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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS DISCIPLINA: MONOGRAFIA FINAL ORIENTADORA: PROFª. DRª.CARLOTA IBERTIS DISCENTE: KAYK OLIVEIRA O empirismo de Condillac no Tratado das Sensações: origem e limites do conhecimento Salvador 2012.2

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS

DISCIPLINA: MONOGRAFIA FINAL

ORIENTADORA: PROFª. DRª.CARLOTA IBERTIS

DISCENTE: KAYK OLIVEIRA

O empirismo de Condillac no Tratado das Sensações: origem e limites do

conhecimento

Salvador 2012.2

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KAYK OLIVEIRA SANTOS

O empirismo de Condillac no Tratado das Sensações: origem e limites do

conhecimento

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em

Filosofia da Universidade Federal da Bahia como

requisito parcial para a obtenção do grau de

Bacharel em Filosofia.

Orientador (a): Prof. Dra. Carlota Ibertis

Salvador

2012.2

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Agradecimentos

Aproveito esse espaço para manifestar meus sinceros agradecimentos a todos (as) que

estiveram presentes nessa importante etapa da minha vida. Aos citados, minha profunda

gratidão.

Agradeço ao meu Pai, Aloísio Júnior, sempre parceiro, amigo, cuja força foi

fundamental para que eu pudesse tocar meus estudos. Obrigado por tudo, em especial pelo

Pai/trocínio, um pouco que foi muito, pagou minhas fotocópias, transporte e cafezinhos.

Agradeço a minha mãe, Sueli, pelo incentivo em relação as minhas escolhas. As

palavras de consolo nos momentos mais turvos desde que sai de casa. As lições de respeito e

valor aos estudos e a educação. Mãe, exemplo de persistência, obrigado por tudo!

Agradeço a Mai pela leitura sempre entusiasmada e correções ortográficas da

monografia. Por toda sua disponibilidade em receber meus livros durante o semestre e por

todo apoio, conversas e curiosidades que contribuíram para escrita desse trabalho

monográfico.

A minha irmã Kayena, amiga com quem dividi os momentos difíceis ao chegar a

Salvador. Irmã que eu amo e que contribuiu muito para que eu realizasse meus estudos. A

minha irmã Iana pelo carinho e apoio, um doce de pessoa, sempre torcendo e incentivando o

irmão.

Agradeço a Lana Mércia com que dividi o processo de escolha pela filosofia e

compartilhei as angustias dessa caminhada. Sempre cuidadosa, torcendo, apoiando de maneira

incondicional desde os tempos do colegial. Mel, obrigado por toda sua cumplicidade.

Agradeço a Universidade Federal da Bahia por ter proporcionado morar na residência

universitária III, condição impar para que eu conduzisse meus estudos. Aos amigos (as) da

Residência, especialmente a Laiane e Soneca (Antônio) pelas músicas e prosas filosóficas na

madrugada regradas ao velho macarrão (sobrevivemos). A Lucy, pela sua amizade e apoio. A

meu camarada Jorge Bahia pelos almoços e jantas filosóficas no RU da vitória. Aos amigos

Juliomar Marques, Rodrigo Gottschalk e Gilson Senna pelas conversas. A turma de seminário

de pesquisa em 2012.1 cujas previas nos seminários contribuíram para dar forma a esse

trabalho. A querida amiga, Mariana Moreira, colega de turma e de pesquisa com quem dividi

e discuti as dúvidas condillacianas que ajudaram a enriquecer esse trabalho.

Agradeço ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) que

possibilitou o desenvolvimento da minha pesquisa nos últimos três anos e permitiu dar início

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ao curso de francês através do (PROFICI). Agradeço ainda ao (CNPq) e à bolsa de pesquisa

que permitiu organizar minha biblioteca básica de filosofia e muito mais.

Agradeço especialmente a professora Carlota Ibertis por ter sido uma orientadora

extremamente presente durante toda a graduação. Obrigado pela oportunidade de realizar

minha iniciação científica lendo Condillac cujo trabalho desenvolvido foi condição de

possibilidade para construção dessa monografia. Muito obrigado pela paciência e

compreensão com as minhas dificuldades relacionadas ao texto. Obrigado pela profunda

atenção com a leitura sempre cuidadosa do texto em horário de almoço, por e-mail, ao final

das aulas, finais de semana, feriados e férias. Obrigado pelas problematizações inquietantes

nos nossos encontros e pelas correções sempre atenciosas da monografia, dos relatórios

parciais e finais do (PIBIC) e das comunicações. Agradeço de coração pelo seu exemplo de

atenção, respeito, cuidado, e rigor com o trabalho filosófico, deixaram boas lições.

Por fim, agradeço a Profa. Dra. Cláudia Bacelar Batista e ao Prof. Dr. Marco Aurélio

Oliveira da Silva por terem aceitado o convite para fazer parte da banca de defesa da presente

monografia.

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Caminhante não há caminho o caminho se faz ao caminhar.

Edgar Morin

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Resumo

O objetivo da monografia é os limites do conhecimento no empirismo forjado por Condillac

no Tratado das Sensações. Na busca de resolver o problema do conhecimento no terreno da

experiência e renovar todo o entendimento humano, Condillac defende na obra mencionada a

tese de que todas as nossas ideias e faculdades mentais derivam das sensações. De maneira

mais específica, a tese proposta por Condillac implica o reconhecimento de que ideias

particulares e gerais de objeto bem como às diferentes capacidades operativas: atenção,

memória, imaginação, comparação, juízo, etc. nada mais são do que sensações transformadas.

Essa tese, assim formulada, caracteriza o seu empirismo radical marcando uma diferença

fundamental entre o seu empirismo e aquele construído por Locke – filósofo do qual sua obra

é credora. Para ilustrar a tese mencionada, Condillac utiliza-se da ficção metodológica de uma

estátua de mármore que ganha vida gradativamente na medida em que a experiência ocorre.

Através dessa ficção, o filósofo explicita a contribuição especifica de cada sentido no que

concerne ao desenvolvimento mental do sujeito. Na medida em que essa ficção vai sendo

explorada, observamos o caráter peculiar da posição empirista do autor. Por outro lado, vemos

se configurar os limites do conhecimento que revelam em última instância a concepção de

metafísica subjacente ao Tratado das Sensações.

Palavras-chave: Sensações, Empirismo, Conhecimento.

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Sumário

Introdução___________________________________________________________________ 08

Capítulo I - Tornar-se humano_________________________________________________ 13

1.1 Ficção da Estátua ______________________________________________________ 13

1.2 Sensações e gênese das capacidades operativas ________________________________ 19

1.3 Olfato e gênese das capacidades operativas ___________________________________ 21

1.4 Tato e gênese da reflexão _________________________________________________ 26

Capítulo II - Sensações e Ideias________________________________________________ 29

2.1 Conceito de Ideia _______________________________________________________ 29

2.2 Sensação e ideias do Olfato_______________________________________________ 30

2.3 Sensação e ideias da audição e paladar_______________________________________ 34

2.4 Sensações e Ideias da Visão________________________________________________ 36

2.5 Sensação e ideias do Tato_________________________________________________ 38

2.5.1Tato e sentimento fundamental__________________________________________ 38

2.5.2 Tato e sensação de solidez ____________________________________________ 39

Capítulo III - Objeto e verdade_________________________________________________ 45

3.1Visão e Tato: O problema de Molineux ______________________________________ 45

3.2 Sensações e ideia particular de um objeto_____________________________________ 52

3.2.1 Ideias sensíveis e verdades_____________________________________________ 56

3.3 Ideias intelectuais: de como uma ideia particular de objeto origina ideias gerais e

abstratas______________________________________________________________

57

3.4 Ideias abstratas e verdades ________________________________________________ 61

Capítulo IV - Valor e alcance do conhecimento ____________________________________ 64

4.1 Objeto e realidade ______________________________________________________ 64

4.2 A função prática do conhecimento __________________________________________ 71

Considerações Finais_________________________________________________________ 73

Referências Bibliográficas______________________________________________________ 75

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Introdução

No Tratado das Sensações Condillac defende a tese de que todos os nossos

conhecimentos e faculdades mentais derivam das sensações. Essa tese assim formulada

caracteriza o seu empirismo radical. Para demonstrá-la o filósofo faz uso da célebre ficção

metodológica da estátua de mármore que ganha vida gradativamente na medida em que a

experiência ocorre. A luz dessa ficção, o filósofo põe em marcha o seu método genético

analítico de investigação com propósito de traçar de maneira precisa a gênese das ideias e

capacidades operativas do sujeito. Para evidenciar essa gênese do desenvolvimento natural do

sujeito, Condillac realiza uma decomposição analítica da experiência que consiste em

considerar cada sentido de maneira isolada com vistas a examinar a contribuição de cada um

desses quanto ao tipo de ideia e capacidade operativa específica derivada da sua atividade.

Após essa etapa, o filósofo busca evidenciar como os sentidos colaboram reciprocamente

fornecendo os conhecimentos necessários para sobrevivência da estátua. Dessa maneira,

Condillac demonstra sua tese explicitando assim a sua posição anti-inatista radical na

tentativa de renovar à sua maneira todo entendimento humano.

Renovar o entendimento humano como quer Condillac significa aprofundar a

investigação filosófica iniciada por Locke, filósofo do qual a sua obra é credora e que

representava – para os pensadores das Luzes – uma verdadeira autoridade em relação à teoria

do conhecimento1. Como indica Quarfood, para os pensadores das luzes, Locke representava

o filósofo responsável por eliminar problemas metafísicos (QUARFOOD, 2002, pg. 90). Os

méritos de Locke derivam do seu esforço em resolver o problema do conhecimento no âmbito

da experiência. Ao combater a teoria das ideias inatas de Descartes a investigação de Locke

opera um giro em teoria do conhecimento. Qualquer passo fora do âmbito da experiência

caracterizaria uma solução ilusória acerca do problema do conhecimento (CASSIRER, 1994,

III, pg. 140). O entendimento humano e seus poderes devem ser conhecidos e delimitados de

maneira precisa com base na experiência. O propósito da pesquisa filosófica é “investigar

qual é a origem, a veracidade e a extensão do conhecimento humano” (LOCKE, 1999, pg.

21). Nessa direção, o filósofo encontra nas associações entre ideias o princípio explicativo de

toda vida mental do sujeito. A arquitetônica do conhecimento se ergue e se desenvolve a

partir de sensações simples que se combinam entre si permitindo ao sujeito formar ideias

1 Como expressa Voltaire em suas Cartas filosóficas, “após tantos especuladores que escreveram o romance da

alma, veio um sábio que escreveu modestamente sua história. Locke expôs ao homem a razão humana, como um

excelente anatomista explica os mecanismos do corpo humano” (VOLTAIRE, 2007, XIII, pg. 54).

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complexas, ou seja, ideias de objetos. Nesse ponto, indica-se que Condillac segue um

caminho semelhante ao de Locke e com base nas sensações e ligações entre ideias busca

explicar o desenvolvimento das ideias particulares, gerais e abstratas.

Embora a filosofia de Condillac derive da filosofia de Locke, a sua pesquisa não se

contenta em repeti-lo, pelo contrário, como afirma Monzani, o filósofo desenvolve sua

filosofia “através de uma síntese própria e original” (MONZANI, pg. 166). A fim de

apresentar aspectos que indicam a diferenciação entre ambos os autores e demonstrar a

consequente singularidade da investigação de Condillac posta em marcha no Tratado das

Sensações, a nossa análise toma por ponto de partida o conceito de reflexão apresentado por

Locke e às críticas que faz Condillac a esse conceito.

No Ensaio sobre o Entendimento Humano, Locke estabelece a experiência enquanto

fundamento do conhecimento humano (LOCKE, 1999, § 2 pg. 106). Entretanto, a noção de

experiência postulada por Locke não pode ser tomada como indica Cassirer enquanto um

processo “unitário e uniforme”. A noção de experiência em Locke se desdobra em dois

momentos fundamentais e distintos que aparecem entrelaçados na estrutura do nosso mundo

dos fenômenos (CASSIRER, 1979, III, pg. 201). Esse desdobramento na noção de

experiência revela que para Locke existem duas fontes das quais derivam a totalidade das

ideias no sujeito. A primeira se refere às observações dos objetos exteriores; a segunda diz

respeito às observações acerca das operações internas da mente. Nesse sentido, Locke

defende a tese de que “essas duas fontes, isto é, as coisas externas materiais, como objetos de

sensação, e as operações internas da nossa mente, como objetos de reflexão, são para mim, os

únicos princípios de onde nossas ideias originalmente procedem” (LOCKE, 1999, I, pg. 108).

Nessa direção fica estabelecido que as ideias não derivam de um deus e sim da experiência

interna ou externa. Os sentidos permitem receber as impressões e qualidades das coisas, por

exemplo, “branco, amarelo, doce amargo, duro”. A reflexão permite perceber os diferentes

estados da alma, sentimentos, operações mentais formando ideias que não derivam das coisas

exteriores, por exemplo, “as ideias de percepção, pensar, duvidar, acreditar, racionar,

conhecer, querer” (LOCKE, § 4 pg. 107). Assim, pode-se considerar que para Locke o que se

processa em nossas mentes são ideias de sensibilidade assim como ideias de reflexão

(YOLTON, 1993, pg. 230).

Frente a essas observações, chamamos atenção para o fato de a capacidade reflexiva ser

tomada por Locke enquanto uma capacidade operativa inata. Essa autonomia do âmbito

intelectual enquanto algo independente da experiência como quer Locke, será contraposta por

Condillac em sua investigação no Tratado das Sensações. Na leitura de Cassirer acerca dessa

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questão, o comentador esclarece que a filosofia francesa do século XVIII incide sobre esse

único ponto. Ela busca eliminar o resto de autonomia que Locke tinha concedido à reflexão

(CASSIRER, 1994, III, pg. 143). Nesse sentido, o conceito de reflexão fornece a chave para

compreendermos a nova perspectiva de investigação que será inaugurada por Condillac. A

esse respeito, diz o filósofo “Locke distingue duas fontes de nossas ideias, os sentidos e a

reflexão. Seria mais exato reconhecer apenas uma, seja porque a reflexão em seu princípio,

não é senão a própria sensação” (CONDILLAC, pg. 35). Quanto a essa questão, é interessante

observarmos as considerações de Monzani que lançam luz sobre a distinção entre Locke e

Condillac:

(...) ambos concordam que o dado originário, a partir do qual deve-se

iniciar a análise, está na sensação tomada como dado primeiro e

irredutível a partir do qual erige-se todo o edifício do conhecimento

humano. Distância porque para Condillac ao contrário de Locke, trata-

se, não de colocar esse dado irredutível, mas sim de explicar como a

partir dele advém a totalidade do conhecimento que o sujeito pode

atingir. Trata-se de examinar a produção da vida mental como um

todo. O projeto de Condillac, portanto, consiste em desvendar a

geração das operações mentais através de sua derivação, efetivamente

assinalada, a partir da sensação. (MONZANI, 1995, IV, pg. 168).

Essa afirmação expõe os limites da investigação lockeana ao combater o inatismo. Por

outro lado, revelam a perspectiva a ser trilhada por Condillac em sua investigação genética

que recusa o inatismo das faculdades da alma e revindica sua origem empírica. Essa

perspectiva genética seria, portanto, o que faltava em Locke para combater o inatismo. Nesse

ponto, vemos emergir o aspecto radical do empirismo de Condillac que põe em evidência a

tarefa do filósofo de explicar a gênese das capacidades operativas e dos conhecimentos a

partir de uma única fonte, as sensações.

Posto isso, fica estabelecido que o empirismo de Condillac assume certa especificidade

quando propõe-se eliminar o aspecto dicotômico interno/externo da experiência aprofundando

a investigação em torno de problemas que derivam da mesma orientação de Locke.

(MONDOLFO, 1963, pg. 10). Ao caracterizar o empirismo presente no Tratado das

Sensações, podemos então indicar o horizonte da nossa investigação no presente trabalho

monográfico. O objetivo da monografia consiste em assinalar a origem e os limites do

conhecimento no empirismo forjado por Condillac no Tratado das Sensações. Para cumprir o

que proponho, organizo o texto da seguinte maneira: Introdução, Iº, IIº, IIIº e IVº capítulos e

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por fim as considerações finais. Abaixo, um breve resumo do que temos exposto nos capítulos

que compõem essa monografia.

No primeiro capítulo examino o valor heurístico da hipótese ficcional da estátua

utilizada por Condillac no Tratado das Sensações. Quanto a essa questão, destacamos a

especificidade do método de investigação adotado e a singularidade dos resultados alcançados

pelo filósofo em sua pesquisa. Por conseguinte, mostraremos que há em Condillac certa

hierarquização entre os sentidos em termos de relevância cognitiva. Posto isso, nossa

investigação analisa a gênese das diferentes capacidades operativas da estátua com base nas

sensações derivadas de cada sentido específico. Nesse ponto, veremos: a) que as sensações do

olfato, audição, paladar, e visão possibilitam o desenvolvimento na estátua das mesmas

capacidades operativas com exceção da reflexão; b) que o tipo de atenção proporcionada pelo

tato é condição de possibilidade para o desenvolvimento da reflexão e a partir dessa

capacidade dar-se a possibilidade de representar objetos. Por essa razão, fica evidente que no

Tratado das Sensações Condillac outorga ao tato certa relevância cognitiva em relação aos

demais sentidos.

No segundo capítulo exponho a definição do conceito de ideia para Condillac. Em

seguida, passo ao exame da contribuição específica de cada sentido quanto ao tipo de ideia

derivada da sua atividade buscando indicar os argumentos utilizados pelo filósofo na tentativa

de combater o idealismo de Berkeley.

No terceiro capítulo analiso a posição de Condillac em relação ao problema de

Molineux. Em seguida, apresento como a estátua forma a ideia particular de um objeto. Em

relação a essa questão, retomaremos algumas das considerações já realizadas nos capítulos

precedentes só que dessa vez em uma perspectiva integrada. Enquanto expectadores, veremos

todo o processo de construção da ideia particular de um objeto para Condillac. Por

conseguinte, busco indicar o tipo de verdade derivada das ideias sensíveis. Por fim, apresento

o desenvolvimento das ideias gerais e abstratas da estátua assinalando o tipo de verdade

originada dessa última. Posto isso, fica estabelecido o curso natural do desenvolvimento das

ideias e capacidades operativas como defende Condillac.

Por fim, no quarto capítulo, problematizo a nova realidade que se inaugura para estátua

a partir da atividade tátil. Por conseguinte, podemos então discutir os limites do conhecimento

no Tratado das Sensações e a concepção de metafísica subjacente a essa obra. Em seguida,

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contextualizo o desafio posto para Condillac em relação à denúncia do idealismo e discuto a

partir de interpretações distintas se de fato Condillac resolve a tarefa que lhe fôra proposta.

No final do capítulo examino a questão acerca dos conhecimentos práticos que sugerem uma

concepção pragmatista de sujeito nas teses de Condillac.

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Capítulo I

Tornar-se humano

1.1 Ficção da Estátua

No Tratado das Sensações, Condillac defende a tese de que todas as nossas ideias e

faculdades mentais2 derivam das sensações. Para evidenciá-la, o filósofo utiliza-se da ficção

metodológica de uma estátua de mármore que ganha vida gradativamente, na medida em que

a experiência ocorre. A ficção da estátua caracteriza um entre os mais variados experimentos

mentais utilizados em filosofia. De maneira geral, tais experimentos permitem que, através da

imaginação, se realize algo que na prática não seria possível executar. Assim, Condillac busca

através desse artifício demonstrar sua tese e apresentar novas perspectivas para pensar sua

questão. A saber, que as ideias particulares e gerais de objeto bem como as diferentes

capacidades operativas: atenção, memória, imaginação, comparação, juízo, etc. nada mais são

do que sensações transformadas.

A hipótese da estátua animada da qual se serve Condillac, tem sua autoria

extensamente discutida. A utilização dessa imagem possui precedentes na história que

encontram ecos na mitologia na fabula do Pigmalião, um escultor que se apaixona por uma

estátua esculpida por ele e que ganha vida. Por outro lado, na filosofia, Descartes compara o

corpo humano com as estátuas do parque real (QUARFOOD, 2002, pg. 119). Em Condillac, a

estátua está posta enquanto um ser que corresponde por analogia, ao homem. Nesse sentido, o

filósofo adota um recurso literário comum ao século das luzes onde diferentes pensadores

representavam o eu através de metáforas (QUARFOOD, 2002, pg.121). Dito isto, não

podemos perder de vista que para Condillac, a rigor, esse recurso metodológico quer dar conta

em última instância da vida mental do sujeito. Sendo essa a finalidade, questiona-se se tal

hipótese seria a mais adequada para explicar tal realidade. Nesse quesito, as críticas a

Condillac são tão duras quanto o mármore que compõe sua estátua.

Nessa direção, Quarfood, ao mencionar as diferentes objeções dirigidas a essa hipótese,

especifica aquela feita por Harivel que acusa Condillac de ter violentado a natureza com sua

análise; ou, como quer Boullier, para quem a hipótese de Condillac mutila a alma humana

(QUARFOOD, 2002). Nessa linha, Liébana acrescenta as críticas feitas por Grimm que

2 A expressão faculdade mental é utilizada por Condillac para se referir as diferentes capacidades operativas:

atenção, memória, imaginação, comparação, juízo, reflexão etc. Essas capacidades não são nada mais que modos

de operar com base nas sensações. Portanto, não podem ser entendidas enquanto locais espacializados no cérebro

ou recipientes nos quais as sensações encontram-se depositadas, nem como entidades espirituais autônomas.

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considera o procedimento de Condillac válido, porém não se trata da imagem mais adequada

do comportamento sensitivo em seu estado natural (LIÉBANA, 1996). Frente a essas críticas,

os (as) comentadores da obra de Condillac apresentam razões que valorizam a hipótese

ficcional e revindicam como de fato essa deve ser entendida.

De acordo com Liébana, tal hipótese possui um valor inegável não só pela originalidade

da investigação de Condillac, mas também por ilustrar uma tese que apresentada de outra

maneira seria difícil compreender. Essa hipótese caracteriza a expressão mais radical da

condição suposta pelo empirismo em relação à origem da vida mental (LIÉBANA, 1996, II).

Por sua vez, de acordo com Quarfood, o experimento não deve ser entendido ao pé da letra,

trata-se de uma experiência, um tipo de raciocínio hipotético, pedagógico, cuja finalidade é

expor o leitor às questões epistemológicas (QUARFOOD, 2002, pg. 123). No Tratado das

Sensações a estátua se converte na peça de labor/oratório fundamental que permite a

Condillac manipular através de uma experiência rigorosamente controlada, diferentes

variáveis que estabelecem as condições necessárias para explicitar a tese já mencionada. Dito

isto, tratemos de apresentar em que consiste essa ficção e quais os resultados obtidos por

Condillac com a exploração da mesma.

Para uma compreensão sem prejuízos da sua obra, alerta Condillac, é necessário seguir

cuidadosamente as observações propostas na advertência ao leitor apresentadas no início do

Tratado das Sensações. É preciso, diz ele, “começar a existir como ela, ter apenas um sentido

quando ela tem apenas um; contrair apenas as ideias que ela adquire; contrair apenas os

hábitos que ela contrai: numa palavra, é preciso ser apenas o que ela é” (CONDILLAC, 1993,

pg. 27). Cabe ao leitor suspender o juízo e colocar-se de maneira incondicional no lugar da

estátua que será observada. De modo prudente, cuidadoso, por vezes insistente, Condillac

explica em que consiste o experimento e nos alerta sobre o que esperar. Que o filósofo não

seja um bom anfitrião, não se pode acusá-lo. Não há espaço para surpresas abruptas, devemos

realizar uma observação tranquila sem intempéries, disso se faz questão. Condillac parece

otimista, certamente um otimismo que invejaria Cândido. Afinal, em matéria de filosofia, o

que propõe Condillac é no mínimo inusitado: deve-se aceitar de antemão suas teses sem

qualquer objeção e apenas ser a estátua. Aquele que seguir essas orientações, ao final do

Tratado das Sensações verá demonstrada uma nova concepção acerca do entendimento

humano.

