentam afirmações muito mais dramáticas, incluindo milagres de levitação e até ressurreição dos mortos. D. R. McConnell, responsável pela produção dos mais bem pesquisados relatos do ministério de Hagin, descreve alguns desses acontecimentos miraculosos:

Em 1937, Hagin foi ordenado ministro da Assembléia de Deus e pastoreou várias igrejas pequenas no estado do Texas. Por ser pentecostal, seu ministério cresceu ainda mais para o lado abertamente sobrenatural. Além da nuvem

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de glória e das pregações em estado de suspensão temporária das funções vitais, Hagin descreve reuniões em que, numa delas, uma mulher levitou à meia-altura, enquanto dançava, e outra ficou fisicamente congelada, num transe de catalepsia, durante 8 horas e 40 minutos. As curas eram freqüentes, e no ministério pastoral de Hagin chegaram a acontecer até supostas ressurreições dos mortos. (McConnell, 1988, 60.)

Talvez a afirmação mais notável de Hagin seja a de que, em 45 anos, ele nunca ficou desanimado, preocupado ou enfrentou alguma luta.

Ouço as pessoas, Deus abençoe o coração delas, que falam a respeito de estar no vale, e depois, de estar na montanha, para então voltarem ao vale. Eu nunca fui para o vale. Faz 45 anos que sou salvo, e nunca fui para lugar algum senão para o cume das montanhas... Oh, sim, tem havido provas e provações, mas eu fiquei no cume da montanha, gritando a vitória o tempo todo — vivendo acima dos problemas! (Dirigido, 73, 74.)

Muito mais pode ser dito. Na verdade, se extraíssemos todos os relatas de sinais e maravilhas daqueles textos já publicados no Brasil poderíamos formar um livreto de tamanho razoável. Aqueles citados aqui servem para que o leitor tenha um quadro geral. A esta altura, precisamos nos lembrar do motivo dessas visões, sinais e maravilhas. Eles são fornecidos para dar substância à alegação de Hagin no sentido de ser um profeta de Deus dos dias de hoje, que recebeu uma revelação nova para os últimos tempos. Suas afirmações de visões e dons de profecia

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justificam seu ministério público e colocam o selo de aprovação divina sobre seus ensinos.

Vale notar que Hagin não tolera qualquer questionamento de seus ensinos. Ele não permite que suas visões sejam objeto de discussão por parte de seus seguidores. O relato seguinte de um confronto com sua própria esposa ilustra dramaticamente essa questão:

Após um caso sobrenatural de levitação em um de seus cultos, a própria esposa de Hagin, o irmão e a esposa do pastor, em cuja igreja ele estava ministrando, questionaram se aquele fenômeno era de Deus. No dia seguinte, enquanto ele orava, a "palavra do Senhor" veio a Hagin, instruindo-o a tocar levemente a testa dos três com seu dedo mínimo. Ao tocar sua esposa, ela caiu de costas no chão, "como se tivesse sido atingida por um taco de beisebol". À semelhança dela, os outros dois também foram "abatidos no Espírito". As três vítimas paralisadas ficaram "coladas no chão". Quando o pastor, logicamente preocupado, tentou levantar sua esposa, ele "não conseguiu sequer levantar o braço dela do chão, muito menos seu corpo". Então, uma voz deu instruções a Hagin para que se ajoelhasse diante de cada um deles. Diga-lhes que tentem se levantar. Depois, pergunte-lhes se admitem que o que está acontecendo deve-se ao poder de Deus". Ao tentarem se mexer e verem que estavam completamente imobilizados, os três, é claro, dispuseram-se a admitir que o poder e o ministério de Hagin eram de Deus. Então, a voz instruiu a Hagin para que os "soltasse", tocando novamente a testa de cada um com seu dedo. Eles haviam sido convencidos. Se, obedecendo à voz interior, Hagin podia fazer tudo isso

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somente com seu dedo mínimo, era inevitável que tais julgamentos proféticos aumentassem, à medida que seu ministério crescia. Em 1959, em sua sexta visão de Jesus, o Senhor disse a Hagin... (que) se uma igreja se recusasse a aceitar seu ministério, Deus iria retirar dela seu candeeiro. Por mais sérias que sejam essas conseqüências para a igreja, elas não são nada se comparadas ao julgamento pronunciado sobre o ministério de um indivíduo que desafie o trabalho profético de Hagin. Afirmando que "se um pastor não aceitar essa mensagem, então lhe sobrevirá julgamento", Hagin escreve; "O Senhor me disse: Se eu lhe der uma mensagem destinada a um indivíduo, igreja ou pastor e eles não a aceitarem, você não será responsável. Eles serão responsáveis. Haverá ministros que não a aceitarão e cairão mortos no púlpito".

Aqueles que pensam que essas declarações não passam de vãs ameaças ou de hipérbole profética devem ouvir mais o "profeta": "Digo isso com relutância, mas realmente aconteceu num lugar onde eu havia pregado. Duas semanas depois da reunião, o pastor caiu morto no púlpito. Eu havia saído chorando da igreja e disse ao pastor da igreja seguinte, onde eu fora dirigir uma reunião: "Aquele homem vai morrer no púlpito". E isso aconteceu pouquíssimo tempo depois. Por quê? Porque ele não aceitou a mensagem que Deus me deu para lhe entregar diretamente do Espírito". Se um ministro pode ter um destino assim, o que dizer de um mero leigo que ouse questionar a mensagem de Hagin? Na publicação original deste material, Hagin também avisou que "nos últimos dias, haverá leigos que cairão mortos na igreja, à semelhança de Ananias e Safira. Eles mentiram para Deus". (McConnell, 1988, 66. 67.)

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Hagin diz que aqueles pregadores e leigos que rejeitarem seu ensino serão atingidos de morte, como Ananias e Safira, e que a ira divina cairá sobre aqueles que não seguem suas idéias. Desse modo, não somente sua teologia vem diretamente de Jesus, mas também a ira divina arde contra aqueles que se opõem a seu ministério de ensino.

Hagin é um bom exemplo do tipo de autoridade que os líderes do movimento da prosperidade alegam ter, e seus escritos demonstram bem o destaque extraordinário que é dado aos sinais e maravilhas dentro do movimento. Visões, profecias, entrevistas com Jesus, curas, palavras de conhecimento, falar em línguas, ser abatido no Espírito, nuvens de glória, rostos que brilham com luz sobrenatural, conhecimento do futuro, rejeição de dores de cabeça e gripes por meio de uma palavra de comando, etc; esses são os elementos que tornam emocionante a doutrina da prosperidade. Eles não apenas verificam que Deus está presente e em atividade, mas também contribuem para sermões fascinantes.

Entretanto, essas histórias e casos não estão sozinhos. Eles são sustentados pelo pressuposto teológico de que sinais e maravilhas têm um lugar importante na igreja, pois se afirma que o poder de Jesus para operar milagres foi cedido para o uso da igreja. O argumento que apóia essa afirmação tem dois aspectos diferentes. Primeiro, observa-se que os milagres são um fator importante do ministério de Jesus, a maioria dos quais constituída de curas. Na verdade, dos 33 milagres registrados nos evangelhos, 17 são curas e quatro outros são exorcismos que envolviam cura. A leitura dos autores dos evangelhos deixa claro que Jesus era capaz de curar quando quisesse e que ele curou todos os que o procuraram com esse propósito. Mateus 9.35 diz que "percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando... pregando... e

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curando toda sorte de doenças e enfermidades". Em nenhum lugar se vê Jesus mandar embora uma pessoa que desejasse ser curada. Nas ocasiões em que se diz que Jesus operou poucos milagres ou mesmo nenhum, a incredulidade é apresentada como causa imediata daquilo, embora isso não queira dizer que Jesus não poderia ter exercido seu poder se quisesse (Mc 6.5, 6). Com base nessa ênfase no Novo Testamento, a doutrina da prosperidade afirma que o mesmo poder para realizar milagres encontra-se hoje à disposição da igreja. O raciocínio é este: uma vez que Jesus permanece o mesmo (Hb 13.8), ele deve estar disposto a curar agora, como estava naquela época. Sobretudo, o próprio Jesus afirmou que seus seguidores fariam obras maiores do que as dele (Jo 14.12). Assim, alega-se que a conclusão disso tudo é a seguinte: os cristãos devem ser capazes de realizar aquilo que Cristo realizou enquanto estava presente em seu corpo sobre a terra (Duffield, 1983, II: 137-218).

O segundo aspecto desse argumento é que o poder de cura revelado pelos apóstolos, enquanto viveram, mostra que Jesus, de fato, concedeu seu poder à igreja. A missão que Cristo deu aos doze (Mt 10.1; Lc 9.1) e aos setenta (Lc 10.9), ao enviá-los para pregar, inclui a ordem de curar os doentes. Essa incumbência é renovada pelo Cristo ressurreto, em Marcos 16.18, que ordena a imposição de mãos sobre os doentes e acrescenta a promessa de que estes serão curados. Afirma-se que Lucas registra o cumprimento dessa promessa em seu livro de Atos, pois ele está repleto de milagres, incluindo as narrativas em que Pedro cura o homem coxo, na porta do templo (3.1ss.), da cura de Enéias, em Lida (9.32ss.), e de Tabita, em Jope (9.36ss.). Lucas também registra a cura de um paralítico em Listra (14.8ss.), do pai de Públio, em Malta (28.7, 8), e a restauração de Êutico à vida, em Trôade (20.9ss.). Conclui-se que Atos revela aquilo que Deus

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espera de sua igreja, pois o mesmo poder concedido aos apóstolos também foi dado à igreja. Portanto, o poder de Jesus para a realização de milagres é um dom permanente concedido à igreja, e esta deve manifestar tais sinais e maravilhas em seu dia-a-dia.

Os próprios escritos de Hagin são incomuns, por causa da quantidade e de sua natureza dramática, mas não deixam de ser coerentes com a teologia que se encontra por trás deles, a qual garante a possibilidade de autoridade e autenticação apostólicas nos dias de hoje. Isso traz duas implicações para aquelas igrejas e pastores que seguem Hagin e os ensinos sobre prosperidade. Primeira, eles são obrigados a aceitar a responsabilidade que decorre do fato de crerem que a autoridade profética ou apostólica encontra-se presente na igreja de hoje, pois é exatamente isso que Hagin afirma. Qualquer pessoa que aceite a doutrina da prosperidade, está aceitando Implicitamente a afirmação de Hagin de que essa nova doutrina foi-lhe ensinada por Jesus Cristo em pessoa. Segunda, as alegações de Hagin de autoridade apostólica são apoiadas por suas histórias mira-culosas. Aquelas igrejas e pastores que seguem os ensinos da prosperidade são obrigados a aceitar a responsabilidade de garantir a validade dos sinais e maravilhas entre seus membros. Voltaremos a esse ponto no capítulo seguinte para oferecer algumas idéias que recomendam prudência no consentimento com tais afirmações.

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2. Saúde e Prosperidade Chegamos agora às promessas centrais da doutrina da prosperidade: o direito que todo cristão tem de gozar de saúde e riqueza. Hagin não se cansa de dizer que as duas coisas representam sempre a vontade de Deus para o cristão:

Nós, como cristãos, não precisamos sofrer reveses financeiros; não precisamos ser cativos da pobreza ou da enfermidade! Deus proverá a cura e a prosperidade para Seus filhos se eles obedecerem aos Seus mandamentos... Deus quer que Seus filhos... tenham o melhor de tudo. (Limiares, 66.)

São essas promessas que tornam tão atraente o evangelho da prosperidade. Embora estejam logicamente ligadas, faremos distinção aqui entre as afirmações quanto à saúde e aquelas que dizem respeito à riqueza ou prosperidade.

2.1 Saúde

A teologia da prosperidade não se cansa de repetir que nem doenças nem problemas financeiros são da vontade de Deus para o cristão, nem é necessário que este se confronte com eles durante a vida.

As doenças e as enfermidades não são da vontade de Deus para o Seu povo. Ele não quer que a maldição paire sobre os Seus filhos por causa da desobediência; Ele quer abençoá-los com a saúde... Não é da vontade de Deus que fiquemos doentes. Nos dias do Antigo Testamento, não era

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da vontade de Deus que os filhos de Israel ficassem doentes, e eles eram servos de Deus. Hoje, somos filhos de Deus. Se Sua vontade era que nem sequer Seus servos ficassem doentes, não pode ser Sua vontade que Seus filhos fiquem doentes! As doenças e as enfermidades não provêm do amor. Deus é amor... Nunca diga a ninguém que a enfermidade é a vontade de Deus para nós. Não é! A cura e a saúde são a vontade de Deus para a humanidade. Se a enfermidade fosse a vontade de Deus, o céu estaria cheio de enfermidades e doenças. (Redimidos, 18-20.)

Se a vontade de Deus é sempre de que o cristão esteja bem, então o contrário deve ser verdade; a doença nunca é da vontade de Deus para o fiel. O testemunho de Hagin nesta área é um bom exemplo. Ele alega não ter sofrido mais do que uma dor de cabeça em toda a fase adulta de sua vida: "A última dor de cabeça que senti foi em agosto de 1933" (Unção, 31). Mas, o que falar daquelas passagens bíblicas que se referem aos problemas na vida, tais como, por exemplo, 2 Coríntios 6.4-6, onde Paulo diz que o cristão pode esperar aflições de todo tipo? Isso não inclui as várias espécies de doença? Hagin diz que não. O cristão pode passar por problemas, embora Hagin não os defina, mas eles nunca incluem as doenças.

Falamos em pessoas "aflitas" com enfermidades. Mas a palavra grega aqui traduzida "aflições" significa "nas provas" ou "nas provações". (Necessário, 12.)

Quando a Bíblia fala no sofrimento, não se refere à "enfermidade". Não temos nenhum motivo para sofrermos com enfermidades e doenças, porque Jesus nos redimiu delas. (Necessário, 8.)

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Sim, há sofrimento, mas não doença e enfermidades. Graças a Deus que não precisamos padecer tais coisas, porque Cristo carregou sobre Si as nossas enfermidades. (Necessário, 43.)

A interpretação de 2 Coríntios 11.23-31, onde Paulo se refere aos sofrimentos que ele suportou por Cristo, é da mesma natureza. Paulo conclui, no versículo 30: "Se tenho de gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza". Hagin diz que a idéia que Paulo tem de fraqueza, nessa passagem, "nada tem que ver com enfermidades; trata-se das provas e provações que o apóstolo acaba de mencionar" (Necessário, 13). Outras passagens que se referem a aflições são interpretadas de maneira semelhante. Salmos 34.19, por exemplo, diz: "Muitas são as aflições do justo, mas o Senhor de todas o livra". Este é o comentário que Hagin faz dessa passagem:

No Antigo Testamento, essa palavra "aflição" não significa doença nem enfermidade; a palavra hebraica realmente significa "teste" ou "provação". É isso que nossos problemas são: testes e provações". (El Shaddai, 22.)

E aquelas passagens nas Escrituras onde alguém é mencionado de forma específica como estando doente, a exemplo de Timóteo (1 Tm 5.23), Epafrodito (Fp 2.27) e Trófimo (2 Tm 4.20)? Hagin responde a isso de duas maneiras diferentes em ocasiões distintas. Uma resposta diz que as referências à enfermidade no Novo Testamento sempre destacam a cura, em vez da doença. Esta é mencionada apenas para mostrar que a cura de Deus estava a caminho. A segunda resposta, sem demonstrar necessária coerência com a primeira, afirma que aquelas poucas passagens que se referem a um cristão doente devem ser

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interpretadas no sentido de que faltava fé à pessoa enferma. Se esta possuísse fé suficiente, não haveria qualquer registro de enfermidade. Permanece a passagem onde Paulo descreve a si próprio como tendo um espinho na carne (2 Co 12.7). Mas aparentemente, esse trecho não apresenta tamanha dificuldade, pois Hagin responde que o espinho de Paulo não se referia a uma enfermidade física. Antes, ele está falando de algum outro tipo de problema, tal como perseguição, um demônio ou alguma tentação ao pecado.

Essas respostas podem ser satisfatórias se aplicadas aos personagens bíblicos, mas o que dizer de um cristão que adoece nos dias de hoje? Como ele deve interpretar a doença, se a saúde faz parte de seus direitos como cristão? A resposta mais comum, seja de Hagin ou de qualquer outro pregador da doutrina da prosperidade, é esta: a doença não é um problema com o qual devamos nos preocupar. Se alguém ficar doente, essa pessoa sempre terá a cura à sua disposição. Um pregador da cura dos dias de hoje é citado como autor das seguintes palavras: "Ser curado de câncer é tão fácil quanto ter os pecados perdoados" (Biederwolf, 1934, 10). Entretanto, é óbvio que muitos cristãos adoecem e alguns deles morrem. Por que isso acontece? Razões diversas são mencionadas por diferentes pregadores da cura, mas todas elas se encaixam numa lista de cinco: primeira, à semelhança dos personagens bíblicos, as pessoas de hoje adoecem por falta de fé. Se elas crerem, a cura estará à espera dela. Segunda, muitas pessoas estão doentes por desconhecerem seus direitos como cristãs. Elas seriam curadas imediatamente, se conhecessem a interpretação correta da Bíblia. Terceira, alguns estão doentes simplesmente porque não pedem ajuda. Em quarto lugar, em alguns casos, existe pecado não confessado, e isso bloqueia o poder da cura. Por fim, há quem permaneça doente

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por deixar de expulsar a Satanás mediante a confissão positiva. É provável que esta última razão seja a mais ouvida. São freqüentes os casos em que o pastor da prosperidade afirma que há um "espírito de miséria que paira sobre as pessoas" e, então, faz um verdadeiro show de expulsão de demônio(s) e de libertação das enfermidades por eles causadas. Entretanto, de qualquer modo, a causa principal está no cristão ou no diabo; nunca se trata de uma questão da vontade de Deus. Com efeito, Hagin insinua que, além do sofrimento que procede do fato de estar doente, o cristão tem de enfrentar a realidade de que as doenças exaltam o diabo.

Muitos cristãos nascidos de novo e cheios do Espírito vivem num baixo nível de vida, vencidos pelo diabo. Na realidade, falam mais no diabo do que em qualquer coisa. Cada vez que contam uma desventura, exaltam o diabo. Cada vez que contam quão doentes se sentem, exaltam o diabo (ele é o autor das doenças e das enfermidades — e não Deus). Cada vez que dizem: "Parece que não vamos conseguir", exaltam o diabo. (Nome, 19.)

Conclui-se que é desnecessária toda e qualquer enfermidade entre cristãos:

Por que, pois, o diabo — a depressão, a opressão, os demônios, as enfermidades, e tudo mais que provém do diabo — está dominando tantos cristãos e até mesmo igrejas? É porque não sabem o que pertence a eles. (Nome, 37.)

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A Morte e os Médicos

Embora os cristãos tenham direito à saúde, isso não significa que possamos evitar a morte ou que ela não seja real, conforme ensina a Ciência Cristã. Hagin interpreta a morte como parte da maldição decorrente da queda de Adão, a qual todos temos de enfrentar. Mas, embora o cristão precise morrer, a morte deve ser uma experiência indolor, não ligada às doenças, que ocorre depois de uma vida "plena e longa" (Zoe, 37), sendo que sua duração é de "70 ou 80 anos" (El Shaddai, 39). Uma conseqüência disso e que há pouca necessidade de médicos entre os cristãos adeptos da doutrina da prosperidade. É exatamente essa a conclusão a que Hagin chega. Para aqueles que atingiram uma fé madura, nem a medicina nem os conselhos médicos devem ser necessários.

É claro que estamos a favor da ciência médica, e que damos graças a Deus por aquilo que ela consegue fazer. Certamente não nos opomos aos médicos. Mas algumas pessoas confundem a ciência médica com os dons de curas. Já ouvi alguns dizerem que os dons de curas eram os médicos e os conhecimentos da medicina que Deus lhes deu. Se a ciência médica é o método divino da cura, no entanto, os médicos não deviam cobrar — seus serviços deviam ser gratuitos... Além disso, a ciência médica estaria livre de erros. Os médicos não cometeriam enganos. (Dons, 102.)

Não me compreenda mal: não sou contra os médicos. Dou graças a Deus por eles. A ciência médica ajudará as pessoas tanto quanto puder. Se eu tivesse tido necessidade de ir a um médico nestes últimos cinqüenta anos, teria ido — mas nunca foi necessário. Por outro lado, já mandei

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outras pessoas aos médicos, paguei as contas, e comprei os remédios (muitas vezes, os médicos conseguem manter as pessoas com vida até que possamos colocar dentro delas uma dose suficiente da Palavra para receberem a cura divina total). (Unção, 31.)

Outros pregadores da prosperidade, tais como R. R. Soares, assumem uma posição mais rígida e defendem a idéia de que, para o cristão, é errado procurar um médico, sob quaisquer circunstâncias. Aqueles que apelam para um médico, que são internados em hospitais, demonstram uma falta de fé que desonra a Deus. Os médicos destinam-se apenas aos descrentes, e a profissão que eles exercem é um testemunho da bondade de Deus para com o mundo pagão.

Alguém uma vez me disse: Mas, Deus não colocou os médicos no mundo?... Eu respondi: É verdade. Ele é tão bom que pensou nos crentes incrédulos. (Soares, 1987. 40.)

R R. Soares oferece sua própria experiência como norma para todos os cristãos, dizendo que, desde que entendeu o ensino da prosperidade, nunca mais ficou doente.

Um dia li o livro "O Nome de Jesus" de Kenneth Hagin. Acabei de lê-lo no dia 2 de dezembro de 1984 e de lá para cá nunca mais tomei um comprimido sequer, com exceção de um antiácido que tomei 15 dias após, numa madrugada por causa de uma indisposição estomacal... (Soares, 1987, 16.)

O ensino do evangelho da prosperidade é claro e sem qualificações: todo cristão deve gozar de saúde durante toda sua vida. Qualquer coisa que esteja aquém disso só pode significar

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que existe um problema espiritual na vida do cristão. Ele desconhece o meio de obter a saúde, ou não tem fé, ou está em pecado, ou encontra-se sob o domínio do diabo.

2.2 Prosperidade

No campo das finanças, Hagin segue exatamente o mesmo raciocínio que utiliza em suas afirmações sobre saúde. A prosperidade financeira é um direito do cristão, pois faz parte da expiação efetuada por Cristo. Assim como o cristão tem direito à saúde, ele também tem direito de ser próspero. Exatamente da mesma forma como as enfermidades nunca representam a vontade de Deus para o fiel, assim também a pobreza ou as dificuldades financeiras de qualquer espécie. O pastor de hoje tem o dever de pregar essa mensagem com toda sua força, pois no passado a igreja deu destaque demasiado ao lado espiritual da salvação. O direito de sermos financeiramente prósperos precisa ser cada vez mais proclamado dos púlpitos. Depois de citar Josué 1.8, Hagin diz:

Você quer ser bem sucedido? Deus nos conta como prosperar, neste versículo. Ele diz que se a Sua Palavra enche o nosso coração ao ponto de "meditarmos nela dia e noite", acharemos prosperidade. Subentende-se que o homem cheio da Palavra de Deus prosperará espiritualmente. Mas o aspecto que quero enfatizar aqui é a promessa que Deus deu da prosperidade física, e não somente espiritual. (Espírito, 15.)

Para defender sua idéia, Hagin aponta várias passagens bíblicas. Em Filipenses 4, por exemplo, onde Paulo diz que havia

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aprendido a "viver contente em toda e qualquer situação", Hagin afirma que deve ser dado destaque não tanto ao contentamento, mas à provisão que Deus faz de nossas necessidades financeiras e materiais.

Paulo disse, escrevendo à igreja em Filipos: "E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades" (Fp 4.19). Todas as suas necessidades incluem as necessidades financeiras, materiais, e as demais. Na realidade, nesse capítulo, Paulo está falando a respeito das coisas financeiras e materiais. (Redimidos, 5, 6.)

Ele oferece uma interpretação semelhante de 3 João 2: "Amado, acima de tudo faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma". Hagin afirma que, nesse versículo, João não está simplesmente fazendo uma saudação ou expressando um desejo pessoal, mas revelando a vontade de Deus no sentido de que todos os cristãos gozem de prosperidade financeira.

A oração aqui traduzida "faço votos" é "orar" no grego original. Logo, João disse aqui. Amado, acima de tudo ORO por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma. Se ele foi motivado pelo Espírito para orar assim, esse deve ser o desejo do Espírito para todas as pessoas. É correto, portanto, orar pedindo prosperidade financeira, porque João disse: Acima de tudo ORO... A oração de João aqui diz respeito a três dimensões da nossa vida: a física, a espiritual, e a material. Ele disse: ... oro por tua prosperidade [bênçãos materiais] e saúde [bênçãos físicas] assim como é próspera a tua alma [bênçãos

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espirituais]. Assim, vemos que Deus deseja abençoar todas as partes da vida do crente. (Paz, 99.)

É comum ouvirmos os pregadores da prosperidade afirmarem que "Deus quer que seus filhos comam a melhor comida, vistam as melhores roupas, dirijam os melhores carros e tenham o melhor de todas as coisas". Hagin diz que Jesus dirigiria um Cadillac, se estivesse desempenhando seu ministério messiânico nos dias atuais:

... muitos crentes confundem humildade com pobreza. Um pregador certa vez me disse que fulano possuía humildade, porque andava num carro muito velho. Repliquei: "Isso não é ser humilde — isso é ser ignorante!" A idéia que o pregador tinha de humildade era a de dirigir um carro velho. Um outro observou: "Sabe, Jesus e os discípulos nunca andaram num Cadilac." Não havia Cadilac naquela época. Mas Jesus andou num jumento. Era o "Cadilac" da época — o melhor meio de transporte existente. Os crentes têm permitido ao diabo lesá-los em todas as bênçãos que poderiam usufruir. Não era intenção de Deus que vivêssemos em pobreza. Ele disse que éramos para reinar em vida como reis. Quem jamais imaginaria um rei vivendo em estrita pobreza? A idéia de pobreza simplesmente não combina com reis. (Autoridade, 48.)

É natural que Hagin ouça críticas contra uma pregação que parece tão materialista. Sua resposta é que somos filhos do rei e, nessa posição elevada, devemos esperar viver não apenas com as necessidades básicas da vida, mas abundantemente. Devemos aproveitar todas as coisas boas do mundo, sem impor limites às

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riquezas que os cristãos podem acumular. A história a seguir ilustra bem esse fato:

Tenho uma fita-cassete de ensino que ajudou muitas pessoas neste âmbito. Certo jovem, que conheço bastante bem, deu seu testemunho de como a fita o ajudou, durante uma de nossas reuniões recentes. Há apenas uns poucos anos, quando ele tinha 31 ou 32 anos de idade, entrou nos negócios. Deixou seu emprego assalariado, tendo em mãos um total de USS 5.500... Deu o seguinte testemunho: "Escutei as fitas do irmão Hagin. Havia três sobre a fé e a confissão, e uma que se chamava: Como Treinar o Espírito Humano. Deitava-me todas as noites ouvindo aquela fita. Ligava-a de manhã e a escutava enquanto fazia a barba. Escutei-a repetidas vezes — provavelmente centenas de vezes — até que aquela mensagem entrasse no meu espírito. Depois, por meio de escutar o meu espírito e de usar a minha fé, já tenho um patrimônio cujo valor total ultrapassa USS 30 milhões. Este jovem senhor tem apenas 38 anos, mais ou menos, hoje. Ele não é pregador. É negociante. Contou-me como seu espírito lhe tem falado e lhe ensinado como investir e como comprar terras. (Dirigido, 129, 130.)

Isto se aplica aos ministros da palavra e também às pessoas leigas. Um pregador que possua cem casas, por exemplo, é coerente com o cristianismo bíblico.

Você já deve ter lido a respeito de pessoas que murmuram porque um pregador tem uma casa bonita. E se ele tivesse uma centena de casas? Isto seria bíblico. (Necessário, 20.)

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Se somos filhos do rei e temos não apenas o privilégio, mas o dever de ser prósperos, então, novamente, o contrário deve ser verdade: um cristão que seja pobre tem somente a si para culpar.

Amigos, vocês sabem que a maioria de nós não é tão pobre por ter honrado a Deus — mas por tê-lo desonrado. Vocês devem também dizer amém, pois isso é assim. Dei-lhes passagens bíblicas como prova. (Authority, 22.)

Com todas essas promessas bíblicas de riqueza e prosperidade, a mente inquiridora é levada a indagar, como fizemos acima, na parte sobre saúde, por que tantos cristãos não estão prosperando financeiramente. Se há um motivo, este deve ser que os cristãos de todo o mundo, aparentemente, procedem mais das classes baixas e continuam a sofrer todos os problemas financeiros próprios da posição social. Por que isso é assim? Uma vez que esta pergunta tem a mesma essência daquela formulada acima, sobre saúde, então a resposta parece ser a mesma aqui. Ou o cristão desconhece seus direitos à prosperidade ou falta-lhe fé para afirmar tais direitos ou o diabo o está impedindo de recebê-los. Se houver uma suspeita de que a última causa é o problema, uma sonora repreensão irá liberar tudo aquilo que o cristão tem por direito. "... tudo quanto você precisa fazer é dizer: 'Satanás, tire suas mãos do meu dinheiro'. (Limiares, 67.)

Nas mensagens pregadas sobre o assunto, existe mais uma razão que freqüentemente aparece para explicar a falta de prosperidade entre cristãos. Ela surge na mesma hora, a cada domingo, quando se diz, durante a oferta, que alguns cristãos estão sofrendo com dificuldades financeiras porque não estão dando o suficiente para a obra de Deus. A regra espiritual das finanças e essa: se queremos mais, precisamos dar mais.

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Você gostaria de ver maiores bênçãos financeiras na sua vida? Aumente suas contribuições e ofertas, porque as Escrituras dizem que a sua colheita será... recalcada, sacudida, transbordante... porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também. Por outro lado, podemos estorvar nossas orações em prol da prosperidade financeira, se não cooperamos com Deus; se não entramos pelas portas que Deus abriu para nós. (Paz, 111.)

Não é uma questão de graça, mas de lei, pois se afirma que o retorno é proporcional à oferta do indivíduo. Muitos pregadores da prosperidade fazem uso de Marcos 10.29, 30 como a principal passagem sobre finanças para a igreja:

Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e no mundo por vir a vida eterna.

Essa é a chamada lei do retorno cem vezes maior: receberemos cem vezes mais do que damos. Kenneth Copeland, herdeiro provável de Hagin nos Estados Unidos, usa muito essa passagem em suas pregações. Ela faz parte integrante de sua cosmovisão financeira, evidenciando-se a partir da interpretação que ele dá a Marcos 10.17-23, onde o jovem rico se recusa a vender suas propriedades e se tornar um discípulo de Cristo:

E, pondo-se Jesus a caminho, correu um homem ao seu encontro e, ajoelhando-se, perguntou-lhe: Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por

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que me chamas bom? Ninguém é bom senão um só, que é Deus. Sabes os mandamentos: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, não defraudarás ninguém, honra a teu pai e a tua mãe. Então ele respondeu: Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude. Mas Jesus, fitando-o, o amou e disse: Só uma cousa te falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; então, vem, e segue-me, Ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste, porque era dono de muitas propriedades. Então Jesus, olhando ao redor, disse aos seus discípulos: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!

Essa história parece oferecer excelentes instruções sobre o valor do dinheiro e preço do discipulado. Mas Copeland encontra nela outro significado. Ele diz que, em seu estudo dessa passagem, o Senhor lhe falou e explicou que aquele jovem era rico por ter sido fiel na observância da lei judaica. Ele teria se tornado ainda mais rico, se tivesse dado suas riquezas ao Senhor. Copeland conclui: "Aquela era a maior transação financeira que poderia' ter sido oferecida ao jovem, mas ele se afastou dela, por não conhecer o sistema financeiro de Deus" (Copeland, 1985, 62).

Concluímos o resumo das promessas do evangelho da prosperidade na área de saúde e riquezas, fazendo uma observação sobre sua coerência. Uma vez que se afirma que a vontade do Senhor para o cristão envolve todas as coisas boas da vida, não há imposição de condições nem se volta atrás naquilo que é prometido, mas apenas a promessa clara de que qualquer um que recorrer a Cristo receberá o que pede. As promessas têm uma amplitude maravilhosa e uma extensão sem limites. Mas há um porém: a "confissão positiva".

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3. A Confissão Positiva

Nunca é demais enfatizar que o direito que o cristão tem às riquezas e à saúde não é desfrutado automaticamente. Há condições a serem satisfeitas e procedimentos a serem seguidos. Conforme gostam de dizer os economistas, "não existe almoço gratuito". Isto se aplica até mesmo ao evangelho da prosperidade. Não basta apenas crer em Cristo, ser batizado, freqüentar uma igreja, orar e viver uma vida piedosa. Esses elementos sozinhos não podem trazer aquilo que o cristão tem por direito. A maneira como vive a maioria dos cristãos torna isso óbvio. A maior parte deles em todo o mundo é pobre e, à semelhança dos não-cristãos que os cercam, passa por todos os problemas físicos e doenças conhecidos pela sociedade em que vive. Na questão da saúde ou da prosperidade, há poucas diferenças entre cristãos e não-cristãos. Sempre foi assim. Se existe alguma diferença, esta se encontra no fato de, através dos séculos, os cristãos tenderem a ser, como observam Paulo e Tiago (1 Co 1.26; Tg 2.5), menos sábios, menos poderosos, menos prósperos. Entretanto, segundo a doutrina da prosperidade, os apóstolos estavam enganados quanto à vontade de Deus nesse sentido. Deus pode ter escolhido os pobres e os de condição inferior deste mundo, mas nunca pretendeu que eles continuassem assim.

A grande descoberta de Hagin e dos mestres da prosperidade foi a do elemento perdido do cristianismo, um elemento que pode livrar os cristãos da condição miserável em que vivem, e ele nada mais e do que certo conjunto de regras e procedimentos muito simples, porém rígido. A doutrina da prosperidade entende que este conjunto faz parte da expressão "confissão positiva". Desse modo, a confissão positiva atua em ambas as direções; é a dádiva

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por meio da qual a saúde e a prosperidade são recebidas, mas, ao mesmo tempo, é uma exigência que não pode ser evitada. Se, para Lutero a justificação pela fé é vista como a tônica do evangelho, assim como a predestinação para Calvino, então é nesse ponto, nessas regras e procedimentos, que se encontra o coração do evangelho da prosperidade.

A fim de esclarecer tudo o que é englobado pelo termo "confissão positiva", ele será dividido em três categorias: conhecimento, fé e confissão propriamente dita. Para antecipar nossa conclusão, diremos que a confissão positiva ensina que o cristão será próspero segundo aquilo que ele conhece sobre seus direitos, de acordo com a firmeza com que ele acredita neles e pelo modo como os confessa.

3.1 O Conhecimento de Nossos Direitos

Hagin diz que a razão de muitos cristãos continuarem a sofrer com os problemas na vida, depois de se converterem, está em desconhecerem aquilo que lhes pertence por direito.

Por que, pois o diabo — a depressão, a opressão, os demônios, as enfermidades, e tudo mais que provém do diabo — está dominando tantos cristãos e até mesmo igrejas? É porque não sabem o que pertence a eles. (Nome, 37.)

No Velho Testamento, afirmou Deus: O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento (Oséias 4.6). Em outras palavras, o Senhor está dizendo que, se os

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israelitas tivessem consciência do que realmente representavam e do que Deus representava para eles, não seriam destruídos. Se conhecessem seus direitos, privilégios e domínios não teriam sido submetidos a tantas angústias... você tem direitos garantidos junto a Deus. (Zoe, 71, 72.)

Conforme vimos na seção anterior, não precisamos esperar a outra vida para usufruir desses direitos. Eles visam nosso benefício aqui e agora.

Bem, graças a Deus, iremos para o céu e será maravilhoso, mas não precisamos esperar até chegarmos lá para desfrutar dos direitos e privilégios que temos em Cristo! (Combater, 56.)"

Como a cura se encaixa na obra da expiação? A expiação perfeita, realizada por Jesus Cristo, resolveu o problema do pecado de forma tão completa que remove também as conseqüências dele. À passagem de Isaías 53 bem como a citação dela em Mateus e sua inspirada interpretação constituem uma afirmação bíblica bastante direta no sentido de que a cura está contida na expiação. Esse ensino de que a cura se acha contida na obra da expiação não é uma afirmação, porém, de que a cura divina esteja à disposição de todos os homens, universalmente, mas que se acha à disposição dos crentes, com base na expiação do sangue de Cristo. O sangue de Cristo é o preço por meio do qual o crente obtém a cura. (Bailey, 1977, 50.)

A raiz do problema, quando sofremos a falta de alguma coisa, está obrigatoriamente na ausência de conhecimento. Não entendemos aquilo que nos pertence por direito.

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Uma razão por que nós, cristãos, vivemos em descrença e nossa fé tem sido obstruída, é a falta do conhecimento da redenção e dos nossos direitos na redenção, e essa falta de conhecimento é a maior inimiga da fé. (Combater, 9.)

Na Bíblia, os grandes homens de fé foram capazes de realizar tantas coisas não por causa da providência de Deus ou por fé e força de vontade, mas, sim, porque eles conheciam aquilo que lhes pertencia por direito.

Os homens que fizeram grandes coisas no passado não eram especiais, privilegiados... A diferença entre eles e nós, é que eles tinham o entendimento de como as coisas espirituais funcionam. (Soares, 1987, 56.)

A idéia de que nosso êxito no mundo baseia-se em direitos que temos perante Deus pode parecer estranha ao leitor acostumado com o Novo Testamento, pois este sabe que a Bíblia fala de nossa relação com Deus como algo baseado na graça. Mas Hagin deixa bem claro que nossa posição como cristãos deve ser interpretada em termos de direitos legais. As citações que vêm a seguir são extraídas de quatro livros diferentes de Hagin, e em cada um deles o Antigo Testamento e o Novo são descritos como documentos legais que explicam tais direitos.

