o domínio ds sonhos - amostra
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QUANDO MENOS SE ESPERA, TUDO PODE ACONTECER... Grandel White Banks é um garoto normal morador de uma pequena cidade ao norte dos Estados Unidos e totalmente atormentado por sonhos, ou melhor, pesadelos com uma garota que ele nunca conheceu. Até que ela aparece... Tiffany Eleven é uma adolescente que luta para esconder seus poderes e uma maldição que assombra sua família há gerações. Um amor proibido nasce entre os dois, trevas cada vez mais em fúrias, segredos decisivos vem à tona. E, de repente, tudo entra em colapso. Garantir a vida de todos na Terra, ou tornar-se um aliado daquele que anseia em destruí-la? Os restam essa decisiva escolha.TRANSCRIPT
O Domínio
dos Sonhos
Marcos Toldd
O Domínio
dos Sonhos
Joinville, 2015
O Domínio dos Sonhos
Copyright © 2015 by Marcos Vinicius Souza Silva
Toldd, Marcos
O Domínio dos Sonhos
Marcos Toldd
Joinville, SC. Clube de Autores Editora, 2015.
ISBN: 978-85-68841-28-0
1. Ficção brasileira. I. Título. II Série.
15-0286-1 CDD- 869.93
CLUBE DE AUTORES PUBLICAÇÕES S/A.
Rua Otto Boehm, 48, Sala 8, América
CEP 89201-700 – Joinville/SC
www.clubedeautores.com.br
A escuridão não pode expulsar a escuridão;
só a luz pode fazer isso.
O ódio não pode expulsar o ódio;
só o amor pode fazer isso.
Martin Luther King Jr.
Agradecimentos
Escrever esse livro foi um dos meus maiores desa-
fios. E se eu estivesse sozinho nessa jornada, teria
desistido após os primeiros capítulos, mas tive vá-
rias pessoas que me incentivaram a continuar. En-
tão a elas tenho a minha eterna gratidão.
Por hora tenho muito a agradecer.
Agradeço em primeiro lugar a Deus, pois,
como sempre me conforta em minhas decisões e es-
colhas.
Agradeço a melhor amiga do mundo: Bruna
Garcia, ou melhor, Bruna Eleven, que assim como
me deu inspiração para criar um dos personagens
dessa trama, sempre me apoia em todas as minhas
decisões, e é claro que sempre tem aqueles puxões
de orelha e correções em ambas as partes, mas ela
sempre tem se mostrado uma ótima amiga, e a me-
lhor conselheira no quesito, livros!!
Agradeço eternamente as minhas duas pro-
fessoras mais queridas: Vanice Colucci e Rosa San-
tos, por terem me induzido a esse caminho, e por
terem me dado todo o apoio moral, quando precisei.
Sou grato também a minha família que sem-
pre me apoiou para que continuasse escrevendo.
E por último, agradeço a mim mesmo por
nunca desistir dos meus sonhos, e sempre acredi-
tar que tudo é possível, bastando apenas ter fé e
persistir, que um dia irá acontecer.
Os sonhos as vezes escondem cartas mági- cas, e é você quem irá escolher se quer jogar ou se vai preferir apenas assistir ao jogo.
Bons Sonhos Mortais!!
Prólogo
Eu sou as trevas.
Pela eterna atormentação, eu corro para es-
capar.
Pelas margens da rua, sigo ofegante. Viro à
esquerda e sigo em direção ao sul, abrigando-me
nas sombras dos arbustos. Mesmo assim, eles con-
tinuam a me perseguir.
Então, a medida que me caçam em uma bus-
ca implacável, os meus palpitares se elevam.
Desde que minha mãe foi banida eles me
perseguem. A sua persistência insaciável me for-
çou a viver sobre regime de julgamento. Agindo por
debaixo dos lençóis, acobertando o que eu realmen-
te era.
Passo atrás do posto médico e chego de volta
a minha cabana, me jogo com força no portão de
ferro que tinha ali próximo, caio para trás, e con-
tinuo correndo, impedida de entrar, retornando ao
posto inicial.