O experimento proposto por Condillac consiste em imaginarmos uma estátua isolada de

todo contexto social e organizada interiormente como nós, porém com seus canais sensíveis

cobertos por uma camada de mármore. Sendo assim, a estátua encontra-se privada de

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qualquer ideia ou capacidade operativa. A aptidão de sentir, passiva, é a única estrutura que

possui inicialmente. Na medida em que esses canais vão sendo abertos, progressivamente, um

de cada vez, Condillac busca demonstrar quais ideias derivam especificamente de cada um

dos sentidos e como esses se educam e se instruem mutuamente. A rigor, a análise

condillaciana explora de maneira exaustiva as consequências cognitivas de cada um dos

sentidos em particular e, em seguida, associados uns aos outros. De tal modo, a vida

intelectual vai sendo enriquecida na medida em que a experiência vai se tornando complexa

com a abertura dos diferentes canais sensíveis.

Essa estratégia de investigação evidencia aspectos do método analítico de Condillac que

consiste em decompor a experiência em diferentes partes, estudá-las de maneira separada a

fim de formar acerca de cada uma dessas uma ideia clara. Feito isso, ele volta a ordenar a

experiência com vistas a estabelecer um conhecimento seguro. Para o filósofo essa seria a

única maneira de traçar a ordem natural3 de aquisição e desenvolvimento dos nossos

conhecimentos e capacidades operativas. Embora estejamos falando de um empirista, o

método de pesquisa de Condillac revela uma clara influência do método analítico cartesiano.

Nesse sentido, Mondolfo reconhece que Condillac conserva o essencial do método cartesiano:

a evidência, a análise e a síntese. Entretanto, a análise de Condillac não identifica elementos

simples, gerais, abstratos inatos como quer Descartes (MONDOLFO, 1963, pg. 07). Os

conhecimentos que adquirimos não derivam de deduções que fazemos acerca dos princípios

gerais e inatos que deus gravou em nossa alma. Uma ideia abstrata defende Condillac, “requer

explicação por uma ideia menos abstrata e assim sucessivamente até que se chegue a uma

ideia particular e sensível” (CONDILLAC, 1979, pg. 07). Portanto, a verdadeira análise

compreende uma investigação genética acerca da origem empírica das nossas ideias. Por essa

razão, Mondolfo defende que a pesquisa condillaciana transita do método analítico cartesiano

a uma investigação genética acerca das nossas ideias (MONDOLFO, 1963, pg. 08).

A investigação genética se refere ao esforço de Condillac para demonstrar como as

nossas ideias derivam uma das outras. Como assinalado em sua Lógica, Condillac admite que

se buscarmos observar a origem e geração das nossas ideias, veremos que elas nascem

sucessivamente umas das outras; e se essa sucessão está de acordo a forma em que as temos

adquirido, teremos realizado bem a análise. Por essa razão, defende Condillac, a ordem da

análise é a única ordem de formação das nossas ideias (CONDILLAC, 1964, pg. 49). Feitas

essas observações, fica estabelecido que para Condillac, existe uma ordem natural de

3 Condillac defende que as nossas ideias e faculdades mentais possuem uma ordem natural de aquisição e

desenvolvimento. A sua investigação pretende revelar tal ordem.

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aquisição e desenvolvimento das nossas ideias. Entretanto, no Tratado das Sensações não

basta pressupô-la, é preciso mais, é necessário demonstrá-la. Nesse ponto, salienta-se que para

Condillac devemos tomar como nossa a ordem natural do desenvolvimento das ideias e

capacidades mentais que veremos com a estátua. Mas, poderíamos objetar e até considerar

arbitrária essa correlação, afinal, a condição existencial da estátua contrasta com a

complexidade da experiência humana em seu estado natural. Frente a essa consideração,

devemos indicar como a hipótese da estátua deve ser entendida no Tratado das Sensações.

Obviamente que a decomposição analítica da experiência posta em marcha por

Condillac é algo artificial. A análise isolada dos diferentes sentidos só é possível mediante

abstração da realidade humana. Embora a finalidade dessa hipótese seja dar conta da realidade

mental do sujeito, é certo que para Condillac a aquisição de nossas ideias não deriva primeiro

de um dos sentidos, depois do outro e assim sucessivamente como vemos ocorrer com a

estátua. O que temos em nosso estado natural é afecção simultânea dos diferentes órgãos

sensíveis, ou seja, uma experiência complexa. Quanto a isso não estamos dizendo nada

diferente de Condillac e facilmente nos poríamos de acordo. O que nos interessa aqui são os

resultados alcançados por ele a partir dessa abstração e o que eles revelam segundo Condillac,

acerca do sujeito. Nesse sentido, chamamos atenção para aquele que parece ser de longe o

objetivo de Condillac ao fazer uso dessa hipótese. Em primeiro lugar o filósofo quer fazer ver

que todas as nossas ideias e capacidades operativas derivam das sensações; em segundo, que

para fazermos uso dos nossos sentidos é necessário um aprendizado; em terceiro, que os

sentidos ao se reunirem nos fornecem os conhecimentos necessários à sobrevivência.

Feitas essas observações, cabe ainda considerar que a decomposição analítica da

experiência realizada por Condillac assemelha-se, salvaguardadas as diferenças, à estratégia

adotada por Diderot em sua Carta sobre os surdos e mudos sob o nome de anatomia

metafísica4· Quanto a essa questão, é relevante tecer dois comentários que visam estabelecer a

distinção entre ambas as estratégias. O primeiro comentário, diz respeito às críticas5 dirigidas

a Condillac de que a sua pesquisa no Tratado das Sensações caracterizaria um plágio do

projeto de Diderot em sua Carta sobre os surdos e mudos. O segundo comentário, é que a

partir das considerações entre ambas as pesquisas, salta aos olhos a especificidade da

4 Essa expressão foi usada por Diderot para se referir ao tipo de experimento utilizado em sua Carta Sobre os

Surdos e Mudos que consiste em imaginarmos uma sociedade composta por cinco homens cada um possuindo

um único sentido. Assim, o filósofo, investiga quais ideias derivam de cada sentido específico e como os homens

haveriam de se entender com base nas ideias formadas por cada um dos sentidos – só haveriam de se entender

em relação à geometria, concluí Diderot (DIDEROT, 2006). 5 A semelhança entre as estratégias levaram Grimm a acusar Condillac de ter plagiado no Tratado das

Sensações, o projeto de Diderot em sua Carta sobre os cegos (LIÉBANA, 1996) e (QUARFOOD, 2002).

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investigação de Condillac. Tal especificidade crava uma diferença fundamental com a

pesquisa de Diderot e revela em última instância, uma nota característica do empirismo

radical de Condillac enfraquecendo, portanto, as críticas de plágio. Nesse sentido, podemos

considerar como reconhece Aranda, que a explicação de Condillac é desenvolvida de maneira

mais vigorosa do aquela realizada por Diderot (ARANDA, 1964, pg. 14). Por outro lado,

Liébana observa que a utilização dessa hipótese por Condillac assume uma originalidade

única e uma operação metodológica inédita (LIÉBANA, 1996, II).

Quanto ao primeiro comentário anteriormente mencionado, tanto Liébana (1996),

quanto Quarfood (2002) citam as críticas de Grimm, que acusam Condillac de ter plagiado no

Tratado das Sensações uma estratégia de investigação já executada por Diderot na Carta

sobre os surdos e mudos. Essa foi à única crítica que Condillac respondeu ao fim do Tratado

das Sensações6. Ao considerar separadamente os sentidos, os resultados da pesquisa de

Diderot terminam por evidenciar a contribuição especifica de cada um dos sentidos quanto ao

tipo de ideia derivada da sua atividade (DIDEROT, 2006). Resultado semelhante, observamos

em Condillac. Entretanto, como veremos a seguir, tal consequência não é a única extraída por

Condillac da sua análise.

Quanto ao segundo comentário mencionado, salienta-se que a distinção entre ambos os

autores se dá com base na especificidade da estratégia de Condillac que consiste em

decompor e recompor a experiência apresentando a gênese das ideias e capacidades

operativas da estátua. Nesse ínterim, o filósofo conclui que cada sentido configura um campo

sensorial distinto e ao se reunirem fornecem os conhecimentos necessários para preservação

da vida da estátua. Para o filósofo o uso dos sentidos depende de um aprendizado que deriva

da experiência. Os sentidos se educam e se instruem de maneira recíproca, evidenciando dessa

maneira, aspectos do seu empirismo radical, marcando assim sua diferença em relação a

Diderot. Frente a essas considerações, destaca-se que Condillac e Diderot possuem estratégias

que se assemelham, mas alcançam resultados diferentes. Nessa direção, defende-se Condillac

“(...) se tomamos quase o mesmo objeto, não coincidimos nas observações que fizemos”

(CONDILLAC, 1993, pg. 257).

Com precisão cirúrgica, possível apenas pelo tipo de experimento adotado, Condillac

des/monta a experiência. Dessa maneira, ao fim de uma extensa jornada intelectual, na qual “o

leitor é convidado a fazer um exercício de introspecção, uma experiência de descoberta de si

6 No fim do seu Tratado das Sensações, responde Condillac: “Concordo que o autor dessa carta propõe

decompor um homem; mas já de longa data Mlle. Ferrand havia-me comunicado tal ideia. Várias pessoas

sabiam, inclusive, que era este o objeto de um tratado em que eu trabalhava, e o autor das Cartas sobre os

Surdos e Mudos não o ignorava” (CONDILLAC, 1993, pg. 257).

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mesmo” (QUARFOOD, 2002, pg. 125) observamos gradativamente a estátua ganhar vida,

passando a existir como nós. Vemos então saltar aos olhos, como quer Monzani, uma espécie

de “Adão epistemológico” (MONZANI, 1995, pg. 16). Um Adão que não conhece pecados ou

leis morais, não pela ausência de uma Eva no Tratado das Sensações e sim pela estratégia

adotada por Condillac que imagina sua estátua livre de toda relação com os homens. A estátua

não cai do céu nem é fruto de um artífice superior. Ela representa o homem em seu estado

natural. A estátua vive na natureza em meio aos diversos animais. Por essa razão, ela é a única

responsável pelas suas escolhas e, em última instância, pela sua sobrevivência.

Os prazeres e dores que sofre com a experiência são seus únicos mestres. Com base

nesses orientadores naturais da experiência – prazer e dor – ela aprende quais objetos

contribuem para sua felicidade e quais lhe causam sofrimento. A estátua ao fim da história é

resultado das experiências que teve. Logo, ela nada mais é do que os conhecimentos que

adquiriu. As considerações de Condillac acerca da estátua apresentam uma concepção

antropológica do homem em seu estado natural, anterior à cultura. A passagem do estado da

natureza para o estado da cultura pressupõe linguagem teórica7, uma variável que não

encontramos no Tratado das Sensações. No Tratado encontramos a estátua restrita aos

conhecimentos práticos caracterizados pelos hábitos adquiridos com a experiência que

contribuem de maneira decisiva para preservação da sua vida.

Por fim, a análise dessa hipótese ficcional expõe um predomínio dos conhecimentos

práticos e sua utilidade em detrimento dos conhecimentos teóricos. Essa especificidade do

pensamento de Condillac no Tratado das Sensações faz notar, defende Cassirer, um fundo

biológico nas teses do filósofo. De acordo com Cassirer, no Tratado das Sensações a ordem

lógica das nossas ideias deriva de uma espécie de espelho ou de reflexo de ordem biológica.

Sendo assim, “aquilo que nos parece importante se dá menos em função da “essência” das

coisas e mais em função do nosso interesse, da sua utilidade que contribui para nossa

conservação” (CASSIRER, 1997, pg. 149). Em síntese, cabe considerar que com a exploração

dessa ficção metodológica no Tratado das Sensações Condillac explicita a sua posição anti-

inatista radical e realiza simultaneamente uma longa montagem de dois conceitos

fundamentais na filosofia moderna: os de sujeito e de objeto.

7 As questões relacionadas à linguagem são apresentadas por Condillac em sua obra: Ensaio sobre a origem dos

conhecimentos humanos (1746), não traduzida para o português.

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1.2 Sensações e gênese das capacidades operativas

Como mencionado na introdução, diferentemente de Locke, para quem as ideias

derivam tanto dos sentidos quanto da reflexão, Condillac busca explicar a gênese das ideias e

capacidades operativas com base em uma única fonte, as sensações. Dessa maneira, o filósofo

defende que a alma8, modificada pelas sensações, “extrai todos os seus conhecimentos e

faculdades” (CONDILLAC, 1993, pg. 31). Nesse sentido, refletir, duvidar, recordar,

comparar, pensar, etc. não são consideradas capacidades inatas e sim adquiridas. “Toda

complexidade mental se constrói gradualmente a partir de um simples fato inicial segundo

uma ordem determinada” (QUARFOOD, 2002, pg. 14-15). As capacidades operativas, nada

mais são do que sensações que vão adquirindo gradativamente formas mais complexas e

acabadas, ou seja, são sensações transformadas. O conceito de sensação transformada

fornece a chave explicativa para compreendermos como através das sensações se constitui

toda realidade mental da estátua. Para Condillac, as sensações seguem transformando-se

através de um processo contínuo e sem rupturas no qual as ligações entre ideias, orientadas

pelo prazer, cumprem um papel decisivo na organização e desenvolvimento tanto das

capacidades operativas quanto das ideias. Assim, as ligações entre ideias são, como defende

Quarfood, “o princípio fundamental da vida do espírito” (QUARFOOD, 2002, pg. 157). Posto

isso, indicamos que no presente capítulo, apresentaremos a gênese das capacidades

operativas derivadas do uso específico de cada sentido. Somente no segundo capítulo, nossa

investigação incidirá sobre as ideias específicas derivadas da atividade de cada um dos

sentidos.

No que concerne ao desenvolvimento das capacidades operativas da estátua

examinaremos os efeitos cognitivos das sensações simples derivadas do uso do olfato,

audição, paladar e visão separadamente. Quanto a esses sentidos, veremos que as sensações

derivadas da sua atividade permitem a estátua desenvolver as mesmas capacidades operativas:

atenção, memória, imaginação, comparação, juízo, vontade, desejo e etc. De maneira geral, o

que se diz de um desses sentidos se aplica ao outro. Concluída essa etapa, passaremos então a

8 Condillac dota a alma de sensibilidade, os órgãos sensíveis não passam de meras causas ocasionais, eles não

sentem. Nesse aspecto, Condillac é taxativo: “só a alma sente”, o sentir é, portanto, um fenômeno mental

(CONDILLAC, pg. 31). Para o filósofo “a vida do espírito não começa com a inteligência, mas com as

sensações” (QUARFOOD, 2002, pg. 105). As sensações são espirituais, tudo que se passa na consciência é de

ordem imaterial. “A perspectiva condillaciana vai de encontro a toda tentativa de reduzir a sensorialidade a um

epifenômeno material” (QUARFOOD, 2002, pg. 106). A fisiologia não pode dar conta dos fenômenos mentais.

Assim, Condillac dota o âmbito mental de certa exclusividade que não permite reduzir a sua atividade as

justificativas fisiológicas, já que essas não podem explicar as sensações de cheiro, cor, sabor, som, solidez,

vivências exclusivas da alma.

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examinar os efeitos cognitivos das sensações derivadas do tato. Em relação ao tato,

mostraremos que diferentemente dos demais sentidos, ele é o único que permite a estátua

desenvolver a capacidade de reflexão, condição de possibilidade para representar objetos.

Antes de passarmos a analise dos efeitos cognitivos produzidos por cada sentido, um

detalhe deve ser mencionado. Ele diz respeito à própria estratégia condillaciana de começar

sua investigação pelo olfato. Porque começar a investigação necessariamente pelo olfato e não

por qualquer um dos demais sentidos? Essa peculiaridade da investigação de Condillac

permite considerar que para o filósofo existe certa hierarquização entre os sentidos em termos

de relevância cognitiva. Nesse ínterim, podemos considerar que a análise de Condillac parte

do sentido mais limitado (o olfato) até o mais objetivo (o tato) que é para ele o sentido da

realidade.

De acordo com Lefèvre, Condillac começa sua análise pelo olfato porque esse é o

sentido mais subjetivo, pobre e limitado e ainda assim o filósofo extrai dele toda vida mental

da estátua (LEFÈVRE, 1966, pg. 34). Restrita ao olfato a estátua só pode experienciar uma

sensação simples, uniforme de cheiro. Se a estátua fosse exposta simultaneamente a diferentes

odores, esses se mesclariam uns aos outros e ela não poderia notar que um não é o outro. Por

sua vez, Quarfood identifica uma superioridade da audição em relação ao olfato, pois a

audição permite a estátua experienciar dois tipos de sensação, som e ruído enquanto o olfato

apenas cheiro (QUARFOOD, 2002, pg. 134). Nessa direção, acrescentamos ainda certa

superioridade do paladar em relação aos odores e aos sons, pois, como reconhece o próprio

Condillac, o paladar contribui de maneira mais intensa para felicidade ou infelicidade da

estátua já que os sabores afetam com mais força que os odores; os sabores contribuem mais

que os sons para felicidade da estátua já que a necessidade dos alimentos os torna mais

significativos (CONDILLAC, 1993, I, pg. 98). Em vista dessa hierarquização, nota-se em

relação às sensações visuais que essas proporcionam certa vivacidade e ocasionam para

estátua um sentimento vago de extensão – para Mondolfo, a vista parece possuir uma posição

intermediaria entre os sentidos já que ela pode dar-nos – de modo indeterminado, latente a

extensão9 (MONDOLFO, 1963, 37). Por fim, com o tato à estátua encontra-se mais exposta às

dores do que com os demais sentidos. Por outro lado, é com base nesse sentido que a estátua

desenvolve a reflexão, condição de possibilidade para representar objetos. Em síntese,

salienta-se que Condillac na medida em que considera as diferenças entre os sentidos, outorga

ao tato certa relevância cognitiva. Ele desempenha uma função representacional que indica

9 Voltaremos a essa questão quando tratarmos no segundo capítulo das ideias derivadas da visão e do problema

de Molineux.

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para estátua uma realidade diferente de si10

. Dito isto, passemos a análise dos efeitos

cognitivos de cada um dos sentidos, a partir do mais elementar, o olfato.

1.3 Olfato e gênese das capacidades operativas

A vida da estátua começa exatamente no momento em que Condillac retira a camada de

mármore que encobre o olfato. Nessa fase do experimento, ela encontra-se limitada ao uso

desse sentido. Por essa razão, os conhecimentos adquiridos devem restringir-se aos odores.

Em seguida, Condillac apresenta uma rosa para estátua, diz ele “se nós lhe apresentarmos uma

rosa, ela será para nós uma estátua que cheira uma rosa; mas para si, ela não será senão o

próprio odor dessa flor”. (CONDILLAC, I, 1993, § 2, pg. 63). Com base nesse odor inicial,

veremos o processo contínuo de transformação das sensações que redunda na construção das

diferentes capacidades operativas da estátua.

Logo que a estátua sente o odor de rosa ela é capaz de atenção e começa

necessariamente a gozar ou a sofrer. Para Condillac toda sensação apresenta um conteúdo

específico, cheiro, som, sabor, cor e solidez e todo conteúdo afeta de maneira agradável ou

desagradável. Não existem sensações neutras ou indiferentes a não ser por comparação. Só é

possível falar em sensações neutras ou indiferentes, por comparação. Quando a estátua tiver

experienciado sensações de prazer e dor mais vivas ou intensas, ela poderá julgar indiferente,

ou deixará de considerar agradáveis ou desagradáveis aquelas sensações mais débeis que tiver

comparado com as mais fortes (CONDILLAC, 1993, pg. 38). Nesse ponto, cabe considerar

que para o filósofo a capacidade de sentir prazer e dor é uma condição dada pela própria

natureza. “A natureza nos deu órgãos sensíveis e através deles ela nos adverte pelo prazer

sobre aquilo que devemos buscar, e pela dor, ela nos adverte sobre aquilo que devemos nos

distanciar” (CONDILLAC, 1993, pg.56). Portanto, somos naturalmente organizados para

sentir dor e prazer. Quanto a essa questão, podemos considerar que para Condillac o prazer e

a dor são orientadores naturais da experiência. Nesse ponto, compete assinalar que somente a

partir das primeiras experiências da estátua prazer e dor passam a operar enquanto princípio

da seleção e determinação da atenção11

.

10

Aprofundaremos esse ponto no segundo capítulo quando tratarmos da gênese das ideias derivadas do tato. 11

Condillac estabelece o prazer e a dor enquanto princípio que determina o desenvolvimento e a atividade de

todas as operações da alma. Assim, salienta-se que todos os nossos atos mentais atentar, recordar, imaginar,

comparar, julgar, etc. funcionam com base nesse princípio.

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As consequências cognitivas desse tipo de atenção revelam à consciência em um nível

elementar12

que, no interior da perspectiva genética adotada por Condillac, ainda não permite

a estátua diferenciar o eu do não eu. A estátua não sabe que possui um corpo muito menos

que os odores que vivencia derivam de um objeto específico. Como salientado por Condillac

os odores percebidos “não passam de suas próprias modificações ou maneiras de ser”

(CONDILLAC, I, 1993, § 2, pg. 63). Nessa direção, Liébana acrescenta que “a sensação não

é, pois para a estátua efeito cognitivo de causas transcendentais, senão revelação existencial

do próprio ser” (LIÉBANA, 1996, II), as sensações até aqui nada mais são do que qualidades

específicas que modificam os sentimentos da estátua de maneira agradável ou desagradável.

Se o odor afeta de modo agradável, é gozo, caso afete de modo desagradável, a estátua sofre.

Nesse momento da nossa análise, a atenção deve ser entendida, a rigor, enquanto

atenção passiva derivada da receptividade passiva própria dos órgãos sensíveis. Esse tipo de

atenção indica uma primeira etapa de transformação da sensação que estabelece as condições

de possibilidade para o desenvolvimento da memória. Nesse sentido, Condillac supõe na

atenção, como apresenta Quarfood, uma força de retenção das impressões sensíveis

(QUARFOOD, 2002, pg. 128). A atenção que foi dada ao odor contribui para retenção dessas

impressões. As sensações não escapam inteiramente tão logo o corpo odorífero deixa de agir

sobre o olfato, a atenção que lhe foi dada retém esse odor; e resta uma impressão mais ou

menos forte, conforme a própria atenção tenha sido mais ou menos viva. Temos assim a

origem da memória enquanto capacidade de retenção (CONDILLAC, 1993, I, § 22 pg. 65-

66).

