o estupro de vulnerÁvel e a presunÇao relativa...
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O ESTUPRO DE VULNERÁVEL E A PRESUNÇAO
RELATIVA DA VULNERABILIDADE, QUANTO AOS
MENORES DE 14 ANOS
Amanda Araújo1
Hessen Handeri de Lima2
RESUMO
O presente artigo pretende analisar a relativização do estado de
vulnerabilidade da possível vítima maior de 12 e menor de 14 anos de
idade, prevista no art. 217-A do Código Penal vigente, distinguindo
cada uma delas, bem como, as particularidades do caso concreto, a fim
de se evitar possível responsabilidade penal objetiva, face aos
princípios constitucionais consagrados.
PALAVRAS-CHAVE:
Vulnerabilidade. Vítima. Relativização. Responsabilidade penal
objetiva. Princípios Constitucionais.
ABSTRACT: This article aims to analyze the vulnerability state of a
possible victim, older than 12 years old and younger than 14 years old,
mentioned in the Brazilian Criminal Code (217-A), differentiating each
one, as well as the particularities of the recorded case to avoid criminal
responsibility, focusing the established constitutional principles.
KEYWORDS:
Vulnerability. Victim. Relativization. Criminal Responsibility.
Constitutional principles.
1 Acadêmica do Curso de Direito do IESI/FENORD, graduada em 2013. 2 Especialista em Direito Público, professora de Direito Empresarial e Estágio
Supervisionado do IESI/ FENORD.
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa a uma análise do tipo penal
disciplinado no artigo 217-A do Código Penal, qual seja, o estupro de
vulnerável, introduzido em nosso ordenamento jurídico através da Lei
12.015, de sete de agosto de 2009, buscando demonstrar a necessidade
e a viabilidade de se considerar, de forma relativa, a vulnerabilidade da
possível vítima maior de 12 e menor de 14 anos, bem como, as
possíveis consequências do entendimento contrário.
A Lei 12.015 teve sua gênese com a Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito (CPMI), criada em 2003, que teve por finalidade
investigar a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.
Essa Comissão promoveu, de 12 de junho de 2003 a 13 de julho de
2004, atividades que tiveram como resultado o Projeto de Lei do
Senado nº 253/2004, destinado a adaptar o Código Penal Brasileiro às
novas realidades sociais.
Alterou-se o Título VI da Parte Especial do Código Penal
Brasileiro, que tratava “Dos crimes contra os costumes”, que passou a
vigorar com dicção “Dos crimes contra a dignidade sexual”, visando
garantir maior proteção à liberdade e dignidade sexual da pessoa
humana em desenvolvimento, introduzindo novos tipos penais
incriminadores, unificando tipos antigos e modificando normas em
geral.
Dentre as modificações realizadas, foi revogado do
ordenamento jurídico o regime da presunção de violência, previsto no
artigo 224 do Código Penal, substituído pela criação do novo tipo penal
do estupro de vulnerável, disciplinado no artigo 217-A do mesmo
diploma, que traz, dentre seus sujeitos passivos, o menor de 14 anos de
idade, objeto central desse trabalho.
Segundo Fernando Capez, vulnerável é qualquer pessoa que se
encontre em situação de perigo ou fragilidade, não fazendo a lei
qualquer referência à sua capacidade para consentir ou à sua
maturidade sexual. Refere-se àquele que se encontra em situação de
maior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica, em diante.
(CAPEZ, 2012).
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A pesquisa em pauta não objetiva discutir a vulnerabilidade dos
menores de 12 anos, devendo esta ser considerada de forma absoluta.
Da mesma forma, não serão objeto de estudo aqueles vulneráveis por
enfermidade ou deficiência mental ou que não podem oferecer
resistência; também não se pretende desconsiderar por completo a
figura do vulnerável menor de 14 anos, que merece e necessita da
proteção do Estado.
O que se busca por meio deste é distinguir o estado de
vulnerabilidade de cada possível vítima e aplicar a lei penal da melhor
forma possível. Procuramos demonstrar as vantagens de se analisar a
vulnerabilidade do menor de 14 anos de forma relativa, observadas as
particularidades do caso concreto, a fim de se evitar possível
responsabilidade penal objetiva.
1 BREVE RELATO HISTÓRICO
2.1 Evolução histórica do crime de estupro
A violência sexual sempre esteve presente no contexto das
sociedades, desde as primeiras civilizações, e, por esse motivo, sempre
houve a necessidade de penalizar aqueles que praticassem tais crimes.
As penas eram severas e cruéis, como a pena de morte, trabalhos
forçados e açoites. Para que fosse configurado o delito, era necessário
que a vítima preenchesse determinados requisitos, tais como ser
virgem, honesta e estar sob o poder familiar patriarcal.
