trabalho no brasil evolução recente e desafios

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REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.34, n.124, p.27-53, jan./jun. 2013 27 * Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, Paraná, Brasil. Doutor em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil. Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP. E-mail: [email protected] ** Economista pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil, doutor em Economia pelo Instituto de Economia. Professor e coordenador da Área de Economia Social e do Trabalho do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia, pesquisador e Diretor Adjunto do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da mesma universidade. E-mail: [email protected] *** Economista pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil, doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia. Professor e pesquisador junto ao Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da mesma universidade. E-mail: [email protected] Artigo recebido em janeiro/2013 e aceito para publicação em fevereiro/2013. Trabalho no Brasil: evolução recente e desafios Labor in Brazil: recent developments and challenges Trabajo en Brasil: tendencias recientes y retos José Dari Krein*, Anselmo Luis dos Santos** e Amilton Moretto*** RESUMO O artigo faz um balanço do trabalho no Brasil na primeira década do século XXI, mostrando que, diferentemente de tendências observadas em muitos países desenvolvidos, ocorreu um processo de (re)estruturação do mercado e das relações de trabalho, com avanço da formalização, recuperação dos salários, diminuição do desemprego, avanço nas negociações coletivas, num contexto de maior crescimento da economia e de implementação de políticas públicas com importantes impactos positivos sobre o mundo do trabalho. Além disso, coloca em discussão um conjunto de desafios advindos de um mercado de trabalho historicamente pouco estruturado e dos impactos da reconfiguração do trabalho no capitalismo contemporâneo. A análise compreende três aspectos: a dinâmica do emprego e da renda, a regulação do trabalho e as políticas públicas voltadas para o trabalho. Palavras-chave: Crescimento. Emprego. Relações de trabalho. Políticas de mercado de trabalho. ABSTRACT The article examines labor in Brazil in the first decade of the 21 st century. Results show that - unlike trends in many developed countries - there was a (re) structuring process of the labor market and work relations, with an advancement of formalization, salary increases and collective bargaining, and a drop in unemployment in a context of greater economic growth and implementation of public policies with significant positive impacts on the world of work. In addition, this study indicates a number of challenges arising both from a historically poorly-

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Trabalho no Brasil evolução recente

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  • REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.34, n.124, p.27-53, jan./jun. 2013 27

    Jos Dari Krein, Anselmo Luis dos Santos e Amilton Moretto

    * Graduado em Filosofia pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran (PUCPR), Curitiba, Paran, Brasil.Doutor em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas,So Paulo, Brasil. Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais eEconomia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP. E-mail: [email protected]

    ** Economista pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, So Paulo, Brasil, doutor emEconomia pelo Instituto de Economia. Professor e coordenador da rea de Economia Social e do Trabalhodo Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Econmico do Instituto de Economia, pesquisador eDiretor Adjunto do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da mesma universidade.E-mail: [email protected]

    *** Economista pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, So Paulo, Brasil, doutor emDesenvolvimento Econmico pelo Instituto de Economia. Professor e pesquisador junto ao Centro deEstudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da mesma universidade. E-mail: [email protected]

    Artigo recebido em janeiro/2013 e aceito para publicao em fevereiro/2013.

    Trabalho no Brasil: evoluo recente e desafios

    Labor in Brazil: recent developments and challenges

    Trabajo en Brasil: tendencias recientes y retos

    Jos Dari Krein*, Anselmo Luis dos Santos** e Amilton Moretto***

    RESUMO

    O artigo faz um balano do trabalho no Brasil na primeira dcada do sculo XXI, mostrandoque, diferentemente de tendncias observadas em muitos pases desenvolvidos, ocorreu umprocesso de (re)estruturao do mercado e das relaes de trabalho, com avano da formalizao,recuperao dos salrios, diminuio do desemprego, avano nas negociaes coletivas, numcontexto de maior crescimento da economia e de implementao de polticas pblicas comimportantes impactos positivos sobre o mundo do trabalho. Alm disso, coloca em discussoum conjunto de desafios advindos de um mercado de trabalho historicamente pouco estruturadoe dos impactos da reconfigurao do trabalho no capitalismo contemporneo. A anlisecompreende trs aspectos: a dinmica do emprego e da renda, a regulao do trabalho e aspolticas pblicas voltadas para o trabalho.

    Palavras-chave: Crescimento. Emprego. Relaes de trabalho. Polticas de mercado de trabalho.

    ABSTRACT

    The article examines labor in Brazil in the first decade of the 21st century. Results show that -unlike trends in many developed countries - there was a (re) structuring process of the labormarket and work relations, with an advancement of formalization, salary increases and collectivebargaining, and a drop in unemployment in a context of greater economic growth andimplementation of public policies with significant positive impacts on the world of work. Inaddition, this study indicates a number of challenges arising both from a historically poorly-

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    Trabalho no Brasil: evoluo recente e desafios

    structured labor market and from the impacts of work reconfiguration in contemporarycapitalism. This analysis includes three aspects: the dynamics of employment and income,labor regulations and public policies for workers.

    Keywords: Economic growth. Employment. Labor relations. Labor market policies.

    RESUMEN

    En este artculo se hace un balance del trabajo en Brasil durante la primera dcada del sigloXXI, demostrando que a diferencia de las tendencias observadas en muchos pasesdesarrollados ocurri un proceso de (re)estructuracin del mercado y de las relaciones detrabajo. Este proceso incluye el avance de la formalizacin, la recuperacin de los salarios, lacada del desempleo y un avance en las negociaciones colectivas. Lo anterior acontece en uncontexto de mayor crecimiento de la economa y de la puesta en prctica de polticas pblicascon impactos positivos en el mundo del trabajo. Adems, el proceso coloca en cuestin unconjunto de retos derivados, tanto de un mercado de trabajo histricamente poco estructurado,como de los impactos de la reconfiguracin del trabajo en el capitalismo contemporneo.Nuestro anlisis comprende tres aspectos: la dinmica del empleo y del ingreso, la regulacinlaboral y las polticas pblicas dirigidas al campo laboral.

    Palabras clave: Crecimiento. Empleo. Relaciones laborales. Polticas del mercado de trabajo.

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    Jos Dari Krein, Anselmo Luis dos Santos e Amilton Moretto

    INTRODUO

    As profundas mudanas que tm ocorrido nos pases centrais desde os anos1980 tm levado deteriorao dos indicadores do emprego e maior flexibilidadenas relaes de trabalho. Esta tendncia foi intensificada a partir da crise econmicade 2008, como se pode observar nas respostas dadas especialmente pelos governosdos pases da Unio Europeia ao agravamento da crise. Vrios autores, a exemplode Hyman (2005), Gorz (2003) e Castel (1999), mostraram que houve uma inflexona regulao do trabalho e das polticas de mercado de trabalho, com o objetivo dedesconstruir e redefinir o padro construdo no perodo do ps-guerra. Isto , daquelaconstruo histrica de instituies civilizadoras, com ampliao da regulao pblicae da proteo social do trabalho, visando desmercantilizao da fora de trabalho.

    Na atual ordem econmica e poltica, os indicadores sobre o trabalhopioraram substantivamente, como mostra o relatrio da Organizao Internacionaldo Trabalho - OIT (2012), enquanto as polticas de enfrentamento dos problemas,sobretudo com a elevao do desemprego, tiveram como propsito desregulamentaras relaes de trabalho. A mudana do ambiente pode ser sintetizada na expressode Baglioni (1994), para quem no ps-guerra os sindicatos e a regulao eramconsiderados a soluo dos problemas do mercado de trabalho e, a partir dosanos 1980, passaram a ser tomados como o problema. Isso em decorrncia dahegemonia do iderio neoliberal e sua propagao por meio das recomendaesdos organismos multilaterais (MATTOS, 2009). Em sntese, essa nova ordemeconmica e poltica criou uma situao bastante desfavorvel ao trabalho.

    O Brasil vivenciou uma situao bastante distinta da experincia dos pasescentrais. Pas de capitalismo tardio, comeou a estruturar o mercado de trabalho(assalariamento e proteo social) de forma seletiva a partir do incio do processo deindustrializao e urbanizao nos anos 1930, que avanou at 1980, antes quea crise da dvida externa interrompesse esse processo de estruturao do mercadode trabalho. A crise fortaleceu o processo de redemocratizao e de soerguimentodo sindicalismo, barrando a introduo de polticas de cunho neoliberal nessa dcada,movimento que seguiu na contramo dos pases centrais e que culminou com apromulgao de uma nova Constituio Federal em 1988. Esta ampliou direitos e aproteo social, tendo como principal referncia o modelo de Estado de Bem-EstarSocial construdo nos pases centrais no ps-guerra.

    No entanto, os impasses na rea econmica e o realinhamento conservadorabriram espao para que o neoliberalismo ganhasse terreno nos anos 1990. A adoodos preceitos do Consenso de Washington e a insero subordinada do Pas naglobalizao tenderam a bloquear os avanos obtidos na Carta de 1988. Essa opopoltica levou a um perodo de baixo e instvel crescimento econmico, resultandona desestruturao do mercado de trabalho, com uma acentuada piora em todosos indicadores (BALTAR, 2003).

