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Maria de Lourdes dos Santos Souza O Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas Estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados Pequenos Profetas Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo programa de Pós- graduação em Teologia Bíblica do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Profa. Maria de Lourdes Corrêa Lima Orientadora Departamento de Teologia – PUC - Rio Rio de Janeiro Outubro de 2006

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Maria de Lourdes dos Santos Souza

O Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas Estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados Pequenos

Profetas

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo programa de Pós-graduação em Teologia Bíblica do Departamento de Teologia da PUC-Rio.

Profa. Maria de Lourdes Corrêa Lima Orientadora

Departamento de Teologia – PUC - Rio

Rio de Janeiro

Outubro de 2006

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Maria de Lourdes dos Santos Souza

O Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas Estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados

Pequenos Profetas

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo programa de Pós-graduação em Teologia Bíblica do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humans da PUC-Rio. Aprovada pela comissão abaixo assinada.

Profa. Maria de Lourdes Corrêa Lima Orientadora

Departamento de Teologia – PUC – Rio

Prof. Isidoro MAzzarolo Departamento de Teologia – PUC – Rio

Prof. Ludovico Garmus Departamento de Teologia – PUC – Rio

Prof. Nilson Faria dos Santos Departamento de Teologia – PUC – Rio

Prof. Pedro Paulo Alves dos Santos Faculdade CCAA

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro de

Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro,

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador

Maria de Lourdes dos Santos Souza Graduou-se em Filosofia (Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio) em 1993 e em Teologia (Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio/PUC-Rio) em 1997. Concluiu o Mestrado em Teologia Bíblica / Puc-Rio em 2000.

Ficha Catalográfica

Souza, Maria de Lourdes dos Santos

O Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas: estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados Pequenos Profetas / Maria de Lourdes dos Santos Souza ; orientadora: Maria de Lourdes Corrêa Lima. – 2006.

286 f. ; 30 cm

Tese (Doutorado em Teologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

Inclui bibliografia

1. Teologia – Teses. 2. Deus. 3. Amor. 4. Pastor. 5. Perdão. 6. Confiança. 7. Miquéias. 8. Livro dos Doze Profetas. 9. Intertextualidade. 10. Restauração de Sião. I. Lima, Maria de Lourdes Corrêa. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

CDD: 200

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À Rafaela, que no sofrimento me mostrou o caminho do amor,

e à Fabiana que me sustentou com seu amor.

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Agradecimentos

A Deus, por ter me dado forças para superar as dificuldades e trilhado o seu

caminho.

Ao Agenor, meu marido, pela paciência e compreensão em cada momento de

nossa vida, principalmente neste projeto, que não teria se realizado sem o seu

incentivo e amor.

À professora Doutora Maria de Lourdes Côrrea Lima, pela orientação competente

e a confiança que proporcionou durante toda a elaboração deste trabalho.

À Graça, companheira fiel de tantos anos, e ao novo membro da família, Trajano,

que com sua simplicidade e disponibilidade conquistou a todos nós.

A todos os professores do Departamento de Teologia da Puc-Rio, pelo carinho e

atenção nestes anos de convívio.

A todos os amigos, que me ajudaram compreendendo as minhas necessidades e

ausências.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES) em virtude da Bolsa de estudos concedida.

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Resumo

Souza, Maria de Lourdes dos Santos; Lima, Maria de Lourdes Corrêa. Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas – Estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados Pequenos Profetas, Rio de Janeiro 2006. 286 p. Tese de Doutorado, Departamento de Teologia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Este estudo avalia a importância do livro de Miquéias no conjunto do livro

dos Doze, privilegiando, o aspecto teológico. Nosso propósito é avaliar a inter-

relação do texto de Mq 7,8-20 com outros textos proféticos bem como a

contribuição destes O propósito é examinar o texto final do livro de Miquéias,

analisando a estrutura literária tramada com o propósito de encerrar o livro. As

investigações atuais indicam que o horizonte dos escritos proféticos não se limita

ao respectivo livro profético, mas que as complementações se estendem para além

do livro. O título escolhido para este trabalho deve ser entendido sob esse aspecto.

Dessa forma, além de lançar luzes sobre a polêmica acerca da unidade dos Doze

Profetas, este estudo objetiva conhecer melhor o desenvolvimento, unidade e

teologia dos Doze Profetas Menores, particularmente, o Livro de Miquéias.

Palavras-chave Deus; amor; pastor; perdão; confiança; Miquéias; Livro dos Doze Profetas;

intertextualidade; restauração de Sião.

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Abstract

Souza, Maria de Lourdes dos Santos; Lima, Maria de Lourdes Corrêa. The Book of Micah among the Twelve Prophets – na intertextual study between Mq 7, 8-20 and the so-called Minor Prophets, Rio de Janeiro 2006. 286 p. Doctor Degree Thesis, Department of Theology – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This research evaluates the role of the Book of Micah in the global structure

of the Book of the Twelve, especially Micah’s theological aspect. Its purpose is to

analyze the inter-relationship between the Book of Micah 7,8-20 and other

prophetical texts, in an effort to determine how each of the prophets contributed

with specific points for a greater interest. The purpose is to examine the final text

of the Book of the Micah, evaluating how the literary structure was formed in

order to conclude the Book. Present investigations indicate that the horizon of the

prophetical scriptures is not limited to the respective prophetic Book, but that the

complementary elements stretch out beyond the Book itself. The title of this work

should be understood under this aspect. In this way, besides shedding light on the

problematic of this unity of the Twelve Prophets, this work aims at better

understanding of the development, the unit and the theology of the Twelve Minor

Prophets, and particularly the Book of Micah.

Keywords God; love; shepherd; forgiveness; faith; Micah; The Book of the Twelve;

prophet; intertextuality; restauration of the Sion.

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Sumário

1. Introdução 14

2. A unidade do corpus profético do livro dos doze 21

2.1. Breve história das antigas evidências sobre a unidade dos Doze 21

2.2. A ordem dos livros 22

2.3. Atestações dos manuscritos antigos 29

2.4. Testemunhos bíblicos e extra-bíblicos 34

2.5. Status quaestionis sobre a unidade dos Doze –

Evolução da história da pesquisa dos Doze 39

2.5.1. Status quaestionis sobre a unidade dos Doze –

Evolução histórica da pesquisa dos Doze 40

2.5.2. O Livro dos Doze visto como uma Composição Redacional 42

2.5.3. Análise Crítica das propostas apresentadas pelo viés

da composição redacional 56

2.5.4. O Livro dos Doze visto como uma Compilação Literária 64

2.5.5. Análise Crítica das propostas apresentadas pelo viés

da compilação literária 79

3. Texto, constituição e organização 90

3.1. Tradução, notas filológicas e de crítica textual 90

3.2. Organização do texto de Mq 7,8-20 131

3.2.1. Delimitação 131

3.2.2. Constituição do texto 132

3.2.3. Estruturação do texto 135

3.3. Análise Semântica 138

4. Aproximações intertextuais entre Miquéias e os outros profetas 185

4.1 Análise das relações de Mq 7,8-20 com Na 1,2-8;

3,15-17. 18-19 188

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4.1.1. O texto de Na 1,2-8 189

4.1.2. Estudo da intertextualidade entre Miquéias e Naum 191

4.1.3. Averiguação literária entre os textos de Mq 7,8-20 e

Na 1,2-8 194

4.1.4. Análise do texto final de Naum = Na 3,15-17. 18-19 205

4.1.5. Análise da relação entre Abdias e Miquéias 216

4.1.6. Relação do Livro de Miquéias com o Livro de Jonas 221

4.1.7. Relação do livro de Miquéias com o Livro de Joel 226

5. Conclusão final 234

6. Referência Bibliográfica 244

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Siglas e Abreviações

Ab – Abdias

Ag – Ageu

Am - Amós

ANE – Ancient Near Eastern

AT – Antigo Testamento

AUSS – Andrews University Seminary Studies – Berrien Springs

BibInt – Biblical Interpretation - BRILL logo. Publisher:

BDB – The New Brown-Driver-Briggs-Gesenius Hebrew and English Lexicon,

ed. F. Brown, Peabody, 1979

BHS – Biblia Hebraica Stuttgartensia, ed. K. Elliger – W. Rudolf, Stuttgart 19904,

1967/ 1977

BiKi – Bibel und Kirche

BN – Biblische Notizen – Münich, Alemanha

BTB – Biblical Theology Bulletin – St. John’s University, Jamaica NY

BZ – Biblische Zeitschrift – Paderborn, Alemanha

BZAW – Beiheft zur Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft

ca. – cerca

caps. – capítulos

CBQ – Catholic Biblical Quarterly

ColT– Collectanea Theologica, Warszawa – Poland

1-2 Cr – Primeiro e Segundo livro das Crônicas

CurTM – Currents in Theology and Mission – Chicago, IL

Dt – Deuteronômio

Dtr – Deuteronomístico

Ecl – Eclesiastes

Ed. – Editor – coordenador

ETL – Ephemerides Theologicae Lovanienses

EvQ – The Evangelical Quarterly – Birmingham, AL

EvT – Evangelische Theologie – Munique, Alemanha.

Ex – Êxodo

Ez – Ezequiel

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Gn – Gênesis

GTJ – Grace Theological Journal – Winona Lake, IN

Hab – Habacuc

HAR – Hebrew Annual Review

HTR – Havard Theological Review – Cambridge, MA

IBS - Irish Biblical Studies - Belfast - Irlanda

IEJ – Israel Exploration Journal – Jerusalem, Israel

Is – Isaías

ITQ – Irish Theological Quartely – Kildare, Ireland

JAOS - Journal of the American Oriental Society – New Haven, CT

JANES – Journal of the Ancient Near Eastern Society – New York

JBL – Journal of Biblical Literature – Scholar Press, Decatur

JETS – Journal of the Evangelical Theological Society – San Diego

Jl – Joel

Jn – Jonas

JNSL – Journal of Northwest Semitic Languages – South Africa

Jó – Jó

JQR – The Jewish Quarterly Review – PA

Jr – Jeremias

Js - Josué

JSJ – Journal for the Study of Judaism in the Persian, Hellenistic and Roman

Periods

JSNT – Journal for the Study of the New Testament

JSOT – Journal for the Study of the Old Testament – Sheffield. UK

JSS – Journal of Semitic Studies – The University of Manchester, Manchester,

JTS – Journal of Theological Studies – Oxford, UK

Jz – Juízes

KAT – Kommentar zum Alten Testament

Lm – Lamentações

Lv – Levítico

LXX – Septuaginta

Mq – Miquéias

Ml – Malaquias

Na – Naum

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Ne – Neemias

Nm – Números

NTT – Nederlands Theologisch Tijdschrift

OBO – Orbis biblicus et orientalis

Os – Oséias

p. – página

pp. – páginas

Pr – Provérbios

RDC – Revue de Droit Canonique

ResQ – Restoration Quarterly – Abilene, TX

RevQ – Revue de Qumran – Paris, França

Riv.Bibl. – Rivista Biblica – Mantova, Itália

RocTKan – Roczniki Teol.-Kanoniczne – Lublin, Polônia

1-2Rs – Primeiro e Segundo livro dos Reis

RTL – Reveu Théologique de Louvain – Louvain-la-Neuve, Bélgica

SBL - Society of Biblical Literature

Séc. – século

Sf – Sofonias

SJT – Scottish Journal of Theology – Edinburgh – Escócia

Sl – Salmos

1-2Sm – Primeiro e Segundo livro de Samuel

Syr – Peshita

Tg – Targum

TLZ- Theologische Literaturzeitung – Berlin, Alemanha

TM – Texto Massorético

v. – versículo

Vg – Vulgata

VT – Vetus Testamentum – Cambridge, UK

VTSupl– Vetus Testamentum Supplementum

Zc – Zacarias

ZAH – Zeitschrift für Althebraistik – Stuttgart, Alemanha

ZAW – Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft – Berlin, Alemanha

ZKTh – Zeitschrift für Katholische Theologie

ZLThK – Zeitschrift für die gesammte Lutherische. Theologie und Kirche

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“À alegria autêntica – e severa – vai consistir em nos dispormos, embarcados, ao serviço do ser. Este ofício é paixão e disciplina, perseverança e esperança, modéstia – e embriagada lucidez. Cumpre arear, limpar, brunir, varrer, despojar-se, estar aberto, na viagem que fazemos. Cumpre doar a tudo o que existe o espaço indeterminado – e generoso – de nossa liberdade, para que nele tudo esplenda. Cumpre soletrar, com carinho, o nome das coisas e do Próximo, como um pastor que, no campo, pastoreia e abóia as reses do rebanho sob sua guarda.”

Hélio Pellegrino

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1. Introdução

Partindo do princípio de que não se pode considerar um texto

essencialmente original, mas que ele é um mosaico de outros textos com os quais

mantém uma relação semântica, procuramos, então, desvelar essa

intertextualidade no corpus profético. É sob essa perspectiva dialógica que se

deve buscar o sentido do texto, analisando unidades, estabelecendo comparações,

codificando mensagens. Nesse sentido, esta tese fundamentou-se em dois pilares:

na análise do discurso e na sucessão temporal.

Nos últimos anos, a teoria da intertextualidade, sobretudo a de Júlia

Kristeva, revolucionou os estudos literários, uma vez que ela refutou os modelos

históricos de influência literária utilizados pelos exegetas. Dessa maneira,

Kristeva possui uma concepção dinâmica do texto literário, concebendo-o como

uma realidade translinguística, ou seja, como o lugar de encontro com outros

textos, sejam anteriores, sejam contemporâneos. Na sua visão, nenhum texto pode

ser lido isoladamente, pois uma obra sempre se conecta à outra pela convergência

temática.

Todo texto é, assim, absorção de uma multiplicidade de outros textos,

constituindo “um mosaico de citações”. Toda seqüência textual se faz em relação

a uma outra, proveniente de um outro corpus, de modo que toda seqüência está

duplamente orientada: para o ato de reminiscência (evocação de outra escrita) e

para o ato de intimação (transformação dessa escritura). Isso ocorre porque todo

escritor é também leitor, passa pelo processo de assimilação de outras leituras, que

refletem em sua obra. Dessa maneira é visto como um atualizador da memória

literária. Sendo assim, a escrita literária não é mais do que uma releitura do

corpus já existente1. Em outras palavras, Kristeva demonstra que o ponto-chave da

intertextualidade é a inter-relação dos conteúdos, que resulta na intersecção das

palavras. O caráter dialogal da palavra tem um profundo efeito no discurso

envolvido na interação. Assim, a intertextualidade garante o intercâmbio entre as

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obras literárias distinguindo-as, por essa razão, de originalidade e unicidade

textual.

A partir de Kristeva, “texto” passa a ser entendido como o evento situado na

história e na sociedade, que não apenas reflete uma situação, mas é essa própria

situação, apagando linhas divisórias entre as disciplinas e constituindo um

cruzamento entre diferentes superfícies textuais e em distintas áreas do saber

científico e da esfera artística. Pelo seu modo de escrever, lendo o corpus literário

anterior ou sincrônico, o autor vive na história, e a sociedade se escreve no texto.

Isto quer dizer que o texto está relacionado a outro texto e é de algum modo

afetado por ele.

Em suma, um texto é voz que dialoga com outros textos, mas também

funciona como eco de outras vozes de seu tempo, da história de um grupo social,

de seus valores, crenças e preconceitos, medos e esperanças. O texto torna-se,

então, um espaço de confluência de diversas vozes, dinâmico do qual o leitor

participa. Segundo Kristeva, o papel do leitor é mais importante do que o do

escritor porque este desaparece na intertextualidade, enquanto aquele constrói o

significado textual não de forma isolada, mas no diálogo com outros textos. Essa

interação dialogal permite ao leitor dinamizar o processo interpretativo e realizá-

lo como co-autor na medida em que ele se insere na obra.

Um número crescente de estudos nessa área se desenvolveu pouco a pouco a

partir de Gérard Genette2. O autor trabalha com o conceito de transtextualidade, o

qual se refere a “tudo o que coloca um texto em relação, manifesta ou secreta,

com outros textos”. Em outros termos, um texto é um emaranhado de relações não

somente intertextuais, mas também interdisciplinares. Genette classifica tais

relações de transtextuais em cinco tipos: (1) a intertextualidade – presença efetiva

de um texto em outro; (2) a paratextualidade – relação menos explícita e mais

distanciada, pois inclui título, subtítulo, notas marginais, notas de rodapé, e tantos

outros sinais que cercam o texto; (3) a metatextualidade – é a relação em forma de

comentário que une um texto a outro texto ainda que não haja citação

evidenciando a relação crítica como paradigma; (4) a hipertextualidade – supõe a

existência de um texto (texto A – hipotexto) em função do qual se estrutura outro

1 Cf. KRISTEVA, J. Sêmêiôtikê: Recherches pour une sémanalyse, Paris: Coleção Points-Essai, Éditions du Seuil, 1969, p. 115,120-121. 2 Cf. GENETTE, G. Palimpsestes. La Littérature au second degré, Paris: Seuil, 1982, p. 8-12.

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texto (texto B – hipertexto), que se efetua tanto por derivação como por

transformação; (5) a arquitextualidade – é mais abstrata já que é mais implícita

que as anteriores, é articulada pela autodeterminação do gênero a que o texto

pertence; a hermenêutica do texto não tem regras vinculantes.

O objetivo da poética literária seria o de estudar a transtextualidade que

envolve vários tipos, sendo um deles a própria intertextualidade - o único termo

que será empregado na análise que se segue.

A intertextualidade rompe a linearidade da leitura, uma vez que permite as

manifestações de outros textos presentes na memória do leitor que, por sua vez,

"processa" o texto refletindo a respeito das idéias nele contidas. Assim, o leitor

não é meramente um receptor de mensagens, mas “construtor” de significações,

reage de maneiras diversas no ato da leitura: aceita, recusa, questiona, até mesmo

muda seu comportamento em face das posições do autor, compartilhando ou não

sua opinião. Portanto, pela leitura, ele constrói um novo sentido para o texto.

A intertextualidade se realiza através do diálogo de textos, seja pela citação

direta de palavras-chave (catchwords) ou do plágio3. Sob esse aspecto, a

intertextualidade não se configura pela dependência de um texto em relação ao

outro, mas pelo contato literário, que possibilita outras leituras do texto original.

De fato, os narradores bíblicos construíram as suas histórias em diálogo com as

composições existentes dos ouvintes, entretanto, o processo da intertextualidade

depende também dos fatores lógicos e dos socioculturais. O diálogo da linguagem

é, portanto, o diálogo dos tempos e das épocas, sendo muito mais do que uma

seqüência de enunciados. Cada estilo de texto envolve conteúdo, função social,

organização lingüística e componentes estruturais específicos, os quais o definem

e o diferenciam dos demais. Intencionalidade e situacionalidade são condições

relacionadas à produção textual. O texto insere em uma determinada situação,

sendo muitos os elementos lingüísticos que funcionam como indícios para a

relação que é estabelecida entre texto e contexto4. O processo de compreensão é

3 Nogalski diz que “the book of the Twelve exhibits at least five different types of intertextuality: quotations, allusions, catchwords, motifs, and framing devices”. Cf. NOGALSKI. Intertextuality and the Twelve. In: Forming Prophetic Literature, Essays on Isaiah and the Twelve in Honor of John D. W. Watts. eds. James W. Watts and Paul R. House, Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996, 103. Ver também MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y. La Bible se raconte: initiation à l’analyse narrative. Paris: Cerf, Genève: Labor et Fides, 1998, p. 136. 4 Jaeggli confirma que um componente importante da compreensão da mensagem para a audiência original é a análise contextual. Sem o processo da contextualização, o intérprete pode fazer um

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favorecido pelo conhecimento do mundo e se realiza por meio da construção

textual, da articulação entre os elementos do texto e do estabelecimento da

continuidade de sentido.

Dessa maneira, pode-se dizer que o texto é um produto de criação coletiva,

já que um primeiro discurso se manifesta ao lado de um coro de outras vozes que

já trataram do mesmo tema e com as quais se põe em acordo ou desacordo. Assim,

para se definir diante de determinado assunto, o autor do texto considera as idéias

de outros "autores", com quem dialoga.

Podemos afirmar que as narrativas bíblicas são produtos de uma

comunidade ou de reflexão profunda do indivíduo, de sua experiência religiosa

acerca da proteção de Deus em sua vida. Tudo se tornou história; a história-texto,

e o texto-cânone que são variáveis e dependem do texto bíblico que temos em

mente.

Assim, é preciso, verificar o contexto bíblico buscando ajustar a variedade

dialetal ao momento e lugar da comunicação e o objetivo do discurso. Estes dados

situacionais vão influir tanto na produção quanto na compreensão textual.

Enquanto a pesquisa tradicional centraliza-se no autor, as novas tendências

voltam-se para o próprio texto e os receptores, ou seja, importa a compreensão dos

“significados”: o que o texto possui e como o leitor o concebe. Para isso é

necessária a leitura atenta e a observação crítica das relações inerentes aos textos

Dessa forma, cada abordagem ou aproximação captada no texto já é um

diálogo. Em muitos casos fica difícil determinar a sucessão cronológica de alguns

textos bíblicos. Todavia, partindo da compreensão sincrônica do texto, estabelece-

se a conexão com o texto primitivo, ou seja, em vez de focalizar o texto bíblico

diacronicamente, o estudioso bíblico atua como o orquestrador deste diálogo,

trazendo as várias vozes na dimensão sincrônica. É importante notar que a

texto bíblico significar, segundo o autor qualquer coisa que ele queira. Na opinião do autor, há várias camadas de contexto: o contexto imediato dentro de um parágrafo; a relação de parágrafos dentro de uma perícope; o desenvolvimento das perícopes em uma seção; e a contribuição macroscópica da seção no total da mensagem de um livro. Mantendo a grande perspectiva do texto, o intérprete pode se posicionar através dos detalhes exegéticos por ele determinados. Cf. JAEGGLI, R. J. The Interpretation Of Old Testament Prophecy. DBSJ 2, Fall, 1997, 3-17, p. 8.

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natureza sincrônica da conversação não significa que nenhuma atenção é dada a

particularidade histórica e cultural de cada voz5.

Nessa perspectiva, o texto de Miquéias será comparado a outros do AT, a

fim de verificar as convergências. Essa avaliação vai permitir a valorização do

texto de Mq 7,8-20, explorado nas suas múltiplas relações.

Neste trabalho, privilegiamos o estudo do profeta Miquéias em particular, e

a sua relação com os outros profetas buscando reconhecer como elas ocorrem bem

como suas .

Em um primeiro momento, os estudiosos não se basearam nas teorias da

intertextualidade analisando os textos como simples unidades literárias.

Entretanto, coube-nos nesta pesquisa avaliar essa posição e mostrar que há pontos

de contato com os Doze livros proféticos.

Para a realização deste trabalho, (a análise de Mq 7,8-20) utilizamos as

teorias da intertextualidade, ou seja, os contatos literários nos livros dos Doze

Profetas Menores e o estudo da análise dos textos que provavelmente estão

relacionados ao livro de Miquéias. Assim, tornam-se valiosas as contribuições de

Kristeva6, que se fundam no discurso dialógico integrando os diversos elementos

numa interpretação teológica.

Ao trabalhar a intertextualidade dos textos apresentados, empregaremos

particularmente, em virtude de sua clareza e aplicabilidade, os critérios

sintetizados e utilizados sugeridos por Markl7. O autor, ao analisar a relação

existente entre o livro de Habacuc e outros textos vétero-testamentários, tece

algumas considerações de ordem metodológica; discute exemplos de textos

bíblicos identificando os estágios em sua história literária. Baseando-se na obra de

M. Pfister8, que apresenta alguns critérios para delimitar o conceito de

intertextualidade, Markl tematiza cinco critérios, cujo grau de ocorrência na

5 Cf. NEWSOM, C. A., “Bakhin, the Bible, and Dialogic Truth”, 305. The Journal of Religion University of Chicago, Divinity School. The Bible and Christian Theology 1996, vol. 76, no 2 (ref. et notes dissem.), pp. 290-306. 6 Cf. KRISTEVA, J., Sêmêiôtikê: Recherches pour une sémanalyse, (Tle Quel), Paris, Seuil, 1969. Conferir também os artigos de G. Aichele – G. A. Philllips, Introduction: Exegesis, Eisegesis, Intergesis, Semeia 69-70 (1995), 7-18 e K. Nielsen, Intertextuality and Hebrew Bible, pp.17-31. 7 Cf. MARKL, D., “Hab 3 in intertextueller und kontextueller Sicht”, Bib 85 (2004) 99-108. 8 M. Pfister, “Konzepte der Intertextualität”, in U. Broich (Hg.), Intertextualität. Formen, Funktionen, anglistische Fallstudien (Tübingen 1985) 1-30 (esp. 26-30). Cf. também: J. Oesch, “Intertextuelle Untersuchungen zum Bezug von Offb 21,1-22,5 auf alttestamentliche Prätexte”, Protokolle zur Bibel 8 (1999) 41-74 – utilizou os critérios de Pfister na análise de textos bíblicos.

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comparação de textos indica sua maior ou menor relação9. São eles: o grau de

referência temática – em que medida um texto espelha o outro quanto ao tema; o

modo como um texto se comunica com outro – utilização de termos, expressões,

construções; a ocorrência de semelhança de função dentro da estrutura dos textos

em questão; a seletividade – qual a proporção do uso das palavras entre os textos e

em relação aos textos restantes; o diálogo – em que medida os contextos dos

textos se relacionam no aspecto semântico e de pensamento. O autor nota ainda

que a maior probabilidade de verificação da intertextualidade dá-se nos seguintes

pontos: quanto menor é a freqüência dos elementos lingüísticos (comum aos dois

textos) na Bíblia, maior é seu número entre dois textos; sobretudo quando há

termos e expressões que são utilizados somente entre os dois textos (“exklusive

Verbindungen”).

Neste trabalho, serão apontadas várias características integradoras e temas

repetidos que conectam unidades que se encontram em seqüência no arranjo, e,

algumas vezes, aquelas que estão em partes diferentes do livro. As unidades estão,

na maioria dos casos, organizadas de acordo com o estilo e assunto. As passagens

estão colocadas em seqüência para que suas mensagens contrastantes, ou

complementares, possam ser ouvidas em relação umas com as outras 10.

Há ainda uma possível inter-relação entre os livros proféticos a partir de

indícios formais. No entanto, estas relações não são vistas como processo

redacional. Deveríamos então, observar as diversas inserções que criaram

estruturas, relações temáticas e verbais entre os livros. Assim, as qualidades

literárias dos textos merecerão uma maior atenção.

Este estudo é dividido em três partes. O primeiro capítulo apresenta o estado

da questão sobre a unidade do corpus profético. A situação atual em que se

encontram as pesquisas relativas ao tema – a unidade dos Doze – nos propicia

explorar as implicações das tradições antigas que tratam estes pequenos escritos

como um único corpo. A prioridade, nesta etapa, é descrever e entender os

9 O autor não considera o sexto critério – “Autoreflexividade”, que indica um erro na relação de intertextualidade –, pois ele dificilmente se encontra na Bíblia, apesar de presente na literatura recente e atual. 10 Até aproximadamente o início dos anos 90, os livros proféticos – excetuando-se alguns poucos casos – eram considerados geralmente como outras escrituras proféticas do Antigo Testamento, sem ao menos cogitar-se na possibilidade de que, talvez pelo menos em níveis redacionais posteriores, eles poderiam ser entendidos e lidos numa mesma contextualização uns com os outros.

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principais estudos internacionalmente reconhecidos, assim como a ordem dos

Livros Proféticos no TM, LXX e 4QXIIa .

O segundo capítulo examina a organização e constituição do capítulo final

de Miquéias. Será apresentado uma análise textual, filológica e semântica. O

estudo do texto de Mq 7,8-20 tem o objetivo de discernir as suas principais

temáticas. Deve-se ainda examinar a uniformidade literária do respectivo texto, o

estudo da sua unidade para ver como se integra à parte final do livro de Miquéias.

O capítulo final examina o texto de Mq 7,8-20 junto a outros textos

proféticos sob o aspecto da intertextualidade. A análise intertextual permite

evidenciar e estreita ligação entre os livros que circundam o livro de Miquéias.

Teremos como objeto de nosso trabalho os livros proféticos segundo o TM.

A conclusão ficará por conta de uma avaliação sobre as etapas principais

deste estudo e seus resultados.

Cf. ZAPFF, B. “Die Völkerperspektive des Michabuches als, Systematisierung “der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum?” BN 98 (1999) 86-99, 86.

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2. A unidade do corpus profético do Livro dos Doze

2.1 Breve história das antigas evidências sobre a unidade dos Doze

Habitualmente os comentários bíblicos tratam os Doze Profetas Menores

separadamente. No entanto, hoje existem vários estudos a respeito da

problemática da unidade dos Doze11. A atenção destes estudos assinala mais do

que uma organização casual de livros independentes entre si. Destarte, os exegetas

estudam a história e a formação final dos Doze e tentam mostrar em que consiste

esta unidade literária, que acreditam ser possível situar e interpretar de maneira a

relacionar os livros uns com os outros, discernindo o lugar e a função de seus

textos na organização da coletânea, o que levaria a compreender melhor a sua

significação.

Neste estudo enfocaremos três centros de interesse da crítica moderna: a

ordem dos Livros e os índices formais que autorizam a afirmar a unidade dos

Doze, a formação do Corpus Profético e, como conseqüência, a localização do

livro de Miquéias no contexto do Corpus Profético - na Bíblia Hebraica, na versão

bíblica dos LXX e no fragmento 4QXIIa descoberto em Qumran (por volta de 150

a.C.)12.

11 Estudos sobre este tema aparecem esporadicamente nas três primeiras décadas do século XX; no entanto, focalizam-no de modo diverso do que se faz atualmente. Cf. BUDDE, K., “Eine folgeschwere Redaktion des Zwöelfprophetenbuch” ZAW 39 (1921) 218-229; WOLFE, R. E., “The Ending of the Book of the Twelve” ZAW 53 (1935) 90-129; JEPSEN, Alfred, “Kleine Beitraege zum Zwöelfprophetenbuch” ZAW 56 (1938) 85-100; Alfred, “Kleine Beitraege zum Zwöelfprophetenbuch II” ZAW 57 (1939) 242-255. Hoje, pode-se citar uma bibliografia mais abundante, e uma coletânea de artigos recentes nos permite fazer a leitura dos Doze como um conjunto unificado, cf. NOGALSKI, D., – SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL 15, Atlanta, 2000. 12 Os comentários aqui tratados de modo particular, todos, ignoram totalmente uma análise global dos Doze. Observe-se por exemplo: Cf. NOGALSKI, J., “Intertextuality and Twelve in Forming Prophetic Literature”, in NOGALSKI, D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, pp.102-124.

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Após a apresentação das antigas atestações sobre a evidência da unidade do

conjunto dos Doze, será exposto o status quaestionis da história da pesquisa até a

discussão atual.

2.2 A ordem dos livros

Os antigos manuscritos bíblicos dos Profetas Menores e as antigas

referências extra bíblicas são unânimes em atestar a transmissão destes escritos

dos Doze Profetas como um único volume. Embora não haja um único exemplar

de testemunho original, temos os manuscritos provenientes do mundo antigo, o

que nos permite distinguir ao menos três listas na disposição destes escritos

proféticos: as do TM, as da LXX e as dos fragmentos de Qumran13. Deve-se,

contudo, reafirmar que apesar das variações encontradas entre estes grupos de

Manuscritos antigos dos Doze, todas as versões em seus textos e seqüências

próprias afirmam sem exceção a unidade deste conjunto14.

A tradição textual Massorética (TM) não é apenas consistente em sua forma

de tratar os Profetas Menores como um único livro, mas é também uniforme na

seqüência dos livros, reunidos na seguinte ordem: Oséias, Joel, Amós, Abdias,

Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias15. Estes

profetas não possuem sempre a mesma posição e a mesma classificação nas

traduções bíblicas. Enquanto os Doze, (Os, Jl, Am, Ab, Jn, Mq, Na, Hab, Sf, Ag,

Zc, Ml) na Bíblia Hebraica são ordenados após Isaías, Jeremias e Ezequiel, na

Septuaginta (Os, Am, Mq, Jl Ab, Jn, Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml) eles se encontram

antes do livro de Isaías e, assim, iniciam os livros Proféticos. Na Vulgata e nas

13 Tov disse: “Textual criticism mainly takes into consideration the one composition which is reflected in all the known textual sources and which has been accepted as authoritative by Judaism”. Cf. TOV, E. Textual Criticism of the Hebrew Bible, p. 172. 14 Cf. JONES B. A. The Formation of The Book of The Twelve. A Study in Text and Canon. SBL Dissertation Series 149, Atlanta, Georgia: Scholars Press, 1995, pp. 2; 40. Outras fontes antigas indicam pelo menos cinco seqüências diferentes para o livro dos Doze o que demonstra que o arranjo foi totalmente vago, mas que a noção do livro como um todo era segura. Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or The Twelve: a few Preliminary Considerations”, JSOT 235 (1996) 125-156, p. 134. 15 Na Vulgata, na Peshita e nas versões modernas, o livro de Miquéias ocupa a sexta posição entre os Profetas Menores, seguindo Jonas e precedendo Naum como no TM. O Talmud (bBatra 14b-15a) apresenta também esta mesma classificação.

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traduções modernas dela dependentes, os Doze aparecem somente depois dos

chamados Profetas Maiores – de Isaías a Daniel.

A seqüência dos livros nos manuscritos da LXX é diversa para os seis

primeiros livros (Os, Am, Mq, Jl, Ab, Jn); no entanto, há seqüências fixas: os

livros de Abdias e Jonas e os últimos seis livros (Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml) são

seqüências que aparecem em ordem idêntica àquela do TM16. A LXX move Joel

para o quarto lugar em vez da segunda posição, como o TM. Jonas é igualmente

posterior na LXX, ocupando a sexta colocação, e não a quinta do TM. Além disso,

Miquéias é deslocado para o terceiro na LXX, em vez da sexta posição que ocupa

no TM.

A partir dos dados acima, observa-se, então, que os Profetas Menores não

possuem sempre a mesma posição e a mesma classificação nas diferentes

tradições manuscritas. O único livro a permanecer a mesma posição é o de Oséias,

sendo sempre o primeiro livro a ser listado. Talvez o seu lugar tenha sido

determinado em função de suas afirmações centrais sobre a relação entre YHWH

e Israel.

A posição de ver Oséias e Amós, juntos, pode ser explicada devido às

subscrições mencionando os mesmos reis Ozias no Sul e Jeroboão no Norte.

Miquéias segue Amós porque Ozias (rei mencionado com Amós) foi sucedido por

Jotão no Sul (rei mencionado em Miquéias). Ambos, Oséias e Amós, iniciam com

Ozias, e então precedem Miquéias, que começa com Jotão. Além disso, todos os

três profetas apresentam subscrições exatamente no início; e Sofonias, que é

datado no tempo de Josias e obviamente posterior, é colocado próximo aos livros

exílicos. Não há dúvida de que a LXX organizou estes livros de acordo com a

cronologia17 das subscrições, entretanto, esta tradução ignorou as ligações verbais

declaradas – abundantes instrumentos entre Joel e Amós. As referências a Nínive,

encontradas em Jonas e Naum, são provavelmente as razões para as suas posições

na ordem dada pela LXX, mas outras referências similares são ignoradas, tais

como a de Ex 34,6, que existe em Mq 7,18-20 e Na 1,3; ou o fato de que Mq 7,12

16 Igualmente a ordem dos livros – do 7° ao 12° (Naum – Malaquias) é confirmada pela ordem atestada em 4QXIIIa. Cf. FULLER, “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, in Forming Prophetic Literature. Essays on Isaiah and the Twelve in honor of John D. W. Watts, 86-101, p. 92.

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promete que algum dia a Assíria virá a Israel, correspondendo ao arrependimento

de Nínive em Jonas. Miquéias se situa entre o arrependimento de Nínive em Jonas

e a falta do mesmo – o que resulta no seu julgamento em Naum.

Há ainda interesse paralelo entre Oséias e Amós, que estão justapostos na

LXX. Oséias continuamente chama Betel “casa de distúrbio” (4,15; 5,8; 10,5); e

em Amós 5,5 ele diz que Betel poderia se tornar um incômodo. Porém, os

paralelos entre os pares de Joel e Amós no TM certamente excedem em número

aqueles realizados entre Oséias e Amós.

Herber Marks18 teoriza que o arranjo do TM mostra uma tentativa de

colocar os seis primeiros profetas no séc. VIII, quando a Assíria estava

ressurgindo, em ordem cronológica - Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas,

Miquéias. Os três profetas seguintes, Naum, Habacuc e Sofonias, foram inseridos

no declínio da era Assíria, no fim do séc. VII a.C. Os três últimos, Ageu, Zacarias

e Malaquias, são da era Persa, no período pós-exílio em Israel. Marks, porém, não

afirma que é apenas a cronologia que explica o arranjo do TM, mas também os

catchwords e os elos verbais determinam a organização literária. A explicação de

Marks para a ordem LXX é de que esta ordem dos seis primeiros para o período

Assírio está de acordo a extensão. Oséias, o livro mais longo (14 caps.), Amós (9

caps.), Miquéias (7 caps.), Joel (3 caps.), Abdias (1 caps.) e Jonas (4 caps.), como

um comentário da coleção inteira. Marks não explica este comentário, que não é

convincente ou não parece real. Jonas está cronologicamente no esquema do TM,

precedendo Miquéias historicamente, mas não na LXX – onde ele segue

Miquéias. Talvez a sua posição na LXX seja para manter Jonas e Naum juntos,

bem como para assegurar a destruição de Nínive (Naum), imediatamente após o

seu arrependimento e salvação em Jonas. Miquéias 7,12.18-19 promete

misericórdia à Assíria, o que os compiladores da LXX podem ter julgado menos

importante. Marks também sugere que o arranjo dos últimos profetas – Isaías,

Jeremias, Ezequiel e os Doze – corresponde aos três Patriarcas e às Doze tribos de

Israel. Não há, igualmente, muita evidência para isto.

17 Em favor deste critério está A. Van HOONAKER, Les douze Petits Prophètes, p. 8. O que contesta A. Chouraqui, L’univers de la Bible, t. V, Paris, 1984, p. 15 e outros. Sobre a influência dos títulos destes livros, conferir A. SCHART, Die Entstehung des Zwölfprophetenbuch, p. 32. 18 Cf. MARKS, Herber, “The Twelve Prophets” in The Literary Guide to the Bible, Ed. R. Alter and F. Kermode, Cambridge: Harvard University Press, 1987, 207-209

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Apesar da seqüência dos primeiros livros nos manuscritos da LXX ser

diversa para os seis primeiros livros (Os, Am, Mq, Jl, Ab, Jn), há seqüências fixas

para os livros de Abdias e Jonas que são idênticas àquela do TM19. Em relação às

seqüências de Jonas e Abdias, Bogaert20 sugere a interpretação de que Jonas teria

sido unido após Abdias como para marcar a seqüência da qualidade da mensagem

enviada às nações. Jonas atribui a salvação até mesmo para Nínive, enquanto que

Abdias a restringe a Judá. Abdias se dirige contra Edom; Jonas e Naum

concernem a Nínive e Habacuc aos caldeus. Naum e Habacuc também se

assemelham literariamente – o primeiro supre a identidade dos opressores que não

são identificados no segundo, a saber, a Assíria. Habacuc identifica o agente da

destruição de Nínive/Assíria descrita em Naum, isto é, a Babilônia. Naum inicia

com a teofania e Habacuc termina com a teofania. Esses profetas (Ab, Jn, Na e

Hab) posicionam-se seqüencialmente na LXX; no entanto, no TM eles possuem a

mesma seqüência, mas são intercalados pelo livro de Miquéias (Ab, Jn, Mq, Na e

Hab).

A LXX move o livro de Joel para o quarto lugar, antes de Abdias, em vez da

segunda posição no TM; o livro de Jonas também é posterior na LXX, ocupando a

sexta colocação, em vez da quinta no TM; e o livro de Miquéias, que é de nosso

interesse, passa para o terceiro lugar na LXX, em vez da sexta posição no TM21.

Nota-se que, na versão LXX, Miquéias foi unido aos profetas do séc. VIII a.C.,

19 Todavia, no manuscrito 4QXIIa Jonas parece seguir Malaquias, presumivelmente no fim do rolo dos Doze Profetas. Uma tradição Midrástica preservada em Numbers Rabbah 18,21 separa Jonas dos Doze, considerando-o um livro único. Entretanto, esta tradição Hagádica tardia não pode ser lida como uma evidência direta para a circulação do livro de Jonas, separado do resto dos outros livros. Isto mostra que a distinção de Jonas em relação aos outros Profetas Menores era aparente para os leitores antigos, incluindo talvez aqueles que o uniram ao fim do rolo dos Profetas Menores. Cf. JONES, B. A., “The Book of the Twelve as a Witness to Ancient Biblical Interpretation”, in NOGALSKI, J. D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, 71. 20 O autor ainda reconhece que a organização dos grandes relatos proféticos mostra que os livros dos três grandes profetas (Os, Am e Mq) e o livro de Sofonias são organizados em três seções (oráculos contra o povo de Deus, oráculos contra as nações e as promessas). O Dodekapropheton é organizado nesta mesma perspectiva: os livros de Oséias, Amós e Miquéias são dominados pelos oráculos contra Israel; os de Ageu, Zacarias e de Malaquias concernem à restauração (promessa). Entre estes dois blocos se encontram, em uma seção central composta de Abdias, Jonas, Naum e Habacuc, livros que formulam ameaças contra as nações. Esta seção é emoldurada pelos livros chamados “Dia de YHWH”, de Joel e Sofonias. Cf. BOGAERT, P. M., L’organisation des grands recueils prophetiques, 147-153, p. 149. 21 A ordem de Miquéias na LXX (terceira posição) é confirmada também por outros Manuscritos Gregos, com exceção do Códice Basiliano-Venetus (N+V), que mostra a seguinte ordem para os seis primeiros livros: Os, Am, Jl, Ab, Jn e Mq. Esta ordem é também encontrada nos Manuscritos Latinos, a saber: Las (séc. IX d.C.) e Lac (séc. V d.C.). Cf. FULLER, R., “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 92.

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seguido de Joel. A LXX assim como a Bíblia Hebraica coloca Jonas antes de

Naum, com o qual ele trata a mesma temática (o futuro de Nínive)22.

Observa-se que o livro de Miquéias possui uma colocação instável nos

testemunhos textuais existentes, no entanto, sua posição coincide na LXX e em 4

QXIIa (também no Códex Vaticanus) entre Amós e Joel23. Miquéias se relaciona

bem com Joel, livro que o segue (na LXX), porque Joel diz respeito às ameaças

feitas pelas nações a Jerusalém, parecidas com aquelas apontadas por ele. O

mesmo ocorre em relação à sua posição no TM entre Jonas e Naum24. Por outro

lado, o lugar de Jonas não seria ligado às aproximações históricas, mas às

afinidades verbais com Joel. O livro também está ligado pelo tema de Nínive

presente em Naum, que segue Jonas - se por um lado Nínive é salva (Jn 3,10), por

outro lado é anunciada a sua ruína (Na 2-3). Deste modo, o destino desta cidade

está em contraste, até mesmo em relação à atitude de Deus. Naum apresenta um

Deus vingativo, colérico, ao contrário da imagem apresentada por Jonas – um

Deus misericordioso25. Miquéias toma uma posição intermediária, diferenciando

entre as nações que se convertem e as que não se convertem. Disto resultam os

apelos à escuta em Mq 1,2; Mq 3,1 e Mq 6,1, ou à inclusão devido a Mq 1,2, de

5,14 ~yMi[; W[m.v / W[mev' al{ rv,a] ~yIAGh, que denota uma função-chave.

A ligação temática correspondente ao tema de Nínive tomou precedência,

aqui, sobre as considerações cronológicas – que seguem as datas indicadas nos

22 Jones assume que a justaposição de Jonas e Naum no arranjo da LXX pode ter sido motivada por uma tentativa de equilibrar o retrato da justiça divina para as nações que estavam contidas nos livros de Joel, Abdias e Naum com a mensagem da soberana misericórdia de YHWH no livro de Jonas. No arranjo do TM, esta conexão temática poderia ter sido descrita pelo maior conteúdo histórico. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 239. 23 Há fortes ligações temáticas e lingüísticas do Livro de Joel com Amós (cf. Jl 4,1-21 e Am 1,2-2,16; Jl 1,1-2,11 e Am 3,6ss; assim como o tema do “dia de YHWH” em Jl 1,15; 2,1.11 e Am 5,18; cf. Am 1,2). 24 De todos os livros do AT, estes dois livros são os únicos que terminam com uma questão (Na 3,19 e Jn 4,11). Curiosamente, eles se situam entre os Doze, são mais ou menos do mesmo tamanho, se dirigem à sorte de Nínive e trazem uma postura de Deus a respeito de ambos. Também se pode notar que estes dois livros são os únicos na coleção dos Doze, nos quais não se menciona “o Dia de YHWH”. Coggins aponta uma relação íntima entre eles – se referem à mesma cidade Nínive, que é confrontada de um lado com a mensagem de ameaça e de outro lado com uma mensagem de salvação – e afirma que o livro de Jonas foi escrito para ser colocado antes do livro de Naum. O autor pensa que provavelmente o estilo das narrativas seja “Zwiesprache”, que fala de duas diferentes soluções para o mesmo problema (cf. a íntima relação de Jn 4,2 e Na 1,3). Cf. COGGINS, “The Minor Prophets one Book or Twelve”, p. 66. 25 O final do livro de Miquéias (Mq 7,19-20) é particularmente sugestivo, pois ele faz eco à imagem de Deus reencontrada no final de Jn 3. Miquéias fala do Deus do amor (v.18 cf. Jn 4,2), significando assim que a cólera de Deus é de curta duração. Mq 7,18-20 reconhece os caprichos

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títulos dos livros de Jonas e Miquéias. A explicação para tal fato encontra-se no

início do Targum de Na 1: “Anteriormente Jonas, o filho de Amittai, o profeta de

Gath-Hepher, profetizou contra ela e ela arrependeu-se de seus pecados; e quando

ela pecou novamente profetizou mais uma vez contra ela Naum de Beth Koshi,

como é lembrado neste livro”. Os novos pecados de Nínive provavelmente

referem-se ao texto de Mq 5,4s, que menciona Assur entrando no território de

Judá. Podemos dizer que os dois livros que intercalam Miquéias, Jonas e Naum

(no TM) indicam intervenções maiores que são aparentemente percebidas. Nínive,

tanto no Livro de Jonas quanto no Livro de Naum, torna-se, assim, através da

alternativa desdobrada no Livro de Miquéias, o paradigma para uma reconstrução

futura ou a destruição dos povos. Levanta-se assim a pergunta se haveria aí a

intenção de ligar estreitamente estes livros com o livro de Miquéias, já existente e

completo, ou não.

