teologia da libertação & prosperidade

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Teologia Contemporânea Pr. Niles Kael Teologia da Libertação & Teologia da Prosperidade Um pequeno estudo Márcio Giovane Rosa Araujo

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Teologia da Libertação & Prosperidade: uma abordagem direta

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Page 1: Teologia da Libertação & Prosperidade

Teologia Contemporânea

Pr. Niles Kael

Teologia da Libertação & Teologia da Prosperidade

Um pequeno estudo

Márcio Giovane Rosa Araujo

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Sumário O que é a Teologia da Libertação? ............................................................................................................................... 2

Visão Católica da Teologia da Libertação ................................................................................................................. 4

A Teologia da Libertação de Francisco na viagem ao Brasil ...................................................................................... 6

Roma e a Teologia da Libertação: fim da guerra? ..................................................................................................... 6

Estudo de caso: O que é a Teologia da Libertação? Por: Cardeal Joseph Ratzinger ................................................... 8

A Teologia da Libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista ....................................................... 8

I. O Conceito de Teologia da Libertação e os Pressupostos de sua Gênese ........................................................... 8

II. A Estrutura Gnosiológica Fundamental da Teologia da Libertação .................................................................... 9

III. Conceitos Fundamentais da Teologia da Libertação ...................................................................................... 10

A Teologia da Libertação: O Cristianismo a favor dos excluídos .............................................................................. 12

O que é a Teologia da Prosperidade? ..................................................................................................................... 15

Versos frequentemente citados na Teologia da Prosperidade ................................................................................ 16

Práticas ................................................................................................................................................................. 16

Histórico ............................................................................................................................................................... 17

Healing revivals do pós-guerra ...................................................................................................................... 17

Televangelismo ..................................................................................................................................................... 17

Palavra de Fé ...................................................................................................................................................... 18

História recente no Brasil ................................................................................................................................... 18

Crescimento internacional ................................................................................................................................. 19

Análise sócio-econômica ................................................................................................................................... 19

Comparações com outros movimentos ............................................................................................................ 20

Crítica teológica .................................................................................................................................................. 20

Estudo de Caso: Carta Pastoral sobre a Teologia da Prosperidade ............................................................................. 22

I - CONCEITUAÇÃO ................................................................................................................................................ 22

II - IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA ........................................................................................................................ 22

III – A VISÃO BÍBLICA E TEOLÓGICA ........................................................................................................................ 22

IV – ORIENTAÇÕES................................................................................................................................................. 25

A Teologia da Prosperidade É BÍBLICA?...................................................................................................................... 26

ANALISANDO AS PASSAGENS UTILIZADAS PELOS PREGADORES DA PROSPERIDADE ............................................... 32

Teologia da Prosperidade: O “caminho espaçoso” da morte [Mt 7:13] .................................................................. 36

Comentário de John Pipe ....................................................................................................................................... 37

Contraposições...................................................................................................................................................... 40

O evangelho da cruz e a Teologia da Prosperidade ................................................................................................ 40

Afinal, o que está errado com a Teologia da Prosperidade? ................................................................................... 42

CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................. 44

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O que é a Teologia da Libertação?

Em termos simples, a Teologia da Libertação é uma tentativa de interpretar a Escritura através do sofrimento dos pobres. É em grande parte uma doutrina humanista. Tudo começou na América do Sul, na turbulenta década de 1950, quando o marxismo estava fazendo grandes ganhos entre os pobres por causa de sua ênfase na redistribuição da riqueza, permitindo que os camponeses pobres participassem da riqueza da elite colonial e, assim, melhorasse a sua situação econômica na vida. Como uma teologia, tem raízes católicas e romanas muito fortes. A Teologia da Libertação foi reforçada em 1968 na Segunda Conferência dos Bispos da América Latina, a qual se reuniu em Medellín, na Colômbia. A idéia era estudar a Bíblia e lutar por justiça social nas comunidades cristãs (católicas). Já que o único modelo governamental para a redistribuição da riqueza em um país da América do Sul era um modelo marxista, a redistribuição da riqueza para elevar os padrões econômicos dos pobres na América do Sul assumiu um sabor definitivamente marxista. Já que aqueles que tinham dinheiro eram muito relutantes em separar-se dele em qualquer modelo de redistribuição de riqueza, o uso de uma revolta populista (ou seja, dos pobres) foi incentivada por aqueles que trabalhavam mais perto dos pobres. Como resultado, o modelo de Teologia da Libertação estava atolado no dogma marxista e em causas revolucionárias. Como resultado de suas tendências marxistas, a Teologia da Libertação, como praticada pelos bispos e sacerdotes da América do Sul, foi criticada em 1980 pela hierarquia católica, do Papa João Paulo pra baixo. A hierarquia mais alta da Igreja Católica acusou os teólogos da libertação de apoiar revoluções violentas e luta de classes definitivamente marxistas. Esta perversão é geralmente o resultado de uma visão humanista do homem sendo codificada na doutrina da Igreja por sacerdotes e bispos zelosos e explica por que a hierarquia católica agora quer se separar da doutrina e revolução marxista. No entanto, a Teologia da Libertação se mudou dos camponeses pobres da América do Sul aos negros pobres na América do Norte. Temos agora a Teologia da Libertação Negra sendo pregada na comunidade negra. É a mesma filosofia humanista, marxista e revolucionária encontrada na Teologia da Libertação sul-americana e não tem mais base bíblica que o modelo sul-americano. A falsa doutrina ainda é falsa, não importa qual nome esteja ligado a ela. Da mesma forma que o fervor revolucionário foi agitado na América do Sul, a Teologia da Libertação está agora tentando agitar um fervor revolucionário entre os negros na América. Se a Igreja na América reconhecer a falsidade da Teologia da Libertação Negra como a Igreja Católica fez no modelo sul-americano, a Teologia da Libertação Negra irá sofrer o mesmo destino que a Teologia da Libertação na América do Sul, ou seja, será vista como uma doutrina falsa e humanista vestida com termos teológicos. O movimento eclesial teológico da América Latina, conhecido como ―Teologia da Libertação‖, que depois do Vaticano II encontrou eco em todo o mundo, deve ser considerado, entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX. Quem consagra a Teologia da Libertação com esta elogiosa e peremptória avaliação histórica não é nenhum representante sul-americano das estações eclesiais do passado. O ―certificado‖ de validade chega diretamente do arcebispo Gerhard Ludwig Müller, atual Prefeito do mesmo dicastério vaticano – a Congregação para a Doutrina da Fé – que durante os anos 1980, seguindo o impulso do Papa polonês e sob a direção do então cardeal Ratzinger, interveio com duas instruções para indicar os desvios pastorais e doutrinais que também incluíam os caminhos que as teologias latino-americanas haviam tomado. A avaliação sobre a Teologia da Libertação não é uma declaração que escapou acidentalmente ao atual custódio da ortodoxia católica. O juízo, meditado, aparece nas densas páginas do volume do qual foi tirada a frase: uma antologia de ensaios escrita a quatro mãos, impressa na Alemanha, em 2004, e que agora está sendo publicada na Itália com o título ―Da parte dos pobres, Teologia da Libertação, Teologia da Igreja‖ (Ediciones Messaggero, Padua, Emi). Nos ensaios da antologia, os dois autores-amigos se complementam reciprocamente. Segundo Müller, os méritos da Teologia da Libertação vão além do âmbito do catolicismo latino-americano. O Prefeito indica que a Teologia da Libertação expressou no contexto real da América Latina das últimas décadas a orientação para Jesus Cristo redentor e libertador que marca qualquer teologia autenticamente cristã, justamente a partir da insistente predileção evangélica pelos pobres. ―Neste continente‖, reconhece Müller, ―a pobreza oprime as crianças, os idosos e os doentes‖, e induz muitos a ―considerar a morte como uma escapatória‖. Desde as suas primeiras manifestações, a Teologia da Libertação ‗obrigava‘ as teologias de outras partes a não criar abstrações sobre as condições reais da vida dos povos ou dos indivíduos. E reconhecia nos pobres a ―própria carne de Cristo‖, como agora repete o Papa Francisco. Justamente com a chegada do primeiro Papa latino-americano surge com maior força a oportunidade para considerar esses anos e essas experiências sem os condicionamentos dos furores e das polêmicas daquela época. Mesmo

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afastando-se dos ritualismos dos ―mea culpa‖ postiços ou das aparentes ―reabilitações‖, hoje é muito mais fácil reconhecer que certas veementes mobilizações de alguns setores eclesiais contra a Teologia da Libertação eram motivadas por certas preferências de orientação política mais que pelo desejo de guardar e afirmar a fé dos apóstolos. Os que pagaram a fatura foram os teólogos peruanos e os pastores que estavam completamente submergidos na fé evangélica do próprio povo, que acabaram ―triturados‖ ou na sombra mais absoluta. Durante um longo período, a hostilidade demonstrada para com a Teologia da Libertação foi um importante fator para favorecer brilhantes carreiras eclesiásticas. Em um dos textos, Müller (que numa entrevista de 27 de dezembro de 2012 havia expressado a hipótese do cenário de um Papa latino-americano depois de Ratzinger) descreve sem meias palavras os fatores político-religiosos e geopolíticos que condicionaram certas ―cruzadas‖ contra a Teologia da Libertação: ―Com o sentimento triunfalista de um capitalismo que, provavelmente, se considerava definitivamente vitorioso‖, refere o Prefeito do dicastério doutrinal vaticano, ―misturou-se também a satisfação de ter negado desta maneira qualquer fundamento ou justificação da Teologia da Libertação. Acreditava-se que o jogo com ela era muito simples, lançando-a no mesmo conjunto da violência revolucionária e do terrorismo dos grupos marxistas‖. Müller também cita o documento secreto, preparado para o presidente Reaganpelo Comitê de Santa Fé, em 1980 (ou seja, quatro anos antes da primeira Instrução sobre a Teologia da Libertação), no qual se solicitava ao governo dos Estados Unidos da América que agisse com agressividade contra a ―Teologia da Libertação‖, culpada por ter transformado a Igreja Católica em ―arma política contra a propriedade privada e o sistema da produção capitalista‖. ―É desconcertante neste documento‖, destaca Müller, ―a desfaçatez com que seus autores, responsáveis por ditaduras militares brutais e por poderosas oligarquias, fazem de seus interesses pela propriedade privada e pelo sistema produtivo capitalista o parâmetro do que deve valer como critério cristão‖. Após terem passado décadas de batalhas e contraposições, justamente a amizade entre os dois teólogos (o Prefeito da Doutrina da Fé e aquele que durante um tempo foi perseguido pelo mesmo dicastério doutrinal) alimenta finalmente uma ótica capaz de distinguir as obsoletas armações ideológicas do passado da genuína fonte evangélica que impulsionava muitas das rotas do catolicismo latino-americano depois do Concílio. Segundo Müller, Gutiérrez, com seus 85 anos (e que pretende viajar à Itália e passar por Roma em setembro de 2013), expressou uma reflexão teológica que não se limitava às conferências nem aos cenáculos universitários, mas que se nutria da seiva das liturgias celebradas pelo sacerdote com os pobres, nas periferias de Lima. Ou seja, essa experiência básica graças à qual – como disse sempre simples e biblicamente o próprio Gutiérrez– ―ser cristão significa seguir a Jesus‖. É o próprio Senhor, acrescenta Müller ao comentar a frase de seu amigo peruano, quem ―nos dá a indicação de nos comprometermos diretamente com os pobres. Fazer prevalecer a verdade nos leva a estar do lado dos pobres‖. O Papa Francisco assinalou que a Igreja brasileira aplicou bem o Concílio Vaticano II, para o que superou "doenças infantis", referindo-se à Teologia da Libertação, que nasceu na região. "A Igreja brasileira recebeu e aplicou com originalidade o Concílio Vaticano II e o caminho percorrido, e, embora tenha tido que superar algumas doenças infantis, levou, gradualmente, a uma Igreja mais madura, generosa e missioneira", disse o Papa argentino em um discurso para cardeais e bispos brasileiros. Para se referir a esta corrente teológica nascida há mais de quatro décadas na América Latina, o Papa usou uma expressão do líder revolucionário russo Vladimir Lenin, que, em 1920, publicou o livro "Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo". O Brasil foi laboratório de diversas experiências após o Concílio Vaticano II, principalmente da Teologia da Libertação, que apontou para a renovação da mensagem central da religião católica em uma das regiões do planeta com maiores desigualdades. O Vaticano, durante o pontificado de João Paulo II (1978-2005), acusou de marxista a Teologia da Libertação, por ressaltar a opção preferencial de Deus pelos pobres, e puniu vários sacerdotes ligados à mesma, como o brasileiro Leonardo Boff. Como arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio criticou a Teologia da Libertação, embora se esperasse que, em sua viagem ao Brasil, fizesse algum gesto de reconciliação com esta corrente. O Papa Francisco ratificou como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé o bispo e teólogo alemão Gerhard Muller, que havia sido designado para o cargo por Bento XVI.

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Muller escreveu em 2004, com o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez, pai da TL, o livro "Do Lado dos Pobres - A Teologia da Libertação", com reflexões sobre a contribuição da TL para a prática do catolicismo. Do ponto de vista católico: a Teologia da Libertação apresenta o ―lugar teológico‖ do pobre, a partir do que Deus falou ou revelou.

Usar amor, misericórdia e justiça na interpretação da Palavra de Deus.

Crítica contra a obra de Frei Clodovis Boff – Teoria do Método Teológico.

Epistemologia do amor = lugar teológico = fala do amor humano, não do amor de Deus. O amor deve partir da premissa da fé.

―Muitos teólogos da libertação substituíram Deus pelo pobre.‖

Raiz do problema é uma ―viragem antropocêntrica‖: Deus que era o ponto de partida da teologia clássica é substituído pelo ponto de partida humano o que não passa de verdadeira gnose (filosofia pagã que tomou posse da linguagem cristã. Usavam atributos do cristianismo associado a filosofia e não aos evangelhos). Filosofias que diluem a transcendência de Deus por sua dissolução na humanidade, geram o neo-gnosticismo. ―Não é difícil abrir uma obra de um teólogo da libertação e ver que ali está faltando transcendência.‖ Ex.: Quando é dito por um teólogo da libertação que Jesus não é Deus, e sim outro predicado, tem-se:

Não uma mera crítica de milagres, e sim por dissolvê-los:

● Não houve a multiplicação dos pães, e sim uma partilha de alimento. ● Não houve cura de leproso, o que houve foi a inclusão social. ● Não houve a cura do cego, o que houve é que caíram as escamas da ideologia.

Há um esforço hercúleo (aplicação de trabalho descomunal) em eliminar totalmente o transcendente, tornando o homem, e não Deus, o ponto de partido da teologia. Em suma, da Teologia da Libertação nasceu o relativismo, onde não se acredita em mais nada = abolição da cristologia – Cristo não é mais o centro de referência teológica. Fala-se de Deus em geral, mas não de Cristo. Serve de base para o universalismo. Religião compilada de outras, sem doutrina. Assim, adora-se a Mãe Terra e a outros deuses, em nome da ecologia enquanto religião, firmando o neo-paganismo.

Visão Católica da Teologia da Libertação O problema desse tipo de abordagem é que não se parte de uma revelação. O método teológico adequado é a partir do que Deus falou, revelou (auditus fidei) e, nesse caso, qual é o conteúdo revelado por Deus? O que deve ser refletido a partir disso (intellectus fidei)? Diante desse dilema, o teólogo João Sobrino sugeriu uma solução metodológica: para se fazer a Teologia da Libertação não se deve usar mais o intellectus fidei, mas sim o intellectus amoris, ou seja, a intelecção do ato de amor que é a opção preferencial pelos pobres. É necessário, contudo, permanecer com a identidade tradicional daquilo que é a Teologia. Frei Clodovis Boff, em sua obra ―Teoria do Método Teológico‖, faz uma excelente reflexão sobre o tema. Ele apresenta um esforço admirável para permanecer dentro do método tradicional e ao mesmo tempo acrescentar algo da forma típica de se fazer teologia na América Latina. Diante de outros teólogos da libertação, Clodovis Boff faz uma crítica bastante pertinente à epistemologia do amor (proposta de João Sobrino), dizendo que o amor referido por ele, que pode ser traduzido pela expressão opção preferencial pelos pobres, reflete somente um amor humano. "Pois, o 'amor' de que se fala há que ser discernido, corresponde ao ágape do Novo Testamento, é animado por ele? Ora, essa pergunta não é tão óbvia assim, se fosse claro para todos em que consiste o amor, Jesus não precisaria ter insistido tanto nele a ponto de selar essa lição com o seu próprio sangue (derramamento de sangue na cruz), portanto, para conhecermos o conteúdo do amor, para ele ser verdadeiramente libertador no espírito de Jesus somos obrigados a recorrer à luz da fé e aos Evangelhos e sem isso pode-se produzir qualquer teoria humanitária, marxista ou liberal que seja, mas nunca teologia realmente cristã."

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Na raiz do problema o que existe, na verdade, é uma viragem antropocêntrica: Deus que era o centro da teologia clássica já não o é mais. Agora o ponto de partida é o homem. Alegam os teólogos da libertação que é Deus no homem, pois ele se encarnou, porém, o que realmente pregam é a gnose, ou seja, uma filosofia pagã que de alguma forma tomou posse da linguagem cristã. Na Antiguidade, ela quase parasitou a Igreja Católica, tendo sido necessário medidas drásticas para coibi-la. Foi um dos primeiros desafios que a Igreja teve de enfrentar. Atualmente, estas novas filosofias tem sido constantemente denunciadas pelo Magistério da Igreja, seja com Pio X condenando o modernismo, seja com João Paulo II que tantos alertas emitiu acerca de doutrinas incompatíveis com a fé católica. Joseph Ratzinger, enquanto Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé prestou um grande serviço para a Igreja ao desmascarar diversas filosofias errôneas. Todas essas filosofias têm um ponto em comum: elas perdem a transcendência e, assim, Deus acaba se dissolvendo na história da Humanidade. Para quem estuda filosofia é mais fácil enxergar que como o homem tem caído de abismo em abismo nas questões filosóficas. A partir de Kant que nega o acesso ao transcendente, passando por Hegel com seu único plano monista desde mundo imanente, onde o absoluto agora evolve na História. Partindo deles não é difícil enxergar Nietzsche, Heidegger, as teorias críticas da Escola de Frankfurt, as várias tentativas linguísticas e relativistas do tempo moderno, todas elas são o homem 'fechado', sem transcendência. Apoderar-se dessas filosofias imamentista e querer aplicá-las na teologia gera uma teologia neo-pagã. Uma filosofia onde não há o transcendente pode até se apropriar da linguagem cristã e fazer de conta que está, de fato, fazendo teologia, mas não é realmente teologia. Não é difícil abrir um livro de um teólogo da libertação e perceber que ali está faltando transcendência. Por exemplo, quando um João Sobrino diz que não se pode predicar a divindade de Jesus, ou seja, que não se pode dizer que Jesus é Deus, o que ele está dizendo realmente é que não se pode colocar Jesus na transcendência, pois ele está neste mundo. Sendo assim, quem é Jesus? O que Ele fez? Quando se veem teólogos que não creem nos milagres de Jesus Cristo, que se apropriam deles e os dissolvem (p.ex.: não houve multiplicação dos pães, mas sim, uma partilha; não houve a cura do leproso, mas sim, a inclusão social; não houve a cura do cego, mas foram as escamas da ideologia que caíram;), percebe-se claramente que isso é um esforço hercúleo para eliminar totalmente o transcendente. O homem tornou-se o lugar porque ele é o ponto de partida destas teologias. A crítica de Clodovis Boff é bastante pertinente, mas é preciso dar um passo a mais, já que ela não foi suficiente. O então Cardeal Joseph Ratzinger, na década de 90, proferiu uma Conferência aos presidentes das Comissões Episcopais da América Latina para a Doutrina da Fé e começa falando sobre a crise da Teologia da Libertação, contudo, de forma clarividente, enxerga que embora seja uma grande crise, ela não acaba com a TL (ou TdL), apenas faz com que passe por uma espécie de metamorfose. De forma resumida, o Cardeal disse no artigo que houve uma crise e uma desilusão com a TL. Se antes acreditava-se numa libertação, num projeto marxista para o mundo, qual foi o resultado? Apenas um rastro de destruição que originou, por sua vez, o relativismo, pois já não se acreditava mais em nada. O relativismo teológico e religioso significou concretamente uma abolição da cristologia, ou seja é possível enxergar claramente que Cristo é o ponto de partida de todos. Entretanto, quando se entra no processo de relativização, Ele não pode mais ser o centro, e o que se faz então é falar de 'Deus', de forma geral, pois Cristo começa a 'atrapalhar'. Novamente se delineia a viragem. De uma Teologia que antes pregava o Cristo Libertador, que era uma espécie de Che Guevara com uma coroa de espinhos, tem-se agora uma religião mundial. Essa nova religião não possui uma doutrina, ela relativiza Cristo, afirmando que Ele nada mais é do que uma das muitas formas de encarnação do espírito de Deus na história, ela também aceita todas as outras religiões como sendo válidas e importantes. Ora, não é difícil perceber que quando se junta todos os deuses o que resulta é o renascimento do paganismo, que encontra seu ápice na MÃE TERRA, um feminismo pagão ou um paganismo feminista. A Mãe Terra com os seus ecologismos, com as forças da natureza e o neo-paganismo está por aí. Tanto é verdade que Leonardo Boff (irmão de Clodovis B.) não teve medo de deixar Jesus para trás e de adotar a nova religião mundial. O Cardeal Ratzinger, de forma muito profunda, mostra que as raízes filosóficas de tudo isto está no kantismo e, evidentemente, na ortopráxis que é o que resta. Ora, a Teologia da Libertação estava em ruínas, disse o Cardeal, dessas ruínas surgiu o relativismo, porém, como este é completamente vazio de sentido, o relativismo religioso precisava de alguma substância - de um osso para roer - e apoderou-se da prática transformadora, da engenharia social da TL. Desta forma, em vez de se ter uma ortodoxia o que se tem é uma ortopráxis que leva em direção à uma transformação, a um projeto social moderno. Partindo, então, do cristocentrismo para o antropocentrismo, chega-se ao paganismo total, na destruição do homem, onde Leonardo Boff não tem medo e nem pudor de dizer em seus livros ecológicos em dizer que o homem é o câncer que está fazendo mal à terra e que precisa ser extirpado. Portanto, de abismo em abismo chegou-se ao anti-humanismo.

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Lembrando que tudo começou com uma vontade ingênua de valorizar o homem. Mas, valorizar o homem sem Cristo e sem Deus é desvalorizá-lo, é colocá-lo abaixo da própria natureza. Nunca a humanidade chegou tão baixo e, incrivelmente, é este o projeto libertador. Se isso é 'libertação', mil vezes é preferível as 'cadeias opressoras de uma teologia romana'.

A Teologia da Libertação de Francisco na viagem ao Brasil Após a visita do Papa Francisco ao Brasil, a pergunta tornou-se obrigatória: haverá uma reconciliação definitiva entre Roma e a Teologia da Libertação? Uma "reaproximação" entre o papa e os teólogos latino-americanos foi desejado recentemente por Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito no Brasil, um dos rostos mais conhecidos do movimento. Pouco tempo atrás, Casaldáliga pediu que Adolfo Pérez Esquivel fosse o portador desse pedido junto ao papa, durante um encontro privado que o Prêmio Nobel da Paz argentino tinha obtido. Na mesma ocasião foi entregue a Francisco uma cópia do "Pacto das Catacumbas", um acordo firmado por 40 bispos presentes no Concílio Vaticano II, no dia 16 novembro de 1965. Os signatários – que incluíam os representantes mais conhecidos da ala "progressista" (dentre outros, os bispos Hélder Câmara, Leonidas Proaño e Luigi Bettazzi) – se comprometiam nesse texto a levar uma vida austera, sem propriedades nem contas bancárias, sem títulos nem bens materiais. Percorrendo a lista dos signatários, o papa comentou: "Nossa, veja quem está aqui!". Pérez Esquivel disse: "Francisco se interessou, disse que iria ver. Nós nos comprometemos a fazer um trabalho para reunir esses pensadores, como Leonardo Boff, que contribuíram tanto com a Igreja". Até aqui a reconstrução do site Vatican Insider. Uma coisa é certa: a Teologia da Libertação em molho argentino foge do marxismo. Scannone é claro: "A teologia argentina do povo privilegia a análise histórico-cultural ao interpretar a situação histórica à luz da fé, em vez da análise sócio-estrutural, embora esta última não seja descartada, mas sem usar o método marxista". Na corrente argentina da Teologia da Libertação, unem-se intimamente a opção preferencial pelos pobres (Conferência de Puebla) e a evangelização da cultura, da qual também fazem parte as estruturas sociais, e um dos frutos na América Latina é o catolicismo popular. Se for assim, não devemos excluir que, realmente, embora com todas as nuances do caso, se chegue a uma superação do "conflito" em curso entre teólogos da libertação e Roma. Não faltam sinais de um degelo. Recentemente, o protagonista foi um personagem de primeiro plano como o arcebispo Gerhard Ludwig Müller, atual prefeito do dicastério vaticano – a Congregação para a Doutrina da Fé – que, nos anos 1980, interveio com nada menos do que duas instruções para assinalar os desvios pastorais e doutrinais que incumbiam sobre os caminhos tomados pelas teologias latino-americanas: "O movimento eclesial e teológico da América Latina, conhecido como 'Teologia da Libertação', que depois do Vaticano II encontrou um eco mundial, deve ser contado, a meu ver, entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX", escreve Müller em um livro de próxima publicação: uma coletânea de artigos escritos a quatro mãos [com Gustavo Gutiérrez], já impresso na Alemanha em 2004, que será lançado na Itália com o título Dalla parte dei poveri. Teologia della liberazione, teologia della Chiesa [Do lado dos pobres. Teologia da Libertação, teologia da Igreja] (coeditado pelas Edizioni Messaggero Padova e Emi).