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    Trabalho no Brasil: evoluo recente e desafios

    Aps 20 anos de crise econmica, reestruturao produtiva e da adoo depolticas conservadoras, as perspectivas do trabalho pareciam se estreitar. Todavia, apartir dos anos 2000, especialmente aps 2004, diferentemente de muitos pasesdesenvolvidos, vrios indicadores do mercado de trabalho passaram a revelar melhoriasexpressivas, como o crescimento do assalariamento formal, a queda do desemprego,a elevao do salrio mnimo e dos salrios nas negociaes coletivas. No entanto,expressando um movimento contraditrio, avanam as iniciativas que predispem ostrabalhadores a maior nvel de insegurana, Assim, a maior precariedade passou a serobservada na intensificao do ritmo e da insegurana no trabalho, no avano daterceirizao e da parcela da remunerao varivel, bem como na continuidade daelevada rotatividade que sempre caracterizou o mercado de trabalho brasileiro.

    Neste contexto, o presente artigo analisa o comportamento do mercado detrabalho tendo por base a dinmica recente de recuperao da economia brasileira esuas implicaes para o mundo do trabalho, assim como contempla anlises sobre aregulao e as polticas pblicas voltadas para o trabalho. Com este objetivo, o textoest organizado em trs sees, alm desta introduo e das consideraes finais. Naprimeira, discute-se a dinmica do emprego, do desemprego e da renda do trabalho.Na segunda, o padro de regulao e de proteo do trabalho. E, na terceira parte, aspolticas pblicas voltadas para o trabalho.

    1 A DINMICA DO EMPREGO, DO DESEMPREGO E DA RENDADO TRABALHO

    Apesar das positivas expectativas de mudanas construdas em torno daeleio do presidente Lula, a economia brasileira vivenciou no primeiro ano de seumandato, em 2003, a continuidade do processo de deteriorao do mundo dotrabalho. Entretanto, j a partir de 2004, o ritmo de crescimento mais elevado doPIB aparece como o elemento mais importante para que, progressivamente, fosserevertida a tendncia de desestruturao do mundo do trabalho no Brasil.

    As importantes mudanas na economia mundial foram decisivas nadeterminao dessa recuperao (BALTAR et al., 2010). Mas tambm foramimportantes as polticas que ampliaram o acesso ao crdito (crdito consignado),aumentaram o volume de transferncias de renda aos pobres (Bolsa Famlia), elevaramo valor do salrio mnimo e o piso dos benefcios previdencirios, entre outras.Progressivamente, do primeiro para o segundo mandato do governo Lula, a polticamacroeconmica passa a se caracterizar cada vez menos pelo conservadorismo emais pela presena das polticas pblicas na promoo do desenvolvimento (BARBOSA;SOUZA, 2010). Juntamente com uma situao externa mais confortvel, o Plano deAcelerao do Crescimento (PAC), o Programa de Desenvolvimento Produtivo, osfinanciamentos do BNDES, os investimentos da Petrobrs, a poltica de salrio mnimo,entre outras, contriburam para que o investimento aumentasse expressivamente em2007 e 2008, acelerando o ritmo de crescimento, com impactos positivos sobre omercado de trabalho (SALAS; SANTOS, 2011).

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    Jos Dari Krein, Anselmo Luis dos Santos e Amilton Moretto

    Com a crise internacional, a economia brasileira passou rapidamente de forteacelerao do nvel de atividade para uma situao de recesso, que se manifestoutambm em demisses em massa e elevao do desemprego. O contexto criado pelareduo da vulnerabilidade externa e pelas polticas pblicas acima mencionadas foium aspecto decisivo para que pudessem ser viabilizadas, e implementadas com xitoexemplar, as polticas que evitaram que o Pas fosse afetado fortemente pelos efeitossociais e econmicos desastrosos da recente crise internacional, vivenciados at omomento por muitos pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Essas polticas decombate crise foram decisivas para que o mercado de trabalho brasileiro pudessevoltar rapidamente a apresentar as tendncias de progressiva melhoria e estruturaoj no segundo semestre de 2009.

    O alcance de taxas mais elevadas de crescimento econmico foi decisivo paraque o mercado e as relaes de trabalho melhorassem gradativamente, revertendo oquadro de crescente desestruturao e precariedade construdo no contexto daflexibilizao das relaes de trabalho e de hegemonia do pensamento neoliberal dosanos 1990. Alm disso, as polticas pblicas e as lutas e conquistas do movimentosindical favorecidas ainda pelo contexto de maior crescimento econmico foramtambm decisivas nas melhorias observadas no mercado e nas relaes de trabalho.Esse quadro de desestruturao e de precariedade comea a se modificar a partir de2004, com a retomada do crescimento econmico; mas os avanos seriam muitomais expressivos refletindo tambm os efeitos cumulativos no segundo mandatodo governo Lula.

    Apesar da importante reverso das tendncias de precarizao do mercado edas relaes de trabalho, os resultados foram relativamente modestos entre 2004 e2006.1 Entretanto, o crescimento da ocupao (5,1%) foi marcado por expressivocrescimento do emprego assalariado (6,6%). Embora com um ritmo de crescimentobem maior para o emprego formal do setor privado (9,7%), o emprego formal dosetor pblico (5,4%) cresceu menos do que o conjunto dos assalariados, e o empregoassalariado sem carteira ainda continuou crescendo (2,0%) o mesmo ocorrendocom outros segmentos marcados por ocupaes precrias, como o trabalho por contaprpria (1,5%) e o emprego domstico sem carteira (2,4%). O trabalho no remuneradoapresentou reduo absoluta (-7,8%), como mostra a tabela 1. No conjunto, aparticipao desses quatro segmentos de ocupaes precrias reduziu-se de 52,9%,em 2004, para 50,6%, em 2006. Esses dados expressam uma tendncia j caracterizadapara o perodo (BALTAR et al., 2010), em que as melhores ocupaes assalariadas,formais, de nvel tcnico ou superior, em reas como os profissionais das cincias e dasartes aumentaram suas participaes na estrutura ocupacional, crescendo num ritmomais expressivo do que as piores ocupaes, que passaram a melhorar.2

    1 Entre 2004 e 2006, enquanto a PEA cresceu 4,6%, o total de ocupados cresceu apenas 5,1%, um desempenhoque pouco contribuiu para a reduo do contingente de desempregados (-1,1,%).

    2 Isto devido aos impactos do processo de formalizao do emprego e de elevao do valor real do salriomnimo, e melhoria dos salrios e benefcios trabalhistas alcanados nas negociaes coletivas.

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    Trabalho no Brasil: evoluo recente e desafios

    Partindo de um patamar mais positivo, no segundo mandato do governo Lulao mercado de trabalho no Brasil iria melhorar de forma expressiva, mesmo com osimpactos da crise internacional, contribuindo para que a tendncia de (re)estruturaodo mercado de trabalho fosse intensificada, no perodo 2006-2011. Neste perodo,ocorreu uma forte expanso do emprego assalariado (14,8%), no setor privado (29,4%)e no setor pblico (14,3%), muito superior ao ritmo de crescimento da PIA (7,6%), daPEA (3,4%) e dos ocupados (5,3%), e suficiente para elevar de forma expressiva o pesodo assalariamento de 55,9% para 60,9% do total de ocupados, e de 68,3% para86,6% do emprego formal, no conjunto dos assalariados exclusive os domsticos.

    Por outro lado, vrios segmentos marcados pelo trabalho precrio apresen-taram redues absolutas, como no emprego assalariado sem carteira (-10,9%), noemprego domstico (-1,1%), no emprego domstico sem carteira (-5,9%), no trabalhono remunerado (-41,4%). Por outro lado, o universo de trabalhadores por contaprpria aumentou apenas 4,4%, e vinha sendo reduzido em termos absolutos(-0,7%), em 2007 e 2008, antes dos impactos da crise internacional. No conjunto,a participao desses quatro segmentos de ocupaes precrias reduziu-se de 50,6%,em 2006, para 44,4%, em 2011.

    TABELA 1 - TAXA DE VARIAO DE INDICADORES SELECIONADOS DO MERCADO DE TRABALHO E TAXA DE DESEMPREGO - BRASIL - 2004/2011

    INDICADORES SELECIONADOS/ TAXA DE DESEMPREGO

    2004-2006 2006-2008 2008-2009 2009-2011 2006-2011 2004-2011

    PIA (10 anos ou mais) 3,9 3,4 1,4 2,6 7,6 11,8 PEA 4,6 2,7 1,6 -0,8 3,4 8,2 PNEA (15 anos ou mais) 2,8 4,6 1,0 8,3 14,5 17,7 Ocupados 5,1 4,1 0,3 0,9 5,3 10,7 Desempregados -1,1 -12,9 18,5 -19,7 -17,2 -18,1 Total de Empregados 6,6 9,1 0,3 5,0 14,8 22,4

    Empregados do Setor Privado Formal 9,7 13,7 1,5 12,1 29,4 41,9 Militares e Funcionrios Pblicos Estatutrios 5,4 9,4 3,4 1,0 14,3 20,4 Empregados sem Registro 2,0 0,8 -3,5 -8,4 -10,9 -9,1

    Trabalhadores Domsticos 4,3 -1,7 9,0 -7,7 -1,1 3,1 Domsticos com Carteira 9,6 -2,7 12,5 2,3 12,0 22,8 Domsticos sem Carteira 2,4 -1,3 7,8 -11,6 -5,9 -3,7

    Trabalhadores por Conta Prpria 1,5 -0,7 1,5 3,5 4,4 5,9 Empregadores 13,8 5,0 -3,8 -20,4 -19,5 -8,4 Trabalhadores na Prod. p/ o Prprio Consumo 19,0 0,2 -6,9 -1,0 -7,6 9,9 Trabalhadores No Remunerados -7,8 -14,9 -6,5 -26,4 -41,4 -46,0 Rendimento do Trabalho Principal(1) 11,6 5,0 2,1 8,0 15,8 29,3

    Empregados(1) 11,3 4,9 4,0 6,2 15,9 29,0 Trabalhadores Domsticos(1) 14,0 7,0 5,9 11,7 26,6 44,3 Trabalhadores por Conta Prpria(1) 6,8 7,3 1,1 20,4 30,6 39,5 Empregadores(1) 11,7 -2,0 0,3 13,6 11,6 24,7

    Taxa de Desemprego Taxa de Desemprego Aberto 8,9 8,4 7,1 8,3 6,7 6,7 Taxa de Desemprego Metropolitano(2) 11,5 10,0 7,9 8,1 6,0 6,0

    FONTES: Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio (PNAD-IBGE) - 2004-2011; Banco SIDRA (IBGE) NOTA: Elaborao dos autores. (1) PNAD/IBGE. Variao do valor do rendimento mdio mensal no trabalho principal, a preos constantes de 2009 (Deflator

    INPC-PNAD). (2) Pesquisa Mensal de Emprego (PME-IBGE).

  • REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.34, n.124, p.27-53, jan./jun. 2013 33

    Jos Dari Krein, Anselmo Luis dos Santos e Amilton Moretto

    Os impactos da crise internacional sobre o mercado de trabalho brasileiroconcentraram-se num curto perodo de tempo (inferior a 12 meses), e o movimentode recuperao do ritmo do crescimento da ocupao foi muito forte, especialmentea partir de fevereiro de 2010.3 Principalmente com os impactos do forte crescimentoeconmico em 2010 (7,5%) e a continuidade do processo de lento crescimento daPIA e da PEA, foi mantida a tendncia de crescimento da ocupao, de assalariamento,de formalizao do emprego e de perda de participao dos empregos mais precrios,pelo menos at 2011.

    As polticas pblicas visando a dinamizar setores, regies, empresas e o conjuntodo mercado interno brasileiro, assim como o papel importante desenvolvido por fundose instituies pblicas de financiamento (BNDES, CEF, BB, FAT, FGTS e outros) e subsdiosdo Tesouro Nacional, apresentaram impactos importantes no crescimento do empregoe da renda dos brasileiros, especialmente na Regio Nordeste, nas atividades daagropecuria (PRONAF), da agroindstria, da indstria de transformao, da construocivil (Minha Casa, Minha Vida), do saneamento bsico, da infraestrutura, da energia,dos transportes e comunicaes, entre outras.

    No conjunto do perodo 2004-2011, alm de um expressivo crescimento doassalariamento (22,4%), o emprego formal exclusive domsticos cresceu 38,1%4 ,e sua participao aumentou de 36,8% para 48,4% no conjunto da populaoocupada. A estrutura ocupacional brasileira tambm melhorou pela queda absolutadas ocupaes precrias, informais ou ilegais, especialmente para os empregados semcarteira (-9,1%), os domsticos sem carteira (-3,7%) e os trabalhadores no remunerados(-46%). Assim, em 2011, o mercado de trabalho brasileiro no somente havia revertidosua tendncia de desestruturao e superado os impactos da crise internacional, comoapresentava uma das melhores situaes das ltimas trs dcadas. Com o fortecrescimento do emprego formal, inclusive do emprego pblico, o trabalho por contaprpria, o emprego assalariado sem carteira, o trabalho domstico sem carteira e otrabalho no remunerado, no conjunto, apresentaram significativa perda departicipao, de 52,9% para 44,4%, na estrutura ocupacional.

    No que se refere ao desemprego, apesar da queda da taxa entre 2004 (8,9%)e 2006 (8,4%), o nmero de desempregados ainda era pouco maior (1,7%) nesteltimo ano (ver tabela 1). Ademais, no conjunto das regies metropolitanas pesquisadaspelo IBGE, a taxa de desemprego aberto caiu de 12,4% em 2003 para 10,0% em2006 patamar ainda muito elevado. Entre 2006 e 2008, o estoque de desempregadosno conjunto do Pas reduziu-se em 12,9%, e a taxa passou de 8,4% para cerca de7,1%. Especialmente a partir de 2007, o aumento do emprego e, principalmente,

    3 Nas regies metropolitanas brasileiras, o ritmo de crescimento da populao ocupada comea a sedesacelerar de forma mais consistente apenas em janeiro de 2009, alcanando seu pior momento noperodo junho/outubro. Em fevereiro de 2010 j apresenta o mesmo ritmo de crescimento (3% ao ano)anterior aos impactos da crise internacional (dados da PME/IBGE; Banco SIDRA/IBGE).

    4 Esse movimento foi muito importante, quando se considera a tendncia de perda de participao doassalariamento e do emprego formal na estrutura ocupacional nos anos 1990.

  • 34 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.34, n.124, p.27-53, jan./jun. 2013

    Trabalho no Brasil: evoluo recente e desafios

    uma queda expressiva no ritmo do crescimento da PEA provocaram expressivareduo do desemprego em todos os segmentos: homens, mulheres, populaocom mais de 50 anos, principais responsveis pela famlia, jovens, outros membrosda famlia.5 Com os impactos da crise internacional, a taxa de desemprego mdiano Pas subiu de 7,1%, em 2008, para 8,3%, em 2009, enquanto o contingente dedesempregados aumentou 18,5% no conjunto do Pas. Contudo, os maiores impactosda elevao do desemprego ocorrem num curto perodo de tempo, entre janeiro eagosto de 2009, registrando-se queda aps esse perodo. No primeiro trimestre de2010 a taxa de desemprego mdia metropolitana (7,4%), medida pela PME (IBGE,2011a), j era menor do que no primeiro trimestre de 2009 (8,6%) e do que nomesmo perodo de 2008 (8,4%).

    Como resultado das polticas anticclicas bem-sucedidas e, principalmente,do forte crescimento do PIB em 2010 (7,5%), a taxa mdia anual de desempregometropolitano foi reduzida para 6,7% em 2010. A taxa nacional de desempregopassou de 8,9% em 2004 para 6,7% em 2011, e a metropolitana de 11,5% para6%. Mesmo com o aumento da populao, o contingente de desempregados foireduzido em cerca de 1,5 milho. Enquanto em vrios pases a crise internacionalprovocou uma forte elevao do desemprego, a taxa de desemprego, no Brasil,passou a ocupar um dos mais baixos patamares registrados nas ltimas trs dcadas.

    No que se refere aos rendimentos do trabalho, observa-se um expressivoaumento do rendimento mdio real do trabalho no perodo 2004-2006 (11,6%),que foi maior do que no perodo 2006-2008 (5,0%). Nesse caso, observa-se queaps um longo perodo (1997-2003) de reduo dos rendimentos do trabalho,logo no incio do ciclo de recuperao econmica, os rendimentos do trabalhoaumentaram expressivamente. Mesmo no perodo de mais forte crise, entre 2008 e2009, o rendimento mdio real do trabalho aumentou 2,1%, e, num contexto derpida recuperao e forte crescimento do PIB em 2010, aumentou 8%, entre 2009e 2011. Com isso, entre 2006 e 2011 o rendimento do trabalho aumentou tambmde forma significativa (15,8%), especialmente para um contexto de profunda criseinternacional (ver tabela 1).

    No conjunto do perodo 2004-2011, o aumento do rendimento mdio realdos ocupados com rendimentos foi de 29,3%. Dentre os vrios fatores quecontriburam para esse aumento, deve-se destacar o contexto de inflao relativamentebaixa e sob controle; a melhoria da estrutura ocupacional, por meio do maiorcrescimento das melhores ocupaes e da elevao da qualidade das ocupaes maisprecrias; a poltica de salrio mnimo; o desemprego com tendncia declinante;a melhoria da situao econmico-financeira das empresas; as negociaes salariais

    5 Entre julho de 2002 e de 2010, a taxa de desemprego metropolitana (PME/IBGE) dos jovens de 15 a 17 anosreduziu-se de 32,1% para 23,9%; entre os jovens de 18 a 24 anos, caiu de 11,1% para 6,3%. No conjunto dapopulao de 25 anos ou mais, caiu de 8,3% para 4,7%; no de 50 anos ou mais, de 5,1% para 2,4%, e dentreos principais responsveis pela famlia caiu de 7,4% para 3,9% uma situao de pleno emprego paraesses segmentos da populao e de desemprego para jovens de 15 a 24 anos (IBGE, 2011b).

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    Jos Dari Krein, Anselmo Luis dos Santos e Amilton Moretto

    em um contexto econmico e poltico mais favorvel6 ; a elevao da arrecadaotributria, viabilizando um potencial de maiores reajustes no setor pblico.

    O crescimento do assalariamento e da formalizao contribuiu diretamentepara a elevao dos rendimentos do trabalho, em funo do aumento do peso naestrutura ocupacional de segmentos com maior rendimento mdio. No conjunto dosassalariados exclusive domsticos , ocorreu um aumento do rendimento real de29%, entre 2004 e 2011 (ver tabela 1). Esse segmento apresentava um rendimento,em 2004, 186% maior do que o dos domsticos e 22% maior do que o dostrabalhadores por conta prpria; em 2011, essas propores passaram para 156% e13%, refletindo o processo de maiores aumentos dos menores rendimentos e dereduo da desigualdade de renda do trabalho (BALTAR et al., 2010).7

    O aumento do salrio mnimo foi fundamental nesse processo de reduodas desigualdades dos rendimentos do trabalho. A consolidao de uma poltica devalorizao do salrio mnimo teve impulso com a campanha realizada conjuntamentepelas centrais sindicais, ganhando aliados no governo que se comprometeram comuma poltica de aumento do mnimo negociada com o movimento sindical.8 O aumentoreal do mnimo, de 52,4% no perodo 2004-2011, contribuiu para elevar osrendimentos do trabalho de ocupaes precrias, cujo processo de melhoria daqualidade, entre vrios aspectos, significou a ampliao de rendimentos indiretos,como o dcimo-terceiro salrio, o FGTS, 1/3 de frias, seguro-desemprego, auxlios(acidentes, doenas), 14.o salrio (PIS) e outros. Entre 2004 e 2011, o rendimento realdo trabalho domstico aumentou 44,3%, e, o dos trabalhadores por conta prpria,39,5% ver tabela 1.