Giro a maçaneta da porta do refeitório em
busca de algo para saciar a cede inesgotável que
sentia naquele instante. Sabia que não tinha nin-
guém por perto a não ser eu, mas custava a acredi-
tar. Sentia o peso das minhas pernas instigadas,
fui então em direção as escadas que me levaram ao
térreo daquela parte do acampamento.
Ouvia vozes escandalizando lá em baixo, su-
plicantes pelo meu nome.
Elas estavam atrás de mim, cada vez mais
perto. Não entendia o que tinha feito para eles,
queria apenas ser uma humana moribunda qual-
quer.
Enquanto retrocedo, lembranças nunca vis-
tas antes veem na cabeça.
Almas indefesas forjam no submundo, ba-
nhando-se em uma larva de fogo. As trevas domi-
navam aquele local, isso era notável.
Cambaleando corro floresta a dentro. Sain-
do para o ar umedecido avisto um muro a minha
altura, pensei em pulá-lo, mas era loucura. Não
tinha lugar para fugir. O movimento da cidade
estava a poucos metros de mim, talvez lá tivesse
refúgio.
As vozes anunciam, aproximando-se por trás:
‘‘Não adianta correr, posso estar aqui e em Marte
ao mesmo tempo’’. Respondo com mais correria, re-
tornando de novo a cabana para ver se conseguia
dormir em paz.
Eles disparam a frente em uma rajada de
vento, mas dou de ombros. Já com o desespero con-
tido, forço a porta do meu dormitório e consigo en-
trar. Fecho a porta em seguida, vendo tudo aquilo
sumir sem explicação.
Consigo enfim deitar naquele colchão de ar
maleável, cubro a cara e o corpo todo, e fecho os
olhos tentando esquecer-se de tudo e tentar dor-
mir. No outro dia iria embora daquele lugar, mas
as lembranças não sumiriam com muita facilidade.
Por fim caio no sono, mas não era possível
dormir tranquila sabendo que carregava em meu
DNA a feitiçaria. Eu era uma feiticeira e nada mu-
daria isso.
PARTE
UM
Os Sonhos
Escrevo como se estivesse dormindo e
sonhando: as frases desconexas como no sonho.
É difícil, estando acordado, sonhar livremente
nos meus remotos mistérios.
– Clarice Lispector
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Mudança
inesperada
Eu era uma simples conjuradora.
Minha família era assombrada por uma
maldição que há gerações viam nos perseguindo.
Nós éramos estranhos, para todo lugar que fosse-
mos éramos estranhados por todos, todo lugar que
chegávamos para morar éramos perseguidos, as
trevas não nos davam sossego, não tínhamos um
refúgio que ela não estivesse lá nos atormentando.
Estava prestes a completar 15 anos, e esse
era o pior aniversário que iria ter. Ao contrário de
todos que eu esperava muito sua chegada para co-
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memorar e festejar, os presentes de que tanto gos-
tava, os balões coloridos enchidos por fatigados so-
pros de meu pai, o maravilhoso bolo e seu misterio-
so recheio que eu nunca adivinhava qual era. Mas
tudo isso acabava nesse ano, ou melhor, nesse mês.
Estávamos em março, mês esse que era o de
retorno para casa. Iria retornar da instigante co-
lônia de bruxas como fora apelidado por meu pai,
eu estava lá dês do inverno passado, onde passei
dias ouvindo conjuradoras classificadas – como
eram chamadas as feiticeiras que não eram invo-
cadas para as trevas –, dizendo como deveríamos
se preparar para o dia tão esperado, o dia em que
nossos poderes iriam ser invocados, para onde não
sabíamos, mas torcia para que fosse para luz.
Não queria de maneira alguma padecer pa-
ra sempre nas trevas, lugar este onde estavam to-
das as conjuradoras da minha família, todas per-
tenciam as trevas, apenas a sortuda da minha avó
Jhose que não foi invocada, mas de resto, estavam
todas lá: minhas tias, primas e inclusive minha
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mãe. Eu não queria ter a mesma sorte, odiava essa
maldição.
***
Estava com as malas prontas, meu pai ia vir me
buscar no fim da tarde, o dia foi nublado como to-
dos os dias de março no norte dos Estados Unidos.