Graças a Deus, temos o documento jurídico da Nova Aliança, o Novo Testamento, selado pelo sangue de Jesus Cristo. (Nome, 53.)

A Palavra de Deus é um documento jurídico. O Novo Testamento... é a vontade de Deus para eu ter tudo quanto a Sua Palavra diz que me pertence. (Perdida, 102.)

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Todo homem e mulher neste mundo tem o direito legal à salvação. (Limiares, 92.)

Se eu permanecer em Deus e junto dEle, meus direitos estarão plenamente assegurados. (Zoe, 79.)

Esses direitos estão garantidos porque Deus os estabeleceu como parte das leis espirituais que regem o mundo. É dever do cristão compreender essas leis espirituais e, por meio da fé, ter controle sobre elas. E. W. Kenyon afirmou por escrito, com a maior clareza possível, que seu trabalho como pregador do evangelho era de ensinar "as leis básicas da existência humana, as grandes leis espirituais que regem as forças invisíveis da vida" (McConnell, 1988, 45; veja também 136). Essas leis estão à disposição do cristão, para serem usadas e manipuladas, assim como usamos e manipulamos as leis da gravidade e de circulação do ar, quando viajamos de avião.

Precisamos entender que há leis que regem cada coisa que existe. Nada se dá por acidente. Há leis do mundo espiritual e leis do mundo natural... Precisamos compreender que o mundo espiritual e suas leis são mais poderosos do que o mundo físico com suas leis. Leis espirituais geram leis físicas. O mundo e as forças físicas que o regem foram criados pelo poder da fé — uma força espiritual... é esta força da fé que ativa as leis do mundo espiritual... A mesma regra aplica-se à prosperidade. Há certas leis que regem a prosperidade na Palavra de Deus. A fé faz com que elas atuem... As fórmulas de sucesso na Palavra de Deus produzem resultados, quando utilizadas segundo orientação. (Copeland, 1985, 18-20.)

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Portanto, a primeira condição para termos saúde e sucesso é conhecer aquilo que nos pertence. A passagem-chave que Hagin emprega para explicar isso é Gálatas 3.13, 14:

Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito prometido.

Esta é a passagem citada com mais freqüência por Hagin, porque sua dialética entre a maldição da lei e a bênção de Abraão parece corresponder à compreensão que ele tem da redenção. Por um lado, Hagin identifica a maldição da lei, nessa passagem, como sendo aquelas maldições que Moisés proclamou à nação de Israel, no Monte Ebal, em Deuteronômio 28. Ele resume as maldições a três:

Somos redimidos da maldição da lei. Para descobrir exatamente qual é a maldição da lei, devemos voltar aos cinco primeiros livros da Bíblia. Ali, vemos que a maldição, ou o castigo pela quebra da Lei de Deus, é tríplice: a pobreza, a doença, e a segunda morte. (Limiares, 57.)

Desses três elementos, Hagin está preocupado principalmente com a pobreza e a doença e afirma com insistência que a doença é resultado da desobediência à lei:

Percebemos facilmente nesses versículos bíblicos que a enfermidade é uma maldição da lei. As doenças horríveis enumeradas aqui — e, na realidade, todas as demais enfermidades e pragas, de acordo com o v. 61 — fazem

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parte do castigo pela quebra da lei de Deus. (Redimidos, 16.)

Por outro lado, a bênção de Abraão também é identificada como sendo tríplice: financeira, física e espiritual.

Assim como a maldição é tríplice na natureza, assim também era a bênção de Abraão. Primeiro, era uma bênção material e financeira. Segundo, era uma benção física. Terceiro, era uma bênção espiritual. (Limiares, 64.)

Para ajudar a apoiar essa interpretação da bênção de Abraão, Hagin volta-se para Gênesis 17, onde Deus promete a Abraão que ele seria extraordinariamente fecundo (v. 6). Ele afirma que essa expressão tem o objetivo claro de se referir às riquezas materiais. Para ampliar isso um pouco mais, ele apela à primeira metade de Deuteronômio 28, onde encontramos uma lista de bênçãos que seriam conferidas à nação de Israel, se eles fossem fiéis a Jeová. Segundo Hagin, essas bênçãos representam uma ampliação da bênção dada a Abraão, em Gênesis 17.

O tratamento incomum que ele dispensa a Gálatas 3 é o fundamento exegético da teologia da prosperidade ensinada por Hagin. Resumindo-o, a obra redentora de Cristo, por um lado, retirou as maldições da lei mosaica, principalmente a doença e a pobreza. Por outro lado, trouxe a bênção de Abraão, representada basicamente pela prosperidade financeira. Teremos muita coisa a dizer sobre essa exegese, no capítulo seguinte. No momento, basta observar que identificar a maldição como sendo a lei mosaica e a bênção como prosperidade financeira e física é um ato que coloca a doutrina da prosperidade fora do círculo da interpretação bíblica e protestante. Esse ponto é de importância

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fundamental. Tanto o catolicismo quanto o ensino protestante entendem que a maldição de Deus sobre a humanidade originou-se na queda de Adão. A doutrina da prosperidade nega isso afirmando que a queda adâmica trouxe para o mundo apenas os três elementos mencionados de forma específica em Gênesis 3: dores de parto, inimizade com serpentes e morte física. Estes permanecerão até o dia do juízo, quando o mundo será restaurado. Gálatas 3, segundo Hagin, não está fazendo referência à maldição sobre a humanidade, mas à lei de Moisés. A conclusão é esta: a doença e a pobreza faziam parte da maldição mosaica, a qual foi retirada pela expiação; assim, o cristão não precisa passar novamente por doenças, mas, como filho de Abraão, está livre para gozar de saúde e riquezas abundantes.

Ao encerrar esta parte, voltamos a nosso ponto de origem. Evitar a maldição de Gálatas 3 e gozar a bênção de Abraão constituem um direito do cristão, mas não um direito gozado automaticamente. A primeira condição para usufruí-lo é saber que ele existe. Se um cristão está doente, é provável que isso se deva ao fato de ele desconhecer que a expiação tomou providências que visavam sua cura. Hagin diz que teve uma infância com doença exatamente por causa de sua ignorância acerca disso. Se ele conhecesse os passos certos a serem seguidos, teria sido curado bem antes.

Felizmente, após muito estudo da Palavra, percebi os passos exatos a seguir na oração e como liberar minha fé para receber a cura. Se tivesse sabido e compreendido isso meses antes, poderia ter saído daquela cama há muito mais tempo... O problema não estava com Deus, estava comigo. Era minha falta de conhecimento da Palavra de Deus que

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obstruía minha fé. Assim que descobri o que a Palavra de Deus dizia e agi de acordo com suas palavras, obtive resultados! (Combater, 12.)

Portanto, a tarefa da teologia da prosperidade é eliminar a falta de conhecimento acerca de nossa real condição como cristãos e, desse modo espalhar saúde e prosperidade pelo mundo.

Antes de passarmos à segunda condição para o exercício desses direitos, devemos observar que essa interpretação de Gálatas 3.13, 14 fornece o padrão interpretativo de todos os outros textos. Os escritos de Hagin estão recheados de citações de várias passagens que devem ser entendidas segundo o pensamento da prosperidade. Mateus 8.17, Isaías 53.9, 2 Coríntios 8.9, 1 Pedro 2.24 e 3 João 2 talvez sejam seus textos favoritos, mas não há passagem que não possa ser vista da perspectiva dialética de maldição/benção. Até mesmo Jó é reinterpretado à luz da doutrina da prosperidade. Hagin afirma que o significado de Jó não está no fato de ele ter sofrido como justo e inocente, mas em ter sido curado.

Alguém disse: "Irmão, acho que sou outro Jó". O que você quer dizer com ser outro Jó? Louvado seja Deus, se você é o Jó de Deus, você receberá sua cura. Jó foi curado. (Redimidos, 12.)

Se você pensa que você é outro Jó, isso significa que você vai ser uma das pessoas mais ricas das redondezas... Se você for outro Jó, prosperará. (Limiares, 63.)

Se Jó é reinterpretado dessa forma, não há livro ou versículo da Bíblia que não possa ser lido sob a ótica da prosperidade.

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3.2 A Firmeza de Fé

Depois do conhecimento de nossos direitos, a segunda condição para usufruirmos de saúde e riqueza é a fé. Não qualquer tipo de fé, mas uma fé que possua certa qualidade. R. R. Soares refere-se ao tipo normal de fé como "a fé da sorte" e descreve-a nos seguintes termos:

A gente ora, se Deus responder, ficamos alegres, pois recebemos a bênção. E, se a resposta não vier, a gente não fica zangado. Afinal, temos recursos humanos que nos ajudam a aliviar o fardo. É claro que este não é o método bíblico. (Soares, 1987, 86.)

A verdadeira fé não fica simplesmente esperando para ver se Deus irá responder à oração. Ela exige seus direitos e pressupõe que eles foram respeitados por causa da força da oração feita. Portanto, a verdadeira fé tem três características: 1) exige seus direitos; 2) exige-os em nome de Jesus; 3) nunca duvida. Quanto à primeira característica, os cristãos devem ter fé suficientemente forte para exigir aquilo que lhes é devido por meio da expiação. Hagin diz que Jesus, ao ensinar seus discípulos a orar e fazer pedidos a Deus, instruiu-os a exigir aquilo que desejavam.

Descobri que o modo mais eficaz de se orar é aquele pelo qual você requer os seus direitos. É assim que eu oro: "Exijo meus direitos” (Autoridade, 30.)

Não precisamos esforçar-nos para ter fé. É simples questão de reivindicar os nossos direitos e de usar com ousadia aquilo que sabemos pertencer-nos. (Paz, 23.)

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Corno bom aluno de Hagin, R. R. Soares dá destaque à mesma coisa:

Deus já fez o que tinha que fazer para você... Agora é você que tem que fazer algo. (Soares, 1987, 26.)

Quando começamos a agir por este método de Deus não só estamos... entrando por um caminho que nos fará possuir o que quisermos. (Soares, 1987, 35.)

... somos nós que decidimos o que teremos ou não. (Soares, 1987, 36.)

A insistência em que a oração seja dirigida a Deus não como pedido, mas como exigência, tem uma justificativa exegética: "pedir" realmente significa "exigir". Essa explicação lexical repete-se muito nos escritos de Hagin e aparece invariavelmente como parte de sua exegese de João 14.12-14.

Examinemos esses textos bíblicos no Novo Testamento Grego. A palavra grega, aqui traduzida como "pedir" significa "exigir". Ou: "Se exigirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei." (Paz, 82.)

A palavra "pedir" também significa "exigir". "E tudo quanto exigirdes em Meu Nome, isso /Eu, Jesus/ farei"... A Concordância de Strong ressalta este significado da palavra grega que aqui é traduzida por "pedir": "exigir algo que é devido." (Nome, 70.)

Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, fará também as obras que eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai. E tudo quanto

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pedirdes EM MEU NOME, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa EM MEU NOME, eu o farei. Embora usamos os versículos acima em relação à oração, eles não se referem à oração... A palavra grega traduzida "pedir" aqui significa "reivindicar". Então Jesus estava realmente dizendo: Aquilo que você reivindicar em meu Nome, eu farei. Jesus, aqui, não está falando sobre orar ao Pai para que Ele possa fazer alguma coisa a nosso favor. Não, Jesus está falando sobre usar o nome dEle contra o inimigo e contra circunstâncias da vida diária. (Combater, 74.)

3.3 O Uso do Nome de Jesus

Ao cristão não basta apenas compreender seus direitos e exigi-los de Deus; ele também precisa fazer isso utilizando a expressão "em nome de Jesus". Esse nome, assim empregado, coloca em atividade a força das leis espirituais na esfera celestial.

Ha uma chave à oração que destravará as portas e as janelas do céu e satisfará todas as nossas necessidades... Jesus mandou pedir ao Pai em Seu Nome. Essa é a chave que destravará o céu em nosso favor. (Paz, 16.)

(O nome dele)... é legalmente nosso... Se você é filho de Deus, logo, é um herdeiro de Deus — um co-herdeiro com Cristo — tem direito ao uso do Nome de Jesus, e se você tem este Direito, é por causa do seu lugar na família. (Nome, 110.)

Novamente, conforme Hagin afirma na citação acima, constitui direito do cristão o acesso ao poder que esse nome traz. Um dos

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livros de Hagin tem um capítulo intitulado "Compreendendo nosso Direito Legal do Nome de Jesus" (Combater, 63-77). Ele escreve o seguinte nesse capítulo: "Veja bem, Jesus nos deu o nome dEle. Legalmente é para nosso uso, e não precisamos ter fé para usar o que é nosso" (p. 71). Em outro lugar, Hagin compara o direito de usarmos o nome de Jesus a um tipo de procuração.

A oração deve ser dirigida ao Pai em nome de Jesus. Essa é a chave para recebermos a resposta às nossas orações... Jesus nos deu a procuração, ou o direito de usar o Seu Nome. Usamos o Seu Nome, quando oramos em favor das nossas necessidades individuais e quando lidamos com o diabo. (Paz, 20.)

Em outros lugares ainda, os direitos implicados no uso do nome de Jesus são comparados a uma conta bancária. Receber resposta a uma oração é o mesmo que emitir um cheque.

Use este Nome com a mesma liberdade que você usa seu talão de cheques. O dinheiro já está depositado, você emite o cheque sem exercer qualquer fé especial; ou seja: você não está consciente de exercê-la — embora você a esteja usando. (Nome, 120.)

Com efeito, uma das expressões favoritas de Hagin é "como preencher seu próprio cheque com Deus", título de dois capítulos de seus livros (Crescimento, 75-94; Limiares, 99-102). No primeiro, Hagin reconta uma visão na qual o próprio Jesus emprega essa expressão e a figura de um talão de cheque:

"Mas agora, Tu disseste que se qualquer pessoa, em qualquer lugar, der aqueles quatro passos, receberia de Ti qualquer coisa que desejasse. Queres dizer que as pessoas

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podem receber a plenitude do Espírito Santo daquela maneira?" Ele disse: "Sim, com absoluta certeza". Falei, então, a Ele: "Senhor, e o que dizer a respeito dos cristãos?... Tu me dizes que qualquer crente, em qualquer lugar, pode escrever seu cheque de vitória sobre o mundo, a carne, e o diabo? Eles mesmos podem fazê-lo?" Ele disse enfaticamente: "Sim!" Jesus continuou: "Se eles não o fizerem, não será feito. Seria uma perda de tempo deles orarem para Eu lhes dar a vitória. Precisam preencher seu próprio cheque". (Crescimento, 86.)

Jesus já depositou o dinheiro para nós e não somente para nós, mas para qualquer um que saiba usar seu nome. As leis espirituais são como as leis físicas, pelo fato de serem impessoais e funcionarem para qualquer um que saiba como empregá-las. Não há limite para aquilo que pode ser pedido ou obtido. Desse modo, o nome de Jesus pode ser usado não somente para expulsar demônios, mas também dores de cabeça.

Eu disse: "Em Nome de Jesus (você entende, o Nome

representa toda a Sua autoridade e poder!), não tenho dor de cabeça. Em Nome de Jesus, não vou ter dor de cabeça. E, em Nome de Jesus, saia, dor!" Nem sequer as palavras saíram da minha boca, e a dor saiu. Simplesmente desapareceu. Alguém disse: "Gostaria que isto funcionasse para mim". Não funciona por meio do desejo — funciona por meio do conhecimento. (Nome, 38.)

O conhecimento de nosso direito ao uso do nome de Jesus não é somente um elemento informativo, mas também um procedimento que não admite variações. Muitos sofrem desne-cessariamente por não usarem o nome de Jesus, enquanto outros

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sofrem por empregá-lo de forma incorreta. Assim como um cheque precisa ser preenchido da maneira certa, o nome de Jesus também precisa ser proferido corretamente. Frases como "por amor de Jesus" não podem ser usadas. Muitas orações já foram destruídas por não terem sido feitas da maneira certa.

Não, não pedimos por amor de Jesus. Pedir por amor de Jesus não é pedir em Seu Nome. Estamos pedindo em prol de nós mesmos... Devido a uma falta de conhecimento neste sentido, muitas orações têm sido destruídas e não funcionaram, porque foram oradas por amor de Jesus, ao invés de em Nome de Jesus. (Nome, 12.)

Uma conseqüência básica desse poder inerente que o nome de Jesus tem para atender as orações de forma automática é que a resposta não está associada a uma decisão pessoal de Deus, mas ao poder concedido ao nome de Jesus e ao direito que temos de reivindicá-lo. Deus retira-se para as sombras, enquanto nosso acesso às leis espirituais coloca-se em primeiro plano. Hagin não hesita em tirar exatamente essa conclusão. Citando E. W. Kenyon, ele escreve:

Quando Jesus nos deu o direito legal de usar este Nome, o Pai sabia tudo quanto o Nome subentenderia quando fosse sussurrado na oração... e é a Sua alegria reconhecer este Nome. (Nome, 18.)

Tudo que o cristão tem a fazer e proferir o nome de Jesus, e nada lhe será negado. Recorrer a seu poder espiritual é como preencher um cheque para sacar dinheiro de um banco.

Falemos de Jesus! Falemos do Nome de Jesus! Ele nos deu, individualmente, um cheque assinado, dizendo: "Preencha-

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o". Deu-nos um cheque assinado, cobrável aos recursos do céu. (Nome, 19.)

Nada poderia ser mais fácil ou impessoal.

3.4 Não Duvidar

O tipo de fé que obtém resultados não apenas exige seus direitos em nome de Jesus, mas também faz isso de uma forma que nunca demonstra hesitação ou dúvida. A fé precisa ser segura de si mesma, tão segura que, ainda que pareça que o pedido não foi atendido, o fiel continua a fazer um quadro mental daquilo que ele quer e não pára de crer que obterá o que deseja.

Muitas pessoas desejam obter algo, para então crer que o receberam. Mas precisamos crer que recebemos algo, e então o recebemos. (Crescimento, 19.)

Deixe todo pensamento e desejo afirmar aquilo que você tem pedido em oração. Nunca permita que um quadro mental de fracasso permaneça na sua mente. Nunca duvide por um só momento de que você tem a resposta. Se as dúvidas persistirem, repreenda-as. A Bíblia diz ''Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós" (Tiago 4.7). A dúvida é do diabo. Resista as dúvidas e repreenda-as. Fixe a sua mente na resposta. Erradique qualquer imagem, sugestão, visão, sonho, impressão, sentimento, e todo e qualquer pensamento que não contribui para a sua fé no sentido de que você recebe o que você disser. Erradicar significa desarraigar ou remover. (Perdida, 81.)

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É crucial que se continue a pensar de maneira positiva, acredi-tando que o pedido foi atendido, mesmo que as circunstâncias mostrem o contrário.

Recuse-se a duvidar. Faça com que cada pensamento e desejo afirme que você recebeu aquilo que pediu. Nunca permita que um quadro mental do fracasso permaneça na sua mente. Nunca duvide, nem sequer por um momento, de que você recebeu a resposta... Erradique todo quadro mental, sugestão, sentimento ou pensamento que não contribuam para sua fé. (Paz, 11.)

A quantidade de força que a fé produz para atingir seus alvos é determinada pela quantidade de confiança e de ausência de dúvida que o fiel confere a seu pedido. Qualquer espécie de dúvida destruirá o poder que a oração possui de obter o que pede.

Lembre-se de que, no momento em que você se pergunta por que Deus não respondeu, ou olha em derredor procurando alguma razão por que Ele não ouviu a sua oração, ou você começa a aceitar a demora na resposta como a vontade de Deus para você não ter aquilo que você pediu, você está derrotado. Você está automaticamente derrotado porque você deixou de manter-se firme, tendo fé inabalável em Deus de que receberia a resposta. (Perdida, 101.)

Assim, ao orar, o cristão nunca deve usar a expressão ''se for de tua vontade", pois isso é uma demonstração de dúvida.

Quando oro uma ''oração para receber algo da parte de Deus," não posso colocar um "se" no meio e ainda esperar que algum dia receberei uma resposta. Nesse tipo de

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oração, o "se" indica a descrença — "se” é o distintivo da dúvida. (Perdida, 78.)

Hagin é incisivo neste ponto. Ele diz que, no Novo Testamento, não se encontra nenhuma oração que utilize dessa forma a partícula condicional. Em vez disso, ele diz que, quando oramos, sempre "adicionamos outra coisa. 'Deus fará, se for a Sua vontade — mas pode não ser a Sua vontade,' temos dito. Não se acha este tipo de conversa no Novo Testamento" (Nome, 13). O raciocínio é este: "se" é um sinal de dúvida, não de fé, e duvidar é um erro, um pecado.

A dúvida não é revelada apenas pelo "se" em nossas orações; ela também emerge quando repelimos uma oração. Isso fica bem ilustrado na história a seguir:

Durante uma convenção em Texas, certa vez, ouvi o Rev. Raymond T. Richey dirigir orações em favor de um homem que estava no hospital, morrendo. Depois de termos orado, demos graças a Deus porque Ele nos atendera. O irmão Richey começou a descer do púlpito, mas depois voltou até ao microfone. Perguntou quantos na congregação iriam continuar orando por esse homem no hospital. Quase todos levantaram a mão. "Para que vocês vão querer fazer isso?" perguntou o irmão Richey. "Já oramos por ele. Agora, continuemos louvando a Deus porque Ele já curou esse homem." (Paz, 14.)

O raciocínio aqui parece ser este: uma vez que nossos direitos já foram garantidos na expiação, a vontade de Deus para nós sempre será de que tenhamos saúde e prosperidade. Hagin acrescenta seu próprio testemunho de que isso é realmente assim:

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Não orei uma só oração em 45 anos (quero dizer, para mim e para meus filhos enquanto eram pequenos) sem obter

uma resposta. Sempre recebi uma resposta — e a resposta foi sempre "sim". Algumas pessoas dizem: "Deus sempre responde às orações. Às vezes diz: "Sim," e às vezes diz: "Não". Nunca li isto na Bíblia. Trata-se apenas de raciocínio humano. (Nome, 13, 14.)

Portanto, precisamos orar apenas uma vez por alguma coisa; se sentirmos necessidade de repetir a oração, isso se deve ao fato de estarmos duvidando. Devemos ser como a mulher que teve fé para tocar as vestes de Jesus (Mt 9.21) e ser curada no primeiro toque.

3.5 Confessar em Voz Alta

A terceira e última qualificação para recebermos saúde e prosperidade como nossos direitos é confessar em voz alta que obtivemos aquilo que desejávamos. Conforme diz Hagin, precisamos proclamar "em voz alta... [que] a minha fé funciona" (Perdida, 31). Isso significa que confessamos aos outros que já recebemos a resposta, mesmo que faltem evidências físicas. A ordem correta das coisas na dimensão espiritual é primeiramente fé, confissão e somente depois resultados visíveis. Portanto, precisamos sempre agir e falar como se nosso pedido tivesse sido atendido, mesmo que isso não pareça verdade. Em seu livro O Que Fazer Quando a Fé Parece Fraca e a Vitória Perdida, Hagin fornece dez passos sobre como obter a vitória. O passo 9 diz: "Dê glória a Deus antes mesmo de a bênção manifestar-se". O passo 10 recomenda: "Aja como se você já tivesse recebido aquilo que você pediu" (pp. 95, 99). A fé eficaz, portanto, despreza a evidência física e concentra-se na resposta que se

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deseja. Se o cristão permanecer firme nessa atitude, a resposta que se espera finalmente aparecerá. "A fé do coração crê primeiramente na Palavra de Deus; depois, a evidência física cuidará de si mesma" (Crescimento, 54; veja também Unção, 30, 31; Soares, 1987, 10). Em outro lugar, ele escreve:

... os princípios da fé são assim em qualquer âmbito — espiritual, físico, material. No que diz respeito às necessidades financeiras, por exemplo, aprendi a chamar as coisas que não eram como se já fossem — e assim se tornaram! A fé chama as coisas que não são como se já fossem! (Perdida, 89, 90.)

Provavelmente é este o aspecto da confissão positiva que recebe mais atenção, e é isso que se tem em vista quando um pregador começa a falar sobre o assunto.

O verdadeiro teste da confissão positiva está na atitude do cristão depois de orar pela cura. Geralmente a dor e a fraqueza persistem durante um tempo e, se isso acontece, a reação do fiel não pode ser de dúvida ou incerteza. Deve-se ignorar a dor, mantendo-se a confissão positiva de que a cura já foi efetuada. A dor precisa ser negada, pois, embora seja real, ela não é a verdade. A verdade que deve ser abraçada é de que a cura está garantida, apesar de sintomas que mostrem o contrário. Se a crença for mantida contra a evidência, mais tarde esta dará sustentação à crença. Hagin conta como ele reage quando parece que está cedendo a uma enfermidade.

Certa vez, enquanto pregava numa igreja pequena, fiquei quente demais. Quando saí do templo depois do culto, meu corpo estava pingando suor. Quando o ar frio lá fora

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atingiu meu rosto, comecei a sentir dores de garganta, e até chegar ao estacionamento, estava falando com dificuldade. No dia seguinte, sentia dores nos pulmões, e só falava sussurrando. Comecei a ler as Escrituras a respeito da cura. Com minha Bíblia aberta na minha frente, orei silenciosamente... Quando chegou a hora do culto da noite, fui até ao microfone e falei que queria dar graças a Deus porque estava curado. A congregação olhava para mim como se eu estivesse louco, porque quase nem conseguia sussurrar. Comecei a contar a eles o que a Palavra de Deus diz a respeito da cura. Demonstrei-lhes pela Palavra que eu estava curado. Falei-lhes que aquilo que Deus diz é verdade, e que se eu dissesse que não estava curado, estaria mentindo. Falei-lhes, ainda, que desejava que ficassem em pé e louvassem a Deus comigo, porque eu estava curado. Quando começamos a louvar a Deus em pé, minha voz voltou antes de eu ter falado "aleluia" três vezes. Em seguida, preguei o meu sermão com uma voz forte e nítida. (Paz, 9, 10.)

Assim como obtemos a resposta desejada para nossa oração por meio de uma recusa obstinada de duvidar, o contrário também é verdade. Se duvidamos, criamos uma confissão negativa e o pedido é destruído. Se uma pessoa, por exemplo, afirma que está curada e mais tarde admite que a dor persiste, a segunda admissão anula a primeira confissão e dá a Satanás o direito de infligir a dor. Quando um cristão se preocupa com uma doença ou dela reclama, ele perde o direito à cura contida na expiação. Até mesmo dizer "estou ficando resfriado" faz com que o resfriado se instale. Por isso, mesmo que haja dúvida interior, ela deve ser rapidamente negada e nunca admitida perante os outros.

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A dúvida é sempre do diabo e, portanto, jamais deve ser compartilhada com alguém.

Não confesse as suas dúvidas... A dúvida é do diabo... A dúvida é maligna. O cristão não deve falar a respeito da dúvida, pois ela não pertence a ele. (Limiares, 61.)

A esta altura deve estar claro por que dizer "se for de tua vontade" não é aceitável na confissão positiva. Isso indica dúvida, e dúvida destrói a eficácia da fé como força. Por isso, os membros do movimento da prosperidade que se encontram doentes nunca admitem ou falam sobre os sintomas da doença. Em uma seção intitulada "O Medo Abre a Porta Para o Diabo", Hagin diz:

Há alguns anos, minha esposa e eu fomos visitar alguém que soubemos estar doente. "Se você está com medo", essa pessoa advertiu, "é melhor vocês não virem até aqui. Contraí um vírus e estou numa fase difícil da doença". "Não permita que isso a incomode nem um pouco", eu disse, "Eu nunca terei esse vírus". Mas minha esposa disse: "Bem, talvez seja melhor eu não entrar. Poderia pegá-lo". Eu disse para que ela fizesse a escolha própria. Ela continuou e entrou comigo, mas certamente ficou doente, como disse que ficaria. Eu não fiquei doente. Mencionei isso para ela e disse: "Você disse a coisa errada". Ela falou com hesitação. Ela ficou indecisa. Ela foi acometida daquela doença quase antes de chegarmos em casa. A doença sobressaltou-a assim tão rápido. (Combater, 116.)

Por meio de histórias como essas, o leitor pode perceber quão rígido é o cumprimento das regras da confissão positiva na esfera

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espiritual. Não é uma simples questão de a pessoa conhecer seus direitos nem de ter muita fé. Há procedimentos a serem seguidos, e qualquer falha ocasiona a perda da bênção desejada. Hagin diz exatamente isso, ao escrever: "Muitas pessoas perdem a bênção que Deus tem para elas, simplesmente por fazerem uma confissão errada" (Limiares, 60).

Diante dessa visão de mundo, explica-se por que Hagin descreve a fé eficaz como "fé do tipo de Deus", a espécie de fé que Deus usou para criar o mundo.

... por que Deus chama à existência as coisas que não existem? Porque Ele é um Deus da fé... Devemos, portanto, agir como Deus e chamar as coisas que não existem como se existissem. (Perdida, 86.)

Ele amplia sua explicação num capítulo chamado "A Fé do Tipo de Deus", onde, comentando Hebreus 11.3, escreve:

Pela fé entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus... Como Deus fez isso? Ele falou a Palavra, e aí estava a Terra... Ele falou, e assim foi. Aquela é a fé do tipo de Deus. Deus creu que aquilo que Ele falou se realizaria,

e assim foi! (Crescimento, 96.)

R. R. Soares reforça essencialmente o mesmo ponto:

Só existe este caminho — o caminho da fé. Foi deste modo que o Senhor no princípio criou os céus e a terra. Mesmo sendo Deus, Ele não podia ficar pensando em criar as coisas que elas logo existiriam. Ele usou a fé e soltou a Sua Palavra, e tudo se fez. (Soares, 1987, 91.)

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A fé verdadeira é chamada fé do tipo de Deus, pois é totalmente autoconfiante, tal como a fé que Deus empregou ao criar o mundo. Deus estava exercitando sua fé, pois cria na existência de coisas que ele ainda não havia visto, mas que sabia que viriam a existir. O fiel deve ter esse mesmo tipo de fé que Deus tem, isto é, confiança em si mesmo, conforme Hagin recomenda: "Aprenda a depender dAquele que está em você. Aprenda a desenvolver o seu próprio espírito. Tenha fé na sua fé" (Dirigido, 68).

Esse tipo de fé coloca em atividade nossos direitos espirituais no céu. Assim como Deus nunca duvidou ao chamar o mundo à existência, também nós devemos recusar a hesitação, a despeito das evidencias em contrário que possam vir dos sentidos físicos.

Chegamos ao fim de nossa exposição sobre a idéia de confissão positiva. Assim como Gálatas 3 forma a base teológica de nossos direitos à saúde e prosperidade, também a confissão positiva é o segredo para recebermos tais direitos. É de importância vital que o cristão conheça esses direitos e então os confesse em cada necessidade ou problema na vida. As leis espirituais que regem o universo não entram em funcionamento de modo automático e só exercem sua força em nosso favor quando seguimos os devidos passos. As regras da confissão positiva são inflexíveis. Falhar em alguma delas é o mesmo que perder nossa bênção. Se usamos um "se" em nossas orações, se duvidamos, se deixamos de confessar ou se reclamamos do fato de nossos pedidos não serem atendidos, fazemos com que qualquer desses erros perpetue nosso problema ou até o torne pior. Se satisfizermos da forma correta todas essas condições, poderemos reivindicar qualquer desejo de nosso coração.

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Resumo

Consideramos até agora os principais temas do evangelho da prosperidade. Quando visto em sua totalidade, percebemos que se trata de um sistema surpreendentemente complexo. Em geral, um sermão baseado na doutrina da prosperidade tocará apenas um ou dois pontos centrais, especialmente os que dizem respeito à confissão positiva. Raramente, ou mesmo nunca, o sistema é visto como um todo. Antes de passar para a análise crítica, consideramos aqui o lugar apropriado para alguns breves comentários sobre certos pressupostos espirituais que estão por trás dessa teologia.

Antes de tudo, vale repetir que embora o evangelho da prosperidade esteja se difundindo principalmente entre as igrejas pentecostais, sua cosmovisão é extraída de várias seitas metafísicas obscuras. Essa cosmovisão tem dois pontos fáceis de declarar, mas com conseqüências de longo alcance. Primeiro, pressupõe-se que o mundo material está debaixo do controle de forças espirituais. Segundo, ensina-se que essas forças podem ser manipuladas e controladas por meio da fé. O primeiro pressuposto significa que sempre que o cristão se encontra doente, sem dinheiro ou passando por algum problema na vida, alguma coisa está espiritualmente errada. O segundo implica que o cristão sempre é culpado, pelo menos em parte. Pode ser que ele desconheça seus direitos espirituais, não os exija com firmeza suficiente ou, talvez, permita que surjam dúvidas, criando, desse modo, forças negativas que destroem a confissão. Em qualquer caso, trata-se da responsabilidade do cristão, pois Deus colocou em nossas mãos o uso e o controle dessas forças espirituais. Quando os pressupostos são declarados com tal clareza, torna-se evidente por que a confissão positiva é uma parte tão importante

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dessa mensagem. Aquilo que confessamos acontecerá, para o bem ou para o mal, pois nossa confissão cria mesmo a realidade. Segundo Hagin afirma,

Tudo que Deus diz que você é e tudo que Deus diz que você tem, já é real na dimensão espiritual. Mas você deseja que se torne real na dimensão física para então desfrutar o que já é seu em Cristo. (Combater, 35.)

... a confissão da fé cria a realidade. (Limiares, 54.)

A fé é apanhar as irrealidades da esperança e trazê-las para a dimensão da realidade. (Crescimento, 17.)

Tudo quanto precisamos, está providenciado para nós na dimensão espiritual... Aquilo que está na dimensão espiritual fica sendo real na dimensão natural, mediante a fé. A fé o capta e cria a realidade dele na nossa vida. (Paz, 9.)

Essa espiritualidade que concebe a fé como "uma força" (Necessário, 34) está por trás de toda exegese feita pelos pregadores da prosperidade. A idéia é de que a fé apodera-se das forças da esfera invisível e coloca-as em atividade no mundo visível. Não importa se gostamos ou sabemos disso, mas criamos nossa própria realidade por meio da força espiritual de nossas esperanças e desejos.

Quando você faz uma confissão positiva da fé, é criada uma realidade na sua vida. E então, você caminha na realidade das bênçãos de Deus... Se confessamos fraquezas, fracassos, e doenças, destruímos a fé... Quando conservamos firme nossa confissão, trazemos Deus para o

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cenário. Nossas confissões nos governam. Essa é uma lei espiritual que poucos de nós percebem... Eu falo para as pessoas o tempo todo: "Se você não está satisfeito com o que tem na vida, então mude o que você está dizendo. Você criou o que tem em sua vida com suas próprias palavras". (Combater, 110. 111.)

Essa visão de mundo é parecida com a da Ciência Cristã, que ensina que todas as doenças físicas são uma ilusão e, portanto, podem ser superadas pelo modo certo de pensar. A "maneira correta" de entender as doenças e a dor resume-se na simples negação de que elas são reais. Hagin soube dessa comparação e fez questão de negar qualquer semelhança entre as duas crenças:

Algumas pessoas dizem: "Irmão Hagin, ore por mim. Creio que estou ficando gripado". Não haveria nenhum proveito na minha oração, porque se crêem que estão ficando doentes, vão ficar doentes. "Seja feito convosco segundo a vossa fé". Se você continuar tendo fé para ficar com a doença, ficará mesmo. Não considere nem veja a coisa errada. Algumas pessoas captam apenas parte daquilo que estou dizendo. Acham que estou ensinando como a Ciência Cristã, e mandando negar a existência de todos os sintomas e continuar vivendo como se os sintomas não fossem reais. Há, porém, tanta diferença entre os meus ensinos e os da Ciência Cristã, quanto há diferença entre a luz do dia e as trevas noturnas. Conforme disse certo médico: "Não se trata da Ciência Cristã; trata-se do bom-senso cristão". Não negamos existência dos sintomas, pois são reais. Certamente a dor é real. O pecado é real. E o diabo é real. Mas note o que a Palavra de Deus diz: "Abraão não considerou seu próprio corpo". Não considere, pois, seu

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próprio corpo, mas olhe para Jesus, nosso Sumo Sacerdote, o Autor e Consumador da nossa fé. (Crescimento, 24.)

Entretanto, a questão essencial permanece: tanto a Ciência Cristã quanto o ensino da prosperidade afirmam que o mundo é regido por forças espirituais que, por sua vez, são controladas por pensamentos humanos. É exatamente por isso que Hagin ensina que a fé do cristão é do mesmo tipo da fé que Deus possui. Por mais ridícula que essa idéia pareça, ela é coerente com uma cosmovisão em que as leis espirituais são regidas pela vontade humana. O que realmente está por trás da doutrina da prosperidade é uma mensagem utilitarista: é bem melhor controlar o grande poder da esfera espiritual, tendo o bem como alvo, e gozar daquilo que Deus colocou à nossa disposição em Cristo.

Terei alcançado êxito em minha exposição se, a esta altura, o leitor já tiver percebido a força e a atração da mensagem da prosperidade. Sua fascinação vem pelas promessas de capa-citação para obtermos saúde e riquezas, se seguirmos certas leis espirituais rígidas que, embora não sejam fáceis, estão ao alcance de todos os cristãos. Nos capítulos seguintes, teremos oportunidade de comparar essa mensagem com a do gnosticismo, tão popular durante algum tempo nos segundo e terceiro séculos, e que, de longe, era a mais atraente interpretação rival do cristianismo daquela época. Irineu, um dos pais da igreja do segundo século, foi prolífico em seus escritos contra o gnosticismo. Ele observou seu poder de atração e a dificuldade de refutá-lo. Uma de suas observações tem uma pertinência especial aqui.

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De fato, o erro nunca se apresenta claramente deformado, pois, assim exposto, seria detectado de imediato. Mas ele é astuciosamente vestido de maneira atraente para que, mediante sua forma exterior, pareça ao inexperiente (por mais ridícula que seja a expressão) mais verdadeiro do que a própria verdade. (Contra Heresias, 1:2.)

