o comércio de rua na cidade de são paulo evolução recente

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O COMÉRCIO DE RUA NA CIDADE DE SÃO PAULO: EVOLUÇÃO RECENTE, PERFIL E POLÍTICA DE REGULAÇÃO João Batista Pamplona 1 INTRODUÇÃO A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), em especial o Município de São Paulo (MSP), constituiu-se na história recente do Brasil em seu principal pólo de desenvolvimento econômico. A RMSP possui a mais complexa, moderna, integrada e diversificada estrutura industrial do Brasil; é a principal praça financeira; apresenta a maior concentração de diferentes ocupações; é o maior pólo brasileiro de comércio e de prestação de serviços sofisticados. No entanto, a pujança econômica da região não a livra da exclusão e miséria social, representadas, entre outras, pela ausência ou precária inserção no mercado de trabalho, pela violência urbana, pelas periferias desequipadas, pelas dificuldades de transporte para os mais pobres. Esses processos juntos fazem da RMSP um lugar de desigualdades e heterogeneidades, que bem representa os desafios brasileiros. É na metrópole de São Paulo que os maiores limites e as maiores possibilidades das políticas públicas destinadas à redução de problemas sócio- econômicos podem se manifestar. Em que pesem as especificidades regionais brasileiras, a RMSP – com destaque para sua principal cidade – é um espaço valioso para a elaboração e experimentação de políticas públicas que possam servir de referência nacional, em particular aquelas voltadas para o mercado de trabalho. É só nesse grande espaço urbano, desigual e heterogêneo, pujante e moderno, caótico e excludente, complexo e globalizado, que a atividade do comércio de rua pode expressar plenamente sua natureza contraditória de fenômeno sócio-econômico relevante com efeitos tanto adversos quanto benéficos sobre a cidade. Na Cidade de São Paulo em 2009 havia cerca de 100.000 trabalhadores do comércio de rua, segundo dados da PED. Embora representem tão somente algo como 1,7% da população ocupada que trabalha na Cidade de São Paulo, sua presença nas ruas, especialmente quando são considerados os ambulantes, gera efeitos bastante importantes. Concentrados de forma caótica no Centro de São Paulo, os ambulantes têm contribuído para um longo processo de desqualificação dessa área da cidade. A presença descontrolada deles alimenta o processo de desvalorização imobiliária; deixa lixo nas ruas; dificulta a ação da polícia. Os ambulantes não cumprem normalmente obrigações fiscais e trabalhistas e uma parte deles está envolvida com mercadorias de origem ilegal. Outro efeito negativo do comércio de rua é o fato de que seus trabalhadores realizam suas atividades em condições precárias de trabalho. Por outro lado, a população de São Paulo muitas vezes percebe os ambulantes de forma positiva, argumentando que eles oferecem produtos mais baratos, de fácil acesso e que são chefes de domicílio que não têm alternativa para manter suas famílias. Essa percepção da população reflete o fato de que o comércio de rua desempenha uma importante função “absorvedora de choques” no mercado de trabalho. Muitas vezes, trabalhadores de baixa escolaridade, jovens sem 1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia Política da PUC-SP. O autor agradece a participação da economista Hérida Tavares no levantamento de informações para este artigo. O autor agradece também à Fundação SEADE pelo fornecimento dos dados da Pesquisa de Emprego de Desemprego, especialmente a Vagner de Carvalho Bessa e Susana M. Frias Pereira, analistas dessa fundação. Este artigo foi financiado pelo convênio ANPEC- BNDES.

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O COMÉRCIO DE RUA NA CIDADE DE SÃO PAULO: EVOLUÇÃO RECENTE,

PERFIL E POLÍTICA DE REGULAÇÃO

João Batista Pamplona1 INTRODUÇÃO

A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), em especial o Município de São Paulo

(MSP), constituiu-se na história recente do Brasil em seu principal pólo de desenvolvimento econômico. A RMSP possui a mais complexa, moderna, integrada e diversificada estrutura industrial do Brasil; é a principal praça financeira; apresenta a maior concentração de diferentes ocupações; é o maior pólo brasileiro de comércio e de prestação de serviços sofisticados. No entanto, a pujança econômica da região não a livra da exclusão e miséria social, representadas, entre outras, pela ausência ou precária inserção no mercado de trabalho, pela violência urbana, pelas periferias desequipadas, pelas dificuldades de transporte para os mais pobres. Esses processos juntos fazem da RMSP um lugar de desigualdades e heterogeneidades, que bem representa os desafios brasileiros. É na metrópole de São Paulo que os maiores limites e as maiores possibilidades das políticas públicas destinadas à redução de problemas sócio-econômicos podem se manifestar. Em que pesem as especificidades regionais brasileiras, a RMSP – com destaque para sua principal cidade – é um espaço valioso para a elaboração e experimentação de políticas públicas que possam servir de referência nacional, em particular aquelas voltadas para o mercado de trabalho.

É só nesse grande espaço urbano, desigual e heterogêneo, pujante e moderno, caótico e excludente, complexo e globalizado, que a atividade do comércio de rua pode expressar plenamente sua natureza contraditória de fenômeno sócio-econômico relevante com efeitos tanto adversos quanto benéficos sobre a cidade.

Na Cidade de São Paulo em 2009 havia cerca de 100.000 trabalhadores do comércio de rua, segundo dados da PED. Embora representem tão somente algo como 1,7% da população ocupada que trabalha na Cidade de São Paulo, sua presença nas ruas, especialmente quando são considerados os ambulantes, gera efeitos bastante importantes. Concentrados de forma caótica no Centro de São Paulo, os ambulantes têm contribuído para um longo processo de desqualificação dessa área da cidade. A presença descontrolada deles alimenta o processo de desvalorização imobiliária; deixa lixo nas ruas; dificulta a ação da polícia. Os ambulantes não cumprem normalmente obrigações fiscais e trabalhistas e uma parte deles está envolvida com mercadorias de origem ilegal. Outro efeito negativo do comércio de rua é o fato de que seus trabalhadores realizam suas atividades em condições precárias de trabalho.

Por outro lado, a população de São Paulo muitas vezes percebe os ambulantes de forma positiva, argumentando que eles oferecem produtos mais baratos, de fácil acesso e que são chefes de domicílio que não têm alternativa para manter suas famílias. Essa percepção da população reflete o fato de que o comércio de rua desempenha uma importante função “absorvedora de choques” no mercado de trabalho. Muitas vezes, trabalhadores de baixa escolaridade, jovens sem

1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia Política da PUC-SP. O autor agradece a participação da economista Hérida Tavares no levantamento de informações para este artigo. O autor agradece também à Fundação SEADE pelo fornecimento dos dados da Pesquisa de Emprego de Desemprego, especialmente a Vagner de Carvalho Bessa e Susana M. Frias Pereira, analistas dessa fundação. Este artigo foi financiado pelo convênio ANPEC-BNDES.

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experiência profissional, trabalhadores mais velhos deslocados do assalariamento pela crise econômica, ou por mudanças tecnológicas, ou por problemas de saúde, só encontram no setor informal da economia, como o comércio de rua, uma forma de inserção ou reinserção no mercado de trabalho. Além disso, essa percepção capta o também fato de que os comerciantes de rua exercem um papel importante na cadeia de distribuição e comercialização da cidade ao ofertarem produtos a preços mais baixos em locais acessíveis para a população de baixa renda.

Os ambulantes não compõem um grupo homogêneo. Provavelmente nem toda atividade de comércio de rua seja fruto da crise econômica conjuntural ou da pobreza ou de ações ilegais rentáveis (contrabando, pirataria, etc.). É preciso considerar a possibilidade de que haja ambulantes que detenham recursos (financeiros, qualificações, atitudes, etc.), que lhes confiram condições de que seu negócio seja bem-sucedido e socialmente aceito. É preciso verificar as diferenças de perfis pessoais e ocupacionais dos ambulantes, suas diferentes respostas aos ciclos do mercado de trabalho, os distintos níveis de aceitação social e de formas de operação de seu comércio. É preciso investigar o comércio de rua tendo em vista sua heterogeneidade, qual o seu grau e como ela se manifesta na grande cidade.

Embora não se possa afirmar que a natureza do comércio de rua e seus efeitos sejam homogêneos e que sua existência seja simplesmente maléfica ou benéfica para as grandes cidades, pode-se sim afirmar que ele segue sobrevivendo ao longo dos séculos de mudanças econômicas e urbanas e que sua presença é um fenômeno sócio-econômico muito importante no espaço das cidades. O comércio de rua é um fenômeno vigoroso que tem raízes na ação governamental, no sucesso da modernidade capitalista e nas suas conseqüentes iniqüidades. Como afirmam Cross e Morales (2007, p.xvii), “a população de vendedores, clientes e seus dependentes é muito grande para ser ignorada”. Em que pese sua relevância como fenômeno empírico, o comércio de rua tem tido relativamente pouco tratamento acadêmico. Há necessidade imediata de estimular mais pesquisas sobre este importante segmento do setor informal urbano.

Demonstrada a importância do comércio de rua, explicitada sua natureza contraditória, heterogênea, cabe investigar que política pública seria a mais adequada para lidar com essa diversidade, que política pública permitiria que prefeituras e outras organizações pudessem incorporar adequadamente os comerciantes de rua no ambiente econômico e social complexo das grandes cidades.

Por conseguinte, o objetivo geral deste artigo é investigar a natureza e as implicações recentes do comércio de rua na Cidade de São Paulo para sugerir política pública apropriada que seja referência para outras grandes cidades brasileiras.

Como desdobramentos desse objetivo geral, seguem os seguintes objetivos específicos: a) entender com detalhes a natureza da atividade informal do comércio de rua na Cidade

de São Paulo; b) verificar a evolução da quantidade e proporção de trabalhadores no comércio de rua da

Cidade de São Paulo ao longo da primeira década de 2000, considerando as diferentes fases do mercado de trabalho metropolitano, incluindo os efeitos da crise internacional de 2008;

c) identificar o perfil dos trabalhadores no comércio de rua da Cidade de São Paulo ao longo dessa década, analisando sua evolução nas diferentes fases do mercado de trabalho metropolitano, incluindo os efeitos da crise internacional de 2008;

d) investigar as implicações econômicas e extra-econômicas da presença de ambulantes na Cidade de São Paulo, em especial na sua região central;

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e) sugerir princípios, estratégias e instrumentos de ação que possam fundamentar uma política pública duradoura para a atividade do comércio ambulante em grandes cidades brasileiras, tendo como referência a Cidade de São Paulo.

Para alcançarmos os objetivos do artigo, são utilizadas informações estatísticas do mercado de trabalho da Cidade de São Paulo no período 1999 a 2009, a legislação municipal e as informações da literatura disponível. A base empírica é composta de séries da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED – na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). A PED é uma pesquisa mensal amostral domiciliar realizada pela parceria Fundação SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) e DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), cujos dados permitem tanto o acompanhamento conjuntural do mercado de trabalho metropolitano como a elaboração de estudos em profundidade de segmentos ou aspectos particulares desse mercado de trabalho. Para este artigo, foi extraída subamostra da amostra consolidada para cada ano da PED do período de 1999 a 2009.

As subamostras foram obtidas selecionando os casos (as pessoas) que estavam ocupadas no setor de comércio varejista em vias públicas, residiam na RMSP e trabalhavam no Município de São Paulo (MSP). Cada subamostra representa o universo dos comerciantes de rua que trabalhavam em São Paulo em cada ano. Assume-se, salvo especificação em contrário, que as expressões “comerciantes de rua” e “ambulantes” são intercambiáveis.

As subamostras permitiram a elaboração de tabulações especiais da PED que foram fornecidas pela Fundação SEADE. O erro amostral foi calculado em 7,5%. Foram realizadas estimativas do número e da proporção dos comerciantes de rua. Para a evolução dos perfis pessoais, foram consideradas as variáveis: sexo, idade, posição no domicílio, raça/cor, região onde nasceu, tempo de residência, local de residência, renda familiar e grau de instrução. Para a evolução dos perfis ocupacionais, consideraram-se as variáveis: posição na ocupação, contribuição à previdência social, rendimento. A caracterização e a evolução da atividade do comércio de rua foram feitas com base nas seguintes variáveis: tamanho da empresa, instalações do local de trabalho, horas trabalhadas por semana. Todas as estimativas também foram realizadas para o total de ocupados que residiam na RMSP e trabalhavam no MSP. Isso permitiu que durante a análise dos resultados houvesse comparações do perfil dos comerciantes de rua com o perfil da totalidade, o perfil geral, das pessoas que trabalhavam na Cidade de São Paulo. Quanto à organização do conteúdo, o artigo tem o núcleo de sua estrutura composto por seis tópicos. O primeiro trata de delinear em termos conceituais e metodológicos o fenômeno do informal, da atividade do comércio de rua e dos ambulantes nas grandes cidades. O segundo busca investigar os efeitos econômicos, sociais e urbanos da atividade dos ambulantes. O terceiro caracteriza a evolução da informalidade na RMSP e investiga suas razões, especialmente aquelas relacionadas ao mercado de trabalho e à economia brasileira. Além disso, esse tópico dimensiona o tamanho e analisa condicionantes da evolução do comércio de rua na Cidade de São Paulo. O quarto elabora um perfil detalhado dos trabalhadores e da atividade informal do comércio de rua na cidade. O quinto faz uma sucinta caracterização histórica, e uma avaliação dos últimos 20 anos, de como o Poder Público Municipal tentou enfrentar a presença dos ambulantes na Cidade de São Paulo. O sexto e último indica um conjunto de princípios, estratégias e instrumentos de ação para a política pública destinada à atividade dos ambulantes.

1. O FENÔMENO DO INFORMAL, DO COMÉRCIO DE RUA, DOS AMBULANTES E SEUS CONCEITOS

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A natureza complexa do fenômeno sócio-econômico do informal torna seu conceito motivo de grande controvérsia técnica e acadêmica 2. Uma forma básica de conceituá-lo é considerá-lo como “setor informal”, ou seja, um conjunto de unidades de produção não tipicamente capitalistas (critério da forma de organização da produção). Assim, a forma de organizar a produção define o setor informal. São informais os trabalhadores das unidades de produção não tipicamente capitalistas no interior do capitalismo. O conjunto destas unidades de produção compõe o setor informal. Nelas há reduzida ou nenhuma separação entre trabalho e propriedade dos meios de produção (o proprietário trabalha diretamente na produção com a ajuda freqüente de familiares e, em alguns casos, com poucos assalariados). O trabalho assalariado não constitui a base do funcionamento dessas unidades. As unidades produtivas informais não são plenamente capitalistas também porque a taxa de lucro não é a variável-chave de seu funcionamento e sim o rendimento total de seu dono. A prioridade é a manutenção da família, para só depois vir a manutenção do negócio ou a preocupação com “retornos de investimento”. O principal objetivo dessas unidades é criar emprego e renda para os envolvidos.

As situações ocupacionais que conformam o setor informal são os conta própria, os pequenos empregadores (até cinco empregados – corte mais comum na literatura) e os seus trabalhadores (familiares, aprendizes e assalariados). O setor informal representa uma forma de produzir caracterizada fundamentalmente pela existência do auto-emprego ou auto-ocupação. A unidade produtiva informal funciona para fundamentalmente garantir um emprego, e obviamente uma renda para seu proprietário, que nela trabalhará diretamente e controlará seu próprio processo de trabalho. O negócio informal é antes de tudo uma forma de criar o próprio emprego do seu proprietário. Como tal, aqueles que participam do setor informal não são necessariamente pobres (embora a maioria possa ser pobre). O informal pode ser tanto “espaço de sobrevivência” quanto de “ascensão social”. Na verdade, imensa heterogeneidade marca o informal. As pessoas que participam do setor informal não têm igual acesso aos mercados nem as mesmas dotações de capital técnico e humano. Há grandes diferenças de renda, perfil ocupacional, condições de trabalho. Há trabalhadores no setor informal por escolha e trabalhadores no setor informal por falta de melhor opção.

Em abordagem mais recente e ampliada, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) acrescentou, ao conceito de setor informal acima apresentado 3, o conceito de emprego informal. Segundo ILO (2003), o emprego informal compreende o número total de empregos informais em empresas do setor formal, empresas do setor informal e nos domicílios, o que inclui: trabalhadores por conta própria dono de sua empresa do setor informal; empregadores donos de sua empresa do setor informal; trabalhadores familiares auxiliares, membros de cooperativas de

2 Não há um conceito único, preciso, aceito por todos ou quase todos os autores, e provavelmente nunca se chegará a ele. Os diferentes conceitos de informal são decorrência de diferentes objetivos de pesquisadores e técnicos e de diversos interesses sociais envolvidos. De qualquer forma, como destaca Chen (2007, p.1), apesar dos debates e críticas, o conceito de economia informal continua sendo útil para muitos agentes de políticas públicas, ativistas e pesquisadores porque ele consegue capturar uma realidade ampla e importante. Acerca da extensa controvérsia em torno do conceito de informal, ver Pamplona (2001, cap. 3) e Chen (2007). 3 O conceito de setor informal, estabelecido na 15ª Conferência Internacional de Estatísticas do Trabalho de 1993 e mantido até hoje, corresponde à idéia de que “the informal sector may be broadly characterized as consisting of units engaged in the production of goods or services with the primary objective of generating employment and incomes to the persons concerned. These units typically operate at a low level of organization, with little or no division between labour and capital as factors of production and on a small scale. Labour relations - where they exist - are based mostly on casual employment, kinship or personal and social relations rather than contractual arrangements with formal guarantees” (ILO, 1993). Como pode ser observado, esse conceito de setor informal é bastante próximo daquele aqui apresentado.

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produtores informais; assalariados que têm empregos informais (ou seja, aqueles que têm relação de trabalho em desacordo com a legislação trabalhista, tributária e previdenciária) em empresas formais, informais ou em domicílios; trabalhadores por conta própria que produzem bens exclusivamente para consumo próprio. Não estão incluídos no conceito de emprego informal os assalariados que tenham empregos formais em empresas do setor informal. O conceito de “setor informal” e “emprego informal” reunidos formariam o que a OIT chama de “economia informal”.