Caso se responda afirmativamente à questão acima, o livro de Miquéias

possuiria a função de sistematizar a atitude das nações encontradas nos três livros

que o cercam: Joel (na versão LXX), Jonas e Naum (no TM). O artigo de Zapff26

defende esta tese e procura explicar o papel que Miquéias representa na

sistematização das diferentes vidas do povo, retratadas em Joel, Jonas e Naum. O

julgamento dos povos diante de Sião no Livro de Joel encontraria sua

correspondência em Mq 4,11-14 e 7,10. À prometida possibilidade de conversão

dos povos em Jonas e à disposição para o perdão de YHWH corresponderia a

peregrinação dos povos para Sião em Mq 4,1-3 e Mq 7,12. O julgamento

definitivo sobre todos os povos que “não obedecem”, a saber, os que não

peregrinaram para Sião (Mq 5,14; 7,13) deveria ser procurado em Na 1, onde,

conseqüentemente, diferencia-se entre os “inimigos de YHWH” (Na 1,2b) e

“aqueles que procuram abrigo em YHWH” (Na 1,7). O autor considera possível

uma inter-relação entre estes livros a partir de indícios formais. Deveríamos, nesse

caso, contar com um processo redacional com diversas inserções, responsáveis

pela criação de estruturas, relações temáticas e verbais entre os livros. As

divinos como um favor para Israel. Deste fato, nem arrependimento, nem ato de expiação não são requeridos (Mq 7,18). 26 ZAPFF, B. M., “Die Völkerperspektive des Michabuches als “Sustematisierung” der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum? Überlegungen zu einer buchhübergreifenden Exegese im Dodekapropheton”, BZ 98 (1999), pp. 86-99.

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intervenções redacionais poderiam ser observadas não só no conjunto, mas

também em cada um dos livros individualmente.

Na visão deste autor, ao datarmos os três livros, seria necessário então

contar com o fato de que a perspectiva dos povos descrita por Miquéias ocorreu

no período no qual já existiam a seqüência dos três livros (Jl, Mq e Na -

testemunhada pelo TM), e que foi responsável pela introdução do Livro de Jonas

no Corpus dos Doze Profetas. Supõe-se, pois, que os escritos não foram reunidos,

já tendo sido encontrados em sua forma final. A pergunta decisiva para a

verificação desta hipótese é se podem ser encontradas ligações condicionadas

redacionalmente entre a camada redacional do livro de Miquéias e os três livros de

Joel, Jonas e Naum. De uma certa maneira é correto – defende o autor – que o

livro de Jonas supõe o livro de Joel. No entanto, uma questão fica aberta: o livro

de Jonas foi inicialmente concebido como um escrito independente ou foi

integrado no livro dos Doze profetas? Nosso objeto de estudo será com relação à

seqüência massorética Jonas-Miquéias e Naum, levando-se em consideração que a

posição do livro de Miquéias não se trata de um acaso.

Pode-se observar que a cronologia não é o princípio mais importante, pois,

se assim o fosse, o compilador poderia ter colocado Jonas após Amós, uma vez

que a subscrição mencionando Jeroboão II em Amós sustentaria uma perfeita

introdução para a seqüência do livro de Jonas. O livro de Joel não possui qualquer

alusão histórica e é datado no período Persa; posiciona-se na LXX após o livro de

Miquéias, cuja subscrição se ancora no séc. VIII e é unido a Abdias, que é datado

em 587 a.C. Observa-se então que, embora haja uma dinâmica temporal, estes

livros não seguem uma ordem cronológica rigorosa27.

A ordem da LXX envolve não apenas a própria ordem dos livros, mas a

ordem final dos Doze, nos últimos versículos de Malaquias. Petersen28 nota que

nos três últimos versículos deste livro (Ml 3,22-24) a LXX coloca que é o

versículo 22 do TM, “lembra a Tora do meu servo Moisés”, que insiste na

fidelidade à lei dada a Moisés; em seguida, os vv. 23-24 aludem à promessa do

27 Seguindo a cronologia, o livro de Jonas não deveria se encontrar com Amós no início e o profeta Oséias lhe seria posterior? Da mesma forma, as ilusões históricas em Jl situam seus escritos ao período persa; por que neste caso ele se situa na segunda posição? Ou ainda por que Miquéias (séc. VIII) vem após Abdias que poderia datar do período exílico? Deste modo, a interpretação da formação dos Doze Profetas Menores pela ordem cronológica não precede. 28 Cf. PETERSEN, D., “A Book or Twelve?”, pp. 7. 10.

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29

envio de um novo Elias e à vinda do “Dia de YHWH”29. Para este autor, o tema

dominante no rolo dos Profetas Menores é o hwhy ~Ay (Dia do Senhor), uma

tradição por meio da qual estes profetas poderiam explorar tanto o tema da

devastação do julgamento quanto a possibilidade de vida para além da destruição.

O lugar dos Doze na Bíblia Hebraica apresenta-se com mais diferenças no

TM do que na LXX, pois, no primeiro, há a conclusão de todo o livro. Todavia,

Petersen30, em outra citação escreve: “I Maintained earlier that Ml 3,22-24 is an

epilogue. But to what is it an epilogue? There are numerous possible responses: it

is an epilogue to the book of Malachi, to the three “oracles”, to the so-called Book

of the Twelve or Minor Prophets, to “the Prophets”, to “the Prophets” and “the

Torah”, or to the entire Hebrew Bible?” O autor reconhece: “There is no easy

answer”. De fato, o que encontramos são eventuais hipóteses oferecidas à

discussão dos exegetas.

2.3 Atestações dos manuscritos antigos

Em seu tratado, Talmude da Babilônia 14b-15a, Baba Batra fornece

informações que confirmam a unidade dos Doze. De acordo com as instruções em

b. B. Bat 13b é recomendado, para a cópia dos livros bíblicos, deixar quatro linhas

em branco; todavia, entre os livros dos Profetas Menores há três linhas somente.

Na sua lista dos livros bíblicos, Baba Batra cita os Doze como um único livro, e

não como doze livros31.

No fim do seu Manuscrito, o TM denomina os Doze (rf[ ~ynv) e dá o

número total dos seus versículos não só de Malaquias, mas também dos Doze,

aludindo ao fato de que Miquéias 3,12 é a metade do escrito dos Doze (rpsh

ycx). A unidade destes livros se reflete também no nome tardio dado pelo

Judaísmo rf'[' yrT>, forma abreviada aramaica do número 1232. Provavelmente,

este título veio de um período em que os judeus falavam Aramaico, e que poderia

29 As referências mais importantes para o “Dia de YHWH” nos Doze são: Os 9,5; Jl 3,4; Am 5,18-20; Ab 15; Mq 2,4; Hab 3,16; Sf 1,7-16; Ag 2,23; Zc 14,1; Ml 4,1. 30 Cf. PETERSEN, D., Zechariah 9-14 and Malachi, Louisville, 1995, pp. 232-233. 31 Cf. EMANUEL TOV, Textual Criticism of the Hebrew Bible, Second Revised Edition, Minneapolis: Fortress Press, 2001, p. 217. 32 MURAOKA, T., “Introduction aux douze petits prophètes”, in BONS, E. et alii, La Bible d’Alexandrie. T. 23/1: Les Douze Prophètes. Osée, Paris, 2002, p. 1.

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30

ser algum tempo após o exílio da Babilônia, quando o Aramaico era a língua

dominante.

Além de reduzir o espaço cronológico entre a composição do livro dos Doze

e os manuscritos existentes do TM, as descobertas de Qumran e do Deserto de

Judá contribuem para a nossa compreensão das cópias dos textos bíblicos,

fornecendo informações acerca doa mesmos e dos testemunhos textuais. O

documento do livro dos Doze do TM, descoberto em Wadi Murabba‘at, apesar de

deteriorado, foi atestado com maior antiguidade que os manuscritos prévios

permitidos33. Este documento, datado do séc. II, preserva partes de textos proto-

Massoréticos dos Profetas Menores, considerados quase idênticos ao texto

consonantal do TM34. Os restos do rolo iniciam com Jl 2,20, inclui partes dos

textos de Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu e

conclui com Zacarias 1,4. Cada livro existente é encontrado na mesma ordem

apresentada pelos Manuscritos do TM35.

A unidade do livro é também indicada pelos manuscritos da LXX, de acordo

com as diversas técnicas escritas e tradições. Há dois Manuscritos que antecedem

a Hexapla de Orígenes (ca. 240-245 d.C.): o Manuscrito dos Doze descoberto em

Nahal Hever (ca. 100-50 a.C.), identificado como uma recensão da LXX – ainda

que difira pouco do TM -,36 e o Códice de Washington, manuscrito mais antigo e

33 A evidência dos manuscritos antigos em gamas hebraicas data aproximadamente do meio do segundo século a.C. (4QXI1a & b) para a segunda metade do primeiro século d.C. (Mur 88). Inclui sete rolos de papel da Cave IV Qumran que datam em sua maior parte do período de Hasmoneus (ca. 150-30 a.C.) e parece terem sido rolos de papel completos dos Profetas Menores. Cf. FULLER, R., “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 87. 34 O acordo com o sistema de divisão e a colocação da mesma no Manuscrito Massorético posterior é muito forte, e claramente apóia a classificação de Mur 88 como texto Proto-Massorético Cf. Emanuel Tov, 47-51, 104. As diferenças encontradas em relação ao TM são as adições/inclusões de frases ou palavras, omitidas naquele, e neste corrigidos. Estas adições sempre corrigem o texto de Mur 88 concordando com a leitura consonantal do TM. Essa correção do texto de Mur 88 pode ser indicativo do processo de padronização do texto consonantal. Cf. FULLER, R., The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert, 89. 35 Cf. JONES, The Formation of The Book of The Twelve, p. 4. 36 Este rolo escrito em grego, encontrado em Nahal Hever (ca. 100-50 a.C.), mostra a necessidade da comunidade Judaica que falava a língua grega de estar em conformidade com o texto Hebraico dos Doze. Cf. FULLER, R., “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 90. Os restos fragmentários do rolo grego designado como 8 Hev XIIgr atestam a Antigüidade de ambas as versões, a do TM e da LXX, como testemunhas para o livro dos Doze; e também sublinham as diferenças textuais existentes entre estes mesmos manuscritos dos Profetas Menores. Este rolo contém partes dos livros de Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias e Zacarias. E como contém o fim do livro de Jonas e o início do livro de Miquéias colocados juntos, faz nos pensar que a seqüência dos seis primeiros livros era idêntica à do TM. Sendo assim, é provável que a seqüência dos livros em 8 Hev XIIgr seja também o

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completo, datado do séc. III d.C., que confirma tanto o nome simples dos profetas

quanto o número dos Doze nos títulos de cada um dos livros. O mesmo vale para

os Códices Unciais do Vaticano, Alexandrino e Sinaítico, datados do séc. IV e

V37. De fato, a história da transmissão textual certificada pelos manuscritos

antigos mostra tanto a Antigüidade consistente da unidade textual quanto a

uniformidade do estatuto sagrado dos Doze38.

Tanto na tradição hebraica quanto na tradição grega existem hiatos

cronológicos. Há um espaço temporal de quase 800 anos entre Mur 88 e o

próximo Manuscrito dos Doze – o Códice do Cairo. O intervalo entre a tradição

grega é menor – o Manuscrito de Nahal Hever data de aproximadamente 100-50

a.C. –, como vimos acima; e o Papiro de Washington é datado do séc. II d.C.

Estas informações nos confirmam que a coleção dos Doze já se completara por

volta do séc. II a.C. e que a ordem dos livros nos rolos dos Profetas Menores do

séc. I e II parece estar em conformidade à ordem que mais tarde tornou-se modelo

no TM39. Isto indica uma uniformidade característica do respeito religioso pelo

escrito.

Também as descobertas de Qumran acerca dos Doze profetas (4QXIIa),

entre 1947 e 1956, atestam a unidade do livro dos Doze, contido em um único

rolo40; e indicam duas transições certas entre os livros preservados: Sofonias-

Ageu em XIIb (ca. 150 a.C.) e Amós-Abdias em XIIg (ca. 50-25 a.C.). Os

fragmentos de XIIc (ca. 75 a.C.) podem preservar a transição de Joel-Amós. Como

0 texto está danificado, é impossível assegurar esta transição. Finalmente, XIIa

(ca. 150 a.C.) preserva a única transição entre Malaquias e Jonas. Assim, o

manuscrito de 4QXIIa, mesmo incompleto41, nos dá a sucessão dos três últimos

livros dos Doze, a saber, Zacarias, Malaquias e Jonas.

resultado de uma atividade recensional. CF. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, pp. 5-6. 37 Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, p. 4. 38 Cf. TOV, E. Textual Criticism of the Hebrew Bible, pp. 204. 39 Cf. FULLER, “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 91. 40 “The individual books of the Minor Prophets were considered as one book contained in one scroll (thus the Minor Prophets Scroll from Wadi Murabba ‘at, MurXII). Cf. EMANUEL TOV, Textual Criticism of the Hebrew Bible, p. 104. 41 Este rolo contém partes dos livros de Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias e Zacarias. Cf. Tabela editada por FULLER, “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 92.

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Jones observa que a versão 4QXIIa contém o arranjo que reflete a colocação

inicial de Jonas entre os Doze. Jonas teria sido o último livro a ser inserido nos

Doze42. A. Schart43 é da mesma opinião, ao dizer que a justaposição de Jonas e

Malaquias fecha um longo processo redacional. Para este autor, cada adição está

baseada em uma nova experiência histórica, refletindo uma concepção particular

do profetismo. Esta última seção, como pensa Schart, foi realizada com o objetivo

de criticar o retrato de YHWH realizado pelo livro de Joel.

No que concerne à questão sobre qual classificação original é a mais antiga,

a maioria dos críticos opta pela ordem Hebraica,44 contrariamente a B. A. Jones,

que escolheu a ordem atestada pela LXX45. Em sua opinião, as descobertas de

Qumran trazem uma luz sobre a formação dos Doze. Considerando tanto a ordem

dos seis primeiros livros no TM e na LXX quanto o local do livro de Jonas na lista

de Qumran, certas observações são consideráveis. Assim, Jones estima que a

ordem dos livros atestada no rolo de Qumran (4QXIIa), isto é, com o livro de

Jonas no final da classificação, é, sem dúvida, a mais antiga das três; a segunda

lista mais antiga é a da LXX, com Joel, Abdias e Jonas inseridos após Oséias,

Amós e Miquéias. O TM seria uma etapa mais trabalhada do livro dos Doze46.

Dessa forma, constatamos que os primeiros Manuscritos – entre a metade do

séc. II e a metade do séc. I a.C. – fizeram uso de uma variedade de sistemas; no

entanto, a evidência destes materiais nos indica que houve um sentido de unidade

nos Manuscritos Hebraicos dos Doze. A ordem dos livros, com uma exceção

(4QXIIa, que preserva a ordem incomum Malaquias-Jonas), confirma a ordem

tardia encontrada no TM. Podemos concluir que a conservação de tais

Manuscritos da coleção dos Doze mostra o interesse e a importância deste

material, considerada a palavra de YHWH revelada aos Profetas. Essa atitude

42 Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, p. 130; esta posição do livro de Jonas, finalizando o rolo dos Doze, tem recebido atenção particular da parte dos estudiosos. Cf. O. H. STECK, Zur Abfolge Maleachi – Jona in 4Q76 (4QXIIa), ZAW 108 (1996) 249-253,253. Trataremos do assunto em um outro capítulo: Miquéias em relação aos Doze. 43 Cf. A. SCHART, Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs. Neubearbeitungen von Amos in Rahmen schriftenübergreifender Redaktionsprozesse, BZAW 260, Berlin- New York, 1998, pp. 283-287. 44 Cf. SCHNEIDER, D. A., The Unity of the Book of the Twelve, Ph.D.diss., Yale University, 1979, pp. 224-226; NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve. Beihefte zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft, no. 217, Berlin: Walter de Gruyter, 1993, p. 2. 45 Jones censura os exegetas tais como D. A. Schneider, A. Y. Lee, P. R. House, J. Nogalski, de só considerarem o TM não levando em conta os outros testemunhos textuais. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, pp. 239-240. 46 Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 131.

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particular para esses escritos pode ser tão íntima para as comunidades judaicas

antigas quanto para aquelas do Judaísmo e Cristianismo, que viram igualmente

este material como sagrado.

Pode-se dizer que a ordem dos livros dos Profetas Menores resulta das

diversas épocas delineadas pelos próprios títulos dos escritos: os primeiros seis

profetas são situados no séc. VIII; os outros três seguintes no final do séc. VII; e

os três últimos no final do séc. VI. Na realidade, esta seqüência cronológica, em

todos os livros, não corresponde à verdadeira época do surgimento dos escritos47.

Como afirma M. A. Sweeney48, é preciso esclarecer que o princípio da cronologia

não explica inteiramente a organização do livro dos Doze tanto no TM quanto na

LXX. Há problemas com a sucessão cronológica de ambas as versões,

particularmente em relação a Joel, Abdias e Malaquias. Embora haja uma

dinâmica temporal, os Doze não seguem uma ordem cronológica rigorosa49. Cada

um dos livros pode ser lido independentemente do contexto literário atual do livro

dos Doze, pois cada qual traz seu próprio conteúdo, forma, características

genéricas, colocação sócio-histórica e perspectiva ideológica ou teológica. Os

livros são distintos, com comunicação literária autônoma. Os temas que dizem

respeito às relações ou à aliança entre YHWH, Israel e as nações surgem

diferentemente segundo cada uma destas ordens (TM e LXX). Sweeney resume

essas diferenças da seguinte forma: o TM acentuaria o papel de Jerusalém como

centro da criação e das nações e seria o reflexo da época de Esdras e Neemias; a

versão LXX traria, por sua parte, um interesse particular pela experiência do

Reino Norte como modelo para Jerusalém, à época do exílio na Babilônia.

Finalmente, não seria melhor afirmar, como Petersen50, que existem vários

princípios que permitiram aos doze livros (TM e LXX) se encontrarem em um

mesmo Corpus? E, a partir de uma história redacional reconhecida como

47 O Talmud diz que o arranjo é cronológico. Esta é apenas uma parte da explicação para a ordem da Bíblia Hebraica. Outras razões podem ser discernidas na sequência dos Doze. 48 O arranjo dos doze livros proféticos dentro do grande livro dos Doze não tem sido examinado suficientemente, e este critério é especialmente importante para a concepção e composição do livro dos Doze como um trabalho literário autônomo. Cf. M. A. SWEENEY, “Sequence and Interpretation in the Book of the Twelve, pp. 52-53 in Nogalski, J. D. & SWEENEY, M. A. Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL SS 15, 2000. 49 Cf. PETERSEN, D., “A Book or the Twelve”?, p. 6. 50 “[…] diverse orderings argue in the direction of an anthology rather than a book”. PETERSEN, D. P. “A Book of the Twelve?”, 7, in Nogalski, J. D. & SWEENEY, M.A. Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL SS 15, 2000.

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complexa, é ainda possível ler os Doze como um único livro? Petersen prefere

falar não de um livro, mas de uma antologia tematizada.

2.4 Testemunhos bíblicos e extrabíblicos

A tradição testifica a Antigüidade da unidade textual do livro dos Doze e

seu caráter sagrado, o que é corroborado por referências bíblicas e extrabíblicas.

Assim, desde antes da era cristã a coleção desses livros era considerada como um

único corpo.

A Vulgata fala dos Doze Profetas Menores51, de um modo que sugere a

existência de Doze livros independentes. Mas a nota de uma observação de S.

Jerônimo no prefácio: “unum librum esse duodecim prophetarum” – mostra qual a

concepção do grande Mestre bíblico da Igreja Latina em relação ao conjunto dos

Doze Profetas52.

Na sua maneira de contar os livros do AT, Flavio Josefo53 considera os

Doze como um único livro, que partilha interesses e significados comuns. Ele fala

(Contra Apio 1,40) que Moisés e os profetas foram responsáveis pela escritura de

treze livros, os cinco livros da Tora; os quatro profetas do passado e os quatro

últimos profetas (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze) da Bíblia Hebraica. A

primeira lista dos livros da Escritura Hebraica na literatura cristã é citada por

Melitão, Bispo de Sardes, e foi conservada por Eusébio (Hist. Eccl. IV, 26). Nela,

Melitão menciona os Doze em um único livro: ton dodeka en monobiblo. Outra

lista antiga é a de Orígenes, também preservada por Eusébio (Hist. Eccl. VI, 25),

51 O termo “Profetas Menores” ocorreu provavelmente pela primeira vez em Santo Agostinho, De Civitate dei XVIII 29 (Prophatae Minores). Deve-se esclarecer que o que se teve em vista foi a abrangência retrospectiva desses livros após os livros de Isaías, Jeremias e Ezequiel e não que se tenha querido expressar uma significação de algum modo menor dos Profetas que dão nome aos livros. 52 Cf. ZENGER, E., Introdução ao Antigo Testamento, Bíblica, Loyola 36, São Paulo: Loyola, 2003, 461; Schneider em sua tese faz uma referência ao prólogo dos Doze Profetas na Vulgata, realizado por Jerônimo, no ano 390. d.C., acrescentando: “este é um livro (unum librum) dos Doze Profetas” e que “Oséias é contemporâneo de Isaías, Malaquias no tempo de Ageu e Zacarias”. Cf. SCHNEIDER, The Unity of the Book of the Twelve, University Microfilms, 1984, p. 1. 53 Num tratado intitulado Contra Ápio, I 38-41, dirigido aos gentios, afirma ele que os judeus têm em sua biblioteca sagrada um número determinado e limitado de 22 livros justificadamente acreditados. Ele os nomeia de acordo com a cronologia da época a que se referem. Um dos mais tradicionais arranjos desses escritos nas fontes rabínicas e nos manuscritos da Bíblia são estabelecidos numa seção do Talmud Babilônico, baba Bathra 14b, que pode remontar ao séc. II d.C. Cf. MILLER, J. W., As origens da Bíblia, Repensando a História Canônica, Coleção Bíblica, Loyola 41, São Paulo: Loyola, 2004, p. 15.

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que atesta a unidade dos Doze de maneira incomum. A lista de Orígenes elenca os

22 livros hebraicos, embora a lista só contenha 21 livros. O Livro dos Doze, que

não figura na lista, presumivelmente por omissão acidental, seria o 22° livro do

elenco54.

A primeira referência bíblica, que confirma esses dados, remonta a Sirácida

(49,10), em um contexto onde são mencionados outros profetas separadamente,

como Isaías (Eclo 48,20), Jeremias (Eclo 49,6) e Ezequiel (Eclo 49,8). Ben Sira

fala de tw/n dw,deka profhtw/n. Esta passagem não apenas trata os profetas como

uma coleção unificada como também enfatiza a sua mensagem55. O que deveria

ocorrer aos leitores dos Doze, de acordo com Sirácida, é que eles deveriam levar a

mensagem de esperança de Deus para o povo56. O autor não faz referências à

ordem dos livros proféticos, mas refere-se aos profetas como heróis da história

religiosa de Israel.

Pode-se também apoiar tais dados em uma carta, que hoje faz parte do texto

de 2 Mc 1,10-2,18, enviada pelos judeus de Jerusalém aos do Egito, em 164 a.C.

Tal documento afirma que Neemias fundara uma biblioteca que possuía uma

“coletânea completa” dos livros que tratam dos Reis e dos Profetas, dos escritos

de Davi e das cartas dos reis acerca das oferendas (cf. 2 Mc 2,13). Estes livros

54Cf. D. SCAIOLA, “Il Libro dei Dodici Profeti Minori nell’esegesi contemporânea. Status Quaestionis”, RivBib 48 (2000) 319-334, p. 320 55 Parece que a citação de Sirácida se refere aos profetas como indivíduos e não aos livros atribuídos a eles. Zenger nota que “neste contexto o número doze é sutilmente relacionado com o povo de Israel surgido dos doze filhos de Jacó, pois a atuação dos doze é enaltecida da seguinte maneira: trouxeram restauração para o povo de Jacó e o ajudaram por meio de uma confiança confiável”. Cf. ZENGER, Introdução ao AT, 46. Petersen também pensa que esta referência de Sirácida é para os profetas, eles mesmos como indivíduos, e não aos livros atribuídos a eles. Cf. PETERSEN, A Book of the Twelve? in Nogalski, J. D. & SWEENEY, M.A. Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL SS 15, 2000, 4. Ben Zvi pensa que sobre a citação de Sir 49,10 não é necessário seguir que os livros dos 12 livros proféticos tenham sido escritos em um único rolo. Sir 49,10 indica que os 12 profetas estavam entre os grandes homens do passado, junto com Jó (Sir 49,9), Ez (Sir 49,8), Zorobabel (Sir 49,11) e outros. Sir 49,10 aponta também para uma clara e importante abordagem desses 12 profetas, a saber, principalmente, aqueles que confortaram Israel. Do fato de que Sir 48,10 cita Ml 3,23-24 não segue que Ben Sira conhecesse a coleção dos Doze na sua forma essencialmente completa (Cf. Jones Formation p. 8), a menos que se assuma previamente que Ben Sira não poderia ter tido acesso aos livros separados. Ben Zvi não considera que esta evidência seja útil para o estudo da composição, redação e, acima de tudo, para reconstruir o caminho no qual esses livros proféticos foram lidos e (re)lidos dentro das comunidades para as quais eles foram escritos. Cf. Ben Zvi, “Twelve Prophetic Books or “The Twelve”: A Few Preliminary Considerations”. in J. W. Watts – P. R. House, Forming Prophetic Literature, JSOT 235: Sheffield, 1996, p. 125-156, 130. Já Herbert Marks parece pensar que Sirácida se refere aos livros e não aos profetas. Cf. MARKS, Herber, “The Twelve Prophets”, p. 207. 56 Cf. REDITT, P. “The Production and Reading of the Book of the Twelve”, 26, in Nogalski, J. D. & SWEENEY, M.A. Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL SS 15, 2000.

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foram dispersados por ocasião das perseguições religiosas realizadas por Antíoco

IV e novamente reunidos por Judas Macabeu. Tais livros estavam novamente à

disposição de quem pudesse deles precisar, como conclui a carta: “Se precisarem

de algum deles, mandem alguém buscá-los” (2 Mc 2,15). Os livros sagrados dos

judeus que estavam sendo protegidos e divulgados neste período (séc. II a.C.),

segundo o nosso conhecimento, são os da “Lei, dos Profetas e os outros livros dos

Pais”57.

Outras referências bíblicas podem ser conferidas no NT, no qual

encontramos várias passagens dos Profetas Menores, como as próprias palavras de

YHWH. Em três ocasiões é citado o texto do livro dos Doze pelo nome individual

do profeta: duas vezes em Romanos, referindo-se a Oséias (9,25-26); e uma vez

em Atos dos Apóstolos, referindo-se a Joel (2,16-17). Uma referência explícita ao

Livro dos Profetas encontra-se em At 7,42-43 “como está dito no livro dos

Profetas”. Ainda no livro dos Atos dos Apóstolos, encontramos: “as palavras dos

profetas” (At 15,15); “o que está dito no livro dos Profetas” (At 13,40-41). O uso

do termo na forma de plural mostra que provavelmente esta se refere ao livro dos

Doze, indicando assim que os escritores do NT conheceram os Profetas Menores

como uma única unidade literária.

Entre os textos extrabíblicos convém recordar 2 Esdras 14, 44-45, em que

os Doze parecem ter sido contados como um entre os 24 livros que Esdras disse

haver ditado e publicado; e 4 Esdras 1,39-40, que elenca os Doze, seguidos dos

três Patriarcas (Abraão, Isaac e Jacó) como líderes do povo do Oriente58. Este

segue a ordem da LXX. Lives of the Prophets, cuja lista Os, Mq, Am, Jl, Ab, Jn,

Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml também segue a LXX, exceto pela ordem de Miquéias,

que precede Amós em vez de segui-lo. Este trabalho lista os eventos em torno da

morte e enterro de cada um dos Doze Profetas. Martyrdom and Ascension of

Isaiah 4:22, um apócrifo cristão que se uniu ao gênero literário da profecia e da

história veterotestamentária, datado do séc. III d.C., elenca os nomes dos Doze

Profetas Menores na seguinte ordem: Am, Os, Mq, Jl, Na, Jn, Ab, Hab, Ag, Sf,

Zc, Ml. Esta ordem inverte o livro de Amós e Oséias. Ainda que não siga nem o

57 Tal mensagem nos faz supor que havia matrizes dessas escrituras, e que os judeus tinham não só acesso a elas, como podiam obter cópias delas. Cf. MILLER, J. W., As origens da Bíblia, Repensando a História Canônica, Coleção Bíblica, Loyola 41, São Paulo: Loyola, 2004, p. 31. 58 “The context of this listing is concerned more with the prophets as individuals than with their literary remains.” Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, p. 11.

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TM nem a LXX, é mais próxima desta última. Embora seja possível que as

seqüências variantes em Lives of the Prophets e Martyrdom and Ascension of

Isaiah sejam baseadas sobre testemunhas textuais, elas parecem ser mais casuais

ao listarem os nomes individuais dos ‘profetas do que um arranjo textual

alternativo dos livros proféticos. Estes testemunhos refletem mais a seqüência

encontrada na tradução dos LXX do que a do TM e isto nos faz pensar no status

autoritativo que o texto da LXX possuía na Antigüidade59.

Todas essas referências citadas acima, relacionadas ao livro dos Doze,

tentam demonstrar a continuidade durante vários séculos do tratamento do livro

dos Doze como um único livro. Tais citações também confirmam que o livro dos

Doze foi intimamente relacionado, na Antigüidade, com a preservação dos livros

Hebraicos tidos como sagrados. Tanto a unidade dos Doze quanto seu antigo

status bíblico são atestados nos manuscritos antigos. Baseando-se nesses dados

que provém da tradição, que alguns estudiosos sustentam a unidade dos Doze

caracterizando-a de dois modos: ou como o resultado de uma composição

redacional (diversos editores terão feito inserções que criaram estruturas, relações

temáticas e verbais entre os livros); ou como o resultado de uma compilação

editorial (um editor final recolheu os livros em um só volume, devido às relações

já existentes).

Na visão de Ben Zvi60, mesmo que se considere o argumento no qual se

admite que os Doze livros proféticos ou seus precursores haviam sido produzidos

na forma de um único rolo desde o período Aquemênida ou mesmo no início, isso

não significa que eles teriam sido (re)lidos como uma unidade literária unificada.

Em outras palavras, um rolo não expressa necessariamente uma única unidade

literária que foi, e tem sido, (re)lido como tal61. Para ilustrar tal afirmação, o

Pesharim de Qumran sustenta um exemplo óbvio da antiga comunidade, que tinha

consciência do fato de que os 12 livros proféticos foram escritos em um rolo, mas

59 Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, pp. 11-12 60 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or “The Twelve”, p. 131. 61 Significativamente, o fato de que alguns livros foram escritos em diferentes rolos não rejeita a possibilidade de que eles foram (re)lidos como pertencentes a uma coleção de textos relacionados (cf. o Pentateuco ou mesmo a chamada História Primária (que é Gn-2 Rs). Em outras palavras, não se pode reconstruir antigas estratégias de leituras apenas - ou principalmente - na base do critério de um rolo X muitos rolos. Cf. toda a discussão sobre quais livros podem ser incluídos em um rolo na literatura rabínica,- por exemplo, Soferim 3.

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ainda considerados trabalhos separados62. Além disso, cada um dos livros dos

Profetas Menores possui – excetuando o livro de Jonas – um título próprio que

pode ser comparado com o livro de Isaías ou de Jeremias.

Dessa maneira, os testemunhos citados acima podem indicar apenas que

esses livros foram vistos como uma unidade escrita, nada mais do que isto63.

Apesar da unidade deste Corpus obter cada vez mais o sufrágio e o sustento dos

críticos, a resposta de Ben Zvi64 para a questão de um único livro pode ser

parafraseada como segue: “one long, self-contained scroll, yes; one grand, unified,

literary Corpus, no”. Ele ainda faz algumas observações: O livro dos Doze, nem

no TM ou na LXX, ou em qualquer outra ordem, pode ser lido como uma

unidade, se se escolhe tal estratégia de leitura. Mas, dessas observações óbvias,

não se pode dizer que o antigo judeu ou israelita da unidade de escritores e

(re)leitores responsáveis pela literatura profética presente na Bíblia Hebraica,

atualmente, seguiu essa estratégia. Certamente, não confirma esta observação que

os Doze livros proféticos foram intencionalmente escritos ou editados a fim de

transferir um sentido de unidade fechada entre eles, que os coloca à parte como

uma unidade de outros livros proféticos, a saber, Isaías, Jeremias e Ezequiel. Para

este autor o livro dos Doze é uma coleção de livros individuais com arranjos

variados em lugar de um único trabalho de forma definitiva.

É preciso notar ainda que este estudo sobre a unidade dos Doze se faz objeto

de vários “status quaestionis” recentes que são muito completos e elaborados por

B. A. Jones65 (de Budde em 1922 à Nogalski em 1993) e D. Scaiolla66 (de

62 Ver especialmente 1QpHab e 4Qp Nah; M. H. Horgan, Pesharim: Qumranic Interpretations of Biblical Books (CBQ MS 8; Washington, DC: The Catholic Biblical Association of America 1979). De fato, Pesher Habacuc parece sugerir uma abordagem exegética que focaliza nas unidades marcadas textualmente, mesmo se elas estão abaixo da camada do “livro” e inútil dizer do rolo, por ele não conter referências para a oração de Habacuc (isto é, Hab 3). A asserção de Jones de que a “unidade dos Doze” é menosprezada na literatura Qumran, a despeito de sua admissão de que não há referência específica nesta literatura para a existência dos Doze como uma coleção unificada, é fortemente colorido pelas suas suposições concernentes aos 12 e uma suposição insinuada de que um rolo deve significar um livro – veja JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, pp. 9-10. 62 O texto em B. Bat 13b é geralmente mencionado como um argumento que mantém a suposição de que os 12 livros proféticos foram considerados para serem uma unidade literária no tempo Talmúdico (por exemplo, Jones, B. A. The Formation of the Book of the Twelve, 3. 63 Tais práticas dos escribas podem presumir, mas não declaram explicitamente que esses livros foram vistos como uma única entidade literária. Os rolos, eles mesmos, não preservam qualquer título à parte daquelas subscrições canônicas individuais. Cf. PETERSEN, D., “A Book of the Twelve?”, p. 4. 64 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophets”, p. 130. 65 Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, pp. 14-42.

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Bosshard em 1987 à Schart em 1998). Estes autores relacionam algumas

indicações para o estudo dos Profetas Menores, que serão aqui considerados como

ponto de partida. Também será levado em conta um artigo de Ben Zvi67 que

oferece um levantamento da pesquisa recente, com especial atenção aos estudos

de Schart.

Vários comentários dão à pesquisa atual um novo enfoque sobre a unidade

do livro dos Doze. O nosso trabalho será, então, apresentar as opiniões dos

diversos autores que discorrem sobre tal assunto, com as devidas avaliações sobre

essas considerações; e opinar sobre a evidência ou não da existência de um único

livro dos Doze. Um estudo mais detalhado e centrado exclusivamente sobre o

lugar de Miquéias no conjunto dos Doze será proposto no próximo capítulo.

2.5 Status quaestionis sobre a unidade dos Doze – evolução da história da pesquisa dos Doze

O Livro de Miquéias está sendo estudado, nos dias de hoje, em sua relação

com os outros “pequenos profetas”, o que decorre do fato de que, nas últimas

décadas, tem sido imposta na pesquisa veterotestamentária a pergunta se esses

doze escritos são independentes ou se formam um único livro68. A resposta a esta

questão tem conseqüências hermenêuticas, na medida em que sua concretização

66 Cf. D. SCAIOLA, “Il Libro dei Dodici Profeti Minori nell’esegesi contemporânea. Status Quaestionis”, Rivista Bíblica 48 (2000) 319-334. 67 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or “The Twelve”: A Few Preliminary Considerations”. in J. W. Watts – P. R. House, Forming Prophetic Literature, JSOT 235: Sheffield, 1996, pp. 125- 156. E. Ben Zvi representa, na exegese moderna, a tendência minoritária que é reticente a reconhecer a unidade dos Doze. 68 Existe hoje uma coletânea de artigos a respeito da problemática da unidade dos Doze Profetas. Cf. NOGALSKI, D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL 15, Atlanta, 2000. Ver também os trabalhos de: SCHNEIDER, D. A., The Unity of the Book of the Twelve, Ph. D. Yale University, 1979; LEE, A. Y., The Canonical Unity of the Scroll of Minor Prophets, Ph. D. Baylor University, 1985; BOSSHARD, E., “Beobachtungen zum Zwölfprophetenbuch”, in BN 40 (1987) 30-62; HOUSE, P. R., The unity of the Book of the Twelve, JSOTSup 97, Sheffield, 1990; BOSSHARD, E. & KRATZ, R. G., “Maleachi im Zwölfprophetenbuch”, in BN 52 (1990) 27-46; NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, BZAW 217, Berlin- New York, 1993; NOGALSKI, J., Redactional Processes in the Book of the Twelve, BZAW 218, Berlin- New York, 1993; JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve. A Study in Text and Canon, SBLDS 149, Atlanta, 1995; WATTS, J. W., & HOUSE, P. R., (éd) Forming Prophetic Literature: Essays on Isaiah and the Twelve in Honour of John D. W. Watts, JSOTSup 235, Sheffield, 1996; REDDIT, P. L., “The Production and Reading of the Book of the Twelve” in SBL.SP 36 (1997) 394-419; SCHART, A., Die Entstehung des Zwölfprophetenbuches. Neubearbeitungen von Amos im Rahmen schriftenübergreifender Redaktionsprozesse, BZAW 260, Berlin – New York, 1998; SCHART, A., “Redactional Models: Comparisons, Contrast, Agreements, Disagreements”, in SBL. SP 37 (1998) 893-908.

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exigirá, ou não, que cada um dos escritos , no caso concreto- Miquéias –, seja lido

não por si, mas como parte de um todo, o assim chamado “livro dos Doze

Profetas”.

Para situarmos a presente pesquisa, apresentaremos em primeiro lugar o

status quaestionis sobre a unidade dos doze Profetas.

2.5.1 Status quaestionis sobre a unidade dos Doze – evolução histórica da pesquisa dos Doze

Atualmente, as expectativas em relação à leitura dos livros dos Doze

Profetas Menores mudaram e permanecem em processo de mudança: os exegetas

cada vez mais destacam a unidade deste Corpus profético e falam sobre “o livro

dos Doze”. Até há pouco tempo havia escassos estudos que enfocavam a leitura

de cada um desses livros proféticos como uma unidade literária. Entretanto,

recentemente, houve um notável desenvolvimento nesse sentido, parece que os

autores querem sugerir uma mudança de paradigma69.

Nosso estudo não pretende somente apresentar a pesquisa dos diversos

autores, mas também fazer perceber as suas acentuações, sua estrutura interna,

seus ganhos, bem como as suas possíveis inconsistências. Para melhor avaliar as

propostas das diferentes linhas de pesquisa, que defendem a unidade dos Doze

livros proféticos, distinguimos basicamente duas grandes abordagens: o livro dos

Doze, visto como uma composição redacional (composição esta que procura

delinear a história das redações sucessivas do conjunto); e o livro dos Doze, visto

como uma compilação literária (estudando, pois, como os livros se uniram uns

com os outros até a forma com que os verificamos).

Pode-se observar que a maioria dos autores tem como preocupação destacar

o desenvolvimento do livro dos Doze nas suas diferentes fases até atingir a sua

forma final; para tal considerando-o em seu processo redacional, realizado por

69 “If this claim is indeed accepted, then a substantial shift in the historical-critical study of prophetic literature will follow because much of the present research is focused on a literary Corpus that is conceptualized as incluinding (at least) fifteen essentially separate prophetic books, each one with its distinctive compositional and/or redactional history and its particular messages.” Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or `The Twelve”: A Few Preliminary Considerations". In: HOUSE, P. R. & WATTS, J. W. (eds): Forming Prophetic Literature: Essays on Isaiah and the Twelve in Honour of John D. W. Watts. JSOT SS 235: Sheffield Academic Press, 1996, 125-156, p. 126.

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editores diversos, responsáveis pela reelaboração dos escritos, criando novas

estruturas, relações temáticas e verbais. Entre os autores que se encontram nesta

linha de estudo da composição redacional destacamos: Schneider (1979);

Bosshard (1987/1997); Kratz (1990); Steck (1991); Collins (1993); Nogalski

(1993); Jones (1995); Redditt (1996); J. Jeremias (1996); Schart (1998). Estes

estudiosos não excluem a atenção aos livros individuais ou mesmo às mensagens

individuais dos profetas, mas propõem, além de uma leitura diacrônica, uma

leitura globalizante de todo o conjunto, por vezes ligada à abordagem canônica

dos livros. Em suas observações apontam para o processo complexo da formação

do livro dos Doze, que julgam estender-se por um vasto período e atribuído a

vários indivíduos. Alguns deles, D. A. Schneider (1979); E. Bosshard

(1987/1997); J. Nogalski (1993); J. Jeremias (1995); B. A. Jones (1995); P. R.

Redditt (1996) consideram ambos procedimentos, ou seja, enfocam tanto o

aspecto da composição redacional quanto o aspecto da compilação literária.

Os autores que se preocupam com o estudo da compilação literária dos Doze

Profetas, mostram de que maneira os materiais pré-existentes, já praticamente

compostos, foram reorganizados na coleção, a fim de unir os livros num só

volume, devido às afinidades literárias, temáticas e estruturais. Esta descrição

inclui tanto os autores,que empregam o método do estudo literário quanto aqueles

que enfocam a unidade canônica dos pequenos escritos. Entre os autores, que

abordam essa perspectiva literária, apontamos J. Nogalski (1993), que levou os

leitores a observarem, de forma singular, a presença de palavras-chave entre os

livros dos Doze. Segundo ele, teriam sido conscientemente colocadas com o

intuito de unir os escritos. 70 Outros críticos, tais como D. A. Schneider (1984), P.

R. House (1990), A. Schart (1993), J. Jeremias (1995), P. L. Redditt (1996/2000),

R. Rendtorff (1997), D. L. Petersen (2000)71, também postulam que as palavras-

70 O interesse por este estudo já havia sido iniciado por F. Delizsch, Cf. DELITZSCH, F., “Wann weissagte Obadja? ZLThK 12 (1851) 92-93; retomado mais tarde, por CASSUTO, U., “The Sequence and Arrangement of the Biblical Sections” (1947), in Biblical and Oriental Studies, Vol. 1, Jerusalem, 1973, pp. 5-6. 71 Cf. SCHNEIDER, D. A., The Unity of the Book of the Twelve; JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, NOGALSKI, J., Literary Precursors; Redactional Process, “Intertextuality and the Twelve” in WATTS, J. W. & HOUSE, P. R., Forming Prophetic Literature, pp. 102-124.

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chave (catchwords) foram empregadas com a finalidade de unir os escritos, que

seriam preteridos pelos redatores72.

2.5.2 O Livro dos Doze visto como uma composição redacional

A interpretação dos Doze se faz principalmente em função do processo de

composição da redação, através do qual se deseja reconstruir a forma final da

coleção profética. Os autores, que analisaram a unidade do livro dos Doze como

uma composição redacional, consideraram principalmente o trabalho dos editores,

que unificaram os escritos dos Profetas Menores, compondo numerosas inserções

textuais, com a intenção de criar relações estruturais e temáticas entre os livros.

Entre os pioneiros desta pesquisa, é preciso citar H. Ewald (1898) e C.

Steuernagel (1912), que procuraram explicar a formação dos Doze a partir dos

títulos dados aos livros pelos editores73. Esses autores chegaram a um acordo após

o estudo das hipóteses levantadas, e procuraram reconstruir a coleção dos livros

proféticos nos períodos pré-exílio e pós-exílio H. Ewald afirmou, baseado nos

títulos, que a constituição dos Doze livros realizou-se em três etapas: a primeira

estaria situada no séc.VII, contendo as obras de Joel, Amós, Oséias, Miquéias,

Naum e Sofonias. A segunda redação teria acontecido após o exílio e reuniria os

livros de Abdias, Jonas, Habacuc, Ageu e Zacarias 1-8, ao mesmo tempo, que

teria modificado a ordem da seqüência dos livros no corpus já constituído. A

terceira etapa dataria dos últimos anos de Neemias e uniria os livros de Zacarias

9-14 e de Malaquias.

C. Steuernagel distingue sete etapas: no início teria existido, na época de

Josias, um conjunto de livros que agruparia Oséias, Miquéias e Sofonias. Durante

o exílio, teria sido acrescentado o livro de Amós. Em uma terceira etapa, teria

72 Todas as vezes que aparecer palavras-chave refere-se a catchwords. 73 Cf. EWALD, H., Die Propheten des Alten Bundes erklärt, vol 1 (Göttingen: Vandenhoeck and Ruprecht, 18682) 74-82. STEUERNAGEL, C., Lehrbuch der Einleitung in das Alten Testament, (Tübingen: J. C. B. Mohr, 1912) 669-672. No início do séc. XX, a ciência referente ao AT parece ter encontrado o seu apogeu: a crítica literária com tudo o que ela comporta de deduções. Esta crítica conduziu a grandes descobertas, e muitas vezes se mostrou exagerada e arbitrária, levando a uma fragmentação radical do texto sagrado. O volumoso Manual de l’introduction à l’Ancien Testament, avec un appendice sur les Apocryphes et les Pseudépigraphes de C. Steuernagel, em 1912, parece representar esta tendência. Van de Ploeg elenca outras obras importantes, nas quais se conclui que uma teologia do AT dominava as pesquisas bíblicas. Cf. J. VAN DER PLOEG, “Une théologie de L’Ancien Testament est-elle Possible?”, ETL 38 (1962) 417- 434, 418.

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havido a adição de Ageu e Zacarias 1-8, por volta do ano 500 a.C. A quarta etapa,

antes de 300 a.C., conteria a composição primitiva de Naum (cap. 2-3); na quinta

etapa, teria se dado a adição de Habacuc com o primeiro capítulo de Naum, em

torno do ano 300 a.C.; pouco depois, viria a sexta etapa, com Zacarias 9-14.

Enfim, a última camada viria unir Joel, Abdias e Jonas durante o séc. III a.C.

O primeiro estudo da questão da redação e da compilação da coletânea dos

Doze foi publicado em 1921 por Karl Budde74. Segundo o autor, teria existido no

séc. IV a.C. um trabalho de redação sistemática reunindo o atual corpus dos Doze

– que teria consistido essencialmente na eliminação das seções narrativas, aquelas

que particularmente tratam da vida dos profetas – seções biográficas ou

autobiográficas (discursos na primeira pessoa), para somente manter as palavras

de YHWH. Assim, teria existido um processo editorial cujo objetivo seria fazer

prevalecer somente a palavra de Deus e suprimir as palavras meramente humanas.