    Portanto, essas mudanas observadas na estrutura ocupacional, no desempregoe na estrutura de rendimentos resultaram num processo de retorno tendncia ainda que parcial de estruturao do mercado de trabalho no Brasil. medida queo crescimento econmico, as polticas pblicas e a prtica sindical foram construindoum contexto de aumento do emprego, reduo do desemprego, melhoria do padroocupacional, elevao do poder de compra do salrio mnimo e recuperao dossalrios, ficou cada vez mais evidente, no plano concreto, que tudo isso foi possvelprescindindo das reformas liberalizantes do mercado de trabalho; que a eficcia daspolticas pblicas de promoo de um mercado de trabalho mais estruturado est

    6 Ver seo 2.7 Deve-se destacar a importncia no somente da expanso da renda real da massa trabalhadora e da classe

    mdia, mas tambm da parcela da populao pobre e miservel, com grandes dificuldades para conquistarrpida insero no mercado de trabalho e/ou elevao de renda, e que foi beneficiada por diversosprogramas sociais e pela previdncia Bolsa Famlia, LOAS, PRONAF (Cf. BALTAR et al., 2010). Os dadosmencionados que no se encontram na tabela 1 foram obtidos a partir de elaborao prpria de tabulaesespeciais da PNAD/IBGE-SIDRA, para o perodo 2004-2011.

    8 Essa poltica foi fundamental no somente para a expressiva elevao dos salrios de base, mas tambm dasaposentadorias e penses, dos Benefcios de Prestao Continuada (BPC) e de outros benefcios sociaise previdencirios.

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    associada ampliao da regulao sobre a atividade econmica, o mercado e asrelaes de trabalho, com participao do movimento sindical dos trabalhadores.A expressiva elevao do salrio mnimo no resultou na queda do emprego e noaumento da informalidade, como propugnavam defensores da agenda neoliberal.Ao contrrio, houve forte crescimento da ocupao, do assalariamento, daformalizao, da reduo do desemprego, ao lado de expressivos aumentos dosrendimentos do trabalho. A explicao do processo de retomada da estruturaodo mercado de trabalho tambm est relacionada com a dinmica sindical e daregulao do trabalho, que ser discutida na prxima seo.

    2 A REGULAO E PROTEO DO TRABALHO

    A regulao do trabalho no Brasil9 avanou muito pouco na dcada de2000, ficando tensionada entre a tendncia de flexibilizao que prevaleceu nosanos 1990 e a retomada de alguma proteo social. Apesar das especificidadesbrasileiras, o debate similar ao do capitalismo globalizado, em que sobressaiu,como resposta crise dos anos 1970, a tese da flexibilizao e a reduo da proteosocial como forma de ajuste das relaes de trabalho s transformaes na base deproduo dos bens e servios, a ampliao da concorrncia com a globalizao e aredefinio do papel do Estado. As polticas pblicas, por orientao dos organismosinternacionais, hegemnicas na rea do trabalho, foram de desregulamentao dedireitos construdos historicamente por meio da luta poltica e consolidadas nocapitalismo do ps-guerra em boa parte dos pases centrais, como apontado naintroduo do presente texto (KREIN, 2007). O que se quer reafirmar que aregulao do trabalho pode ser considerada como um componente mais amplo daordem econmica e poltica que prevalece em cada momento histrico, dependendoda atuao das foras sociais e econmicas (HYMAN, 2005) e do contexto tecnolgicoe poltico (DUNLOP, 1978).

    Em um governo mais prximo ao movimento sindical, como no caso dopresidente Lula, os atores sociais, polticos e econmicos tm maior poder paravetar iniciativas de alterao no marco legal e institucional do que para construiruma agenda de reforma. Pode-se citar, como exemplos, a regulamentao daterceirizao, a reforma sindical e trabalhista construda no Frum Nacional doTrabalho, a prevalncia do negociado sobre o legislado, a reduo da jornada detrabalho, a ratificao da Conveno 158 da OIT que introduz mecanismos emque o empregador precisa justificar a dispensa imotivada , o fator previdencirio,o combate rotatividade e informalidade do emprego. Em torno dessas questesestavam e esto colocados os grandes temas de embate na ltima dcada no Brasil.

    O prprio governo caminhou pela linha de menor resistncia, buscandoviabilizar a agenda determinada fundamentalmente pela rea econmica, em suas

    9 Sobre o conceito de regulao, pblica e privada, ver: Krein (2007), Dedecca (1999) e Hyman (2005).

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    diferentes orientaes, mais ortodoxa-liberal no incio do Governo ou maisintervencionista e keynesiana como resposta s crises poltica e econmica, e denecessidades de aproximao de sua base social. No primeiro mandato,especialmente no perodo em que o Ministrio da Fazenda foi ocupado por AntonioPalocci, as iniciativas aprovadas no Congresso Nacional tenderam a ser flexibilizadoras,com a prevalncia de uma viso microeconmica. Conforme a agendadesenvolvimentista foi ganhando maior expresso e os indicadores do mercado detrabalho melhoraram, a flexibilizao como tese perdeu fora, mas continuouprevalecendo em aspectos de interesse do governo, tais como a presso pelaregulamentao da terceirizao e a previdncia pblica. Como exemplos da perdade fora da tese flexibilizadora, pode-se ressaltar, como j discutido no item anterior,a poltica de valorizao do salrio mnimo, a ampliao do seguro desemprego, aampliao do aviso prvio, a ampliao da cobertura previdenciria e oreconhecimento das centrais sindicais.

    Alm do dinamismo da economia e das melhorias do mercado de trabalho,o poder de veto dos atores contribuiu para que a demanda por reformas no ficasseno centro da agenda poltica. Por um lado, a tese da flexibilizao como condiopara resolver os problemas do emprego e da formalizao mostrou que no tinhabase emprica no mercado de trabalho, que gerou empregos sem alterao doarcabouo legal no perodo de crescimento econmico. Mesmo a proposta dosnovos keynesianos de focar o problema na institucionalidade que induz a prevalnciade contratos de curto prazo tambm no encontrou respaldo na realidade (KREIN;SANTOS; NUNES, 2011). Por outro lado, os sindicatos tambm no conseguiramrecuperar o seu protagonismo poltico (ARAJO; OLIVEIRA, 2011) na sociedade,mas avanaram nas negociaes salariais (DIEESE, 2012) e na capacidade derepresentar a sua categoria profissional com ampliao das mobilizaes nos setoresmais estruturados economicamente (MARCELINO; BOITO JNIOR, 2010).

    Apesar disso, importantes mudanas pontuais foram se consolidando nosanos 2000 e novas questes e desafios esto colocados na agenda da regulao dotrabalho. Mudanas que so resultantes de alteraes legais, institucionais e dadinmica dos atores sociais por meio da negociao coletiva, dentro de umdeterminado contexto econmico e poltico. So transformaes com sinaiscontraditrios do ponto de vista da proteo social e da regulao pblica do trabalho.Por um lado, do ponto de vista do arcabouo legal, uma srie de medidasregulamentadas refora a lgica da flexibilizao, tais como: a lei de falncia10,

    10 A nova Lei de Falncias e de Recuperao Judicial oferece maior proteo aos crditos e s instituiesfinanceiras, em detrimento dos direitos dos trabalhadores. O Programa Nacional de Primeiro Emprego(PNPE) concede incentivos financeiros s empresas que contratem jovens. As caractersticas flexibilizadorasdo Programa esto na permisso de contratao por prazo determinado, desde que por um perodo mnimode 12 meses e na simples recomendao da no substituio de trabalhadores, sendo limitados em 20% dototal os contratados pelo PNPE.

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    o programa Primeiro Emprego, a legitimao do trabalho aos domingos11, a contrataode intelectuais e artistas como no assalariados12 , a reforma da previdncia.

    Apesar de serem medidas pontuais, com exceo da reforma da previdncia,elas sinalizam qual foi a agenda que prevaleceu no primeiro mandato do governoLula. Talvez o smbolo maior dessa agenda seja a lei das falncias, que privilegia osistema financeiro em detrimento da proteo aos trabalhadores.

    A mudana mais estrutural foi a reforma da previdncia do setor pblico13 ,que afetou direitos dos servidores ativos e inativos ao estabelecer

    o fim da integralidade e da paridade, ao fixar o limite a ser percebido a ttulode proventos de aposentadoria de acordo com o teto do regime geral doINSS. Alm disso, introduziu a cobrana previdenciria para os inativos;determinou a criao de fundos de penses complementares (FUNPRESP)para os servidores que tm uma remunerao maior do que a estabelecidapelo teto do regime geral e, ainda, aumentou o limite de idade (KREIN,SANTOS; NUNES, 2011, p.38).

    uma reforma da previdncia com carter fiscalista e que retirou direitosdos servidores pblicos.