Um terceiro marco conceitual para o termo “informal” ganha força mais recentemente e também procura um conceito ampliado. Ele busca incorporar à idéia de setor informal inicialmente aqui apresentada uma dimensão estrutural. O “informal” como processo de informalidade é bem caracterizado por Cacciamali (2000, p.163). Para a autora, o termo informal deve estar associado “à análise de um processo de mudanças estruturais em andamento na sociedade e na economia que incide na redefinição das relações de produção, das formas de inserção dos trabalhadores na produção, dos processos de trabalho e de instituições”. Nesse processo de informalidade, dois fenômenos são marcantes: a reorganização do assalariamento, que originou relações de trabalho vulneráveis; e a re-emergência do auto-emprego, como situação procurada por pessoas com dificuldade de reinserção no mercado de trabalho ou como opção buscada por aqueles que pretendem melhor sua renda na condição de conta própria ou microempresário. Esse segundo fenômeno, segundo Cacciamali (2000, p.164), “deve ser analisado a partir do espaço econômico passível de ser explorado por esses trabalhos, ou seja, pelo espaço econômico não ocupado por empresas capitalistas”, o que é definido pelo marco conceitual do setor informal. Assim, o processo de informalidade envolveria tanto inserções ocupacionais relacionadas a determinadas formas de organização da produção, como o trabalho autônomo e a empresa de pequena escala, como as diferentes formas de assalariamento vulnerável. Em outras palavras, a informalidade é um processo mais amplo ligado a novas formas de organizar a produção e o trabalho e a novas formas de relação de trabalho que envolveriam a totalidade da economia, do espaço produtivo, sejam empresas grandes ou pequenas, regularizadas ou não, o que também incluiria o setor informal no sentido aqui inicialmente definido.

O primeiro marco conceitual do termo “informal” – o “informal como setor informal” – foca a natureza do processo produtivo, a natureza da empresa, da unidade produtiva, da baixa produtividade, da pobreza; o segundo marco – o “informal como economia informal” – dá destaque para o problema da ocupação, da baixa qualidade do emprego, da falta de proteção social; o terceiro marco – o “informal como processo de informalidade” – enfatiza a questão das mudanças estruturais da economia e da sociedade que criam e recriam formas do informal, que limitam as possibilidades de regulação da atividade econômica por parte do Estado e que estimulam a não aceitação desta regulação por parte dos agentes produtivos.

Embora o fenômeno do comércio de rua, em especial do que definiremos como “ambulantes”, possa se encaixar em qualquer um dos marcos conceituais anteriores, sendo exemplo acabado e mais visível do que seria o setor informal ou a economia informal ou a informalidade, para os propósitos deste artigo, vamos adotar o marco conceitual da informalidade. A idéia de processo de informalidade, ou tão somente informalidade daqui para frente, permite construir um marco conceitual suficientemente amplo para o fenômeno do informal, já que considera aspectos relacionados à forma de produzir (bem contemplados na idéia de setor informal), aspectos relacionados ao problema da qualidade das ocupações (bem contemplados na idéia de economia informal), assim como aspectos relacionados às transformações da economia nacional e internacional e às mudanças institucionais, as quais alteram e limitam formas de regulação da atividade econômica.

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A expressão “ambulante” 4 designa trabalhador normalmente auto-empregado que vende diretamente ao consumidor (varejo) produtos diversos (normalmente miudezas e mercadorias de mais baixo valor), ou presta serviços (normalmente de alimentação), em vias e logradouros públicos (ruas, calçadas, praças, jardins, etc.), fora de lojas, em postos, fixos ou móveis, ou de forma itinerante levando sua mercadoria junto ao corpo, com ou sem permissão oficial. Oficialmente, de acordo com a Lei n. 11.009 de 23 de agosto de 1991, os ambulantes na Cidade de São Paulo são definidos da seguinte forma:

Considera-se vendedor ou prestador de serviços nas vias e logradouros públicos, reconhecido como ambulante, a pessoa física, civilmente capaz, que exerça atividade lícita por conta própria ou mediante relação de emprego, desde que devidamente autorizado pelo Poder Público competente (SÃO PAULO, MUNICÍPIO, 1991).

O Projeto de Lei n. 554/07, em tramitação na Câmara de Vereadores de São Paulo, que altera a lei 11.009 e institui o Estatuto Geral do Comércio Ambulante, define ambulante da seguinte forma:

I – ambulante – toda pessoa física, civilmente capaz, que pratique atividade lícita de comércio ou de prestação de serviços nas vias e logradouros públicos na condição de profissional autônomo, em decorrência de ser: a – titular de permissão de ponto fixo; b – titular de permissão de ponto móvel; c – titular de autorização para o exercício do comércio ambulante itinerante; d – auxiliar de ambulante permissionário; II – ambulante permissionário - o ambulante que, na forma desta Lei, for titular de permissão de uso de ponto fixo ou móvel para o exercício do comércio ou prestação de serviços em vias e logradouros públicos municipais; III – ambulante itinerante - o ambulante que, na forma desta Lei, for titular de autorização para o exercício de comércio sem definição de ponto fixo ou móvel, carregando em circulação e junto ao seu corpo sua mercadoria ou equipamento; IV – auxiliar de ambulante - o ambulante que mantiver relação de emprego com o titular de permissão de uso de ponto fixo ou móvel para o exercício do comércio ou prestação de serviços em vias e logradouros públicos municipais; (SÃO PAULO, MUNICÍPIO, 2007).

Em grande parte da literatura internacional, os ambulantes são definidos com a categoria “comerciantes de rua” (street vendor) 5. Para Horn (2009, p. 4), em termos amplos, nos comerciantes de rua estão incluídos todos aqueles que vendem produtos ou serviços em espaços públicos. Segundo Bhowmik (2005, p. 2256), um vendedor de rua é amplamente definido como uma pessoa que oferece produtos para venda ao público sem ter uma construção, uma instalação,

4 Neste artigo, as expressões “ambulantes”, “camelôs”, “comerciante de rua” serão usadas em geral de forma equivalente. Com freqüência, utilizaremos “ambulantes” e “comerciantes de rua” como formas intercambiáveis; quando isso não for adequado, a diferença será ressaltada. Vale lembrar que a expressão “camelô” tende a não ser bem-aceita pelos ambulantes, segundo depoimentos colhidos por D’Angelo (2000, p.41). Vale lembrar também que a expressão “marreteiro” designa um tipo especial de “ambulante”, ou seja, aquele associado a práticas necessariamente ilícitas, que se utiliza da burla da lei, da esperteza e da vigarice para exercer sua atividade. Além disso, há os chamados “siris”, que são ambulantes que aparecem, especialmente no centro, pouco antes do Natal, vindos de outras regiões da cidade, de outros municípios ou de outros estados do Brasil. Há ambulantes que são chamados de “cedezeiros”, que são aqueles que trabalham apenas com mercadorias de origem ilegal (pirataria, contrabando ou roubo). 5 Para Bhowmik (2005, p. 2256), as expressões “comerciantes de rua” e “ambulantes” podem ser consideradas de mesmo sentido e ser intercambiáveis: “In this essay, the term ‘street vendor’ includes stationary as weel as móbile vendors and it incorporates all other local/region specific terms used to describe them. In this study, the terms ‘street vendor’ and ‘hawker’ have the same meaning and they are often interchanged”.

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permanente para tal fim. Os comerciantes de rua, ainda segundo o autor, podem ser fixos no sentido de ocuparem um espaço na calçada ou em outro lugar público/privado, ou eles podem ser móveis no sentido de se locomoverem de um lugar a outro carregando mercadorias em carrinhos ou em cestos sobre a cabeça. Neste artigo, adotamos de maneira geral a equivalência entre as expressões “ambulantes” e “comerciantes de rua”. Embora nessa última categoria, mais genérica, possam estar feirantes 6, vendedores de empresas que usam o sistema de venda direta e donos de bancas de jornal, é consistente assumir que a grande maioria do que definiremos abaixo como comerciantes de rua são de fato o que definimos anteriormente como ambulantes. Há também uma razão operacional para adoção desta equivalência. Os dados da pesquisa de emprego e desemprego (PED) da fundação SEADE e do DIEESE só permitem a construção da categoria “comerciantes de rua”.

Consideramos nesta pesquisa “comerciantes de rua na cidade de São Paulo” como aquelas pessoas que, segundo os critérios da PED, estavam ocupadas 7 no setor de comércio varejista em vias públicas, residiam na Região Metropolitana de São Paulo e trabalhavam no Município de São Paulo. O comércio varejista realizado em vias públicas inclui: postos móveis, barracas ou bancas, veículos (exemplos: vendedor de doces que fica em frente a uma escola, vendedor de fitas de vídeo ou outra mercadoria que fica na calçada, barraca de frutas, banca de jornal, vendedor de legumes e verduras na rua com um caminhão, etc.); comércio de porta em porta (exemplos: vendedor de perfumes e lingerie que sai para oferecer as mercadorias; venda de roupas e bijuterias de porta em porta, etc.). Também estão nessa categoria de comerciantes de rua aquelas outras situações de comércio varejista não realizado em loja. 2. EFEITOS DA ATIVIDADE DOS AMBULANTES NAS GRANDES CIDADES A presença do comércio de rua nas cidades é identificada pelo urbanismo modernista como sinal de desordem, ineficiência, atraso, pobreza. Como explicam Cross e Morales (2007, p. xv e p.6-7), de acordo com a visão modernista de desenvolvimento, que se impregnou na academia nos anos 50 e 60 e que foi compartilhada pelas elites dos países do primeiro e terceiro mundo, a informalidade, em particular o comércio de rua, são formas atrasadas, ineficientes, que dificultam o desenvolvimento nacional, que tomam e desperdiçam recursos que poderiam ser mais bem aproveitados em formas mais “modernas”, “novas, grandes e higiênicas”, de realizar o comércio, como os supermercados, as lojas de departamento e os shopping centers. Segundo os autores, o comércio de rua provocaria nos modernistas a “sensação, tão insuportável para o homem, de ausência de forma, de pobreza, de desordem, de arbitrariedade” 8. Dos críticos ao comércio de rua, os que mais se destacam são os lojistas, os comerciantes estabelecidos em lojas. Para eles, o comércio de rua não é apenas ilegal, mas errado. Os lojistas freqüentemente apontam que o comércio de rua compete de forma desleal com o comércio estabelecido, ao não respeitar a legislação trabalhista, sanitária, tributária; que estimula atividades criminosas; que é fonte de lixo e barulho nas ruas; que sobreutiliza o espaço público, originando

6 Podemos definir feirantes como comerciantes de rua autorizados que operam em mercados de rua, especializados em produtos básicos, especialmente alimentos frescos, e que funcionam uma vez por semana em áreas delimitadas para esse fim. 7 Para maior precisão conceitual deveriam estar incluídos no conceito de comerciantes de rua os desempregados com trabalho precário no comércio varejista em vias públicas. Eles não foram incluídos porque as amostras da PED não comportavam o nível de desagregação exigido pelos objetivos deste artigo para essa categoria. 8 Cross e Morales (2007, p. 6) ironizam uma das frases emblemáticas do grande urbanista modernista Le Corbusier: “Without plan we have the sensation, so insupportable to man, of shapelessness, of poverty, of disorder, of willfulness”.

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congestionamento de pedestres e veículos; que traz riscos ao consumidor 9. Os críticos em geral do comércio de rua argumentam que é difícil controlar as ilegalidades que acompanham essa atividade, como a ocupação sem permissão do espaço urbano; os preços distorcidos pelo uso de medidas de peso, ou outras, adulteradas; a preparação e comercialização de alimentos em desrespeito aos códigos de higiene; a comercialização de mercadorias de procedência irregular. Por outro lado, há aqueles que entendem que “o custo social do comércio de rua é mínimo e que pode ser controlado pela aplicação da lei”. Esse é o caso de Kettles (2007). Para o autor, as principais críticas ao comércio ambulante podem ser respondidas. Kettles (2007, p.64-72) apresenta quatro importantes críticas e faz seu contra-argumento: 1) “Competição injusta com os lojistas” – não haveria uma competição direta entre comerciantes de rua e lojistas, já que os comerciantes de rua evitariam vender os mesmos produtos em áreas próximas ao comércio estabelecido, além do que os ambulantes teriam desvantagens para realizar sua atividade (não poderiam impedir a ação de outros ambulantes no mesmo local, não dispõem de grande variedade de produtos em decorrência do problema com estoque, não oferecem conveniências aos consumidores, com banheiros, assentos, provadores, etc.); 2) “sobreutilização do espaço urbano” – muitos ambulantes com ponto fixo teriam preocupação em manter sua área permanentemente livre de lixo para gerar confiança em sua clientela, eles também tratariam de organizar sua disposição nas calçadas para manter o fluxo de pessoas 10 e impedir que seus produtos sejam pisoteados; 3) “facilitação da atividade criminosa” – a presença de comerciantes de rua funcionaria como forma “dissuasiva do crime”, pois “mais olhos estariam vigiando a rua”, além disso, não pagar impostos e vender produtos de origem ilegal não é exclusividade dos ambulantes, e quando esses o fazem, não são todos que têm essa prática; 4) “insuperáveis riscos ao consumidor” – os comerciantes de rua não seriam os únicos a vender comida contaminada, a qualidade dos alimentos vendidos refletiria muito mais um padrão local e a comida vendida pelos ambulantes tenderia a não ser significativamente mais contaminada do que aquela vendida por restaurantes da área, e mesmo que a venda na rua de comida fosse proibida, isso não seria motivo para impedir que os comerciantes de rua vendessem outros produtos. Ao final da argumentação acima, o autor reafirma sua tese principal de que não há evidências consistentes contra o comércio de rua, e sim há “uma oposição cultural”: “muitos opositores do comércio ambulante rejeitam essa prática porque ela significa a promoção de uma cultura estrangeira que ameaça o status da cultura dominante” (KETTLES, 2007, p. 72, tradução nossa). Na literatura internacional, autores apontam os benefícios que o comércio de rua pode trazer para as cidades. O comércio de rua “é economicamente, socialmente, e politicamente importante, e atende uma substancial e permanente demanda de consumidores. A população de vendedores, clientes e seus dependentes é muito grande para ser ignorada” (CROSS; MORALES, 2007, p. xvii, tradução nossa).“O comércio de rua sobrevive não só porque é uma importante fonte de empregos, mas também porque oferece serviços para a população urbana. Para o pobre das cidades, o comércio de rua providencia produtos, incluindo comida, a preços baixos.” (BHOWMIK, 2005, p. 2256, tradução nossa). Há autores que encontram benefícios inclusive na venda de CDs piratas pelos ambulantes: “piratas representam uma significativa contra-ideologia da hegemonia da indústria cultural (...) um desafio ao poder incontrolável das corporações

9 Acerca das críticas que organizações de empresários do centro de São Paulo fazem aos ambulantes, ver Ramires (2001, cap. II). 10 Seria oportuno lembrarmos que muitas vezes os ambulantes deliberadamente procuram reduzir a velocidade do fluxo de pedestres para que seus produtos sejam mais bem vistos.

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multinacionais que gostariam de ter a exclusividade na determinação do preço dos seus produtos no mercado” (CROSS, 2007, p. 141, tradução nossa).

Já a população das cidades, especialmente as grandes e as de países da América Latina, tende a encarar com ambivalência os efeitos do comércio de rua. A população da Cidade de São Paulo tende ora a aceitar o comércio de rua, argumentando que ele oferece preços mais baratos, fácil acesso às mercadorias e é exercido por chefes de domicílio que realmente precisam e que a política econômica não deu a eles alternativa de sobrevivência; ora a rejeitar o comércio de rua, apontando a sujeira na cidade, os danos estéticos, os prejuízos ao comércio estabelecido, os obstáculos à circulação, a falta de garantia nas mercadorias vendidas, a presença de aproveitadores e indivíduos desonestos entre os ambulantes. A população de forma geral não tem uma posição claramente contra ou claramente a favor do comércio de rua. Silvério, citada por Costa (1989, p. 121), ilustra bem essa situação:

O povo é como radio, é como político, vai no vai da onda. Compra barato hoje, amanhã reclama da confusão. Comove-se com o velhinho vendedor de bonecas, mas se incomoda com a falta de espaço para andar na calçada. Ora deglute um cachorro-quente ambulante, ora se arrepia com a idéia de engolir um pastel de carne de gato.

Em que pese a opinião de alguns autores e a percepção que a população tem dos ambulantes, o que acreditamos que seja um benefício real do comércio de rua é sua função “absorvedora de choques” (“shock absorber”) no mercado de trabalho. Muitas vezes jovens com baixa escolaridade e sem experiência profissional só encontram na informalidade, como o comércio de rua, uma forma de inserção no mercado de trabalho. Na mesma situação estão trabalhadores mais velhos com baixa escolaridade deslocados do assalariamento pela crise econômica, por mudanças tecnológicas, pelas grandes exigências de qualificação, ou por problemas de saúde, que vão encontrar na condição de ambulante uma forma, ainda que precária, de reinserção no mundo do trabalho.

Há também relevantes interações entre o comércio de rua e outros segmentos da economia. Em uma cidade como São Paulo, os ambulantes fazem suas compras em atacadistas e produtores, em grande medida formalmente estabelecidos, da própria região ou cidade onde operam 11. Outro benefício que deve ser reconhecido como muito importante é o fato dos ambulantes suprirem a baixo custo parte da demanda para certos produtos da população de baixa renda.

No entanto, a presença descontrolada, desregulada, de ambulantes nas ruas das cidades pode trazer problemas de fato. Nas grandes cidades latino-americanas, como bem exemplifica o caso da Cidade de São Paulo, o comércio de rua nos centros históricos estimulou a fuga de camadas de mais alta renda e alimentou o processo de desvalorização imobiliária, acentuando a deterioração dessas regiões. A presença descontrolada de ambulantes deixa lixo nas ruas, facilita a ação de marginais, dificulta a ação da polícia e de bombeiros em casos urgentes. Os ambulantes obviamente não cumprem na sua esmagadora maioria obrigações fiscais e trabalhistas e uma parte deles, ainda que possa ser a menor, está envolvida com contrabando, venda de mercadorias roubadas e pirataria.

3. A INFORMALIDADE NO MERCADO DE TRABALHO NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO E A EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO DE RUA NA CIDADE DE SÃO PAULO

11 Segundo D’Angelo (2000, p. 130), cerca de 78% dos ambulantes do Centro Histórico de São Paulo por ele pesquisados em 1997 tinham como principal forma de compra a compra direta com atacadista ou com o produtor.