Com este propósito, a redação produziu uma coleção dos materiais proféticos

sagrados convenientes para serem aceitos e inseridos no corpus dos escritos

sagrados. Tal redação tentaria amenizar os grupos precursores, como os dos

Samaritanos e os dos Saduceus, que teriam apenas a Torah como autoridade. Na

opinião desse autor, a redação, que possivelmente teria ocorrido ou no séc. IV ou

no séc. III a.C., foi anterior à tradução grega dos Profetas Menores e à adição do

livro de Jonas cuja narrativa é contrária ao objetivo da redação. Restaram ainda

algumas passagens de “materiais biográficos” que se encontram nos textos de Os

1-3, Am 7,7-14, Mq 2,6-11, Jl 2, que Budde denominou “resíduos”. Assim,

segundo ele, Jonas se uniu aos outros livros por último, visto seu caráter narrativo.

Esta união ocorreu para que se formasse o número sagrado de Doze.

Subseqüentemente, a tese de Budde é aprofundada por R. E. Wolfe75.

Melhor que descrever o livro dos Doze como um resultado da supressão das

tradições proféticas, como Budde sugeriu, Wolfe enfocou os livros como uma

construção redacional, ou seja, o resultado de uma série de adições editoriais,

distinguindo os livros individualmente, cada qual com suas características

próprias. O autor também separou os materiais, classificando-os como

74 Cf. BUDDE, K., “Eine folgenschwere Redaktion des Zwölfprophetenbuchs”, ZAW 39 (1921) 218-229. Este autor que viveu de 1850 à 1935, é um dos representantes mais ilustres da escola histórico-crítico, na linha de J. Wellhausen (1844-1918) e A. Kuenen (1828-1891). 75 Cf. WOLFE, R. E., “The Editing of the Book of the Twelve”, ZAW 53 (1935) 90-129.

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“autênticos” e “secundários”. Depois comparou os materiais “secundários” em

similaridade de conteúdo, linguagem e contexto histórico. O resultado foi uma

série de sucessivas edições, descritas em treze fases editoriais, datadas entre os

anos 650 a 175 a.C, nas quais aquelas profecias, isoladas na coleção, foram

reunidas em um único livro76.

Ele propõe a seguinte explicação redacional para a composição dos Doze: os

fragmentos até então considerados como comentários seriam adendos não a livros

isolados, mas ao conjunto como um todo. O autor fala explicitamente do livro dos

Doze, no singular. Ele descreve as diferentes etapas que conduziram à

constituição do livro, em uma estrutura tripartida de grandes coletâneas: o acervo

básico pré-exílio ter-se-ia iniciado com um editor judeu do livro de Oséias, em

torno de 650 a.C., e terminado com os escribas, entre os anos 200 a 175 a.C., os

quais teriam feito pequenas mudanças que resultariam nas diferenças entre os

textos do TM e a versão LXX77. Na sua maneira de narrar a formação dos livros,

no período pré-exílio, o livro de Oséias e de Amós ter-se-iam unido, formando um

conjunto de dois, posteriormente ampliado, durante o exílio, com Miquéias,

Naum, Habacuc e Sofonias, formando uma coleção de seis livros. Mais tarde, por

volta do ano 300 a.C., teria havido o acréscimo de Joel, Jonas e Abdias, formando

um conjunto de nove livros e, finalmente, os Doze com Ageu, Zacarias 1-8,

Malaquias e Zacarias 9-11 e 12-14.

76 Eis os treze estratos editoriais: 1) Iniciou com um editor judeu do livro de Oséias (em torno de 650); 2) um editor que se opôs aos lugares altos (entre 621 e 586), re-trabalhou as profecias de Oséias e Amós na linha da reforma de Josias; 3) No final do exílio ocorreu a união da coleção dos seis livros: Oséias, Amós, Miquéias, Naum, Habacuc e Sofonias (540-500); 4) Um acréscimo de um editor, que particularmente se opunha aos povos vizinhos de Israel (500-450); 5) O tema do messianismo (520-445), no qual se vê nuances em Isaías, Miquéias, Ageu, Zacarias (cf. Is 9,1-6; 11,1-9; Zc 9,9-10; Mq 5,1.2b-3; 7,11-12); 6) Os editores da escola nacionalista (entre os anos 360-300); 7) O teológico tema “Dia de YHWH” que Budde situa após Joel (por volta de 325); 8) Os escatologistas (entre 310 e 300), caracterizados pelo uso freqüente da fórmula “nestes dias” ou “naqueles dias”. Segundo o autor, eles teriam unido, junto à coleção dos seis, os livros de Joel, Abdias e Jonas, dando lugar a um livro novo; 9) O doxologista que os uniu se distingue bem claramente em Amós (cf. 4,13; 5,8-9; 9,5-6); 10) Um editor anti-idolátrico cujas adições se encontram em vários livros, mas sobretudo em Oséias, onde ele ataca o bezerro de Samaria (Os 8,5.6; 10,5-6 a; 13,2; 10,10); 11) O editor salmista (entre 275 e 250), que trabalha sobre o livro dos nove, unindo aqui e lá alguns pedaços hínicos ou de Salmos inteiros; 12) Intervenção dos primeiros escribas, redatores do Pentateuco e editores dos Doze, com Malaquias 3,22-24 como conclusão. O trabalho destes escribas é colocar, antes, o Sirácida, e, então, pensa Wolfe, antes de 200 a.C., mais precisamente entre 250 e 226; 13) Enfim, os escribas das escolas mais tardias contribuíram com algumas modificações, refletidas nas diferenças entre os textos da TM e da LXX, para a canonização dos Doze entre 200 e 175. 77 A aceitação do livro dos Doze como canônico, datado por Wolfe aproximadamente no ano 200 a.C., evitou quaisquer outras emendas para o que seria um texto santo. Cf. JONES, B. A., The Formation of The Book of The Twelve, p. 17.

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Oséias e Amós, como o acervo básico, acrescidos do livro de Miquéias,

visam, principalmente, a Israel e Judá. Em seguida, o livro de Abdias, que prediz

contra a destruição de Edom; o livro de Jonas, cuja pregação favorável a Nínive é

anulada por Naum e Habacuc, que objetivam a destruição dos assírios e dos

babilônios. Os livros de Joel e de Sofonias contêm oráculos contra as nações –

estes dois profetas do “Dia de YHWH”78, fazem a transição entre a primeira e a

terceira seção, que é composta pelos livros de Ageu, Zacarias e Malaquias, os

quais propõem claramente uma perspectiva de restauração.

A pesquisa na perspectiva da crítica redacional da unidade dos Doze tornou-

se menos importante nas décadas seguintes da dissertação de Wolfe79. Porém,

estudos recentes, têm novamente tomado a questão da história da redação do TM

do Livro dos Doze. Esta questão, agora renovada com o emprego de uma

metodologia mais sofisticada, tem realizado melhor descrição da história editorial

dos textos do que os estudos anteriores. Tal metodologia refere-se à história do

texto como um documento escrito, desde a sua primeira camada composicional

78 Esta notável camada descrita por Wolfe do “Dia de YHWH” contém as seguintes passagens: Am 4,12b; 5,13.18c.20; Ab 1,15a; Jl 1,15; 2,1d-2b.10-11; 3,1-5; 4,1-3.12.14-17; Sf 1,7-8a.14-16.18c; 2,1-3; 3,8b-e. Isso significa que quase todas as passagens que contêm a frase “Dia de YHWH” pertencem a essa camada. Cf. WOLFE, R. E., “The Editing of the Book of the Twelve”, p. 103. 79 Schneider pensa de modo similar a Wolfe; argumenta em favor de quatro etapas: a base da coleção dos Doze foram os livros de Oséias, Amós e Miquéias, profetas do tempo de Ezequias. No tempo da reforma de Josias, Naum, Habacuc e Sofonias foram adicionados à primeira coleção, durante o período exílico. Joel (que foi escrito no período pré-exílio), Abdias e Jonas, sendo que Abdias foi adicionado ao final de Amós como um fim adequado para este, e Joel; Jonas foi colocado na frente da coleção sobre a Assíria, e finalmente no tempo de Neemias, Ageu, Zacarias e Malaquias foram adicionados. Cf. SCHNEIDER, D. A, “The Unity of the Book of the Twelve”, pp. 154-162. Já Nogalski atribui uma atividade redacional mais extensa para o acréscimo do livro de Joel. Havia uma coleção já existente do “corpus deuteronomista” (Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias) que foi combinado com Naum, Habacuc, Ageu e Zacarias 1-8, Joel e Malaquias. Somente mais tarde, Jonas e Zacarias 9-14 entraram na coleção. Cf. NOGALSKI, J. D., “Literary Precursors to the Book of the Twelve”, pp. 276-282 e “Redactional Process in the Book of the Twelve”, pp. 274-280. Schart assume mais um passo neste processo de desenvolvimento do livro dos Doze. No início, havia uma primeira combinação de Oséias e Amós, e nos passos seguintes, ele concorda com Nogalski - deve ter havido um corpus deuteronomista (Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias) no qual foram inseridos os livros de Naum e Habacuc. Mais tarde, Ageu e Zacarias 1-8 foram introduzidos. Subseqüentemente Joel, Abdias e Zacarias 9-14 foram adicionados. Finalmente, Jonas, como uma narrativa satírica, e Malaquias completaram o corpus profético. Cf. SCHART, A., “Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs”. Neubearbeitungen von Amos im Rahmen schriftenübergreifender Redaktionsprozesse. BZAW 260, Berlin / New York: de Gruyter, 1998, pp. 304-306.

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até sua última glosa textual. Esse trabalho seria realizado mediante uma análise

crítico-literária das várias camadas da composição do texto80.

A descrição desenvolvida por P. Weimar81 da história da redação do livro de

Abdias representa essa nova tentativa de explicar o trabalho redacional do livro

dos Doze. O autor identifica nesse livro seis camadas de composição redacional.

Ao comparar as últimas camadas redacionais com a linguagem supostamente

secundária encontrada no livro dos Doze, ele sugere que a composição da forma

final do livro de Abdias teria sido conectada com o contexto maior do livro dos

Doze. Esta afirmação se baseia nas referências verbais cruzadas com outros textos

redacionais inseridos no corpus profético.

Baseando-se nessa abordagem realizada por Weimar, E. Bosshard82, em

suas observações sobre o livro dos Doze, publicadas em 1987, comparou-se a

estrutura dos Doze com o livro de Isaías no TM, como uma base para entender a

formação do corpus profético como um todo83. Em suas observações, o autor

notou um íntimo paralelismo no conteúdo e na estrutura desses livros,

identificando três textos significativos dos Doze a formar um elo com Isaías – Jl

1,15; 2,1-11; Ab 5-6, 15-16 e Sf 2,13-15 e 3,14-18. Com base na forma

Stichwörter (palavras importantes) presente nesses textos, o autor conclui que elas

tinham o objetivo de unificar o livro dos Doze de modo a refletir a estrutura

paralela de Isaías. Em particular, o início de Isaías (1,1) e de Oséias (1,1 - o

primeiro dos Doze) e o fim de Isaías (66,18) e de Zacarias (14,66 - o último

profeta antes do acréscimo de Malaquias e Jonas) são estreitamente paralelos. Os

redatores não teriam elaborado uma organização nova para os Doze, mas teriam

ordenado e estruturado o material textual já existente através de uma simples

80 Na avaliação de Jones, esta metodologia foi primeiramente utilizada por H. Barth e O. Steck. Cf. BARTH, H. e STECK, O., Exegese des Alten Testaments, 4th edition, Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1973. Apud in JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, 19. 81 Cf. WEIMAR, P., Obadja: Eine redaktionskritische Analyse, BN 27 (1985) 35-99, pp. 94-99 82 Cf. BOSSHARD, E., Beobachtungen zum Zwölfprophetenbuch”, BN 40 (1987) 30-62. 83 Além de Bosshard afirmar que há em ambos os mesmos processos redacionais: ver também, CONRAD, E. W., “The End of Prophecy and the Appearance of Angels/Messengers in The Book of the Twelve”, JSOT 73 (1997) 65-79; STECK, O. H. The Prophetic Books and their Theological Witness, Chalice Press, St. Louis, Missouri, 2000; COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, In The Mantle of Elijah: The Redaction Criticism of the Prophetic Books, The Biblical Seminar 29, Sheffield: JSOT Press, 1993. Todavia, em 1790, Johann Gottfried Eichhrn em seu estudo Einleitung ins Alte Testament. Zweite vermehrte und verbesserte Ausgabe Reutlingen, apresentava um paralelo na história da redação do livro de Isaías e os escritos dos Doze Profetas Menores. Isso quer dizer, que a hipótese desses pequenos escritos relacionados com o livro de Isaías é bem mais

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adaptação redacional, de modo a criar uma estreita ligação com o livro de Isaías.

Todavia, Bosshard reconhece alguns elementos que não entram neste paralelismo:

trata-se da seção de Is 36-39, a teologia de Deutero-Isaías, o opúsculo de Jonas, a

seção de Zc 9-14 e o livro de Malaquias. Na sua análise, os livros de Jonas e

Malaquias não constam neste paralelo porque pertencem a uma camada redacional

tardia, ou seja, representam uma expansão redacional subseqüente, que moldou as

fases finais do livro dos Doze. Ao considerar os paralelos entre o livro de Isaías e

o livro dos Doze, Bosshard pensa que é o livro dos Doze que segue o vocabulário

e os motivos de Isaías, e que os textos de Isaías dos quais dependem as passagens

paralelas dos Doze possuem a mesma história editorial84. Daí a hipótese de que o

livro de Isaías e o livro dos Doze teriam recebido a sua redação final de um

mesmo círculo de escribas.

Mais tarde, Bosshard e R. G. Kratz85 propuseram um conjunto de reflexões

sobre o lugar do livro de Malaquias no livro dos Doze. Os autores partiram da

hipótese da existência de três estratos de textos utilizados na composição de

Malaquias, que denominaram Malaquias I, II e III, indicando as referências desses

textos entre si, bem como a outros textos bíblicos, particularmente do Livro dos

Doze Profetas. Malaquias I (Ml 1,6-2,9 [sem 1,14] e 3,6-12) é o estrato básico ou

originário e apresenta-se como uma continuação, atualizada literária e

contextualmente, de Oséias 11-13, de Ageu e de Zacarias 1-8. Tal obra seria de

um autor que conhecia uma coleção constituída dos livros de Oséias, Amós,

Miquéias, Naum, Habacuc, Ageu e Zacarias 1-8. Os estratos II e III nascem de

correção e reescrita. O horizonte literário de Malaquias II (2,17-3,5; 3,13-21) teria

ampliado o de Malaquias I e abarcado também Zacarias 1-8.

Correspondentemente ao que acontece com Malaquias I, Malaquias II

apresenta igualmente referências cruzadas a Zacarias 9-14. Assim, através de sua

posição, estrutura e referências cruzadas, Malaquias II conecta-se intimamente

antiga! Esse autor também já usava o conceito de “antologia” para descrever o livro dos Doze como um todo. 84 O autor discute que Is 1-39 é produto de duas camadas redacionais parecidas com as que formam o livro dos Doze, isto é, uma camada assírio-babilônica que se desenvolveu no séc. VIII refletindo sobre a destruição de Jerusalém em 587 a.C., e uma camada babilônica composta no último período do séc. VI como uma reflexão da presença do rei Ciro da Pérsia e seu significado. Esses fatos sustentam a base para a reconstrução das fases do desenvolvimento do corpus profético, do séc. VIII ao final do séc. IV a.C. 85 Cf. BOSSHARD, E., & KRATZ, R. G., “Maleachi im Zwölfprophetenbuch”, BN 52 (1990) 27-46.

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com o escopo dos textos anteriores e o interpreta de uma maneira factualmente

nova. A terceira e última redação do livro seria responsável por unir os textos

conclusivos (Malaquias III – 1,1.14a; 2,10-12 e 3,22-24). Esse estrato parece

querer estruturar Malaquias I + II de uma nova maneira, na medida em que

relaciona com o povo aquilo, que antes era válido apenas para os sacerdotes; e na

medida em que fala claramente de uma continuidade em todo Israel, para quem

prevê e a quem previne que a possibilidade de unificação de todos, antes do

julgamento, deve permanecer aberta. A inclusão estaria em sintonia com a função

redacional de 3,22-24, por meio da qual se assinala não apenas o final do livro de

Malaquias e do Livro dos Doze Profetas, mas ainda se fornece uma observação

conclusiva a toda a parte canônica dos “Nebiim” e uma referência à “Torah”. Uma

vez que não temos mais profetas com as mesmas atribuições daqueles que

viveram no passado, temos a Lei. Neste texto final dos livros proféticos se reúnem

Moisés e Elias, a lei e a profecia. A missão do profeta é a reconciliação antes do

dia da vinda do Senhor. Os autores concluem que o último livro do

Dodekapropheton nem sempre foi um livro independente, mas sim um texto

burilado e revisado redacionalmente em diferentes níveis e à luz de diversos

horizontes, até atingir sua forma final.

Dando continuidade ao trabalho de Bosshard e Kratz, O. Steck86 tentou

descrever o último estágio redacional da formação do cânon profético. A sua

abordagem direciona-se à investigação histórica do desenvolvimento do livro e da

transmissão profética até o seu processo de formação final. Dessa forma, o autor

examina a inter-relação entre a história da composição do livro dos Doze e sua

formação paralela com o livro de Isaías. O autor sugere que Is 1-39 é produto de

duas camadas redacionais que são semelhantes às que formaram o livro dos Doze,

isto é, uma camada assírio-babilônica que se desenvolveu desde o séc. VIII,

refletindo a destruição de Jerusalém em 587 a.C., e uma camada Babilônica,

composta no final do séc. VI, que reflete sobre Ciro, rei da Pérsia, o conquistador

da Babilônia em 539 a.C.87

86 Cf. STECK, O. Der Abschluss der Prophetie im Alten Testament. Ein Versuch zur Frage der Vorgeschicte des Kanons. Biblish-Theologische Studien, 17 Neukirchen: Neukirchener, Verlag, 1991. Para um resumo deste livro, conferir REDDITT, P. L. “Zechariah 9-14, Malachi, and the Redaction of the Book of the Twelve”, in Forming Prophetic Literature, p. 248. 87 Gowan oferece como chave de leitura para os livros proféticos três momentos-chave da história israelita: a queda de Samaria em 722; a destruição de Jerusalém em 587; e a restauração do povo

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Steck aponta como poderiam ser discernidas as camadas redacionais: os

escritos de Is 1-34.36-39.40-55.60-62 e o livro dos Doze, com exceção de Zc 9-

14, já teriam existido no período Persa. As últimas adições do livro de Isaías e os

últimos materiais dos Doze (Zc 9-14) comportam as mesmas perspectivas

teológicas e históricas e pertenceriam a uma época posterior. Após a vinda de

Alexandre, o Grande, Zc 9,1-10,2 teria sido inserido entre Zc 8 e Ml 1. Depois,

entre os anos 320 e 315 a.C., Zc 10,3-11,3 teria sido unido com as adições aos

livros de Joel (4,16), Abdias (vv.15-21) e Sofonias (3,8.14-19). Por volta dos anos

311 a 302 a.C., data em que Steck situa as últimas adições a Isaías, os textos de Zc

11,4-13,9 foram unidos, seguidos de Zc 14 entre os anos 240-220 a.C. O livro dos

Doze receberia sua forma atual antes de Sirácida, entre os anos 220-201 a.C., no

momento em que vieram se unir as subscrições de Zc 9,1 e 12,1, assim como os

textos de Ml 2,10-12; 3,22-24.

Steck88 privilegia o modo de ler os livros proféticos como um todo,

enfatizando particularmente a maneira como os redatores apresentam a ação de

Deus na história. O foco deste autor está claramente no processo redacional final,

visto como uma unidade. Na sua opinião, pelo menos na compilação final dos

Doze, os livros já não podiam ser lidos separados, mas como uma composição

redacional. Em seguida, o autor explora os componentes teológicos do trabalho de

seus redatores, procurando o significado para o presente. Assim, os leitores

deveriam processar os livros proféticos seqüencialmente, na tentativa de descobrir

a intenção planejada do livro, e, ao mesmo tempo, seguindo as instruções da

leitura colocada pela mão do redator final, como o caminho histórico contínuo do

povo de Deus. Dessa forma, o leitor torna-se consciente do mundo particular do

povo de Deus. Essa visão apresenta o propósito da experiência de uma história

que aponta para os limites da humanidade, na perspectiva de um Deus que

encoraja os leitores a observarem a sua própria história.

de Deus com o Edito de Ciro em 538 a.C. O autor estrutura o seu livro ao redor desse paradigma histórico, sistematizando temática e cronologicamente o material bíblico. Na sua opinião, nenhuma reflexão teológica pode ter sucesso se não levar em conta tais momentos. Cf. GOWAN, D., Theology of the Prophetic Books, The Death & Resurrection of Israel, Louisville, KY: Westminster John Knox, 1998, p. 9. 88 Cf. STECK, O. H. Die Prophetenbücher und ihr Theologisches Zeugnis: Wege der Nachfrage und Fährten zur Antwort, translated by NOGALSKI, J., The Prophetic Books and their Theological Witness” St Louis, Missouri: Chalice Press, 2000, pp. 3-16.

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T. Collins89 propõe um modelo mais elaborado sobre o processo de

formação dos livros proféticos, considerando-os não simples textos, mas um

complexo único articulado internamente. O autor elabora algumas etapas

redacionais na formação do livro dos Doze: uma composição exílica, que

combinou Oséias, Amós (incluindo o cap. 9); Miquéias (incluindo os caps. 4-5);

Naum, Sofonias e Abdias na Babilônia; uma redação pós-exílico incitada pela

reconstrução do Templo e que adicionou Ageu, Zacarias 1-8 e, talvez, Jonas e

Joel; e a última etapa, com acréscimos a Sofonias (3,9-20), Habacuc, Malaquias.

Este autor supõe que Oséias e Amós devem ter sido unidos antes do primeiro

estágio e que Habacuc provavelmente teve uma prévia história redacional.

Considera ainda que a formação inicial dos primeiros escritos teria sido realizada

junto à comunidade judaica da Babilônia entre os anos 587-538 a.C. Após o

retorno do exílio, tornou-se necessário preparar uma revisão desses escritos que

foi realizada em paralelo com o livro de Isaías. Reflete-se nela o interesse pelas

relações com as outras nações, que está compreendida na perspectiva da

experiência da diáspora. Esse trabalho revisional pode vir datado em torno de 520-

515 a.C., e identificado como um livro muito próximo do atual, mediante o

acréscimo de Ageu, Zacarias 1-8 e, talvez, Jonas e Joel.

Com a finalização do Templo em 520 a.C., uma nova era, que mudava

continuamente – seja no sentido religioso seja no político – era inaugurada. A

apatia religiosa de alguns diante do fervor de outros conferiu ao livro dos Doze

pensamentos escatológicos muito próximos do livro de Isaías. O resultado foi uma

revisão ulterior, que incluiu os escritos de Habacuc, Malaquias e alguns

acréscimos a Sofonias. No final do longo processo, os Doze Profetas ter-se-iam

apresentado como um livro construído de modo semelhante a Is 1-66 quanto às

técnicas de composição e aos elementos fundamentais da temática.

A continuidade entre as seções é mantida pela recorrência de temas e

expressões verbais, que ocorrem, sobretudo no início e no fim das seções dos

diferentes livros. Entre os temas identificados pelo autor, os principais são: a

aliança e a eleição; a fidelidade e a infidelidade; a fertilidade e a infertilidade; o

pecado e a conversão; a justiça de Deus e a sua misericórdia; a soberania divina;

89 Cf. COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, pp. 59-64.

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assim como o lugar de sua morada (o Templo, o monte Sião), as nações na

qualidade de inimigas e as nações como aliadas.

Cada profeta une seu tema a todos os outros temas, ora em acordo, ora em

desacordo uns com os outros. Collins julga encontrar a unidade global, que pode

dar sentido a todos os diferentes aspectos: essas passagens podem ser ilustradas no

enfoque do Templo. Oséias acusa o reino Norte de adorar o bezerro de ouro no

Templo; Joel marca claramente que é no Templo em Jerusalém que ocorre a

verdadeira adoração a YHWH e chama ao arrependimento. Em Mq 3,12, o

Templo é condenado e, imediatamente, em Mq 4,1-4, é visto mais uma vez como

o centro do mundo para o qual todas as nações virão espontaneamente a fim de

aceitar a Torah como o caminho da paz universal. O texto de Sf 3,9-20 também

explora esse tópico. O Monte Sião deve estar limpo para servir a sua

responsabilidade escatológica e ser a casa da comunidade santa. Esse pensamento

vai em direção aos escritos de Ageu, Zacarias e Malaquias, especialmente Zc 8,

que outrora formara o fim da coleção (comparar Zc 8,3 com Sf 3,11.15).

Malaquias então reconhece que o futuro glorioso prometido a Sião é ainda

impedido pelo comportamento dos sacerdotes no Templo, que não fazem por

merecer o lugar verdadeiro onde o nome de Deus deve ser honrado. É interessante

a observação de Ml 1,6-7, que faz uso da metáfora do pai que ama o seu filho,

recordando o comportamento de YHWH em relação a Israel, do qual se fala no

início do livro dos Doze, em Os 11,1-2, de modo a concluir significativamente o

livro dos Doze90.

Jones91 avança em uma reconstrução diferente da ordem original dos Doze e

de suas subseqüentes trocas. O autor formula a sua hipótese sobre a formação dos

Doze mediante as evidências dos manuscritos antigos. De acordo com ele, pelo

menos dois estágios de compilação podem ser reconstruídos com alto grau de

probabilidade. Primeiro, os “onze livros”: todos, menos o livro de Jonas, que

completaria a coleção dos Doze. Segundo, as evidências textuais e literárias

sugerem que os livros de Joel e Abdias teriam sido adicionados a uma coleção

pré-existente de “nove livros” composta dos livros de Oséias, Amós, Miquéias,

Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Desse modo, pode-se

dizer que existiu no início um livro dos “nove” que compõem os Doze atuais

90 Cf. COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, p. 81.

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menos os três livros de Joel, Abdias e Jonas, mas já incluindo o texto de Zc 9-14.

Uma segunda edição teria inserido Joel e Abdias, no lugar que eles ocupam na

ordem LXX, dando lugar a um livro dos “onze”. Em seguida, foi unido o livro de

Jonas após Malaquias – assim como indica 4QXIIa – com um comentário

retrospectivo sobre a literatura profética à luz do atraso observado pelo castigo

prometido às nações. Enfim, logo que seu caráter profético foi reconhecido, Jonas

teria sido colocado no corpus profético para concluir o livro dos Doze.

Esta hipótese de Jones – a existência inicial de um livro dos “nove” –

ancora-ss no fato de que a seqüência destes livros não foi trocada nos manuscritos

da LXX e na tradição textual do TM. Além disso, há um alto grau de unidade

literária atestada dentro das três ordens arranjadas dos subgrupos de Oséias-

Amós-Miquéias, Naum-Habacuc-Sofonias e Ageu-Zacarias-Malaquias92. Jones

ainda observa que a informação cronológica dentro dos três subgrupos de profetas

no livro dos “nove” coloca uma moldura das mais importantes, similar à

cronológica que une os três maiores Livros Proféticos: Isaías, Jeremias e

Ezequiel93.

J. Jeremias94, ao investigar os precursores desse corpus profético, nota que

certamente pode-se argumentar que os escritos de Oséias e Amós outrora

formaram uma única composição95. Alguns textos de Oséias captam a linguagem

de Amós: a segunda metade de Os 4,15 (ameaça Israel e manda evitar os

santuários do Norte) se assemelha a Am 4,4; 5,5 e 8,14. A frase de Os 8,14 está

intimamente relacionada com Am 3,9-11 e 6,8 (crítica a Israel e a Judá por suas

construções de cidades fortificadas). As passagens parecem distribuídas da forma

mais adequada ao leitor de Judá, que estaria apto, possivelmente, a perceber as

transgressões do reino de Israel (Norte) como algo que nunca poderia acontecer

em Judá. O objetivo da adição redacional teria sido neutralizar aquelas reações.

91 Cf. JONES, The Formation of the Book of the Twelve, pp. 226-230. 92 O autor se apóia na unidade dos “nove” livros e na união destes três subgrupos de livros no extenso trabalho de Schneider, “The Unity of the Book of the Twelve” [Ph.D. dissertation, Yale University], 1979. 93 Jones aponta que, embora as afinidades observadas por Freedman sejam baseadas sobre a forma final do livro dos Doze, seus argumentos são mais convincentes para o livro dos “nove”, excluindo os livros menos específicos cronologicamente de Joel, Abdias e Jonas. Cf. FREEDMAN, D. N., The Unity of the Hebrew Bible, Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 1991, pp. 50-55. 94 Cf. JEREMIAS, J. “Die Anfänge des Dodekapropheton: Hosea und Amos”, in Hosea und Amos: Studien zu den Anfängen des Dodekapropheton. Tübingen: Mohr, 1996, pp. 34-54. 95 Esta era a hipótese de Wolfe: WOLFE, R. E., “The Editing of the Book of the Twelve”, pp. 91-93; cf. também SCHNEIDER, D. A, The Unity of the Book of the Twelve”, p. 23.

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Por outro lado, o livro de Amós mostra uma dependência muito maior em relação

a Oséias: Am 3,2; 7,9; 2,8; 5,25; 6,8 e 1,5 utiliza vocabulário e tema típicos de

Oséias. Quase todas estas passagens se localizam em pontos importantes na

composição dos escritos de Amós. Isso significa que esses relacionamentos entre

os dois profetas demonstram o desejo dos redatores de compor um livro dos dois

profetas do Norte, compará-los e associá-los.

Em seguida, Jeremias enfoca os quatro livros que possuem uma introdução

“deuteronomista” (Dtr): Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias. Como possuem uma

redação coerente, o autor os constituiu “o livro dos Quatro”. Estes livros têm, na

opinião do autor, uma articulação redacional que acentua as intenções positivas

(salvação) de YHWH em relação ao “resto” (Os 2,18ss; Am 9,7-10.11-15; Mq

2,12s; 4-5. 7; Sf 3,9-19). Posteriormente, outros dois livros datados (Ageu e

Zacarias) teriam formado um outro binário, numa sucessão cronológica. O livro

de Jonas teria sido colocado na sua posição atual porque foi identificado com o

personagem Jonas de 2 Rs 14,25. Malaquias vem após Ageu e Zacarias porque

supõe a reconstrução do Templo, que ainda não estava realizada em Ageu-

Zacarias. Joel e Abdias estão intercalados entre os profetas do séc. VII,

provavelmente por causa das palavras-chave (catchwords) entre Oséias e Joel (Os

14,2-3 / Jl 2,12-14) e entre Amós e Abdias (Am 9,12 / Ab 17s.).

Schart96 tem privilegiado a visão de que o mesmo redator seria responsável

pela edição de ambos os escritos (Oséias e Amós) como uma simples composição.

O autor acrescenta que eles teriam formado o primeiro núcleo profético da Bíblia,

datado ainda do séc. VII. Todas as estruturas eram orientadas pela citação ou

chamado a ouvir (Os 4,1; 5,1; Am 3,1; 4,1; 5,1). Nos dois escritos, o profeta

primeiro se endereça aos israelitas (Os 4,1 e Am 3,1) e depois se dirige à casa de

Israel (Os 5,1 e Am 5,1). Os escritos foram combinados a fim de convencer os

leitores de que essas profecias de ameaça eram verdadeiramente as palavras de

Deus. Schart comenta, ainda, que as cartas de Mari mostram que a autoridade –

especialmente dos oráculos desfavoráveis – poderia ser intensificada, se um

segundo oráculo, que era independentemente pronunciado por outro orador,

confirmasse a mensagem do primeiro.

96 Cf. SCHART, A., Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs, pp. 101-105

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Pensando nas características que poderiam constituir um importante

objetivo do texto final, e o que poderia ser examinado como inferior a elas, G. M.

Tucker97 privilegia os títulos. Do seu ponto de vista, parece sábio iniciar a

reconstrução da história da redação com essas passagens, que a própria evidência

mostra não terem sido criadas pelos profetas. Eles se referem à terceira pessoa e

retrospectivamente à atividade do profeta e aos livros que contêm as palavras

proféticas. O autor está interessado na articulação das evidências sustentadas pelos

títulos, como elas se relacionam na compreensão do processo canônico.

Redditt98 também se baseou no estudo dos títulos que, na sua opinião,

organizaram os livros proféticos. Seguindo um outro autor, Rudolph99, Redditt

reconhece que no séc. VIII atuaram os profetas Oséias e Amós (ambos com os

títulos referentes ao período tardio do reinado de Jeroboão II) e Miquéias,

seguidos pelos profetas do séc. VII, Naum, Habacuc e Sofonias. Então, seguem os

profetas pós-exílio, Ageu, Zacarias e Malaquias. Jonas foi datado segundo a

citação de 2 Rs 14,25, no reinado de Jeroboão II, o mesmo rei mencionado nos

títulos de Oséias e Amós, por isso, foi colocado após os mesmos, mas antes de

Miquéias, datado durante os reinados subseqüentes dos reis Jotão, Acaz e

Ezequias, reis de Judá.

A explicação de Redditt100 para os livros de Joel e Abdias, que se

posicionam de maneira inconstante na moldura cronológica geral, é a de que teria

havido uma tentativa em alternar os profetas de Israel e Judá – Oséias (Israel);

Joel (Judá); Amós (Israel); Abdias (Judá); Jonas (Israel); Miquéias (Judá). No

entanto, mesmo que tenha profetizado no Norte, Amós era originário de Judá.

Além disso, Jonas veio do Norte, mas profetizou a Nínive. Redditt vai dizer que

um interesse em Edom pode ter sido parte de um princípio alternativo entre os

profetas do Norte e do Sul. Edom é mencionado em ambos os livros de Joel e

Abdias, e então é citado novamente apenas em Amós e Malaquias. Edom é

certamente importante nessa ordem, e é a melhor explicação para a seqüência

Joel-Amós-Abdias. Amós 9,12, em particular, torna-se uma introdução adequada

97 Cf. TUCKER, G. M. “Prophetic Superscriptions and the Growth of a Canon”, in Canon and Authority. Essays in OT Religion ad Theology. Edited by G. W. Coats & B. O. Long, Philadelphia: Fortress, 1997, p. 65. 98 Cf. REDDITT, P., “The redaction of the Book of the Twelve”, pp. 261-262. 99 Cf. RUDOLPH, Haggai-Sacharja 1-8 Sacharja 9-14- Maleachi, KAT 13,4, Gütersloh: Mohn, 1976, pp. 297-298

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para o tema principal de Abdias. Aqui as temáticas paralelas são o princípio mais

importante, não a ordem cronológica.

Ainda em relação ao estudo dos títulos, outros autores, tais como Freedman,

Collins, Nogalski e Schart101, defendem que Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias

já existiam como uma coleção separada. Os títulos desses quatro escritos seguem

o mesmo tipo e, através dos nomes dos reis mencionados, eles nos transportam

para o seguinte cenário: primeiro, Oséias e Amós profetizaram simultaneamente

no reino Norte; depois Miquéias e Sofonias, ao mesmo tempo em Judá.

Deliberadamente, os escritos de Oséias foram colocados na primeira posição,

embora provavelmente o profeta histórico, Amós, tenha comunicado a seus

oráculos primeiro do que a Oséias.

Nogalski102 chega à seguinte conclusão: os materiais básicos de Oséias,

Amós, Miquéias e Sofonias formavam um “Corpus Deuteronomístico”103, que

experimentou no período subseqüente duas redações, que tinham como objetivo

dar uma explicação à destruição de Jerusalém ocorrida em 587 a.C. Catástrofe que

os jerusalemitanos identificam de bom grado ao “dia de YHWH”(cf. Lm 2,22).

Oséias e Amós endereçados ao Reino Norte; e os de Miquéias e de Sofonias, a

Judá e Jerusalém. Com isso, a dura mensagem de julgamento ou condenação da

profecia pré-exílica foi aos poucos aumentada pelos textos que prometiam uma

salvação de grandes dimensões (Os 2,18ss, Am 9,7-10.11-15; Mq 2,12-13; 4-5; 7;

Sf 3,9-19). Dessa forma, Oséias alterna os oráculos de julgamento e de salvação

para Israel; Amós pressupõe a infidelidade de Israel descrita por Oséias e anuncia

o julgamento de Israel. Tal qual Oséias, Miquéias alterna igualmente os oráculos

100 Cf. REDDITT, P., “The redaction of the Book of the Twelve”, p. 262. 101 Cf. FREEDMAN, D, N. “Headings in the Books of the Eight-Century Prophets”, AUSS 25 (1987) pp. 16-20; COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, 62; NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, pp. 84-89; SCHART, A., Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs, pp. 41-46. 102 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, pp. 86-88. 103 Há bastantes indícios de que, no caso dos títulos do “Corpus Deuteronomístico”, trata-se de uma hipótese sólida para a história da redação do Livro dos Doze Profetas. No entanto, Schart se surpreende que ele inclua na sua afirmação de que os primeiros escritos foram de uma escola deuteronomista também a passagem em forma de hino de Am 9, 5-6, na qual não se pode reconhecer quaisquer contatos com as representações preferenciais e o vocabulário deuteronomístico. Nogalski, contudo, admite igualmente: “This model requires a certain flexibility in the form of a willingness to ascribe more of this material to ‘Deuteronomistic’ influence than has heretofore been supposed.” Cf. SCHART, A., resenha crítica das obras de NOGALSKI, J.: “Literary Precursors to the Book of the Twelve”. Berlin – New York: Walter de Gruyter 1993. BZAW 217. “Redactional Processes in the Book of the Twelve” Berlin – New York: Walter de Gruyter 1993. BZAW 218. [In: http://www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/steck.htm]

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de julgamento e as passagens onde a esperança domina. Sofonias insiste sobre o

julgamento, como a exemplo de Amós, mas sua mensagem é diretamente

endereçada a Judá e Jerusalém.

Independentemente, logo após o retorno do exílio, surge um corpus

compreendendo os escritos de Ageu e Zacarias (caps. 1-8). O tema central destes

livros é a reconstrução do Templo. Um editor alimentado da tradição proto-

cronista associa ao Corpus Deuteronômico pré-existente as edições que colocam

em evidência as intenções positivas de YHWH para “um resto” (Os 2,18s; Am

9,7-10.11-15; Mq 2,12s; 4-5.7; Sf 3,3-19). São os livros de Miquéias e Sofonias

que recebem mais edições, antes de sua incorporação em um corpus maior. No

final do período pérsico, entre os anos 400 e 350 a.C., teria surgido um tipo de

profecia tal como aquelas de Abdias e Joel. Em uma visão cósmica anunciam “o

Dia de YHWH”, e reúnem as visões escatológicas sobre a história de Israel e seus

inimigos, muitas vezes identificados como “gafanhotos”. Cabe a esse espírito

profético unificar o Corpus Deuteronomístico com o corpus – Ageu-Zacarias.

Outros materiais foram incorporados em sucessivos acréscimos, a saber: Naum,

Habacuc, Abdias e Malaquias. Enfim, a conclusão do processo teria sido

finalizado com as adições do deutero-Zacarias (Zc 9-14) à época de Alexandre o

Grande, e em último lugar, o livro de Jonas104.

2.5.3 Análise crítica das propostas apresentadas pelo viés da composição redacional

Em relação a Budde, quem primeiro apresentou o estudo da redação e

compilação dos Doze, ressaltamos que o autor, embora tenha sido o pioneiro de

um trabalho tão valioso, não foi claro na sua exposição dos materiais que foram

supostamente eliminados do corpus profético. Budde, na sua análise, considerou o

texto de Mq 3,1 como um resíduo que foi deixado na redação; no entanto, ele não

esclareceu por que ainda subsistem, nos relatos dos Doze escritos, outros textos

biográficos, tais como Mq 1,8 e 7,1, que são considerados como lamentações do

profeta, e que na visão do autor seriam materiais inválidos. O estudo de Budde

104 Cf. NOGALSKI, J., Redactional Processes in the Book of the Twelve, pp. 270-277.

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visualiza somente um processo editorial, apresentado com suas diferentes adições

e estágios até a sua redação final na compilação e revisão do livro.

Percebe-se que o argumento de Budde tem encontrado pouco apoio entre os

estudiosos105. Além da presença dos materiais biográficos (cf. também Os 1-3,

Am 7,7-14), a falta da evidência histórica dos grupos que poderiam ter

questionado a santidade da literatura profética dificultou a aceitação de sua teoria.

Não obstante, há autores como Jones106 que apontam como positiva a descrição

fragmentada da forma literária dos Profetas Menores feita por Budde, com ênfase

na unidade literária, ignorando as incongruências dentro dos textos dos Profetas

Menores.

Outro ponto apontado por Jones, a favor de Budde, é a sua descrição da

forma “canônica” do livro dos Doze, como palavra exclusivamente divina,

antecipando a descoberta do Pesharim de Qumran, no qual as palavras dos textos

proféticos foram interpretadas exatamente como Budde as descreveu, ou seja,

como palavras divinas que têm pouca relação com as palavras humanas

transmitidas. Por fim, Jones mostra a significante colaboração de Budde: a

colocação tardia que o autor faz do livro de Jonas, que, tomada à luz da descoberta

de 4QXIIa, confirma o seu argumento sobre a posição final de Jonas após

Malaquias na coletânea do livro dos Doze.

Como um todo, a análise de Wolfe também rendeu resultados hipotéticos.

As estruturas e estratificações internas dos livros, vistos em separado, foram

pouco consideradas. O critério do autor para identificar os escritos proféticos

autênticos foi inteiramente subjetivo. Por isso, o resultado de sua análise não

poderia ser válida. Naturalmente, não se pode considerar uma proposta que se

apóia em uma reconstrução textual sustentada por provas adicionais com

múltiplas hipóteses desnecessárias. Os textos que Wolfe identificou como

secundários têm sido rotulados como originais por outros estudos literários. O

autor também assumiu que materiais similares entre os Profetas Menores eram o

105 G. Metzner pensa que as considerações de Budde são puramente especulativas e não se deixam aplicar à tradição dos grandes profetas CF. METZNER, G. Kompositionsgeschichte des Michabuches. Eurpaeische Hochschulschriften Reihe 23: Theologie vol. 635. Frakfurt/M u. a.: Lang, 1998, p. 177. 106 Na sua opinião, o trabalho de Budde é melhor do que recentes trabalhos tal como o de House: HOUSE, P. The Unity of the Book of the Twelve, Sheffield: JSOT Press, 1990. Cf. JONES, B. A. The Formation of the Book of the Twelve, pp. 15-16.

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resultado de autoria comum em vez do resultado de citação ou tradição

profética107.

No entanto, devemos reconhecer-lhe o mérito de tentar reconstruir a

constituição progressiva dos Doze Profetas e de ter querido determinar a origem

dos vários materiais que compõem este corpus. Como notou Otto Kaiser108, cabe a

Wolfe, por seu pioneiro estudo de pesquisa histórico-redacional do livro dos

Profetas Menores, bem como à tentativa comparável de Alfred Jepsen109, o mérito

de ter aguçado a visão para uma tendência diferente dos suplementos nos livros

em separado. Somente ante o pano de fundo de grandes experiências de estudos

de crítica da redação (RedaktionsKritik) puderam ser iniciadas as promissoras

tentativas de esclarecer a história redacional do livro dos Doze, já nas últimas

décadas.

Dessa forma, na visão de alguns estudiosos, entre eles Jones110, os erros da

metodologia de Wolfe e os excessos de sua análise literária não teriam anulado a

sua contribuição para o estudo da unidade do livro dos Doze. A visão amplamente

aceita na erudição bíblica é a de que o processo de transmissão não apenas

preservou os textos dos Profetas Menores, mas também contribuiu para a sua

união.

107 Para Jones, o argumento de que alguns materiais similares sejam o resultado de uma autoria comum é legítimo, e, em alguns casos, esta hipótese pode ter um alto grau de probabilidade. Porém, concluir que todos os materiais similares podem ser explicados dessa maneira é uma abordagem bastante simplista e mecânica para um corpus literário extremamente complexo. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, pp. 16-19. 108 KAISER, O., Das Dodekapropheton oder Zwölfprophetenbuch, 105; on line: www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/Kaiser-12b.htm. 109 Jepsen viu na sucessão de Oséias, Amós, Miquéias, Joel e Sofonias, um livro de cinco profetas organizado durante ou pouco depois do exílio. Isso estaria evidente não apenas na seqüência da LXX (Oséias, Amós, Miquéias e Joel), mas também nas relações óbvias entre Joel e Miquéias 7. Essas observações levam, contudo, à suposição falsa de que a conclusão do livro de Miquéias teria sido originariamente um discurso de Joel. Jepsen não pensou em processos de redação em termos de textos sobrepostos, pois ele julgou também Mq 1,6s, como fragmento estabelecido originariamente por Os 13. Assim, o autor não teria visto Oséias e Miquéias como partes de um mesmo livro formado por sobreposição de textos, mas como livros separados, já que Oséias teria determinado Mq 1,6. Cf. JEPSEN, A., “Kleine Beitraege zum Zwöelfprophetenbuch”, ZAW 56 (1938) 85-100; JEPSEN, A., “Kleine Beitraege zum Zwöelfprophetenbuch II”, ZAW 57 (1939) 242-255. 110 Jones afirma que o estudo de Wolfe foi significativo para a metodologia de seu trabalho. Uma das treze camadas de redação colocadas por Wolfe possui algumas afirmações válidas, a saber, as trocas que ele identificou comparando os textos da LXX e do TM dos Profetas Menores. O estágio final da redação de Wolfe sugere que a evidência textual da LXX sustenta um concreto começo para um estudo histórico redacional, que seria trabalhado posteriormente, de uma evidência textual para níveis de redação mais conjeturais e anteriores. Tal metodologia e suas implicações para o processo canônico foi explorado nos capítulos dois e três da sua dissertação. Cf. JONES, B. A. The Formation of the Book of the Twelve, p. 18.

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Um segundo ponto importante levantado pelo estudo de Wolfe é a relação,

embora especulativa, que ele estabelece entre o crescimento do Livro dos Doze e

seu eventual status canônico. Na sua visão, uma das intenções dos editores de unir

a literatura profética foi a de preservar o passado literário de Israel, primeiro

durante o exílio, e depois, quando o movimento profético ameaçava desaparecer.

Somente mais tarde, a história da preservação se desenvolveu como uma literatura

e, a partir daí, foi reconhecida como sagrada e digna de crédito. O tema da

canonicidade – que para Budde era o impulso para a redação dos Doze – era, para

Wolfe, o ponto final do processo de redação.

Weimar, representante da nova tendência para explicar a composição dos

Doze, realizou o seu trabalho tendo por base o livro de Abdias. A sua afirmação se

baseia nas referências verbais cruzadas com outros textos redacionais, inseridos

no corpus profético. Não se pode e nem se deve negar que houve muitas

referências cruzadas entre os livros proféticos, mas é mais provável pensar em

atribuir essas referências à influência de um profeta em outro, do que em uma

atividade editorial.

