o direito das minorias

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O. DIREITOS DAS MINORIAS DIREITOS DAS MINORIAS E DOS POVOS INDÍGENAS DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS NÃO DISCRIMINAÇÃO E AÇÃO AFIRMATIVA AUTONOMIA E INTEGRAÇÃO DIVERSIDADE ÉTNICA E PLURALISMO “Nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, as pessoas per- tencentes a essas minorias não devem ser privadas do direito de ter, em comum com os outros membros do seu grupo, a sua própria vida cultural, de professar e de praticar a sua própria religião ou de utilizar a sua própria língua.” Artº 27º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. 1966.

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O direito das minorias

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  • O. DIREITOS DAS MINORIAS

    DIREITOS DAS MINORIAS E DOS POVOS INDGENAS

    DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

    NO DISCRIMINAO E AO AFIRMATIVA

    AUTONOMIA E INTEGRAO

    DIVERSIDADE TNICA E PLURALISMO

    Nos Estados em que existam minorias tnicas, religiosas ou lingusticas, as pessoas per-tencentes a essas minorias no devem ser privadas do direito de ter, em comum com os outros membros do seu grupo, a sua prpria vida cultural, de professar e de praticar a sua prpria religio ou de utilizar a sua prpria lngua.Art 27 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polticos. 1966.

  • 468 468 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    HISTRIA ILUSTRATIVA

    O caso de D.H. e outros c. Repblica Checa

    Em 2000, no caso de D.H. e outros c. Rep-blica Checa, dezoito alunos da comunidade Roma, colocados em escolas especiais para crianas com de cincias mentais e fsicas, na cidade de Ostrava, na Repblica Checa, levaram o seu caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Os alunos foram representados tanto por advogados locais, como por advogados do European Roma Rights Centre ERRC (Centro Euro-peu para os Direitos dos Roma), tendo estes defendido que as crianas foram colocadas em escolas especiais sem justi cao obje-tiva, a no ser a sua pertena tnica mi-noria da comunidade Roma.Na cidade de Ostrava e por toda a Repbli-ca Checa, a colocao de crianas Roma em escolas especiais para crianas com de ci-ncias mentais e fsicas era particularmen-te elevada. A probabilidade de uma criana Roma ser colocada numa escola especial para crianas com de cincias mentais e f-sicas era 27 vezes maior do que no caso de crianas no Roma. Deste modo, foi pedido ao TEDH que aferisse se a colocao eleva-da, desproporcional de alunos Roma em es-colas especiais constitua uma violao da Conveno Europeia dos Direitos Humanos.A Grande Cmara do TEDH proferiu a sen-tena nal em 2007 uma deciso de refe-rncia em que o Tribunal considerou que a concentrao especialmente elevada de alunos Roma em escolas para crianas com de cincias mentais e fsicas violava o direi-to educao, assim como a proibio da discriminao (nos termos do art 2 do Protocolo n 1 e do art 14 da Conveno Europeia dos Direitos Humanos). A senten-a de importncia capital, j que o TEDH

    considerou existir um padro de discrimi-nao por todo o pas e, pela primeira vez, reconheceu explicitamente, pelo nome, o conceito de discriminao indireta. O Tribu-nal tambm considerou os dados estatsticos disponibilizados pelo Comit Consultivo, ou seja, o rgo de monitorizao no mbito da Conveno Quadro para a Proteo das Minorias Nacionais do Conselho da Europa, que revelaram que aproximadamente 70% de todas as crianas Roma, na Repblica Checa, tinham aprendido em escolas para crianas com de cincias mentais e fsicas. O governo Checo no pde contestar estes argumentos. Assim, o TEDH considerou que tinha sido violado o normativo da Conven-o Europeia dos Direitos Humanos. (Fontes: Tribunal Europeu de Direitos Hu-manos. 2007. D.H. and Others v. the Czech Republic, No. 57325/00 of 13 November 2007 (grand chamber); Jennifer Devroye. 2009. The Case of D.H. and Others v. the Czech Republic. JIHR vol. 7/1.)

    Questes para debate 1. Quais foram os direitos humanos vio-

    lados?2. Por que que o TEDH considerou que as

    disposies da Conveno Europeia dos Direitos Humanos tinham sido violadas?

    3. Em que aspetos que os alunos da co-munidade Roma foram discriminados?

    4. Por que que a sentena importante para os direitos das minorias em geral?

    Direito Educao No Discriminao

    Um pas deve ser julgado pela forma como trata as suas minorias.Mahatma Gandhi.

  • 469 O. DIREITOS DAS MINORIAS 469

    1. A LUTA PELA PROTEO DOS DIREI-TOS DAS MINORIAS: DESENVOLVI-MENTO HISTRICO

    Podemos facilmente car com a impresso de que os assuntos de direitos humanos relacionados com as minorias constituem descobertas recentes e de que so sobre-tudo uma preocupao nas polticas euro-peias. No entanto, um olhar mais atento sobre a histria do direito internacional revela um quadro diferente. No incio, os assuntos das minorias estavam proxima-mente ligados s liberdades religiosas. O Tratado de Vesteflia, de 1648, concedeu direitos a determinadas certamente no a todas minorias religiosas. As liberda-des na educao de grupos religiosos esta-vam ligadas a direitos religiosos acordados pelas partes do Tratado. No sculo XVII, a proteo de minorias tinha uma relevn-cia especial para as minorias religiosas ao passo que, posteriormente, a ateno mu-dou para as minorias tnicas ou nacionais.O nal da Primeira Guerra Mundial, em 1918, conduziu dissoluo do Imprio Otomano e do Imprio Habsburgo multi-nacional. Na Europa Central, emergiu o princpio da autodeterminao nacional e foram criadas novas leis para as mino-rias. Alm disso, celebraram-se tratados de paz bilaterais e multilaterais, tam-bm com disposies espec cas para a proteo das minorias. Depois da Primeira Guerra Mundial, a Sociedade das Naes foi incumbida de monitorizar os nveis de proteo concedidos a grupos minorit-rios. Tambm alguns Estados, tais como a Finlndia ou a Estnia, em 1921 e 1923,

    emitiram declaraes para a proteo das suas minorias. Estes tratados estabelece-ram o direito a usar a lngua da mino-ria na vida privada e pblica, contendo tambm clusulas de no discriminao. Porm, no existia um quadro espec co de direitos humanos e a ideia de direitos de grupo era contestada. Assim, depois da Segunda Guerra Mun-dial a proteo das minorias foi substitu-da por instrumentos que protegiam os di-reitos humanos individuais e liberdades, baseados nos princpios da no discri-minao e igualdade. A Segunda Guer-ra Mundial marcou o m dos regimes de minorias na Europa Central, suplantados pela ideologia comunista da unidade dos trabalhadores. As minorias foram pressio-nadas a adaptarem-se cultura do regime ideolgico dos Estados comunistas. De-pois dos eventos de 1989 e da consequente dissoluo do Imprio Sovitico, a a lia-o ou atribuio nacional e tnica come-ou a desempenhar um papel importante. A identidade nacional e o sentimento de pertena a um grupo tnico ou nao tor-nou-se, em determinados casos, o veculo para a criao de novos Estados ou para a reclamao da independncia nacional. A proteo das minorias e o reconhecimen-to dos seus direitos reemergiu, assim, na agenda poltica. A proteo dos direitos das minorias tornou-se uma das condies para a obteno da qualidade de membro do Conselho da Europa. A Unio Europeia exigiu a proteo das minorias como con-dio para o estabelecimento de relaes diplomticas entre a Unio e os novos Es-tados.

    A SABER

  • 470 470 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    No nal do sculo XX, diversos instrumen-tos internacionais ambiciosos sublinharam a importncia dos assuntos das minorias para a agenda dos direitos humanos. O ponto central foi principalmente, a prote-o dos interesses das minorias atravs do primado do Direito. Diversos documentos sublinham a importncia do pluralismo (jurdico), tais como os documentos da OSCE, a Carta Europeia das Lnguas Re-gionais e Minoritrias (CELRM) ou a Con-veno Quadro para a Proteo das Mi-norias Nacionais do Conselho da Europa. A incluso da proteo dos direitos das mi-norias na Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana constitui um exemplo do interesse renovado nas ques-tes dos direitos humanos.

    Hoje, os direitos das minorias constituem uma parte integrante do direito interna-cional e encontram-se estabelecidos em disposies que visam a proteo e pro-moo das minorias, das suas culturas e tradies. A recente preocupao pelos problemas das minorias, tal como a prote-o dos direitos dos Roma, povos indge-nas e outras minorias e povos, demonstra que estas questes esto a ser altamente priorizadas. Tal como observa Theodore Orlin: Esta preocupao parece re etir um compromisso emergente para o uso do quadro normativo dos direitos humanos e respetivas polticas com o escopo de corri-gir os erros impostos s minorias durante sculos. Como demonstrado no exemplo acima, sobre as possibilidades educacionais res-tritas dos alunos pertencentes minoria Roma, h muito trabalho a ser realizado a um nvel prtico de forma a fazer dos di-reitos das minorias uma realidade para os membros destes grupos. Ainda persistem violaes graves dos direitos fundamen-

    tais de pessoas pertencentes a minorias tnicas, lingusticas ou religiosas e alguns Estados no reconhecem sequer a existn-cia de minorias no seu territrio. Contudo, existem inmeros casos na histria que demonstram que a opresso e discrimina-o das minorias ou a negligncia das suas necessidades legtimas pode conduzir a tenses e con itos graves, entre a maioria da populao e minorias ou entre vrios grupos minoritrios. A limpeza tnica, ex-pulso e genocdio tm sido documentados como consequncias de atos discriminat-rios e opressivos contra as minorias, como critica o Alto Comissrio das Naes Uni-das para os Direitos Humanos (ACNUDH). Tal como defendido pela Subcomisso das Naes Unidas para a Preveno da Dis-criminao e para a Proteo das Mino-rias, os con itos de grupo frequentemente conduzem propaganda e ao surgimento de organizaes que pretendem justi car a discriminao com base em noes de su-perioridade racial ou na incompatibilida-de de culturas com fundamento em outros motivos. Alm disso, tal como concludo pelo Conselho da Europa, no seu Relatrio sobre Diversidade e Coeso, determinados Estados realizaram e ainda realizam uma poltica de assimilao aberta que conduz, em ltima instncia, extino de mino-rias e, por conseguinte, ao empobrecimen-to cultural.

    No Discriminao Direitos Humanos da Criana

    2. DEFINIO E DESENVOLVIMENTO DA QUESTO

    O Conceito de Minoria e a Noo de Direitos das MinoriasA questo de saber exatamente o que uma minoria permanece pouco clara.