Roma e a Teologia da Libertação: fim da guerra? O movimento eclesial teológico da América Latina, conhecido como ―Teologia da Libertação‖, que depois do Vaticano II encontrou eco em todo o mundo, deve ser considerado estar entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX. Quem consagra a Teologia da Libertação com esta elogiosa e peremptória avaliação histórica não é nenhum representante sul-americano das estações eclesiais do passado. O ―certificado‖ de validade chega diretamente do arcebispo Gerhard Ludwig Müller, atual Prefeito do mesmo dicastério vaticano – a Congregação para a Doutrina da Fé – que durante os anos 1980, seguindo o impulso do Papa polonês e sob a direção do então cardeal Ratzinger, interveio com duas instruções para indicar os desvios pastorais e doutrinais que também incluíam os caminhos que as teologias latino-americanas haviam tomado. A avaliação sobre a Teologia da Libertação não é uma declaração que escapou acidentalmente ao atual custódio da ortodoxia católica. O juízo, meditado, aparece nas densas páginas do volume do qual foi tirada a frase: uma antologia de ensaios escrita a quatro mãos, impressa na Alemanha, em 2004, e que agora está sendo publicada na Itália com o título “Da parte dos pobres, Teologia da Libertação, Teologia da Igreja” (Ediciones Messaggero, Padua, Emi).

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Atualmente, o livro irrompe como um ato para encerrar as guerras teológicas do passado e os resíduos bélicos que de tempos em tempos brilham para espairecer alarmas que representam ora interesses, ora pretextos. O livro é escrito pelo atual responsável pelo ex-Santo Ofício e pelo teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, pai da Teologia da Libertação e inventor da própria fórmula utilizada para definir essa corrente teológica, cujas obras foram submetidas a exames rigorosos durante muito tempo pela Congregação para a Doutrina da Fé em sua longa estação ratzingeriana, embora nunca tenha sido condenado. O livro representa o resultado de um longo caminho comum. Müller nunca ocultou sua proximidade com Gustavo Gutiérrez, que conheceu em 1998 em Lima durante um seminário de estudos. Em 2008, durante a cerimônia para o doutorado honoris causa concedido ao teólogo Müller pela Pontifícia Universidade Católica do Peru, o então bispo de Regensburg definiu como absolutamente ortodoxa a teologia de seu mestre e amigo peruano. Nos meses anteriores à nomeação de Müller como presidente do dicastério doutrinal, foi exatamente sua relação com Gutiérrez que foi evocada por alguns como prova da não idoneidade do bispo teólogo alemão para o posto que ocupou (durante 24 anos) o então cardeal Ratzinger. Nos ensaios da antologia, os dois autores-amigos se complementam reciprocamente. Segundo Müller, os méritos da Teologia da Libertação vão além do âmbito do catolicismo latino-americano. O Prefeito indica que a Teologia da Libertação expressou no contexto real da América Latina das últimas décadas a orientação para Jesus Cristo redentor e libertador que marca qualquer teologia autenticamente cristã, justamente a partir da insistente predileção evangélica pelos pobres. ―Neste continente‖, reconhece Müller, ―a pobreza oprime as crianças, os idosos e os doentes‖, e induz muitos a ―considerar a morte como uma escapatória‖. Desde as suas primeiras manifestações, a Teologia da Libertação ‗obrigava‘ as teologias de outras partes a não criar abstrações sobre as condições reais da vida dos povos ou dos indivíduos. E reconhecia nos pobres a ―própria carne de Cristo‖, como agora repete o Papa Francisco. Justamente com a chegada do primeiro Papa latino-americano surge com maior força a oportunidade para considerar esses anos e essas experiências sem os condicionamentos dos furores e das polêmicas daquela época. Mesmo afastando-se dos ritualismos dos ―mea culpa‖ postiços ou das aparentes ―reabilitações‖, hoje é muito mais fácil reconhecer que certas veementes mobilizações de alguns setores eclesiais contra a Teologia da Libertação eram motivadas por certas preferências de orientação política mais que pelo desejo de guardar e afirmar a fé dos apóstolos. Os que pagaram a fatura foram os teólogos peruanos e os pastores que estavam completamente submergidos na fé evangélica do próprio povo, que acabaram ―triturados‖ ou na sombra mais absoluta. Durante um longo período, a hostilidade demonstrada para com a Teologia da Libertação foi um importante fator para favorecer brilhantes carreiras eclesiásticas. Em um dos textos, Müller descreve sem meias palavras os fatores político-religiosos e geopolíticos que condicionaram certas ―cruzadas‖ contra a Teologia da Libertação: ―Com o sentimento triunfalista de um capitalismo que, provavelmente, se considerava definitivamente vitorioso‖, refere o Prefeito do dicastério doutrinal vaticano, ―misturou-se também a satisfação de ter negado desta maneira qualquer fundamento ou justificação da Teologia da Libertação. Acreditava-se que o jogo com ela era muito simples, lançando-a no mesmo conjunto da violência revolucionária e do terrorismo dos grupos marxistas‖. Müller também cita o documento secreto, preparado para o presidente Reagan pelo Comitê de Santa Fé, em 1980 (ou seja, quatro anos antes da primeira Instrução sobre a Teologia da Libertação), no qual se solicitava ao governo dos Estados Unidos da América que agisse com agressividade contra a ―Teologia da Libertação‖, culpada por ter transformado a Igreja Católica em ―arma política contra a propriedade privada e o sistema da produção capitalista‖. ―É desconcertante neste documento‖, destaca Müller, ―a desfaçatez com que seus autores, responsáveis por ditaduras militares brutais e por poderosas oligarquias, fazem de seus interesses pela propriedade privada e pelo sistema produtivo capitalista o parâmetro do que deve valer como critério cristão‖. Após terem passado décadas de batalhas e contraposições, justamente a amizade entre os dois teólogos (o Prefeito da Doutrina da Fé e aquele que durante um tempo foi perseguido pelo mesmo dicastério doutrinal) alimenta finalmente uma ótica capaz de distinguir as obsoletas armações ideológicas do passado da genuína fonte evangélica que impulsionava muitas das rotas do catolicismo latino-americano depois do Concílio. Segundo Müller, Gutiérrez, com seus 85anos (e que pretende viajar à Itália e passar por Roma em setembro), expressou uma reflexão teológica que não se limitava às conferências nem aos cenáculos universitários, mas que se nutria da seiva das liturgias celebradas pelo sacerdote com os pobres, nas periferias de Lima. Ou seja, essa experiência básica graças à qual – como disse sempre simples e biblicamente o próprio Gutiérrez – ―ser cristão significa seguir a Jesus‖. É o próprio Senhor, acrescenta Müller ao comentar a frase de seu amigo peruano, quem ―nos dá a indicação de nos comprometermos diretamente com os pobres. Fazer prevalecer a verdade nos leva a estar do lado dos pobres‖.

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Estudo de caso: O que é a Teologia da Libertação? Por: Cardeal Joseph Ratzinger Para esclarecer a minha tarefa e a alinha intenção, com relação ao tema, parecem-me necessárias algumas observações preliminares: A Teologia da Libertação é fenômeno extraordinariamente Complexo. É possível formar-se um conceito da Teologia da Libertação segundo o qual ela vai das posições mais radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado da necessária responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no contexto de uma carreta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM, de Medellin a Puebla. Neste nosso texto, usaremos o conceito ―Teologia da Libertação‖ em sentido mais restrito: sentido que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo, fizeram própria a opção fundamental marxista. Mesmo aqui existem, nos particulares, muitas diferenças que é impossível aprofundar nesta reflexão geral. Neste contexto posso apenas tentar pôr em evidência algumas linhas fundamentais que, sem desconhecer as diversas matrizes, são muito difundidas e exercem certa influência mesmo onde não existe Teologia da Libertação em sentido estrito. Com a análise do fenômeno da Teologia da Libertação torna-se manifesto um perigo fundamental paro a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida. Além disso, o erro não se poderia apropriar daquela parte de verdade, se essa verdade fosse suficientemente vivida e testemunhada ali onde é o seu lugar, isto é, na fé da Igreja. Por isso, ao lado da demonstração do erro e do perigo da Teologia da Libertação, é preciso sempre acrescentar a pergunta: que verdade se esconde no erro e como recuperá-la plenamente?

A Teologia da Libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista a) Essa teologia não pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer dizer, como nova forma de compreensão e de realização do cristianismo na sua totalidade. Por isto mesmo muda todas as formas da vida eclesial: a constituição eclesiástica, a liturgia, a catequese, as opções morais; b) A Teologia da Libertação tem certamente o seu centro de gravidade na América Latina, mas não é, de modo algum, fenômeno exclusivamente latino-americano. Não se pode pensá-la sem a influência determinante de teólogos europeus e também norte-americanos. Além do mais, existe também na Índia, no Sri Lanka, nas Filipinas, em Taiwan, na África embora nesta última esteja em primeiro plano a busca de uma ―teologia africana‖. A união dos teólogos do Terceiro Mundo é fortemente caracterizada pela atenção prestada aos temas da Teologia da Libertação; c) A Teologia da Libertação supera os limites confessionais. Um dos mais conhecidos representantes da Teologia da Libertação, Hugo Assman, era sacerdote católico e ensina hoje como professor em uma Faculdade protestante, mas continua a se apresentar com o pretensão de estar acima das fronteiras confessionais. A Teologia da Libertação procura criar, já desde as suas premissas, uma nova universalidade em virtude da qual as separações clássicas da Igreja devem perder a sua Importância.

I. O Conceito de Teologia da Libertação e os Pressupostos de sua Gênese Essas observações preliminares, entretanto, já nos introduziram no núcleo do tema. Deixam aberta, porém, a questão principal: o que é propriamente o Teologia da Libertação? Em uma primeira tentativa de resposta, podemos dizer: a Teologia da Libertação pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para tal práxis. Mas assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política, também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser um guia para a ação política. ―Nada resta fora do empenho político. Tudo existe com uma colocação política‖ (Gutierrez). Uma teologia que não seja ―prática (o que significa dizer ―essencialmente política‖) é considerada ―idealista‖ e condenada como irreal ou como veículo de conservação dos opressores no poder. Para um teólogo que tenha aprendido a sua teologia na tradição clássica e que tenha aceitado a sua vocação espiritual, é difícil imaginar que seriamente se possa esvaziar a realidade global do Cristianismo em um esquema de práxis sócio-político de libertação. A coisa é, entretanto, mais difícil, já que os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em clave nova, de tal modo que aqueles que leem e que escutam partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas mas que, unidos a tanta religiosidade, não poderiam ser tão perigosas. Exatamente a radicalidade da Teologia da Libertação faz com que a sua gravidade não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até

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hoje existente, A sua colocação, já de partida, situa-se fora daquilo que pode ser colhido pelos tradicionais sistemas de discussão. Por isto tentarei abordar a orientação fundamental da Teologia da Libertação em duas etapas: primeiramente é necessário dizer algo acerca dos pressupostos que a tornaram possível; a seguir, desejo aprofundar alguns dos conceitos base que permitem conhecer algo da estrutura da Teologia da Libertação. Como se chegou a esta orientação completamente nova do pensamento teológico, que se exprime na leolog1a da libertação? Vejo principalmente três: fatores que a tornaram possível.

1) Após o Concílio, produziu-se uma situação teológica nova: a) Surgiu a opinião de que a tradição teológica existente até então não era mais aceitável e, por conseguinte, se deviam procurar, o partir da Escritura e dos sinais dos tempos, orientações teológicas e espirituais totalmente novas; b) A idéia de abertura ao mundo e de compromisso no mundo transformou-se frequentemente em uma fé ingênua nas ciências; uma fé que acolheu as ciências humanas como um novo evangelho, sem querer ,reconhecer os seus limites e problemas próprios. A psicologia, a sociologia e a interpretação marxista da história foram considerados como cientificamente seguras e, a seguir, como instâncias não mais contestáveis do pensamento cristão; c) A crítica da tradição por parte da exegese evangélica moderna, especialmente o de Bultmann e da sua escola, tornou-se uma, instância teológica inamovível que barrou a estrada às formas até então válidas da teologia, encorajando assim também novas construções. 2) A situação teológica assim transformada coincidiu com uma situação da historia espiritual também ela modificada. Ao final da fase de reconstrução após a segunda guerra mundial, fase que coincidiu pouco mais ou menos com o término do Concilio, produziu-se no mundo ocidental um sensível vazio de significado, ao qual a filosofia existencialista ainda em voga não estava em condições de dar alguma resposta. Nesta situação, as diferentes formas do neo-marxismo transformaram-se em um impulso moral e, ao mesmo tempo, em uma promessa de significado que parecia quase irresistível à juventude universal. O marxismo, com as acentuações religiosas de Bloch e as filosofias dotadas de rigor científico de Adorno, Harkheimer, Habernas e Marcuse, ofereceram modelos de ação com os quais alguns pensadores acreditavam poder responder ao desafio da miséria no mundo e, ao mesmo tempo, poder atualizar o sentido correto da mensagem bíblica. 3) O desafio moral da pobreza e da opressão não se podia mais ignorar, no momento em que a Europa e a América do Norte atingiam uma opulência até então desconhecida. Este desafio exigia evidentemente novas respostas, que não se podiam encontrar na tradição existente até aquele momento. A situação teológica e filosófica mudada convidava expressamente a buscar a resposta em um cristianismo que se deixasse regular pelos modelos da esperança, aparentemente fundados cientificamente, das filosofias marxistas.

II. A Estrutura Gnosiológica Fundamental da Teologia da Libertação Esta resposta se apresenta totalmente diversa nas formas particulares de Teologia da Libertação, teologia da evolução, teologia política, etc. Não pode, pois, ser apresentada globalmente, Existe, no entanto, alguns conceitos fundamentais que se repetem continuamente nas diferentes variações e exprimem comuns intenções de fundo. Antes de passar aos conceitos fundamentais do conteúdo, é necessário fazer uma observação a cerca dos elementos estruturais da Teologia da Libertação. Paro tal, podemos retomar o que já afirmamos acerca da situação teológica mudada após o Concilio. Como já disse, leu-se a exegese de Bultmann e da sua escola como um enunciado da ―ciência sobre Jesus‖, ciência que devia obviamente ser considerado como válida. O ―Jesus histórico‖ de Bultmann, entretanto, apresentava-se separado por um abismo (o próprio Bultmann fala de Graben, fosso) do Cristo da fé. Segundo Bultmann, Jesus pertence aos pressupostos do Novo Testamento, permanecendo. Porém, encerrado no mundo do judaísmo. O resultado final dessa exegese consistiu em abalar a credibilidade histórica dos Evangelhos: o Cristo da tradição eclesial e o Jesus histórico apresentado pela ciência pertencem evidentemente a dois mundos diferentes. A figura de Jesus foi erradicada da sua colocação na tradição por ação da ciência, considerada como instância suprema; deste modo, por um lado, a tradição pairava como algo de irreal no vazio, e, por outro, devia-se procurar para a figura de Jesus uma nova interpretação e um novo significado. Bultmann, portanto, adquiriu importância não tanto pelas suas afirmações positivas quanto pelo resultado negativo da sua crítica: o núcleo da fé, a cristologia, permaneceu aberto a novas interpretações porque os seus enunciados originais tinham desaparecido, na medida em que eram considerados historicamente insustentáveis. Ao mesmo tempo desautorizava-se o magistério da Igreja, na medida em que o consideravam preso a uma teoria cientificamente insustentável e, portanto, sem valor como instância cognoscitiva sobre Jesus. Os seus anunciados podiam ser considerados somente como definições frustradas de uma posição cientificamente superada. Além disso, Bultmann foi importante para o desenvolvimento posterior de uma segunda palavra- chave. Ele trouxe à moda o antigo conceito de hermenêutica, conferindo-lhe uma dinâmica nova. Na palavra ―hermenêutica‖ encontra expressão a idéia de que uma compreensão real dos textos históricos não acontece através de uma mera

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interpretação histórica; mas toda interpretação histórica inclui certas decisões preliminares. A hermenêutica tem a função de ―atualizar‖, em conexão com a determinação de dado histórico. Nela, segundo a terminologia clássica, se trata de uma ―fusão dos horizontes‖ entre ―então‖ [―naquele tempo‖] e o ―hoje‖. Por conseguinte, ela suscita a pergunta: o que significa o então (―naquele tempo‖), nos dias de hoje? O próprio Bultmann respondeu a esta pergunta servindo-se da filosofia de Heidegger e interpretou, deste modo, a Bíblia em sentido existencialista. Tal resposta, hoje, não apresenta mais algum interesse; neste sentido Bultmann foi superado pela exegese atual. Mas permaneceu a separação entre a figura de Jesus da tradição clássica e a idéia de que se pode e se deve transferir essa figura ao presente, através de uma nova hermenêutica. A este ponto, surge o segundo elemento, já mencionado, da nossa situação: o novo clima filosófico dos anos sessenta. A análise marxista da história e da sociedade foi considerada, nesse ínterim, conto a única dotada de caráter ―cientifico‖, isto significa que o mundo é interpretado à luz do esquema da luta de classes e que a única escolha possível é entre capitalismo e marxismo. Significa, além disso, que toda a realidade é política e que deve ser justificada politicamente. O conceito bíblico do ―pobre‖ oferece o ponto de partida para a confusão entre a imagem bíblica da história e a dialética marxista; esse conceito é interpretado com a idéia de proletariado em sentido marxista e justifica também o marxismo como hermenêutica legítima para a compreensão da Bíblia. Ora, Segundo essa compreensão, existem, e só podem existir, duas opções; pai isso, contradizer essa interpretação da Bíblia não é senão expressão do esforço da classe dominante para conservar o próprio poder, Gutierrez afirma: ―A luta de classes é um dado de fato e a neutralidade acerca desse ponto é absolutamente impossível‖. A partir dai, torna-se impossível até a intervenção do magistério eclesiástico: no caso em que este se opusesse a tal interpretação do Cristianismo demonstraria apenas estar ao lado dos ricos e dos dominadores e contra os pobres e os sofredores, isto é, contra o próprio Jesus, e, na dialética da história, aliar-se-ia à parte negativo. Essa decisão, aparentemente ―científica‖ e ―hermeneuticamente‖ indiscutível, determina por si o rumo da ulterior interpretação do Cristianismo, seja quatro às instâncias interpretativas, seja quatro aos conteúdos interpretados. No que diz respeito as instâncias interpretativas, os conceitos decisivos são: povo, comunidade, experiência, história. Se até então a Igreja, isto é, a Igreja Católica na Sua totalidade, que, transcendendo tempo e espaço, abrange os leigos (sensus fidei) e a hierarquia (magistério), fora a instância hermenêutica fundamental, hoje tornou-se a ―comunidade‖ tal instância. A vivência e as experiências da comunidade determinam agora a compreensão e a interpretação da Escritura. De novo pode-se dizer, aparentemente de maneira muito científica, que a figura de Jesus, apresentada nos Evangelhos, constitui uma síntese de acontecimentos e interpretações da experiência de comunidades particulares, onde no entanto a interpretação é muito mais importante do que o acontecimento, que, em si, não é mais determinável. Essa síntese original de acontecimento e interpretação pode ser dissolvida e reconstruída sempre de novo: a comunidade ―interpreta‖ com a sua ―experiência‖ os acontecimentos e encontra assim sua ―práxis‖. Esta idéia, podemos encontrá-la em modo um tanto diverso do conceito de povo, com o qual se transformou a acentuação conciliar da idéia de ―povo de Deus‖ em mito marxista. As experiências do ―povo‖ explicam a Escritura. ―Povo‖ torna-se assim um conceito aposto ao de ―hierarquia‖ e em antítese a todas as instituições indicadas como forças da opressão. Afinal, é ―povo‖ quem participa da ―luta de classes‖; a ‖igreja popular‖ acontece em oposição à Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de ―história‖ torna-se instância hermenêutica decisiva. A opinião, considerada cientificamente segura e irrefutável, de que a Bíblia raciocine em termos exclusivamente de história da salvação, e portanto de maneira antí-metafísica. permite a fusão do horizonte bíblico com a idéia marxista da história que procede dialeticamente como autêntica portadora de salvação; a história é o autêntica revelação e portanto a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica. Tal dialético é apoiado, algumas vezes, pela pneumatologia. Em todo caso, também esta última, no magistério que insiste em verdades permanentes, vê uma instância inimiga do progresso, dado que pensa ―metafisicamente‖ e assim contradiz a ―história‖. Pode-se dizer que o conceito de história absorve o conceito de Deus e de revelação. A ―historicidade‖ da Bíblia deve justificar o seu papel absolutamente predominante e, portanto, deve legitimar, ao mesmo tempo, a passagem para a filosofia materialista-marxista, na qual a história assumiu a função de Deus.

III. Conceitos Fundamentais da Teologia da Libertação Com isto, chegamos aos conceitos fundamentais do conteúdo da nova interpretação do Cristianismo. Uma vez que os contextos nos quais aparecem os diversos conceitos são diferentes, gostaria de citar alguns deles, sem a pretensão de esquematizá-los. Comecemos pela nova interpretação da fé, da esperança e da caridade. Com relação a fé, por exemplo, J. Sobrinho afirma: a experiência que Jesus tem de Deus é radicalmente histórica. ―A sua fé converte-se em fidelidade‖. Por isso Sobrinho substitui fundamentalmente o fé pela ―fidelidade à história‖ (fidelidade a la historia, 143´144). Jesus é fiel à profunda convicção de que o mistério da vida do homem ... é realmente o último ... (144). Aqui produz-se aquela fusão entre Deus e história que dá a Sobrinho a possibilidade de conservar para Jesus a fórmula de Calcedônia, ainda que com um sentido completamente mudado; pode-se ver como os critérios clássicos da ortodoxia não são aplicáveis à análise dessa teologia, Ignácio Ellacuria, na capa do livro sobre este assunto, afirma: Sobrinho ―diz de novo ... que Jesus é Deus, acrescentando, porém, imediatamente, que o Deus verdadeiro é

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somente aquele que se revela historicamente em Jesus e nos pobres, que continuam a sua presença. Somente quem mantém unidas essas duas afirmações, é ortodoxo...´. A esperança é interpretada como ―confiança no futuro‖ e como trabalho pelo futuro; com isso elo é subordinado novamente ao predomínio da história das classes. ―Amor‖ consiste na ―opção pelos pobres‖, isto é, coincide com a opção pela luta de classes. Os teólogos da libertação sublinham com força, diante do ―falso universalismo‖, a parcialidade e o caráter partidário da opção cristã; tomar partido é, segundo eles, requisito fundamental de uma correta hermenêutica dos testemunhos bíblicos. Na minha opinião, aqui se pode reconhecer muito claramente a mistura entre uma verdade fundamental do Cristianismo e uma opção fundamental não cristã, que torna o conjunto tão sedutor: o sermão da montanha é, na verdade, a escolha por parte de Deus a favor dos pobres. Mas a interpretação dos pobres no sentido da dialética marxista da história e a interpretação da escolha partidária no sentido da lula de classes é um salto ―eis allo genos‖ (grego: para outro gênero), no qual as coisas contrarias se apresentam como idênticas. O conceito fundamental da pregação de Jesus é o de ―reino de Deus‖. Este conceito encontra-se também no centro das Teologia da Libertação, lido porém no contexto da hermenêutica marxista. Segundo J. Sobrinho, o reino não deve ser compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva escatologicamente abstrata. Deve ser compreendido em forma partidária e voltado para a práxis. Somente a partir da práxis de Jesus, e não teoricamente, é possível definir o que seria o reino: trabalhar na realidade histórica que nos circunda para transformá-la no reino (166). Aqui ocorre mencionar também uma idéia fundamental de certa teologia pós-conciliar que impulsionou nessa direção. Muitos apregoaram que, segundo o Concílio, se deveriam superar todas as formas de dualismo: o dualismo de corpo e alma, de natural e sobrenatural, de imanência e transcendência, de presente e futuro. Após o desmantelamento desses dualismos, resta apenas a possibilidade de trabalhar por um reino que se realize nesta história e em sua realidade político-econômica. Mas justamente dessa forma deixou-se de trabalhar pelo homem de hoje e se começou a destruir o presente, a favor de um futuro hipotético: assim produziu-se imediatamente o verdadeiro dualismo. Neste contexto gostaria de mencionar também a interpretação, impressionante e definitivamente espantosa, que Sobrinho dá da morte e da ressurreição. Antes do mais, ele estabelece, contra as concepções universalistas, que a ressurreição é, em primeiro lugar, uma esperança para aqueles que são crucificados; estes constituem a maioria dos homens: todos aqueles milhões aos quais a injustiça estrutural se impõe como uma lenta crucifixão (176 e seguintes). O crente, no entanto, participa também do senhorio de Jesus sobre a história, através da edificação do reino, isto é, na luta pela justiça e pela libertação integral, na transformação das estruturas injustas em estruturas mais humanas. Esse senhorio sobre o história é exercitado ao se repetir o gesto dê Deus que ressuscita Jesus, isto é, dando novamente vida aos crucificados da história (181). O homem assumiu o gesto de Deus e aqui a transformação total da mensagem bíblica se manifesta de maneiro quase trágica, se se pensa em como essa tentativa de imitação de Deus se desenvolveu e se desenvolve ainda. Gostaria de citar apenas alguns outros conceitos: o êxodo se transforma em uma imagem central da história da salvação; o mistério pascal é entendido como um símbolo revolucionário e, portanto, a Eucaristia é interpretada como uma festa de libertação no sentido de uma esperança político-messiânica e da sua práxis. A palavra redenção é substituída geralmente por libertação, a qual, por sua vez, é compreendida, no contexto da história e da luta de Classes, como processo de libertação que avança, por fim, é fundamental também a acentuação da práxis: a verdade não deve ser compreendida em sentido metafísico; trata-se de ―idealismo‖. A verdade realiza-se na história e na práxis, A ação é a verdade. Por conseguinte, também as idéias que se usam para ação, em última instância são intercambiáveis. A única coisa decisiva é a práxis. A práxis torna-se, assim, o única .e verdadeira ortodoxia. Desta forma justifica-se um enorme afastamento dos textos bíblicos: a crítica histórica liberta da interpretação tradicional, que aparece como não científica. Com relação à tradição, atribui-se importância ao máximo rigor cientifico na linha de Buftmann. Mas os conteúdos da Bíblia, determinados historicamente, não podem, por sua vez, ser vinculantes de modo absoluto. O instrumento para a interpretação não é, em última análise, a pesquisa histórica, mas, sim, a hermenêutica da história, experimentada na comunidade, isto é, nos grupos políticos, sobretudo dado que a maior parte dos próprios conteúdos bíblicos deve ser considerada como produto de tal hermenêutica comunitária. Quando se tenta fazer um julgamento geral, deve-se dizer que, quando alguém procura compreender as opções fundamentais da Teologia da Libertação não pode negar que o conjunto contém uma lógica quase incontestável. Comi as premissas da crítica bíblica e da hermenêutica fundada na experiência, de um lado, e da análise marxista da história, de outro, conseguiu-se criar uma visão de conjunto do cristianismo que parece responder plenamente tanto às exigências da ciência, quanto aos desafios morais dos nossos tempos. E, portanto, impõe-se aos homens de modo imediato o tarefa de fazer do Cristianismo um instrumento da transformação concreta do mundo, o que pareceria uni-lo a todas as forças progressistas da nossa época. Pode-se, pois, compreender como esta nova interpretação do Cristianismo atraia sempre mais teólogos, sacerdotes e religiosos, especialmente no contexto dos problemas do terceiro mundo.