Acompanhando a evolução da sociedade, as penas foram
humanizadas, mas sem perder sua finalidade de punir com rigor a
violência sexual. A principal mudança sofrida no decorrer dos anos diz
respeito à tutela legal, que não mais se restringe à proteção da mulher
nas condições mencionadas, mas todo ser humano, independente de
sexo ou idade. O objetivo é proteger a dignidade sexual, a liberdade
sexual e a vítima considerada vulnerável.
Significativas foram as evoluções na legislação penal no que
diz respeito a modernização dos costumes na sociedade. Os costumes
e a moralidade sexual, constantes na configuração do delito de estupro,
sofreram alterações ao longo do tempo, com o objetivo de atender à
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realidade da sociedade de cada época, reprimindo severamente os
delitos sexuais.
Para que fosse configurado o crime de estupro para o direito
canônico, era necessária que a mulher fosse virgem e que, para a
consumação do ato, fosse empregado violência física. A mulher
deflorada não poderia ser vítima desse crime, logo, a mulher casada ou
que já houvesse praticado relação sexual com homem, não poderia ser
sujeito passivo desse delito. (PORTINHO, 2005).
O termo estupro representava, para o direito romano, em
sentido amplo, qualquer ato lascivo praticado com homem ou mulher,
englobando o adultério e a pederastia. Em sentido estrito, referia-se ao
coito com mulher virgem ou viúva honesta. O escravo não era
considerado sujeito passivo de tal crime, mas, sendo sujeito ativo, seria
punido com pena de morte. Sendo o sujeito ativo homem nobre,
sofreria a repreensão por pena pecuniária. (PRADO, 2001).
As Ordenações Filipinas, no Livro V, Título XXIII, previa o
estupro voluntário de mulher virgem, acarretando ao autor a obrigação
de se casar com a vítima. Na impossibilidade do casamento, deveria
constituí-la um dote, e na indisponibilidade de bens, seria açoitado e
degredado (PRADO, 2011).
O Código Criminal do Império de 1830, sobre a rubrica do
delito de estupro, elencou vários delitos sexuais. No artigo 222, foi
definido pelo legislador o crime de estupro propriamente dito, in verbis
“Ter cópula carnal, por meio de violência ou ameaça com qualquer
mulher honesta”. Cominava-lhe pena de prisão de três a doze anos,
mais constituição de dote em favor da ofendida. Sendo prostituta a
vítima, a pena era de um mês a dois anos de prisão. (PRADO, 2011).
Já no Código Penal de 1890, em seu artigo 269, definiu como
estupro a violência com o fim de satisfação sexual, ou seja, o ato
violento pelo qual o homem abusa, com violência, de uma mulher,
virgem ou não. A violência prevista nesse artigo engloba tanto a
violência física, como também moral e psicológica, que privasse a
mulher de suas faculdades psíquicas impossibilitando-a de resistir.
(PRADO, 2011).
O Código Penal de 1940, em sua redação originaria do artigo
213, consistia em constranger mulher à conjunção carnal, mediante
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violência ou grave ameaça, com pena prevista de reclusão de seis a dez
anos. O referido artigo objetivava proteger a liberdade sexual da
mulher, seu direito de dispor do próprio corpo e liberdade de escolher
seus parceiros sexuais. (PRADO, 2011).
Se da prática do delito resultasse lesão corporal de natureza
grave, a pena aplicada seria de oito a doze anos. Se resultasse em morte,
a pena seria de doze a vinte anos. Sendo a vítima menor de 14 anos,
alienada ou débil mental, ou não pudesse oferecer resistência, era
presumida a violência, e a pena agravada da metade.
A Lei 12.015 de 2009 operou uma reforma penal,
transformando o entendimento em relação aos delitos sexuais,
incluindo novos dispositivos, revisando e excluindo outros. O crime de
estupro passou a ser definido pela conduta de “constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a
praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”,
permanecendo a pena de reclusão de seis a dez anos.
Anteriormente à publicação da Lei 12.015 em sete de agosto de
2009, o Código Penal Brasileiro, em seu Título VI intitulado “Dos
Crimes Contra os Costumes”, buscava tutelar o comportamento médio
da sociedade quanto a ética sexual, não prevendo tipificação específica
para os crimes sexuais praticados contra menores de 14 anos.
(ESTEFAM, 2010).
Após a entrada em vigor da Lei 12.015, em 10 de agosto de
2009, o Título VI recebeu nova denominação, qual seja “Dos crimes
contra a dignidade sexual”, definindo como bem jurídico tutelado a
dignidade sexual, tendo como corolário, a dignidade da pessoa humana
e o respeito à vida sexual de cada indivíduo. (NUCCI, 2013).
