maturidade em gestÃo por processos: uma...
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MATURIDADE EM GESTÃO POR
PROCESSOS: UMA ANÁLISE DA
PERCEPÇÃO ORGANIZACIONAL
LEONARDO CONDEIXA DE ARAUJO (UFF)
Martius Vicente Rodriguez Y Rodriguez (UFF)
As empresas estão se estruturando ao longo de seus processos
organizacionais e, nessa transformação, diversas práticas de gestão
por processos são adotadas gradualmente, devendo ser
cuidadosamente planejadas. O presente estudo teve como objjetivo
investigar a percepção de maturidade organizacional em gestão por
processos (à luz da estratégia). A revisão da literatura abordou o
conceito de maturidade, identificando alguns dos principais modelos
relacionados ao tema. Com base no modelo teórico de Rosemann e
Bruin, foi realizado um estudo de caso em uma holding do setor
elétrico brasileiro, buscando identificar a percepção dos
colaboradores sobre a situação atual e a desejada das práticas de
gestão por processos. Como resultados, foi encontrada a maturidade
almejada no quarto estágio do modelo teórico referenciado, enquanto
a maturidade atual foi encontrada ainda no primeiro estágio, tendo
sido analisada a lacuna a ser preenchida para que a empresa venha
alcançar a sua visão de futuro.
Palavras-chaves: gestão por processos, maturidade, fatores-chave,
áreas de capacitação
XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no
Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.
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1. Introdução
Em 1776, Adam Smith descreveu o conceito de que o trabalho industrial deveria ser dividido
em tarefas mais simples. Esta idéia se tornou o modelo básico de organização de negócios por
quase 200 anos. Há mais de dois séculos, então, a dinâmica dos processos produtivos já
despertava interesse pelos surpreendentes resultados que, juntas, a especialização do trabalho
e a combinação das funções eram capazes de promover para a organização. Com o passar do
tempo, a gestão das organizações evoluiu de modo admirável, transformando-se em objeto de
estudo de diversas áreas do conhecimento humano. A atenção, antes concentrada nos
processos produtivos, foi ampliada para todos os aspectos da organização, buscando
aperfeiçoar e coordenar os esforços de todas as áreas em busca de sinergia, desde a concepção
do negócio até a entrega do produto e/ou serviço ao cliente.
Conforme De Sordi (2008), observou-se que desempenhar diversas funções com excelência
não implicava obrigatoriamente a satisfação do cliente final; muitos dos problemas residiam
na comunicação e na interação de trabalho entre as diversas áreas funcionais, problemas
apontados como “lacunas organizacionais” ou “áreas nebulosas” pouco compreendidas e
gerenciadas pelas organizações. Segundo Rummler e Brache (1994), os instrumentos de
implementação de estratégia mais poderosos que encontramos são aqueles que nos ajudam a
projetar e gerenciar o desempenho nos níveis de organização, de processo e do
trabalho/executor.
O modelo funcional de organização do trabalho, segundo Paim et al. (2009), tem limitações
com relação à capacidade de coordenação do trabalho e, ainda, revela-se restritivo para lidar
com a realidade contemporânea, na qual a construção de organizações mais ágeis, integradas e
flexíveis passa a ser uma condição importante para a atuação que sustente e aprimore o
desempenho organizacional. Segundo Slack et al (2008), apesar da perspectiva de processos
não ser a única forma útil e informativa de entender os negócios, é a perspectiva que vincula
diretamente o modo como gerenciamos recursos em um negócio com seu impacto estratégico.
Gonçalves (2000) afirma que, abandonando a estrutura por funções, que foi a forma
organizacional predominante nas empresas do século XX, as empresas estão organizando seus
recursos e fluxos ao longo de seus processos básicos de operação. Sua própria lógica de
funcionamento está passando a acompanhar a lógica desses processos, e não mais o raciocínio
compartimentado da abordagem funcional.