A memória é caracterizada por Condillac como uma “sequência de ideias que se

conectam entre si respeitando a ordem e sucessão da experiência. As sequências de ideias

formam cadeias e essa ligação fornece os meios de passar de uma ideia à outra”

(CONDILLAC, 1993, I, § 20, p.69). Sendo assim, indica-se que é próprio dessa capacidade, o

poder de conservar e evocar sensações. O ato de lembrar caracteriza uma atividade específica

da memória. Em relação à atividade da memória, Condillac chama atenção para dois

princípios responsáveis por pô-la em atividade. O primeiro, “a vivacidade de um bem que a

estátua não possui mais”; o segundo, “o parco prazer da sensação atual, ou a dor que a

acompanha” (CONDILLAC, 1993, I, § 27, pg.72). Nesse sentido, podemos assinalar que a

memória entra em atividade a partir de uma vivência que lhe impõe certo grau de desconforto

ou sofrimento. Frente a essas condições, o ato de lembrar põe em evidência para estátua uma

12

Consciência e atenção são nomes diferentes para se referir a um mesmo fenômeno

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sensação passada vivenciada enquanto agradável. Nesse ponto vemos o prazer operar

enquanto princípio que determina a atividade da memória, pois, frente a uma lembrança

desagradável, compete a ela enviar noticias para estátua de um sentimento agradável já

experienciado. Com a memória a capacidade de atenção se especializa. Ela assume de

maneira estrita uma dimensão seletiva cujo fim é o prazer. Posto isso, salienta-se que é com

base no ato de evocar uma sensação que Condillac expõe a distinção entre memória e

imaginação. Nesse quesito, diz ele:

Ora, ela conserva o nome de memória quando lembra as coisas apenas como

passado; e toma o nome de imaginação quando as relembra com tal força que

parecem presentes. A imaginação assim existe em nossa estátua da mesma

maneira que a memória; e essas duas faculdades diferem apenas em grau.

(CONDILLAC, 1993, I, § 29, pg. 73).

A partir do fragmento acima, nota-se que para Condillac a gênese da imaginação deriva

efetivamente da memória. Memória e imaginação se assemelham. A memória, ao evocar as

lembranças as atualiza de maneira fraca enquanto passadas, trata-se, portanto, de uma

sensação que resta uma ligeira lembrança (CONDILLAC, 1993, I, § 29, pg. 73). Entretanto,

quando se trata de uma evocação que ganha em intensidade, cujo resultado permite à estátua

relembrar algo como se fosse presente temos aí à imaginação. Quanto a essa distinção,

Condillac acrescenta que “a memória é o começo de uma imaginação que ainda tem pouca

força; a imaginação é a própria memória que atingiu toda a vivacidade de que é suscetível”

(CONDILLAC, 1993, I, § 29, pg. 73). Assim, notamos que memória e imaginação diferem

em relação ao grau de vivacidade. Resta-nos então, estabelecer outra distinção, a saber: que

memória e imaginação também diferem quando a ordem de organização das ideias já que as

ligações entre ideias ocorrem de maneira específica em cada uma dessas capacidades

operativas.

Como vimos anteriormente, a memória forma cadeias de ideias de acordo a ordem e

sucessão da experiência. A imaginação por sua vez, opera com as ideias que estão dispostas

nas cadeias formadas pela memória. A finalidade da imaginação é o prazer, tem essa

característica em comum à memória. No entanto se diferenciam pelo fato da imaginação, que

guiada pelo prazer não respeita a ordem das ideias estabelecidas pela memória. A imaginação,

ao evocar ideias busca aquelas mais agradáveis independentemente da sua localização na

cadeia. Dessa maneira, ela altera a ordem fixada pela memória formando novas cadeias de

ideias, dando a essas uma nova organização. Nesse aspecto, se evidencia uma dinâmica de

ligação entre ideias que ocorre na imaginação diferente daquela que ocorre na memória. A

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distinção fundamental na ligação entre ideias nessas capacidades é definida pela liberdade

com que a imaginação opera. A singularidade da imaginação implica uma capacidade de

combinar ideias a sua maneira colocando em relevo seu potencial criativo. Por fim, cabe

assinalar que as ligações entre ideias cumprem um papel relevante na distinção condillaciana

entre memória e imaginação.

Com a memória e a imaginação instituídas instaura-se uma forma de atenção ativa, que

permite a estátua lembrar-se das sensações enquanto passadas. Esse tipo de atenção difere da

atenção passiva ocasionada pelos órgãos sensíveis que apresentam as sensações no presente.

Esses dois tipos de atenção permitem à estátua notar simultaneamente sensações passadas e

sensações presentes. Por ocasião de ambos os tipos de atenção, deriva a capacidade de

comparação, pois, para o filósofo comparar é conceder atenção a duas ideias simultaneamente

(CONDILLAC, 1993, I, § 14, pg. 67). A estátua compara sensações passadas (através da

memória) com sensações presentes (através dos órgãos sensíveis). A atividade comparativa

como veremos no capítulo III é condição de possibilidade do desenvolvimento dos

conhecimentos da estátua. Uma vez estabelecida a capacidade de comparar a estátua pode

então formar um juízo. Pois, para Condillac um juízo é a percepção de uma relação entre duas

ideias comparadas (CONDILLAC, 1993, I, § 15, pg. 68). Estabelecida à capacidade de

comparar sensações, podemos então falar do desenvolvimento das necessidades da estátua.

Em relação à necessidade, Quarfood salienta que Condillac não desconsidera o inatismo

das necessidades naturais da estátua. Esse tipo de necessidade têm suas raízes dentro da

constituição fisiológica do indivíduo. Essa consideração não contradiz a tese condillaciana

acerca da alma vazia. Somente a alma da estátua é uma tabula rasa. Mesmo com uma

dimensão inata, as necessidades constituem uma gênese (QUARFOOD, 2002, pg. 148). Nessa

direção, a chave para entendermos como as necessidades derivam da experiência é dada pela

capacidade de comparar sensações. A capacidade de comparar sensações nos permitem falar

das necessidades no âmbito psicológico. Nesse sentido, Condillac afirma “que todas as vezes

que está mal ou menos bem, ela lembrará suas sensações passadas; compara com o que ela é e

sente que é importante voltar a ser o que foi. Dai nasce a necessidade ou o conhecimento de

um bem que ela julga necessário” (CONDILLAC, 1993, I, § 25, pg. 71). Nesse ponto,

Quarfood nos faz ver que a necessidade é ligada à ideia de que qualquer coisa necessária lhe

falta, e essa ideia só é possível pela combinação do princípio do prazer e dor com a memória

(QUARFOOD, 2002, pg. 132). Após tratar do desenvolvimento das necessidades, Condillac

apresenta a gênese do desejo.

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A necessidade como vimos, é uma espécie de desconforto que indica para estátua algo

que lhe falta. Posto isso, Condillac vai definir o desejo enquanto ação das faculdades em

direção daquilo que se sente falta (CONDILLAC, 1993, I, § 1, pg.79). O desejo de fruir algo

surge vinculado à necessidade de sair de um estado desagradável em direção a outro mais

agradável. Nesse processo a memória desempenha um papel fundamental. Cabe a ela o poder

de lembrar à estátua um estado anteriormente vivido enquanto agradável e por o organismo

em busca do apetecido. Diferente da necessidade, o desejo é uma atividade, uma tentativa de

gerir as necessidades (QUARFOOD, 2002, pg. 132). O desejo é condição de possibilidade da

paixão. Para o filósofo a paixão deve ser entendida enquanto um desejo que domina frente à

privação de um bem que se julga necessário. A paixão diz respeito a esse desejo que se impõe

e domina a estátua. Nesse sentido, diz Condillac “A paixão é um desejo que não permite ter

outros, ou que pelo menos é o mais dominante” (CONDILLAC, 1993, I, § 3, pg. 79). Domina

a tal ponto que todas as capacidades operativas da estátua se ocupam exclusivamente dele.

Posto isso, devemos acrescentar que as sensações agradáveis ou desagradáveis

configuram as capacidades de amar ou odiar da estátua. Para Condillac “amar é sinônimo de

gozar ou desejar, e que odiar é igualmente de sofrer mal-estar, descontentamento na presença

de um objeto” (CONDILLAC, 1993, I, § 5, pg. 80). Por fim o filósofo apresenta a gênese da

vontade. Diante das lembranças de ter satisfeito alguns de seus desejos, a estátua julga que

poderá satisfazer todos os outros “não conhecendo obstáculos que se impõe a isso, ela não vê

porque não teria em seu poder o que deseja (...) ela não se limita a desejar, ela quer, pois se

entende por vontade um desejo tão grande e absoluto que pensamos que uma coisa desejada

está em nosso poder” (CONDILLAC, 1993, I, § 9, pg. 81).

Em síntese, observamos que com base nas sensações simples de cheiro derivadas do

olfato Condillac expõe o desenvolvimento de todas as capacidades operativas da estátua, com

exceção da reflexão. Assim, nota-se que para o filósofo as capacidades operativas da estátua

não são nada mais que sensações transformadas. Após essa exploração mais extensa do olfato,

as considerações acerca dos efeitos cognitivos da audição, paladar e visão, serão apresentadas

de maneira breve, pois, no que tange aos efeitos cognitivos derivados dos demais sentidos,

não presenciamos nada que já não tenha sido exposto com a análise do olfato. Dessa maneira,

deve-se considerar que ocorre com os demais sentidos – com exceção do tato – o mesmo que

ocorre com o olfato, o que muda necessariamente é o tipo de sensação que põe em marcha

todo o processo.

Se tivéssemos começado nossa investigação com base em uma sensação simples de

som, sabor ou cor, os resultados obtidos seriam os mesmos que com o olfato. De maneira

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geral, no que concerne ao desenvolvimento das capacidades operativas, essas sensações não

produzem nenhuma operação mental nova para estátua. Para nos convencermos disso basta

raciocinar com cada uma dessas sensações de modo análogo ao que fizemos com o olfato.

1.4 Tato e gênese da reflexão

Como vimos na seção anterior, restrita ao olfato, audição, paladar ou visão, a estátua

percebe sensações simples de cheiro, som, sabor ou cor. Essas sensações dão origem às

mesmas capacidades operativas na estátua. Sendo assim, devemos salientar que o tipo de

atenção derivada do tato difere do tipo de atenção ocasionada pelos demais sentidos. De

maneira mais específica, para Condillac, somente o tato pode captar simultaneamente

diferentes sensações como as de solidez, dureza, calor. Ou seja, é a partir do tato que a estátua

tem experiência de sensações compostas. No que concerne a tais sensações, salienta-se que

essas são as únicas que podem levar a estátua a representar objetos. Elas adquirem essa

possibilidade graças ao tato que introduz a noção de limite as sensações. Nesse processo as

mãos desempenham um papel fundamental graças ao tipo de contato que elas possibilitam

(BERTRAND, 2002, pg. 43). Por ocasião do tato e com base nas sensações de solidez e

dureza proporcionadas a estátua descobre limite nos corpos13

.

Estabelecida à ideia de limite dar-se origem a reflexão no modo como Condillac a

entende. A reflexão derivada da atividade tátil permite a estátua formar conjuntos estáveis de

diferentes qualidades sensíveis entendidos em sua unidade enquanto objeto. Nesse sentido,

diz Condillac, “esta atenção, que combina sensações, que forma conjuntos exteriores e que,

por assim, dizer, compara-os sob diferentes relações, é o que denomino reflexão. Deste modo,

vê-se porque nossa estátua, sem reflexão com os outros sentidos, começa a refletir com o tato”

(CONDILLAC, 1993, I, § 14, pg. 139). Esses conjuntos formados pelo tato passam a

representar objetos. Nessa direção, Quarfood reconhece que para Condillac a reflexão nada

mais é do que a capacidade de comparar diferentes complexos de ideias. Portanto, essa

capacidade não poderia ter início com os demais sentidos já que com esses não seria possível

para estátua remeter suas sensações ao mesmo objeto ou percebê-las como sendo de entidades

circunscritas (QUARFOOD, 2002, pg. 143). Ou seja, com os demais sentidos não percebemos

– segundo Condillac – conjuntos estáveis de sensações em um limite determinado. Essas

13

A descoberta de limite nos corpos redunda nas ideias de um eu corporal e um não eu. No segundo e terceiro

capítulo da monografia trataremos da gênese dessas ideias. Por hora, nos limitamos a apresentar a gênese da

reflexão para sermos coerentes com o propósito do presente capítulo que é apresentar a gênese das capacidades

operativas da estátua.

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27

seriam condição de possibilidade para representar objetos. Assim, vemos porque o tato é o

único sentido que permite a estátua desenvolver essa capacidade.

Posto isso, salienta-se que a reflexão no modo como Condillac a entende não pode ser

tomada enquanto capacidade operativa inata – como defende Locke – e sim adquirida. Para

Locke a reflexão é uma fonte capaz de formar ideias que não poderiam derivar de coisas

exteriores. Essas ideias são formadas quando percebemos as operações da nossa própria

mente, por exemplo, perceber, pensar, duvidar, acreditar, raciocinar, conhecer, querer

(LOCKE, 1999, § 4 pg. 107). Se a reflexão não deriva das coisas exteriores, ela é suposta

previamente, ou seja, inata. Essa é uma tese que Condillac para ser coerente com sua pesquisa

não pode admitir. Renovar o entendimento humano como quer Condillac implica

necessariamente ultrapassar esse tipo de inatismo presente na filosofia de Locke. Nessa

direção, o filósofo busca marcar de maneira precisa como adquirimos e desenvolvemos nossas

capacidades operativas. A análise do tato fornece a chave para entendermos a gênese da

reflexão e a consequente representação de objetos marcando um aspecto fundamental da

distinção entre o empirismo de Locke e Condillac.

Dito isto, cabe ainda considerar que para Condillac a reflexão não é uma capacidade

específica do ser humano. Quanto a essa questão, Bertrand mostra que para o filósofo existe

uma diferença de grau na reflexão entre homens e animais, entre os animais e eles mesmos em

decorrência da sua conformação orgânica (BERTRAND, 2002, pg. 42). Em relação a esse

aspecto, podemos admitir que entre os animais, o homem é aquele que possui o tato mais

desenvolvido, condição que lhe permite sentir e adquirir conhecimentos em um grau diferente

dos animais. Por essa razão, estamos autorizados a revindicar nas teses de Condillac uma

concepção antropológica do homem enquanto animal sensível que possui um

desenvolvimento e uma história natural.

Concluímos assim nossa investigação acerca da gênese das capacidades operativas da

estátua. De maneira geral, vimos que com o olfato, audição, paladar ou visão a estátua forma

as mesmas capacidades operativas. Por outro lado, demonstramos porque somente com o tato

surge a reflexão, fundamental para representar objetos. Essa perspectiva genética adotada por

Condillac em sua investigação é duramente criticada por Liébana em sua obra Teoría de la

sensación transformada o el delirio del sensismo. Na obra mencionada, o comentador

considera que a tentativa de Condillac reduzir tudo que concerne ao espírito humano a meras

sensações carece inteiramente de sentido e viabilidade. O reducionismo operado por

Condillac com a teoria das sensações transformadas “manifesta uma impossibilidade lógica e

real”, pois, como julga Liébana, atentar, refletir, recordar, imaginar, comparar, abstrair seria

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28

muito mais que um mero sentir. A explicação condillaciana seria “simplista e insuficiente”.

Para o comentador Condillac fracassa em sua tentativa de superar Locke.

Em oposição ao sensismo condillaciano, Liébana segue nos trilhos da fenomenologia e

revindica certa autonomia e irredutibilidade do fluxo interno da consciência enquanto algo

essencialmente diferente da apreensão cognitiva do externo. As capacidades operativas

derivadas da sensação como quer Condillac, não passam para Liébana de operações genuínas

da consciência, são, portanto, inatas. “Condillac delira quando acredita poder reduzir o

genuinamente intelectual (universal e necessário) ao sensível (meramente particular e

contingente). O intelectual – e suas leis – exibem caracteres próprios e irredutíveis ao

sensível”. Condillac ao professar seu empirismo não percebe que questionar a origem e o

fundamento do conhecimento com uma base psicológica seria diferente de questionar sobre

sua justificação ou validade. Nessa direção, Liébana recorre a Kant, cujas teses admitem que

todo conhecimento pode começar necessariamente na experiência sensível (interna ou

externa) mas não ser reduzido a ela. Essas seriam as estruturas a priori que são independentes

do contato empírico. Tais são em Kant as intuições puras da sensibilidade e categorias do

entendimento (LIÉBANA, 1998, VI).

Feitas essas considerações acerca da gênese e desenvolvimento das capacidades

operativas, podemos examinar, no capítulo a seguir, a contribuição específica de cada sentido

quanto ao tipo de ideia forjada a partir das qualidades notadas nas sensações.

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29

Capítulo II

Sensações e Ideias

No capítulo anterior apresentamos o valor heurístico da ficção da estátua utilizada por

Condillac no Tratado das Sensações. Em seguida, com base nas sensações, examinamos o

desenvolvimento das diferentes capacidades operativas. Nesse aspecto, salientamos que as

sensações simples proporcionadas pelo olfato, audição, paladar ou visão engendram as

mesmas capacidades na estátua. Por outro lado, destacamos os efeitos cognitivos do tato no

que concerne à gênese da reflexão e sua capacidade de representar objetos com base nas

sensações compostas. Essa especificidade da atenção tátil marca uma diferença fundamental

em relação aos demais sentidos. No presente capítulo, examinaremos o conceito de ideia para

Condillac e em seguida a contribuição específica de cada sentido quanto ao tipo de ideia

derivada da sua atividade. Em seguida, veremos como essa estratégia de investigação adotada

por Condillac permite ao filósofo se opor ao idealismo de Berkeley14

e aportar uma solução

acerca do mundo exterior15

.

2.1 Conceito de Ideia

Para Condillac “uma ideia é toda impressão que dá um conhecimento” (CONDILLAC,

1993, II, § 28, pg.144). É através das sensações que a estátua toma conhecimento de

sentimentos que julga em si mesma e qualidades que julga no seu exterior. Definido o

conceito de ideia, o filósofo as diferencia em dois tipos: sensações e ideias intelectuais. As

primeiras, dizem respeito às sensações atuais no aqui/agora proporcionada pelos órgãos

sensíveis fonte de todo conhecimento; as segundas se referem à lembrança de uma sensação

enquanto passada. As sensações dividem-se ainda em simples e compostas. As sensações

simples se referem às consequências da afecção atual de um órgão sensível específico, as

ideias simples correspondem a lembranças dessas sensações. Nem sensações simples, nem

ideias simples, por si sós, são capazes de representar objetos. Por conseguinte, as sensações

compostas como mencionado no capítulo anterior, se referem a diferentes qualidades

sensíveis percebidas simultaneamente pela estátua e são as únicas que podem levá-la a

14

O argumento de Condillac será desdobrado em diferentes momentos. Primeiro desenvolveremos parte do

argumento ao tratar das ideias derivadas do olfato, audição, paladar e visão a ver qual dessas permite a estátua

formar ideia de exterioridade. Em seguida concluiremos a mencionada argumentação ao tratar do tato. 15

É consenso entre os comentadores de Condillac que a necessidade de demonstrar a existência de um mundo

exterior caracteriza uma das razões que levaram o filósofo a escrever o Tratado das Sensações.

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representar objetos. Feitas essas observações acerca do conceito de ideia podemos então dar

início a nossa investigação.

2.2 Sensação e ideias do Olfato

Como mencionado, a experiência da estátua começa com as sensações ocasionadas pelo

olfato. Limitada a esse sentido, ela não pode conhecer nada além de odores. Nesse aspecto,

diz Condillac “que os filósofos a quem parece tão evidente que tudo é material coloquem-se

por um momento no lugar dela e imaginem como poderiam suspeitar que exista algo que se

assemelhe ao que denominamos matéria” (CONDILLAC, 1993, I, § 3, pg. 64). Trata-se,

portanto, segundo Lefèvre de uma posição subjetivista estritamente experimental, pois o

sensível é de início um sentimento (LEFÈVRE, 1966, pg. 34). Em outras palavras, as

sensações de cheiro não passam de meras modificações do ser ou maneiras de ser da estátua.

Nessa direção, Liébana acrescenta que no momento em que se identifica na estátua odor

percebido e o ser percipiente desaparece a relação sujeito-objeto, essencial em todo ato

cognitivo. Assim, a sensação esgotada em si mesma deixa de possuir valor intencional ela

nada mais é do que condição de possibilidade da tomada de consciência existencial do sujeito

sensciente (LIÉBANA, 1996, II).

As sensações de cheiro experienciadas pela estátua, como já mencionado, afetam de

maneira agradável ou desagradável. Desse modo, os sentimentos ou estados pelos quais a

estátua passa são de dois tipos: contentamento (gozo) ou descontentamento (sofrimento). A

memória da estátua conserva, portanto, as ideias de contentamento e descontentamento que

são comuns a várias maneiras de ser. Com base nessas, surgem as primeiras ideias abstratas e

gerais16

da estátua. Em relação a essa questão, Condillac afirma que:

Abstrair é separar duas ideias que parecem naturalmente unidas. Ora, considerando

que as ideias de contentamento e descontentamento são comuns a várias

modificações suas, ela contrai o hábito de separá-las de tal modificação particular,

da qual não as distinguiria inicialmente; formula, portanto, noções abstratas, e essas

noções se tornam gerais porque são comuns a varias de suas maneiras de ser

(CONDILLAC, 1993, I, § 2, pg. 81-82).

16

As ideias particulares e gerais fundam como aponta Lefèvre, dois tipos de verdades (LEFÈVRE, 1966, 37). As

ideias particulares fundam as verdades particulares. As ideias gerais fundam verdades gerais. Examinaremos tais

verdades no terceiro capitulo.

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31

Com base no trecho destacado salientamos que as primeiras ideias gerais e abstratas

formadas pela estátua derivam das sensações de prazer e dor. Cabe reiterar que tais ideias

dizem respeito às modificações dos sentimentos da estátua, portanto, não são ideias de objetos

já que as sensações derivadas desse sentido não possuem caráter representativo. Acrescenta-se

ainda, que o modo agradável/desagradável com que as sensações afetam, dão origem aos

“sentimentos estéticos” da estátua (LEFÈVRE, 1966, pg. 51). Os cheiros agradáveis

estabelecem as condições de possibilidade para que a estátua forme ideia de bom

(CONDILLAC, 1993, IV, § 1, pg. 222). Quanto a essa, devemos considerar que para

Condillac a noção de bom não diz respeito a algo absoluto ou independente de qualquer

condição. Bom e belo são noções relativas ao caráter de quem julga (CONDILLAC, 1993, IV,

pg. 223). Por encontrar-se isolada de toda relação com os homens, as noções de bom e belo

são relativas as suas afecções e livres de qualquer convenção social. Em relação a essa

questão, Condillac considera que nem tudo que a estátua julga ser bom será moralmente bom,

assim como nem tudo o que é belo será realmente belo (CONDILLAC, 1993, IV, pg. 243).

Mesmo isolada, baseada em como ela é afetada pelas diversas sensações Condillac faz ver que

a estátua é capaz de desenvolver uma estética rudimentar. Essa expressão da cultura tem um

fundamento natural constatado desde o início em um nível individual (QUARFOOD, 2002,

pg. 147).

No que concerne aos efeitos cognitivos derivado das sensações exclusivas do olfato,

cabe ainda salientar que os cheiros não podem caracterizar para estátua uma ideia geral visto

que ela não sabe que existem objetos. Por desconhecer objetos, a estátua não pode considerar

que os odores que sente sejam comuns, por exemplo, a várias flores. Portanto, para ela um

odor nada mais é do que ideia particular de uma maneira de ser que lhe é própria

(CONDILLAC, 1993, I, § 3, pg. 82). Todas às vezes que sentir o cheiro de uma flor da

mesma espécie, a estátua experimentará uma mesma maneira de ser e terá acerca desse cheiro

uma ideia particular. “Os odores de cada espécie de flor, não passam para ela de ideias

particulares” (CONDILLAC, 1993, I, § 8, pg. 84).