    Os sinais contraditrios, alm dos indicadores do mercado de trabalhoapresentados acima, podem ser observados em medidas que reforam a regulaopblica do trabalho. Alm da poltica de valorizao do salrio mnimo, as medidasregulamentadas foram a ampliao do seguro desemprego no decorrer da crise de2008 e 2009; as polticas de ampliao da proteo social (especialmente com aintroduo do direito da seguridade para a dona de casa, o Micro EmpreendedorIndividual - MEI, a regulamentao do aviso prvio); a nova regulamentao doestgio; a ampliao do aviso prvio; o reconhecimento da negociao coletiva nosetor pblico.14 A poltica de valorizao do salrio mnimo foi a medida mais

    11 O governo estabeleceu uma negociao com as entidades patronais e de trabalhadores do comrcio pararegulamentar o trabalho aos domingos. A medida ao mesmo tempo ratifica o trabalho aos domingos parao comrcio e coloca limites maiores do que a regulamentao realizada no governo anterior (FHC),(1) ao instituir a obrigatoriedade da negociao coletiva entre a(s) empresa(s) e o sindicato de trabalhadores;(2) ao garantir ao menos dois domingos de folga no ms.

    12 A regulamentao do trabalho intelectual e a nova regulao para o trabalho em atividades de transporterodovirio de cargas (Lei 11.196/2005 e Lei 11.442/2007) estimulam a relao de emprego disfarada nessasatividades, tendo como efeito um enfraquecimento de garantias e de direitos trabalhistas resultante datransformao de relaes de natureza trabalhista em relaes comerciais.

    13 Ver Krein, Santos e Nunes (2011).14 A ampliao do seguro-desemprego para 7 meses foi instituda para os trabalhadores dos setores econmicos

    mais atingidos pela crise de 2008/2009. A nova lei do estgio coloca limites ao seu desvirtuamento, aovincul-lo ao projeto pedaggico da escola, prever uma jornada limite de 6 horas dirias, introduzir frias,limitar a durao no mximo a 2 anos, estabelecer uma cota de 10% para deficientes. Micro EmpreendedorIndividual (MEI) possibilita ao autnomo recolher a contribuio social ao INSS, o que lhe garante no aformalizao de sua atividade, mas o acesso seguridade social. Tambm foi regulamentado o aviso prvio,que se tornou proporcional ao tempo de servio (Cf. quadro em KREIN; SANTOS; NUNES, 2011, p.40 e 41).

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    importante pelo seu papel na estruturao do mercado de trabalho, no combate pobreza e na melhoria dos rendimentos dos trabalhadores com menores salrios,dos aposentados e dos beneficirios dos Benefcios de Prestao Continuada, comovisto na seo anterior.

    As mudanas foram pontuais, pois o mais expressivo foi o no prosseguimentoda agenda em pauta, com a retirada do regime de urgncia do projeto que previa aprevalncia do negociado sobre o legislado; o fim dos incentivos fiscais para contrataoa termo; o veto da chamada emenda 3 do projeto que criou a Super Receita; aretomada da negociao com os atores sociais para regulamentao da terceirizao.15

    Como j afirmado acima, foi com o malogro do Frum Nacional do Trabalho, foi ogoverno no forar a barra para a aprovao de medidas com oposio de parcelaexpressiva do movimento sindical e outras instituies pblicas e sociais. Essa pautaflexibilizadora continua na agenda do Congresso Nacional, mas sob intensa disputapoltica em torno dela, especialmente na regulamentao da terceirizao.

    No arcabouo institucional, as instituies pblicas se fortaleceram. A Justiado Trabalho (JT) passou por uma reforma profunda que ampliou suas competncias.O nmero de varas, de magistrados e de servidores cresceu. No obstante o aumentodo custo com pessoal e estrutura fsica, a Justia do Trabalho tornou-se superavitriaao conseguir aumentar a arrecadao fiscal vinculada s sentenas trabalhistas. Doponto de vista da regulao, h uma tendncia de judicializao dos conflitostrabalhistas (CARDOSO, 2003; ARTUR, 2011), na qual os parmetros da relaode emprego, em muitos aspectos, so estabelecidos nas varas e tribunais, como, porexemplo, a regulamentao da terceirizao, a definio da relao de empregodisfarada e o trabalho (conectado) fora do expediente. Continua havendo umatendncia de crescimento do nmero de reclamatrios e tambm de avano dosacordos, o que tende a fortalecer a lgica de conciliao (FILGUEIRAS, 2012).

    O Ministrio Pblico do Trabalho (MPT) uma instituio em consolidao,com poder de intervir nas relaes de trabalho. A sua presena cada vez mais ativa,construindo parmetros de formulao nas suas reas prioritrias, tais como no combateao trabalho anlogo ao escravo e infantil, na aplicao da legislao e dos direitos, nasade e segurana do trabalho e liberdade sindical. Apesar da tentativa de coordenao,cada procurador tem absoluta autonomia para encaminhar as questes que julgarmais pertinentes (NOBRE JNIOR; KREIN; BIAVASCHI, 2008). Os dois principaisinstrumentos de ao so o TAC (Termo de Ajuste de Conduta) e a Ao Civil Pblica(ACP). Como mostra Filgueiras (2012), prevaleceram disparadamente os TACs, queso mecanismos de conciliao entre os agentes empresariais e sindicais.

    15 A prevalncia do negociado sobre o legislado foi aprovada na Cmara dos Deputados, mas retirada de pautado seu regime de urgncia no comeo do governo Lula. Os incentivos na reduo dos encargos sociaistambm foram retirados em 2003, dentro da perspectiva de aumentar a arrecadao. A emenda 3 esvaziavao poder de fiscalizao dos auditores fiscais nos casos da relao de emprego disfarada. A terceirizao objeto de controvrsia, como ser discutido a seguir.

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    O Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), na rea da inspeo do trabalho,ampliou sua atuao, priorizando a autuao para formalizao do emprego, iniciativadiretamente relacionada com o esforo, desde 1999, do Estado brasileiro de viabilizaro aumento da arrecadao visando a conter o aumento exponencial da dvida pblicae atingir as metas do supervit primrio. Ademais, duas aes coordenadas tiveramum impacto positivo no enfrentamento de situaes extremas de explorao dotrabalho, com a criao de dois grupos mveis para combater o trabalho anlogoao escravo e o trabalho infantil. Apesar disso, a inspeo do trabalho continuapadecendo de falta de condies de trabalho e o nmero de auditores fiscais muito pequeno considerando o tamanho do mercado de trabalho brasileiro.16

    A rea de sade e segurana do trabalho, se por um lado no foi priorizada na aofiscal, por outro apresentou significativa expanso da regulamentao com apromulgao de novas Normas Regulamentadoras - NRs (FILGUEIRAS, 2012).

    Essas instituies pblicas tm a funo de estabelecer parmetros paraaplicao dos direitos e das leis de proteo social. Estudos mostram que a suaatuao foi importante para explicar, entre outros fatores, o crescimento daformalizao em taxas mais elevadas do que a gerao de novas ocupaes(CARDOSO JR., 2007; BALTAR et al., 2010). No entanto, segundo Filgueiras (2012),tende a prevalecer uma cultura denominada de conciliacionista, com a prevalnciade acordos de reclamatrias nas Varas da JT, de TACs no MPT e da fiscalizaopedaggica por orientao do MTE. Ao mesmo tempo, sua existncia em um pascom um mercado de trabalho muito heterogneo e com sindicatos fracos em grandeparte das categorias profissionais uma alternativa colocada para os trabalhadoresbuscarem o cumprimento da legislao. importante lembrar que, apesar de umatendncia de avano da formalizao e do respeito da legislao em vigor, o nvel dedescumprimento dos direitos ainda elevado.17

    Alm da institucionalidade e do arcabouo legal, h dois outros espaos denormatizao: a negociao coletiva e o mercado de trabalho. No campo dasnegociaes coletivas, no contexto econmico e poltico, os sindicatos em geralconseguiram recuperar a sua capacidade de estabelecer regras mais favorveis aosseus representados, sobretudo na questo da remunerao do trabalho, com aobteno de algum nvel de aumento real, depois de 2004. Em 2003, apenas 42%das categorias de trabalhadores conseguiram reajustes iguais ou acima da inflao;no perodo 2009-2011, mesmo com os impactos da crise de 2009, essa proporoalcanou mais de 90% (DIEESE, 2012).18 Segundo a mesma fonte, o aumento real

    16 Em 2012, o nmero de auditores ativos no chega a 3 mil, conforme pode ser observado no site doMinistrio do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br).

    17 Por exemplo, o direito elementar de registro em carteira como forma de acesso seguridade social aindano uma realidade para mais de 18 milhes de empregados, inclusive 4,6 milhes de domsticos, segundoos dados da PNAD de 2011 (IBGE, 2011b).

    18 Os programas de reestruturao de carreiras e de recuperao das remuneraes dos servidores pblicosfederais tambm atuaram no sentido da valorizao do servidor e do servio pblico, assim como a

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    variou em geral entre 1% e 2%, contribuindo para a elevao dos salrios no perodo.Alm do impacto sobre a recuperao dos pisos salariais nas negociaes coletivas,o salrio mnimo tambm contribuiu para o aumento mais expressivo dosrendimentos mais baixos e da renda das famlias mais pobres.