2.2 Fim da presunção de violência em razão da idade e surgimento
da vítima vulnerável
Anteriormente às alterações trazidas pela Lei 12.015 em 2009,
aquele que estuprasse um adolescente menor de 14 anos praticava o
delito de estupro, disciplinado no artigo 213 do Código Penal,
combinado com o artigo 224, alínea “a” do mesmo diploma, no qual se
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presumia a existência da violência dada a inexperiência sexual da
vítima.
Foi criada pelo legislador a presunção legal do emprego de
violência, aplicada nas situações em que a vítima não possuía
capacidade para consentir validamente ou para oferecer resistência,
integrando o mesmo tipo incriminador do estupro com violência real e
possuindo as mesmas penas.
A presunção de violência prevista no artigo 224, quanto ao seu
caráter absoluto, foi tema de grande debate entre os doutrinadores,
prevalecendo o entendimento de que tal presunção deveria ser
considerada de forma relativa, ponderando sobre o caso concreto,
conforme defendia Noronha, Hungria, Damásio e Mirabete.
(BARROS, 2010).
Tal presunção, considerada de forma absoluta, violava vários
princípios constitucionais, dentre eles, o princípio da presunção de
inocência e do contraditório e da ampla defesa, uma vez que não era
oportunizada ao acusado a defesa e o princípio da ofensividade ou
lesividade, pois o agente era punido por um objeto de ficção criado pelo
legislador e não por um resultado lesivo causado à vítima, tornando
necessária a atualização trazida pela Lei 12.015.
A principal inovação trazida foi a revogação do artigo 224, que
tratava da presunção de inocência e sua classificação, sendo substituído
pelo novo artigo 217-A, consolidando as alterações.
Surgiu, então, a necessidade de proteção da dignidade sexual
daqueles que, aos olhos do legislador, não possuíam capacidade para
emitir um consentimento válido para a prática do ato sexual.
Em relação aos menores de 14 anos, entendeu o legislador que
estes são incapazes de compreender e avaliar as consequências dos atos
sexuais, faltando-lhes maturidade fisiológica e capacidade psicoética
para entender o ato sexual.
3 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL
3.1 Conceito, classificação, sujeitos do delito e elemento subjetivo
A Lei 12.015 trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro um
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novo tipo penal, autônomo, com penas rigorosas, denominado estupro
de vulnerável, destinado a proteger aqueles que não possuem
capacidade de discernir sobre os atos e consequências da sexualidade
ou que, por alguma razão não, podem reagir.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, a vulnerabilidade contida
no artigo 217-A: “trata-se da capacidade de compreensão e
aquiescência no tocante ao ato sexual. Por isso, continua, na essência,
existindo a presunção de que determinadas pessoas não têm a referida
capacidade para consentir.” (NUCCI, 2011).
O estupro de vulnerável é classificado como um crime de mão
própria em relação à conjunção carnal, uma vez que exige a atuação
pessoal do agente, e comum em relação aos demais atos libidinosos. É
material, exigindo o resultado naturalístico do efetivo tolhimento da
liberdade sexual da vítima. É um delito de forma vinculada quanto à
conjunção carnal ou de forma livre, quando cometido através de
qualquer ato libidinoso. É também comissivo, exigindo ação do agente
ou de omissão imprópria quando o sujeito ativo for garantidor,
instantâneo quanto ao resultado, de dano, se consumando com a efetiva
lesão à dignidade sexual, unissubjetivo, bastando um só agente e
plurissubsistente, necessitando de vários atos para integrar a conduta.
O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa,
independente de sexo, desde que maior, enquanto que o sujeito passivo
deve ser pessoa vulnerável, ou seja, vítima com idade inferior a 14 anos
ou com enfermidade ou deficiência mental que limite o discernimento
para a prática do ato ou que, por qualquer outra causa, não possa
oferecer resistência.
O elemento subjetivo é o dolo, ou seja, consciência e vontade
de realizar os elementos objetivos do tipo, não existindo a forma
culposa.
Conforme o pensamento de Guilherme de Souza Nucci é nítida a
liberação sexual na atualidade, não podendo o legislador ficar alheio
ao mundo e sua evolução, devendo garantir a satisfação dos desejos
sexuais, de forma digna e respeitada, desde que não incorra em
exploração, violência ou grave ameaça. (NUCCI, 2013).
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3.2 Estupro de vulnerável contra vítima menor de 14 anos
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 2º,
considera criança a pessoa com até 12 anos de idade incompletos, e
adolescente aquela com idade entre 12 e 18 anos.
O legislador, não acompanhando as mudanças de
comportamento na sociedade brasileira, definiu para o Código Penal
que tanto a criança quanto o adolescente menor de 14 anos devem ter
proteção sexual penal integral, uma vez que se encontram em fase de
desenvolvimento biológico, psicológico e moral (LEAL, 2009).