  • 471 O. DIREITOS DAS MINORIAS 471

    Presentemente, no existe uma de nio universalmente aceite de minoria. Isto deve-se sobretudo ao facto de existir uma grande variedade de exemplos do que pode ser considerado uma minoria, que nem sempre so comparveis: algumas minorias vivem em reas comunitrias de nidas, outras encontram-se espalha-das por um pas ou mesmo por mais do que um pas; algumas tm um sentido pronunciado de identidade cultural co-letiva, baseado em eventos histricos, enquanto outras apenas tm um conhe-cimento limitado do seu legado comum; algumas tm um elevado grau de autono-mia, enquanto outras esto longe de se governarem a si prprias; algumas tm um desejo mais vincado de preservarem e desenvolverem a sua cultura e traos ca-ractersticos, enquanto outras no tanto. Por conseguinte, os Estados interpretam o termo minoria por si mesmos e de for-mas diferentes. Francesco Capotorti, ex-Relator Especial das Naes Unidas, desenvolveu uma de nio de minoria aceite em termos gerais, porm, no reconhecida por todos os Estados: um grupo numericamente inferior ao resto da populao de um Es-tado, em posio no dominante, cujos membros sendo nacionais desse Estado possuem caractersticas tnicas, religiosas ou lingusticas diferentes das do resto da populao e demonstram, pelo menos de maneira implcita, um sentido de solidarie-dade, dirigido preservao da sua cultu-ra, das suas tradies, religio ou lngua. O que comum maioria dos contextos das minorias a presena de um grupo no dominante de indivduos que parti-lham determinadas caractersticas (na-cionais, tnicas, religiosas ou lingusticas), diferentes das da maioria da populao, e cujos membros tm a vontade de pre-

    servar as suas prprias caractersticas e de serem aceites como parte daquele grupo. Os direitos das minorias so normas que protegem as minorias nacionais nos Esta-dos e constituem direitos adicionais para determinados grupos. Os direitos espec -cos garantidos s minorias permitir-lhes-o preservar a sua identidade. Os direitos das minorias incluem o direito educao dos alunos na lngua da minoria, o direito ao uso da lngua da minoria em pblico e nos servios governamentais, o uso de nomes e apelidos na lngua da minoria, o direito a manter a cultura da minoria, o direito participao poltica, etc. (Fontes: Francesco Capotorti. 1979. Stu-dy on the Rights of Persons Belonging to Ethnic, Religious and Linguistic Minori-ties; United Nations Of ce of the High Commissioner for Human Rights (UNO-HCHR). 1998. Fact Sheet No.18 (Rev.1, Minority Rights.)

    Os Povos Indgenas e os Direitos dos Po-vos IndgenasOs povos indgenas so grupos especiais entre as minorias. Tal como no caso das minorias, no existe, no ordenamento jur-dico moderno dos direitos humanos, uma de nio aceite do termo povos indge-nas. Em determinados pases, preferem-se expresses como povos aborgenes ou Primeiras Naes. Dois instrumentos internacionais de direitos humanos recen-tes usam o termo povos indgenas. O pri-meiro a Conveno sobre os Povos In-dgenas e Tribais da OIT, de 1989, e o se-gundo, a Declarao das Naes Unidas sobre os Direitos dos Povos Indgenas. O uso do termo povos indgenas nes-tes instrumentos pressupe a existncia de outro grupo tnico dominante, dentro do territrio do Estado em questo ou na rea tradicionalmente habitada pelos po-

  • 472 472 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    vos indgenas. Noutras palavras, no su ciente que os membros de um grupo tnico sejam descendentes dos primeiros habitantes conhecidos do Estado ou rea em questo; tem de existir um outro grupo tnico presente e de envolver relaes de poder, para preencher a de nio legal de indgenas.

    Desa os Concetuais: Direitos Individu-ais e ColetivosOs direitos das minorias so uma parte importante do sistema de direitos huma-nos. Os direitos humanos pertencem a todos os seres humanos e preocupam-se, em primeira instncia, com os direitos dos indivduos. Porm, este foco no indivduo contrasta com o escopo dos direitos das minorias, ou seja, de grupos identi cados de pessoas cuja proteo pode exigir me-didas especiais e normas para melhorar o gozo dos direitos dos grupos, de minorias e de povos indgenas.(Fonte: Kenya National Commission on Human Rights and Centre for Minority Rights Development (ed.). 2006. Report of the Round Table Meeting of Experts on Mi-norities and Indigenous People in Kenya.)

    A proteo das minorias e povos indge-nas um assunto intersetorial j que os direitos das minorias se referem a diversas reas da vida. Aos membros das minorias pode ser negada a igualdade de tratamen-to, por exemplo, no mercado de trabalho, no sistema educacional (ex. o direito educao na lngua materna), na poltica (ex. o direito participao poltica efe-tiva), na economia (ex. na partilha equi-tativa da riqueza econmica e dos benef-cios sociais), na esfera administrativa (ex. o uso da lngua da minoria como lngua o cial perante autoridades administrativas e judiciais), nos meios de informao, etc.

    Os Direitos das Minorias e a Segurana Humana

    O direito de viver sem medo e o direito de viver sem privaes so os objetivos prin-cipais do conceito de segurana humana. Esta poltica coincide com as intenes do sistema de direitos humanos, visando ambas vencer o medo e a privao, nor-malmente em relao a vulnerabilidades sociais, culturais e outras. evidente que as minorias esto identi cadas ou autoi-denti cam-se, como grupos em risco ele-vado de sentir medo e privaes j que, na maior parte dos casos, o seu poder limitado para fazer cumprir os seus ob-jetivos e direitos contra os grupos mais fortes ou os governos responsveis.

    Muitas tenses e con itos locais e regio-nais so motivados por razes tnicas, culturais ou religiosas. Em muitos casos, estes con itos conduzem perseguio e ao genocdio. A perseguio das mino-rias nem sempre resulta de uma poltica governamental formal, embora frequen-temente, as autoridades respetivas tole-rem ou promovam ofensas cometidas por agentes no estatais; por vezes, os gover-nos so demasiado fracos para protege-rem as minorias perseguidas. A preven-o e o combate destas tenses e con i-tos so medidas polticas importantes no mbito do conceito de segurana humana de direito de viver sem medo.

    As minorias so frequentemente expos-tas privao, dependente ou inde-pendentemente do medo. Antes de mais, este um fenmeno complexo e multi-facetado, com base no acesso de ciente sade, educao e servios sociais, se existentes, conduzindo desvantagem no acesso a um rendimento apropriado; as consequncias das alteraes climti-

  • 473 O. DIREITOS DAS MINORIAS 473

    cas ou da explorao ilimitada da terra em que se encontram estabelecidas as minorias podem conduzir a desvanta-gens, privao e marginalizao, sendo que todas estas conduzem pobreza.

    As regies autnomas constituem um bom exemplo de como os assuntos acima mencionados tm vindo a ser abordados positivamente, tal como identi cado pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, nas suas Resoluo 1334 e Re-comendao 1609, sobre as experincias positivas das regies autnomas, enquan-to fontes de inspirao para a resoluo de con itos na Europa, em 2003. Neste sentido, a autonomia ou um governo au-tnomo regional podem ser vistos como tipos de parceria nacional do poder cen-tral de um Estado com o poder regional eleito democraticamente. Deste ponto de vista, a autonomia ou governo autno-mo regional um mtodo til de pre-veno de con itos, em particular, em regies onde habitem mais do que um grupo lingustico ou tnico.

    (Fonte: Thomas Benedikter. 2006. Minori-ties in Europe. Legal Instruments of Mino-rity Protection in Europe - An Overview.)

    Direito a No Viver na Pobreza Direito ao Asilo Primado do Direito e Julgamento

    Justo

    A promoo e proteo dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais ou tnicas, religiosas e lingusticas contri-buem para a estabilidade poltica e social dos Estados em que vivem.Declarao da Organizao das Naes Unidas So-bre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Mino-rias Nacionais ou tnicas, Religiosas e Lingusti-cas. 1992.

    Autonomia e AutodeterminaoA ideia de autodeterminao expressa a convico de que deveria ser permitido s pessoas governarem-se a si prprias e determinarem por si mesmas o estatuto poltico do territrio em que vivem. No entanto, o que constitui um povo? Alm disso, o reconhecimento da autodetermi-nao limita a unidade do territrio e pode conduzir ao desmembramento dos Esta-dos. A autodeterminao tambm foi um veculo para movimentos secessionistas e foi causa de violncia em muitos casos, quando os Estados existentes tiveram re-lutncia em conceder um governo prprio s minorias. Todavia, a Carta das Naes Unidas refere a autodeterminao como um princpio, estabelecendo que um dos propsitos da Organizao das Naes Unidas o desenvolvimento de relaes amigveis entre naes, baseado no prin-cpio da autodeterminao dos povos.Os artos 2 e 55 da Carta das Naes Uni-das referem o princpio da [...] autode-terminao dos povos. Porm, no cla-ro, segundo o direito internacional, como os dois conceitos de povos e do prin-cpio de autodeterminao devem ser compreendidos. Neste contexto, em 1984, o Comit dos Direitos Humanos observou que o direito autodeterminao um dos mais complexos para se de nir, j que o abuso daquele direito pode comprometer a paz internacional e a segurana, ao se dar aos Estados a impresso de que a sua integridade territorial foi ameaada. De facto, estes conceitos tm de ser tra-tados com muito cuidado, j que podem sugerir um direito de secesso e, como tal, serem a causa de con itos nacionais e internacionais graves.

    Em 1994, a Unio Federalista das Minorias Nacionais Europeias (Federalist Union of

  • 474 474 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    European National Minorities-FUEN) apre-sentou um projeto para uma conveno sobre direitos de autonomia de grupos tnicos, na Europa. Segundo a FUEN, Au-tonomia dever signi car um instrumento para a proteo das minorias nacionais e tnicas que, sem prejuzo da integridade do territrio dos Estados Partes, garanta o mais elevado grau possvel de autode-terminao interna e, em simultneo, um correspondente mnimo de dependncia da maioria nacional. De acordo com outro conceito, distinguem-se trs tipos de autonomia: 1. a autonomia territo-rial para as regies em que uma minoria constitui a maioria da populao local; 2. a autonomia cultural para as reas comu-nitrias tradicionais de uma minoria em que esta minoria no constitui a maioria da populao; e 3. a autonomia local para as unidades administrativas singulares (ou seja, em comunidades isoladas) em que a minoria constitui a maioria da populao local. Um outro conceito distingue entre dois ti-pos de autonomia, nomeadamente, a au-tonomia cultural e territorial. O primeiro conceito envolve a proteo e a promoo de lnguas, religies e costumes de uma minoria, normalmente no limitada a um territrio de nido e que pode estar dis-persa em largas distncias. A autonomia cultural permite que essa minoria orga-nize a sua vida poltica, elegendo os seus prprios rgos para a sua autodetermi-nao. A autonomia territorial uma op-o preferencial sempre que uma minoria viva numa rea comunitria relativamente compacta, j que inclui o direito autoad-ministrao, mas tambm um mnimo de competncias legislativas num determina-do territrio. Este tipo de autonomia con-fere s minorias, num territrio determina-do, o direito de, por si mesmas, regularem

    os assuntos que lhes digam respeito, tanto quanto possvel; porm, explicitamente, no lhes confere soberania estatal.(Fontes: Thomas Benedikter. 2006. Minori-ties in Europe. Legal Instruments of Minor-ity Protection in Europe - An Overview.; Jan Klabbers. 2009. Self-Determination.; Gabriel Toggenburg, Gnther Rautz. 2010. ABC des Minderheitenschutzes in Europa.)