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Subtrair-se a ela deve necessariamente aparecer aos olhos deles como uma evasão da realidade, como uma renúncia à razão e à moral. Porém, de outra parte, quando se pensa o quanto seja radical a interpretação do Cristianismo que dela deriva, torna-se ainda mais urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela. À guisa de comentário, parece oportuno salientar os seguintes pontos:

1) A Teologia da Libertação não é um novo tratado teológico ao lado de outros já existentes, mas é uma nova interpretação do Cristianismo, que revira radicalmente as verdades da fé, a constituição da Igreja, a Liturgia, a catequética e as opções morais.

2) Todos os valores e toda a realidade são considerados do ponto de vista político. Uma teologia que não seja essencialmente política, é encarada como fator de conservação dos apressares no poder.

3) A dificuldade de se perceber esse caráter subversiva da Teologia da Libertação está, em grande parte, no fato de que

os seus arautos continuam a usar a linguagem ascética e dogmática da Igreja, embora em chave nova. Isto dá aos observadores a impressão de que estão diante do patrimônio da fé acrescido de algumas afirmações religiosas que não podem ser perigosas.

4) A gravidade da Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra em nenhum esquema de heresia

até hoje existente.

5) O cristão não pode ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo. Todavia, para acudir

cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação; existe a doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio e a luta de classes.

A Teologia da Libertação: O Cristianismo a favor dos excluídos A palavra teologia vem da conjugação de TÉOS e LÓGOS, dois termos gregos. Poder-se-ia dizer que teologia é todo discurso acerca de Deus. Assim, por exemplo, foi denominado por Aristóteles em seu livro ―Filosofia Primeira‖, que hoje conhecemos com o nome de metafísica. Para Aristóteles o TÉOS seria objeto de pesquisa da maior de todas as ciências: a ciência do ser enquanto ser – esta que hoje denominamos de metafísica. Portanto, para ser estagirita – Aristóteles, a metafísica, ou seja, a filosofia primeira, é sinônimo de teologia. Apesar de podermos falar de teologia em um sentido lato, tal como abordamos acima, atualmente o significado deste termo difere-se deste que expusemos. Teologia hoje é o discurso racional acerca de Deus a partir dos dados advindos de um livro revelado: Bíblia, Alcorão, etc. À teologia compete, portanto, a atualização dos dados revelados através do discurso (lógos), segundo as exigências históricas vigentes. Com isso, se mostra o caráter transitório do discurso teológico: a transitoriedade do discurso deve-se à transitoriedade própria da história humana, da cultura e de suas diversas problemáticas. Deus, por isso, deve sempre aparecer ao homem, através do discurso teológico, historicamente situado. Esta, última informação nos leva a perceber a imbricação necessária entre teólogo, revelação e história. Não obstante à imbricação supracitada, não poucas vezes a teologia cristã se configurou de forma totalmente anacrônica em seus discursos e, consequentemente, em seus conceitos. A teologia cristã durante séculos, preocupou-se com o hyperurânio de Platão, com o motor imóvel de Aristóteles, com a cidade de Deus de Agostinho, menos com as problemáticas históricas que fatalmente orientavam a vida social do homem. É comum nos depararmos com textos clássicos da teologia e sermos levados às nuvens, aos céus, como, por exemplo, num texto de Irineu ou de S. Agostinho de Hipona. Mas, qual a razão disto? Isto ocorreu por mera vontade dos teólogos? Certamente, não. A teologia cristã configurou-se de forma anacrônica por muito tempo, devido ao instrumental filosófico que ela utilizou para discursar acerca de Deus. Tal instrumental derivava-se da metafísica clássica que tem como característica formular conceitos anacrônicos, desconsiderando o caráter histórico do homem – ou seja, desconsiderando o homem enquanto ser histórico, que se faz (constrói) no tempo. A consequência disto, é que os dados da revelação cristã – Bíblia – foram entendidos como realidades atemporais e históricas. Por isso, por muito tempo – certamente, também ainda hoje – entendeu-se Deus, Reino dos Céus, inferno, etc., como realidades totalmente transcendentais, totalmente destacadas dos processos e fases históricas da humanidade. Esta forma de discurso acerca de Deus foi submetida à crítica com o advento da modernidade e do pensamento contemporâneo. A metafísica, que foi a ―pedra angular‖ da teologia clássica, foi fortemente criticada a partir da modernidade. Descobriu-se, após séculos de especulação, a história como característica essencial do homem e a cultura como âmbito de toda construção histórica. Com isso, o pensamento ocidental, largou aquele

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transcendentalismo metafísico, tornando-se por isso mais imamentista. Isto influenciou fortemente a teologia. O encontro do homem com Deus – chamado pela teologia da GRAÇA – passou a ser pensado como realidade histórica: Deus se manifesta ao homem situando-se histórica e culturalmente, ou seja, o encontro de Deus com o homem difere-se na história em suas diversas épocas, e difere-se na pluralidade cultural que se dá no seio da humanidade. Obviamente, isto gerou uma certa relativização no discurso sobre Deus; porém, valorizou a historicidade como característica essencial do ser humano, além de valorizar a multiplicidade de formas de Deus se apresentar ao homem, superando, assim, o anacronismo clássico metafísico que norteava o pensamento teológico no entendimento da relação homem – DEUS. A chamada Teologia da Libertação está inserida nesta última fase do pensamento ocidental que destacamos acima: a fase da valorização da história, da cultura e da diversidade de formas de manifestação do encontro do homem com Deus. Ela é uma teologia propriamente cristã; por isso, utiliza a Bíblia como pressuposto necessário de seus discursos. A expressão ―Teologia da Libertação‖, já mostra o sentido norteador deste discurso teológico. O genitivo que aparece na expressão citada – DA LIBERTAÇÃO -, mostra-nos que a libertação é o horizonte regulador do discurso acerca de Deus, e, ao mesmo tempo, mostra-nos que o Deus do discurso é fonte de libertação. Esta se manifesta concretamente nos diversos momentos do processo histórico de um povo. Consequentemente, a Teologia da Libertação torna-se força geradora de ações que viabilizam uma práxis libertadora, segundo as necessidades advindas das diversas circunstâncias sob as quais um povo está submetido. ―A Teologia da Libertação é um movimento teológico que quer mostrar aos cristãos que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode contribuir para tornar esta práxis mais autenticamente libertadora‖ (MONDIN, 1980, p. 25). Neste sentido, o cristão é impelido a viver a práxis libertadora nas diversas épocas da história. O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social, econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 60/70 do último século. Os teólogos deste período, católicos e protestantes, assumiram a libertação como paradigma de todo fazer teológico. Vejamos o quadro social da América Latina no período originário da Teologia da Libertação: ―O ambiente político é geralmente caracterizado pela presença de governos que administram o poder arbitrariamente em vantagem dos ricos e dos poderosos, fazendo amplo uso da força e da violência. (...) O ambiente econômico e social está marcado pela miséria e pela marginalização da maior parte da população. Os recursos econômicos são controlados por um pequeno grupo de privilegiados. (...) No ambiente cultural se verifica ainda uma notável dependência da Europa e dos Estados Unidos. Na ciência como na filosofia, na arte como na literatura, quase nada é concedido à originalidade das populações latino-americanas” (Ibidem, p. 25-26). O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador do conceito de libertação. A libertação, então, é toda ―ação que visa criar espaço para a liberdade‖ (BOFF, 1980, p. 87). Ser livre, neste sentido, é não estar sob o jugo da lei alheia; é poder construir-se autonomamente. O processo histórico da América Latina foi e é dominado por diversas leis estranhas a ela. A América do Norte, em especial os EUA, e os países europeus, sempre impuseram aos latino–americanos seus valores, suas políticas, sua cultura, etc. Neste sentido, a libertação no seio da América Latina, é a luta pela liberdade da cultura, dos valores, da economia, da política latino-americanos, frente às diversas opressões advindas de um modelo imperialista que rege a práxis do hemisfério norte em suas relações com o hemisfério sul, especialmente como o povo latino–americano. Tal relação impõe ao hemisfério sul a cultura do hemisfério norte. Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, a libertação deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; já que esta é a consequência direta da relação norte–sul, onde milhões de homens e mulheres empobrecem e se deterioram porque ficam à margem (excluídos) do processo econômico e político norteado pelo capitalismo imposto pelos EUA e Europa. Desta forma compete à Teologia da Libertação a tarefa de discursar sobre Deus a partir da ótica de um processo excludente e a partir da realidade concreta dos excluídos. O teólogo da libertação, portanto, deve ter este duplo olhar: olhar para Deus e olhar para o excluído. Olhar para Deus é a fonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído identifica onde há necessidade de libertação. Olhando para Deus – ou Cristo -, a Teologia da Libertação diferencia-se de todo movimento libertador laico, já que a libertação apresentada pela teologia enxerga nos processos históricos a possibilidade de presentificação da nova ordem escatológica anunciada por Cristo, ou seja, o Reino de Deus – ordem de justiça e da superação de toda opressão possível, na sociedade e no cosmos. Ao pretender olhar para o excluído e para o sistema gerador de opressão, como pressuposto de todo fazer teológico, a Teologia da Libertação difere-se radicalmente das teologias clássicas, pois supera o anacronismo destas, circunscrevendo a experiência de Deus no âmbito do engajamento do fiel na luta contra todo o sofrimento humano historicamente situado.

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Para que haja elaboração da Teologia da Libertação é mister que se compreenda os fenômenos da opressão e da exclusão. Estes devem ser compreendidos através de uma mediação sócio – analítica, ―Libertação é libertação do oprimido. Por isso, a Teologia da Libertação deve começar por se debruçar sobre as condições reais em que se encontra o oprimido de qualquer ordem que ele seja.‖ (BOFF, 1996, p. 40). O método utilizado para elucidar sócio–analiticamente o fenômeno da opressão e da exclusão pela Teologia da Libertação, é o método histórico- dialético. O marxismo passa a ser a filosofia predominante na análise sócio–analítica feita pela Teologia da Libertação. Porém, o marxismo é utilizado como instrumento, não tendo fim em si mesmo. ―Na Teologia da Libertação o marxismo nunca é tratado em si mesmo, mas sempre a partir, e em função dos pobres‖ (Ibidem, p. 45). O sentido último da teologia não é Marx, mas Deus. Após a leitura sócio–analítica, o teólogo da libertação deve-se deparar com a Bíblia Sagrada. A Bíblia deve fornecer subsídios para que se possa identificar a face de Deus e sua ação libertadora, nos diversos momentos históricos, sob as quais vive o teólogo e seu povo. Há, então, no processo de elaboração da Teologia da Libertação, uma imbricação necessária entre a análise sócio–analítica da realidade e a Bíblia Sagrada. Esta última fornece o sentido teológico da práxis libertadora proposta pela Teologia da Libertação. Com a gênese da Teologia da Libertação na América Latina, ―a religião passa a ser um fator de mobilização e não do freio‖ (BOFF, 1980, p. 102). A religião não mais se apresenta como ―ópio do povo‖. Ela passa a ser fonte de libertação e de esperança para o homem. A religião, desta forma, não se reduz a uma ideologia que mantém o status quo social e político; também não é mais fonte de discursos etéreos. A Teologia da Libertação pretende mostrar que Deus não está em uma esfera trans–histórica; mas, ela quer mostrar que Deus encarna-se na história, gera libertação de um povo humilhado, gera vida e esperança a um povo crucificado e sem sonhos. Podemos dizer, metaforicamente, que a Teologia da Libertação anuncia a ‗‘descida‘‘ de Deus de sua esfera transcendente e ―celeste‖ e mostra-o como agente dignificador dos humilhados da terra. Deus não é mais um conjunto de doutrinas e especulações, mas é a fonte de toda a luta pela justiça e igualdade. Por isso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça, pela inclusão e pela superação de toda opressão vigente na humanidade. ―Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.‖ (Ex 20,2). Eis a face de Deus anunciada pela Teologia da Libertação: Deus que tira o povo da opressão, da servidão. O céu almejado pela humanidade, não é pensado como realidade post mortem. Este céu que fora pensado pela teologia clássica como realidade distante que se manifestaria no porvir, encarna-se no ―agora‖, através da práxis do povo em prol da dignidade humana: cada conquista popular, no que tange a uma relação mais justa entre os homens, presentifica o céu no seio da humanidade. A Teologia da Libertação surge para mostrar que Deus é ―Pai – Nosso‖; portanto os homens e as mulheres devem se relacionar como irmãos e irmãs, sem haver exclusão, sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação da dignidade humana. Lutar pela libertação é valorizar a paternidade universal de Deus, que se manifesta nas relações justas e fraternas entre todos os seres humanos.

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O que é a Teologia da Prosperidade?

Teologia da Prosperidade (também conhecida como Evangelho da prosperidade) é uma doutrina religiosa cristã que defende que a bênção financeira é o desejo de Deus para os cristãos e que a fé, o discurso positivo e as doações para os ministérios cristãos irão sempre aumentar a riqueza material do fiel. Baseada em interpretações não-tradicionais da Bíblia, geralmente com ênfase no Livro de Malaquias, a doutrina interpreta a Bíblia como um contrato entre Deus e os humanos; se os humanos tiverem fé em Deus, Ele irá cumprir suas promessas de segurança e prosperidade. Reconhecer tais promessas como verdadeiras é percebido como um ato de fé, o que Deus irá honrar. A ―Teologia da Prosperidade‖, propagada hoje no Brasil por alguns segmentos religiosos dos ditos ―evangélicos‖, tem ressaltado que seguir a Jesus é automaticamente candidatar-se a uma vida de sucesso financeiro, de projeção social e quase imunidade a qualquer tipo de sofrimento. Afirmam que, ao abraçar a fé, as pessoas serão poupadas das dificuldades, terão suas dívidas saldadas, seus problemas familiares se resolverão imediatamente, dentre outros. Seus defensores ensinam que a doutrina é um aspecto do caminho à dominação cristã da sociedade, argumentando que a promessa divina de dominação sobre as Tribos de Israel se aplica aos cristãos de hoje. A doutrina enfatiza a importância do empoderamento pessoal, propondo que é da vontade de Deus ver seu povo feliz. A expiação (reconciliação com Deus) é interpretada de forma a incluir o alívio das doenças e da pobreza, que são vistas como maldições a serem quebradas pela fé. Acredita-se atingir isso através da visualização e da confissão positiva, o que é geralmente professado em termos contratuais e mecânicos. Foi durante os avivamentos de cura (healing revivals) dos anos 1950 que a Teologia da Prosperidade ganhou proeminência nos Estados Unidos, apesar de especialistas terem ligado suas origens ao Movimento Novo Pensamento. Os ensinamentos da Teologia da Prosperidade mais tarde ganharam proeminência no Movimento Palavra de Fé e no televangelismo dos anos 1980. Nos anos 1990 e 2000, foi adotada por líderes influentes do Movimento Carismático e promovida por missionários cristãos em todo o mundo, levando à construção de megaigrejas. Líderes proeminentes no desenvolvimento da Teologia da Prosperidade incluem E. W. Kenyon, Oral Roberts, T. L. Osborn e Kenneth Hagin. As igrejas nas quais o evangelho da prosperidade é ensinado são geralmente não-denominacionais e usualmente dirigidas por um único pastor ou líder, apesar de que algumas desenvolveram redes que se assemelham a denominações. Algumas igrejas dedicam um longo tempo aos ensinamentos sobre o dízimo, o discurso positivo e a fé. Igrejas da prosperidade geralmente ensinam sobre responsabilidade financeira, apesar de que alguns jornalistas e acadêmicos têm criticado seus conselhos nessa área como enganosos. A Teologia da Prosperidade tem sido criticada por líderes dos movimentos pentecostal e carismático, assim como de outras denominações cristãs. Eles argumentam que ela é irresponsável, promove a idolatria e é contrária às escrituras. Alguns críticos argumentam que a Teologia da Prosperidade cultua organizações autoritárias, onde os líderes controlam as vidas dos membros. A doutrina tem seu sucesso atribuído, na Coréia do Sul, às semelhanças com a cultura xamanista tradicional. No Ocidente, a Teologia da Prosperidade tem atraído seguidores das classes média e baixa e tem seu sucesso ligado às semelhanças com o fenômeno do culto à carga, à religiosidade tradicional africana e à Teologia da Libertação das igrejas afro-americanas. A Teologia da Prosperidade ensina que os cristãos têm direito ao bem estar e, – pelo fato das realidades físicas e espirituais serem vistas como uma única realidade inseparável –, isso é interpretado como saúde física e prosperidade econômica. Os pregadores da doutrina focam no empoderamento pessoal, promovendo uma visão positiva do espírito e do corpo. Eles defendem que os cristãos receberam poderes durante a criação do Universo porque eles foram feitos à imagem de Deus e ensinam que a confissão positiva permite aos cristãos exercer domínio sobre suas almas e objetos materiais ao seu redor. Os líderes do movimento veem a expiação como fonte de alívio de doenças, pobreza e corrupção espiritual; a pobreza e as doenças seriam maldições que podem ser quebradas através da fé e das ações retas. Há, no entanto, algumas igrejas seguidoras da doutrina que buscam um paradigma mais moderado ou reformado da prosperidade. Kirbyjon Caldwell, pastor de uma megaigreja metodista, defende uma "teologia da vida abundante", professando a prosperidade para o ser humano como um todo, o que ele vê como um caminho para o combate à pobreza. A riqueza é interpretada, na Teologia da Prosperidade, como uma bênção de Deus, obtida através da lei espiritual da confissão positiva, da visualização e do dízimo. Este processo é quase sempre professado em termos mecânicos; Kenneth Copeland, autor e televangelista estadunidense, argumenta que a prosperidade é governada por leis, enquanto outros pregadores definem o processo de maneira formulada. Os jornalistas da revista Time David van Biema e Jeff Chu descreveram os ensinamentos do pastor Creflo Dollar, do Movimento Palavra de Fé, sobre prosperidade como um contrato inviolável entre Deus e a humanidade.

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Os ensinamentos da Teologia da Prosperidade sobre confissão positiva originam-se da visão de seus proponentes sobre as escrituras. A Bíblia é vista como um contrato de fé entre Deus e os crentes; Deus é entendido como fiel e justo, então os crentes devem cumprir sua parte do contrato para receber as promessas de Deus. Isso leva à crença na confissão positiva, doutrina segundo a qual os crentes podem reivindicar o que quiserem de Deus, simplesmente falando. A Teologia da Prosperidade ensina que a Bíblia promete a prosperidade aos fiéis, então a confissão positiva significa que os crentes estão falando com fé o que Deus já havia dito sobre eles. A confissão positiva é praticada para trazer o que já se acreditava; a própria fé é uma confissão que, através da fala, se torna real. O ensinamento é geralmente baseado em interpretações não tradicionais de versos da Bíblia, em especial do Livro de Malaquias. Enquanto Malaquias tem sido celebrado pelos cristãos por suas passagens sobre o Messias, pregadores da Teologia da Prosperidade geralmente chamam a atenção para suas descrições sobre a riqueza física.

Versos frequentemente citados na Teologia da Prosperidade Marcos 12:41-44 e Lucas 21:1-4: Oferta da Viúva Pobre. Malaquias 3:10: "Trazei o dízimo todo à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e provai-me nisto, diz Jeová dos exércitos, se não vos abrir eu as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção até que não haja mais lugar para a recolherdes" Mateus 25:14-30: Parábola dos Talentos. João 10:10: "Eu vim para que eles tenham vida e a tenham em abundância." Filipenses 4:19: "Meu Deus suprirá todas as vossas necessidades conforme as suas riquezas na glória em Cristo Jesus.". III João 2: "Amado, peço a Deus que prosperes em tudo e tenhas saúde, assim como tua alma prospera.". Nem o Catecismo nem outro documento da Igreja Católica obrigam que o dízimo seja 10% do salário, embora muitos adotem isto na prática, o que é bonito. Mas o dízimo não pode ser uma troca com Deus; deve ser uma doação generosa de quem O ama gratuita e desinteressadamente. O dízimo também pode ser ofertado não em parte monetária, mas em serviço. Um exemplo seria o eletricista tirar um dia de seu trabalho para doar para a igreja para possíveis reparos ou um médico que uma vez por mês se dedica em atender gratuitamente pessoas de sua comunidade na paróquia. Vemos que para a Igreja Católica, dizimo não é sinônimo apenas de dinheiro.

Práticas As igrejas seguidoras da doutrina colocam grande ênfase na importância do dízimo. Os cultos geralmente incluem dois sermões, um com foco nas doações e na prosperidade, incluindo referências bíblicas ao dízimo, seguido de outro após as doações. Os líderes das igrejas geralmente conferem uma bênção específica no dinheiro que está sendo doado, alguns até mesmo instruem os fiéis a segurar suas doações acima de suas cabeças durante a oração. Dedica-se também algum tempo à oração pelos congregados doentes durante os cultos. Os congregados são encorajados a fazer declarações positivas sobre os aspectos de suas vidas que eles desejam melhorar. Estas declarações, conhecidas como confissões positivas, teriam o poder de miraculosamente alterar aspectos das vidas dos fiéis se ditas com fé. As igrejas também encorajam as pessoas a "viver sem limites" e cultivar o otimismo em suas vidas. T. D. Jakes, pastor de uma megaigreja não-denominacional, rejeita o que ele vê como "demonização do sucesso". Ele defende que a pobreza é uma barreira à vida cristã, argumentando que é mais fácil fazer um impacto positivo na sociedade quando se é influente. Os seguidores da Teologia da Prosperidade acham que nós temos direito de reivindicarmos o que quisermos de Deus, esquecendo da soberania divina do criador. Bem, ao estudarmos a Bíblia vemos que Jesus de Nazaré veio pregar um novo modo de vida, pois a sociedade da época estava amplamente em pecado. Dessa forma, Jesus pregou uma mudança total de vida para que as pessoas pudessem entrar ―na casa de meu Pai‖, como ele mesmo assinalava. Enquanto igrejas seguidoras da Teologia da Prosperidade têm uma reputação de manipular e alienar os pobres, muitas desenvolvem programas sociais. Um exemplo disso, no Brasil, é o Instituto Ressoar, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. Paralelamente a tais programas, as igrejas defendem a capacitação e o florescimento humano com o objetivo de libertar as pessoas do "assistencialismo" e da "mentalidade de vítima". Muitas igrejas realizam seminários sobre responsabilidade financeira. Segundo Kate Bowler, acadêmica estudiosa da Teologia da

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Prosperidade, tais seminários, apesar de conterem bons conselhos, geralmente enfocam na compra de bens caros. Hanna Rosin, do The Atlantic, argumenta que a Teologia da Prosperidade contribuiu para a bolha imobiliária que causou a crise do final dos anos 2000. Segundo ela, a propriedade de imóveis era grandemente enfatizada nas igrejas seguidoras da doutrina, causando uma dependência à intervenção financeira divina que levou a escolhas insensatas.