Dessa forma, o artigo 217-A, caput, tipifica como estupro de
vulnerável ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 anos, prevendo pena de reclusão de oito a quinze anos.
A tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais, deve
ser absoluta quando se tratar de criança menor de 12 anos, mas relativa
ao cuidar do adolescente (NUCCI, 2013).
Segundo o Desembargador do TJSC, Jaime Ramos:
[...] vulnerável é qualquer dessas pessoas, que se
presume de forma absoluta não ter discernimento
suficiente para consentir validamente aos atos sexuais a
que são submetidos. Mesmo que consintam ao ato
sexual, esse consentimento deverá ser considerado
inválido. (RAMOS, apud, GUIMARÃES, 2011).
O novo tipo penal criado pela Lei 12.015 é uma consequência
da revogação do artigo 224 e das hipóteses de presunção de violência
nele prevista, transformadas em elementos do crime de estupro de
vulnerável. (GÊNOVA, 2009).
O recente dispositivo tutela a proteção integral do ser humano
ainda criança, cuja integridade sexual precisa ser penalmente garantida
contra qualquer ato sexual. Dessa forma, para a realização objetiva da
infração penal basta que o agente tenha conhecimento que a vítima é
menor de 14 anos e decida com ela praticar conjunção carnal ou outro
ato libidinoso (LEAL, 2009).
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Qualquer pessoa, independente de sexo, pode ser sujeito ativo
desse delito, enquanto que o sujeito passivo, no caso do artigo 217-A,
caput, será o menor de 14 anos, também independente de sexo,
conforme as mudanças sofridas no artigo 213 do Código Penal.
Os elementos objetivos do tipo são ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Por conjunção
carnal temos a definição do ilustre Fernando Capez (CAPEZ, 2012,
p.82) “é a cópula vagínica, ou seja, a introdução do pênis na cavidade
vaginal da mulher”. Já o ato libidinoso, em definição dada pelo referido
doutrinador, “compreende outras formas de realização do ato sexual,
que não a conjunção carnal. São os coitos anormais”.
Relembrando, o elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a busca
pela satisfação da lascívia, não existindo modalidade culposa. Admite-
se, porém, a tentativa, quando o agente, por motivo alheio a sua
vontade, é impedido de concluir com o seu intento, embora de difícil
comprovação. (NUCCI, 2013).
3.3 Formas típicas qualificadas do estupro de vulnerável
O estupro de vulnerável dispensa qualquer demonstração de
emprego da violência ou grave ameaça. Mas, conforme previsto nos
parágrafos 3º e 4º do artigo 217-A do Código Penal, o delito pode
qualificar-se pelo resultado se da conduta resultar lesão corporal de
natureza grave ou morte.
Anteriormente previstas no artigo 223 do Código Penal, as
qualificadoras pelo resultado foram deslocadas, a partir da entrada em
vigor da Lei 12.015, para os parágrafos dos artigos 213 e 217-A do
mesmo diploma, com o objetivo de tornar a redação mais técnica. A
substituição do termo violência pela expressão conduta possibilitou
maior abrangência ao tipo, permitindo sua aplicação nas hipóteses de
lesões graves decorrente de grave ameaça. (GÊNOVA, 2009).
Dessa forma, o estupro de vulnerável, quando qualificado pela
conduta do agente que resultar lesão corporal de natureza grave, terá
pena aplicada de reclusão de dez a vinte anos. Se a conduta tiver por
consequência a morte, a pena será de reclusão de doze a trinta anos.
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A conduta pode se dar com dolo na conduta antecedente, ou
seja, na violência sexual, e com dolo ou culpa quanto ao resultado
qualificador. Se o agente pretende alcançar tais resultados
qualificadores ou, no mínimo, assume o risco de produzi-los, haverá
concurso material entre o delito sexual praticado e o delito de
homicídio ou de lesão corporal grave. (PRADO, 2011).
3.4 Causas de aumento de pena
As causas de aumento de pena serão aplicadas na terceira fase
da dosimetria da pena, após a fixação da pena base e a análise das
agravantes e atenuantes.
No caso do estupro de vulnerável, são aplicadas as causas de
aumento previstas no artigo 226 do Código Penal, genéricas a todos os
crimes contra a dignidade sexual, bem como as introduzidas ao
ordenamento jurídico pela Lei 12.015, exclusivas aos crimes de estupro
e estupro de vulnerável, previstas no artigo 234-A do referido texto
penal.
Pelo artigo 226, duas são as causas de aumento de pena: se o
crime for cometido com o concurso de duas ou mais pessoas, a pena
será aumentada da quarta parte; será também aumentada a pena, de
metade, se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da
vítima, ou por qualquer outro título de autoridade (ANDREUCCI,
2011).