    Deveres do Governo: os Princpios da No Discriminao, Integrao e Medi-das PositivasAs pessoas pertencentes a minorias so frequentemente discriminadas porque so vistas como diferentes. So trata-das, em situaes comparveis, sem que motivos o justi quem, de forma menos favorvel do que a maioria da populao. Esto frequentemente em desvantagem na vida quotidiana, por exemplo, na rea da educao, quando procuram trabalho ou habitao, quando vo a bares ou a res-taurantes, na rea da sade, etc. A discri-minao pode ocorrer nas esferas poltica, social, cultural ou econmica, afetando aqueles que pertencem s minorias, numa variedade complexa de possibilidades ne-gativas.Os Estados esto obrigados a respeitar e a proteger o princpio da no discrimi-nao. As disposies proibindo a dis-criminao encontram-se em todos os documentos internacionais e numerosos documentos regionais de direitos huma-nos, tais como a Conveno Europeia dos Direitos Humanos, a Carta Social Euro-peia, a Conveno Quadro para a Prote-o das Minorias Nacionais do Conselho da Europa, o Documento do Encontro de Copenhaga da Conferncia sobre a Di-menso Humana da OSCE, a Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Or-ganizao dos Estados Americanos) e a

  • 475 O. DIREITOS DAS MINORIAS 475

    Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Organizao de Unidade Afri-cana, desde 2002 Unio Africana). A Car-ta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia tambm probe a discriminao com base na pertena a uma minoria na-cional. De acordo com o Relatrio da EU-MIDIS, de 2009, da Agncia dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia, persis-tem na Europa, nveis elevados de dis-criminao e de crimes motivados por racismo. Os resultados so alarmantes j que a educao e o emprego so geral-mente considerados como as reas chave para a integrao e a incluso social. Um outro resultado alarmante apontado no Relatrio um ndice baixo de relatos das experincias negativas de discriminao. O mesmo se aplica s vtimas de ataques e de ameaas. Isto deve-se a uma falta de informao dos grupos vulnerveis sobre a legislao antidiscriminao. O estudo tambm revelou que a maior parte dos inquiridos no acreditava que a denn-cia ou o registo dos atos de discrimina-o pudesse conduzir a quaisquer conse-quncias positivas.

    No Discriminao

    Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declarao, sem distino al-guma, nomeadamente de raa, de cor, de sexo, de lngua, de religio, de opinio poltica ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situao.

    Art 2, n1 da Declarao Universal dos Direitos Humanos

    O gozo dos direitos e liberdades reco-nhecidos na presente Conveno deve ser assegurado sem quaisquer distines,

    tais como as fundadas no sexo, raa, cor, lngua, religio, opinies polticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertena a uma minoria nacional, a ri-queza, o nascimento ou qualquer outra situao.

    Art 14 da Conveno Europeia dos Direitos Humanos

    proibida a discriminao em razo, designadamente, do sexo, raa, cor ou origem tnica ou social, caractersticas genticas, lngua, religio ou convices, opinies polticas ou outras, pertena a uma minoria nacional, riqueza, nasci-mento, de cincia, idade ou orientao sexual.

    Art 21 da Carta dos Direitos Funda-mentais da Unio Europeia

    Existe a necessidade, em todos os Estados, de terem um campo de ao comum no que respeita igualdade e no discrimi-nao. Isto implica inevitavelmente algum grau de integrao. [...] A integrao deve ser desenvolvida com base na igualdade, com todos os grupos a contriburem com os seus valores e culturas para a de nio do campo de ao comum, no qual todos os membros iro interagir, tal como referido pelas Naes Unidas, em 1993. O concei-to de integrao enquanto diretriz poltica de imigrao foi desenvolvido enquanto opo alternativa, tanto assimilao, como segregao. A assimilao pode ser de nida como um processo unilateral de adaptao ao estilo de vida e sistemas valorativos da sociedade an tri e, conse-quentemente, implica o requisito de que a cultura dominante seja aceite como a su-perior. As polticas de integrao visam a participao e oportunidades iguais para pessoas pertencentes a minorias e para

  • 476 476 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    imigrantes. Partindo desta perspetiva, vi-tal promover todas as reas de integrao social, incluindo o mercado de trabalho, a educao, a vertente cultural, assim como a integrao jurdica. Outro aspeto central a participao na vida pblica, atravs de determinados direitos e deveres civis.(Fonte: United Nations. 1993. Possible ways and means of facilitating the peace-ful and constructive solution of problems involving minorities.)

    So necessrias aes positivas para compensar as desvantagens histricas das minorias e proteger e promov-las ativamente, bem como a sua cultura ni-ca. As pessoas que pertenam s mino-rias tm de ter a oportunidade de contri-burem para uma sociedade culturalmen-te diversa.

    A proteo das minorias inclui tanto a proteo da discriminao como a proteo contra a assimilao.John Humphries.

    Originalmente, considerava-se que a im-plementao e caz do princpio da no discriminao iria tornar as disposies especiais para os direitos das minorias redundantes. Porm, muito rapidamen-te se tornou bvio que a proteo dos indivduos contra a discriminao no era su ciente para proteo e a promo-o e cazes das minorias. So neces-srias medidas ativas para proteger e promover as minorias. Estes direitos especiais no so privilgios; de fac-to, pretendem dar aos membros das mi-norias a possibilidade de alcanarem as mesmas condies de vida que a maio-ria da populao. Alm disso, os direitos das minorias devem garantir s minorias a preservao da sua identidade. Esta

    posio foi adotada pelo Alto Comissa-riado das Naes Unidas para os Direitos Humanos: As diferenas no tratamento destes grupos, ou indivduos a estes per-tencentes, justi cam-se se forem realiza-das para promover a igualdade efetiva e o bem-estar da comunidade como um todo. Este tipo de ao a rmativa pode ter de ser mantido durante um perodo de tempo prolongado, de forma a permi-tir que os grupos de minorias bene ciem de um posicionamento equitativo com a maioria.

    No Discriminao

    Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos para a Proteo das MinoriasMuitos instrumentos de direitos huma-nos internacionais e regionais estabe-lecem direitos especiais para a proteo de pessoas pertencentes s minorias. A disposio chave no ordenamento jurdi-co internacional dos direitos humanos o art 27 do Pacto Internacional sobre Di-reitos Civis e Polticos (PIDCP), que refere o seguinte: Nos Estados em que existam minorias tnicas, religiosas ou lingusticas, as pessoas pertencentes a essas minorias no devem ser privadas do direito de ter, em comum com os outros membros do seu grupo, a sua prpria vida cultural, de pro-fessar e de praticar a sua prpria religio ou de empregar a sua prpria lngua.. Este artigo constitui a disposio vincula-tiva mais amplamente aceite para a pro-teo e promoo das minorias. Garante aos membros das minorias o direito identidade nacional, tnica, religiosa ou lingustica (ou uma combinao destas) e o direito a preservar as caractersticas que pretendam manter e desenvolver.

  • 477 O. DIREITOS DAS MINORIAS 477

    importante mencionar que o reconheci-mento formal de uma minoria por um Es-tado no um requisito para que o Estado esteja obrigado sua proteo, tal como clari cado pelo Alto Comissariado das Naes Unidas para os Direitos Humanos. Embora os Estados no tenham de adotar medidas espec cas, os Estados Partes do PIDCP tm de garantir que todos os indiv-duos sob a sua jurisdio gozem dos seus direitos.Ser que esta disposio inclui a proteo dos povos indgenas? Os comentrios gerais e recomendaes do Comit de Direitos Humanos da ONU clari cam o signi cado de povos, a quem a pro-teo das minorias tem de ser assegu-rada, enquanto grupo numericamente in-ferior ou enquanto uma minoria tnica ou lingustica, nos termos do art 27 do PIDCP. Casos como os de Lovelace c. Canad, Lubicon Lake Band c. Canad, e Kitok c. Sucia ilustram o facto de que o Comit, tal como no caso dos direitos dos Sami, baseia a proteo da cultura dos povos indgenas, enquanto minorias ameaadas pelas culturas maioritrias dos Estados, no art 27 do PIDCP. As decises do Comit do ao formador de direitos humanos uma oportunidade para explicar como o ordenamento jurdico dos direitos humanos trata os interesses concorrentes, frequentemente envolvidos nas disputas entre minorias e os Estados Partes que se comprometem s obriga-es do PIDCP, mas que tm interesses econmicos, administrativos e/ou outros, que possam estar em con ito com os di-reitos das minorias. (Fonte: Theodore Orlin. 2009. Minorities and Human Rights Education. Human Rights Law as a Paradigm for the Protec-tion and Advancement of Minority Educa-tion in Europe.)

    A Declarao das Naes Unidas So-bre os Direitos das Pessoas Pertencen-tes a Minorias Nacionais ou tnicas, Religiosas e Lingusticas, adotada pela Assembleia-Geral das Naes Unidas, em 1992, o nico documento aut-nomo das Naes Unidas que trata dos direitos especiais das minorias. Nele garantido o direito identidade cultu-ral e religiosa para as pessoas perten-centes a minorias, incluindo o direito reunio, assim como a participao plena, como um todo, na sociedade. A Declarao tambm exige que os Esta-dos adotem medidas para protegerem e promoverem estes direitos, incluindo a obrigao de estabelecerem condies favorveis para se conhecer e se exer-cer estas culturas, lnguas e religies, implementarem medidas para o pro-gresso econmico e acesso ao sistema de segurana social do pas e, adicio-nalmente, facilitarem a cooperao com outros Estados, no que respeita a estas matrias.

    Os Estados adotaro as medidas necess-rias para garantir que as pessoas perten-centes a minorias possam exercer plena e e cazmente todos os seus direitos huma-nos e liberdades fundamentais sem dis-criminao alguma e em plena igualdade perante a Lei.Art 4, n1 da Declarao Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou tni cas, Religiosas e Lingusticas. 1992.

    Documentos Regionais de Direitos Humanos para a Proteo das MinoriasPara alm dos documentos internacionais universais acima mencionados, existem

  • 478 478 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    tratados regionais de direitos humanos e outros documentos, tais como: a Conveno Europeia dos Direitos Hu-

    manos, a Carta Social Europeia, a Carta dos Direitos Fundamentais da

    Unio Europeia, o Documento do Encontro de Copenha-

    ga da Conferncia sobre a Dimenso Humana da OSCE,

    a Conveno Americana sobre Direitos Humanos, e

    a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos,

    todos pretendendo proteger os direitos humanos e contribuir para a proteo das minorias. Considerando que os con itos a envolverem as minorias podem ter efeitos negativos nas relaes entre Estados, estes instrumentos regionais desempenham um papel importante na proteo da paz e es-tabilidade internacionais. Eles promovem a existncia e a identidade dos grupos mi-noritrios e tm uma funo de estabeleci-mento dos modelos a ser seguidos.

    A Unio Europeia adotou, em 1993, no respeitante aos critrios exigidos para a obteno da qualidade de Estado-membro (Critrios de Copenhaga), a incluso da implementao de padres de respeito dos direitos de minorias, como requisito para a adeso. Em 2007, o Tratado de Lisboa, que alterou o Tratado da Unio Europeia e o Tratado que estabelece a Comunida-de Europeia, mencionou expressamente a proteo das minorias.