O mesmo se dá com o evangelho da prosperidade; é uma distorção do verdadeiro evangelho, em alguns casos muito sutil, mas recebe ampla credibilidade a priori, por parecer que corresponde aos ensinos cristãos de que Deus é amor, deseja o melhor para seu povo e de que, por meio da redenção que temos em Cristo, seremos renovados tanto no corpo quanto na alma. Por isso, trata-se de uma doutrina que está arrebanhando grande número de seguidores.

Agora estamos prontos para passar para o capítulo três, onde ofereceremos uma resposta.

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Capítulo Três

RESPOSTAS AO EVANGELHO DA PROSPERIDADE

Como devemos entender as visões de Hagin? Existem meios para testar as alegações de autoridade espiritual? Será que a Bíblia promete saúde e riquezas nesta vida para aquele que crê? Pode o cristão ter controle sobre forças espirituais por intermédio das regras da confissão positiva? Daremos neste capítulo uma resposta a cada ponto dos ensinos da teologia da prosperidade.

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Introdução Neste capítulo tentaremos responder a cada um dos pontos levantados no capítulo anterior. Antes de começarmos, fazem-se necessárias várias observações. Em primeiro lugar, deve ficar claro que o evangelho da prosperidade é uma compreensão realmente nova da fé cristã. Isso só pode significar que a igreja esteve pregando a mensagem errada durante todos esses séculos. Toda a tradição teológica estava errada e deve ser abandonada. Os que foram criados nas denominações tradicionais precisam desaprender o que lhes foi ensinado na igreja e na Escola Dominical.

Muitíssimas vezes temos sido derrotados porque não fomos ensinados... ou fomos ensinados para algo que não é assim, e tivemos que "desaprendê-lo". É muito mais difícil "desaprender" do que aprender. Antes de podermos prosseguir em nossa caminhada com Deus, às vezes precisamos "desaprender" algumas coisas. (Unção, 25.)

Creio que quase toda a nossa "teologia" tem que ser mudada. Fomos mal ensinados e por isso estamos sendo destruídos. (Soares, 1987, 49; veja também 85, 89.)

Essas alegações audaciosas expressam da maneira mais clara possível o desafio da doutrina da prosperidade à teologia protestante. A "velha" teologia precisa ser desaprendida e o evangelho da prosperidade instalado em seu lugar. Tal exigência é característica de todos os movimentos e seitas que oferecem uma nova interpretação da Bíblia. Todas as seitas e heresias que apareceram desde os dias de Cristo, sejam os gnósticos, montanistas, bogomilos ou, em nossa época, os mórmons ou

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testemunhas de Jeová, afirmavam que a tradição da igreja precisa ser rejeitada. O antigo deve sair de cena para dar lugar ao novo. Nesse particular, o evangelho da prosperidade não é diferente. A tradição protestante inteira, desde Lutero e Calvino até os dias de hoje, precisa ser totalmente descartada. Conforme diz Hagin, precisamos "desaprender" a velha teologia, pois, segundo R. R. Soares, "fomos mal ensinados".

Entretanto, a teologia não é como a ciência moderna, que atingiu enorme sucesso em sua compreensão do reino natural, apreendendo novos fatos e formulando uma visão cada vez mais completa dele. Esse tipo de descoberta criativa simplesmente não é possível na teologia. Deus não optou por fazer continuamente acréscimos à revelação que ele concedeu à igreja há dois mil anos. Um dia o conhecimento sobre Deus irá outra vez crescer rapidamente, quando o Senhor voltar. Mas esse dia ainda não chegou. Portanto, a "velha" teologia não pode ser substituída por algo mais novo e melhor, como se esse fosse o curso natural das coisas. É claro que o evangelho precisa ser reafirmado em cada geração e em cada cultura, de modo a ser compreensível, mas ele não pode ser renovado ou reinventado, apesar de muitos haverem tentado isso.

Nosso segundo comentário introdutório é que é muito mais fácil ensinar o erro do que refutá-lo. Apesar de a teologia de Hagin ser muito simples e seus muitos livros, fáceis de ler, isso não significa que seja simples refutar sua interpretação da Bíblia. Qualquer idiota pode fazer uma declaração simples que exija uma equipe de eruditos para provar que ela está errada. Considere a seguinte declaração: "Não há Deus". Essa oração consiste de apenas três palavras, mas, mesmo assim, quanto esforço precisa ser feito para provar que ela é falsa? Poderia ser

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oferecida uma resposta baseada em argumentos racionais extraídos da teologia natural ou da experiência pessoal ou da citação de um dos mestres da teologia na história da igreja. Mas, qualquer que fosse o método escolhido, ele exigiria, para que fosse convincente, raciocínio cuidadoso e ampla pesquisa. Da mesma forma, é fácil dizer que todos temos direito à saúde e à riqueza, mas é difícil provar que isso não é verdade. Portanto, este trabalho não pretende ser exaustivo ou especialmente profundo. Ainda há muita coisa a ser dita e escrita em resposta à doutrina da prosperidade. Este livro é somente um estudo introdutório, e espera-se que muitos outros desse tipo apareçam em breve para o benefício do cristão de língua portuguesa.

Em terceiro lugar, deve-se observar que a presença da Bíblia não garante ortodoxia. Isso é aplicável a qualquer sistema teológico. Até mesmo as seitas usam as Escrituras para firmar suas posições. Algumas, como a dos meninos de Deus, exigem com rigor que seus membros decorem passagens bíblicas. Mas, embora a Bíblia seja muito citada, os textos raramente recebem atenção cuidadosa. Quase não se encontra um trabalho exegético sério. Nesse sentido, os escritos de Hagin são semelhantes aos das seitas. Eles estão repletos de citações bíblicas seguidas de um ou dois parágrafos incisivos sobre o trecho em questão. Mas não existe nenhum argumento sustentável ou qualquer análise cuidadosa. Apesar das afirmações de Hagin quanto a seus dons de conhecimento, memória e entendimento, sua teologia presta muito pouca atenção nos textos bíblicos que ele cita.4

4 Continua válido hoje o comentário de William James sobre os escritos dos pregadores da cura de sua época, no início do século XX. Ele escreveu que podemos pôr de lado "... a verbosidade de boa parte da literatura sobre cura pela mente, algumas de um otimismo tão

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Por fim, permitam-me acrescentar uma palavra de incentivo. Há muitos pastores frustrados nas igrejas, perguntando que tipo de resposta devem dar à congregação quanto à doutrina da prosperidade. A intenção desse capítulo é exatamente fornecer a espécie de material necessário para uma resposta detalhada, extensa e convincente. Um pouco dele é ligeiramente técnico, mas sua maior parte é dirigida ao uso em sermões ou para o ensino na Escola Dominical. Espera-se que o pastor que busque orientação ache esta análise útil e convincente.

Antes de começar, vale o esforço de olhar mais uma vez para a estrutura geral da doutrina da prosperidade. Ela tem três aspectos: 1) o fundamento da autoridade espiritual; 2) as promessas de saúde e riqueza; e 3) o método ou procedimento para a obtenção das bênçãos prometidas, por meio da confissão positiva. A autoridade espiritual alegada por Hagin fornece a base para as promessas que são feitas. Estas se resumem em saúde e riqueza para todos os fiéis que estejam prontos a seguir o ensino da prosperidade. O método ou as regras da confissão positiva descrevem, então, como obter a bênção e completam o sistema. Consideremos esses pontos em sua seqüência.

lunático e expressas de forma tão vaga que até a mente com perícia acadêmica acha quase impossível lê-las" (Variety of Religious Experience, 94).

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1. Autoridade Espiritual A alegação que Hagin faz de autoridade espiritual é bem clara: ele não defende sua interpretação da Bíblia com base na erudição teológica, no raciocínio filosófico cuidadoso ou na pesquisa sobre a história das doutrinas na igreja. Antes, ele alega possuir a autoridade de um profeta que falou com Deus. A semelhança de Paulo, ele foi instruído diretamente por Jesus (Gl 1.12). Essa afirmação sublime de conhecimento por meio de revelação é ratificada por muitas histórias de poder espiritual para curar e operar sinais e maravilhas de todos os tipos. Essa afirmação é séria tanto hoje quanto nos dias de Moisés, quando foram feitas as primeiras advertências contra profetas que surgiriam no futuro (Dt 13.1-3).

Como respondemos a essas alegações de autoridade espiritual? A primeira coisa que devemos perceber é que não somos os primeiros a fazer essa pergunta. Antes de nós, outros já consideraram cuidadosamente esse problema, de sorte que podemos edificar em cima da resposta que eles ofereceram. Como protestantes, olhamos para os reformadores, os principais articuladores da compreensão que temos sobre a Bíblia. Eles enfrentaram a mesma pergunta, pois, por um lado, tiveram de se confrontar com o enorme poder da antiga tradição da igreja católica e dizer: "isso está errado". Por outro lado, os reformadores também precisaram enfrentar os "profetas de Zwickau", os radicais daquele tempo que afirmavam que Deus estava lhes dando uma nova revelação da Bíblia e de sua vontade para suas vidas (Williams, 1962). Tanto católicos quanto radicais indagaram aos reformadores onde eles haviam buscado autoridade para julgá-los. A resposta dos reformadores foi a

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mesma nos dois casos: o único padrão de julgamento para qualquer ensino na igreja de Cristo devem ser obrigatoriamente as Escrituras e somente as Escrituras (Calvino, 1985, I. IX. 1; Pieper 1950, 193-213). Não há outra fonte para onde devamos ir a fim de conhecer a mente de Deus para a igreja. Em sua análise do evangelho da prosperidade e das alegações feitas por seus líderes de que trazem novas revelações e novas interpretações das Escrituras, esta crítica apela para o mesmo padrão. Como cristãos e protestantes, nossas crenças devem ser julgadas e limitadas de todos os lados por aquilo que a Bíblia ensina.

Assim como na Reforma, hoje também a afirmação de Hagin de estar recebendo novas revelações é extremamente séria para a igreja, porque o ofício de profeta (Antigo Testamento) ou de apóstolo (Novo Testamento) é caracterizado por autoridade fundamental. Nada pode ser dito contra o ensino de um verdadeiro profeta ou de um apóstolo escolhido, exceto a palavra de outro apóstolo ou das próprias Escrituras. Algumas igrejas fazem um cavalo de batalha em cima das passagens que nos dizem que, nos últimos dias, haverá profecias e visões na igreja (Jl 2.28). Sem dúvida elas existirão, pois a Bíblia declara que assim será. Mas creio que as visões desse tipo são bem diferentes de ensino apostólico. Elas aparecerão no fim dos tempos para encorajar a igreja em períodos difíceis, não para dar mais instruções em matéria de fé.

As visões de Hagin não são do tipo que simplesmente confirma a fé e exorta os irmãos. Elas têm a natureza de revelação e trazem novo conteúdo doutrinário que exigem uma compreensão da Bíblia inteiramente distinta. Tais alegações não são feitas por muitos líderes do movimento da prosperidade. A maior parte dos pastores que prega essa doutrina simplesmente acolheu o

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evangelho da prosperidade como algo que exerce atração e colocou-o em prática no ministério. Poucos têm pensado seriamente nas implicações daquilo que estão dizendo e em como isso se coaduna com a fé histórica. Portanto, devemos dizer da maneira mais clara possível que qualquer pessoa que aceite a interpretação que Hagin faz da Bíblia está também aceitando implicitamente suas alegações de autoridade como apóstolo dos dias atuais.

Nesta seção colocaremos à prova as alegações de autoridade espiritual feitas por Hagin. Esse é o ponto de partida lógico para nossa resposta, pois se ele foi verdadeira e pessoalmente instruído por Deus quanto à interpretação correta da Bíblia, então devemos segui-lo e acatar sua orientação. Mas se suas pretensões de autoridade espiritual não suportarem nosso escrutínio, então seus ensinos doutrinários também deverão ser considerados espúrios. O leitor atento observará que estamos invertendo o procedimento habitual. Geralmente, os grupos ou ensinos heréticos são testados apenas com referência à ortodoxia doutrinária. Uma vez demonstrado que os novos ensinos fracassam na área da doutrina, a tarefa de refutar as visões é dada por encerrada. Não há nada de errado com esse método. De fato, a doutrina é nosso guia seguro em matéria de fé, e nas seções 2 e 3 deste capítulo seguiremos exatamente esse procedimento.

As afirmações de Hagin serão confrontadas com as Escrituras e com a visão protestante dela. Todavia, nesta seção, deixaremos de lado por um momento a questão da veracidade ou falsidade da doutrina de Hagin, para nos concentrarmos somente em suas visões e alegações de sinais e maravilhas. Creio que se verificará que essas visões são reprovadas em vários testes que qualquer revelação procedente de um verdadeiro profeta poderia suportar.

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Testes como esses funcionam não apenas com as visões de Hagin, mas também para qualquer um que afirme ser amigo especial de Deus.

1.1 Visões: as da Bíblia e as Atuais

Nosso primeiro teste para as alegações de autoridade apostólica de Hagin será feito por meio da comparação de suas visões com as visões registradas pelos profetas e apóstolos na Bíblia. Talvez devamos antes perguntar se esse teste é justo. Há justiça numa comparação de Hagin com um profeta do Antigo Testamento ou com um apóstolo do Novo? Parece que a resposta é afirmativa, uma vez que, como Paulo, ele declara ter visto o Cristo ressurreto e dele ter recebido instruções. Sobretudo, à semelhança dos profetas antigos, ele alega operar sinais e maravilhas que confirmam sua autoridade. Ele é como Moisés, pelo fato de ter sido cercado por nuvens de glória e de seu rosto ter brilhado. Ele é como Elias ou Eliseu, pois pode humilhar seus oponentes com o toque de seu dedo. De certa forma, algumas de suas alegações superam até mesmo aquelas dos maiores profetas da Bíblia. Lembre-se, por exemplo, que ele afirma nunca ter recebido uma resposta às suas orações que não fosse um "sim" de Deus. Nenhum dos apóstolos fez tal afirmação, e Paulo diz abertamente que algumas de suas orações não foram atendidas (2 Co 12.8, 9). Portanto, por suas próprias afirmações, parece justo julgá-lo em comparação com os maiores santos da Bíblia.

Portanto, nosso primeiro teste será comparar as muitas visões de Hagin com três visões escolhidas na Bíblia, uma em Isaías, outra em Daniel e outra em João. Comecemos com a leitura de uma parte dessas visões nos capítulos seguintes: Daniel 10, Isaías 6 e Apocalipse 1. Enquanto lê essas passagens, o leitor deve

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concentrar sua atenção na qualidade emocional das visões. Que tipo de sentimento elas trazem à tona? Qual a impressão que se recebe do profeta acerca da natureza de sua experiência visionária? Observe também que esses três grandes profetas reagiram de formas semelhantes à visitação do Senhor.

Daniel 10.1-19

No terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia, foi revelada uma palavra a Daniel, cujo nome se chama Beltessazar; a palavra era verdadeira, e envolvia grande conflito; ele entendeu a palavra, e teve a inteligência da visão. Naqueles dias eu, Daniel, pranteei durante três semanas. Manjar desejável não comi, nem carne nem vinho entraram na minha boca, nem me untei com óleo algum, até que passaram as três semanas inteiras. No dia vinte e quatro do primeiro mês, estando eu a borda do grande rio Tigre, levantei os olhos, e olhei, e eis um homem vestido de linho, cujos ombros estavam cingidos de ouro puro de Ufaz; o seu corpo era como o berilo, o seu rosto como um relâmpago, os seus olhos como tochas de fogo, os seus braços e os seus pés brilhavam como bronze polido, e a voz das suas palavras como o estrondo de muita gente. Só eu, Daniel, tive aquela visão; os homens que estavam comigo nada viram, não obstante, caiu sobre eles grande temor, e fugiram e se esconderam. Fiquei, pois, eu só, e contemplei esta grande visão, e não restou força em mim; o meu rosto mudou de cor e se desfigurou, e não retive força alguma. Contudo, ouvi a voz das suas palavras; e, ouvindo-a, caí sem sentido, rosto em terra. Eis que certa mão me tocou, sacudiu-me e me pôs sobre os meus joelhos e as palmas das minhas mãos. Ele me disse: Daniel, homem muito amado,

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está atento às palavras que te vou dizer, e levanta-te sobre os pés; porque eis que te sou enviado. Ao falar ele comigo esta palavra, eu me pus em pé tremendo. Então me disse: Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia, em que aplicaste o coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras; e por causa das tuas palavras é que eu vim. Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive vitória sobre os reis da Pérsia. Agora vim para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias; porque a visão se refere a dias ainda distantes. Ao falar ele comigo estas palavras, dirigi o olhar para a terra, e calei. E eis que uma como semelhança dos filhos dos homens me tocou os lábios; então passei a falar, e disse àquele que estava diante de mim: Meu senhor, por causa da visão me sobrevieram dores, e não me ficou força alguma. Como, pois, pode o servo do meu senhor falar com o meu senhor? porque, quanto a mim, não me resta já força alguma, nem fôlego ficou em mim. Então me tornou a tocar aquele semelhante a um homem, e me fortaleceu; e disse: Não temas, homem muito amado, paz seja contigo; sê forte, sê forte. Ao falar ele comigo, fiquei fortalecido, e disse: Fala, meu senhor, pois me fortaleceste.

Isaías 6.1-5

No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os

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outros, dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então disse eu: Ai de mim! Estou perdido! porque sou homem de lábios impuros, habito no meio dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!

Apocalipse 1.9-17

Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. Achei-me em espírito, no dia do Senhor, e ouvi por detrás de mim grande voz, como de trombeta, dizendo: O que vês, escreve em livro e manda às sete igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia. Voltei-me para ver quem falava comigo e, voltado, vi sete candeeiros de ouro, e, no meio dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com vestes talares, e cingido à altura do peito com uma cinta de ouro. A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os olhos, como chama de fogo; os pés semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa fornalha; a voz como de muitas águas. Tinha na mão direita sete estrelas, e da boca saía-lhe uma afiada espada de dois gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua força. Quando o vi, caí a seus pés como morto.

Poderíamos usar muito espaço, fazendo uma exegese cuidadosa dessas visões, mas para nossos objetivos aqui, é suficiente observar somente algumas características principais que elas têm

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em comum. Em primeiro lugar, o mensageiro, seja um anjo, Cristo ou o próprio Senhor, traz consigo um senso de grande poder e glória. O profeta que se encontra, de repente, perto de um ser assim tem uma enorme consciência de sua própria fraqueza. Daniel e João professam ter sentido tamanha fraqueza que não conseguiram ficar de pé, tendo os dois caído com o rosto em terra. João diz que se sentiu como se estivesse morto. Daniel declara que, mesmo depois de fortalecido pelo Ser divino, ainda tremia e sentia-se fraco. Isaías pode muito bem ter tido a mesma sensação, mas não se incomoda em descrevê-la em seu relato bastante conciso do evento. De qualquer modo, a sensação de fraqueza na presença de um ser santo é esmagadora, ao ponto de incapacitar totalmente o profeta. Eles nos dizem que, sem uma infusão de força, não seriam capazes de receber o visitante divino. A sensação de estar na presença de uma grandeza inefável e coerente com a idéia sublime que a Bíblia sustenta, em todos os lugares, quanto ao Senhor ou a seus seres santos. O reino do céu é bem mais grandioso do que a ordem atual, e qualquer contato com ele é suficiente para atordoar os profetas e os apóstolos.

Em segundo lugar, em cada caso, a reação do profeta inclui um sentimento de temor santo. Os homens que acompanhavam Daniel fugiram apavorados, sem saber de onde vinha tamanho temor. Isaías exclamou: "Ai de mim! Estou perdido!" Seu senso de pecado é tão forte que ele não apenas se sente indigno de ficar na presença do Senhor, mas também teme por sua própria vida. Destruição completa e repentina parece algo provável e iminente. Na Bíblia, em todos os 75 casos em que uma pessoa entra na presença de Deus ou um mensageiro santo é enviado por ele, a reação inclui esse sentimento de temor.

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Em terceiro lugar, em todas as passagens o centro de atenção está no Senhor ou no mensageiro divino e em sua mensagem. Nos três exemplos acima, a descrição feita do Senhor ou do anjo é breve, porém apresenta grande força literária. "... e as abas de suas vestes enchiam o templo", afirma Isaías. Nas descrições mais detalhadas de Daniel e João, ambas parecem estar à busca de superlativos na tentativa de retratar de modo adequado a glória do visitante celestial. No caso de João, o esplendor e o brilho terríveis do Senhor ressurreto são particularmente instrutivos, pois essa é a única descrição que a Bíblia oferece do Senhor após a ascensão. Seria uma inferência razoável supor que esta é agora a aparência de Cristo em seu estado de exaltação como Rei dos reis e Senhor dos senhores. Em todos os casos, concentra-se inteiramente no visitante divino, nunca no profeta que tem a visão.

Por fim, como resultado dessas visões, os profetas e apóstolos falavam com grande autoridade. Não se questionavam suas mensagens nem seus mandatos. Suas palavras não se caracterizam por um "bem, acho que...", mas por um "assim diz o Senhor". Eles falam com muita autoridade, pois a impressão deixada sobre eles pela visitação trazia consigo grande dose de certeza. O profeta que recebia a visão poderia, depois daquilo, duvidar de tudo na vida, até de sua existência, mas ele nunca duvidaria do mensageiro nem da mensagem que lhe havia sido trazida.

Cada uma dessas características forma um contraste com as visões de Hagin. Esse ponto não precisa ser atacado. O leitor pode voltar por si mesmo e comparar as passagens acima com aquelas que se encontram nas obras de Hagin. A diferença será notada imediatamente ou nunca. Entretanto, para poupar tempo e

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esforço ao leitor, podemos observar brevemente que nas visões de Hagin existe uma ausência quase completa da sensação de estar na presença de um Ser santo que é mais poderoso do que ele. O leitor até procura isso, mas não consegue encontrar nenhum sentimento de temor santo nas visões dele. Pelo contrário, Hagin demonstra tanta confiança em si mesmo na presença do Senhor que chega a nos dizer que sempre discute com Jesus sobre a interpretação de uma passagem da Bíblia. É claro que, em suas histórias, Jesus sempre sai vitorioso nas discussões, mas isso se deve ao fato de Hagin defender a posição ortodoxa ultrapassada e Jesus as doutrinas de saúde, prosperidade e confissão. Parece que Hagin não tem nenhuma dificuldade em ser levado para o céu ou para o inferno ou em estar na presença do Senhor glorificado. Com efeito, a aparência de Jesus nas visões dele e muito comum, sem qualquer vestígio de algum elemento divino. Essas descrições de Jesus formam o contraste mais agudo possível com a glória descrita por João.

Em segundo lugar, o conteúdo das visões de Hagin está muito concentrado nele mesmo. Por isso, ao terminar de ler uma dessas histórias, o leitor não se sente como se tivesse lido alguma coisa pertinente às Escrituras Sagradas. Não há nenhuma sensação de que ali se encontra algo especial. Antes, o sentimento é mais o de ter lido uma notícia interessante no jornal da manhã. Creio que isso se deve à ausência de temor santo e ao fato de a atenção nas visões estar concentrada principalmente em Hagin.

Por fim, como resultado dessas visões, Hagin afirma trazer à igreja o verdadeiro entendimento das Escrituras, algo que nunca foi visto em dois mil anos de história eclesiástica. Tal afirmação deveria ser feita com a autoridade de um Moisés que se encontra no Monte Sinai, de um João que escreve de Patmos ou de um

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Paulo que discute com os gregos. Em vez disso, ouvimos as palavras de um velho simpático e bondoso conhecido como "vovô Hagin". (Ninguém duvida da sinceridade ou da simpatia de Hagin.)

Antes de passar para o segundo teste, consideremos agora uma passagem da experiência de Paulo ao ser levado ao céu, registrada em 2 Coríntios 12.1-6. Ali ele fala brevemente de seu arrebatamento ao céu:

Se é necessário que me glorie, ainda que não convém, passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos foi arrebatado até ao terceiro céu, se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe. E sei que o tal homem, se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe, foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir. De tal coisa me gloriarei; não, porém, de mim mesmo, salvo nas minhas fraquezas. Pois se eu vier a gloriar-me não serei néscio, porque direi a verdade: mas abstenho-me para que ninguém se preocupe comigo mais do que em mim vê ou de mim ouve.

O aspecto mais impressionante desse relato é o tom de humildade. Paulo diz: "De tal coisa me gloriarei; não, porém, de mim mesmo". Ele também não descreve com detalhes o que realmente aconteceu. Em vez disso, há uma resistência de sua parte em falar sobre algo intensamente pessoal como foi o encontro com Deus no céu. Registrar uma experiência dessas seria o mesmo que expor sua alma ao mundo. É evidente o contraste com a prontidão de Hagin em relatar tudo o que ele vê e sente em suas visões.

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Em pelo menos mais um ponto Hagin é diferente daqueles que recebem revelações no Novo Testamento — ele não aceita questionamentos ou críticas. No tempo dos apóstolos não era assim. A discussão crítica fazia parte dos relacionamentos apostólicos. Apesar de cada um dos apóstolos ter sido ensinado por Cristo, nenhum deles alegava ter plena compreensão do que o Mestre havia dito. Depois da ascensão do Senhor, ainda houve muita discussão e pesquisa cuidadosa das Escrituras. Em Atos 15, encontramos o registro de uma discussão acalorada entre os apóstolos a respeito do assunto central da primeira igreja: a relação entre a lei e o evangelho. No fim, o grupo chegou a um novo entendimento. A questão é que os apóstolos não se colocavam acima de todo e qualquer questionamento. É evidente que o próprio João está respondendo a questionamentos que ele havia enfrentado muitas vezes, ao escrever, em 1 João, que havia ouvido, visto e tocado o verdadeiro Jesus. Isso estabelece um contraste com Hagin e outros pregadores da cura de hoje, que rejeitam qualquer questionamento. Hagin vai mais longe e coloca medo em seus seguidores, fazendo-lhes ameaças. Isso lhes tira a capacidade de pensar por si mesmos. Eles acreditam que Hagin é profeta e mestre, visionário místico e erudito bíblico, tudo ao mesmo tempo. Sua autoridade é intocável. Aqueles que o desafiam são repreendidos, por estarem rejeitando a palavra de Deus. Eles dizem que não devemos tocar no ungido do Senhor. Esse tipo de demagogia forma um contraste gritante com a humildade de Paulo.

Como em todas as outras questões de fé e doutrina, o leitor terá de decidir por si mesmo, mas este autor acha que existe uma enorme diferença em termos de qualidade entre as visões de Hagin e as dos profetas e apóstolos da Bíblia. As de Hagin parecem ficar muito aquém do poder, da glória e do temor santo

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daqueles que foram portadores de uma nova e verdadeira revelação da parte de Deus. Em nossos dias, parece que está crescendo o número dos que não têm medo de afirmar que trazem sobre seus ombros um manto divino. As visões descritas na Bíblia formam um padrão a ser seguido por outros. O profeta dos dias atuais tem esse sentimento de temor santo? Suas visões se concentram no Santo? Ele retorna dessas visões exaltado pelo orgulho ou humilhado com uma sensação de pecado? É necessário que existam menos ingenuidade e mais comparação das visões de hoje com o padrão estabelecido pela Bíblia.

O segundo teste que aplicaremos é muito mais simples. Ele consiste de perguntarmos se as afirmações que Hagin faz quanto à sua posição de profeta de Deus autonomeado são coerentes umas com as outras. A coerência interna é um teste importante em qualquer trabalho teológico ou filosófico e aplica-se também a testemunhos pessoais. Num tribunal, é comum o promotor usar a tática de fazer o réu tropeçar em alguma incoerência em seu testemunho, demonstrando assim que ele está mentindo ou pelo menos escondendo parte da verdade. Portanto, vale a pena notar que o testemunho de Hagin quanto a seu ministério pessoal apresenta incoerências. Por um lado, temos suas afirmações de que ele sempre viveu numa elevada condição espiritual, nunca sofreu uma derrota, nunca teve problemas, sempre teve resposta para suas orações, foi cercado por nuvens de glória, curou todas aqueles que o procuraram. Por outro lado ele admite tanto em seus sermões quanto em seus livros que seus primeiros 12 anos de ministério pastoral foram um fracasso total e, por isso, ele precisava do perdão divino (McConnell, 1988, 60). Esses dois conjuntos de afirmações não se harmonizam. Um ou outro precisa ser modificado. Por si só, esta única contradição é suficiente para colocar em dúvida tudo o mais que Hagin afirma,

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pois é o próprio testemunho dele que dá credibilidade às suas visões e profecias. Portanto, questionar a veracidade de seu testemunho é o mesmo que questionar o fundamento de sua alegação de ser profeta.

O terceiro e último teste a ser aplicado é de natureza moral. Como vimos, Hagin não foi totalmente honesto em sua explicação das origens de seus ensinos. Ele afirma que eles vieram exclusivamente do Senhor e não de algum autor humano. Todavia, conforme notamos na introdução, ele plagiou ampla e repetidamente a E. W. Kenyon, durante anos, antes de admitir ter lido os livros de Kenyon. Somente depois de ter sido desafiado (1978-1979), Hagin começou a mudar seus escritos, editando a fraseologia e dando crédito aqui e ali a Kenyon. Esse tipo de plágio intelectual não é algo sem importância. Ele não é tolerado em escolas seculares, muito menos em seminários. Seria isso coerente com a vida e o ensino de um profeta ou apóstolo? Novamente o leitor terá de tomar sua decisão sobre como responder a essa pergunta. A conclusão que oferecemos aqui é de que, pelos testes de moralidade, coerência interna e pela comparação das visões de Hagin com as da Bíblia, suas alegações de ensino apostólico caem por terra. Com base nesses testes somente, descontando seus verdadeiros ensinos doutri-nários, suas afirmações de autoridade espiritual podem ser declaradas espúrias.5

5 Remetemos o leitor ao livro de Jonathan Edwards, A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais

de Autenticidade (Vida Nova, 1992). Ele apresenta testes semelhantes pelos quais podem ser feitos julgamentos relacionados a um avivamento ou a alguma obra espiritual.

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1.2 Sinais e Maravilhas

Visões, profecias, visitas de Jesus, curas, palavras de conhe-cimento, falar em línguas, ser abatido no Espírito, nuvens de glória, rostos que brilham com luz sobrenatural, conhecimento do futuro, dons espirituais que descem com um "clique"; estes são os sinais e maravilhas. Na igreja atual, muitas pessoas tendem a acreditar que esse tipo de coisa é algo novo. Ele sempre está associado a sinais do fim dos tempos ou, no mínimo, a provas de uma unção especial do Espírito. Mas o fato é que tais relatos sempre foram comuns na história da igreja, desde cerca do quarto século. A história dos sinais e maravilhas é fascinante e traz uma lição para a igreja de hoje. O propósito dessa parte é mostrar a natureza dessa lição.

Sinais e Maravilhas no Passado

É ponto pacífico que os milagres de cura fizeram parte do ministério dos apóstolos, enquanto eles continuaram a evangelizar, embora haja quem diga que, mesmo enquanto eles estavam vivos, a freqüência deles diminuiu. A questão é se o poder de realizar milagres na igreja foi transferido para seus seguidores. Será que, no final do primeiro século e início do segundo, os seguidores dos apóstolos também realizaram milagres de cura? O poder de curar e de realizar sinais e maravilhas teria sido conferido à igreja?

Essas perguntas têm recebido diferentes respostas. Lutero, Calvino, Zuínglio e outros reformadores disseram sim: o poder de operar milagres continuou na igreja depois da morte dos apóstolos, mas somente durante algum tempo. Eles pressu-punham que o poder para realizar milagres era necessário para a

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edificação da igreja, mas, à medida que ela cresceu em número e força, tal necessidade diminuiu e, finalmente, cessou. Pelo menos era esse o argumento que eles usavam em suas discussões contra opositores católicos. Por sua vez, os católicos apontavam para os milagres atribuídos aos santos que viveram na Idade Média. As histórias miraculosas daquele período são abundantes e os debatedores católicos argumentavam contra os teólogos protestantes que os milagres registrados eram prova da autenticidade da doutrina católica. Afinal, se Deus operava milagres por intermédio dos santos católicos, isso vindicava claramente a verdade da igreja católica.

Se os reformadores estavam certos em dizer que os milagres desapareceram lentamente, á medida que a igreja primitiva se firmava, então não pode ter existido nenhum milagre autêntico durante a Idade Média (Calvino, 1989, IV. XIX. 18). Portanto, a igreja católica não poderia apelar aos milagres como prova de que era a única igreja verdadeira. O mesmo argumento foi usado contra a ala radical da Reforma e contra visionários como Thomas Müntzer, que, à semelhança dos modernos pregadores da cura, afirmava ter recebido todo tipo de visão e poderes especiais de Deus. Nos dois casos, nos debates contra a igreja católica ou contra os radicais, os reformadores fizeram uso do mesmo argumento. Os milagres continuaram durante certo tempo na era pós-apostólica e, então, começaram a desaparecer aos poucos, como uma luz que lentamente perde intensidade. De modo geral, o fim deles é fixado no início do quarto século, com o surgimento de Constantino.

Os reformadores estavam enganados. A partir do século XVIII, os escritos da igreja primitiva começaram a ser objetos de uma pesquisa mais cuidadosa. Deve ser lembrado que os reformadores

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tiveram pouco ou nenhum acesso a esses primeiros registros. Eles estavam arriscando um palpite, ao dizerem que os milagres desapareceram lentamente depois da era apostólica. A facilidade de acesso a esses primeiros documentos, obtida pelos historiadores atuais, permitiu uma apreciação mais exata daquilo que aconteceu. B. B. Warfield, o grande teólogo evangélico do seminário de Princeton durante as décadas de 1920 e 1930, pesquisou meticulosamente a história dos sinais e maravilhas. Ele provou que, depois da era apostólica, os sinais e maravilhas deixaram de ser relatados quase completamente.

Nos dois séculos posteriores à morte do último dos apóstolos, a literatura da época apresenta relatos de milagres que podem ser classificados de muito vagos.6

Há pouca ou absolutamente nenhuma evidência de operação de milagres durante os primeiros 50 anos da igreja pós-apostólica; nos 50 anos seguintes, ela é pequena e sem importância, começando a crescer durante o século seguinte (o terceiro); ela se tornou abundante e precisa somente no quarto século, aumentando ainda mais no quinto século e depois. Assim, se as evidências valem alguma coisa, em vez de uma diminuição progressiva e regular, desde o início houve um crescimento contínuo da operação de milagres. (Warfield, 1972, 10.)

Portanto, em vez de encontrarmos abundância de relatos miraculosos, o tom dos escritos das décadas posteriores à morte dos apóstolos foi cauteloso e conservador. Parece que houve da

6 Veja Justino Mártir, Apology, I, cap. 6; Irineu, Contra Heresies, I, cap. 34; Tertuliano, Ad

Scap IV, 4; Orígenes, Contra Celsum B, III, cap. 24; Clemente de Alexandria, Epis C, XII.

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parte dos pais pós-apostólicos um esforço deliberado de não alegar qualquer tipo de poder especial para operar sinais e maravilhas. Por isso. Warfield considera aqueles primeiros líderes cristãos

dignos do lugar que ocupam como seguidores imediatos dos apóstolos. A ansiedade que tinham com relação a si próprios era no sentido de que não fossem super-valorizados ou confundidos com os apóstolos em suas pretensões, em vez de arrogarem a si posição, dignidade ou poderes parecidos com os dos apóstolos. (Warfield, 1972, 10.)

Uma coisa é certa: se aqueles primeiros líderes da igreja tivessem realizado milagres de cura ou pensado como muitos na igreja atual, seus escritos estariam recheados de referências a curas e dons espirituais. A falta de comentários como esses demonstra como suas expectativas e preocupações eram diferentes. A semelhança dos apóstolos, eles se concentravam na salvação da alma e não na cura do corpo.

Foi somente muito mais tarde, no quarto século, que milagres começaram a ser relatados em números significativos. Naquela época houve um aumento repentino de relatos miraculosos, especialmente de milagres de cura. Há duas razões que justificam esse surgimento repentino de casos na literatura da época. Primeira, ele se deveu à emergência de livros seculares sobre os poderes que bruxos, mágicos e todos os tipos de heróis tinham para realizar milagres. Aquelas histórias tornaram-se extremamente populares. Assim como milhões de brasileiros lêem hoje Paulo Coelho, envoltos por uma fascinação su-persticiosa, naquela época também os contos de milagres eram

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lidos como explicações daquilo que realmente podia acontecer. Algumas daquelas histórias eram pura ficção, escritas apenas para fins de diversão. Quanto às outras, pretendia-se que fossem levadas a sério como prova das alegações de verdade feitas por grupos e religiões. Também não eram apenas sacerdotes pagãos e bruxos que relatavam milagres de todos os tipos. Grupos heréticos como os arianos ou os montanistas também afirmavam ter poder como prova de seus ensinos. No todo, o aparecimento dessa literatura de histórias fantásticas exerceu uma enorme influência sobre as expectativas da igreja. O cristão característico daquele tempo começou a ver as histórias de curas miraculosas como parte de sua religião.

O fato fundamental que deve ser mantido em nossa mente é que o cristianismo, ao entrar neste mundo, entrou num mundo pagão. À medida que ele se impunha, via-se cada vez mais imerso numa atmosfera pagã repleta de milagres. É claro que essa atmosfera penetrou com toda força no cristianismo e alterou sua interpretação da existência em todos os fatos da vida do dia-a-dia... Os próprios cristãos batizados saíram do paganismo e levaram os conceitos pagãos para dentro da igreja... Quem era supersticioso continuava supersticioso; quem havia vivido num mundo cheio de elementos miraculosos procurava e achava maravilhas acontecendo a seu redor... Talvez igualmente subestimemos o quanto dessa cosmovisão pagã passou para a igreja... O cristianismo não trouxe para o mundo a crença em milagres; ele a encontrou ali. Toda a religião dos pagãos dependia dela; eles tinham seus deuses visando somente os milagres. (Warfield, 1972, 74.)