No novo artigo 234-A, o qual prevê causas de aumento de pena
exclusivas ao estupro de vulnerável e estupro simples, prevê, no inciso
III, que seja aumentada de metade a pena se do crime resultar gravidez.
Prevê também, no inciso IV, aumento de um sexto até metade, se o
agente transmitir à vítima doença sexualmente transmissível de que
sabe ou deveria saber ser portador (ANDREUCCI, 2011).
Ocorrendo mais de uma causa de aumento de pena, deverá
o juiz agir em conformidade com o artigo 69 do Código Penal,
procedendo os aumentos tantos quantas sejam suas causas.
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4. PRESUNÇÃO DA VULNERABILIDADE
4.1 Noções básicas
A presunção da vulnerabilidade, assim como a presunção da
violência no extinto artigo 224 do Código Penal, é gênese de muitas
discussões no universo jurídico. A questão da vulnerabilidade dos
menores de 14 anos é tratada desde a vigência do extinto artigo 224 do
Código Penal e muito antes dele como afirma Adelina de Cássia Bastos
Oliveira Carvalho:
O próprio Direito Romano remontava ao princípio quo
velle non potuit, ergo noluit, que significa quem não
pode querer, não quer, quem não pode consentir,
dissente. Tal princípio baseou várias legislações que
adotaram critérios mínimos quanto a idade para validar
o consentimento de prática sexual pelo menor. (2006,
p.23-24 apud MENDES, 2010)
O estupro de vulnerável foi introduzido no ordenamento
jurídico brasileiro com o objetivo de proteger aqueles que, pela lei, não
possuem capacidade e discernimento para consentir na prática de atos
sexuais. Teve também por finalidade por fim à discussão existente
quanto a natureza da presunção de violência prevista no revogado
artigo 224, ou seja, se era absoluta, não admitindo prova em contrário,
ou se tinha natureza relativa, possibilitando a produção de provas em
favor do réu.
A lei penal presume de forma absoluta que as pessoas menores
de 14 anos não possuem entendimento para a prática de atos sexuais,
punindo de forma rigorosa aquele que transgredir a dignidade sexual
dos mesmos.
Entretanto, considerar de forma absoluta a vulnerabilidade do
menor de 14 anos é um risco para a sociedade e para o ordenamento
jurídico como um todo, uma vez que ao não admitir a prova em
contrário, estamos aplicando o reprovado instituto da responsabilidade
objetiva.
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4.2 Vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa e teorias
sobre a presunção de violência
Imprescindível ao estudo do tema, a análise dos conceitos de
vulnerabilidade absoluta e vulnerabilidade relativa.
A presunção absoluta da vulnerabilidade determina que o
agente seja considerado culpado, sem que lhe seja oportunizada a
produção de prova em contrário, ofendendo princípios constitucionais,
cerceando o direito de defesa do indivíduo e aplicando a
responsabilidade objetiva para a condenação. Já a presunção relativa
da vulnerabilidade, nos permite analisar, de forma pormenorizada, as
peculiaridades do caso concreto, fazendo julgamento de dolo ou culpa
na conduta do agente, se havia ou não o desígnio de cometer o crime,
e, principalmente, se houve o consentimento do menor envolvido.
Quanto à presunção de violência, a doutrina se subdividia em
quatro teorias, quais sejam: a Teoria Absoluta, a Teoria Relativa, a
Teoria Mista e a Teoria Constitucionalista.
Para a Teoria Absoluta a vulnerabilidade deve ser entendida de
forma absoluta, sendo suficiente o aspecto etário para a caracterização
do vulnerável. A Teoria Relativa, de forma oposta, defende a
relativização da vulnerabilidade, levando em consideração as
particularidades do caso concreto, admitindo prova em contrário. A
Teoria Mista, por sua vez, afirma que a relativização deverá ser feita
em casos excepcionais, voltadas aos adolescentes com idade entre 12 e
14 anos. Por último, a Teoria Constitucionalista determina a
inconstitucionalidade do instituto legal por ferir a responsabilidade
subjetiva.
Sobre a presunção da vulnerabilidade, muitos autores
pronunciaram acerca da análise relativa ou absoluta de tal dispositivo.
Podem ser citados como defensores da Teoria Absoluta,
Chrysolito de Gusmão e Rogério Greco. Pregam que independe se a
suposta vítima já estivera envolvida em outros relacionamentos ou que
se comporte de forma adulta, bastaria o elemento etário para
caracterizar o cometimento do delito.