    A Dcada da Incluso da Comunidade Roma:

    A comunidade Roma constitui a maior e a mais pobre minoria da Europa desde o alargamento da UE, em 2004. O total

    da populao Roma na Europa estima-se que esteja entre os 7 e os 13 millhes, representando aproximadamente 2% da populao da UE.

    Os membros da comunidade Roma so uma populao relativamente jovem, com uma percentagem elevada com me-nos de 15 anos. Como resultado deste per l demogr co jovem, a comunidade Roma representa o futuro para muitos pases da Europa Central e de Leste e, como tal, o seu potencial, assim como a sua cultura, no devem ser negligencia-dos pelos Estados an tries.

    O desa o do desenvolvimento econmi-co e social da comunidade Roma consti-tui uma das questes centrais na agen-da dos pases, em particular, da Europa Central e de Leste, assim como de outros pases da UE e da UE como um todo.

    A pobreza nesta minoria mltipla, a comear no baixo nvel de escolaridade, habitao inadequada, situao de sade de citria e elevados nveis de desem-prego. A situao no diverge mesmo nos pases mais prsperos. A pobreza na comunidade Roma muito mais elevada do que em qualquer outro grupo e tem fundamento em inmeros fatores acu-mulados, relacionados com a sua hist-ria, tradio e a sua excluso social per-manente; os efeitos da decorrentes so negativamente manifestados na falta de acesso educao, servios pblicos, em-prego, habitao, sistema de sade, etc. e exigem a implementao de polticas para parar a discriminao e dependncia, am-bas a perpetuar a pobreza.

    A iniciativa internacional da Dcada de Incluso dos Roma (2005-2015) foi in-troduzida para acelerar a melhoria da si-tuao econmica e social dos membros

  • 479 O. DIREITOS DAS MINORIAS 479

    da comunidade Roma. A Dcada encon-tra-se intimamente ligada aos Objetivos do Desenvolvimento do Milnio e Pol-tica de Incluso Social na UE, e centra-se particularmente, na educao, emprego, sade e habitao. Presentemente, doze pases europeus com minorias signi ca-tivas de membros da comunidade Roma participam na Dcada, tendo todos de-senvolvido um Plano de Ao da Dcada que inclui:

    o estabelecimento de objetivos claros e mensurveis para a melhoria da si-tuao econmica e social dos mem-bros da comunidade Roma e a criao de uma base de dados informativa para medir o progresso da realizao destes objetivos;

    a preparao de planos de ao nacio-nais para realizar estes objetivos;

    a monitorizao regular do progresso e ajustamento dos planos de ao, de acordo com necessidades espec cas.

    (Fonte: Mabera Kamberi. 2005. Decade of Roma Inclusion 2005-2015.)

    3. PERSPETIVAS INTERCULTURAIS E QUESTES CONTROVERSAS

    As Minorias Antigas e Novas e o Cri-trio de CidadaniaTal como discutido anteriormente, no existe consenso sobre o que constitui uma minoria. Podem distinguir-se dois grupos de de nies. Primeiro, existem aqueles que a rmam que as minorias so constitu-das exclusivamente por cidados do pas em que residem, com quem tm laos his-tricos, estando bem estabelecidos, e nele se encontrem numa situao de minoria (as chamadas minorias nacionais anti-

    gas ou histricas). Segundo, existem aqueles que a rmam que a cidadania no um pr-requisito para a constituio de uma minoria (as chamadas novas mino-rias). Isto constitui uma diferena signi -cativa a um nvel prtico porque o motivo predominante para o estabelecimento das minorias encontra-se na migrao humana em larga escala devido a guerras, perse-guio, di culdades econmicas e, cada vez mais, tambm devido s alteraes climticas. Estes movimentos podem ser forados ou voluntrios, mas todos podem conduzir ao surgimento de, por vezes, nu-merosas (novas) minorias.

    Ao se ler o Comentrio Geral n 23 sobre o art 27 do PIDCP ca claro que os no cidados podem constituir minorias: Os termos usados no art 27 indicam que as pessoas a serem protegidas so as que per-tencem a um grupo e que partilham uma cultura, religio e/ou lngua. Aqueles ter-mos tambm indicam que os indivduos a serem protegidos no tm de ser cidados do Estado Parte. Quanto a esta questo, as obrigaes resultantes do art 2, n1 tambm so relevantes, j que um Estado Parte tem de assegurar, nos termos daquele artigo, que os direitos protegidos segundo o Pacto abranjam todos os indivduos que se encontrem nos seus territrios e estejam sujeitos sua jurisdio, exceto os direitos expressamente dirigidos aos cidados, por exemplo, os direitos polticos, nos termos do art 25. Um Estado Parte no pode, por isso, restringir os direitos, nos termos do art 27, apenas aos seus cidados. O comentrio Declarao da Organizao das Naes Unidas Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacio-nais ou tnicas, Religiosas e Lingusticas, adotada, em 2005, pelo Grupo de Trabalho das Naes Unidas sobre Minorias, parte

  • 480 480 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    expressamente da perspetiva do Comit dos Direitos Humanos das Naes Unidas, ao referir que: As pessoas que ainda no sejam cidads do pas em que residam po-dem fazer parte ou pertencer s minorias desse pas.

    Com base nestas consideraes, as pesso-as que pertenam a uma minoria no tm, em termos gerais, de ter a cidadania para o gozo, tanto dos direitos humanos, como dos direitos das minorias. A nica grande exceo refere-se candidatura a cargos polticos e votao nas eleies, pelo me-nos ao nvel nacional. Vrios governos na Europa argumentam que apenas os grupos de cidados dentro do Estado podem ser considerados como minoria, com refern-cia ao termo minoria nacional, ao nvel regional. Este argumento no convincen-te, atendendo aos padres mais alargados das Naes Unidas sobre os direitos das minorias que todos os Estados da Europa rati caram. Existe uma presso sobre os Estados da Europa e as suas organizaes intergovernamentais e constitutivas de modelos, tais como o Conselho da Europa e a OSCE, para reverem as suas posies.O Conselho da Europa a rma que, como resultado da imigrao, existe um nme-ro considervel de imigrantes com origens comuns em muitos pases europeus. Nal-guns pases, estes grupos so referidos como novas minorias tnicas ou visveis, conhecidas comummente como minorias alctones. De acordo com o Conselho da Europa, as minorias alctones partilham com as minorias autctones e povos ind-genas o facto de se distinguirem da maio-ria ou grupos dominantes na sociedade, em termos da origem tnica ou nacional, cultura, lngua, religio ou cor da pele.Os imigrantes e as minorias tm, na maior parte, origens distintas. As minorias his-

    tricas no tm, geralmente, uma histria migratria recente mas formam comunida-des estabelecidas h muito dentro dos Es-tados. Podem, por isso, exigir o reconheci-mento da sua lngua, a representao po-ltica espec ca e, no caso de populaes indgenas, direitos de propriedade sobre a terra. Para os grupos de imigrantes que ainda se sintam pertencentes cultura do seu pas de origem, os assuntos culturais e lingusticos so considerados assuntos polticos mais do que direitos concedidos. De acordo com o Conselho da Europa, os imigrantes pretendem a participao em instituies dominantes e no exigem a representao poltica espec ca, tal como as minorias nacionais, nem exigem terras no pas an trio, tal como os povos ind-genas podem ter.Os imigrantes e minorias nacionais tm muitas caractersticas em comum e as po-lticas a estes respeitantes frequentemente se referem a matrias similares. As mino-rias podem ter uma origem migratria e as violaes dos direitos das minorias po-dem conduzir migrao forada. A ques-to surge quanto a saber qual o perodo de tempo necessrio para que um grupo possa ser considerado como estando his-toricamente ligado ao territrio onde se estabeleceu, ou seja, quanto tempo tem de decorrer antes que uma nova minoria (alctone) se possa tornar numa antiga minoria (autctone). Os critrios mais im-portantes so os elementos de cidadania e a pertena a um grupo minoritrio que tenha estado a viver num determinado territrio pelo menos h trs geraes. A cidadania enquanto elemento constitutivo do conceito de minoria a base para uma diferenciao entre as chamadas minorias antigas e novas. (Fontes: Council of Europe (ed.). 2000. Di-versity and Cohesion. New Challenges for the

  • 481 O. DIREITOS DAS MINORIAS 481

    Integration of Immigrants and Minorities; Gabriel Toggenburg, Gnther Rautz. 2010. ABC des Minderheitenschutzes in Europa.)

    Um desa o fundamental para as socieda-des pluralistas na Europa o de assegurar que as minorias participem em p de igual-dade no exerccio do poder.Se as minorias tm um acesso limitado ou so excludas do exerccio do poder, isto vio-la os princpios da democracia e os direitos humanos e cria uma sociedade ba seada no domnio tnico e na subordinao.Comisso Europeia contra o Racismo e Intolern-

    cia. 2001.

    Demorou algum tempo para que os go-vernos dos pases que se tornaram, na prtica, pases de imigrao, se aperce-bessem da necessidade de integrarem os imigrantes nas suas sociedades. O Conse-lho da Europa considerou que tm sido implementadas polticas de integrao na maior parte destes pases e tem-se ob-tido experincia considervel sobre como estas polticas funcionam na prtica. Adotaram-se, em todos estes pases, meca-nismos semelhantes, incluindo a xao de direitos de residncia, medidas para facilitar a igualdade de oportunidades de trabalho, habitao, educao e tomada de decises polticas; naturalizao e po-lticas de cidadania; assim como esforos para se combater a discriminao, racis-mo e xenofobia. As polticas de integrao baseiam-se frequentemente em diferentes loso as polticas e tradies de pases de imigrao mais velhos, com adaptaes regulares para responderem mudana dentro das sociedades an tris. [] Os debates polticos focam frequentemente os aspetos problemticos da integrao e os mecanismos disponveis para se remover as barreiras. Porm, um novo debate est

    a emergir, que evidencia a contribuio dos imigrantes e das minorias para a so-ciedade e que valoriza as pessoas que so de origens diferentes e tm identidades mltiplas e diversas.O que se descura frequentemente nestes debates o elemento dinmico do desen-volvimento dos grupos minoritrios. Ape-sar de todos os membros do grupo partilha-rem a sua origem tnica, alguns membros so naturalizados e outros no, alguns so imigrantes recentes enquanto alguns nas-cem no pas em segunda e terceira gera-o, alguns tm relaes prximas com a sua sociedade de origem enquanto outros perderam praticamente todas as ligaes.

    Questes para debate 1. Se os direitos individuais estiverem pro-

    tegidos, existir ainda a necessidade dos direitos de grupo?

    2. Por que to difcil encontrar de ni-es (jurdicas) adequadas para o con-ceito de minoria?

    3. Quais podero ser os motivos para se tratarem, no ordenamento jurdico in-ternacional dos direitos humanos, os povos indgenas separadamente das mi-norias?

    4. Por que se deve diferenciar minorias antigas de novas?

    5. Argumenta-se frequentemente que as medidas positivas para a promoo dos membros de uma minoria discriminam outras pessoas. correto? Em que con-dies a discriminao positiva ne-cessria e aceitvel? Ou inaceitvel?