Na medida em que a experiência ocorre e os cheiros sucedem uns aos outros, a estátua

conhece os diferentes estados pelos quais passa. Ao diferenciar tais estados, ela forma ideia de

número. Ela tem ideia de unidade sempre que tem ou recorda uma sensação assim como

possui ideias de dois e três por ocasião da memória que lembra duas ou três maneiras de ser

distintas (CONDILLAC, 1993, I, § 5, pg. 82). Em relação a esse aspecto, nota-se que sem o

auxílio dos signos os conhecimentos da estátua são bastante limitados. Sem ajuda dos signos a

memória não poderá determinar o número de suas ideias quando a sucessão dessas for mais

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extensa. Para Condillac são apenas três as maneiras de ser que a estátua pode perceber de

maneira clara (CONDILLAC, 1993, I, § 7, pg. 83). Por poder perceber até três ideias ao

mesmo tempo, a estátua pode fracionar o tempo em passado, presente e futuro. Dessa

maneira, indica-se o papel fundamental que desempenha a memória enquanto base do

desenvolvimento psicológico, fundamento da consciência do eu e da percepção do tempo

(QUARFOOD, 2002, pg. 132).

Graças à memória, a estátua pode formar ideia do possível e do impossível. Ela – a

estátua – tem o hábito17

de ser, deixar de ser e voltar a ser um mesmo odor. Por essa razão,

julga que é possível ou não existir de uma determinada maneira. Como conhece diferentes

maneiras der ser, ela nota que quando é uma deixa de ser outra e julga ser impossível que seja

das duas maneiras simultaneamente (CONDILLAC, 1993, I, §9-10, pg. 84-85). Se não

houvesse a memória enquanto capacidade de retenção das sensações, toda sensação pareceria

ser para estátua sempre a primeira sensação. Em relação a essa questão, é interessante

consideramos os comentários de Monzani quando afirma que “a constituição da memória é

uma condição essencial para que as operações intelectuais deslanchem, pois, sem ela, não lhes

restariam nenhum vestígio de suas sucessivas modificações” (MONZANI, 2011, III, pg. 231).

Por ocasião da memória é que a estátua pode diferenciar os diferentes odores que nela

se dá. Essa capacidade de discriminar odores estabelece as condições intelectuais que

permitem o desenvolvimento da ideia de sucessão. As diferenças entre sensações marcam

uma descontinuidade, um intervalo entre elas. Assim, a estátua não pode sentir que deixa de

ser o que era sem se representar nessa mudança uma duração de dois instantes

(CONDILLAC, 1993, I, § 11, pg. 85). Um instante passado, outro presente. Um instante nada

mais é do que a presença sem sucessão de uma ideia na alma. Ao deixar de ser o que era a

estátua representa uma duração passada – ela deixa de ser um determinado cheiro. Por outro

lado, ela representa uma duração futura, pois, devido ao hábito, ela julga que após uma

sensação deve-se seguir outra. A passagem de uma sensação a outra dá a ideia de passado. Por

conseguinte, a ideia de futuro pressupõe uma repetição. É preciso, diz Condillac, “que ela

tenha passado muitas vezes pela mesma sequência de sensações e tenha formado o hábito de

julgar que, após uma modificação deve seguir outra” (CONDILLAC, 1993, I, § 12, pg. 86).

A duração pode ser conhecida pela estátua com base na sucessão de suas ideias pela

memória ou através da afecção dos órgãos sensíveis. Nesse ponto, podemos observar o

esforço de Condillac para dar conta da noção de tempo de maneira empírica, a posteriori. A

17

Para Condillac, o hábito nada mais é do que a facilidade de fazer o que se fez (CONDILLAC, I, § 13, pg. 67).

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noção de sucessão e duração configura uma noção de tempo rudimentar para estátua. Quanto

a essa questão, Bertrand salienta que primeiro ele é uma consciência rítmica – dada pela

sequência em que as sensações afetam os sentidos. Em seguida, a temporalidade é linear,

derivada da memória – que conserva as sensações na ordem em que a experiência ocorre

(BERTRAND, 2002, pg. 29). Em relação a essa questão, Quarfood acrescenta que o tempo

nada mais é do que a consequência da linearidade da recepção das sensações. Trata-se de um

tempo relativo à experiência já que as sensações se sucedem a um ritmo diferente segundo as

ocasiões (QUARFOOD, 2002, pg. 131).

Para ilustrar o papel que cumpre a memória na configuração da noção de tempo,

tomemos o seguinte exemplo: vejamos essa sequência em que os odores encontram-se

ligados: junquilho, rosa, violeta. Qualquer um desses odores, quando afetar o olfato, a

memória prontamente lembrará a estátua os outros dois – não podemos perder de vista que

para Condillac as ideias são registradas pela memória de acordo a ordem e sucessão da

experiência. Se o olfato for afetado pelo odor de violeta, os demais serão relembrados como

precedentes e a estátua se representará uma duração passada. Diferentemente, caso o olfato

seja afetado pelo odor de junquilho, os demais serão relembrados como subsequentes, e a

estátua representará uma duração vindoura (CONDILLAC, 1993, I, § 12, pg. 86). No que

concerne à noção de duração formada pela estátua cabe indicar que não se trata de uma

duração absoluta. A noção de duração é relativa à maneira de ver da estátua. A ideia de

duração deriva da sucessão de odores que são transmitidos pelos órgãos ou lembrados pela

memória – uma sensação após outra. A estátua não conheceria mais de um instante se a ação

do primeiro corpo odorífero sobre seu órgão tivesse agido sobre ela de maneira uniforme

(CONDILLAC, 1993, I, § 17, pg. 87-88). É necessário variação da intensidade ou do

conteúdo das sensações para marcar uma diferença entre as sensações configurando, assim, as

noções de instante e duração. Feitas essas considerações acerca da noção de tempo, podemos

passar às considerações acerca da noção do eu da estátua. Na constituição da noção do eu a

memória desempenha papel fundamental.

Para Condillac, o eu da estátua restrita ao olfato nada mais é do que um conjunto de

sensações que ela experimenta e a memória lembra. Ela é em um só momento a consciência

do que é e a lembrança do que foi (CONDILLAC, 1993, I, § 17, pg. 90-91). Quanto a essa

característica do eu Quarfood assinala que a estátua descobre sua identidade comparando as

diferentes impressões que vivencia. Embora essas impressões sejam diferentes umas das

outras, há um ponto fixo que permanece constante. Dentro dessa ideia de constância o eu é

delimitado em função das impressões que passam a ser percebidas como manifestações do

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próprio eu (QUARFOOD, 2002, pg. 131). Essa é uma primeira definição do eu dada por

Condillac – eu enquanto modificações dos sentimentos. Em relação a essa questão, salienta-se

que a noção do eu no Tratado das Sensações se configura em dois momentos. Como destaca

Bertrand, em um primeiro momento ou eu da estátua nada mais é do que a coleção de

sensações atuais e lembranças das sensações passadas. Em um segundo momento, essa

coleção liga-se à consciência do corpo pela mediação do tato que permite a estátua julgar a

existência do corpo próprio18

(BERTRAND, 2002, pg. 29).

Em síntese, vimos que com base nas sensações proporcionadas pelo olfato, Condillac

expõe o desenvolvimento das ideias da estátua. De maneira mais específica, ela forma ideias

particulares acerca dos odores que vivencia e forma ideias gerais e abstratas de bom,

contentamento, descontentamento, número, do possível, do impossível e do eu. Posto isso,

salienta-se que as sensações olfativas consideradas em si mesmas possuem um caráter não

representativo, ou seja, não permitem a estátua formar ideia de nada que esteja fora dela.

Nesse sentido, Liébana acrescenta que nessas condições de limitação sensorial não pode dar-

se para estátua conhecimento de matéria; nem sequer sentimento de exterioridade, menos

ainda ideia de corpo (LIÉBANA, 1996, II). Com a análise do olfato, Condillac não tem os

elementos que lhe possibilitem contrapor o idealismo de Berkeley. Quanto a essa questão,

devemos examinar se as ideias ocasionadas pelos demais sentidos fornecem os componentes

necessários que permitem ao filósofo provar que existe um mundo exterior, independente do

sujeito, opondo-se assim ao idealismo de Berkeley.

Quanto à investigação acerca dos efeitos cognitivos das sensações derivadas dos demais

sentidos, devemos raciocinar com eles de modo semelhante ao que fizemos com olfato. O tipo

de sensação que põe todo o processo em marcha é o que muda entre um sentido e outro.

2.3 Sensação e ideias da audição e do paladar

Após uma análise mais extensa do olfato, vamos apresentar de modo breve quais ideias

específicas derivam da audição e do paladar. Em linhas gerais, devemos conduzir nossa

investigação de modo semelhante ao que fizemos com o olfato.

Limitada ao ouvido, a estátua percebe dois tipos de sensações som e ruído. “O ouvido é

organizado para captar uma relação determinada entre um som e outro som; mas entre um

18

Examinaremos essa outra noção de eu ao tratar das ideias derivadas do tato no terceiro capítulo.

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ruído e outro ruído ela capta uma relação vaga19

” (CONDILLAC, 1993, I, § 2 pg. 93). Ou

seja, restrita ao uso desse sentido, a estátua não poderá se estender além dos sons e ruídos.

Tais sensações apenas ocasionam modificações nos sentimentos da estátua. Os sons

percebidos caracterizam suas ideias particulares e os diferentes estados de contentamento e

descontentamento comuns as suas diferentes maneiras de ser engendram as ideias abstratas da

estátua. Por outro lado, os sons podem originar os sentimentos estéticos de belo. Para

Condillac “um som isolado pode ser belo” (CONDILLAC, 1993, IV, § 7 pg. 223) desde que

seja percebido de modo agradável pelo ouvido. Por fim, acrescenta-se que com base nas

sensações do ouvido a estátua não pode formar ideia de nada que esteja fora dela. Feitas essas

considerações acerca da audição, passemos ao paladar com o intuito de verificar o que surge

de novo na vida cognitiva da estátua.

No que concerne ao paladar, Condillac dota o interior da boca da estátua de

sensibilidade. O experimento vai sendo manipulado de acordo às necessidades do filósofo.

Dessa maneira, a estátua não pode tomar os alimentos, mas Condillac supõe que o ar leve até

sua boca todas as espécies de sabores. Semelhante ao que observamos com odores e sons, os

sabores caracterizam ideias particulares acerca de uma maneira de ser da estátua. De maneira

geral, os sabores afetam a estátua de modo agradável ou desagradável ocasionando estados de

contentamento e descontentamento. Esses estados são comuns às diferentes maneiras de ser

da estátua e por ocasião desses, ela forma ideias abstratas. Com base nas sensações agradáveis

ocasionadas pelos sabores que vivencia a estátua forma ideia de bom (CONDILLAC, 1993,

IV, § 7 pg. 222).

Por fim, destaca-se que as sensações ocasionadas pela audição e paladar não permitem a

estátua formar ideia de objetos. Tais sensações não passam de modificações dos sentimentos

da estátua, tudo que ela pode conhecer são suas maneiras de ser. Portanto, os resultados

alcançados com análise desses sentidos são semelhantes àqueles obtidos com o olfato. Dessa

maneira, Condillac vai desenhando os limites daquilo que é possível conhecer com cada um

dos sentidos. Por outro lado, podemos concluir que a investigação de Condillac até o

momento não lhe permite dar conta da ideia de exterioridade ou de uma realidade

independente do sujeito cognoscente. Em relação a essa questão, passemos ao exame da visão

a fim de verificar se as consequências cognitivas originadas desse sentido fornecem novos

dados que permitem a Condillac confrontar o idealismo de Berkeley.

19

Para Condillac, o ouvido bem organizado apreende um harmônico (som coerente, congruente, proporcionado).

O ruído por sua vez é resultado de sons que não possuem harmônicos comuns, ele é, portanto, um som

inapreciável (CONDILLAC, 1993, pg. 112).

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2.4 Sensações e Ideias da Visão

Com a visão a investigação deve suceder necessariamente como realizada com os

demais sentidos. Limitada a esse sentido a estátua não vê senão luz e cores. Ao abrir os olhos

pela primeira vez, a estátua percebe inúmeras cores e não nota nenhuma de modo particular.

Para Condillac, essa primeira atenção abarca todas as cores de uma maneira muito confusa

(CONDILLAC, 1993, I, § 2 pg. 102). Mas como poderá a estátua formar uma noção

particular de cor se as vê de modo confuso? A chave para essa resposta é dada pelo prazer que

atua enquanto critério de seleção e determinação da atenção.

A razão que leva a estátua a perceber uma cor em detrimento de outra, não tem qualquer

motivação teórica e sim prática (CASSIRER, 1993, III, pg. 148). Entre tantas cores, aquela

que for mais agradável, prazerosa, levará a estátua a conceder sua atenção. Nesse sentido, diz

Condillac, “a cor que ela distingue de maneira particular, que vê como que a parte: será

aquela para a qual o prazer irá determinar sua atenção com certo grau de vivacidade”

(CONDILLAC, 1993, I, § 3, pg. 103). Em síntese, o prazer estabelece as condições de

possibilidade para que a estátua diferencie as cores. Na medida em que seus olhos forem se

exercitando, a estátua notará cores diferentes. Ao conceder atenção durante algum tempo a

uma mesma cor, seus olhos se cansam. Podem cansar-se tanto pela vivacidade com que a cor

age sob os olhos quanto pelo fato dos olhos não conseguirem deter-se numa mesma posição.

Frente ao desconforto gerado por ambas as situações, seus olhos executam um movimento

maquinal e são atingidos por uma nova cor. Esse movimento que faz o olho, só se deterá

quando a estátua encontrar uma cor mais viva que seja mais agradável, diante dessa, seus

olhos repousam (CONDILLAC, 1993, § 2 pg. 102). Essa outra cor percebida apresentará para

estátua uma nova maneira de ser.

Nesse ponto, Mondolfo reconhece certa incerteza de Condillac com relação à visão. O

comentador defende a tese de que no Tratado das Sensações a visão ocuparia uma posição

intermediaria entre os dois grupos de sentidos. A posição intermediária da visão justifica-se

pelo fato desse sentido proporcionar à estátua, entre os atributos do mundo corpóreo, não a

solidez e sim a extensão – visto que as cores são extensas (MONDOLFO, 1963, pg. 37). No

entanto, cabe salientar, que essa extensão é percebida pela visão de maneira imprecisa, um

sentimento vago que não permite à estátua descobrir limite nos corpos ou discriminar

qualquer propriedade como as de comprimento, largura ou profundidade. A extensão latente

nas cores, não fornece a estátua nenhuma ideia de tamanho ou figura visto que essa extensão

não é captada por ela enquanto limite determinado. Nesse ponto, Madignier reconhece que em

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relação a essa questão é necessário distinguir duas coisas: “a intuição de extensão e a

percepção de um objeto figurado. A vista proporciona a primeira, somente o tato sugere a

segunda” (MADIGNIER, 1967, pg.15 apud LIÉBANA20

, 1999, pg. 306). Quanto a essa

questão, Liébana acrescenta que a visão confere ao cognoscente uma extensão vaga, confusa,

uma espécie de matéria de extensão. A visão não aporta nenhuma noção de situação nem

movimento. Para que a estátua tenha uma noção de situação é fundamental que ela veja um

objeto fixado em um ponto ou local determinado, e para formar noção de movimento, ela

precisa perceber a mudança desse objeto de um local a outro (LIÉBANA, 1996, V).

Dessa maneira, a capacidade visual ainda não permite configurar objetos. O que a

estátua vê não passa de manchas de diferentes cores. O transito dos objetos face aos seus

olhos são captados de maneira desorganizada, confusa, enquanto realidade subjetiva. Para

formar uma ideia de extensão não basta ver, é necessário aprender a olhar. No Tratado das

Sensações Condillac defende a tese de que existe uma diferença entre ver e olhar21

. Ver é

algo passivo, o ato de ver é necessário, mas não suficiente para que a estátua forme ideia de

extensão. Dessa maneira, ela precisa aprender a olhar. Olhar é uma atitude ativa que envolve

análise das diferentes partes que compõem um conjunto de sensações. O sentimento vago de

extensão só se tornará uma ideia para estátua quando ela discriminar diferentes qualidades nas

sensações que afetam seus olhos. Nesse processo o tato desempenha um papel fundamental,

pois, a sensação de solidez, como veremos, é a única que poderá levar a estátua a descobrir

corpos e formar uma ideia precisa de extensão. Portanto, o fato das cores ocasionarem um

sentimento vago de extensão, não garante que a estátua tenha ou forme uma ideia de

exterioridade.

Sendo assim, podemos reconhecer que a estátua restrita a visão não possui

conhecimento de nenhum objeto exterior. As ideias particulares de cor forjadas pela estátua

não são nada mais que suas maneiras particulares de ser. As ideias de contentamento,

descontentamento e belo – pois tudo que agrada a visão é belo nos diz Condillac –

caracterizam noções gerais e abstratas formadas por ela com base nesse sentido. As ideias

derivadas da visão não proporcionam qualquer ideia de espaço, objeto, posição, movimento

ou figura. O sentido da vista, como indica Liébana, “não tem qualquer primazia na ostentação

do espaço; se converte, como o resto dos sentidos, a exceção do tato, em subjetivo e

20

LIÉBANA, Ismael, Condillac: Conocimiento y mundo externo; Éndoxa: Series Filosóficas, n." 11, 1999, pp.

297-320. UNED, Madrid. 21

Aqui apena mencionamos essa distinção. Ao tratar do problema de Molineux, examinaremos essa diferença de

maneira mais detalhada. Não a realizo aqui para não antecipar questões que envolvem a relação da visão com o

tato.

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38

imanente” (LIÉBANA, 1996, II). As considerações de Condillac até aqui, não dizem nada

acerca da ideia de exterioridade muito menos fornecem qualquer prova acerca da existência

de uma realidade que seja absolutamente diferente da estátua. Todas as sensações que

examinamos até o momento não passam de meras modificações dos sentimentos.

2.5 Sensação e ideias do Tato

Privada dos demais sentidos, devemos imaginar a estátua limitada ao tato a fim de

examinar quais ideias derivam da sua atividade e se essas proporcionam algo de novo em

relação ao olfato, audição, paladar e visão. Nossa investigação acerca do tato reconhece, como

salientado por Bertrand, dois grupos de sensações táteis no Tratado das Sensações: o

primeiro, constituído pelo sentimento fundamental ligado ao movimento de respiração da

estátua e as sensações de calor, frio, frêmito nas entranhas. O segundo, diz respeito a sensação

de solidez ligada ao movimento próprio e ao contato dos objetos exteriores (BERTRAND,

2002, pg. 53). Sendo assim, dividiremos nosso exame acerca do tato em duas sessões: a

primeira, diz respeito ao tato e o sentimento fundamental; a segunda concerne o tato e a

sensação de solidez.

2.5.1Tato e sentimento fundamental

Restrita ao tato, a estátua existe a princípio por um sentimento uniforme derivado da

ação mútua das partes do seu corpo e principalmente pelo movimento da respiração. Segundo

Condillac esse seria o menor grau de sentimento a que se poderia reduzir a estátua. O filósofo

denomina esse menor grau de sentimento de sentimento fundamental (CONDILLAC, 1993,

II, § 1, pg. 117). Trata-se de uma condição extremamente passiva, a estátua existe em razão

desses sentimentos, digamos, orgânicos. Esse menor grau de sentimento comanda sua vida

animal. A estátua somente perceberá modificações no seu sentimento quando o ar quente ou

frio lhe afetar ou quando algo externo lhe causar algum impacto. Essas afecções modificam os

seus sentimentos percebidos por ela enquanto modificações do próprio eu (QUARFOOD,

2002, pg.140). Restrita a essas mudanças ela não forma uma ideia do corpo próprio ou de

corpos diferentes de si. Para que possa formá-las, é necessário um algo mais. Nesse sentido,

como é salientado por Mondolfo, o essencial não é o contato passivo senão o esforço ou

pressão ativa em que o tato sente a resistência, e opõe o que toca ao que é tocado; em outras

palavras, solidez (MONDOLFO, 1963, pg. 40).

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39

Diante dessas observações, podemos perceber que até aqui Condillac não está dizendo

nada de novo com base no tato. O sentimento fundamental ocasionado pelo tato não

proporciona nada além de meras modificações dos sentimentos da estátua. O movimento da

respiração assim como as sensações de calor ou frio, ou os impactos externos ocasionados a

estátua, não permitem a ela formar ideia de extensão. Nesse sentido, Mondolfo reconhece que

o tato tomado em si mesmo não é menos subjetivo que os demais sentidos, as impressões

percebidas não lhe fornecem qualquer ideia de extensão (MONDOLFO, 1963, pg. 38). Além

disso, afirma Condillac, ela não forma qualquer ideia de movimento, visto que ela ainda não

sabe que tem braço, que ele ocupa um lugar e pode mudar de posição (CONDILLAC, 1993,

II, § 2, pg. 119).

Visto que as sensações são conteúdos mentais, como é possível passar das sensações ao

conhecimento dos corpos22

? Essa questão é no mínimo espinhosa. Para dar conta da ideia de

exterioridade assim como de um mundo exterior independente da estátua, Condillac precisa

solucioná-la. Nessa direção, devemos examinar o segundo grupo de sensações ocasionadas

pelo tato.

2.5.2 Tato e sensação de solidez

Nesse grupo, a sensação de solidez bem como a noção de movimento irá nos fornecer a

chave para entendermos como a estátua aprenderá a conduzir seus movimentos e formar ideia

de corpo. Como vimos anteriormente, a estátua começa existir com o sentimento fundamental,

por essa razão, os seus primeiros movimentos não são uma escolha, e sim, obra da natureza.

Na presente seção, devemos imaginar a estátua de posse de todos os seus membros. A

princípio, os seus movimentos são executados sem qualquer intencionalidade, pois, ela ainda

não tem consciência do corpo próprio e dos corpos diferentes de si. Portanto, não se

movimenta de acordo a sua vontade. Por essa razão, caberá à natureza produzir os primeiros

movimentos nos membros da estátua.

Se a natureza fornece a estátua uma sensação agradável, a estátua poderá usufruir dela

conservando as partes do seu corpo em uma mesma posição. Nesse sentido ela tende muito

mais ao repouso do que ao movimento. Portanto, é natural que a estátua vivencie suas

sensações agradáveis em repouso. Por outro lado, é natural também que ela recuse uma

22

Para que a estátua possa conhecer os corpos é fundamental que as sensações produzam o fenômeno da

extensão. Com os sentidos até aqui analisados, incluído o sentimento fundamental derivado do tato, nenhuma das

sensações ocasionadas permitiram à estátua representar ou formar uma ideia de corpo, contíguo e extenso.

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40

sensação que lhe ocasione dor. Nesse caso, é consequência de sua organização que seus

músculos, contraídos pela dor, agitem seus membros, e que ela se mova sem ter essa intenção,

sem saber ainda que está se movendo (CONDILLAC, 1993, II, § 2, pg. 124).

Assim, fica estabelecido que os primeiros movimentos da estátua variam e, na medida

em que alternam, produzem sensações de prazer e de dor. Em meio a esses movimentos é por

acaso que ela toca seu corpo e toca os objetos diferentes de si. Esses primeiros toques, a

princípio fortuitos, conduzirão à estátua a descoberta dos corpos. Nesse ponto, vemos que o

tato aliado ao movimento já não pode ser considerado um tato passivo. O que a estátua tem

agora é um tato ativo que nada mais é do que o tato aliado ao movimento. Essa combinação é

condição de possibilidade para que a estátua descubra tanto o corpo próprio quanto os corpos

diferentes de si. Nessa direção, Mondolfo indica que “a sensação de esforço e de pressão ativa

do tato nasce do movimento. Do movimento Condillac faz nascer a sensação de solidez que

não aparece na estátua enquanto ela encontra-se imóvel e passiva” (MONDOLFO, 1963, pg.

38).