Porém, para De Sordi (2008), quase um século da administração voltada à estrutura funcional
arraigou fortemente a filosofia de trabalho e de gerenciamento à cultura dos “silos
funcionais”, estando esta impregnada na cultura de seus profissionais, na estrutura de software
da corporação, nos procedimentos de trabalho, na estratégia e em todos os demais recursos
que compõem a organização. Segundo o autor, há um forte conflito que ocorre dentro das
organizações entre a cultura tradicional de funções e a de orientação a processos de negócios,
que é implementada paulatinamente.
Para Müller et al. (2003), a quebra de paradigmas há muito enraizados na cultura executiva,
necessária para a gestão por processos, pode ser encarada como um dos principais desafios
das organizações modernas. Segundo Santos, Cardoso e Caulliraux (2002), diferentes
elementos devem ser focalizados para suportar uma transformação organizacional desse porte.
Para Paim et al. (2009), sem entender o que fazer para gerenciar seus processos, as
organizações tem dificuldade de:
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- incorporar práticas que melhorem seu desempenho ao longo do tempo;
- incorporar a orientação por processos em seu modelo de gestão;
- incorporar tecnologias – o que restringe o avanço tecnológico e as inovações;
- orientar o perfil de recursos humanos que atuam nos processos.
Nesse contexto, surgiram os modelos de maturidade, que procuram descrever, prescrever e
avaliar o avanço da gestão por processos nas organizações, a partir de indicadores dos fatores-
chave para a implementação dessa prática. Segundo Baldam et al. (2007), um modelo de
maturidade pode ser usado com os seguintes propósitos:
- como uma ferramenta descritiva, habilitando enxergar forças e fraquezas na organização;
- como ferramenta prescritiva, habilitando o desenvolvimento de melhorias;
- como ferramenta comparativa, habilitando benchmarking.
2. Maturidade
Existem diversos conceitos de maturidade, todos relacionados com o estágio de
desenvolvimento. Alguns autores definiram o conceito de maturidade ao seu modo, baseados
em suas pesquisas e em seus próprios trabalhos envolvendo o tema. No Dicionário Michaelis
(2010), são encontrados os seguintes conceitos acerca de maturidade:
Maturidade – do latim maturitate. 1. O mesmo que madureza. 2. Idade madura. 3. Perfeição.
Madureza – 1. Estado ou qualidade de maduro. 2. Estado das coisas chegadas ao seu
completo desenvolvimento. 3. Circunspeção, prudência. 4. A idade madura. 5. Perfeição de
um plano, projeto ou empresa que se calculou e em que se refletiu o tempo necessário.
Segundo Harmon (2004), a idéia básica por trás do conceito de maturidade é que organizações
maduras fazem as coisas sistematicamente, enquanto as organizações imaturas atingem seus
resultados em decorrência de esforços heróicos de indivíduos usando abordagens que eles
criam mais ou menos de forma espontânea. Para Rosemann e Bruin (2005), a noção de
maturidade tem sido proposta por diversas abordagens como forma de avaliar ”o estado de
completude, perfeito, ou pronto” ou a “plenitude ou perfeição do seu crescimento ou
desenvolvimento” (Oxford University, 2004).
2.1. Modelos de maturidade em gestão por processos
Atualmente, apesar dos diversos modelos existentes para avaliação da maturidade das
organizações em gestão por processos, não existe unanimidade entre especialistas e
pesquisadores da área na escolha de um modelo. Embora existam modelos mais reconhecidos
e utilizados, estes, por vezes, não incluem peculiaridades úteis à compreensão da realidade
estudada. Há casos, ainda, em que o modelo não apresenta instrumentos de avaliação
disponibilizados pelos autores. Segundo Moreira, Mingatto e Druker (2010), uma série de
modelos para medir a maturidade de gestão por processos já foi proposta por diversos autores.
A figura abaixo demonstra que as primeiras abordagens e modelos de maturidade em gestão
por processos tinham o foco somente no processo. Mais tarde, alguns autores mudaram o foco
para a organização e a partir de 2003, com Paul Harmon, os autores já percebiam que a
maturidade deveria ser medida analisando-se atributos relacionados aos processos e à
organização.