Minha mala estava com todos os apetrechos que
tinha levado: lanternas, bússolas, mapas, cadernos
de feitiços e o bom e velho diário que não abando-
nava nem por um decreto. Minhas botas de escala-
da ainda estavam nos meus pés, acabava de andar
uma trilha inteira na floresta, tinha apreendido
muito bem a fazer trilhas nessas férias.
Os pais das outras garotas já tinham chega-
do, elas entravam em velhos carros esmolambados
até que meu pai chegou. O velho Eleven estava em
seu carro luxuoso, mas discreto, vestido de preto
como de costume, ele desceu, pegou minha mala, e
com um toque de gentileza colocou-a no porta- ma-
las. Eu entrei e o cumprimentei ordenando que fos-
se logo para casa, pois já sentia falta da minha vida
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normal e já estava cheia desse acampamento. Até
que ele me surpreende dizendo:
– Não vamos para casa Tiffany, vamos para
nossa nova casa em New Keene. Ok. – ele deu um
riso, não muito costumeiro.
Eu corei no mesmo instante, como iriamos
mudar de casa, já tínhamos mudado pelo menos
umas 5 vezes só ano passado a cada novo aconteci-
mento que surgia. Mas pelo que eu sabia, as trevas
tinham nos dado uma folga, porque meu pai resol-
veu mudar de cidade agora, e o pior de tudo, o que
era New Keene? Algum condado perdido no meio
do nada? Então, eu questionei-o:
– Por que raios vamos nos mudar, dá para
você me explicar?
– Acalme-se – ele disse, me irritando mais
ainda. – Vamos nos mudar, pois é necessário, você
já sabe que não podemos permanecer no mesmo
lugar por muito tempo. E, afinal de contas você já
está acostumada com isso.
– Mas, pai... – continuei, afobada.
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– Nada de mais, não tem mais, nem, porém
desta vez.
Bufei de raiva, mas vi que não podia fazer
nada ao respeito.
Saímos então do acampamento pela rodovia
25A em direção ao condado de New Keene. Não me
lembrava de ter ouvido ou estudado sobre essa ci-
dade nas entediantes aulas de geografia. New
Keene mais parecia uma cidade fantasma do que
uma simples cidade, estranhei muito, pois, sempre
em nossas mudanças íamos para grandes metrópo-
les americanas, porque será que desta vez meu pai
queria ir para um lugar mais afastado? Isso não
me parecia boa coisa.
***
Eu dormi à viajem toda, não pude sequer ver a pai-
sagem que cortava o caminho, acordei quando es-
távamos passando por um campo de árvores miste-
riosas cercadas de montanhas altamente perigo-
sas. Vi então que era real, New Keene era um bu-
raco no meio do nada.
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O lugar não tinha o grande trafego, tanto de
carros quanto de pessoas que eu podia perceber
facilmente em Bridgeport, onde estava morando.
Minha nova moradia parecia uma casa em uma
floresta, o terreno era enorme, muitas e muitas ár-
vores altamente desnecessárias, a casa parecia
uma mansão de tão grande que era, mas também
não era à toa, afinal meu pai era podre de rico,
herdou uma herança avaliada em milhões de dó-
lares de nossos ancestrais, muito dinheiro para um
simples velho raquítico.
A casa por fora era escura e misteriosa, o
perfil exato de meu pai. Mas por dentro era des-
lumbrante de cores claras e uma longa escadaria
de marfim que cortava a sala principal. Meu quar-
to era um simples quarto, não era um quarto de
princesas do sonho de toda garota, era um quarto
comum, como qualquer outro.
Minhas coisas já estavam todas ali em plena
exatidão da casa anterior, os livros na prateleira e
as roupas devidamente organizadas no roupeiro. O
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que mais me encantou foi a janela que dava à vis-
ta para toda cidade, mas que abaixo estava o mes-
quinho quintal aparentando nunca ter sido vítima
de uma boa poda.