    4. IMPLEMENTAO E MONITORIZAO

    Organizao das Naes UnidasExistem diversos rgos estabelecidos nos tratados de direitos humanos que monito-

  • 482 482 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    rizam a implementao dos direitos das minorias (entre outros), nos termos es-tabelecidos nesses tratados. Estes rgos monitorizam o progresso dos Estados no cumprimento das suas obrigaes, nomea-damente se o quadro normativo domsti-co, assim como a prtica administrativa e jurdica, esto em harmonia com essas obrigaes.

    Os comits mais importantes no que res-peita implementao dos direitos das minorias so:

    o Comit dos Direitos Humanos (que monitoriza a implementao do PIDCP),

    o Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (que monitoriza a implementao do PIDESC),

    o Comit Internacional sobre a Eli-minao da Discriminao Racial (que monitoriza a implementao da CIEDR) e

    o Comit dos Direitos da Criana (que monitoriza a implementao da CDC).

    Tambm se estabeleceram mecanismos de alerta precoce visando a preveno da escalada de tenses que possam ser motivadas por questes, inter alia, tni-cas ou religiosas ou por racismo e que possam conduzir a con itos. No que res-peita aos mecanismos de alerta precoce respeitantes a minorias, de mencionar o Alto Comissrio das Naes Unidas para os Direitos Humanos e o Comit das Na-es Unidas para a Eliminao da Dis-criminao Racial (CEDR). O objetivo do Alto Comissrio prevenir a continuao de abusos de direitos humanos atravs da mediao, diplomacia e encorajamen-

    to do dilogo, enquanto o mecanismo de alerta precoce do CEDR visa direcionar a ateno para situaes com nveis par-ticularmente elevados de discriminao racial.

    Organizao para a Segurana e Coope-rao na Europa (OSCE)Os Acordos de Helsnquia e documentos subsequentes da OSCE, incluindo o Do-cumento do Encontro de Copenhaga, de 1990, a Carta de Paris para uma Nova Eu-ropa, de 1990, e o Documento de Mosco-vo, de 1991, zeram da democracia, plu-ralismo e primado do Direito, princpios normativos para a Europa. Estes docu-mentos jurdicos no vinculativos geraram um consenso governamental dos membros da OSCE para a proteo das minorias. O Documento do Encontro de Copenhaga de 1990, considerado frequentemente como uma Carta Europeia de Minorias, re ete nas suas disposies um consenso poltico aparente. No entanto, permanece a pre-ocupao no que respeita proteo das minorias, sendo uma tendncia poltica emergente para as agendas nacionalistas. Por este motivo, os instrumentos da OSCE continuam a ser relevantes para o relacio-namento entre os Estados-membros desta Organizao. (Fonte: Theodore Orlin. 2009. Minorities and Human Rights Education. Human Rights Law as a Paradigm for the Protec-tion and Advancement of Minority Educa-tion in Europe.)O trabalho do Alto Comissrio para as Mi-norias Nacionais (ACMN) da OSCE teve sucesso ao conseguir lidar com alguns dos muitos con itos de minorias, ape-sar de muitos dos problemas ainda no estarem resolvidos de forma satisfatria para as partes con ituantes. O mandato do ACMN baseia-se em trs princpios

  • 483 O. DIREITOS DAS MINORIAS 483

    principais que so a imparcialidade, con- dencialidade e cooperao, e funciona, em primeiro lugar, para a preveno e re-soluo de tenses e con itos. A sua fun-o principal a de estabelecer um aler-ta precoce e, no caso de ser necessrio, uma ao precoce, respeitante a tenses que envolvam minorias. Assim, o ACMN segue uma abordagem orientada para a segurana. As suas recomendaes no so vinculativas, nem jurdica nem poli-ticamente; o seu impacto deve-se apenas autoridade institucional e pessoal e ao apoio dos Estados participantes e organi-zaes internacionais. Nos termos do seu mandato, o ACMN recolhe e recebe infor-maes sobre assuntos das minorias, de diferentes fontes, por exemplo, das partes interessadas, dos meios de informao, de ONG, etc. O ACMN tambm pode visitar qualquer um dos Estados participantes e comunicar com as partes envolvidas, de forma a recolher informaes e avaliar a situao. O Comissrio tambm pode pro-mover o dilogo, a con ana mtua e a cooperao entre as partes.

    Conselho da Europa (CdE)A Carta Europeia das Lnguas Regionais e Minoritrias (CELRM) e a Conveno Quadro para a Proteo das Minorias Nacionais (CQPMN) so dois tratados regionais juridicamente vinculativos, re-digidos sob os auspcios do Conselho da Europa.A Carta Europeia das Lnguas Regionais e Minoritrias, de 1992, constitui um passo importante no sentido da proteo e promoo do uso das lnguas das mi-norias, tanto em privado, como na vida pblica. um instrumento dinmico que estabelece um sistema de relatrios e que tambm serve como instrumento de monitorizao entre os Estados que a

    rati caram. O Comit de Peritos examina periodicamente os relatrios dos Esta-dos. Theodore Orlin avalia muito positi-vamente o impacto da CELRM, como re-fere: Uma vez mais, as experincias do passado e as complexidades do presente encorajaram, atravs do primado do Di-reito plasmado num tratado, a proteo de um elemento central da cultura das minorias; as lnguas tradicionais foram desa adas pelas culturas minoritrias. Outros autores elogiaram o trabalho da CELRM, j que produziu mais resultados do que o esperado inicialmente. A maior parte dos observadores pro ssionais es-tavam, no incio, bastante cticos quanto ao seu possvel impacto positivo. O pro-cesso de mudana da mentalidade dos polticos nacionais, dos burocratas e da populao maioritria pode ser lento e difcil. Porm, os tratados internacionais multilaterais e as obrigaes legais deles decorrentes podem contribuir signi ca-tivamente para se alcanarem melhores padres para aqueles que pertencem s minorias, j que os Estados tm de cumprir com as obrigaes estabelecidas pelos instrumentos jurdicos internacio-nais, e justi car as suas aes e a no implementao das obrigaes que assu-miram. Tambm se estabeleceram outros instrumentos de trabalho, incluindo re-comendaes espec cas para os gover-nos, declaraes proferidas pelo ACMN, sesses de trabalho e projetos com o es-copo de regular con itos intertnicos e recomendaes gerais (ex. as Recomen-daes de Haia, respeitantes aos direi-tos das minorias na rea da educao, as Recomendaes de Oslo, respeitantes aos direitos lingusticos das minorias, e a Recomendao de Lund, sobre a participao efetiva das minorias na vida pblica).

  • 484 484 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    [] os Estados participantes em cujos ter-ritrios existam minorias nacionais iro respeitar os direitos das pessoas pertencen-tes a estas minorias, iro proporcionar-lhes oportunidades integrais para o gozo efetivo dos direitos humanos e liberdades funda-mentais e iro, desta forma, proteger os seus interesses legtimos nesta esfera.Conferncia para a Segurana e Cooperao na Eu-

    ropa, Documento Final de Helsinquia. 1975.

    A Conveno Quadro para a Proteo das Minorias Nacionais (CQPMN), de 1995, constitui o esforo mais recente no mbi-to da proteo dos direitos das minorias. Este ambicioso tratado pretende proteger as minorias contra a assimilao, o nacio-nalismo ou o etnocentrismo das socieda-des e Estados em que vivam. o primei-ro documento multilateral juridicamente vinculativo, integralmente centrado na proteo das minorias nacionais. Tal como a CELRM, a CQPMN tambm est aberta a no membros do Conselho da Europa. Po-rm, a Conveno tem sido criticada por no estabelecer uma de nio geral para minoria e permitir que os Estados Partes de nam minoria por si mesmos.Graas a estes dois instrumentos do Con-selho da Europa, existe um dilogo con-tnuo entre as diversas partes, entre a comisso de monitorizao do Conselho da Europa, as autoridades governamentais nacionais, as ONG, os membros das mino-rias e os seus representantes. Neste con-texto, importante realar que a atmos-fera predominante um elemento chave nas relaes entre as comunidades, que se refere ao grau de dilogo substancial em que se encontrem as diferentes comu-nidades e reas da sociedade relativamen-te a assuntos delicados e existncia de tentativas srias para se estabelecerem

    plataformas comuns de entendimento. Contriburam para este efeito, de acordo com o Conselho da Europa, o processo de relatrios alternativos, as consultas dos governos, os encontros durante as visitas, os comentrios dos Estados e os encontros de acompanhamento no mbito do proces-so de monitorizao.(Fontes: Theodore Orlin. 2009. Minorities and Human Rights Education. Human Rights Law as a Paradigm for the Protec-tion and Advancement of Minority Educa-tion in Europe.; Patrick Thornberry, Mara Estbanez. 2004. Minority rights in Eu-rope. A review of the work and standards of the Council of Europe.)

    Ao nvel europeu, a jurisprudncia do Tri-bunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tambm relevante para as mino-rias. Apesar de a Conveno Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) no conter dis-posies espec cas para a proteo das minorias, as normas da Conveno e a sua interpretao pelo Tribunal tm relevncia para os direitos e assuntos das minorias. O Tribunal apenas recentemente comeou a proferir muitas decises a clari car o im-pacto dos instrumentos de direitos humanos na discriminao das minorias. O Tribunal tem de equilibrar, em particular, os direitos concorrentes, tais como o uso (excessivo) da liberdade de expresso, a liberdade de religio e o direito no discriminao, de forma a assegurar o respeito pela dignidade inerente das minorias. Porm, poder levar anos at que os grupos minoritrios esgotem as instncias legais domsticas de forma a poderem submeter um pedido ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

    Unio Africana (UA)A Comisso Africana dos Direitos Huma-nos e dos Povos o rgo africano regio-

  • 485 O. DIREITOS DAS MINORIAS 485

    nal de monitorizao para a promoo e proteo dos direitos humanos, incluindo os direitos das minorias. A Comisso co-meou o seu trabalho em 1986, depois da adoo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta de Ban-jul). No seu prembulo, a Carta de Ban-jul a rma que [...] a realidade e o respeito dos direitos dos povos deve garantir, neces-sariamente, os direitos humanos. Porm, no contm quaisquer disposies explci-tas para a proteo das minorias. Desde 2006, o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos o rgo judicial que decide processos no mbito da Carta de Banjul.

    Organizao dos Estados Americanos (OEA)O Tribunal Interamericano de Direitos Humanos (TIDH) e a Comisso Interame-ricana de Direitos Humanos constroem o sistema de proteo dos direitos humanos da Organizao dos Estados Americanos (OEA), para executar e interpretar as dis-posies da Conveno Americana de Direitos Humanos. Apesar de a Conven-o no estabelecer direitos espec cos das minorias, o exemplo que se segue de-monstra a importncia das decises do Tri-bunal para a proteo dos seus interesses.