Nesses termos se pronuncia Rogério Greco:
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A lei penal havia determinado, de forma objetiva e
absoluta, que uma criança ou mesmo um adolescente
menor de 14 anos, por mais que tivesse uma vida
desregrada sexualmente, não era suficientemente
desenvolvido para decidir sobre seus atos sexuais. Sua
personalidade ainda estava em formação. Seus conceitos
e opiniões não haviam, ainda, se consolidado. (GRECO,
2011, p. 528).
Contrariamente, Guilherme de Souza Nucci e outros,
asseguram que a relativização deverá ser efetuada em situações
excepcionais, voltadas para os adolescentes com idade entre 12 e 14
anos. Mas no que diz respeito aos menores de 12 anos, a
vulnerabilidade deve ser entendida de forma absoluta.
4.2 Possibilidade de relativização da vulnerabilidade pelo erro
inevitável do agente
A vulnerabilidade do menor de 14 anos é relativizada pela
realidade social do jovem de hoje, que não é mais ignorante ou inocente
em matéria sexual, iniciando cada vez mais cedo em relacionamentos
amorosos, com desenvolvimento físico e psicológico precoces,
frequentando lugares e eventos em que só é permitida a entrada de
maiores, com atitudes não condizentes com o comportamento de uma
criança.
Na aplicação da presunção de violência, a jurisprudência e a
doutrina entendiam que, em casos como os acima mencionados, como
a desenvolvida compleição física, comportamento amadurecido e
experiência em matéria sexual, levavam o agente a incidir em erro de
tipo.
Em sua obra Manual de Direito Penal, Nucci leciona:
A tutela do direito penal, no campo dos crimes sexuais,
deve ser absoluta, quando se tratar de criança (menor de
12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maior
de 12 anos). É viável debater a capacidade de
consentimento de quem possua 12 ou 13 anos, no
contexto do estupro de vulnerável. Havendo prova de
plena capacidade de entendimento da relação sexual, não
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tendo ocorrido violência ou grave ameaça real, nem
mesmo qualquer forma de pagamento, o fato pode ser
atípico ou comportar desclassificação. (NUCCI, 2011, p.
851)
Julio Fabbrini Mirabete, em seu Manual de Direito Penal,
leciona:
Não se caracteriza o crime, quando a menor de 14 anos
se mostra experiente em matéria sexual; já havia
mantido relações sexuais com outros indivíduos; é
despudorada e sem moral; é corrompida; apresenta
péssimo comportamento. Por outro lado persiste o crime
ainda quando a menor não é mais virgem, é leviana, é
fácil e namoradeira ou apresenta liberdade de costumes.
(MIRABETE, 2006, p. 478 apud GRAÇA, 2010)
Os Tribunais, acompanhando o entendimento da maioria dos
doutrinadores, vem decidindo pela relativização da vulnerabilidade,
como, por exemplo, a decisão da apelação crime nº. 70044569705 da
sétima câmara criminal da comarca de Quaraí, Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A
LIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO DE
VULNERÁVEL. RELAÇÃO DE NAMORO ENTRE
VÍTIMA E RÉU. RELATIVIZAÇÃO DO CONCEITO
DE VULNERABILIDADE. ABSOLVIÇÃO
MANTIDA, POR FUNDAMENTO DIVERSO. A
vulnerabilidade da vítima não pode ser entendida de
forma absoluta simplesmente pelo critério etário – o que
configuraria hipótese de responsabilidade objetiva –
devendo ser mensurada em cada caso trazido à
apreciação do Poder Judiciário, à vista de suas
particularidades.
Segundo a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, da
Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça:
Não se pode considerar crime o ato que não violado o
bem jurídico tutelado – no caso, a liberdade sexual. [...]
Apesar de buscar a proteção do ente mais desfavorecido,
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o magistrado não pode ignorar situações nas quais o caso
concreto não se insere no tipo penal.
Quanto ao menor que possui características físicas e
psicológicas evoluídas, que o fazem parecer ter mais idade do que na
verdade tem, podendo fazer qualquer homem médio se confundir, deve
ser aclamado o erro de tipo, uma vez que o envolvido não sabia se tratar
de um menor e estar praticando um ato delituoso. O mesmo ocorre com
aquele que se encontra em ambiente cuja entrada de menores é
proibida.
O erro de tipo encontra-se disciplinado no artigo 30 do Código
Penal e recai sobre as elementares, circunstancias ou qualquer dado que
se agregue a determinada figura típica. O agente tem falsa percepção
da realidade, faltando-lhe a consciência de que pratica uma infração
penal (GRECO, 2011).
Assim, sempre que o agente não tiver como saber a real idade
da vitima, ou seja, supor não estar presente tal elementar, incidirá sobre
a falta percepção da realidade, inexistindo dolo e, por consequência,
tornando o fato atípico. Deve-se destituir o caráter absoluto da
vulnerabilidade e reconhecer o afastamento da regra geral do artigo
217-A.