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Fonte: Moreira, Mingatto e Druker (2010)
Figura 01 – Abordagens e modelos de maturidade em gestão por processos
A maioria dos modelos de maturidade é baseada no Capability Maturity Model – CMM,
desenvolvido pelo Software Engineering Institute – SEI da Carnegie Mellon University, como
modelo de avaliação de fornecedores de software para o Departamento de Defesa norte-
americano. Segundo Humpfrey (1988), a estrutura de maturidade desenvolvida no SEI aborda
cinco etapas, caracterizando um processo de software em um dos cinco níveis de maturidade.
O autor afirma que, ao estabelecer a posição da sua organização nesta estrutura de
maturidade, os profissionais de software e gestão podem identificar mais facilmente as áreas
onde as ações de melhoria são mais prováveis de produzir resultados.
Fonte: Rosemann, Bruin e Power (2006)
Figura 02 – Comparação entre baixa e alta maturidade e os cinco estágios
Um modelo de maturidade de BPM é uma ferramenta que pode auxiliar as organizações a se
tornarem mais bem sucedidas com a utilização de BPM, resultando na ativação de melhores
benefícios tanto operacionais quanto de negócio (ROSEMANN, BRUIN e POWER, 2006).
Um modelo de maturidade adequado pode oferecer à organização um ponto de partida
importante para a identificação de prioridades e definição de um roteiro da implantação e
evolução da gestão por processos na organização, permitindo o aumento da qualidade e
previsibilidade dos resultados obtidos com as iniciativas empreendidas (ELO GROUP, 2009).
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O quadro a seguir apresenta abordagens que têm relação direta com processos, sua gestão e
medição da maturidade:
Autores Ano Características
DeToro e
MacCabe 1997
Introdução do termo gestão por processos como uma coleção de abordagens
existentes, tais como: melhoria contínua, benchmarking e reengenharia. Os autores
afirmaram que uma abordagem pode ajudar a melhorar o desempenho da
organização, através da seleção de áreas de melhoria corretas e aplicação de
estratégias de melhoria apropriadas. Forneceram, ainda, um guia de como escolher a
abordagem apropriada para melhoria de processo e categorizaram os processos em
cinco classes: insalubre, não competitivo, competitivo, melhor da classe e classe
mundial.
Pritchard e
Armistead 1999
Os autores citam cinco etapas da gestão por processos: não iniciada, apenas
começando, avançou de alguma forma, bem avançada e classe mundial. Eles
realizaram um estudo de caso em organizações européias, dividindo-as em duas
fases: Inicial (que inclui as três primeiras etapas) e Evoluíram bem (que inclui as
duas últimas etapas).
Gal 2002 Desenvolvimento de um modelo para avaliar o processo de gestão da indústria de
serviços. São identificados 201 critérios importantes no processo de gestão, que são
distribuídos em 29 categorias, abrangendo muitos aspectos da organização.
Maull et al 2003
São apresentados cinco fatores, subdivididos em 10 dimensões, que caracterizam a
maturidade de implementações de reengenharia de processo. Os autores identificam,
ainda, cinco estágios de maturidade que abordam, respectivamente: 1. fase inicial do
projeto de reengenharia (escopo, objetivos e foco em tecnologia da informação), 2.
término da definição do projeto e início da execução, 3. fase final de conclusão do
projeto, 4. captura de conhecimento sobre o projeto concluído, e 5. utilização do
conhecimento adquirido para aplicar reengenharia em toda a organização.
Harmon 2004
Um guia informal para avaliar facilmente uma organização e seus processos, e para
aumentar o interesse e o conhecimento nas práticas de processos de negócios.
Baseado no CMM, o autor define cinco níveis de maturidade (inicial, repetível,
definido, gerenciado e otimizado), fornecendo uma explicação de cada nível e o
número de ações a serem empreendidas. Este modelo, comparado com o CMM, tira o
foco da melhoria de desenvolvimento de software para uma abordagem mais ampla
da organização.
Gartner 2004 Um modelo informal que descreve um conjunto de passos que indicam o curso de
uma organização na adoção de software de BPM.
Rosemann
e Bruin 2005
Um modelo holístico de maturidade de BPM, mais abrangente do que os modelos
existentes, e que também reflete o entendimento atual de BPM, em vez de se
concentrar em abordagens como a Reengenharia de Processos. O modelo baseou-se
na identificação de 06 fatores-chave para a implementação da gestão por processos,
e, ainda, para cada um dos fatores, 05 áreas de capacitação, onde a maturidade é
avaliada mais profundamente.