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O mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo sofreu, desde o começo da

década de 1990, forte impacto negativo decorrente do baixo crescimento da economia brasileira e da reestruturação produtiva. O desemprego e a auto-ocupação – principais indicadores das dificuldades do mercado de trabalho – aumentaram continuamente. Tomando como referência os meses de dezembro de cada ano, os dados da PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação SEADE) revelam que foram praticamente 14 anos de elevação contínua, ano após ano, da taxa de desemprego: partiu-se de um patamar de 6,7% em 1989 para atingir um nível de 19,1% em 2003. Tal trajetória se repetiu para a auto-ocupação. Os autônomos representavam 15,9% do total de ocupados em dezembro de 1989 e passaram a representar 22,2% em igual mês de 2003. Como boa proxy da ocupação informal12, o aumento da proporção de autônomo revela a elevação expressiva da informalidade no mercado de trabalho metropolitano no período.

O mercado de trabalho da RMSP experimentou algo como 14 anos de deterioração, intercalados com breves períodos (como 1994-95 e 2000-01) de modesta recuperação. O mercado de trabalho da região só começou a apresentar movimento duradouro e significativo de melhora a partir de 2004. Depois desse ano, iniciou-se trajetória benigna, há muito não verificada, de cinco anos contínuos de redução expressiva do desemprego, aumento do assalariamento com carteira assinada, diminuição da auto-ocupação, diminuição da informalidade. A taxa de desemprego, que era de 19,1% em dezembro de 2003, diminuiu para 17,1% no mesmo mês de 2004 e seguiu caindo ao longo de todos os anos até atingir 11,8% em dezembro de 2008. A proporção de ocupados com carteira de trabalho assinada cresceu sucessivamente no mesmo período de 39,7% para 48,4%. A participação dos autônomos, ainda segundo dados da PED, declinou de 22,2% para 17,9%. Esse mesmo comportamento da totalidade da RMSP pôde ser observado também para a Cidade de São Paulo.

Esse cenário de recuperação sustentada do mercado de trabalho metropolitano se viu ameaçado pelos efeitos na economia brasileira da grave crise econômica global iniciada em setembro de 2008. No entanto, os dados da PED para o mercado de trabalho da RMSP em 2009 revelam que a crise não conseguiu inverter a tendência de melhora sustentada verificada a partir de 2004. Em relação ao desemprego, a crise produziu efeito mais negativo entre março e outubro de 2009, que foi rapidamente contornado ao final do ano. Em dezembro de 2009 a taxa de desemprego da RMSP era praticamente igual à taxa de dezembro de 2008 (11,9% e 11,8%, respectivamente). A taxa de assalariamento com carteira assinada diminuiu um pouco seu ritmo de crescimento, mas manteve-se em alta em 2009. Em dezembro desse ano ela atingiu 49,1% – o nível mais alto dos últimos 18 anos – contra 48,4% de dezembro de 2008. A auto-ocupação foi afetada mais tardiamente pela crise e apresentou tendência leve de crescimento no segundo semestre de 2009. Isto fez com que a proporção de autônomos subisse de 17,9% em dezembro de 2008 para 18,3% em dezembro de 2009. Tal elevação deve ser relativizada pelo fato da variação observada ser pequena e dos dados mais recentes13 da PED apresentarem retomada do movimento de redução da auto-ocupação verificado na RMSP desde 2004.

12 Do ponto de vista conceitual, os autônomos, ou conta própria, podem ser considerados o núcleo do que se denomina auto-emprego ou auto-ocupação, na qual estão também incluídos os pequenos empregadores. Por sua vez, a auto-ocupação constitui a principal característica da forma de produzir das unidades produtivas do setor informal. Do ponto de vista quantitativo, os trabalhadores autônomos constituem a maior parte dos que são considerados comumente como trabalhadores informais. 13 Dados de 2010 da PED, presentes em Seade (2010), revelam que a proporção de autônomos foi de 18,0% em janeiro, 17,8% em fevereiro e 17,6% em março.

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O que pode ser inferido é que a forte desaceleração econômica de 2008/2009, resultante da crise financeira internacional, não foi capaz de inverter a trajetória benigna observado no mercado de trabalho da RMSP a partir de 2004. Ela produziu apenas um efeito de estancamento, rapidamente superado, da evolução positiva dos indicadores do mercado de trabalho em 2009. Assim o mercado de trabalho na RMSP na década de 2000 pode ser dividido em duas grandes fases: a primeira, caracterizada pela continuidade da deterioração dos anos 1990 (2000 a 2003); a segunda, representada pela recuperação sustentada (a partir de 2004). Refletindo esse padrão válido para a totalidade do mercado de trabalho, a informalidade na RMSP apresentou duas etapas bem distintas durante a década de 2000: a primeira metade (2000 a 2004) é a etapa de elevação; a segunda metade (2005 a 2009) é a etapa de diminuição. Tendo como base as estatísticas de mercado de trabalho da PED para RMSP, é seguro afirmar que a inflexão depois de 2004 é bastante nítida em todos os principais e diversos indicadores que as várias definições de informal comportam. Os dados da PED, publicados em SEADE (2010), revelam que a proporção de trabalhadores sem carteira assinada, a proporção de autônomos total, a proporção de autônomos para o público, a proporção de trabalhadores assalariados do setor privado em empresas até cinco empregados e a proporção de trabalhadores sem contribuição para a Previdência Social mantiveram-se em níveis crescentes na primeira metade da década 14. Na segunda metade da primeira década dos anos 2000, o comportamento desses indicadores se inverteu e eles começaram a cair monotonicamente.

As médias para cada uma das metades da década demonstram bem a inversão e a nítida diferença de comportamento da informalidade no mercado de trabalho metropolitano: a proporção dos ocupados sem carteira assinada que era de 13,9% entre 2000 e 2004 caiu para 13,1% entre 2005 e 2009; a proporção de autônomos total que era de 21,4% diminuiu para 19,3%; a proporção de autônomos para o público, na qual estão incluídos a maior parte dos comerciantes de rua, que era de 12,8% baixou para 11,7%; a proporção de assalariados no setor privado em empresas até cinco empregados que era de 12,5% reduziu-se para 10,9%; a proporção de ocupados sem contribuição para a Previdência Social caiu de 40,9% para 36,5% 15. O aumento das ocupações informais no período 2000 a 2003 (fase da continuidade da deterioração dos anos 1990) no mercado de trabalho metropolitano esteve associado à elevação da taxa de desemprego e à insuficiente geração de empregos de boa qualidade no setor formal. A continuidade do processo de reestruturação produtiva dos anos 1990, que reduziu a ocupação industrial e intensificou a terciarização, e o baixo crescimento do PIB brasileiro no período (média de 2,4% ao ano) afetaram a capacidade do mercado de trabalho da RMSP de gerar empregos na quantidade e qualidade requeridas para manter em declínio a ocupação informal 16. Acerca do crescimento da auto-ocupação no Brasil e, por conseguinte, da informalidade, Cacciamali (2000) aponta motivos elucidadores: limitação dos empregos assalariados e ausência de políticas públicas compensatórias; oportunidade de ganhos maiores àqueles dos empregos

14 No caso da proporção de trabalhadores sem contribuição para a Previdência Social, a elevação ocorreu até 2003. No entanto, somente a partir de 2005 é que pôde ser verificada uma queda expressiva e constante desse indicador de informalidade. 15 Todas essas proporções são proporções do total de ocupados. 16 “Num contexto de reestruturação produtiva e baixo crescimento no qual aumentam as taxas de desemprego aberto, escasseiam os bons postos assalariados, reduzem-se fortemente os ganhos dos assalariados menos qualificados, redefinem-se qualificações, aumentam as exigências para contratação, aumenta o desemprego do chefe do domicílio e diminuem as chances de retomar a vaga perdida, a ocupação informal passa a ser uma alternativa cada vez mais definitiva.” (PAMPLONA, 2004, p. 318).

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assalariados de média e baixa qualificação; crescimento de atividades de serviços; e estratégia de sobrevivência levada a cabo por indivíduos que apresentam dificuldades de reemprego ou de inserção no mercado de trabalho, que freqüentemente poderão exercer trabalhos de baixa produtividade.

De acordo com Pamplona (2001), a baixa renda da maioria da população brasileira, sua pouca riqueza acumulada, programas de seguro desemprego acanhados e políticas sociais insuficientes fazem com que a situação de desemprego seja uma alternativa inviável para grande parte da força de trabalho. Os trabalhadores brasileiros rapidamente trocam a situação de desemprego aberto por uma ocupação informal.

A partir de 2004 a trajetória ascendente da informalidade na RMSP sofre inflexão. Nesse momento o mercado de trabalho metropolitano deixa de ser condicionado pelos dois principais fatores – baixo crescimento e reestruturação produtiva – que o determinaram nos anos 1990 e na primeira metade da primeira década dos anos 2000. Com os impactos da abertura comercial, da privatização, da terceirização e de outras inovações organizacionais já absorvidos pelas empresas brasileiras, o contínuo e mais elevado crescimento econômico da segunda metade da primeira década dos anos 2000 17 pôde melhorar a qualidade do emprego formal e, especialmente, diminuir o desemprego. A melhora qualitativa e quantitativa do mercado de trabalho metropolitano traduziu-se em diminuição das ocupações informais após 2004. Como representante emblemática da existência de ocupações informais, a presença de comerciantes de rua na RMSP mostrou significativa sensibilidade às variações na taxa de desemprego. O gráfico 1 mostra a relação diretamente proporcional que se estabeleceu entre a proporção de comerciantes de rua na RMSP e a taxa de desemprego nessa região. Na relação linear apresentada, a variação da taxa de desemprego explica 67,5% da variação da proporção de comerciantes de rua no período. Na primeira metade da década inicial de 2000, enquanto a taxa de desemprego crescia e sua média atingia 18,6%, a proporção de comerciantes de rua também crescia e sua média era de 2,4% (ver tabela 1); na segunda metade da década, enquanto a taxa de desemprego caia e sua média alcançava 14,9%, a proporção de comerciantes de rua na RMSP também decrescia e sua média era reduzida para 2,0%. A taxa de desemprego é um importante determinante da maior ou menor presença de comerciantes nas ruas da RMSP.

17 O crescimento médio anual do PIB brasileiro no período de 2004 a 2009 foi de 4,1%.

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Gráfico 1 – Diagrama de dispersão entre a proporção de comerciantes de rua e a taxa desemprego na Região Metropolitana de São Paulo (1999-2009) Fonte: elaboração própria com base em dados da PED, divulgados em SEADE (2010). A tabela 1 também apresenta a evolução na primeira década de 2000 da estimativa do número de pessoas que trabalhavam no comércio de rua na Cidade de São Paulo. A informação mais recente disponível revela que em 2009 havia cerca de 100 mil pessoas18 trabalhando no comércio nas ruas de São Paulo 19, e que eles representavam 1,7% do total de pessoas que trabalhavam nessa cidade. Se compararmos esses números com os do início e os da metade da primeira década de 2000, teremos os seguintes resultados: o número de pessoas no comércio de

18 Ponderando sobre esse número de 100 mil pessoas, é preciso afirmar que a esmagadora maioria delas constitui a categoria do que definimos como ambulantes. Por outro lado, algo como talvez 10% das pessoas classificadas como comerciantes de rua seriam feirantes. Os dados da PED não permitem essa separação. No entanto, informação da Prefeitura de São Paulo, citada em Folha de São Paulo (2010, p.14), aponta que a Cidade tinha no início de 2010 aproximadamente 11 mil feirantes. Outra ponderação é sobre o fato de que os dados da PED aqui apresentados na tabela 1 referem-se tão somente a ocupados (não há procura por trabalho), ou seja, não incluem as pessoas que estão no chamado desemprego por trabalho precário (situação na qual há procura por trabalho, mas o indivíduo tem um trabalho irregular, com freqüência não definida, o chamado “bico”). Estimativas obtidas com as tabulações especiais da PED revelam que no período de 1999 a 2003 havia 21 mil pessoas com trabalho precário moradoras da Região Metropolitana de São Paulo que podiam ser classificadas como comerciantes de rua; no período de 2004 a 2009, esse número caiu de forma expressiva para 13 mil. Se fizermos a suposição de que 2/3 desses trabalhavam na Cidade de São Paulo, poderíamos acrescentar algo como 9 mil pessoas às estimativas do número de comerciantes de rua trabalhando nessa cidade em 2009. 19 Em ordem de grandeza, a Cidade de São Paulo tem 1% de sua população trabalhando no comércio de rua; essa participação é de 2% em muitas cidades indianas (GOVERMENT OF INDIA, 2009);

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rua em 2009 foi 15,3% menor do que o do ano 2000 e 24,8% menor do que o de 2004; a proporção de comerciantes de rua que era de 2,2% e 2,5% em 2000 e 2004, respectivamente, caiu para 1,7% em 2009. Ao final da primeira década do novo milênio, o que se verificou nas ruas da Cidade de São Paulo foi a diminuição do comércio de rua. O gráfico 2 permite qualificar a afirmação anterior. O que se tem de fato é uma tendência de aumento do comércio de rua em São Paulo na primeira metade da década (2000 a 2004), seguida de uma inversão de tendência na segunda metade da década (2005 a 2009). Depois de 2004, o comércio de rua em São Paulo apresentou clara contração, o que significou aproximadamente 33 mil comerciantes de rua a menos trabalhando na cidade. É interessante ainda notar no gráfico 2 como a trajetória do comércio de rua se assemelha à trajetória do desemprego na cidade durante a primeira década dos anos 2000. Ambos descrevem trajetórias lineares decrescentes, especialmente após 2004. A melhora expressiva do mercado de trabalho metropolitano depois desse ano é o fator a ser destacado como responsável pela redução do comércio de rua na Cidade de São Paulo. A redução de 33 mil pessoas no número de comerciantes de rua em São Paulo entre o ano de 2004 e 2009 (ver tabela 1) foi em grande parte (cerca de 2/3) caracterizada pela saída da atividade daqueles comerciantes de rua que não dispunham de instalações fixas nem equipamentos, ou seja, o segmento mais frágil do comércio de rua. Por meio da tabela 4, apresentada e analisada em mais detalhes a seguir, é possível inferir que em 2004 havia em São Paulo aproximadamente 47 mil comerciantes de rua nessa condição; em 2009, esse número tinha caído para 26 mil 20. Assim, na segunda metade da década, deixaram a condição de comerciantes sem instalações e sem equipamento cerca de 21 mil pessoas. A recuperação do mercado de trabalho diminui em particular o segmento mais frágil do comércio de rua, ou seja, aquele composto por pessoas desprovidas de qualquer capital que aí tentaram a sorte para contornar a situação de desemprego, ou de muito baixa qualidade do emprego, anteriormente existente.

20 Tomou-se a proporção de comerciantes de rua, sem instalação fixa e sem equipamento, de 2009, como igual à de 2008 (ver tabela 4). Multiplicando essa proporção (26,4%) pela estimativa do total de comerciantes de rua de 2009 (100 mil), obteve-se a quantidade de aproximadamente 26 mil.

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Gráfico 2 – Evolução do desemprego e do comércio de rua na Cidade de São Paulo Fonte: elaboração própria com base em tabulações especiais da PED – SEADE/DIEESE

4. O PERFIL RECENTE DOS TRABALHADORES E DA ATIVIDADE INFORMAL DO COMÉRCIO DE RUA EM SÃO PAULO

A tabela 2 indica que os trabalhadores do comércio de rua do Município de São Paulo em

2008, quando comparados ao total de ocupados que trabalhavam nessa cidade, eram: mais do sexo masculino; mais velhos; mais chefes de domicílio; mais de cor não-branca (ainda que a maioria tenha sido identificada como de cor branca); mais de origem nordestina (embora a maioria deles tivesse nascida no sudeste); mais migrantes, mas da mesma forma que o total de ocupados, tendiam a não ser migrantes recentes (mais de 60% dos trabalhadores do comércio de rua residiam a mais de 20 anos na RMSP); quase todos moradores na cidade de São Paulo; tinham renda familiar notadamente mais baixa; apresentavam escolaridade destacadamente mais baixa.

Considerando os atributos pessoais dos comerciantes de rua que trabalhavam em São Paulo, podemos caracterizá-los com o seguinte perfil dominante: são homens, de cor branca, de idade madura, de precária escolaridade, chefes de domicílios pobres e moradores há bastante tempo na cidade de São Paulo.

Os atributos pessoais sexo, idade, escolaridade e renda familiar merecem ser destacados e melhor analisados, pois são os que mais diferenciam os comerciantes de rua de outros trabalhadores.

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Os dados da tabela 2 revelam que 2/3 dos comerciantes de rua da cidade de São Paulo eram homens em 2009. Ao longo de toda a primeira década de 2000, tal proporção manteve-se tendencialmente a mesma. Ao contrário do que ocorreu com o comportamento da participação dos homens na ocupação total, que apresentou declínio leve, mas constante ao longo da década. A presença majoritária de homens no comércio de rua em São Paulo pode estar associada ao maior risco da atividade, determinado pela intensa disputa por pontos, pela maior chance de assaltos e outras ocorrências violentas, e pela ação severa de fiscais 21.

Em 2009, praticamente metade dos comerciantes de rua na Cidade de São Paulo tinha mais de 40 anos. É relevante perceber que a proporção de comerciantes de rua em idade madura (mais de quarenta anos) apresentou tendência clara de elevação ao longo da primeira década de 2000. Em 1999, eles eram 41,2%; em 2009, já representavam 49,9%. Por outro lado, a proporção de muito jovens (menos de 25 anos) vem apresentando tendência sensivelmente oposta. Ela passou de 23,4% em 1999 para 15,2% em 2009. Essas mesmas tendências estão ocorrendo para o total de ocupados na Cidade de São Paulo, porém em intensidade menor do que a verificada pra os comerciantes de rua. No caso dos muitos jovens, sua proporção entre o total dos ocupados caiu de 23,3% para 18,9% em 2009. A diminuição da presença de muitos jovens e o aumento da proporção de trabalhadores mais velhos entre os comerciantes de rua representam, por um lado, uma boa notícia – os jovens podem estar tendo outras opções de inserção no mercado de trabalho ou adiando essa inserção – e, por outro lado, uma notícia ruim – quanto mais velhos os trabalhadores informais, menor a chance de eles terem no assalariamento formal uma alternativa viável.