Cheguei em New Keene já no finalzinho da
tarde e no outro dia iniciaria os estudos na Ashton
High School, uma típica escola, aliás, a única esco-
la de ensino médio que possuía na cidade. O que
esperava mesmo era que não acontecesse tudo de
novo, novas manifestações das trevas, fazendo com
que tudo à minha volta entrasse em colapso, mas
sabia que isso era irredutível, ainda mais agora
que estava cada vez mais próximo do meu aniver-
sário.
Meu pai havia feito sopa de legumes, nova-
mente usufruiu muito bem de seus dotes culiná-
rios, sempre me satisfazendo.
Depois de jantar, fiquei observando o lugar à
minha volta. Um céu lindo, onde podia se ver toda
e qualquer constelação de estrelas que existia, o
contrário da vida de cidade grande, onde o que se
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podia ver era somente meia-dúzia de relutantes es-
trelas apagadas.
Fechei a janela do quarto e deitei na cama,
olhando para o teto cor de cinza que estava sobre
mim, pensando no dia de amanhã, nova escola, no-
vas pessoas, nova vida. Fiquei imaginando quando
isso iria acabar, quando enfim poderia ser uma
simples garota, uma garota normal como qualquer
outra. O dia estava próximo eu podia sentir isso,
minhas mãos ardiam em fogo e o anel de prata em
meu dedo brilhava como nunca. Sabia que agora
meus poderes iriam se manifestar cada vez mais, e
que as sombras estariam gradativamente à minha
procura.
Queria poder me esconder, mas não sabia
onde, em todo lugar que eu estava, tudo acontecia,
lembrei-me então do episódio anterior em minha
antiga escola.
∞
Desci do carro e entrei na Vired High School, todos
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a minha volta estavam em rodas de conversas, e eu
sempre de lado, pois eu era o assunto.
Era designada como a estranha, a aberração
da escola, a feiticeira que por onde passava deixa-
va rastros de seu veneno.
Simplesmente me escorei na parede e me
concentrei naquele momento, a raiva tomou conta
de mim, não pude me controlar, era irreal, de re-
pente só ouvi os gritos por socorro, a escola estava
em chamas, havia fogo por todo e qualquer canto,
os alunos saiam correndo, os professores desespe-
rados e o diretor buscando respostas. 2 deles que
estavam lá não conseguiram escapar, e morreram
ali mesmo.
‘‘A responsável por tudo isso é Tiffany Ele-
ven’’ – apontavam eles. – ‘‘Ela é a maldição de
Bridgeport’’.
∞
Tudo isso iria começar novamente, mas como sem-
pre, eu estava pronta.
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Enfim consegui pegar no sono, meu pai como
de costume veio me dar um beijo de boa-noite, apa-
gando a luz do abajur que sempre estava ao meu
lado.
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O buraco no meio
do nada
Existiam apenas dois tipos de pessoas em New
Keene: as que eram burras demais para ir em bora
e as que eram condenadas a permanecer aqui para
sempre. Era assim como minha mãe afetuosamen-
te classificara nossos vizinhos. Não restavam dúvi-
das sobre qual dos dois lados ela pertencia, pois, o
seu trabalho no jornal local era a prioridade de to-
dos os momentos, não existia uma razão clara para
isso, pois, em nossa cidade nada acontecia, a ma-
téria mais surpreendente que ela conseguia escre-
ver eram sobre os furacões que nos atacavam cons-
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tantemente, mas como não estávamos em época de
furações, ela passava o seu tempo escrevendo ma-
térias sobre como nossa cidade era um bom lugar
para se visitar, para ver se assim conseguiam atra-
ir o mínimo de turistas para cá.
Eu já estava farto demais desta cidade e sem
sombra de dúvidas não padeceria aqui para sem-
pre.
Aqui não chegava nem aos pés de uma mé-
trópole, mas também não podia ser chamada de ci-
dade pacata do interior.
Aqui era simplesmente New Keene, aqui era
simplesmente o buraco no meio do nada.
Pelo menos era o que eu pensava quando
acabei o último livro da série que estava lendo,
apaguei as luzes do último dia de inverno, e dormi.
Era um pouco cedo, eu admitia, mas precisava dor-
mir, pois, amanhã iniciaria as aulas.
Só que eu não podia estar mais errado.
Havia uma garota.
Havia uma maldição.
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E no final havia uma morte.