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A segunda razão que levou ao aumento repentino do número de histórias miraculosas foi a decisão tomada pelos líderes da igreja de começarem a fazer uso de objetos como relíquias. Estas tinham o propósito expresso de responder às orações e de operar milagres. O poder de atração desse tipo de promessa sempre foi grande, e a igreja primitiva percebeu esse fato por volta do tempo de Agostinho, no final do quarto século. Ao oferecer ao público objetos dos santos que, supostamente, realizavam milagres de cura, multidões de pessoas, que teriam permanecido em suas religiões pagãs, foram atraídas para a igreja. Então, os líderes eclesiásticos sentiram-se obrigados a produzir, junto com as relíquias, modos de verificação do poder que elas tinham, primeiramente em forma oral e, depois, em forma de histórias escritas sobre seus poderes para operar maravilhas.

O raciocínio das autoridades daquele tempo parece ter sido este: se pagãos e hereges têm seus milagres, por que não a verdadeira igreja de Deus? Foi esse tipo de pensamento que levou os líderes eclesiásticos a copiar e produzir histórias miraculosas em forma cristianizada. Temos bons exemplos na literatura apócrifa da Igreja Católica Romana, tais como Atos dos Apóstolos (apócrifo); Vida de Antônio, de Atanásio; A Vida de Paulo, Hilário e Malco, de Jerônimo; e o Evangelho de Pedro, anônimo. Por volta do século sexto, os contos miraculosos como forma literária haviam sido completamente adotados de suas origens pagãs e eram pressupostos da igreja. Resumindo essa situação, Warfield escreve:

Pode-se dizer que, de modo geral, os cristãos transferiram para si e apropriaram-se de cada bem religioso possuído pelos pagãos. Um dos resultados disso foi que todo o conjunto de lendas pagãs, de uma forma ou de outra,

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reproduziu-se em solo cristão... Com o século sexto encontramos já cristianizado todo o sistema antigo de lendas. (Warfield, 1972, 83.)

A essência dessas lendas ou contos miraculosos estava na atribuição de milagres a heróis ou, no caso da igreja, aos santos ou a seus objetos nos relicários. Uma vez naturalizadas na igreja, essas histórias cristianizadas desenvolveram-se junto com a igreja propriamente dita, crescendo em grau e número.

Quando passamos da literatura dos três primeiros séculos para a do século quarto e seguintes, deixamos de vez a região das referências indefinidas e superficiais às obras miraculosas que teriam ocorrido em algum lugar ou outro — sem dúvida as referências aumentam em número e tornam-se mais específicas com o passar dos anos — e entramos em contato com um conjunto de escritos simplesmente saturado de maravilhas. Enquanto, no período anterior, encontramos poucos escritores que professavam ter sido testemunhas oculares de milagres e ninguém que atribuísse a si a operação deles, no período posterior todo mundo parece ter testemunhado milagres, e aqueles que os realizam não são apenas identificados, mas revelam-se como os mais famosos missionários e santos da igreja... Eles são... os eruditos eminentes, teólogos, pregadores e organizadores da época. (Warfield, 1972, 37, 38.)

O leitor deve ter em mente que as histórias miraculosas da Idade Média são diferentes das histórias bíblicas em dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, elas são narradas invaria-velmente na terceira pessoa e não representam relatos de

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testemunhas oculares. Ninguém alega ter realizado um milagre ou visto alguém realizá-lo. Também é digno de nota que, embora as lendas e histórias miraculosas tenham se espalhado muito na Idade Média, nenhum dos principais teólogos jamais apelou a milagres para defender uma idéia no campo teológico (Warfield, 1972, 250). Em segundo lugar, parece que muitos daqueles que receberam o crédito pela operação de algum milagre não tinham consciência, durante seu tempo de vida, de ter feito aquilo. Por exemplo, nas biografias escritas depois de sua morte, São Francisco de Assis recebe crédito pela ressurreição de 14 pessoas. A julgar de seus próprios escritos, ele próprio não teve consciência disso enquanto viveu.

É importante fazer uma última observação histórica. Os relatos de sinais e maravilhas continuaram existindo desde que foram incorporados à igreja, no começo da Idade Média. Warfield faz o seguinte comentário:

Com aquelas histórias miraculosas algo novo penetrou no cristianismo, algo desconhecido pelo cristianismo dos apóstolos, pelas igrejas apostólicas e por seus sucessores sóbrios; e esse elemento novo penetrou no cristianismo tendo vindo de fora, não pela porta, mas subindo por algum outro caminho. E trouxe consigo uma infinidade de obras miraculosas que vieram para ficar. (Warfield, 1972, 20.)

Tendo esses fatos em mente, fica ao leitor a tarefa de tirar suas próprias conclusões quanto à fidedignidade daquele número enorme de histórias sobre sinais e maravilhas dos tempos passados. Quanto a Warfield, ele não tem dúvida sobre como responder à pergunta acerca da veracidade desses milagres: "Há somente uma resposta histórica que pode ser dada, Eles

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representam uma infusão do pensamento pagão na igreja" (Warfield, 1972, 61).

Sinais e Maravilhas nos Dias de Hoje

A exemplo da Idade Média, também em nossa época não nos faltam relatos de sinais e maravilhas, muitos dos quais provenientes de igrejas que pregam a doutrina da prosperidade. Sem variações, os líderes desse movimento vêem seu próprio trabalho como uma seqüência natural da atuação miraculosa dos ministérios de Jesus e dos apóstolos. Mas é importante observar que os milagres registrados no Novo Testamento limitam-se aos apóstolos. Todos os milagres em Atos são atribuídos aos discípulos imediatos de Cristo (At 5.12). Por exemplo, quando Tabita morre, os cristãos que viviam naquele local não tentam trazê-la de volta à vida, mas mandam buscar Pedro (At 9.38). Essa atitude vai contra a afirmação de que o poder para operar milagres havia se espalhado na igreja. Sobretudo, por tradição, a teologia cristã tem se baseado principalmente nas passagens didáticas do Novo Testamento, e as epístolas têm muito pouco a dizer sobre curas. Assim, o Novo Testamento não dá apoio à alegação de que sinais e maravilhas eram ou deviam ser amplamente difundidos na igreja. Além dessas observações neotestamentárias, acabamos de ver que o registro histórico apóia a conclusão de que os poderes miraculosos limitaram-se aos apóstolos e à sua época.

Vale a pena observar também que os milagres hoje registrados e os da Bíblia têm diferenças importantes. Estas se evidenciam na velocidade, dificuldade e qualidade das curas efetuadas. Isso se revela quando as características das curas realizadas por Cristo são comparadas com aquelas que a igreja relata hoje. As curas

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miraculosas de Cristo eram 1) instantâneas; 2) completas; 3) desvinculadas da fé da pessoa afligida — em muitos casos, não há nenhuma menção de qualquer fé que seja (Mt 9.32; 12.10, 22; 20.30; Mc 8.22; Lc 4.39; 5.19; 14.12); Jesus curou pessoas incapazes de exercer fé e, certa vez, até mesmo debaixo do protesto delas (Mt 8.23; Mc 5.7; Lc 4.33; 8.28); ele exigiu a presença de fé somente em um caso (Mt 9.29) e apenas uma vez repreendeu os discípulos por causa da falta de fé (Mt 17.14-20); 4) Jesus curava todos os que iam até ele; e 5) ele curava sem fazer daquilo um espetáculo (Biederwolf, 1934, 36, 37).

Essas cinco características estão em franca oposição às tendências das curas dos dias de hoje, as quais sempre são graduais, incompletas ou as duas coisas juntas. Os pregadores da cura pela fé olham para a Bíblia procurando exemplos de cura gradual, mas não existe nenhum.7 Em segundo lugar, os pregadores da cura exigem fé daquele que busca o milagre. Já vimos as exigências rígidas feitas pela doutrina da prosperidade quanto à confissão positiva. Não se permite que o suplicante se afaste nem um pouquinho da exigência de crer sem duvidar e de confessar sem hesitar. Em terceiro lugar, a cura está à disposição apenas dos cristãos. Hoje ninguém afirma ter poder para curar onde e quando quiser. Quarto, a cura pela fé dos dias de hoje sempre envolve muito espetáculo.

É digno de nota que, a exemplo da Idade Média, também hoje poucas pessoas viram pessoalmente um milagre de cura. Embora sejam feitas muitas alegações, quando se busca uma confirmação posterior, pouquíssimos casos mostram ter alguma importância.

7 Os exemplos de cura instantânea têm duas exceções: Lucas 17.11-14 e Marcos 8.22-26, mas até mesmo esses casos foram de cura relativamente rápida.

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Talvez seja por isso que muitos pregadores da cura pela fé evitem o escrutínio. O próprio Hagin ameaça aqueles que desafiam suas afirmações nessa área. Mas o que há para ser temido? O Espírito pode ser analisado da forma mais crítica possível. Se aquilo é de Deus, a obra suportará qualquer tipo de escrutínio. O apóstolo João recomenda; "... provai os espíritos se procedem de Deus".

Como na Idade Média, muitas curas relatadas hoje ocorrem por meio de processos naturais, sem dúvida com a ajuda da resposta do Senhor à oração. Grande parte da melhora parece ter mais a ver com o poder de sugestão do que com qualquer outra coisa que possa ser realmente chamada de miraculosa. Sempre foi assim. Warfield estudou as afirmações dos adeptos da Nova Era de seus dias, os mesmerianos, e as dos pregadores da cura. Ele chegou à seguinte conclusão:

... o que vem à tona... é que uma linha nítida é traçada entre as categorias de cura que podem ser obtidas e as categorias que não podem ser obtidas pela fé, e essa linha é traçada aproximadamente no exato ponto onde passa a linha que separa as curas que são obtidas daquelas que não são obtidas pela mente... Há categorias de doenças que a cura pela fé pode resolver e categorias que ela não pode. Num exemplo específico, ela não consegue curar ossos quebrados, restaurar mutilações ou fazer algo tão simples quanto recuperar dentes perdidos. (Warfield, 1972, 191.)

É difícil negar o argumento de Warfield que os cristãos que curam pela fé podem fazer somente aquilo que fazem a Ciência Cristã, os hipnotizadores e outras abordagens de cura mental.

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Por isso, "providência" e "milagre" devem ser vistos como duas coisas separadas.8 "Providencia" é a atuação da vontade de Deus no mundo, mediante meios naturais, de forma que não pode ser discernida sem fé. Isto se contrapõe ao "milagre", que é a ação de Deus sem o emprego dos meios normais e naturais. Em outras palavras, um verdadeiro milagre é a atuação direta e imediata de Deus sobre o objeto. É a criação de novas terminações nervosas no homem que nasceu sem visão, de carne nova e ossos para a cura de um braço atrofiado. É o fogo que cai do céu sob a ordem de Elias. Esses atos de Deus são bem diferentes de sua providência, a qual está oculta, por atuar mediante as leis da natureza, como, por exemplo, quando o Senhor usa o sistema imunológico do corpo para vencer uma doença.

A experiência da grande maioria dos cristãos através da história não tem sido com o elemento miraculoso, mas com o poder que Deus, em sua graça, concede por meios naturais. A maior parte dos milagres relatados na história da igreja, incluindo aqueles da era moderna, podem ser mais bem compreendidos dessa forma. A distinção entre o elemento verdadeiramente miraculoso e a providência de Deus elimina uma porção de idéias vagas e confusas e guarda os milagres da Bíblia como atos distintos da intervenção divina que não podem ser interpretados simples-mente como processos naturais. Desse modo, Deus é glorificado sem baratear aquilo que é verdadeiramente miraculoso. Warfield comenta esse ponto:

8 Em geral são admitidos três propósitos para os milagres na Bíblia: primeiro, eles autenticavam a mensagem daquele que o efetuava (1 Rs 18.21; Jo 5.36); segundo, eles mostravam que o reino de Deus estava presente (Mt 12.28); e terceiro, revelavam o caráter de Deus (Jo 9.35). Jesus curava e realizava milagres porque era Deus e, portanto, doença e opressão eram suas inimigas.

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Os milagres não surgem errantes nas páginas das Escrituras, aqui, ali e acolá, indiferentemente, sem razão justa. Eles pertencem a períodos de revelação e aparecem somente quando Deus está falando a seu povo por meio de mensageiros dignos de crédito... A priori, de fato poderia ser concebível que Deus deva lidar com os homens atomisticamente, revelando a si e a sua vontade a cada indivíduo, através de todo o curso da história, no recesso de sua própria consciência. Este é o sonho do místico... Ele escolheu, em vez disso, lidar com a raça como um todo e dar a ela a revelação completa de si mesmo num conjunto orgânico... e quando o conhecimento total de Deus... havia sido absorvido pelo corpo vivo do pensamento do mundo — ali permaneceu; é claro, nenhuma revelação mais existe para ser feita e, conseqüentemente, nenhuma outra foi feita. O Deus Espírito Santo fez de sua obra posterior não a introdução de revelações novas e desnecessárias no mundo, mas a divulgação dessa revelação completa através do mundo e a condução da humanidade ao conhecimento que salva. (Warfield, 1972, 25, 26.)

Há quem afirme que fazer essa distinção entre milagres e providência tira a motivação de orar pela cura nos dias de hoje (Bailey, 1977). Outros assumem uma posição mais forte e dizem que negar ou minimizar o poder que a igreja tem para curar miraculosamente é o mesmo que retirar uma parte essencial do evangelho (Duffield, 1991; McNutt, 1976). Há algo de válido nessas acusações. Com muita freqüência deixamos de orar pelo doente, em particular ou em público, exceto em casos extremos, quando um membro da igreja se encontra hospitalizado. Mais à frente, olharemos para o capítulo 5 de Tiago, onde temos um

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conselho apostólico quanto à forma e significado da oração pelos enfermos.

Nosso último comentário é que não se pode aceitar nenhuma alegação de operação de milagre em apoio a um erro teológico. Em outras palavras, não se pode aceitar nenhum milagre que vá contra a verdade, e qualquer milagre afirmado em favor de uma falsa doutrina está se autocondenando. Esse princípio pode ser declarado de forma inversa: uma doutrina errada destrói um suposto milagre. Duas citações de Warfield expressam bem esse princípio:

Deus não é só onipotência. Ele também é onisciência absoluta. É impossível que ele seja o agente imediato numa ação em que fica evidente um erro grosseiro de "sabedoria"... Muito menos pode-se supor que ele seja o sujeito imediato em ocorrências onde estão envolvidas imoralidades ou em que... existam implicações incorporadas de, por assim dizer, irreligião ou superstição... Portanto, um princípio básico é que nenhum evento pode ser realmente miraculoso se houver implicações incompatíveis com a verdade religiosa fundamental. (Warfield, 1972, 121, 122.)

Este último ponto é de suma importância. O fato de não entendermos como alguma coisa acontece não nos dá o direito de chamá-lo de milagre. Conforme observa Warfield, "o inexplicável e o miraculoso não são exatamente sinônimos" (p. 118). Dito de uma forma mais abstrata,

minha ignorância não pode ser a medida da realidade... A natureza foi feita por Deus, não pelo homem, e nela pode

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haver forças atuantes que nossa filosofia jamais imaginou que existissem e que, além disso, fogem à compreensão humana. (Warfield, 1972, 120.)

Por si só esse critério elimina a grande maioria dos milagres registrados pela história, pois estavam associados às formas mais grosseiras de superstição, sendo atribuídos ao poder de relíquias ou às orações feitas para santos que há muito haviam morrido. Portanto, devemos estabelecer como princípio geral que o elemento miraculoso deve sempre ser questionado. Jesus disse que, no dia do julgamento, haverá aqueles que terão feito sinais e maravilhas, mas que lhe serão estranhos (Mt 7). Mesmo que um milagre seja feito diante de nossos olhos, em si ele não valida a mensagem. Assim como Faraó teve seus imitadores de Moisés, também hoje devemos fazer distinção entre o elemento miraculoso e a mão de Deus. O que importa é a mensagem, não o mensageiro.

O que podemos concluir a partir da presença de sinais e maravilhas na igreja de nossos dias? Para este autor, três coisas ficam evidentes. Primeira, o elemento verdadeiramente mira-culoso é muitíssimo raro. A escassez de referencias à cura como parte da vida da igreja primitiva revela que a presença de Deus na igreja torna os milagres possíveis, mas não necessários. Devemos permanecer abertos para essa possibilidade, mas não insistir nela. As Escrituras ensinam que Deus, em sua liberdade soberana, faz uso de milagres, mas a própria Bíblia, a história e a experiência pessoal confirmam que Deus raramente utiliza meios que não sejam os normais na execução de sua vontade. Também em outras áreas, Deus não atua por meio de milagres, tais como evangelização, ensino, etc. Em vez disso, ele emprega em seu trabalho nossa fé, mente, capacidade, treinamento, etc. Por que,

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então, deveria Deus realizar sinais e maravilhas hoje, para edificar sua igreja? É claro que Deus é soberano e pode, em lugares e épocas diferentes, fazer uso de milagres. Mas o mínimo que podemos dizer é que seus meios habituais de atuação não incluem milagres. Também não parece que os milagres necessariamente edificam a igreja. A cura pela fé, que dá tanto destaque ao elemento miraculoso, muitas vezes leva a um desprezo dos meios, isto é, inteligência humana e trabalho árduo. Isso se verifica na história daqueles grupos que valorizam os milagres e na maneira como subestimam o treinamento teológico. Hagin ilustra bem essa verdade. Seus escritos revelam da maneira mais clara possível a falta de estudo teológico ou pastoral. A igreja nunca foi edificada nas costas daqueles que dão pouco ou nenhum valor ao trabalho intelectual.

Em segundo lugar, os sinais e maravilhas ligados ao evangelho da prosperidade precisam ser considerados espúrios, por serem utilizados em apoio a doutrinas defeituosas. Isso não significa que alguma coisa incomum ou mesmo miraculosa não tenha acontecido quando sinais e maravilhas são relatados. Não queremos afirmar que tudo que é relatado é fictício. Mas não podemos raciocinar a partir daquilo que é incomum e assombroso para chegarmos à conclusão de que a mensagem que o acompanha vem de Deus.

Em terceiro lugar, o pastor protestante deve ser lembrado de que o protestantismo, desde seus primórdios, tem rejeitado a importância de sinais e maravilhas na igreja. Cremos num Deus que opera maravilhas, não numa igreja que opera maravilhas. Warfield observa o seguinte:

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Em questão de interpretação, a história do protestantismo é uma negação uniforme de qualquer promessa bíblica no sentido de que poderes miraculosos continuariam a existir na igreja. (Warfield, 1972, 127.)

O tipo de espiritualidade incentivado pela doutrina da prosperidade é estranho ao espírito do protestantismo. Portanto, o pastor protestante que examina de modo crítico os sinais e maravilhas na igreja está sendo coerente com sua fé e encontra-se na boa companhia dos reformadores e de seus sucessores. É necessário que essa posição seja tomada com muita humildade, sempre admitindo que Deus age neste mundo de acordo com seu desejo.

2. Saúde e Prosperidade Ao passarmos da questão da autoridade espiritual para as promessas da doutrina da prosperidade, precisamos ter cuidado com aquilo que está sendo questionado. A questão não é se Deus responde às orações de seu povo. Adoramos e servimos a um Deus de amor que se preocupa conosco, tanto com a alma como com o corpo. Somos convidados a levar-lhe nossas necessidades (1 Pe 5.7) e cremos que ele ouve nossas orações e está conosco, na saúde ou na doença (Mt 28.20). Portanto, o que está em jogo nesta seção não é o caráter de Deus nem o valor da oração. A questão aqui é a validade das promessas feitas ao cristão que crê na doutrina da prosperidade. Seria válido esperar saúde e riqueza como parte de nossos "direitos" com Deus? Doença e pobreza fazem parte da maldição da lei, a qual foi substituída pela bênção de Abraão? Responderemos a essas perguntas, olhando primeiramente para Gálatas 3 e, depois, para os textos específicos usados para defender a idéia de saúde e riqueza.

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2.1 A Bênção e a Maldição de Gálatas 3

Vimos que o fundamento exegético da teologia de Hagin encontra-se em Gálatas 3.13, 14:

Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito prometido.

Mediante essa passagem, Hagin tenta justificar biblicamente as promessas de prosperidade. O argumento aqui concentra-se no fato de que sua exegese comete vários erros básicos, mas também profundos.

Em primeiro lugar, Hagin identifica mal a lei na passagem. Admite-se que qualquer discussão sobre a natureza da lei logo se torna complexa, pois ela tem muitos aspectos. No Novo Testamento, a palavra "lei" pode referir-se a todo o Antigo Testamento ou, com maior freqüência, aos cinco primeiros livros de Moisés, conforme a citação de Jesus, em Mateus 5.17, 18. Em outros contextos, como nos escritos de Paulo, "lei" pode referir-se a um único estatuto (Rm 7.3), a um princípio (Rm 2.14) ou à exigência de santidade moral feita por Deus (Gl 2.15, 16; 3.2, 5). Devido a essa flexibilidade na aplicação, sempre ao falar sobre a "lei", o interprete da Bíblia precisa ter o cuidado de identificar com clareza seu referente.

Em Gálatas 3, Hagin identifica a lei como sendo a lei de Moisés. Ele afirma que, uma vez que fomos redimidos dela, não estamos

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mais debaixo dos efeitos de sua maldição tríplice: pobreza, doença e morte espiritual. Todavia, Gálatas 3 não está se referindo à lei mosaica, mas, sim, à lei universal de Deus que o homem infringiu. Paulo deixa claro que esse tipo de lei existe, nos primeiros capítulos de Romanos. Ele escreve: "... todos pecaram e carecem da glória de Deus" (3.23). A lei de Moisés está incluída na lei universal, mas a "lei" não se limita a ela. Por isso, os gentios também estão condenados diante de Deus, e é exatamente a eles que Paulo dirige suas palavras em Gálatas 3. Portanto, a "lei'' nesse texto representa a vontade de Deus revelada no Antigo Testamento e gravada no coração dos homens, não a lei mosaica de Deuteronômio 28, como Hagin gostaria que acreditássemos.

Em segundo lugar, Hagin comete mais um erro, ao identificar a maldição da lei como sendo doença e pobreza (Fung, 1988). Ele tenta achar em Deuteronômio 28 apoio para essa interpretação estranha, onde Deus promete ferir os israelitas com pobreza, doença e morte, caso fossem infiéis à seu pacto com eles. Mas a maldição a que Paulo está se referindo em Gálatas é a condenação de Deus, debaixo da qual se encontram todos os homens sem Cristo. Nessa condição, eles permanecem em seus pecados, culpados de terem infringido a lei gravada no coração. Aqui se revela o propósito real e mais profundo da lei. Ela foi outorgada para nos mostrar nossos pecados e despertar em nós a percepção de que precisamos de um salvador. E por isso que Paulo chama a lei veterotestamentária de aio (feitor) que nos conduz a Cristo (Gl 3.24). Ela é um feitor porque nos traz consciência de nosso pecado e, portanto, de nossa culpa diante de Deus (Rm 3.20). James Boice expressa bem essa verdade, ao escrever:

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Uma visão característica da lei é de que ela tem como propósito nos ensinar a sermos bons. Esse não é o destaque da Bíblia. É verdade que a lei instrui o perverso, a fim de refrear o mal, e instrui até aquele que crê, como expressão da vontade e do caráter de Deus, pelos quais eles podem ser instados a viver a vida cristã. Mas seu propósito principal é convencer-nos de que somos pecadores e de que precisamos de um Salvador. (Boice, 1978, 219.)

Ao identificar a lei em Gálatas como sendo a lei mosaica de Deuteronômio 28, Hagin entendeu de forma completamente errônea a natureza da salvação e tornou insignificante a necessidade que o homem tem de um salvador. Não é somente da pobreza e da doença que precisamos ser redimidos, mas, acima de tudo, da culpa do pecado cometido.

Em terceiro lugar, Hagin interpreta de forma errada o relacionamento entre o Antigo Testamento e o Novo. Ele afirma que, hoje, os cristãos passam por doenças e pobreza como resultado da maldição da lei mosaica. Isto só pode ter um significado: a lei mosaica aplica-se à igreja cristã de hoje. Mas, seguramente, isso representa uma completa confusão entre Israel e a igreja e revela que ele confunde o Antigo Testamento com o Novo. A igreja não se encontra debaixo da lei de Moisés (cf. Rm 3.19 e Ef 2.14). Se fosse assim, todos os homens deveriam se submeter à circuncisão, as festas judaicas deveriam ser observadas, poderíamos ingerir apenas comida kosher, sacrifícios deveriam ser oferecidos no templo, etc. Mas a lei foi abolida para a igreja e portanto, as maldições de Deuteronômio 28 não têm aplicação direta para ela.

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Quarto, Hagin interpreta mal a natureza da doença. Ele diz que o cristão passa por doenças, porque a maldição da lei mosaica sobrevém àquele que não afirma seus direitos por meio da expiação. Mas se é assim, qual a razão que leva o restante da humanidade a sofrer doenças e pobreza? A resposta bíblica para esta pergunta está no fato de que o mundo não é aquilo que deveria ser, por causa da queda de Adão, registrada em Gênesis 3. Com Adão, a raça humana inteira ficou sujeita a doenças, miséria e morte. As doenças alistadas em Deuteronômio 28 não faziam parte desse julgamento divino sobre o mundo como um todo, mas representavam o julgamento prometido aos judeus que desobedecessem. Ele não está ligado à fraqueza do corpo, que faz parte de nossa natureza decaída. Paulo disse que habitamos um "corpo de humilhação" (Fp 3.21) e que nosso homem exterior está se corrompendo (2 Co 4.16). Ele afirma que toda a criação "geme" debaixo da maldição do sofrimento (Rm 8.19, 20), incluindo os cristãos. O corpo humano será transformado um dia, para ser como Cristo (Fp 3.21), mas esse dia ainda não chegou.

Finalmente, assim como Hagin não entendeu o significado da lei em Gálatas 3, ele também identificou de forma errada a bênção de Abraão como sendo prosperidade material. Ele escreve: "A primeira coisa que Deus prometeu a Abraão foi que iria enriquecê-lo. 'Você quer dizer que Deus vai enriquecer todos nós?' Sim, é isto que quero dizer" (Redimidos, 8). Mas isso perde totalmente de vista aquilo que Paulo está tentando dizer nessa passagem. Ele está explicando que as nações gentílicas foram incluídas na esperança da salvação por meio de Abraão. Isso fica muito claro em Gálatas 3.7-9:

Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os

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gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti serão abençoados todos os povos. De modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão.

A expiação abriu as portas para que os gentios fossem contados como filhos de Abraão, que é sempre mencionado no Novo Testamento como exemplo de um homem que, por meio de sua fé, encontrou salvação, não riqueza. Ele ficou conhecido como o pai dos que crêem, exemplo supremo de um homem de fé (Rm 4.12-16; Gl 3.6, 9), não por ser rico e próspero, mas porque teve fé para deixar sua terra (Hb 11.8), para confiar na promessa que Deus fez de lhe dar um filho em sua velhice (Hb 11.11) e até para sacrificar seu próprio filho, quando este lhe foi solicitado (Hb 11.17; Tg 2.21). O ponto central de Hebreus 11 é que os santos de Deus, incluindo Abraão, foram fiéis apesar dos problemas, não por serem prósperos. A maioria deles nem levou uma vida de prosperidade, mas, em vez disso, morreu martirizada. A fé que eles demonstraram honrou a Deus por ser fé apesar das circunstâncias, não uma fé que muda as circunstâncias para melhor.

Por outro lado, em oposição à interpretação de Hagin, a prosperidade física de Abraão nunca é um assunto de interesse na Bíblia. Nos 216 versículos que mencionam o patriarca, não existe qualquer indício de que a riqueza que lhe foi dada fosse importante para ele como pessoa ou elemento essencial de sua relação com Deus. Portanto, ver na promessa de Deus a Abraão uma referência básica às riquezas materiais não passa de uma interpretação grosseira.

A conclusão dessa exegese de Gálatas 3 é que Hagin identificou erroneamente tanto a maldição quanto a bênção referidas na

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passagem. A maldição debaixo da qual a humanidade se encontra sofrendo não é simplesmente a doença ou a pobreza, mas a ira de Deus dirigida ao homem por causa do pecado. Assim como a maldição de Gálatas 3 é muito mais profunda e mais terrível do que Hagin supõe, igualmente a bênção é muito mais maravilhosa. Hagin coloca-a dentro dos limites da riqueza e prosperidade física, mas, de fato, ela é nada mais nada menos do que a salvação. Somos abençoados porque, pela fé, tornamo-nos filhos de Abraão e herdamos o direito de nos assentar com ele no reino. Embora o próprio Hagin possa não ser um materialista que busca lucro pessoal, ao destacar a prosperidade material e as bênçãos físicas como resultado da fé, ele está transformando o cristianismo numa religião de supermercado, onde as pessoas vão, pagam e esperam receber em troca a satisfação de suas necessidades.

Antes de passar para as promessas de saúde e prosperidade, deve-se notar que esta compreensão errônea de Gálatas 3 é a chave para a interpretação da Bíblia, segundo os ensinos da prosperidade. Identificar a lei como sendo a lei mosaica e a bênção como prosperidade material torna-se a base interpretativa de todos os outros textos que versam sobre salvação. Por exemplo, Mateus 8.17, referindo-se a Cristo, diz o seguinte:

"... para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças". Esta citação de Isaías 53.4, 5 é interpretada da perspectiva da doutrina da prosperidade e considerada como prova de que a redenção inclui a promessa de saúde perpétua para o cristão. Não pode haver dúvida de que Mateus (veja também 1 Pedro 2.24) está se referindo aos benefícios físicos e espirituais da expiação. Mas a questão não é

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se a redenção envolve o homem como um todo. E claro que sim. Tanto o corpo quanto a alma serão um dia redimidos (Rm 8.23). A questão é se essa redenção aplica-se completamente aqui e agora, nesta vida. Ela será discutida com mais detalhes na próxima divisão. Por ora, basta observar que, nesse versículo, a expressão "para que se cumprisse" não significa que a profecia foi completamente cumprida naquela época ou no tempo vivido hoje pela igreja, sendo que nada mais resta. Tanto em sua execução quanto em seus benefícios, a redenção é um processo, e nem todos esses benefícios já foram alcançados.

Outros dois versículos geralmente interpretados por Hagin da perspectiva da doutrina da prosperidade são Mateus 15.26 e Êxodo 15.26. Sobre este último afirma-se que se trata da primeira promessa de cura na Bíblia. Junto com textos como Salmos 103.3 (Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades; quem sara todas as tuas enfermidades), afirma-se que a cura estava e está à disposição de todos os que crêem. Mas não se explica como essas promessas do Antigo Testamento se relacionam com a expiação de Cristo, que apareceria somente séculos depois. Na passagem de Mateus, a cura da enfermidade efetuada por Jesus é chamada de "o pão dos filhos". Há quem afirme que isso pode significar só uma coisa: a cura é uma norma para os cristãos de hoje (Bailey, 1977; Soares, 1987), uma vez que todos os cristãos são filhos de Deus. Nos dois versículos, o que está em jogo são os benefícios da expiação.

Eles foram plenamente recebidos? Teríamos nós o direito de esperar a cura completa do corpo e da alma quando nos tornamos cristãos?

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Precisa ser observado que em nenhum dos versículos existe a promessa de que todas as enfermidades serão curadas, mas apenas uma declaração de fé no sentido de que, quando a cura acontece, Deus é sua fonte. Dizer que Deus é quem cura não é o mesmo que dizer que Deus é quem sempre opta por curar, ou quem cura automaticamente, ou quem confere o direito à cura. Ê simplesmente dizer que, quando existe cura, ela vem de Deus.

Resumindo, o erro básico da doutrina da prosperidade está em pressupor que a expiação de Cristo removeu não somente a culpa do pecado, mas também suas conseqüências. Em outras palavras, ela afirma que não apenas fomos perdoados de nossos pecados, mas os efeitos do pecado também foram removidos. Mas Paulo deixa claro que as conseqüências do pecado não serão removidas nessa vida. É exatamente por isso que toda a criação geme (2 Co 5.4), aguardando o dia em que a redenção se completará. Por enquanto, o mundo continua decaído em natureza, e a vida ainda é curta e difícil. Muita coisa da expiação está no futuro. Esse ponto constitui nossa primeira grande resposta à teologia de Hagin e, portanto, precisa receber toda atenção.

2.2 O Processo de Expiação

A afirmação central da teologia da prosperidade é que saúde e riquezas são benefícios da expiação que podem ser usufruídos aqui e agora. Isso quer dizer que a expiação é uma dádiva plena, e todos os benefícios decorrentes dela, com exceção do céu, já estão à nossa disposição. Mas a Bíblia diz que a expiação é um processo que se desdobra no tempo, parte de um plano que Deus estende da eternidade passada até a eternidade futura. Muita coisa ainda está reservada ao futuro: Cristo terá ainda de voltar, julgar o mundo e estabelecer seu reino. Isso só pode significar que

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embora o preço da redenção já tenha sido pago na cruz, o processo da redenção ainda está em andamento. Nem tudo o que Deus tem em mente para seu povo já surgiu. No presente, gozamos só alguns benefícios da salvação. Ao optarmos por crer em Cristo, fomos declarados justos aos olhos de Deus (Rm 3.22-24) e selados com o Espírito (Ef 4.30). Mas nossa natureza pecaminosa permanece, assim como os milhares de problemas que temos de enfrentar na vida. Aguardamos para o futuro a remoção de todos os efeitos de nossa natureza pecaminosa, tanto aqueles que nos atingem como os que atingem o mundo. No fim, a Bíblia promete que haverá cura completa, tanto física quanto espiritual. Não haverá enfermidade, morte, pecado ou condições que imponham limites. A promessa de Mateus 8.17 será completamente cumprida e o pão de Mateus 15.26, oferecido em abundância. Paulo nos diz que não temos noção da realidade que aguarda os cristãos no futuro (1 Co 2.9, 10). O ponto principal é que muita coisa que nos foi prometida está reservada para depois.

Os teólogos referem-se a esse aspecto da expiação como "viver entre os tempos". Vivemos entre o tempo da cruz e o da segunda vinda de Cristo. Nessa época da história, homens e mulheres são redimidos por meio da igreja, mas o reino ainda não chegou em sua plenitude (veja as parábolas de Mateus 13). Fomos crucificados com Cristo, mas ainda não completamente redimidos (Gl 2.20; Cl 3.1-3). Ressuscitamos com Cristo, mas permanecemos num mundo decaído, esperando nosso corpo glorificado (Rm 8.2). Já fomos libertados da lei do pecado e da morte, mas continuamos a pecar e não temos experiência da redenção plena. Por enquanto, "gememos" em nossos corpos propensos ao pecado (Rm 8.25; 2 Co 5.2) e vivemos em vasos terrenos sobre os quais a morte ainda atua (2 Co 4.7, 8).

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Por outro lado, o cristão recebe agora alguns benefícios da expiação: ele goza de paz com Deus. O peso do pecado foi retirado. Sua vida recebe significado e propósito. Seu caráter está em processo de restauração. Ele é mais honesto, mais disciplinado, pois todas as coisas são feitas tendo Deus em mente. A alma recebe um antegozo da vida do porvir. Muitas vezes, a redenção da alma leva à restauração do caráter e, portanto, a uma melhora nas condições de vida (Marcom, 1990). O homem que antes era bêbado, mulherengo e ladrão, agora é um pai de família honesto e trabalhador. Em vez de gastar seu dinheiro com bebida, ele gasta com a família. Esses são os efeitos do evangelho nessa vida. Portanto, as promessas feitas no âmbito de saúde e prosperidade não atingem o alvo nem das Escrituras nem da experiência. É para elas que agora nos voltamos.

2.3 Promessas de Saúde

A doutrina da prosperidade afirma que o cristão tem direito a uma saúde completa e perpétua e que deve esperar viver uma vida plena, isenta de doenças, e adormecer com a idade de 70 ou 80 anos, sem dor ou sofrimento. Aqueles que ficam aquém dessas expectativas não entenderam seus direitos ou deixaram de reivindicá-los com fé suficiente. Entre os mestres da pros-peridade, essa posição é defendida com muita firmeza. Não se admitem exceções. Hagin concede que os cristãos podem passar por problemas na vida, mas estes nunca representarão algo muito sério (o exemplo pessoal que ele fornece é o de pregar numa igreja hostil, dificilmente um fardo muito pesado [Nova, 69]). Outros pregadores da cura refletem a mesma promessa, dizendo que a única cruz que Jesus deseja que o cristão carregue é a perseguição que vem de fora (MacNutt, 1976, 64-84). O cristão também não precisa ter medo de passar por coisas piores como

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incêndios, assaltos ou acidentes sérios. Os problemas podem surgir, mas eles representam vales temporários entre os cumes da vitória. Sob hipótese alguma a enfermidade fará parte das provações que precisamos enfrentar na vida.

Nossa resposta para esses ensinos assumirá a forma de um debate imaginário que começa apontando para o mundo real, observando que os cristãos passam por sofrimentos e ficam doentes como resultado do curso normal da vida. Quem, com exceção de Hagin, já não ficou doente uma vez ou outra? (É digno de nota que alguns dos mais famosos pregadores da cura sofreram de doenças sérias durante toda a vida [veja Frost, 1984].) Os mestres da prosperidade respondem a essa observação, dizendo que a vida pode ser assim, mas não precisa ser assim, se o cristão simplesmente reivindicar seus direitos pela fé. Isso nos leva à nossa segunda resposta, que diz que não somente a experiência pessoal vai contra tais afirmações, mas também a própria Bíblia, que diz: "No mundo passais por aflições" (Jo 16.33). Não são feitas qualificações nessa declaração de Jesus registrada por João. Até os cristãos que vivem no centro da vontade de Deus passam por problemas e enfermidades.