Wipro's
Technologies 2007
O modelo de maturidade proposto avalia o estado atual da adoção de Arquitetura
Orientada a Serviços (SOA) de uma organização e é utilizado como referência para
fazer um balanço e elaborar um plano de transição, onde o objetivo final seria a
realização de serviços de negócios otimizados, que podem agilmente se adaptar às
novas situações de negócios.
Hammer 2007 Um modelo que utiliza uma abordagem informal, que engloba dois tipos de atributos:
viabilizadores de processos, que são ligados ao processo em si, isoladamente, e
capacidades organizacionais, que valem para toda a organização.
Object
Management
Group
2008
Uma adaptação do modelo CMM, que adota os cinco níveis de maturidade e
incorpora melhorias sobre o padrão CMMI. Como a maioria das organizações está
mais interessada numa análise prática que forneça um roteiro para o desenvolvimento
de curto prazo, do que na visão de longo prazo que o CMM e o OMG BPMM
representam, aparentemente, o OMG BPMM não teve uma boa aceitação.
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Fonte: Adaptado de Rosemann e Bruin (2005); Inagnti e Aravamudan (2007); Hammer (2007); Coombes
e Siddiqi (2008); OMG (2008); Harmon, 2009; Moreira (2010)
Quadro 01 – Abordagens de maturidade relacionadas a processos
A maioria das organizações está mais interessada em uma análise de maturidade que forneça
um roteiro para o seu desenvolvimento em curto prazo (HARMON, 2009). Segundo o autor, a
versão mais sofisticada de tal modelo é a abordagem holística de BPM oferecida pelo Modelo
de Rosemann e Bruin.
3. O modelo utilizado
Rosemann e Bruin realizaram uma extensa pesquisa em busca do desenvolvimento de um
modelo de maturidade de BPM, buscando estender a atualizar modelos anteriores ao
endereçar requisitos e complexidades identificados dentro da gestão por processos de uma
forma mais holística e contemporânea. Os autores, por vezes em companhia de outros
pesquisadores, desenvolveram estudos Delphi e estudos de caso relacionados com o
desenvolvimento do referido modelo, considerado pelos autores como um modelo holístico de
maturidade de BPM, mais abrangente do que os modelos existentes, e um dos poucos
modelos que têm sido realmente testados em estudos de caso.
Segundo Rosemann, Bruin e Power (2006), o desenvolvimento do modelo foi dirigido por
alguns requisitos, como fundamentação teórica sólida, busca de um padrão global altamente
aceito, e interesse em desenvolver um modelo holístico que abrangesse todo o escopo de
BPM. Rosemann, Bruin e Power (2006) provêem um breve resumo do modelo, que permite
aos leitores a oportunidade de estimar seu nível de maturidade em gestão por processos e
posteriormente desenvolver um roteiro rudimentar de desenvolvimento. As 30 (trinta) áreas
de capacitação do modelo estão discriminadas no quadro 2, abaixo, e seu desenvolvimento
baseia-se nos 5 (cinco) estágios de maturidade propostos no CMM (figura 2).