    Em relao remunerao, outra grande novidade que se consolidou foi oprograma de Participao nos Lucros e Resultados (PLR). um programa que agradouos empresrios e gerou movimentos reivindicatrios por parte dos sindicatos etrabalhadores para a sua efetivao. Tornou-se a principal bandeira do movimentosindical mais estruturado do Pas no setor privado. Por um lado, foi um mecanismoque agregou dinheiro no bolso do trabalhador, levando as centrais sindicais aapresentar a iseno do imposto de renda do valor recebido em forma de PLRcomo uma das principais reivindicaes no 1 de Maio de 2012.19 Por outro,provocou uma descentralizao das negociaes, fragilizou a solidariedade de classe,enfraqueceu as fontes de financiamento das polticas sociais e quebrou um paradigmahistrico da luta pela incorporao da produtividade nos salrios. Sem dvida, foi oprincipal ponto das negociaes e mobilizaes nos setores mais dinmicos dosindicalismo no setor privado (TAVARES, 2010). Mesmo no setor pblico, com aprevalncia da lgica do produtivismo, introduziram-se mecanismos de remuneraovarivel por meio da concesso de abonos e gratificaes. A PLR, em alguns setorespesquisados, cresceu mais do que os salrios em termos reais no perodo decrescimento econmico (KREIN; SANTOS; NUNES, 2011). Portanto, pode-se verificarque no perodo, apesar da melhora da remunerao do trabalho, a parte varivelapresentou um crescimento mais expressivo do que os salrios.

    Em relao jornada de trabalho, algumas poucas categorias conseguiramalguma reduo da jornada, de acordo com levantamento do DIEESE (2011). Tambmesteve em pauta no Congresso Nacional a reduo legal da jornada para 40 horassemanais no final do governo Lula.20 Em relao extenso da jornada, dados daPNAD mostram que houve um movimento de convergncia para a jornada formal,com a reduo do nmero de pessoas que trabalham acima de 44 horas semanais eum expressivo aumento dos que esto na faixa entre 40 e 44 horas. No entanto,tambm possvel observar o avano da flexibilidade com o avano do banco dehoras, a proliferao do trabalho aos domingos, a sofisticao dos mecanismos decontrole do tempo de trabalho e de separao (cada vez mais tnue) entre o tempode trabalho e o tempo de no trabalho (KREIN; SANTOS; NUNES, 2011).

    elevao da arrecadao tributria contribuiu para a recuperao ainda que parcial das perdas salariaisacumuladas em muitos estados e municpios no perodo 1997-2003. Entre 2004 e 2009, o rendimentomdio real dos funcionrios pblicos do conjunto do Pas aumentou 26%.

    19 Em acordo com as Centrais, o governo estabeleceu, em janeiro de 2013, a iseno do Imposto de Rendada Pessoa Fsica at o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) (RIBEIRO, 2012).

    20 Depois da posse da presidenta Dilma, a iniciativa legislativa saiu da agenda e no h previso de ela voltar pauta. A presidenta declarou, na campanha salarial, que um assunto para ser definido na negociaocoletiva. Ver CENTRAIS... (2010).

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    E quanto s formas de contratao, apesar de prevalecer a contratao porprazo indeterminado, ela contempla dois mecanismos de fceis ajustes flexibilizadorespara as empresas: o vnculo de emprego pode ser facilmente rompido peloempregador e, a ttulo de experincia, o trabalhador pode ser dispensado semdiversos direitos. Portanto, a flexibilidade j est includa no prprio contrato porprazo indeterminado, com exceo do emprego estatutrio no setor pblico. Essascaractersticas contribuem para explicar, entre outros fatores, a crescente rotatividadeno emprego, cuja taxa mensal situa-se em torno de 4% ao ms (BALTAR et al.,2010). Alm disso, faz-se necessrio destacar a forte expanso da terceirizao e doavano de outras formas de burlar a regulamentao vigente, tais como a contrataodisfarada como Pessoa Jurdica, e a CLTflex, que significa pagar parte da remuneraopor fora da carteira em forma de dinheiro ou benefcios.

    A descrio das mudanas na regulao do trabalho mostra que h ummovimento com sinais contraditrios em relao regulao pblica do trabalho.Eles podem ser observados nas iniciativas legais, no desempenho e papel dasinstituies pblicas e na dinmica das negociaes coletivas, em um contexto maisfavorvel ao trabalho. Esses sinais contraditrios referem-se a tensionamentosexistentes no Pas, entre uma agenda flexibilizadora, predominante nos pases centrais,e a demanda para retomada de uma agenda presente nos anos 1980, expressos naConstituio Federal de 1988. Ao mesmo tempo, h uma srie de questes histricase relacionadas s mudanas recentes no capitalismo contemporneo que necessitamser enfrentadas e so objeto de disputa na sua forma de regulamentao. A existnciade disputa e debate em si uma novidade, pois nos anos 1990 havia uma agendaflexibilizadora hegemnica. tpico de uma disputa da relao entre capital e trabalho,provocada pela prpria dinmica das transformaes na reconfigurao da classetrabalhadora associadas s mudanas nas formas de produo de bens e servios.

    uma situao que, por um lado, no promoveu alteraes substantivas naregulao do trabalho, com exceo da poltica de valorizao do salrio mnimo eda reforma da previdncia do setor pblico. A no alterao expressiva do arcabouolegal e institucional no constituiu um empecilho para a dinmica de gerao doemprego. No entanto, tambm no enfrentou problemas histricos relacionadosaos baixos salrios, rotatividade, persistncia da falta de proteo social e snovas questes relacionadas com a dinmica do capitalismo contemporneo, comoa terceirizao, a desvalorizao de grande parte das ocupaes, a intensificao dotrabalho, que tendem a produzir um novo processo de precarizao do trabalho.

    uma questo em aberto que ser resolvida dependendo de trs fatoresbsicos: 1) o padro de desenvolvimento do Pas, com capacidade de gerar postosde trabalho mais qualificados; 2) o papel do Estado nas relaes de trabalho, dadaa nossa heterogeneidade; e 3) o fortalecimento do agente sindical, com condiesde aumentar a presso para a ampliao da proteo e de uma diviso mais equnimedos ganhos de produtividade. Ou seja, o enfrentamento das questes da regulao

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    depende muito do ambiente econmico e poltico e tambm da capacidade depresso dos trabalhadores. Esses fatores afetam, ainda, os contornos das polticas demercado de trabalho, que sero discutidas na seo seguinte.

    3 AS POLTICAS DE MERCADO DE TRABALHO

    As possibilidades de estruturao do mercado de trabalho, alm da dinmicade gerao de emprego de preferncia de qualidade e da regulao pblica dotrabalho, pressupem a existncia de polticas voltadas para o mercado de trabalho.Ou seja, faz sentido em que elas sejam analisadas especialmente nos momentos emque h um processo de reestruturao do mercado e das relaes de trabalho, emque h novos desafios para se atingir os objetivos de um mercado de trabalho comemprego decente e garantia da proteo social. Evidentemente, no sodesconsiderados os demais instrumentos e a importncia que os mesmos tm parao mercado de trabalho como um todo, porm esta discusso exigiria esforo queextrapola os limites pretendidos por este texto. Neste sentido, na presente seo sodebatidas as polticas de mercado de trabalho com foco no seguro desemprego, noservio pblico de emprego e na qualificao profissional, que so os principaisinstrumentos de interveno sobre o emprego formal.

    As polticas pblicas de mercado de trabalho esto organizadas a partir doFundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que financia o programa Seguro Desemprego.Desde a consolidao deste ltimo, com a criao do FAT em 1990, foi possvelorganizar o conjunto dos demais programas voltados para a proteo e apoio aotrabalhador. Ao longo da primeira dcada de 2000 foram feitas mudanas nas vriaspolticas, mas o aspecto mais importante a ser ressaltado foi a implementao doSistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR). A criao do SPETR procurouincorporar as aes e programas dirigidos aos trabalhadores com nfase naquelesgrupos mais vulnerveis e, portanto, com maiores dificuldades de insero ou reinserono mercado de trabalho via emprego formal (MORETTO, 2010, p.270). Assim, nosistema, aos programas tradicionais seguro desemprego, intermediao de mo deobra e qualificao profissional incorporaram-se os programas de gerao de empregoe renda, o programa de microcrdito produtivo orientado e, tambm, as iniciativas daeconomia solidria.

    O objetivo de implementar programas dirigidos para o trabalho por contaprpria foi responder, primeiramente, ao baixo dinamismo do mercado de trabalhoverificado durante a dcada de 1990 e na primeira metade da dcada de 2000,quando a taxa de desemprego encontrava-se num patamar elevado. Por outro lado,a recuperao econmica observada a partir de 2004, mesmo reduzindo odesemprego, no foi capaz de gerar oportunidades para todos os trabalhadoresdesejosos de conseguir um emprego remunerado estvel. Ou seja, permaneceramdesigualdades de insero entre os trabalhadores com determinados perfis (baixaescolaridade, no especializados, principalmente jovens com menos de 24 anos,mulheres, negros), denominados por Offe (1995) de grupos problema.

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    Desse modo, esses programas que buscam apoiar os trabalhadores a seconsolidarem como profissionais que trabalham por conta prpria foram mantidosmesmo no momento de recuperao do emprego formal. Para muitos, essa alternativade insero ocupacional pode ser a nica, uma vez que seu perfil profissional no lhespermite assumir postos de trabalho de maior complexidade e, naqueles em que estariamem condies de exercer, a concorrncia grande, o que diminui as chances de seremescolhidos e deprecia o valor da remunerao oferecida. Alm disso, no momento decrescimento econmico, a gerao de novos empregos, ao retirar do mercado informalou do trabalho por conta prpria maior nmero de trabalhadores, amplia as oportuni-dades de negcios para aqueles que ficam neste mercado de prestao de servios,possibilitando maiores ganhos. Temos, dessa forma, que o crescimento econmico positivo tanto pelo lado da demanda de trabalhadores como pelo fato de reduzir aconcorrncia nos mercados onde atuam os trabalhadores por conta prpria. Nessesentido, a criao do SPETR foi uma tentativa de consolidar esse tipo de poltica comvistas a fortalecer a insero ocupacional do trabalhador por conta prpria.