Considerar de forma absoluta a vulnerabilidade do menor de 14
anos gera graves consequências para a vida do acusado, que será
considerado culpado por um crime que não cometeu, sem ter
oportunidade de se defender de tal alegação. É imputado a ele a
responsabilidade objetiva, na qual não há juízo de dolo ou culpa,
independendo a intenção do agente.
São ofendidos vários princípios constitucionais, como a
dignidade da pessoa humana, o devido processo legal, o contraditório
e a ampla defesa, a presunção de inocência, o favor rei, adequação
social, que tem por preceito principal o direito do acusado à defesa,
bem como a liberdade de escolha em matéria sexual dos cidadãos.
O direito não é estático, devendo amoldar-se às mudanças
sociais, ponderando sempre quanto às diferenças sociais e culturais
encontradas em um país de dimensões continentais. O tema é discutido
por grandes doutrinadores e juristas, o que demonstra a sua importância
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para o desenvolvimento da sociedade e para a aplicação mais justa do
direito.
5. DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Considerar de forma absoluta a vulnerabilidade do menor de 14
anos e, consequentemente, inválido o seu consentimento, ofende
alguns princípios basilares do nosso ordenamento jurídico. Condenar o
agente sem que sejam analisadas as circunstâncias do caso concreto,
insulta princípios como o do devido processo legal, do contraditório e
da ampla defesa, da presunção de inocência, do favor rei e da
adequação social que passaremos a analisar.
5.1 Do devido processo legal
Previsto na Constituição Federal de 1988, o princípio do devido
processo legal encontra respaldo no artigo 5º, inciso LIV,
determinando que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal.
De acordo com o ensinamento de Alexandre de Moraes:
O devido processo legal configura dupla proteção ao
indivíduo, atuando tanto quanto no âmbito material de
proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito
formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com
o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a
defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de
produção ampla de provas, de ser processado e julgado
pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável à
revisão criminal.) (MORAES, 2009, p. 106)
A pretensão punitiva deve ser feita respeitando um
procedimento regular, perante a autoridade competente, tendo por
alicerce provas validamente constituídas, respeitando o contraditório e
a ampla defesa. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 assegurou a
todos a razoável duração do processo, os meios que garantam a
150
celeridade de sua tramitação e a plenitude de defesa.
No estupro de vulnerável, a vulnerabilidade percebida de forma
absoluta ofende o mencionado princípio uma vez que não é oferecida
ao acusado a tramitação do processo conforme estabelecido em lei, sem
chance de produzir provas da ausência do constrangimento e do
emprego de violência ou grave ameaça, e se defender. Será condenado
diretamente, independente da produção de resultado ou prejuízo.
5.2 Do contraditório e da ampla defesa
Os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no
artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988, são garantias ao
direito absoluto e primário de defesa daquele contra quem se propõe
uma ação penal.
Conforme leciona Alexandre de Moraes:
Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é
dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para
o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a
verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender
necessário, enquanto o contraditório é a própria
exteriorização da ampla defesa, impondo a condução
dialética do processo (par conditio), pois a todo ato
produzido pela acusação caberá igual direito da defesa
de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe
apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação
jurídica diversa daquela feita pelo autor. (MORAES,
2009, p. 106)
É dever do Estado proporcionar a todo acusado a mais completa
defesa, bem como a possibilidade de influir no convencimento do
magistrado. Deve-se oportunizar a participação e manifestação sobre
os atos que constituem a evolução processual, abrangendo o direito de
produzir provas, alegar, se manifestar, ser cientificado, entre outros.
Quanto ao estupro de vulnerável, considerar de forma absoluta
a vulnerabilidade do menor é cercear o direito de defesa do acusado,
que não poderá sofrer restrições, devendo haver igualdade de
condições, com os mesmos direitos, poderes e ônus.
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5.3 Da presunção de inocência
O Princípio da Presunção de Inocência é considerado um dos
princípios fundamentais do Estado de Direito, tendo por objetivo a
tutela da liberdade pessoal, evitando um julgamento antecipado e
injusto. É uma garantia processual atribuída àquele acusado pela
prática de uma infração penal, oferecendo-lhe a prerrogativa de não ser
considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença
condenatória.
Por esse princípio, disciplinado no artigo 5º, inciso LVII da
Constituição Federal, ninguém poderá ser considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, a autoria
delitiva somente será reconhecida após o trânsito em julgado da
decisão condenatória.
A culpabilidade do indivíduo deve ser comprovada pelo Estado,
uma vez que o ônus probatório cabe àquele que acusa. No caso do
estupro de vulnerável o suposto envolvido, sem qualquer tipo de
instrução probatória, é considerado culpado por um crime que talvez
não tenha cometido, bastando apenas que a hipotética vítima preencha
o elemento da idade exigido pelo legislador.