Weimar teve sua tese ampliada por E. Bosshard. Este autor apontou a

relação dos Doze com Isaías, afirmando haver em ambos os mesmos processos

redacionais. No estudo da sua análise, constatamos que existem elementos, tanto

literários quanto temáticos, que sustentam seu trabalho – os diversos estratos

redacionais apresentados pelo autor no interior dos dois complexos. Percebe-se

que Bosshard não está tão interessado no livro dos Doze quanto na relação entre

os Doze e Isaías111. O que é surpreendente, e de nosso maior interesse, é que o

autor não menciona os textos, praticamente idênticos, de Is 2,2-4 e Mq 4,14.

Às vezes, as observações de Bosshard parecem evidentes e incontroversas,

por exemplo, aquelas feitas em relação aos títulos de Os 1,1 e Is 1,1, que

mencionam os quatro reis de Judá. O autor nota também os vários pontos de

contato entre os textos de Jl 1,1-2,11 e Is 13,2-6.14-16, que estabelecem fortes

relações lexicais, como a frase “próximo é o Dia do Senhor” junto às descrições

111 Vários outros autores afirmam haver em ambos, o livro dos Doze e o livro de Isaías, os mesmos processos redacionais: cf. CONRAD, E. W., “The End of Prophecy and the Appearance of Angels/Messengers in The Book of the Twelve”, JSOT 73 (1997) 65-79; STECK, O. H., The Prophetic Books and their Theological Witness, Chalice Press, St. Louis, Missouri, 2000; COLLINS, T., The Mantle of Elijah: The Redaction of the Prophetical Books (The Biblical Seminar 29), Sheffield, 1993.

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de exércitos e guerras, que introduzem temáticas concernentes a povos

estrangeiros. Outras ligações do autor não são assim tão evidentes, mas apenas

prováveis, como por exemplo: Is 66,18-21 e Zc 14,16-21. Outros elos transversais

são tratados de modo problemático. Dessa forma, seu método crítico-redacional

parece ser questionável. A análise do autor sofre de alguns problemas, que

incluem a tendência de eliminar os textos individuais e associá-los com camadas

redacionais de outros textos, sem considerar os seus contextos históricos e

literários. Tal análise parece ser direcionada pela antiga máxima de que os

profetas do período pré-exílio pregavam o julgamento contra Israel;enquanto que

os profetas do período pós-exílio pregavam a restauração. Assim, uma atenção aos

vários fatores históricos desses textos, o impacto retórico, que eles devem ter

projetado nas suas audiências, e mesmo a hermenêutica, que interliga a forma

final do livro dos Doze no TM e na LXX, desafiariam as suas reconstruções.

Mais adiante, o estudo do livro de Malaquias no conjunto dos Doze,

realizado por Bosshard e de Kratz, apresenta-nos observações de que o livro dos

Doze Profetas nem sempre foi um livro independente, mas um texto burilado e

revisado redacionalmente em diferentes níveis e à luz de diversos horizontes até

atingir a sua forma final. O último estrato, Malaquias III, apresentado no esquema

de Bosshard e Kratz, criou de uma só vez o livro separado de Malaquias, o livro

dos Doze e a coleção canônica da literatura profética, que inclui Isaías, Jeremias,

Ezequiel e o livro completo dos Doze. Naturalmente, pode-se afirmar que até

certo ponto, todos os livros proféticos influenciaram-se, mas se os limites da

referente literatura são ampliados, incluindo não apenas os Profetas Menores, mas

também Isaías, Jeremias, Ezequiel, então a afirmação não pode ser de uma

unidade literária, mas de repertório literário comum, baseado em um tipo comum

de discurso e gênero profético.

Em consonância com a linha de pensamento desses autores, Steck tenta

igualmente descrever a última etapa redacional do corpus profético, relacionando,

como já havia sido feito por Bosshard, o livro de Isaías com o livro dos Doze. A

insistência de Steck em ver a revelação divina como um desdobramento de uma

experiência temporal está em tensão com a sua própria insistência de que os textos

devem ser lidos particularmente, segundo o modo pelo qual o próprio texto

determina tal tipo de leitura. O autor oferece pequenos ensaios, sem comentários,

entre as descrições de como os livros proféticos apresentam Deus e como Deus

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realmente é. Uma apresentação meta-histórica do livro é identificada com a

compreensão da história de Deus, que alternadamente é assumida como relevante

para o leitor contemporâneo.

As hipóteses lançadas por esses três autores pecam pela pretensão de poder

determinar as datas precisas das alusões, que não são sempre tão evidentes quanto

querem fazer crer112. Além disso, o uso da análise literária detalhada dos textos

bíblicos, estudados com o objetivo de identificar o material redacional, fez surgir

apenas uma reconstrução extremamente complexa da história redacional. Por isso,

as reconstruções redacionais de Weimar, Bosshard, Kratz e Steck não tiveram

tanto sucesso na identificação dos materiais propostos nos textos do livro dos

Doze113. Além disso, esses autores não levam em consideração a evidência

suprida pela literatura profética e por um estudo mais sério do contexto sócio-

histórico no qual esta literatura foi escrita, lida, (re) lida, editada e transmitida de

geração para geração.

O modelo apresentado por Collins individualiza as seguintes etapas na

redação dos Doze: uma redação exílica (Os, Am, Mq, Na, Sf, Hab – na

Babilônia);uma redação pós-exílio (Ag, Zc 1-8, talvez Jl e Jn); e a última (Hab,

Ml e acréscimos a Sf), que forma os Doze Profetas. Do ponto de vista

metodológico, evidencia-se uma certa incoerência, porque embora o autor sustente

que as ligações encontradas entre um profeta e outro são do tipo literário, aquelas

que evidencia, na realidade, são de preferência temáticas.

O ponto de vista de Nogalski é de que os redatores queriam que o leitor

percebesse os escritos de Amós à luz de Oséias, possivelmente porque eram

comprometidos com a posição teológica do mesmo. Outros autores têm usado o

conceito Deuteronomísticospara caracterizar estes redatores114. Como Lohfink115,

112 Há opiniões diferentes: Otto Kaiser defende que O. H. Steck teve o mérito de chegar a uma cronologia relativa dos acréscimos escatológicos no livro dos Doze, assim como a hipótese da ordenação, no período pérsico tardio ou início do período helenístico, baseando-se em suas investigações histórico-redacionais do livro de Isaías. Cf. KAISER, O., Dodekapropheten, 105. 113 Jones, também nota que, embora as estratificações redacionais dos textos possuam uma análise detalhada da estrutura literária da forma final do livro, a descrição de tais camadas redacionais começa com uma suposta camada composicional reconstruída anteriormente e vai até a última camada. Sendo assim, eles constroem seus estudos em um estágio inicial hipotético que existe apenas em suas respectivas reconstruções. Cf. JONES, B. A. The Formation of the Book of the Twelve, pp. 21-22. 114 Cf. SCHMIDT, W. H., “Die deuteronomistische Redaktion des Amosbuches: Zu den theologischen Unterschieden zwischen dem Prophetenwort und seinem Sammler”, ZAW 77 (1965) 171.

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alguns estudiosos defendem que a linguagem típica Deuteronomística é apenas

raramente identificada. Collins e Schart116 preferem ser mais cautelosos; por isso,

falam de uma redação que, em adição às subscrições, inseriram algumas

passagens que resultaram próximas ao pensamento Deuteronomístico. Schart,

especialmente após várias observações a respeito desta redação117, defendeu o

ponto de vista de que todas as transgressões feitas pelo povo foram concebidas

como sendo direcionadas contra Deus. Assim, a raiz de toda a desgraça é a

distorção da relação pessoal com Deus, que fora estabelecida no Êxodo. Com o

propósito de sublinhar este ponto, os redatores inseriram passagens referentes ao

Êxodo nos pontos cruciais da composição da coleção (Am 2,10; 3,2; 9,7; Mq 6,4-

5). A degeneração social, cultural ou jurídica é vista como o resultado da

corrupção fundamental da identidade de Israel, que é determinada pelo Êxodo. É

notável que a redação refletiu sobre o papel dos profetas dentro da história de

Deus com Israel e Judá (Am 2,11-12; 3,7).

Os autores, citados acima, avançaram em suas tentativas de reconstruir o

processo redacional que conduziu à formação dos livros dos Profetas Menores;

alguns deles estudaram somente o processo redacional, enquanto outros

discutiram as sessões específicas dos livros incluídos nos Doze. No entanto, todos

os modelos propostos pela crítica redacional assumem que pequenas coleções

formaram ou construíram em várias etapas o livro final dos Doze. Na opinião de

Ben Zvi, é hipotético dizer sobre um precursor do livro dos Doze que contenha

somente Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias, como foi apontado por diversos

autores118. Além disso, a probabilidade de cada uma dessas propostas depende da

hipótese de base, ou seja, da reconstrução textual na qual ela se apóia. Sendo

assim, é preciso assumir que o processo redacional apontado nos livros proféticos

115 Cf. LOHFINK, N., “Gab es eine deuteronomistische Bewegung?”, in Studien zum Deuteronomium und zur deuteronomistischen LiteraturIII. Stuttgart: Katholisches Bibelwerk, 1995, pp. 65-142. 116 Cf. SCHART, A., Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs, 46; COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, p. 62. 117 Schart estuda o desenvolvimento redacional do livro dos Doze traçando sete estágios no seu desenvolvimento, sendo dois estágios anteriores ao estágio deuteronomista de Nogalski, um Corpus deuteronômico, e quatro etapas subseqüentes, sendo que na primeira foram adicionados os livros de Naum e Habacuc; na segunda, os livros de Ageu e Zacarias 1-8 (e possivelmente muitos textos Zc 9-13); uma terceira, com os livros de Joel e Abdias, e Zacarias 14; e a quarta ,completando os Doze com as adições de Jonas e Malaquias. 118 Como já citamos anteriormente, Schneider, Freedman, Collins, Nogalski e Schart defendem que Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias já existiam como uma coleção separada.

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apresenta-se incerto e, por isso, incapaz de desvendar o estágio redacional da

reconstrução textual de um livro particular119.

As etapas redacionais das evidências históricas, como vimos acima, são

difíceis de serem elaboradas, por causa das alterações que os livros sofreram na

transmissão textual da coleção dos Livros Proféticos. No entanto, é preciso ter em

mente que nossa preocupação não é privilegiar o estudo das evidências históricas

ou das camadas redacionais, mas, antes, privilegiar o papel do leitor, em vez de

pesquisar o papel do autor. Como os livros proféticos são trabalhos escritos,

compostos e produzidos para serem lidos e (re)lidos na comunidade, o seu

significado envolve a interação entre o antigo leitor para o qual o livro foi escrito,

e o texto (que está sendo) lido pelo leitor atual. O maior problema, então, é

estabelecer o que é estrato redacional intencional e o que é apenas acidentalmente

conectado.

Dessa forma, o estudo para se chegar a uma síntese das diferentes

interpretações não oculta o esforço de ver nascer a interpretação do próprio texto

mesmo incluindo seus horizontes ideológicos / teológicos. Assim, esta abordagem

não focaliza primariamente o autor, editor ou redator do texto, mas a recepção do

texto pela comunidade para a qual e dentro da qual o texto foi escrito; em outras

palavras, como o texto foi provavelmente lido por esta comunidade e de que modo

os responsáveis pelos escritos foram capazes de escrever, de ler e de reler o tipo

de literatura representada pelos Livros Proféticos, considerando-os como

ensinamento divino para a comunidade.

A partir dessas considerações, analisaremos outros estudos que apontam

para um processo consciente de compilação literária no desenvolvimento do livro

dos Doze como um todo. As técnicas literárias empregadas na composição e

redação dos textos proféticos nos têm ajudado a descobrir algumas das várias

interpretações e adaptações que emergiram neste corpus profético.

119 Ben Zvi acrescenta: é preciso distinguir rigorosamente entre uma fonte pré-composicional e a probabilidade de qualquer reconstrução textual particular dos trabalhos escritos. É impossível reconstruir do texto final o que foi omitido em sua fonte – a menos que as fontes estejam presentes em algum lugar. Os antigos autores / auditores trabalharam a partir de uma lógica, mas certamente não consistente e nem sempre de maneira previsível. Inútil dizer que esses autores / redatores eram sofisticados e muitos deles comunicaram ou expressaram mais do que uma perspectiva em um único tema, ou ainda eles apresentaram uma visão de perspectivas contrastantes, sendo ambíguos; assim, torna-se inútil, de um ponto de vista crítico, este trabalho de reconstrução. Cf. BEN ZVI, E. “Twelve Prophetic Books or the Twelve: a Few Preliminary Considerations”, p. 146.

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2.5.4 O Livro dos Doze visto como uma compilação literária

Recentemente, o interesse dos pesquisadores se voltou para o estudo

literário dos livros dos Profetas Menores. Podemos dizer que tal estudo

monopoliza o zelo dos exegetas. Esses estudiosos são, em geral, mais céticos

sobre a possível compreensão das camadas redacionais dos textos. Entre eles,

citamos House120, que reage de maneira extrema à crítica histórica e utiliza uma

abordagem literária exclusivamente sincrônica para pesquisar a trama progressiva

do livro dos Doze considerado então como uma obra perfeitamente unificada. De

preferência, visualiza o livro dos Doze, como uma compilação literária (materiais

pré-existentes, reorganizados por afinidades literárias, temáticas ou estruturais).

Um dos primeiros críticos que trabalhou a unidade dos Doze Profetas, sob o

ponto de vista literário, foi H. Ewald, que utilizou as evidências dos títulos dos

escritos proféticos para reconstruir a coleção pré-exílio e pós-exílio desses

livros121. Na sua opinião, os editores que criaram essa coleção inseriram materiais

nos textos já existentes. O autor cita o exemplo da inserção do nome “Malaquias”

em Ml 1,1 que, na sua opinião, teria sido unido à coleção para completar o

número de Doze Profetas. Embora Ewald tenha levado em conta algumas adições

editoriais, estas foram, ao longo da coleção, mais limitadas do que as etapas

redacionais discutidas acima. Os editores dos pequenos escritos proféticos foram,

na visão de Ewald, principalmente, compiladores.

Em 1979, D. A. Schneider, envolvido pela ausência por parte dos estudiosos

de uma atenção à forma canônica, trabalhou a unidade textual dos Doze122

buscando o significado do “livro dos Doze” como uma unidade textual,

investigando a origem dos livros. O autor propôs uma constituição gradual em

quatro etapas, iniciando no século VIII a.C., e concluindo durante a trajetória de

Neemias na última metade do século V. A primeira coleção reuniu Oséias, Amós

e Miquéias no tempo do rei Ezequias, formando assim o núcleo do Livro dos

120 Cf. HOUSE, P. R., “The Unity of the Twelve”, pp. 123-124. 121 Cf. EWALD, H., Die Propheten des Alten Bundes erklärt, vol 1 (Göttingen: Vandenhoeck and Ruprecht, 18682) pp. 74-82. 122 Cf. SCHNEIDER, D. A., The Unity of The Book of the Twelve, 1979, 38-42; 55-56; 112-114.

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Doze. Em seguida, se associaram Naum, Habacuc e Sofonias123, compilados

durante a reforma de Josias e adicionados à primeira coletânea, provavelmente

durante o exílio. Os livros de Joel, Abdias e Jonas, na visão de Schneider, foram

reunidos em um terceiro estágio, no final do período do exílio. Na quarta e última

etapas, vieram as obras de Ageu, Zacarias (incluindo os caps. 9-14) e Malaquias,

numa edição realizada no final do século V a.C.

O autor argumenta que a seqüência Oséias-Amós-Miquéias seria o núcleo

dos escritos dos Doze Profetas. Esta seqüência interna de Oséias, Amós e

Miquéias é a mesma em ambas, tanto no TM quanto na LXX. As diferentes

posições de Amós e Miquéias em relação a Joel e Abdias no TM seriam o

resultado da inserção tardia dos dois livros dentro da coleção pré-existente. Este

autor também assinala o caráter do grupo de Naum-Habacuc-Sofonias. Naum e

Habacuc se assemelham cronológica e literariamente.

Naum identifica os opressores que não são citados em Habacuc, a saber, a

Assíria. E Habacuc identifica o agente da destruição de Nínive/Assíria descrita em

Naum, isto é, a Babilônia. Naum inicia com a teofania, enquanto Habacuc termina

com a teofania124. Uma identificação similar pode ser vista também no grupo de

Ageu-Zacarias e Malaquias. Ageu e Zacarias 1-8 formam um corpus literário

integrado que é unificado por uma estrutura cronológica e paralelos lingüísticos.

Estes paralelos lingüísticos também unificam Ageu-Zacarias 1-8 com o livro de

Malaquias. Porém, contra a idéia de uma constituição dos livros sob várias

gerações, ele avalia, sobretudo que os profetas escreveram eles mesmos suas

próprias obras, compilando, entretanto, os escritos dos profetas anteriores, dos

quais sofreram influência. Seria no nível dessa compilação que os editores teriam

chegado a utilizar a técnica das palavras-chave.

Outra abordagem, com ênfase no cânon bíblico, foi realizada por R.

Clements125, que identificou uma tendência hermenêutica para harmonizar os

vários textos proféticos dentro de uma única mensagem profética. Na sua opinião,

a mensagem essencial dos profetas canônicos para os primeiros judeus e cristãos

123 Jones concorda que o desenvolvimento temático, a dependência literária e as associações verbais dão unidade e ordem a esses três trabalhos. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 25. 124 Cf. SCHNEIDER, D. A, The Unity of the Book of the Twelve”, pp. 52-54.

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foi mensagem de julgamento, seguida pela mensagem de restauração, com ênfase

nesta última. Essa mensagem unificada de esperança para uma restauração,

predominante, principalmente após o ano 587 a.C., não foi reconhecida pelos

tradutores e coletores da literatura profética como um crescimento natural de

elementos promissores vistos dentro das próprias tradições proféticas. Clements

ainda argumenta que os escritos proféticos foram coletados e editados com a

finalidade de completar a mensagem profética dentro de cada texto, incluindo o

elemento de esperança para uma restauração.

Na linha de Clements, A. Lee publica seu estudo sobre a unidade canônica

dos Doze126. Partindo do pressuposto de que o livro dos Doze é uma coleção

realizada sob a direção de Neemias. O autor concorda com a visão de Clements de

que a atividade redacional estava alinhada sobre o tema da esperança, o que

caracterizava as seções conclusivas de muitos livros dos Profetas Menores127. Na

sua pesquisa para a compreensão global dos Doze, Lee observou as passagens

salvíficas dos oráculos proféticos, concluindo que cada livro afeta o sentido do

conjunto do corpus, e este, inversamente.

Parte do artigo de Clements serviu também de modelo de estudo sobre a

unidade do livro dos Doze realizada em 1990, por P. R. House128. O projeto deste

autor é de ler o livro dos Doze como uma trama narrativa contínua, ou seja, como

uma única construção literária. O autor utiliza a crítica literária na identificação de

certos fatores, tais como: a unidade do gênero literário, a estrutura de conjunto, a

trama e a coerência temática sobre os diversos assuntos, entre eles, a questão de

Deus, a vocação profética, Israel como rebelde e como resto, e as sanções. House

considera o livro dos Doze como um único livro, construído segundo uma

estrutura tripartida, cujas três seções concernem sucessivamente ao “pacto e

pecado” (Oséias-Miquéias, embora não exclusivamente, estes escritos narram,

principalmente, o pecado de Israel e das nações); o “castigo ou punição” (Naum-

Sofonias, descrevem extensivamente o castigo referente aos pecados); e a

“restauração” (Ageu-Malaquias visam à restauração de Israel com as nações).

125 Cf. CLEMENTS, R., “Patterns in the Prophetic Canon”, in Canon and Authority. Essays in Old Testament Interpretation, ed. George W. Coats & Burke O. Long, Philadelphia: Fortress Press, 1977, pp. 42-55. 126 Cf. LEE, A. Y., The Canonical Unity of the Scroll of Minor Prophets (Ph. D. dissertation, Baylor University, 1985). 127 Cf. Os 14,1-8; Am 9,11-15; Mq 7,8-20; Jl 4,16-21; Ab 17-21 e Sf 3,8-20.

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House segue o esquema de eleição, rejeição, punição e purificação129. Na sua

opinião, o livro dos Doze teria sido composto na perspectiva de uma teologia

deuteronomista da história130.

Outros dois artigos que abordam a unidade do livro dos Doze são os de N.

Gottwald131 e H. Marks132. O artigo de Gottwald é similar ao de House por tratar

dos mesmos temas (gênero e trama); porém, apesar deste autor reconhecer os

livros proféticos como um todo, ele não os considera como uma narrativa

coerente, e sim como um livro de gêneros diversificados, compostos durante

vários séculos. Por isso, prefere falar de uma trama narrativa insinuada, que se

situa por trás dos diversos materiais proféticos. Tal narrativa trata do fato de que

os reinos israelitas foram destruídos, mas que a sua identidade nacional continuará

na restauração da Palestina.

O artigo de Marks também avalia o livro dos Doze numa perspectiva

literária, sem diminuir a diversidade ou complexidade dos textos. Este autor

descreve o livro dos Doze em relação a uma interação do texto e das vozes,

inseridos em uma única estrutura. Características unificantes que estudiosos como

Schneider, Clements e House já haviam identificado. No entanto, Marks dá

atenção às diversas vozes soantes nos textos proféticos, avaliando tanto os

elementos diversos quanto os individuais que não foram ajustados nos esquemas

anteriores. E argumenta que, embora a forma canônica do livro esteja designada a

consolidar o seu complexo conteúdo dentro de uma unidade literária, a

característica discordante do livro não pode ser totalmente silenciada.

Em um estudo publicado em 1993, C. Van Leeuwen133 chega à conclusão de

que a redação final do livro dos Doze é de caráter sapiencial e que, por construir

uma teodicéia tendo traçado o julgamento divino para o período que vai de 722 a

587 a.C., os autores dos primeiros seis escritos (Oséias a Miquéias) se referem ao

128 Cf. HOUSE, P. R., The Unity of the Twelve, pp. 63-109. 129 Ibid., pp. 63-109. 130 O impacto do trabalho deuteronomista na composição dos Doze é um fato que foi colocado em evidência. Ver, por exemplo, BEN ZVI, E., “A Deuteronomistic Redaction in/among “The Twelve”? A Contribution from the Standpoint of the books of Micah, Zechariah and Obadiah”, in SBL SP, 1997, 433-459. 131 Cf. GOTTWALD, N., “Tragedy and Comedy in Latter Prophets”, Semeia 32 (1984) 83-96. 132 Cf. MARKS, H., “The Twelve Prophets” in the Literary Guide to the Bible, ed. R. Alter & F. Kermode, Cambridge: Harvard University Press, 1987, 207-232. 133 Cf. LEEUWEN, R. C. Van, “Scribal Wisdom and Theodicy in the Book of the Twelve”, in Search of Wisdom. Essays in Memory of John G. Gammie, Edited by L. G. PERDUE, B. B. SCOTT, W. J. WISEMAN, Louisville, KY: Westminster, John Knox, 1993, 31-49, p. 32

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texto do Ex 34,6-7134. Um texto que coloca em evidência o caráter bipolar que

Deus dá a Si mesmo: lento na cólera, todavia não deixa nenhum pecado impune

ou misericórdia e justiça retribuitiva. A primeira alusão, ele vê em Os 1,6, no qual

é declarado que o caráter misericordioso de Deus não estará mais em vigor. No

entanto, em Os 14,10 está implícito que o sábio conhece e reconhece que Deus

não se esquece daqueles que se arrependem. Os redatores parecem explorar a

tensão existente entre os termos misericórdia e justiça em Deus, a fim de mostrar

que os diferentes profetas enfatizaram atributos diferentes para o mesmo Deus. O

autor compara Ex 34,6-7 com os textos de Jl 2,12-14.18; Jn 3,9; 4,2; Mq 7,18-19 e

Na 1,2-3a135. Esta é a teologia que também A. Cooper vislumbra no livro dos

Doze, em particular nos livros de Joel, Jonas e Naum136.

Grande conhecedor dos estudos sobre os Doze, J. Nogalski publica, em

1993, sua Dissertação sobre os Doze, em dois volumes, consideradas obras de

referência137. Ele parte da suposição de que a antiga tradição de copiadores que

escreveu os Doze Profetas Menores num rolo-de-manuscrito assinala mais do que

uma organização casual de livros independentes entre si. Esta suposição é

fortalecida pela investigação fundamental do “Catchwords Phenomenon”

(“Fenômeno das Palavras-chave”), existente em livros contíguos na ordem do TM

dos Profetas Menores. O autor ressalta que, em muitos casos, pode-se observar

que a última seção de um livro é conectada diretamente com o início do livro

seguinte, com palavras-chave, numa espécie de articulação entre os diversos

livros138. Algumas dessas conexões são significativas e têm atraído a atenção,

134 Segundo os comentários de Watts, o texto foi relido pelos Doze à luz de Ex 32,12-14, no qual, após o episódio do bezerro de ouro, Moisés implora YHWH que volte atrás no que tange à ordem de sua cólera e se arrependa do mal que ele tinha decidido fazer a seu povo, prece finalmente atendida. Cf. WATTS, D. W., “A Frame for the Book of the Twelve: Hosea 1-3 and Malachi”, in NOGALSKI, J. D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, pp. 209-217. 135 Este tema será tratado mais adiante, na intertextualidade do livro de Miquéias com outros textos proféticos. 136 Cf. COOPER, A., “In Praise of Divine Capriche: The Significance of the Book of Jonas”, in P. R. DAVIES & CLINES, J. A. (ed), Among the Prophets: Language, Image, and Structure in the Prophetic Writings (JSOTSup 144), Sheffield, 1993, pp. 144-163. 137 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve e Redactional Processes in the Book of the Twelve. Estes dois volumes formam a versão da sua tese (1991) orientada por Odil Hannes Steck em Zurique: “Redactional Layers and Intentions: Uniting the Writings of the Book of the Twelve”. Esta por sua vez retoma a dissertação de Mestrado da Faculty of the Baptist Theological Seminary in Rüschlikon (Suiça) de 1987 com o título “The use of Stichwörter as a Redactional Unification in the Book of the Twelve”. 138 Já em 1851, F. Delizsch havia notado sobre o final de um escrito e o início do escrito seguinte, realçando algumas considerações sobre a participação de significantes vocabulários. Cf.

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principalmente para o texto de Os 14,5-10 e Jl 1, 1-12139, que pode ser citado

como um exemplo dessa metodologia e argumento140. Na sua opinião, Os 14,8

não segue a estrutura e o contexto imediato de sua mensagem, por isso, ele

conclui que aquele é uma inserção redacional, cujo propósito é conectar o livro de

Oséias ao livro de Joel por palavras-chave redacionais. Uma análise similar do

texto de Jl 1,1-14 resulta na conclusão de que as palavras-chave de Os 14,8 são

partes essenciais para a estrutura e contexto de Jl 1. Assim, Nogalski conclui que

o autor de Joel não apenas construiu seu texto para conectar com o verso final de

Oséias, mas também inseriu Os 14,8 com a finalidade de solidificar essa

conexão141.

Assim, não apenas foram adicionados os livros de Joel, Abdias, Naum,

Habacuc e Malaquias em uma prévia coleção, mas, como afirma Nogalski, a

adição desses livros foi também a primeira ocasião para um trabalho redacional

extensivo que tentou unificar o corpus dos Profetas Menores pelo significado

redacional das palavras-chave. Nogalski considera que o anúncio do “Dia de

YHWH”, que representa o tema central do livro de Joel, apresenta-se como um fio

condutor para o Livro dos Doze Profetas (embora não o único). Tal ligação é

vista, pelo menos, de três modos: na unidade dos gêneros, na repetição de

vocabulário e no paradigma histórico que transcendem a moldura cronológica dos

dados dos títulos142.

DELITZCH, F., “Wann weissagte Obadja?” Zeitschrift für die gesammte Lutherische. Theologie und Kirche 12 (1851) pp. 92-93. Desde então alguns estudiosos ou pensaram ser este fato uma mera coincidência dos redatores, ou postularam que essa cadeia de estribilhos foi implementada com a finalidade de unir os escritos. Essa hipótese final é aqui fortemente sustentada por Nogalski, que minuciosamente tratou com o “Catchwords Phenomenon”. 139 Cf. Os 14,8: “Os habitantes retornarão à sua sombra, farão reviver o trigo, florescerão como videira, sua lembrança será como a do vinho do Líbano.” Jl 1,2: “Escutai, vós todos os habitantes do país... 5: Lamentai-vos, todos os bebedouros de vinho... 7: Ele transformou minha videira em um deserto... 11: por causa do trigo e da cevada... 12: a videira está seca...” 140 As transições mais óbvias são as de Os 14,5-10 e Jl 1,2; Jl 4,16 e Am 1,2; Ab 15-21 e Mq 1,1-7; Ab 11-14 e Jn 1,1-8; Jn 2,1-10 e Mq 1,1-7; Mq 7, 8-20 e Na 1,2-8; Na 3,1-19 e Hab 1,1-17; Hab 3,1-17 e Sf 1,1-18; Sf 3,18-20 e Ag 1, 1-6; Ag 2,20-23 e Zc 1,1-11 e Zc 8,9-23 e Ml 1,1-14. Apenas em dois casos o autor viu o princípio de ligação por meio de relações por catchwords, fundamentado em alguma ação externa: no caso de Jn 4, com Mq 1; e Zc 14 com Ml 1. Esse fato é esclarecido por Nogalski – esse fenômeno era válido para uma coletânea que não possuía os escritos de Jonas e de Zacarias 9-14 e que foi interrompido pela inclusão posterior desses complexos de textos. 141 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, pp. 58-69. 142 Joel cria uma transição entre Oséias e Amós pela unidade de gênero; Oséias termina com um chamado ao arrependimento, enquanto Joel inicia com o mesmo tipo de gênero. Joel termina com um julgamento escatológico contra as nações, enquanto que Amós inicia com um extenso grupo de oráculos contra as nações. A repetição de vocabulos é recorrente na interpretação das imagens e frases de Joel, tomados pelos escritos vizinhos e subseqüentes do profeta. Cf. NOGALSKI, J.,

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O trabalho redacional unificante do livro de Joel, com sua série de

gafanhotos como invasores (Jl 1), serviu como um quase esquema apocalíptico

para as numerosas invasões ocorridas em Israel e Judá, retratado no esquema

cronológico do livro dos Doze. As inserções redacionais de Os 14,8, Am 9,12-13

e Mq 1 incorporaram os livros de Joel, Abdias e as alusões aos gafanhotos em Na

3,15.17 e Hab 1,9 serviram para incorporar estes dois livros no esquema

cronológico dos Doze pela identificação dos inimigos retratados nesses livros

como os assírios e os babilônios. Finalmente, a recorrência em Ageu, Zacarias e

Malaquias dos motivos agrícolas apresentados no livro de Joel é explicada como o

resultado da unificação redacional da parte do(s) editor(es) da coleção dos

Profetas Menores.

Embora Nogalski reconheça o uso de palavras-chave que Schneider utiliza

para explicar a seqüência dos Doze, ele critica este autor por rejeitar a possível

origem redacional das mesmas palavras-chave. Nogalski, baseado na sua análise

nos textos dos Doze, reconstrói a história redacional dos livros, abordando os

textos na perspectiva de uma metodologia crítico-redacional e literária143. Após

uma pequena representação da macroestrutura do livro, o autor investiga a crítica

literária e apura que os escritos do livro dos Doze são o resultado da compilação

sucessiva dos vários pequenos relatos pré-existentes.

A. Schart144 parte da consideração dos títulos dos escritos de Oséias, Amós,

Miquéias e Sofonias, tomando por base os estudos de Nogalski. O autor estuda

detalhadamente a redação de Amós, por ser um texto sem maiores problemas, ser

de um profeta antigo e ser a chave de leitura para identificar as reconstruções

redacionais dos vários estágios na composição do livro dos Doze. Por isso, coloca

os seus estratos individualizados em relação com os outros escritos proféticos.

Esses estágios incluem um início de “dois volumes” que compreende as primeiras

formas de Oséias e Amós; um corpus deuteronomista (DK) que compreende

“Joel as Literary Anchor” for the Book of the Twelve”, in NOGALSKI, D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, pp. 91-92. 143 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve. Este primeiro livro é uma coletânea constituída dos livros de Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias; e de outra, com os livros de Ageu e Zacarias 1-8. No segundo volume, “Redactional Processes in the Book of the Twelve” são então investigados os livros cuja conexão com as coletâneas já existentes gerou o Livro dos Doze Profetas, a saber: Joel, Abdias, Naum, Habacuc e Malaquias, juntamente com os complementos posteriores de Zacarias. 9-14 e Jonas.

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Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias. Mais tarde, este conjunto foi ampliado com

outros escritos: Naum e Habacuc (NHK), depois Ageu e Zacarias (HZK). Vieram

posteriormente, Joel e Abdias (JOK), que não têm indicações temporais nos seus

títulos e são dominados pelo tema do “Dia de YHWH”. Enfim, foram inseridos

Jonas, que é um conto sem título, e Malaquias, uma coleção de discussões. Em

seguida, Schart analisa de modo crítico-literário o livro de Amós, chegando a

distinguir nele seis estratos, que são colocados em relação com os processos

redacionais presentes em outros escritos proféticos145. Às diversas fases

redacionais correspondem, pois, às variadas concepções da profecia, que

sustentam as bases para as expansões sucessivas tanto de Amós quanto dos Doze

como um todo.

Na moldura do estudo sobre Malaquias, Lescow partilha sua visão sobre a

composição dos Doze146. O autor, assim como Nogalski e Schart, argumenta sobre

as subscrições deuteronômicas encontradas nas obras pré-exílio ( Oséias, Amós,

Miquéias, Sofonias) e que oferecem a moldura literária de base dos nove

primeiros livros. Ele distingue os três livros pós-exílio (Ageu, Zacarias e

Malaquias). O conjunto tinha o seu centro no livro de Jonas, enquanto que Ageu,

Zacarias e Malaquias são construídos em torno do tema da Torah.

Em seu estudo sobre a “gênese do livro dos Doze Profetas”, Otto Kaiser147

também apóia a redação deuteronomística apontada nos estudos supracitados. O

autor declara que o profeta Amós atuou por volta da metade do século VIII a.C.,

ficando, por conseguinte, prescritos no máximo cinco séculos e meio para a

gênese do conjunto dos Doze. Possivelmente, os livros de Amós, Oséias e

Miquéias já estavam, no decorrer do século VI a.C. conectados ao livro de

Sofonias, sob a influência deuteronômica, para formarem um livro dos Profetas

Menores completo. A eles se juntou, no século V a.C., o conjunto pós-

deuteronômio dos livros de Ageu e proto-Zacarias. Mais tarde, no século IV a.C.,

os dois conjuntos foram reunidos, e acrescidos os livros de Joel, Naum, Habacuc e

144 Para Schart, parece apropriado falar de livro “dos Doze” para detectar a coleção como um todo e falar das doze unidades atribuídas aos diferentes profetas como “escritos”. Cf. SCHART, A., “Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs...” appendix 1. 145 Cf. SCHART, A. Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs, pp. 304-305. 146Cf. LESCOW, T., Das Buch Maleachi: Texttheorie, Auslegung, Kanontheorie; mit einem Exkurs uber Jeremia 8, 8-9, Arbeiten zur Theologie 75. Stuttgart: Calwer, 1993. 147 Cf. KAISER, O., Das Dodekapropheton oder Zwölfprophetenbuch, (1994). On line: www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/kaiser-12b.htm, 104.

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Jonas. Ao longo das modificações escatológicas subseqüentes do conjunto e, com

isso, das revisões conjuntas do livro de Zacarias 9-11 e 12-14, foram finalmente

tornadas independentes também as profecias atualizadas do livro de Malaquias,

que se encontram primariamente em Zacarias 8148. Com isso, o conjunto alcançou

seu número ideal de doze (ideale Zwölfzahl). A sua fase final de redação, tal como

o Dodekapropheton, deve ter sido até a primeira terça parte do século III a.C.

Clinnes149 declara que os textos eram produtos públicos compostos para

serem copiados e circulados. O autor, ao dirigir-se aos Doze como um trabalho

redigido, levantou duas questões: Por que existiu um livro dos Doze? E como

deve ser lido o livro dos Doze?

Paul Redditt150 responde às duas questões levantadas por Clinnes: os Doze

foram produzidos para leitores instruídos, minoria culta do antigo Israel, que

dispuseram da fala profética. Esses supostos leitores deveriam pertencer a uma

minoria alfabetizada no antigo Israel e, além de serem eruditos, deveriam ser ricos

o suficiente para terem o tempo livre para ler e ponderar sobre o que estavam

lendo. Também poderiam ser leitores voluntários; sem uma estrutura eclesial ou

política que forçasse a leitura, deixando de lado a fidelidade às tradições

incorporadas nos Doze. Assim, o livro deveria sugerir uma leitura que valorizasse

a voz profética. A finalidade da formação do conjunto era manter a herança

profética recebida, preservando-a de deturpações ou de outras mensagens

proféticas. Há indícios de que os grupos responsáveis pela redação tinham suas

esperanças centradas em Jerusalém e que tivessem influência deuteronomista

(Malaquias evidenciaria isto) e cultual (claramente verificada na fórmula de Ex

34,6-7), o que ocorre em Jl 2,13; 4,2; Mq 7,18; Na 1,2-3a. Quanto à segunda

questão, o autor aponta os leitores seletos, mostrando as diversas leituras, mas em

lugar algum foi descoberto um interesse na leitura dos Doze como um discurso

conectado.

148 Katrina Larkin, em um estudo sobre o Deutero Zacarias, mostra que “o Livro dos Doze” abre com notas escatológicas, em Os 2,2.16-17 e 3,4-5, do próprio profeta. Outra passagem escatológica, freqüentemente em forma de adições inclui Jl 3 e 4; Am 9,11-15; Ab 15-21; Mq 4,1-4; 4,6-8; 5,1-5; Hab 3,3-13; Sf 3,14-17.18-20; Ag 2,20-23; Zc 8,20-23; muito de Zc 9-14 e Ml 3,19-21.22-24. Cf. LARKIN, K. A., “The Eschatology of Second Zechariah: A Study of the Formation of a Mantological Wisdom Anthology, Kampen, the Netherlands: Kok Pharos, 1994, pp. 218-219. 149 Cf. CLINNES, D. J., “Why is there a Song of Songs, and What does it do to you if you read it?” Jian Dao: A Journal of Bible and Theology 1 (1994) 3-27. 150 Cf. REDDITT, P. L. “The Production and Reading of the Book of the Twelve”, pp. 11-33, 13.

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Paul Redditt151 reconhece que o estudo do livro dos Doze oferece ampla

evidência do fato de que esses livros teriam sofrido uma série de redações que

culminariam em uma coleção de vozes proféticas, algumas bem conhecidas,

outras não, que atravessariam os séculos. O argumento desse autor também é o

mesmo apresentado anteriormente por Nogalski: os Doze nasceram de um certo

número de livros já existentes, que foram unidos pela técnica de modificar os

finais dos livros individuais e os inícios dos livros seguintes para fazer com que

eles se adequassem uns aos outros. Na sua opinião, essa conclusão global

sustenta-se mesmo se não se aceitam todos os exemplos dos livros.

Outras técnicas são menos evidentes e foram de índole temática ou recurso a

frases comuns: o uso de transições temáticas entre os livros, como a transição

entre Mq 7,18-19 (a destruição da Assíria) e Habacuc (a destruição da Babilônia);

o eco de certos versículos recorrentes com a expressão “profundeza do mar”, que

aparece somente em Jn 2,4 e Mq 7,14; ou também o uso de Ex 34,6-7 em Jl 2,12-

14.18; Jn 3,9; 4,2; Mq 7,18-19 e Na 1,3152. O autor considera que esta série de

redações parece ter sido deliberada como aquela do corpus de Isaías, com a qual

existe uma relação que pode ser definida como diálogo, sendo que o que está claro

é que foram redações conscientes, mas que preservaram a individualidade dos

escritos.

Em 1995, B. A. Jones, ao trabalhar sobre a formação do livro dos Doze153,

censura os exegetas, tais como D. A. Schneider, A. Y. Lee, P. R. House, J.

Nogalski, por só considerarem o TM não levando em conta os outros testemunhos

textuais cujo interesse não está mais demonstrado nos estudos bíblicos em geral.

Jones começa então a distinguir os três principais testemunhos textuais dos Doze:

o TM, a LXX e 4 QXIIª. Na sua opinião, as descobertas de Qumran trazem uma

luz sobre a formação dos Doze. Assim, Jones estima que a ordem dos livros

atestada pelo rolo de Qumran (4 QXIIª), isto é, com o livro de Jonas no final da

classificação, é, sem dúvida, a mais antiga das três; a segunda lista mais antiga é a

da LXX, com Joel, Abdias e Jonas inseridos após Oséias, Amós e Miquéias. O

TM seria uma etapa mais trabalhada do livro dos Doze.

152 O texto de Ex 34,6-7 já foi mencionado acima no estudo de LEEUWEN, R. C., Scribal Wisdom and Theodicy in the Book of the Twelve. 153 Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, pp. 170-176.

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Uma segunda edição teria inserido Joel e Abdias no lugar que eles ocupam

na LXX, configurando a um livro dos Onze (a Book of Eleven). Em seguida, foi

unido o livro de Jonas após Malaquias – assim como indica 4 QXIIa – com um

comentário retrospectivo sobre a literatura profética à luz do atraso observado

pelo castigo prometido às nações. Enfim, logo que seu caráter profético foi

reconhecido, Jonas teria sido colocado para concluir a primeira metade dos Doze.

Estaria formado, destarte, o livro dos Doze (a Book of Twelve)154.

Por sua parte, reunindo dezoito artigos que publicou entre 1980 e 1995

sobre os livros de Oséias e Amós, J. Jeremias publicou em 1995, um volume

tendo por subtítulo “Studien zu den Anfangen des Dodekapropheton”155. Ele

mostra que já nas mais antigas etapas da história redacional dos Doze, encontra-se

a intenção (redacional) de compreender e de apresentar as profecias diferentes

como uma “unidade a várias vozes” (eine stimmige Ganzheit). Os editores não se

contentaram em reler os materiais existentes por diversas técnicas de junção, pois

aprofundaram a mensagem de Amós e a reuniram com a de Oséias em uma nova

síntese. Oséias e Amós pertenceriam ao núcleo mais antigo do livro dos Doze e

haveria entre estes dois livros palavras-chave. Em seguida, chama atenção para os

quatro livros que possuem uma introdução “deuteronomista”, a saber: Oséias,

Amós, Miquéias e Sofonias. J. Jeremias observa que a tradicional preocupação

dos antigos redatores era exatamente contrária à nossa – preocupamo-nos em

descobrir a identidade histórica de cada profeta; os antigos redatores e leitores

estavam preocupados em descobrir, na perspectiva própria de cada profeta, a

unidade da mensagem divina, através de sua formulação multiforme156.

Em 1997, Bosshard-Nepustil157 investigou a conexão intertextual entre os

livros proféticos e sua importância para o desenvolvimento do corpus profético.

Sua pesquisa, baseada na correlação entre os profetas Maiores e os Profetas

Menores, teve duas características principais: se, por um lado, construíram

estruturas conectando os paralelos temáticos e cronológicos e apontaram para uma

154 Sobre essas intuições defendidas por Jones, poder-se-ia fazer outras observações – para uma observação crítica.Ver, por exemplo, REDDITT, P. L., “Zechariah 9-14, Malachi”, p. 250 ss. 155 Cf. JEREMIAS, J., Hosea und Amos. Studien zu den Anfangen des Dodekapropheton, (FAT 13), Tübingen, J, C. B. Mohr, 1996. 156 Cf. JEREMIAS, J., Hosea und Amos. Studien zu den Anfangen des Dodekapropheton, p. 52. 157 Cf. BOSSHARD, E., Rezeptionen von Jesaja 1-39 im Zwölfprophetenbuch.Untersuchung zur literarischen Verbindung von Propnetenbüchern in babylonischer und persischer Zeit, Freiburg (Schweiz) Universitätsverlag / Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht (OBO 154), 1997.

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atividade redacional, que sobrepunha os livros; por outro, as correlações possuíam

conteúdos variados e por isso, exigiam uma exegese diacrônica. Esse autor, em

sua dissertação158, escreve que não havia, até a segunda metade do século VIII

a.C., essencialmente, nenhum corpus profético. Ao contrário, havia textos

isolados de Isaías, Oséias, Amós e Miquéias que não remontavam a uma forma

profética159. Possíveis exceções são Oséias e Amós, nos quais encontramos

antigos e importantes vínculos literários. A analogia entre estes quatro profetas

deve ter ocorrido na segunda metade do século VIII a.C., quando se registraram os

discursos proféticos orais, ao mesmo tempo, modificando-os para uma possível

integração ao texto que se formava. Esse acervo deve ter-se originado por uma

constelação histórica – o aparecimento ameaçador da grande potência Assíria -

que gerou risco para Jerusalém, na guerra siro-efraimita. Os acréscimos ulteriores

podem ser esclarecidos com segurança, mediante os resultados históricos

estabelecidos (o fim do Reino Norte).

Assim, Bosshard-Nepustil identifica duas redações em Is 1-39: uma exílica,

que ele chama de Redação (Assur / Babel-Red.) ao longo da Babilônia executa o

julgamento (587/6 a.C.); e a segunda, pós-exílio, que ele chama de Redação

babilônica (Babel-Red.), na qual o julgamento contra a Babilônia é esperado.

Ambas as redações lêem o livro de Is 1-39 e de Jeremias, seqüencialmente, como

livros ordenados. Do mesmo modo, o pesquisador identifica duas redações de

conteúdo comparável nos Profetas Menores: uma realizada no período do exílio, e

a outra, no período pós-exílio. Foram essas redações que orientaram a coleção,

sendo que primeiro havia os livros de Oséias a Sofonias; mais tarde, até Zacarias;

após a seqüência de Isaias e Jeremias. Uma redação tardia também aludia a Is 40-

66, pressupondo que estes capítulos seguiam Jeremias e não Is 1- 39.

Uma abordagem do tipo temático se encontra também em R. Rendtorff160,

que reconhece que muitos estudos contemporâneos dedicados aos Doze se

ocupam do desenvolvimento do Livro nos seus diferentes níveis através de um

certo período de tempo até sua forma final. No entanto, seu estudo prioriza o

158 Na parte C de sua dissertação: Resumo e Implicações, narra sobre o processo de Formação do Corpus dos livros dos Profetas. Cf. on line: www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/bosshard-rezept.htm, p. 434. 159 Este autor anteriormente trabalhou o livro dos Doze em paralelo com o livro de Isaías. Cf. BOSSHARD, E., “Beobachtungen zum Zwölfprophetenbuch”, BN 40 (1987) 30-62.

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seguinte passo: ler o Livro dos Doze como uma unidade, admitindo o seu

desenvolvimento161. O autor reconhece a importância dos títulos de cada livro

como elementos de composição. Primeiro, eles preservam uma certa identidade

por toda escritura individual – esta é a diferença básica do livro de Isaías, em que

a segunda e a terceira parte não têm títulos.