    Povo de Saramaka: o reconhecimento da personalidade jurdica com direito ao uso da sua terraEm 2007, no caso de referncia Povo de Saramaka c. Suriname, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos apreciou, pela primeira vez, direitos co-letivos, incluindo o direito autodeter-minao de um povo. Em vez de con-siderar o Povo de Saramaka enquanto um grupo de indivduos ou como uma comunidade, o Tribunal decidiu que o

    Povo de Saramaka tem o direito ao re-conhecimento de personalidade jurdica coletiva. O Tribunal Interamericano de Direitos Humanos atribuiu, pela pri-meira vez, indemnizaes monetrias aos indgenas ou povo tribal, por danos ambientais terra e aos recursos dos Saramakas, causados pelo Estado do Suriname. Em meados do sculo XX, o Estado do Suriname comeou a explorar a terra em que os Saramakas viviam h mais de 300 anos, e da qual dependiam para a sua sobrevivncia. No incio, os Saramakas no conseguiram reagir s agresses. Porm, no nal dos anos no-venta, os Saramakas comearam a rea-gir de forma a proteger o seu territrio e apresentaram uma petio Comisso Interamericana de Direitos Humanos. Como base nesta petio, a Comisso pediu ao governo do Suriname para suspender todas as concesses de ex-plorao de orestas e minas at que as queixas substantivas fossem investiga-das. Porm, o governo no cumpriu com estas medidas cautelares e o processo foi encaminhado para o Tribunal Interame-ricano de Direitos Humanos. O Tribunal sublinhou que o povo dos Saramaka possui caractersticas similares s dos povos indgenas [] cujas caractersticas sociais, culturais e econmicas so dife-rentes das de outros setores da comuni-dade nacional, em particular, devido relao especial com os seus territrios ancestrais e porque eles se disciplinam a si prprios, pelo menos parcialmente, atravs das suas normas, costumes e/ou tradies. O Tribunal tambm concluiu que o Estado tem a obrigao de ado-tar medidas especiais para reconhecer, respeitar, proteger e garantir o direito de propriedade comunal dos membros

  • 486 486 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    da comunidade Saramaka no territrio em questo. O Tribunal referiu ainda que os recursos naturais (ex. orestas e rios), tradicionalmente usados pelos Saramakas, so essenciais para a sua sobrevivncia fsica e cultural, enquanto povo, e que estes recursos so abrangi-dos pelo mbito de proteo da Conven-o Americana e, consequentemente, constituem uma parte dos direitos de propriedade do povo. Assim, em 2007, aps mais de uma dcada de luta pelos seus direitos, fez-se nalmente justia aos Saramakas.(Fontes: Tribunal Interamericano de Di-reitos Humanos. 2007. Case of the Sara-maka People v. Suriname of 28 Novem-ber 2007.; Richard Price. 2009. Contested Territory: The Victory of the Saramaka People v. Suriname.

    Presso Internacional: o Papel das OIG, das ONG e dos Meios de InformaoNo sistema internacional de direitos huma-nos, a presso internacional de diferentes atores, tais como as OIG (ex. a Organiza-o das Naes Unidas, o Conselho da Eu-ropa, etc.), por um lado, e as ONG, por ou-tro, uma ferramenta importante para exigir a implementao dos direitos das minorias. A presso dos grupos de interes-se, dos quadros jurdicos internacionais, dos tratados e das recomendaes conduz a uma maior sensibilizao de quem pro-fere as decises e, consequentemente, a uma maior implementao das exigncias legais e normas dos direitos humanos. As ONG desempenham um papel importante na promoo da integrao dos imigran-tes e das minorias. O Conselho da Europa refere que as ONG esto, diretamente ou atravs das suas liais nacionais, prximas de situaes de tenso e possveis fontes

    de con ito. Encontram-se, frequentemen-te, envolvidas em mediao e podem sen-sibilizar a opinio pblica internacional, assim como a nacional, quando os direitos das minorias forem negligenciados ou vio-lados. As ONG podem, por um lado, ter um impacto signi cativo no que respeita proteo das minorias, atravs da pes-quisa, publicao de relatrios e servindo de canais ou plataformas para os grupos de minorias e, por outro lado, disponibili-zar informaes oportunas e factuais aos governos e rgos intergovernamentais so-bre situaes que envolvam as minorias. Este papel encontra-se bem reconhecido e promovido pelo Alto Comissariado das Naes Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).O ACNUDH refere, explicitamente, que as ONG podem promover, de forma decisiva, a proteo das minorias ao: Encorajarem a adoo de medidas, ao

    nvel domstico, para implementar, de forma e caz, as disposies dos instru-mentos internacionais relevantes;

    Contriburem para a implementao, ao nvel local, nacional e regional das reso-lues internacionais e convenes rela-cionadas com questes das minorias;

    Disponibilizarem informaes sobre violaes dos direitos das minorias, levando-as ateno de diversos meca-nismos de direitos humanos das Naes Unidas (ex. Comisso dos Direitos Hu-manos e a Subcomisso para a Preven-o da Discriminao e Proteo das Minorias);

    Disponibilizarem informaes pormeno-rizadas e objetivas sobre a situao das minorias e sobre formas possveis de fo-mentar a sua manuteno e o seu desen-volvimento;

    Contriburem para os relatrios dos Esta-dos sobre a situao das minorias, atra-

  • 487 O. DIREITOS DAS MINORIAS 487

    vs da incluso de informaes precisas nestes relatrios ou nos procedimentos de monitorizao;

    Atrarem a ateno dos rgos dos trata-dos para infraes srias e contriburem para a implementao das decises e re-comendaes dos comits.

    (Fonte: Claudia Mahler. 2009. Is Human Rights Education a Means of Supporting Minorities?)

    Boas Prticas

    Para alm dos atores j mencionados, os meios de informao desempenham um papel central ao relatarem a discriminao contra as minorias e sobre as prprias mi-norias. Tambm tm a funo de sensibi-lizarem a maioria da populao e os res-ponsveis pelas decises polticas quanto s necessidades das minorias. No entanto, os meios de informao tambm podem atuar enquanto criadores e promotores de esteretipos negativos e podem difundir informaes sensacionalistas e errneas respeitantes ao grupo minoritrio. Assim, importante que as minorias tenham a oportunidade de gerir os seus prprios meios de informao, assim como a opor-tunidade de participar apropriadamente nos meios de informao principais e lde-res de opinies.

    Liberdade de Expresso e Liberdade dos Meios de Informao

    O que podemos NS fazer?

    A educao para os direitos humanos envolve a aprendizagem e o ensino do respeito pelos direitos humanos, o co-nhecimento destes direitos e a sua pr-tica.

    uma parte inerente do direito edu-cao e deve fazer parte de todos os sis-temas de educao. Os aspetos prticos da educao para os direitos humanos relacionam-se com a transferncia de co-nhecimentos, sensibilizao, construo de competncias e estabelecimento de uma cultura em que os direitos huma-nos sejam compreendidos, respeitados e defendidos.

    O que NS podemos fazer conscien-cializarmo-nos e sensibilizar outros para o facto das pessoas pertencentes a minorias poderem ter identidades di-ferentes das da maioria da populao. Cada uma dessas identidades tem um valor e as pessoas pertencentes a essas minorias, assim como as pessoas per-tencentes maioria da populao, tm o direito de manter e desenvolver as suas caractersticas espec cas tnicas, reli-giosas e lingusticas.

    O que NS devemos fazer aprender sobre a questo e reduzir os nossos pr-prios preconceitos. So valores impor-tantes: o respeito por todos, incluindo a identidade dos grupos das minorias e da maioria da populao, tal como o respeito pela diversidade lingustica, tnica e cultural. O que NS podemos fazer respeitar a diversidade como um valor. Podemos reconhecer que conhecer muitas culturas e lnguas constitui um valor adicional para a sociedade e uma vantagem para cada uma das pessoas.

    Outra funo da educao para os direi-tos humanos disponibilizar informa-es sobre estes direitos e, desta forma, empoderar as pessoas para reivindica-rem e realizarem os seus direitos. As-sim, NS devemos estar informados e informar os outros sobre os direitos

  • 488 488 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    das minorias. No que respeita aos casos de discriminao, NS devemos saber qual a autoridade pblica a quem pode-mos contactar e como tratar as viola-es de direitos humanos, especialmen-te as violaes dos direitos das minorias. O que NS podemos fazer tornar p-blicas as violaes dos direitos das mi-norias, ao chamar a ateno dos meios de informao, tribunais e autoridades competentes nacionais e internacionais, bem como das Naes Unidas ou ONG relevantes. Assim, NS podemos procu-rar a reparao jurdica das violaes dos direitos das minorias. Deste modo, a educao para os direitos humanos e o compromisso de cada um de ns so ferramentas excelentes para se apoiar os grupos minoritrios.

    Tal como refere Theodore Orlin, De-vemos converter a retrica do direito internacional dos direitos humanos numa realidade prtica, em que, nas relaes de uns com os outros, pratique-mos as exigncias do direito dos direi-tos humanos, de propiciar a dignidade

    que os instrumentos de direitos humanos e tratados internacionais tm, desde h tanto tempo, tentado proteger.

    Acima de tudo, especialmente impor-tante que os formadores de direitos hu-manos levem as lies dos direitos hu-manos e direitos das minorias no ape-nas ao pblico em geral e aos funcion-rios governamentais, mas especialmente s prprias pessoas pertencentes s minorias. Desta forma, elas podem rei-vindicar os seus direitos, apesar dos desa os potenciais colocados pela maio-ria da populao que pode ser insensvel aos seus interesses legtimos.

    (Fontes: Claudia Mahler, Anja Mihr, Reetta Touvanen (eds.). 2009. The Unit-ed Nations Decade for Human Rights Education and the Inclusion of National Minorities.; Theodore Orlin. 2009. Mi-norities and Human Rights Education. Human Rights Law as a Paradigm for the Protection and Advancement of Minority Education in Europe.)

    Direito Educao

    CONVM SABER

    1. BOAS PRTICAS

    Grupo Internacional de Direitos das Mi-norias - GDM (Minority Rights Group In-ternational)O GDM uma das ONG mais importan-tes no campo da proteo das minorias. A organizao visa assegurar, em todo o mundo, os direitos das pessoas perten-centes a minorias e povos indgenas. Tra-

    balha conjuntamente, em particular, com comunidades de minorias, realizando ini-ciativas de educao e de formao, sobre como estas comunidades podem fazer uso dos seus direitos. A organizao tambm exerce presso sobre governos e sobre as Naes Unidas em prol das minorias. Tam-bm publica relatrios cient cos sobre assuntos relacionados com as minorias. Desta forma, a organizao procura que as minorias e os povos indgenas, estan-

  • 489 O. DIREITOS DAS MINORIAS 489

    do em desvantagem, possam fazer ouvir as suas vozes. A organizao tambm visa a erradicao, atravs de campanhas, de atitudes discriminatrias em relao que-les que pertencem s minorias ou povos indgenas. O programa do GDM de apoio jurdico tem sido pioneiro para a proteo dos direitos das minorias. De acordo com a descrio interna do GDM, o trabalho da organizao recolhe provas para demons-trar que a incluso das comunidades das minorias conduz a sociedades mais fortes e mais coesas. O GDM tem uma vasta rede de parceiros. Colabora com mais de 150 parceiros em 60 Estados e tem expe-rincia considervel na promoo da co-existncia pac ca e da mudana social sustentvel. O GDM apoia as minorias e os povos indgenas nos seus esforos de manuteno dos seus direitos em relao terra em que habitam, lngua que fa-lam, a oportunidades iguais na educao e no emprego e na participao plena na vida pblica, atravs da formao, da edu-cao, do apoio jurdico, das publicaes e dos meios de informao. O GDM assume o compromisso de assegurar os direitos de vrias comunidades de minorias, tais como os Batwa na frica Central, os Roma na Europa, os cristos no Iraque, etc. O GDM tem estatuto consultivo junto do Conselho Econmico e Social das Naes Unidas (ECOSOC,) e estatuto de observa-dor junto da Comisso Africana dos Direi-tos Humanos e dos Povos.