Histórico

Healing revivals do pós-guerra

Os líderes do Movimento Pentecostal do início do século XX não adotavam uma Teologia da Prosperidade. Essa doutrina começou a ganhar forma dentro do movimento durante as décadas de 1940 e 1950, através dos ensinamentos dos ministérios de libertação e de evangelistas curadores pentecostais. Combinando ensinamentos sobre a prosperidade com o avivamento (revivalism) e a cura pela fé, tais evangelistas professaram as "leis da fé ('peça e será atendido') e as leis da reciprocidade divina ('dê e lhe será dado de volta')". Uma figura proeminente da Teologia da Prosperidade neste período foi E. W. Kenyon, educado na Faculdade de Oratória de Emerson nos anos 1890, onde foi exposto ao Movimento Novo Pensamento. Kenyon mais tarde se tornou amigo de líderes pentecostais famosos e escreveu sobre a revelação divina e as confissões positivas. Seus escritos influenciaram líderes do nascente movimento da prosperidade durante os healing revivals dos Estados Unidos pós-guerra. Oral Roberts começou a professar a doutrina da prosperidade em 1947. Ele explicava as leis da fé como um "pacto abençoado" no qual Deus retornaria as doações "sete vezes", prometendo aos doadores que eles receberiam de volta, de meios inesperados, o dinheiro que doaram a Ele. Roberts se oferecia a pagar qualquer doação que não levasse ao pagamento inesperado de quantia equivalente. Na década de 1970, Roberts descreveu seus ensinamentos sobre o pacto abençoado como a "doutrina da semente": as doações são uma espécie de "semente" que crescem em valor e são devolvidas àquele que doa. Roberts começou a recrutar "parceiros" – doadores ricos que recebiam convites para conferências exclusivas e acesso ilimitado ao ministério em troca de apoio. Em 1953, o curador pela fé A. A. Allen publicou O Segredo do Sucesso Financeiro nas Escrituras (The Secret to Scriptural Financial Success) e promoveu mercadorias como "tendas milagrosas para barbear" e panos de oração ungidos com "óleo milagroso". No final da década de 1950, Allen se focou cada vez mais na prosperidade. Ele ensinava que a fé pode miraculosamente resolver os problemas financeiros, afirmando que teve uma experiência miraculosa na qual Deus transformou notas de um dólar em notas de vinte dólares para que ele pudesse pagar suas dívidas. Allen ensinou a "palavra da fé" ou o poder de transformar a fala em algo material. Na década de 1960, a prosperidade se tornou o foco principal dos healing revivals. T. L. Osborn começou a enfatizar a prosperidade e se tornou conhecido por exibir ostensivamente sua riqueza pessoal. Durante aquela década, Roberts e William Branham criticaram outros ministérios que pregavam a doutrina, argumentando que suas táticas de arrecadação de fundos pressionavam injustamente os fiéis. Essas táticas eram motivadas, em parte, pelas despesas com o desenvolvimento de redes nacionais de rádio. Na mesma época, líderes da denominação pentecostal Assembleia de Deus dos Estados Unidos passaram a criticar o foco na prosperidade defendido por evangelistas curadores independentes.

Televangelismo

Sede mundial da TBN em Costa Mesa, Califórnia. Durante a década de 1960, professores do evangelho da prosperidade adotaram o televangelismo e passaram a dominar a programação religiosa nos Estados Unidos. Oral Roberts abriu o caminho, desenvolvendo um programa semanal em formato syndication que se tornou o programa religioso mais assistido dos Estados Unidos. Até 1968, o programa televisivo havia tomado o lugar das reuniões de tenda em seu ministério. O Reverendo Ike, um pastor pentecostal da cidade de Nova Iorque, começou a pregar

sobre a prosperidade no final da década de 1960. Ele logo colocou no ar programas de rádio e televisão e tornou-se conhecido por seu estilo chamativo. Sua declaração de amor aos bens materiais e ensinamentos sobre a "ciência da mente" levou muitos evangelistas a se distanciarem dele. Na década de 1980, a Teologia da Prosperidade ganhou a atenção do público nos Estados Unidos através da influência de televangelistas proeminentes como Jim Bakker. A influência de Bakker, no entanto, diminuiu após ele ser acusado de participação num escândalo de grandes proporções. Em seguida, a Trinity Broadcasting Network (TBN) emergiu como força dominante no televangelismo da prosperidade, trazendo Robert Tilton e Benny Hinn à proeminência.

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No Brasil, o televangelismo começou a ganhar destaque com a compra da Rede Record por Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, em 1990. A emissora exibe programas religiosos durante a madrugada e, em 1995, causou polêmica ao exibir um discurso do bispo Sérgio von Helde contra o feriado de Nossa Senhora Aparecida no qual ele chutou uma imagem da santa várias vezes. Outras igrejas, como Internacional da Graça de Deus e Mundial do Poder de Deus, têm a prática de comprar horário em emissoras comerciais. Há também emissoras disponíveis em pacotes de TV por assinatura, como RIT e Rede Gospel.

Palavra de Fé

Apesar de que a maioria dos evangelistas curadores das décadas de 1940 e 1950 ensinavam que a fé poderia trazer recompensas financeiras, um novo ensinamento relacionado à prosperidade se desenvolveu nos anos 1970, diferente daquele ensinado pelos evangelistas pentecostais desde os anos 1950. O movimento da "confissão positiva" ou da "palavra de fé" ensinava que um cristão com fé pode tornar algo que fala em realidade, desde que seja consistente com a vontade de Deus. Kenneth Hagin é creditado como tendo um papel-chave na expansão da Teologia da Prosperidade. Ele fundou o RHEMA Bible Training Center em 1974 e, nos 20 anos seguintes, a escola treinou mais de 10.000 estudantes de acordo com a teologia. Assim como outras igrejas que seguem a Teologia da Prosperidade, não há um organismo oficial para o controle do movimento Palavra de Fé: os ministérios mais conhecidos divergem em algumas questões teológicas. Os ensinamentos de Hagin foram descritos por C. G. Brown, da Universidade de Indiana, como a forma mais "ortodoxa" de ensinamento da prosperidade dentro do movimento Palavra de Fé.

História recente no Brasil

Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus. O movimento Neo-Pentecostal tem sido caracterizado, em parte, pela ênfase na Teologia da Prosperidade, que ganhou maior aceitação dentro do Movimento Carismático durante a década de 1990. Atualmente, segundo dados do censo de 2010, a sexta maior igreja cristã do Brasil é a Universal do Reino de Deus, que professa a doutrina. Também se destaca no país a Igreja Mundial do Poder de Deus que, com 315 mil fiéis, apareceu pela primeira vez no censo. Há também, entre as igrejas seguidoras da doutrina, a Internacional da Graça de Deus e a Renascer em Cristo, além da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, cujo líder, Silas Malafaia, passou de crítico a defensor da teologia. Autores como Joel Osteen e Bruce Wilkinson têm sido creditados com o sucesso da Teologia da Prosperidade fora dos movimentos carismático e pentecostal; seus livros já venderam milhões de cópias em todo o mundo. No Brasil, o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, é creditado com o sucesso da doutrina, apresentada ao público através não só de seus livros como também de seus empreendimentos na mídia. Macedo já vendeu mais de 10 milhões de livros e é dono da Rede Record, segunda maior emissora de televisão do Brasil, do jornal Folha Universal, que tem uma circulação de 2,5 milhões de exemplares, e do canal de notícias Record News. Segundo dados do censo de 2010, a maioria dos seguidores do movimento pentecostal no Brasil – onde estão incluídos os seguidores das igrejas que professam a Teologia da Prosperidade – são mulheres, residentes de áreas urbanas, de 30 a 49 anos de idade, de cor parda, com ensino fundamental incompleto e com rendimento médio de até três salários mínimos. Ainda de acordo com o censo, 45% dos fiéis dessas igrejas são economicamente inativos. Como não há um organismo governante oficial para o movimento da prosperidade, que não existe enquanto cadeira em teologia cristã, é difícil precisar as estatísticas.

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Crescimento internacional

Em 2006, três das quatro maiores congregações dos Estados Unidos seguiam a Teologia da Prosperidade. A maioria dos fiéis de igrejas que adotam a doutrina é oriunda do Cinturão do Sol. No final da década de 2000, seguidores da doutrina afirmavam que dezenas de milhões de cristãos haviam adotado-na naquele país. Uma pesquisa conduzida em 2006 pela revista Time informava que 17% dos cristãos estadunidenses se identificavam com o movimento. Em 2007, o senador estadunidense Chuck Grassley abriu um inquérito para investigar as finanças de seis ministérios que promovem a Teologia da Prosperidade. Em janeiro de 2011, Grassley concluiu as investigações afirmando acreditar que a autorregulação das organizações religiosas era preferível à ação do governo. Apenas dois ministérios colaboraram com o inquérito. Paralelamente, o crescimento das igrejas que seguem a doutrina da prosperidade foi notável no Terceiro Mundo durante a mesma década. Uma região que presenciou o crescimento explosivo foi a África, em especial a Nigéria. Segundo Philip Jenkins, da Universidade Estadual da Pensilvânia, cidadãos pobres de países empobrecidos geralmente acham a doutrina atraente por causa de sua impotência econômica e da ênfase que ela dá aos milagres financeiros. Para Rowan Moore Gerety, na África a "memória da antipatia marxista à religião" durante as lutas pela descolonização e do "catolicismo paternalista do estado colonial" permitiu que igrejas seguidoras da Teologia da Prosperidade encontrassem um povo "aberto a uma nova forma de expressão religiosa". No início dos anos 1990, a Igreja Universal do Reino de Deus se instalou em outros países lusófonos. Em Moçambique, conta com o apoio de vários membros do governo e, apesar das críticas, prosperou, obtendo o controle da TV Miramar, líder de audiência no país. Em Angola, reivindica ter 400 mil fiéis, mas suas atividades foram suspensas pelas autoridades por dois meses após uma vigília de Ano-Novo num estádio superlotado causar 16 mortes. Além disso, foram suspensas outras seis igrejas neopentecostais que atuavam sem autorização no país (Mundial do Poder de Deus, Mundial do Reino de Deus, Mundial Internacional, Mundial da Promessa de Deus, Mundial Renovada e Evangélica Pentecostal Nova Jerusalém). Também em Angola, a Igreja Maná, de origem portuguesa, foi fechada após acusações de desvio de fundos doados pela petrolífera Sonangol para a construção de uma escola. A Teologia da Prosperidade também forçou mudanças na Igreja Católica para impedir a debandada de fiéis para as igrejas neopentecostais. Segundo Lucelmo Lacerda, a Renovação Carismática, no Brasil, "sofre um processo de neopentecostalização", embora reconheça que o movimento católico possua termos e enfoque um pouco diferentes do evangelho da prosperidade. Nas Filipinas, o movimento El Shaddai, parte da Renovação Carismática, espalhou os ensinamentos da doutrina para fora do cristianismo protestante. Também na Ásia, uma igreja sul-coreana seguidora da Teologia da Prosperidade, a Igreja do Evangelho Pleno, ganhou atenção na década de 1990 após afirmar ter a maior congregação do mundo.

Análise sócio-econômica

A maioria das igrejas do movimento da prosperidade são não-denominacionais e independentes, apesar de que alguns grupos têm formado redes. As igrejas seguidoras da doutrina tipicamente rejeitam a política presbiteriana e a idéia de que o pastor deva ser de responsabilidade dos anciões; é comum aos pastores dessas igrejas serem a maior figura de autoridade organizacional. Alguns críticos, como Sarah Posner e Joel Conason, defendem que a doutrina cultiva organizações autoritárias. Eles argumentam que os líderes tentam controlar as vidas dos seguidores alegando possuir uma autoridade que lhes foi divinamente outorgada. Jenkins afirma que a Teologia da Prosperidade é usada como ferramenta para justificar os altos salários dos pastores. Nos Estados Unidos, o movimento tem atraído muitos seguidores na classe média e é mais popular em cidades-dormitório e em áreas urbanas. Em Exportando o Evangelho Americano: O Fundamentalismo Cristão Global (Exporting the American Gospel: Global Christian Fundamentalism), Steve Brouwer, Paul Gifford e Susan Rose especulam que o movimento foi estimulado pelo desdém predominante ao liberalismo social nos Estados Unidos desde a década de 1970. Rosin argumenta que a Teologia da Prosperidade emergiu por causa de tendências mais amplas, particularmente o otimismo econômico dos estadunidenses entre as décadas de 1950 e 1990. Tony Lin, da Universidade da Virgínia, tem comparado a doutrina ao Destino Manifesto, crença do século XIX segundo a qual o povo estadunidense foi escolhido por Deus para guiar o Ocidente. Marvin Harris diz que o foco da doutrina no mundo material é uma resposta à secularização da religião nos Estados Unidos. Ele a vê como uma tentativa de realização do Sonho Americano através do poder sobrenatural. Culto na Hillsong Church em Sydney.

A Teologia da Prosperidade tem se tornado popular entre os estadunidenses mais pobres, em particular aqueles que buscam progressos pessoais e sociais. A doutrina tem crescido significativamente nas igrejas negras e hispânicas e é particularmente popular entre os imigrantes. Os defensores do movimento destacam

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sua diversidade étnica e argumentam que ele engloba uma variedade de visões. Joel Robbins, da Universidade de Tóquio, observa que a maioria dos antropólogos atribuem o sucesso da teologia com os pobres – em especial nos países do sul – ao fato de que ela promete segurança e ajuda a explicar o capitalismo. O antropólogo Simon Coleman desenvolveu uma teoria baseada na doutrina da prosperidade e no sentimento de pertença que ela oferece aos fiéis. Num estudo da igreja sueca Palavra da Vida, ele observou que os seguidores se sentiam parte de um complexo sistema de troca de presentes; eles dão algo a Deus e aguardam algo em retorno (seja diretamente de Deus ou de outro membro da igreja). A Hillsong Church, maior congregação da Austrália, ensina uma forma de Teologia da Prosperidade que tem ênfase no sucesso pessoal, motivo pelo qual tem atraído um número significativo de australianos emergentes. Numa entrevista de 1998 à revista Christianity Today, Bong Rin Ro, da Escola de Graduação em Teologia da Ásia, sugeriu que o crescimento da popularidade da doutrina na Coréia do Sul reflete uma forte "influência xamanística". Bong apontou semelhanças entre a tradição de pagar xamãs para a cura com a doutrina contratual da Teologia da Prosperidade sobre doações e bênçãos. Os problemas econômicos da Ásia, segundo ele, encorajou o crescimento da doutrina no país, embora ele alegue que ela ignora os pobres e necessitados. Durante a entrevista, Bong afirmou ver o problema começar a ser revertido, citando chamadas à renovação da fé e a outras práticas. Cho Yong-gi, pastor da Igreja do Evangelho Pleno em Seul, tem sido criticado por "xamanizar" o cristianismo. A crítica tem foco em seus cultos de cura e exorcismo e suas promessas de bênçãos materiais. O escritor cristão malásio Hwa Yung defendeu as curas e os exorcismos de Cho, argumentando que ele teve sucesso em contextualizar o evangelho numa cultura onde o xamanismo ainda é prevalente. Entretanto, Hwa criticou os ensinamentos de Cho sobre bênçãos terrenas por não refletirem a provisão de Deus e por seu grande foco na riqueza terrena.

Comparações com outros movimentos

O historiador Carter Lindberg, da Universidade de Boston, traçou paralelos entre a Teologia da Prosperidade contemporânea e o comércio de indulgências conduzido pela Igreja Católica durante a Idade Média. Coleman observou que vários movimentos cristãos pré-século XX nos Estados Unidos ensinavam que um estilo de vida sagrado era um caminho à prosperidade e que o trabalho duro ordenado por Deus traria bênçãos. Coleman tem especulado que a moderna Teologia da Prosperidade tem muitas características do Movimento Novo Pensamento, embora ele admita que a ligação é por vezes pouco clara. Jenkins observa que os críticos tem feito comparações entre a Teologia da Prosperidade e o fenômeno do culto à carga. Ao citar a popularidade da Teologia da Prosperidade nas comunidades africanas agrárias, ele argumenta que a doutrina tem semelhanças com a religiosidade tradicional africana. Segundo Rowan Moore Gerety, a utilização de óleos abençoados e outras formas de tratamentos espirituais pela Igreja Universal do Reino de Deus são as mesmas mandingas típicas das religiões afro, que são criticadas pela igreja por promoverem "bruxaria evangélica". J. Matthew Wilson, da Universidade Metodista Meridional, compara o movimento à Teologia da Libertação das igrejas afro-americanas devido a seu foco na elevação dos grupos oprimidos, embora ele observa que a doutrina difere em sua concentração no sucesso individual, ao invés de mudanças no sistema político como um todo.

Crítica teológica

O evangelicalismo tradicional tem se oposto consistentemente à Teologia da Prosperidade e os ministérios que seguem a doutrina têm frequentemente entrado em conflito com outros grupos cristãos, incluindo outros membros dos movimentos pentecostal e carismático. Os críticos, como o pastor Michael Catt, argumentam que a Teologia da Prosperidade possui pouco em comum com a teologia cristã tradicional. Líderes evangélicos proeminentes, como Rick Warren, Ben Witherington III e Jerry Falwell têm criticado duramente o movimento, por vezes denunciando-o como "herético". Warren argumenta que a Teologia da Prosperidade promove a idolatria do dinheiro, enquanto os outros indicam que os ensinamentos de Jesus desdenham a riqueza material. R. Kent Hughes indica que alguns rabinos do século I defendiam as bênçãos materiais como um sinal da benevolência divina; segundo ele a citação de Jesus em Marcos 10:25 de que "é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus" seria em oposição a tal pensamento. Outros críticos do movimento atacam as promessas feitas pelos líderes das igrejas, argumentando que a ampla libertação dos problemas que eles prometem é irresponsável. Esses líderes também são geralmente criticados por abusar da fé de seus seguidores, uma vez que enriquecem às custas das doações que suas igrejas recebem. A doutrina também tem sido acusada de esconder de seus fiéis a pobreza na qual os apóstolos viviam. Por exemplo, alguns teólogos acreditam que a vida e os escritos de Paulo de Tarso, a quem acredita-se ter levado uma vida bastante dolorosa, são particularmente conflituosos com a Teologia da Prosperidade. Os teólogos David Jones e Russell Woodbridge caracterizam a doutrina como "teologia pobre". Eles argumentam que a retidão não pode ser ganhada e que a Bíblia não promete uma vida fácil. Para ambos, a doutrina é inconsistente com o evangelho de Jesus, cuja mensagem central deveria ser a vida, a morte e a ressurreição de

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Jesus. Jones e Woodbridge argumentam que o evangelho da prosperidade marginaliza a importância vital de Jesus a favor das necessidades materiais dos humanos. Em artigo, Jones critica a interpretação que a doutrina faz da aliança abraâmica – promessa de Deus de abençoar todos os descendentes de Abraão – argumentando que a bênção é espiritual e já se aplica a todos os cristãos. Para ele, os proponentes da doutrina também interpretam mal a expiação; ele critica o ensinamento de que a morte de Jesus também teria eliminado a pobreza (assim como os pecados) do mundo. Jones acredita que tal ensinamento se deve a um desentendimento sobre a vida de Jesus e critica os ensinamentos de John Avanzini sobre Jesus ser rico, indicando que Paulo ensinava aos cristãos a abdicar de suas posses materiais. Apesar de aceitar o dízimo, Jones critica a "lei da compensação", que ensina que quanto mais os cristãos doarem mais Deus será generoso com eles. Jones cita os ensinamentos de Jesus para "dar sem esperar nada em retorno". Jones e Woodbridge também indicam que Jesus instruía seus seguidores a se focarem nas recompensas espirituais. Jones critica a visão da doutrina sobre a fé; ele não acredita que ela deva ser usada como força espiritual para ganhos materiais e sim como uma aceitação altruísta de Deus. Em 1980, o Conselho Geral das Assembléias de Deus nos Estados Unidos criticou as confissões positivas, citando exemplos de confissões negativas na Bíblia – onde as figuras expressam seus medos e dúvidas – que têm impacto positivo e contrastando-as com o foco nas confissões positivas ensinado pela Teologia da Prosperidade. O Conselho argumenta que a palavra em grego bíblico traduzida como "confessar" significa "dizer a mesma coisa", podendo se referir tanto às confissões positivas quanto às negativas. Também critica a doutrina por não reconhecer a vontade de Deus; a vontade dEle deve ser superior à vontade dos homens e os cristãos devem "reconhecer a soberania de Deus". A Teologia da Prosperidade também é criticada pelo Conselho por subestimar a importância da oração, argumentando que esta deve ser utilizada para todos os propósitos e não só para as confissões positivas. O Conselho afirma que é normal os cristãos passarem por sofrimento. Ele incita os cristãos a colocarem a confissão positiva à prova, argumentando que a doutrina apela àqueles que moram em sociedades já abastadas, enquanto muitos outros cristãos são pobres e aprisionados. Por fim, critica a distinção feita pelos defensores da teologia das duas palavras gregas que significam "falar", argumentando que a distinção é falsa e que elas são usadas intercaladamente no texto bíblico em grego; o Conselho acusa a doutrina de pegar passagens da Bíblia fora de

contexto para cumprir seus próprios interesses, resultando numa contradição com a mensagem holística (O todo é maior do que a simples soma das suas partes.) da Bíblia.

A Teologia da Prosperidade, entretanto, se lança como reclamação da verdadeira doutrina cristã e, como tal, parte do caminho para a dominação cristã da sociedade secular. Seus defensores afirmam que as promessas divinas de prosperidade e vitória sobre Israel no Velho Testamento se aplicam aos cristãos de hoje, seguidores da Nova Aliança, e que a fé e as ações retas liberam essa prosperidade. C. Peter Wagner, líder da Nova Renovação Apostólica, tem argumentado que se os cristãos dominarem a sociedade, a Terra irá experimentar "paz e prosperidade". Alguns latino-americanos que adotaram a Teologia da Prosperidade defendem que a Igreja Católica tem historicamente colocado um foco desnecessário no sofrimento humano, o que segundo eles deve ser descartado em prol de uma doutrina religiosa que enfatize a prosperidade. Os defensores da Teologia da Prosperidade também argumentam que as promessas bíblicas de bênçãos aos pobres têm sido desnecessariamente interpretadas de maneira espiritual e que elas devem, de agora em diante, ser interpretadas de uma maneira mais literal.

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Estudo de Caso: Carta Pastoral sobre a Teologia da Prosperidade

I - CONCEITUAÇÃO A chamada ― Teologia da Prosperidade‖ parte do princípio de que todos são filhos do Rei (Deus, Jesus) e que, portanto, recebem os benefícios desta filiação em forma de riqueza, livramento de acidentes e catástrofes, ausência de doenças, ausência de problemas, posições de destaque, etc. Esta ―teologia‖ oferece fórmulas para fazer o dinheiro render mais, evitar-se acidentes, livrar-se de doenças e problemas, aumentar as propriedades, além de viver uma vida sem dificuldades. A Teologia da Prosperidade sustenta que nenhum filho de Deus pode adoecer ou sofrer, pois isso seria uma clara demonstração de ausência de fé e, por outro lado, da presença do diabo. Ao mesmo tempo, eles chegam ao exagero de declarar que quem morre antes de 70 anos é uma prova de incredulidade, imaturidade espiritual ou pecado.

II - IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA Nas décadas de 60 e 70, espalhou-se pelas igrejas dos Estados Unidos, especialmente aquelas de tendência pentecostal, um movimento cuja afirmação principal é garantir saúde integral, sucesso total nos empreendimentos, enfim, prosperidade a todas as pessoas que cumprem a vontade de Deus, através de suas vidas. Embora não conheçamos a maioria dos líderes desse movimento, os evangélicos brasileiros conheceram Jimmy Swegart, um evangelista que freqüentou os nossos televisores à custa de milhões de dólares. Não fossem os muitos de seus escândalos descobertos, juntamente com outro evangelista, Jim Bakker, hoje ainda teríamos suas pregações nas emissoras de televisão brasileiras. No final da década de 70, se pode assistir, através da televisão, o auge desse movimento, quando multidões enchiam imensos templos, estádios, parques públicos, em busca da orientação e proteção de Deus para alcançar fama, sucesso e dinheiro. Foi no impulso desse movimento que vieram por exemplo, o contraditório dente de ouro e outras manifestações igualmente estranhas. Como uma bomba de efeito retardado, a Teologia da Prosperidade chegou ao Brasil, através de uma perfeita divulgação. Assim, de repente, as livrarias evangélicas começaram a vender enorme quantidade de livros e fitas divulgando esta novidade. Foi assim que um dos mentores dessa doutrina, Kenneth Hagin, tornou-se um sucesso de vendas nas livrarias evangélicas, no Brasil. Daí suas idéias espalharam-se pelas igrejas.

III – A VISÃO BÍBLICA E TEOLÓGICA Encontramos no Antigo Testamento pelo menos dez diferentes palavras da língua hebraica que pertencem ao mesmo campo de significado, a saber: prosperar, ter êxito e sucesso, sair-se bem, fazer crescer, fortalecer, pacificar, ser frutífero, fartar-se e riqueza. Portanto, a Bíblia tem seu próprio conceito de prosperidade. Como este conceito é tão diferente da maioria dos atuais, é necessário que estejamos atentos e abertos à antiga, porém sempre correta proposta bíblica. O que é prosperar? Como a prosperidade, prioritariamente, não é obter vantagens pessoais ou ganhar dinheiro, como a Bíblia trata este assunto? Vejamos alguns exemplos:

1. O profeta Ezequiel relaciona prosperidade para a casa de Israel com a videira que dá frutos (Ez. 17.1-10; cf. Sl. 1.3);

2. Quando Josué assumiu a liderança do povo, em lugar de Moisés, Deus lhe fez algumas instruções decisivas que definem a prosperidade: ser forte e corajoso, não temer e andar nos seus caminhos (Js. 1.1-9);

3. Na oração de Neemias encontramos uma outra definição de prosperidade: praticar a misericórdia, isto é, ser

bondoso e leal para com Deus e os seus semelhantes (Ne. 1.11);

4. Muitos textos bíblicos definem o êxito e sucesso na vida com a conduta sábia, o discernimento e a

perspicácia no trato com a instrução de Deus (Dt. 29.9; 1 Rs. 2.3; Ec. 10.10; 11.6);

5. Trazer paz ao mundo também pode ser considerada uma atitude de sucesso (Sl. 122.6-7);

6. O povo de Deus entendia que fazer o bem e agir corretamente na vida era ser próspero (Jó 21.13; Sl. 106.5);

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7. Uma definição bíblica que resume todas as demais é a seguinte: o próspero é uma pessoa que imita o agir de Deus. O Salmo 1 encontra esta pessoa. É o justo.