Fonte: Adaptado de Bruin e Rosemann (2007)
Quadro 02 – Os 6 (seis) fatores-chave e as 30 (trinta) áreas de capacitação do Modelo de Rosemann e Bruin
4. O método da pesquisa
ALINHAMENTO
ESTRATÉGICO GOVERNANÇA MÉTODOS
TECNOLOGIA DA
INFORMAÇÃO PESSOAS CULTURA
Plano de melhorias
de processos
Tomada de decisão
em gestão por
processos
Desenho e
modelagem de
processos
Desenho e
modelagem de
processos
Habilidades e
experiência em
processos
Capacidade de
reação à mudança
nos processos
Capacidade de
articulação entre
estratégia e
processos
Papéis e
responsabilidades nos
processos
Implantação e
execução de
processos
Implantação e
execução de
processos
Conhecimento
em gestão por
processos
Valores e crenças
dos processos
Arquitetura de
processos
Articulação entre
métricas e
performance dos
processos
Controle e
medição de
processos
Controle e
medição de
processos
Educação e
aprendizado em
processos
Atitudes e
comportamentos em
processos
Medição dos
outputs de
processos
Padrões para gestão
por processos
Melhoria e
inovação em
processos
Melhoria e
inovação em
processos
Colaboração e
comunicação nos
processos
Atenção da
liderança aos
processos
Clientes e partes
interessadas nos
processos
Controles da gestão
por processos
Gerenciamento de
programas e
projetos de
processos
Gerenciamento de
programas e
projetos de
processos
Líderes de gestão
de processos
Redes sociais de
gestão por
processos
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No presente trabalho, foi investigada a percepção dos colaboradores da empresa estudada
sobre a maturidade atual e almejada da gestão por processos na organização (à luz da
estratégia), com vistas a analisar a lacuna existente. Para tanto, foi elaborado um instrumento
de coleta de dados baseado no modelo de Rosemann e Bruin.
O universo estudado foi uma empresa holding do setor elétrico brasileiro. Como amostra,
buscou-se selecionar o público específico que tem relação direta com a implantação da gestão
por processos em toda a organização, tanto executivos da alta administração com a função de
priorizar e aprovar investimentos e iniciativas em gestão por processos na empresa estudada,
analisando os resultados obtidos, bem como gerentes e analistas engajados nas iniciativas de
implantação e desenvolvimento da gestão por processos, principalmente concentrados nas
áreas de Processos, Normas, Gestão Documental, Riscos e Controles, Desenvolvimento de
Pessoas e Tecnologia da Informação.
Gráfico 01 – Perfil da amostra: área de atuação
Até o momento desta pesquisa, não havia sido encontrada publicação dos resultados de
alguma pesquisa sobre a aplicação do modelo de Rosemann e De Bruin em uma empresa
brasileira. Nesse sentido, o presente estudo concentrou-se em capturar a percepção de uma
amostra, selecionada por tipicidade, sobre a situação atual e a desejada (à luz da estratégia) de
determinadas práticas de gestão por processos propostas em um modelo teórico referenciado,
com vistas a posicioná-las entre os estágios de maturidade propostos pelo modelo, realizando
uma análise das lacunas existentes para que a referida organização venha a atingir a
maturidade almejada.
O método de levantamento dos dados da pesquisa envolveu um questionário estruturado que
os respondentes preencheram e que foi feito para elucidar informações específicas
(MALHOTRA, 2006). O questionário exerce um papel central na pesquisa, pois está
posicionado entre os objetivos da pesquisa (extraídos dos problemas gerenciais) e as
informações dos respondentes (MCDANIEL e GATES, 2004). Segundo os autores, o
pesquisador precisa traduzir os objetivos da pesquisa em perguntas compreensíveis aos
respondentes, para extrair deles as informações necessárias.
Para Malhotra (2006), qualquer questionário tem três objetivos específicos: a) transformar a
informação desejada em um conjunto de perguntas específicas que os entrevistados tenham
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condições de responder; b) motivar e incentivar os entrevistados a cooperar e a completar a
entrevista; e c) sempre minimizar o erro de resposta. Segundo McDaniel e Gates (2004), o
questionário também precisa ser formulado para que as respostas possam ser facilmente
tabuladas e traduzidas em resultados e recomendações que satisfaçam os requisitos de
informação do gerente.
No projeto de um bom questionário, uma série de considerações precisa ser levada em conta.
Uma das tarefas mais importantes no projeto de questionários é adaptar as perguntas aos
entrevistados em potencial (MCDANIEL e GATES, 2004). A figura abaixo demonstra o
processo utilizado para elaboração do questionário, em dez etapas (MALHOTRA, 2006).