Segundo, os títulos dão uma moldura cronológica dos períodos histórico-

políticos dos últimos anos do Reino Norte aos últimos anos do Reino Sul (de

Oséias a Sofonias). Um grande quiasmo ocorre entre o fim da independência

israelita e a vida sob o dirigente Persa, incluindo o exílio da Babilônia. Nada desse

período é mencionado nos textos, mas o leitor entende isso, quando os próximos

dois profetas, Ageu e Zacarias, são datados de acordo com o rei Persa Dario. O

leitor será confrontado com problemas novos.

Rendtorff observa que os escritos que não possuem títulos com indicações

históricas, são agrupados em torno daqueles que possuem. Assim, Joel e Abdias

foram locados em torno de Amós; Jonas segue Abdias porque coloca a salvação

também para Nínive; enquanto que Abdias a restringe a Judá. A questão da

salvação do juízo já fora colocada pelo tema “Dia de YHWH” (yôm YHWH) em

Joel que, posto no início do livro dos Doze, dá um tom central ao tema que será

seguido até o final da coleção (Ml 3,23). Na sua opinião, esses três profetas – Joel,

Amós e Abdias – formam um grupo de escritos nos quais o “Dia de YHWH” é de

importância central. Joel e Abdias não são datados, assim faria sentido dizer que

as posições que ocupam (no TM) foram baseadas por esse tema comum.

Quanto à questão de Jonas seguir Abdias (TM), Rendtorff162 avalia que

alguns estudiosos vêem essa colocação sob o ponto de vista cronológico, ao

identificarem o escrito de Jonas no livro dos Doze com um personagem de 2 Rs

14,25. Todavia, resta a questão: se os redatores, ou quem compilou o texto final,

quisessem enfatizar essa identificação de Jonas, por que não o fizeram

explicitamente? A relação entre Jonas e Abdias se realiza pelo tema da possível

salvação universal. Esta também é uma das perguntas centrais de Joel com

respeito ao “Dia de YHWH”. No entanto, para Abdias esse não é um problema;

160 Cf. RENDTORFF, R., “How to read the Book of the Twelve as a Theological Unity”, in NOGALSKI, D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, pp. 75-87. 161 Ibid, p. 76. 162 Ibid, p. 77.

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para ele, só Judá será salvo. Na mensagem de Jonas, ao contrário, Nínive, a cidade

pagã, poderá ser salva se ela realmente se arrepender. Naum é posto após Jonas,

porque neste se fala de uma Nínive fictícia; enquanto que, lá, de uma Nínive real,

oposta a Judá. O livro de Habacuc parece ter uma razão cronológica – o profeta

fala sobre o inimigo estrangeiro, que só surgiu no último período da história antes

do exílio: a Babilônia. Por essa razão, sua posição é próxima a Sofonias, que data

desse período. Finalmente, Malaquias, que pertence à era pós-exílio, não poderia

ter sido colocado em outro lugar.

Rendtorff verifica as inter-relações entre os escritos quanto ao tema do “Dia

de YHWH”. Para ele, a coerência será reconhecida principalmente através dessas

inter-relações sobre o tema e sua terminologia. É preciso, além disso, imaginar

que os responsáveis pela atual composição do Livro tenham pensado que o leitor

conheça tudo o que está escrito em cada um dos livros dos Doze Profetas, ou seja,

esteja atento aos diferentes aspectos do tema nestes livros, sabendo conectá-los.

Dessa maneira, pode-se percorrer a linha temática que perpassa o Livro dos Doze:

“O Dia do Senhor”.

Zapff163 é da mesma opinião de Rendtorff, em sua observação sobre os

títulos dos livros dos Profetas Menores. Se por um lado essa averiguação fala a

favor de uma leitura de unidades isoladas, por outro, é exatamente um indício de

que os livros foram transmitidos e deveriam ser lidos realmente como uma

coleção ordenada cronologicamente. O autor ressalta que o livro de Miquéias,

segundo a seqüência massorética, posiciona-se bem entre Jonas e Naum, nos quais

se encontram textos de Miquéias, que podem ser entendidos a partir dessa

seqüência. Ele considera possível uma inter-relação entre esses livros a partir de

indícios formais. Deveríamos, nesse caso, contar com um processo redacional

com diversas inserções, responsáveis estruturas, relações temáticas e verbais entre

os livros. As intervenções redacionais poderiam ser observadas não só no

conjunto, mas também em cada um dos livros individualmente. Na sua opinião, o

livro de Miquéias reflete a seqüência das diferentes perspectivas dos povos dos

livros de Joel, Jonas e Naum.

163Cf. ZAPFF, B., “Die Völkerperspektive des Michabuches als, Systematisierung “der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum?”, BN 98 (1999) 86-99.

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Conrad164 é conhecido dos leitores pelo seu primeiro trabalho em Isaías.

Neste estudo, ele continua a aplicação de seu método literário para a leitura dos

profetas. Ele, como Bosshard e outros, vê muitos paralelos entre Isaías e o livro

dos Doze – ambos marcam o movimento da profecia oral para a profecia escrita,

intencionada para ser lida em voz alta para a geração posterior. Ao afirmar que o

trabalho dos Doze é uma “colagem literária”, por ele qualificada como uma

coleção intencionalmente agrupada de trabalhos literários, um trabalho de arte em

seu próprio meio, que destaca suas fontes ou seu desenvolvimento, o autor propõe

a mesma estratégia de leitura de Steck – ler os livros do início ao fim, com a

finalidade de compreender o todo em suas partes e suas partes nos termos do todo.

Conrad não acredita na diacronia da história, com construções de um passado ou

de um desenvolvimento redacional profético, ele prefere traçar o desdobramento

do livro em termos literários, em vez de termos históricos. Na sua opinião, a

Sagrada Escritura é valorizada não pelo seu enfoque histórico, mas pela sua

qualidade literária. Por isso, os livros proféticos, considerados pelo autor

amplamente poéticos, deveriam ser lidos não como dados para reconstruir a vida e

os tempos dos profetas, e sim vistos na sua característica literária.

Conrad considera Zacarias como um personagem em um contexto próprio; e

o livro de Zacarias como parte de um todo maior, o livro dos Doze. Após uma

breve revisão do modo como o livro de Zacarias tem sido estudado, Conrad traça

a sua estratégia de leitura para um livro profético. Na sua avaliação, é a voz de

Zacarias que continua como o mensageiro de Deus através de todos os outros

profetas. O autor observa que a mudança da designação de “profeta” para a de

“mensageiro” é um dispositivo literário importante para mostrar a diferença entre

a recepção da palavra de Deus - quando ele está ausente do seu Templo, e quando

ele está novamente presente. Sua avaliação é muito útil para se compreender o

trabalho da crítica literária dentro da visão da passagem das palavras faladas pelos

profetas para as palavras de Deus, escritas para serem lidas por toda a

comunidade. O autor estrutura os Doze em duas partes: de Oséias a Sofonias; e de

Ageu a Malaquias. As duas partes apresentam diferenças, no entanto, é nas

164 Cf. CONRAD, E. W., Zechariah. Readings: A New Biblical Commentary. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999.

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diferenças que se pode notar como os Doze podem ser configurados como um

todo165.

Petersen166 também utiliza o fenômeno das palavras-chave para demonstrar

a ligação entre os livros. O autor igualmente exemplifica o fato de o livro de

Amós ser seguido pelo de Joel, explicando a repetição das frases paralelas = “o

Senhor ruge de Sião/ e pronuncia sua voz de Jerusalém”, que ocorre em ambos, no

início de Amós (Am 1,2) e no fim de Joel (4,16; 3,16). Petersen pensa que tal

proximidade pode ser devido a um editor, que colocou esses dois livros em sua

ordem atual. Os textos de Hab 2,20 e Sf 1,7 oferecem um caso comparável, com

sua advertência para o “silêncio” diante de YHWH.

Além disso, Joel precede Amós por sua referência idêntica ao Senhor

rugindo de Sião, o tema de “tremor” e a promessa da restauração da nova videira.

Na junção de Oséias e Joel, o princípio mais importante é aquele da metáfora

agrícola incluindo a videira, o vinho e o grão em Oséias 14,8-9 e Joel 1,5.7.10.12.

Estes são encontrados precisamente onde os dois livros apresentam e demonstram

uma justaposição deliberada baseada no tema. De outro lado, porém, o fator maior

para que esses profetas tenham sido guardados juntos, e não misturados

cronologicamente com os profetas maiores, demonstra que a cronologia foi um

tema secundário na compilação dos Doze. O autor sugere, porém, não argumenta

extensivamente que o tema unificante dos Doze Profetas é o “Dia de YHWH”167.

2.5.5 Análise crítica das propostas apresentadas pelo viés da compilação literária

Na avaliação do estudo de Schneider, observa-se que o autor é meticuloso

ao articular uma reconstrução plausível da origem dos Doze. O seu argumento

para uma primeira coleção consistindo de Oséias, Amós e Miquéias foi a parte

mais convincente e talvez, por isso, foi seguida por muitos autores. A sua datação

para os escritos de Zacarias 9-14 também encontra ecos em recentes estudos168.

165 Cf. CONRAD, E. W., Zechariah, pp. 12-18. 166 Cf. PETERSEN, D. L., “A Book of the Twelve?”. In: NOGALSKI, J. & SWEENEY, M., (ed), Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 6. 167 Cf. PETERSEN, D., “A Book or Twelve?”, pp. 7-10. 168 Cf. HILL, A. E., “Dating Second Zechariah: A Linguistic Reexamination”, HAR 6 (1982): 105-134; C. L. MEYERS & E. M. MEYERS, Zechariah 9-14, The Anchor Bible Vol 25B (Garden City, NY: Doubleday, 1993), pp. 18-28.

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Schneider discutiu cuidadosamente o papel das alusões bíblicas internas e das

citações representadas na criação da seqüência dos livros entre os Doze. O autor

também afirmou que os livros de Joel e Habacuc, em particular, foram

primeiramente composições literárias designadas a ocupar suas respectivas

posições no corpus profético. No entanto, Schneider não apontou as evidências

históricas externas para as suas informações. A dificuldade tanto deste autor

quanto dos outros é justamente explicar os paralelos literários entre os vários

livros proféticos – falta-lhes evidências externas para a origem e a pré-história do

corpus profético.

Outra dificuldade vista no trabalho de Schneider é a forma como elabora a

relação das evidências internas do livro dos Doze, ou seja, como ele analisa a

história literária das várias unidades textuais. Schneider atribui a autoria do livro

dos Doze aos próprios profetas, que são nomeados nos livros proféticos. Tal

argumento, além de muito duvidoso, revela a dificuldade do autor de identificar os

estágios de composição que precederam os textos recebidos169.

Nota-se ainda que Schneider atribuiu quase todas as similaridades nos textos

explicando a dependência literária de um texto profético sobre outro, o que ele

descreve como uma cadeia quase ininterrupta de tradições proféticas, desde os

primeiros escritos até a conclusão final com Malaquias. Todavia, se pensarmos

que as falas e escritos proféticos já existiam no Antigo Israel, apesar de poucos

textos terem sido preservados, seria, então, mais provável que a linguagem e

temas formados entre os profetas fossem o resultado da apropriação mútua de

tradições independentes do que o empréstimo direto de um escrito profético pelo

outro.

Embora a formulação de Clements seja interessante para uma compreensão

da origem do livro dos Doze, o autor não mostra as implicações de suas

observações em vista de uma compreensão mais específica, da origem e união da

169 Na opinião de Jones, a mais severa limitação do trabalho de Schneider é a falta de atenção que ele devota às diferenças entre os textos da LXX e do TM do livro dos Doze. O autor ignora a seqüência variada dos livros na LXX, argumentando que essa ordem é uma seqüência variante dependente da do TM. Se Schneider tivesse investigado a unidade literária na LXX, seguindo sua própria metodologia, ele a teria encontrado; muito mais evidente que a ordem LXX dos seis primeiros livros dos Doze é seu corpus literário unificado. Jones, no cap. 5 de sua dissertação, mostra que a relação literária, temática e estrutural entre os primeiros seis livros no arranjo dos LXX é igualmente coerente e coesa com aqueles que Schneider identificou para o TM do livro dos Doze. O mesmo argumento será feito no cap. 4 para a ordem atestada em 4 QXIIa a qual Schneider não teve acesso. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 28.

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coleção, e nem discute exemplos específicos dos traços unificantes dentro do

corpus, além do modelo apresentado de julgamento e salvação.

Lee, ao contrário, em seu estudo, posicionou-se contra os argumentos de

muitos estudiosos ao concluir que os elementos de esperança nos livros dos

profetas pré-exílio (Oséias, Amós e Miquéias) não foram, na sua maior parte,

adições redacionais, mas a proclamação dos próprios profetas. Na sua opinião, os

coletores dos livros dos Profetas Menores encontraram conforto naqueles textos

de esperança ou textos promissores; e formaram toda a coleção à luz do modelo

de julgamento e esperança. O autor não faz uso da dissertação de Schneider,

justificando-se que, embora o trabalho deste autor esteja baseado na tentativa

conscienciosa de compreender o livro dos Doze como um único volume, ele não

emprega uma abordagem canônica. Embora Lee receba a influência do artigo de

Clements, seu método de trabalho é identificado com a abordagem canônica de B.

Childs170. É bom lembrarmos que Childs evitou abordar o tema da unidade do

livro dos Doze, alegando que esta permanece um problema a ser resolvido.

Acreditamos que a questão da unidade dos Doze ainda permanece aberta.

A divisão tripartida oferecida pelo estudo de House também depara com

dificuldades, porque dentro de cada um desses pequenos escritos não há apenas

julgamento contra o pecado, mas também promessas de uma restauração futura

para o povo de Deus171. À primeira vista, de fato, os três elementos temáticos

constituem parte integrante de todos os escritos proféticos, mas parece arbitrário,

por exemplo, descrever o objetivo do conteúdo dos escritos de Joel sob o tema

“demonstração do pecado”, porque o pecado vem implicitamente pressuposto,

mas tematizado só em Jl 4,4-8. Uma outra dificuldade é que o autor deixou de

lado alguns livros, por exemplo, o livro de Jonas. Também é questionável a

aplicação de termos da narratologia a textos poéticos. Fica claro, então, que há um

movimento contínuo entre as duas posições – pecado e salvação – em cada um

170 Cf. CHILDS, Introduction to the Old Testament as Scripture, (Philadelphia: Fortress Press, 1979), 308-309, apud JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 30. 171 Para Schart, a divisão proposta por House é totalmente global e peca pela falta de precisão. Conferir as observações críticas de SCHART, A., “Redactional Modes: Comparisons, Contracts, Agreements, Disagreements”, in Verkuendigung und Forschung 43,2 (1998) 893-908, p. 898.

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dos livros; e, freqüentemente, dentro de capítulos únicos, numa visão maior do

que uma continuidade linear de Oséias a Malaquias172.

Apesar de o modelo de julgamento e esperança ser facilmente identificável

dentro do corpus profético, podendo até ter sido um fator unificante, como

Clements já havia argumentado, os textos são muito mais diversos e complexos

do que House descreve173. Assim, podemos concluir que este autor simplifica

muito ao apresentar a sua temática, pois não discute a origem histórica dos

simples escritos proféticos e da coleção dos Doze. Além disso, alguns livros são

deixados de lado, como é o caso de Jonas. Também é questionável nele a

aplicação de termos da narratologia a textos poéticos. Dessa forma, os vários

pontos apresentados em seu trabalho não são suficientemente precisos para

estabelecer as ligações que o autor pretende fazer.

Já o texto de Marks avalia o livro dos Doze numa perspectiva literária, sem

diminuir a diversidade ou complexidade dos textos. Este autor descreve o livro

dos Doze em relação à interação dos textos e das vozes. O texto refere-se a uma

estrutura única, incluindo o livro dos Doze, as características unificantes que

estudiosos como Schneider, Clements e House já haviam identificado. Porém,

Marks dá atenção às diversas vozes dentro dos textos proféticos, tanto os

elementos diversos quanto os individuais, que não foram ajustados nos esquemas

anteriores. O autor ainda argumenta que, embora a forma canônica do livro esteja

designada a consolidar o seu complexo conteúdo dentro de uma unidade literária,

a sua discordância do livro não pode ser totalmente silenciada.

O grande marco na pesquisa da história da gênese do Livro dos Doze

Profetas, desde Schneider, foi, sem dúvida, o estudo de Nogalski. O autor ampliou

a pesquisa crítico-literária anterior com sua investigação fundamental do

172 Na opinião de Ben Zvi, o autor reconhece claramente essas conclusões marcadas de esperança em cada um desses textos, mas ele admite que elas somente abarcam um pequeno papel em suas análises, e ele está mais interessado na trama do livro dos Doze do que na trama dos livros individuais. Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or ‘The Twelve’: A Few preliminary Considerations, p. 128. 173 Jones sustenta que a visão de House é reducionista - o autor reduz ao extremo uma diversidade rica de conteúdos proféticos a um esquema muito simplista. Jones também comenta que a declaração de House sobre a pesquisa histórica (“historical research has not successfully uncovered the structure of the Twelve because that structure is governed by literary principles”. Cf. HOUSE, P., “The Unity of Twelve,” 67) mostra o quanto o autor ignorou os temas literários tratados por Schneider em sua dissertação, e que a sua tentativa inovadora de descrever o livro dos Doze em uma categoria formalista é definitivamente inferior ao tratamento de Schneider serve apenas para demonstrar as limitações de tal abordagem com relação aos Profetas Menores. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 31.

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fenômeno da ligação por meio das palavras-chave. Embora vários autores

(Delitzsch, Cassuto, Schneider) já tivessem anteriormente demonstrado que as

palavras-chave tinham a função de posicionar alguns escritos, Nogalski

considerou este fenômeno em todos os escritos dos Doze174. No entanto, este autor

não chegou a elaborar uma visão de conjunto dessas relações, assim como não

chegou a uma conclusão sobre o que esses dados representam para a leitura do

profeta em particular e do conjunto dos Doze. Tal procedimento de Nogalski se

preocupa pouco com a macroestrutura de cada texto do Livro dos Doze Profetas.

Os acréscimos secundários apurados foram considerados de acordo com uma

dupla perspectiva: por um lado, o autor considera se os acréscimos permitem

reconhecer relações intencionais dos diferentes livros entre si; por outro, tenta

assinalar os diferentes estratos de acréscimos redacionais que do mesmo modo são

identificáveis também em outros lugares do Livro dos Doze Profetas175.

Essa via de abordagem limitou a visão do autor. F. Delitzsch e U. Cassuto176

já haviam apontado o fato de que as ligações através de palavras- chave para casos

tais como, Jl 4,16 e Am 1,2; 9,12; Ab 19; Hab 2,20 e Sf 1,6 encontram-se também

em outros lugares dentro dos escritos proféticos. Cassuto ainda aponta para esse

fenômeno, não apenas nos livros proféticos, mas nos Cânticos dos Cânticos, assim

como nos textos legais. Como, então, podemos sustentar as evidências para uma

ligação redacional entre os escritos apontados por Nogalski e ignorar os termos e

expressões que não se encontram próximos nos outros livros? Estas relações que

não se encontram nos capítulos conclusivos ou iniciais desempenham somente um

pequeno papel no trabalho de Nogalski. Mesmo se a posição do autor estiver

correta, a de que Abdias tenha sido moldado redacionalmente sob influência de

Amós 9, isso pode explicar, mas não requerer a relação de Amós e Abdias no TM

174 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, p. 13. 175 Mesmo que Nogalski tente dar um tratamento equilibrado acerca da questão dos verbos paralelos entre os textos – se eram o resultado de uma inserção redacional, ou se as palavras-chave estavam já presentes nos textos, quando os vários livros foram unidos – o que foi a conclusão de Schneider –, as observações de Nogalski são, quase sem exceção, que as palavras-chave são o resultado de uma atividade redacional. Embora ele diferencie entre os textos que possuem evidência de status redacional, e os em que essa evidência é menos atestada, mesmo nos casos questionáveis faz a opção pela explicação da inserção redacional. CF. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve”, pp. 37-40. 176 CF. DELITZSCH, F., Wann weissagte Obadja?, 1851, 92 e CASSUTO, U., “The sequence and Arrangement of the Biblical Sections” Biblical and Oriental Studies, I, Jerusalém: Magnes Press, 1973, pp. 1-6.

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dos Doze. Não deveria ser surpresa que um livro relativamente tardio como

Abdias tenha sido influenciado pelo livro de Amós177.

Além disso, a avaliação das palavras-chave no trabalho de Nogalski

depende exclusivamente da seqüência do TM do livro dos Doze. Esta dependência

limita o seu trabalho de dois modos: a seqüência dos primeiros livros não é a

mesma nos arranjos da LXX e do TM, e o uso das palavras-chave exige que os

livros sejam contíguos dentro do rolo dos Doze. Ou seja, a presença das palavras-

chave no livro de Joel 1 com Oséias 14,8 pede que o livro de Joel siga o livro de

Oséias, o que não ocorre no arranjo da LXX. Diante de uma das exceções

encontrada entre Jonas e Miquéias (Jonas 4 não tem ligação com Miquéias 1,1s,

mas Jn 3,2 sim), e como há relações entre Abdias e Miquéias, Nogalski conclui

que Jonas foi inserido posteriormente. Entretanto, Nogalski ao tirar esta conclusão

de que o livro de Jonas é o último escrito independente a entrar no Corpus dos

Doze – conclusão esta já estabelecida por Budde - parece ter levado em

consideração o fato de que o livro de Jonas posiciona-se diferentemente nos três

manuscritos do livro dos Doze, e também na seqüência de 4QXIIa, em que este

livro é o último do rolo. Além disso, Ben Zvi mostra (com exemplos) que, para a

avaliação do fenômeno das palavras-chave não devem ser considerados os termos

separadamente, mas os sintagmas em que ocorrem, o contexto, seu sentido

concreto, sua perspectiva, etc.

A suposição de um “Corpus Deuteronomístico” abrangendo os materiais

básicos de Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias é bastante convincente, embora

177 Ben Zvi é mais claro em suas críticas: ele mostra que o texto de Abdias aponta para o oposto das conclusões de Nogalski sobre a ligação deste livro com Am 9,1-15. Na sua visão, as afirmações de Nogalski servem a duas funções: proporcionam um julgamento contra Edom, nos quais os paralelos em Amós e Abdias intensificam o julgamento contra Israel em Am 9,1-10; e introduzem o motivo de uma Jerusalém centrada, retomada da monarquia Davídica. Se o livro de Abdias, em consideração a este argumento, é lido ou foi lido pelo leitor previsto como uma parte integrada de um livro dos Doze unificado e como uma sessão intimamente unida a Amós, talvez a afirmação de Nogalski permaneça. Mas se Abdias é lido (ou foi lido) como um livro separado, então podemos notar que não há no mesmo referência para o julgamento contra a casa de Jacó/Israel, nem alguma referência para a monarquia Davídica. Ao contrário, Abdias menciona o julgamento contra Edom e as “nações”, excluindo claramente a casa de Israel – pois Israel não era como os cuchitas (cf. Am 9, 7), ou qualquer uma “das nações”, o que é um tema central em Abdias. Além disso, o reinado do Senhor é apresentado em Abdias de modo a provocar uma associação com o que foi compreendido ser “Israel” no tempo dos Juízes. Também a falta da menção da restauração da dinastia e a ênfase no reinado do Senhor claramente identificam Abdias com Sofonias e o processo redacional que forma o livro dos Salmos. E todos eles podem ser compreendidos como expressão de uma corrente teológica ou ideológica que se posiciona em tensão com o que está refletido em Am 9, 11. Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or ‘The Twelve’, p. 129.

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certamente se possa discutir ainda sobre a designação “deuteronomística”. O

argumento mais forte nessa conexão é o sistema de títulos (Os 1,1; Am 1,1; Mq

1,1; Sf 1,1), assim como a consideração da grande significação que Joel tem para

o Livro dos Doze Profetas178. Para Nogalski, o estrato relativo a Joel foi de

significado decisivo para a forma final do Livro dos Doze Profetas179.

Isto ocorre também em Zc 14,1, que difere de Malaquias; mas há relações

entre Zc 8,9-13 e Ml 1,1-5, o que leva a considerar-se Zc 9-14 como acréscimo

posterior. Dado que o fenômeno das palavras-chave no livro dos Doze não pode

ser considerado acidental, poder-se-ia pensar que tais escritos não foram reunidos

quando o livro já se encontrava em sua forma final. Porém, não se pode garantir

que todas as conexões sejam redacionais, pois tais palavras-chave já poderiam ter

vindo nos escritos, antes da intervenção redacional. Mesmo que alguns dos

exemplos de Nogalski sejam convincentes, muitas das palavras estudadas também

ocorrem freqüentemente na Bíblia Hebraica, daí a fragilidade do argumento de

que a presença delas dentro da união do livro dos Doze seja o resultado de uma

redação intencional. Por exemplo, “habitante”, uma das palavras citadas por

Nogalski em Os 14,8 e Jl 1,2 como palavra-chave redacional, apresenta-se mais de

duzentas vezes na Bíblia Hebraica. Ele inclui ainda outras palavras comuns, tais

como: mar, rio, montanhas, terra, dia, etc., que ocorrem pelo menos centenas ou

milhares de vezes na Bíblia Hebraica180. Assim sendo, cada conexão deve ser

examinada independentemente, para verificar se iluminam ou não a questão da

unidade do livro dos Doze. Não se pode fazer generalizações facilmente, pois não

178 Também Jones enfatiza que a explicação mais importante acerca da expansão da coleção dos Profetas Menores, feita por Nogalski, foi a inserção do livro de Joel na coleção. Para este autor, a análise exaustiva de Nogalski e a sua sensibilidade para os temas teológicos e literários são exemplares. Talvez o papel mais louvável do trabalho de Nogalski seja a clareza e a consistência de sua metodologia. “He elucidates a self-conscious and balanced methodological approach to the problem of the formation of the Book of the Twelve and follows this methodology throughout the curse of his treatment”. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve”, p. 36. 179 No entanto, Schart considera que Nogalski assinalou a esse estrato mais trabalho redacional do que de fato houve. Cf. SCHART, A., resenha crítica das obras de NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve. Berlin – New York: Walter de Gruyter 1993. BZAW 217. Redactional Processes in the Book of the Twelve Berlin – New York: Walter de Gruyter, 1993. BZAW 218. [In: http://www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/steck.htm] 180 Ben Zvi é da mesma opinião e acrescenta que se pode encontrar prováveis alusões, textos paralelos e similaridades temáticas não só entre os Doze livros Proféticos incluídos no livro dos Doze, mas também nos outros três livros Proféticos, que não estão incluídos no livro dos Doze, a saber, Isaías, Jeremias e Ezequiel. Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or ‘The Twelve’, p. 136.

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se pode garantir que uma técnica de conexão fosse sempre e uniformemente

utilizada.

O trabalho de Schart se destaca pela sua metodologia exegética crítico-

literária. De fato, os estudiosos têm, até recentemente, dado pouca atenção às

possibilidades interpretativas que sustentem uma análise dos Doze como um todo

e o lugar e a função destes livros proféticos em um contexto maior. No entanto,

surge uma questão: o autor não dá uma adequada atenção para a forma final dos

livros proféticos que formam a coleção dos Doze escritos. De fato, tanto o TM

quanto a versão LXX devem ser considerados. As diferentes ordens dos livros e a

falta de um consenso a respeito da prioridade histórica e da visão hermenêutica

das outras formas sugerem que os livros eram individuais e entraram na coleção

dos Doze escritos como entidades coerentes separadas. Além disso, a análise de

Schart tende a isolar as unidades textuais individuais em seus respectivos livros

para depois relacioná-las às outras unidades dos outros livros constituídos no

Corpus profético sem uma consideração completa de seu caráter formal e literário.

O autor organiza os textos então, com base no seu conteúdo. Tal procedimento

limita as considerações a respeito de como estes textos formaram e influenciaram

a interpretação em um texto ou contexto mais amplo. Schart dá a devida atenção

ao contexto literário dos Doze Profetas, pelo menos em seus estágios redacionais,

mas ele freqüentemente dá uma atenção inadequada para a forma literária e

contexto dos livros proféticos individuais. Palavras individuais são facilmente

separadas de seu contexto literário sem uma completa consideração do papel que

representam dentro deste contexto.

Na visão de Scaiola181, o estudo nos escritos de Joel, Amós e Abdias trouxe

muitos dados interessantes de resposta à questão do “Dia de YHWH”. Os estudos

das inter-relações altamente complexas destes livros demonstram conter ainda

muitos outros elementos comuns. Em particular, Rendtorff estudou o tema “o dia

do Senhor” como fato complexo de arrependimento e salvação. O contributo

específico do artigo deste autor – o reconhecimento, não tanto através da temática

do “Dia de YHWH” por ele individualizada, mas através da função atribuída aos

títulos, aos quais até agora não tinha sido dado relevância (não obstante alguma

menção). Além disso, o autor reforça a necessidade de sair pela alternativa

181 Cf. SCAIOLA, D., “Il Libro dei Dodici Profeti Minori nell’esegesi contemporanea”, p. 331.

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metodológica entre leitura diacrônica ou sincrônica que, sobretudo no caso dos

Doze, parece rígida demais. O tema “Dia de YHWH” não é desenvolvido de

modo homogêneo no livro dos Doze, mas o conjunto quer levar o leitor à reflexão

sobre as diferentes mensagens.

Não se pode, porém, a partir destes dados, dizer algo mais exato sobre a

questão da unidade dos Doze. Tais ocorrências podem presumir, mas não

declaram ou assumem explicitamente que os livros dos Profetas Menores foram

vistos como uma única entidade literária. Estes estudos estão baseados sobre a

pressuposição de que o TM constitui a base para avaliar a forma final dos Doze.

De fato, coexistem igualmente a ordem dos LXX (e mesmo) aquela sugerida pelo

manuscrito de Qumran (4QXIIa).

Muitos autores têm trabalhado sobre a unidade dos Doze avaliando temas e

tramas. Entretanto, apesar dos progressos notáveis, a crítica dos últimos anos

ainda não chegou a um consenso acerca de tais questões. O estudo sobre a história

da unidade dos Doze demonstra um alto grau de discordância, tanto a respeito da

compilação originária quanto ao tipo da atividade literária do mesmo Corpus. Os

autores que insistiram sobre as palavras-chave foram censurados, notadamente por

Jones, pelo fato de não terem considerado a tradução LXX182. Esta crítica

constitui um convite a mais rigor e clarividência nas análises.

Ben Zvi representa na exegese moderna a tendência minoritária, que é

reticente quanto ao reconhecimento da unidade dos Profetas Menores. O autor tem

negado veemente que o livro dos Doze tenha sido originalmente visto como uma

unidade. Ele concebe estes livros como uma coleção de escritos, os quais alguns

têm, de fato, temáticas sobrepostas ou mesmo aludem uns aos outros, mas que

estes não possuem um sentido redacional como um todo. O autor aponta a

variedade de formas que compõem estes doze pequenos escritos, assim como a

ausência de uma subscrição para eles que indique tal unidade. Esta é, na sua

opinião, a maior evidência de que os livros não formam uma unidade.

182 Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, 36s. 206. Para encorajar o uso da LXX, ele coloca um exemplo típico: a afirmação comum de uma transição garantida por Am 9,12 (p. 175-190); no TM se justifica talvez o lugar de Abdias após Amós, pela alusão na conclusão de Am 9,12 à futura ocupação da terra de Edom por Judá, que é a questão de Ab 19,21. Ora esta ligação entre os dois livros não existe na LXX, porque a referência à Edom está ausente no texto Grego de Amós que lê: “o resto dos homens”, no lugar do TM que diz: “o resto de Edom”.

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Ben Zvi ainda questiona se é apropriado falar do livro como uma

composição intencional ou como uma coleção de escritos proféticos que se

cristalizaram em suas diversas formas. O autor pensa numa coleção de livros

independentes, que teve seu processo de leitura e releitura dentro das

comunidades pelas quais e para as quais o livro foi composto. Pode-se observar a

variedade das tendências literárias e teológicas encontradas no interior dos Doze.

Assim, na sua opinião, há poucas evidências que demonstrem que o livro dos

Doze foi composto como tal por escritores ou redatores183. O leitor pode até dar

conotações do livro como um todo, mas não está claro que esta era a conotação

que os redatores finais tinham em mente quando liam e re-liam os livros. Para o

autor, eles queriam preservar os escritos individualmente.

Um fator decisivo para Ben Zvi é a questão: como a comunidade-alvo

visada poderia ter lido todo o conteúdo dos escritos dos Doze Profetas? O autor

concorda que os marcadores textuais internos dirigiram e dirigem os leitores do

contexto imediato de cada pensamento unitário a um contexto mais amplo dos

livros individuais, mas não mais do que isso. Este autor privilegia o papel do leitor

dos escritos dos Doze sobre aquele do autor184.

Apesar da unidade deste Corpus obter cada vez mais o sufrágio e o sustento

dos críticos, em princípio, a nossa posição para a questão de um único livro é a

mesma de Ben Zvi ou pode ser parafraseada como segue: “one long, self-

contained scroll, yes; one grand, unified, literary Corpus, no”185. A princípio,

assumimos que ao chegar ao final de cada um dos livros da coleção atinge-se uma

conclusão. Mesmo em uma observação superficial dos livros dos Doze Profetas,

183 Para Sweeney, “Ben Zvi is certainly correct to emphasize the role of the ancient readers or implied audience in the interpretation of the so-called Book of the Twelve, but his proposal raises a methodological question that requires further examination, that is, the extent to which one can distinguish between the writer / redactor/ producer and the reader / recipient in such a scenario. The anonymous readers act as recipients of the text and interpret it accordingly, but in the act of interpreting the texts of the Twelve Prophets and defining their places within the larger Book of the Twelve, these readers become authors and redactors as well. This is implied in Ben Zvi’s designation of these readers as ‘writers’, but in his reluctance to ascribe to them any demonstrable role in the composition of the individual prophetic books that comprise the ‘Book of the Twelve’ he provides little guidance as to their ‘authorial’ or ‘productive’ activities or to their interpretation of the Twelve Prophets”. Cf. SWEENEY, M. A., “Sequence and Interpretation in the Book of the Twelve”, pp. 50-51, in NOGALSKI, J. D. & SWEENEY, M.A., Reading and Hearing the Book of the Twelve. 184 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or `The Twelve”: A Few Preliminary Considerations". In: HOUSE, P. R. & WATTS, J. W. (eds): Forming Prophetic Literature: Essays on Isaiah and the Twelve in Honour of John D. W. Watts. 185 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophets”, p. 130.

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cada um deles possui – excetuando-se o livro de Jonas – um título próprio que

pode ser mais ou menos comparado com o livro de Isaías ou de Jeremias, fato ao

qual enfaticamente aludiu Ben Zvi.

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3. Texto, constituição e organização

3.1 Tradução, notas filológicas e de crítica textual

O aparato crítico da BHS fornece algumas correções sugeridas pela LXX,

Tg, Vg e Syr186. As variantes apresentadas pela LXX oferecem pouca base para

uma escolha entre as leituras; os casos envolvem adição ou omissão da conjunção

w, presença ou ausência do artigo definido, uso ou omissão de um sufixo

possessivo, troca de singular pelo plural e vice-versa. Encontramos também

variantes ortográficas (cf. Mq 7,17). Estas alterações são influenciadas pela

interpretação do texto e diferem em tipo e estilo. Nota-se que há duas tradições

textuais distintas: aquela atestada pelo TM e por Mur 88187; e uma outra atestada

pela LXX. Na nossa tradução, consideramos que o TM deve ser conservado. As

propostas apontam para diversas vocalizações pouco precisas e divisões incertas

do texto. Nosso objetivo é mostrar que o TM tem um sentido plausível.O texto de

Mq 7,8-20:

186 Deve-se tratar com cautela as propostas apresentadas por estas versões, pois elas sugerem tratar-se mais de uma releitura interpretativa do que uma transliteração do texto original. A Vg e a Syr possuem íntima ligação com a LXX; e o Tg com freqüência parafraseia o TM, introduzindo topônimos que às vezes chegam a trocar o sentido inicial do TM, constituindo uma relação nova, desviando a mensagem primitiva. 187 Virtualmente idêntico com o TM, suas nove variantes dentre l.600 palavras da BHS são incidentais: troca de uma única consoante e presença ou ausência de matres lectionis, uma preposição, ou a conjunção w. Suas divisões combinam com as do TM. Cf. WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, 597. “Le texte de Mur 88 atteste donc la tradition textuelle du TM et prouve que celle-ci était déjà fixée au début du second siècle de notre ère. Ce texte pourra donc nous servir dans la suite pour juger de l’ancienneté des leçons du TM.” Cf. COLLIN, M. “Recherches sur L’Histoire Textuelle du Prophète Michée”, VTSupl, XX vol XXI, no. 3, 1971, 281-297, p. 285.

v. 8 Não te alegres, minha inimiga, por mim. . yli yTib.y:ao yxim.f.Ti-la;

Se caí levantar-me-ei; yTim.q' yTil.p;n" yKi

Se habito nas trevas, %v,xoB; bveae-yKi

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YHWH (é) luz para mim. s `yli rAa hw"hy>

a) A LXX (mh. evpi,caire, moi h` evcqra,) antecipa a expressão “por mim”,

pondo-a em construção direta com o verbo. Não vemos necessidade de tal

mudança.

Schökel188 destaca que a raiz verbal xmf acompanhada da partícula la;

enfoca alegrar-se por um mal. Ruprecht189 acrescenta que é uma alegria maliciosa

pela desgraça alheia. Isso implica que a inimiga regojiza-se com motivo – a

exaltação de sua vitória. Mas essa vitória não será permanente.

O particípio yTib.y:ao (minha inimiga) possui sufixo pronominal feminino

singular coletivo e enfoca personificações190. Jenni confirma que essa apóstrofe é

feita para uma coletividade – a saber, uma cidade ou uma nação, como tal ou no

sentido geral de um grupo, mesmo heterogêneo, mas considerado, na sua

coletividade, como adversário (cf. Ab 12ss; Sl 25,2; 35,19)191. A voz que fala no

texto reporta-se a uma violência recentemente sofrida nas mãos da inimiga, que,

nesse contexto, pode ser entendida como sendo a Babilônia, outra nação diferente,

ou todas as nações vizinhas que cooperaram ou viram com prazer a sua queda192.

188 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, São Paulo, 1997, 644. 189Cf. RUPRECHT, E. “xmf”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), München – Zürich, 1978, (trad. espanhola), 1041. Cf. também, BDB, 970 a. 190 Cf. JÖUON, P., A Grammar of Biblical Hebrew, 1991; transl. and rev. with additions by Muraoka, T., Rome: Pontificio Istituto Biblico, 1993, § 134 o, p. 496. 191 Cf. JENNI, E. “byao”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), 196. Cf. também BDB, 33a. Embora a raiz hebraica seja a mesma, a inimiga aqui mencionada não é a mesma daquela do v. 7,6. Aqui a palavra está no feminino singular contra o v. 7,6, que é masculino plural. Neste, a referência é genérica; e, aqui, é específica. Por todo o Livro de Miquéias não encontramos nenhuma citação de qualquer inimigo no gênero feminino, a não ser em Mq 7,8.10. Em 4,1s. refere-se a nações e 5,5 está no masculino singular. A partir destes dados, torna-se mais evidente o fato de que a referência à “inimiga” abre e fecha esta sub unidade. 192 Têm sido várias as respostas sobre a identidade dessa inimiga; o Tg a identifica com Roma (Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, 196); Rashi com Babilônia; NJPS sugere Damasco; Allen e Mays entendem ser Edom, por acharem que o v. 9 remonta à vitória da Babilônia sobre Judá (cf. Is 34,5-6.8; Sl 137,7; Ez 21,2-4; 25,12ss; 35,1ss; Ab 10ss; Sl 137,7). Isso colocaria a profecia mais de um século após o término do ministério de Miquéias. Cf. ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, 394. Mays ampara essa hipótese nos textos de Is 34, Ab e Sl 137. Cf. MAYS, J. L., Micah, 158. Limburg partilha desta opinião, baseando-se também no texto de Ab 12. Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 194. A linguagem de Mq 7,8 não é específica o bastante para amparar tais identificações. Pode-se considerar que a “inimiga” enfoca um povo estrangeiro personificado, inimigo de Judá, sem nenhuma alusão histórica. A única chave de leitura é teológica. Deus irá libertar o seu povo desse estado caído e perdoará os seus pecados. “ The prophecy is stated abstractly, never naming the enemy, because it is applicable to the salvation of God’s people from any enemy, for its salvation rest on God’s fidelity to the Abrahamic covenant [v.20]. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754.

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A inimiga verá a inesperada mudança da condição daquela que lhe fala. Esta não é

um indivíduo, mas apontada como a nação judaica personificada, e tão

proeminente em toda a profecia. Sua situação difícil é similar àquela apontada no

v. 4,11. Em ambos os casos é prognosticada a libertação de Sião das mãos de sua

inimiga, ou a queda desta. A palavra yTib.y:ao ocorre duas vezes no Livro de

Miquéias, nos vv. 7,8.10193.

b) A conjunção yKi deve ser traduzida de forma concessiva (se, ainda que),

introduzindo a real condição da oração – a razão por que a inimiga não poderia se

regozijar é expressa na colocação seguinte194. Tanto a LXX quanto a Vg traduzem

a partícula yKi por “porque” (o[ti e quia). Nessas versões, apenas a palavra seguinte

(yTil.p;n / lpn) é regida pela preposição yKi, pois é ela quem daria razão ao prazer da

inimiga. Todavia, entendemos que o ritmo da sentença que estabelece o

paralelismo sintético permite que a partícula yKi, aqui traduzida como concessiva,

integre-se com toda a sentença, com tônica na última palavra yTim.q'.....yki, de modo

a mostrar a razão para a inimiga não se alegrar. Além disso, o TM não separa yTim.q'

de yTil.p;n": sob yTim.q' tem um ’atrax que indica isto.

Apesar de o verbo yTim.q' (~wq) se apresentar na forma qatal, a LXX (kai.

avnasth,somai), a Vg e a Tg interpretam-no em chave de leitura escatológica:

transformam a ação verbal, dando-lhe um significado futuro,195 como o fazem as

modernas traduções do TM (cf. Bíblia do Peregrino, CEI), provavelmente lendo-o

como um qatal profético196. A LXX ainda acrescenta a conjunção kai. (e) como se

193 Kessler chama a atenção para o fato de que a “inimiga” representa o tipo de adversário irônico, que se exercita em sua satisfação maliciosa (v.8) e escárnio (v. 10), como em Mq 4,11-13; e não uma opressora, como em Mq 7,17s. Neste aspecto, não é de todo errada a referência a Edom como a inimiga, ainda mais que em Ab 9-14 existem várias concordâncias lingüísticas (Ab 10 “a vergonha te cobrirá” como Mq 7,10; Ab 12 “não te alegres” como Mq 7,8; cf. também Ez 35,15 “tua alegria”). No entanto, o texto renuncia equiparar a “inimiga” com um povo determinado; assim, não deveríamos estreitá-lo de forma exclusiva, como em 4,11-13. Todos os povos são de interesse, desde que ironizem a desgraça de Judá. Cf. KESSLER, R., Micha, pp. 300-301. 194 A expressão verbal yTim.q' yTil.p;n" yK, no tempo perfeito, ligada à partícula concessiva, é rara e representa a situação da personificação enfocada diante do resultado de sua derrota. Cf. BDB 473b. 195 Embora vários comentários convertam o verbo para um contexto futuro, como propõe a LXX, Hillers considera que: “It is rare to have perfect where future time is intended. The LXX kai. avnasth,somai may have read the common converted perfect yTim.q'w.. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88. 196 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX43, p. 197. Zapff observa que sempre houve e continua havendo indignação a respeito do perfeito de ytmq; supõe-se que este deva ser entendido no sentido de uma afirmação futura. Porém, se considerarmos o paralelismo com a afirmação construída como antítese no verso 8b, então, em

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o TM trouxesse yTim.q'w.. Esta disposição, na gramática do TM, não é

necessariamente a satisfatória, mas a forma verbal fica melhor sem o acréscimo da

conjunção197. Seguimos a disposição do TM. Apesar de o texto não apresentar

nenhuma referência específica da queda, nota-se, pela sua forma, que a ação

verbal yTil.p;n" (lpn) está ligada à forma yTim.q' (~wq), exatamente como %v,xoB; bveae

está ligado com yli rAa hw"hy>. Eles são paralelos antitéticos e, como tais, são

entendidos nas traduções. Diferentemente de como se esperava, sucede um

reerguimento. Não mediante alguma força de Israel, mas porque YHWH é sua luz

(cf. Is 42,7; 49,9; 61,1; Sl 27,1). O termo rAa indica uma luz que guia198.

c) O yK,i que introduz o v. 8c apresenta valor condicional evidencia o estado

em que a nação se encontra - resultado da ação passada, sem especificar o tempo,

exceto que habita na escuridão199 – e expressa a confiança na luz divina que

conduz a uma vida segura. A palavra %v,xo (“trevas”), na opinião de Waltke200, é

uma metonímia que adiciona um significado à expressão verbal de uma parte da

sentença e, aqui, refere- se ao verbo bveae (habitar). Ela pode se referir à escuridão

de uma prisão ou de um cativeiro; e pode ser identificada com cegueira (cf. Is

42,6-7.16; Sl 107,10), um símbolo facilmente inteligível para opressão, ameaça à

vida. Zapff201 observa que o uso dessa palavra, como conseqüência do juízo de

YHWH, tem um sentido amplamente metafórico no AT (cf. Is 5,30; 9,1; 13,10;

47,5); em especial, a escuridão é considerada como uma característica da irrupção

do “Dia de YHWH” (cf. Am 5,2). Há especialmente paralelos lingüísticos

estreitos com Is 42,7 e Sl 107,10 (duas vezes $vx ybvy), e, no caso de Is 42,7, os

paralelos à luz do contexto não devem ser descartados. A raiz $vx encontra-se

ytmq, também se trata de uma ação já consumada, cujas conseqüências, assim como o estar caído, já tem seus efeitos sobre o presente e relativiza esse primeiro estado (ou seja, o estar caído). Com base na confiança em YHWH que aqui se manifesta, o sujeito falante pode dizer que ele se levantou novamente, de modo que o estado de estar caído não seja mais recebido como ultima ratio. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 149. 197 Cf. RENAUD, B., La Formation du livre de Miché, p. 358. 198 Cf. BDB 21b. 199 O verbo qal imperfeito bveae (bvy) possui o significado de habitar e jamais é empregado para referir-se a YHWH habitando na terra ou a qualquer aparição de YHWH a Israel. O grau qal pode ser dividido em quatro categorias: sentar-se sobre algo; permanecer, ficar, demorar-se; morar em uma casa, cidade ou território; e ser habitado um local, cidade ou país. A categoria que se aplica a este versículo é a última, ou seja, habitar em um local – o sujeito se encontra na escuridão. Cf. W. C. K. “bvy”. In HARRIS, R. L. – GLEASON, L. A. – WALTKE, B. K., Theological Wordbook of the Old Testament, pp. 922-923. 200 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754.