O movimento aliado ao tato encontra os corpos que lhe oferecem resistência. Graças ao

movimento o tato pode transmitir à consciência sensação de solidez redundando na descoberta

do corpo próprio e dos corpos do entorno (LIÉBANA, 1999, pg. 311). É com base na

sensação de solidez que a estátua julga que os corpos são impenetráveis. Nesse sentido,

Condillac reconhece que a impenetrabilidade é uma propriedade inferida e atribuída a todos

os corpos. A impenetrabilidade revela que o mesmo lugar não pode ser ocupado por vários

corpos: cada qual exclui todos os outros do lugar que ocupa. Quanto à impenetrabilidade,

cabe observar que o filósofo não a considera uma sensação já que não sentimos os corpos

impenetráveis. O que a estátua faz é julgar que os corpos são impenetráveis em consequência

das sensações que eles exercem sobre ela. Essa conclusão acerca da impenetrabilidade deriva

da sensação de solidez, pois, é com base nessa sensação que a estátua percebe os corpos se

excluírem de maneira recíproca, ela os percebe de maneira distinta, logo, julga que são dois

(CONDILLAC, 1993, II, § 3, pg. 125).

Ao julgar que os corpos são diferentes, fica evidente que os resultados cognitivos

proporcionados pela sensação de solidez percebida pelo tato não se restringem, como ocorre

com as sensações ocasionadas pelos demais sentidos, a meras modificações dos sentimentos

da estátua. Dessa maneira, fica estabelecido que o tato movente e a sensação de solidez

estabelecem as condições cognitivas que vão resultar no descobrimento dos corpos, corpo

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41

próprio e corpo diferente de si23

. Ao tocar o seu corpo a estátua começa a se reconhecer em

todas as partes que toca. Porque tão logo põe as mãos em uma delas, o mesmo ser sensciente

responde a si mesmo de uma parte a outra, sou eu, ainda sou eu (CONDILLAC, 1993, II, § 3,

pg. 125). Quanto a esse aspecto, Mondolfo expressa que essa noção de eu deriva dessa

espécie de diálogo entre as mãos e as outras partes do corpo tocado (MONDOLFO, 1963, pg.

39). Aqui o eu descobre-se circunscrito dentro de limites, e surge a consciência do corpo

próprio ou eu corporal.

Ainda em relação à descoberta dos corpos, Condillac considera que ao tocar os outros

corpos, o eu que sente as modificações em sua mão, não se sente modificado nesse corpo, se a

mão diz eu, ela não recebe a mesma resposta, o eu que antes respondia a si mesmo, cessa de

responder. Assim, a estátua julga esse corpo como algo externo a si (CONDILLAC, 1993, II,

§ 5, pg. 127). Aqui vemos, porque à sensação de solidez é única responsável pela origem da

ideia de exterioridade na estátua. Com ela as sensações deixam de ser meras modificações dos

sentimentos e passam a ser tomadas enquanto qualidades dos corpos externos. Cabe a

sensação de solidez conduzir à estátua a essa passagem de si para fora de si. É nesse momento

que vemos a estátua encontrar uma realidade diferente dela mesma. Nesse aspecto, Liébana

afirma que “essa oposição captada unicamente por via tátil revela a consciência a existência

de uma realidade, de uma ordem de entidades, que, opostas ao eu cognoscente, nada tem

haver com ele” (LIÉBANA, 1999, pg. 310). Esse é o trunfo de Condillac para dar conta da

ideia de exterioridade e sua contrapartida, isto é, a tese de que existe um mundo exterior24

independente do sujeito cognoscente. Dessa maneira pode-se pensar que Condillac cumpre25

a

exigência inicial de Diderot26

que considerava o idealismo um sistema absurdo, que deveria

ser denunciado. Aos olhos de Diderot, caberia a Condillac fazer tal denuncia.

No momento em que as sensações deixam de ser meras modificações do ser da estátua e

passam a representar objetos, ocorre que as próprias sensações percebidas pelo tato enquanto

23

Voltaremos a falar sobre essa distinção quando tratarmos nesse capítulo da ideia particular de objeto. 24

No quarto capítulo trataremos do valor e alcance dos conhecimentos sensíveis e de uma possível “prova” de

Condillac acerca da existência do mundo exterior. 25

No IV capítulo discutiremos essa questão a fim de examinar se de fato Condillac cumpre tal exigência. 26

São chamados idealistas esses filósofos que, não tendo consciência senão de sua existência e das sensações

que se sucedem dentro deles próprios, não admitem outra coisa: sistema extravagante que só podia ao que me

parece, dever seu surgimento aos cegos; sistema que, para vergonha do espírito humano e da filosofia, é o mais

difícil de combater, embora seja o mais absurdo de todos. Está exposto com tanta franqueza como clareza em

três Diálogos do doutor Berkeley. Seria conveniente chamar o autor do Ensaio sobre a origem dos

conhecimentos humanos para examinar essa obra: nela encontrará matéria para observações úteis, agradáveis,

finas e tais, como só ele sabe fazer. O idealismo merece ser denunciado; e essa hipótese tem como que incitá-lo

(DIDEROT, 2006, pg. 42-43).

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agradáveis27

ou desagradáveis serão relacionadas a esses corpos. As primeiras lhe ensinam

quais os objetos ela deve buscar; as segundas lhe ensinam quais devem ser evitados. Nota-se

aqui, que uma vez constituída a ideia de objeto, o prazer continua orientando a experiência

levando a estátua a buscar aqueles objetos mais agradáveis em detrimento daqueles que lhe

causaram sofrimento. Salienta-se ainda, que os prazeres vinculam a estátua aos objetos

externos que passam ser a finalidade dos seus desejos. Quanto a isso, Condillac afirma que

“os desejos, ao invés de concentrar nossa estátua em suas maneiras de ser, como acontecia

com os outros sentidos, arrastam-na continuamente para fora de si” (CONDILLAC, 1993, II,

§ 6, pg. 130). Ora, agora são seus próprios desejos que indicam para estátua que para além

dela existe algo.

Nesse ínterim, Condillac reconhece que “seu amor pelos corpos é efeito do amor que

tem por si mesma: sua única intenção ao amá-los, é a busca do prazer ou a fuga da dor; e é

isso que vai lhe ensinar a se conduzir no espaço que a estátua está começando a descobrir”

(CONDILLAC, 1993, II, § 7, pg. 130). Aqui podemos notar uma dimensão pragmática nas

ações da estátua. Seu interesse, seus desejos agora possuem algo específico que deve,

portanto, orientar sua experiência, suas ações. Nesse ponto vemos emergir a intencionalidade

dos movimentos da estátua. Somente depois que aprendeu a tocar, ela tornou-se capaz de

regular seus movimentos de acordo a sua vontade. Além disso, acrescenta-se que com o tato a

estátua torna-se mais curiosa, ela se movimenta e persegue aquilo que deverá contribuir para a

sua felicidade. Essa curiosidade proporcionada pelo tato se converte em peça fundamental do

desenvolvimento dos conhecimentos da estátua. Para Condillac, a curiosidade é uma espécie

de desejo acerca de algo novo. A estátua ao se movimentar faz descobertas, o hábito lhe

ensina, portanto, que poderá fazer outras (CONDILLAC, 1993, II, § 7, pg. 132). Ao encontrar

corpos, os prazeres ocasionados por esses faz com que a estátua dedique a eles mais atenção.

Por essa razão, defende Condillac, “a estátua forma ideias mais exatas sobre eles”

(CONDILLAC, 1993, II, § 1, pg. 134).

Ao tocar os corpos, ela forma ideias acerca da solidez, dureza, calor, etc. Forma ainda,

ideia de extensão, já que, como defende Condillac, “a mão possui essa vantagem de não poder

manejar um objeto sem notar sua extensão e o conjunto das partes que o compõe, ela o

circunscreve” (CONDILLAC, 1993, II, § 7, pg. 136). Dessa maneira podemos observar

porque privada do tato a estátua não poderia formar ideia de extensão. A sensação de solidez

ocasionada pelo tato é condição de possibilidade para que a estátua julgue os corpos extensos

27

Aqui cabe considerar que para Condillac as sensações táteis podem dar origem a ideia de belo, pois, tudo que

agrada ao tato é belo. É no mínimo curiosa essa concepção estética vinculada ao tato.

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e figurados. Um corpo, como define o filósofo, nada mais é do que “às percepções de

grandeza, solidez, dureza que a estátua julga reunidas, isso é algo que o tato revela e, para

formar tal juízo não é necessário dar a essas qualidades um sujeito, uma base, ou como dizem

os filósofos um substratum” (CONDILLAC, 1993, II, § 15, pg. 139). Nesse ponto, enfatiza-se

que Condillac evita tecer qualquer comentário que ultrapasse os limites da própria

sensibilidade. Aqui começa a se configurar as fronteiras e limites do conhecimento que se

adéquam a capacidade dos órgãos sensíveis. Essa nova realidade corpórea descoberta pela

estátua não revela a existência de uma substância. Nenhuma essência metafísica é captada,

somente as percepções que experimenta têm existência real. O conhecimento dos corpos se

reduz aos dados da sensibilidade (LIÉBANA, IV, 1996).

No que concerne ao desenvolvimento das ideias, devemos considerar ainda, que

concomitante a gênese da ideia de corpo, vai se desenhando uma espécie de geometria

rudimentar da estátua. Como vimos anteriormente, a estátua ao tocar os corpos os

circunscreve. Sendo assim, suas mãos assumem o formato do corpo que toca. Ora, é pela

comparação dos diferentes conjuntos formados pela reflexão que a estátua julga que nem

todas as figuras se assemelham e forma diferentes ideias acerca delas (CONDILLAC, 1993,

II, § 7, pg. 137). O tato dá origem à ideia de figura e consequentemente de grandeza. A ideia

de grandeza se estabelece a partir do momento em que o tato circunscreve às sensações dentro

de um limite. Ao estabelecer limite às sensações, temos a própria extensão percebida de

maneira determinada, o que permite a estátua formar ideia de corpo. Assim, a extensão deixa

de ser vaga e ilimitada como ocorre com a visão e passa a representar corpos e sua grandeza

específica, afinal, como mencionado, as mãos não podem tocar um corpo sem perceber sua

grandeza. Uma grandeza nada mais é do que um conjunto de sensações percebidas

simultaneamente pela estátua.

Uma vez fixada a ideia de grandeza, fundam-se as condições intelectuais que permitem

a estátua formar ideia de espaço. Para Condillac, a partir do momento em que a estátua

conhece uma grandeza específica ela tem um parâmetro que lhe permite medir outras; tem

como medir o intervalo que as separa, o intervalo que ocupam; numa palavra tem ideia de

espaço (CONDILLAC, 1993, II, § 24, pg. 143). Nesse ponto, vemos que Condillac não toma

o espaço com algo dado que se impõe e se estabelece por si. Muito menos o considera

estrutura universal ou forma a priori da sensibilidade. A sua explicação que dar conta da ideia

de espaço como algo derivado da experiência, ou seja, a posteriori.

Em síntese, com base nas considerações acima, podemos perceber as ideias específicas

derivadas do tipo de atenção proporcionada pelo tato. A estátua forma, por exemplo, ideias

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abstratas de extensão, figura, porque considera que essas ideias são comuns a diferentes

corpos. Essas noções abstratas, como observa Condillac, não se elevam até as noções de ser,

substância, essência, natureza; essas espécies de fantasmas palpáveis ao tato dos filósofos

(CONDILLAC, 1993, II, § 21, pg. 142). Cabe ainda mencionar que diferentemente dos

demais sentidos, a sensação de solidez é a única capaz de revelar para estátua a existência de

uma realidade diferente e independente de si. É através dela que Condillac encontra a chave

que permite solucionar a sua maneira o problema acerca do mundo exterior e combater o

idealismo atribuído à Berkeley.

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Capítulo III

Objeto e verdade

No capítulo anterior, com base nas sensações derivadas de cada sentido apresentamos o

desenvolvimento das diferentes ideias da estátua. Em relação a esse ponto, vimos que as

sensações proporcionadas pelo olfato, audição, paladar e visão engendram ideias particulares

e abstratas. Entretanto, tais ideias são incapazes quando consideradas isoladamente de

representar objetos. A possibilidade de representar objetos deriva da atividade. A partir da

análise do tipo de atenção derivada do tato, indicamos como Condillac explica a formação da

ideia de exterioridade e prova, a sua maneira, a existência de um mundo exterior independente

do sujeito. No presente capítulo, analisaremos em primeiro lugar a posição de Condillac frente

ao problema de Molineux. Em segundo lugar, investigaremos o desenvolvimento da ideia de

um objeto particular e o tipo de verdade derivada dessa. Em terceiro, examinaremos como a

ideia de um objeto origina ideias gerais e abstratas e que tipo de verdade deriva dessa última.

3.1Visão e Tato: O problema de Molineux

Em uma síntese que faz acerca dos problemas que tratam a psicologia e a teoria do

conhecimento do século XVIII, Cassirer defende que todas as pesquisas deságuam em um

problema teórico fundamental: o problema de Molineux28

(CASSIRER, 1993, III, pg. 153).

Na tentativa de resolvê-lo, tiveram início uma série de investigações cientificas e filosóficas

que duram até os nossos dias29

. As questões são variadas: as experiências que fizemos num

dos nossos setores sensoriais nos permitem constituir um setor de conteúdo qualitativamente

diferente e de outra estrutura especifica? Haverá uma conexão interna que nos permita passar

diretamente de um setor a outro, por exemplo, do mundo tátil ao mundo visível30

? A conexão

entre aquilo que percebemos com o tato e com a visão se da de maneira empiricamente

aprendida ou trata-se de algo inato, a priori?

28

Molineux escreveu uma carta a Locke, em que propunha o seguinte problema, apresentado por Locke na sua 2ª

edição do Ensaio sobre o entendimento humano. O problema consiste no seguinte: “Um cego de nascença que

tivesse adquirido, graças à experiência do tato, o conhecimento exato de certas formas corporais e que pudesse

apontar com segurança as diferenças entre elas, continuaria possuindo esse mesmo dom de distinção depois que

uma feliz operação lhe proporcionasse o sentido da visão e ele tivesse que passar a julgar essas mesmas formas

com base em dados puramente ópticos? Poderá ele distinguir de imediato, por meio da visão, um cubo de uma

esfera, ou terá que realizar um longo e difícil esforço de conciliação antes de chegar a estabelecer a ligação entre

as impressões táteis e a forma visível de um e de outro volume?” (CASSIRER, III, 1993, pg. 154). 29

Sobre essa consideração ver artigo: Liébana, I.M. El ciego de Molyneux: un problema metafísico sobre

interconexión sensorial. Contextos XVII-XIII/33-36, 1999-2000, pg. 153 a 173. 30

Ver Cassirer. A filosofia do ilumisimo. Campinas: Ed. Unicamp, 1994, pg. 153-187.

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Feitas essas observações gerais acerca do problema de Molineux, podemos indicar que

entre as inquietações filosóficas de Condillac o problema mencionado tem seu lugar, afinal,

foi objeto de pesquisa em duas de suas obras: Ensaio sobre a origem dos conhecimentos

humanos (1747) e Tratado das Sensações (1754). Quanto a essa questão, chama atenção que

em cada um dos textos o filósofo apresenta uma posição diferente acerca do problema,

prevalecendo essa última exposta no Tratado das Sensações objeto de nossa investigação. Na

presente seção, examinaremos a posição de Condillac no Tratado das Sensações sem deixar

de tecer alguns comentários acerca da posição adotada pelo filósofo no seu Ensaio sobre a

origem dos conhecimentos humanos.

No Tratado das Sensações, ao começar a tratar do sentido da visão Condillac tece

algumas considerações preliminares dedicadas, segundo ele, a combater preconceitos acerca

desse sentido. Para o filósofo, afirmar que o olho não é capaz de ver um espaço fora de si

pareceria algo extraordinário aos leitores. Esse espanto teria uma razão, o hábito. Para o

filósofo temos o hábito de julgar com a visão os objetos a nossa volta que dificilmente

imaginaríamos como de fato teríamos julgado assim que nossos olhos se abriram à luz. Mas,

frente a preconceitos dessa natureza, a filosofia dá um novo passo. A novidade da filosofia diz

respeito à descoberta de que as nossas sensações não são qualidades próprias dos objetos, e,

pelo contrário, não passam de modificações da nossa alma (CONDILLAC, 1993, § 1 pg. 101

- 102). Diante disso, podemos admitir que os preconceitos a serem combatidos por Condillac

dizem respeito aos seus próprios. Afinal, a tese defendida por Condillac no Tratado das

Sensações acerca da visão difere daquela defendida no seu Ensaio sobre a origem dos

conhecimentos humanos. Nesta última, Condillac assegura que os olhos percebem

diretamente luz, cores, extensão, tamanhos, etc. (CONDILLAC, 2010, §, 13, pg. 127). Nesse

sentido, Bertrand observa que a tese de Condillac no Ensaio sobre a origem dos

conhecimentos humanos é a de que todas as nossas sensações são representativas nelas

mesmas (BERTRAND, 2002, pg. 31). Ou seja, as sensações visuais podem captar diretamente

o espaço, forma e extensão.

Diferentemente dessa, o Tratado das Sensações expõe o giro dado por Condillac no que

concerne à visão e em última instância, ao poder de representação das sensações. Nessa obra

as sensações deixam de ser representativas por si sós e passam a ser tomadas, quando

consideradas de maneira isolada, como não representativas. Dessa maneira, a própria

representação é resultado de uma construção, de um fazer. Como indica Charrak, a função

representativa no Tratado é conquistada a partir de certo momento da gênese. Ela requer certo

nível de complexificação da experiência: ela requer o dinamismo do tato (CHARRAK, 2003,

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pg. 34). Portanto, reduzida à visão, a estátua encontra-se desprovida do sentimento de

exclusão entre o interior e o exterior que estabeleceria as condições de possibilidade para que

ela analisasse suas próprias sensações (BERTRAND, 2002, pg. 33). No Tratado das

Sensações, a total subjetividade31

do sentido da visão é demonstrada de maneira minuciosa

por Condillac. Entretanto, não basta admitir, como vimos, que a visão nota unicamente luz e

cores, é necessário demonstrar essa tese.

Nessa direção o filósofo começa antecipando possíveis objeções para em seguida

desenvolver seus argumentos. Mas bem sabemos, diz Condillac, que não é possível conceber

cor sem extensão. Por essa razão, poderíamos concluir que a estátua sente-se extensa. A

sensação de cor é uma sensação extensa logo “ela oferece extensão à alma que modifica,

porque ela mesma é extensa, é impossível conceber cor sem extensão. Mas essa extensão

acrescenta Condillac não é nem superfície nem grandeza determinada” (CONDILLAC, 1993,

I, § 8, pg. 106). Não poderia ser superfície, pois a estátua ainda não formou ideia de sólido

(CONDILLAC, 1993, I, § 8, pg. 107). Se não é superfície muito menos será uma grandeza

determinada, já que uma grandeza nada mais é do que uma extensão circunscrita dentro de

limites. Restrita à visão a estátua não pode formar ideia de limite. Sendo assim, o eu da

estátua limitada a esse sentido nada mais é do que meras modificações ocasionadas pelas

cores que vivencia. Quanto a esse aspecto, diz Condillac:

Ora, o eu da estátua não poderia se sentir circunscrito dentro de limites. Ele é

ao mesmo tempo todas as cores que o modificam simultaneamente; e como

ele não vê nada além, não poderia se perceber circunscrito; por ser

modificado ao mesmo tempo por várias cores e se encontrar igualmente em

cada uma delas, ele se sente extenso; e por não perceber nada que o

circunscreva, ela tem um sentimento vago de extensão: é para si uma

extensão sem limites. Parece-lhe repetir-se sem fim; e não conhecendo nada

para além das cores que julga ser ele é para si como se fosse imenso: é tudo e

está por toda parte (CONDILLAC, 1993, I, § 8, pg. 107).

Com base no trecho acima, fica estabelecido, primeiro, o caráter imanente do sentido

da vista no Tratado das Sensações logo, sua diferença com o Ensaio sobre a origem dos

conhecimentos humanos no qual as sensações visuais eram tomadas enquanto representativas

por si sós; segundo, que a ausência da ideia de limite, impede qualquer juízo acerca de algo

percebido como diferente de si. A ideia de limite é, portanto, condição de possibilidade da

representação de qualquer realidade extramental. Posto isto, temos montado o cenário que vai

nos dar a chave para compreender a posição de Condillac acerca do problema de Molineux.

31

Dizer que a visão é um sentido subjetivo diz respeito a sua impossibilidade de representar.

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Antes, examinemos um pouco mais as considerações de Condillac que segue antecipando

objeções ao tratar da visão. Visto que com a visão a estátua percebe cores, logo percebe

extensão. A extensão que lhe parece imensa, desenha figuras. A estátua acreditará ser essas

figuras? Terá ideias de figuras tão logo tem as sensações de cor? (CONDILLAC, 1993, I, § 8,

pg. 107). Nesse sentido, diz Condillac:

Uma sensação encerra tal e tal ideia: portanto, temos essas ideias tão

logo temos essa sensação. Aí esta uma conclusão que os maus

metafísicos nunca deixam de tirar. No entanto, não temos todas as

ideias encerradas em nossas sensações; temos apenas as que sabemos

nelas notar (...). As figuras, supomos nós, estão encerradas nas

sensações que ela experimenta. Mas nossa experiência nos demonstra

suficientemente que não temos todas as ideias que nossas sensações

trazem consigo. Nossos conhecimentos se limitam exclusivamente às

ideias que aprendemos a notar. (CONDILLAC, 1993, I, § 8, pg. 107 -

108).

Aqui está posta uma distinção importante entre ver e notar. Ver não garante que a

estátua forme ideias. Ver é algo que se impõe, possui, portanto, uma dimensão passiva

caracterizada pela afecção sensível dos olhos. Portanto, ver não implica necessariamente ter

uma ideia disso que se vê. Por outro lado, notar algo nas sensações, formar uma ideia disso

que se vê requer uma atitude ativa, um aprendizado, resulta de um fazer. Dessa maneira,

Condillac defende, como mencionado anteriormente, a tese de que existe uma diferença entre

ver e olhar. Nesse sentido, diz ele “parece-se ignorar que existe diferença entre ver e olhar; e,

no entanto não formamos ideias tão logo vemos; formamo-las apenas quando olhamos com

ordem e método” (CONDILLAC, 1993, I, § 8, pg. 173). Para o filósofo a estátua vê tudo que

exerce impressão aos seus olhos, o que ela deve agora é aprender a olhar. Nesse ponto se

articulam necessariamente tato e visão. Aqui Condillac nos dá a chave para compreendermos

como se realiza esse aprendizado que permite conciliar a partir da experiência os dados da

visão com os dados do tato, ou seja, trata-se de uma conexão a posteriori.

Formar uma ideia disso que se vê requer uma cooperação entre os diferentes sentidos.

Nesse ponto, chamo atenção para o papel que desempenha o tato enquanto sentido

responsável por educar os demais sentidos. Compete ao tato a tarefa de ensinar os demais

sentidos a relacionar suas sensações aos corpos externos. Em relação à visão, o tato ensina os

olhos a regular seus movimentos – o movimento dos olhos como revindica Mondolfo põe em

jogo sensações de ordem tátil, cinestésica (MONDOLFO, 1963, pg. 39). Mondolfo

problematiza a própria natureza do movimento ocular enquanto elemento tátil cinestésico algo

não mencionado por Condillac ao tratar da visão. A coordenação do movimento dos olhos

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requer um aprendizado, um condicionamento dado pelo movimento das mãos. O olho, como

defende Condillac, “precisa do auxílio do tato para formar o hábito dos movimentos próprios

à visão” (CONDILLAC, 1993, III, § 2, pg. 171). Dessa maneira a estátua relacionará suas

sensações visuais aos corpos entendidos enquanto conjunto de qualidades sensíveis. Assim

poderá analisar as diferentes sensações que compõe esse conjunto e formar um juízo acerca de

cada uma dessas. Nesse ponto salientamos o trânsito das sensações visuais que deixam de ser

não representativas e passam a ser representativas graças ao auxílio do tato32

. É por meio do

tato que as demais sensações ganham valor objetivo e referencial. Através da resistência que

se oferecem os corpos – resistência apreendida pelo tato – o tato remete as demais sensações

ao exterior. Assim, as sensações de cheiro, cor, som, sabor deixam de ser meras modificações

da alma e passam a ser qualidade dos objetos.