Ao longo da primeira década do novo milênio, a escolaridade dos comerciantes de rua na Cidade de São Paulo evoluiu muito pouco, diferentemente do restante da população ocupada. Em 1999, a percentagem de comerciantes de rua com até fundamental completo – nível de instrução considerado insuficiente – era de 73,8%. Em 2009, essa proporção tinha caído para 69,1%, o que indica melhora. No entanto, foi uma melhora bastante modesta quando comparada com aquela que houve entre o total de ocupados na Cidade de São Paulo. Nesse conjunto de trabalhadores, havia 50,9% de pessoas com escolaridade insuficiente em 1999. Em 2009, tal proporção tinha diminuído para 35,7%, uma redução muito expressiva. O nível de instrução da grande maioria dos comerciantes de rua em São Paulo, além de ser insuficiente, tem melhorado muito pouco. O Comércio de rua em São Paulo tem se constituído em lócus de trabalhadores com escolaridade relativa cada vez mais baixa. Tal característica restringe a possibilidade dos trabalhadores dessa atividade informal de obter ocupações assalariadas no setor formal da economia.

Os comerciantes de rua que trabalhavam em São Paulo em 2008 tendiam a pertencer a famílias pobres (até três salários míninos de renda familiar mensal). A renda média familiar desses trabalhadores era cerca de metade (51,5%) da renda média familiar do total de ocupados na cidade. Ao longo da década de 2000, essa proporção sofreu alterações, ora para cima, ora para baixo, mas manteve-se em torno de 50%. Pertencer a famílias mais pobres reduz as chances de um indivíduo obter trabalho assalariado no setor formal, especialmente o de boa qualidade, já que a rede social da qual participa tende a ser menos capaz de auxiliá-lo a atingir tal objetivo.

21 Roever (2006), compilando informações de diversas fontes, apresenta dados da primeira década do século XXI da participação de homens e mulheres, respectivamente, entre os comerciantes de rua em quatro grandes cidades latino-americanas: Bogotá (75% e 25%, em 2005); Cidade do México (60% e 40%, em 2000); Caracas (42% e 58%, em 2003); Lima (27% e 73%, em 2002). Esses dados parecem indicar que a proporção de homens no comércio de rua é tanto maior quanto maior for o índice de violência da cidade.

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A idade mais avançada, a escolaridade insuficiente e o pertencimento a famílias pobres, somados às exigências crescentes do mercado de trabalho formal, “empurram” os trabalhadores com esse perfil para atividades informais, como o comércio de rua.

A tabela 3 evidencia que a quase totalidade dos comerciantes de rua que trabalhavam na cidade de São Paulo não contribuíam para a Previdência Social. Em 2009, a proporção de não contribuintes era de 86,4%, um pouco melhor que a de 1999 (91,0%). No entanto, quando observado o comportamento dessa proporção ao longo de todos os anos da primeira década de 2000, é possível verificar que ocorreram apenas oscilações em torno da taxa de 90%. O que é mais provável é que a redução de 2009 represente tão somente uma nova oscilação e não sinalize qualquer tendência de diminuição da percentagem de comerciantes de rua que não contribui para a Previdência Social. A situação de desamparo desses trabalhadores diante de infortúnios relacionados ao trabalho é clara.

Quanto à posição na ocupação, a tabela 3 aponta que os comerciantes de rua eram na sua esmagadora maioria (cerca de ¾) autônomos22. A proporção de trabalhadores do comércio de rua nessa posição era em 2008/2009 de 77,1%, praticamente igual àquela do biênio 1999/2000 (77,4%). Ao longo da primeira década de 2000, essa proporção variou em torno de uma média de 77,5%, indicando pouca alteração no período. O que é interessante destacar é que havia 15,2% de comerciantes de rua, no biênio 2008/2009, que não eram autônomos que trabalhavam diretamente para o público e sim autônomos que trabalhavam para uma ou mais empresas ou pessoa. Em outras palavras, cerca de 20% dos comerciantes de rua autônomos trabalhavam para empresa(s) ou outra pessoa. Nessa categoria estariam, principalmente, vendedores de porta em porta de cosméticos ou outras mercadorias de determinadas empresas que têm sistema de venda direta 23. Ainda quanto à posição na ocupação, a tabela 3 revela que havia em 2008/2009 participação significativa de mão-de-obra assalariada (14,2%) nas atividades do comércio de rua. Assim, trabalhadores considerados comerciantes de rua eram na verdade empregados de outras pessoas, comerciantes de rua ou não 24. É relevante assinalar que no período de expansão da atividade econômico (segunda metade da década analisada), houve aumento da proporção de empregados, que passou de 11,0% em 2003/2004 para 14,2% em 2008/2009. É possível imaginar que nesse tipo de período parte dos ambulantes autônomos deixe o comércio de rua assim que surjam condições mais favoráveis no mercado de trabalho e que parte dos autônomos

22 A metodologia da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da Fundação SEADE/DIEESE define autônomo como o “indivíduo que explora seu próprio negócio ou ofício, sozinho ou com sócio(s), ou ainda com a ajuda de trabalhador(es) familiar(es) e, eventualmente, tem algum ajudante remunerado em períodos de maior volume de trabalho”; autônomo para o público como o indivíduo classificado como autônomo que “presta os seus serviços diretamente ao consumidor, sem ser o intermediário de uma empresa ou pessoa, tendo autonomia para organizar seu próprio trabalho e, portanto, para determinar sua jornada de trabalho, assim como para ter ou não ajudantes e/ou sócios; autônomo para empresa como “indivíduo que trabalha por conta-própria sempre para determinada(s) empresa(s) ou pessoa(s), mas não tem uma jornada de trabalho prefixada contratualmente e nem trabalha sob o controle direto da empresa, tendo, portanto, liberdade para organizar seu próprio trabalho. Essa categoria inclui também o trabalhador vinculado a uma empresa que recebe exclusivamente por produção, cujo vínculo empregatício é expressamente formalizado em contrato de autônomo.” 23 Segundo ABEVD (2010), em 2009 havia 2,4 milhões de pessoas no Brasil trabalhando como revendedores autônomos no sistema venda direta. 24 Há relatos de que comerciantes da Região Central de São Paulo contrariam pessoas para ocuparem como ambulantes as proximidades de suas lojas. Não há dados disponíveis que indiquem qual seria a dimensão desse fenômeno.

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fique na atividade e passe a contratar pessoas como assalariadas 25. Outra categoria de posição na ocupação presente na tabela 3 é a categoria “demais”. Com base em Pamplona (2004, p.327), supomos que ela estava constituída no biênio 2008/2009 de “empregadores” (cerca de 1/3) e de “trabalhadores familiares” (cerca de 2/3) 26. A tabela 3 revela também que o rendimento médio real mensal dos comerciantes de rua na Cidade de São Paulo era em 2008 de 1,4 salário mínimo 27, equivalente a aproximadamente metade do mesmo rendimento do total dos ocupados. Essa proporção era de 47,1% em 1999, caiu para 42,4% em 2003, e em seguida recuperou-se para 49,3% em 2008. No período de 1999 a 2003, que é um período de baixo crescimento para a economia brasileira (média de elevação do PIB de 1,97% ao ano), tanto o rendimento dos comerciantes de rua quanto da totalidade dos ocupados apresentaram trajetória declinante. No entanto, a queda do rendimento dos comerciantes de rua (-32,6%) foi mais intensa do que aquela observada para o total de ocupados (-25,2%). Por outro lado, no período de 2004 a 2008, fase de expansão da economia brasileira (média de crescimento do PIB de 4,8% ao ano), o rendimento médio dos comerciantes de rua cresceu 16,6% e o rendimento médio dos ocupados praticamente permaneceu o mesmo (elevação de apenas 0,4%) 28. Tal comportamento sugere que a renda média dos comerciantes de rua é mais sensível às variações do nível de atividade econômica do que a renda média do total de ocupados. A renda dos comerciantes de rua tenderia a ter um comportamento ainda mais pró-cíclico do que a renda dos ocupados em geral. A Tabela 4 apresenta as condições em que a atividade do comércio de rua é praticada. Em 2008, a maioria dos comerciantes de rua (51,9%) trabalhava sozinha, em barracas ou com algum equipamento (73,7%) e cumpria jornada de mais de 43 horas semanais (53,5%). Com relação à jornada de trabalho, é relevante observar que, embora a jornada média dos comerciantes de rua e a do total dos ocupados sejam muito próximas da duração do trabalho semanal legal (44 horas), os primeiros têm uma distribuição das jornadas individuais muito desigual. A média não reflete bem a distribuição da duração do trabalho entre os comerciantes de rua. Havia, em 2008, 47,9% de comerciantes de rua com jornadas excessivas (excessivamente curta 29, menos de 20 horas, ou excessivamente longa, mais de 54 horas), enquanto apenas 20,7% do total de ocupados exibiam essa condição. Na jornada excessivamente longa, a diferença entre os dois grupos era mais acentuada: 31,5% dos comerciantes de rua tinham essa jornada em 2008, contra apenas 13,7% da totalidade dos ocupados.

25 Essa hipótese torna-se mais consistente quando calculamos a evolução das estimativas do número de comerciantes de rua assalariados e dos autônomos para o público entre os biênios 2003/2004 e 2008/2009. Os assalariados subiram de 13,7 mil para 15,6mil e os autônomos para o público caíram de 76,9 mil para 67,9 mil. Para esse cálculo usamos como estimativa do total de comerciantes de rua para o biênio 2003/2004 a média dos anos 2003 e 2004, e para o biênio 2008/2009 usamos a média dos anos 2008 e 2009 (ver tabela 1). 26 A metodologia da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da Fundação SEADE/DIEESE define empregador como “indivíduo que é proprietário de um negócio e/ou empresa, ou que exerce uma profissão ou ofício e tem, normalmente, pelo menos um empregado remunerado permanente”; e trabalhador familiar como “indivíduo que exerce uma atividade econômica em negócios ou no trabalho de parentes, sem receber um salário como contrapartida, podendo, no entanto, receber uma ajuda de custo em dinheiro ou mesada.” 27 Resultado obtido pela divisão do valor do rendimento médio real (reais de agosto de 2009) mensal dos comerciantes de rua em São Paulo em 2008 (R$ 654,00) pelo salário mínimo legal de agosto de 2009 (R$ 465,00). 28 Essas percentagens foram obtidas comparando-se os valores de 2008 com os de 2003. 29 A idéia de classificar a jornada de trabalho de até 20 horas como “excessivamente curta” está relacionada à suposição de que essa jornada seja involuntária e que os trabalhadores desejariam trabalhar mais se assim fosse possível. Supõe-se também que a essa jornada estaria associada uma remuneração muito baixa, o que ajudaria a formar um quadro de subemprego.

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Um fenômeno bastante relevante demonstrado pela tabela 4 é a ocorrência em 2008 de 26,4% de comerciantes de rua trabalhando sem instalação e sem equipamento. O mais interessante ainda é que essa proporção apresentou tendência clara de redução a partir de 2005. Considerando os anos de 1999 a 2008, é possível notar que no ano mais recessivo (1999), quando o PIB brasileiro cresceu tão somente 0,25%, a proporção de comerciante de rua que operavam sem instalação e sem equipamento atingiu 41,9%, o nível mais alto da série apresentada na tabela 4. No período de 1999 a 2003, época de baixo crescimento para a economia brasileira, a média dessa participação ficou em 37,1%; no período de 2005 a 2008, fase de expansão da atividade econômica no Brasil, tal média diminuiu para 28,8%. A evolução dessas percentagens ao longo da década de 2000 fortalece o argumento de Pamplona (2004, p. 328) de que “na recessão, há provavelmente uma grande entrada no comércio de rua de pessoas desprovidas de qualquer capital que vão aí tentar a sorte e formam o que podemos chamar de ‘inchaço do comércio ambulante’”. A heterogeneidade que marca a totalidade da informalidade também está presente na atividade do comércio de rua ou do comércio ambulante. Não apenas as mercadorias comercializadas são variadas 30, os rendimentos obtidos são diversos, há diferentes formas de operação da atividade e há desiguais níveis de aceitação social para os diferentes tipos de comércio ambulante.

Também é relevante ter presente que nem toda atividade do comércio de rua é necessariamente fruto da crise econômica conjuntural ou da pobreza e da desigualdade associadas ao subdesenvolvimento. Há pelos menos três grupos distintos que marcam a heterogeneidade presente no comércio de rua: 1) grupo de situação precária (sem recursos); 2) grupo de situação sustentável (com recursos); 3) grupo com atividade socialmente condenável.

Uma parte expressiva dos ambulantes está no primeiro grupo. São normalmente aqueles trabalhadores que procuram o comércio de rua para fugir da pobreza crônica ou das adversidades da conjuntura econômica. Tendem a estar nesse grupo, além dos ambulantes que operam sem instalações e sem equipamentos, como vimos acima, os que são assalariados, e aqueles que vendem mercadorias de valor unitário muito baixo, ou seja, são ambulantes que praticamente não possuem qualquer capital. O perfil pessoal provável desses trabalhadores em São Paulo seria o seguinte: homens de baixa escolaridade (até o fundamental completo) de famílias pobres (até três salários mínimos de renda familiar), com predominância dos grupos etários dos muitos jovens (menos de 25 anos) e dos mais velhos (com quarenta anos ou mais).

Formando o segundo grupo, há outra parte dos ambulantes que detém recursos (financeiros, materiais, habilidades, qualificações, atitudes) que lhes conferem possibilidades reais de que sua atividade seja bem-sucedida e socialmente aceita. A tabela 3 indica que havia, em 2009, algo como 13% dos comerciantes de rua que eram contribuintes da Previdência Social; que havia aproximadamente 44% deles que trabalhavam em 2009 em barracas, em equipamentos fixos, e que cerca de 20% deles trabalhavam em negócio que tinha pelo menos um empregado (tabela 4). Para o centro histórico de São Paulo, D’Angelo (2000, p. 117) constatou que cerca de

30 Os ambulantes em São Paulo comercializam roupas, produtos eletrônicos, alimentos, passes de ônibus e metrô, calçados e acessórios, cigarros, produtos de higiene, CDs e DVDs, programas de computador, óculos, relógios, artigos de papelaria, artesanato, mercadorias sazonais, como enfeites natalinos, brinquedos, etc. (PAMPLONA, 2004).

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70% dos ambulantes eram de fato donos de suas barracas e que 50% deles não pensavam em deixar a atividade 31.

Há ainda um terceiro grupo de ambulantes que claramente sobrevive, muitas vezes com rendimentos considerados elevados, em decorrência de atividades ilegais não socialmente aceitas (contrabando, pirataria, venda de produtos roubados, etc.) 32.

5. A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DA CIDADE DE SÃO PAULO COM POLÍTICAS PARA O COMÉRCIO DE RUA

A presença de ambulantes nas ruas da Cidade de São Paulo é um fenômeno histórico. Por

volta do ano de 1900 a cidade de São Paulo possuía cerca de 239.820 habitantes, sendo que destes apenas 50.000 formavam a população operária, segundo Pinto (1994, p. 110). Nesse período, a maioria da população pobre era composta por trabalhadores que viviam à base das pequenas ocupações independentes, do trabalho temporário de baixa remuneração, como também das funções marginais. Havia pouco trabalho permanente para os desempregados que para a cidade se dirigiam. Assim, o engajamento dos trabalhadores pobres no pequeno comércio ambulante aliviava a sociedade do mal-estar causado pelo grande número de desocupados, sem recursos para sobrevivência. Consta, segundo Guerreiro (2000, p. 29), que só em 1904 seu número era de, aproximadamente, 1.400 e chegou a 3.483 em 1915. Os ambulantes não tinham nenhuma qualificação ou habilitação específica e a decadência de indústrias estáveis era sempre seguida pela expansão do seu número. Na década de 1930 e seguintes, com a aceleração da urbanização e a industrialização, a concentração de ambulantes na região central de São Paulo cresceu e a repressão passou a ser a forma preferencial para lidar com o problema. Nos anos de 1970, com o intenso crescimento econômico, forte migração e conseqüente inchaço urbano, a cidade experimentou novo crescimento vertiginoso do comércio de rua. Segundo Itikawa (2006, p. 250), nesse período o número de trabalhadores na rua chegou a cerca de 40 mil em toda cidade e 10 mil apenas no centro de São Paulo, com a existência de apenas 1350 licenças para a atividade (algo como 85% de clandestinidade).

A informação mais recente disponível, que apresentamos na tabela 1, indica que em 2009 havia cerca de 100.000 pessoas trabalhando no comércio de rua da cidade e que eles representavam 1,7 % do total de ocupados que trabalhavam em São Paulo. Segundo dados, também de 2009, divulgados pela Prefeitura de São Paulo havia somente 2.424 ambulantes com autorização para trabalhar na cidade (CAMELÔS..., 2009). Para apontarmos um número que possa dar alguma idéia da magnitude do comércio ambulante irregular, não autorizado, na cidade de São Paulo, não basta calcular a diferença entre os 100 mil comerciantes de rua e os 2.424 ambulantes autorizados, é preciso qualificar esse número de 100 mil. Nele estariam cerca de 10 mil feirantes, aproximadamente 15 mil vendedores autônomos que fazem venda para empresas e

31 No estudo de 11 casos de ambulantes do Grande ABC, foi possível verificar que 73% deles afirmaram que as condições de vida da família melhoraram com o início da atividade ambulante. É relevante apontar que quase todos os ambulantes estudados no ABC tinham sido anteriormente empregados assalariados não especializados, segmento da força de trabalho especialmente afetado com as mudanças econômicas dos anos 1990. A troca da situação de assalariamento de baixa qualificação pela situação de ambulante parece ter sido vantajosa para a maior parte dos casos. Isto reforça a hipótese que nem todo trabalhador do comércio de rua tem uma situação de trabalho precária, que não oferece oportunidade de melhora (PAMPLONA, 2000). 32 Segundo o secretário municipal da Segurança Urbana do Município de São Paulo, cerca de 50% dos produtos dos camelôs têm origem duvidosa (CRIME..., 2003).

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mais ou menos 15 mil empregados assalariados de comerciantes de rua. O que poderíamos supor como o número de fato de ambulantes que estariam potencialmente interessados e necessitados de licenças para trabalhar nas ruas da cidade seria algo com 55 mil pessoas 33. Como o número de autorizações é de 2,4 mil, teríamos algo como 52 mil pessoas ocupadas como ambulantes autônomos ilegais na cidade de São Paulo, ou seja, a atividade de ambulantes na cidade é realizada de forma quase total irregular, ilegal.

Outro aspecto que marca a atividade dos ambulantes na cidade de São Paulo é sua concentração na área central. Embora haja concentração de ambulantes em vários subcentros da Cidade de São Paulo, é para a Região Central que eles tendem a convergir, particularmente para os distritos Sé e República, considerados como o Centro Histórico da Cidade.