Nunca consegui imaginar o que aconteceria.
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Noites de tormenta
Chamas. Não se via nada. Apenas as chamas consu-
mindo o lugar. Fogo. Estava por toda parte. Estava tudo escuro, não se enxergava nada.
– Grandel! – gritava ela.
– Socorro! – eram suas palavras. Ela se per-
dia em meio a escuridão, o fogo consumia tudo.
Ela desapareceu, mas eu ainda podia sentir
seu cheiro: flores do campo.
– Grandel! Grandel! – ecoava-se naquele mo-
Marcos Toldd – O Domínio dos Sonhos
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mento.
Acordei e pus me sentado na cama de mogno
velho. Estava seguro em meu quarto.
Podia ouvir a voz de Annastacia em fúrias
dizendo:
– Grandel White Banks! Levante-se imedia-
tamente. Não ouse atrasar-se para o primeiro dia
de aula.
Estava suando frio, olhei para os lados e sim
estava em minha casa, em meu quarto, e Annasta-
cia estava gritando escandalosamente como fazia
todas as manhãs de segunda-feira.
Estava chovendo e meu quarto estava úmi-
do.
Podia se ouvir as gotas de chuva se ecoando
na parede.
Por que minha janela estava aberta?
Minha cabeça latejava, deitei novamente e o
sonho foi se dissipando. Eu estava seguro no mes-
mo lugar onde deitei para dormir no dia anterior.
Havia meses que tinha esse mesmo sonho.
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Não me lembrava de muita coisa, à única coi-
sa que conseguia lembrar era de eu caindo. Ela
caindo. Ela suplicava minha ajuda, mas eu não
podia sequer vê-la. Eu queria achá-la, eu queria
pegá-la, eu queria salvá-la. Ela estava em perigo.
Sentia seus gritos dentre o fogo fervescente.
Queria tê-la, era como se eu estivesse apai-
xonado.
Mas isso é loucura!
Ela era apenas uma garota em um sonho. Eu
nunca conseguia ver seu rosto, a única coisa que
sentia era o seu perfume e sua voz escandalosa-
mente angelical.
Talvez eu estivesse enlouquecendo, ou talvez
só precisasse de um bom banho. Os fones ainda es-
tavam ao redor do meu pescoço e o celular tocava
uma música que não reconhecia. O domínio.
O que era aquilo? A melodia era assustado-
ra. Eu não consegui identificar a voz, mas parecia
já ter ouvido antes.
O domínio está próximo.
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O domínio dos seus mais profundos medos.
O domínio esperado por você e por todos.
Aquilo era definitivamente assustador...
– Grandel White Banks, ponha se de pé. –
era Annastacia novamente, mas dessa vez estava
dentro do meu quarto e não esboçava uma cara
muito boa.
Desliguei o celular e empurrei a coberta. Os
lençóis pareciam estar cheios de areia, mas eu sa-
bia que não era isso.
Era terra. Minhas unhas estavam pretas de
lama, da mesma forma que ficaram da última vez
que tive o sonho.
∞
Acordei naquela manhã pontualmente às 6, como
fazia todos os dias. Sabia décor, cada passo que iria
dar, o lugar que iria sentar, onde iria passar o re-
creio, com quem iria falar: ou seja ninguém, estava
pronta, vestida formalmente para meu primeiro
dia de aula e com a mesma mochila de pano velho
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que usava há anos.
∞
Enrolei o lençol e enfiei no cesto de roupa suja.
Entrei no chuveiro e tentei esquecer tudo enquan-
to os últimos vestígios de terra desciam pelo ralo.
Mas, por mais que o sabonete entrasse em atrito
com minha pele, ainda podia sentir aquele cheiro.
Flores do campo.
Minha vida baseava-se naquilo. Eu tinha
apenas 15 anos e estava apaixonado por uma ga-
rota que ao menos sabia de sua existência. Esse era
meu segredo, eu estava ficando louco.
Aquele era o primeiro dia de aula após as fé-
rias de inverno onde passei instigantes dias enfur-
nado dentro de casa, pois a única diversão que New
Keene desprovia-se estava interditada.