    Mas o SPETR buscou tambm conferir maior racionalidade operacio-nalizao das polticas de mercado de trabalho, especialmente no que se refere interseco do seguro-desemprego, da intermediao de mo de obra e da qualifi-cao profissional. Essa preocupao se devia sobreposio de aes e entidadesque ofereciam o mesmo servio, sem, contudo, estarem integradas entre si,significando desperdcio de tempo dos trabalhadores desempregados e de recursospblicos. Um exemplo disso era a necessidade de o desempregado fazer a inscriono servio de intermediao de mo de obra em vrios locais, uma vez que cadaentidade operadora tinha um conjunto de vagas disponveis que no eram informadass demais. J no caso do seguro-desemprego, a solicitao pode ser feita no serviopblico de emprego, nas agncias da Caixa Econmica Federal e nas Superinten-dncias Regionais de Trabalho e Emprego. Como o pedido do seguro-desempregono obriga o desempregado a se inscrever no servio de intermediao de mode obra, fazendo-o somente o trabalhador que assim o desejar, no se tem oacompanhamento do beneficirio do seguro-desemprego para saber as dificuldadesem encontrar novo emprego ou mesmo se ele est ou no procura de novoemprego , o que tambm reduz a capacidade de fiscalizao para evitar fraudes.

    Durante a dcada de 2000, o comportamento do seguro-desempregoacompanhou o movimento do emprego formal, com forte crescimento aps 2004.21

    Essa trajetria, pr-cclica, contrria ao que se esperaria numa conjuntura decrescimento, em que o desemprego tem reduo sistemtica, como apresentado naprimeira seo. A explicao para tal fato pode ser encontrada no elevado fluxo decontrataes e demisses observadas no mercado de trabalho brasileiro, que se ampliou

    21 Conforme dados do Anurio do Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda (vrios anos). Ver IBGE(2011b).

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    com o maior dinamismo e formalizao do mercado de trabalho. Com isso, parcelados trabalhadores que conseguiram um emprego formal cumpriu as exignciasmnimas para se habilitar ao recebimento do seguro-desemprego antes de serdemitida. A questo importante a ser respondida a seguinte: por que, nummomento de crescimento econmico, as empresas continuam a demitir grandeparcela dos seus trabalhadores? Parte da resposta encontra-se na estratgia dasempresas em utilizar a rotatividade para reduzir custos, mas isso no explica o fluxototal.22 O fato que a facilidade e o baixo custo de demisso permitem flexibilidadena contratao e demisso do trabalhador.

    Em outra perspectiva, e considerando os baixos salrios cerca de 1/3 dosempregados com registro em carteira ganha menos de dois salrios mnimos , pode-seinferir que parte dos empregados tende a negociar, de forma fraudulenta, a prpriademisso com vistas a receber o valor do FGTS e o benefcio do seguro-desemprego.Essa possibilidade d ao trabalhador uma vantagem momentnea, pois permiteampliar seu rendimento no curto prazo. Contudo, isso implica perdas no longoprazo, pois inviabiliza o alcance do direito de receber o seguro-desemprego.

    Em relao a isso, e apesar de se ter caminhado para maior rigor sobre osbeneficirios do seguro-desemprego para evitar a ocorrncia de fraudes, pouco temsido feito para se implementar um novo procedimento de acompanhamento dossegurados. Especialmente nesse caso, torna-se necessria grande articulao entre apoltica de proteo da renda via seguro-desemprego e a poltica de apoio ao trabalhadorna busca de novo emprego, via o servio de intermediao de mo de obra.

    Ainda que possamos observar a ampliao da habilitao ao recebimentodo seguro-desemprego nos postos do SINE (grfico 1), e se considerarmos aindaque em outros postos temos majoritariamente os centros de atendimento municipaisdo SPETR, resta cerca de 1/3 dos pedidos de seguro-desemprego que so feitos ounas Superintendncias Regionais de Trabalho e Emprego (SRTE, antigas DRTs) ounas agncias da Caixa Econmica Federal. Diante disso, nada garante que essestrabalhadores que entraram com o pedido de seguro-desemprego nas SRTE ou nasagncias da Caixa venham a se inscrever no servio pblico de emprego, que poderiafazer o acompanhamento do beneficirio, evitando ou ao menos minimizando a ocorrncia de fraudes.

    A criao do Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda em fins de2005, apesar dos avanos que possa ter significado em termos institucionais, noconseguiu efetivar a integrao das vrias polticas e aes voltadas para o mercadode trabalho, como o acompanhamento do beneficirio do seguro-desemprego peloservio pblico de emprego. Essa falta de integrao tambm observada na baixacapacidade de colocao dos trabalhadores que procuram o servio de intermediaode mo de obra.

    22 Sobre a questo da rotatividade da mo de obra, ver: DIEESE (2011b).

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    Como pode ser observado no grfico 2, o aproveitamento das vagas temapresentado queda num momento em que h ampliao das vagas ofertadas. Essaqueda pode decorrer de problemas de gesto do servio de intermediao de mo deobra, que tornam mais difcil detectar e fazer o encaminhamento, em tempo hbil,dos trabalhadores com o perfil adequado para as vagas disponveis. Mas pode serresultado, tambm, do perfil de trabalhador que procura o servio pblico de emprego,geralmente de menor escolaridade e menor especializao, dificultando oencaminhamento para as vagas existentes. No se pode esquecer que a empresa, deacordo com suas necessidades de mo de obra, pode se antecipar na contratao detrabalhador sem esperar pelo encaminhamento feito pelo servio de emprego, pois aprocura por emprego se faz tambm por outros meios.

    A deciso de contratao por parte do empregador, antes que o servio deemprego tenha encaminhado candidatos, pode ser evidncia de certo descrdito emtal servio, como simplesmente a preocupao com o curto prazo resolver o problemada falta de mo de obra. No primeiro caso, indica o desconhecimento do funciona-mento do servio e a necessidade de aprimoramento do servio de intermediao naprestao de um servio mais qualificado de prospeco, seleo e encaminhamento decandidatos s vagas, bem como o acompanhamento aps a contratao do profissional.No segundo caso, a contratao de um empregado no vista como parte do processode crescimento da empresa, mas como uma necessidade para resolver um problema deproduo imediato, em que, cessado o pico de produo, o trabalhador ser demitido.A demisso poder inclusive ocorrer antes, se o perfil do trabalhador for inadequadopara as atividades que a empresa necessita. Isso talvez explique parte do elevadofluxo de contrataes e demisses observadas no mercado de trabalho brasileiro.

    FONTE: Coordenao-Geral do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e Identificao Profissional - CGSAP/MTE

    GRFICO 1 - DISTRIBUIO DOS REQUERENTES DO SEGURO-DESEMPREGO SEGUNDO TIPO DE POSTO UTILIZADO - BRASIL - 2000-2010

    2000 2001 2002 2003 20082005 20092004 2006 2007 2010

    Perodo

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    O aspecto da qualificao profissional , sem dvida, o fator que mais temsobressado nas discusses sobre emprego, desde a retomada do crescimentoeconmico. Deve ser ressaltado, contudo, que esse debate ocorre com sentido diferentedaquele da segunda metade dos anos 1990. Enquanto naquele momento a falta dequalificao era apresentada, equivocadamente, como uma justificativa para o elevadoe crescente desemprego, nos dias atuais ela decorre da necessidade concreta dasempresas, em determinados setores de atividade, de pessoal especializado, sobretudode nvel tcnico e superior. Foi a necessidade das empresas, diante da retomada docrescimento, que colocou a questo de formao de mo de obra na ordem do dia.Porm, preciso destacar que profissionais de nvel tcnico e superior no so formadosem curto perodo de tempo, sendo necessrio o estabelecimento de uma estratgiaclara de formao tcnica especializada, ao mesmo tempo em que se expande omercado de trabalho para o exerccio dessas ocupaes.

    No que se refere qualificao de mo de obra sem a exigncia de nveltcnico ou superior, a poltica desenvolvida pelo Ministrio do Trabalho e Emprego(MTE), no mbito do Plano Nacional de Qualificao (PNQ), peca pela necessidadede formao rpida, sem uma viso de longo prazo. Note-se que o PNQ ampliousignificativamente a carga horria mdia dos cursos, em torno de 200 horas. Almdisso, a oferta de cursos nem sempre responde s necessidades dos trabalhadoresque esto em busca de uma ocupao remunerada. Soma-se a isso, por um lado, abaixa qualidade do ensino pblico com raras excees que atende grande maioriada populao, no preparando adequadamente o jovem para sua insero no mercadode trabalho. Por outro, tem-se o fato de o trabalhador ter de escolher o curso de

    GRFICO 2 - EVOLUO DA TAXA DE APROVEITAMENTO DAS VAGAS CAPTADAS (TAV) E DA TAXA DE COLOCAO (TC) DOS TRABALHADORES INSCRITOS NO SERVIO PBLICO DE EMPREGO - BRASIL - 2000-2010

    FONTES: MTE/Coordenao SINE/Relatrios Estatsticos (dados de 2000 a 2008); DIEESE. Anurio do Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda 2010-2011

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    02000 2001 2002 2003 20082005 20092004 2006 2007 2010

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    Perodo

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    TAV TC

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    Trabalho no Brasil: evoluo recente e desafios

    qualificao de que ir participar, sem o completo conhecimento do curso em si e deque forma este ir ajud-lo na vida profissional. Muitas vezes o trabalhador podeescolher um curso pela imagem idealizada de determinada ocupao, e aqui supomosque os jovens so mais influenciados pela imagem que fazem do que pelo conhecimentoda ocupao em si, sem avaliar se possuem o perfil adequado para exercer tal ocupao.Nesse sentido, a ausncia de assessoria de profissional capacitado que ajude otrabalhador a avaliar suas potencialidades e sua trajetria profissional pode lev-lo afazer escolhas dirigidas por anseios que no significam necessariamente inclinaopara determinada ocupao.