Os centros históricos das cidades da América Latina são locais altamente atrativos para o comércio ambulante. De acordo com Tokman (2001, p. 125), os centros históricos estão situados em locais estratégicos, onde se concentram vias de trânsito obrigatório, serviços públicos, instituições diversas e o setor financeiro, que atraem uma ampla faixa de pessoas, em especial as de média e baixa renda, as quais formam a demanda principal do comércio de rua.

A imensa proporção de ambulantes ilegais, sua concentração na região central e outros problemas associados à atividade do comércio de rua já descritos formam um conjunto de problemas que a Prefeitura de São Paulo tenta enfrentar faz décadas. Esse enfrentamento tem sido pouco eficaz e tem mostrado poucas variações ao longo do tempo: “Seja com relação ao tipo de equipamento a ser utilizado; à forma de disposição dos comerciantes nas vias públicas; ou à maior ou menor tolerância à presença; as soluções determinadas em lei vão sendo descartadas para, em breves intervalos, serem retomadas.” (GUERREIRO, 2000, p.248).

Tomando como ponto de partida a política municipal para o comércio ambulante das diferentes gestões da cidade nos últimos vinte anos, podemos caracterizar com mais detalhes como foi se constituindo a política mais recente.

A gestão de Luíza Erundina (1989 – 1992) marcou um período em que a questão dos ambulantes foi tratada diferentemente 34. A repressão aos ambulantes cedeu lugar ao reconhecimento do direito desses trabalhadores à cidade. Iniciou-se processo de participação de ambulantes e outros membros da sociedade na definição da regulamentação da atividade, o que incluía a criação de Comissões Permanentes de Ambulantes (CPAs). Descentralizou-se a execução da política de regulamentação do comércio de rua, que passou a ser feito pelas antigas Administrações Regionais (hoje, chamadas de Subprefeituras). É desse período a Lei 11.039 de 1991, aprovada por oposicionistas e que estabelece um dos traços mais importantes da atual política: a seletividade no acesso ao Termo de Permissão de Uso (TPU), documento que autoriza a atividade do comércio ambulante. Essa Lei constitui-se no principal instrumento normativo do marco legal da atual política para o comércio ambulante na Cidade de São Paulo.

O governo seguinte, Paulo Maluf (1992-1996), proibiu o comércio nas proximidades de avenidas, estações ferroviárias e hospitais. De 1993 a 1998 não houve emissão de novos Termos de Permissão de Uso (TPUs). O resultado foi o retorno dos conflitos e mais repressão. A partir de 1998, Celso Pitta (1996-2000), continuidade da gestão anterior, instituiu bolsões padronizados e a 33 As associações de ambulantes de São Paulo estimam esse número em 80 mil pessoas (CAMELÔS..., 2009). 34 No início dos anos 70, Figueiredo Ferraz ao substituir Paulo Maluf declarou que combateria os ambulantes como uma das estratégias para garantir uma cidade “limpa”. Na gestão de Olavo Setúbal, em 1975, foi projetada implantação de barracas padronizadas e feita a remoção de parte dos ambulantes que ocupavam a região central. Na década de 80, a gestão Mário Covas abandonou a proposta de padronização e concentrou esforços na repressão ao comércio ambulante (PAMPLONA, 2004, p.316).

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remoção dos ambulantes para esses locais. O fracasso desses bolsões originou novos protestos de ambulantes. Esta gestão ficou conhecida pela existência da “máfia da propina”, que era um esquema de extorsão de ambulantes levado a cabo por fiscais e políticos ligados ao governo municipal.

Na gestão Marta Suplicy (2000-2004), o marco legal da política para o comércio ambulante foi o Decreto 42.600/02, a Lei 13.635/03 e a Lei 13.866/04, que regulamentam, complementam ou alteram a Lei 11.039 de 1991 (ver Quadro 1). Essas leis e decreto estabeleceram várias ações e estratégias no âmbito da política da cidade para o comércio ambulante: a atribuição de definir a forma com que os ambulantes exercem suas atividades passou das antigas Administrações Regionais para as novas Subprefeituras; regulamentou-se a atuação e definiu-se as atribuições da Comissão Permanente de Ambulantes; previu-se a instalação de Bolsões de Comércio (shopping popular), com apoio do governo para sua instalação e operação; estabeleceu-se critérios para a concessão de TPUs, com preferência para os deficientes físicos e egressos do sistema penitenciário; definiu-se locais nos quais não seria permitida em nenhuma hipótese a atividade do comércio ambulante; deu-se poder à Guarda Civil Metropolitana (GMC) para fiscalizar o comércio ambulante e criou-se a Superintendência de Fiscalização do Comércio Ambulante e Atividades Afins, Mediação de Conflitos e Gerenciamento de Crises vinculada à GMC. Itikawa (2006, p. 254) resume assim a política para o comércio ambulante da gestão Marta Suplicy: “não lançou nenhuma política inovadora no âmbito do comércio de rua e se caracterizou pela recuperação das antigas políticas da gestão da então prefeita Luiza Erundina e pela dura repressão aos trabalhadores clandestinos.” Talvez essa seja uma avaliação negativa demais. Nessa gestão houve um esforço louvável, e pouco freqüente até então, de conceber a combinação de diferentes estratégias: participação dos ambulantes na definição da política com tentativa de demonstração clara de que o Poder Público tem capacidade de garantir áreas livres do comércio de rua; mecanismos para melhorar as condições de funcionamento do comércio de rua com estímulos para que os ambulantes pudessem optar por outra forma de trabalho. No entanto, o avanço em termos de concepção de estratégias combinadas não se repetiu na operação ou execução dessas estratégias.

Na gestão José Serra/Gilberto Kassab (2005/2008), a política para o comércio ambulante consistiu na intensificação da repressão aos clandestinos; no recadastramento e suspensão de grande parte das TPUs, ou seja, na diminuição drástica do número de autorizações 35; na realocação de ambulantes com ponto fixo; e no prosseguimento da formação dos bolsões, principalmente daqueles chamados “bolsões lineares”, que ficam em ruas e praças e não são dotados de infraestrutura.

35 Segundo declaração de Andrea Matarazzo – secretário de coordenação das subprefeituras na gestão Serra/Kassab e grande responsável pela política para o comércio de rua nesse período –, citada em Alexandrini neto (2009), das cerca de 6 mil TPUs vigentes no início da gestão restaram 4.600 em 2008. Em maio de 2009, no primeiro ano do segundo mandato de Gilberto Kassab (2009/2012), esse número caiu drasticamente para 2.424 TPUs ativas. Em cinco anos (2005 a 2009), o número de autorizações foi reduzido em 60%.

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LEIS E DECRETOS DESCRIÇÃO

LEI N.º 11.039, DE 23 DE AGOSTO DE 1991 Disciplina o exercício do comércio ou prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos no Município de São Paulo.

LEI N.º 11.111, DE 31 DE OUTUBRO DE 1991 Altera o valor das multas pela prática de infrações às normas reguladoras do Comércio Ambulante, e dá outras providências.

LEI N.º 11.112, DE 31 DE OUTUBRO DE 1991 Autoriza o Executivo Municipal a ampliar o prazo de retenção de mercadorias apreendidas através de comércio irregular.

LEI N.º 11.124, DE 26 DE NOVEMBRO DE 1991 Revoga o artigo 15 da Lei n.º 11.039, de 23 de agosto de 1991, e dá outras providências.

LEI N.º 11.405, DE 9 DE SETEMBRO DE 1993 Proíbe o comércio de Ambulantes próximo a hospitais, casas de saúde, pronto - socorros e ambulatórios públicos e particulares.

LEI N.º 11.917, DE 9 DE NOVEMBRO DE 1995 Acrescenta parágrafo ao artigo 3º da Lei n.º 11.112, de 31 de outubro de 1991, que dispõe sobre mercadorias.

LEI N.º 12.260, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1996 Disciplina a utilização das calçadas situadas nas proximidades das faixas de pedestres, e dá outras providências.

DECRETO N.º 36.996, DE 11 DE AGOSTO DE 1997

Dispõe sobre a proibição de botijões de gás pelos ambulantes, e dá outras providências.

LEI N.º 12.736, DE 16 DE SETEMBRO DE 1998

Regula a comercialização do sanduíche denominado "cachorro quente" e de refrigerantes por vendedores autônomos motorizados no Município de São Paulo.

LEI N.º 13.370, DE 3 DE JUNHO DE 2002 Altera o parágrafo 3º do artigo 3º da Lei n.º 11.112, de 31 de outubro de 1991, introduzido pela Lei n.º 11.917, de 09 de novembro de 1995.

DECRETO N.º 42.242 , DE 1º DE AGOSTO DE 2002

Regulamenta a Lei n.º 12.736, de 16 de setembro de 1998, alterada pela Lei n.º 13.185, de 11 de outubro de 2001, que dispõe sobre a comercialização de sanduíche denominado "cachorro quente" e de refrigerantes por vendedores autônomos motorizados, no Município de São Paulo.

DECRETO N.º 42.600, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2002

Regulamenta a Lei n.º 11.039, de 23 de agosto de 1991, que disciplina o exercício do comércio e a prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos do Município de São Paulo, de acordo com o disposto na Lei n.º 13.399, de 1 de agosto de 2002, que dispôs sobre a criação das Subprefeituras.

LEI N.º 13.468, DE 6 DE DEZEMBRO DE 2002

Autoriza o Poder Executivo a doar a entidades de assistência social, sem fins lucrativos, regularmente inscritas no Conselho Municipal de Assistência Social - COMAS, os produtos apreendidos pela fiscalização de comércio irregular e não recuperados dentro do prazo legal pelos interessados.

LEI N.º 13.635, DE 1 DE SETEMBRO DE 2003 Dispõe sobre a ressocialização de egressos do sistema penitenciário.

DECRETO N.º 44.372, DE 16 DE FEVEREIRO DE 2004

Regulamenta a Lei nº 13.635, de 1º de setembro de 2003, que dispõe sobre a ressocialização de egressos do sistema penitenciário e altera dispositivos da Lei nº 11.039, de 23 de agosto de 1991.

DECRETO N.º 44.382, DE 17 DE FEVEREIRO DE 2004

Delega competência aos Subprefeitos para autorizar a doação de mercadorias apreendidas pela fiscalização do comércio irregular e estabelece os procedimentos administrativos pertinentes

LEI N.º 13.866, DE 1 DE JULHO DE 2004

Fixa as atribuições da Guarda Civil Metropolitana, cria Superintendência e cargos de provimento em comissão a ela vinculados e dispõe sobre a fiscalização do comércio ambulante.

Quadro 1 – Principal legislação municipal que regulamentava a atividade de ambulantes na Cidade de São Paulo em 2009 A política recente 36 para o comércio de rua na Cidade de São Paulo apresenta um

conjunto de traços principais que devem ser mais bem destacados, definidos e analisados. Esse

36 Vamos considerar como política recente aquela que ocorreu nos últimos 20 já que este é o período em que está em vigor o principal marco regulatório do comércio de rua na cidade que é a Lei 11.039/1991.

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conjunto está formado pelo “mecanismo da seletividade”; pela “participação da sociedade civil por meio da CPA”; pelos “bolsões ou shopping popular”; pela “padronização da atividade”; pela “repressão aos clandestinos” e a chamada ”guerra nas ruas”.

A Lei 11.039, e suas modificações, estabelece a divisão dos ambulantes da Cidade de São Paulo em três categorias: a) os portadores de deficiência física de natureza grave; b) os portadores de deficiência física de capacidade reduzida e sexagenários; c) os egressos do sistema penitenciário e os fisicamente capazes. Com base nessa classificação, estabelece-se a critério de seletividade na escolha dos ambulantes que serão autorizados a ocupar os pontos fixos: terão preferência as duas primeiras categorias até sua soma alcançar o limite máximo de 2/3 (dois terços), ficando os pontos remanescentes destinados aos ambulantes da categoria "c", sendo que 1/3 (um terço) destes ficam reservados preferencialmente para os egressos dos sistema penitenciário. Restariam, por esse critério, pouco mais de 20% das vagas para os chamados “fisicamente capazes”, que são de fato a ampla maioria dos ambulantes. Embora a intenção do mecanismo de seletividade seja tentar compensar as dificuldades especiais que certos segmentos têm de inserção no mercado de trabalho, o que é louvável, ele negligência o fato de que a atividade do comércio ambulante é permanente e opção profissional para muitas pessoas “fisicamente capazes”. Sem a alternativa de trabalhar regularmente, essas pessoas persistirão em permanecer na clandestinidade.

As Comissões Permanentes de Ambulantes (CPAs) foram criadas com o objetivo de permitir a participação dos comerciantes ambulantes e dos lojistas, assim como de outros segmentos da sociedade civil, na regulamentação e controle da atividade, em concordância com a política geral para o comércio ambulante na cidade 37. As CPAs representam um passo importante no sentido de conferir maior proximidade com a realidade e maior aceitação social da política para o comércio ambulante ao permitir participação dos representantes dos agentes envolvidos diretamente ou indiretamente na atividade. No entanto, elas parecem ser um mecanismo insuficiente para assegurar participação mais efetiva dos ambulantes. Segundo Itikawa (2006, p. 268), “a representação dentro das CPAs é bastante limitada porque não contempla os diferentes interesses e conflitos do comércio de rua”. Além disso, em entrevistas realizadas pela autora com representantes de ambulantes, eles manifestaram “descrença na relevância de suas opiniões” nas CPAs, que para eles funcionariam de forma excessivamente controlada pelo subprefeito. Outro aspecto relevante nessa questão é a divisão e conflitos internos aos ambulantes que dificultam muito o funcionamento efetivo de mecanismos de representação e participação dos comerciantes de rua. Os conflitos ocorrem entre as diversas organizações de ambulantes e por disputa de pontos entre autorizados e clandestinos, e não é raro que esses conflitos se manifestem de forma muito violenta. De acordo Silva (2008, p.19), há uma forte divisão relativa à atuação das organizações que reivindicam a representação dos vendedores ambulantes, “seriam 4 sindicatos apenas em São Paulo que têm diferentes áreas de predominância na cidade, e mais de 160 associações de ambulantes”.

Os bolsões são uma maneira de remover os comerciantes ambulantes das ruas para áreas delimitadas destinadas exclusivamente à atividade. Segundo o Decreto 42.600, os bolsões na Cidade de São Paulo podem ser do tipo “bolsões de comércio (shopping popular)”, que são áreas

37 O Decreto 42.600 constitui para cada Subprefeitura uma Comissão Permanente do Ambulante, composta por representantes de Associações e Sindicatos do Comércio Ambulante (2 a 5 representantes de organizações formalmente constituídas), de Associações e Sindicatos do Comércio estabelecido (2 a 5 representantes), da população por meio de suas representações organizadas (3 a 6 representantes) e da Administração Municipal (2 a 5 representantes), sob a coordenação do respectivo subprefeito.

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de comercialização com infra-estrutura e equipamentos instalados, e do tipo “bolsões lineares”, que são áreas em ruas ou praças, dotadas de equipamentos padronizados e individuais. Além de não contemplarem os ambulantes clandestinos, os bolsões também sofrem resistência por parte dos ambulantes autorizados. Para eles, essas áreas, também chamadas de “camelódromos”, tendem a não estar em locais de grande movimento de pessoas, o que afeta o volume de vendas. Segundo Itikawa (2006, p.285), com a tendência dos bolsões estarem em áreas distantes das áreas valorizadas ou “revitalizadas”, eles “contrariam frontalmente a lógica estrutural do comércio de rua (...). A articulação com o fluxo de pedestres e com as atividades econômicas existentes no tecido urbano é fundamental para seu funcionamento.” Guerreiro (2000) analisou a experiência do “Pop Center do Brás” 38, uma tentativa de implantar um shopping popular, e concluiu que a experiência fracassou porque houve incapacidade de se criar um fluxo de pessoas na área, seja pela escolha inadequada do local, seja pela falta de publicidade, seja pela falta de acessibilidade. O fracasso com muitas experiências com bolsões em São Paulo também é atribuída, no caso dos shoppings populares, aos custos com aluguel e impostos, que teriam que ser bancados pelos ambulantes, e também à ausência do Poder Público em garantir boa gestão e em cobrir parte dos custos de funcionamento do conjunto das instalações. Os comerciantes de rua também criticam os bolsões alegando que eles podem gerar grande competição entre os ambulantes, ao confinar um elevado número de ambulantes a um pequeno espaço. Também não é raro acontecer que antigas áreas, ruas e praças das quais os ambulantes dos bolsões foram removidos, sejam reocupadas rapidamente por ambulantes clandestinos.

A tentativa de padronizar a atividade é outro ponto que bem caracteriza a política da Cidade de São Paulo para o comércio de rua. A legislação municipal (ver quadro 1) estabelece padronização para o equipamento de comercialização (tamanho, área de calçada em que podem ser instalados, projeção da cobertura, área do entorno que deve permanecer limpa, locais em que o equipamento não pode ser instalado, disposição das mercadorias); para a quantidade de auxiliares que os ambulantes podem ter; para as condições de trabalho (não trabalhar sem camisa, não praticar jogo no local, não usar aparelho sonoro); para a venda de alimentos (normas sanitárias). No entanto, essa padronização é nitidamente desrespeita pela quase totalidade dos ambulantes, o que inclui os autorizados. A padronização é de fato praticamente inexistente. Como a imensa maioria dos ambulantes da cidade opera na clandestinidade, essas normas não os atingem. Assim, diante do fato de que a imensa maioria não cumpre a normas e de que fica evidente a incapacidade de controle por parte do Poder Público, há pouco estímulo para que os ambulantes autorizados procedam de forma diferente dos clandestinos no que se refere às normas de padronização.

Não obstante sua intensidade e natureza possam ter variado de uma gestão municipal para outro, a repressão aos ambulantes clandestinos provavelmente se constituiu no principal mecanismo da política para atividade na Cidade de São Paulo nesses últimos 20 anos. A natureza dessa repressão assumiu pelo menos duas formas peculiares: o que podemos chamar de “repressão explícita”, caracterizada basicamente por operações de grande escala para remoção, apreensão de mercadorias, ou simplesmente para impedir que os ambulantes se instalem, que são

38 Segundo Guerreiro (2000), esse foi um projeto que começou a funcionar em outubro de 1998 na rua Barão de Ladário no Brás e teve como parceiros na iniciativa a Secretaria Municipal de Planejamento, o Sindicato do Trabalhadores em Economia Informal, o Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (SEBRAE) e a Mart Brás, empresa especializada na administração de empreendimentos comerciais em que se alugam pequenos boxes para vários comerciantes que trabalham conjuntamente (os chamados outlets).