Evidentemente, toda a Bíblia proclama que Deus é a causa direta da prosperidade dos justos (Gn. 39.3,23; Is. 48.15; Ez. 17.9-10; Ne. 2.20). Entretanto, Deus usa uma pedagogia, isto é, um jeito correto e instrutivo para nos dar a sua ajuda e sua graça. Assim, a Bíblia mostra que a prosperidade do povo de Deus vem:

• Pelo sofrimento e pela graça de Deus (Is. 53.10), que ensina que o começo de todo bem sucedido

empreendimento humano reside na capa cidade da pessoa para sofrer;

• Pela fidelidade e lealdade a Deus e ao povo de Deus (Jr. 13.7-10; Dn. 6.9);

• Pela busca do temor do Senhor (I Cr. 26.5);

• Pela prática da justiça (Sl. 1.3);

• Pela posse (descida) do Espírito de Deus (Jz. 14.6; 19; 15.14).

É possível que estejamos repetindo conceitos e definições, porém a Bíblia é uma testemunha instrutiva. Ela, através de suas reportagens, nos oferece pistas para obtermos sucesso na vida. Nela aprendemos que, em primeiro lugar, a obtenção de prosperidade é precedida de pedido, apelo, por parte da pessoa interessada (Sl. 118.25); segundo, através de uma vida de piedade e fidelidade à instrução de Deus (Js. 1.7-8; Dt. 29.9; I Cr. 31.21); terceiro, através da insistente busca de sabedoria (Ec. 2.21; 11.6). Também encontramos na Bíblia alguns textos que tratam a prosperidade de forma bastante negativa. Para os autores bíblicos, a prosperidade como ganho, sucesso e êxito nos empreendimentos da vida conflita com os princípios básicos da fé. Dois textos ilustram estes princípios: 1. Porque prosperam os malvados? (Jr. 12.1-6) Ao lermos este texto, percebemos que ele é um corpo constituído de duas partes: na primeira, o profeta faz. Em tom de queixa, uma tremenda acusação contra Deus (vv. 1-4); na Segunda parte, temos uma dura resposta de Deus (vv. 5-6). Este tipo de diálogo apimentado, entre o profeta e Deus, nós o encontramos em Habacuque (1.2; 2.4) e constitui a preocupação central do livro de Jó. A questão geradora da queixa de Jeremias é: Porque os ímpios prosperam? Diante disso, o profeta abre um processo jurídico contra Deus: Eu vou abrir um processo contra Ti (v. 1a). O surpreendente, aqui é que ele acusa Deus de ter permitido, com seu silêncio, o Domínio dos malfeitores sobre os justos (comparar Ha. 1.2-4; 12-17). Sua justificativa tem dois tipos de argumento: O primeiro é direto: Apesar de serem desleais (v. 1b), usarem dos feitos de Deus para encobrirem suas más ações, (v.2), provocarem a destruição dos animais e aves (v.4 a) e propagarem mentiras sobre Deus (v. 4b), esses malvados (como lobos vestidos de cordeiros) prosperam e gozam de tranquilidade (v. 1b) e o segundo é indireto: O profeta justifica sua acusação, mencionando algumas consequências danosas e provocadas pelos prósperos ímpios: primeiro, a gula de prosperidade alimenta e multiplica a deslealdade (v. 1b); segundo, a ansiedade pelo lucro fácil não tem limites, agredindo e destruindo a natureza a flora e a fauna (v. 4 a) a ponto de justificar seus atos com uma mentira, Deus não vê o nosso futuro (v. 4b). O pequeno diálogo se encerra de modo surpreendente para o profeta: o pior estava por vir. Aqui, o profeta não recebe uma resposta satisfatória e tranquilizadora para o problema do mal e do sofrimento, provocado pelas pessoas prósperas, que ele experimentava na própria carne. 2. A prosperidade dos ímpios incomoda os crentes (Sl. 37.1-40). Este Salmo mostra outro exemplo da crise de fé causada pela prosperidade das pessoas más, egoístas, violentas, opressoras e descrentes. A maior parte do Salmo é admoestação (vv. 1-11 e 22-40). O restante trata das descrições do inimigo (vv.12-15), do justo e do ímpio (vv. 16-26). O salmista busca orientar, animar e sustentar a esperança do crente fiel para que este se mantenha firme diante de toda provocação causada pela prosperidade dos ímpios (vv. 10.39-40). Diante do sucesso dos malvados, o salmista recomenda: • Não te exasperes, não invejes (v.1);

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• Confia no Senhor e faze o bem, habita a terra e cultiva a fidelidade, põe tuas delícias no Senhor, confia teu caminho ao Senhor e nele espera, descansa no Senhor e espera nele, não te exasperes, acalma a ira, reprime o furor (vv. 2-8); • Evita o mal e faze o bem (v.27); espera no Senhor e segue o caminho (v.34); • Observa o homem íntegro e atenta no que é reto (v. 37) Todas estas recomendações são justificadas pela fé na atuação de Deus. • Ele satisfará os desejos de teu coração; fará surgir tua justiça como a aurora e o teu juízo como o meio-dia; • Ele realizará os desejos de teu coração e atuará (vv. 4-6); • Os malfeitores serão exterminados e os que esperam no Senhor possuirão a terra (v.9); • O Senhor se ri do ímpio, porque vê chegando seu dia (v. 13); • O Senhor firma os passos do homem... porque ele o sustenta pela mão (v. 24); • Ele ama o que é justo e não sustém os justos (v. 17); • Ele conhece os dias dos íntegros (v. 18); • O Senhor não abandona os que lhe são fiéis (v. 28); • O Senhor não entrega o justo nas mãos dos ímpios, nem permite que o condenem no tribunal; • Ele te dará posse da terra (vv. 33-34); • O Senhor socorre e livra os justos (v. 40). A extensa lista de justificativas tem sua razão, pois, certamente, a prosperidade crescia entre os ímpios. Em consequência disso, o salmista (bastante perturbado!) escreve esse manual de instrução para os crentes, que poderíamos intitular: COMO ENFRENTAR A SOBERBA DOS ÍMPIOS. Diante de nós estão duas experiências, mas um só problema: a tentadora idéia de ser financeira ou artisticamente próspero. A difícil experiência de Jeremias e a crise de fé vivida pela comunidade do salmista pode nos levar a estabelecer uma cartilha orientadora para os crentes. A Bíblia conhece a prosperidade como uma atitude sábia de enfrentar e responder às agressões da vida com bondade, lealdade, fé, ação justa, solidariedade (Sl. 37.6). A idéia de prosperidade, espúria à Bíblia, é a mesma oferecida a Jesus por satanás (Mt. 4.1-11; cf. Mc. 1.12-13; Lc. 4.1-13). É uma prosperidade relacionada a dinheiro, lucro, êxito na vida e sucesso nos empreendimentos pessoais. Na denúncia de Jeremias (12.1-6), os prósperos são inimigos do servo de Deus, cometem perversidade contra as pessoas, contra a natureza, promovem a descrença. No caso do salmista, o perfil dos homens prósperos é mais amplo, e a repercussão de seus atos é, aparentemente, maior. O gesto dessa gente má provoca sentimentos de indignação e inveja (v.1), irritação (v.7), ira, furor e impaciência (v. 8), entre outras reações. Por todas essas razões, a Bíblia distingue dois tipos de prosperidade. A forma de prosperidade, denunciada por Jeremias e pelo salmista, é extremamente perigosa para a estabilidade e o bem-estar da vida humana. É uma prosperidade que gera pobreza, desnível social, descrença, sacrifício dos mais fracos, falta de sensibilidade para com a natureza, soberba de uns e humilhação de outros, complexos de inferioridade, medo. Tudo isso ocorre porque o valor maior é o dinheiro, a promoção pessoal, o êxito empresarial. Quando a dignidade humana estiver sujeita ao dinheiro, o mundo ficará perigoso para se viver. É por essa razão que o salmista grita: ―socorro, Senhor!‖ (Sl. 12.1) e o profeta Jeremias se impacienta: ―Até quando?‖ (Jr. 12.4). O sistema de vida que a teorizada prosperidade defende está cheio de competições: patrão/empregado; nação rica/nação pobre. Quem é mais forte explora ou elimina o mais fraco. O texto de Jeremias e o de Salmos ensinam o crente como enfrentar o sistema de vida dos prósperos. Ambos sugerem formas para confrontar esse inimigo. O salmista é mais objetivo e sugere formas de enfrentar essa praga que está apagando da memória do povo o conhecimento de Deus. O texto de Jeremias (12.1-6) reflete toda a perplexidade do crente diante do crescimento de prosperidade e poder dos ímpios. Enquanto isso, o Salmo 37 tenta instruir os crentes fiéis para enfrentar o problema. Quando a Bíblia fala da justiça divina, ela não quer dizer que Deus castiga os pecadores e premia os justos. Se isso ocorresse, os templos estariam abarrotados de pessoas. Acontece que o ensino bíblico acerca da justiça divina não é utilitarista. O princípio, é dando que se recebe, não retrata bem o

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ensino da justificação. A solução do problema em torno da prosperidade dos ímpios e do sofrimento dos justos não é imediata, isto é, a transferência direta dos bens dos ímpios para os crentes. A Bíblia ensina que a superação desse problema não tem data marcada, mas está na fidelidade do justo (cf. Hab. 2.4). Tanto Jeremias como o salmista não orientam os perplexos crentes a fugirem para longe dos ímpios, mas a se manterem firmes na fé. Por isso o grande apelo do salmista é: confiar em Deus (vv. 3,5,7,34) e esperar que um dia a justiça divina possa restabelecer a paz na terra.

IV – ORIENTAÇÕES

1. O estudo sobre o tema da prosperidade deve levar em consideração todos os textos bíblicos e não apenas alguns em particular, como os teólogos da prosperidade costumam fazer para sustentar suas idéias;

2. O estudo deve levar em conta o contexto no qual surge o tema da prosperidade e, portanto, seguir rigorosamente os princípios de interpretação bíblica;

3. O conceito bíblico de prosperidade contrapõe, como vimos anteriormente, o conceito difundido hoje em dia nos meios evangélicos. Na abordagem do tema é necessário que esta diferenciação seja considerada.

4. Deve ficar sempre claro que Deus é o autor da vida, consequentemente, Ele é o responsável pelo sucesso, pelo êxito ou prosperidade do Seu povo;

5. Vivemos numa sociedade que busca a prosperidade a qualquer custo, renunciando a solidariedade, a justiça, o bem-estar dos outros, atitudes estas compatíveis à cidadania do Reino de Deus. Considerando seu compromisso pastoral com a comunidade metodista, o Colégio Episcopal coloca esta visão bíblico-teológica e a sua orientação sobre o tema. Orando por cada irmão e irmã, fraternalmente.

Um grupo de pastores negros está pensando em estratégias para espalhar os ensinamentos bíblicos e anular os

ensinamentos do evangelho da prosperidade, que foram proliferados em suas igrejas. Lance Lewis, pastor da Christ Fellowship na Filadélfia, diz que ―o evangelho da saúde e da riqueza‖ é uma ameaça tão grande para a igreja histórica negra como o liberalismo teológico foi para a igreja evangélica no início do século 20″, informou a revista americana Fé. ―Para o balanço do século 20 a igreja histórica negra, enquanto não reformada

corretamente, defendeu a principais doutrinas da fé ortodoxa‖, disse ele em uma carta aos líderes da Igreja Presbiteriana na América. ―No entanto, no final do século passado, o evangelho da prosperidade (que, em suas diversas formas, sempre à espreita, está perto da igreja negra) esteve cada vez mais perto de se tornar a teologia central acreditada e praticada pela igreja negra‖. ―As igrejas em que crescemos agora está doutrinando esta forma destrutiva de heresia‖, disse Lewis, cuja igreja é apresentada como multi-étnicas. Lewis está entre um grupo de pastores da Conferência de Pastores Africanos (APC) que estão se preparando para sediar um evento chamado Revival 2K10. Os organizadores da conferência a ser realizada do dia 4 a 6 de junho, em Baltimore, estado de Maryland (EUA), planejam lançar um movimento para combater a, segundo eles, ―heresia‖ do evangelho da prosperidade. ―O objetivo deste evento é o impacto da igreja negra e com a comunidade negra histórica, o cristianismo redentor, que é biblicamente fundamentado, dirigido e centrado em Cristo‖, explicou Lewis.

O evangelho da prosperidade é uma teologia muito criticada, que ensina que a riqueza e a boa saúde são um sinal da bênção de Deus. Nos últimos anos, um número de líderes cristãos negros saíram em oposição ao ensino e expressaram preocupação entre as igrejas afro-americanas. O Dr. Robert M. Franklin, negro e presidente da Universidade Morehouse em Atlanta (EUA), escreveu que o evangelho da prosperidade era a maior ameaça às igrejas negras. A maior organização americana da igreja africana, com 7,5 milhões de membros na Convenção Batista Nacional, denunciou o ensino da Teologia da Prosperidade, observando sua popularidade na África. Lewis disse que ―nosso desejo não é causar nenhum tipo de separação. Só esperamos ver a obra de Deus entre os nossos povos, que como sabemos, teve pouca exposição à teologia bíblica reformada há mais de cento

e cinquenta anos.‖

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A Teologia da Prosperidade É BÍBLICA?

―O meu povo está sendo destruído por falta de conhecimento" (Oséias 4:6) Um grande engano que existe dentro de algumas igrejas neopentecostais e que é propagado grandemente por alguns líderes dos dias de hoje diz respeito à ilusão da ― Teologia da Prosperidade‖, respaldada por alguns versos isolados e sem exegese, unida a uma grande dose de ganância e ânsia de poder e riquezas, na maioria das vezes formando cristãos materialistas, que ao invés de quererem abrir mão da sua vida por amor a Cristo (Lc 9:24), preferem lutar por fama, status, sucesso, dinheiro, riquezas, poder. É basicamente a mesma tática que Satanás usou no deserto na tentação de Jesus Cristo. Ele lhe ofereceu o suprimento material (Mt.4:3), mas Jesus revidou com o suprimento espiritual, a palavra de Deus (Mt.4:4). Satanás lhe ofereceu poder, glória e autoridade, dizendo-lhe: ―O demônio transportou-o uma vez mais, a um monte muito alto, e lhe mostrou todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-lhe: ‗Dar-te-ei tudo isto se, prostrando-te diante de mim, me adorares.‘‖. (Mt.4:8,9) Basicamente é exatamente isso o que o diabo continua oferecendo aos cristãos nas tentações dos dias de hoje.

Os tempos passam, mas as tentações são as mesmas de sempre. Ele oferece aos cristãos ―os reinos do mundo e a sua glória‖, constantemente deturpando as passagens das Escrituras, capturadas de forma isolada, como ele tentou fazer com Cristo (Mt.4:6). Mas que o diabo deturpa as Escrituras para tentar o cristão com a heresia da Teologia da Prosperidade, isso todo mundo já sabe. Diferentemente da reação de Jesus, hoje em dia existem muitos cristãos que engolem facinho qualquer conversa. Alguns o fazem por pura ganância, mas outros são simplesmente iludidos. Como hoje tudo se move a dinheiro, é normal vermos pregadores recortarem certas passagens bíblicas com o intuito de prometer aos seus fiéis uma vida cheia de prosperidade financeira, um maravilhoso carro de última geração, um campo ou uma fazenda em algum lugar, um serviço superinteressante e, talvez, uma ou duas mansões em Los Angeles ou no Havaí. É triste vermos que, enquanto

Jesus repudiou tais deturpações e oferecimentos vindos do maligno, hoje em dia cristãos sinceros são enganados por ―não conhecerem as Escrituras‖ (Mt 22:29), que podem ser devidamente utilizadas para refutar inteiramente tais crenças. ―Outros ainda recebem a semente entre os espinhos; ouvem a palavra, mas as preocupações mundanas, a ilusão das riquezas, as múltiplas cobiças sufocam-na e a tornam infrutífera‖ (Marcos 4:18,19) Em Marcos 4, Jesus conta a famosa parábola do semeador. Ele revela nela quatro tipos específicos de pessoas, sendo que apenas uma única delas é um cristão verdadeiro, que persevera até o fim. O primeiro tipo de pessoas diz respeito àquelas que logo ao ouvirem a palavra, ―Satanás tira a palavra que foi semeada nos seus corações‖ (Mc 4:15). O segundo grupo de pessoas são aqueles que, ―sobrevindo tribulação ou perseguição, por causa da palavra, logo se escandalizam‖ (Mc 4:17). Mas é o terceiro grupo de pessoas que mais me chama a atenção. Embora existam os quatro grupos visivelmente, o terceiro é aquele que mais ocorre na igreja cristã, o mais facilmente ludibriado: o daqueles que tem preocupações mundanas (com dinheiro e poder), e tem ―ilusão de riquezas‖ (v.19). Note que Cristo chama àquilo que os pregadores da prosperidade pregam de ―ilusão‖! Ilusão porque elas iludem os pobres fiéis pensando que eles vão ser ricos por estarem em Cristo, quando na verdade, TODOS os apóstolos e o próprio Cristo foram pobres. Ou seja, eles querem que os seus fiéis sejam exatamente aquilo que nem Jesus, nem Paulo, Pedro ou qualquer outro apóstolo foi: RICO !!! Vamos passar uma lista rápida para vermos como os apóstolos criam tanto na Teologia da Prosperidade, mas tanto mesmo, que eram pobres:

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-Pedro: ―Disse-lhe Pedro: Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho, isso te dou; em nome de Jesus Cristo, o nazareno, anda.‖. (Atos 3:6) Quando Pedro foi curar o paralítico, é comum vermos em algumas igrejas apenas a ênfase na cura em si (“ele foi curado... „Uau‟... „aleluia‟...!”), quando na verdade propositalmente omitem aquilo que Pedro disse de igual importância: que ele não tinha prata e nem ouro! É óbvio que Pedro não era um mentiroso. Ele não estava tentando ludibriar o mendigo fazendo-se passar por pobre – ele realmente era pobre! Se nos aprofundarmos nas Escrituras, veremos que Pedro não era o único. -Jesus:

―Jesus replicou-lhe: As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lucas 9:58). Note que, enquanto muitos pastores ―superpoderosos‖ dos dias de hoje tem mansões (isso mesmo, no plural!), jatos, carros importados, etc... Jesus não tinha nem sequer onde reclinar a cabeça!!! É muita hipocrisia alguns se dizerem ―seguidores de Cristo‖, achando que Jesus é o nosso exemplo maior quando, na verdade, eles pregam e vivem exatamente o oposto de Cristo: as riquezas! O apóstolo Paulo é claro ao afirmar que Cristo ―se fez pobre por nós‖ (2Co.9:9). Sendo assim, se engana quem pensa que Jesus era ―rico‖, e ainda mais quem pensa estar seguindo o exemplo de Jesus quando pregam e vivem exatamente o inverso da vida do próprio Cristo.

Enquanto Cristo não tinha nem sequer onde reclinar a cabeça, esses falsos profetas dormem em camas super-confortáveis, em verdadeiras mansões paradisíacas. Jesus parece que lhes deixou o exemplo a não ser seguido: a simplicidade. Em busca das riquezas, eles caíram no maior dos pecados - o amor ao dinheiro, que é "a raiz de todos os males" (1Tm.6:10). -Paulo: O caso do apóstolo Paulo é ainda mais interessante. Ele não apenas diz que ele era ―pobre‖, mas mostra também muitos outros inúmeros aspectos de sua vida. Uma pequena lista que ele escreve aos coríntios talvez seja o suficiente para nos mostrar o quanto que Paulo sofria, era perseguido, e tinha necessidade de tudo – isso mesmo, de tudo aquilo que os pastores atuais da prosperidade têm em fartura! 2 Coríntios 11:23 São eles servos de Cristo? — estou fora de mim para falar desta forma — eu ainda mais: trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. 24 Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites. 25 Três vezes fui golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar. 26 Estive continuamente viajando de uma parte a outra, enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. 27 Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez. 28 Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas. 29 Quem está fraco, que eu não me sinta fraco? Quem não se escandaliza, que eu não me queime por dentro? 30 Se devo me orgulhar, que seja nas coisas que mostram a minha fraqueza.

Quanta diferença para a Teologia da Prosperidade! Enquanto esta prega que ―vamos ficar ricos‖, que ―Deus quer que nós prosperemos‖ (leia-se: ―$$$$$‖), e outras bobagens do tipo, o apóstolo é muito categórico em dizer que nem tinha lugar certo para dormir, que passava fome e sede (assim como outras pessoas pobres passam), e que por isso tinha que suportar frio e nudez! Não estou dizendo que todo cristão tenha que não ter onde dormir e passar fome, mas sim que dizer que todos tem que prosperar é no mínimo pregar uma heresia bem barata, visto que nem Paulo, nem Pedro e nem Jesus eram ricos (ao contrário, eram pobres!), e que se a Teologia da Prosperidade não é uma ―ilusão‖ como Jesus diz (Mc.4:19), mas funciona mesmo, então estes deveriam ser os primeiros a desfrutarem desta tão sonhada e desejada ―prosperidade financeira‖, visto que eles eram os melhores cristãos que já pisaram nesta terra!

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É impressionante como hoje se ouve nos púlpitos para seguirmos os exemplos de Jesus, Pedro e Paulo e pregarmos o evangelho assim como eles, mas quando a questão chega no dinheiro, aí a coisa muda: ―não seja como Jesus e os apóstolos... seja rico‖! Isso chega a beirar o ridículo quando lemos a Bíblia, mas impressionantemente consegue enganar alguns. Como se isso não fosse suficientemente claro, temos o próprio Paulo falando em nome de todo o grupo dos apóstolos acerca da pobreza deles: -Todo o grupo apostólico: ―Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens‖ (1 Coríntios 15:19). Paulo coloca o verso no plural porque ele está falando em nome de todos os apóstolos e servos de Deus (1Co.15:10-12). Para ele, se é somente para esta vida que esperamos em Cristo, somos os mais dignos de lástima. Nós seríamos os ―mais miseráveis de todos os homens‖ (v.19). A não ser que o apóstolo seja um mentiroso, devemos entender que eles não viviam no luxo, mas na miséria. Se os apóstolos fossem ricos ou defensores do ―evangelho da prosperidade‖, então eles não seriam os mais miseráveis de todos os homens, pois haveriam muitos em situação muito pior do que eles! O que a doutrina da prosperidade prega é exatamente o contrário daquilo que o apóstolo Paulo afirma acerca de todos os apóstolos. Ela ensina que temos que ser ricos e que Deus quer nos dar muito dinheiro já nesta presente vida, nos enriquecendo cada vez mais, e que depois partiremos para o Céu e teremos ainda mais. Em outras palavras, nós somos ricos nesta vida e na próxima! Essa ilusão é completamente rejeitada e desfeita em um único versículo bíblico, pois a realidade bíblica não é de ser rico nesta vida e na próxima, mas sim de ser o mais miserável de todos os homens nesta vida, e ganhar a vida eterna na ressurreição vindoura. Eu poderia terminar esse artigo por aqui que já seria um tiro mortal em toda a Teologia da Prosperidade, que omite inteiramente dos seus fieis inúmeros versículos da Bíblia, preocupando-se apenas em pregar dinheiro, ao invés de incentivar o povo a ler as Escrituras. Ela não nos mostra uma vida repleta de prazeres, prosperidade financeira e bens materiais para esta vida. Ao contrário, ela nos garante uma vida de lutas, tribulações e sofrimentos (At 14:22), para sermos aperfeiçoados por meio da dor (Rm 5:2-5), sendo os mais miseráveis de todos os homens (1Co 15:19), os mais dignos de lástima nesta vida (1Co 15:19). É, portanto, somente na vida futura que seremos galardoados por Deus (1Co 15:18,19; 15:32, Lc 14:14). Jesus disse que a recompensa do nosso trabalho viria na ressurreição dos mortos, e não antes disso: ―Feliz será você, porque estes não têm como retribuir. A sua recompensa virá na ressurreição dos justos‖ (Lc 14:14). Nunca houve e nem jamais haverá qualquer ensinamento tão perverso e antibíblico quanto esse evangelho da prosperidade, que anula a obra de Cristo e neutraliza todos os sofrimentos e misérias que a Bíblia garante que o verdadeiro cristão terá que enfrentar. Ela substitui o realismo bíblico por uma ilusão gananciosa que é em muito atraente aos nossos olhos. É por isso que existe tanta gente iludida com essa mentira: pois preferem a ilusão das riquezas do que a dura realidade da Palavra de Deus. Paulo também afirma: 1 Coríntios 4 11 Até esta presente hora sofremos fome, e sede, e estamos nus, e recebemos bofetadas, e não temos pousada certa, 12 E nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos. Somos injuriados, e bendizemos; somos perseguidos, e sofremos; 13 Somos blasfemados, e rogamos; até ao presente temos chegado a ser como o lixo deste mundo, e como a escória de todos. Novamente Paulo está falando em nome de todo o grupo apostólico, conforme ele afirma no verso 9: ―Porque tenho para mim, que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos, como condenados à morte; pois somos feitos espetáculo ao mundo, aos anjos, e aos homens‖ (1 Coríntios 4:9) Os apóstolos eram ―os últimos‖, e não os primeiros. Por quê? Simplesmente porque eles eram os primeiros dentre os cristãos, então eram aquilo que poderia ser chamado de ―lixo do mundo, escória de todos‖ (1Co.4:13). Graças a Deus que Jesus prometeu que ―os últimos serão os primeiros‖ (Mt.20:16). Preste bem atenção no termo no futuro – ―serão‖! A promessa é que na vida futura sejamos ―os primeiros‖, e não nesta presente vida, como alguns pregam! Ser o primeiro significa ter o poder, riqueza, autoridade. Ser o último, em contraste, significa ser aquilo que Paulo fala com respeito aos apóstolos: estar passando fome, sede, não ter roupas, não ter pousada certa, ser perseguido, sofrer por amor a Cristo, ser o lixo do mundo e a escória de todos! É uma pena que os pregadores da prosperidade omitam todas essas coisas, pois eles querem ser os primeiros, e não os últimos.