1. Especifique a informação necessária
2. Especifique o tipo de método de entrevista
3. Determine o conteúdo de perguntas individuais
4. Planeje as perguntas de forma a superar a incapacidade e a falta de
vontade dos entrevistados em respondê-las
5. Decida sobre a estrutura da pergunta
6. Determine o enunciado da pergunta
7. Organize as perguntas em uma ordem adequada
8. Identifique o formato e o leiaute
9. Reproduza o questionário
10. Faça um pré-teste do questionário
Fonte: Adaptado de Malhotra (2006)
Figura 03 – Processo de elaboração de um questionário
Trabalhou-se na elaboração de um questionário auto-aplicado com perguntas do tipo de
alternativa fixa, o que requer que os respondentes façam suas escolhas em um conjunto de
respostas predeterminadas (MALHOTRA, 2006).
Foram utilizadas escalas itemizadas do tipo Likert, com seis pontos. Segundo Malhotra
(2006), a escala Likert possui várias vantagens: facilidade de construção e aplicação, rapidez
de entendimento pelos entrevistados, adequação tanto para entrevistas remotas quanto
pessoais. Como principal desvantagem, tem-se que ela toma mais tempo dos respondentes,
que necessitam mais cuidado ao ler cada afirmação.
Um dos pré-requisitos para participar da pesquisa era a leitura prévia da estratégia
organizacional, sendo condição indispensável, porque o documento relativo à estratégia
contém, além da missão e dos valores, a visão de futuro da organização, especificada em
metas e objetivos organizacionais tangíveis, sendo seu conhecimento imprescindível para
avaliar a maturidade almejada (indispensável para o atendimento de tais metas e objetivos
organizacionais).
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O tratamento dos dados obtidos na fase de coleta de dados, considerando as cinco áreas de
capacitação para cada um dos seis fatores-chave foi assim executado:
- Inicialmente, a partir dos dados obtidos, foi calculada a média, a moda e o desvio-padrão das
respostas de cada uma das 95 (noventa e cinco) questões relativas às trinta áreas de
capacitação do modelo.
- Em segundo lugar, as médias das 95 (noventa e cinco) questões foram agrupadas pelas 30
(trinta) áreas de capacitação (gráfico 2).
- Foram, então, consolidados os seis fatores-chave, apresentando a média das situações atual e
desejada, fazendo a referida análise (tabela 1).
5. Limitações do método
Considerando-se que não foram no Brasil pesquisas associadas ao modelo de Rosemann e De
Bruin (2005), os resultados obtidos com o estudo de caso não permitirão a utilização da
técnica de melhores práticas (benchmarking), tendo em vista a necessidade de parâmetros de
referência para sua aplicação e realização de pesquisa em amostra significativa. Entretanto, a
empresa pode reaplicar o instrumento desenvolvido futuramente, avaliando onde houve
avanços ou retrocessos, em um processo de autocomparação.
Outra limitação existente diz respeito ao fato de que o presente estudo não permitirá a
verificação da maturidade atual percebida pela amostra, uma vez que sua confirmação exigiria
a comparação com outros métodos de análise, tais como entrevistas e análise de documentos.
Cabe ressaltar, também, que o estudo de caso foi aplicado apenas em uma organização do
setor elétrico brasileiro, e que sua validação depende da aplicação em outras empresas deste
setor, bem como da possível aplicação em outros setores, em uma amostra significativa. Por
tal motivo, este estudo de caso apresenta-se apenas como um teste do instrumento, e não
permitirá a sua validação em um sentido mais definitivo.
É preciso destacar, ainda, que o instrumento desenvolvido não permitirá a determinação de
inferências estatísticas, apenas analíticas. Uma vez validado, futuramente, através de estudos
mais abrangentes, a inclusão de critérios estatísticos permitirá sua aplicação em outras
empresas, onde será processado um maior número de respostas, considerando aspectos
estatísticos.
6. Resultados
Ao final da análise dos seis fatores-chave, tem-se que os números que expressam a percepção
de maturidade na holding estudada são: 3,96 para a situação desejada e 1,10 para a situação
atual, com uma lacuna de 2,86 entre o cenário atual e o desejado, conforme a tabela abaixo.