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as “blitz”, os “rapas”; e o que identificamos como “repressão ou tolerância negociada”, que se caracteriza essencialmente pelo fato da fiscalização não ser constante.

A repressão explícita quando ocorre tende a encontrar forte e violenta resistência dos ambulantes clandestinos. Ao longo dos últimos anos, o centro de São Paulo, especialmente, tem sido palco daquilo que pode ser chamado “guerra nas ruas”. Em reposta à fiscalização/repressão em grande escala, os ambulantes clandestinos se reúnem em grupos que se juntam e iniciam manifestações, tumultos, vandalismo, correrias, gritando e apitando, destruindo bancas de ambulantes autorizados, bloqueando o trânsito, obrigando lojistas a fechar as portas, agredindo agentes públicos. Essas manifestações violentas têm respostas violentas da Polícia e da Guarda Municipal, e o resultado da chamada “guerra nas ruas” são detenções, feridos (inclusive pedestres) e em alguns casos mortes.39 A resposta violenta dos ambulantes clandestinos faz com que essas operações tenham alto custo político para as autoridades municipais, pois elas afetam o trânsito, ameaçam pedestres e fazem cair as vendas dos lojistas 40. A simples repressão em grande escala a comerciantes de rua clandestinos encontra fortes limitações na Cidade de São Paulo.

Por outro lado, a chamada “repressão ou tolerância negociada” é bem representada pelo fenômeno que Silva (2008, p.2) designou como “jogo complicado de tolerância e repressão”, no qual as tentativas fracassadas de regulamentação legítima dos pontos desperta uma série de conflitos, negociação, acordos e proteção, envolvendo ambulantes, lojistas, políticos, fiscais da Prefeitura, associações e até grupos criminosos. Esse ambiente de “conflitos, negociação, acordo, proteção” faz com que o ambulante clandestino para realizar sua atividade tenha que pagar “proteção”, o que alimenta a cadeia de extorsão e corrupção em torno de agentes públicos, para a qual a chamada “máfia da propina” é exemplo bem acabado.

6. PRINCÍPIOS, ESTRATÉGIAS E INSTRUMENTOS DA POLÍTICA DE REGULAÇÃO DO COMÉRCIO DE RUA NA GRANDE CIDADE

Identificadas as causas da existência e analisada a evolução do comércio de rua, é possível

pensar em políticas públicas que respondam a sua problemática. Quanto se pensa na solução do problema do comércio ambulante em São Paulo ou em outra grande cidade brasileira, é preciso ter claro que os governos municipais estão a mais de 100 anos usando as mais diversas estratégias para lidar com o problema. O fenômeno do comércio de rua está profundamente enraizado, entrelaçado, com a esfera cultural, econômica, política e social de nossas cidades, por isso sua complexidade e permanência. O comércio de rua está aqui para ficar. Assim, não se deve ter a pretensão de achar soluções de curto prazo, circunstanciais, ou do tipo “definitivas”, únicas, extremas.

39 O texto a seguir caracteriza o quadro que estamos descrevendo: “A gestão do prefeito José Serra já havia entrado em confronto com os camelôs neste ano. Em 20 de abril passado (2004), cerca de 300 camelôs participaram de uma manifestação no centro. (...) Na administração (...) Marta Suplicy (2001-2004) não foi diferente. A briga entre camelôs irregulares e prefeitura se intensificou ainda mais em julho do ano passado (2004), quando houve aumento da fiscalização. No dia 14 daquele mês, oito guardas-civis e três fiscais ficaram feridos em conflito na esquina da rua 25 de Março com a ladeira Porto Geral (centro). O comércio da região chegou a fechar as portas e 12 ambulantes foram detidos.(...) Em fevereiro de 2003, um fiscal da Prefeitura de São Paulo morreu após ser esfaqueado, próximo à praça da Sé. Um segundo fiscal ficou ferido. O crime foi cometido, segundo testemunhas, por um camelô que teve mercadorias apreendidas pelos fiscais.” (PREFEITURA..., 2005). 40 A esse respeito, assim pode ser resumida a posição de lojistas das principais ruas comerciais do centro de São Paulo: “ruim com camelôs nas ruas, pior com retirada e protestos” (PARA LOJISTAS..., 1999).

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As “soluções” únicas e extremas do tipo banimento, sobrerregulação ou liberalização completa tendem a falhar. O banimento41 ou a sobrerregulação não resolvem a questão, pois seus custos sociais e políticos seriam demasiado altos, tendo em vista que o comércio de rua é uma alternativa de sobrevivência em momento de crise econômica, é uma opção profissional permanente para muitos, é um hábito cultural e é também uma importante fonte de abastecimento para a população de mais baixa renda. O banimento ou a sobrerregulação produzem efeitos deletérios como as constantes apreensões de mercadorias e as perseguições sistemáticas, alimentando uma cadeia de corrupção de policiais e agentes municipais. A liberalização pura, simples e completa da atividade do comércio de rua, além dos graves efeitos urbanos que ela pode provocar, daria origem à formação de máfias que controlariam a atividade. A escassez do espaço urbano, especialmente dos pontos mais rentáveis, em uma situação de ausência de regulação do Estado, faz com que a apropriação desses pontos possa fazer-se por meios violentos, criminosos, típicos das máfias 42.

Assim é necessário conceber uma política de regulação sustentada, negociada, de longo prazo, formada por um conjunto de princípios, estratégias e instrumentos que se distanciem das “soluções” acima mencionadas.

Os princípios e estratégias que fundamentariam uma política capaz de regular e controlar adequadamente a problemática associada ao comércio de rua na Cidade de São Paulo e em outras grande cidades brasileiras são sugeridos a seguir:

a) conciliar o direito ao espaço público e o direito ao trabalho – o governo deve manter sua capacidade de regular e controlar o comércio de rua e ao mesmo tempo não exercer essa regulação e controle de maneira despótica a ponto de reprimir generalizadamente a atividade ambulante;

b) a falta ou o excesso de regulamentação são nocivos – a ausência de regulamentação pode ser tão custosa para o comércio de rua quanto a regulamentação excessiva 43;

c) não é possível tolerar o uso e o aproveitamento desregulados do espaço público por agentes privados e com fins lucrativos – o estado deve resguardar o espaço público para a função para a qual ele está destinado 44;

d) a transparência nas ações, a imagem e a autoridade do Poder Público devem estar sempre preservados – a falta de punição para normas claramente estabelecidas e não cumpridas debilita a autoridade pública;

41 A idéia de banimento ou eliminação do comércio ambulante é bem exemplificada pela tentativa de “varrer os ambulantes do centro da cidade” (visão higienista predominante no começo do século XX na Cidade de São Paulo). 42 Segundo Cross e Peña (2006, p. 60), em situações nas quais o Estado é incapaz de assegurar ganhos monopolistas, máfias podem surgir realizando essa função (“where de state is unable to enforce rent-seeking privileges, máfias may emerge that carry out this function”). 43 Chen (2007) argumenta que muitos governos municipais tendem a adotar uma das duas posturas diante do comércio de rua: ou tentam eliminá-lo completamente ou fazem “vistas grossas” a ele. As duas opções têm efeitos punitivos para os comerciantes de rua: remoção, assédio e exigências de suborno por parte de policiais e fiscais. Na tentativa de eliminar a presença de ambulantes, Bhowmik (2005, p. 2260-61) relata medidas drásticas de repressão em cidades asiáticas: no caso de Manila, agentes de fiscalização aspergiam querosene nos produtos; no caso de Seul, o governo contratava capangas para expulsar das ruas os ambulantes. 44 Este e outros princípios são apresentados por Tokman (2001), que analisou a experiência de algumas cidades latino-americanas no que se refere à política de regulação do comércio de rua e deu destaque para a experiência de Santiago (Chile), que segundo o autor foi exitosa.

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e) garantir a efetiva participação dos ambulantes e de outros atores envolvidos – é fundamental que os diversos interesses sociais relevantes estejam representados 45 para que os resultados da política sejam alcançados 46; o Estado não deve estar sozinho no seu papel de regulador e deve capacitar os comerciantes de rua para participar do processo;

f) as medidas devem ter continuidade assegurada – as fases de negociação, aprendizagem e avaliação podem exigir mais de uma gestão, assim deve-se superar o jogo de enfrentamento e de ações de curto prazo por ações de longo prazo;

g) estabilidade dos critérios de seleção e da fiscalização – a mudança constante dos critérios de seleção para os pontos e ausência de fiscalização permanente dificultam o cumprimento das normas;

h) o comércio de rua deve ser incorporado ao sistema de planejamento urbano – o comércio de rua deve ser uma das atividades econômicas contempladas no planejamento das cidades, ou seja, a política para essa atividade deve ser concebida considerando um contexto mais geral de planejamento e desenvolvimento urbano;

i) o comércio de rua pode ser aprimorado – oferecer acesso a espaços próprios e seguros, com instalações adequadas, com apoio em termos de crédito, treinamento e assessoria técnica são importantes para aperfeiçoar a atividade;

j) as ações de desestímulo ou remoção do comércio de rua devem estar integradas a outras ações e programas do Estado – o suporte de programas sociais de apoio à família e combate à pobreza e programas de geração de empregos são fundamentais para esses casos; para evitar retorno ou nova ocupação, é preciso iniciar imediatamente ações de remodelação da área, dando-lhe novo destino; quando a atividade basear-se em mercadorias de origem criminosa, a atuação conjunto com órgão de segurança pública e do judiciário deve ocorrer.

k) a heterogeneidade dos comerciantes ambulantes deve ser considerada – há diferentes grupos de ambulantes, como já assinalamos, portanto as estratégias e ações devem ser também diferentes;

l) deve existir base de dados atualizada e completa sobre o comércio de rua – informações estatísticas e/ou cadastrais detalhadas e atualizadas devem estar disponíveis para a concepção e execução de uma política adequada.

Antes de abordarmos em detalhes quais instrumentos são recomendados para que exista uma política sustentada para o comércio de rua da Cidade de São Paulo e de outras grandes cidades brasileiras, cabe fazer algumas considerações sobre como outras políticas públicas, que estão normalmente fora da competência do Poder Público Municipal, afetam a problemática associada ao comércio de rua.

Um aspecto a ser destacado diz respeito à necessidade do governo municipal considerar a situação macroeconômica do país e a situação particular dos diferentes grupos que integram o comércio de rua na Cidade de São Paulo. Em uma fase recessiva da economia, que vem acompanhada da elevação do desemprego, a entrada de pessoas no comércio de rua tende a ser muito expressiva. Como vimos no gráfico 1, ao longo dessa primeira década a presença de comerciantes de rua na metrópole paulistana mostrou relação direta com o desemprego. Nessa

45 Como bem alerta Cross e Peña (2006, p. 50), a função regulatória do Estado não é socialmente e nem politicamente neutra. Na prática, os tipos de atividade que são consideradas apropriadas e o nível de punição das atividades “inapropriadas” são decorrentes dos interesses dos grupos sociais envolvidos nessas definições. 46 A capacidade de mobilização dos ambulantes não deve ser subestimada. Em situações estáveis, eles tendem a manifestar atitude passiva, mas quando percebem em situações emergências que seus interesses reais estão em perigo, eles tendem a dar respostas rápidas e muitas vezes violentas, como as que ocorreram na Cidade de São Paulo e foram caracterizadas como a “guerra nas ruas”.

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situação, a capacidade de regulação do Poder Público municipal acaba ficando reduzida e os conflitos com os ambulantes crescem. O uso de políticas de emprego e renda 47 que possam reduzir o fluxo de novos entrantes no comércio de rua é fundamental, especialmente aquelas dirigidas a homens com baixa escolaridade, nos grupos etários “menos de 25 anos” e “de quarenta ou mais”, oriundos de famílias pobres. Esse grupo, que provavelmente forma o que designamos como “inchaço do comércio ambulante", muito possivelmente terá seu problema de sobrevivência resolvido saindo da atividade de ambulante, seja, principalmente, por meio de vagas geradas por uma política macroeconômica que promova a retomada do crescimento econômico, seja pelos efeitos de políticas de emprego e renda.

Considerando ainda os diferentes grupos de ambulantes que marcam a heterogeneidade dessa atividade e sua relação com outras políticas públicas, cabe também dar atenção a outro grupo, caracterizado por realizar seu comércio com base em atividades ilegais não socialmente aceitas, cujo problema transcende a esfera do Poder Público Municipal. Esse grupo deveria deixar o comércio de rua, e nesse caso é indispensável a atuação dos órgãos policiais que compõem a política de segurança pública e do Poder Judiciário.

Há, por fim, um grupo expressivo grupo que deve contar com o apoio e a regulação pública para que a atividade possa ser exercida de forma aceitável tanto para os ambulantes quanto para outros segmentos da população. É esse grupo que deve ser objeto principal da política da cidade para regulação do comércio ambulante.

6.1 Instrumentos da política de regulação do comércio de rua 6.1.1 Estrutura organizacional e processo participativo Devem-se criar órgãos administrativos, compostos por representantes do Poder Público, dos ambulantes e de outros representantes da sociedade civil, que exercem atividades de concepção e execução da regulação da atividade do comércio de rua, e sobretudo funcionem como instâncias reais de participação dos diversos agentes envolvidos, de mediação e negociação de conflitos. Em grandes cidades, é recomendável que estes órgãos sejam centralizados e próximos hierarquicamente ao prefeito. A descentralização de estruturas de participação deve sempre considerar os riscos de essas estruturas serem capturadas por interesses muito locais, particulares, e clientelistas, o que afetaria os interesses e necessidades gerais da cidade. Nesse sentido a proposta de instituição do “Conselho Municipal do Comércio Ambulante (CMCA)” feita pelo Projeto de Lei municipal 554 de 21 de agosto de 2007 (SÃO PAULO, MUNICÍPIO, 2007) é meritória. Entre as competências do CMCA, fixadas pelo Projeto de Lei, destacam-se: propor medidas ao prefeito para aperfeiçoar a atividade; colaborar na fiscalização de autoridades municipais; fixar os critérios de distribuição dos pontos; aprovar a instalação de centros de comércio popular; estabelecer diretrizes para aplicação e gestão de recursos destinados exclusivamente ao comércio ambulante; escolher o ouvidor geral do comércio ambulante 48. Os conselheiros, em número não definido, seriam os seguintes: o secretario das subprefeituras e o procurador geral do município, como membros natos; representantes das centrais sindicais; representantes do comércio ambulante; indicados por entidades que representam as pessoas com 47 Cursos de capacitação, com bolsa de estudo com valor não irrisório e vinculada à freqüência nas aulas, dirigidos a potenciais entrantes no comércio de rua, são exemplo de instrumentos de política de emprego e renda recomendáveis em situações recessivas. 48 O Projeto de Lei nº 554/07 cria a Ouvidoria do Comércio Ambulante, como órgão auxiliar autônomo vinculado ao CMCA, com a principal função de receber denúncias de irregularidades na prática do comércio ambulante e de realizar o esclarecimento preliminar de tais denúncias.

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deficiência; representantes da indústria e comércio; indicados por entidades relacionadas à questão urbana e à qualidade de vida nas cidades.

Em nosso entender, essa composição poderia ser aperfeiçoada, muito embora a composição de um conselho de tal natureza não seja tarefa fácil e não seja possível chegar a uma proposta isenta de críticas. O que é preciso é não perder o foco de que esse deva ser um órgão de mediação e negociação de conflitos relacionados ao comércio de rua em ambiente urbano. Sendo assim, com o auxílio dos critérios da Política Nacional para o Comércio de Rua Urbano da Índia (GOVERMENT OF INDIA, 2009), algumas sugestões para a formação do CMCA, ou de outro órgão similar, podem ser indicadas: o presidente do conselho deve ser um secretario municipal ligado à questão urbana (no caso de São Paulo, a escolha deveria ser a do secretario das subprefeituras); a proporção de representantes do comércio de rua deve ter peso expressivo (a política nacional indiana sugere 40%); deve haver “preocupação de gênero”, estabelecendo-se pelo menos 1/3 para representantes mulheres das organizações da sociedade civil (inclusive ambulantes); devem ser desconsiderados associações e sindicatos mais gerais e nacionais (centrais sindicais, associações e sindicatos nacionais da indústria e comércio), e considerados associações e sindicatos mais ligados às questões urbanas (como sindicato de arquitetos; sindicato de funcionários municipais, associação comercial da cidade); o número de representantes e especialmente a diversidade de interesses não podem ser grandes a ponto de inviabilizar a convergência de idéias. Cabe reforçar a necessidade de garantir participação significativa dos representantes do comércio de rua em tais órgãos administrativos. Para tanto, como o processo de organização e formação de entidades representativas de comerciantes de rua tende a ser difícil 49, é necessário que muitas vezes recursos públicos sejam mobilizados para constituição de entidades legítimas e para prepará-las para a participação no processo decisório referente à política pública para o comércio de rua. 6.1.2 Centro de comércio popular (Shopping popular) Embora tenha uma natureza até certo ponto contraditória 50, a criação de centros de comércio popular (CCPs) 51 pode ser uma maneira adequada de reduzir os efeitos deletérios do comércio de rua sobre grandes concentrações urbanas, desde que certas condições de instalações e operação desses espaços sejam respeitadas. No planejamento e operação dos CCPs, os ambulantes devem ter participação ativa e organizada, e o Poder Público Municipal deve ter atuação efetiva como protagonista. A ação combinada, negociada, de cooperativas ou associações de comerciantes de rua atuantes e governo municipal com capacidade para elaborar projetos viáveis economicamente e bem definidos em termos urbanísticos é um passo inicial

49 “Elos de família, amizade ou companheirismo são mais fortes do que a solidariedade de classe entre os trabalhadores de rua, daí a dificuldade deles enxergarem benefícios na vinculação às entidades representativas. Muitos deles, absorvidos pela batalha de conseguir a renda diária em jornadas estafantes, têm dificuldade de se engajarem.” (ITIKAWA, 2006, p. 306). 50 A natureza contraditória dos centros de comércio está no fato, bem explicado por Itikawa (2006, p. 371), de que a “institucionalização do comércio informal de rua” pode descaracterizar a espontaneidade, a diversidade e a criatividade presentes na atividade, além de deslocá-la das interações sociais e econômicas mais intensas que estão presentes nas ruas das grandes cidades. 51 Em várias cidades brasileiras, onde há centros de comércio popular, eles recebem também o nome de “camelódromos”. Vale lembrar que a expressão “camelódromo” pode estar associada a uma mera concentração de ambulantes em um espaço previamente delimitado, sem a infra-estrutura e instalações exigidas pelo conceito de “centro de comércio popular” ou “shopping popular”. Assim muitos evitam a expressão “camelódromo” ao se referir aos centros de comércio popular.