A presunção absoluta da vulnerabilidade ofende o referido
princípio, pois ainda que exista consentimento na relação ocorrida, ou
que tenha o agente incorrido em erro quanto a idade do parceiro, o
maior envolvido será considerado culpado, não admitindo prova em
contrário.
5.4 - DO FAVOR REI
Por esse princípio, base de toda legislação processual penal,
temos que a interpretação normativa deve ser feita nos momentos de
dúvida da forma que melhor beneficie o réu. No conflito entre o direito
de punir do Estado e o direito à liberdade do réu a balança deve
inclinar-se em favor do último.
No estupro de vulnerável poderá haver dúvida quanto à
validade do consentimento da vítima, devendo amparar o acusado com
a aplicação do referido princípio. Nos casos em que não há claras
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evidências da ausência do consentimento ou do emprego de violência
ou grave ameaça deve ser dado o benefício da dúvida ao envolvido,
evitando a condenação antecipada e injusta.
5.5 Da adequação social
Pelo princípio da adequação social, o comportamento que não
afrontar o sentimento social de justiça, for socialmente aceito e
considerado normal, não pode sofrer valoração negativa e ser
considerado criminoso. O direito penal somente deve tipificar as
condutas que tenham certa relevância social, escolhendo as contrárias
e nocivas ao interesse público.
Segundo Rogério Graco (GRECO, 2009, p. 57,58), a
adequação social tem por função restringir o âmbito de abrangência do
tipo penal, orientar o legislador na seleção das condutas que deseja
proibir ou impor e na remoção do ordenamento jurídico daquelas que
se adaptarem a evolução da sociedade. Deve o legislador limitar sua
interpretação e proteger os bens considerados importantes.
Com a evolução da sociedade atual, verificamos o precoce
desenvolvimento sexual dos adolescentes brasileiros, que iniciam o
envolvimento sexual com cada vez menos idade e de forma consentida,
em relacionamentos afetivos com maiores de 18 anos, de forma pública
e com o consentimento e conhecimento dos familiares.
Dessa forma, constata-se que considerar de forma absoluta
a vulnerabilidade e inválido o consentimento da suposta vítima, sem
antes analisar o caso concreto, é uma ofensa ao mencionado princípio,
fundamental para a interpretação e evolução da legislação penal.
6. CONCLUSÃO
O presente artigo tratou da relativização da vulnerabilidade do
maior de 12 anos e menor de 14 anos no crime de estupro de vulnerável,
previsto no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, que gera grande
polêmica no campo doutrinário e na ceara jurisprudencial, quanto o seu
caráter relativo ou absoluto.
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O problema detectado nessa pesquisa configurou-se na
presunção absoluta da vulnerabilidade prevista no artigo 217-A, que,
com o intento de proteger a dignidade sexual dos menores de 14 anos,
não traz nenhuma possibilidade de relativização do seu conceito.
Focamos, então, na demonstração de teorias quanto a vulnerabilidade
e as situações em que a mesma pode ser considerada de forma relativa.
Nos casos em que resta comprovado que o agente incorreu em
erro dado ao precoce desenvolvimento físico, mental e psicológico da
vítima, que se mostra experiente em matéria sexual e em concordância
com a prática do fato, ausente o dolo do agente, defendemos a tese de
que não restará configurado o crime, uma vez que, não há ofensa ao
bem jurídico tutelado, qual seja a dignidade sexual.
Diante da pesquisa apresentada, foi possível concluir que até os
14 anos, o indivíduo ainda está em desenvolvimento biológico, moral
e psicológico e, ao criar o tipo penal do estupro de vulnerável, o
legislador buscou proteger os menores das garras de exploradores
sexuais e pedófilos, garantindo-lhes um desenvolvimento saudável e
seguro. Compete aos pais, ao Estado e à sociedade, como um todo, a
proteção da dignidade das nossas crianças e adolescente.
Contudo, não se pode deixar de analisar as consequências e
prejuízos oferecidos pela presunção absoluta da vulnerabilidade em
todos os casos. Consagra-se a responsabilidade objetiva, ao serem
ignorados princípios constitucionais basilares para a defesa do
indivíduo.
Destarte, optamos por seguir a corrente doutrinaria que defende
a vulnerabilidade relativa, evitando que os meios de defesa e os
princípios constitucionais sejam violados, ao aplicar a responsabilidade
objetiva ao acusado pelo estupro de vulnerável. É uma grave ofensa ao
princípio da dignidade da pessoa humana negar o direito ao
contraditório e a ampla defesa, declarando alguém como culpado, por
critérios objetivos, sem mesmo lhe dar oportunidade de justificativa
plausível nessas situações.
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