    Centro Europeu para os Direitos dos Roma (European Roma Rights Centre-ERRC)O Centro Europeu para os Direitos dos Roma uma ONG internacional sediada em Budapeste, na Hungria. O seu objeti-vo monitorizar as condies de vida da minoria Roma, na Europa. O ERRC dispo-nibiliza apoio jurdico para os membros da

    comunidade Roma que foram vtimas de violao de direitos humanos e organiza sesses de trabalho para juristas de di-versos pases europeus, familiarizando os participantes com os mecanismos jurdi-cos relevantes, os quais visam capacitar os membros da comunidade Roma e os seus defensores na implementao dos direitos humanos.

    Gabinete Europeu para Lnguas Menos Divulgadas - GELMD (European Bureau for Lesser Used Languages)O GELMD uma ONG fundada, em 1982, em Dublin (Irlanda), da iniciativa do Par-lamento Europeu e de determinados re-presentantes de organizaes de minorias. Pretende promover as lnguas e a diversi-dade lingustica na Europa. nanciado pela Comisso Europeia, assim como por organizaes governamentais locais e re-gionais e mantm um contato prximo com o Parlamento Europeu e com o Conselho da Europa. O GELMD tem tido diversos re-sultados importantes atravs do exerccio de presso e da promoo das lnguas re-gionais e das minorias na Europa. Graas ao compromisso do GELMD, a coordena-o e cooperao entre as comunidades de falantes de lnguas menos divulgadas tem melhorado substancialmente. Atravs do projeto de escola Euroschool (Escola Eu-ropeia), mais de 400 adolescentes, de mais de 10 comunidades de lnguas, puderam encontrar-se com outros adolescentes e as suas famlias, numa variedade de proje-tos de escola. Alm disso, o GELMD lan-ou campanhas de informao de forma a melhorar a imagem das minorias e das lnguas das minorias. Criou-se a agncia de notcias Eurolang que publica artigos em diversas lnguas sobre a situao das minorias. Tambm foram instaladas redes de informao sobre assuntos das mino-

  • 490 490 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    rias. O GELMD tambm contribuiu para a redao da Carta Europeia das Lnguas Re-gionais e Minoritrias (CELRM) e a Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Eu-ropeia. A ONG goza do estatuto de obser-vador junto do ECOSOC, da UNESCO e do Conselho da Europa.

    A Representao das Minorias no Parla-mento da frica do SulA participao efetiva das minorias na es-fera poltica de um pas um factor essen-cial para a sua proteo e para a preveno de con itos. O compromisso ativo das mi-norias na vida poltica e social de um Es-tado sustenta todos os outros esforos de proteo dos seus direitos e atua como uma vlvula de segurana quando as situa es de grande desacordo entre comunidades ameacem conduzir violncia, tal como defendido pelo Grupo de Direitos das Mi-norias (GDM). De acordo com esta ONG, as polticas da frica do Sul ps-apartheid, para assegurar a representao das mino-rias, tornaram o parlamento deste pas entre os mais representativos etnica-mente em relao a qualquer legislatura democrtica no mundo. A lista referente participao das minorias em legislaturas liderada por Estados africanos. Segundo o Relatrio do GDM, sobre o Estado das Mi-norias no Mundo, de 2007, a frica do Sul lidera esta lista, logo seguida da Nambia e da Tanznia. Alguns pases africanos so os mais desenvolvidos no que respeita aos conceitos de partilha do poder, baseados na etnicidade e representao tnica no parlamento. Isto bastante surpreendente, especialmente considerando que metade da lista dos vinte pases mais perigosos do mundo para as minorias se encontram em frica. De acordo com o GDM, trs pases africanos ganharam, claramente, s democracias ocidentais estabelecidas, no

    respeitante melhor representao poltica das minorias, no mundo.

    2. TENDNCIAS

    As Minorias Antigas e Novas e a Aplicabilidade do Sistema de Proteo das Minorias s Novas MinoriasOs imigrantes e os seus sucessores esto normalmente excludos das de nies convencionais de minorias, mesmo que possuam caractersticas tnicas, religio-sas, culturais e/ou lingusticas diferen-tes das comunidades an tris. O Comit Consultivo da Conveno Quadro para a Proteo das Minorias Nacionais (CQMN) tem defendido, de forma consistente, que a Conveno no apresenta uma de -nio de minorias nacionais, pelo que os Estados Partes tm uma margem de apreciao na determinao dos grupos a quem se aplica a Conveno. Devido percentagem signi cativa de no cida-dos dentro da populao total, o Comit Consultivo defendeu que seria possvel considerar a incluso de pessoas perten-centes a estes grupos na aplicao da Con-veno Quadro, atravs de uma anlise artigo a artigo, e notou que as autori-dades dos pases em questo devem consi-derar esta possibilidade em consulta com os interessados, num momento apropria-do no futuro. O Comit Consultivo cri-ticou a aplicao estrita das disposies formais restritivas s minorias nacionais histricas, por estabelecer uma proteo insu ciente s minorias, contrariamente ao esprito da Conveno. O Comit de-fendeu que as pessoas que pertenam a novas minorias devem ter direito a de-terminados direitos fundamentais conti-dos na CQMN, tais como o direito edu-cao, liberdade religiosa e liberdade de expresso.

  • 491 O. DIREITOS DAS MINORIAS 491

    Diversidade e CoesoOs conceitos de diversidade, coeso, cida-dania e participao esto a ser progressi-vamente aplicados e esto a adquirir novos signi cados atravs do seu uso em debates polticos, a nvel nacional e internacional. Por exemplo, o conceito de diversidade tem vindo a ser objeto de cada vez mais ateno e aplicao, no que respeita s po-lticas europeias e legislao implementa-da. A igualdade forma a base fundamen-tal das polticas de integrao e proteo das minorias. O conceito de diversidade foi introduzido nas polticas de integrao, desencadeadas por desenvolvimentos de-mogr cos. Tambm se entende como um processo que a todos bene cia, de forma a tornar as sociedades cada vez mais plu-rais. O multiculturalismo foi usado como um conceito descritivo ou prescritivo, ou seja, as sociedades devem tornar-se mul-ticulturais. Nos debates correntes, o signi- cado de diversidade refere-se variedade de valores, estilos de vida, culturas, religi-es e lnguas que formam as sociedades. O Conselho da Europa enumera seis aplica-es diferentes ou explicaes do conceito de diversidade. Primeiro, o termo refere-se diversidade cultural em geral e no ex-clusivamente enquanto uma consequncia dos movimentos migratrios e das comuni-dades de minorias estabelecidas. Segundo, quando o termo aplicado a imigrantes e minorias, confere nfase ao valor mais do que aos problemas associados com o ser-se diferente. Terceiro, a diversidade reconhe-ce o processo simultneo da homogeneiza-o cultural (enquanto cultura global) e da diversi cao (culturas nacionais e locais). Quarto, sublinha o facto de que as pessoas normalmente (e cada vez mais) tm iden-tidades mltiplas, so membros de vrios grupos ou tm diversas liaes culturais. Quinto, a diversidade refere-se mais von-

    tade e menos a liaes determinadas. Sexto, a diversidade trata, de forma cria-tiva, da dicotomia entre valores e culturas universais e particulares. Finalmente, os valores comuns partilhados pela sociedade civil sustentam o conceito de sociedades diversi cadas.O termo coeso tem origem em contextos de emprego, segurana social e pobreza. A coeso (social) refere-se a polticas para contrariar a desintegrao social, excluso social e marginalizao de determinados grupos. Estas polticas envolvem a promo-o e proteo de direitos sociais funda-mentais, a implementao da proteo da segurana social, o acesso universal ha-bitao, respondendo s necessidades es-pec cas de determinados grupos em risco e potenciando o acesso aos mercados de trabalho, atravs da educao, formao e formao contnua. As polticas de coe-so social visam, assim, contrabalanar os processos de fragmentao social.(Fonte: Council of Europe. 2000. Diversity and Cohesion. New Challenges for the Inte-gration of Immigrants and Minorities.) Apesar da difcil luta pelos direitos das minorias e dos problemas persistentes res-peitantes proteo efetiva e promoo das minorias, importante salientar que os esforos respeitantes aos direitos das minorias constituem etapas importantes no desenvolvimento do direito dos direitos humanos. fundamental que se continue a expandir e proteger os direitos das mino-rias. Os sucessos e insucessos devem ser compreendidos retrospetivamente, de for-ma a se encontrar caminhos mais e cazes para se proteger as minorias. essencial que este processo se realize no mbito do paradigma do direito dos direitos huma-nos e sem a retrica do nacionalismo e do etnocentrismo.

  • 492 492 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    3. CRONOLOGIA

    1920 Sociedade das Naes

    1965 Conveno Internacional para a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial

    1966 Pacto Internacional sobre os Direi-tos Civis e Polticos

    1966 Pacto Internacional sobre os Direi-tos Econmicos, Sociais e Cultu-rais

    1989 Conveno sobre os Direitos da Criana

    1990 Documento do Encontro de Cope-nhaga da Conferncia sobre a Di-menso Humana da OSCE

    1992 Carta Europeia das Lnguas Regio-nais e Minoritrias

    1992 Declarao da Organizao das Naes Unidas Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Mino-rias Nacionais ou tnicas, Religio-sas e Lingusticas

    1994 Comentrio Geral n 23 do Comit dos Direitos Humanos, sobre os di-reitos das minorias

    1995 Conveno Quadro para a Pro-teo das Minorias Nacionais do Conselho da Europa

    2000 Comentrio Geral n 14 do Comit dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, sobre o direito ao nvel mais elevado sade

    2005 Comentrio do Grupo de Traba-lho sobre Minorias Declarao da Organizao das Naes Uni-das Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacio-nais ou tnicas, Religiosas e Lin-gusticas

    2005 Conveno da UNESCO sobre a Proteo e Promoo da Diversida-de das Expresses Culturais

    2007 Frum sobre Assuntos das Mino-rias pelo Conselho de Direitos Hu-manos (Resoluo 6/15)

    ATIVIDADES SELECIONADAS

    ATIVIDADE I: CONFRONTAO ENTRE PRECONCEITOS E DISCRIMINAO

    Parte I: IntroduoA identi cao dos preconceitos, da dis-criminao, do racismo, do sexismo e do etnocentrismo constitui uma parte impor-tante da educao para os direitos huma-nos. Estas formas de excluso moral so manifestaes fundamentais do problema central da negao da dignidade humana, resultando em diversos tipos de discrimi-

    nao, especialmente contra as minorias. Os grupos que sofrem discriminao in-cluem as minorias tnicas, lingusticas, religiosas e outras. O preconceito e a ig-norncia promovem a desumanizao das minorias tnicas e protegem e apoiam muitas formas de discriminao.