FATOR-CHAVE SITUAÇÃO ATUAL SITUAÇÃO DESEJADA
LACUNA
ALINHAMENTO ESTRATÉGICO 1,19 4,19 3,00
GOVERNANÇA 0,79 4,11 3,32
MÉTODOS 1,40 4,03 2,63
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO 0,55 3,31 2,76
PESSOAS 1,49 4,17 2,68
CULTURA 1,19 3,96 2,77
MÉDIA 1,10 3,96 2,86
Tabela 1 – Percepção ampla da maturidade na holding estudada.
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Os resultados insinuam que os respondentes, de uma forma geral, esperam menos das
contribuições oferecidas pela tecnologia da informação do que aquelas oferecidas pelas
demais áreas de capacitação, que ficaram bem equilibradas entre si. Quanto à situação atual,
os resultados acenam com progressos maiores em pessoas e métodos, sendo os menores
resultados percebidos em tecnologia da informação. Ao final da análise dos seis fatores-
chave, é possível supor que os números que expressam a percepção de maturidade da situação
atual e da situação desejada na holding estudada permitem posicioná-la, respectivamente, nos
Estágios 1-Inicial e 4-Gerenciado, do modelo teórico referenciado, existindo entre eles, os
Estágios 2-Repetitivo e 3-Definido, a serem alcançados e posteriormente superados. O gráfico
abaixo apresenta uma visão detalhada da percepção da amostra estudada.
7. Conclusões
O cenário encontrado na empresa estudada pressupõe o esforço inicial de começar a construir
a capacidade da gestão por processos na empresa, aumentando o número de pessoas que
avaliam a organização sob a perspectiva de processos.
Pode-se supor, baseado na percepção da amostra estudada, que a maturidade almejada na
holding do setor elétrico brasileiro equivale ao quarto estágio – gerenciado – de maturidade
do modelo teórico referenciado, o qual mostrará combinações das seguintes características:
- Centro de excelência estabilizado, mantendo os padrões da gestão por processos;
- Exploração de métodos de controle e tecnologias nos processos de negócio;
- Fusão das perspectivas de TI e do negócio em gestão por processos (por exemplo,
gerenciamento de workflow, e custeio baseado em atividade);
- Métodos e tecnologias amplamente aceitos;
- Efeitos integrados de gestão por processos;
- Orientação por processos como componente mandatório;
- Continuação e consolidação das iniciativas de processo; e
- Mínima dependência de apoio externo.
Uma empresa que atinja esta perspectiva pode ser classificada em um estágio avançado da
gestão por processos, o que contribuirá sobremaneira para construir uma organização
potencializada e competitiva, capaz de atingir sua visão de futuro e, de fato, fazendo parte de
uma parcela singular de empresas que optaram por investir fortemente seus recursos e
esforços na implantação da gestão por processos, repensando sua estrutura de trabalho,
sintonizando seus processos e sistemas, e integrando pessoas e atividades além de seus
departamentos e diretorias, e até mesmo além das fronteiras da organização.
Tais empresas estão se preparando para enfrentar os desafios futuros, cientes de que, para
isso, precisam alinhar seus processos à estratégia organizacional, criar uma estrutura reforçada
de governança, desenvolver métodos, tecnologias e pessoas para exercer sua missão num
nível estandardizado de excelência, apoiada em uma cultura receptiva às mudanças e aos
desafios que o futuro vier a apresentar.
Embora os resultados da situação atual tenham revelado a percepção de uma empresa ainda
em estágio inicial de implantação, e pesquisas futuras ainda possam depurar a compreensão
da realidade pesquisada, já podem ser avistadas a meta, a lacuna a ser preenchida e os
desafios a enfrentar. Como afirmou Hammer (2007), na transformação de processos, assim
como na vida, saber em que ponto se está e ter um bom mapa a seguir é melhor do que
avançar às cegas.
Referências
BALDAM, Roquemar; VALLE, Rogério; PEREIRA, Humberto; HILST, Sérgio; ABREU, Maurício;
SOBRAL, Valmir. Gerenciamento de Processos de Negócios: BPM – Business Process Management. 2ª ed.
São Paulo: Érica, 2007.
BRUIN, Tonia de; ROSEMANN, Michael. Using the Delphi Technique to Identify BPM Capability Areas.
18th Australasian Conference on Information Systems. Toowoomba, 5-7 December, 2007.
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