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Eles querem ter fama, dinheiro, riquezas, poder. Eles querem ―crescer na vida‖, entendendo que essa expressão significa riquezas materiais. Eles têm a mente focada naquilo que é material, quando ―os últimos‖ são aqueles que abrem mão da sua própria vida material para ter uma visão eterna, pois a nossa riqueza está guardada para o futuro, quando nos encontraremos com Nosso Senhor: ―Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a vida por minha causa, este a salvará‖ (Lucas 9:24). Alguns não têm o real significado do que seria ―perder a sua vida‖. Para eles, Cristo ter dito isso ou nada dá no mesmo. Porém, ―perder essa vida‖ significa abrir mão dela, sacrificá-la por um Bem Supremo, e este bem supremo é Deus. Por amor a Jesus, temos que perder a nossa própria vida. Isso é exatamente o contrário do materialismo pregado na Teologia da Prosperidade, onde querem viver a vida a vontade, com dinheiro, poder e riquezas. Eles ganham essa vida e querem ganhar também a próxima! Não é a toa que o apóstolo Tiago fez questão de dizer: ―Vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que sobre vós virão. Vossas riquezas apodreceram e vossas roupas foram comidas pela traça. Vosso ouro e vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós e devorará vossas carnes como fogo. Entesourastes nos últimos dias!‖ (Tiago 5:1-3). Tiago absolutamente repudia a atitude de ―entesourar nos últimos dias‖, e se entende que nós estamos vivenciando hoje estes ―últimos dias‖, não devemos fazer o mesmo, a não ser que tenhamos o desejo de sermos participantes das ―desgraças que sobre vós virão‖ (Tg.5:1). E por mim eu posso ter certeza que não! (embora dos pregadores da prosperidade eu não possa dizer o mesmo). Essa ânsia em querer ganhar dinheiro com o evangelho é o que mais distancia o verdadeiro cristão da verdade evangélica e que o deixa com a mente focada no material, quando na realidade a nossa esperança não está neste presente mundo, mas naquele que há de vir: ―Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse, e agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas. A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente um Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Pelo poder que o capacita a colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, ele transformará os nossos corpos humilhados, para serem semelhantes ao seu corpo glorioso‖ (Filipenses 3:18-21). A nossa esperança não está nesta vida – está na póstuma. Não devemos ficar ―pensando só nas coisas terrenas‖, como o fazem aqueles ―cujo Deus é o ventre‖ (Fp.3:19), pois pregam o evangelho somente para se satisfazer consigo mesmo em seus deleites. Paulo alude à nossa real esperança – a cidadania celestial -, porque a nossa expectativa não é nas ―coisas terrenas‖ (v.19), mas sim nas coisas celestiais. A nossa humilhação só vai ser transformada em algo glorioso quando o Senhor Jesus colocar todas as coisas sob o seu domínio, e isso acontece após a ressurreição dos mortos (1Co.15:22,23; 1Co.15:51-54), sendo que o próprio Paulo escreve dizendo que isso ocorre na ―transformação de nossos corpos humilhados‖, isto é, na ressurreição da carne. O que muitos fazem hoje é inverter este quadro. Eles querem viver luxuosamente e em glória já nesta presente vida. O fim que eles terão será a humilhação. Os que querem, porém, viver humildemente e modestamente esta vida, terão o seu ―corpo de humilhação‖ transformado em glória quando o Senhor Jesus voltar. Os pregadores da prosperidade em nosso meio querem ensinar basicamente aquilo que o ex-presidente Lula disse publicamente: que aquilo que Cristo disse sobre o Reino dos Céus e os pobres é ―bobagem‖, e que temos que receber a nossa herança agora mesmo: ―Bobagem, essa coisa que inventaram que os pobres vão ganhar o reino dos céus. Nós queremos o reino agora, aqui na Terra. Para nós inventaram um slogan que tudo tá no futuro (…). Queremos que todo mundo vá pro céu, agora. Queremos ir pro céu vivo. Não venha pedir para a gente morrer para ir pro céu que a gente quer ficar aqui mesmo‖ (Lula em discurso em Salvador/BA, em 21/07/2011). E é exatamente isso o que os pregadores da prosperidade estão pregando hoje. Eles só não dizem abertamente que Jesus falava ―bobagem‖, mas ensinam exatamente a mesma coisa. O que o Lula fez foi simplesmente admitir o óbvio: que tal ensinamento é tão contra aquilo que Jesus disse, que o que Cristo disse pode ser considerado ―bobagem‖! Eles querem o Reino dos Céus agora, querem as riquezas agora, não querem esperar o futuro. A Bíblia, contudo, nos mostra que serão os pobres que herdarão o Reino dos Céus, e que a nossa verdadeira esperança está reservada para nós nos céus, sendo que iremos possuí-la no momento de nossa entrada no Reino, na ressurreição dos mortos para a vida eterna (Fp.3:18-21; 1Pe.1:14). Qualquer ensinamento que seja diferente disso e que coloque a esperança de riquezas para esta presente vida, seja vindo de um pastor ou de um presidente, deve ser rejeitado, pois temos a clareza de alguém muito maior, um ―Rei

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dos reis e Senhor dos senhores‖ (Ap.19:16), alguém que é digno de muito mais confiança do que qualquer presidente aposentado ou pregador da prosperidade. Finalmente, é importante também mencionarmos a extrema pobreza das próprias comunidades cristãs (piedosas a Deus), para acabarmos de uma vez por todas com essa heresia de que o Corpo de Cristo tem que ser ―rico‖: -A pobreza das igrejas cristãs: ―Desejamos dar-vos a conhecer, irmãos, a graça que Deus concedeu às igrejas da Macedônia. Em meio a tantas tribulações com que foram provadas, espalharam generosamente e com transbordante alegria, apesar de sua extrema pobreza, os tesouros de sua liberalidade‖ (2 Coríntios 8:1,2). Paulo é enfático aqui: as igrejas da Macedônia viviam em ―extrema pobreza‖ (v.2)! Dispensa maiores comentários. Mas alguém ainda poderia tomar a palavra e dizer: ―Mas Lucas, isso era uma exclusividade daqueles hereges não prósperos da Macedônia. Vai ver que lá em Jerusalém era diferente...‖! Era diferente? Vejamos: ―A Macedônia e a Acaia houveram por bem fazer uma coleta para os irmãos de Jerusalém que se acham em pobreza‖ (Romanos 15:26). Note que a igreja de Jerusalém também se achava em pobreza! A situação na verdade era tão decadente, que os próprios macedônios, que viviam em ―extrema pobreza‖ (2Co.8:2), tinham que fazer doações aos crentes de Jerusalém, porque estes eram ainda mais pobres! Bom, se isso tudo significa ― Teologia da Prosperidade‖, então esqueça a exegese e o bom senso e vamos tomar como regra de fé apenas a mais pura ganância e ignorância bíblica! A única comunidade cristã registrada na Bíblia que tinha certa fartura e riqueza é a igreja de Laodicéia que, curiosamente, é também duramente repreendida e corrigida por Deus por causa disso: Apocalipse 3:14 Ao anjo da igreja em Laodicéia escreva: Estas são as palavras do Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o soberano da criação de Deus. 15 Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem quente. Melhor seria que você fosse frio ou quente! 16 Assim, porque você é morno, nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca. 17 Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada. Não reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e que está nu. 18 Dou-lhe este aconselho: Compre de mim ouro refinado no fogo e você se tornará rico; compre roupas brancas e vista-se para cobrir a sua vergonhosa nudez; e compre colírio para ungir os seus olhos e poder enxergar. Deus fez com que propositalmente a maior crítica severa a uma igreja cristã fosse exatamente dirigida àquela que era a mais rica! Se Deus fosse da linha da prosperidade financeira através do evangelho, claramente iria fazer com que o inverso fosse verdadeiro: que as igrejas mais ricas fossem as mais elogiadas por sua ―demonstração de fé‖ e que as mais pobres fossem desprezadas por não fazerem uso de fé e viverem na miséria por causa disso! Embora alguns hereges digam coisas do tipo, tais exemplos jamais ocorrem na Bíblia Sagrada, sendo que as comunidades cristãs mais carentes eram precisamente as mais elogiadas e as mais ricas e ―prósperas‖ (se levar em consideração que prosperidade é igual a ―riquezas‖) eram exatamente aquelas que Deus diz que iria vomitar de sua boca, que deveria cobrir a sua vergonhosa nudez e que deveria comprar colírio para ungir seus olhos! Além disso, embora a igreja de Laodicéia fosse bem rica, Deus afirma: ―Compre de mim ouro refinado no fogo e você se tornará rico‖ (v.18). Note o termo no futuro – ―se tornará rico‖. Ora, mas os laodicenses não eram ricos? Sim, eram materialmente. Porém, as ―riquezas‖ no olhar de Deus não tem absolutamente nada a ver com riquezas terrenas, mas sim com espirituais. Você ser rico para Deus não significa possuir mansões, carros importados ou paraísos fiscais, mas sim viver uma vida de santidade com boas obras. Fora disso, qualquer outro tipo de ―prosperidade‖ (financeira) não passa de mera ilusão. Todos os fatos apontam claramente que a Teologia da Prosperidade financeira é, como Jesus diz, uma ―ilusão‖ (Mc.4:19), que torna os cristãos ―infrutíferos‖ (Mc.4:19), pois são ILUDIDOS com esta mentira e acabam acreditando mesmo que serão ―abençoados‖ (entende-se ―ricos‖). E, quando batem de cara com a verdade do evangelho e veem que não se tornaram ricos coisa nenhuma, ficam desesperados e muitas vezes fogem para qualquer seita, macumba ou seja lá o que for para poderem recuperar o tempo perdido. Foi por isso que Jesus disse para o jovem rico se DESFAZER de suas riquezas: Mateus 19 21 Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me. 22 E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades. 23 Disse então Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos céus.

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24 E, outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. Embora em NENHUM momento nós vemos Jesus pregando a tal da ― Teologia da Prosperidade‖ ($$$), nós vemos ele dizendo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo da agulha do que um rico no reino de Deus (Mt.19:24), que é difícil entrar um rico no reino dos céus (Mt.19:23), e para vender tudo e dar aos pobres, porque é somente desta maneira (se desfazendo das riquezas terrenas) que podemos herdar o ―tesouro no céu‖ (Mt.19:21). Convenhamos: se as riquezas fossem algo que Deus quer dar cada vez mais ao povo de Deus, então porque Jesus não fez aquele jovem ainda mais rico (como os pseudo-―teológos‖ da prosperidade ensinam), mas ao contrário, quis desfazer dele todas as suas riquezas? Essas perguntam atormentam a mente de tais pessoas que, sem poderem abrir a Bíblia para defenderem suas crenças gananciosas, não conseguem entender que a verdadeira riqueza não é a material, mas sim a espiritual: ―Ouvi, meus caríssimos irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do Reino prometido por Deus aos que o amam?‖ (Tiago 2:5) Os pregadores da prosperidade escolhem os ricos; já Deus, por outro lado, escolheu os pobres deste mundo, para que estes fossem ricos, não em dinheiro, mas em fé. Porque a verdadeira riqueza não consiste na quantidade de bens deste mundo, mas sim na fé que a pessoa tem em Cristo: ―Então lhes disse: Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens‖ (Lucas 11:5). Se Deus quisesse que todos fossem ricos, ou se o evangelho oferecesse uma prosperidade financeira aos fieis em Cristo, então os crentes seriam os ricos, e não os pobres. Consequentemente, Deus teria escolhido pessoas ―ricas em dinheiro‖, e não os ―pobres deste mundo‖! São os pobres deste mundo – e não os ricos – que são os ―ricos na fé‖ e ―herdeiros do Reino‖ prometidos por Deus (Tg.2:5)! E não foi apenas para aquele jovem rico que Jesus disse tal coisa. Ele genericamente disse também: ―Vendei o que possuís e dai esmolas; fazei para vós bolsas que não se gastam, um tesouro inesgotável nos céus, aonde não chega o ladrão e a traça não o destrói. Pois onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração‖ (Lucas 12:33,34) Portanto, a lição de Cristo para aquele jovem não é uma opinião diferente em relação àquilo que ele tem a nos dizer para a ―multidão‖. Ele diz para vendermos o que possuirmos e darmos esmolas, pois ―onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração‖ (Lc.14:34). Isso significa que se você está querendo enriquecer ou se está cheio das riquezas, então o seu coração ali está. Mas se você se desfaz das riquezas e dá o dinheiro aos pobres (como Cristo disse), então o seu coração estará inteiramente focado no Pai. Não há dificuldades em entender um ensinamento tão simples como esse, a não ser para quem gosta de complicar o evangelho simples e puro revelado a nós nas Escrituras. Foi por isso que Jesus disse: Lucas 16 13 Nenhum servo pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará ao outro, ou se dedicará a um e desprezará ao outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro. 14 Os fariseus, que amavam o dinheiro, ouviam tudo isso e zombavam de Jesus. 15 Ele lhes disse: Vocês são os que se justificam a si mesmos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. Aquilo que tem muito valor entre os homens é detestável aos olhos de Deus. Aquilo que tem muito valor entre os homens (DINHEIRO), é detestável aos olhos de Deus! Note pelo contexto que Jesus estava falando claramente com respeito ao dinheiro (vs. 13 e 14), sobre a insistência tola de alguns em servir ―a Deus e ao Dinheiro‖ (v.13), e depois corrigindo os fariseus que ―amavam o dinheiro‖ (v.14). Se o dinheiro é detestável aos olhos de Deus (pois tem muito valor entre os homens), então como é que ele iria querer que cada crente enriquecesse cada vez mais??? A não ser que Deus fosse um ser bipolar, que uma hora diz uma coisa e em outro momento diz outra, que uma hora diz que o dinheiro é detestável aos seus olhos e em outra hora prega uma ― Teologia da Prosperidade‖ em que quer ver cada crente ganhar cada vez mais uma espécie detestável aos seus olhos!!! Como crer em algo assim? É evidente que Deus é ―o mesmo ontem, hoje e eternamente‖ (Hb.13:8), ele é Aquele que ―não muda como sombras inconstantes‖ (Tg.1:17). Desta forma, o que ele disse é a mais pura verdade. Mas se alguém ainda quiser ter cada vez mais e mais aquilo que é detestável aos olhos de Deus, aí é questão particular de cada um. Eu só peço sinceramente que não deturpe o evangelho, dizendo que o próprio Jesus era rico ou que a verdadeira riqueza consiste na ostentação de bens, algo

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que é simplesmente absurdo à luz do evangelho puro e sincero. Afinal, ―onde está o teu tesouro, ali também estará o teu coração‖ (Mt.6:21). O seu tesouro está na sua conta do banco? Então tema, antes que seja tarde demais. Finalmente, termino essa parte com as palavras de Jesus aos pobres: ―Olhando para os seus discípulos, ele disse: Bem-aventurados vocês os pobres, pois a vocês pertence o Reino de Deus. Bem-aventurados vocês, que agora têm fome, pois serão satisfeitos. Bem-aventurados vocês, que agora choram, pois haverão de rir‖ (Lucas 6:20,21)

Ao invés de Jesus dizer que bem-aventurados seriam os ricos da ― Teologia da Prosperidade‖ (pois todo cristão que tem fé tem que enriquecer), ele diz que bem-aventurados seriam exatamente os pobres, que de acordo com a Teologia da Prosperidade seriam exatamente aqueles que não fazem uso de sua fé e que por isso estão na miséria! Além disso, Jesus chama de bem-aventurados aqueles que agora passam fome, e não esses que enriqueceram com base nessa falsa doutrina herética e altamente ofensiva à fé cristã, que é a Teologia da Prosperidade. E também termino com as palavras de Jesus aos ricos, que, é claro, não poderiam ficar faltando: "Mas ai de vocês, os ricos, pois já receberam sua consolação. Ai de vocês, que agora têm fartura, porque passarão fome. Ai de vocês, que agora riem, pois haverão de se lamentar e chorar" (Lucas 6:24,25). Ao contrário do que Jesus disse aos pobres, quando a mensagem chega na parte dos ricos a conversa muda completamente. Ele passa a dizer que estes deveriam temer, lamentar e chorar, pois já receberam a sua consolação (sinal de que não receberão nenhuma consolação futura!). Também diz que eles passarão fome futuramente (v.25). Tudo isso nos mostra que, nos ensinamentos de Jesus, além de absolutamente nada apontar para a herética tese da prosperidade popular, que nasceu em pleno século XX depois de Cristo! O que ele realmente enfatiza é a bem-aventurança daqueles que são pobres nessa terra, jamais querendo dizer que estes estão nessa posição por falta de fé, ou que deveriam ser ricos através de uma teologia de prosperidade financeira. Ele não os encoraja a entrarem numa igreja neopentecostal e aderirem a uma das várias campanhas de prosperidade, para que ainda nesta vida possam deixar a pobreza e serem ricos. Muito pelo contrário. Ele coloca a vida futura (vida eterna) como sendo a bem-aventurança deles. Ao contrário da Teologia da Prosperidade, que quer enriquecer as pessoas nesta terra, Cristo quer nos apontar sempre ao caminho da eternidade, abrindo mão dos bens e prazeres desta vida para ganharem uma posse muito maior, uma ―herança incorruptível, incontaminável e imarcescível, reservada para vós nos céus‖ (1Pe.1:4). Nos céus, e não na Terra! Se os crentes tem que enriquecer por meio do evangelho, então o quadro seria precisamente o inverso. Os pobres seriam aqueles que não fazem uso da fé e do chamado ―pensamento positivo‖, e os ricos seriam aqueles que seguiram corretamente o evangelho, sendo elogiados por Cristo em função disso. É óbvio que tal quadro está longe de ser realidade, pelo simples fato de que Jesus repudiava absolutamente essa heresia que mais devasta e assola o meio evangélico nos nossos dias. Alguns pastores dos dias de hoje estão querendo tirar o povo a qualquer custo do primeiro grupo (dos pobres) para o segundo grupo (dos ricos). Eles só esquecem de avisar que junto a isso eles transferem consigo também a bem-aventurança de Cristo aos pobres, para fazer parte das ameaças ditas aos ricos.

ANALISANDO AS PASSAGENS UTILIZADAS PELOS PREGADORES DA PROSPERIDADE Mas como toda heresia tem os seus versículos bíblicos isolados e tirados fora do seu contexto, com a Teologia da Prosperidade não pode ser diferente. Afinal, se não houvesse uma meia dúzia de versos isolados, ninguém iria dar tanta bola assim para essa doutrina. Assim, nos cultos se repete, repete e repete cada vez mais os mesmos versículos bíblicos, até que a mente do povo fique corrompida e eles possam realmente acreditar numa heresia tão patentemente antibíblica, ainda mais para quem seriamente lê as páginas do Novo Testamento de maneira sincera e verdadeira. Novamente repito: não estou dizendo que todo mundo que crê na Teologia da Prosperidade não é honesto ou verdadeiro. O que eu estou dizendo é que existem certos pregadores que não são tão honestos assim (pois deveriam ter o conhecimento das Escrituras e pregar as coisas certas ao povo, antes que tentar iludi-los com o ―engano das

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riquezas‖ – Mc.4:19), e estes pregadores acabam muitas vezes enganado também muitas pessoas de bem, algumas que realmente buscam a Deus sinceramente e o adoram em Espírito e em Verdade, como Jesus disse (Jo.4:24). Mas apenas o fato de tais pessoas adorarem a Deus verdadeiramente não significa que elas não possam ser ludibriadas em algum ponto. O diabo atira os seus ―dardos inflamados‖ (Ef.6:16) para todos os lados, tentando acertar alguém, até mesmo os cristãos mais verdadeiros e piedosos que existem. É por amor a estas pessoas que, depois de um bom tempo sem comentar o assunto, eu escrevo este texto para acabar de uma vez com tal ensino que engana cristãos verdadeiros. E se tais pessoas são realmente cristãos verdadeiros, então irão admitir que estavam enganadas e vão querer ser libertas, a não ser que queiram deliberadamente continuarem no engano mesmo depois de descobrirem a verdade bíblica com respeito a este tema. Neste caso, se deliberadamente continuarem querendo ser enganadas, ou quiserem continuar crendo em algo que já sabe que é antibíblico, aí não sobrará mais nada a tais pessoas senão isso aqui: ―Se continuarmos a pecar deliberadamente depois que recebemos o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados, mas tão-somente uma terrível expectativa de juízo e de fogo intenso que há de devorar os rebeldes‖ (Hebreus 10:26-27). Porém antes que chegue a tal ponto, creio que seja necessário apresentar devidas refutações a algumas passagens historicamente utilizadas (e mal utilizadas, por sinal) por aqueles que pregam tal doutrina. A principal delas certamente é quando Paulo escreve aos coríntios, dizendo: ―Pois vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por amor de vocês, para que por meio de sua pobreza vocês se tornassem ricos‖ (2 Coríntios 8:9) Interpretam, então, primeiramente duas coisas que não existem no texto, mas que são fundamentais para a Teologia da Prosperidade funcionar: 1. Que essa riqueza é material e consiste em bens materiais. 2. Que essa riqueza não é uma posse futura celestial, mas que os coríntios já detinham. Evidentemente, nem um ponto e nem o outro conseguem se sustentar através de uma exegese simples e básica. Em primeiro lugar, porque Paulo estava traçando um contraste entre Jesus e nós. Ele intercambiavelmente faz comparações entre o mundo espiritual e material, o que é pouco discernido por muitos. Vamos passo a passo ver o que Paulo estava dizendo neste verso, parafraseando-o: 1. ―...Cristo, sendo rico‖ – riqueza espiritual, celestial. 2. ―...se fez pobre‖ – pobreza material, terrena. 3. Para que nós, ―por meio de sua pobreza...‖ – pobreza material, terrena. 4. Tornemos-nos ―ricos‖ – riqueza espiritual, celestial. O apóstolo Paulo estava simplesmente traçando uma analogia onde ele mostra que Cristo ―trocou de lugar conosco‖. Ele era ―rico‖ (no Céu), mas se fez ―pobre‖ (na Terra). Então, os cristãos (que são pobres) podem tornar-se ricos (no Céu). Se essa riqueza fosse algo terreno e material, então além de toda a analogia de Paulo entre nós e Cristo ir para o espaço, também deveríamos pensar que a ―riqueza‖ de que ele está falando era algo material e terreno. Porém, vemos que essa ―riqueza‖ que ele fala acerca de Cristo, e que nós iremos possuir também, diz respeito a uma riqueza celestial (que Cristo possui). Portanto, seguindo esta mesma lógica, a riqueza que nós possuiremos é a mesma de Cristo (a espiritual, e não terrena). Ele está dizendo que nós seremos ricos como Cristo. Mas em que sentido que Cristo era rico? Na terra? Não, no Céu! Portanto, o que Paulo está apontando neste verso específico não é nada contraditório àquilo que ele SEMPRE afirmava em suas epístolas, que nós somos ―pobres‖ (1Co.4:11-13), mas herdaremos uma recompensa incorruptível e gloriosa no futuro, quando Jesus voltar (Fp.3:20,21). Quando isso acontecer, o quadro que Paulo descreve em 2Co 8:9 se completa: Cristo volta e nós subimos, para sermos ricos como ele. É neste sentido que Paulo aplica as ―riquezas‖ que ele infere. Seria muito estranho que essas ―riquezas‖ dissessem respeito a algo físico e terreno, pois além da analogia ser mal feita, deveríamos pensar também que os próprios coríntios (a quem Paulo destina a carta) eram ricos! Ora, não é preciso ser nenhum ―historiador‖ para saber que isso é uma completa inverdade. Já vimos anteriormente que as comunidades cristãs eram essencialmente pobres. Além disso, Corinto ficava na província da Ásia, sendo que era o Império Romano quem subjugava a quase todos e mantinha o domínio territorial e autorizativo à altura do Séc. I. Os coríntios nem eram ricos, nem tampouco faziam parte de Roma! Eles simplesmente eram pobres, assim como a grande maioria das demais comunidades cristãs da época, espalhadas em toda a Ásia e Judéia.