É fácil encontrar exemplos disso na Bíblia, e o próprio Paulo constitui a prova número um. Em 1 Coríntios 4.11, o apóstolo diz que, junto com os outros apóstolos, passou por fome, sede, falta de roupa, agressões físicas e falta de moradia. Qual a conclusão que ele tira desse nível de prosperidade extremamente baixo? Foi a de que eles haviam se esquecido de reivindicar seus direitos perante Deus? Ou talvez de que haviam perdido a bênção porque demonstraram dúvida? Ou será que eles não haviam usado corretamente o nome de Jesus? A resposta é negativa em cada

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caso, pois, bem ao contrário da doutrina da prosperidade, Paulo exorta os Coríntios a serem seus imitadores nos sofrimentos. Existe aqui uma enorme contradição, mas ela não está no pensamento de Paulo. Ele não se esqueceu de incluir uma frase como esta: "sejam meus imitadores — exceto em meus sofrimentos". A contradição está entre a espiritualidade paulina e a da doutrina da prosperidade. Paulo nunca insinuou que os cristãos devem se dirigir a Deus, exigindo dele a solução dos problemas; antes, devem se voltar para Deus para saber como podem servir em gratidão. Apesar das dificuldades, a doutrina do serviço ensinada por Paulo nega e contradiz completamente as promessas de prosperidade.

Os pregadores da prosperidade cedem um pouco a essa réplica da Bíblia, admitindo que o cristão pode passar por problemas na vida, mas estes nunca envolverão qualquer doença. Em contrapartida, respondemos que a Bíblia está cheia de exemplos de homens e mulheres fiéis que sofreram doenças de vários tipos. Alguns poucos exemplos serão suficientes para provar o que dizemos.9 Por exemplo, em 2 Reis 13.14, 20, vemos a morte de Eliseu provocada por uma doença não identificada, embora ele continuasse sendo porta-voz de Deus até o fim. Em Atos 7.9-11, a tribulação se refere ao desconforto mental sofrido por José, enquanto era escravo no Egito, e aos sofrimentos físicos decorrentes da fome. Em 2 Coríntios 1.3-11, Paulo fala de uma tribulação sofrida na Ásia, usando palavras que lembram uma 9 Um fato significativo é que no Antigo Testamento nunca houve sacrifício pela enfermidade, somente pelo pecado. Eram oferecidos sacrifícios pela lepra e por vários tipos de pestes (Lv 14.1-32), mas eles tinham natureza cerimonial, eram ações de graça pela pessoa que havia sido curada. A oferta restaurava a comunhão primeiramente com a comunidade judaica e, depois de oito dias, com Deus, mas não se tratava de um sacrifício que visasse a cura do mal.

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enfermidade física. Em Gálatas 4.13, Paulo diz que estava doente. Em outras passagens, escreve que seus colaboradores na obra, Epafrodito, Timóteo e Trófimo, adoeceram em uma ou outra oportunidade. Filipenses 2.30 afirma que Epafrodito quase morreu. Timóteo tinha uma doença estomacal crônica (1 Tm 5.23), e parece que Trófimo teve de ser deixado para trás por causa de uma doença séria (2 Tm 4.20).

Esses exemplos bíblicos não convencem os pregadores da prosperidade. Eles respondem a esses casos de doença entre os santos da Bíblia, dizendo que a culpa era deles. Se Paulo, Epafrodito, Timóteo e Trófimo estavam doentes, a culpa era deles, pois não reivindicaram a benção que tinham por direito. O leitor pode perceber aqui até que ponto chegarão Hagin e os mestres da prosperidade para defender sua teologia. Essas passagens referem-se a homens no ministério, que estavam trabalhando para o Senhor. Será possível que eles não satisfaziam as condições para terem suas orações atendidas? A Bíblia afirma que existe oração eficaz quando duas ou mais pessoas concordam numa coisa (Mt 18.19), confessam seus pecados (Tg 5.15, 16), afastam-se de toda forma conhecida de pecado (Sl 66.18), oram em nome de Jesus (Jo 14.13) e fazem a oração da fé (Tg 5.15). Será possível que aqueles homens não satisfaziam essas condições? Com essa afirmação chegamos às raias do absurdo, e a doutrina da prosperidade sucumbe como argumento coerente. A contradição entre os ensinos da prosperidade e a visão bíblica de fé deve ser deixada assim mesmo. Não haverá conciliação. O leitor deverá escolher por si o lado que for mais convincente.

Nesse momento estamos prontos para deixar de lado o ensino da prosperidade na área de saúde e tentar desenvolver uma visão bíblica sobre a saúde e a doença. Essa tentativa será feita sob dois

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aspectos: primeiro, a mão de Deus no sofrimento e, segundo, a mão de Deus na cura.

A Mão de Deus no Sofrimento

Ao contrário de Hagin, que afirma que Deus nunca deseja que o cristão esteja doente ou sofrendo, a Bíblia diz que esse tipo de aflição pode vir até mesmo da mão de Deus. Não é só como resultado da ordem natural que ficamos doentes nem se trata simplesmente do diabo correndo cheio de fúria homicida através do mundo. Em muitas passagens bíblicas, fraquezas, enfer-midades e até defeitos congênitos são vistos como resultado da escolha pessoal de Deus. Tais aflições nunca são arbitrárias. Deus tem uma razão para elas e, embora muita coisa ainda não nos tenha sido revelada, nos textos bíblicos podemos distinguir pelo menos três razões para o sofrimento e as doenças.

Em primeiro lugar, a Bíblia diz que Deus emprega as aflições, incluindo doenças, com fins disciplinares ou punitivos, tanto para cristãos como para incrédulos, e isso pode incluir até a morte. Os exemplos bíblicos são muitos e, embora possam envolver casos em que existe pecado inconfesso na vida do cristão, eles não se limitam a isso. Convidamos o leitor a fazer uma consideração cuidadosa das seguintes passagens: Gênesis 12.17; 20.3, 4; Êxodo 4.22, 23, 29; 12.12, 29; Levítico 10.1, 2; Números 12.9, 10; 16.31-33; 21.5, 6; 1 Samuel 5.6; 6.19; 2 Samuel 24.15; 2 Reis 15.5; 2 Crônicas 21.18; 26.19, 20; Salmos 31; 38; 66.18; 103.3; 107.17-20; Isaías 33.24; Daniel 4.31, 32; João 5.14; Atos 5.5; 9.8; 12.23; 1 Coríntios 6.28-30; 11.27-31; Hebreus 12,5-13; Tiago 5.16. Consideraremos uma passagem dessa lista: 1 Coríntios 11.28-31, onde, com referência à participação na ceia

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do Senhor na igreja, Paulo diz que alguns estavam doentes e outros haviam morrido:

Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice; pois quem come e bebe, sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes, e não poucos os que dormem. Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.

Essa passagem ensina com clareza que Deus está julgando os cristãos no tempo presente. Portanto, nem todo julgamento está reservado para o futuro. Esse único trecho é suficiente para refutar o ensino da prosperidade no sentido de que os cristãos nunca ficam doentes.

Em segundo lugar, aflições de toda espécie são empregadas para nos provar e para que possamos crescer. Pedro recomenda: "Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos" (1 Pe 4.12). Paulo e Barnabé avisam seus convertidos nas cidades de Listra, Icônio e Antioquia de que "através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus" (At 14.22). Hagin afirma que, em todas as suas aplicações, a palavra "aflições" ou "tribulações" pode significar um teste da parte de Deus, mas isso jamais envolverá doença. Entretanto, um estudo das aplicações da palavra na Bíblia revelará que ela é um termo amplo que inclui quase todo tipo de experiência difícil ou dolorosa, até mesmo as doenças (Brown, 1971). Na teologia paulina, o sofrimento por Cristo ou com Cristo (Rm 8.17; Fp 3.10) inclui todos os problemas e provações que sobrevêm ao cristão nessa era, e as doenças não estão excluídas. Isto se aplica

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ao próprio Paulo, conforme revela sua lista de dificuldades e sofrimentos, em 2 Coríntios 6.4-10:

Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos jejuns... como se estivéssemos morrendo e contudo eis que vivemos; como castigados, porém não mortos; entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo.

Essa lista pode ser dividida em três grupos de três elementos: os termos gerais são: aflições, privações e angústias; as perseguições específicas envolvem açoites, prisões e tumultos; as dificuldades auto-impostas são trabalhos, vigílias e jejuns. Observe ainda que, no v. 10, ele descreve a si mesmo como pobre e nada tendo. Mais à frente, em 11.23ss., ele fala do que sofreu em termos um pouco diferentes, mas não menos severos: "prisões", "açoites", "apedrejamento", "naufrágio", etc. Dificilmente isso pode ser chamado de teologia da prosperidade.

Em terceiro lugar, Deus usa a doença humana para sua glória. Das verdades espirituais relacionadas com o ensino bíblico sobre sofrimento, esta é a mais difícil de entender. Mas pelo menos quatro exemplos demonstram que ela é verdadeira: a história de Jó, o cego de nascença (Jo 9), a morte de Lázaro (Jo 11) e o espinho na carne de Paulo (2 Co 12). Afirma-se em cada caso que o sofrimento é para a glória de Deus. Jó foi declarado inocente (1.8), mas, assim mesmo, perdeu tudo o que possuía, até a saúde. Em sua reação de confiança e fé, Deus foi glorificado e Satanás, humilhado. Em face do ensino da prosperidade, nunca é

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demais destacar que Satanás foi derrotado não pela remoção do sofrimento de Jó, mas por sua fé e confiança obstinadas, apesar do sofrimento. Em João 9, os discípulos perguntam a Jesus por que o mendigo cego havia nascido naquela condição infeliz. Aquilo se devia a seus próprios pecados ou aos pecados de sua família? Jesus disse não às duas conjecturas. Ele estava sofrendo para que a glória de Deus pudesse ser vista (v. 3). Em João 11, Lázaro, amigo pessoal e íntimo de Jesus, adoece. O texto diz que quando apelaram a Jesus para que ele fosse rapidamente ver o amigo, ele permaneceu onde estava, esperando que a doença prosseguisse em seu curso e Lázaro morresse. Não apenas Marta e Maria, mas também os discípulos perguntavam por que ele havia esperado e deixado que Lázaro sofresse e morresse daquele modo. Em sua explicação, Jesus respondeu que aquilo visava a "glória de Deus" (v. 40).

Finalmente, voltamo-nos para 2 Coríntios 12.7-10, onde Paulo descreve seu "espinho na carne", uma passagem crucial para a doutrina da prosperidade, pois não se pode admitir que o espinho era um problema físico. Ela não pode ceder nesse ponto, pois tal acarretaria a prova bíblica definitiva de que nem sempre Deus remove as enfermidades de seus fiéis e de que ele, às vezes, tem um propósito ao permitir que seus servos sofram. Portanto, os pregadores da prosperidade normalmente dizem que o espinho era uma dessas três coisas: 1) algum tipo de perseguição da qual Paulo estava fugindo; 2) um ataque demoníaco; e 3) uma tentação ao pecado, sendo que Paulo estava passando por um difícil período de resistência. Devemos olhar mais de perto para a passagem. Paulo começa com uma breve descrição de suas visões de Deus e, depois, passa a explicar o problema:

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E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando sou fraco, então é que sou forte.

No versículo 7, Paulo diz que o problema era "na carne". Hagin afirma que o caso dativo não está no texto grego e, portanto, não se pode empregar a preposição "em". Ele também diz que a palavra traduzida por "espinho" é utilizada no Antigo Testamento em relação aos adversários de Israel. Ele está certo em ambas as observações. A frase não está no dativo, e a palavra traduzida como "espinho" aparece na Septuaginta aplicada aos adversários de Israel. Mas isso não significa, em absoluto, que seja correto concluir que o espinho não era um problema físico. Quatro observações mostram que, aqui, Paulo está se referindo a uma enfermidade física. Primeira, o estilo da frase lembra as formas literárias helenísticas, nas quais a fraqueza física aparece como sujeito (Bultmann, 1964; Brown, 1982). Segunda, Paulo refere-se de modo geral ao problema como sendo uma "fraqueza", palavra comumente utilizada no sentido dos aspectos corruptíveis e incapacidades dessa era. Terceira, o modo pelo qual ele atribui o espinho a Deus e a Satanás lembra outros textos onde se descrevem incapacidades físicas (1 Co 5.5; Jó 2.1-10). Quarta, para este autor, parece claro que o fato de as duas palavras, "espinho" e "carne", aparecerem juntas significa que se tem em

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vista uma doença física. Paulo só poderia ser mais direto se dissesse "estou doente". Não se sabe qual era a doença, mas Gálatas revela que ele tinha um problema com sua visão e, possivelmente, também com seu aspecto físico (4.13, 15; 6.11).

Para piorar as coisas para a doutrina da prosperidade, Paulo acrescenta: "foi-me posto". Em outras palavras, seu problema veio da própria mão de Deus. Ele nos diz que isso tinha um duplo propósito: mantê-lo humilde e enriquecê-lo espiritualmente. Isso dá sustentação ao ponto que Hagin tenta negar, isto é, de que Deus utiliza a enfermidade para testar, julgar e fortalecer os cristãos e, assim fazendo, glorifica seu santo nome.

Por fim, ao delinearmos nosso último pensamento nessa divisão, apelamos outra vez para Paulo: se a cura física fizesse parte dos benefícios da expiação para esta vida, com certeza ele teria declarado isso de forma bem clara em suas epístolas. Paulo era um mestre em lógica e argumentação e esforçou-se muito para explicar a natureza da salvação. Mas em nenhum lugar ele fala em cura ou prosperidade como parte de nossos "direitos" em Cristo. Em vez disso, o destaque sempre fica para o perdão dos pecados e para o que significa ganhar ou perder a vida eterna. Se Paulo quisesse pregar um evangelho da prosperidade, ele certamente teria feito isso.

A Mão de Deus na Cura

Em contraposição às promessas que o evangelho da prosperidade faz em excesso, conferimos grande destaque ao fato de que Deus nem sempre opta pela cura. Isso foi assim mesmo nos dias de Cristo e dos apóstolos. Nem todo mundo foi curado em Israel nem mesmo em Jerusalém. É verdade que nem Jesus nem os

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apóstolos mandaram embora alguém que tivesse vindo para ser curado. Mas também não se diz que eles tenham curado todos os enfermos com os quais tiveram contato. Uma multidão de enfermos jazia nos pavilhões do tanque de Betesda, mas Jesus, pelo que sabemos, curou apenas uma pessoa ali (Jo 5.1ss.). Também vimos que há vezes em que Deus envia doenças para testar ou punir seu povo; outras vezes, o objetivo é demonstrar a sua glória.

Chegou a hora de descrever brevemente o outro lado da moeda. Muitas vezes, Deus responde com um "sim" a nossos pedidos de cura e saúde (Sl 103). Tal fato não nos deve causar surpresa, pois as Escrituras são claras em dizer que Deus se preocupa não somente com nossa alma, mas também com nosso corpo. Na discussão de Paulo sobre a função do corpo, em 1 Coríntios 6, ele afirma no espaço de alguns poucos versículos que nossos "corpos são membros de Cristo" (v. 15), "santuário do Espírito Santo" (v. 19) e que "o corpo... é... para o Senhor, e o Senhor para o corpo" (v. 13). O Senhor se interessa por nosso bem-estar físico e, falando de modo geral, a vontade de Deus é que tenhamos saúde. Portanto, ninguém que seja cristão na acepção da palavra duvida de que Deus ouve e responde às nossas orações pela cura dos enfermos.

Tiago 5.13-15 é a passagem que mais informações fornece sobre a vontade de Deus quanto à cura. Tiago ordena que oremos pelo enfermo, a fim de que ele possa ser curado.

Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração. Está alguém alegre? Cante louvores. Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. E a oração da

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fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.

Essa é a única passagem do Novo Testamento que expressa com clareza o privilégio que o cristão tem de orar por si próprio e a responsabilidade dos líderes da igreja de orarem quando lhes é pedido que assim façam. Convém observar que não se promete nenhuma resposta especial nem se exige algum tipo específico de fé. O uso do óleo pode ter vários significados,10 mas qualquer que seja ele, a frase crucial é esta: "E a oração da fé salvará o enfermo". Isso faz com que a passagem dê destaque não à unção, mas ao fato de ser feita em nome do Senhor. Warfield faz o seguinte comentário:

A passagem não fica por si mesma em isolamento: ela tem um contexto, o qual lança luz sobre a simplicidade do significado. Tiago pergunta: "Está alguém entre vós sofrendo?" e aconselha; "Faça oração". "Está alguém alegre? Cante louvores. Está alguém entre vós doente?"... Existe aqui alguma coisa que não se repita diante de nossos olhos todos os dias, sempre que um cristão está doente —

10

O óleo pode ser símbolo do poder do Espírito ou ser entendido literalmente como recurso medicinal. Nesse caso, a passagem indica que se devem utilizar todos os remédios disponíveis em conjunto com a oração. Há muitos versículos que dão apoio a essa idéia. Isaías 38.21 mostra a recomendação de Isaías a Ezequias para que colocasse um emplastro de pasta de figo sobre sua úlcera (cf. 2 Rs 20.7). Paulo disse a Timóteo que fizesse uso de um pouco de vinho para seu estômago, não como bebida, mas como remédio para seu mal. Em Colossenses 4.14, ele se refere a Lucas como o médico amado. O óleo também pode ser símbolo da própria oração. Sua aplicação seria um ato simbólico destinado a assegurar á pessoa doente que ela estava sendo separada para receber atenção especial do Senhor. Há muitas opiniões em apoio às duas interpretações (veja Biederwolf, 1934. 76, 77). Warfield defende a idéia de que o óleo é símbolo de remédio e crê que Tiago também poderia ter escrito simplesmente "dêem-lhe o remédio em nome do Senhor" (Warfield, 1972, 171).

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com exceção do fato de que permitimos que a intercessão formal da igreja caísse em desuso? (Warfield, 1972, 170.)

Encerramos essa discussão sobre saúde e cura, retornando ao pensamento que já demonstramos quanto à expiação: a teologia de Hagin é uma "escatologia ultra-realizada" (Moo, 1988), pois traz para o presente as promessas que pertencem ao futuro. Hagin tem razão quando diz que Deus prometeu remover todas as enfermidades físicas, mas está errado ao afirmar que isso acontecerá agora. É por isso que a esperança é um dos três elementos que Paulo menciona em 1 Coríntios 13 como sendo essenciais para nossa fé.

2.4 As Promessas de Riqueza

Passamos agora a considerar os ensinos sobre prosperidade financeira. O raciocínio é exatamente o mesmo empregado para as afirmações sobre saúde. Assim como o cristão tem direito à saúde, ele também tem direito às riquezas materiais. Da mesma forma como as enfermidades fazem parte da maldição da lei removida pela cruz, também as riquezas integram a bênção reservada àquele que crê. Se não há prosperidade, a causa está na ignorância do cristão ou no fato de ele não seguir corretamente os procedimentos da confissão positiva.

Antes de analisarmos a riqueza no Novo Testamento, e essencial que estabeleçamos o princípio de que não existe nenhuma regra econômica especial que se aplique somente aos cristãos. Em outras palavras, não estamos imunes às leis econômicas da vida. Simplesmente não procede a afirmação de que, pelo fato de um cristão seguir os mandamentos e crer de todo coração, obedecendo a todas as regras da confissão positiva, ele será rico

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ou terá saúde. Se fosse assim, poderíamos dizer que o fato de obedecer aos mandamentos e crer torna o cristão imune à lei da gravidade. Todos os homens vivem num complexo de forças chamadas leis da natureza, e ninguém está livre delas. Não importa o quanto uma pessoa seja santa — se ela pular da janela do décimo andar de um prédio, cairá com a mesma velocidade de aceleração de qualquer outra pessoa. A lei da gravidade não é cancelada por nosso caráter moral, pelo conhecimento de princípios espirituais ou pela força da fé. O mesmo se aplica à saúde e prosperidade. No caso do cristão, há leis de economia que regem a aquisição de bens, assim como no caso de qualquer outra pessoa. De forma semelhante, quando o vibrião da cólera aloja-se num corpo, seja o de um cristão ou de um ateu, ele, com toda certeza, produz os mesmos efeitos terríveis. Vivemos num mundo regido por leis materiais, sociais e econômicas das quais não podemos escapar e das quais Deus não prometeu que nos livraria, até que chegasse o dia final, quando todas as leis serão refeitas. À semelhança de Trófimo em Mileto (2 Tm 4.20), fomos todos deixados doentes aqui. Se insistirmos em ser aliviados dessa enfermidade, poderemos esperar apenas a resposta dada a Paulo: "A minha graça te basta" (2 Co 12.9).

A Riqueza no Novo Testamento

O Novo Testamento tem muita coisa a dizer sobre a riqueza, mas em nenhum lugar ela é apresentada como algo que deva ser buscado. Em vez disso, quase sempre é apresentada como uma armadilha ou um perigo. Jesus disse que era difícil ao rico entrar no céu (Mt 19.23) e que não podemos servir a Deus e às riquezas (Lc 16,13). Ele desafiou seus discípulos a seguirem seu exemplo de simplicidade e pobreza, respondendo a alguém que pretendia segui-lo que não tinha lugar nem mesmo para dormir (Mt 8.20).

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Ele deu destaque ao preço do compromisso cristão nessa vida, não à sua lucratividade (Mt 16.24; Lc 14.28). Pela lógica da doutrina da prosperidade, os discípulos deveriam ter sido os mais ricos dos homens. Mas, pelo contrário, eles viveram uma vida simples e fizeram advertências contra a riqueza (Tg 2.5; 1 Jo 2.15). Paulo lamentou as conseqüências trágicas que sobrevêm àqueles que anseiam por dinheiro (1 Tm 6.9, 10) e condenou com rigor os homens de mente corrompida que pensam que a piedade é um meio de ganhar dinheiro (1 Tm 6.5, 6). Ele mesmo seguiu o exemplo de Jesus, gloriando-se não na riqueza, mas em fraquezas, perseguições, perigos, fome, fadiga (1 Co 4.9-13). Ele ensinou que a força de Deus revela-se nas necessidades e fraquezas, não na fartura (2 Co 11.23ss.). Segundo a teologia paulina, o que manifesta a presença do reino não são as coisas espetaculares, confortáveis ou triunfantes, mas as discretas, os sofrimentos e a aparente derrota (2 Tm 2.3; 4.5; Hb 12.7). Em sua lista do fruto do Espírito (Gl 5.22ss.) não estão incluídos nem saúde nem prosperidade.

Num contraste gritante com a visão de Paulo sobre os bens materiais, Hagin e outros pregadores da prosperidade dão muito destaque à posse das melhores coisas: os melhores carros, as melhores casas, as melhores roupas, tudo que contribua para uma vida de luxo. A ingenuidade da doutrina da prosperidade pode ser vista com total clareza na tentativa ridícula de Hagin no sentido de justificar a busca das riquezas, quando diz que Jesus andou no Cadillac de seus dias — um jumento. É difícil acreditar que ele não saiba que um jumento, ainda mais emprestado, estava muito abaixo da dignidade e do luxo conferidos por um cavalo ou uma carruagem. É a mesma coisa que chamar cimento de ouro. Nos dias de Jesus, os soldados romanos reclamavam de que seus salários eram muito baixos. Mas João Batista disse-lhes que

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deviam se contentar com o que recebiam (Lc 3.14). Paulo fez uso de uma expressão semelhante, ao dizer: "... aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado, como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias já tenho experiência, tanto de fartura, como de fome; assim de abundância, como de escassez (Fp 4.11, 12). No Novo Testamento, o que anda ao lado da piedade é o contentamento, não a riqueza (Hb 13.5; 1 Tm 6.8). Deus prometeu que atenderia nossas necessidades, mas ele nunca disse que satisfaria nossos desejos. Em vez disso, a ordem é para que os crucifiquemos (Rm 6.1-14; 8.12, 13; Gl 5.16-24). Jesus afirmou que temos "necessidade" de muito pouca coisa no mundo. O Sermão da Montanha menciona apenas três: alimento, bebida e roupa. Paulo reduz as necessidades para duas: alimento e roupa (1 Tm 6.8). Em outra ocasião, Jesus declara que, na realidade, só uma coisa era necessária na vida, e esta era gastar tempo com Deus e sua palavra (Lc 10.42).

Por outro lado, a igreja não deve cair no erro de dizer que a pobreza é boa em si mesma e que, de alguma forma, traz até nós a graça de Deus. No passado, esse foi o erro do monasticismo, o qual permanece entre nós até hoje na teologia da libertação. Na cosmovisão da Bíblia nem a pobreza nem a prosperidade são virtudes, mas, entre as duas, um acesso relativo à prosperidade constitui o ideal bíblico. É isso que João desejou para seus leitores de 3 João 2. A prosperidade contra a qual a Bíblia prega é aquele acúmulo de bens que vem com a riqueza e que engana a mente e a alma, fazendo com que se sintam auto-suficientes, pensando que não devem nada a Deus ou aos homens. A prosperidade é um bem, se for concebida no sentido de uma vida ordeira e decente, sem uma preocupação excessiva com

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pagamento de contas, consumo e educação, onde sobra o necessário para ajudar o próximo.

Muitas vezes, Satanás é culpado pelos problemas que um cristão pode estar enfrentando, seja doença ou pobreza. Mas, na Bíblia, Satanás não é caracterizado somente como opressor ou como causa da miséria. Há casos, como no livro de Jó, em que ele é o grande destruidor. Mas ele também é visto como doador de riquezas, tendo-as oferecido até para Cristo (Lc 4.6). É muita ingenuidade pensar que riqueza e prosperidade vêm somente das mãos de Deus ou que os bens espirituais são a causa ou a conseqüência delas.

Dar e Receber

Algumas passagens bíblicas relacionadas com ofertas são muito usadas nas igrejas da prosperidade. Naquela hora do culto, a ênfase muda repentinamente, passando do receber para o dar. Com muita freqüência é citado 2 Coríntios 9.6: "Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância também ceifará". Hagin interpreta essas palavras, dizendo que aquilo que recebemos é proporcional ao que damos. Se damos mais, receberemos mais de volta. Entretanto, essa passagem não deve ser entendida como se fosse uma regra matemática. É um princípio geral que não tem a mesma aplicação em todos os casos, além do que não são necessariamente as finanças que estão sendo consideradas. Na vida há muito mais do que finanças para ser semeado e colhido. O mais importante é que a noção de que receberemos somente se dermos e uma perversão da idéia cristã de caridade. Isso tem mais a ver com o utilitarismo pagão, que avalia todas os atos morais da vida segundo o benefício recebido por aquele que o

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pratica. A ética cristã declara que devemos dar porque Deus nos deu primeiro. Para o cristão, o dar deve ser um ato de adoração, gratidão e amor, não um exercício em que se calcula o quanto receberemos de volta (1 Jo 4.19).

Marcos 10.29, 30 também é muito usado para estimular as ofertas. O texto diz:

Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do evangelho que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições; e no mundo por vir a vida eterna.

Algumas vezes esse versículo é citado do púlpito e interpretado de forma a dizer que se dermos $1 receberemos $100. Grande destaque é conferido à taxa de 100 por 1, como se o reino fosse um jogo de roleta que sempre remunera bem. Seguramente essa é uma imitação burlesca de exegese. Em primeiro lugar, a promessa de retorno cem vezes maior tem condições restritas. Não é para aqueles que preencheram um cheque, mas para os que deixaram tudo para trás. O verdadeiro assunto dessa passagem não é dar ou receber, mas o preço e os benefícios do discipulado. Jesus disse que o custo é alto: perda de casa e família por amor ao evangelho. Mas ele acrescenta que as recompensas também são grandes, embora envolvam perseguições.

Em segundo lugar, o ponto central desse trecho não é o dinheiro, mas os relacionamentos. Todas as sete coisas ali mencionadas têm a ver com lar, família e nação. Não se fala nada sobre riqueza. Pelo contrário, a passagem como um todo deve ser vista

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como uma advertência contra as riquezas materiais. No versículo 21, Jesus não disse: "Você aplicou bem seu dinheiro, vá e ganhe mais". Em vez disso, ele falou o seguinte: "Só uma coisa te falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o as pobres, e terás um tesouro no céu". Essa ordem pressupõe uma inversão total dos valores humanos (v. 31). Aquilo que hoje é considerado de natureza humilde, um dia será exaltado; aquilo que hoje é exaltado será um dia humilhado.

Antes de encerrarmos a resposta às promessas de saúde e prosperidade, vale a pena dizer que esse tipo de pensamento teológico defeituoso não é nenhuma novidade. Ele já foi encontrado há muito tempo, na argumentação dos amigos de Jó, e está conosco desde então. Eles pressupunham que se você for fiel e bom, será abençoado. Se você é pobre, doente e sofre, isso só pode ser atribuído a algum pecado, pois a lei do espírito diz que você recebe aquilo que merece. É exatamente esse o argumento usado pelos pregadores da prosperidade. Ele coloca a lei como base de nosso relacionamento com Deus — olho por olho. Não devemos nos esquecer de que, por causa da teologia que abraçaram, os amigos de Jó receberam condenação (Jó 42.7).

3. A Confissão Positiva

Chegamos agora à terceira e última categoria — os métodos e as regras da confissão positiva. No capítulo dois, vimos que as promessas de saúde e prosperidade não são colocadas em funcionamento de forma automática, mas recebidas somente por meio de alguns procedimentos agrupados pela frase "confissão positiva". Encontramos aqui os meios ou métodos pelos quais o cristão consegue ou merece saúde e prosperidade. Eles envolvem a afirmação dos direitos em voz alta, nunca duvidar, nunca

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repetir uma oração, negar qualquer sintoma negativo, etc. O pressuposto é que essas regras e procedimentos refletem as leis espirituais que regem o mundo. Uma vez que descubra essas leis, o cristão pode colocá-las em funcionamento para seu próprio bem. Elas existem para que o homem de fé possa utilizá-las e manipulá-las da mesma forma como usa e manipula a lei da gravidade e da circulação do ar ao andar de avião. Empregando uma metáfora mais comum para Hagin, é o mesmo que fazer uso das vantagens das leis da atividade bancária quando preenchemos um cheque.

A pressuposição crucial nessa cosmovisão é que Deus criou leis espirituais que reagem à fé daquele que crê, seja ela firme e positiva ou fraca e negativa. Nossas orações são respondidas rigorosamente de acordo com nossa fidelidade às regras da confissão positiva. Isso quer dizer que Deus não precisa tomar a iniciativa para decidir qualquer coisa que seja, pois sua decisão pessoal é desnecessária ao atendimento das orações. Esse papel é cumprido de forma automática pelas leis espirituais criadas para reger o mundo.

Não é a primeira vez que essa idéia aparece na história da igreja. Nos séculos XVII e XVIII, alguns teólogos ingleses receberam o nome de "deístas", por proporem idéias parecidas com essa.11 A

11

A principal marca registrada do deísmo não era a noção de que o mundo funciona automaticamente, mas o racionalismo, que afirma que, pelo uso da razão somente, podem ser deduzidas todas as verdades do cristianismo, sem a ajuda da Bíblia. Como resultado, o deísmo caracterizou-se por um anti-sobrenaturalismo muito acentuado e afirmava que os milagres na natureza não ocorrem nem podem ocorrer. Um corolário dessa crença é a pressuposição de que o mundo funciona de acordo com um conjunto de leis que agem automaticamente nas esferas física e sobrenatural. No artigo sobre deísmo, no Dictionary of the History of Ideas, a terceira característica do deísmo é definida como "os poderes ativos de Deus, os quais são revelados no mundo, criados, sustentados e ordenados por meio de

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figura que eles usavam para explicar o modo como Deus conduz o mundo era de natureza mecânica: o universo é como um relógio ao qual ele deu corda no início dos tempos. Desde então, ele não precisa mais de nenhuma atenção, mas funciona automaticamente, livrando Deus da necessidade de intervir no curso natural da história humana.

Mais recentemente, as seitas metafísicas analisadas no capítulo introdutório defenderam uma idéia semelhante. Na visão que elas têm do mundo, Deus não é um ser pessoal que rege o universo com soberania, mas sim uma força impessoal que faz o mundo funcionar por meio de leis espirituais imutáveis. De modo geral, um tipo de deísmo evidencia-se quando são feitas referências a Deus como a "Força Infinita", o "Espírito da Vida Infinita", "o Absoluto", o "Espírito Absoluto", a "Inteligência Infinita", etc. Embora o evangelho da prosperidade não faça uso dessas expressões, geralmente é a mesma interpretação do mundo espiritual que atua em sua teologia.

3.1 Princípios da Providência

Assim como o deísmo do século XVIII representava uma compreensão errônea de Deus e de sua providência, tal visão continua errada hoje. Deus não se afastou do mundo, como se este fosse uma máquina que ele criou no início para funcionar de

leis naturais, tanto morais como físicas, divinamente sancionadas". O evangelho da prosperidade é deísta na medida em que acredita que o mundo funciona de acordo com um conjunto de leis espirituais. Por outro lado, a quinta característica diz: "Não há nenhuma providência especial; milagres ou outras intervenções divinas não infringem a ordem natural legal". Nesse sentido, o evangelho da prosperidade não acompanha o padrão de pensamento deísta. Veja E. G. Waring, ed., Deism and Natural Religion, Ungar, 1967. A Encyclopedia of Philosophy, Macmillan, 1967, fornece uma extensa bibliografia.

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forma autônoma. A Bíblia deixa bem claro que Deus mantém sua autoridade soberana para tomar decisões em cada área da vida, incluindo as enfermidades e o sofrimento (cf. Êx 4.11; Dt 32.39; Jó 5.17, 18; Is 45.7; Lm 3.37). Isso quer dizer que não existem leis espirituais que funcionem automaticamente, à parte da vontade pessoal de Deus (Dn 4.34ss., Ef 1,11).

O termo utilizado pela teologia protestante para descrever de forma bíblica e correta o relacionamento de Deus com o mundo é "providência" (Berkouwer, 1952), com três aspectos distintos: 1) Deus sustenta o mundo diretamente pelo seu poder (Rm 11.36; Cl 1.17; 1 Co 8.6; Hb 1.3); 2) Deus conduz o mundo em direção a um fim predeterminado (Ef 1); e 3) Deus atua junto com o homem para realizar seus propósitos, sem lhe negar o livre-arbítrio, mas atingindo seus objetivos. O primeiro e terceiro pontos vão diretamente contra a teologia da prosperidade e fornecem o critério para uma análise crítica tanto do deísmo quanto de seu equivalente moderno.

3.2 Oração não é Mágica

A tendência do pensamento deísta é de reduzir o envolvimento de Deus com o mundo, ao substituir a decisão soberana pelas leis espirituais impessoais. Qualquer teologia ou movimento, por mais popular que seja, que separe Deus do envolvimento com o mundo é antibíblico. Essa idéia continua a surgir na igreja, pois a manipulação de leis espirituais impessoais por parte do homem é algo que exerce muita atração. É muito mais fácil lidar com leis do que ter uma relação com um Deus santo e sublime. Isso sempre produz uma espiritualidade infinitamente mais previsível e controlável. A doutrina da prosperidade oferece suas promessas de saúde e riqueza com tanta confiança exatamente porque

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acredita que as regras de confissão positiva manipulam e controlam não as decisões pessoais de Deus, mas as regras que ele criou. Isso apresenta dois problemas: por um lado, a Bíblia em nenhum lugar se refere à esfera espiritual como se ela fosse uma reserva de forças espirituais passíveis de controle. Essa é a cosmologia da série Guerra nas Estrelas, em que Lucas Skywalker aprende a manipular "a força" com o controle de sua mente. Por outro lado, em todo canto a Bíblia declara que Deus está pessoalmente envolvido com o mundo.

É de importância fundamental que o cristão perceba que fórmulas e métodos não têm lugar na espiritualidade cristã, como se leis espirituais pudessem ser assim controladas e manipuladas. Uma cosmovisão dessas tem mais a ver com magia do que com o cristianismo, uma vez que magia é a tentativa de controlar forças e seres espirituais em benefício próprio (Shuster, 1987). Seria um exagero acusar Hagin de estar se rebaixando a ponto de seguir princípios de magia, mas continua a semelhança entre os métodos e pressupostos da magia e os da confissão positiva. Observe a afirmação de Hagin de que "muitas orações têm sido destruídas e não funcionaram, porque foram oradas por amor de Jesus, ao invés de em Nome de Jesus (Nome, 12). O que é isso, a não ser um modo de tratar o nome de Jesus como se fosse uma fórmula mágica que tem de ser proferida da maneira exata? Veja também a citação seguinte, onde o uso do nome de Jesus está ligado ao conhecimento de seu poder:

Eu disse: "Em Nome de Jesus (você entende, o Nome

representa toda a Sua autoridade e poder!), não tenho dor de cabeça. Em Nome de Jesus, não vou ter dor de cabeça. E, em Nome de Jesus, saia, dor!" Nem sequer as palavras saíram da minha boca, e a dor saiu. Simplesmente

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desapareceu. Alguém disse: "Gostaria que isto funcionasse para mim". Não funciona por meio do desejo — funciona por meio do conhecimento.

Observe nessa citação que Hagin afirma que a oração que não foi respondida fracassou por falta de conhecimento. As regras e procedimentos da magia também afirmam invariavelmente que recebemos poder mediante o conhecimento de fórmulas secretas que invocam forças sobrenaturais.

A Bíblia é muito clara ao ensinar que o nome de Jesus não pode ser utilizado como se portasse algum poder secreto ou atuasse como uma expressão mágica que traz resultados por meio de sua repetição. Veja o exemplo dos sete filhos de Ceva, em Atos 19.13-18:

E alguns judeus, exorcistas ambulantes, tentaram invocar o nome do Senhor Jesus sobre possessos de espíritos malignos, dizendo: Esconjuro-vos por Jesus a quem Paulo prega. Os que faziam isto eram sete filhos de um judeu chamado Ceva, sumo sacerdote. Mas o espírito maligno lhes respondeu: Conheço a Jesus e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois? E o possesso do espírito maligno saltou sobre eles, subjugando a todos, e, de tal modo prevaleceu contra eles, que, desnudos e feridos, fugiram daquela casa. Chegou este fato ao conhecimento de todos, assim judeus como gregos, habitantes de Éfeso; veio temor sobre todos eles e o nome do Senhor Jesus era engrandecido. Muitos dos que creram vieram confessando e denunciando publicamente as suas próprias obras.