Portanto, aprender a olhar envolve um aprendizado, ele requer análise e síntese. A

reflexão proporcionada pelo tato forma conjuntos estáveis de diferentes qualidades sensíveis.

As mãos guiam os olhos. Com o auxílio do tato, a visão analisa as diferentes sensações que

compõe o conjunto figurado representado pelo tato. Ela analisa, forma um juízo de cada uma

dessas partes e passa a reconhecer por si aquilo que o tato representa. Nesse sentido, diz

Condillac, “é preciso que nossos olhos analisem: pois não captarão o conjunto da figura

menos composta possível a menos que tenha observado cada parte em separado, uma após

outra na ordem que mantêm entre si (CONDILLAC, 1993, III, § 6 pg. 173).

Nesse ponto, o que está em jogo é uma construção a posteriori da estrutura da

sensibilidade que redunda na configuração empírica da realidade mental e extramental da

estátua. Esse modo de apreensão dos dados sensíveis se consolida por ocasião dos hábitos que

se seguem a um juízo. Hábitos aprendidos que serão mantidos e repetidos com a experiência.

Nesse curso de estruturação da sensibilidade, explicita-se o papel que desempenha o juízo

enquanto operação mental, não discursiva, que permite à estátua organizar os dados da

sensibilidade. Nesse processo, destaca-se uma dimensão passiva que consiste na recepção dos

conteúdos derivados de cada sentido específico. Por outro lado, salienta-se um aspecto ativo,

que consiste nesse movimento de organização das ideias no âmbito mental com base na

análise e síntese no qual subjazem os juízos anti-predicativos. A representação do mundo é

resultado dessa combinação entre pensamento e percepção sensível.

Feitas essas considerações, temos os elementos teóricos necessários para explicitar a

posição de Condillac em relação ao problema de Molineux no Tratado das Sensações. Nossa

32

Aqui mostramos como que as diferentes sensações ao serem reunidas fornecem as condições necessárias para

que a estátua represente objetos, forme uma imagem desses.

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estátua, por exemplo, só poderá diferenciar um globo de um cubo depois de ter aprendido com

o tato a julgar e relacionar suas sensações aos corpos. Ao ver um globo pela primeira vez esse

círculo que se vê não será para ela nada mais que sombra e luz. Podemos afirmar, portanto,

que ela não vê de maneira distinta um globo. É necessário aprender a julgar esse relevo. Nesse

sentido, diz Condillac “mas ela toca, e como aprendeu a ter com a visão os mesmos juízos que

tem com o tato, esse corpo assume sob seus olhos o relevo que tem sob suas mãos”

(CONDILLAC, 1993, III, § 11, pg. 175). Semelhante ao que ocorre no aprendizado do globo

se aplica ao cubo. Por conseguinte, diz Condillac:

A estátua aprenderá igualmente a ver um globo no momento em que tendo

seus olhos estudados as impressões que recebem no momento em que a mão

sente os ângulos e as faces dessa figura, ela contrai o hábito de notar contrai o

os mesmos ângulos e as mesmas faces nos diferentes graus de luz, e só então

discernirá um globo de um cubo (CONDILLAC, 1993, III, § 11, pg. 175).

Dito isto, reforçamos que para Condillac a possibilidade de formar uma ideia acerca de

objetos requer uma ligação entre ideias que implica uma colaboração recíproca entre os

diferentes sentidos. Fica evidente, portanto, que tato e visão caracterizam campos sensoriais

distintos cujos dados sensíveis se conectam entre si permitindo a estátua representar um globo

e um cubo a partir da experiência. Assim, podemos concluir, e essa é a posição de Condillac,

que o cego de Molineux, após uma bem sucedida operação, não distinguiria com os olhos

àquilo que antes diferenciava com o tato. A distinção entre um globo e um cubo implica um

aprendizado de conjuntos no qual o tato cumpre papel decisivo. Frente a essas considerações,

pode-se apontar que a resolução desse problema ganha no Tratado das Sensações uma

configuração diferente daquela que Condillac havia defendido no seu Ensaio sobre a origem

dos conhecimentos humanos.

No Ensaio, Condillac defende que o cego de nascença ao começar enxergar

“distinguiria, pois, a simples vista um globo de um cubo, porque reconheceria as mesmas

ideias que se haviam formado pelo tato” (CONDILLAC VI, 2010). Mesmo depois do

resultado da cirurgia de catarata bem sucedida em um cego de nascença feita por Cheselden

em 1729, na qual o cego passa a enxergar e não reconhece com os olhos aquilo que antes

diferenciava pelo tato, Condillac não vê aí motivos para mudar de posição. Para ele o cego só

não enxerga pelo fato da córnea e do cristalino estarem muito pouco exercitados já que não

eram utilizadas por pelo menos 14 anos – idade do paciente operado. Para o filósofo, bastava

que lhes desse algum tempo mais para que com base na reflexão ele conseguisse reconhecer

com os olhos aquilo que antes reconhecia com o tato (CONDILLAC, 2010). Nesse ponto, fica

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evidente as diferentes soluções dadas para o mesmo problema teórico por Condillac. Em

relação a essa questão, Chottin33

lança luz ao marcar que a diferença entre esses dois textos se

baseia em duas concepções distintas acerca da aprendizagem sensorial (CHOTTIN, 2008, pg.

48).

No Ensaio sobre a origem dos conhecimentos humanos, defende Chottin, a primeira

concepção de aprendizagem sensorial diz respeito a um aprender ver. A tese de Condillac no

Ensaio como já vimos, é que os olhos julgam naturalmente, figuras, grandezas, extensão.

Privado da visão, o cego de Molineux precisa aprender a servi-se dos seus olhos. Ao abrir os

olhos, é necessário aplicar sua reflexão, decompor seu entendimento em elementos simples a

fim de sentir as diferentes figuras que os objetos lhe ocasionam. A reflexão, portanto, faria

com que o cego reconhecesse com os olhos aquilo que já conhecia com o tato – com base

nesse argumento Condillac não admite que os resultados da cirurgia de Cheselden pudessem

infirmar sua tese sobre visão. O cego precisa aprender a ver mediante a reflexão que lhe

auxilia na atualização das sensações (CHOTTIN, 2008, pg. 52-53). Nessa obra podemos

salientar que Condillac recusa a possibilidade de qualquer juízo antipredicativo,

inconsciente34

, que se assemelhem aos hábitos.

Diferentemente dessa, no Tratado das Sensações, como aponta Chottin, temos outra

concepção de aprendizagem sensorial. Trata-se de um aprender a olhar e não mais, um

aprender a ver. O modelo de aprendizagem sensorial adotado no Tratado das Sensações se

opõe em sentido forte ao modelo de aprendizagem sensorial defendido por Condillac em sua

obra anterior. No Tratado das Sensações o sentir é algo instantâneo e passivo – as ideias não

nos são dadas a simples vista. Para formar uma ideia, como vimos, é necessário aprender a

olhar, processo no qual o tato desempenha papel relevante. O tato confere as sensações

visuais uma dimensão representativa (CHOTTIN, 2008, pg. 63). Como vimos, os sentidos

atuam concomitantemente para formar ideia de globo, cubo, figura etc. A tese de Condillac

aqui é a de que ocorre uma aprendizagem recíproca entre os sentidos no qual o tato

desempenha um papel fundamental na instrução dos olhos que com o auxílio do tato aprende

a olhar, revelando assim, uma especificidade do seu empirismo. Por fim, cabe salientar que os

juízos inconscientes que Condillac negava no seu Ensaio correspondem no Tratado das

33

Ver artigo Chottin, M. « Apprendre à voir, apprendre à regarder »Les deux conceptions de l’apprentissage

sensoriel chez Condillac. Philonsorbonne 48/169 n° 2/Année 2007-08, pg. 47-169. 34

A expressão inconsciente não possui conotação psicanalítica. O inconsciente aqui corresponde ao hábito que nada mais é do que a facilidade de se fazer o que se faz sem que tenhamos clareza dos juízos que lhes mantêm. Nesse sentido, Condillac recusava que pudessem existir juízos que regulassem nossas ações e não fossem percebidos por nós.

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Sensações aos hábitos desenvolvidos, consolidados nos primórdios da experiência e que, por

essa razão são tão difíceis de serem percebidos.

3.2 Sensações e ideia particular de um objeto

Para examinar como a estátua forma ideias particulares de objeto, vamos retomar

algumas das considerações feitas até o momento. No segundo capítulo, salientamos que

Condillac diferencia as ideias em dois tipos: sensações e ideias intelectuais. As sensações

resultam da afecção dos órgãos sensíveis e distinguem-se em simples e compostas. As ideias

intelectuais, não são nada mais que lembrança dessas sensações. Semelhante ao que ocorre

com as sensações simples, as ideias intelectuais simples são incapazes de representar objetos.

De modo diverso, as sensações compostas adquirem essa possibilidade graças ao papel do tato

que introduz a noção de limite. Com base nessa, o sujeito desenvolve a capacidade de reflexão

e pode formar conjuntos estáveis dando unidade à multiplicidade de qualidades sensíveis

apresentadas anteriormente de maneira desordenada. Os conjuntos assim constituídos passam

a representar objetos.

Posto isto, estamos autorizados a afirmar que de maneira geral, ideias simples, tanto as

sensíveis quanto as intelectuais, não referem objetos. Essa tese, assim formulada, indica a

impossibilidade da visão, audição, paladar e olfato, considerados isoladamente, representarem

objetos já que, os tipos de atenção por eles ocasionados, não permitem a estátua formar

qualquer noção de exterioridade. Essa consideração pode ser sintetizada na seguinte

afirmação de Mondolfo “com os quatro sentidos subjetivos a estátua de Condillac não pode,

nem ao começo nem ao final de todo desenvolvimento da sensação transformada, sentir e

conhecer outra coisa, senão a si mesma e suas maneiras interiores de ser” (MONDOLFO,

1963, 6º, pg. 37). De maneira mais específica, as sensações simples não garantem qualquer

conhecimento de objetos, pois não permitem à estátua diferenciar o eu do não eu. O

conhecimento de uma realidade exterior a estátua, como vimos, deriva das sensações

compostas capazes de apresentar conjuntos de diferentes qualidades percebidas

simultaneamente pela estátua. Essas sensações são as únicas que podem levá-la a representar

objetos e exterioridade.

Como vimos, Condillac outorga papel cognitivo importante ao tato, cujo tipo de

atenção por ele proporcionada permite à estátua formar noção de exterioridade, e

consequentemente ideias de objetos, pois da sua atividade derivam as ideias de solidez,

grandeza, figura, condição de possibilidade para julgar objetos exteriores. “O trânsito do

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interior para o exterior, do mundo subjetivo para o objetivo da extensão a solidez, não pode,

segundo Condillac, ser oferecido, senão pelo tato, que é, portanto, o sentido da realidade”

(MONDOLFO, 1963, 6º, pg. 37). Nesse ponto, salienta-se que, o tipo de atenção

proporcionada pelo tato se diferencia daquela proporcionada pelos demais sentidos. Nessa

perspectiva, Liébana afirma que:

Apenas o tato (pois só ele é capaz de resistência) pode apreender

originariamente o externo. Só ele, portanto, constitui perceptualmente

o mundo, dando-lhe sentido e significado cognitivo. Nem a vista, nem

os outros sentidos podem captar originariamente a ordem do material,

porque nenhum deles pode transmitir ao cognoscente a sensação de

solidez. (LIÉBANA, 1996, III).

Assim, nota-se que a atividade tátil se converte em via de acesso a uma realidade

independente do sujeito. Nesse sentido, como defende Liébana, “O eu, privado até agora de

toda relação extra-subjetiva, faz o salto para o objetivo, abrindo-se para uma ordem de

realidade insuspeitada até agora para ele” (LIÉBANA, 1996, V). Como examinamos, essa

passagem ao extra-subjetivo distingue o eu privado do objeto (eu /não eu), nessa

diferenciação, o tato é fundamental, pois, ao determinar limite aos corpos derivam tanto à

ideia de corpo próprio (ser sensciente) quanto à ideia de corpos exteriores (solidez, grandeza,

figura). Essa diferenciação decorre da sensação de solidez percebida através do tipo de

atenção proporcionada pelo tato. A impenetrabilidade – entendida como a impossibilidade de

dois corpos ocuparem o mesmo lugar – é uma propriedade inferida e atribuída a todos os

corpos. Assim, a impenetrabilidade não é uma sensação. A solidez é a sensação de onde

extraímos tal consequência, porque é devido aos corpos que se comprimem, da resistência que

se oferecem percebemo-los enquanto diferentes, distintos. “A impenetrabilidade não é uma

sensação, não sentimos propriamente os corpos impenetráveis, o que fazemos é julgar que o

são, e esse juízo é consequência das sensações que eles exercem sobre nós” (CONDILLAC,

1993, II, § 3, pg. 125).

Nesse sentido, destaca-se que a sensação de solidez consequência exclusiva do tipo de

atenção proporcionada pelo tato, contribui de maneira decisiva para formação da ideia de

corpo que permitem ao sujeito diferenciar o eu do não eu (através do movimento e

resistência). Nesse processo, Condillac afirma que “levando a mão a si ela não descobrirá que

tem corpo, exceto quando distinguir suas diferentes partes e se reconhecer em cada uma delas

como sendo o mesmo ser sensciente” (CONDILLAC, 1993, II, § 2, pg. 125). Formada a

noção de um eu sensciente – que responde a si mesmo ao tocar-se –, instauram-se as

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condições cognitivas para que a estátua perceba a si como diferente dos objetos. Assim, ao

tocar “um corpo estranho o eu que se sente modificado na mão, não se sente modificado nesse

corpo (...). Com isso a estátua julga as maneiras de ser de tal corpo totalmente externas a si”

(CONDILLAC, 1993, II, § 5, pg. 127). Nesse ponto, destaca-se o movimento pelo qual a

estátua faz a passagem de si para fora de si, caracterizando assim, uma distinção entre sujeito

e objeto a partir dos limites estabelecidos a cada um desses – limite determinado, sob o qual

cada um responde. Nessa perspectiva, o filósofo afirma que:

Quando várias sensações distintas e coexistentes são circunscritas pelo

tato dentro de limites em que o eu responde a si mesmo, ela toma

conhecimento de seu corpo; quando várias sensações distintas e

coexistentes são circunscritas pelo tato dentro de limites em que o eu

não responde a si, ela tem a ideia de um corpo diferente do seu. No

primeiro caso, suas sensações continuam a ser qualidades suas; no

segundo, tornam-se as qualidades de um objeto totalmente diferente

(CONDILLAC, 1993 II, § 7, pg. 127).

Por conseguinte, uma vez constituída a ideia de limite – que deriva da atividade tátil –,

instaura-se as condições de possibilidade para o surgimento da reflexão – em seu sentido

específico no modo como Condillac a entende – capaz de representar objetos enquanto

conjuntos estáveis de diferentes qualidades sensíveis, aos quais se atribui objetividade. Dessa

maneira, salienta-se que tanto a noção de limite quanto à atenção proporcionada pela reflexão

fornecem a chave para entendermos como o sujeito forma ideia de objetos. A reflexão permite

comparar e discernir diversos conjuntos de qualidades sensíveis, sendo cada um pensado em

sua unidade como um objeto. O movimento das mãos permite uma forma de contato e de

autocontato muito particular que origina essa atividade comparativa (BERTRAND, 2002, pg.

43). Acerca das especificidades da atenção tátil e gênese da reflexão, o autor observa que:

A atenção tátil combina sensações, forma conjuntos exteriores,

compara um objeto a outro, compara-os sobre diferentes relações, é

com o tato que ocorre a reflexão. Assim, os efeitos da atenção tátil

diferem do tipo de atenção apresentada pelos demais sentidos; pois ao

combinar sensações constituem-se conjuntos exteriores, o sujeito faz

comparações de um objeto a outro caracterizando assim, a reflexão

(CONDILLAC, 1993, II, § 14, pg.139).

A análise da atenção tátil revela duas consequências cognitivas que se impõem a

estátua. A primeira, diz respeito a uma capacidade de compor objetos com base na

multiplicidade de sensações; a segunda dessas consequências aponta para a evidência de algo

exterior a ela. Posto isso, observa-se que na perspectiva genética acerca do desenvolvimento

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das ideias como propõe Condillac, a primeira ideia de objeto forjada pela estátua diz respeito

a uma ideia particular de objeto que corresponde, a rigor, a um objeto externo individual.

Desse modo, devemos considerar que “a ideia particular, quando um objeto se faz presente

aos sentidos, é a coleção de varias qualidades que se mostram juntas. A ideia de certa laranja é

a cor, a forma, o sabor, o odor, a solidez, o peso etc.” (CONDILLAC, 1993, IV, § 2, pg. 227).

Essa ideia deriva da atividade reflexiva que proporciona uma atenção simultânea a diferentes

ideias simples, originadas dos diferentes sentidos julgadas em um limite determinado.

Nesse ponto, explicita-se que para Condillac é a partir da experiência que a estátua

desenvolve uma estrutura de percepção que permite a ela conhecer objetos. A ideia de objeto

só é formada quando diferentes qualidades sensíveis são captadas unificadas em um limite

determinado. Pode-se dizer que o tato guia os demais sentidos, permitindo a estátua julgar

diferentes qualidades sensíveis como partes de todos discerníveis entre si, relacionando,

assim, suas sensações a corpos exteriores. Quanto a essa questão, Monzani afirma “há,

portanto, um verdadeiro aprendizado dos sentidos, e, sobretudo, um aprendizado recíproco,

pelo qual se constitui e se constrói o objeto de percepção35

” (MONZANI, 2011, IV, pg. 223).

Em relação à noção de limite, podemos reconhecer que ela converte-se num padrão sob

o qual os objetos são determinados. Tal noção torna possível ordenar a multiplicidade de

qualidades sensíveis dotando a realidade externa à estátua de certa estabilidade e organização,

permitindo a ela notar diferenças entre objetos. Essas considerações indicam que para

Condillac não existe qualquer estrutura da sensibilidade a priori que determine a forma como

o sujeito percebe objetos. Esse ponto destaca aspectos do seu empirismo radical, ao

reconhecer que a percepção de objetos depende de uma capacidade e de um aprendizado que

se originam, em último caso, da experiência – ou seja, são capacidades adquiridas. A noção de

limite, portanto, se estabelece e se impõe como elemento determinante na estruturação e

organização da sensibilidade, eis o crivo a partir do qual um objeto é concebido.

Nesse sentido, podemos notar como se constrói a ideia de um objeto externo enquanto

realidade mental para estátua. De maneira geral, só é possível pensar em um objeto

subordinado necessariamente a um sujeito cognoscente. Na esteira do sujeito cognoscente, um

objeto só pode ser percebido ou concebido quando diferentes qualidades sensíveis são

reunidas, combinadas e julgadas em um limite circunscrito. Portanto, perceber um objeto

pressupõe por um lado a coordenação dos dados dos diferentes sentidos; por outro, pensar

35

Monzani revindica haver um tipo de construtivismo em Condillac que até hoje não foi dada atenção.

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nesse objeto supõe conexão estável entre ideias simples unificadas pela reflexão, capaz de

formar unidades estáveis de diferentes qualidades sensíveis aos quais se atribui objetividade.

Em síntese, a partir dos aspectos mencionados, explicita-se a formação da ideia

particular de um objeto externo enquanto realidade mental. Por outro lado, pode-se afirmar

que as experiências de objeto proporcionadas pelas sensações correspondem na realidade à

experiência particular de objetos individuais. Embora Condillac não diga expressamente que

só podemos conhecer objetos particulares, não resta dúvidas que no Tratado das Sensações

subjaz a tese de que com base na sensibilidade somente conhecemos indivíduos.

3.2.1 Ideias sensíveis e verdades

Para Condillac as ideias particulares de objetos sensíveis são ideias confusas. Uma ideia

confusa deve ser entendida aqui como uma ideia que não representa de maneira distinta todas

as qualidades do objeto. A estátua se relaciona com os objetos por razões práticas que visam à

sobrevivência. Nesse sentido, as qualidades notadas nos objetos se relacionam diretamente

com as suas necessidades. Ou seja, ela nota, supervaloriza certas qualidades em detrimentos

de outras. E se por alguma razão a estátua considera que não existe diferença entre os objetos,

isso é consequência da maneira confusa com que ela vê (CONDILLAC, 1993, IV, § 11, pg.

230). As ideias sensíveis e confusas originam um tipo de verdade. Nessa direção, podemos

considerar, por exemplo, uma situação em que a estátua observa e forma um juízo acerca dos

corpos. Ora, se ao observar um corpo ela julga que esse corpo é quadrado, triangular,

redondo, etc. tal juízo poderá se tornar falso visto que os corpos mudam de figura. Por essa

razão Condillac defende que a estátua perceberá verdades que mudam ou podem mudar

(CONDILLAC, 1993, IV, § 13, pg. 231).

Nesse ponto, é possível observar que Condillac forja uma noção de verdade a posteriori

que não pressupõe linguagem teórica. Por essa razão, estamos autorizados a dizer que as

ideias sensíveis fundam verdades contingentes para estátua. Tais verdades não caracterizam

verdades absolutas já que ela percebe que seus juízos, como vimos, podem mudar por ocasião

da própria alteração dos corpos, ou melhor, dos fatos do mundo. No que concerne aos juízos,

cabe salientar que eles não se referem a definições da linguagem. Portanto, não dizem respeito

a uma racionalidade teórica e sim prática que esta a serviço em última instância da

preservação da vida. Os juízos formados pela estátua se dão com base na comparação entre

ideias nas quais ela julga semelhanças e diferenças e, por ocasião da comparação, percebe que

os corpos mudam. Nesse ponto, salienta-se que para Condillac uma ideia nada mais é do que

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uma imagem. Como bem expressa em sua Lógica “as sensações, consideradas como

representando os objetos sensíveis, se chamam ideias; expressão figurada, que significa o

mesmo que imagens” (CONDILLAC, 1964, pg. 41). Posto isso, admitir que a estátua pode

comparar ideias em um nível pré-linguístico nada mais é do que reconhecer nela essa

capacidade de examinar conjuntos enquanto imagens. Um juízo falso indica para estátua que

as ideias de um corpo lembradas pela memória já não se assemelham as imagens que os

sentidos representam no aqui/agora.

Uma vez que examinamos a constituição das ideias particulares de objeto e

especificamos o tipo de verdade derivada, podemos então, explicitar na próxima seção em que

consiste uma ideia de objeto geral e o tipo de verdade correlata.

3.3 Ideias intelectuais: de como uma ideia particular de objeto origina ideias gerais

e abstratas.

Na seção anterior examinamos a constituição da ideia sensível de um objeto. Quanto a

essa questão, destacamos que compete as sensações representar os objetos no aqui/agora.

Vimos ainda que na ordem genética do desenvolvimento das ideias, a primeira ideia de objeto

formada pela estátua se refere a um objeto particular. Por conseguinte, observamos que essas

ideias fundam verdades contingentes. Na presente seção iremos tratar das ideias intelectuais

da estátua. Com base nessas, destacaremos que a ideia intelectual de um objeto particular é

condição necessária do desenvolvimento das ideias gerais e abstratas.

Como mencionamos anteriormente, o filósofo divide as ideias em sensações e ideias

intelectuais. Nesse sentido, salienta-se que diferentemente das sensações, compete as ideias

intelectuais o poder de representar objetos quando esses não se fazem presentes aos sentidos.