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somente mais uma vez no Livro de Miquéias, a saber, em Mq 3,6, onde os falsos

profetas são vistos como caindo nas trevas que tornariam cada profecia futura

impossível; e onde, igualmente, a existência de Jerusalém estava em jogo. Parece

que há uma correspondência entre Mq 3,6 e 7,8, que confirma a chegada do juízo

anunciado pelo profeta. Esta perícope também relata o resultado da situação sem

nenhuma referência específica ao tempo, exceto ao estado em que se encontra.

d) A LXX transforma o substantivo hebraico rAa (luz) em uma forma verbal

no tempo futuro (fwtiei/ moi – “me iluminará” ou “me dará luz”)202. Assim,

apresenta dois verbos na forma qatal do TM com significado de futuro. Tal

afirmação está baseada na promessa e na providência. Não há outros testemunhos

textuais que confirmem essa proposta de mudança. Sendo assim, o TM é

assumido na forma em que se encontra203.

v. 9

A ira de YHWH devo carregar, aF'a, hw"hy> @[;z:

porque pequei contra ele, Al ytiaj'x' yKi

201Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch im Kontext des Dodekapropheton, Walter de Gruyter, Berlin, 1997, p. 176 202 A LXX retoma o contexto claramente escatológico de LXXIs 60,19, onde, por meio do paralelismo, diz se que o Senhor “iluminará” o seu povo (cf. CONZELMANN, “ϕωj”, 395. 398); Carbonne e Rizzi ainda esclarecem que é necessário lembrar de que, mesmo que no judaísmo prevaleça a tendência de sublinhar a iluminação pela sabedoria e pela lei, o texto LXXMq 7,8 se inspira fundamentalmente no TM-LXXIs 60,19. O Tg utiliza a mesma leitura da LXXMq 7, 8 (cf. também PeshMq 7,8). Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX45, p. 197. 203 Há uma significativa dúvida na escolha exegética do tempo verbal da oração yli rAa hw"hyi. Distinguimos, dentre os que aceitam o tempo presente [Wellhausen (27)]; Weiser (286); Robinson (150); Rudolph (127); Wolff (186) e tempo futuro [Smith (144)], Hillers (87), McKane (219) e Waltke (754). Na análise de McKane, se a tradução “é minha luz” é a escolhida, o paralelismo dos vv. 8cd não é precisamente o mesmo do apontado nos vv. 8ab – estes são um contraste entre a derrota seguida pelo exílio (dispersão) e a liberdade, enquanto aqueles opõem o estar nas trevas, isto é, o sofrimento da sujeição, à consolação da luz que irradia da presença de Deus. Para este autor, já que a expressão rAal' ynIaeyciAy (v. 9) é uma referência ao futuro, esta pode ser uma indicação de que o v. 8d (yli rAa hw"hy) também se refere a uma liberdade futura melhor do que uma consolação presente. Nesse caso, “YHWH será minha luz” é a tradução correta, e o paralelismo entre os versículos está exato. Esta é a melhor opção para McKane e também para Waltke, que consideram essa metáfora uma metonímia de causa: O Senhor é aquele que irá devolver a Sião a sua liberdade. Como a escuridão é uma metonímia para a prisão, a luz é uma metonímia para a liberdade. A oposição entre trevas e luz tem aqui o valor simbólico de bem-mal, vida-morte; serve também para designar a oposição entre salvação e punição. Assim, a luz significa a volta para o caminho correto e a graça (cf. Is 9,1; 30,26; Sl 107,10). Cf. McKANE, W., Micah, p. 219 e WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, 754. No entanto, Wolff pensa que esta é uma afirmação não apenas de que YHWH é luz na escuridão presente, mas de que ele é também o redentor futuro. Se a tradução “será minha luz” for a preferida, ambos os vv. 8ab e 8cd estão montados na ascendência do exílio contra o retorno no tempo da liberdade. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 196.

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até que ele julgue a minha causa ybiyrI byrIy" rv,a] d[;

e cumpra meu direito; yjiP'v.mi hf'['w>

ele me fará sair para a luz, rAal' ynIaeyciAy

e eu verei em sua justiça. `Atq'd>ciB. ha,r>a,

a) O termo @[;z: expressa a ira do Senhor em oposição a seu favor !wocr' (cf. Is

30,30; Jn 1,15; Mq 7,9; Pr 19,12)204. Sendo assim, a ira divina significa o

distanciamento de Deus. A raiz verbal afn possui aqui o sentido figurado de

“carregar a cólera”. Ela é traduzida na LXX por um verbo indicativo futuro ativo

(u`poi,sw: agüentar, suportar), orientando decididamente o sentido escatológico, ao

optar por uma ação futura. Nossa escolha recai sobre o TM, que aponta uma

situação atual ainda não superada.

Encontramos o verbo af'n" no Livro de Miquéias, ainda, em dois lugares (cf.

Mq 6,16 e 7,18). Segundo Zapff205, é possível supor que formam, pelo menos a

nível sincrônico, um conjunto interconectado de afirmações. Em Mq 6,16, é feito

ao povo a ameaça de que deveria suportar a vergonha. Para o autor, se há, no

Livro de Miquéias, alguma conexão, esta deve estar localizada neste ponto: Sião

deve suportar não a vergonha do povo, mas a ira de YHWH. Se a conseqüência da

culpa representa apenas a ação de YHWH, apenas dele se poderia esperar uma

suspensão do castigo. Já no v. 7,8, conta-se como certa a liberação da culpa, o que

temos de entender no sentido de um perdão divino (cf. Mq 7,18ss.). Numa

linguagem sincrônica, isso significa que Sião permanece com sua culpa e já está

pronta para assumir as conseqüências da mesma culpa, e somente a YHWH cabe

liberá-la delas.

b) Aqui neste versículo, a partícula yKi expressa o sentido de causa. Vemos a

metonímia de causa e efeito, na qual a ira é seguida pela punição206. “Porque

pequei contra ele” provê a razão para a correção divina, mostrando que o

204 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 196. 205 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 177-178. 206 O tema da cólera divina é predominante em textos tardios do AT (cf. Is 30,30; Jn 1,15; 2Cr 16,10; 29,19 [verbo]; 28,9; Pr 19,12), sendo que apenas Is 30,30 (ameaça contra Assíria) e 2 Cr 28,9 (cólera contra Judá) tratam do discurso citado aqui. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 177.

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julgamento é merecido207. Sião reconhece a situação em que se encontra e vê a ira

de YHWH como resultado de seus pecados. A compreensão de seu estado atual é

devida ao seu pecado. De acordo com o pensamento semítico, pecado e punição

estão indissoluvelmente unidos. Sempre se explicou o desastre como devido à ira

de YHWH, provocada pelo pecado de Israel. Uma colocação parentética da ira

divina.

Mesmo assim, a eleição que dá início à relação salvífica ainda permanece.

Essa certeza está firmada na expressão “até que”.

c) A preposição adverbial temporal d[; (até) segue o pronome relativo rv,a],

que traduzimos por “que”. Ao mesmo tempo em que Sião reconhece a sua culpa,

testemunha sua confiança absoluta em que a ira de Deus é temporária e não penal

e final208. O Senhor é seu advogado e não seu acusador. O julgamento divino está

intencionado a levá-lo à salvação (cf. Sl 51,7-8; Os 3,4-5). A cidade assume a

posição de que haverá um novo horizonte. Deus não a abandonará.

A variante textual apresentada na LXX poih,sei to. kri,ma mou teria sentido

de “julgar retamente a causa de alguém”. Também nesse caso, a LXX denota uma

perspectiva escatológica209. No entanto, não é preciso recorrer a esta variante, pois

o TM está correto. A oração está em continuidade com a anterior e com todo o

resto do texto. O termo ybiyrI é um cognato com efeito acusativo, isto é, o Senhor

efetua a queixa de Sião contra seus adversários e executa210.

207 Para Bernini, o verbo hebraico ytiaj'x' aponta uma situação de pecado no tempo passado; Al significa “contra ele”, ou seja, contra o Senhor. Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, Roma: Paolini, 1986, 342. Este verbo na forma qal, tem por objeto Deus ou as suas leis; unido à preposição l.., indica que houve falha em respeitar os direitos e os interesses de alguém que estabelece uma relação; aqui, no nosso caso, contra Deus, o legislador. Uma ofensa contra aquele que estabeleceu relação de eleição. Ao agir desse modo, o homem está se desviando da meta que Deus tem para ele; está deixando de observar os requisitos de uma vida santa. Cf. “aj'x'”. In HARRIS, R. L. – GLEASON, L. A. – WALTKE, B. K., Theological Wordbook of the Old Testament, p. 638b. 208 “The word byr denotes the lawsuit, indeed, the legal process in its various stages, as well as the disputation as such. It indicates that the history of Israel, and in particular Israel’s history with its enemies, is understood as a legal suit between Jerusalem and its God. In our passage the reconstituting of the lawsuit unambiguously means that the way is being paved for redemption.” Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 221. 209 Cf. LXXOs 13,14 na discussão destes autores em Osea, 252. Cf. CARBONE-RIZZI, LXX 47, p. 199. 210 A colocação ybiyrI é usada em referência a uma disputa legal ou contenda (cf. Gn 31,36; Is 3,13 [verbos]; Ex 23,2.3.6; 2 Sm 15,2.4 [substantivo]). Embora a linguagem seja forense, o sentido desse processo não é igual ao de Mq 6,2 – entre Deus e seu povo. Aqui se supõe um processo entre YHWH e a inimiga de Sião (Mq 7,8), onde Sião mesmo é objeto da briga. Ou seja, há aqui uma confiança de que haverá um rîb em que Israel será defendida e o (yjiP'v.mi) será estabelecido.Cf. L.

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Schökel211 define o verbo byrIy" (byr), como “defender a causa”212. O waw

relativo da raiz verbal hf'['w> enfoca um ato seqüencial, ou seja, está relacionado à

ação seguinte yjiP'v.mi hf'[ (fazer justiça). Assim, o elemento do byrI é o

cumprimento do direito. A ocorrência deste rîb encontra-se na esfera do culto (cf.

Mq 7,9; Sl 35,1; 43,1; 74,22; 119,154; Lm 3,58). Nesse contexto, YHWH é quase

sempre o sujeito do verbo e exerce o papel de advogado para o indivíduo ou para

o povo213.

d) Há, aqui, neste verso, uma sinonímia entre “julgar” e “defender”, a saber

hf[ + yjiP'v.mi + sufixo pronominal e ybiyrI + byrIy" + sufixo pronominal. A expressão

verbal hf[ + yjiP'v.mi + sufixo pronominal, em uma ação processual referente a

justiça – em particular quando se refere a direito –, equivale a uma causa que

promete ser legalmente diferente214. Mckane215 completa essa observação,

argumentando que, se a expressão yjiP'v.mi hf'['w estivesse isolada, teria o sentido de

“e decide minha sentença”; mas, em conjunção com ybiyrI byrIy", ela certamente se

refere a um resultado favorável, como é aceito por vários autores216.

A raiz verbal de hf'['w> (hf[) possui um campo vasto de significados e presta-

se a múltiplas combinações. Muitas vezes, pode ser traduzida por “fazer”. Em

certas ocasiões, a gramática ou o estilo exigem uma tradução específica. Unida ao

substantivo yjiP'v.mi (meu direito) denota a responsabilidade de uma pessoa de

executar a justiça para uma outra pessoa (cf. Gn 18,25; Jr 7,5; Ez 18,8; Mq 7,9)217.

O waw relativo da forma verbal hf'['w> enfoca um ato seqüencial, ou seja, está

relacionado à ação seguinte yjiP'v.mi hf'[ (restabelecer o direito). Assim, o elemento

M. LUCKER, “Beyond form criticism: The relation of doom and Hope oracles in Micah 2-6 11 HAR (1987) 285-301, p. 300. 211 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 617. 212 Cf. 1 Sm 24,16; 25,39; Jr 50,34; 51,36; Mq 7,9; Sl 43,1; 74,22; 119,154; Pr 22,23; 23,1; Lm 3,58. Os textos que mais se assemelham ao nosso em termos de conteúdo são Jr 50,34 e 51,36, que se referem ao julgamento do povo oprimido contra a Babilônia. Em contraste com o que ocorre nesses textos, a inimiga, em Mq 7,9, permanece anônima. 213 Cf. LIMBURG, J., “The Root byrI and the Prophetic Lawsuit Speeches”, JBL 88: 3 (1969) 291-304, p. 297. 214 Cf. BOVATI, P., Ristabilire La Giustizia, p. 189. 215 Cf. McKANE, W., Micah, p. 219. 216 Assim pensam: ANDERSEN, F. I., - FREEDMAN, D. N., Micah, 583; WOLFF, H. W., Micah, 186 e HILLERS, D. R., Micah, p. 87. 217 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, 519,521. O termo jP'v.mi é polissêmico, diferenciando os significados sobretudo pelo campo e pelo contexto. Aqui, denota o campo da sentença e decisão, ou seja, o campo judicial, e vem acompanhado do verbo hf[. Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 410.

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do byrI é o cumprimento do direito. Embora tenham pecado contra Deus, Ele

próprio defenderá a sua causa. O povo está convencido de que a sua salvação virá

de YHWH218. O resultado da ação divina está expresso metaforicamente no

versículo seguinte (10a), usando mais uma vez a imagem da luz que YHWH trará

para o orador e que fará a inimiga se cobrir de vergonha.

e) O fato de não ter uma conjunção na forma ynIaeyciAy mostra que esta oração

não continua a do versículo anterior regido pela preposição d[; e pelo pronome

rv,a]219 .. A raiz verbal, acy, é encontrada novamente em Mq 7,15 e deve ser

interpretada como um termo técnico da fuga de Israel do Egito. Parece haver

correspondência entre esses dois versos, especialmente porque em ambos

encontramos também a raiz har, a qual desempenha um papel importante na

estrutura de Mq 7,8-20. Dessa forma, a promessa de YHWH no v. 15 deve ser

compreendida como uma resposta confiante àquele que fala em Mq 7,9.

A raiz verbal, acy, é, por excelência, o termo que marca a libertação da

escravidão do Egito (cf. Ex 13,3; 16,6; 18,1 etc; Dt 6,23; 7,8 etc.; Jr 7,22; 11,4;

34,13, etc; Ez 20,6.9, etc.; Sl 105,43; 134,11). Aqui, a forma hiphil imperfeito de

ynIaeyciAy possui sentido causativo, portanto, mostra que o Senhor será a causa de

Sião sair de sua escuridão. Aliás, esse verbo no hiphil refere-se, na maioria das

vezes, a alguma ação divina220. A fórmula rAal' ynIaeyciAy encontra-se, como tal, no

singular. A raiz verbal, acy, é encontrada novamente em Mq 7,15 e deve ser

interpretada como um termo técnico da fuga de Israel do Egito. Parece haver

correspondência entre esses dois versos, especialmente porque em ambos

encontramos também outra raiz verbal, har, a qual desempenha um papel

importante na estrutura de Mq 7,8-20. Dessa forma, a promessa de YHWH no v.

218 O sentido de yjiP'v.mi é judicial-forense, e o sufixo pronominal é um genitivo adverbial de vantagem – justiça para mim. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 755. 219 Deissler afirma que, pela ausência de conjunção copulativa, este verso (rAal' ynIaeyciAy) deve ser considerado como uma proposição independente, como uma profissão de absoluta confiança. A raiz verbal, acy é, por excelência, o termo que marca a libertação da escravidão do Egito (cf. Ex 13,3; 16,6; 18,1 etc.; Dt 6,23; 7,8 etc.; Jr 7,22; 11,4; 34,13, etc.; Ez 20,6.9, etc.; Sl 105,43; 134,11). Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 353. Aqui, a forma hiphil yiqtol de ynIaeyciAy possui sentido causativo, portanto, mostra que o Senhor será a causa de Sião sair de sua escuridão. A fórmula rAal' ynIaeyciAy encontra-se, como tal, no singular. Aliás, esse verbo no hiphil refere-se, na maioria das vezes, a alguma ação divina. Cf. “acy”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 1045. 220 Cf. “acy”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 1045.

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15 deve ser compreendida como uma resposta confiante àquele que fala em Mq

7,9.

f) A LXX considera pleonástica a construção da palavra Atq'd>ci. com a

preposição b. do TM221. O sufixo pronominal de Atq'd>ciB. (sua justiça) junto ao

verbo (har) é um genitivo agente. A forma verbal qal yiqtol ha,r>a,é, unida à

preposição seguinte b., possui o significado de olhar com interesse – e aqui, mais

especificamente, olhar com prazer e alegria222. O termo hq'd'c. aparece com

freqüência no AT em paralelo com jP'v.mi. Este trata, no verso anterior, da lei;

enquanto que o primeiro trata da intervenção positiva e abençoada de YHWH. O

alegrar-se na justiça de YHWH corresponde à visão da inimiga. Portanto, o

discurso é o de que os olhos daquele que fala se regozijarão com a queda da

inimiga.

v. 10

Quando minha inimiga vir [isto] yTib.y:ao ar,tew>

e a vergonha a cobrirá hv'Wb h'S,k;t.W Ela que disse a mim: onde (está) YHWH teu Deus? %yIh'l{a/ hw"hy> AYa; yl;ae hr'm.aoh' Meus olhos a verão: hN"ya,r>Ti yn:y[e

agora ela será pisoteada sm'r>mil. hy<h.Ti hT'[; HB'

Como a lama das ruas. `tAcWx jyjiK.

a) A forma de ar,tew> é jussiva, mas não na sua função sintática atual223. A

simples justaposição de duas orações com w., seguida da forma verbal no

imperfeito (ar,t-har), e a oração condicional é intimamente relacionada à oração

temporal, assim, a nuance aqui neste versículo é temporal224.

O verbo particípio nominal yTib.y:ao (ser inimiga) só ocorre duas vezes na

Bíblia Hebraica, sendo que ambos se encontram em Miquéias (Mq 7,8.10).

b) Esta é uma oração de conseqüência (prótase→ apódose). Sendo assim, o

waw da expressão verbal (h'S,k;t.W) introduz uma oração final225. O verbo hs'K'

diferencia-se conforme o sujeito, o complemento e o modo. Na forma piel refere-

221 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 49, p. 199. 222 Cf. BDB 908 223 Cf. GKC < 109k. 224 Cf. JOÜON, P. A Grammar of Biblical Hebrew, 167a. 225 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 755.

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se ao objeto que se cobre. Nesse caso, sublinha a subordinação de uma proposição

à outra226. Agora a vergonha (hv'Wb) cobrirá aquela que ridicularizou a fé do povo

de Deus227.

c) A oração yl;ae hr'm.aoh' (rm;a') reúne várias conotações, dependendo do

contexto onde é usada; possui, aqui, o sentido de direção ou orientação numa

manifestação oral: rma + la, + interlocutor228. A forma atual da partícula

interrogativa AYa; (onde), com sufixo masculino singular, antecipa o nome a que se

refere, no caso %yIh'l{a/ hwhy229 . A expressão verbal hr'm.aoh, na forma particípio

feminino, substitui o termo yTib.y:ao, e o tempo é o passado. A inimiga havia

expressado com desdém seu escárnio e seu total desconhecimento de YHWH ao

perguntar pelo Deus de Israel (cf. Sl 42,4.11; 79,10; 115,2; Ml 2,17)230. A LXX (h`

le,gousa pro,j me) modifica a construção ativa do TM por razões estilísticas231.

O aparato crítico da BHS conjectura a forma mais usual hyea; (onde)232.

Segundo Hillers, esta conjectura de Wellhausen, seguida pela BHS, parece querer

dar um estilo prosaico ao texto. A forma AYa; com a antecipação do sufixo

pronominal é idiomática233. Wolff elabora uma explicação de como ocorreu a

226 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 321. 227 Essa raiz verbal (hsk), com o substantivo vergonha (hv'Wb), denota um estado psicológico que pode ser traduzido por “esmagado”. Cf. BDB 492ª. Em referência a uma vergonha da pessoa, ver também Sl 35,26; 44,16; 69,8; 89,46; 109,29; Is 51,51, Ez 7,18; Ab 10. 228 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 55. 229 Ver também 2 Rs 19,13; Is 19,12 e 37,13. Cf. BDB 32a. Waltke destaca que, enquanto hwhy é nome próprio que identifica Deus e sua relação de aliança com Israel, ~yih'l{a/ é o único apelativo que o distingue de tudo o que foi criado por ele no universo. O sufixo feminino de %yIh'l{a/, um genitivo de relação, sublinha esse parentesco e mostra claramente que a pessoa que fala nos vv. 8-10 é feminina. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 230 Cf. WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 231 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 50, p. 199. 232 Renaud considera provável que %yIh'l{a/ hyea; seja o texto lido original, pois, na boca dos oponentes de Israel, a questão mais provável seria sem o nome adicional de “YHWH”. Essa hipótese que considera o tetragrama sagrado como uma emenda apresenta a vantagem de regularizar a simetria de 10d (2+2 como os versos anteriores) e de restituir a fórmula mais comum: “Onde está ele, teu Deus?” e não “Onde está ele, YHWH teu Deus”? que é uma composição rara. E como são os adversários de Israel que falam, é normal que eles empreguem a palavra “Deus” e não “YHWH”. Com o acréscimo do tetragrama sagrado, foi modificado o advérbio interrogativo para evitar a sucessão das duas letras hy (hwhy hya). Assim, escreveu-se AYa;. O autor pensa que a supressão do tetragrama sagrado posiciona melhor o versículo 10d no contexto precedente. Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 359. Wolff, como Renaud, supõe que a ocorrência do nome divino, neste versículo, é ou uma glosa deliberada ou um erro de escriba que leu incorretamente as duas últimas letras de Aya;, compreendendo-as como uma abreviação do tetragrama sagrado. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 213. 233 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88.

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corrupção de hyea; para AYa;234. Na sua opinião, hyea; foi escrito erroneamente como

hyhya, sendo que o segundo hy foi compreendido como uma abreviação de hwhy;

hyea; foi, então, emendado para a AYa a fim de evitar uma repetição de hy. Para o

autor, o TM que lê AYa, deve ser deixado como está. A partícula wya é também

encontrada em outros lugares, a saber: em Ex 2,20, Jó 14,10, 20,7 e 2Rs 19,13-

neste até mesmo numa construção semelhante (...tm'x]-%l,m, AYa;)235. Além disso, a

forma atual da partícula interrogativa AYa (onde), com sufixo masculino singular,

antecipa o nome a que se refere, no caso %yIh'l{a/ hwhy236.

O Tg interpreta o TM para não dar espaço a qualquer tipo de leitura que

possa implicar a negação de Deus. Nesse contexto, o tetragrama do TM é

mostrado com a característica de uma circunlocução teológica237. Para Shaw238, a

proposta de deletar o nome divino, como apontam Renaud e Wolff, ou o

acréscimo apresentado no Tg são especulações desnecessárias. O mesmo tipo de

zombaria encontra-se em Mq 6,16.

d) A LXX parafraseia o TM, lendo evn tai/j o`doi/j: sobre a “comunidade de

Sião”, o Tg remete a Mq 4,13 e reporta à sua interpretação messiânica a Qumran,

junto com este versículo239.

Renaud240 observa que alguns autores subtraem à frase “meus olhos a

verão”241. Mas isso seria um erro, pois o autor sagrado dá um enfoque intencional

ao verbo “ver” (har cf.v. 7, 9c. 10a.10c. 16a)242. A raiz verbal har seguida da

preposição b. é rara e só se encontra em Ab 12-13 e nas Lamentações (cf. a

expressão sinonímica !AYciB. zx;t;w> em Mq 4,11). Para o autor, essa expressão quer

traduzir uma insistência particular: “fixar os olhos sobre”; de onde algumas

traduções, como a ARA trazem “contemplará” no sentido de deliciar-se com a

234 Assim como a proposta de Renaud citada acima na nota 14. 235 Porém, a partícula interrogativa, wya, também é questionada crítico-textualmente neste trecho (mas com melhores argumentos). Cf. Is 37,2 e BHS. 236 Ver também 2 Rs 19,13; Is 19,12 e 37,13. Cf. BDB 32a 237 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 57, p. 199. 238 Cf. SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 193 239 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 60, p. 199. 240 Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Miché, p. 359. 241 Com o substantivo feminino dual yn:y[e (meus olhos), a ação verbal é usualmente plural. Se o substantivo é feminino, o plural pode ser feminino ou masculino. Cf. JOÜON, P. A Grammar of Biblical Hebrew, 150 c

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queda do inimigo. Outros autores ainda propõem, para regularizar o versículo, a

suspensão da frase: “como a lama das ruas”. Mas nenhuma dessas propostas foi

aceita. É melhor, então, conservar o TM.

e) A palavra hT'[; (agora) é um advérbio causal, temporal, que denota o

futuro iminente243. O advento do “agora” contrasta com a expressão “um dia” do

versículo seguinte. Ele representa uma estrutura de tempo diferente do v. 11. O

primeiro descreve a situação presente da destruição da inimiga, enquanto o

segundo muda completamente o enfoque: de destruição para construção. O termo

sm'r>mi possui o significado de lugar pisado ou pisoteado. É uma expressão para

designar castigo, confusão, derrota, aniquilamento (cf. 2Sm 22,43; Sl 18,43; Is

7,25; 10,6; 28,18; Ez 34,19)244. Trata-se, no contexto, do anúncio de que a inimiga

de Israel se tornaria uma terra pisada.

f) A palavra #Wx possui o sentido específico de rua245. A expressão tAcWx

jyjiK. (“como lama das ruas”) é um genitivo locativo e o plural conota uma derrota

humilhante246. Novamente elucida a dimensão da humilhação. Essa expressão

encontra-se literalmente apenas em 2 Sm 22,43, Sl 18,43 e na forma tAcWx jyjib

em Zc 10,5; e designa a humilhação da inimiga247. Vários autores, entre eles

Hillers248, eliminam a expressão tAcWx jyjiK., que ocorre também no Sl 18,43 e Is

10,6. Para tais autores, a repetição dessas expressões convencionais não tem muita

importância na literatura hebraica249. Renaud observa que este versículo retoma o

ritmo precedente de dois sticos no lugar de dois pares. Percebe-se, então, que a

retirada da expressão “como a lama nas ruas” ocorre mais por razões métricas do

que pelo sentido.

v. 11

242 O termo yn:y[e está em conexão com a expressão verbal hN"ya,r>T (ha'r'), possui o significado de “alegrar-se vendo” (cf. Mq 4,11; 7,10; Sl 54,9; 92,12; Pr 27,20). Cf. JENNI, E. “!y[”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 336. 243 Cf. BDB 774b. Cf. 2 Sm 22,43; 2 Rs 9,33-37; Sl 18,42; Is 25,10-12; 26,5-6; 41.15-16; 51,22-23; 63,2-3; Zc 10,5; Ml 4,3. 244 Cf. BDB 942b. 245 Cf. BDB 300,2. 246 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 247 Cf. WILLI-PLEIN, I., Vorformen der Schriftexegese innerhalb des Alten Testaments. p.. 106. 248 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88. 249 Smith descreve como uma expansão editorial que ele deleta por razões métricas. Cf. SMITH, R. L., Micah – Malachi, Word Biblical Commentary XXXII, Texas: Word Books, Waco, 1984, p. 147; Smith e Robinson (150) deletam a expressão tAcWx jyjiK., tomando-a como uma adição do Sl 18,43.

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Dia de reconstruir as tuas muralhas! %yIr'deG> tAnb.li ~Ay Dia esse em que estenderão as tuas

fronteiras

`qxo-qx;r>yI aNWhh; ~Ay

a) Neste versículo, o termo ~Ay não tem artigo ou preposição, mas possui

valor acusativo de determinação temporal250. Curiosamente, cada uma das linhas

do v. 11 e a primeira linha do v. 12 iniciam com a palavra “dia”– o v. 11a com ~Ay

(dia), o v. 11b aWhh; ~Ay (dia esse) e 12a aWh ~A (dia esse) cada uma delas com

uma definição temporal251. Isso mostra claramente a continuidade entre os vv. 11

e 12a, embora o termo se posicione de maneira diversa em cada ocasião. Há de se

notar que aqui o julgamento parece já ter se concluído. É importante observar que

se, anteriormente, o autor empregara complemento temporal ~Ay por quatro vezes

– entre os caps. 2-5 – agora o utiliza por três vezes em um curto espaço (dois

versículos).

Andersen e Freedman252 observam que no v. 11a a palavra seguinte a ~Ay

inicia com a preposição l. (tAnb.li) e com a forma verbal de infinitivo tAnb. (hnb). E,

no v. 11b, temos aWhh; ~Ay, que, normalmente, formaria ~wyh (o dia). Ou seja, as

expressões estão em paralelo. A restauração dos muros será concomitante à

expansão dos limites territoriais e a vinda dos povos253. Hillers254 combina as duas

primeiras ocorrências de ~Ay em uma única sentença como aquela em Sf 1,15:

250 ~Ay refere-se a um estado mais ou menos de um futuro imediato, não escatológico. Pode ser interpretado por “tempo”. Essa construção, quando colocada no início de um versículo, é normalmente um acusativo de tempo. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. Assim também pensa Renaud, cf. RENAUD, B., La formation du livre de Miché, p. 359. 251 O complemento temporal ~wy é encontrado repetidamente no Livro de Miquéias. Há que se referir sobretudo a Mq 4,1 (~ymyh tyrxab), Mq 4,6 (awhh ~wyb), Mq 5,9 (awhh ~wyb hyhw), lugares onde são reportados eventos análogos a Mq 7,11 (Mq 4,1: peregrinação dos povos a Sião; Mq 4,6: retorno do [povo de] Israel disperso; Mq 5,6 [num contexto contemporâneo]: julgamento dos povos que não obedecem [a Deus] cf. Mq 5,14. Isso fala em favor de uma correspondência entre Mq 7,11 e os textos mencionados. E reforça a suposição de que lidamos com dois dias, apresentados em seqüência: um Dia do Juízo (Mq 7,4) e um Dia da Reconstrução; ou dito de maneira mais exata, da Restituição de Sião (Mq 7,11). Essa tese se sustenta também quando consideramos de perto a caracterização do Dia em Mq 7,11 através de yIr'deG>.Uma seqüência de dias diferentes – um designando o julgamento, e o outro a reconstrução – é, na literatura referente ao Antigo Testamento, um esquema geral desenvolvido freqüentemente com base no conceito hwhy ~wy. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 183. 252 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 586. 253 Waltke pensa que Miquéias evita o sintagma esperado apontando para um tempo futuro afim de correlacionar enfaticamente a extensão dos muros e fronteira de Sião ao mesmo tempo. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 254 Cf. HILLERS, D. R., Micah, pp. 87-88.

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“Aquele dia é um dia para...” Isso envolve também a emenda seqüencial para

fazer sentido as frases de confiança, porém, destrói todo o sentido do balanço

ritmico. Para Nogalski255, o artigo na palavra aWhh, é compreensível, em vista da

ocorrência freqüente da frase aWhh; ~Ayb, nos livros proféticos. Essa expressão

ocorre 206 vezes na Bíblia Hebraica com um número significativo nos profetas

(170 vezes), onde ela geralmente antecipa um tempo futuro. Em contrapartida,

fora dos escritos proféticos, a frase refere-se a um evento passado. Com apenas

poucas exceções, aWhh; ~Ayb não se refere a um evento futuro nos livros proféticos.

Os dois significados, passado ou futuro, variam pelas referências das conotações

proféticas. A maioria das vezes, esse termo refere-se ao contexto de julgamento e

punição, mas também aparecem no contexto de salvação ou liberdade após um

julgamento, como é o caso de nosso texto.

A LXX traz literalmente h`me,raj avloifh/j pli,nqou (“no dia em que amassas

o tijolo”), abrindo uma nova perspectiva escatológica, relacionada ao evento do

Êxodo, a propósito dos trabalhos forçados aos quais foram submetidos os pais no

Egito256. O Tg parafraseia “será reconstruída a comunidade de Israel”, ao

contrário do que se lê no TM: “construir as tuas muralhas”, superando

decididamente o sentido literal257. A Vg lê com o TM. Seguimos em favor da

leitura do TM, confirmada também por Willi Plein258.

b) Wolff259 defende que o uso do pronome aWh introduz uma definição mais

precisa de “dia”. Ele toma o lugar de uma partícula relativa. Waltke260 observa

que normalmente as versões trazem aWhh; ~Ayh; (naquele dia) como em Mur 88 (cf.

Mq 4,6; 5,9[10]), mas esta leitura mais fácil foi rejeitada por causa da

255 Jr 39,10 utiliza a expressão em uma narrativa sobre um acontecimento passado; Ez 20,6; 23,38.39 usa a frase em uma fala divina para referir-se a um evento passado; Zc 6,10 insinua o presente dia ou um futuro próximo; Is 22,12 refere-se a uma ação passada de YHWH. Cf. NOGALSKI, J. D. “The Day (s) of YHWH in the Book of the Twelve”. In: Redditt, P. L., & Schart, A., eds. Thematic Threads in the Book of the Twelve. BZAW 325. Berlin / New York: Walter de Gruyter, 2003, 192-213, p. 194. 256 Carbonne-Rizzi notam que a proposta da LXX aponta para uma mediação sintático-gramatical ligada ao TM, unindo o início de LXXMq 7,11 com a conclusão de LXXMq 7,10. Na opinião dos autores, tal medida esclarece o texto. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 53, p. 201. 257 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 62, p. 201. 258 A autora aceita que o TM seja uma metáfora de Israel como vinha e rebanho de YHWH “Es handelt sich um eine Metapher, deren Hintergrund die beiden Vorstellungen von Israel als Jahwes Weinberg (Jes 5:5; Ps 80:13) und Israel als Jahwes Herde (v.14) bilden”. Cf. WILLI-PLEIN, Vorformen der Schriftexegese, p. 108. 259 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 223.

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irregularidade dos paralelos nos vv. 11a e 12a. É difícil responder gramatical e

estilisticamente a essas particularidades. No entanto, o texto não deixa dúvidas;

apesar do TM ser incomum o seu sentido está claro e pode ser defendido. Além

disso, a LXX lê com o TM261.

Segundo a LXX, talvez seja melhor ler %Qexu (avpotri,yetai). O verbo no

futuro é um grifo típico do contexto escatológico262. Waltke263 observa que não é

necessária a emenda proposta pela LXX e seguida por alguns manuscritos

(Luciano e Etíope). Essas traduções, provavelmente, seguem uma recensão

comum da tradição grega, que certamente compreendeu o sufixo pronominal no

fim do v. 11a como espaço de tempo. Essa abertura realça a assonância entre as

palavras qx;r> e qxo.

O vocábulo qxo é traduzido por alguns autores com o significado de

“decreto”, similar ao que foi apresentado na leitura halákica da LXXMq 7,11 “os

teus estatutos”. A Vg segue a interpretação de qxo no âmbito legal, “longe fiet lex”

(“naquele dia a lei estará distante”). Algumas traduções (Figueiredo, TB) seguem

a LXX e a Vg, interpretando a palavra como lei ou ordem. Zapff264, a partir de

algumas observações, entende que Jerônimo - evidentemente sob a influência do

pensamento cristão como supressão da lei existente entre judeus e pagãos -

considera provável tal tradução como condição da peregrinação (dos povos) para

Sião, descrita no v. 12. Para o autor, esta interpretação não parece totalmente

errada, tendo em vista que a LXX o fez da mesma forma, entendendo o v. 11

como palavra de ameaça em continuação direta do v. 10, à qual também pertence

a eliminação da lei da inimiga. Talvez deva ser entendida, com isso, a supressão

da ordem interna. De forma semelhante, o Tg interpretou o v. 11, ao mencionar

que as leis dos povos desaparecerão265. É preciso pontuar o fato de que ao

260 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 261 Renaud e Wolff notam a construção incomum, mas oferecem a mesma tradução proposta por Shaw: “Naquele dia”. Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 359; WOLFF, H. W., Micah, p. 213 e SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 194. 262 A interpretação da LXX kai. avpotri,yetai no,mima, sou segue um procedimento halákico, onde lê o singular do TM com valor de coletivo, abandonando a linguagem poética do TM; qxo (fronteira) para no,mima que possui o sentido jurídico “os teus costumes legais”ou “teu regime”. Essa interpretação do TM evidencia uma polêmica halákica no judaísmo do período helênico-romano. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 59, p. 201. 263 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 264 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 152-53. 265 Shaw se junta a essa interpretação porque entende qxo no sentido de “decreto” e vê por detrás dessa formulação a libertação da comunidade derrotada pelos inimigos; então, os vv. 11ss.

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parafrasear o v. 11a essa versão não fala da construção dos muros de Jerusalém,

mas apenas de uma reconstituição da comunidade de Israel, uma interpretação que

não está distante do sentido dado ao texto neste estudo. No entanto, as versões não

tratam do alargamento das fronteiras de Israel, mas da eliminação de um obstáculo

entre Israel e – provavelmente – o mundo dos povos. Nosso estudo interpreta a

restauração das muralhas de Jerusalém juntamente com o alargamento das

fronteiras para acolher os povos, seja de israelitas dispersos, seja de pagãos

convertidos, e, assim, reconstituir uma nova Sião. A conjunção w., com a qual o

termo ^yd,['w> (v. 12) está ligado, deve ser compreendida, então, no sentido de um

waw consecutivo: a supressão do limite é condição da possibilidade da vinda

descrita no v. 12. De modo semelhante, Am 9,12s; Ab 19s; Zc 10,10

mencionaram a reconstrução do território de Israel ao fim dos tempos. O TM não

deixa dúvidas, a leitura plausível seria a de “fronteira”, no sentido de expansão de

território, um limite prescrito por Deus266.

v. 12

Dia esse em que virá a ti aAby" ^yd,['w> aWh ~Ay

desde a Assíria e das cidades do Egito, rAcm' yNImil.W rAcm' yre['w> rWVa; yNImil.

e do Egito até o rio e de mar a mar e de

montanha a montanha.

`rh'h' rh;w> ~Y"mi ~y"w> rh'n"-d[;w> rAcm' yNImil.W

a) Este versículo apresenta a mesma dificuldade do versículo anterior. As

antigas traduções, com suas formas de interpretar em parte divergentes – não são

de grande ajuda. O versículo inicia-se com o termo ~Ay, seguido do pronome aWh

e de um waw copulativo na palavra seguinte ^yd,['w>. O pronome ocorre sem

nenhum artigo. Nessa construção, o aWh funciona similar a uma proposição

relativa267. Ou seja, literalmente “este é um dia futuro”. Pode-se considerar o

apontariam para a reconstrução das obras de defesa, caídas assim como ao fim da subjugação por um conquistador. Cf. SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 202. 266 Cf. BDB 349,5; qxo deve, aqui como em Jr 5,22, designar as fronteiras. Am 9,12ss; Ab 19ss; Zc 10,10 fazem igualmente menção de uma extensão do território de Israel no final dos tempos. Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, 355. Rudolph (128), como outros, questiona se esse termo pode ser ser usado como uma extensão de fronteira. 267Cf. WILLI-PLEIN, I., "Vorformen der Schriftexegese“, p. 107. Carbone-Rizzi concordam que na construção: ^yd,['w>. aWh ~Ay, o waw de retomada se faz igualmente com a proposição relativa, como nas fórmulas temporais comuns que introduzem os oráculos proféticos escatológicos. Cf. CARBONE-RIZZI, TM 28, p. 202.

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verso como uma continuação do v.11. Waltke268 pensa que, provavelmente, o

autor do texto, em consideração à anáfora e para evitar um termo técnico, iniciou

o versículo novamente com ~Ay, tempo indefinido, como um predicado em uma

oração nominal: “Esse é um dia”269. Segundo o aparato crítico da BHS, a recensão

de Luciano supõe o hebraico w. Awh cujo sentido deve ser equivalente a aWhh; ~AyB;

(no dia naquele). Mur 88 também traz o mesmo texto (awhh ~wyb) contra o ~Ay do

TM. Entretanto, o TM deve ser conservado, apoiado pelo paralelismo do v. 11270.

O TM usa um sufixo masculino para a expressão ^yd,['w.. O aparato crítico da

BHS sugere a leitura de %yid;[' com o sufixo feminino, como ocorre no v. 11, pois

supõe referir-se à cidade de Jerusalém. Wolff 271 pensa que o uso de um pronome

masculino pode fazer alusão aos habitantes e não à cidade. Embora,

gramaticalmente, ~Ay possa ser o sujeito ou objeto, o verso aqui possui um sentido

melhor traduzindo-se o pronome da terceira pessoa masculino singular como

indefinido. O sufixo pronominal é masculino, distinguindo-se do v. 11, em que a

segunda pessoa do singular é feminina. A LXX representa kai. ai` po,leij sou

interpretando ^yd,,['w> por ^yr,['w> tirando proveito de uma teórica confusão entre as

consoantes resh e dalet, e assim aludindo à tribulação escatológica da “inimiga”

(LXXMq 7,10), ou seja, “dos pagãos (cf. “terra” em LXXMq 7,13)272. O Tg glosa

o TM acrescentando: “as comunidades da diáspora”273. Segundo Comiskey274, não

há necessidade de tal emenda (%yid;['w.) uma forma não atestada senão, para ser

consistente com o v. 11, pois a discordância gramatical está de acordo com o

estilo de Miquéias (cf. 1,11; 2,11; 4,8). Portanto, o TM não necessita de correção.

A expressão verbal aAby" (singular) do TM, é substituída na LXX pelo verbo

h[xousin (h[kw: plural), interpretando awby por wawby. Tal mudança explicar-se-ia

268 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 269 Cf. Is 11,16; 19,23-25; 27,12-13; 43,6; 49,12; 60,4-9; 66,19-20; Jr 3,18; 23,3; 31,8; Ez 37,21; 29,21; Os 11,11. 270 Les paralélismes avec le verset 11 attirent la leçon du TM que confirme la LXX. Mur 88 serait donc la leçon difficilior si l’expression à laquelle il aboutit n’était une expression prophétique très familière. Divergence qui s’explique, dans un sens ou dans l’autre, par des réflexes de copiste. Cf. COLLIN, M., “Recherches sur L’Histoire Textuelle du Prophète Michée”, VTSupl, XX vol XXI, no. 3, 1971, 281-297, p. 285. 271 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 188. 272 A LXX evidencia uma leitura do midrash haggadah no texto. Cf. CARBONE-RIZZI, Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 62, p. 202. 273 Cf. CARBONE-RIZZI, Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 67, p. 203. 274 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757.

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pela postulação de uma metátese de a com w275. Segundo Waltke276, não há

necessidade desta emenda, apelando para o plural como o faz a LXX. Essa

tradução, que força o sentido na passagem, torna-se confusa e desgastante. Talvez

a metátese tenha contribuído para a confusão da LXX. A Vg (veniet) representa o

TM. Enfim, pode-se compreender o TM sem dificuldades, como singular

coletivo277.

b) A preposição !m, está unida à preposição l. (yNImil.) e expressa a idéia de

separação – “desde”, “até” ou “de lado a lado”.278 A LXX glosa o TM

continuando o procedimento do midrash haggadah iniciado: inspira-se em uma

certa assonância entre a preposição hebraica yNImil. (desde a) e a expressão hebraica

hn"m'l., (em parte, porção), introduzindo o termo grego o`malismój, raramente

utilizado (encontra-se somente em Bar 5,7 no sentido de “planície”)279.

O aparato crítico sugere ser possível ler d[;w. (até) no lugar de yre['w> (cidades).

A hipótese é que d[;w. seria o termo original; a consoante d (dalet) pode ter sido

confundida ou corrompida sem intenção pela consoante r (resh), fazendo a leitura

yde[]w.. Esta mudança entre as consoantes resh e dalet é filologicamente

controvertida280. A maioria dos críticos corrige yre[' (cidades) em d[;w. (até) e vêem

na palavra seguinte rAcm' (Egito) uma designação poética281. Nesse caso, rAcm' é

uma outra forma de ~yIr'c.mi. No v. 15, possui a forma corrente de ~yIr'c.mi. O que não

se explica é o uso de nomes distintos, tão pertos um do outro, para o mesmo país.

Barthélemy prefere a tradução “...até as cidades fortificadas”, apresentada pela

PeshMi 7,12282. A Vg traz et usque ad civitates munitas, o que ampara essa

275 Willi Plein explica a corrupção como metatesis de w em a. Cf. WILLI-PLEIN, “Vorformen der Schriftexegese”, BZAW 123 (1971) pp. 106-109. 276 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 277 Visão corroborada por: ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 153 e SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 194. 278 Cf. BDB 577 b. 279 Cf. CARBONE-RIZZI, Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 63, p. 203. 280 Entre os que assumem a confusão entre as consoantes r e d estão: ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 391, WOLFF., H. W., Micah, p. 213; MAYS, J. L. Micah, p. 160, RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 361; WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757; Cf. SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 194. 281 Este termo é usado apenas poeticamente. Ver TMIs 19,6; TM2Rs 19,24, equivalente a TMIs 37,25. Cf. BDB 596a. Ver também SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 194; RENAUD, B., La formation du livre de Miché, p. 361. O termo rAcm' se encontra ainda em Dt 20,20; Sl 31,22; 60,11; Ez 4,2; Na 3,14; Hab 2,1; Zc 9,3. 282 Cf. BARTHÉLEMY CT III, 778, pp. 47-50.

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suposição. A LXX (po,leij) confirma o TM. As cidades estão atestadas nas

versões, assim o TM deve ser conservado.

c) A palavra rAcm' no versículo seguinte é lida pela LXX como avpo Tu,rou

(de Tiro), lendo rwoCmi no lugar de rAcm', que designa o território do antigo Egito. A

Vg interpreta os dois casos como “cidades fortificadas”. Para Kessler, a leitura da

LXX, aceita por alguns autores, tem pouco valor, pois ela diverge totalmente do

TM, que é seguido pela Vg, Áquila e Tg. Além disso, o paralelo Assíria / Egito

pode ser freqüentemente encontrado no AT, no sentido de uma descrição

geográfica (cf. Is 11,11.16; 19,23; 27,12s.; Os 11,11; Zc 10,10). O TM faz sentido

como está, e poderíamos seguir com a leitura, assim como Vuilleumier283,

mantendo o TM: “desde a Assíria e as cidades do Egito, e do Egito até o rio”. O

Tg e a Vg apontam que em rh'n" trata-se do rio Eufrates284. O vocábulo rh'n" (rio) é

geralmente um nome próprio para o Eufrates – mesmo sem o artigo – na poesia

(cf. Gn 31,21; Dt 1,7; 11,24; Js 1,4; 2Sm 8,3; 1 Cr 18,3)285. Schökel concorda que

o “Rio”, por antonomásia, representa o Eufrates (cf. Js 24,2; 1 Rs 5,1; Jr 2,18; Mq

7,12; Eclo 39,22; 44,21). Mas outros cursos de água também são caracterizados

como rh'n" (cf. Gn 15,18; Ex 7,19; 2 Rs 17,6). Talvez o autor queira representar o

ideal da fronteira de Israel, que estende do Rio Eufrates ao Egito (cf. Nm 34,2; 2

Sm 8; Ez 47,13-20).