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Aqueles jovens pensaram que podiam acrescentar o nome de Jesus ao repertório de ritos e magias que utilizavam para exorcizar demônios. Os resultados foram desastrosos. Observe que aquele fracasso e a surra a que foram submetidos ocasionaram o temor de Deus e a exaltação do nome de Cristo não porque o nome funcionou, mas exatamente por não ter funcionado. A magia nunca resulta em temor a Deus. Ela produz apenas a exaltação do homem, pois faz parecer que este pode controlar forças sobrenaturais. O nome de Cristo passou a ser mais temido e honrado por causa desse fracasso, pois ficou patente que Jesus não tem nada a ver com magia.

Não adianta muito Hagin negar que o nome de Jesus atue como magia (Nome, 37). Isso não impede que ele o trate como se fosse algo mágico. Hagin diz que é importante orar apenas e exatamente "em nome de Jesus", sem qualquer variação. Mas não existe diferença lógica entre declarações como "em nome de Jesus", "por amor de Jesus", "por Jesus" ou qualquer outra variável. Em cada caso, a frase representa uma sinédoque, figura de linguagem em que uma expressão mais curta é usada em lugar de outra mais longa. A sinédoque, nesse caso, está no uso de "em nome de Jesus" ou "por amor de Jesus" em lugar da frase mais longa "peço que esta oração seja respondida por amor daquilo que Jesus fez por mim e afirmo isso como um de seus seguidores".

Jesus prometeu a seus discípulos que se pedissem em seu nome, eles receberiam (Jo 16.24). Mas isso nunca quis dizer que a promessa seria automaticamente cumprida. Ela foi acompanhada de exigências rigorosas. Devemos permanecer nele e permitir que sua palavra permaneça em nós (Jo 15.7); devemos guardar seus mandamentos (1 Jo 3.22) e orar de acordo com sua vontade (1 Jo

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5.14). Acima de tudo, Tiago observa que os motivos e objetos pelos quais oramos são cruciais: "... pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres" (Tg 4.3).

Alguns eruditos observaram que o pensamento religioso primitivo compartilha de muitas características da cosmovisão da magia. O ponto essencial de comparação é que ambos acreditam que toda a natureza opera segundo forças pessoais, em favor de fins individuais. Em outras palavras, o mundo está cheio de poderes espirituais ocultos que podem ser influenciados e controlados pelo homem, se este tiver o conhecimento certo e seguir os procedimentos corretos. No âmbito secular, a cura pela fé nos dias de hoje emprega uma visão semelhante e acredita que a mente pode controlar a natureza, especialmente o corpo humano (James, 1902, 117). Algo parecido com isso é encontrado no conceito de fé adotado pela doutrina da prosperidade, em que a fé é uma ferramenta que pode ser usada para a manipulação de forças espirituais. Todavia, contrariando tanto o deísmo quanto a magia, a Bíblia ensina que Deus detém o controle soberano total para decidir quando deve dizer sim e quando deve dizer não a uma oração. Não existe nada parecido com o uso da fé como uma "força" para recebermos nossos direitos. Até mesmo na Bíblia, alguns dos grandes homens de Deus não foram atendidos em suas orações. Moisés não orou para ver a terra prometida? João Batista não orou para ser libertado da prisão? Deus disse não a ambos os pedidos. Até alguns desejos de Jesus não foram atendidos como, por exemplo, quando ele chorou sobre Jerusalém ou quando o jovem rico foi embora ou quando ele cedeu, depois de uma noite de oração no Jardim das Oliveiras, dizendo: "... não seja como eu quero, e, sim, como tu queres". É certo que Paulo nem sempre foi atendido em seus pedidos. O espinho na carne é um bom exemplo. Uma

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vez que se admita que Deus não atende a alguns pedidos, nega-se toda a idéia de fé como força que sempre atinge seu objetivo.

Portanto, o estudante da Bíblia que se esforça para entender a doutrina da prosperidade deve manter como ponto fundamental que todas as orações, incluindo aquelas em favor da cura, estão subordinadas às decisões pessoais de Deus. Isso nega, desde o princípio, todas as idéias de magia ou confissão positiva. Nenhuma oração será eficaz, se Deus não optar por respondê-la, não importa quanta fé esteja envolvida da parte dos que oram ou quantos procedimentos sejam seguidos da maneira certa. Podemos voltar a Jó para reforçar essa verdade. Os mestres que atribuem o fracasso em receber cura ou prosperidade a algum problema com a fé ou à falta de algum elemento na confissão podem ser comparados aos três amigos desorientados que chegaram para confortar Jó no meio de sua tragédia. A teologia de Elifaz, Bildade e Zofar não cogitava a possibilidade de o justo sofrer. Se Jó estava sofrendo, então ele merecia sofrer. Mas Deus já havia considerado a Jó como "íntegro e reto" (1.8). A única contenda de Deus com Jó era que ele, um simples mortal, exigia uma explicação completa dos propósitos que estavam por trás do sofrimento. A lição de Jó reforça a crença cristã de que as respostas às nossas orações não são obtidas pela reivindicação de direitos espirituais; elas são recebidas de acordo com a decisão pessoal de um Deus vivo e santo.

Resumindo, a doutrina da prosperidade está errada porque faz uma separação entre Deus e o mundo, por meio da imposição de leis espirituais. Essa idéia tem mais a ver com deísmo ou magia do que com cristianismo. Passamos agora a considerar o pensamento de Hagin sobre fé e dúvida.

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3.3 A Fé não Exige

Hagin diz que, quando oramos, devemos exigir corajosamente nossos direitos e nunca mostrar qualquer indício de dúvida de que nossa oração será atendida. A questão da soberania de Deus é totalmente abafada pelo destaque conferido aos direitos da pessoa que crê. Um crítico dessa opinião escreve o seguinte:

A soberania de Deus é a doutrina que afirma que Deus é supremo, tanto em governo quanto em autoridade sobre todas as coisas. Nos círculos dos Ensinos da fé, ela não é levada muito a sério. Verbos como exigir, decretar, determinar, reivindicar, freqüentemente substituem os verbos pedir, rogar, suplicar, etc. (Romeiro, 32.)

O pastor ou mestre cristão bem versado na Bíblia dificilmente pode deixar de ficar chocado ao extremo com os ensinos de Hagin sobre a oração. Será que a fé sempre tem o direito de exigir? Será que os papeis de Deus e do homem foram de alguma forma invertidos? Será que o arcanjo mais santo e mais sublime alguma vez já se aproximou do Criador com tais afirmações? Vale observar que no texto de Isaías 6, passagem já utilizada na análise das visões de Hagin, seres especiais conhecidos como serafins são descritos como estando na presença de Deus, cuja santidade eles proclamam continuamente, dizendo: "Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos". O nome daqueles seres especiais indica que eles ardiam com fogo santo, uma vez que serafim significa "aquele que queima". O estudante da Bíblia atento observará que eles foram criados com seis asas: duas para voar, duas para cobrir o rosto e duas para cobrir os pés. A humildade e o respeito profundos daqueles seres na presença do Santo dificilmente poderiam ser mais bem representados do que pela

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cobertura do rosto e dos pés. Diante dessas cenas celestiais, que mais poderíamos dizer sobre aqueles que oram exigindo seus direitos de Deus?

Embora não pareça necessário, devemos acrescentar aqui que dizer "se for de tua vontade" é totalmente certo e bíblico. Orar assim não é um sintoma de dúvida ou de incredulidade, mas o reconhecimento humilde de nossa incapacidade de conhecer a mente de Deus ou de fazer suposições acerca de seus propósitos. A dúvida não é uma virtude, mas é aceitável quando confessada (Mc 9.24). Até mesmo os apóstolos pediram ao Senhor: "Aumenta-nos a fé" (Lc 17.5). Tiago também recomenda que oremos assim, pois não temos sabedoria para conhecer o futuro (4.15). Jesus ficou satisfeito com a oração do leproso que foi até ele, implorando: "Senhor, se quiseres, podes purificar-me" (Mt 8.2; Mc 1.40). No Getsêmani, ele próprio disse: "... não seja o que eu quero, e, sim, o que tu queres" (Mc 14.35); e nós também devemos orar, dizendo sempre "faça-se a tua vontade" (Mt 6.10).

Qualquer discussão sobre o uso da partícula "se" na oração deve incluir a história registrada em Daniel 3.17, 18 referente a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Talvez este seja o maior e melhor uso do "se" na Bíblia.12 Depois de serem ameaçados de morte certa na fornalha de fogo ardente, caso não se prostrassem imediatamente diante da imagem de ouro, eles responderam ao rei: 12

Bruce Barron escreve o seguinte: "A conhecida história dos três homens na fornalha de fogo ardente... deu ocasião a algumas interpretações fascinantes no movimento da fé... Ironicamente, Gloria Copeland cita essa mesma passagem como exemplo da "postura mental correta". Ao citá-la, ela deixa de fora as palavras cruciais "se não" (se Deus não nos quiser livrar), do v. 18... sem apoio da passagem, ela afirma que os três "foram para o fogo com plena intenção de voltar" (p. 108).

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Ó Nabucodonosor, quanto a isto não necessitamos de te responder. Se o nosso Deus a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste.

Esta é a fé que não presume conhecer a vontade de Deus quanto à vida ou à morte, mas que, assim mesmo, confia e obedece.

3.4 A Confissão não Cria a Realidade

Seguindo seu método de costume, Hagin usa várias passagens fora de contexto para mostrar que a fé deve ser agressiva ao ponto de oferecer testemunho público da resposta da oração, antes mesmo que ela apareça. Provérbios 6.2 é muito citado fora de seu contexto, para sustentar a afirmação de que a confissão positiva é necessária, porque a confissão negativa cria uma realidade igualmente negativa. Do modo como Hagin a cita, a passagem diz o seguinte: "... estás enredado com o que dizem os teus lábios". Mas, ouçamos o provérbio como um todo (vv. 1-3):

Filho meu, se ficaste por fíador do teu companheiro, e se te empenhaste ao estranho, estás enredado com o que dizem os teus lábios, estás preso com as palavras da tua boca. Agora, pois, faze isto, filho meu, e livra-te, pois caíste nas mãos do teu companheiro; vai, prostra-te e importuna o teu companheiro.

Quando o provérbio todo é ouvido, fica claro que seu significado é que não devemos assumir compromissos insensatos em

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questões financeiras. O primeiro pecado da hermenêutica é interpretar o texto fora de seu contexto.

Hebreus 3.1 é outra passagem muito citada. Ela diz: "... considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão, Jesus". Os pregadores da prosperidade dizem que a palavra grega traduzida por "confissão" significa literalmente "dizer a mesma coisa". Assim, eles afirmam que devemos proferir com nossa boca a mesma coisa que Deus diz a nosso respeito, a fim de sermos abençoados. Mas esse é apenas um dos significados da palavra "confissão" e dificilmente é o que o autor de Hebreus tinha em mente. O contexto da passagem mostra que "confissão" aqui refere-se ao compromisso do leitor com Cristo e não alguma forma de confissão positiva.

Hebreus 11.1 é freqüentemente mencionado como prova de que podemos obter favores divinos nesta vida, pois fé "é a certeza de coisas que se esperam". Mas a definição de fé oferecida aqui é de crença em Deus e em seu reino, a esfera invisível, mas que cremos ser verdadeira. Hagin também identificou de forma errada aquilo que é esperado pela fé, ao dizer que as "coisas" são saúde e prosperidade. No restante do capítulo essas "coisas" são descritas e não envolvem riquezas ou saúde. Em vez disso, elas se referem a Cristo e sua glória. Essa interpretação de Hebreus 11 é particularmente grosseira, porque, depois de Jó e do salmo 73, esse capítulo contém o material mais incisivo em toda a Bíblia contra a doutrina da prosperidade, uma vez que descreve aqueles homens e mulheres que morreram sem receber a resposta para suas orações (v. 13). A fé que eles tinham honrou a Deus, porque se manteve durante as dificuldades e privações, não em meio à saúde e prosperidade.

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Finalmente, consideraremos Marcos 11.22, muito citado por Hagin como prova de que devemos ter a fé do tipo de Deus. Esse versículo aparece no meio da história em que Cristo amaldiçoa a figueira por causa da falta de fruto. O texto diz:

Então Pedro, lembrando-se, falou: Mestre, eis que a figueira, que amaldiçoaste, secou. Ao que Jesus lhes disse: Tende fé em Deus; porque em verdade vos afirmo que se alguém disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar no seu coração, mas crer que se fará o que diz, assim será com ele. Por isso vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim convosco.

O ponto central está no v. 22: "Tende fé em Deus". Ele é assim traduzido por Hagin: "Tende a fé do tipo de Deus". Ele escreve:

Focalizemos nossa atenção na declaração Tende fé em Deus (v. 22) ou, alternativamente: "Tende a fé de Deus." Os estudiosos da língua grega dizem que uma tradução possível seria: "Tende a fé do tipo de Deus."... É esse o tipo de fé que falou, e o mundo veio a existir!... Deus... falou a Palavra, e aí estava a Terra... Ele falou e assim foi!... Deus creu que aquilo que ele falou se realizaria, e assim foi!... Vemos aqui o princípio básico inerente à fé do tipo de Deus: crer com o coração e dizer com a boca. Jesus creu e falou. Deus creu e falou, e o mundo veio a existir pela Sua palavra. (Limiares, 90-92.)

Essa interpretação errônea é compatível com Hagin e seu conceito de fé como uma força que cria a realidade. Ele escreve em seu livro sobre a natureza de Deus:

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O Senhor Deus é um Deus de fé... De igual modo, criou o homem: um homem de fé. Por isso, o ser humano pertence à mesma categoria de Deus. Um homem de fé vive no domínio criativo de Deus. (Zoe, 51.)

Segunda essa opinião, nosso Deus que cria tem uma grande quantidade de fé, porque fé é isso: força que cria. O homem é como Deus, ao partilhar com ele a capacidade de criar pela fé. Portanto, a verdadeira fé é como a fé que Deus tem: poderosa, livre de dúvidas e, por isso, capaz de trazer à existência aquilo que deseja.

É óbvio que existe uma série de coisas extremamente erradas nessa compreensão da fé e de Deus. Em primeiro lugar, Hagin inverte a frase "tende fé em Deus" para afirmar "tende a fé do tipo de Deus". Isto é erro de tradução puro e não há nada que possa ser dito em seu favor. Em segundo lugar, a idéia de que Deus exerce fé é estranha ao cristianismo. Dizer que Deus tem fé naquilo que vai fazer é algo que não tem sentido, a menos que se tenha um conceito inferior de Deus. O Deus da Bíblia é Todo-Sabedoria e Todo-Poderoso, capaz de ver o fim desde o começo. O conceito de Hagin tem mais afinidade com a idéia gnóstica do demiurgo ou deus inferior do que com o Pai do Senhor Jesus Cristo que aparece no Novo Testamento.

Em terceiro lugar, a idéia de Hagin de que fé é uma força que cria a realidade também é estranha ao cristianismo. Já tivemos oportunidade de ver que ela tem mais a ver com magia ou com a cosmologia do tipo Guerra nas Estrelas do que com a espiritualidade bíblica. Há outros grupos, como a Ciência Cristã, que defendem idéias semelhantes de fé, ou seja, o meio pelo qual fazemos com que o invisível se torne realidade. Hagin, é claro,

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não gosta de ser associado a esses grupos. Entretanto, ele pode negar de todas as formas que existam semelhanças entre seu ensino e os da Ciência Cristã, mas permanece inalterado o fato de que, exatamente como a Ciência Cristã, sua teologia retrata o mundo regido por leis espirituais que podem ser controladas por aquele que crê.

3.5 A Medicina e seus Meios de Cura

Muitos pregadores da prosperidade dizem que, em caso de doença, o cristão deve descartar os recursos da medicina e confiar somente na oração. Duas razões são apresentadas: primeira, recorrer a um médico revela falta de fé e destrói a força da confissão da pessoa. Segunda, uma vez que a medicina é uma ciência física, ela não pode tratar das verdadeiras causas da doença, que são espirituais. Na melhor das hipóteses, a ciência médica pode tratar do aspecto físico, mas fica longe da cura espiritual. Nossa resposta a isso remete-nos ao terceiro ponto do ensino bíblico sobre providência, ou seja, Deus atua junto com o homem no cumprimento de sua vontade. Esta é uma daquelas verdades tão óbvias que facilmente são esquecidas. As Escrituras poderiam fornecer inúmeros exemplos. Aqui mencionaremos apenas um: na primeira vez em que Deus desejou um templo onde seu povo pudesse adorá-lo, foram necessárias duas gerações para o planejamento e a construção. Deus poderia tê-lo criado já pronto, mas escolheu atuar por meio de projetistas, artífices, sacerdotes e figuras políticas da época. O mesmo acontece no campo da cura. Deus usa a ciência médica e os médicos para efetuar a cura do doente.

Essa verdade é aplicável a todas as áreas da vida. Deus espera que trabalhemos com o máximo de nossa capacidade. Isso é

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ponto pacífico. O agricultor que ora pela colheita e não ara nem semeia nem colhe é um idiota ou um fanático. O mesmo acontece na esfera espiritual. Quando Jesus disse "pedi e recebereis" (Jo 16.24), ele certamente não queria dizer que seríamos alimentados com maná do céu. Em vez disso, temos de trabalhar muito e pedir que Deus abençoe nosso trabalho. Pense em Tiago 1.5, que diz: "Se... algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus..." Será que isso significa que o conhecimento de Deus pode ser obtido sem que se freqüente a escola e o seminário? Será que a sabedoria nos é dada numa bandeja ou precisamos aprender a pensar e raciocinar cuidadosamente, mesmo quando pedimos a Deus capacidade para pensar com sabedoria? De acordo com a lógica da prosperidade, Deus não utiliza esses meios, mas cura sem intervenção dos médicos e distribui riquezas sem que se trabalhe muito. Essa forma de pensar é tão insensata quanto aquela do agricultor que ora mas não prepara a terra. Em oposição a toda essa tolice, o cristão que ora pela restauração da saúde deve empregar todos os meios de cura que estiverem a seu alcance, tais como higiene, remédios, enfermagem, repouso ou cirurgia.

Concluímos que uma falsa compreensão da providência de Deus pode nos levar a erros de todo tipo. Por um lado, pode fazer com que as pessoas pensem que têm condições de controlar o mundo espiritual como se Deus não fosse soberano e pessoal em suas decisões. Por outro lado, ela pode causar uma rejeição ingênua da ajuda humana, como a que é oferecida pelos médicos e pela medicina, como se Deus não atuasse por meio do mundo natural para ajudar seu povo e responder às suas orações. Em nenhum outro lugar uma compreensão elevada e santa da providência está mais bem ligada à ordem de trabalhar arduamente do que nesta declaração de Paulo: "... desenvolvei a vossa salvação com temor

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e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.12, 13).

Existe ainda outro aspecto sombrio na posição do evangelho da prosperidade quanto aos cuidados médicos. Por causa da rejeição da ajuda da medicina como sinal de fraqueza na fé, devendo, portanto, ser evitada, o movimento da prosperidade não tem nenhuma base para oferecer cuidado pastoral ao enfermo. Se a doença é algo de que devemos nos envergonhar, a única resposta que um pastor da prosperidade tem para o enfermo é no sentido de exortá-lo a crer mais e/ou de uma condenação por ignorância ou pecado. O pastor da prosperidade é como um dos amigos de Jó, que vieram para oferecer conforto, mas acabaram trazendo apenas condenação. Àqueles que continuam doentes depois de exortados a ter mais fé, não resta nada a dizer. Hagin pergunta se as pessoas com doenças sérias realmente são cristãs:

É muito freqüente, no entanto, deixarmos de receber aquilo que pedimos; não achamos aquilo que buscamos, e a porta em que batemos não nos é aberta. Por quê? Quando não recebemos, estamos fazendo algo errado, pois o versículo seguinte promete: Pois todo o que pede recebe; o que busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á... Qual é a razão do nosso fracasso?... Se, quando pedimos, não recebemos; se, quando buscamos, não achamos; se, quando batemos, a porta não nos é aberta, devemos perguntar a nós mesmos se o Senhor da casa nos conhece. (Paz, 74.)

O membro da igreja da prosperidade que tem a infelicidade de ficar doente precisa enfrentar a enfermidade sozinho. Ele é uma pessoa que está fora da vontade de Deus e isolada da igreja, alguém de fé inferior. As doutrinas do amor e da graça de Deus,

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que deveriam lhe servir de conforto durante o tempo de enfermidade, tornam-se-lhe estranhas e voltam-se contra ele, condenando-o por falta de fé. Numa ironia, para o cristão seriamente enfermo, o evangelho da prosperidade e da saúde só tem palavras de condenação. Quando essa pessoa adoece e morre, ela morre sozinha.

Conclusão

O leitor que caminhou até aqui já recebeu uma sólida compreensão do ensino da prosperidade e de nossa resposta a ele. Em vez de seguir a estrutura desconexa dos livros de Hagin, sua teologia foi organizada sob três aspectos: autoridade espiritual, promessas de saúde e prosperidade e método da confissão positiva. No primeiro aspecto da autoridade espiritual, analisamos as alegações que Hagin faz no sentido de ser um apóstolo dos dias de hoje, que tem o direito de proclamar um novo tipo de cristianismo. Respondemos às suas afirmações por meio do princípio protestante da "sola scripturae", somente a Escritura. Como protestantes, rejeitamos em princípio qualquer autoridade espiritual que não seja a Bíblia. Além disso, vimos que existem boas razões para rejeitarmos como espúrias as visões de Cristo que Hagin alega ter tido. Oferecemos ainda razões para questionarmos os sinais e maravilhas usados para ratificar Hagin e sua condição elevada de profeta dos dias atuais.

Em segundo lugar, respondemos às promessas de saúde e prosperidade, observando sua exegese defeituosa de Gálatas 3 e destacando que a redenção é um processo ainda incompleto. Portanto, nem todos os seus benefícios estão hoje à nossa disposição. A cruz encontra-se no passado e, portanto, nossa redenção está assegurada, mas muita coisa que faz parte dela

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ainda aguarda o futuro, quando o reino virá em poder. Um dos benefícios que estão no futuro é a saúde perpetua. Também dissemos que a "bênção" da prosperidade material tem como base uma espiritualidade estranha a Jesus e aos apóstolos.

Finalmente, respondemos aos métodos da confissão positiva, afirmando que eles se baseiam em falsas pressuposições sobre o relacionamento de Deus com o mundo. A imposição de leis espirituais colocadas em atividade por meio da confissão positiva vai diretamente contra a idéia bíblica de providência e soberania de Deus. Vimos ainda que as noções de direitos, de pensamento positivo, de negar o elemento negativo e de usar o nome de Jesus como uma fórmula são todas baseadas numa cosmovisão estranha à Bíblia. Estamos prontos para passar para o capítulo quatro, onde consideraremos com mais detalhes a natureza dessa cosmovisão e seus efeitos sobre a teologia cristã.

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Capítulo Quatro

A COSMOLOGIA DA PROSPERIDADE

Quais são os pressupostos sobre o mundo espiritual que estão por trás dos ensinos da prosperidade? Qual a natureza do homem que deve ter o direito de controlar forças espirituais? Como ele adquire conhecimento sobre o mundo espiritual? Como esses pressupostos afetam sua compreensão da cruz de Cristo? Como a doutrina da prosperidade responde ao problema da presença do mal no mundo? Neste capítulo analisaremos a cosmovisão dessa teologia. Uma visão altamente dualista da realidade é o que dá forma ao significado e torna possível tudo que é ensinado acerca do reino espiritual.

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Introdução Ao iniciar essa análise final, voltamos ao capítulo um, onde traçamos brevemente a história e os antecedentes do evangelho da prosperidade. Dissemos que suas principais crenças sobre o reino espiritual não são extraídas nem da Bíblia nem do pentecostalismo, mas de várias seitas metafísicas que floresceram na área de Boston, nos Estados Unidos, no início do século XX. Aquelas seitas faziam uma estranha mistura de crenças sobre o mundo espiritual com a capacidade que a mente humana tem de controlá-lo. Vimos que essas idéias foram transmitidas a Kenneth Hagin por intermédio de E. W. Kenyon e, a partir de Hagin, tornaram-se partes essenciais dos ensinos sobre prosperidade, principalmente aqueles que falam de leis espirituais, de direitos diante de Deus e de regras e procedimentos na confissão positiva. Neste capítulo voltamo-nos para essas crenças básicas sobre a esfera espiritual, a fim de completar os dados sobre a doutrina da prosperidade.

O ponto de partida para entendermos a cosmovisão de Hagin está no fato de que ela é dualista, à semelhança das seitas metafísicas analisadas no capítulo um. Ela sustenta que toda realidade é dividida em dois tipos fundamentalmente distintos que, de modo geral, estão em oposição mútua. A oposição mais básica é vista entre os reinos espiritual e material. O primeiro é visto como tendo superioridade inerente em relação a todos os elementos do reino material. Tal idéia é compatível com o ensino bíblico, que também entende que o reino é de natureza principalmente espiritual e maior do que o mundo presente. Na visão de Hagin, porém, existe este outro elemento de oposição colocado entre os dois reinos. Aqui se encontra o problema, pois a Bíblia não

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coloca o elemento espiritual acima do físico, como se os dois fossem incompatíveis. Pelo contrário, a compatibilidade entre eles é afirmada na Bíblia, tanto na criação, quando o homem se tornou ser vivente, quanto na encarnação, quando Deus assumiu a natureza humana.

A idéia de que o mundo espiritual não somente é maior do que o físico, mas também de que o material é indigno, inferior ou insignificante em comparação com o espiritual é um pensamento antigo que tem sido defendido por muitas religiões diferentes em épocas diversas. Na história ocidental, ele remonta aos primeiros filósofos gregos e, no oriente, é ainda mais antigo. Essa cosmovisão sempre exerceu atração sobre os pensadores religiosos, pois ela invariavelmente se faz acompanhar da pressuposição de que o ser humano, em essência, é espiritual. Isso quer dizer que, dependendo da filosofia ou religião que elabora a visão, o homem, por natureza, tem um pé no céu e/ou que ele tem a capacidade de moldar a realidade por meio dos poderes de sua mente. Essa idéia é muito importante no movimento da Nova Era e é responsável por grande parte de seu poder de atração.

O dualismo de Hagin é de natureza semelhante. A divisão que ele faz da realidade em esferas espiritual e física pressupõe que o homem é essencialmente espiritual e, portanto, esse lado é mais importante e pode ter acesso aos poderes da esfera espiritual e controlá-los.

Os dois lados desse ensino são atraentes, mas também vão contra a doutrina bíblica. As idéias de Hagin serão consideradas sob quatro aspectos diferentes: primeiro, o dualismo da natureza humana; segundo, o dualismo do conhecimento humano;

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terceiro, o dualismo da redenção; e quarto, uma tendência dualista à exaltação de Satanás. Por fim, antes de encerrar este capítulo, veremos que resposta os ensinos da prosperidade oferecem ao problema do mal.

1. O Dualismo do Corpo e do Espírito Hagin ensina que o homem é constituído de três partes: espírito, alma (ou mente) e corpo: "O homem é um espírito — tem uma alma — e vive num corpo" (Nome, 89). Cada uma dessas três partes tem uma função que corresponde aos aspectos espiritual, mental e físico da vida humana. O espírito lida com a esfera espiritual, a alma fornece as funções mentais e o corpo provê a corporalidade.

Resumidamente, a natureza tríplice do homem é a seguinte: (1) espírito — a parte do homem que lida com a dimensão espiritual, (2) a alma — a parte do homem que lida com a dimensão mental: seu raciocínio e seus poderes intelectuais; (3) o corpo — a parte do homem que lida com a dimensão física. (Espírito, 9; veja também 11, 13.)

Embora os ensinos de Hagin estejam longe de ser claros, é evidente que ele coloca a diferença básica entre esses três aspectos da natureza humana entre o espírito e os outros dois, isto é, o corpo e a alma ou mente. Nas citações seguintes, o leitor poderá observar como Hagin divide a natureza humana, fazendo da mente/alma e do corpo elementos interiores ao espírito.

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Paulo indicou que há um homem exterior e um homem interior. O homem exterior é o corpo. O homem interior é o espírito... O homem exterior que olhamos não é o homem verdadeiro, mas apenas a casa onde moramos. (Limiares, 35; veja também Dirigido, 18.)

Antes de podermos entender a morte, porém, devemos entender que o homem não é um ser físico. O homem é um espírito que possui uma alma e que habita num corpo (1 Ts 5.23)... O homem real é o espírito... O "eu" real (seu espírito) e sua alma habitam num corpo físico. (Redimidos, 27, 28; veja também Soares, 1987, 70.)

Há um homem interior. E há um homem exterior. O homem exterior não é o eu verdadeiro. O homem exterior é apenas a casa que você habita. O homem interior é o eu verdadeiro. O homem interior nunca envelhece. É renovado de dia em dia. Ele é o homem espiritual. (Dirigido, 12, 13.)

Fazer essa separação entre corpo e mente/alma e o espírito traz conseqüências incalculáveis, pois a teologia pressupõe a capacidade da pessoa inquiridora de entender a Deus e seus caminhos de forma lógica e ordenada, por meio da razão. Voltaremos mais tarde a esse ponto. No momento, a atenção concentra-se na crença de Hagin de que apenas o lado espiritual do homem se relaciona com Deus. A mente e o corpo não têm nada a ver com a realidade espiritual e, portanto, não mantêm contato com o Criador.

O homem encoberto do coração é o espírito, o verdadeiro homem. Esse verdadeiro homem, o homem encoberto, o homem interior, é espírito. Ele tem uma alma e mora num

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corpo. Com o corpo13, contatamos a dimensão espiritual. Com a alma, contatamos a dimensão intelectual. Com o corpo, contatamos a dimensão física. Não podemos contatar Deus com nossa mente. Não podemos contatá-lo com nosso corpo. É somente com o nosso espírito que podemos entrar em contato com Deus. (Crescimento, 48.)

A cosmovisão de Hagin é muito clara nesse ponto. Ele traça a linha mais nítida possível entre os mundos espiritual e físico/mental. Ao fazer tal distinção, Hagin demonstra toda sua ingenuidade filosófica, pois ele é totalmente incapaz de explicar como o espírito pode desempenhar atividades que associamos com o pensamento, vontade, memória, imaginação e até com o próprio raciocínio. Por isso, na maioria dos sistemas dualistas, a mente é em geral colocada em pé de igualdade com o espírito ou pelo menos intimamente ligada a ele. Caso contrário, criam-se problemas insuperáveis em explicar como o espírito pode atuar em independência total. Com efeito, cria-se uma espécie de homem duplo, com uma natureza inferior, que pensa apenas por meio da esfera sensorial, e outra superior, a espiritual, que pensa apenas no mundo espiritual, qualquer que seja ele.

Uma conseqüência básica do dualismo de Hagin é que, uma vez que a realidade é espiritual, todos os problemas que o homem enfrenta também precisam ser fundamentalmente espirituais. Isso inclui a doença, que não é nada mais do que o efeito físico de uma causa espiritual mais profunda. Essa é a pressuposição que que está por trás da rejeição da ajuda médica. Se todas as doenças, em última análise, vêm do mundo espiritual e do poder

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É evidente aqui a presença de mais um erro na edição em português desse livro de Hagin. Onde se lê "corpo", leia-se "espírito" (nota do tradutor).

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de Satanás, nossa abordagem em relação à cura também precisa ser espiritual.

O pressuposto de que o homem é basicamente um ser espiritual com acesso às forças espirituais que regem o mundo material é o que também se encontra por trás das regras e métodos da confissão positiva. Por causa de nossa natureza espiritual, nossa confissão cria a realidade espiritual que, por sua vez, controla o mundo físico. Isso atua em duas direções. Se duvidamos e, desse modo, fazemos uma confissão negativa, o bem que desejamos se perde. Se nos mantemos firmes e negamos todos os sinais físicos que parecem contrariar nosso desejo, recebemos aquilo que pedimos. Assim, tanto o medo quanto a fé criam realidades. A verdade nua e crua é que o fator determinante daquilo que acontece na vida da pessoa que crê não é tanto a decisão de um Deus soberano, mas o tipo de atitude que temos diante de nossa posição no mundo. Esse dualismo representa a estrutura básica da cosmovisão de Hagin. Tendo-o observado em seus aspectos essenciais, estamos prontos para apresentar uma resposta. Nesse ponto devemos justificar nossos limites. A análise de qualquer cosmologia é uma questão muito ampla e poderia facilmente envolver um manuscrito inteiro em sua discussão plena. O propósito aqui é mais modesto. Tentaremos observar três ou quatro pontos centrais que, pela Bíblia ou pelo senso comum, surgem de imediato contra a cosmologia da prosperidade.

Em primeiro lugar, Hagin está dentro dos limites da Bíblia, quando diz que a natureza humana consiste de corpo, alma e espírito (1 Ts 5.23). Mas ele erra ao deixar de observar que, na Bíblia, os três são concebidos como um elemento. Gênesis chama o homem de "alma vivente", que recebeu vida a partir da combinação do pó da terra com o sopro de Deus (Gn 2.7). Aqui,

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a figura do pó e do sopro divino ilustra tanto o aspecto físico como o espiritual do ser humano (Delitzsch). O homem não é apenas pó, a matéria, ou apenas sopro, o espírito. Ele é uma criação de Deus distinta, pois matéria e espírito aparecem juntos para formar uma unidade permanente. Isso é afirmado em muitas promessas da Bíblia quanto à ressurreição dos mortos (Mt 22.30; Jo 11.25; 1 Co 15.42). Exatamente essa crença é que foi motivo de zombaria por parte dos gregos que ouviram a pregação de Paulo no Areópago (At 17.32). Eles também acreditavam que o homem era de natureza essencialmente espiritual e que o corpo era apenas um invólucro. Mas a Bíblia ensina que o homem não é um espírito que espera ser libertado do corpo. Não apenas a promessa de ressurreição dos mortos, mas também a de glorificação de nossos corpos (Rm 8.30; 1 Co 15.35ss.) certificam-nos de que nossa unidade de matéria e espírito em um único ser continuará a existir na vida por vir.

Portanto, é errado dividir a natureza humana em três aspectos separados, como se o homem fosse três coisas distintas e coladas numa unidade desigual. Também não se pode dizer que o espírito é a sede de nosso ser e a única parte que se relaciona com Deus. Além disso, é errado dizer que a alma é a base de nossas faculdades emocionais e intelectuais e, pior ainda, que o corpo é simplesmente um invólucro ou aparência externa que nos permite ter sentimentos e nos movimentar no mundo material. De fato, com todos nossos avanços, hoje sabemos quase nada sobre o ser chamado homem. Não conhecemos a natureza da distinção entre espírito, alma e corpo, se é que ela existe. Não sabemos nem como estão inter-relacionados. Não podemos nem dizer onde um começa e o outro termina ou quais são as funções específicas de cada um. Sabemos que todos os processos mentais têm um lado físico e outro espiritual, todos profundamente interligados. Em

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tudo isso, seguimos o que a Bíblia ensina e por meio dela estabelecemos os limites até onde podemos ir.

Uma coisa é clara: a cosmologia cristã não é dualista, pois crê num Deus único que criou o mundo e tudo o que nele há. Portanto, espírito e matéria não são dois princípios opostos, mas eles se unem debaixo de um Deus que está acima de tudo. Isso nos leva a nosso segundo ponto: o espírito não é superior ao corpo de alguma forma que negue a posição vital tanto do elemento espiritual quanto do material. A Bíblia não admite qualquer dualismo entre mente/corpo que separe o corpo e o espírito, tornando este superior àquele. O corpo tem um lugar importantíssimo nas coisas espirituais. Isso pode ser contemplado na encarnação e na expiação, ambas de natureza física e a mais sublime revelação de Deus. João diz que "o Verbo se fez carne" (Jo 1.14) e que os apóstolos tocaram com as mãos o "Verbo da vida" (1 Jo 1.1). Paulo afirma que em Jesus "habita corporalmente toda a plenitude da Divindade" (Cl 2.9) e, junto com Pedro, mostra que fomos reconciliados por meio de seu corpo e de seu sangue (Cl 1.22; 1 Pe 1.19).

Em sua crença de que o espírito é completamente superior ao físico e de que somente ele constitui a parte essencialmente humana do homem, Hagin está à beira de ensinar que só o espírito será salvo. Contra tais opiniões, a Bíblia afirma que a salvação é tanto física quanto espiritual. Na verdade, o Novo Testamento dá certo destaque ao lado físico da redenção, dizendo que somos salvos "pelo sangue" de Cristo (Cl 1.20) e que somos reconciliados com Deus "no corpo da sua carne, mediante a sua morte" (Cl 1.22). Portanto, desvalorizar os aspectos físico e mental do ser humano é uma atitude contrária à visão cristã da salvação e causa danos à espiritualidade cristã, a qual envolve

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corpo e alma em todos os aspectos da salvação e do serviço a Deus.

Em terceiro lugar, a espiritualidade hierárquica de Hagin (a idéia de que o espírito é superior à alma e de que esta se encontra acima do corpo) implica que a natureza da realidade espiritual é panteísta, pois baseia-se no pressuposto, que ele não tem medo de afirmar, de que a natureza do homem é do mesmo tipo da de Deus. Isso tem de ser negado da maneira mais firme possível. O espírito do homem não é divino, porque salvação não é deificação. O homem redimido continua sendo homem e não Deus (Ef 2.10). O homem sem salvação não é um demônio, nem o homem restaurado é Deus. Sempre que falamos da natureza do Espírito, devemos tomar cuidado, pois aqui há mistérios profundos que não conhecemos. Partilhamos do Espírito de Deus, mas não somos idênticos a esse Espírito. Ensinar que fazemos parte de um Espírito é panteísmo, não cristianismo.