As ideias intelectuais evidenciam uma relação mais específica entre sensações e memória, já

que tais ideias não são nada mais que sensações recordadas de experiências passadas. Quanto

às classes das ideias intelectuais, podemos diferenciá-las em simples e complexas. As ideias

intelectuais simples são a lembrança da contribuição específica de cada sentido quanto às

qualidades que foram notadas nas sensações, ou seja, são as lembranças daquilo que se

conheceu através de órgãos sensíveis específicos. De modo semelhante ao que acontecem

com as sensações simples, as ideias intelectuais simples, de cor, cheiro, sabor, som, são

incapazes de representarem por si sós objetos. Por sua vez, uma ideia intelectual complexa

nada mais é do que a lembrança daquilo que foi possível conhecer pelas contribuições do tato

e da reflexão. Dito de outra maneira, uma ideia intelectual complexa é produto das sensações

compostas.

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Feitas essas considerações, fixamos as condições teóricas para apresentar o

desenvolvimento das ideias gerais e abstratas da estátua. Nessa direção, em respeito à ordem

genética do desenvolvimento das ideias como quer Condillac, não podemos perder de vista

que a primeira ideia de objeto formada pela estátua com base nas sensações diz respeito à

ideia de um objeto particular. A lembrança dessa ideia no âmbito da memória corresponde a

uma ideia intelectual particular complexa. Nesse sentido, Condillac define que a ideia

particular de um objeto, quando o mesmo já não se faz presente aos sentidos, “se refere a

lembrança que resta daquilo que se conheceu com a visão, com o paladar, com o olfato e etc”.

(CONDILLAC, 1993, IV, § 2, pg. 227). As ideias intelectuais formam a base do

desenvolvimento dos conhecimentos da estátua. Nessa perspectiva, Condillac postula que as

sensações atuais são a fonte dos conhecimentos da estátua, a lembrança das sensações

passadas, ou ideias intelectuais são à base desse conhecimento: é com auxílio dessas últimas

que as novas sensações se distinguem e se desenvolvem cada vez mais (CONDILLAC, 1993,

II, § 31, pg. 145). Nesse ponto, cabe salientar que para poder diferenciar sensações e

consequentemente ampliar seus conhecimentos é imprescindível que anteriormente a estátua

as tenha comparado.

O ato de comparar e consequentemente diferenciar sensações fornece a chave para

entendermos o desenvolvimento das ideias da estátua. Para poder comparar sensações é

necessário, como vimos no primeiro capítulo, dois tipos de atenção. Uma atenção ativa

proporcionada pela memória que lembra as sensações enquanto passadas; e uma sensação

passiva ocasionada pelos órgãos sensíveis que apresenta as sensações no aqui/agora. Ora, é

somente quando compara sensações passadas com sensações atuais e julga suas semelhanças

e diferenças que a estátua faz avanços em seu conhecimento. A atividade comparativa põe em

marcha um processo de abstração que vai dar origem ás ideias gerais e abstratas da estátua. A

fim de evidenciar esse processo, tomemos a seguinte afirmação de Condillac:

Substituamos sucessivamente, uma a uma, a primeira laranja por várias

outras, e que sejam todas iguais; nossa estátua julgará estar vendo sempre a

mesma, e terá apenas uma ideia particular a esse respeito. Esta vendo duas?

Logo reconhece em cada uma delas uma mesma ideia particular, e essa

ideia se torna um modelo ao qual ela as compara e vê que concordam. Da

mesma forma, descobrirá que essa ideia é comum a três, quatro laranjas, e

torná-la-á tão geral quanto lhe for possível (CONDILLAC, 1993, IV, § 4,

pg. 227).

Com base no trecho acima, podemos observar que a estátua não forma uma ideia

particular de cada objeto que vê. Ou seja, ela não cria diferentes ideias particulares para

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reportar-se a indivíduos semelhantes. Se assim fosse, teríamos que conceber uma memória

capaz de reter a impressão sensível de todos os indivíduos e suas particularidades. Seria,

portanto, uma memória ilimitada, talvez confusa frente à multiplicidade de indivíduos. Por

outro lado, notamos que a estátua não possui um signo enquanto unidade linguística para se

referir as laranjas. Uma ideia intelectual particular de laranja nada mais é do que uma imagem

que corresponde a um conjunto específico de determinadas qualidades sensíveis. Assim,

quando a estátua compara diferentes laranjas e considera uma mesma ideia, é somente porque

nota semelhanças entre uma imagem que a memória lhe apresenta e outra que os órgãos

sensíveis representam. É com base na semelhança entre ideias que uma ideia particular torna-

se geral. As características de um indivíduo que são posteriormente comparadas com outros,

recebem o nome de ideias gerais por serem comuns a diversos indivíduos. Dito isto, cabe

assinalar que no curso do desenvolvimento das ideias gerais, subjaz um processo de abstração,

pois, para formar uma ideia geral foi necessário que a estátua considerasse diferentes

qualidades sensíveis comuns aos diferentes objetos.

A abstração é uma operação caracterizada por dois movimentos: o primeiro consiste em

considerar as qualidades sensíveis de um determinado objeto de maneira isolada; o segundo

consiste na generalização e aplicação dessas qualidades aos diferentes objetos. Quanto a

capacidade de abstração, Liébana destaca se tratar de uma operação que vem a simplificar e

abreviar a diversidade dos objetos suscetíveis de consideração. Por essa razão, a abstração

seria indispensável para entendimentos limitados, que só podem considerar ao mesmo tempo

um escasso número de ideias e através dessas são obrigados a referir várias a uma mesma

classe (LIÉBANA, 1998, V). No ato de abstrair, não são todas as qualidades do objeto que

são generalizadas. Dessa maneira, podemos considerar que a classe ou modelo geral

estabelecido a partir de um indivíduo, não representa, a rigor, todas as qualidades desse

indivíduo.

Por exemplo, na ideia geral de laranja, a estátua nota cor e forma enquanto qualidades

comuns as diferentes laranjas. Dessa maneira, outras qualidades próprias da ideia particular de

laranja deixam de ser consideradas. Portanto, ao pensar em laranja, a estátua representa uma

imagem, um modelo geral que diz respeito às características comuns entre essas. Nessa

direção, podemos considerar que para Condillac toda ideia geral de objeto é uma ideia

abstrata. Nesse ponto, vemos o desenvolvimento de uma lógica rudimentar que permite a

estátua organizar os seus conhecimentos sem que tenha formado previamente uma linguagem

teórica. Em um nível pré-linguístico, um modelo geral ou uma classe de objetos não é outra

coisa senão a consideração de que uma imagem específica, particular, corresponde a

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diferentes indivíduos semelhantes. Nesse sentido, observamos que para falar de ideias gerais e

abstratas, Condillac não recorre a nenhum instrumento dramático. Não foi necessário um

Deus ex machina intervir no palco da experiência já que essas ideias podem ser explicadas

com base nas sensações, elas nada mais são do que sensações transformadas. Aqui

denunciam-se aspectos da posição empirista de Condillac, ao tornar manifesto que para ele

não existe ideia geral que não tenha sido primeiramente uma ideia particular.

Feitas essas considerações, fica manifesta a importância do ato de comparar e da relação

de semelhança no processo de desenvolvimento das ideias gerais e abstratas acerca de um

determinado objeto. Por conseguinte, destaca-se que uma vez estabelecido esse modelo geral

todos os objetos semelhantes serão relacionados a ele. Quanto a essa questão, salienta-se que

as noções gerais caracterizam uma maneira confusa com que inicialmente a estátua julga os

objetos. Distinguir os objetos requer um aprendizado. Em relação a essa questão destaca-se

que é com base na relação de diferença que a estátua amplia seus conhecimentos acerca dos

diversos objetos. Portanto, para que ela forme noções menos gerais de objetos ou classes

subordinadas, é fundamental que ela se relacione com esses de maneira mais viva, mais

próxima, que os tome, os estude e julgue suas qualidades a partir de diferentes relações.

Por exemplo, a uma primeira vista, todas as maças parecem iguais. A estátua julga-as

assim com base no tamanho e na cor. Mas a experiência lhe ensina que nem todas as maças

possuem o mesmo sabor. Umas podem lhe agradar o paladar, outras podem desagradá-lo. O

desejo de obter aquelas mais agradáveis e o temor do desprazer levam a estátua a comparar as

maçãs sob outras relações. Por essa razão, ela forma diferentes modelos capazes de guiar sua

escolha, e as distribui em tantas classes quantas são as diferenças que nelas observa

(CONDILLAC, 1993, IV, § 6, pg. 229). Portanto, diferenciar objetos, formar uma noção

menos geral acerca desses, somente é possível quando a estátua nota as diferenças entre os

objetos. Essas noções menos gerais nada mais são do que distinções que a estátua faz no

interior de uma classe, ou seja, são classes subordinadas que proporcionam um conhecimento

mais especializado acerca dos objetos. Marcar diferenças entre ideias subordinadas

determinam a espécie (LEFÈVRE, 1966, pg. 51). Na medida em que a experiência avança os

conhecimentos adquiridos são distribuídos em diferentes classes. “As classes menos gerais,

compreendem os indivíduos e as denominamos espécies com relação às classes mais gerais

que denominamos gêneros” (CONDILLAC, 1979, pg. 06). Assim, temos a ordem do

desenvolvimento natural das ideias da estátua que segundo Condillac não difere da ordem de

aquisição das nossas ideias. Nessa direção, diz ele “assim é que uma criança, depois de

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chamar de ouro tudo que é amarelo, adquire a seguir as ideias de cobre, latão, e a partir de

uma ideia geral forma várias menos gerais” (CONDILLAC, 1993, IV, § 8, pg. 230).

Posto isso, temos estabelecido a ordem do desenvolvimento genético das ideias na

estátua. Primeiro ela forma noções particulares que logo são generalizadas. Por conseguinte,

forma noções menos gerais na medida em que diferencia os objetos com base em suas

qualidades. Essas noções subordinadas caracterizam classes menos gerais ou espécies36

. Tal

consideração sugere que no Tratado das Sensações estaria implícita a tese de que não existe

na realidade experiências que correspondam a objetos gerais, uma vez que as experiências são

exclusivamente de objetos individuais e derivam unicamente das sensações. Aqui, nota-se o

valor outorgado as sensações por Condillac enquanto a base de tudo aquilo que pode ser

conhecido pela estátua. Para o filósofo, toda ideia pode ser reconduzida em última instância as

sensações.

3.4 Ideias abstratas e verdades

Como vimos até aqui, a estátua forma diferentes ideias abstratas. Ela forma ideias

abstratas de contentamento, descontentamento, bom, belo, eu, quente, frio, sólido, duro,

extensão, figura, cor, sabor, cheiro, som, grandeza. Em síntese, a própria ideia de objeto

torna-se uma ideia abstrata porque ao comparar sensações a estátua nota que não há o que não

convenha a vários objetos, por exemplo, que todo objeto tem cor, sabor, cheiro, sabor,

grandeza, figura etc. Posto isso, podemos indicar que para Condillac as ideias abstratas

forjadas pela estátua são de dois tipos: umas confusas, outras distintas.

Em relação às confusas, Condillac considera, por exemplo, que diferentes cores podem

aparecer juntas e produzir o efeito de uma única cor. Consequentemente, a estátua não

consegue discriminar tudo aquilo que as sensações encerram. Por essa perspectiva, suas ideias

abstratas são confusas. Em relação às distintas, Condillac considera as ideias de grandezas e

figuras quando consideradas separadas dos objetos, essas seriam as ideias distintas e

invariáveis (LEFÈVRE, 1966, pg. 52). Para o filósofo, a estátua sabe que uma grandeza pode

ser o dobro ou a metade da outra, e conhece muito bem uma linha, um quadrado. Essas ideias

são caracterizadas enquanto distintas. Basta que a estátua considere as grandezas abstraindo

os objetos (CONDILLAC, 1993, IV, § 13, pg. 231). As ideias abstratas distintas fundam um

tipo de verdade. Nessa perspectiva, Condillac afirma que “ao observar que um triângulo tem

36

Uma espécie nada mais é do que uma classe subordinada que emerge depois da estátua notar diferenças entre

os objetos de uma mesma classe. Ou seja, trata-se de uma classe menos geral.

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três lados, seu juízo é e sempre será verdadeiro, visto que três lados determinam a ideia de

triângulo (...) cada vez que se limitar a julgar suas ideias distintas e abstratas de grandeza,

percebera verdades que não mudam absolutamente” (CONDILLAC, 1993, IV, § 13, pg. 231).

Com base nessas considerações, torna-se manifesto o esforço de Condillac para

justificar a sua posição empirista. O problema do conhecimento, a rigor, deve ser resolvido e

justificado com base na experiência. Ao considerar que a estátua pode formar ideias que não

variam, o filósofo aponta para possibilidade de haver em um nível rudimentar verdades

necessárias que não pressupõem definições a priori. Trata-se, portanto, de uma

fundamentação empírica, a posteriori da verdade. Condillac aqui não está afirmando que

exista uma ciência universal em nível individual no Tratado das Sensações, afinal, para

falarmos em ciência de acordo com Condillac é necessário linguagem e relação entre os

homens. Para o filósofo uma ciência bem feita nada mais é do que uma linguagem bem feita.

Entretanto, devemos sublinhar que no Tratado das Sensações Condillac chama atenção

para o fato de que no plano individual a natureza já nos teria dado lições básicas que

estabelecem as condições de possibilidade para o desenvolvimento de uma ciência universal

sem que sejam necessárias postulações a priori. Em relação a essa questão Lefèvre observa o

fato de que anterior a toda linguagem e mesmo a toda sociedade, um conhecimento prático,

confuso mais utilitário, se desenvolve na experiência de onde a ciência vai surgir. A mola dos

conhecimentos da estátua é o prazer e a dor, felicidade e infelicidade sem o quais a estátua

nada seria. Portanto, defende Lefèvre, a afetividade em Condillac é o princípio da atividade e

da ciência (LEFÈVRE, 1966, pg. 50). Nessa perspectiva, podemos tomar as considerações de

Quarfood que fazem notar que para Condillac o processo de formação do homem nasce da

experiência sensorial concreta e se eleva gradualmente as abstrações da ciência

(QUARFOOD, 2002, pg. 15). O Tratado das Sensações, portanto, nos apresenta um momento

do desenvolvimento humano anterior ao desenvolvimento da ciência, cujas raízes já estão

desde o desenvolvimento individual do homem.

Nessa direção destaca-se que para Condillac a própria geometria e matemática tem seu

germe inicial na experiência individual, ou seja, em fatos. Além disso, trata-se de um

conhecimento rudimentar forjado em uma fase do desenvolvimento humano anterior à

cultura. Com base nessas observações, podemos afirmar que para o filósofo o caminho para

estabelecer um conhecimento seguro perpassa pela observação das primeiras lições dadas pela

natureza. O método analítico ensinado pela natureza é o único que possibilita explicar a

origem e a geração das ideias e capacidades operativas. Portanto, como indica Liébana, a

tarefa do filósofo não consiste na elaboração artificial de um conjunto de regras

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metodológicas encaminhadas a aquisição da verdade e do conhecimento. O filósofo deve

observar, partindo dos fatos, como o conhecimento é adquirido pela primeira vez e a partir daí

extrair a norma de aquisição a fim de aplicá-las a obtenção de novos conhecimentos

(LIÉBANA, 1998, I). Nesse ponto, indica-se a concepção subjacente da metafísica no

Tratado das Sensações enquanto ciência primeira capaz de condicionar os princípios de toda

ciência posterior.

Nesse sentido, a metafísica no modo como Condillac a entende não tem um deus ou

suas características enquanto finalidade da investigação, ela nada mais é do que uma

investigação gnosiológica acerca das condições de possibilidade que permitem ao homem

conhecer, de maneira mais específica: como podemos conhecer e o que podemos conhecer.

Para o filósofo a metafísica se diferencia em dois tipos. “A primeira, ambiciosa, quer penetrar

a essência dos seres e por isso, constitui uma fonte de erro em filosofia. A segunda, mais

moderada, adéqua suas pesquisas às fraquezas do espírito humano e sabe conter-se em seus

limites” (CONDILLAC, 2010, pg. 13). A concepção de metafísica condillaciana assume de

maneira rigorosa uma perspectiva gnosiológica, ou seja, trata-se de uma teoria do

conhecimento que busca afastar-se das justificativas sobrenaturais acerca do conhecimento.

Assim, a concepção de metafísica condillaciana defende Monzani, é “uma teoria do

conhecimento cuja chave é dada pela análise psicológica” (MONZANI, IV, 1995, pg. 167).

Na medida em que Condillac avança em sua pesquisa podemos identificar traços da

metafísica moderada subjacente ao Tratado das Sensações.

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64

Capítulo IV

Valor e alcance do conhecimento

No capítulo II, observamos quais ideias derivam do tato. Destacamos que o tato em

movimento e a sensação de solidez permitem a estátua descobrir uma nova realidade diferente

dela. Em seguida, apresentamos como a estátua forma ideia de objeto enfatizando que a

experiência sensível é sempre de indivíduos. No capítulo III, apresentamos como a estátua

forma ideias confusas e verdades contingentes. Por conseguinte, destacamos como uma ideia

particular de objeto torna-se geral e abstrata salientando que ideias abstratas distintas dão

origem a verdades necessárias. No presente capítulo, examinaremos a realidade descoberta

pelo tato com vistas a indicar o alcance dos conhecimentos adquiridos pela estátua. Por outro

lado, mostraremos os limites da metafísica no Tratado das Sensações.

4.1 Objeto e realidade

Como vimos no segundo capítulo, o tipo de atenção derivada do tato indica para estátua

que existe uma nova realidade que se impõe enquanto uma realidade diferente e independe

dela. Como mencionado anteriormente, graças ao tato as sensações deixam de ser meras

modificações dos sentimentos e passam a ser tomadas enquanto qualidades dos objetos

exteriores. Nesse ponto, destaca-se que na parte IV do Tratado das Sensações Condillac

coloca à realidade descoberta pelo tato sob suspeita. “Então existem sons, sabores, odores,

cores nos objetos? Quem pode garanti-lo? Se hoje ela sente tais qualidades nos corpos, é

porque contraio o hábito de julgar pelo testemunho do tato” (CONDILLAC, 1993, IV, § 1, pg.

226). Após essas considerações, o filósofo aprofunda ainda mais seu questionamento

colocando sub judice a própria extensão. “Existe extensão? Mas quando a estátua tem o

sentimento do tato, o que percebe ela, senão as suas próprias modificações? O tato, portanto,

não é mais confiável do que os outros sentidos” (CONDILLAC, 1993, IV, § 1, pg. 226). Se as

demais sensações como vimos, não são qualidades dos objetos, é possível que com a

extensão37

não seja diferente. Nesse sentido, Condillac afirma:

37

Nesse ponto podemos salientar a oposição de Condillac a Descartes em relação à noção de extensão. Para

Descartes a extensão é um atributo essencial do corpóreo. Ela não é objeto próprio da vista ou dos sentidos.

Somente o entendimento, a apreensão do espírito pode conceber de maneira clara e distinta a realidade material.

Em Condillac a extensão nada mais é do que um conjunto de qualidades sensíveis percebidas enquanto

fenômeno. Ou seja, Condillac não afirma que a extensão seja qualidade dos corpos muito menos que possamos

conhecê-la de maneira clara através do entendimento.

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Se não existe extensão, poderá alguém dizer, não existem corpos, digo apenas

que nós percebemo-la apenas em nossas próprias sensações. Daí se segue que

não vemos os corpos neles mesmos. Talvez sejam extensos e até saborosos,

sonoros, coloridos, odoríferos; talvez não sejam nada disso. Não sustento

nem uma coisa nem outra, e fico a espera de que se prove serem o que nos

parecem, ou outra coisa totalmente diferente.

Assim, se não existe extensão, não seria uma razão para negar a existência

dos corpos. Tudo o que se poderia e se deveria inferir razoavelmente disso é

que os corpos são seres que nos ocasionam sensações, e tem propriedades

sobre as quais podemos não garantir nada (CONDILLAC, 1993, IV, pg. 243).

Com base no trecho acima, podemos observar que Condillac manifesta certo ceticismo38

em relação à essência do corpóreo. O filósofo não dúvida que existam corpos, pelo contrário,

Condillac afirma a existência desses. Entretanto, o que nem o tato nem os demais sentidos

podem revelar para estátua é a essência dos corpos. Para Condillac existe um conjunto de

propriedades inerentes aos corpos que não podem ser captadas pela sensibilidade. Em relação

a essa questão, destaca-se que no Tratado das Sensações o alcance do conhecimento sensível

é, pois, limitado, visto que a própria apreensão do material é limitada (LIÉBANA, V, 1996).

Embora a sensação de solidez e resistência oferecida pelo tato revele para estátua a

exterioridade, é a penetração essencial dos corpos que permanece inalcançável. Nessa direção,

podemos reconhecer, como expressa Quarfood, uma posição fenomenista em Condillac. “Não

percebemos as coisas nelas mesmas, somente seus fenômenos” (QUARFOOD, 2002, pg.

144). Os fenômenos são nada mais que sensações percebidas ocasionadas por corpos

externos.

Nessa perspectiva, Monzani apresenta que para Condillac o que denominamos corpo

nada mais é do que um “isso” desconhecido, ao qual os filósofos atrelam o nome pomposo de

substância. “O fato é que não sabemos nada sobre, a não ser que é sobre esse fundo

desconhecido que nos habituamos a reportar as qualidades pelos quais somos afetados.

Projetamos nossas sensações sobre algo de natureza absolutamente desconhecida”

(MONZANI, IV, 2011, pg. 225). Condillac não tece qualquer comentário acerca da realidade

dos corpos em si, evitando assim, trilhar os caminhos da metafísica ambiciosa, fonte de erros

em filosofia. Para o filósofo, os limites do conhecimento estão dados pela própria organização

dos órgãos sensíveis. Dessa maneira, o entendimento não pode conhecer sobre a realidade dos

fenômenos. Esse seria, portanto, o alcance do nosso conhecimento e consequentemente da

38

A expressão ceticismo é utilizada aqui para se referir a essa atitude do filósofo em não afirmar nada acerca da

natureza dos corpos. Não utilizo a expressão no sentido técnico como no ceticismo pirrônico. Afinal, Condillac

afirma que de fato existe uma realidade objetiva.

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metafísica moderada subjacente ao Tratado das Sensações. De maneira mais específica, para

Condillac a existência do real se adéqua aos limites da própria sensibilidade.

Feitas essas observações acerca dos limites do conhecimento no Tratado das Sensações,

podemos problematizar se a resposta de Condillac realmente satisfaz as exigências de Diderot

no que concerne a denuncia do idealismo de Berkeley. Não é uma questão fácil, afinal, para

Condillac as sensações não passam de meras sensações subjetivas. O próprio tato como

mencionado anteriormente, não é mais digno de crédito do que os demais sentidos. As

interpretações da posição de Condillac apontam para ambas as direções. Antes de mencionar

tais posições, apresento alguns aspectos que nos permitem contextualizar toda essa polêmica –

denuncia do idealismo e prova do mundo exterior – que perpassa todo o Tratado das

Sensações. Nessa direção, devemos visitar a obra Ensaio sobre a origem dos conhecimentos

humanos (1747). Na obra mencionada Condillac afirma:

Seja que nos elevemos – para falar metaforicamente – até aos céus seja que

desçamos até aos abismos, não saímos de nós jamais, e somente o nosso

pensamento é o que conhecemos. (CONDILLAC, 2010, I § 1 pg.).