    Parte II: Informao Geral Tipo de atividade: debate em grupo Metas e objetivos: re exo sobre o proces-so e caratersticas da discriminao e as suas origens no preconceito, identi cando

  • 493 O. DIREITOS DAS MINORIAS 493

    os problemas dos grupos das minorias re-lacionados com os preconceitos e com a discriminao e recomendando aes so-bre as discriminaes vividas pelos mem-bros de uma minoria tnica, baseadas nas normas nacionais e internacionais de di-reitos humanos.Grupo-alvo: Jovens adultos e adultosDimenso do Grupo: 825; pequeno gru-po de trabalho e debate em grande grupo Durao: 60 minutosMateriais: cpias do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polticos (PIDCP), quadro Competncias envolvidas: comunicao, cooperao, avaliao de diferentes pon-tos de vista

    Parte III: Informao Espec ca sobre a AtividadeInstrues: o formador deve ser criativo ao explicar a distino entre preconceito e discriminao e deve assegurar-se de que os participantes compreendam a relao. Atendendo a que este pode ser um tpico delicado para muitos, importante conce-der o tempo necessrio para que se expri-mam as diferentes perspetivas. O formador no deve tentar corrigir as perspetivas, mas permitir que outros as comentem. 1. Pedir aos participantes que digam o

    nome das minorias tnicas existentes nos seus pases. Dizer-lhes que devem identi car um grupo com o qual este-jam familiarizados e explicar se o gru-po sofre preconceitos. Escrever, num quadro ou cavalete, as minorias iden-ti cadas, por exemplo, a etnia vietna-mita.

    Interveno do formador: explicar que o preconceito e a discriminao se en-contram intimamente ligados e que o preconceito conduz discriminao: o preconceito envolve crenas, emoes

    e atitudes. O sentimento de preconcei-to tem a sua origem na crena de que determinadas pessoas so inferiores e que devem ser tratadas de uma forma indigna ou mesmo com desprezo. O preconceito o terreno frtil no qual o costume, os hbitos e as atitudes se en-razam e crescem at se manifestarem enquanto opresso sistemtica. Os pre-conceitos e o mal-estar dirigem-se fre-quentemente contra as mulheres, assim como contra outros grupos na socieda-de: os refugiados e pessoas deslocadas, os membros de religies diferentes, os grupos tnicos e lingusticos, etc. O pre-conceito tende a ser mais forte nas pes-soas e sociedades em que o raciocnio crtico de ciente e onde a ignorncia explica os processos perniciosos de ex-cluso moral dos outros e o processo de negao do direito ao tratamento igual e justo. revelador de ignorncia dizer-se que a excluso e a negao so naturais. O preconceito encontra-se frequentemente escondido, mas torna-se evidente quando as pessoas usam de improprios para se referirem a uma minoria, deixando subentendido que os membros do grupo so inferiores, e usam de esteretipos. A discriminao envolve ao, baseada, frequentemen-te, em regras injustas. Os atos de discri-minao baseiam-se no entendimento de que o grupo dominante tem o direito de negar a outro grupo, direitos huma-nos bsicos e o acesso aos benefcios da sociedade. A discriminao a ne-gao da dignidade humana e de direi-tos iguais para aqueles que so vtimas da discriminao. Os atos de discrimi-nao obstam igualdade humana e impem uma vida de problemas e lutas para alguns, enquanto asseguram a ou-tros privilgios e benefcios. Na mesma

  • 494 494 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    medida em que o preconceito d vida discriminao, esta d vida explo-rao e opresso. Quando a explorao e opresso se reforam pelo costume e tradio, a luta pela igualdade torna-se mais difcil.

    2. Pedir aos participantes que discutam as noes de preconceito e de discrimi-nao.

    3. Observar o quadro onde esto escritas as minorias identi cadas. Pedir aos par-ticipantes que re ram os esteretipos tpicos para estes grupos de minorias. Explicar que estes so todos indcios do preconceito que pode conduzir discri-minao.

    4. Deixar os participantes identi carem atos a envolverem discriminao, por exemplo, atos de negao e excluso na rea da educao, emprego, etc.

    5. Dividir os participantes em pequenos grupos, cada um centrado numa mi-noria tnica espec ca. Cada grupo deve ter: 1. uma pessoa a relatar os preconceitos e atitudes que as pessoas tm em relao ao grupo minoritrio respetivo, incluindo improprios e es-teretipos com o objetivo de desuma-nizar o povo envolvido; 2. uma pessoa a relatar os problemas de discrimina-o ou atos de excluso, explorao e opresso, dirigidos contra o grupo minoritrio respetivo. Os dois relato-res apresentam as concluses do de-bate do grupo ao plenrio. Incentivar os participantes a pedirem ao relator do preconceito que explique como o preconceito conduz discriminao. Incentivar os participantes a solicita-rem ao relator da discriminao que lhes diga como os preconceitos esto na base da discriminao. J que esse passo um pouco complexo, o forma-dor deve utuar entre os grupos de

    forma a assegurar-se de que a ativida-de foi compreendida.

    Interveno do formador: explicar aos participantes que a discriminao prove-niente das maiorias (i.e., a considerao de alguns grupos da sociedade como infe-riores ou o seu tratamento com pouco ou nenhum respeito) constitui uma violao grave dos direitos humanos. O direito dos direitos humanos exige que as minorias sejam tratadas com respeito e dignidade. Qualquer forma de discriminao ou in-tolerncia viola o respeito e a dignidade. Assim, qualquer forma de discriminao deve ser levada seriamente e ser comba-tida.

    Acompanhamento:Discutir as seguintes ferramentas para a obteno de justia, quando os direitos das minorias tenham sido violados: apresentar uma queixa junto do tribu-

    nal; apresentar uma queixa de violao de

    direitos humanos polcia; consultar uma organizao de apoio ju-

    rdico que possa disponibilizar assistn-cia jurdica;

    dar conhecimento a uma ONG de direi-tos humanos com a capacidade de in-vestigar e relatar o incidente;

    informar os meios de informao: jor-nais, rdio, televiso;

    informar um representante poltico ou um membro do parlamento;

    formar um grupo de bairro para investi-gar e atuar em relao alegao;

    organizar um seminrio de educao para os direitos humanos na comunida-de local.

    Pedir aos participantes que se renam em grupos para decidirem sobre uma inicia-tiva que recomendem para solucionar o problema, atendendo s informaes aci-

  • 495 O. DIREITOS DAS MINORIAS 495

    ma referidas e tambm s disposies apli-cveis do PIDCP:Art 26 do PIDCP: Todas as pessoas so iguais perante a lei e tm direito, sem discriminao, a igual proteo da lei. A este respeito, a lei deve proibir to-das as discriminaes e garantir a todas as pessoas proteo igual e eficaz contra toda a espcie de discriminao, nomea-damente por motivos de raa, de cor, de sexo, de lngua, de religio, de opinio poltica ou de qualquer outra opinio, de origem nacional ou social, de proprie-dade, de nascimento ou de qualquer ou-tra situao.Art 27 do PIDCP: Nos Estados em que existam minorias tnicas, religiosas ou lingusticas, as pessoas pertencentes a es-sas minorias no devem ser privadas do direito de ter, em comum com os outros membros do seu grupo, a sua prpria vida cultural, de professar e de praticar a sua prpria religio ou de empregar a sua pr-pria lngua.(Fonte: George J. Andreopoulos, Richard Pierre Claude. 1997. Human Rights Educa-tion for the Twenty-First Century.)

    ATIVIDADE II: CINCO FORMAS DE PROCEDER COM AS MINORIAS

    Parte I: IntroduoTodos se devem considerar membros de minorias, em diversas situaes do quoti-diano. Como devemos lidar com as mu-danas na minoria ou na maioria da po-pulao? Quais so as vantagens de se ser membro de uma ou de outra, em circuns-tncias diferentes? Como devemos evitar situaes de restrio aos direitos e liber-dades?Assuntos abordados: Relaes maioria-minoria; poder e autoridade; direitos

    iguais; decises de maioria respeito pe-los direitos das minorias.

    Parte II: Informao GeralTipo de atividade: trabalho de grupo e debateMetas e objetivos: reconhecer que exis-tem muitas situaes nas quais nos pode-mos encontrar numa situao de minoria; identi cao de comportamentos discri-minatrios em relao a outros; vivenciar o dilema de respeitar os interesses legti-mos dos outros contra os nossos prprios interesses; aprender sobre o tratamento justo das minorias em situaes do quo-tidiano. Grupo-alvo: jovens adultos e adultosDimenso do grupo: qualquer um; dividir em subgrupos de 5-6 participantesDurao: 90 a 150 minutosPreparao: cha de trabalho Cinco for-mas de proceder com as minorias, cava-lete, espao para grupos de trabalho e de-bates em plenrioCompetncias envolvidas: Con ana, au-toavaliao, conscincia de si prprio (no para principiantes!)

    Parte III: Informao Espec ca sobre a AtividadeInstrues:1. Distribuir a cha de trabalho Cinco

    formas de proceder com as minorias. Dar as instrues adequadas. Formar os grupos de trabalho.

    2. Re etir sobre as situaes (5-10 minutos).3. Depois de o grupo ter chegado a uma de-

    ciso, os participantes podem completar a histria. Durante o debate, ir debater-se a deciso e o processo de deciso.

    4. Os formadores podem ajudar ao apre-sentarem exemplos para serem traba-lhados, assim como moderando o deba-te e o processo de deciso.

  • 496 496 II. MDULOS SOBRE QUESTES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

    Ficha de trabalho: Cinco formas de proce-der com as minoriasRe ita sobre uma a trs situaes diferen-tes do nosso quotidiano em que esteve numa posio de minoria e tome notas. Apresente as experincias ao grupo, sem mencionar a forma como terminou a situa-o. Os membros do grupo iro ento ado-tar a posio da maioria contra si. Eles tm de decidir quanto a uma das cinco opes para se lidar com a situao descrita: excluir a minoria do grupo; convencer a minoria da opinio da

    maioria; ignorar a minoria; permitir que a minoria atue/decida por

    si prpria; dar minoria a oportunidade de con-

    vencer a maioria.Todos os outros membros do grupo tam-bm iro apresentar exemplos. Ter a

    oportunidade de estar numa posio de maioria nesses casos e decidir sobre uma destas alternativas. Porm, no deve justi- car ou explicar a sua deciso, mas ape-nas dar a conhecer a sua deciso.Variaes, Cenrios:Deciso da maioria: debate da discrimina-o da minoria.Deciso por consenso: como se pode chegar ao consenso/como se chegou ao consenso?Por decidir: o grupo da maioria no conse-gue decidir sobre uma das cinco possibili-dades. Porqu?Fazer o balano e avaliao:O balano e a avaliao devem conter: a perceo emocional da minoria, a natureza da deciso tomada, o processo de formao da deciso.(Fonte: Ulrich Maroshek-Klarmann, Oswald Henschel. 1997. Miteinander Erfahrungen mit Betzavta.)

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICASAlfredsson, Gudmundur. 2007. Citi-zenship and the de nition of the term minority, In: Jrgensen, Rikke and Klaus Slavensky. Implementing Human Rights Essays in Honour of Morten Kjrum. Copenhagen: The Danish Institute for Hu-man Rights, pp. 363-371.

    Andreopoulos, George J. and Richar