Em último lugar, antes de passarmos a considerar o dualismo epistemológico de Hagin, ou seja, de que existem dois tipos de conhecimento, precisamos fazer a observação de que o evangelho da prosperidade contém uma ironia profundamente encravada em seu sistema. Por um lado, ele afirma que o cristianismo tradicional é por demais espiritualizado, pois não dá atenção suficiente à vida que vivemos agora e não ensina que as bênçãos materiais de saúde e prosperidade encontram-se hoje à disposição de quem crê. Por outro lado, a doutrina da prosperidade ensina que a parte mais importante da realidade é de natureza espiritual e que tudo aquilo que é essencialmente verdadeiro nos ensinamentos do cristianismo é recebido pelo espírito humano, não pela mente ou pela alma. Isto é uma ironia, pois parece conter princípios opostos sem reconhecer a contradição entre

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eles. Qualquer sistema teológico ou filosófico tem o direito de conter elementos paradoxais ou dialéticos, desde que sejam declarados e admitidos. Mas ironia dessa espécie é destrutiva. Ela fica encravada no sistema, feito uma rachadura no alicerce, esperando ser encontrada como sinal de que o próprio sistema está condenado.

2. O Dualismo no Conhecimento Conceitos hierárquicos da natureza humana são quase sempre acompanhados por uma hierarquia equivalente no campo do conhecimento humano, e a doutrina da prosperidade não constitui exceção. Assim como o universo se divide em duas partes, uma espiritual e outra física, sendo a primeira superior, também o conhecimento apresenta a mesma divisão. Existe um conhecimento superior, o espiritual, e outro inferior, o físico. O primeiro é chamado de "verdade revelacional", enquanto o inferior é chamado de "conhecimento dos sentidos" (Paz, 9). Como o leitor poderia prever, Hagin ensina que somente o lado espiritual do homem pode ter percepção do conhecimento mais elevado. A mente não tem capacidade de perceber ou entender as coisas do espírito nem qualquer outra coisa que tenha a ver com conhecimento de revelação do mundo espiritual (Crescendo, 107).

Um corolário desse conceito de dois níveis do conhecimento é a rejeição da razão humana em matéria de fé. Uma vez que o conhecimento de revelação é de natureza espiritual, ele não pode ser julgado meramente pela razão. Ele somente pode ser seguido pela fé:

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Não podemos entender coisas espirituais com nossa mente natural... A Palavra de Deus foi dada pelo Espírito de Deus... É por isso que a mente natural não pode entender a Palavra de Deus. A Bíblia pode ser entendida somente com o coração. Precisamos receber a revelação dela em nosso espírito". (Espírito, 7; veja também Crescimento, 59.)

Sua mente natural não pode aceitar as coisas do Espírito de Deus. São discernidas espiritualmente. (Nome, 108).

Por outro lado, a forma inferior de conhecimento conferida pelos cinco sentidos físicos não deixa de ter valor para a vida humana, porque é o conhecimento científico do mundo que inclui todas as coisas envolvidas na razão humana e nas funções normais da mente. É claro, esse aspecto inferior do conhecimento do homem limita-se àquilo que nossos sentidos podem perceber nesse mundo e fica aquém de qualquer capacidade de reconhecer coisas espirituais. Por meio do raciocínio, não podemos entender a Bíblia nem perceber a direção de Deus.

Com a nossa mente, não compreendemos a Bíblia. Ela é compreendida espiritualmente. Nós a compreendemos com nosso espírito, ou nosso coração... Crer com o coração significa crer independentemente daquilo que nosso corpo físico nos diz, ou que nossos sentimentos indicam... (Limiares, 39, 40.)

Seu espírito sabe coisas que sua cabeça não sabe. Porque o Espírito Santo está no seu espírito. (Dirigido, 65.)

O Espírito Santo, que habita em nosso espírito, deve comunicar-Se conosco mediante o nosso espírito — e não

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através da nossa mente. É por isso que seu espírito conhece coisas que sua cabeça não sabe. (Dirigido, 125.)

À guisa de resposta, o leitor observará, em primeiro lugar, que a separação que Hagin faz do conhecimento em dois níveis funciona como uma espada de dois gumes em seu sistema. As duas faces são igualmente afiadas. Por um lado, mediante o conhecimento de revelação, Hagin afirma receber e ensinar somente o conhecimento verdadeiro do mundo espiritual. Por outro lado, ele é capaz de negar o valor de qualquer argumento que seja levantado contra ele, rotulando-o de conhecimento inferior baseado simplesmente na razão humana. Não há crítica contra seus ensinos que não seja rotulada de conhecimento sensorial. Esse é o argumento que Hagin levanta contra teólogos que se opõem ao evangelho da saúde e da prosperidade. Eles tentaram entender Deus e a Bíblia fazendo uso da mente e, por isso, cometeram erros.

Quando a razão toma o lugar do milagroso, o Cristianismo perde a sua virilidade, o seu fascínio, e a sua capacidade de dar frutos... A Igreja nunca foi erguida dos seus tropeços pelos grandes mestres filosóficos, mas por leigos humildes que têm tido uma nova visão de Cristo... (Nome, 106.)

Há vezes em que ele acusa seus opositores de não estarem caminhando pela fé. Mas o significado é o mesmo: eles estão seguindo uma forma de conhecimento inferior e menos espiritual.

Devemos andar por fé, e não pelo que vemos (2 Co 5.7). A vista nunca chama as coisas que não são como se já fossem. Andar pelo que vemos significa andar segundo a razão. A

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razão nunca chama as coisas que não são como se já fossem. (Perdida, 91,)

Esse tipo de argumento nega qualquer campo comum sobre o qual possamos discutir teologia com Hagin. Suas afirmações sempre são completa e automaticamente verdadeiras, pois se baseiam no conhecimento de revelação. Afirmações contrárias são sempre falsas e carentes de elemento espiritual, pois têm como base o conhecimento sensorial. Pelas regras desse jogo, não há ponto de contato nem apelação. Trata-se de um sistema fechado em si mesmo que deve ser aceito ou abandonado.

Em segundo lugar e intimamente relacionado com o ponto acima, a distinção que Hagin faz entre duas espécies de conhecimento é de natureza fideísta, isto é, rejeita o uso da razão em matéria de fé. Isso significa que seus ensinos são baseados apenas na fé e no conhecimento de revelação e não são apoiados pela razão, pela evidência sensorial ou pela história. Segundo essa opinião, não existe simplesmente nenhum valor em qualquer tipo de raciocínio filosófico, teológico ou científico. A razão nunca será capaz de nos ajudar a ter fé ou de entendê-la melhor. A primeira conseqüência dessa posição é que o conhecimento de Deus e irracional ou, como diz Hagin, espiritual. Essa visão força o cristão a ficar suspenso no ar, aparentemente sem apoio de qualquer tipo que não seja aquele fornecido pelas alegações de sinais e maravilhas. Claro, esta conclusão é muito conveniente para qualquer pessoa que alegue operar maravilhas como única portadora do conhecimento de revelação.

Entretanto, a Bíblia nega todos esses argumentos contra o valor da razão humana (Pieratt, 1992). Ela não ensina nem que a razão é inimiga da fé nem que Deus é um ser irracional que não pode

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ser compreendido por nossa mente. Em vez disso, ela declara que nossa mente foi feita para conhecer a Deus e gozá-lo para sempre. O grande shema em Deuteronômio 6.5 diz: "Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força". Jesus alterou-o levemente em sua citação, dizendo: "Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força (Mc 12.30). Pedro diz que devemos cingir nosso entendimento para a ação (1 Pe 1.13). Paulo fez questão de arrazoar com os judeus para convencê-los a crerem em Cristo (At 17.2) e escreveu aos colossenses: "Pensai nas coisas lá do alto" (3.2). Tiago diz que a sabedoria divina é "cheia de pensamentos misericordiosos" (Tg 3.17, Phillips, 1.993). No Antigo Testamento, Provérbios recomenda que busquemos a sabedoria, e o profeta Isaías cita o convite de Deus, dizendo: "Vinde, pois, e arrazoemos" (Is 1.18). John Stott escreve, resumindo o ponto de vista bíblico:

O conhecimento é indispensável para a vida e o serviço cristãos. Se não fazemos uso da mente que Deus nos deu, condenamo-nos à superficialidade espiritual e abrimos mão de muitas riquezas da graça de Deus. Ao mesmo tempo, o conhecimento nos é dado para ser usado, para nos conduzir a uma adoração mais sublime, a uma fé maior, a uma santidade mais profunda a um serviço de melhor qualidade. Precisamos não de menos conhecimento e, sim, de mais conhecimento, enquanto o estivermos aplicando. (Stott, 1978, 60.)

Em terceiro lugar, à semelhança do dualismo entre o espírito e a mente observado na última divisão, também aqui vemos outra vez semelhanças entre o pensamento de Hagin e os dos gnósticos

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e das religiões de mistério do segundo e terceiro séculos (Bultmann, 1964). Ambos davam um lugar importante para o conhecimento espiritual secreto ou mais elevado. Com efeito, o termo "gnóstico" vem da palavra grega "gnosis", que significa conhecimento. Como os gnósticos, Hagin ensina que hoje também existe um conhecimento secreto ou mais elevado à disposição do fiel que o aceite. Tal conhecimento não apenas se encontra à disposição, mas é necessário para aqueles que querem receber a plenitude das promessas do reino. Os gnósticos declaravam que todos os que possuíam esse conhecimento espiritual mais elevado formavam uma classe especial de pessoas. De modo semelhante, as afirmações que Hagin faz de conhecimento de revelação colocam suas visões e interpretações numa categoria de conhecimento superior e isolada. Essa idéia, a princípio, exerce atração, porque todos nós queremos ter orientação segura na vida. Mas, uma vez que se aceite o dualismo, não há mais regras que limitam nem critérios pelos quais as afirmações verdadeiras possam ser diferenciadas das falsas. Quem aceita que alguns profetas de hoje possuem conhecimento especial não tem como verificar ou julgar seus ensinos ou os de qualquer pessoa ou grupo que apareça, dizendo saber mais coisas sobre Deus. Por exemplo, como Hagin argumentará contra um profeta que surja daqui a cinco anos dizendo que também recebeu visões de Jesus, o qual lhe ensinou algo completamente diferente e, é lógico, muito melhor do que a doutrina da prosperidade? Por isso o protestantismo tem sempre se mantido firme contra supostas revelações fora da Bíblia. Hagin não parece ter consciência do fato de sua distinção entre conhecimento sensorial e de revelação causar o surgimento de uma classe de profetas autonomeados que interpretam a Bíblia e a vontade de Deus para os leigos. Nesse ponto, as alegações de revelação especial ou de orientação divina feitas por Hagin

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colocam-se em oposição direta aos reformadores, os quais insistiam em dizer que o conhecimento de Deus deve se limitar à Bíblia e está à disposição de todos os cristãos para ser estudado e crido.

Por fim, encerramos essa discussão, observando que o argumento de Hagin simplesmente não faz sentido. Analise como um todo as afirmações que ele faz quanto ao conhecimento. Ele nega o valor de qualquer tipo de raciocínio ou argumento contra a revelação e também nega à mente qualquer papel na percepção da realidade espiritual. Mas, sem nossa razão e nossos sentidos, como entendemos ou conhecemos qualquer coisa que seja sobre Deus e seu reino? Veja por um momento algo que tomamos por certo ao ler a Bíblia. Como isso pode ser feito, sem nossos olhos e sem a capacidade que a mente tem de interpretar o que vemos? Como poderíamos sequer perceber ou entender o que lemos? Como, então, nosso espírito poderia ser tocado com os ensinos da Bíblia? A mesma linha de questionamento estende-se a cada área da racionalidade humana. Sem a lógica, como ordenamos nossos pensamentos para orar ou pregar? Sem o uso da mente, que processos mentais existem que nos permitam pensar em Deus e contemplar as coisas do reino ou mesmo decorar versículos? Hagin é incoerente nesse ponto também, pois seus próprios livros demonstram ordem e, portanto, lógica. A divisão que ele faz do conhecimento humano, atribuindo-lhe aspectos superiores e aspectos inferiores, simplesmente não funciona.

2.1 A Orientação Espiritual

Este é o local apropriado para fazermos uma digressão momentânea e analisar a orientação espiritual, pois ela faz parte do tema mais amplo do conhecimento propriamente dito. Muita

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coisa que se diz hoje nos púlpitos da prosperidade sobre a orientação do Espírito baseia-se no dualismo entre raciocínio espiritual e atividade mental normal. Hagin, por exemplo, alega que todos os cristãos podem receber visões e ser guiados pelo Espírito, por meio da voz interior. "Vamos aprender que Deus orienta todos os Seus filhos, primariamente, por um testemunho interior" (Dirigido, 46). Ele não hesita em dizer que essa voz interior é um guia totalmente confiável.

A sua consciência e um guia seguro? Sim, se o seu espírito se tornou novo homem em Cristo. Porque a sua consciência é a voz do seu espírito... se seu espírito é um novo homem que tem nele a Vida e a Natureza de Deus, é um guia seguro. (Dirigido, 51.)

A maior alegação que se pode fazer a favor da luz e direção interiores é aquela que diz que os estímulos e impressões da mente do cristão são idênticos à voz do Espírito de Deus.

Crucial para uma opinião dessas é o pressuposto de que o espírito humano não está corrompido. Quaisquer que sejam as condições das partes física e mental, sua natureza espiritual está de acordo com Deus. Hagin ensina exatamente isso:

O nosso espírito torna-se criatura totalmente nova em Cristo Jesus. Nossa alma, no entanto, pode ser renovada ou restaurada... (Dirigido, 23.)

Não é o homem interior do cristão que quer praticar o mal — é o homem exterior. Você deve saber distinguir se é a carne que quer fazer alguma coisa, ou o espírito. (Dirigido, 95.)

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O espírito do homem é a parte do homem que nasce de novo. É a parte do homem que recebe a Vida Eterna, que é a Natureza e a Vida de Deus... Não é a alma que nasce de novo. A salvação da alma é um processo. (Dirigido, 21.)

Meu espírito não me dirá alguma coisa errada. Tem nele a Natureza de Deus, a Vida de Deus, o Amor de Deus e o Espírito de Deus... Tudo quanto seu espírito lhe disser será certo. (Dirigido, 97; veja também Espírito, 29.)

Mas como o cristão pode saber se a voz interior que ele ouve é verdadeiramente o Espírito de Deus? Não poderia ser aquela a voz de sua natureza inferior e não completamente redimida? Hagin responde, dizendo que, para o cristão, não se faz necessária nenhuma distinção entre seu espírito e a orientação direta do Espírito de Deus.

Alguém poderia perguntar: "Como posso perceber se é o meu próprio espírito, ou o Espírito Santo que está me mandando fazer alguma coisa? O espírito do homem é a lâmpada do Senhor. "Mas pode ser apenas o próprio-eu querendo fazer algo." Defina seus termos. Se com o "próprio-eu" você quiser dizer a carne, é lógico que nem sempre pode obedecer a carne. Mas se com o "próprio-eu" você quiser dizer o homem interior, o verdadeiro eu então está tudo bem. Vá adiante e faça o que ele quer que você faça. Se o seu espírito é nova criatura em Cristo... não vai mandar que você faça algo que não está certo. (Dirigido, 95; veja também 33, 47, 81, 100; Limiares, 110; Crescimento, 61.)

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No capítulo dois vimos histórias que Hagin conta sobre pessoas que obedeceram à voz interior e ficaram ricas. Ele atribui seu grande sucesso no ministério à sua prontidão em seguir a voz interior e incentiva outros a fazerem o mesmo. Ele conta o episódio em que perguntou a um amigo, "um ministro muito bem-sucedido", a causa do sucesso dele, tendo recebido a seguinte resposta: "Sempre sigo as minhas premonições mais profundas". Hagin explica isso com as seguintes palavras:

O que [ele) queria dizer? Estava simplesmente dizendo: "Sempre escuto o meu espírito. Faço o que o meu espírito me manda fazer. Sigo aquele testemunho interior." O testemunho interior é tão sobrenatural quanto a orientação mediante visões, etc.; só que não é tão espetacular. (Dirigido, 35.)

A idéia de que a consciência do cristão é um guia seguro para a verdade e na tomada de decisões é muito popular nos dias de hoje, mas, é claro, este não é o ponto de vista da Bíblia. Em primeiro lugar, a Bíblia diz que a natureza do homem e decaída: corpo, alma e espírito. Portanto, nem o coração nem o sentimento revelam-se totalmente confiáveis. De todas as passagens na Bíblia que advertem contra os caprichos do coração humano, Jeremias 17.9 é a que dá a expressão mais sucinta a isso, em forma de pergunta retórica: "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?" A pergunta de Jeremias continua válida nos dias de hoje. Como podemos distinguir entre a orientação do Espírito de Deus e as impressões do coração humano, as quais variam do sublime ao ridículo?

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A resposta não é fácil, pois precisamos colocar um pouco de confiança na capacidade de raciocínio de nossa mente e garantir o lugar essencial dos sentimentos, atuando junto com a fé, para contemplarmos o reino de Deus. O problema aparece quando as pessoas supervalorizam os sentimentos e deixam de diferenciá-los dos impulsos que realmente procedem do Espírito. A adoração vigorosa, seja na igreja ou em particular, sempre desperta emoções e, em algumas pessoas, estimula em suas mentes a percepção de visões de todos os tipos. Em certos casos essas impressões são tão reais que parece que a pessoa foi levada ao céu e discutiu alguns assuntos com o próprio Senhor. Nem sempre é preciso atribuir isso ao diabo. Contudo, não há necessidade de supor que essas visões têm a mesma natureza das visões de Paulo ou dos profetas. A natureza humana, debaixo de emoções intensas, especialmente aquelas provocadas pela adoração a Deus, pelo arrependimento de pecados ou por pedidos de oração ansiosamente desejados é tudo que se precisa para explicar esses fenômenos. O mesmo se aplica às impressões e orientações de todos os tipos.

Em segundo lugar, aquilo que sentimos ser verdade nem sempre está de acordo com a verdade. Isso vale principalmente para a esfera das emoções. Os sentimentos isolados dificilmente constituem um guia seguro para qualquer escolha importante na vida. William James foi um famoso psicólogo e estudioso das religiões mundiais que viveu no início do século XX. Depois de estudar durante toda a sua vida a experiência religiosa, ele escreveu o seguinte sobre a orientação do espírito:

Aquilo que de imediato parece o "melhor" nem sempre é mais "verdadeiro", quando avaliado pelo veredicto do resto da experiência. Isso é provado pelo exemplo clássico da

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diferença entre o Filipe bêbado e o Filipe sóbrio. Se simplesmente "sentir-se bem" fosse o critério para a decisão, a embriaguez seria a experiência humana de valor supremo. Mas suas revelações, por mais satisfatórias que se mostrem no momento, são inseridas num ambiente que se recusa a corroborá-las por qualquer período de tempo. A conseqüência dessa discrepância dos dois critérios é a incerteza que ainda prevalece sobre tantos de nossos julgamentos espirituais. Há momentos de experiência mística e sentimental... que, quando surgem, trazem junto um enorme sentimento de autoridade e iluminação interiores. Mas eles raramente acontecem e não acontecem para todos; e o restante da vida ou se desliga deles ou tende a contradizê-los mais do que confirmá-los. (James, 1902, 17.)

Resumindo, sentimentos vêm e vão e raramente têm alguma ligação firme com a realidade, especialmente a do lado espiritual da vida. Portanto, não devemos segui-los ingenuamente, sem reflexão cuidadosa, como se fossem auto-suficientes para nos orientar em alguma decisão importante.

Em terceiro lugar, um erro muito comum entre os cristãos é pensar que um sinal ou maravilha, ou mesmo uma orientação espiritual, vem sempre de Deus e de seu Espírito. Quase nunca o conteúdo de um sinal ou ato poderoso nos informa sua origem. Não há nenhuma ligação visível entre o milagre ou a orientação e o espírito que lhe deu origem, seja ele humano, satânico ou divino. Se houvesse, não aconteceriam enganos na esfera espiritual nem haveria necessidade de testar os espíritos, segundo João avisa (1 Jo 4.1).

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Em outras palavras, os seres humanos deixam-se enganar facilmente pelas aparências. Na Bíblia, essa ingenuidade sobre a verdade espiritual é vista atuando nas duas direções. Por um lado, há muitos exemplos de pessoas que seguiram deuses estranhos e seus profetas que, sem dúvida, operavam sinais e maravilhas para convencer os outros quanto às suas alegações. Essas maravilhas eram erroneamente aceitas como prova suficiente de que o profeta era um legítimo representante de Deus. Por outro lado, os fariseus que viram Jesus curar o braço atrofiado de um homem não foram capazes de admitir que aquilo era um sinal verdadeiro da presença do Filho de Deus (Mc 3.1-6). No final, acabaram atribuindo o poder de operar maravilhas ao diabo (Mc 3.22). Só podemos concluir que o aspecto externo do milagre não traz consigo nenhum sinal confiável da fonte de seu poder.

Por essa razão, o engano espiritual é um tema importante na Bíblia. Jesus avisou que, nos últimos dias, surgiriam falsos cristos e falsos profetas fazendo grandes sinais e maravilhas (Mt 24.24; veja também 2 Ts 2.9-10; Ap 13.13). Paulo disse que nossa mente é obscurecida por Satanás (2 Co 4.4; Tt 3.3; Hb 3.13). Uma falha séria da doutrina da prosperidade está em não reconhecer Satanás como um enganador conceptual. Ouve-se muito sobre o poder que Satanás tem para reter as bênçãos na área de finanças e causar enfermidades e doenças, mas a obra que ele realiza não pode se limitar somente a isso. O poder de Satanás também se estende às doutrinas, fazendo com que aquilo que é falso pareça verdadeiro e vice-versa. Apesar de todo o destaque que o ensino da prosperidade confere a Satanás como fonte do mal, não se menciona sequer uma palavra de advertência contra o engano no campo dos ensinos e das visões.

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Portanto, é melhor ter muita precaução em assuntos de orientação espiritual. Só porque uma pessoa é influenciada por impressões na mente, isso não quer dizer que a fonte delas seja o Espírito Santo. Há muitos espíritos falsos que influenciam a mente das pessoas. Além disso, algumas têm sentimentos fortes e personalidades sensíveis, revelando-se mais susceptíveis a impressões de vários tipos, tanto temporais quanto espirituais. Assim como alguém que dorme tem sonhos dos quais não é o autor consciente, muitas pessoas, de forma semelhante, são objetos de impressões involuntárias mesmo quando estão acordadas. Também é possível que a pessoa receba impressões na mente a partir da influência comum do Espírito de Deus sobre a humanidade (Hb 6.4, 5). Muitas pessoas referidas pela Bíblia foram iluminadas e tiveram experiências com o Espírito, mas, mesmo assim, continuaram estranhas às coisas que acompanham a salvação. A conclusão a que chegamos é esta: deve-se usar de muita precaução quando se segue a orientação interior de alguém, mesmo que seja a nossa ou a de algum profeta de Deus autonomeado.

3. O Dualismo na Salvação Deixamos agora as opiniões dualistas de Hagin sobre a natureza humana e acerca do conhecimento para olharmos sua compreensão da expiação de Cristo na cruz. Nesse ponto, em vista de suas pressuposições dualistas, Hagin ensina de forma coerente que, pelo fato de a natureza humana ser basicamente espiritual, a expiação também teve um aspecto espiritual. O sofrimento físico de Cristo podia fazer expiação por nossa natureza física, mas nosso espírito precisava de algo mais. A conclusão é de que Jesus morreu duas vezes, uma fisicamente e

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outra espiritualmente. Afirma-se que isso aconteceu em duas etapas. Primeira, Cristo sofreu e teve a morte física na cruz. Então, ele desceu para o inferno, onde sofreu e morreu espiritualmente.

O apoio exegético para a "morte dupla" de Cristo encontra-se em Isaías 53.9, onde se diz que "designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte". Observa-se que, nesse versículo, a palavra hebraica equivalente a "morte" encontra-se no plural, a partir do que se deduz que Jesus morreu duas vezes.

Uma vez que Jesus foi feito pecado por nós, Ele teve de pagar a pena do pecado. Ele teve de morrer espiritual e fisicamente, o que o levou às regiões dos condenados... Isaías 53.9 afirma: "designaram-lhe a sepultura com os perversos... com o rico... na sua morte"... A palavra "morte" no original hebraico está literalmente no plural. Jesus passou por duas mortes. Ele morreu física e espiritualmente. Ao ser feito pecado, ele foi separado de Deus... Jesus passou três dias e três noites horríveis nas entranhas dessa terra, readquirindo os direitos e a autoridade dos homens, ao pagar o preço do pecado humano. (Copeland, 1983, 35.)

Além disso, Cristo não somente morreu duas vezes, mas sua natureza foi transformada na natureza de Satanás. Realmente aconteceram duas transformações. A ordem é esta: primeiro, Jesus foi para a cruz com sua natureza divina intacta. Depois, na hora em que ele pergunta a Deus por que o havia desamparado, ele assumiu a natureza satânica, a mesma do homem decaído. Por fim, depois que a expiação estava encerrada tanto no aspecto

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físico quanto espiritual, a natureza divina de Jesus lhe foi restaurada. Hagin chega a essa conclusão em seus comentários sobre Atos 13.33 e pela frase "hoje eu te gerei".

Por que precisava de ser gerado, ou de nascer? Porque Se tornou como nós éramos; separado de Deus. Porque provou a morte espiritual por todos os homens, Seu espírito, Seu homem interior, foi para o inferno em nosso lugar... A morte física não removeria os nossos pecados. Provou a morte por todo homem — a morte espiritual... A morte

espiritual significa ter a natureza de Satanás... Lá embaixo na masmorra do sofrimento — lá nos fundos do próprio inferno — Jesus satisfez as reivindicações da Justiça para todos nós. (Nome, 25, 26, 28.)

A conclusão de Hagin é de que Jesus foi o primeiro a nascer de novo, e todos os que crêem passam pelo mesmo processo de transformação das naturezas.

Em resposta a isso, observamos primeiramente que em nenhum lugar a Bíblia faz qualquer insinuação de que Jesus sofreu depois de morrer na cruz. Um estudioso da Bíblia muito cuidadoso estudou a seqüência dos eventos na cruz e chegou a conclusões muito diferentes das de Hagin. Estudando as palavras de Jesus, ele observa que apenas alguns momentos depois do grito de abandono do Senhor, "meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste", é que foram ouvidas as palavras "tenho sede". Isso parece indicar que havia chegado um momento crítico. A sensação de abandono espiritual e a agonia parecem ter chegado ao fim, e as palavras de Jesus indicam que ele havia voltado sua atenção para as necessidades físicas. Se esta interpretação é a

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correta, ela mostra que o sofrimento verdadeiro havia terminado. Edersheim escreve o seguinte:

É provável que, depois do grito do salmo 22, que marcou o auge de sua agonia, não tenha passado mais de um minuto ou dois, até que as palavras "tenho sede" parecem indicar, pelo predomínio do aspecto meramente humano do sofrimento, que o outro aspecto mais terrível, de carregar os pecados e do abandono de Deus, havia terminado. Portanto, para nós, esse parece o começo, se não da Vitória, pelo menos do Descanso, do Fim. (Edersheim, 607.)

Ao aceitar o vinagre, Jesus parece estar consciente de que o fim de seu sofrimento está próximo, pois então ele diz: "está consumado". Esse grito não é de desespero, mas de realização. Os outros evangelistas confirmam essa interpretação. Mateus 27.50 diz: "E Jesus, clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito". Da mesma forma, João 19.30 registra: "Quando, pois, Jesus tomou o vinagre, disse: Está consumado! E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito". Lembre-se também de que Jesus disse ao ladrão da cruz: "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso" (Lc 23.43). Essas passagens demonstram que Jesus morreu uma única vez na cruz, que isso encerrou a missão para a qual ele viera e que ele terminou sua vida com uma consciência renovada de comunhão com Deus. Nas últimas palavras de Jesus não existe lugar para a suposição de que ele sofreu depois daquilo ou de que a expiação não estava encerrada.

Em segundo lugar, a frase "morte espiritual" não é encontrada em nenhum lugar na Bíblia nem parece ser uma metáfora apropriada

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para expressar alguma coisa que acontece na esfera espiritual. Os seguintes versículos podem ser consultados: Atos 20.28; Ef 1.7; Cl 2.13-15; Hb 2.14, 15; 10.22, 23; 1 Pe 1.9; 2.24; 4.1; Ap 1.5.

Em terceiro lugar, o uso que Hagin faz de Isaías 53.9 como prova da morte dupla de Cristo não resiste ao escrutínio, Realmente esse versículo traz a palavra "morte" no plural, mas uma característica da língua hebraica é colocar no plural substantivos que devem ser destacados. Em outras palavras, o plural "mortes" confere intensidade à palavra. Na linguagem de hoje, diríamos que ele "realmente" morreu (Keil & Delitzsch, 1976).

Um pouco do ímpeto da crença de que Jesus sofreu no inferno procede da frase do Credo Atanasiano que diz que Jesus desceu ao inferno. Essa frase apareceu primeiramente em 400 A. D. e não é encontrada em nenhum credo anterior, incluindo o dos Apóstolos e o de Nicéia. Mesmo no Credo Atanasiano, as palavras no original em latim são estas: "descendit ad infernos", significando simplesmente "desceu ao mundo inferior". Uma segunda morte não é afirmada nem insinuada.

A idéia de uma morte dupla é vagamente insinuada num pequeno grupo de passagens: Salmos 16.10, 11; Atos 2.24-32; 13.34-37; Rm 10.6, 7; Ef 4.8-10; 1 Pe 3.18-20; 4.6. Entretanto, nenhum desses versículos revela clareza nesse ponto. Por outro lado, não há nenhum indício de tal coisa em 1 Coríntios 15.3-5, onde a essência do evangelho é declarada por Paulo: "Antes de tudo vos entreguei o que também recebi; que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas, e, depois, aos doze". Um estudioso bíblico perspicaz escreveu o seguinte a respeito dessa passagem:

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Paulo, ao demonstrar a humildade de Cristo em seu mais profundo nível de auto-rebaixamento, aponta para os limites da humilhação com a frase "obediente até à morte, e morte de cruz". Ele não diz "e morte espiritual" ou "e morte eterna" ou "e morte dos condenados ao inferno". Pode-se concluir com segurança que essas frases extremas não são necessárias a uma declaração correta da verdadeira doutrina, bastando que seja dito, em termos gerais, que Cristo sofreu em corpo e alma todo o sofrimento possível a um Ser santo. (Bruce, 347.)

Por último, precisamos nos opor ao ensino de Hagin de que a natureza de Cristo foi transformada na de Satanás. A passagem básica usada como apoio é 2 Coríntios 5.21, que diz: "Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós..." Afirma-se que o fato de Cristo ter sido feito pecado significa que ele assumiu a natureza satânica decaída. Uma interpretação literal dessa passagem, é claro, não faz sentido. Cristo, um ser, não poderia se tornar um pensamento, palavra ou ato contra Deus. Em vez disso, essa passagem está fazendo uso de uma figura de linguagem para expressar uma verdade espiritual. A oração "ele o fez pecado" é uma metonímia em que um elemento abstrato é empregado em lugar de uma ação concreta (Bullinger, 1968). A ação concreta está em Cristo sofrer pelo nosso pecado, e a abstração está na expressão dessa verdade por meio da frase "ele o fez pecado". Em outras palavras, Cristo foi feito pecado no sentido de ter sido divinamente apontado para sofrer as conseqüências penais de nossas transgressões. O significado de que a natureza de Jesus foi transformada em algo pecaminoso, satânico, ou de que ele de alguma forma morreu espiritualmente, não faz nenhum sentido nem a passagem o justifica gramaticalmente. A verdadeira interpretação desse texto é oferecida em Isaías 53.5: "Mas ele foi

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traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados". Cristo foi feito pecado no sentido de que levou sobre si a pena de nossos pecados. De modo semelhante, Gálatas 3.13 diz que "Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar", e isso não significa que ele tenha assumido uma natureza maldita, mas que carregou sobre si a pena de nosso pecado. A. B. Bruce diz o seguinte sobre esse aspecto da expiação:

Não obstante essa mudança, a personalidade (de Jesus) continuou a mesma. Kenosis não significa auto-extinção ou a metamorfose de um Ser Divino que se transforma num simples homem. Aquele que se esvaziou é o mesmo que se humilhou: kenosis e tapeinosis (humilhação) são dois aspectos de uma única mente que reside no mesmo sujeito (p. 22).

Também não faz sentido dizer que Cristo nasceu de novo para uma nova natureza divina. Ele é o autor do novo nascimento, não seu beneficiário (cf. Jo 1.12, 13; Gl 3.26). Ao encerrar essa discussão, vale notar que, em cada caso, seja na natureza humana, no conhecimento ou na expiação, o erro básico da doutrina da prosperidade começa com sua visão dualista do mundo. Por considerar a esfera espiritual sempre primária e mais importante, ela procura uma realidade espiritual mais profunda por trás de cada ensino. No caso da cruz. pressupõe-se que a morte física não foi suficiente para fazer a expiação pela realidade espiritual. Paulo refletiu árdua e demoradamente sobre o evento e significado da cruz, chegando à conclusão de que não somos salvos por meio de duas mortes, uma física e outra espiritual, mas pelo sangue de Cristo (Cl 1.20) ou, como ele

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afirma dois versículos à frente, somos salvos "no corpo da sua carne". Embora tenhamos verificado que Hagin não gosta de ser comparado com a Ciência Cristã, negar que o sofrimento e a morte física foram suficientes para fazer expiação pelos nossos pecados é ensinar a mesma coisa que ela também ensina. Nos dois casos, trata-se da espiritualização da obra de Jesus, impondo à Bíblia um ensino que não se encontra nem está insinuado em suas páginas.

4. O Dualismo de Deuses

Fechamos nossa análise da cosmovisão dualista dos ensinos da prosperidade, olhando para a tendência de enxergar Satanás como um deus oposto e quase igual a Jeová. Hagin diz que "Satanás é o deus deste mundo. Satanás é um deus negativo. Tudo neste mundo é negativo" (Perdida, 55.) É claro que Hagin não quer dizer que Satanás é um deus igual ao criador do mundo e, por essa razão, o leitor deve notar que estamos afirmando que a teologia da prosperidade tende apenas a enxergar Satanás como igual a Deus. Ela realmente não ensina que seja assim. Entretanto, essa é uma tendência forte e ocorre em dois sentidos distintos. Primeiro, Satanás é acusado de todos os problemas, sofrimentos e aflições na vida.

Deus não é o deus deste mundo. 2 Coríntios 4.4 chama Satanás de o deus deste mundo. E as leis que hoje governam a Terra vieram a existir, em grande medida, com a queda do homem e a maldição sobre a Terra. É porque as pessoas não entendem isso que acusam Deus de acidentes, de doenças, da morte de entes queridos, de tempestades, de catástrofes, de terremotos, e de inundações. Deus não é

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responsável por nenhuma dessas coisas, nem é autor delas. (Perdida, 9, 10.)

Kenneth Copeland, herdeiro provável de Hagin nos Estados Unidos, concorda, dizendo:

Seu inimigo não são as outras pessoas. Satanás é a fonte de todos os seus problemas. Algumas pessoas acreditam que Deus envia provas e tribulações. Mas ele forneceu as armas e a armadura que nos livram dos problemas! Satanás é o criador de problemas! Não Deus! Nem seu vizinho! Nem seu colega de trabalho! (Copeland, 1983, 22.)

Por causa de sua condição de deus deste mundo, exaltamos o diabo sempre que estamos doentes, duvidamos ou falhamos em viver uma vida vitoriosa.

Nas vidas individuais, a mesma verdade é aplicável. Muitos cristãos nascidos de novo e cheios do Espírito vivem num baixo nível de vida, vencidos pelo diabo. Na realidade, falam mais no diabo do que em qualquer outra coisa. Cada vez que contam uma desventura, exaltam o diabo. Cada vez que contam quão doentes se sentem, exaltam o diabo (ele é o autor das doenças e das enfermidades — e não Deus). Cada vez que dizem: "Parece que não vamos conseguir", exaltam o diabo. (Nome, 19.)

Até a própria morte é colocada aos pés de Satanás:

Devemos nos lembrar que a morte física não é de Deus, é do inimigo. (Autoridade, 55.)

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É o diabo quem é o autor da morte, e não Deus. (Crescimento, 43.)

Em segundo lugar, afirma-se que Satanás é a origem da natureza humana decaída. Copeland diz que quando Adão pecou, ele morreu espiritualmente e recebeu a natureza de Satanás.

Adão fez sua escolha. As conseqüências dela afetaram toda a raça humana. O homem perdeu a vida e a natureza de Deus... Desde Adão, a natureza de Satanás é passada a cada membro da raça humana. Satanás tornou-se o padrasto ilegítimo da humanidade. (Copeland, 1983, 34.)

A morte espiritual significa possuir a natureza de Satanás, assim como receber a vida eterna significa que temos em nós a natureza de Deus. Quando Adão e Eva prestaram ouvidos ao diabo... o homem passou a estar unido ao diabo... O homem é espiritualmente um filho do diabo, e participa da natureza do seu pai. (Redimidos, 29, 30; veja também Crescendo, 106.)

Até hoje, a natureza humana sem redenção continua satânica. Somente por meio da conversão o homem pode ser transformado e ocupar seu lugar de direito como participante da natureza de Deus.

Algumas pessoas acham que a vida eterna é a vida que terão quando chegarem ao céu. A vida eterna, no entanto, é algo que possuímos agora mesmo! A vida eterna é a vida de Deus. É a vida do tipo de Deus. A vida eterna é a natureza de Deus, que entra em nosso espírito para nos recriar e nos transformar em nova criatura; para transformar a nossa natureza. Então, temos dentro em nós a natureza de Deus...

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Deus é Espírito. O homem, que foi feito à imagem e semelhança de Deus, também é uma criatura espiritual. Ele está na mesma classe de existência que o próprio Deus. (Espírito, 8, 13.)

Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância (João 10.10). A palavra grega traduzida por "vida" neste versículo é zoe. Zoe é a própria vida de Deus... Já sabemos, portanto, que o homem é espírito. Sendo espírito, encontra-se na mesma categoria de Deus, porque Deus é espírito... A vida eterna que Ele me proporcionava era a sua própria natureza... A corrupção da qual escapamos é a morte espiritual; é a natureza satânica. Agora, porém, tornamo-nos participantes da natureza divina: a vida de Deus está em nós... aprendemos que a vida eterna é a natureza de Deus; e, que se tomar filho de Deus significa participar da natureza divina e da vida eterna. Quando recebemos a vida eterna, a natureza satânica retira-se de nós. (Zoe, 9, 15, 28, 39, 40.)

Como resposta, devemos dizer, em primeiro lugar, que Satanás é poderoso, mas ele não é igual a Deus nem o senhor intocável da morte e destruição. Houve vezes em que Satanás recebeu poder para matar as pessoas. Mas ele não é a origem da morte nem pode exercer seu poder à toa. Se assim fosse, há muito tempo ele teria destruído toda a raça humana. Pelo contrário, a Bíblia é clara em afirmar que somente Deus é a origem da morte, a qual é a punição pelo pecado (Gn 3; Rm 5). Jesus advertiu seus discípulos para que não temessem o mal mas somente a Deus, que tem poder sobre a morte e o inferno (Lc 12.5). No fim, Deus se revelará Senhor sobre a morte e sobre o diabo, e ambos serão destruídos (Ap 20).

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Em segundo lugar, a doutrina da prosperidade acusa Satanás de todos os problemas do mundo, desde dores de cabeças, divórcio, imoralidade, até desemprego. Culpar os outros por nossos problemas é conveniente, pois reduz nossa responsabilidade. Essa atitude também é emocionalmente satisfatória, porque, quando se responsabiliza Satanás, reconhece-se a existência da culpa, mas a responsabilidade é retirada. Mas a Bíblia sempre coloca sobre o homem a responsabilidade pelo pecado e pela maldade. Adão e Eva escolheram livremente o mal, e todos nós os acompanhamos nessa escolha. Além disso, não precisamos do diabo para explicar muito daquilo que está errado na vida. Basta olharmos para dentro de nós, para nossa natureza pecaminosa, fonte de tantos problemas no mundo.

Em terceiro lugar, a Bíblia ensina que Deus detém o controle soberano sobre aquilo que Satanás pode fazer. A história de Jó revela isso da maneira mais clara possível. Vemos ali o poder de Satanás sobre o homem, para ferir e matar e, ainda assim, fica evidente que ele não podia fazer nada sem a permissão de Deus. O diabo oprime (Jó 1.2; 2.6, 7; Lc 13.16; At 10.38), mas somente na medida em que recebe permissão divina. Às vezes, Deus lhe dá autoridade para matar, mas isso não é um direito absoluto dele. O próprio Satanás é um ser finito, criado pela vontade de Deus e, portanto, como todas as outras criaturas, deve sua existência ao próprio Deus (Ez 28.15). Somente Deus é auto-existente. Isso significa que a idéia de que o homem participa de duas naturezas, satânica e divina, é pura fantasia e está duplamente errada. Por um lado, isso exigiria que Satanás tivesse poderes para criar por si próprio, como se fosse Deus e não uma criatura que lhe deve sua existência. Em lugar disso, a Bíblia é muito clara em afirmar que a natureza humana teve sua origem em Deus, criada à imagem dele, e essa imagem permanece

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mesmo depois da queda (Gn 9.6). A imagem foi danificada pelo pecado de Adão, mas não erradicada. Calvino disse que, depois da queda, a imagem de Deus estilhaçou-se no homem, à semelhança de um espelho quebrado. Mas, mesmo assim, o reflexo de Deus pode ser visto numa imagem distorcida dentro do homem (Calvino, 1985). Se a imagem de Deus tivesse sido substituída por uma natureza satânica, não haveria qualquer reflexo dela. Pelo contrário, restaria apenas uma pequena diferença entre os homens e os demônios. Em nenhum lugar a Bíblia insinua que a natureza humana seja semelhante à dos anjos, sejam eles divinos ou decaídos.

Por outro lado, a natureza do homem restaurado pela redenção não é divina. Salvação não é deificação. Em Cristo seremos restaurados a tudo que se pretendia que Adão fosse (1 Co 11.7), mas, mesmo glorificados na presença de Deus, continuamos sendo criaturas (2 Co 5.17), não pequenos deuses em desenvolvimento, conforme crêem os mórmons. Em Cristo, o que é restaurado no homem é a imagem de Deus, não o próprio Deus. O novo homem em Cristo continua sendo humano (Ef 2.10). Por fim, como observamos acima, a experiência de Cristo não é um padrão para a nossa, pois Cristo assumiu nossa natureza, mas nós não assumimos a dele.

Como comentário final nessa divisão, observaremos uma segunda ironia profundamente arraigada na doutrina da prosperidade, desta vez sobre o poder e posição de Satanás. Por um lado, ele é acusado de tudo que dá errado na vida. Parece que seu poder e influência não têm limites. Ele é tanto o deus deste mundo como a origem da natureza humana decaída. Por outro lado, apesar do enorme poder de Satanás, afirma-se que é fácil remover sua influência da vida daquele que crê. Este é o alicerce

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emocional de muita coisa que se prega nas igrejas da prosperidade. Dentro de um ambiente de grande espetáculo, o diabo é expulso e recebe ordens para sair, presumindo-se assim que os problemas da vida do indivíduo estão resolvidos. Observe como Hagin, citando as palavras de E. W. Kenyon, torna fácil o descartar-se de Satanás, dizendo que "no momento em que confesso que Satanás colocou em mim uma doença ou enfermidade, exatamente naquele momento, Ele/ Deus/ é fiel e justo para curar-me, e estou curado" (Nome, 119). De modo semelhante, R. R. Soares conta a história de um homem que estava enfrentando problemas em sua propriedade. Ele determinou que se livraria da perseguição de Satanás e, tão logo tomou essa decisão, aquilo realmente aconteceu. Segundo conclusão de R. R. Soares, "isto é fácil" (Soares, 1987, 24). Parece profundamente irônica a facilidade com que o deus deste mundo, com sua intenção de ferir e destruir, é impedido de influenciar a vida de alguma pessoa.

5. O Problema do Mal

Uma das questões centrais que qualquer teologia deve enfrentar é a razão da existência do mal no mundo. Por que coisas ruins acontecem às pessoas boas, até para cristãos que vivem no centro da vontade de Deus? Antes de encerrar nossa análise e resposta à teologia da prosperidade, vale a pena olhar brevemente para a resposta oferecida por ela. De fato, não se trata de uma resposta, mas, sim, de uma negação de que o problema surja na vida daquele que crê. Segundo a doutrina da prosperidade, não há razão por que o cristão não esteja sempre bem e prosperando. Ele pode sofrer um pouco, mas isto são apenas vales entre as montanhas de saúde e prosperidade. Aqueles que passam por

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problemas e enfermidades têm somente a si para culpar: ou estão em pecado ou desconhecem seus direitos ou não têm fé suficiente. Portanto, o problema do mal não existe para o cristão vitorioso que conhece seus direitos e deles se apropria. A intenção dessa divisão é mostrar que essa resposta ao problema do mal é totalmente inadequada, fornecendo um breve esboço da solução tradicionalmente oferecida pelo cristianismo.

Nosso ponto de partida é a observação de que problemas e enfermidades fazem parte da vida de cristãos e de não-cristãos. Hagin e os pregadores da prosperidade dão a entender que o cristão pode viver fora do mundo, acima dos problemas dos outros homens. Mas é óbvio que isso não é assim. Doença e pobreza fazem parte do mundo que conhecemos e, nesse aspecto, não há diferença entre cristãos e não-cristãos. Assim como estamos sujeitos à lei da gravidade, também estamos debaixo dos efeitos da ordem natural das coisas. Tanto para cristãos quanto para não-cristãos, trabalhar é difícil, e não é fácil enfrentar as contas e a idade de nosso corpo, à medida que envelhecemos. Quando chove na praia, a chuva cai igualmente sobre cristãos e não-cristãos. Quando o inverno é rigoroso, o frio atinge a todos. Todos nós, cristãos ou não, estamos sujeitos a acidentes e desastres naturais de todos os tipos.

A mesma igualdade de existência aplica-se ao mundo humano da interação social. Os cristãos não estão isentos das condições políticas e sociais da época e cultura em que vivem. Isso pode ser facilmente provado, se olharmos para qualquer período da história humana. Se quisermos ser dramáticos, poderíamos apontar para as ondas de perseguição que varreram o império romano nos primeiros dois séculos da igreja. Milhares de cristãos foram pegos no meio dessas decisões políticas. A fé que eles

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tinham não impediu que os dentes dos leões nos coliseus romanos fossem afiados e mortais. Observe o negro norte-americano dos séculos XVIII e XIX, nos Estados Unidos. É fato histórico que aqueles escravos aceitaram o cristianismo em grupos numerosos. Eles são conhecidos por uma fé simples, porém forte. Mas a fé não os livrou da vida de escravidão. Hoje também, o cristão que vive na Bósnia ou na Somália sofrerá igualmente os efeitos das guerras que estão despedaçando aqueles países.

Portanto, a questão do mal não desaparecerá, se simplesmente dissermos que ela não se aplica aos cristãos. A história e a experiência não permitiriam uma resposta tão fácil. O problema em si é extremamente profundo e exigente. O curso da história e de nossa própria vida quase sempre parece sem sentido, ambíguo e, às vezes, cruel. Raras são as vezes em que conseguimos harmonizar aquilo que vemos na vida com aquilo que aprendemos sobre Deus na Bíblia. A vida e a história fariam mais sentido, se enxergássemos em Deus não um ser santo, mas alguém dado a caprichos.

Na Bíblia, a inclusão de livros como Eclesiastes, Habacuque, Jó e do salmo 73 prova a profundidade do problema e a luta de homens fiéis à procura de uma resposta para ele. Será que Deus não sabe que não existe justiça no mundo? Será que ele não sabe que o mal prospera e que o justo sofre? pergunta Asafe. O homem piedoso pode encontrar na vida um significado melhor do que aquele que o pagão encontra, já que todos parecem ter o mesmo destino? pergunta Salomão. Por que Deus permite que a nação escolhida sofra, enquanto o mal recebe mais e mais poder? pergunta Habacuque. Por que eu, crente fiel e servo do Altíssimo, preciso sofrer sem motivo? protesta Jó. Cada uma dessas

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perguntas é uma acusação formal à maneira de Deus conduzir o mundo.

Então, o ponto inicial é que o evangelho da prosperidade oferece apenas a resposta mais ingênua e infantil à questão do mal e do sofrimento no mundo. Hagin raciocina como se fosse uma criança, dizendo com efeito: "Vou ignorar o que há de mau, porque isso não se aplica a mim". Deixemos o ensino da prosperidade e olhemos brevemente, em primeiro lugar, algumas respostas que os autores bíblicos oferecem ao problema. No fundo, a pergunta é essa: por que sofremos, se Deus realmente nos ama? Em segundo lugar, analisaremos a resposta fornecida por Agostinho, a qual, desde então, tem sido seguida pela igreja.

O Problema do Mal em Jó, em Asafe e nos Evangelhos

Jó e seus amigos oferecem uma resposta à complexa questão do mal no mundo. O argumento dos três amigos de Jó, Bildade, Elifaz e Zofar, tem importância especial em nossa discussão aqui, pois é bastante parecido com o de Hagin. Em essência, o argumento era que o homem recebe aquilo que merece na vida. O justo será abençoado, e o mau irá sofrer. Há justiça nos dois casos. Isso tem só um significado: se Jó estava sofrendo, ele não era justo.

Parece que Hagin não tem a menor consciência de que está usando o mesmo tipo de raciocínio. A história de Jó aparece várias vezes em seus escritos, mas em todos os casos a atenção está no fato de que Jó foi curado ou de que ele era próspero. Hagin diz que poderíamos ser abençoados se fôssemos como Jó, pois, então, seríamos prósperos. Penso no que Jó acharia dessa avaliação de sua vida.

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O problema com o argumento de Bildade, Elifaz e Zofar e que Deus já havia classificado Jó como justo, no início da provação (1.8). Portanto, seu sofrimento não tinha nada a ver com seu pecado, sua ignorância ou sua falta de fé — os três elementos aos quais a doutrina da prosperidade atribui os problemas na vida do cristão. Jó estava sofrendo na condição de inocente. Além disso, sua fé robusta e sua vida íntegra eram a base do teste pelo qual ele estava passando. Portanto, a causa de seu sofrimento não era seu pecado, mas sua justiça. Isso vai em cheio contra o argumento dos amigos de Jó. No caso dele, a fé não evitou a doença, mas, na verdade, ocasionou-a.

O fim da história de Jó mostra que ele manteve sua fé e deu glória a Deus. Por essa razão, ele é mencionado por Deus como um dos três maiores homens, junto com Noé e Daniel (Ez 14.14, 20). Seus amigos foram condenados por não entenderem as coisas da maneira certa, e Jó orou em favor deles, pedindo que fossem poupados. No caso de Jó, o mínimo que se pode dizer é que o justo pode sofrer de acordo com a vontade de Deus, que pode ser glorificado em tal sofrimento. Qualquer resposta ao problema do mal que negue essa verdade não pode ser plenamente bíblica.

Jó não é o único homem que sofreu inocente ou injustamente. No salmo 73, a queixa de Asafe é no sentido de que ele é um homem justo que está sofrendo, enquanto o perverso prospera. Ele se queixa amargamente, dizendo que isso é uma injustiça. Se ele tivesse parado aí, seu pensamento jamais teria se tornado um dos salmos de sabedoria. Mas Asafe percebe que não está raciocinando da forma certa e, então, deixando de lado sua queixa no versículo 3, passa a ponderar que a fé não traz prosperidade nem o mal tem retribuição nessa vida. O acerto de

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todas as contas aguarda o julgamento e a vida do futuro. Asafe percebe, então, que, a longo prazo, na perspectiva da eternidade, o que importa é a fé e a fidelidade a Deus, apesar da injustiça da ordem presente.

Mesmo com os relatos canônicos de Jó e Asafe, os judeus não entenderam bem por que o inocente sofre, enquanto o perverso prospera. Vemos que os discípulos de Jesus fizeram uso do mesmo raciocínio equivocado de Bildade, Elifaz e Zofar. Eles achavam que as coisas ruins aconteciam às pessoas porque elas as mereciam e que a riqueza vem para aqueles que são justos. Jesus corrigiu essa idéia em duas passagens diferentes. Em Lucas 13.1-5, ele se refere aos 18 homens que morreram num acidente de construção. Eles morreram por serem pecadores? Jesus diz que não. Não podemos raciocinar dessa forma. Todos nós somos pecadores, e acidentes, problemas e sofrimentos sobrevêm a todos nós. Em segundo lugar, em João 9, Jesus foi interrogado a respeito do cego de nascença. Aquele homem estava sofrendo pelo pecado de quem? perguntaram os apóstolos. De quem era a culpa? De ninguém, disse Jesus. Aquilo acontecera como parte do sofrimento do mundo presente e, no caso daquele homem, sua doença iria manifestar a glória de Deus.

A Resposta de Agostinho

Os teólogos da igreja consideraram o problema do sofrimento e do mal como uma das questões fundamentais da teologia cristã. Para o ateu, a questão não existe. Não há Deus e, portanto, o mundo é assim mesmo. Mas qualquer um que creia em Deus deve responder à pergunta sobre o porquê de ele permitir que o inocente sofra. Albert Camus tocou nesse assunto da maneira mais nítida possível em seu livro A Peste (1980). A história

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conta, da perspectiva de um médico, o efeito da peste bubônica sobre uma cidade francesa, logo depois da Segunda Guerra Mundial. Ao ver seus pacientes adoecerem e morrerem um a um, o médico é forçado a tomar uma decisão. Ou ele segue o sacerdote, que acredita que Deus iria usar aquela situação para o bem, ou é obrigado a concluir que não existe sentido na presença do mal no mundo. Ele escolhe a última alternativa: se Deus existe, ele deve ser mau e inimigo do homem.

Para aquele que opta pela fé, a resposta de Camus não serve. Mas o que o cristão tem a dizer sobre a presença de tanto sofrimento no mundo, que parece não ter nada a ver com o pecado da pessoa que está sofrendo? O sofrimento parece não ter propósito e exceder a culpa daqueles que passam pelo pior, como, por exemplo, as crianças. O problema pode ser apresentado de modo sucinto. Como podemos acreditar num Deus que é Todo-Poderoso e Todo-Amor, mas que também permite tanta dor e sofrimento, principalmente no caso de pessoas inocentes? Se ele é Todo-Poderoso, tem a capacidade de eliminar o sofrimento; se ele é Todo-Amor, deve querer acabar com o sofrimento. Então por que ele não faz nada? Muitos teólogos já escreveram sobre esse assunto, e a maioria reflete variações do pensamento de Agostinho.14

14

No segundo século, Irineu ofereceu uma alternativa à teodicéia de Agostinho, afirmando que Deus criou um mundo bom que continha em si um pouco de mal. O propósito disso era edificar o caráter moral do homem, dando-lhe oportunidade na vida de escolher entre o bem e o mal. Portanto, o mal neste mundo tem o propósito de edificar o caráter. No fim, ele terá cumprido seu papel e todas as almas serão salvas. Essa é a resposta do que hoje chamamos de visão liberal da Bíblia. Ela argumenta que o mal, em última análise, é algo bom, pois é o educador da raça humana.

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A resposta de Agostinho concentra-se na queda, de Gênesis 3. Ele observa que Deus não criou o mundo com o mal nele, mas este apareceu como resultado do pecado do homem. Ao criar o homem, Deus o criou com a possibilidade de pecar, como conseqüência da liberdade de escolha. Deus não podia, ao mesmo tempo, negar a possibilidade do mal e criar o homem com livre-arbítrio. Sem essa liberdade, o homem teria sido um autômato e não uma criatura que poderia escolher amar e servir a Deus. Uma vez que ele foi assim criado, o mal era uma possibilidade desde o início e, depois da queda de Adão, tornou-se inevitável. Então, a origem do pecado e do sofrimento está na escolha do homem no sentido de pecar. Junto com essa opção vieram todas as conseqüências que recaem sobre a ordem de um mundo amaldiçoado e decaído. Desde que Agostinho a formulou, esta tem sido a resposta conservadora tradicional.

Tal solução tem sido aceita pela igreja como a resposta teológica básica ao problema do mal. Entretanto, para que se complete o ensino bíblico, é necessário que seja acrescentado um elemento: a cruz. Nela percebemos que Deus não abandonou o homem para que este simplesmente sofresse as conseqüências de seu pecado. Na redenção oferecida por meio de Cristo, Deus tomou sobre si o pecado do homem e pagou o preço exigido pela justiça. O homem não foi abandonado depois da queda. Deus participa de seu sofrimento, providenciando a resposta definitiva para ele (Pannenberg, 1973). Tal pensamento não é encontrado em nenhuma outra religião. Creio que ela coloca o conceito cristão de Deus num nível superior a qualquer outro conhecido pelo homem. É por essa razão, pela redenção de alto preço da raça humana, que as multidões no céu cantarão "digno e o Cordeiro" (Ap 5.12, 13).

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A resposta cristã completa para o sofrimento não é no sentido de ignorá-lo ou de considerá-lo inaplicável. Em vez disso, ela crê que Deus se preocupa conosco. Esta é a confissão do povo que não vê, mas assim mesmo crê, pois, ainda que a cruz esteja no passado, a plenitude da redenção encontra-se no futuro.

Conclusão

Examinamos aqui os ensinos da doutrina da prosperidade que ficaram de fora da discussão dos capítulos anteriores, incluindo a visão dualista do mundo e do conhecimento, sua forma de entender Satanás e a ausência de resposta ao problema do mal. Embora esses aspectos do ensino da prosperidade não se encaixem na estrutura central de três pontos dos capítulos dois e três, isto é, autoridade — promessa — método — eles não são meros apêndices na teologia da prosperidade. O dualismo nítido entre o espírito e o mundo constitui o fundamento filosófico sobre o qual é edificado o evangelho da prosperidade. Esse dualismo começa com a estrutura do próprio ser e, então, estende-se à natureza humana, ao conhecimento humano e até á expiação.

O efeito disso é sentido em todas as áreas do sistema de Hagin. Veja, por exemplo, seu ensino de que a fé é uma força que cria a realidade. Uma idéia dessas não é possível, se por trás dela não houver uma cosmovisão dualista que lhe dê sustentação. Observe seu ensino de que os remédios e a ajuda dos médicos são recursos indesejáveis, por tratarem apenas da causa física e não atingirem as raízes espirituais da questão. Isso também requer uma cosmovisão dualista em que o elemento espiritual é mais importante do que o aspecto material. Da mesma forma, as afirmações de Hagin de que seus ensinos são verdadeiros por

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terem como base o conhecimento espiritual dependem de uma hierarquia dualista de conhecimento espiritual/material. A visão das duas mortes na expiação também é construída de modo explícito em cima de uma oposição entre as esferas espiritual e material.

O pseudo-dualismo entre Satanás e Deus tem uma base diferente. Ele se revela de grande importância na pregação do dia-a-dia da igreja, pois encontra um bode expiatório para os problemas do homem, sendo a fonte de grande parte do entusiasmo do ministério de pregação naquelas igrejas. Por fim, a falta de resposta para o problema do mal simplesmente revela que os ensinos de Hagin não são bem ponderados em todos os seus pontos. Isto se confirma pelas duas ironias não admitidas em seu sistema: a primeira é o contraste entre as promessas materiais de saúde e prosperidade e a desvalorização do reino físico como inferior em si mesmo. A segunda é a maneira pela qual Satanás é exaltado como quase onipresente e onipotente, mas também facilmente expulso da vida de uma pessoa.

No início desse capítulo, dissemos que muitas dessas crenças subjacentes foram extraídas das seitas metafísicas que floresceram nos Estados Unidos, na região de Boston, no início do século XX, e foram transmitidas ao ensino da prosperidade por meio de Kenyon e Hagin. Essa ligação é particularmente visível em seus conceitos dualistas do mundo e no pressuposto de que a mente humana tem capacidade de alterar o reino espiritual e, desse modo, controlar a esfera física. Traçar maiores detalhes dessa ligação é uma tarefa que exigiria muita pesquisa além da que fizemos. Basta dizer aqui que a doutrina da prosperidade está construída sobre um alicerce que não apenas apresenta rachaduras mas que também carece de peças importantes, além

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de incluir material estranho e indigno de constar num empreendimento cristão. Disso resulta um edifício que tem somente uma fachada cristã.

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Capítulo Cinco

A ESPIRITUALIDADE DO EVANGELHO DA PROSPERIDADE

Qual o caráter geral ou a espiritualidade da doutrina da prosperidade? Como ela se compara com a espiritualidade bíblica? Neste último capítulo, faremos uma breve comparação das promessas e exigências que cada um apresenta a seus seguidores.

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1. Promessas e Exigências O propósito deste capítulo final não é repetir declarações já feitas ou dar acabamento a idéias que possam não ter ficado bem claras. Os resumos das divisões e dos capítulos foram escritos com esse propósito. Também não se pretende aqui abrir uma nova linha de investigação de algum outro aspecto do ensino da prosperidade. Em vez disso, o objetivo é descrever de modo sucinto a espiritualidade do evangelho da prosperidade como um todo, comparando-a com a espiritualidade bíblica e protestante.

Todo mundo conhece o sentido da palavra "espiritualidade", mas isso não impede que ela seja uma palavra difícil de descrever. Um dicionário grande dirá, entre outras coisas, que espiritualidade é o caráter geral de uma religião. Mas essa definição é muito vaga para nossos fins aqui. Uma enciclopédia como a de Elwell (1988) é mais clara e define espiritualidade como "o estado de relacionamento profundo com Deus". A palavra chave aqui é relacionamento e, se trocarmos esse substantivo por um verbo, poderemos dizer que espiritualidade é o meio pelo qual nos relacionamos com Deus. Pode-se restringir um pouco mais essa definição para dizer que a espiritualidade de uma religião pode ser vista naquilo que ela oferece a seus seguidores por meio do relacionamento deles com Deus e no que Deus exige deles em troca. Temos assim uma diretriz concreta pela qual poderemos ordenar nossos pensamentos neste último capítulo.

Nessas poucas páginas finais, será feita uma comparação entre aquilo que é oferecido pela teologia da prosperidade e aquilo que se exige em troca de seus adeptos. Então, isso será colocado ao lado das promessas e exigências encontradas na Bíblia,

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principalmente no Novo Testamento. Um exemplo ajudará a esclarecer o procedimento que temos em vista. No capítulo um, foi feita uma comparação entre o marxismo e o pensamento da prosperidade. Observamos que o marxismo prometeu muitas coisas a seus seguidores, mas também exigiu muito em troca. O ensino da prosperidade é semelhante pelo fato de oferecer muito, mas difere nas poucas exigências feitas em troca; pelo menos estas são as aparências. Pensar nele nesses termos ajuda a explicar seu rápido crescimento em popularidade. A dialética de promessa e exigência ajuda a destacar as diferenças entre a espiritualidade do Novo Testamento e a do evangelho da prosperidade. Nas páginas seguintes, o leitor fará bem em manter esta pergunta em sua mente: o que Deus dá àquele que crê e o que exige em troca? Nossa discussão seguirá as mesmas divisões por assunto utilizadas na análise e crítica anteriores.

Começamos considerando as promessas e as exigências no campo da autoridade espiritual. O evangelho da prosperidade é encabeçado por líderes que afirmam ser porta-vozes de Deus para os dias atuais. Hagin é um excelente exemplo desse estilo de liderança. Ele afirma ser o recipiente de um conhecimento mais elevado, pessoalmente instruído por Cristo e conhecedor da mente de Deus. Embora ele fale muito na Bíblia como fonte de sua fé e a empregue inúmeras vezes, trata-se sempre da Bíblia vista com os óculos da revelação da prosperidade. Portanto, a atenção se fixa não no real estudo da Palavra, mas em suas visões particulares e nos sinais e maravilhas que ele afirma acompanhá-las. Como amigo especial de Deus, ele dirige seus seguidores com grande autoridade. Isso conta muito para aqueles cristãos que buscam um líder forte que possa dar direção para suas vidas.

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Se liderança é a promessa, submissão é a exigência, pois os mestres da prosperidade não admitem que seus seguidores questionem suas visões ou capacidade de operar maravilhas. Hagin é bem claro em afirmar que desafiá-lo e o mesmo que atrair a ira de Deus. O seguidor também não é incentivado a examinar os ensinos da liderança, comparando-os com a Bíblia. Qualquer investigação dessas seria rotulada, na melhor das hipóteses, como conhecimento sensorial, que está muito aquém do conhecimento de revelação que o líder possui.

Tal demagogia não pode ser comparada com a Bíblia nem com a visão protestante a respeito dela. Na espiritualidade do protestantismo, o fiel não encontrará apóstolos dos dias de hoje dirigindo seus seguidores com base em visões. Em vez disso, a única fonte de autoridade e direção espiritual é a Palavra de Deus encontrada na Bíblia, nem mais nem menos. Os reformadores criam com firmeza que as Escrituras são suficientes em matéria de fé como guia seguro para cada área da vida e da doutrina, e essa convicção continua sendo fundamental para as igrejas protestantes de hoje. É claro que isso exige que o fiel se esforce para aprender e estudar a Bíblia. Ele precisa estudá-la por si e, desse modo, conhecer a vontade de Deus para sua vida. Por isso o protestantismo sempre tem dado apoio a livros e programas que ajudem o membro da igreja a aprender sobre sua fé. Sobretudo, ele desenvolveu uma longa tradição de estudo bíblico cuidadoso, porque acredita que a Bíblia resistirá a qualquer escrutínio e permanecerá para oferecer sempre novas percepções sobre Deus e sua criação (Mt 13.52). Muitos cristãos de gerações do passado estudaram as Escrituras com um alto grau de confiança na inspiração e produziram teologias sintonizadas com a Bíblia e abertas ao estudo ou questionamento de qualquer fiel.

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A aceitação da Bíblia como única fonte de orientação e autoridade também significa que não pode existir nenhum conhecimento secreto ou mais elevado que esteja à disposição do cristão ou de qualquer líder espiritual autonomeado. Não se permitem revelações externas. Isso quer dizer que qualquer novo ensino ou interpretação que surja na igreja deve passar obrigatoriamente pelo crivo do cânon das Escrituras. Nesse aspecto, a exemplo do apóstolo João, o protestantismo faz uso de uma hermenêutica de suspeita com relação a novas afirmações (cf. 1 Jo 4.1). É justamente por ser novo que é motivo de suspeita, pois não se esperam novas revelações até que o Senhor volte, mas admite-se que Satanás é um anjo de luz capaz de transmitir boas novas dos mais diferentes tipos para enganar os menos atentos.

Em segundo lugar, consideramos a promessa e a exigência quanto à saúde e às riquezas. O neófito que ouve pela primeira vez a pregação da prosperidade pressupõe que as promessas não têm limites. Ele ouve que o fiel pode ter sempre saúde e ser próspero ou pelo menos tem direito a isso. Quanto mais ouve, o discípulo da prosperidade aprende que existem regras ou procedimentos a serem respeitados: não duvidar, reivindicar a bênção em voz alta, exigir seus direitos, usar sempre o nome de Jesus, etc. Entretanto, o fato é que as exigências não param quando essas regras já foram obedecidas. Há um peso maior a ser carregado. O fiel passa a entender que ele não somente tem o direito, mas a obrigação de ser próspero, pois a posse dessas bênçãos prova que ele é uma pessoa de fé que está debaixo da aprovação e da bênção de Deus. Em outras palavras, as próprias promessas dos ensinos da prosperidade transformam-se em exigências. Este é o segredo dessa doutrina. Se o fiel fica doente ou está longe do sucesso, ele está falhando como cristão. É por

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isso que não há lugar para visitas em hospitais no ensino da prosperidade. A pessoa doente é como Jó: encontra-se debaixo dos olhares de acusação de seus amigos. Saúde e sucesso perpétuos são tanto promessas quanto exigências da doutrina da prosperidade. Este é um peso muito grande para ser carregado, porque, mais cedo ou mais tarde, todo cristão enfrentará problemas. Quando eles aparecem para o seguidor dos ensinos da prosperidade, culpa e dúvida surgem como conseqüências. Com o passar do tempo, muitos abandonam o movimento, ao perceberem que aqueles ensinos não resolverão seus problemas, mas farão somente com que se sintam culpados por causa da presença deles.

Contrastando com isso, na espiritualidade bíblica o cristão tem o direito de falhar. A Bíblia exige que perseveremos na fé e no amor por Deus e pelos homens, mas em nenhum lugar ela insinua que saúde e prosperidade são sinais da graça de Deus. Pelo contrário, o sucesso não é critério pelo qual o favor de Deus pode ser medido. Jó, Asafe, Paulo e o autor de Hebreus foram extremamente claros nesse ponto. Em outras palavras, as promessas que a Bíblia faz ao cristão são bem diferentes daquelas concedidas no ensino da prosperidade, pois o cristianismo é uma religião da vida do porvir, não da vida do agora. Isso é bem expresso por Warfield, que escreve:

Nosso Senhor nunca permitiu que se imaginasse, sequer por um momento, que a salvação que ele trouxe é fundamentalmente para esta vida. Sua religião destacava-se por ser de outro mundo. Ele com freqüência apontava para o além, fazendo com que os homens vissem ali seu verdadeiro lar e nele colocassem suas esperanças e aspirações. (Warfield, 1972, 177.)

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Com respeito a esta vida, a Bíblia tem pouco a oferecer em termos de promessas de melhorias. Ela não promete que pelo fato de uma pessoa ter se arrependido de seus pecados e crido em Cristo, o salário dela irá aumentar ou sua saúde melhorar.

Pelo contrário, a palavra do Senhor nas Escrituras, diante da doença, freqüentemente é essa: "a minha graça te basta" (2 Co 12.9). Cristo nunca foi visto enriquecendo qualquer de seus seguidores. Em vez disso, o único conselho de economia que a Bíblia oferece é no sentido de que lancemos sobre ele nossa ansiedade, pois ele tem cuidado de nós (1 Pe 5.7). Melhorias na saúde ou no padrão de vida podem ocorrer na vida do cristão, mas caso ocorram, elas se devem ao abandono de velhos hábitos e à adoção de outros.

Em todo este livro, principalmente no capítulo três, destacamos que as promessas do evangelho verdadeiro não incluem bênçãos materiais para esta vida. Dissemos que essas coisas aguardam o futuro, quando será completado o processo da redenção. Todavia, esse destaque ao futuro pode ser entendido de forma errônea ou exagerada. As promessas do evangelho têm uma natureza diferente daquelas descritas pela doutrina da prosperidade. Observe frases como "remissão dos pecados" (Cl 1.14), "paz com Deus" (Rm 5,1), "galardão no céu" (Lc 6.23), "não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3.16), "tomarão lugares à mesa... no reino dos céus" (Mt 8.11). Elas descrevem um mundo vindouro que, em todos os seus aspectos, é melhor do que a presente ordem. O cristão pode fazer uso de toda a sua imaginação para contemplar o significado dessas palavras e assim mesmo não será capaz de perscrutar a profundidade delas. Portanto, o leitor não deve ficar com a impressão de que as promessas do evangelho

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são pobres ou de que, de alguma forma, estão aquém do esplendor descrito no último livro da Bíblia.

Por outro lado, embora na espiritualidade bíblica seja oferecida muita coisa ao cristão, as exigências também não são poucas. Começamos por dizer que a fé deve ser do tipo que se caracteriza por humildade e gratidão e que reconhece que tudo que vem da mão de Deus é pura dádiva (Ef 2.8-19). Não há lugar para coisas como "reivindicar direitos diante de Deus". Em segundo lugar, ela deve ser do tipo que procura servir a Deus e aos homens. Na espiritualidade bíblica, Deus nunca é procurado como meio para se atingir um fim, como se o cristão viesse buscar a bênção que ele pode oferecer, em vez de buscar o próprio Deus. O "eu" nunca é o centro de atenção na espiritualidade bíblica. Antes, a verdadeira espiritualidade olha para o lado de fora, na direção de Deus e de nosso semelhante. Portanto, o alvo da vida cristã é servir a Deus e aos homens (Fp 2.12; 1 Pe 4.2), e revela-se de grande importância o fato de Paulo ter usado as mais fortes imagens que pôde achar para declarar essa verdade (1 Co 9.19; 2 Tm 2.2-5).

Nesse ponto, a diferença entre a espiritualidade bíblica e a da doutrina da prosperidade pode se expressar em termos de expectativas: aquilo que o fiel espera conseguir (a promessa) e aquilo de que ele espera abrir mão ou oferecer em troca (a exigência). Quando a pergunta é assim formulada, a resposta vem em duas frases contrastantes: a "teologia da glória" e a "teologia da cruz". Em nossa última divisão, passamos a considerar o que cada uma significa.

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2. Teologia da Glória

Teologia da Cruz A expressão "teologia da glória" serve bem para caracterizar o evangelho da prosperidade, pois este prega e ensina que a vida do cristão deve ser uma vida de vitória. Hagin expressa exatamente esse ponto, ao escrever:

Nosso problema é que temos pregado uma religião de "cruz", sendo que precisamos pregar uma religião de "trono"... Na verdade, a Cruz é um lugar de derrota, ao passo que a Ressurreição é um lugar de triunfo. Quando se prega a cruz, está-se pregando morte e deixa-se o povo na morte. Morremos, sim, mas ressuscitamos com Cristo. Estamos assentados com Ele. Essa é a nossa posição atual: Estamos assentados com Cristo no lugar de autoridade, nos lugares celestiais. (Autoridade, 23, 24.)

Observe bem a frase "a nossa posição atual... nos lugares celestiais". É exatamente isto que significa a teologia da glória. Essa espiritualidade foi encontrada primeiramente entre os cristãos coríntios (McConnell, 1988). De fato, talvez eles possam ser chamados os primeiros defensores da prosperidade, pois pensavam em si mesmos como filhos do rei que já haviam começado seu reinado nesta vida. Eles não se sentiam bem com a vida sacrificial e o sofrimento de Paulo, pois o fraco, o doente e o pobre não têm lugar nessa espiritualidade. Por essa razão, Paulo teve de defender seu ministério apostólico várias vezes (2 Co 10.7-18; 11.5-33; 12.1-6). Eles se impressionavam apenas com pregadores que revelavam poder, prestígio e prosperidade.

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Em contraste com isso, a teologia da cruz mede todas as coisas pelo padrão do sofrimento de Cristo. Ela diz que as exigências do cristianismo são grandes porque o sacrifício de Cristo foi grande. Ela também diz que o discípulo não é maior do que seu mestre e, se Cristo teve de sofrer, seus discípulos também precisam estar dispostos a fazer o que for necessário a serviço dele (Mc 8.34). Aquele que não age assim, não é digno de Cristo (Mt 10.38). Isso significa que devemos crucificar nossos desejos pelas coisas do mundo, em vez de exigi-los como parte de nossos direitos (Gl 5.24; Tg 4.4; 1 Jo 2.15-17). Por causa da cruz, Cristo tem todo o direito de insistir em obediência, serviço, autonegação e sacrifício. Paulo disse: "... pregamos a Cristo crucificado" (1 Co 1.23; 2.2). Esta era a primeira verdade do cristianismo e tinha de ser estabelecida antes que fosse ensinada qualquer outra doutrina ou insinuado algum outro estilo de vida.

A exemplo dos coríntios de tanto tempo atrás, o evangelho da prosperidade fala da cruz somente em termos dos benefícios que dela podemos auferir, nunca das exigências que ela nos faz. Pressupõe-se que Jesus foi para a cruz a fim de que a pessoa que crê não precisasse ir para lá e que o fiel pode colher a glória sem participar da vergonha. Esta é a essência da teologia da glória. É a teologia de outro evangelho.

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