Sem embargo, seja qual for a natureza dessas percepções e de qualquer modo

que se produzam, se nelas buscarmos a ideia de extensão, de uma linha, de

um ângulo ou de algumas figuras, é verdade que as encontraremos muito

claras e distintas. Se todavia buscarmos a que referirmos essa extensão e estas

figuras, nos damos conta de modo claro e distinto de que não se referem a

nós, em nós está, o sujeito de pensamento, senão a algo fora de nós

(CONDILLAC, 2010, I, § 11 pg).

Com base nos trechos destacados podemos indicar a posição idealista de Condillac

nessa obra. A posição adotada por Condillac deixa claro certo enclausuramento do sujeito no

âmbito da sua consciência e, portanto, como indica Liébana, sua impossibilidade de acender a

realidade mesma das coisas exteriores. Por outro lado, observamos que Condillac torna

patente a existência de uma realidade exterior ao sujeito. Os conteúdos da consciência, as

ideias do sujeito, nada mais são do que um produto, um reflexo desse mundo. Ou seja, as

ideias, os conteúdos da mente, dependem do mundo (LIÉBANA, 1996, I). No Ensaio a

demonstração de um mundo exterior não está posta para Condillac enquanto um problema que

precisa ser resolvido. O realismo de representação sustentado por Condillac nessa obra não

deixa dúvida que nossas sensações correspondem aos objetos externos. Como mencionamos

no segundo capítulo em relação a essa obra, compete às sensações consideradas em si mesmas

o poder de representar os objetos. Entretanto, as considerações tanto de Diderot em sua Carta

sobre os cegos quanto de D’Alembert no Discours Préliminaire da Enciclopédia, vão

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apresentar para Condillac a exigência e necessidade de demonstrar a existência de um mundo

exterior.

Diderot reconhece que tanto em Berkeley quanto em Condillac os termos essência,

substância, matéria não trazem luz ao nosso espírito; além disso, observa Diderot, a tese

defendida por Condillac no Ensaio sobre a origem dos conhecimentos humanos – seja que

nos elevemos até aos céus seja que desçamos até aos abismos, não saímos de nós jamais, e

somente o nosso pensamento é o que conhecemos – é resultado do primeiro Diálogo de

Berkeley e fundamento de todo seu sistema. “Não ficarias curiosa senhora em presenciar o

embate de dois inimigos cujas armas se assemelham tanto?” (DIDEROT, 2006, pg.43). Dessa

maneira, Diderot alerta Condillac para as semelhanças entre as teses de ambos e o

consequente risco de Condillac trilhar pelo imaterislimo de Berkeley. A partir dessas

considerações realizadas por Diderot, provar a existência do mundo material se apresenta para

Condillac enquanto desafio intelectual. Além de Diderot, as formulações de D’Alembert na

Enciclopédia vão contribuir de maneira decisiva para Condillac enfrentar o problema da

realidade exterior que vai redundar no Tratado das Sensações. Na Enciclopédia, D’Alembert

questiona “Como nossa alma se joga, por assim dizer, fora de si mesma para chegar até os

corpos? Como se explica esse trânsito?” (D’ALEMBERT, apud LIÉBANA, 1996, I). Todo o

esforço de Condillac consiste em demonstrar como isso é possível. As questões levantadas

por Diderot e D’Alembert nos mostram a espinha dorsal do Tratado das Sensações.

Graças à decomposição analítica da experiência posta em marcha através da estátua o

filósofo formula sua posição acerca das questões mencionadas. Como vimos no segundo

capítulo, Condillac encontra na sensação de solidez a chave para resolvê-las. É por ocasião da

sensação de solidez e resistência proporcionada pelo tato em movimento que a estátua faz a

passagem de si para fora de si permitindo ao filósofo justificar as exigências de Diderot e

consequentemente as questões levantadas por D’Alembert. Feitas essas observações, podemos

então retomar nossa problematização. Condillac cumpre as exigências de Diderot ao

denunciar o idealismo? Seria o filósofo um idealista solipsista a la Berkeley? Condillac prova

que existe um mundo exterior independente do sujeito? Como mencionado, temos posições

distintas que nos permitem pensar as questões levantadas.

Em seu artigo O solipsismo como forma extrema de ceticismo no Século das Luzes

Charles defende a tese de que alguns dos problemas metafísicos mais importantes da era

moderna (filosofia do século XVII) tenderam a se perpetuar no Século das Luzes (filosofia do

século XVIII). Dentre esses problemas metafísicos, talvez o mais importante seja esse que

concerne à demonstração da existência do mundo exterior e que estimulará tanto a

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especulação dos filósofos das Luzes quanto à dos pensadores do século precedente. A partir

dessa consideração, o filósofo investiga o problema do mundo externo no século XVIII e

examina as diferentes respostas dadas ao problema nesse período. Entre essas, a de Condillac,

cuja chave para resolução do problema é dada pelo tato em movimento. Condillac acredita

escapar desse subjetivismo na medida em que a sensação de solidez e resistência garante a

presença de uma coisa ou um isso, que existiria independentemente da nossa percepção.

Como vimos, o juízo de impenetrabilidade garante para estátua que existem outros corpos

diferentes dela.

Diante disso, Charles busca mostrar que esse existente que resiste a mim é sempre

existente a título de ser percebido. Portanto, o problema da saída do eu subsiste integralmente

(CHARLES, 2007, pg. 28). Nessa direção, o problema do egoísmo, do solipsismo permanece

insolúvel. Para Charles, de maneira geral, os filósofos do século XVIII, confundiram duas

problemáticas. Um ceticismo epistemológico (a essência das coisas é incognoscível) e um

ceticismo ontológico (a existência dos corpos não pode ser provada). A conclusão dessa

disputa culmina no reconhecimento do idealismo enquanto sistema absurdo do qual os

filósofos precisam se afastar a fim de propor uma doutrina mais conforme ao senso comum

(CHARLES, 2007, pg. 31). Mas o que poderíamos esperar de uma metafísica moderada que

evita ir além dos limites da razão prescritos pela própria natureza? “O crepúsculo das Luzes

culmina numa constatação epistemológica pouco reluzente: o conhecimento da essência das

coisas está fora do alcance do entendimento humano, cujas fronteiras naturais assinalam

limites estritos a seu poder de conhecer” (CHARLES, 2007, pg. 32). Com base nessas

considerações, fica difícil sustentar que Condillac logrou êxito em sua tarefa de denunciar o

idealismo. Se tomarmos os juízos de Charles, podemos concordar que Condillac manifesta

certo ceticismo epistemológico em relação a essência das coisas. O próprio tato, que revela

uma nova realidade para estátua não é menos subjetivo do que os demais sentidos. Nesse

ponto, Quarfood, reconhece que à luz dessa consideração de Condillac fica difícil ver no

Tratado das Sensações uma tentativa de refutar o idealismo de Berkeley. “A questão

metafísica sobre a natureza real das coisas permanece intacta” (QUARFOOD, 2002, pg.144).

Diferentemente dessa interpretação, Liébana sustenta que Condillac obteve êxito em sua

investigação redundando na superação do idealismo berkeleyano. Para o comentador,

Condillac transpõe os limites da imanência e explica empírica e minuciosamente o

mecanismo psicológico que origina o sentimento de exterioridade. As exigências de Diderot e

D’Alembert foram cumpridas. Condillac justifica a realidade do externo e dá conta de uma

realidade alheia e por inteiro independente da sensação com a qual a estátua se identifica

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69

(LIÉBANA, 1996, V). Esse caminho, já mencionamos, deriva da sensação tátil de solidez e

resistência única que transmite a estátua o sentimento de oposição, obstáculo, que redunda nas

noções de objeto e mundo externo. Essa é a chave para entendermos como a estátua passa de

si para fora de si. Liébana acredita que essa explicação dada por Condillac estabelece o

sistema completo do real. Sem essa justificação, a conclusão lógica, dados os pressupostos

idealistas de partida seria o solipsismo mais radical (LIÉBANA, 1996, I). Entretanto, cabe

salientar que todo processo em Condillac é psicológico. O procedimento de Condillac não

explica a apreensão de um exterior material em si mesmo considerado. Condillac explica bem

essa aparição do sentimento de exterioridade através da resistência. De acordo com Liébana, a

meta alcançada por Condillac seria mais modesta do que aquela inicialmente traçada

(LIÉBANA, 1996, V). Não há dúvidas de que o eu descobre os corpos e o mundo exterior,

porém, tal descoberta é mediada pelas suas próprias sensações. Dessa maneira, a estátua

apreende o objetivo e o corpóreo sem sair de si mesma. “O idealismo de Berkeley é superado,

mas ao custo de assumir dogmaticamente e sem uma prova demonstrativa autêntica da

existência independente de um mundo material” (LIÉBANA, 1996, V). Essa realidade

material revelada pelo tato permanecerá uma incógnita para Condillac, somente será

apreendida enquanto fenômeno subjetivo39

.

Liébana e Charles parecem concordar em relação ao ceticismo epistemológico – a

essência das coisas é incognoscível. Entretanto, Liébana não admite que haja em Condillac

um ceticismo ontológico – afirmação de que a existência dos corpos não pode ser provada.

Afinal, não restam dúvidas de que para Condillac existem corpos embora não possamos

39 Nesse ponto, salienta-se uma perspectiva contemporânea de interpretação das teses de Condillac revindicada

por Liébana que se vincula com o realismo volitivo enquanto resposta ao problema do conhecimento e

demonstração do mundo externo. No realismo volitivo a consciência não é concebida no âmbito de conteúdos

cognitivos passivamente recebidos, mas como um conjunto de impulsos e tendências, como vontade e esforço

originário ao que se opõe a realidade exterior em forma de obstáculo e resistência. Liébana defende a tese de um

realismo volitivotátil, pois, somente o tato pode revelar à consciência a coisa ou o objeto transcendente. A rigor,

o filósofo advoga que o ponto de partida da metafísica e da teoria do conhecimento deve ser fixado no encontro

do eu volitivo com o não eu resistente. É por ocasião do tato em movimento que se estabelece as condições para

constituição do mundo, do ser, e da realidade. O real material identifica-se, portanto, com o tato movente. Por

outro lado, Liébana acrescenta que “a história do desenvolvimento espiritual da humanidade em todas suas

expressões e manifestações tem sido a história de um determinado tipo desenvolvimento espiritual: o

desenvolvimento espiritual do vidente” (LIÉBANA, 2000, pg. 172). Para o filósofo, a metafísica tradicional (e

os seus conceitos, categorias, modelos etc.) de Tales de Mileto a Heidegger foi totalmente elaborada sobre uma

perspectiva sensorial: a perspectiva do olho – metafísica oculocéntrica. “Os conceitos de eidos, morphé, extensão

e pensamento, intuição pura e categoria; termos como “ideia”, “teoria”; metáforas de luz, iluminação, sol,

(comumente empregadas em ontologia e teoria do conhecimento) são uma boa prova do que dizemos”

(LIÉBANA, 2000, pg. 172). Frente a essa perspectiva predominante e em complemento a ela Liébana propõe

uma interpretação alternativa do ser concebendo-o como obstáculo e resistência e a consciência sendo pensada

enquanto esforço impulso e vontade. Essa ontologia volitivotátil encontra suas raízes nos caminhos abertos por

Condillac no seu Tratado das Sensações.

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afirmar como eles são neles mesmos. Ao examinar as considerações tanto de Charles quanto

de Liébana acerca da posição filosófica de Condillac podemos considerar que ambos os

comentadores fornecem boas razões que nos permitem ler Condillac enquanto solipsista ou

não. Em relação a toda essa problemática, penso que Condillac oferece uma boa resposta

acerca da questão do mundo exterior. Entretanto, ao afirmar que existe uma realidade exterior,

Condillac o faz mediante o juízo de impenetrabilidade. Trata-se de uma justificativa

psicológica baseada na sensação de solidez condição de possibilidade para o juízo de

impenetrabilidade. Por essa perspectiva, não vejo em Condillac uma superação do idealismo

de Berkeley. Em síntese, Condillac fornece uma boa resposta para dar conta da existência do

mundo exterior. Por outro lado, as suas justificativas não resolvem o problema de maneira

definitiva visto que a realidade do objeto encontra-se condicionada a percepção do sujeito.

A realidade do objeto vinculada a percepção subjetiva aproxima a posição de Condillac

daquela defendida por Berkeley de que ser é ser percebido (BERKELEY, § 3 e 40). Para

Berkeley, é impossível afirmar que existam objetos independentes do sujeito – fora da mente

– já que os sentidos não podem conceber a existência de algo que não seja percebido pelos

próprios sentidos. Dessa maneira fica estabelecido que para o filósofo a realidade consiste

exclusivamente de mentes e suas ideias (DOWNING, 2004). Por essa perspectiva, fica difícil

salvar Condillac de uma posição solipsista embora a própria dependência que a estátua tem

dos objetos para satisfação das suas necessidades não permitam a ela duvidar que existam

seres fora e diferente dela (CONDILLAC, 1993, IV, § 2, pg. 226). Esse seria, em última

instância, o ponto a ser evidenciado na argumentação de Condillac para justificar a existência

de um mundo exterior. A estátua depende de algo para sobreviver e esse “isso” ao qual ela

depende, não é causado por ela, é algo externo que afeta de maneira decisiva sua

sobrevivência. Embora a dependência frente aos objetos indique para estátua que existe algo

além dela – o que garantiria a existência do mundo exterior – a realidade disso ao qual ela

depende permanece insondável. Por fim cabe ainda considerar um aspecto que me parece

relevante em toda essa disputa que diz respeito a um “como”. Como Condillac, a sua maneira,

elabora uma resposta acerca de um problema filosófico relevante na filosofia, de maneira

mais específica, na filosofia moderna.

Feitas essas considerações, podemos então analisar aquilo que parecer ser o que de fato

importa para Condillac em meio a toda essa polêmica: a função prática do conhecimento.

Pois, como considera o filósofo, essas dúvidas acerca da realidade não seriam questões com

as quais a estátua se ocuparia (CONDILLAC, 1993, IV, § 2, pg. 226). Ao fazer essa

afirmação, o problema acerca da realidade exterior – revindico essa hipótese de leitura –

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parece tornar-se secundário para Condillac no Tratado das Sensações. Nesse sentido,

assinalamos uma perspectiva de interpretação das teses do filósofo que indicam uma

compreensão pragmática acerca do conhecimento, objeto da próxima seção.

4.2 A função prática do conhecimento

O debate acerca de uma realidade exterior é uma questão que, segundo Condillac, Deus

quis deixar ao debate dos filósofos (CONDILLAC, 1993, pg. 243). A estátua, não sendo

filósofa, não examinaria essas questões já que a relação que ela estabelece com os objetos

vincula-se diretamente com as suas necessidades e não com razões teóricas. O conhecimento,

a princípio, tem relação estrita com a ação e a sobrevivência, ele possui, a rigor, uma

finalidade prática. Desse modo, fica evidente que o que está posto no Tratado das Sensações

é o predomínio dos conhecimentos práticos em detrimento dos conhecimentos teóricos. A fim

de examinar essa perspectiva, tomemos a seguinte consideração de Condillac:

A estátua provavelmente não se deterá nessas dúvidas. Talvez os juízos a que

se habituou não lhe permitam alimentá-las. No entanto ela seria mais capaz

de duvidar do que nós, porque sabe melhor como aprendeu a ver, ouvir,

aspirar, saborear e tocar. Seja como for, é-lhe inútil ter mais certezas a esse

respeito. A aparência das qualidades sensíveis basta para lhe despertar

desejos de iluminar sua conduta e fazer sua felicidade ou desgraça, e sua

dependência frente aos objetos a que é obrigada a relacioná-las não lhe

permite duvidar que existem seres foras de si. Mas qual é a natureza desses

seres? Ela o ignora, e nós próprios ignoramos. Tudo o que sabemos é que

denominamo-los corpos (CONDILLAC, 1993, IV, § 2, pg. 226).

Com base no trecho acima, podemos indicar que para Condillac a dúvida tem limite. O

limite da dúvida está dado pela dependência vital da estátua em relação a algo diferente dela e

que, a rigor, não pode ser criado por ela. Dessa maneira a estátua não pode duvidar que exista

algo fora dela. A dependência de algo que não é ela, configura, como sugerimos, um dos

argumentos dados por Condillac para defender a existência de uma realidade extramental.

Cabe ainda considerar que, ao ignorar a natureza dos corpos fica evidente que o que está em

jogo para estátua não é de ordem teórica e sim prática. Pouco importa como as coisas são

nelas mesmas o que importa é como elas nos afetam e seus efeitos para sobrevivência. Essa

perspectiva indica o caráter pragmático do conhecimento para Condillac. Quanto a essa

questão, cabe assinalar que os comentadores de Condillac veem no filósofo uma espécie de

precursor do pragmatismo. Essa dimensão pragmática do conhecimento perpassa todo

Tratado das Sensações.

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Nessa perspectiva, tomemos a seguinte consideração de Condillac, diz ele “vemos os

mesmos objetos; mas por não termos o mesmo interesse em observá-los, cada um de nós tem

ideias muito diferentes acerca deles” (CONDILLAC, 1993, 1, § 8, pg. 107). Nesse aspecto,

Liébana faz notar que o interesse do sujeito, motivado pela sua necessidade, é o que determina

a sua atenção e não o próprio objeto. “O conhecimento não é guiado por qualidades especiais

do objeto e sim pelo interesse do sujeito frente a ele”. Dessa maneira, os objetos não seriam

julgados em si mesmo senão pela relação que eles guardam conosco. Nesse ponto estaria

posto, de acordo com Liébana, um testemunho evidente do caráter pragmático do

conhecimento em detrimento da sua índole teórica (LIÉBANA, IV, 1998). Nessa direção,

Mondolfo acrescenta que a noção de interesse domina, orienta e modela todo nosso

conhecimento. Não poderia ser diferente, afinal, para Condillac o conhecimento tem valor

prático e se relaciona com a vida e a ação e não com a contemplação (MONDOLFO, 1964,

pg. 47). Assim fica estabelecido que para Condillac o conhecimento da estátua guia-se

exclusivamente pelo interesse. Esse, por sua vez, possui suas raízes nas necessidades

configuradas a partir das experiências agradáveis em oposição às experiências desagradáveis.

Desse modo, podemos indicar que o prazer estabelece em última instância uma orientação

geral da experiência da estátua levando-a buscar os objetos que melhor contribuem para sua

felicidade evitando aqueles que lhes causam sofrimento. O que está em jogo para estátua nada

mais é do que aquilo que lhe resulta vantajoso. Dessa maneira, com base no princípio do

prazer e dor podemos afirmar que ao longo do Tratado das Sensações na medida em que

Condillac explora sua hipótese da estátua salta aos olhos uma noção de sujeito com forte traço

pragmático.

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Considerações Finais

No presente trabalho monográfico buscamos traçar a origem e os limites do

conhecimento no empirismo forjado por Condillac no seu Tratado das Sensações. Para

realizar essa tarefa foi necessário caracterizar, em primeiro lugar, o tipo de empirismo

presente nessa obra. Nessa direção, destacamos a tarefa da pesquisa de Condillac cujo

propósito seria renovar todo o entendimento humano a partir de uma tese fundamental: todas

as nossas ideias e faculdades mentais derivam das sensações. Essa perspectiva da investigação

condillaciana revela um aprofundamento em relação à pesquisa iniciada por Locke. Ao

contrapor-se a Locke, Condillac recusa de maneira vigorosa o inatismo das operações da alma

encontrando nas sensações transformadas a chave explicativa da gênese das ideias e

capacidades operativas do homem. A rigor, todo edifício intelectual encontra-se subordinado

ao sensível. Esse horizonte da investigação condillaciana revela em sentido forte a

especificidade do seu empirismo radical.

Na medida em que a investigação de Condillac avança, vemos configurar-se no Tratado

das Sensações o seu método genético analítico de investigação que nos revela aquilo que o

filósofo acredita ser a síntese do desenvolvimento natural das nossas ideias e capacidades

operativas. Além disso, Condillac assinala que no âmbito individual, em um estágio de

desenvolvimento anterior à cultura, seriamos capazes de desenvolver uma estética, uma

geometria, uma matemática rudimentar. Graças às lições dadas inicialmente pela natureza,

podemos formar, sem linguagem, verdades particulares e verdades gerais. A tese implícita no

Tratado das Sensações é de que o pensamento é anterior à linguagem. Dito de outra maneira é

possível pensamento sem linguagem.

Por outro lado, acrescenta-se que através da ficção da estátua o filósofo nos faz ver

quais ideias específicas devemos a cada sentido. Nessa direção Condillac circunscreve de

maneira precisa o que é possível conhecer por ocasião desses. Nesse ponto vemos se

configurar os limites do conhecimento no Tratado das Sensações. Em relação a essa questão,

devemos enfatizar que ao estabelecer o alcance daquilo que podemos conhecer com base nos

sentidos, Condillac indica os limites da metafísica moderada que evita tecer afirmações

acerca da essência ou verdadeira natureza das coisas – fonte de erros em filosofia. Portanto, o

que conhecemos e o que podemos conhecer vinculam-se de maneira estrita com a nossa

conformação orgânica incapaz de perceber como as coisas são em si mesmas. Sabemos

certamente que algo nos afeta e que dele dependemos para sobrevivência. Entretanto, a sua

verdadeira natureza não é apreendida pela nossa sensibilidade. Para Condillac as sensações

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não são qualidades dos corpos e sim conteúdos mentais. Portanto, não conhecemos as coisas

nelas mesmas somente seus fenômenos. O que conhecemos se adéqua, a rigor, a nossa

capacidade orgânica, em última instância, aos limites da nossa sensibilidade.

Destacamos ainda que ao examinar a contribuição específica de cada um dos sentidos

no que concerne ao desenvolvimento mental da estátua, Condillac outorga evidente relevância

cognitiva ao tato em relação aos demais sentidos. Em Condillac o tato possui certa primazia

no que concerne à apreensão do real. Nesse ponto observamos que o filósofo vai na

contramão de toda uma tradição filosófica que atribui à visão um acesso privilegiado à

realidade. Esse é um dos pontos que merece atenção e que não foi suficientemente

desenvolvido no presente trabalho, tarefa para uma futura pesquisa. O mesmo pode ser dito

em relação a uma espécie de construtivismo presente no Tratado das Sensações que, embora

mencionado, não foi discutido em todos os seus aspectos. De maneira mais específica, parece

haver em Condillac uma espécie de construtivismo que subordina o desenvolvimento do

entendimento humano a uma relação ativa entre indivíduo e meio. Esse construtivismo

implica o reconhecimento de que não nascemos humanos completos ou com qualquer tipo de

inteligência ou estrutura da sensibilidade a priori. A nossa estrutura de percepção responsável

por organizar os dados da sensibilidade dotando o mundo de estabilidade bem como o

desenvolvimento dos conhecimentos práticos indispensáveis para sobrevivência derivam da

experiência. Ou melhor, dessa interação entre indivíduo e ambiente no qual subjaz um

processo contínuo de aprendizagem e educação recíproca entre os sentidos.

Por fim, gostaria de destacar que o problema acerca do mundo exterior, que

inicialmente desponta como problema teórico fundamental no Tratado das Sensações, parece

tornar-se secundário ao final da investigação de Condillac. Para o filósofo, pouco importa se

as coisas são ou não são de determinada maneira. O que realmente importa é como nos

relacionamos com isso e quais seus efeitos para sobrevivência. Por essa perspectiva, toda

polêmica relacionada à existência e prova de um mundo exterior colocado por Diderot parece

ser relegada a uma espécie de pano de fundo no Tratado das Sensações. Toda essa questão

parece perder sua relevância no momento em que Condillac enfatiza uma dimensão

pragmática acerca do conhecimento que vai redundar e caracterizar um tipo de racionalidade e

consequentemente uma noção de sujeito com forte traço pragmático na obra estudada.

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