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Portanto, Paulo não poderia estar falando que os coríntios eram ricos ou que o objetivo de Cristo em se fazer pobre foi em nos tornar ricos para esta vida e em termos materiais, pois os próprios coríntios não eram ricos! É óbvio que Paulo estava falando de riquezas celestiais, assim como o próprio Senhor Jesus afirmou: ―Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam‖ (Mateus 6:19). Ora, se Cristo veio para nos tornar ricos em matéria de dinheiro para esta vida, então por que ele foi afirmar exatamente para ―não ajuntarmos tesouros [riquezas] na terra‖? A resposta é óbvia: Porque a nossa riqueza não está na terra, mas no Céu, a nossa pátria! Portanto, o que Paulo diz em 2Co 8:9 é essencialmente o mesmo daquilo que Jesus afirma em Mateus 6:19 – que não devemos ajuntar riquezas terrenas, mas sim entesourar (por meio da fé) ―tesouros‖ (espirituais) para a vida futura (a vida eterna), onde seremos ―ricos‖. Nada, em absolutamente lugar nenhum, faz pensar que Jesus ou Paulo queria que nós ajuntássemos riquezas na terra ou que Cristo deu a sua vida por nós para que tivéssemos dinheiro nesta vida! Esta interpretação é uma blasfêmia contra a obra de Cristo na cruz, que em nada tem a ver com o dinheiro terreno, que o próprio Jesus afirma para se desfazer e dar aos pobres (Lc.12:33,34)! Mas o pior é que não para por aqui (ainda tem mais vindo, prepare-se!). Outra passagem utilizada por eles está na primeira carta de Paulo ao jovem Timóteo, em que ele diz: ―Ordene aos que são ricos no presente mundo que não sejam arrogantes, nem ponham sua esperança na incerteza da riqueza, mas em Deus, que de tudo nos provê ricamente, para a nossa satisfação‖ (1 Timóteo 6:17). Por essa frase ―...que de tudo nos provê ricamente‖, eles novamente interpretam que Paulo estava falando de riquezas temporais. É uma pena, pois se lessem o versículo seguinte, veriam exatamente de que riqueza de Paulo estava falando: ―Ordene-lhes que pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos para repartir‖ (1 Timóteo 6:18). Ou seja, ricos em... boas obras! A riqueza verdadeira não é em bens terrenos, mas em boas obras. Ademais, o fato de Deus nos prover não tem nada a ver com ele nos tornar ricos. Alguém pode ser suprido por Deus, sem necessariamente ser rico. Eu não sou rico, mas tenho o que comer, beber, se vestir, etc. Ou seja, Deus está me provendo. E, mesmo se eu não tivesse nada disso (como quase todos os apóstolos não tinham), eu não iria blasfemar dizendo que é porque ―Deus não está me abençoando‖ ou porque ―eu estou na miséria por não ter fé‖, como alguns lobos em pele de cordeiro dizem. Tais pessoas querem ter uma fé maior do que a dos apóstolos e, como a fé deles é baseada nas riquezas terrenas (como não poderia ser diferente), então pensam que se alguém não é rico é porque não tem fé! Voltando à passagem de 1Timóteo, penso que contextualizar essa passagem também seja eficiente para vermos novamente que, conforme eu expliquei acima, Paulo não está dizendo que nós seremos ricos, mas sim que Deus nos dará o SUFICIENTE para vivermos, exatamente conforme ele disse poucos versos antes: 1 Timóteo 6 3 Se alguém ensina falsas doutrinas e não concorda com a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino que é segundo a piedade, 4 é orgulhoso e nada entende. Esse tal mostra um interesse doentio por controvérsias e contendas acerca de palavras, que resultam em inveja, brigas, difamações, suspeitas malignas. 5 e atritos constantes entre pessoas que têm a mente corrompida e que são privados da verdade, os quais pensam que a piedade é fonte de lucro. 6 De fato, a piedade com contentamento é grande fonte de lucro, 7 pois nada trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar; 8 por isso, tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos. 9 Os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na destruição, 10 pois o amor ao dinheiro é raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram a si mesmas com muitos sofrimentos. Paulo aqui parece estar escrevendo exatamente aos pregadores da prosperidade dos dias atuais. Estes querem ficar ricos, e pior: querem que a sua ganância sem limites atinja também o povo simples, para que estes também queiram ficar ricos! Contudo, Paulo exorta dizendo que tais pessoas caem em tentação e armadilhas do maligno (lembre-se do que eu disse no início deste artigo), mergulhando na ruína da destruição. Estes ―pensam que a piedade é fonte de lucro‖ (1Tm.6:5).

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De fato, a coisa chegou a tal ponto que eles vendem até ―lenço ungido‖, ―sabonetes consagrados‖ (sabe-se lá pra quem), ―santinho‖, ―fitinhas‖, moedas da sorte, etc, etc, etc... coisas que nenhum apóstolo foi louco de fazer, pois a piedade não é fonte de lucro! Ah, como eu já estava quase me esquecendo: eles quase sempre cobram por tudo isso, é claro!!! Afinal, eles não são nem um pouco bobos. É uma pena que o povo de Deus não se alerte contra tais aberrações. Há uns tempos atrás eu vi uma ―igreja‖ vendendo ―sabonetes consagrados‖. A pessoa limpa o corpo com o sabonete e sai todo tipo de demônio. Antes eu ria com essas aberrações, mas hoje a minha vontade é de chorar, chorar por essas pessoas que colocam a fé delas numa porcaria de um sabonete ao invés de colocar a fé delas no Invisível, mas real, o Deus Eterno e Imortal, o ―que habita em luz inacessível, a quem ninguém viu nem pode ver. A ele sejam honra e poder para sempre. Amém‖ (1Tm.6:16). As pessoas estão cada vez mais precisando de ($$$$$) e de objetos físicos para colocar a sua fé, pois Jesus Cristo não está sendo o suficiente para elas. Não é o meu objetivo ficar aqui apontando erros em igrejas, mas a verdade deve ser dita, deve ser proclamada, não para que haja mais intrigas, mas sim para concertarmos os erros, algo que é profundamente necessário. O próprio apóstolo Paulo repreendeu Pedro face a face em Antioquia, ―porque a sua atitude era repreensível‖ (Gl.2:11). Se o próprio Pedro teve a sua atitude declarada como repreensível e foi repreendido, o que não dizer ou fazer com fanfarrões líderes que transformaram o evangelho puro de Cristo em dinheiro, e quiseram fazer do magnífico evangelho uma fonte de lucro pessoal? O apóstolo Paulo é muito claro: tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos! Isso significa que a verdade do evangelho NÃO É DE ACUMULAR RIQUEZAS, também NÃO É DE FICAR CADA VEZ MAIS RICO, nem tampouco de SER RICO ou de TER MAIS QUE O SUFICIENTE. Ao contrário, a verdade do evangelho consiste em ficar satisfeito com aquilo que tem e não querer mais! Mas para os que querem MAIS, Paulo escreve nos versos 9 e 10 o que acontece com eles: ―ruína e destruição‖ (v.9)! Por fim, creio também ser necessário comentar sobre uma última passagem utilizada por eles, se bem que essa eu acho que nem vale a pena, pois novamente o erro está no ―be-a-bá‖ da argumentação, em inferir ou imaginar que a abundância que Deus nos concede significa riquezas materiais (leia-se ―$$$‖), quando Cristo de modo nenhum quis dizer isso quando disse isso daqui: ―O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância‖ (João 10:10). Agora me diga: aonde é que está escrito neste verso que os cristãos têm que ser ricos ou que Deus quer que nós ajuntemos para si tesouros na terra??? A não ser que a expressão ―abundância‖ (leia-se ―dinheiro‖, para os teólogos da ―prosperidade‖) seja levada a um sentido extremamente materialista, o que não seria muito de se imaginar vindo de gente que não pensa em outra coisa senão no ―Cri$tiani$mo‖ pregado em alguns lugares, onde a abundância significa dinheiro. É mais que óbvio que Jesus não estava dizendo que nós temos que ser ricos, mas sim que nós vamos viver uma vida de abundância, e como ele próprio disse, essa abundância não consiste de forma alguma em bens materiais: ―Então lhes disse: Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens‖ (Lucas 11:5). Se não é na ―quantidade dos seus bens‖ (riquezas), então no que é? Deixe-mos que o próprio Cristo nos responda: ―Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize‖ (João 14:27). Essa ―abundância‖ de que Cristo fala trata-se da paz interior que aqueles que estão em Cristo sentem por viver uma vida de santidade em amor a Deus. Elas são preenchidas interiormente, não com riquezas ou ostentação de bens, mas sim com uma satisfação interior, uma paz que Cristo nos dá, o Espírito Santo da nossa consolação que é a garantia da nossa redenção até o dia da volta do Nosso Senhor (2Co.5:5). Essa ―paz interior‖ não tem nada a ver com dinheiro, pois dinheiro não traz felicidade! Ele pode trazer uma falsa ilusão de felicidade (a ―paz que o mundo dá‖), mas que na verdade resulta em mortes e depressão profunda. É por isso que os países mais desenvolvimentos do mundo (como a Suécia e Noruega) ―misteriosamente‖ também são as mesmas que mais tem casos de suicídio! Por que eles se suicidam tanto? Simplesmente porque eles não têm a verdadeira paz (a paz de Cristo). Eles têm é uma ILUSÃO de paz, a paz que o mundo dá, que consiste nas riquezas terrenas, e que levam o homem à perdição. Note que Cristo faz uma forte antítese entre a paz que ele concede (PAZ INTERIOR) com a paz que o mundo concede (RIQUEZAS). Se a paz de Cristo também consistisse em riquezas, então ele não faria tal distinção claríssima, dizendo que “a minha paz vos dou, não a dou como o mundo a

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dá”! O mundo oferece riquezas, bens materiais, ―tesouros‖ como sendo a fonte dessa paz. Cristo, ao contrário, nos oferece uma paz diferente, porém muito mais significativa: Ele nos oferece uma paz interior, a santidade, a redenção pelo Espírito. E é essa a esperança dos cristãos, essa é a ―vida em abundância‖ que Cristo diz! O mais impressionante é que os pregadores da prosperidade oferecem hoje em dia exatamente o contrário da paz de Cristo: eles nos oferecem exatamente aquela mesma paz que o mundo nos dá, eles nos oferecem riquezas, bens materiais, e tem ainda a ousadia de deturparem as próprias Escrituras para este fim! São, como Pedro diz, ―ignorantes e instáveis que torcem as Escrituras para a sua própria perdição‖ (2Pe.3:16). Tomara a Deus que o povo de Deus cresça em maturidade espiritual, deixando para trás os seus sofismas a fim de voltar ao simplismo do evangelho, que nunca nos ofereceu riquezas; mas nos promete, ao contrário, tribulações e sofrimentos, pois ―é necessário que passemos por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus‖ (Atos 14:22). Eles querem tirar as tribulações, substituindo-as por dinheiro. Eles iludem seus fiéis fazendo-os pensar em prosperidade financeira, quando eles deveriam olhar para a Escritura e pensar em tribulações! Finalmente, se essa ―abundância‖ significa bens materiais e riquezas terrenas, então o próprio Cristo não tinha uma ―vida em abundância‖, visto que ele era pobre (2Co.9:9; Lc.9:58)! Ora, como é que Cristo iria dar a sua paz a nós, se essa paz consiste em dinheiro e o próprio Jesus não tinha riquezas? Se essa abundância provém de Cristo, então ela não provém de dinheiro, a não ser que Jesus fosse multimilionário. A partir disso podemos ver como que a Teologia da Prosperidade acaba se metendo em abismos cada vez maiores. Eles deturpam uma passagem bíblica que implica em dizer que o próprio Cristo não vivia uma vida em abundância, e que nós temos que viver uma vida melhor que a de Cristo! Misericórdia!!! Por essa e por outras, eu prefiro ficar com a Bíblia – e contra a Teologia da Prosperidade e seus versos isolados, que desviam o foco de Cristo e que acabam resultando nisso:

Teologia da Prosperidade: O “caminho espaçoso” da morte [Mt 7:13] ―E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me‖ (Lucas 9:23) Não existe o "morrer para si mesmo" (Lc.9:23) na Teologia da Prosperidade, mas somente uma vida de riquezas e bens materiais. Paulo, porém, disse: ―Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; Somos reputados como ovelhas para o matadouro‖ (Romanos 8:36) ―Declaro, irmãos, pelo regozijo que tenho a vosso respeito em Cristo Jesus nosso Senhor, que morro todos os dias‖ (1 Coríntios 15:31) O ensino de que Deus quer que sejamos ricos gera, além de cristãos materialistas, uma verdadeira apatia à ―morte‖ descrita no evangelho. Como alguém com um excepcional carro, mansão, dinheiro de sobra e bens materiais superabundantes pode morrer todos os dias? Esse estilo de vida está muito longe de ser a morte que Paulo fala, o ―morrer para si mesmo‖ que Cristo diz! Negar a si mesmo e morrer para a sua própria vida certamente não condiz com a posição de alguém que, enriquecendo cada vez mais, torna-se apegado aos bens materiais. É somente com a morte que Cristo produz vida. Como Paulo disse, ―o que você semeia não nasce a não ser que morra‖ (1Co.15:36). Se você vive luxuosamente e não morre para esta vida, não pode ganhar a próxima. A vida cristã não é feita de uma porta larga e um caminho amplo, mas sim de uma ―porta estreita‖ (Lc.13:24) e de um ―caminho estreito‖ (Lc.13:24). O evangelho da prosperidade é exatamente o oposto disso: é o caminho amplo, que leva muitos à perdição.

Não adianta apenas entrar pela porta estreita, tem que se seguir o caminho estreito! Uma vida cheia de riquezas e bens materiais, longe de ser a negação de si mesmo, está muito mais para o caminho amplo, em direto contraste com aqueles que negam a si mesmos, tomam a sua própria cruz e seguem o caminho apertado, abrem mão de riquezas e bens materiais, tornam-se os dignos de lástima por amor a Cristo, pois sabem que possuem bens superiores esperando-os na Jerusalém Celestial. A Teologia da Prosperidade, querendo ser a ―arca de Noé‖ que oferece algo que é atraente aos olhos de quem está em dívidas e quer se refugiar nela, na verdade acaba sendo o próprio dilúvio. Ela é a porta estreita, ela é o caminho estreito. É por ela que se passa aqueles que

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procuram o atalho: uma vida em que tomar a sua cruz não é tão necessário assim, pois é mais fácil tomar o seu carro de uma última geração e ter o seu bolso cheio do que levar a própria cruz. É por essas e outras que a Teologia da Prosperidade não pode ser aceita por nenhum cristão sério que tenha prazer na verdade, e que queira realmente seguir o caminho estreito, antes que os atalhos que a vida nos oferece. Esses atalhos parecem melhores e menos dolorosos para se chegar a Deus. Eles parecem nos indicar uma vida de riqueza e prosperidade, fazendo-nos pensar que podemos ser muito ricos e mesmo assim entrarmos no Reino dos Céus, como um típico e verdadeiro atalho. A vida que Cristo nos propõe não é essa. Ele diz que é mais fácil passar um camelo no fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus, para mostrar como que o caminho das riquezas não passa de um atalho que desvia o verdadeiro cristão da verdadeira fé. É somente seguindo o caminho estreito – uma vida de tribulações e sofrimentos, abrindo mão daquilo que lhe é mais do que o suficiente – que podemos adentrar os portões celestiais, sabendo que não tomamos nenhum atalho ou caminho fácil, mas sim aquele prometido por Nosso Senhor Jesus Cristo e pelos apóstolos de Nosso Senhor: o caminho da adversidade e da negação própria.

Comentário de John Pipe O Evangelho da prosperidade. Há uma resposta fácil, antes, vou defini-lo um pouco. É o tipo de evangelho que está no radical e pode ser percebido até na mais sutil pregação. No mais radical, seria proferido: ―Deus quer você rico, e você deve se associar a Ele pela fé para buscar riquezas.‖. E a justificativa seria dada: não se pode alcançar muito na vida sem dinheiro, então corra atrás disso. Ou, outra lógica poderia ser: ―Vocês são crianças do reino, e crianças do reino não usam roupas esfarrapadas, elas se vestem como o Rei.‖. E assim por diante. O sutil seria: não falar diretamente das riquezas, mas sim de minimizar o pecado e a dor, bem como apenas falar das coisas que irão bem se você seguir a Cristo. John Pipe abomina este tipo de evangelho, pois acredita que é um outro evangelho diferente daquele testemunhado e ensinado pelos apóstolos de Cristo. O primeiro motivo seria ir diretamente à bíblia, e ver o que Paulo diz sobre aqueles que querem ser ricos. Como em 1 Tm 6:11. ―De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão. Em outras palavras, aquilo que leva as pessoas a transpasses suicidas de angústias – a saber, o desejo por riquezas – é nutrido e cultivado pelos pregadores de prosperidade. Eles estão incentivando a ocorrência deste comportamento suicida. Isto é abominável. Jesus disse: ―E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.‖ [Mt 19:24]. Por que Ele diria isso? É porque riquezas são coisas muito perigosas. Normalmente elas não são bênçãos, sim maldições. Pessoas são amaldiçoadas pelas riquezas. Elas são destruídas pelas riquezas. Para tornar claro: não é pecaminoso fazer muito dinheiro, sim querer ter muito dinheiro, redundando em suicídio. Exemplo: celeiros maiores, casas maiores, carros mais caros, carteiras maiores, e roupas mais finas, enfim, tudo cresce com o aumento de ganho. Então a sua consciência vai endurecendo, endurecendo... tentando te dizer e te provar como cristão: ―Está bem, está bem, esta é a estrada para o Calvário e isto é o que significa negar-se a si mesmo e seguir a Jesus, e é isto que significa morrer todos os dias e é isso que significa ter o meu tesouro nos céus.‖. E não é isso! Isto não vai funcionar! Então a sua consciência tem que ser dilacerada para você não tentar se matar. E então Jesus diz: ―É difícil um homem rico entrar no reino de Deus.‖. E os pregadores da prosperidade afirmam: ―Sim, Deus realmente quer que vocês sejam ricos. Nós devemos buscar as riquezas. Seguir a Jesus é o caminho para as riquezas. Riquezas são o sinal das bênçãos de Deus.‖. Isto é contradição da Palavra. Ainda há uma outra razão: estes pregadores não falam somente aos americanos que já são ricos a ficarem mais ricos, mas sim entram em seus jatos particulares e voam para África ou demais países de extrema pobreza, pousam, enchem estádios de centenas de milhares de pessoas abaixo da linha da miséria, e pregam que se eles crerem em Jesus eles ficarão ricos, e todas as suas necessidades serão supridas e suas esposas não irão mais abortar, etc. Logo, retornam aos seus jatos com os bolsos cheios e vão para casa.

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Isto é cruel. A Bíblia é tão cheia de ensinamentos de que as aflições aqui são leves e momentâneas. E estas mesmas aflições estão produzindo em nós um eterno peso de glória, acima de toda comparação. Os ―leves‖ e ―momentâneos‖ correspondem ao eterno peso da glória nos céus. Quando você vem para Cristo você vem e morre, e você pode contar com muitas tribulações até que possamos entrar no reino dos céus. O cristianismo normal é doloroso. Porém o regozijo é sempre padrão. Pregadores da prosperidade não preparam novos convertidos nos países de terceiro mundo para suportarem as realidades que lhes custará se tornarem cristãos. Existem dezenas de milhares de associações religiosas que nem mesmo possuem missionários engajados, portanto, passando antes uma mensagem sem esperança. Grande parte destes grupos estão em locais perigosos, tipo se você for para lá seus filhos podem pegar doenças e morrerem. Ou sua esposa sequestrada, estuprada e morta. Ou ainda, você e sua família massacrados. Quem irá? Nós temos de ir ! Jesus disse: façam discípulos de TODO grupo de pessoas. Não apenas dos fáceis. Não apenas dos confortáveis. Que irá ? O produto dos pregadores da prosperidade? Certamente que não. As pessoas que irão são aquelas que foram ensinadas que seguir a Cristo é sofrer, e é breve. Hoje, menos de oitenta anos. E então virá o paraíso. A Teologia da Prosperidade é escatológica: todas as coisas que foram preparadas para nós é que ficaremos todos ricos !!! Nós possuiremos o mundo. Nós julgaremos os anjos. Essa é a distorcida visão do reino dos céus. Enfim, muitas pessoas estão sendo enganadas com o falso paraíso ao tentar comprá-lo, quando deveria ser conquistado pelo preço do sofrimento em seguir a Jesus. Isto desonra a Deus. Isto leva as pessoas à perdição. Não é a palavra de Deus que salva na Teologia da Prosperidade, mas a de um fim que justifique o enriquecimento salvador de quem a prega. O pastor John Pipe voltou a atacar a Teologia da Prosperidade e criticar os pregadores adeptos a essa linha de mensagem, afirmando que ela afasta as pessoas do verdadeiro cristianismo. Segundo Pipe, ―se você atrair as pessoas com riquezas, facilidades, saúde, brincadeiras, adoração superficial, posando de alegria em Cristo, você vai atrair as pessoas e se tornar uma enorme igreja. Mas Cristo não será visto em Sua glória e a vida cristã não será vista como o caminho do Calvário que é‖. Os seguidores atuais da ―teologia‖ de Judas Iscariotes Parece-me que hoje há muitos seguidores da ―teologia‖ de Judas Iscariotes. Não estou me referindo a nenhum suposto livro escrito pelo apóstolo-traidor, nem afirmo que exista uma doutrina sistemática de seus inexistentes ensinos. Refiro-me a um tipo de atitude para com Jesus Cristo que muito se aproxima do que Judas de fato foi e fez. Antes gostaria de lembrar que Judas era o único judeu dentre todos os apóstolos. Tinha, portanto, de que se orgulhar perante os rudes pescadores galileus, como Simão Pedro. Essa é mesmo uma grande ironia bíblica, pois os judeus desprezavam não judeus, principalmente galileus e samaritanos, considerados como um povo misturado com os gentios. Judas foi escolhido por Jesus, disso não há absolutamente nenhuma dúvida (Mt 10.1-5; Mc 3.13-19; 6.7-13; Lc 9.1-6). Ele foi separado para o ministério apostólico, um verdadeiro ―episcopado‖, que, conforme anotação da Nova Versão

Internacional, designa a ―função pastoral‖(At 1.15-20). Judas assumiu a tesouraria do grupo que seguia a Jesus (Jo 12.6). Deve ter merecido essa confiança, pois ninguém entrega dinheiro a uma pessoa com reputação ruim. Judas recebeu poder para expulsar demônios, curar enfermos, ressuscitar mortos, pregar o Evangelho (Mt 10.1,2; Mc 6.12; Lc 9.6). Ele não estava somente no time dos 70 que foram enviados de dois em dois para anunciar as Boas-Novas em cidades e aldeias de Israel (Lc 10.1-23) – ele estava num grupo mais seleto, de doze homens escolhidos sob oração (de Jesus ao Pai): o Colégio Apostólico. Judas era na verdade ambicioso, mas seu discurso certa vez foi politicamente correto, social, em favor dos pobres, quando criticou Maria, irmã de Lázaro, que derramou perfume precioso sobre os pés de Jesus, em atitude de adoração (Mt 26.6-13; Mc 14.6-9; Jo 12.1-8). É certo que, se por um lado Marcos e Mateus dizem que essa recriminação foi feita por ―alguns dos presentes‖ (Mc 14.4) ou ―os discípulos‖ (Mt 26.8), o próprio Marcos deixa claro que ―então, Judas Iscariotes, um dos Doze, dirigiu-

se aos chefes dos sacerdotes a fim de lhes entregar Jesus. A proposta muito os alegrou, e lhe prometeram dinheiro. Assim, ele procurava uma oportunidade para entregá-lo‖ (Mc 14.10,11). Uma coisa tem que ver com a outra: o dissimulado era também ganancioso.

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O apóstolo Judas, o judeu Judas, o tesoureiro Judas, o ―altruísta‖ Judas revelou-se o traidor de Cristo. Ele escolheu seu próprio caminho, entendeu de vender seu amigo Jesus por um punhado de moedas. Ali estava um homem sem integridade, uma pessoa mesquinha. E, mesmo depois de entender que havia pecado, não se arrependeu, ficando tão-somente com o sentimento de remorso que toma conta de quem se sente culpado e não procura o perdão (Mt 27.1-10). ―Mas o que fez o personagem Judas‖? ―Que mal há nisso‖? Essas perguntas seriam feitas pelos fariseus, saduceus, sacerdotes e anciãos que entregaram Jesus aos romanos motivados por inveja. Afinal, por mais que tenha recebido dinheiro em troca, seu ofício foi o de cumprir o que a religião oficial exigia – matar os que supostamente se levantavam contra Moisés e o Templo. E esse foi o argumento oficial contra o Mestre nazareno. Se Judas fez o que fez, e ainda levou dinheiro, cumpriu o dever e saiu no lucro, diriam os cristãos materialistas de hoje, os pragmáticos, os egoístas, os alienados de Deus, os que seguem a boiada, os que traem princípios em favor de prestígio e poder. A teologia de Judas Iscariotes – por favor, saiba que a Epístola Geral de Judas não foi escrita por ele, mas outro Judas! – eu dizia que a teologia de Judas Iscariotes é perfeitamente compatível com essa prática de ficar ao lado dos ―vencedores‖ deste mundo, em vez de ficar com o crucificado, com o sofrido, com o cadáver que dizem que ressuscitou, com o homem que pregava arrependimento e era seguido por ex-prostitutas, ex-bêbados, ex-traidores da pátria (caso de Mateus e Zaqueu), ex-guerrilheiros (caso de Simão, o zelote), ex-tudo o que existe de ruim nessa vida. Que tipo de teologia era aquela de Jesus, diriam os hipócritas e materialistas…Que tipo de teologia era aquela que não deu em nada, ou melhor, deu em morte, ―derrota‖, dispersão, divisão de famílias, perseguição pelo governo? Tome cuidado, leitor, para que você não seja um dos seguidores do apóstolo Judas Iscariotes. Não adianta argumentar que ele operou milagres, isso não adiantará no Dia do Juízo (Mt 7.22,23). Não adianta evocar prerrogativas de nascimento, credibilidade humana ou apostolado. O que importa mesmo é não trair a Cristo, o que significa não vender princípios cristocêntricos por moedas de prata, dólares ou reais. E não vale sequer usar a tese de que os métodos da traição fazem a igreja crescer e aparecer para a sociedade. Quem não assume os princípios da Cruz deve ter estancado em algum momento, quem sabe no Getsêmani quem sabe com um beijo aparentemente gentil (Mt 26.47-56; Mc 14.43,44; Lc 22.47; Jo 18.1-3). O que é Teologia da Prosperidade e quais seus representantes no Brasil O movimento tem ganhado muitos adeptos nas últimas décadas e atrai multidões Na década de 80 o Brasil foi tomado por um movimento que atraiu e ainda atrai milhares de pessoas para as igrejas evangélicas, mas pouca gente conhece a fundo a história da Teologia da Prosperidade. O pioneiro desse movimento foi o pastor Essek M. Kenyon(1867-1948), mas o maior divulgador foi Kenneth Hagin (1917-2003). A Teologia da Prosperidade busca a interpretação de uma série de textos bíblicos para fazer com que os fiéis entendam que Deus tem saúde e bênçãos materiais para entregar ao seu povo. O teólogo Zwnglio Rodrigues recorda um trecho do livro ―O Nome de Jesus‖ escrito por Hagin: ―Por que, pois o diabo – a depressão, a opressão, os demônios, as enfermidades, e tudo mais que provém do diabo – está dominando tantos cristãos e até mesmo igrejas? É porque não sabem o que pertence a eles. (1999, p. 37)‖. Rodrigues explica que quando o autor diz que o povo não sabe o que lhes pertencem quer dizer que desconhecem seus direitos. Os pastores da Teologia da Prosperidade tentam ensinar esse conhecimento aos seguidores. ―É a respeito do desfrute destas coisas [saúde e prosperidade] que os cristãos mantêm-se ignorantes, dizem os pregadores da confissão positiva‖, lembra o teólogo. As igrejas que pregam a Teologia da Prosperidade A prova de que a Teologia da Prosperidade tem atraído cada vez mais fiéis é o crescimento das igrejas neopentecostais que a disseminam, entre elas pode citar a Internacional da Graça de Deus, Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo e Igreja Mundial do Poder de Deus. Algumas igrejas pentecostais também estão entrando nessa linha, um exemplo disso são as recentes pregações de um dos maiores ícones deste segmento o pastor Silas Malafaia. Outro ícone do pentecostalismo que aparece nos sites de busca como simpatizante dessa doutrina é o pastor Marco Feliciano que nega ser um defensor da TP. ―Não sou adepto dessa desgraça, não! Sou assembleiano roxo!‖, disse Feliciano que explica a diferença da sua pregação para a Teologia da Prosperidade. ― Teologia da Prosperidade, não pode ser comparada com a Prosperidade que vem da Teologia. Existe na palavra centenas de afirmações sobre a benção que enriquece, que o Senhor é dono do ouro e da prata, que a prosperidade vem ao fiel‖, diz.