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fundamental para o êxito do empreendimento. A iniciativa privada pode participar financiando, construindo ou sendo subcontratada para gerir o empreendimento, mas a responsabilidade final pela gestão deve ser compartilhada entre o Poder Executivo Municipal e a organização que representa os ambulantes. A responsabilidade pela implantação de infra-estrutura básica dos CCPs deve ser da Prefeitura. É recomendável que haja uma espécie de zeladoria contratada com recursos das taxas pagas por ambulantes e com recursos também da Prefeitura para realizar a manutenção dessa infra-estrutura. Vale ressaltar que é essencial a presença do Poder Público cobrindo parte dos custos de funcionamento das instalações e garantindo adequada gestão. A boa localização – acessibilidade e proximidade com zonas comerciais – do centro de comércio popular é outro aspecto fundamental. Quando isso não acontece, estratégias de promoção do empreendimento e mudança do transporte público para garantir o acesso podem não funcionar. Embora os CCPs constituam ambientes de trabalho muito melhores – limpeza, redução do barulho, abrigo contra intempéries, etc. – e reduzam drasticamente o acossamento policial, não devem ser vistos como panacéia. Pode haver dificuldade na obtenção de terrenos bem localizados com dimensões adequadas, problemas com a gestão compartilhada, com o pagamento de aluguel e com o alto custo de operação do empreendimento. Muitos ambulantes têm seus rendimentos líquidos diminuídos e podem preferir sublocar seus pontos no empreendimento e voltar para as ruas. 6.1.3 Critérios de seleção para emissão das autorizações e alocação dos pontos A seleção dos interessados nas autorizações para exercer o comércio de rua e a alocação dos pontos fixos e imóveis, com destaque para os mais lucrativos, é uma das tarefas mais delicadas da execução da política para o comércio de rua. Nas grandes cidades brasileiras, a oferta de autorizações (ou permissões de uso do espaço público) é menor do que a demanda, muitas vezes em quantidade impressionantemente menor, como é o caso de São Paulo. Além disso, o espaço público é limitado em sua capacidade de oferecer pontos rentáveis e a demanda por estes pontos tende a ser muitíssimo grande. Portanto, estabelecer processos seletivos é indispensável. Mas como fazê-lo de maneira impessoal (republicana), isonômica (socialmente justa), transparente e ética, sem que os critérios sejam excessivamente exigentes, de difícil compreensão e que deixem de considerar certas aptidões para a atividade? O primeiro passo a ser dado na busca de algumas contribuições para responder essa questão é que os critérios mais específicos do processo seletivo sejam estabelecidos por órgãos como o Conselho Municipal do Comércio Ambulante e que haja uma comissão de seleção independente que consiga afastar o fantasma do clientelismo na escolha dos candidatos. O Projeto de Lei 554/07 faz uma contribuição importante nesse sentido ao estabelecer que as “Comissões Especiais de Seleção” sejam compostas de dois funcionários efetivos estáveis da Prefeitura e um representante do comércio ambulante indicado pelo CMCA. Seus membros devem ser renovados anualmente e um deles deve ser procurador do município, a quem cabe exercer a presidência dessa comissão. Outro aspecto importante na seleção dos interessados é a escolha do grupo de pessoas que terá preferência. A política da Cidade de São Paulo para o comércio de rua, desde a Lei 11.039 de 1991, como já havíamos apontado, prioriza os deficientes físicos, especialmente, e os egressos do sistema penitenciário. Apenas 20% das vagas restam para serem preenchidas pelos fisicamente capazes. O Projeto de Lei 554/07, embora mantenha a reserva de vagas para deficientes físicos, propõe alterações oportunas. Ele aumenta para 40% a cota para pessoas fisicamente capazes, deixando o restante para deficientes físicos e excluindo das cotas os egressos do sistema penitenciário. Provavelmente o melhor seria que a cota para pessoas fisicamente capazes não fosse inferior a 50%. O Projeto de Lei 554/07 também fixa critérios gerais para pontuação dos

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interessados: antiguidade no exercício da atividade (peso mínimo 60%), número de dependentes; tempo de desemprego; idade. Seria recomendável introduzir critério de gênero, com alguma pontuação adicional para mulheres. A fixação das taxas de autorização (ou Taxa de Permissão de Uso) que variem de acordo com a localização e rentabilidade do ponto pode ser uma boa solução para o problema da disputa pelos melhores pontos. O Projeto de Lei 554/07 estabelece esse critério, mas fixa um limite mínimo e um máximo. Ele também determina a cobrança trimestral da taxa. 6.1.4 Demarcação das áreas de comércio, fiscalização e padronização da atividade A definição de áreas ou zonas de atuação do comércio de rua deve levar em conta a existência de dois tipos gerais: as “áreas proibidas para o comércio de rua” e as “áreas reguladas para o comércio de rua”. A delimitação dessas áreas deve ser feito no âmbito de um órgão como o CMCA. As áreas proibidas para o comércio de rua devem estar sob fiscalização constante e o Poder Público Municipal não deve deixar dúvidas acerca de sua intenção firme e capacidade de mantê-las livres do comércio de rua. A escolha das áreas proibidas deve ser feita mediante justificativa plena de que essas áreas não podem receber o comércio de rua. Há, no entanto, a possibilidade de que áreas proibidas se transformem em áreas reguladas em determinados dias ou horários 52. Por exemplo, áreas de comércio convencional podem permitir comércio de rua aos domingos e no horário das 19:30 às 22:30.

Já para as áreas reguladas, o fundamental é que elas tenham projeto urbanístico próprio aprovado no âmbito do CMCA. A padronização do equipamento dos ambulantes que atuam nas áreas reguladas deve obedecer a critérios do projeto urbanístico próprio de cada uma dessas áreas. É importante que o Poder Público Municipal ofereça amplo apoio aos ambulantes para que eles obtenham seus equipamentos padronizados a baixo custo 53.

A fiscalização da atividade do comércio de rua é um dos instrumentos de regulação mais críticos da política. O Poder Público Municipal deve exercer essa função de maneira determinada, mas não autoritária. Não é fácil atingir essa condição. O Projeto de Lei 554/07 tem boa contribuição nesse aspecto ao estabelecer que a fiscalização siga o princípio do reconhecimento pleno da cidadania, da dignidade humana e profissional dos que exercem a atividade do comércio ambulante. O Projeto de Lei também sugere a capacitação e controle rigoroso – inclusive por parte da Ouvidoria do Comércio Ambulante – dos agentes públicos que realizam a fiscalização, e propõe o rodízio desses agentes nas áreas de atuação. O projeto também fixa normas detalhadas para a apreensão, guarda e devolução de mercadorias. Nesse ponto, deve-se ter o cuidado para que grandes exigências para apreensão de mercadorias não dificultem a ação determinada e pronta do Poder Público no exercício de sua função de fiscalização, especialmente nas áreas proibidas para o comércio de rua. O mesmo Projeto de Lei determina que a Guarda Municipal de São Paulo perca seu poder de fiscalização do comércio ambulante. Essa é uma medida que pode debilitar a capacidade do Poder Público Municipal de exercer fiscalização adequada em uma cidade com as características de São Paulo. 6.1.5 Forma de financiamento da política O financiamento da política para o comércio ambulante dever ser definido por meio da delimitação clara das fontes financeiras e da forma como serão geridos os recursos. Mais uma

52 A esse respeito, ver Government of India (2009, p. 4). 53 Sobre esse assunto, devem ser consultadas as determinações do art. 57 do Projeto de Lei 554/07 (SÃO PAULO, MUNICÍPIO, 2007).

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vez o Projeto de Lei 554/07 tem muito boa proposta nesse sentido. Ele cria o Fundo de Apoio ao Comércio Ambulante, que tem por finalidade o custeio de atividades de apoio ao exercício do comércio ambulante; o financiamento a permissionários dos equipamentos a serem implantados em pontos fixos e móveis; o custeio da infra-estrutura dos centros de comércio popular; o custeio de cursos, programações e veiculações publicitárias voltadas ao esclarecimento de permissionários e da população em geral; a manutenção da limpeza, do padrão urbanístico e o embelezamento das vias em que se realiza o comércio ambulante. A administração do Fundo será de responsabilidade do secretário das subprefeituras. As receitas que compõem o Fundo são as verbas orçamentárias destinadas ao seu custeio (nunca serão inferiores às receitas estimadas em decorrência do pagamento das taxas para permissão do comércio ambulante); o produto das multas arrecadadas em decorrência da apreensão de equipamentos e mercadorias, o produto dos leilões de mercadorias apreendidas. 6.1.6 Apoio ou promoção do negócio Crédito, formação e treinamento são importantes meios para que o negócio do comércio de rua se mantenha ou prospere, ou mesmo para que os comerciantes de rua, com renda aumentada e formação melhorada, possam procurar uma atividade econômica alternativa para si ou para seus filhos. Instituições de microfinanças podem suprir as necessidades de crédito dos comerciantes de rua. Os conteúdos dos cursos de formação e treinamento, que podem ser oferecidos pelo CMCA e custeados pelo Fundo de Apoio ao Comércio Ambulante, devem ir além de meras técnicas comerciais e de gestão de negócios. Esses conteúdos devem contemplar também temas como saúde pública, direito urbanístico, organização social. 6.1.7 Informações para diagnóstico, monitoramente e avaliação A disponibilidade de informações detalhadas e atualizadas sobre o comércio ambulante é condição indispensável para a formulação e execução adequadas da política para a atividade. Para isso, as pesquisas domiciliares e amostrais sobre mercado de trabalho podem dar importante contribuição. Há duas grandes pesquisas com essa natureza que coletam informações todos os meses em São Paulo e outras grandes cidades brasileiras: a PED, que constitui a base dos dados empíricos aqui analisados, e a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Suplementos anuais dessas pesquisas, com base em expansão das amostras, que abordassem o comércio de rua seriam fontes valiosas de informação para a política pública em questão. Outra fonte importante de informações são os cadastros municipais de ambulantes, muito embora não contenham dados sobre os clandestinos, eles devem superar seus problemas de desatualização, imprecisão e incompletude. Processos seletivos periódicos são oportunidades muito boas para coletar dados detalhados dos comerciantes de rua e mantê-los atualizados. 6.1.8 A política urbana (especialmente acessibilidade) A política urbana, especialmente aquelas que afetam a acessibilidade, é instrumento poderoso para impedir a proliferação indesejada do comércio de rua, especialmente nas áreas centrais das grandes cidades. É preciso repensar o padrão de acessibilidade (sistema de transporte e sistema viário) da área central de cidades como São Paulo. A proliferação de calçadões (pedestrianização), as vias exclusivas de ônibus e a escassez de estacionamentos limitam a circulação de veículos particulares, o que tem favorecido o abandono das classes de mais alta renda do centro da cidade e a ocupação pelo comércio destinado à população de mais baixa renda. Repensar os calçadões e expandir de forma expressiva o número de vagas de

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estacionamento para veículos particulares pode ser uma maneira de requalificar os usos que o espaço central tem tido na Cidade de São Paulo, desestimulando a expansão não desejada do comércio de rua. Outro ponto importante seria melhorar a forma de integração dos diversos meios de transporte coletivo e diminuir o papel de conexão intermodal do centro, reduzindo os transbordos a pé que criam um intenso fluxo de pessoas em torno de estações de metrô/trem e terminais de ônibus. Se o centro continuar a oferecer as condições ideais para o comércio ambulante, é muito difícil que outras ações possam conter o interesse de segmentos da população, com desvantagens no mercado de trabalho, de usufruir as vantagens de ser ambulante no Centro de São Paulo. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória crescente da informalidade na Região Metropolitana de São Paulo apresentou inversão a partir de 2004. Desse ano em diante, o mercado de trabalho deixou de ser condicionado por dois fatores – baixo crescimento e reestruturação produtiva – que o determinaram nos anos 1990 e na primeira metade da década inicial dos anos 2000. Com o impacto da abertura comercial, da privatização e das inovações organizacionais já assimilado pelas empresas, o contínuo e mais elevado crescimento econômico da segunda metade da primeira década dos anos 2000 pôde melhorar a qualidade do emprego formal e, especialmente, diminuir o desemprego. Mesmo a forte desaceleração econômica de 2008/2009, resultante da crise financeira internacional, não foi capaz de inverter a trajetória benigna observada no mercado de trabalho da RMSP depois de 2004. Assim, na segunda metade da década, a melhora qualitativa e quantitativa do mercado de trabalho metropolitano traduziu-se em diminuição das ocupações informais.

Como dimensão mais visível da informalidade, a presença de comerciantes de rua na RMSP diminuiu consideravelmente (50 mil pessoas a menos, na comparação de 2009 com 2004), revelando significativa sensibilidade à queda da taxa de desemprego. A Cidade de São Paulo seguiu o padrão metropolitano. Entre 2004 e 2009, a quantidade de comerciantes de rua na cidade caiu de 133 mil para 100 mil. Esses 33 mil a menos representaram uma redução na participação desses comerciantes no total de pessoas trabalhando em São Paulo de 2,5% para 1,7%. Depois de 2004, o comércio de rua em São Paulo apresentou clara contração, seguindo a trajetória decrescente do desemprego na cidade. A melhora expressiva do mercado de trabalho metropolitano depois desse ano é o fator a ser destacado como responsável pela redução do comércio de rua na Cidade de São Paulo.

A redução no número de comerciantes de rua em São Paulo foi em grande parte caracterizada pela saída da atividade daqueles comerciantes de rua que não dispunham de instalações fixas nem equipamentos. A recuperação do mercado de trabalho diminuiu em particular o segmento mais frágil do comércio de rua, ou seja, aquele composto por pessoas desprovidas de qualquer capital que aí tentaram a sorte para contornar a situação de desemprego ou de muito baixa qualidade do emprego. Podemos chamar esse processo de “desinchaço do comércio de rua”.

Além desse grupo de comerciantes de rua em situação mas frágil, a atividade é composta por um segundo grupo que detém recursos que lhes dão possibilidade de que sua atividade seja relativamente bem-sucedida e socialmente aceita. Esses são normalmente comerciantes que trabalham em suas próprias barracas, ou equipamentos fixos, que muitas vezes têm empregados, que em alguns casos são contribuintes da Previdência Social e que principalmente não desejam deixar a atividade. Supomos também a existência de um terceiro grupo, que embora não tenha

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sido revelado pelos dados da PED com os quais trabalhamos, compõe uma parte significativa da problemática do comércio ambulante da Cidade de São Paulo. Nesse grupo estariam ambulantes que claramente sobrevivem, muitas vezes com rendimentos relativamente elevados, em decorrência de atividades ilegais não socialmente aceitas (contrabando, pirataria, venda de produtos roubados). Não obstante a heterogeneidade dos comerciantes de rua, um perfil geral, predominante, desses trabalhadores na Cidade de São Paulo pôde ser identificado: são homens, de cor branca, de idade madura, de precária escolaridade, chefes de domicílios pobres e moradores há bastante tempo na cidade.

Sobre os efeitos do comércio de rua, deve-se perceber que essa atividade não é uma realidade simplesmente maléfica ou benéfica para as grandes cidades. Na Cidade de São Paulo, o comércio de rua desempenha uma importante função “absorvedora de choques” no mercado de trabalho, há relevantes interações entre ele e outros segmentos da economia, além disso esse tipo de comércio provê mercadorias essenciais à população de baixa renda com preços reduzidos e em lugares de fácil acesso. Por outro lado, a presença desregulada de ambulantes alimenta o processo de deterioração do centro histórico de São Paulo, estimula o processo de desvalorização imobiliária, prejudica a fluidez de veículos e principalmente de pedestres, deixa lixo nas ruas, dificulta a ação da polícia e de bombeiros, prejudica o paisagismo urbano, está associada a práticas criminosas de comércio, submete seus trabalhadores a condições precárias de trabalho, com longas jornadas de trabalho e exposição aos desconfortos e perigos das ruas.

Em que pese sua natureza ambivalente, heterogênea, conflituosa, o comércio de rua é um fenômeno vigoroso, importante, nas grandes cidades, com destaque para aquelas de países em desenvolvimento, mas também freqüente em cidades européias e norte-americanas. Visto como resquício de uma era pré-moderna, o comércio de rua não foi extinto pela modernidade capitalista, antes pelo contrário, seguiu sobrevivendo como manifestação urbana das iniqüidades geradas por essa modernidade. O comércio de rua está aí para ficar. Sua importância social, econômica e urbana faz dele um objeto indispensável da política pública. A problemática do comércio de rua desperta reações polarizadas de parte das autoridades públicas, da população e de pesquisadores. Em um extremo, há aqueles que acreditam que os ambulantes são uma espécie de “deformidade urbana”, “uma sujeira que deveria ser varrida das cidades”, e que portanto deveriam ser simplesmente banidos. Em extremo oposto, estão aqueles que acreditam que os ambulantes são “traço urbano vivo e dinâmico da pós-modernidade”, que eles desempenham um papel essencial na economia das cidades, que haveria uma “oposição cultural” a sua atividade, e que diante disso o comércio de rua deveria ser plenamente aceito e livremente exercido. Essas “soluções” extremas e “definitivas”, do tipo banimento, sobrerregulação ou liberalização plena, tendem a falhar. É necessário conceber uma política de regulação sustentada, participativa, negociada, de longo prazo, formada por um conjunto de princípios, estratégias e instrumentos que se distanciem das “soluções” acima mencionadas.