É proposta pelo aparato crítico da BHS a leitura rh" d[; rh;meW ~y" d[; ~y"mi

(desde o mar até o mar; e de montanha até a montanha) em vez de rh'h' rh;w> ~Y"mi

~y"w> (e de mar a mar; e de montanha a montanha). Essa mudança parece ser

comprovada por vários estudiosos, embora divirjam sobre alguns detalhes. Hillers

concorda com a leitura proposta no aparato da BHS, pois ela se encontra em

outros textos do AT (cf. Am 8,12; Zc 9,10; Sl 72,8; Zc 14,8 e Jl 2,20286. Para

Kessler287, ~y"mi significa claramente “no ocidente” (Gn 12,8; Js 8,9.12), dessa

forma só pode ter o significado de “mar no ocidente”, ou seja, o Mar

Mediterrâneo (a fórmula ~y" d[; ~y"mi = “de mar a mar” que muitos exegetas

283 Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER, C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 85. 284 Calderone contesta as duas suposições: rAcm não representa o Egito, nem rh'n" o Eufrates. Para o autor, a palavra rAcmii seria composta de m, uma letra encíclica e cwr representaria fortificação, ou seja, uma cidade fortificada de Edom. O Rio seria o Nilo. CALDERONE, P. J., “The Rivers of Masor”, Bibl 42 (1961) 423-432. 285 Cf. BDB 625,1. 286 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88.

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encontram [cf. Am 8,12; Zc 9,10; Sl 72,8], não existe aqui). E já que rhh pode

indicar a direção (cf. Ag 1,8; Ne 8,15), a locução final poderia também indicar “de

montanha a montanha”. Renaud lê ~y" e rh' como um acusativo de movimento:

“em direção à montanha em direção ao mar”288. Waltke observa que, se é difícil o

TM ser retido, é melhor tomar ~y"w> como um acusativo de lugar junto com o verbo

awoby", o que produziria “eles virão do mar”289.

A LXX lê h`me,ra u[datoj kai. qoru,bou (dia de água e clamor) sugerindo uma

leitura escatológica do contexto. A mudança da consoante ~wy por ~yw liga-se ao

“dia” escatológico, outras vezes evidenciado no texto da LXX (LXXMq 7,11)290.

O Tg interpreta: “e ao mar ocidental e de monte a monte”, ligando-se à clássica

formulação dos confins da terra de Israel ao Ocidente. A Vg apresenta “et ad mare

de mare et ad montem de monte” (“mar” e “monte”) confirmando o TM. A lição

do TMMq 7,12d representa um texto filologicamente obscuro e certamente

alterado, interpretado geralmente pela crítica no sentido de “e de mar a mar e de

montanha a montanha” (cf. BHS; CEI etc.)291.

v. 13

Mas a terra se tornará uma desolação, hm'm'v.li #r,a'h' ht'y>h'w> por causa de seus habitantes, h'yb,v.yO-l[; como fruto de suas obras. s `~h,ylel.[;m; yrIP.mi

a) Zapff292 destaca que o w em ht'y>h'w pode ser entendido como adversativo –

“mas a terra se tornará deserto...” – em um sentido contrário à reconstituição de

Jerusalém ou da comunidade de Israel, anunciada no v. 11293. A destruição hm'm'v. relacionada à terra inteira, com base no contexto (v. 12), encontra-se

freqüentemente na profecia do julgamento restrita à terra de Judá ou Israel294.

A palavra hm'm'v. da mesma raiz de !AmM'vi (horror), em 6,13.16, tem o mesmo

sentido aqui: tornar-se-á um lugar de horrível desolação (cf. 1,7). Há por trás

287 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 295 288 Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 359. 289 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 290 Cf. CARBONE-RIZZI, LXX 70, p. 203. 291 Cf. CARBONE-RIZZI, TM 33, p. 202. 292 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 155. 293 O verbo hyh seguido ou complementado por l, tem o sentido ativo de “tornar-se” ou “ser trocado” (cf. Ex 4,3; 5,4; 7,10; Is 1,22; Dt 26,5). Cf. BDB, 226e. 294 Cf. HILLERS, Micah, p. 91.

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deste anúncio de destruição uma ampliação do julgamento originariamente

válido apenas para Israel, e, agora válido para o mundo inteiro. Só a partir de

YHWH o povo alcançará novamente a prosperidade.

A palavra #r,a, apresenta-se na LXX como gh/; a Vg usa “terra” em todas as

referências deste vocábulo no texto estudado (cf. Mq 7,13.15.17). No v. 15, a

LXX omite o termo; e no v. 17 apresenta-se como um acusativo (gh/n). Alguns

testemunhos textuais da LXX traduzem su.n toi/j katoikou/sin auvth.n, pensando

assim numa aniquilação da terra e de seus habitantes.

Segundo Waltke295, o uso do waw relativo, no início da frase (hty>hw>),

aponta uma situação seqüencial para o futuro imperfeito nos vv. 11-12. Após o

povo eleito encontrar a salvação em Sião, o resto da terra tornar-se-á desolada.

Dessa forma, #r,a'h; não pode significar a terra de Israel, uma vez que esta não

deve ser desolada, mas habitada.

b) A preposição l[; significa que a ação ocorreu; e a preposição !mi pode

também indicar “a causa de”296. No lugar de l[; (por causa de) a LXX lê su.n toi/j

katoikou/sin auvth.n, pensando assim em uma aniquilação da terra e seus

habitantes. A desolação provocada pelo pecado humano atinge a própria natureza

– a terra ficará desolada. O !m, antes de yrip., aponta, no presente caso, para a causa

da desolação. As antigas traduções confirmam plenamente o TM.

c) A preposição !m aponta aqui para a causa, mais especificamente, para

indicar o resultado de algo feito297. A palavra yrIP. designa fruto ou fruta. No uso

metafórico, que é o caso de nosso texto, indica a conseqüência de um feito ou

aquilo que é produzido (cf. Is 3,10; 10,12; Jr 6,19; 17,10; 21,14; Os 10,13; Am

6,12; etc.)298. A causa da desolação é enfaticamente apontada como fruto de uma

conduta má dos habitantes (cf. Is 3,10; Jr 17,10; 21,14; 32,19; Mq 7,13)299. A ação

verbal ~h,ylel.[;m; é sempre plural, usualmente de ações más e é usado quatro outras

vezes (cf. Is 30,10; Jr 17,10; 21,14; 32,19) com um agente genitivo300.

v. 14

295 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 758. 296 Cf. WOLFF, H. W., Micah, 213. BDB 580, 2. 297 CF. BDB 580, 2f. 298 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 547. 299 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 391. 300 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 758.

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Apascenta o teu povo com o teu cajado, ^j,b.vib. ^M.[; h[er>

o rebanho de tua herança, ^t,l'x]n: !aco que habita sozinho na floresta, r[;y: dd'b'l. ynIk.vo no meio do Carmelo. lm,r>K; %AtB Pastarão em Basã e Galaad, d['l.gIw> !v'b' W[r>yI Como nos dias antigos `~l'A[ ymeyK

a) O significado do verbo hebraico h[er é “apascentar”, “pastar” ou “cuidar”.

Pode, no entanto, ter, igualmente, o sentido figurado “apascentar homens”. Uma

avaliação acerca da tradução vai depender do sujeito e do objeto. É usado,

provavelmente, pelo profeta, como representante do resto’, fiel em relação ao

Senhor. O uso dos sufixos pessoais na segunda pessoa singular (^) na oração serve

para reforçar o pedido: se o rebanho pertence a YHWH, então a exortação para

apascentá-lo fica ainda mais compreensiva301. A imagem traz consigo a idéia de

estabilidade e firmeza. YHWH tem o papel ativo como pastor de seu povo302.

O termo ^j,b.vib refere-se ao cajado, um meio usual do pastor, que serve de

instrumento de guarda e guia (cf. Sl 23,4). Também representa a autoridade de

quem guia.

b) No lugar de “rebanho” (!aco), o Tg apresenta “tribo”, abandonando,

novamente, a linguagem figurada do TM303. O termo !aco (rebanho) funciona

como um acusativo, uma aposição a ^M.[; (teu povo). A palavra ^t,lx]n: (tua

herança) funciona como um subjetivo genitivo abstrato após o sufixo pronominal

construto.

c) Em vez da forma ynIk.vo (!k;v'), o aparato crítico da BHS apresenta ynek.vo

(plural), encontrado em muitas versões - na LXX (kataskhnou/ntaj), na Vg

(habitantes). Parece que essas traduções e a vocalização da BHS foram

influenciadas pelo verbo W[r>yI (qal yiqtol 3ª pessoa plural) no v. 14e. A versão

301 O imperativo inicial h[er (h['r') constrói a metáfora de Israel como rebanho, e é interessante notar que esse termo é empregado nas três seções de esperança ou salvação do Livro de Miquéias. O orador, aqui, recorda o antigo conceito de Deus como o pastor de seu povo (cf. Gn 48,15; 49,24; Sl 80,1), tema desenvolvido por outros textos proféticos (cf. Mq 2,12; 4,6-7; Sf 3,13; Is 40,11; Jr 23,2-3; 31,10; Ez 34,11-16; Sl 28,9). 302 O Tg parafraseia: “apascenta... com tua palavra” no lugar do TM “apascenta teu povo com teu cajado”, abandonando a linguagem figurada do texto. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 75, p. 205. 303 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 76, 205.

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Siríaca e o Tg referem-se ao povo de Deus e não justificam a leitura de ynek.vo

proposta pela BHS, já que os antecedentes ~[ (povo) e !ac (rebanho) podem ser

apropriadamente compreendidos como coletivos. O yod pode ser explicado como

paragógico, que acompanha o caso constructo, sobretudo no particípio. Ou seja,

um particípio precedendo um substantivo é geralmente colocado em construto304.

No entanto, ynIk.vo pode ser mantido como lectio difficilior e não deve ser mudado

para ynek.v (particípio plural)305.

A palavra dd'b'., como advérbio e acompanhada da preposição l., significa “a

sós”, “à parte”, “somente” (cf. Nm 23,9; Mq 7,14; Sl 4,9)306. Pode ocorrer sozinha

como um acusativo de modo, ou como aqui, acompanhada da preposição l.,

significando maneira. Geralmente vem acompanhada dos verbos de moradia, tais

como: !kv, bvy ou xWn (cf. Dt 33,28; Sl 4,9[8]; Jr 49,31). A LXX escreve segundo

a estilística grega kaqV e`autou.j307. O termo r[;y:, que já ocorrera em 3,12, pode

designar desde floresta densa até matagais - é um acusativo adverbial de lugar que

modifica a ação de ynIk.vo.

d) O termo %AtB é a união de uma preposição com um substantivo e significa

enfaticamente “no meio de”, “no coração de”308. Em relação ao termo lm,r>K;,

alguns autores preferem uma tradução etimológica: “jardins” (CEI); “gramado”309.

Pode ser tanto uma “terra fértil” quanto a região em que se encontra o monte

Carmelo; mas, de uma maneira geral310, no contexto da metáfora, designa uma

rica pastagem ou uma terra fértil, onde o rebanho desfruta o suficiente – e não a

montanha do Carmelo311. Dessa forma, lm,r>K; não é para ser lido como nome de

304 A forma verbal ynIk.vo (!kv) pode ser tomada como particípio com o yod final paragógico. Essa forma se encontra em outras passagens bíblicas (cf. Dt 33,16; Jr 49,16; Ab 3). Um particípio precedendo um substantivo é geralmente colocado em construto. Cf. JOÜON, P. A Grammar of Biblical Hebrew, 93n. 305 Esta forma se encontra em outros textos bíblicos (cf. Dt 33,16; Jr 49,16 e Ab 3). Wolff, Hillers, Shaw, Renaud e Zapff não encontram razão alguma para amparar a leitura plural proposta na BHS, pois, como vimos, o singular se encaixa sem problemas com ~[ e !ac, que aqui devem ser entendidos como coletivos (cf. Mq 2,12). Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 188; HILLERS, D. R., Micah, p. 88; SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 195; RENAUD, B., La formation du livre de Miché, p. 362. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 156. 306 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 88. 307 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 78, p. 205. 308 Cf. BDB 1063. 309 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 87. 310 Cf. McKANE, W., Micah, p. 232. 311Na opinião de Zapff, há na palavra lm,r>K; um problema semântico. Pode-se entender a montanha costeira do Carmelo (cf. Js 19,26; Is 33,9; Jr 46,18) ou a terra cultivada/campo fértil (cf. Is 10,18;

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lugar, embora a LXX, Vg e Tg suponham que seja. Assim, este versículo descreve

a situação de Israel com a metáfora de um rebanho pastando na mata espessa e

que não tem acesso à área cultivada ao redor, enquanto o v. 14e faz a passagem da

metáfora para a realidade: retomada de posse (ainda na imagem do pastar) de Basã

e Galaad312.

e) A forma que introduz o v. 14e é um jussivo W[r>yI (h['r'), paralelo ao

imperativo com a mesma raiz, que introduz o v. 14a (h[er). Enquanto o verbo é

transitivo naquele versículo, aqui é intransitivo. Em 14a, refere-se a YHWH; aqui,

a Israel313. Este verbo (h['r') I é interpretado pela Vg na forma nifal – “pascentur”.

A LXX reproduz o nome das duas cidades segundo a geografia helenística, lendo

o singular do TM como valor de coletivo, provavelmente à luz do sucessivo TC

ynIk.vo entendido como particípio plural construto314. As localidades d['l.gIw> !v'b'

(Basã e Galaad) são advérbios acusativos de lugar e são citados como exemplo da

futura “terra de apascentamento” de Israel.

f) A LXX interpreta “como nos dias da eternidade” (~l'A[ ymeyKi), com ênfase

no significado teológico da expressão315. Neste versículo, o rebanho, que parecia

estar impedido de ter acesso às terras férteis, terá novamente esse acesso “como

nos dias de outrora”, ou seja, desde o tempo da ocupação até o fim de reino de

Israel (cf. Js 13; Is 33,9; Ez 27,6; 39,18). Assim, esta expressão indica a

continuidade do povo de Deus e da cidade santa sob a antiga aliança. Neste

versículo, o rebanho, que parecia estar impedido de ter acesso às terras férteis, terá

novamente esse acesso “como nos dias de outrora”, ou seja, desde o tempo da

ocupação até o fim de reino de Israel (cf. Js 13; Is 33,9; Ez 27,6; 39,18).

v. 15

Como nos dias do teu sair da terra do Egito ~yIr'c.mi #r,a,me ^t.ace ymeyKi

16,10; 29,17; 32,15ss; Jr 2,7; 4,26; 48,33), em oposição ao deserto. As antigas traduções consideram a primeira proposta, e os exegetas também. Contra tal interpretação existe o fato de que, no versículo seguinte, está claramente descrita uma situação cuja modificação já é esperada. Se fosse o caso de uma morada solitária de Israel “na floresta, no meio do Carmelo”, isso iria contradizer o significado positivo ou, pelo menos, neutro que o Carmelo possui em outros lugares no AT (cf. Jr 50,19, onde o ato de pastar no Carmelo parece justamente como o objetivo do Israel exilado, prometido por YHWH). Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 156s. 312 Cf. McKANE, W., Micah, p. 232. 313 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, 588. 314 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 80, p. 205. 315 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 81, p. 205.

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lhe farei ver prodígios `tAal'p.nI WNa,r>a;

a) Aqui novamente encontramos a partícula yKi no início do versículo, mas

com a mudança do tempo verbal – do qal qatal nas primeiras orações para o

infinitivo316. A expressão ymeyKi repete exatamente a mesma frase do v. 14f e

compara a época atual com o tempo em que Deus tirou Israel da escravidão do

Egito317. O plural enfatiza a duração extensa dos milagres de Deus no Egito. A

LXX traz kai. kata. ta.j h`me,raj com o plural, como o TM (^t.ace ymeyKi), contra o

possível texto de 1QpMic318. Ela parafraseia o verbo hebraico ^t.ace, substituindo-

o por um substantivo equivalente no grego; não faz recurso ao termo clássico de

evxodoj (LXX2Rs 11,1 ou também 2 Rs 3,22), mas utiliza a palavra evxodi,aj

(genitivo), com uma referência importantíssima ao Êxodo. Ela aparece apenas no

texto LXXDt 16,3, relacionada ao halakah do memorial dos ázimos para a Páscoa.

Nessa perspectiva, é também importante evocar a tradição sinagogal, pela qual

Deus teria proposto, novamente, no tempo escatológico do Messias, na noite da

Páscoa, os prodígios do Êxodo. Para Carbonne-Rizzi, não há dúvida de que

LXXDt 16,3 foi o modelo de tradução para LXXMq 7,15319.

A LXX interpreta evx Aivgu,ptou omitindo a palavra “terra” (#r,a,me), e supõe a

expressão ~yIr'c.Mimi no lugar de ~yIr'c.mi, o que mantém a regularidade do ritmo – 3+2

– em relação aos versículos precedentes e aos versículos seguintes320. Mas “terra

do Egito” é expressão comum na literatura hebraica. Não existe motivo suficiente

para a anulação da palavra #r,a antes de ~yIr'c.mi.

316 A expressão verbal ^t.ace infinitivo construto funciona, como aponta Waltke, como um genitivo de medida ou avaliação. O sufixo pronominal é um genitivo subjetivo. E, nesse sentido, o sufixo da segunda pessoa do singular, como em todo o Livro, refere-se ao coletivo Israel, mas aqui, particularmente, a um resto, não Deus, porque o grau verbal está no qal (cf. Ex 13,3; 23,15; Dt 11,10; Sl 114,1). Sendo o antecedente Deus, o grau teria que ser hiphil – “você causou a saída de”. O resto é visto como um corpo solidário aos seus pais cuja aliança guardaram, quando saíram do Egito para estabelecer a vontade divina no mundo e na sociedade. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 759. 317 Kessler chama a atenção para o fato de que YHWH é o sujeito da saída (qal infinitivo), e não, como de regra, da “retirada”, em 6,4 (hifil). O termo ~wooy indica o sentido geral de “tempo de”, representando o ato vividamente. Cf. KESSLER, R. Micha, p. 307. 318 Cf. COLLIN, M. “L’Histoire Textuelle de Michée”, VTSupl, XX vol XXI, no. 3, 1971, 281-297, p. 289. 318 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 319 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 82, p. 207. 320 “This shorter reading is preferred by Marti and others (BHS)”. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88.

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b) O aparato crítico da BHS propõe Wnear>h; (mostra-nos ou faz-nos ver) em

vez de WNa,r>a; (eu lhes mostrarei - eu lhes farei ver). A LXX leu no qal e mudou a

pessoa - o;yesqe (o`ra,w – vós vereis)-, harmonizando o novo sujeito do verbo na

segunda pessoa do plural com a oração a anterior – “do teu Êxodo” – para

sublinhar uma leitura escatológica do texto. Para dar continuidade à sua leitura

escatológica, a LXX ainda utiliza como recurso o neutro plural qaumasta, (vós

vereis... coisas extraordinárias), ampliando assim a tipologia do Êxodo (LXXEx

34,10; LXXJs 3,5)321. Talvez a intenção dessa versão seja a de desestimular a

leitura de que o v. 15 seria a palavra de YHWH e também reduzi-lo, para se

estabilizar com a promessa do v. 14.

A expressão verbal Wna,r>a é um hiphil yiqtol, tendo, como sujeito, a primeira

pessoa do singular e, como objeto, a raiz verbal tAal'p.nI. Apesar de o TM trazer a

primeira pessoa do singular, alguns estudiosos consideram o texto incoerente com

o contexto e seguem a versão LXX, optando pela segunda pessoa do singular322.

No entanto, se se toma, esse verso, como é o nosso caso, como resposta divina,

nenhuma emenda é necessária323. Com exceção da LXX, todas as versões

apontam para o TM. A Vg, que lê no hifil (ostendam ei mirabilia), confirma o TM

e traduz o sufixo de WNa,r>a como um singular. Zapff324 concorda que aqui é o

Senhor que fala - Deus mesmo assegura que repetirá os prodígios do Êxodo. O

sufixo 3ª pessoa singular masculino, em WNa,r>a; pode ser entendido como

referência a ~[ (povo) ou ^tlxn (tua herança). A diferença daí resultante entre a

grandeza a que se refere por “tu” e a promessa “eu o farei ver” poderia ser um

indício de que as grandezas a serem compreendidas por ^m[ e ^tlxn !ac não são

totalmente idênticas com a comunidade falante no v. 14. Uma vez que esta já vive

provavelmente em Sião, poder-se-ia pensar, por exemplo, na inclusão da diáspora

na promessa de salvação de YWHW para seu povo. Entretanto, também seria

possível uma diferenciação temporal que conta, em princípio, com uma ação

salvadora de YHWH com seu povo, mas ainda não com a atual geração suplicante

321 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 83, 84, p. 207. 322 Renaud pensa que essa correção representa o texto original. Mais do que uma falta do copista, essa lição do TM se explica por uma intervenção redacional. Outros autores que confirmam a correção: Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 187/214; Cf. ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 392 no 43; HILLERS, D. R., Micah, p. 88; MAYS, J. L., Micah, p. 163. 323 Cf. SCHAW, Micah, 195. (ver também LUCKER, Doom and Hope, p. 134 no. 22).

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do verso. Para o autor, essa correção tenciona restabelecer uma unidade

sintaticamente ligada ao texto.

v. 16

As nações verão ~yIAg War>yI e se envergonharão de todo o seu poderio, ~t'r'WbG> lKomi WvboyEw> porão a mão sobre a boca, hP,-l[; dy" Wmyfiy" Seus ouvidos ficarão ensurdecidos hn"v.r;x/T, ~h,ynEz>a'

a) Alguns autores, tais como Wollf e Mays325, tomam o verbo War>yI como

jussivo; no entanto, a leitura deve ser compreendida no simples yiqtol. As

traduções que alteram o verbo e o pronome do versículo anterior têm de modificar

também este versículo e o seguinte (Que as nações...que ponham a mão... que

lambam o pó... etc). Em vez de entenderem os vv. 16 e 17 como resposta à

promessa divina, interpretam-nos como pedidos adicionais. Mais uma vez vemos

que a emenda do v. 15 não é necessária.

Retomando o vocábulo War>yI (ha'r'), o texto traz: “As nações verão” (cf. Mq

5,8; Sl 126,2; Is 26,11; 66,18; Ez 28,33; 39,17-21; Zc 8,20-23; 12,9). É a resposta

confiante do profeta para a fala divina do v. 15: “eu lhe mostrarei”. Barker326

observa que há um óbvio jogo de palavras aqui, entre Wna,r>a; (eu lhe mostrarei) e

War>y (elas verão). Quando as nações virem as maravilhas de Deus, elas se

envergonharão. O seu tão falado poder cai na insignificância. As formas verbais

ha'r' (ver) e vwB (envergonhar-se), estão no futuro e não mais no jussivo (contra

os vv. 10-11), e nos mostram que as “maravilhas” que Deus fará Israel ver

também serão vistas pelas “nações” e elas se envergonharão. O verbo WvboyEw> (vwB)

possui o significado de envergonhar-se, com ênfase no aspecto psicológico,

sentimento de vergonha. Constrói-se ordinariamente, em forma absoluta; às vezes,

com !mi + objeto de vergonha, ou yki + motivo. Muitas vezes, é difícil decidir se

predomina o aspecto psicológico ou o objetivo327. A conjunção waw representa,

na opinião de Waltke328, dois aspectos de uma mesma situação. Como as nações

324 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 158. 325 Cf. WOLFF, H. W., Micah, 212; MAYS, J. L., Micah, p. 163. 326 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 132. 327 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 94. 328 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 760.

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vêem a exposição do poder de Deus em favor de Israel, elas se envergonharão do

prazer que sentiram e expressaram contra o Senhor e seu povo (cf. 3,7; 7,10).

b) A LXX glosa o texto “Porão a mão sobre a boca”, acrescentando, por

razões estilísticas, o termo auvtw/n (na sua boca), fazendo um paralelo a “se

tornarão surdas a seus ouvidos” (auvtw/n ta. w=ta avpokwfwqh,sonta). Esta

interpretação corresponde a um neologismo para o valor intransitivo do futuro

passivo de avpokwfwqh,sontai (avpokwfo,omai: tornarão)329.

O termo lKomi (!m + lK: de todo), enquanto a preposição é um partitivo (o

que mostra uma parte ou quantidade do nome), o substantivo, no estado absoluto,

posiciona-se em aposição a ~t'r'WbG> (hr'WbG>: seu poder). Da interpretação da

expressão ~t'r'WbG> resultam várias traduções: sua prepotência (TMMq 7,16), sua

violência (LXXMq 7,16) ou sua potência (PeshMq 7,16). CEI traduz: “e ficarão

desiludidas de toda a sua potência”; Bernini330: “e ficarão envergonhados, apesar

de todo o seu poderio”. Contextualmente, refere-se ao termo prodígio, apresentado

no versículo anterior, ou seja, o v. 16b fornece a representação concreta do v. 16a.

c) A expressão utilizada neste versículo é hP,-l[; dy" Wmyfiy; (colocar a mão na

boca); evoca um gesto cultural que revela confusão e embaraço. Indica mudez

como resultado de desconcerto. O povo deve segurar a boca, ou seja, calar,

guardar silêncio (cf. Jz 18,19; Mq 7,16; Jó 21,5; 29,9; 40,4; Pr 30,20)331. O que

indica que a boca deve permanecer fechada. Essa expressão é também utilizada

em um contexto de vergonha em Mq 3,7. Aqui serão as nações inimigas que se

envergonharão, quando Deus restabelecer seu povo na sua dignidade. As nações

não terão nada a dizer. Um contraste com a zombaria do v. 10d. Na opinião de

Barker332, este verso e o próximo parecem ser um eco do v. 10. Ninguém mais

zombará do Senhor.

d) A ação verbal hn"v.r;x/T, (vr:x') está correlacionada com levar a mão à boca

(hP,-l[; dy" Wmyfiy"), calar-se333. Para sublinhar a imagem anterior, os ouvidos dos

329 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 87, 207. 330 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 349. 331 Cf. BDB 804,1b. Em Jz 18,19, esta expressão é utilizada em um contexto de silêncio; em Jó 21,5, em um contexto de silêncio causado pela estupefação. Em Jó 29,9, ela é provavelmente um gesto de espanto e talvez de admiração; em Jó 40,4 é utilizada em um contexto de silêncio e enfim Pr 30,32 refere-se a um silêncio pela constatação de uma falta. Nessas citações, a expressão “colocar a mão na boca” aponta uma expressão de silêncio, mas também aquela de espanto. 332 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 132. 333 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 248.

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inimigos também devem “ensurdecer”. Eles não querem ouvir mais nada sobre os

poderosos atos salvíficos de Deus para seu povo.

v. 17

Eles vão lamber o pó como a serpente, vx'N"K; rp'[' Wkx]l;y> Como os que (se) arrastam sobre a terra. #r,a, ylex]zOK.

Eles sairão tremendo de seus abrigos ~h,yteroG>s.Mimi WzG>r>yI para YHWH nosso Deus Wnyhel{a/ hw"hy>-la,

e terão temor e medo de ti. `&'M,mi War>yIw> Wdx'p.yI

a) O sujeito do v. 16, as nações, continua sendo o sujeito de todo o v.17. A

expressão verbal Wkx]l;y> ($x;l;) possui o significado de “lamber” e encontra-se

também em Nm 22,4; Sl 72,9 e Is 49,23 ou 69,23334. A forma piel, provavelmente,

denota uma atividade freqüente. As nações inimigas são comparadas a serpentes

que lambem o pó. No termo vx'N"K; (como a serpente), o artigo significa ou dá a

categoria335. O vocabulário e a idéia deste verso constituem uma nítida alusão a

Gn 3,14, que refere-se à inferioridade do réptil.

Há diferentes traduções para o termo rp'[' (pó, terra): em LXXMq 1,10, é

traduzido por “lodo”, em um contexto de polêmica cultual; aqui, a LXX usa cou/j

(terra, pó); o Tg parafraseia e interpreta o TM, substituindo a linguagem figurada

por um gesto ritual de submissão – “Hão de se prostrar com o rosto no chão”336 –

que é um sinal de humilhação e de derrota. Também a palavra vx'n" (serpente), no

TM, apresenta-se no singular; a LXX interpreta o substantivo no plural o;feij

(répteis) e a Vg usa “pulvis”, o que poderia ser explicado a partir de uma

compreensão de vx'n" no sentido de uma designação genérica. Não há nenhum

problema com o TM.

b) A LXX explora uma tradução literal do particípio do verbo hebraico

ylex]zOO[K.] (lxz: arrastar-se), facilmente entendido com valor substantivado, para

evidenciar melhor o sujeito concreto: “os povos pagãos”337. Este verbo (lx;z)

possui o significado de “reptar, deslizar, arrastar-se, escorregar, escapulir”338. Na

334 Cf. BDB 535a. 335 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 760. 336 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 92, p. 209. 337 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 89, p. 209. 338 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 191.

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nossa tradução, optamos pelo sinônimo “arrastar-se” (cf. Dt 32,24). A esse

particípio, segue-se uma locação de genitivo. Na opinião de Waltke339, não há

nenhuma diferença entre rp'[' e #r,a,; o paralelismo entre as linhas 17a e 17b pede

o último aqui.

c) A LXX interpreta a ação verbal WzG>r>yI (zgr) recorrendo a um verbo

indicativo futuro passivo sugcuqh,sontai (sugce,w), evidenciando o seu contexto

escatológico (cf. também LXXNa 2,5). A mesma versão traduz ~h,yteroG>s.Mi (seus

abrigos) com o significado moral de sugkleismo,j (dureza de coração = serão

perturbados na dureza deles)340. A Peshitta traz: “serão angustiados por causa dos

seus caminhos”. O Tg apresenta “fora de seus palácios” parafraseando “de seus

abrigos”. A expressão “sair tremendo” (WzG>r>yI) possui a raiz verbal zG"r;, cujo sintoma

é de medo, surpresa ou equivalente341. Este versículo retrata os tremores dos

inimigos em seus próprios esconderijos. O termo trgsm só aparece em Mq 7,17 e

2Sm 22,46; Sl 18,46. Kessler342 pensa que, com base nas traduções da LXX para

2Sm 22,46 e Mq 7,17 e da Vg para 2Sm 22,46 e Sl 18,46 e no aparentado lexema

rgsm, poder-se-ia chegar ao significado “prisão” (segundo KBL)343. Então, em Mq

7,17, poder-se-ia falar de uma libertação dos povos. No entanto, contra essa

interpretação, existem três argumentos: a) Já a Vg traduz Mq 7,17 como “de

aedibus suis”, ou seja, não pensa em prisões; b) em 2Sm 22,46 = Sl 18,46 está

claro que não se pensa em libertação, mas em uma saída medrosa de uma

construção discutível; c) também a continuação, em Mq 7,17, que fala de “medo e

tremor”, não faz pensar em libertação. Já que rgsm, como artesão, significa

serralheiro, pode-se pensar perfeitamente em trgsm como um palácio, castelo ou

baluarte, o que corresponde totalmente aos aparecimentos em 2Sm 22,46 cf. Sl

18,46: os povos “envergonhados” têm de “sair tremendo” dos símbolos de seu

poder de até então, seus castelos.

339 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 761. 340 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 90, 209. 341 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 604. 342 Cf. KESSLER, R. Micha, pp. 307-308. 343 Wolff é da mesma opinião: “The root rgs means “to shut”, “to lock”; accordingly, trgsm is often understood as “prison”, “dungeon”. However in this context, an act of (external) liberation is hardly conceivable. It probably has to do with the fearful coming forth of nations from their last “hiding places”, “fortresses”, or “citadels” (cf. A. Weiser, W. Rudolph, L. C. Allen et. al.), so that here an act of nonresistance and capitulation is described.”. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 228.

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d) Em relação à expressão Wnyhel{a/ hw"hy>-la a BHS elimina a frase inteira,

considerando-a como uma glosa posterior; por isso, muitas vezes é omitida nas

traduções344. A Vg omite a tradução do termo la,. Neste caso, poder-se-ia

construir Wnyhel{a/ hw"hy como um vocativo: “Eles virão trêmulos, ó YHWH, nosso

Deus, e eles terão medo de vós”. É improvável que o versículo faça referência a

Israel, embora a LXX, Vg e Tg suponham isso345. Deissler346 aponta que a

complementação “em direção a YHWH, nosso Deus”, que as versões unem ao

verbo seguinte, é manifestamente uma glosa posterior, já que imediatamente

depois vem a apóstrofe dirigida a Deus, na 2a pessoa. Além disso, o conjunto do

versículo encontra-se sobrecarregado do ponto de vista métrico. O TM é possível,

embora a referência a YHWH na terceira pessoa esteja em desarmonia com o

endereço direto no fim da linha. A expressão pode ser entendida à luz de outra

expressão sintático-gramatical: “...de seus abrigos para YHWH nosso Deus”347.

Todas essas especulações podem ser evitadas, mantendo-se a pontuação do TM,

mesmo porque, ao conservar-se a forma simples do texto, este fica compatível

com o oráculo anterior348.

e) A LXX interpreta o TM com um procedimento haggádico; de fato, quer

evitar usar qualquer sinônimo do verbo “temer” para as nações, em relação a

Deus, em um contexto escatológico, para não induzir ao equívoco acerca de uma

possível conversão; por isso, interpreta dx;P; (Wdx'p.yI) com evksth,sontai, que só se

encontra em LXXOs 3,5. Nesta perícope, LXXMq 7,17 evidencia a hagadah

escatológica acerca da punição dos pagãos349. Em relação ao sufixo pronominal

referente a Deus (&'M,mi), o Tg acrescenta uma breve circunlocução de respeito:

“diante de ti”350. A expressão &'M,mi não se encontra na PeshMq 7,17. Não existe

nenhum motivo para essas modificações. Pode-se conservar o TM.

344 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 350 nota 17. 345 Carbone–Rizzi consideram a imagem que vê os povos tremerem fora de seus palácios, sem dúvida, mais sugestiva do que a PeshMq 7,17 “serão angustiados por causa dos seus caminhos”. Ver também McKANE, W., Micah, 231. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 96, p. 209. 346 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 123. 347 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p 88. 348 Vuillemier observa que a expressão Wnyhel{a/ hw"hy>-lae, parece, de novo, fazer parte de uma resposta litúrgica que se encontra no fim do v. 13 e que está introduzida no corpo do versículo. Ela, então, termina a prece. Cf. VUILLEUMIER, R., & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 87. 349 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 92, 209. 350 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 99, 209.

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Ambos os verbos pelos quais este versículo se expressa (Dxp e ary) são

semanticamente ambivalentes. Enquanto que o verbo zG"r;, do v. 17c, significa

simplesmente “tremer”, aqui a raiz verbal Dxp designa “sair tremendo”. Ela

contém tanto o aspecto do temor (cf. Jr 2,19; 36,16.24) quanto o da expectativa

positivamente causada (cf. Os 3,5). A mesma ambivalência vale para ary “temer”

(cf. Sl 14,5; 27,1; 78,53)351. Este construído transitivamente com a partícula ta,

expressa veneração e respeito (especialmente na fórmula “temer a Deus” cf. Dt

6,2.13.24), mas o grau reflexivo com !m faz preponderar o aspecto do medo

(“temer-te ou ter medo de”)352. Refletiria vividamente, como nota Waltke353, o

horror que acompanha o pânico (cf. Is 19,16; 33,14; Jr 33,9). É o oposto de

expressões que denotam confiança e segurança (cf. Pr 3,24; Sl 27,1; 78,53; Is

12,2; 51,12-13). A raiz de dx;P' é encontrada freqüentemente no contexto religioso

para mostrar o temor e o respeito diante da intervenção do Senhor (cf. Dt 28,67;

Jó 4,12-15; Sl 14,5). Então, é esperada para os povo a mesma conversão a

YHWH, como é esperada dos “filhos de Israel” em Os 3,5, entendido como um

evento de conversão que conduz os israelitas a uma salvação.

v. 18

Quem é Deus como tu que carrega a culpa !wO[' afenO ^AmK' lae-ymi e passa por cima das transgressões [v;P,-l[; rbe[ow>

em favor do resto de sua herança? Atl'x]n: tyrIaev.li Ele não exaspera sempre a sua cólera, APa; d[;l' qyzIx/h,-al

porque ele se compraz no amor. `aWh ds,x, #pex'-yKi

a) As traduções apresentam diversas variantes, mas que não têm grande

importância. Assim, o Tg e a Peshitta traduzem: “não há Deus além de ti” (Tg) e

“como tu” (P), numa interpretação afirmativa. Waltke354 observa que, nesta frase,

o termo lae é tomado como um nome próprio no vocativo, mas um vocativo nunca

se posiciona entre um pronome interrogativo e uma partícula comparativa. O

351 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 533. 352 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 292; ver também VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, Neuchatel: Delachaux et Niestle, 1971, p. 87. 353 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 761. 354 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 761.

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termo preposicional ^AmK' modifica a oração sem verbo. Todavia, o estilo de

Miquéias tolera a incongruência entre ^AmK' e APa;.

O termo !wO[ (culpa) encontra-se, no TM, no singular, com valor de coletivo;

na LXX, apresenta-se no plural (avdiki,aj); aVg traz iniquitatem / peccatum; e o Tg

lê o termo singular !wO[' com valor coletivo, explicitando ainda mais o TM: “tu és o

Deus, que perdoa o pecado”355.

O significado do verbo afenO (af'n"), na forma particípio, é “levantar”,

“carregar”, “tomar”, no sentido figurado, em relação a delitos alheios (cf. Nm

14,18; Is 33,24; Os 14,3 e Mq 7,18)356. Associado ao termo !wO[, indicativo de

pecado, tendo YHWH como sujeito, traduz-se literalmente por “carregar a culpa,

o pecado”. Para Waltke357, o particípio indefinido afenO que modifica o lae é o

primeiro das duas esferas da incomparabilidade de YHWH. Com o acusativo !wO[,

há um sentido cúltico. O termo !wO[ é interpretado como “pecados” ou “pecado” –

Hillers (87): “pecados”; Wolff (187): “pecado”; outros comentários, tais como

Weiser (287); Robinson (152) e Rudolph (128) traduzem por “culpa”. A falta

possui aqui uma nuance que subentende-se como uma dívida358.

Na análise de Knierim359, a palavra !wO[ possui a raiz hebraica hw[, que,

originalmente, significava “perversidade”. O significado próprio da palavra torna-

se confuso devido aos vários sentidos do mesmo sinônimo para os conceitos

básicos de culpa e pecado. Traduz-se, segundo o contexto, por “culpa”, “delito”,

“castigo”. Aqui, tem que assinalar especialmente a fórmula judicial com !wO[' afenO,

“carregar a culpa”.

b) Em relação à expressão verbal l[ rbe[ow>, a LXX recorre ao verbo

u`perbai,nwn (passar por cima), no sentido de “perdoar”. A Vg usa transis; o Tg

utiliza a expressão “passa para a frente os pecados...”, que também tem o

significado de perdoar. Quanto ao termo hebraico [v;P, (transgressão), que possui

valor coletivo, a LXX lê avsebei,aj (acusativo feminino plural). As variantes não

possuem grande importância.

355 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 102, p. 211. 356 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, pp. 450, 484. 357 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 761. 358 Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 87. 359 Cf. R. KNIERIM. “!wO[”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), pp. 315, 319.

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O uso do verbo rbe[ow> (rb;[]) unido à preposição l[,; está em sentido figurado,

com o significado de perdoar um delito, isto é, “passar por cima” ou “ignorar” (cf.

Am 7,8; Pr 19,11)360. A conjunção waw, aqui, é enfática. A palavra [v;P (rebelião,

rebeldia) prevalece nos Livros narrativos e poéticos. Dos 93 casos, 6 encontram-se

no Livro de Miquéias. No período exílico e pós-exílico, o termo predominava nos

textos cultuais e jurídico-cultuais: na doxologia do perdão de Deus, na liturgia da

festa pós-exílica dos Tabernáculos, no dia da reconciliação que a precedia (cf. Ex

34,7; Nm 14,18; Mq 7,18-20).

c) A junção das palavras Atl'x]n: tyrIaev.li é encontrada uma segunda vez em 2

Rs 21,14 no contexto da ameaça de rejeição de Sião por YHWH. O termo Atl'x]n:

com um sufixo indicando YHWH produz claramente uma relação-chave com Mq

7,14. E o lexema tyrIaev é encontrado ainda em Mq 2,12; 4,7 e 5,6 e designa tanto

a diáspora judaica (Mq 2,12; 4,7) como o povo de Israel novamente reunido em

Sião (Mq 5,6). Em Mq 7,18 devemos entender a sentença para todo Israel, a saber,

a população da diáspora e a comunidade que já vive em Jerusalém.

d) A LXX interpreta a forma verbal qyzIx/h em função do complemento que

se segue. É o único caso em que sune,cw (sune,scen) traduz qz:x' na LXX. O TM

apresenta d[;l' (para sempre) e a LXX parece ter lido d[el. (para testemunha) onde

se lê eivj martu,rion. Na opinião de Carbone-Rizzi361, talvez a LXX quisesse evitar

o antropomorfismo teológico de Deus, que se irrita, e tenha preferido interpretar o

TM com vocalização diferente (d[e), e, assim fazendo, uniu-o, com a inclusão, ao

termo martu,rion do TMLXXMq 1,2. A LXX interpreta o termo APa; por ovrgh.n e

a Vg confirma o TM com a palavra “furorem”.

A expressão verbal qyzIx/h,-al no hiphil, com hwhy como sujeito e APa como

objeto de impressão acusativa, significa, com este verbo qal estativo, ou a “causa

de alguma coisa ser forte” (cf. Jr 51,12), ou “sustentar/suportar firme alguma

coisa” (cf. Is 56,2.4.6). O último é preferível aqui362. Deus não sustenta sua ira,

não guarda para sempre. Ao contrário, ele permite ceder. O advérbio d[, ;

combinado com a preposição l' designa “para sempre”, “perpetuamente”.

360 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 475. 361 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 100, p. 211. 362 Cf. BDB 305, p. 6.

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Encontramos 28 vezes, nos Salmos, e 11 vezes, nos escritos proféticos (cf. Is 64,8;

Mq 7,18; Sl 9,19; 19,10; 21,7; 22,27; 37,29 etc)363.

e) Em relação à palavra ds,x, a LXX recorre ao termo pouco utilizado evle,ouj

(compaixão), que apenas aqui é utilizado com este sentido364. O TM é bem

testemunhado.

Wolff365 pensa que o versículo inicia com a preposição yKi por um objetivo

teológico: prover a motivação essencial para as orações anteriores sobre o perdão.

Conclui a primeira parte do hino apontando a qualidade pela qual YHWH

determina e limita todas as suas ações (cf. Sl 86,5; 130,4.7s; Ne 9,17). Dessa

forma, a profecia se completa366. A palavra #pex' (se compraz) designa um

sentimento subjetivo; no nosso caso, significa afeto, amor. O termo aparece com

freqüência na linguagem teológica e concretamente quando Deus é o sujeito367.

Em Jr 6,10, Mq 7,18 e Ml 2,17 está correlacionado a bwoj yney[eB368.

v. 19

Mais uma vez ele terá compaixão de nós, Wnmex]r;y> bWvy"

pisará aos pés nossas faltas, WnytenOwO[] vBok.yI

e atirarás nas profundezas do mar, ~y" tAlcum.Bi %yliv.t;w>

todos os seus pecados. `~t'waJox;-lK

a) A LXX usa oivktirh,sei- oivktei,re,w (oivkti,rw) para traduzir o hebraico

Wnmex]r;y> (~xr: ter misericórdia), recorrendo a um verbo raramente usado para

indicar a atitude misericordiosa de Deus. Todavia, essa mudança tem como

modelo de “tradição” LXXEx 33,19, onde também, nesse verbo, revela-se “a

glória de Deus”369.

363 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 479. 364 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 101, 211. 365 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 230. 366 O que indica que esta seção não constitui parte original do Livro, mas que foi assinalada pela sua posição atual para a função de fechar o Livro. Penso que o termo redacional não deve ser confundido como inautêntico. O arranjo redacional é uma extensão daquilo que os profetas contribuíram para a reunião e o arranjo de suas profecias. 367 Não há formas teológicas fixas para os verbos nem para as formas nominais. Cf. G. GERLEMAN. “#pex'”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 868. 368 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 238. 369 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 104, p. 213.

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A forma verbal bWvy" (bWv), aqui utilizada sem waw, expressa a noção

adverbial de “mais uma vez” ou “novamente”370. O sujeito continua a ser o aWh do

v. 18, com seu antecedente hwhy, do v. 17. Gramaticalmente, o verbo está

relacionado ao verbo seguinte (Wnmex]r;y- ~xr), que define à sua maneira “novamente

ele terá misericórdia”. Como verbo ou substantivo com função verbal, quer dizer

“ter misericórdia”, “conceder a graça ao indulto” (cf. Ex 33,19; Os 1,16; Mq 7,19;

Is 27,11; Sl 102, 14 etc)371. Aplica-se sempre, no AT, a um superior sobre o

inferior.

O verbo Wnmex]r;y, no piel yiqtol, funciona como um denominativo produtivo.

O sufixo possui a função de um objeto direto acusativo e tem como seu

antecedente Atl'x]n: tyrIaev. (o resto de sua herança, no v. 18), com o qual Miquéias

se identifica372. Observa-se que o orador do hino formula aqui as orações na

primeira pessoa do plural e, ao referir-se às ações divinas, não mais se refere de

maneira geral, como no versículo anterior, mas especifica todas as ações indicadas

pela forma verbal bWvy" (“novamente”) no início deste verso, que aponta a

compaixão renovada de YHWH.

b) A LXX interpreta a forma verbal vBok.yI (vb;K') segundo o midrash hagadah

de tipo escatológico, escolhendo katadu,se (katadu,w), usado poucas vezes nesta

versão, mas que se encontra com valor intransitivo em LXXEx 15,5, para dizer,

dos inimigos de Israel, que desapareceram na “travessia do mar”373. Este verbo

(vb;K') possui o significado de “destruir”; neste versículo, destruir a culpa do povo

de Israel374. Essa raiz verbal não se encontra em outros textos. A imagem

apresentada mostra claramente a idéia do perdão absoluto. Wolff375 acrescenta

que, em geral, esse verbo é construído com pessoas. Assim, o pecado dos

370 Cf. JOÜON, P. A Grammar of Biblical Hebrew, 177b. 371 O autor aponta os verbos mais usados para tal ação: hnn (Ex 33,19; Jz 21,22; 2 Sm 12,22; Is 30,18s; Sl 6,3) rhm (Ex 33,19; Os 1,16; Mq 7,19; Is 27,11; Sl 102, 14 etc) hml (Dt 13,19; 1 Sm 15,3.9; Is 9,18; Jr 13,14; 21,7; Pr 6,34, etc) hws usado em frase negativa, para indicar a recusa do perdão (Dt 13,9; 19,3.21; Jr 13,14; Ez 5,11; 7,4 etc) e ’bh construído com lisloh (Dt 29,19; 2 Rs 24,4), mas também indica o consenso ao perdão (Dt 13,9; Pr 6,35). Cf. BOVATI, P., Ristabilire La Giustizia, pp. 137-138. 372 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 763. 373 Em LXXJr 28,64 o contexto é a celebração da queda de Babilônia. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 105, p. 213. Waltke nota que esse verbo, usualmente utilizado com objeto pessoal, ampara a personificação e a metáfora incompleta que compara a subjugação divina dos pecados de Israel com a derrota do faraó e suas tropas no mar Vermelho. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 763. 374 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 485.