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Apesar de crer que a prosperidade é dom de Deus, Feliciano diz que é contra a massificação desse ensino. ―Sou contra a massificação desse ensino, usando-o como método abusivo de ‗colheita‘, tipo, lavagem cerebral para enganar os incautos.‖ Ele também acredita na benção que vem através do dízimo e da oferta, mas diz que essas sementes precisam ser lançadas em um ministério sério. ―Eu creio na benção que vem ao dizimista, ao ofertante e ao sacrificante. Quem planta colhe, quem não planta não colhe, quem planta muito colhe muito, quem planta pouco colhe pouco… Todavia só se colhe quando se planta em um solo fértil! Ministério sério.‖

Contraposições Enquanto muitas pessoas acreditam e correm para as igrejas em busca de saúde e bênçãos materiais, estudiosos e pastores caminham em contramão tentando alertar os perigos que esses ensinamentos podem trazer. ―O sucesso numérico das denominações que são legítimas e fiéis representantes da TP no Brasil se dá exatamente por causa das promessas de saúde e prosperidade que são oferecidas e dadas como certas. Apelos desta natureza só podem redundar em uma aglomeração numerosa de fiéis, pois eles cativam facilmente aqueles que pensam ser o sucesso financeiro e a saúde o summum bonum (o bem maior) da vida‖, diz Zwnglio Rodrigues. O teólogo cita o versículo de Tiago 1:2 (Meus irmãos, tende por motivo de toda a alegria o passardes por várias provações.) e ensina o que esse texto quer dizer. ―O vocábulo ―várias‖, no grego, é poikilos e pode ser traduzido por ―multicolorido‖. Em outras palavras, o cristão pode sofrer provações de todas as matizes. Ora, nesse universo policromático há de tudo, inclusive doença e falta de dinheiro.‖ O problema desse movimento, segundo Rodrigues é que o ―deleite não está no Senhor, mas no(s) serviço(s) que Ele, supostamente, se habilita a prestar‖.

O evangelho da cruz e a Teologia da Prosperidade A chamada ―Teologia da Prosperidade‖, propagada hoje no Brasil por alguns segmentos evangélicos, tem enfatizado que seguir a Jesus é automaticamente candidatar-se a uma vida de sucesso financeiro, de projeção social e quase imunidade a qualquer tipo de sofrimento. Na verdade, até mais do que isto, segundo tal proposta, todo cristão tem o direito de reivindicar e até exigir de Deus a satisfação de seus desejos pessoais. Esta mensagem pode ser resumida nas seguintes palavras: A ― Teologia da Prosperidade‖ está trazendo o celeste porvir para o terrestre presente. Para comermos a melhor comida, para vestirmos as melhores roupas, para dirigirmos os melhores carros, para termos o melhor de todas as coisas, para adquirirmos muitas riquezas, para não adoecermos nunca, para não sofrermos qualquer acidente, para morrermos entre 70 e 80 anos, para experimentarmos uma morte suave. Basta crermos no coração e decretarmos em voz alta a posse de tudo isso. Basta usar o nome de Jesus com a mesma liberdade com que usamos nosso talão de cheques". Tais aspectos suscitam uma inevitável questão: que lugar existe para a mensagem da cruz neste modelo de cristianismo? Ou ainda, diante dos relatos que serão apresentados, a seguir, se poderia perguntar: será que estes mártires do cristianismo primitivo, caso vivessem em nossos dias, seriam aceitos como membros destas igrejas que abraçaram o ensinamento deste modelo de teologia? Deixemos, então, que os próprios relatos da história nos falem. No primeiro século de sua existência, a igreja neotestamentária se encontrava instalada nas dimensões do império romano. Devido a profissão de fé que os cristãos faziam em Jesus Cristo, e às reivindicações do evangelho libertador por eles pregado àquele mundo fundado num sistema de abuso de poder e opressão, os conflitos com o Império foram inevitáveis. O primeiro imperador a iniciar uma ostensiva perseguição ao cristianismo foi Nero (54-68). Após o incêndio na cidade de Roma, no ano 64, a mando do próprio imperador, quando dez dos quatorze bairros foram destruídos, os cristãos passaram a ser acusados como culpados por tal episódio, sofrendo por isso atroz perseguição. Tácito, historiador antigo, descreve as atitudes tomadas: Além de matá-los (aos cristãos) fê-los servir de diversão para o público. Vestiu-os em peles de animais para que os cachorros os matassem a dentadas. Outros foram crucificados. E a outros acendeu-lhes fogo ao cair da noite para que a iluminassem. Nero fez que se abrissem seus jardins para esta exibição, e no circo3 ele mesmo ofereceu um espetáculo pois se misturava com as multidões disfarçado de condutor de carruagem. Dados históricos e informações preservadas pela tradição antiga referentes ao que ocorrera com os apóstolos e outros importantes líderes do cristianismo em seus primórdios, também nos ajudam a entender que o compromisso com o caminho da cruz foi levado até as últimas consequências. Muitos foram submetidos ao martírio por causa do evangelho de Cristo. Vejamos primeiramente alguns exemplos envolvendo aqueles que fizeram parte dos doze discípulos chamados por Jesus ( Marcos 3:13-19).

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André: após a morte e ressurreição de Jesus, foi pregar o evangelho na região do Mar Negro (hoje parte da Rússia); depois, segundo a tradição, pregou na Grécia, em Acaia, onde foi martirizado numa cruz em forma de ―X‖. Daí, este instrumento de tortura ter ficado conhecido como ―cruz de Santo André‖ Bartolomeu: pregou inicialmente na Arábia, depois Etiópia, e por fim, ao lado de Tomé, atuou como missionário na Índia, onde foi martirizado. Filipe: atribui-se a este apóstolo a fundação da igreja de Bizâncio, cidade mais tarde conhecida como Constantinopla. Posteriormente, pregou o evangelho na Ásia Menor, na região de Hierápolis, onde convertera-se a mulher de um cônsul romano pela sua pregação. O cônsul, então furioso por este episódio, mandou prender a Filipe e matá-lo de forma cruel. Para o lugar de Judas Iscariotes, que suicidou-se, a igreja primitiva escolheu Matias como seu substituto (Atos 1:21-26). Segundo a tradição, Matias se tornou missionário na Síria, onde acabou sendo queimado numa fogueira por causa do evangelho. Judas Tadeu: segundo a tradição, pregou na Pérsia, onde também foi martirizado. Mateus: desenvolveu grande parte de seu ministério pastoreando a igreja de Antioquia, onde também escreveu o seu evangelho. Dirigiu-se posteriormente para a Etiópia, onde veio a ser martirizado por causa da pregação. Pedro: depois de exercer importante liderança na igreja de Jerusalém, este apóstolo transferiu-se para a cidade de Roma, capital do Império. No ano 67, durante perseguição imposta por Nero, Pedro foi preso e condenado a morrer crucificado. Relatos do segundo século afirmam que o apóstolo, antes de sua execução, disse que não era digno de morrer como morrera Jesus, o seu Senhor, e pediu para que fosse crucificado de cabeça para baixo, e assim ocorreu. Paulo: considerado um apóstolo ―nascido fora de tempo‖ (I Cor. 15:8), tornara-se o grande líder da igreja entre os gentios e propagador da ―mensagem da cruz‖ (I Cor. 1:18-23). Uma carta de Clemente de Roma, no segundo século, testifica o que ocorrera com este apóstolo: Paulo esteve preso 7 vezes; foi chicoteado, apedrejado; pregou tanto no Oriente quanto no Ocidente, deixando atrás de si a gloriosa fama de sua fé; e assim, tendo ensinado justiça ao mundo inteiro, e tendo para esse fim viajado até os mais longínquos confins do Ocidente, sofreu por fim o martírio por ordens dos governadores, e partiu deste mundo para ir ocupar o seu santo lugar. No ano 67, quando da perseguição movida por Nero, Paulo foi preso e levado a Roma, onde recebera o martírio. Pelo fato de possuir cidadania romana, este apóstolo não poderia ser crucificado (algo por demais humilhante para o cidadão romano) e por isso deram-lhe como sentença a decapitação (morte instantânea). A tradição conservou de forma reverente o lugar da execução deste apóstolo, juntamente com Pedro: ―Desde a mais alta antiguidade, a igreja romana celebrou juntos os martírios de Pedro e de Paulo no dia 29 de junho‖. Simão Zelote: desenvolveu seu ministério de evangelização na Pérsia, onde o culto ao deus Mithras (deus Sol) estava extremamente desenvolvido. Devido a conflitos com seguidores de Mithras, acabou sendo morto por se negar a oferecer sacrifício a esta divindade. Tiago (Filho de Alfeu): pregou o evangelho na Síria. Segundo o historiador antigo Flávio Josefo15, foi linchado e apedrejado até a morte. Tiago (filho de Zebedeu): segundo tradições antigas, citadas por Justo Gonzalez, este apóstolo desenvolveu um trabalho missionário na Espanha, pregando na região da Galícia e Zaragoza. ―Seu êxito não foi notável, pois os naturais desses lugares se negaram a aceitar o evangelho‖. Ao regressar para Jerusalém, percorreu o caminho que deu origem ao lugar hoje conhecido como ―Caminho de San Tiago de Compostela‖18, na Espanha. Em Jerusalém, veio a ser preso, sendo em seguida, decapitado por ordem de Herodes Agripa, no ano 44 (Atos 12:1,2). Tomé: segundo a tradição, desenvolveu sua atividade missionária inicialmente na Índia19. Dali, dirigiu-se para o Egito20, onde realizou importante trabalho entre os habitantes de língua copta, ministério este que deu origem à comunidade até hoje lá existente. A Igreja Cristã Copta, como é conhecida, está separada do catolicismo romano desde o IV século, tendo patriarcas em sua liderança. João: este é, reconhecidamente pela tradição e pelos depoimentos do cristianismo antigo, o último apóstolo a morrer. Morreu na velhice, por volta do ano 100, na cidade de Éfeso, onde morava com sua família21. Este apóstolo desenvolveu o seu ministério na Ásia Menor onde foi preso nos anos 90, na época da intensa perseguição imposta pelo imperador Domiciano ao cristianismo, quando acabou deportado à ilha de Patmos, no Mar Egeu, vindo a receber ali a revelação do Apocalipse, por volta do ano 96. Sendo solto posteriormente, permaneceu em Éfeso ensinando até ao final da sua vida.

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Além dos apóstolos, outros importantes líderes do cristianismo primitivo também deram a sua vida pela causa do evangelho. É o caso, por exemplo, de Tiago ―o irmão do Senhor‖, que exerceu importante liderança na igreja de Jerusalém. O historiador Flávio Josefo, que descreveu o sítio desta cidade pelo exército do general Tito, no ano 70, atribui a destruição de Jerusalém a um ―juízo de Deus sobre os judeus pelo fato de terem assassinado a Tiago, o Justo.‖ Também o historiador da igreja, Eusébio, cita um escritor do segundo século, chamado Hegesipo, que descreve a morte de Tiago. Afirma este autor, que tinha se levantado um conflito entre os judeus convertidos e os descrentes a respeito de Jesus ser ou não o Messias, e pediram a Tiago que resolvesse a questão. ―Os escribas e fariseus‖ – diz Hegesipo – ―Colocaram Tiago de um lado do templo e exclamaram, dirigindo-se a ele: visto que o povo é levado em erro a seguir a Jesus que foi crucificado, declara-nos qual é a porta pela qual se chega a Jesus, o crucificado?‖. Ao que ele respondeu em alta voz: ―O Filho do Homem está agora assentado nos céus, à mão direita do grande poder e está para vir nas nuvens do céu‖. E como muitos se gloriaram no testemunho de Tiago, estes mesmos sacerdotes e fariseus tomaram a decisão de levá-lo à parte alta do templo e de lá o lançaram abaixo, ―passando em seguida a apedrejá-lo, visto não ter morrido logo que caiu no chão, enquanto, ajoelhando-se pedia o perdão de Deus aos seus agressores‖. Deste modo ele sofreu o martírio. Também Timóteo, discípulo de Paulo, segundo testemunho de Nicéfero, no segundo século, ―foi martirizado durante o reinado de Domiciano, no ano 96 a.D., em Éfeso, cidade onde morava quando o apóstolo lhe escreveu as duas cartas‖. Até ao terceiro século da era cristã a cruz realmente pautou a atuação da igreja. E é prova evidente disto o fato de tal período ter ficado conhecido como a ―era dos mártires‖. O historiador Justo Gonzalez descreve com precisão ainda outros fatos deste período, como por exemplo, o testemunho de fé demonstrado por Inácio de Antioquia. Discípulo do apóstolo João, viveu no período de 60 a 117 d.C. Tornou-se célebre pela fidelidade a Cristo em meio às perseguições que sofrera e às cadeias que enfrentou devido à fé que professava. Sendo levado a Roma, em algumas paradas obrigatórias, não se esquecia de escrever às igrejas que o recebiam ou lhe enviavam saudações. Pelo testemunho vivo de Jesus Cristo, Inácio está disposto a enfrentar a morte. E, a caminho do martírio, proferiu as seguintes palavras: "Não quero apenas ser chamado de cristão, quero também me comportar como tal. Meu amor está crucificado. Não me agrada mais a comida corruptível... mas quero o plano de Deus que é a carne de Jesus Cristo... e seu sangue quero beber, que é bebida imperecível. Porque quando eu sofrer, serei livre em Jesus Cristo, e com ele ressuscitarei em liberdade. Sou trigo de Deus, e os dentes das feras hão de me moer, para que possa ser oferecido como pão limpo de Cristo‖. Não é diferente o exemplo de fé de Policarpo de Esmirna, o qual, diante da insistência das autoridades para que jurasse pelo imperador e maldissesse a Cristo, recebendo em troca disto a liberdade, respondeu: ―vivi oitenta e seis anos servindo-lhe, e nenhum mal me fez, como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou?" E estando atado já em meio à fogueira, Policarpo elevou os olhos ao céu e orou em voz alta: Senhor Deus Soberano... dou-te graças, porque me consideraste digno deste momento, para que, junto a teus mártires, eu possa ser parte no cálice de Cristo. Por isso te bendigo e a te glorifico. Amém. As experiências de Inácio e Policarpo retratam bem a disposição dos cristãos de tal período em dar testemunho de sua fé em obediência a Jesus Cristo, até às últimas consequências. Para a igreja deste período, a ressurreição foi, sem dúvida, o impulso maior à perseverança e à fidelidade ao caminho da Cruz. Ao falar sobre martírios de cristãos, o teólogo Jürgen Moltmann afirma que É Cristo que sofre através dos seus discípulos mártires, pois na Paixão apostólica pelo evangelho e pela nova criação está presente o próprio Cristo. Por isso os sofrimentos apostólicos, como perseguição, prisão, pobreza e fome, são também sofrimentos de Cristo e, como tais, dores de parto da nova criação. Paulo diz isto em 2 Cor.4:10 levando sempre no corpo o morrer de Jesus para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo. Nestes sofrimentos do caminho da cruz, o mundo presente perece e nasce o novo mundo de Deus. Em nossos dias, a ―palavra da cruz‖ parece continuar sendo ―loucura‖ (1Cor.1:18) para alguns segmentos cristãos. Mas certamente a cruz, por mais paradoxal que possa parecer, continuará carregando em seu significado o mistério e o segredo da vida. ―Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-me. Porque qualquer que quiser salvar a sua vida perdê-la-á, mas qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a achará.‖ (Mc. 8:34,35).

Afinal, o que está errado com a Teologia da Prosperidade?

Apesar de até o presente só ter melhorado a vida dos seus pregadores e fracassado em fazer o mesmo com a vida dos seus seguidores, a Teologia da Prosperidade continua a influenciar as igrejas evangélicas no Brasil. Uma das razões pela qual os evangélicos têm dificuldade em perceber o que está

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errado com a Teologia da Prosperidade é que ela é diferente das heresias clássicas, aquelas defendidas pelos mórmons e "testemunhas de Jeová" sobre a pessoa de Cristo, por exemplo. A Teologia da Prosperidade é um tipo diferente de erro teológico. Ela não nega diretamente nenhuma das verdades fundamentais do Cristianismo. A questão é de ênfase. O problema não é o que a Teologia da Prosperidade diz, e sim o que ela não diz. Ela está certa quando diz que Deus tem prazer em abençoar seus filhos com bênçãos materiais, mas erra quando deixa de dizer que qualquer bênção vinda de Deus é graça e não um direito que nós temos e que podemos reivindicar ou exigir dele. Ela acerta quando diz que podemos pedir a Deus bênçãos materiais, mas erra quando deixa de dizer que Deus tem o direito de negá-las quando achar por bem, sem que isto seja por falta de fé ou fidelidade de nossa parte. Ela acerta quando diz que devemos sempre declarar e confessar de maneira positiva que Deus é bom, justo e poderoso para nos dar tudo o que precisamos, mas erra quando deixa de dizer que estas declarações positivas não têm poder algum em si mesmas para fazer com que Deus nos abençoe materialmente. Ela acerta quando diz que devemos dar o dízimo e ofertas, mas erra quando deixa de dizer que isto não obriga Deus a pagá-los de volta. Ela acerta quando diz que Deus faz milagres e multiplica o azeite da viúva, mas erra quando deixa de dizer que nem sempre Deus está disposto, em sua sabedoria insondável, a fazer milagres para atender nossas necessidades, e que na maioria das vezes ele quer nos abençoar materialmente através do nosso trabalho duro, honesto e constante. Ela acerta quando identifica os poderes malignos e demoníacos por detrás da opressão humana, mas erra quando deixa de identificar outros fatores como a corrupção, a desonestidade, a ganância, a mentira e a injustiça, os quais se combatem, não com expulsão de demônios, mas com ações concretas no âmbito social, político e econômico. Ela acerta quando diz que Deus costuma recompensar a fidelidade, mas erra quando deixa de dizer que por vezes Deus permite que os fiéis sofram muito aqui neste mundo. Ela está certa quando diz que podemos pedir e orar e buscar prosperidade, mas erra quando deixa de dizer que um não de Deus a estas orações não significa que Ele está irado conosco. Ela acerta quando cita textos da Bíblia que ensinam que Deus recompensa com bênçãos materiais aqueles que o amam, mas erra quando deixa de mostrar aquelas outras passagens que registram o sofrimento, pobreza, dor, prisão e angústia dos servos fiéis de Deus. Ela acerta quando destaca a importância e o poder da fé, mas erra quando deixa de dizer que o critério final para as respostas positivas de oração não é a fé do homem mas a vontade soberana de Deus. Ela acerta quando nos encoraja a buscar uma vida melhor, mas erra quando deixa de dizer que a pobreza não é sinal de infidelidade e nem a riqueza é sinal de aprovação da parte de Deus. Ela acerta quando nos encoraja a buscar a Deus, mas erra quando induz os crentes a buscá-lo em primeiro lugar por aquelas coisas que a Bíblia constantemente considera como secundárias, passageiras e provisórias, como bens materiais e saúde. A Teologia da Prosperidade, à semelhança da Teologia da Libertação e do movimento de batalha espiritual, identifica um ponto biblicamente correto, abstrai-o do contexto maior das Escrituras e o utiliza como lente para reler toda a revelação, excluindo todas aquelas passagens que não se encaixam. Ao final, o que temos é uma religião tão diferente do Cristianismo bíblico que dificilmente poderia ser considerada como tal. Estou com saudades da época em que falso mestre era aquele que batia no portão da nossa casa para oferecer um exemplar do livro de Mórmon ou da Torre de Vigia...

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CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS Jesus de Nazaré em nenhum momento de sua pregação propôs riqueza nem prosperidade aos seus seguidores. Propôs, sim, a salvação de suas almas àqueles que fossem fiéis a sua doutrina. Somente observando essas passagens acima temos certeza que o Jesus não assinalou que as pessoas não deveriam sofrer ou não passar por problemas. E esse é o ponto mais elevado dessa nossa Teologia pós-moderna. A luz de tudo o que foi dito, não cabe aqui estraçalhar mais com essa doutrina e bombardear mais passagens bíblicas – deixemos isso para uma outra oportunidade. O meu objetivo aqui, neste presente artigo, já foi concluído. Antes, porém, deve ser feito um resumo por pontos, não daquilo que foi dito (que já está claro em todo o texto), mas sim daquilo que não foi dito, para evitar deturpações de meu texto, por pessoas que vão tentar deturpar as minhas palavras assim como deturpam as das Escrituras. 1. Eu não disse que por ser pobre alguém vai pro Céu. A salvação não está condicionada aos bens materiais, mas sim à fé em Cristo Jesus (Ef.2:8). É claro que a própria analogia de Cristo com o camelo e a agulha nos revela que é muito difícil um rico entrar no reino de Deus (Mt.19:23), e Tiago acrescenta que Deus escolheu os pobres para serem ricos na fé e herdarem o Reino (Tg.2:5). Isso não significa que nenhum rico possa ser salvo, mas dificulta as possibilidades de tal coisa suceder, visto que não é possível servir a dois senhores ao mesmo tempo: ou é a Deus, ou é ao Dinheiro (Mt.6:24), pois ―onde está o seu tesouro, ali também estará o seu coração‖ (Lc.12:34). O caso do rico da parábola ir para o tormento e o pobre ser salvo é uma grande tipologia disso (Lc.16:19-31). 2. Eu não disse que Deus não pode prosperar absolutamente ninguém. Embora rarissimamente isso ocorra na Bíblia (e nunca ocorra com um apóstolo ou com alguma igreja, senão a de Laodicéia, que foi claramente repreendida por Deus por causa disso – Ap.3:14-18), isso ocorre em alguns casos isolados, como o de José de Arimatéia (Mt.27:57). Ele não era rico porque tinha mais fé do que os outros (como Pedro, Paulo ou Jesus), mas sim porque Deus quis assim. ―Quem é você, é homem, para questionar a Deus? Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‗Por que me fizeste assim‘?‖ (Rm.9:20).

3. Eu não disse que os cristãos tenham que ―viver na miséria‖. O que eu claramente disse foi que, ainda que você viva na miséria, não deve colocar a culpa em Deus ou na sua ―falta de fé‖. Constantemente vemos os próprios apóstolos vivendo em ―miséria‖, com necessidade de tudo – de tudo mesmo (1Co.4:11-13)! E não era porque eles não tinham fé. Algumas pessoas estão na miséria simplesmente porque este é um tempo que Deus está tratando com elas desta maneira (volte e leia Romanos 9:20, junto a Atos 14:22). 4. Eu não disse que você não tem que ter dinheiro nenhum. O que eu claramente disse foi que temos que nos contentar com o que é suficiente para

vivermos, e não querendo mais do que isso. Querer sempre mais tem um nome: ganância! O autor de Hebreus é bem claro: ―Sejam vossos costumes sem avareza, contentando-vos com o que tendes; porque ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei‖ (Hb.13:5). Mas, se porventura você ganhar mais que o suficiente, o que fazer com o dinheiro? Simplesmente siga a instrução de Jesus Cristo: dê o dinheiro aos pobres (Lc.12:33,34), ou então contribua em alguma missão evangelística na África ou na Ásia, onde os cristãos missionários estão enfrentando grandes aflições e necessidades. Não estou me referindo aos que defendem essa teologia apenas por ganância, pois sei que estes vão desprezar um estudo bíblico como esse. Estou me referindo às pessoas cristãs que infelizmente se encontram iludidas com tal doutrina, até mesmo podem estar hoje ensinando pessoas desta maneira e consequentemente iludindo outros também. O meu sincero apelo a tais pessoas é o mesmo de Paulo: ―não ponham sua esperança na incerteza da riqueza, mas em Deus‖ (1Tm.6:17). Termino aqui com uma pregação de Donnie Swaggart descendo a lenha na doutrina satânica da Teologia da Prosperidade, e com outra do excelente pastor John Pipe, sobre o verdadeiro evangelho em direto contraste com o ―evangelho‖ pregado pelos pregadores atuais da prosperidade. Poderia referenciar outros artigos de muitos outros pastores honestos, tais como Paul Washer, David Wilkerson, e vários outros que em meio a tanta apostasia fazem frente contra este ensinamento perverso que nasceu com Kenneth Hagin e hoje é grandemente difundido pelos seus súditos, porém creio que estes dois sejam suficientes.