Interditaram o Dark Cine, pelo simples fato
de não ter alvará de funcionamento. Assim éramos
obrigados a se divertir da maneira mais peculiar
possível: indo ao Keene Beach, que era como cha-
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mava-se o lago de água escura de minha cidade,
onde ninguém nunca se atreveu a arriscar um mer-
gulho.
Annastacia era a nossa governanta, ela esta-
va há tempos presente na família White, não sabia
quanto tempo, só sabia que desde que me entendia
por gente ela estava lá me acordando todas as ma-
nhãs. Eu não sabia ao certo sua idade, pois em to-
dos os seus aniversários ela cismava nos 55 anos.
Minha mãe já tinha ido para a redação do
jornal, como fazia dês da minha infância, já estava
acostumado a ser acordado todos os dias por Anna,
poderia dizer que ela era a minha mãe postiça.
Sentei-me na mesa para tomar o mesmo café
gelado de sempre e comer o mesmo sanduiche de
presunto que a governanta me preparava todas as
manhãs.
– Não saia da mesa enquanto não terminar.
– ordenava ela, e eu sempre obedecia, pois, ela não
estava brincando. Sua feição de séria era irredutí-
vel, e como ela quem tomava as atitudes naquela
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casa, sequer pensava em contrariá-la.
Acabei o café e Annastacia me guiou até a
rua, ela sempre fazia isso, parece que ela não en-
tendia que eu já era velho o bastante para não pre-
cisar ser guiado até o portão de casa para ir à esco-
la, mas sempre o seu instinto superprotetor acaba-
va falando mais alto.
Eu estava atrasado como sempre, meu ami-
go Jace estava à minha espera em seu carro onde
íamos todos os dias para a escola. Ele tinha 17
anos, era repetente por isso a razão de possuir
permissão para dirigir.
O rádio estava ligado e o som estava alto
demais até para mim mesmo, e então Annastacia
novamente teve de intervir:
– Senhor Kuller, abaixe o som ou vou ser o-
brigada a dizer para sua mãe o que andou fazendo
no inverno passado.
Jace morava há poucos metros de casa e a
minha governanta era mais que uma amiga de sua
mãe, então ele não pensou duas vezes e abaixou o
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som, acenando em seguida para Annastacia.
Seguimos então pela rodovia B-1 cuja era a
única rodovia que tínhamos em New Keene, ela da-
va rumo para todo lugar que existia ali: a escola
primaria, ao único mercado que tínhamos, ao posto
policial, a prefeitura e a minha escola.
No carro ainda restavam vestígios do dia
anterior, onde Jace na companhia de mais alguém,
desfrutou de uma pizza que pelo cheiro, só podia
ser de calabresa.
Costumávamos desenrolar longas conversas
no caminho para à escola, mas não sabia o porquê,
mas o ar de quietude estava nos rondando, e isso
era muito estranho, pois, Jace sempre tinha algum
assunto para discutir, por mais absurdo que fosse.
De repente um carro preto e luxuoso nos ul-
trapassou, eu não o reconheci, nunca tinha visto
ele por aqui, conhecia cada carro de New Keene, e
esse nunca tinha visto. Não estávamos em tempo-
rada de férias para os moradores receberem os pa-
rentes, será que as matérias de minha mãe enfim
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atraíram os turistas para cá?
Até que Jace quebrou o silencio dizendo:
– Devem ser os novos moradores do bairro,
minha mãe comentou alguma coisa sobre eles hoje
cedo. – a mãe de Jace além de ser uma fofoqueira
de plantão era a vigia do bairro, e estava antenada
sobre cada acontecimento.
– Muito estranho isso, os últimos moradores
que recebemos foram os Lancaster que em apenas
3 horas mudaram de ideia e sem hesitar partiram
daqui. – eu disse.
– Das duas uma: ou sua mãe criou uma cida-
de fictícia em suas matérias, ou não passam de ter-
rentas – terrentas era como chamávamos as pes-
soas que viam para cá, pelo simples fato de terem
herdado uma casa aqui e não terem outra opção de
moradia.
Não ignorei as afirmações de Jace, mas pode-
ria ter outras razões que os levaram a vir para cá.