    Por outro lado, o governo federal, por meio do Ministrio da Educao, lanouo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego (Pronatec), que visa dareducao inicial e continuada para a formao de mo de obra qualificada.Destacam-se neste programa o Pronatec Brasil Sem Misria, dirigido a todos que estejamcadastrados no CADUNICO do Ministrio do Desenvolvimento Social; e o PronatecCopa, para a formao de profissionais ligados s atividades que sero demandadasdurante a realizao da Copa do Mundo de Futebol em 2014. O que chama a ateno a existncia de programas de qualificao em Ministrios diferentes, sem que osmesmos estejam de alguma forma se complementando. Ou seja, parece haver faltade coordenao das aes de qualificao e formao de profissionais especializados.

    Um ltimo fator a ser considerado com relao qualificao profissional abaixa escolaridade do trabalhador. Por mais que seja observada a elevao daescolaridade da populao brasileira, no se pode esquecer que a maioria dostrabalhadores com significativas dificuldades de insero profissional so aqueles quepossuem pouca escolaridade. Esse fato influencia nos resultados dos programas dequalificao profissional como instrumentos para garantir-lhes a insero ocupacional,pois existem limitaes de aprendizagem e/ou do ritmo de aprendizagem. Este grupode trabalhadores necessita de ateno diferenciada, conjugando a elevao daescolaridade e a qualificao profissional, o que exige maior perodo de qualificao,alm de se reforar a poltica de certificao escolar e profissional.

    Assim, parece-nos haver a necessidade de repensar a poltica de qualificaoprofissional como um todo, articulando-se os esforos dos vrios Ministrios envolvidosno tema, em especial o MTE e o MEC, visando somar a expertise de ambos para aelaborao de um plano de educao profissional que atenda aos anseios da populaoe s necessidades presentes e futuras do Pas. Isso implica a necessidade de construiruma institucionalidade capaz de coordenar e mediar as polticas existentes, bem comode formular outras voltadas para viabilizar a insero profissional adequada.

    Em suma, a dcada de 2000 apresentou inovaes e ampliao do pblicoatendido nas polticas de mercado de trabalho. Contudo, e a despeito da importnciade tais polticas na melhor estruturao do mercado de trabalho, no se conseguiuconsolidar a institucionalidade do SPETR e a disseminao das experincias pontuaisexitosas para todo o sistema. A maior flexibilidade para as empresas na definiodas tarefas a serem desempenhadas pelo trabalhador dificulta a estruturao de

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    cursos mais especficos, ao mesmo tempo que se cobra do poder pblico maiorinvestimento na qualificao da mo de obra. A ausncia da necessria articulaoentre as vrias polticas e programas permanece, apesar da criao do SPETR,refletindo a falta de melhor coordenao das polticas e de uma estratgia deenfrentamento dos problemas.

    CONSIDERAES FINAISO presente artigo buscou mostrar que ocorreu uma retomada do processo

    de estruturao do mercado de trabalho no Brasil, no perodo 2004-2011, nummercado de trabalho muito pouco estruturado historicamente, dado o grandecontingente de trabalhadores no protegidos ou inseridos de forma precria naestrutura ocupacional.

    A melhora dos indicadores do mercado de trabalho no deixa de ser umanovidade, pois as tendncias mais recentes do capitalismo contemporneo tm levado configurao de um contexto desfavorvel ao trabalho em praticamente todos ossentidos, com o crescimento das atividades de servios pessoais, a presso pelorebaixamento de custos, a fragilizao do movimento sindical, a hegemonia das tesesliberalizantes, a reduo de ocupaes tipicamente mais estruturadas, a intensificaodo trabalho, a elevao do desemprego em escala mundial, a crescente segmentaoe polarizao entre os ocupados e a ampliao da prpria redundncia do trabalhona produo de bens e servios. Essa tendncia fica evidente nos relatrios recentes daOIT sobre o trabalho no mundo. a mesma tendncia que se fez presente no Brasilnos anos 1990.

    A inflexo na tendncia de desestruturao do mercado e das relaes detrabalho no Brasil expressiva, mas no significa uma profunda alterao estrutural,como demonstrado no artigo, pois o mundo do trabalho no Brasil ainda continuamarcado por baixos salrios; alto ndice de ocupados sem proteo social; elevadarotatividade; emprego de baixa qualidade; baixos nveis de qualificao da fora detrabalho; persistncia de trabalho anlogo ao escravo e trabalho infantil; elevadataxa de participao e de desemprego entre os jovens; expressiva participao dotrabalho por conta prpria, no remunerado e do emprego domstico. Os trsltimos aspectos, que persistem por longo tempo, esto associados pelo menospara uma parcela expressiva a situaes de desemprego e ao desenvolvimento deestratgias de sobrevivncia. A esses problemas histricos de um mercado de trabalhopouco estruturado somam-se novos processos de precarizao, advindos da formade reorganizao da atividade econmica, especialmente com a terceirizao, oavano da relao de emprego disfarada, as presses para o atingimento de metas,a intensificao do trabalho, a introduo de jornadas flexveis e o avano daremunerao varivel, num contexto em que tende a prevalecer a estratgia dasempresas em nome da competitividade de rebaixar o padro de proteo social,deixando os trabalhadores em situao de maior insegurana no trabalho.

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    Alm dessas tendncias, h um fenmeno novo de alterao do perfildemogrfico da populao brasileira, com uma queda expressiva da taxa denatalidade e um aumento da expectativa de vida, em que a presso pela gerao depostos de trabalho vem sendo reduzida o que aumentar nos prximos anos ea populao em idade ativa continua sendo majoritria.

    Considerando esse conjunto de elementos que retratam a realidade dotrabalho no Brasil, novos desafios esto colocados na perspectiva de o Pas continuaravanando rumo estruturao do mercado de trabalho. A condio fundamentalpara que tal processo avance o Pas continuar crescendo de forma sustentvel.Um desempenho da economia que seja capaz de diversificar a estrutura produtivae avanar nos gargalos para ampliao do investimento, em particular nainfraestrutura econmica e social do Pas. Ou seja, preciso construir o futuro comum crescimento robusto e qualitativamente melhor do ponto de vista da nossaindstria e do conjunto da estrutura produtiva, da qual depende nossa estruturaocupacional, assumindo a tese de que o sistema de proteo e de regulao dotrabalho fortemente determinado pelo modelo de desenvolvimento do Pas.

    Nesse caso, as discusses sobre a qualidade do emprego sero ainda maisimportantes, em temas que at mesmo j deveriam ter sido enfrentados. Entrediversos aspectos que necessitam de profundas mudanas para que possamosalcanar uma situao de efetiva estruturao do mercado e das relaes de trabalhono Brasil, deve-se destacar os seguintes: um claro compromisso com metas dereduo da jornada de trabalho; medidas que possam reduzir sensivelmente arotatividade no emprego e os acidentes de trabalho; duro combate s diversas formasde ilegalidade e precariedade, principalmente ilegalidade representada pelo enormecontingente de trabalho assalariado sem carteira, assim como aos processosfraudulentos de contratao de empregados disfarados de pessoas jurdicas; medidasno sentido da regulamentao dos processos de terceirizao, de promoo daformalizao e de apoio ao trabalho por conta prpria e no remunerado;manuteno do combate ao trabalho forado e infantil; reverso da flexibilizaoque geralmente se expressa como forma de precarizao.

    Na mesma perspectiva, as polticas de mercado de trabalho podem ter umacontribuio importante para a estruturao do mercado de trabalho. O SistemaPblico de Emprego, Trabalho e Renda deve ter um papel mais ativo na coordenao,avaliao e aprimoramento das polticas de mercado de trabalho. Para isso, o Codefatprecisa definir uma estratgia clara para o SPETR na organizao e funcionamentodo mercado de trabalho. Do ponto de vista dessas polticas, trs desafios podem serdestacados: i) aperfeioar os mecanismos de acompanhamento do beneficirio doseguro-desemprego para reduzir as possibilidades de fraude; ii) tornar o serviopblico de emprego, efetivamente, a porta de entrada para as polticas de mercadode trabalho; e iii) construir uma poltica de qualificao profissional que atenda snecessidades dos diferentes perfis dos trabalhadores.

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    Por ltimo, h o desafio de fortalecimento do sindicalismo e das instituiespblicas na perspectiva de que eles tenham maior fora na sociedade para defenderuma alternativa progressista de enfrentamento dos atuais problemas do mercadode trabalho, das polticas pblicas e do arcabouo legal e institucional. Esta umaquesto decisiva, pois o enfrentamento dos desafios mencionados dever passarcada vez mais pelas formas de regulamentao, em um contexto que tende a sermais conflitivo, dentro das limitaes das condies econmicas e polticas vivenciadaspela sociedade brasileira.

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