O Estado deve manter sua capacidade de regular e controlar o comércio de rua e ao mesmo tempo não fazer tal regulação e controle de maneira despótica a ponto de reprimir generalizadamente a atividade ambulante. É preciso saber conciliar o direito ao espaço público e o direito ao trabalho; não é possível tolerar o uso e o aproveitamento desregulados do espaço público por agentes privados com fins lucrativos; é preciso que a autoridade do Poder Público esteja sempre preservada; é fundamental que os interesses sociais relevantes estejam representados para que os resultados da política sejam alcançados, assim a participação dos ambulantes e de outros atores envolvidos é essencial; as medidas devem ter continuidade assegurada e devem existir critérios estáveis de seleção e fiscalização; é preciso também enfatizar

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ações de longo prazo num contexto mais geral de planejamento e desenvolvimento urbano; o comércio de rua pode ser aprimorado; as ações de desestímulo ao comércio de rua devem estar integradas a outras ações governamentais; a heterogeneidade dos comerciantes de rua deve ser considera; deve existir base de dados atualizada e completa sobre o comércio de rua. Há instrumentos da política pública para o comércio que devem ser destacados como aqueles que configuram um conjunto avançado para políticas dessa natureza. Devem-se criar órgãos administrativos que sejam compostos por representantes do Poder Público, dos ambulantes e outros envolvidos, que exerçam atividade de concepção da regulação do comércio de rua, mas principalmente que sejam instâncias reais de participação, mediação e negociação de conflitos. Embora não seja uma panacéia, a criação de centros de comércio popular pode ser uma maneira de reduzir os efeitos deletérios da atividade sobre grandes concentrações urbanas, desde que algumas condições de instalação e operação desses espaços estejam garantidas. Nos critérios de seleção para emissão de autorizações e alocação de pontos, a comissão de seleção deve ser independente, com participação dos ambulantes, ser renovada anualmente, e buscar constantemente mecanismos para combater o clientelismo na escolha dos candidatos. A reserva de vagas para deficientes físicos é recomendável, mas as cotas para fisicamente capazes não devem ser inferior a 50%. A definição de áreas ou zonas de atuação do comércio de rua deve levar em conta a existência de dois tipos gerais: as “áreas proibidas para o comércio de rua” e as “áreas reguladas para o comércio de rua”. Nessas últimas, a padronização do equipamento deve obedecer a critérios de projeto urbanístico próprio. Para desestimular o comércio de rua clandestino, é preciso repensar o padrão de acessibilidade (sistema de transporte e sistema viário) da área central de cidades como São Paulo. Crédito, formação e treinamento são importantes meios para que o negócio do comércio de rua se mantenha de acordo com a regulação estabelecida.

Estes e outros instrumentos da política pública para o comércio de rua devem ser aplicados levando em conta a heterogeneidade dos ambulantes. O grupo de ambulantes com situação sustentada (com recursos, disposição e aceitação social) deve ser aquele escolhido como foco da política de regulação e apoio. O grupo de situação precária (sem recursos) terá seu problema de sobrevivência resolvido saindo da atividade de ambulante, seja por meio de vagas geradas pela retomada do crescimento econômico seja pelos efeitos de políticas de emprego. Há um terceiro grupo, caracterizado por realizar seu comércio com base em atividades ilegais não socialmente aceitas, cujo problema transcende a esfera do Poder Público Municipal. Esse grupo deveria deixar o comércio de rua e nesse caso é indispensável a atuação dos órgãos de segurança pública e judiciários. REFERÊNCIAS

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Tabela 1

Evolução do número estimado e da proporção de pessoas ocupadas no comércio de rua, residentes na

Região Metropolitana de São Paulo (1999-2009)

Total

Estimativa

(em 1.000

pessoas)

(A)

Estimativa

(em 1.000

pessoas)

(B)

%

(em relação ao tota l de

ocupados) (B/A)

%

(em relação ao

tota l de

ocupados)

(C/A)

Estimativa

(em 1.000

pessoas)

(C)

%

(em rel ação ao

tota l de

ocupados)

(D/C)

Estimativa

(em 1.000 pessoas)

(D)

1999 7.251 161 2,2 71,9 5.215 2,2 114

2000 7.592 174 2,3 70,0 5.317 2,2 118

2001 7.741 193 2,5 68,5 5.305 2,6 136

2002 7.787 196 2,5 67,5 5.253 2,3 121

2003 7.817 183 2,3 67,2 5.251 2,2 116

2004 8.069 206 2,6 65,9 5.319 2,5 133

2005 8.324 183 2,2 65,5 5.449 2,1 116

2006 8.464 176 2,1 66,1 5.595 1,9 107

2007 8.663 183 2,1 66,4 5.755 2,1 124

2008 9.064 176 1,9 66,7 6.045 2,0 119

2009 9.057 156 1,7 66,7 6.043 1,7 100

Fonte: Elaboração própria com base em tabulações especiais da PED - SEADE/DIEESE

Ocupados na Região Metropolitana de São Paulo

Ano

Trabalhavam no Município de São Paulo

Total Comerciantes de rua

Moravam na Região Metropolitana de São Paulo

Comerciantes de rua

40

Tabela 2

Perfil pessoal dos comerciantes de rua (CR) e do total de ocupados (TO) que residem na Região Metropolitanas de São Paulo (RMSP) e

Trabalham no Município de São Paulo (MSP)

1999-2009(1)

Em percentagem

TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Sexo

Mulheres 43,9 33,2 43,8 35,8 44,3 32,6 44,8 36,7 45,4 33,4 45,5 34,7 45,9 37,3 46,3 34,1 45,7 34,5 46,5 35,4 46,0 33,1

Homens 56,1 66,8 56,2 64,2 55,7 67,4 55,2 63,3 54,6 66,6 54,5 65,3 54,1 62,7 53,7 65,9 54,3 65,5 53,5 64,6 54,0 66,9

Idade

10 a 17 3,8 -(2) 3,6 -(2) 3,7 -(2) 3,0 -(2) 2,8 -(2) 2,7 -(2) 2,6 -(2) 2,4 -(2) 2,2 -(2) 2,4 -(2) 2,0 -(2)

18 a 24 19,5 15,5 20,4 14,6 19,9 13,9 19,5 -(2) 18,6 -(2) 18,5 13,5 18,5 -(2) 17,5 -(2) 17,9 -(2) 17,8 -(2) 16,9 -(2)

25 a 39 42,3 35,3 41,7 34,4 42,0 30,8 41,8 34,0 42,5 32,4 42,1 32,8 41,7 31,3 42,0 34,3 42,1 31,4 41,7 30,3 42,5 34,9

40 e mais 34,4 41,2 34,3 44,3 34,4 47,0 35,6 47,2 36,1 46,7 36,7 46,8 37,2 49,6 38,0 49,7 37,9 51,2 38,1 49,5 38,6 49,9

Raça/cor

Branca 67,2 56,4 67,8 60,8 65,3 57,4 65,0 59,4 64,7 59,1 63,7 57,4 65,5 57,5 64,4 58,1 64,0 62,8 64,1 58,7 65,5 60,8

Não-Branca 32,8 43,6 32,2 39,2 34,7 42,6 35,0 40,6 35,3 40,9 36,3 42,6 34,5 42,5 35,6 41,9 36,0 37,2 35,9 41,3 34,5 39,2

Grau de

instrução

Analfabeto 3,6 -(2) 3,2 -(2) 3,3 -(2) 3,1 -(2) 2,9 -(2) 2,5 -(2) 2,1 -(2) 2,2 -(2) 1,8 -(2) 2,0 -(2) 1,8 -(2)

Fundamental

Incompleto 35,4 54,8 34,3 55,3 33,5 54,2 32,3 53,4 29,9 53,1 28,1 52,1 26,6 52,2 25,3 50,5 24,7 45,8 24,5 50,1 23,7 49,3

Fundamental

Completo 11,9 -(2) 12,2 14,9 12,2 15,9 12,6 15,6 11,6 -(2) 11,0 -(2) 11,0 -(2) 11,0 -(2) 10,7 17,4 11,2 -(2) 10,2 -(2)

Pelo menos

Médio

Incompleto 49,1 26,2 50,4 22,0 51,0 22,5 52,1 24,2 55,6 26,6 58,3 28,6 60,3 29,3 61,5 28,7 62,9 30,6 62,3 29,4 64,3 30,9

Posição no

domicílio

Chefe 46,5 51,9 46,1 49,6 45,7 51,7 45,8 51,1 46,2 52,3 46,1 54,8 45,7 53,1 45,9 55,8 45,7 54,4 45,9 53,8 46,5 56,8

Cônjuge 19,7 18,5 19,1 21,3 19,6 18,0 20,2 21,5 20,5 18,9 20,6 20,5 21,2 20,5 21,0 19,8 21,4 19,9 21,8 20,9 21,5 -(2)

Filhos 24,0 18,3 25,2 19,4 26,0 19,3 25,5 19,0 25,1 19,3 25,2 17,1 25,5 18,3 25,5 -(2) 25,2 17,5 25,3 18,0 24,6 -(2)

Demais 9,8 -(2) 9,5 -(2) 8,7 -(2) 8,6 -(2) 8,3 -(2) 8,1 -(2) 7,6 -(2) 7,6 -(2) 7,6 -(2) 7,0 -(2) 7,5 -(2)

Renda Familiar

Rendimento

Médio Real

(reais ago.

2009)3.838 2.070 3.660 1.928 3.325 2.034 3.070 1.738 2.867 1.337 3.020 1.539 2.996 1.511 2.983 1.433 2.991 1.681 2.931 1.508 2.888 -(2)

Região de

nascimento

Nordeste 27,7 35,6 27,9 38,9 28,0 39,7 28,4 38,8 27,8 38,5 27,5 37,4 27,3 35,8 26,3 41,3 26,9 40,6 27,4 39,8 28,3 39,4

Sudeste 65,8 57,9 65,6 54,0 65,7 54,4 65,9 55,9 66,3 56,2 66,9 56,8 67,6 56,8 68,1 52,5 68,1 53,6 67,8 53,7 66,6 54,3

Demais 6,5 -(2) 6,5 -(2) 6,3 -(2) 5,7 -(2) 5,9 -(2) 5,6 -(2) 5,2 -(2) 5,7 -(2) 5,0 -(2) 4,8 -(2) 5,0 -(2)

Tempo de

residência na

RMSP

Até 10 anos 18,4 19,5 18,0 20,3 17,9 21,9 16,8 18,9 16,0 17,3 14,5 16,4 13,7 -(2) 13,1 -(2) 12,6 -(2) 12,3 18,2 11,8 -(2)

Mais de 10 até

20 anos 20,9 24,2 21,1 23,0 20,5 22,2 20,1 21,6 19,7 20,5 19,1 18,4 19,9 21,6 19,4 20,2 19,6 20,8 19,9 20,6 19,7 -(2)

Mais de 20 até

30 anos 29,5 23,2 29,9 23,0 29,8 20,1 30,1 22,8 29,6 22,4 30,6 25,1 30,1 23,9 29,6 22,9 29,7 22,3 30,0 18,9 29,6 -(2)

Mais de 30

anos 31,2 33,2 30,9 33,7 31,7 35,8 33,0 36,7 34,7 39,8 35,8 40,1 36,4 40,6 37,9 39,9 38,1 41,7 37,8 42,4 38,9 45,5

Local de

residência

MSP 86,5 89,6 85,4 90,2 83,9 90,3 84,1 89,8 83,5 89,5 83,8 90,9 83,4 91,7 83,7 90,5 84,1 89,8 83,3 90,6 83,4 88,8

Outro

Município da

RMSP 13,5 -(2) 14,6 -(2) 16,1 -(2) 15,9 -(2) 16,5 -(2) 16,2 -(2) 16,6 -(2) 16,3 -(2) 15,9 -(2) 16,7 -(2) 16,6 -(2)

Fonte: Elaboração própria com base em tabulações especiais da PED - SEADE/DIEESE

Nota: (1) Dados de janeiro a setembro; (2) a amostra não comporta a desagregação.

2008 20092003 2004 2005 2006 2007Indicadores

1999 2000 2001 2002

41

Tabela 3

Perfil ocupacional dos comerciantes de rua (CR) e do total de ocupados (TO) que residem na Região Metropolitanas de São Paulo (RMSP) e

Trabalham no Município de São Paulo (MSP)

1999-2009(1)

Em percentagem

TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Posição na ocupação (3)

Assalariado 61,8 11,9 63,0 11,5 62,8 11,0 64,8 13,2 67,6 13,6 68,3 14,2

Autônomo Total 20,3 77,4 20,5 76,9 20,5 78,1 19,2 78,1 17,7 77,2 17,3 77,1

Autônomo para o público 11,8 63,6 11,8 61,8 11,5 61,8 10,8 62,9 10,6 60,0 10,4 62,0

Autônomo para empresa 8,4 13,9 8,7 15,1 9,0 16,3 8,4 15,2 7,1 17,2 6,9 15,2

Demais 17,9 10,7 16,6 11,6 16,7 10,8 16,0 8,7 14,7 9,2 14,4 8,7

Contribui para a Previdência

Social

Sim 61,9 -(2) 60,8 -(2) 60,3 -(2) 59,9 -(2) 60,8 -(2) 61,3 -(2) 63,1 -(2) 63,7 -(2) 65,0 -(2) 66,1 -(2) 68,1 -(2)

Não 38,1 91,0 39,2 87,6 39,7 90,0 40,1 87,7 39,2 88,0 38,7 88,6 36,9 87,7 36,3 90,6 35,0 88,7 33,9 89,8 31,9 86,4

Rendimento

Rendimento Médio Real

(reais ago. 2009) 1.769 832 1.670 766 1.538 858 1.396 702 1.323 561 1.349 599 1.344 562 1.363 640 1.349 658 1.328 654 1.337 -(2)

Fonte: Elaboração própria com base em tabulações especiais da PED - SEADE/DIEESE

Nota: (1) Dados de janeiro a setembro; (2) a amostra não comporta a desagregação.

(3) Os dados para posição na ocupação são bianuais; os dados de 2000 representam o biênio 1999-2000; os de 2002 representam o biênio 2001-2002; os de 2004

representam o biênio 2003-2004; os de 2006 representam o biênio 2005-2006; os de 2008 representam o biênio 2007-2008; e os de 2009 representam o biênio

2008-2009 (com todos os 12 meses de 2009).

Indicadores1999 2000 2001 2002 20092003 2004 2005 2006 2007 2008

42

Tabela 4

Perfil da atividade dos comerciantes de rua (CR) e do total de ocupados (TO) que residem na Região Metropolitanas de São Paulo (RMSP) e

Trabalham no Município de São Paulo (MSP)

1999-2009(1)

Em percentagem

TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR TO CR

Total (3) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Tamanho da empresa

Nenhum, Trabalha

Sozinho 13,0 51,4 13,1 53,2 13,1 55,2 13,6 53,7 13,0 53,1 13,5 53,1 13,0 53,8 12,7 56,2 12,7 51,5 11,8 51,9 12,5 56,3

Nenhum, Trabalha

com Familiares ou

Sócios 5,9 22,6 5,9 20,9 5,4 16,5 5,4 21,7 5,4 21,1 5,4 18,8 4,7 19,1 4,4 20,1 4,4 20,9 4,2 19,3 3,4 -(2)

De 1 a 5 empregados 16,1 19,6 15,7 19,7 15,3 20,0 15,8 18,0 15,8 19,6 15,4 20,9 15,2 18,6 14,3 -(2) 13,3 17,0 13,1 19,7 12,2 -(2)

Mais de 5

empregados 54,5 -(2) 51,9 -(2) 51,7 -(2) 53,1 -(2) 55,3 -(2) 55,4 -(2) 58,5 -(2) 57,6 -(2) 58,2 -(2) 60,5 -(2) 60,8 -(2)

Não Sabe 10,5 -(2) 13,4 -(2) 14,4 -(2) 12,1 -(2) 10,4 -(2) 10,2 -(2) 8,6 -(2) 11,0 -(2) 11,4 -(2) 10,4 -(2) 11,1 -(2)

Instalações do local

de trabalho

Barracas 1,4 36,2 1,5 37,1 1,6 37,8 1,4 39,0 1,4 40,8 1,6 39,0 1,4 39,5 1,2 36,6 1,4 42,6 1,3 43,7 1,1 43,6

Sem Instalações

Fixas e Sem

Equipamento 2,8 41,9 2,7 36,3 2,9 35,7 2,8 36,6 2,7 35,2 3,0 35,5 2,5 30,1 2,2 30,9 2,1 27,6 2,0 26,4 1,9 -(4)

Demais (4) 95,8 21,9 95,8 26,6 95,5 26,5 95,7 24,3 95,9 24,0 95,4 25,5 96,1 30,4 96,6 32,5 96,5 29,8 96,7 30,0 97,0 30,5

Horas trabalhadas

por semana

Horas Médias 43 45 44 43 43 44 44 44 43 44 43 43 43 43 42 44 42 42 43 45 42 43

Até

20 horas 7,9 17,5 7,9 20,3 8,2 19,1 8,7 20,1 9,0 19,0 8,8 23,6 8,6 19,9 8,1 (2) 7,5 19,5 7,0 (2) 7,0 (2)

Mais de

20 até 43 horas 45,0 29,6 43,0 30,6 43,9 29,5 43,0 29,3 42,8 30,9 43,3 28,0 44,2 31,4 46,8 33,5 47,4 34,5 46,5 30,1 48,0 35,4

Até 43 horas 52,8 47,2 50,9 50,9 52,0 48,6 51,6 49,4 51,8 49,9 52,1 51,5 52,7 51,3 55,0 50,9 54,9 54,0 53,5 46,5 55,0 53,0

Mais de

43 até 54 horas 29,3 16,6 30,4 17,2 29,3 20,2 29,8 17,9 29,7 18,6 29,6 15,4 30,7 18,3 29,9 (2) 30,5 18,8 32,8 22,0 32,7 (2)

Mais de

54 até 65 horas 9,4 17,4 9,8 13,4 9,5 12,9 9,4 (2) 9,2 (2) 9,4 15,2 8,8 (2) 8,2 (2) 8,1 (2) 7,9 (2) 7,1 (2)

Mais de

65 horas 8,5 18,9 8,9 18,5 9,1 18,4 9,2 19,5 9,2 18,6 8,9 17,9 7,8 (2) 7,0 (2) 6,5 (2) 5,8 (2) 5,2 (2)

Mais de 43 horas 47,2 52,8 49,1 49,1 48,0 51,4 48,4 50,6 48,2 50,1 47,9 48,5 47,3 48,7 45,0 49,1 45,1 46,0 46,5 53,5 45,0 47,0

Fonte: Elaboração própria com base em tabulações especiais da PED - SEADE/DIEESE

Nota: (1) Dados de janeiro a setembro; (2) a amostra não comporta a desagregação;

(3) exclui assalariados do poder público, e empregados domésticos, para "tamanho da empresa" e "instalações do local de trabalho"

(4) Engloba os que trabalham na residência, fora da residência em prédios, casa, ou sala e os sem instalações fixas mas com algum equipamento (inclusive automotivo).

Indicadores1999 2000 2001 2002 20092003 2004 2005 2006 2007 2008