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israelitas está personificado como um poder hostil, que foi subjugado e destruído

por YHWH. O plural WnytenOwO[ (nossas faltas) contra o coletivo singular (!wO[') no v.

18 chama a atenção para as muitas culpas de Israel376.

c) Enquanto o TM apresenta %yliv.t;w>, outras versões – como a LXX, a

Peshitta, a Vg e o Tg – harmonizam com a terceira pessoa masculino singular -

“ele irá lançar”. No entanto, o TM deve ser retido, pois o imperfeito está protegido

pelo contexto. A transição para a segunda pessoa do singular está amparada pelo

v. 20377.

A ação verbal %yliv.t;w> (%l;v') introduz, no verso, a imagem de “atirar” os

pecados ao mar. Tal imagem descreve vividamente o total perdão de Deus;

certifica o povo de que tais pecados se foram para sempre, para nunca mais voltar

(cf. Is 38,17)378. Aqui, novamente, o profeta torna a se endereçar a Deus na

segunda pessoa singular, como no v. 18a (cf. ^AmK' v.18a), e prepara o v. 20. Para

Waltke379, a conjunção waw é considerada exegética porque explica o v. 19b e

ilustra como Deus subjugará os pecados. O ato físico de “atirar” refere-se a uma

realidade espiritual, mostrando, assim, que o profeta está usando uma metáfora.

A palavra tAlcum. (nas profundezas) é um plural de extensão, que significa

uma base que não pode ser removida de um grande e complexo mar e que conota

a completa mudança dos pecados de Israel (cf. Ex 15,5 e Sl 68,23). Na opinião de

Andersen e Freedman380, o termo era temido, pois além de ser personificado como

um monstro (cf. Sl 69,16), a água enfoca tanto a purificação quanto a destruição.

O relato bíblico do dilúvio descreve ambas as imagens – causa a morte e salva a

vida. A ação dramática de lançar alguma coisa indesejável ou prejudicial nas

profundezas do mar é parte de um antigo ritual mágico. Os autores exemplificam:

“A Hittite example: “May pure water clease the evil tongue, impurity, bloodshed,

375 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p.230. 376 Barkers analisa que: “Most Hebrew manuscripts of the MT actually read “their iniquities (better, sins) instead of our iniquities”. However, our is supported by some Hebrew manuscripts and versions (LXX, Syr., and Vg.), as well as by perhaps the context. A few commentators prefer to retain “their” and refer it to the nations of vv. 16-17. Then the forgiveness spoken of here would include both Jews and Gentiles. Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 135. 377 “Second person is in place, for the direct address to God is implied constantly after the opening question (v. 18) and is explicitly resumed here”. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 89. 378 Cf. H. J. A. “%l;v'”. In HARRIS, R. L. – GLEASON, L. A. – WALTKE, B. K., Theological Wordbook of the Old Testament, p. 1569. 379 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 763. 380 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 598.

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sin, curse...Just as the wind blows away the chaff and carries it into the sea, let it

likewise blow away the bloodshed and impurity of the house, and the let it carry it

into the sea. Let it go into the sacred mountains. Let it go into the deep wells”.

d) O significado básico de lK é “totalidade”, “integridade”. Se se refere a

uma pluralidade, a totalidade é todos381. A oração endereça-se a YHWH, exibindo

mais intensamente o perdão divino do que no v. 18b – “todos os pecados”, que é

indicado pelo plural ~t'waJox;. O “resto de Israel” é agora apontado pela terceira

pessoa masculino plural. A raiz aJ'x;; é o conceito principal dentro da ampla

terminologia vetero-testamentária para designar o pecado (293 vezes, ocorrência

mais freqüente no AT)382. O aparato crítico da BHS mostra que a LXX, a Peshitta

e a Vg supõem WnteaoJox; no lugar de ~t'waJox; e em conformidade com a primeira

pessoa do plural, apresentada no v. 19a (Wnmex]r;y>)383. O Tg parafraseia o TM,

acrescentando o nome Israel – “todas as culpas de Israel” – para uma clareza

gramatical384. Mesmo tendo em vista a complexa gama de distinções na tradição

textual hebraica, nas versões antigas e nos comentários modernos, que querem

harmonizar as diferentes pessoas no contexto do TM, Barthélemy385 mostra, por

meio de uma análise literal, que esse procedimento da poesia hebraica de passar

da segunda à terceira pessoa não é raro (cf. TMMq6,16; TMMq 7,15; TMMqAm

9,11).

v. 20

Concederás lealdade a Jacó bqo[]y:l. tm,a/ !TeTi e amor a Abraão, ~h'r'b.a;l. ds,x,

que jurastes a nossos pais Wnyteboa]l; T'[.B;v.nI-rv,a]

Desde os dias de outrora. `~d,q, ymeym

a) Para a tradução de !TeTi, a LXX utiliza dw,seij (di,dwmi). O Tg transforma a

frase ativa do TM em passiva, para sublinhar a misteriosa ação divina386. Pode-se

observar que o Tg parafraseia toda a unidade deste versículo. Quer,

381 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 313. 382 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 231. 383 Tal emenda de ~t'waJox; para WnteaoJox, amparada pelas versões citadas acima, é geralmente aceita pelos autores (Wellausen 147; Weiser 287; Robinson 152; Rudolph 130; Wolff 189; Hillers 89). 384 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 111, 213. 385 (CT III, 738), 35-52.

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provavelmente, evidenciar que as promessas do Senhor, reveladas aos pais, serão

mantidas pela fidelidade do Senhor: “a fidelidade revelada de Jacó a seus filhos,

segundo o que juraste para ele em Betel”, para explicitar ainda mais a alusão ao

patriarca Jacó387. Ainda glosa amplamente as promessas feitas ao patriarca

Abraão: “segundo o que jurastes a ele entre as partes das ofertas da aliança:

lembrarás a nosso favor o sacrifício de Isaac, que foi comprometido em sacrifício

diante de ti, cumprirás para nós os benefícios”. O Tg se refere ao TMGn 15,18,

que, segundo as antigas tradições haggádicas dos Targumim palestinos, indicava

sobretudo à promessa da terra e da libertação escatológica, temas tão

proeminentes no contexto de TgMq 7,20, dizendo respeito aos méritos de Abraão

também para os povos pagãos (cf. TM-TgJGn.12,3; TM-TgJGn 22,17-18)388.

O verbo !TeTi (!t;n") é muito freqüente no AT e possui vários significados: dar,

pôr, nomear. Esses significados podem ser diferenciados pelo modo como são

construídos e pelo seu complemento. Assim, com o termo tm,a/, que o acompanha

neste versículo, designa “ser leal”389. Parece tratar-se de uma atitude de Deus para

com o seu povo, e não um dom de Deus que pode ser executado por quem o

recebe, como é entendido por Muraoka390. Waltke391 considera os termos tm,a/ e

ds,x, que funcionam como acusativo e como metonímia para as promessas da

Aliança.

b) A palavra ds,x, é empregada com freqüência junto a tm,a/392. Todavia,

ambas as palavras aparecem claramente separadas entre si e referentes a diferentes

sujeitos neste verso. Assim também em Os 4,1; Sl 26,3; 57,11; 69,14; 108,5;

117,2. Deve-se assinalar que, com poucas exceções, conserva-se fielmente a

ordem dos termos (cf. Os 4,1 e Mq 7,20)393.

386 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 112, 215. 387 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 113 e 114, 215. 388 Cf. CARBONE-RIZZI, Tg 117, 215. 389 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 457. 390 Cf. CARBONE-RIZZI, LXX 109, 215. 391 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 763. 392 Cf. Gn 24,27.49; 32,11; 47,29; Ex 34,6; Js 2,14; 2 Sm 2,6; 15,20; Sl 25,10; 40,11.12; 57,4; 61,8; 85,11; 86,15; 89,15; 115,1; 138,2; Pr 3,3; 14,22; 16,6; 20,28. 393 Cf. H. J. STOEBE, “ds,x,”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 832.

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c) O verbo T'[.B;v.n ([b;v,), que significa “jurar”, constrói-se ordinariamente

com b. e aquele/aquilo por quem/ pelo qual se jura394. Na opinião de Keller395, a

tradução de [b;v nifal por “jurar” é imprecisa, pois o hebraico não ratifica com

juramento uma situação já dada. Ao contrário, compromete-se para o futuro. Por

outro lado, o verbo parece, com muita freqüência, significar “prometer”. Isso

sugere que esse verbo nem sempre significa, no sentido formal, “jurar”ou “prestar

um juramento”. Além disso, [b;v nifal nem sempre vem seguido de uma fórmula

de juramento. Deduz-se, então, que uma fórmula de juramento não se faz

necessariamente com uma afirmação anunciada com [b;v nifal. Muitas vezes, esse

verbo, nesse grau, designa essencialmente uma promessa solene e irrevogável, o

compromisso de fazer ou não fazer algo em qualquer caso. Deus permanece fiel à

aliança, que constitui objeto essencial da fé – é o que o profeta nos mostra neste

texto. É sobre essa confiança que repousa a convicção de que as intervenções

divinas, como no tempo dos patriarcas, terão eficácia. A expressão Wnyteboa]l;

(nossos pais) encontra sua definição específica no v. 20a quando se refere a bqo[]y:l.

e no v. 20 b ao referir-se a ~h'r'b.a;l..

d) A preposição !m é temporal e designa o tempo do juramento divino.

Associada ao termo ~d,q, designa “tempo remoto”. Nessa passagem, refere-se ao

tempo dos patriarcas, nossos pais na fé (cf. Is 37,26 e Mq 7,20); aqueles dias que

já estão longe dos pais396. A LXX parafraseia um pouco a expressão ymeym do TM,

ao utilizar kata. ta.j h`me,raj, para sublinhar a idéia de “conforme os dias de um

tempo”, entendido como decidido desde sempre (Cf. LXXMl 3,4; LXXEz

38,17)397. Como coroamento da ação divina a favor do seu povo exilado e

disperso “se manifestará o Reino do Senhor”. O Senhor estará presente

definitivamente em meio ao seu povo como coroamento do êxodo escatológico.

O amor de Deus constitui-se, dessa forma, no elemento que caracteriza o

novo tempo, pois nele a ira desaparecerá definitivamente. O amor pertence ao

futuro como realidade última e insubstituível, não mais ameaçada, em sua

manifestação, pelo fechamento de Israel.

394 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 655. 395 Cf. C. A. KELLER, “[b;v”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 1075. 396 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 272.

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3.2 Organização do texto de Mq 7,8-20

3.2.1 Delimitação

Mq 7,8-20 é a última seção do Livro de Miquéias. Estes versículos mudam

em estilo, endereço, forma e tema em relação aos versículos que o precedem (cf.

Mq 7,1-7)398. Apenas a mudança do orador separa uma seção da outra. Essa

alternância de vozes pode ser entendida como um diálogo entre o orador e a nação

inimiga e entre o orador e YHWH.

No v. 8, o orador é assinalado pela voz feminina, que dentro do contexto

literário deve ser compreendido como Sião ou Jerusalém ou ambas. Em qualquer

caso, aponta para Israel que espera na inversão de sua relação com a inimiga que

no presente se regojiza. Sião assume, mesmo na situação atual, sua clara posição

de superioridade sobre a inimiga, já que compreende as circunstâncias que a

levaram a sofrer tal escárnio. Ela reconhece o seu pecado e invoca a ação

libertadora de YHWH. As imagens de um futuro glorioso são anunciadas por

Deus, seguidas por um louvor exuberante a seu perdão cheio de compaixão. Com

esta nova temática e na ausência de qualquer elemento formal de ligação, o texto

iniciado em Mq 7,8 distingue-se claramente dos versículos anteriores399.

Este novo endereço assinalado no v. 8 é dado apenas como “minha inimiga”

(yTib.y:ao), que é identificada somente pela voz feminina. Essa imagem da inimiga é

complicada, pois não há em nenhum outro lugar em Miquéias indicando a

397 Cf. CARBONE-RIZZI, LXX 110, p. 215. 398 Há um considerável debate sobre a alocação do v. 7,7. Os estudiosos dividem-se na avaliação se este versículo pertence, com sua conotação de esperança, ao final do lamento nos vv. 1-6, formando a seqüência 7,1-6, ou se a mudança de orador aponta o início de uma nova composição na seqüência final de 7,8-20. Não vemos problema na divisão deste capítulo final de Miquéias– 7,1 inicia com o pronome na primeira pessoa e assim termina no v. 7,7; no v. 7,8 há indicação de uma nova ação que envolve um novo personagem (inimiga) que recebe a palavra imperativa do sujeito exigindo-lhe uma mudança de conduta. Assim, uma nova ação é desencadeada. 399 O uso da frase hw"hyB; ynIa]w: no v. 7,7 abre uma expressão de fé que pressupõe um texto precedente. Cf. HAGSTROM, D. G., The Coherence of Book of Micah. A Literary Analyis. SBDLS 89. Atlanta: Scholars Press, 1988, p. 99. Alonso Schökel indica que Mq 7,1-6 possui unidade temática e efeitos sonoros que requerem a presença do v. 7. Cf. ALONSO SCHÖKEL & SICRE DIAZ, Profetas II, p. 1100.

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presença de uma “inimiga”. As opiniões sobre a identidade da “inimiga” são

divergentes400.

Com essa nova temática e na ausência de qualquer elemento formal de

ligação, o texto iniciado em Mq 7,8 distingue-se claramente dos versículos

anteriores. A delimitação torna-se igualmente bem delineada pelo campo

semântico; o(s) redator (es) aguça nos contrastes: cair/ levantar; trevas/ luz...as

duas partes vão se confrontando como em um julgamento. Enfim, pode-se dizer

que o texto de Mq 7,8-20 forma uma outra unidade

Achtemeier401 considera que o texto Mq 7,8-20 não pode ser tratado à parte

do que vem anteriormente (cf. Mq 6,1-7,7). As características destes capítulos são

claramente discerníveis. Nesta última parte do Livro de Miquéias, os elementos de

julgamento e salvação estão combinados. Enquanto a primeira parte (6,1-7,6/7)

lida principalmente com o julgamento, a segunda (7,7/8-20) trata da redenção e

reconciliação. A abertura do rîb em 6,1-8 continua nos versículos seguintes. Israel

foi indiciado de seus pecados, que foram especificados por pecados de Jerusalém

(6,9-16). Sião reconhece e lamenta seus pecados (7,1-7) e se volta a YHWH como

a sua única possibilidade de salvação.

3.2.2 Constituição do texto

A coerência que mantém unida esta coleção é criada pela alternância de

vozes. A troca de oradores e do teor da fala que mudam de seção para seção, são

400 A incerteza sobre a identidade da inimiga deve-se em grande parte à pressuposição de que Mq 7,8-20 originou-se separadamente do Livro de Miquéias. Estudiosos entendem que a passagem mostra o contexto pós exílico litúrgico o qual, quando removido do seu contexto, carecem de indicadores precisos da ordem original e dos participantes dessa liturgia. Presumem ainda que a passagem de tempo e a incorporação de 7,8-20 em Miquéias tem, portanto, obscurecido a configuração original, fazendo uma exata determinação da identidade impossível. Uma linha de investigação mais promissora está na intenção da passagem neste presente local. Cf. HAGSTROM, D. G., The Coherence of Book of Micah, 99. 401 Cf. ACHTEMEIER, E., Minor Prophets I, p. 361s. Embora Mays pense da mesma forma, ele apresenta o motivo pelo qual é importante a leitura conjunta dos capítulos. Para o autor as duas seções maiores podem ser distinguidas pelo seu conteúdo. A primeira retrata o afastamento entre YHWH e Israel (6,2-7,6); e a segunda está conectada pela inserção da confiança e esperança no v. 7,7 onde ocorre uma espantosa mudança do cansaço e desespero para uma confiança instalada. Todavia a sequência das duas seções não pode ser descrita simplesmente como uma justaposição de profecias de julgamento e salvação. Há de fato apenas um oráculo de julgamento (6,9-16) na primeira seção. A segunda contém somente uma promessa de salvação (7,11-13). Os acentos de julgamento e salvação estão de fato presentes, mas eles são pronunciados como parte de um movimento que tem relação e coerência como um todo. Cf. MAYS, J. L. Micah, p. 9.

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identificáveis pelo estilo e sujeito. A comunidade ou seu representante são os

oradores nos vv. 8-10;14.16-17;18-20; enquanto que nos vv. 11-13 um orador se

dirige `a cidade, no v. 15 é YHWH quem fala. Nota-se assim, que os vv. 11-13

apresentam uma mudança de voz e de temática em relação aos outros versículos.

Os vv. 8-10 relatam o sofrimento do povo, representado pela figura

feminina, aqui aceita como Sião, que fala a uma inimiga anônima, que mesmo

desafiada pela adversária, expressa a sua confiança em YHWH, que a libertará. A

sequência verbal invertida com que inicia o v. 8 assinala uma mudança de

endereço que é dado apenas com o termo “minha inimiga”, sem ter a sua

identidade apontada402. No entanto, o fluxo do pensamento do orador está claro. A

inimiga é exortada a abster-se de sua alegria, pois a vindicação da oradora é

iminente – mesmo na escuridão, testemunha a luz da presença divina.

Enquanto que nos vv. 8-10 o orador identifica-se com a comunidade de Sião,

referindo-se na primeira pessoa do singular, nos vv. 11-13 o orador profetiza

como alguém fora da comunidade. Ele se dirige a Jerusalém para anunciar um

tempo glorioso, e, a cidade é aconselhada a se preparar para o influxo do povo que

virá do exterior. Embora os vv. 11-13 sejam considerados formalmente diferentes

dos vv. 8-10, eles são uma afirmação de confiança em YHWH, são oráculos, em

virtude do elo entre o v. 11 e os vv. 8 e 10. Wolff403 destaca que os vv. 11-13 são

adições exegéticas para os vv. 9-10, um comentário que expande estes versículos

e supre os detalhes concretos. Eles especificam “um dia” futuro, quando as

muralhas de Jerusalém serão reconstruídas, quando as fronteiras de Israel serão

extendidas e os Judeus da diáspora se juntarão e a terra das nações será devastada.

Apesar das dificuldades encontradas na avaliação desses versículos, pode-se dizer

que eles contêm uma resposta divina ao hino de confiança proclamado pela

comunidade nos vv. 8-10.

A comunidade se une em oração nos vv. 14-17, pedindo o retorno de

YHWH como pastor, rogando que interceda em favor do seu próprio povo como

fizera outrora. O v. 14 está claramente endereçado a YHWH, embora este não seja

mencionado. O orador, aqui representante da comunidade, fala diretamente a

402 A inimiga é referida na segunda pessoa (v.8) e na terceira pessoa (v.10). A referência para a inimiga na segunda pessoa em relação ao chamado para não se alegrar por causa da desgraça do orador em 7,8 é provavelmente esperada para a função afetiva da fala. Cf. BEN ZVI, E., Micah, p. 175. 403 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 199.

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Deus. Embora os vv. 11-13 apontem uma promessa de futura salvação, e o v. 14

expresse a petição da mesma, não há nenhuma ligação entre a seção 11-13 e o v.

14. Hagstrom404 aponta para a ausência da “cidade” que interpreta um papel

importante nos versículos anteriores. O v. 15 mostra claramente a continuidade

com o v. 14 – apresenta a resposta de YHWH. Primeiro a comunidade ora para

que a promessa de sua salvação possa se realizar, depois espera a retomada dos

feitos históricos de YHWH que, originalmente, os trouxera para esta terra. Os atos

salvíficos de Deus serão, ao mesmo tempo, prodígios em favor de Sião e

revelação para as nações que recusam a reconhecer o poder divino de YHWH.

Dessa maneira, podemos supor que os vv. 16-17 devam ser entendidos como

diferentes, não no sentido imperativo, mas de uma descrição da reação futura dos

povos mediante os atos sagrados de YHWH. Se nos v. 16-17a ocorre a

humilhação e a indignidade dos povos, no v. 17b ocorre a conversão dos povos a

YHWH.

Nos últimos verículos (vv. 18-20) não ocorre mudança alguma de orador,

embora essa seção apresente diferenças de conteúdo e de forma do texto que lhe

antecede. Trata-se de um cântico de louvor a YHWH que perdoa os pecados; o

hino aponta também a fidelidade de YHWH a Israel. Esses versículos apresentam

a transformação da história de julgamento em salvação. Embora o povo seja

pecador, julgado com justiça, o perdão de YHWH é maior do que os seus pecados.

Ele se delicia na Sua misericórdia e não persiste na Sua ira. O Livro conclui com

Israel renovado como povo, após o julgamento de seus pecados, vivendo o seu

tempo de salvação. YHWH manifesta-se poderoso punindo aos inimigos e a seu

povo revela-se misericordioso, perdoando; neste sentido, mostra-se incomparável.

Os vv. 18-20 apresentam uma troca de diálogo entre a segunda e a terceira

pessoa de modo que, às vezes, chega a impedir a aparente fluência do texto. A

unidade abre-se e fecha-se direcionada a Deus na segunda pessoa. O meio da

seção encontra-se na terceira pessoa narrativa, que descreve o caráter e a ação de

Deus. Kessler405 observa que o v. 17c refere-se a YHWH na primeira pessoa do

plural “nosso Deus” e nos vv. 18c, 18e, 18f e 19a é YHWH, o sujeito de vários

verbos; enquanto que nos vv. 17d e 9d passam novamente para a alocução de

oração. Por causa do pronome da primeira pessoa do plural no v. 17, toda a seção

404 Cf. HAGSTROM, D. G., The Coherence of Book of Micah, p. 100.

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é vista como fala de Israel; e o pronome da segunda pessoa do singular, no

primeiro verso e no último, demonstra que a oração é dirigida a YHWH. Somente

o v. 15 é exceção, pois apenas YHWH poderia ter afirmado: “como nos dias de

teu sair do Egito, eu lhe mostrarei prodígios”.

No v. 17c os suplicantes falam de si mesmos na 3a pessoa, e depois, nos vv.

19 e 20, como coletivo através da 1a. pessoa do plural. A forma de oração é

mantida no geral nos vv. 14-20. Todavia, o tema dos povos só é perseguido até o

v. 17, enquanto que, nos versículos finais, trata-se exclusivamente da relação de

Israel com Deus e a pergunta do verso 18a: “Quem é um Deus como tu...?”

Também representa formalmente uma incisão na parte final do v. 19 e todo o v. 20

que voltam para a segunda pessoa, sempre direcionados a YHWH.

A questão que abre a unidade, Quem é um Deus como tu? É imediatamente

respondida pela colocação da incomparabilidade de YHWH sobre uma série de

atributos a suas atividades que estão divididas em duas partes: os atributos no v.

18 e suas realizações nos vv. 19b-20. No v. 19a, temos a profecia que Deus

novamente terá misericórdia.

3.2.3 Estruturação do texto

Não há oposição, de maneira decisiva, em relação à unidade do texto Mq

7,8-20. Um fator a favor da unidade de Mq 7,8-20 é a sua estrutura. O texto é

construído com expressões de confiança, petição e louvor. No entanto, não há

consenso a respeito do contexto da liturgia406.

A divisão em quatro estrofes (stanzas) básicas e distintas é apoiada pela

maioria dos autores407. O primeiro par é composto de um canto de confiança (vv.

8-10) cantado pela cidade personificada e um oráculo divino endereçado a ela (vv.

405 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 296. 406 Foi Gunkel que, em 1924, contribuiu notavelmente para a crítica da identificação da seção 7:8-20 como uma composição litúrgica, ou uma “liturgia profética”, visão já antecipada por Stade em 1903 [Cf. STADE, B. “Micha 1,2-4 und 7,7-20, ein Psalm”, ZAW 23 (1903) 163-17] Cf. GUNKEL, “The close of Micah”, pp. 142-149. 407 Hillers apresenta as quatro divisões básicas: vv. 8-10 (salmo de confiança); vv. 11-13 (oráculo de salvação); vv. 14-17 (um lamento); e os vv. 18-20 (hino de louvor). Cf. HILLERS, D. R., Micah, 89. Assim também: LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 194; SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 196; MAYS, J. L., Micah, pp 153-154; WOLFF, H. W., Micah, pp. 220. 215-217; ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 393; etc. Naturalmente, outros têm dividido a seção em duas ou três partes, mas tal proposta não convenceu a maioria dos estudiosos.

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11-13). O segundo composto de um lamento de Israel (vv. 14-17) equilibrado por

um hino de confiança na salvação futura cantado por uma congregação (vv. 18-

20).

Essa estrutura bem organizada sugere que o material foi claramente

posicionado ao Livro de Miquéias pelo autor ou um editor. A peça seria um

poema artisticamente composta para ser apresentada em uma liturgia por

diferentes cantores. Na opinião de Gunkel, o poema se adequa às circunstâncias

históricas que também estão refletidas no material assinado pelo Trito-Isaías408. A

maioria dos estudiosos parece concordar com Gunkel, admitindo que esse texto

litúrgico é do período pós exílio, ou seja, não é um escrito autêntico do profeta,

sendo uma adição tardia composta para o final do Livro de Miquéias409.

Os vv. 8-10 são considerados como um salmo de confiança da oradora

(coletivo e feminino, primeira pessoa do singular), aqui considerada como Sião.

Dois processos estão em curso nesses versículos - Sião carrega a ira de YHWH e

o desdém da inimiga. No v. 8, ela chama atenção de uma inimiga, também não

nomeada, para que ela não se alegre com a sua queda, pois ela confia em

YHWH. O v. 9 apresenta o reconhecimento da culpa daquela que fala

concomitante à confiança em experimentar e ver as ações divinas. O v. 10

aponta a certeza, derivada dessa confiança, daquela que fala (3a. pessoa) em ver

a queda da inimiga, e, de resto, fala de YHWH na 3a. pessoa.

Os vv. 11-13 são prognósticos para Sião feito por um falante não

nomeado e que provavelmente faria parte da comunidade da falante dos vv. 8-10.

A estrutura é baseada em temática com elementos formais e a unidade

organiza-se da seguinte maneira:410 os vv. 11-12 mencionam a reconstrução de

408 Também para Mays e Andersen-Freedman o cenário dos vv. 8-12 é familiar aos escritos proféticos, especialmente aos de Isaías, que usa as mesmas imagens: Sião sofreu um desastre descrito como uma queda. Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 154. ANDERSEN, F. I., - FREEDMAN, D. N., Micah, 576,578. Assim também pensam Renaud e Wolff: este texto final de Miquéias se assemelha ao Trito Isaías (cf. Is 59,9-15 e 63,7-64,12), no qual encontramos elementos de confissão e queixa. Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 376; cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 219. 409 A maioria dos estudiosos, cada um deles de acordo com seu pensamento, assinala que Mq 7,8-20 é um texto do período exílico ou pós-exílico. Entre eles, destacamos Mays, que atesta ser este texto um material adicionado em um longo processo redacional que foi completado por volta do ano 330 a.C. Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 155. Notscher considera o texto como pós-exílico, mas acredita que a época não pode ser determinada com certeza absoluta. Cf. NOTSCHER, F., Zwölfprophetenbuch oder Kleine Propheten, Echter – Verlag Wurzburg, 1948, p. 106. 410 Apresentamos a organização das subunidades de acordo com a visão de Zapff. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 205-207.

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Sião, a supressão das fronteiras para os povos, peregrinação rumo a Sião dos

remanescentes no mundo. O v.13 aponta a devastação da terra devido à culpa

de seus habitantes. No aspecto da troca de voz na enunciação, ainda podemos

mencionar que nos vv. 11-12, fala-se a uma segunda pessoa - no v. 11, com sufixo

feminino; e, no v. 12, com masculino. Já o v. 13 passa a uma fala descritiva.

Enquanto os vv. 11-12 constituem uma promessa, o v. 13 exprime, ao contrário,

uma ameaça. Se a promessa está direcionada a Sião, mesmo que o destinatário no

v. 11 seja feminino e no v. 12 masculino, a ameaça, no contexto suposto, visa aos

povos inimigos. Ela constitui, então, mesmo que, indiretamente, uma promessa

em favor de Sião411.

O v. 7,14 representa uma nova mudança de orador em relação aos vv. 11-

13 e deve ser entendido como um pedido, de um ou mais falantes, a YHWH

para que Ele assuma novamente a direção de seu rebanho. A partir do v. 14

domina finalmente o tratamento de Deus por Tu. O v. 7,15 que indica mais uma

mudança de orador deve ser entendido como prognóstico sagrado de YHWH,

que promete a seu povo atos prodigiosos como aqueles ralizados nos dias da

fuga do Egito.

Nos vv. 16-17 ocorre uma nova mudança de falante, embora esta

mudança só possa ser reconhecida a partir do v. 17b. O sujeito que fala

provavelmente é o do v. 14, um dos elementos da comunidade dos que vivem

em Sião. Formalmente, os vv. 16-17 apresentam, consequentemente, uma

continuação das súplicas do v.14.

Nos últimos versículos (vv. 18-20), rezam os membros da comunidade.

Não ocorre mudança do falante, embora esta seção apresente diferenças de

conteúdo e forma do texto que lhe antecede. Trata-se de um cântico de louvor

a YHWH cuja disponibilidade para o perdão justifica a nova confiança. O

texto apresenta no v. 18: descrição geral, em forma de hino, das propriedades

essenciais de YHWH. O v. 19a é a expressão da confiança de que YHWH irá

perdoar o grupo que aqui aparece falando. Os vv. 19b-20 apresentam o perdão

da culpa cujo significado é o cumprimento da promessa feita aos Patriarcas.

Em todas as partes encontramos o estilo confessional (vv. 8-10.18b-19a:

YHWH na terceira pessoa) ou a forma de saudação (vv. 14-17.18a.19b-20:

411 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 355.

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YHWH na segunda pessoa) para os temas principais e para a relação da

comunidade para com seu Deus412.

O número dos participantes dessa seção do capítulo final de Miquéias é

pouco: ao lado de YHWH (o único a ser mencionado) estão o orador principal

(primeira pessoa singular nos vv. 1-10); e talvez a mesma pessoa identificada na

primeira pessoa do plural nos vv. 17d e 19a.b.20c). A inimiga identificada como

“as nações” (nos vv. 16-17) representa a antagonista feminina no v. 10,

considerada aqui uma potência política. Ela aparece também no v. 8a como

alguém que se alegra.

A estrutura de Mq 7,8-20 apresentada por Dorsey413 é provavelmente a mais

sugestiva: toda a unidade é de esperança, e ela compreende sete partes dispostas

simetricamente, com a parte central focada na petição para YHWH: liderar e

restaurar seu povo como fizera nos dias antigos. Encontramos nesse texto uma

verdadeira confissão pública de pecado feita por Israel, e ao mesmo tempo, um

testemunho de confiança em YHWH em seu desejo de manter a Aliança.

A Suportarei a ira de YHWH, porque pequei contra ele, mas ele me restabelecerá 8-9

B Meus inimigos verão e se cobrirão de vergonha 10

C Promessa de restauração – limites para o Egito e Assíria - “eles virão do Egito” 11-13

D Oração a YHWH para pastorear seu povo como nos dias antigos/ ou outrora 14

C’ Promessa de restauração – Deus fará prodígios como nos dias do Egito 15

B’ As nações verão e se envergonharão 16-17

A’ YHWH não guarda sua ira para sempre (v. 18), ele perdoará nossos pecados 18-20

Percebe-se ainda que a última subunidade (vv. 7,18-20) une-se com a

primeira (vv. 7,8-10) pelo tema do pecado e do perdão.

3.3 Análise semântica

Ao lado do estudo dos recursos sintático-gramaticais e filológicos que

caracterizam o texto estudado, trabalharemos a análise semântica.

412 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 215. 413 A escolha da estrutura apresentada por Dorsey é que o foco central apresentado pelo autor - retrato de Deus Pastor - recai na imagem trabalhada no nosso estudo. Em cada uma das passagens no livro de Miquéias, que ocorre a imagem de Deus-pastor, encontra-se nas seções de esperança 2,12 e 5,4; 7,14. Cf. DORSEY, D. A., The Literary Structure of the Old Testament, A Commentary on Genesis – Malachi, Grand Rapids: Baker Book, 1999, p. 299..

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7,8-10 A situação de Israel e o grito da inimiga

Os vv. 8-10 tratam do confronto de duas inimigas indicadas pela voz

feminina: a oradora, que confia e espera que YHWH trocará o seu castigo por sua

salvação e a vindicará na presença de sua inimiga cuja identificação não é feita, e

cujas circunstâncias históricas não são mencionadas. Há um consenso entre os

autores de que a oradora aqui citada seja de fato Jerusalém, como personificação

do povo414. Esta se encontra na escuridão da prisão, pobreza ou exílio415, e está

aflita com o triunfo de sua inimiga. Essa inimiga, sob a figura de uma mulher, é

dissuadida a não se alegrar com a condição atual de Sião, porque a oradora

novamente se levantará. Essa afirmação aponta para um êxito final: os golpes

sofridos pelo povo de Israel não são mortais, mas passageiros. Sião cai, mas se

levanta, encontra-se humilhada pela inimiga, mas um dia verá a humilhação desta.

A esperança de Israel é, certamente, a de que o Senhor carregará seu castigo e

sofrimento, erguendo a nação e dando-lhe liberdade e alegria.

Apesar de ainda permanecer em dificuldade, a comunidade espera reeguer-

se416. Nota-se, aqui, uma posição clara de superioridade sobre a inimiga.

Kessler417 menciona que encontramos, muitas vezes, no AT, o aviso contra o

alegrar-se com a situação da inimiga, e, freqüentemente, tal aviso está ligado à

certeza de que Deus modificará essa alegria (cf. Jr 50,11; Ez 25,6.7; 35,14.15; Ab

12 ss.; ou em 12,15; Sl 13,4-6; 25,2; 35,15.16.19.24-26; 38,16).

O verbo hebraico yTil.p;n (lpn) apresenta uma pluralidade de conotações,

desde a descrição de uma simples queda de um muro até a informação da queda

de um rei de Israel (cf. 2 Rs 1,2). Pode-se cair em combate (cf. Jz 20,44), cair nas

mãos de outrem (cf. Lm 1,7) ou de um adversário (cf. 1 Cr 20,8). Com freqüência

lpn designa estragos, morte e destruição, podendo ainda ter outras nuances de

414 Os profetas se dirigem constantemente ao povo, enquanto coletividade. O auditório, a que Mi-quéias visa, é identificado pelo viés de várias expressões, a saber: “Israel” (Mq 3,8); “Casa de Israel” (Mq 1,5; 3,9); “Jacó” (Mq 1,5; 3,8); “Casa de Jacó” (Mq 3,1.9); “Casa de Judá” (Mq 1,5); “Jerusalém” (Mq 1,5; 3,10.12); “Samaria” (Mq 1,5.6); Sião (Mq 3,10.12). A dificuldade se encontra na identificação da suposta inimiga. São várias as propostas, no entanto, escolhemos aquela que corresponde a um povo estrangeiro personificado, inimigo de Judá. 415 Cf. SMITH, R. L., Micah – Malachi, Word Biblical Commentary XXXII, Texas: Word Books, Waco, 1984, p. 58. 416 “Faith under difficulties, the certainty of final vindication, was characteristic of all the exilic and postexilic prophets (cf. Is 60,1ss; Ez 37-39; Zc 14)”. Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, Critical and Exegetical Commentary, Edinburgh: T.&T. Clark, 1985, p. 146.

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sentido418. Quando a palavra é usada em referência a uma cidade, como é o caso

aqui, significa que esta se encontra em uma situação catastrófica (cf. Jr 51,8; Ez

33,21) 419, no sentido de uma experiência de calamidade (Sl 37,21.34;41,10-12;

145,141; Pr 24,16)420. Jerusalém, em meio a tribulações, está caída por suas

maldades (cf. Pr 12,7; Sl 36,13). A oradora/Jerusalém reconhece a sua fraqueza.

Embora ela esteja caída, poderá erguer-se novamente (cf. Am 9,11).

A expressão verbal yTim.q é um antônimo de yTil.p;n" e, neste contexto militar,

significa “levantar-se do estado de derrota” (cf. Pr 24,16). McKane421 aponta que

esse verbo (yTim.q;), um qatal profético, descreve o futuro como se já fosse uma

realidade, e, assim, poderia ser expresso como tendo já ocorrido (cf. Sl 107,10-15;

112,4; Is 9,2; 49,9; 50,10), por isso, indicador de segurança422.

Zapff423 atesta que o par verbal yTil.p;n" e yTim.q ocorre, na maioria das vezes,

na profecia; e, regularmente, em conexão com outras palavras referidas ao juízo,

quando se verifica que o julgamento já não se impõe (cf. Am 5,2; Is 24,20; Jr

50,32)424. Se lermos Mq 7,4b.8 ante o pano de fundo de Jr 50,31ss., um

interessante paralelo emerge em relação à seqüência das sentenças. Enquanto que

para ambas - Jerusalém e a nação inimiga- o tempo da devastação chegou e elas

caíram, há, para Sião, um reerguimento, o que não é o caso para a outra. Para

Wolff425, esse reerguimento vai além de uma reestruturação política. Zapff426

considera que encontramos mais detalhes, do ponto de vista lingüístico, em Pr

24,16s. Temos a favor dessa relação, três palavras-chave: xm;f'i la;, lp;n" e by:a'. Do

ponto de vista textual, uma idéia similar aparece em ambos os textos: a alegria

417 Cf. KESSLER, R., Micha, p. 300. Ver também: ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 175. 418 Cf. M. C. F. “lpn”. In HARRIS, R. L. – GLEASON, L. A. – WALTKE, B. K., Theological Wordbook of the Old Testament, p. 1393. 419 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754. 420 Cf. BDB 657a 421 Cf. McKANE, W., Micah, p. 218. 422 Waltke é da mesma opinião: “The accidental perfective form of this verb vividly and dramatically represents this future situation as complete and unexpected”. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754. Ver também: Max Rogland, Alleged Non-Past Uses of Qatal in Classical Hebrew (Studia Semitica Neerlandica, vol. 44; Assen:royal van Gorcum, 2003 ISBN 90-232-3973-3 Journal of Hebrew Scriptures vol 5 (2004-2005) www.arts.ualberta.ca/JHS/reviews/rewie 145.htm 423 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 176. 424 “Different from what Amos (5:2) expects, however, this fall will be followed by a rising up. Hence, the essence of the comforting message in 4:9f. and 4:11-13 from the preceding liturgical reading is confidently appropriated.” Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 220. 425 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 220.

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diante da condição inferior do inimigo não é correta aos olhos de YHWH, e leva

aquela que a expressa à humilhação. O autor nos chama a atenção para o fato de

que, depois da alegria relativa à queda da cidade inimiga, daquela que fala no v.8,

o discurso se transforma de tal modo que podemos ver aí uma indicação indireta

de que Mq 7,8s poderia ter sido, de fato, originado da instrução prática presente

em Pr 24,16s.

Zapff destaca que as idéias presentes em 7,8 podem estar relacionadas com

Ab 12 e Ez 25,6, com os povos vizinhos; no entanto, elas são vistas melhor à luz

do texto de Pr 24,17, que mostra uma tendência à generalização. O fato de a

cidade inimiga não ser explicitada poderia ser um sinal indicativo de dependência

em relação ao pensamento sapiencial. Paralelo ao que ocorre em Pr 24,17, uma

regra de comportamento é estabelecida: trata-se não somente de um certo povo,

mas, conforme já verificamos, qualquer inimigo de Israel. E, de acordo, com os

versículos seguintes, Sião não somente se erguerá das tribulações, mas se libertará

de seus pecados e retornará a YHWH.

O segundo uso da conjunção yKi expressa justamente a confiança da oradora

de que YHWH será a sua luz. A condição negativa na qual Sião se encontra - nas

trevas (%v,xo) -, pode indicar a ausência de Deus experimentada no cativeiro (cf. Sl

42), uma falta de visão provocada por YHWH (cf. Mq 3,6); ou, como observa

Alonso Schökel427, apontar o sentido figurado de ignorância, desgraça e tribulação

(cf. 2Sm 22,29; Is 9,1s; 58,10; 49,9; 59,9ss; Mq 7,8; Sl 35,6; 112,4, etc). A

fórmula “morar nas trevas” opõe-se ao reconhecimento de que “YHWH para mim

é luz”. Simboliza a má sorte, a infelicidade, designa um mal ou uma catástrofe (cf.

Am 5,18.20; Is 5,30; 9,1; 58,10; 60,2; 62,1ss; Lm 3,2; Sl 18,29; etc). Na

concepção de Israel, toda desgraça é efeito de um castigo merecido e permitido

por Deus para punir a culpa. Essa disposição punitiva é representada pela cólera

ou ira divina (cf. Sl 6,2-3; 38,2; 88,8; Is 30,30; 2Cr 28,9). Prior428 observa que a

escuridão a que Miquéias, particularmente, se refere é aquela que ele chama de

“Indignação do Senhor”, retratada no v. 9. Quando Deus atua na ira e na cólera, o

povo alcança, de fato, a escuridão. Todavia essa escuridão passará, porque ela será

426 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 175. 427 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, São Paulo, 1997, p. 252. 428 Cf. PRIOR, D., The Message of Joel, Micah & Habakkuk, p. 194.

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iluminada pela presença de YHWH429. Assim, é anunciada a libertação daqueles

que se encontram nas trevas em conexão com a promessa de reconstrução de

Israel.

Trevas e Luz são figuras comuns para retratar calamidade e prosperidade. A

treva simboliza o silêncio, a má sorte e a morte; a luz, ao contrário, a vida e a

alegria, a volta ao caminho correto e à graça (cf. Is 9,1; 30,26; Sl 104,20.22-23;

107,10). Assim como durante a noite espera-se com impaciência e esperança, o

nascer do dia, também o piedoso, na desgraça, espera em YHWH, símbolo da

alegria e da felicidade (cf. Sl 130,5-7). A obscuridade é iluminada pela presença

de YHWH. Deus não é somente o dispensador da luz, que simboliza a plenitude

do ser, mas é, Ele mesmo, “Luz”430. Essa imagem é comum nos profetas (cf. Is

8,23-9,1; 10,17; 42,16; 58,8.10; 60,1-3.19; 61,1.19s; Mq 7,8s.) e nos Salmos (cf.

Sl 18,29; 27,1; 112,4). A salvação virá não só para Israel, mas para todos os povos

(cf. Is 51,4), e será em determinados casos, outorgada por meio de especiais

mediadores salvíficos (cf. Is 42,6; 49,6)431.

Kessler432 acrescenta que o Senhor é nitidamente delineado na figura do

Deus-Sol em Mq 7,8 (cf. também Ml 3,20) e lembra, ao mesmo tempo, a imagem

de Trito Isaías de YHWH ou de sua magnificência como luz que brilha sobre Sião

(cf. Is 60,1-3.19). No entanto, no verso seguinte, YHWH não aparece no papel do

Deus-Sol brilhando, Ele próprio, como luz, mas no papel do libertador que conduz

desde a escuridão do cárcere até a luz da liberdade (cf. Is 42,6s; 49,9; Sl 107,10-

14). A luz freqüentemente simboliza a existência, a vida, a liberdade e a

429 Para Andersen-Freedman, a linguagem aqui usada, junto ao imaginário da escuridão, mostra que a peça é apresentada como um canto do Sheol. A cidade se encontrava nesse local na esperança de que, quando a ira de YHWH passasse, ela pudesse sair de lá: “This action, and bringing out to the light, describes resurrection from the dead (Hos 6:2, with associated light imagery). It was an ancient belief of Israel that Yahweh could perform this miracle (Deut 32:3; 1 Sam 2:6). It could be used as a figure of speech for the revival of a dead city only because the idea of personal resurrection already existed. This belief included the notion of waiting in Sheol in hope until Yahweh brings out the dead, after his wrath has subsided. The use of similar verbs in Job (13:15; 14:13; 19:20-26) gives grounds for including Mic 7,7 as the preface of this piece rather than the conclusion of the preceding one”. Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 582. 430 “As God scattered the darkness at creation with his gift of light, even so would he send his light to end her night of suffering and to bring order out her chaos”. Cf. KELLEY, P. H., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, Haggai, Zechariah, Malachi, Layman’s Bible Book Commentary, Tennessee: Broadman, 1984, p. 49. 431 Cf. SAEBO, M. “rAa”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 148. 432 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 301

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salvação433. Confessar que o Senhor é “minha luz” (cf. Sl 27,1) é expressar que a

verdadeira luz é YHWH, fonte de todos os benefícios (cf. Sl 36,9). Zapff 434

lembra-nos de que, de maneira análoga em Mq 7,8, encontramos também a

metáfora em conexão com uma superação das conseqüências do juízo por YHWH

e um novo futuro para Israel. Assim, aparece como uma situação prototípica para

a futura salvação através de uma inabalável confiança em YHWH por parte de

Sião.

O v. 9a atinge, de uma maneira bela, o domínio da confissão e submissão. A

comunidade está disposta a enfrentar a mão disciplinadora do Senhor, porque

reconhece o pecado cometido435. Geralmente, o orante suplica a Deus que faça

cessar sua ira, porque conhece a misericórdia divina (cf. Sl 6,1s; 38,1s; 88,8 etc).

Entretanto, a indicação deste versículo vai além da inclinação à oração de pedido

ou súplica (cf. Sl 51,6; 106,6; Ex 34,6-7, etc) – o povo reconhece a sua falta e

quão justo é seu castigo, por isso, expressa a sua resignação confiante436. Como

Miquéias já havia dito (cf. Mq 1,5), a infelicidade não é fruto do capricho de um

Deus irritado. A ira tem sua causa bem delineada: havia pecado contra YHWH. A

punição é reconhecida como merecida. Nessa perspectiva, a comunidade aceita o

julgamento e compreende a sua história não como uma luta entre nações, uma

subjugando a outra, mas como uma ordem de Deus contra ela. Por isso, de boa

vontade toma sobre si o castigo e carrega a sua culpa437. Se, anteriormente, o

profeta havia dito que a sua tarefa era apontar os pecados do povo (cf. Mq 3,8),

aqui, cada pessoa reunida na comunidade tem a chance de reconhecer seu pecado

433 “ Here “light” not only has the general meaning of life and its possibilities for self-direction and action; even more, it refers to concrete salvation from the threat of death (Ps 27:1 etc), including death in war (Isa 9:1[2]; Ps 18:29f.[28f.]. Jerusalem will partake of this “light” of Yahweh’s beaming presence, whereas the nation will be swallowed up by darkness (Isa 60:1). Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 221. 434 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 177. 435 Cf. 1 Sm 15,22; 2 Rs 23,26; 24,29; Is 1,11-20; 42,24s.; Jr 7,21-23; Os 6,6; Am 4,5; 5,15.22.24; Sl 51,4. 436 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 450. Kessler nota que o texto se serve da linguagem dos salmos (cf. Sl 41,5; 51,6), mas transpõe a confissão de pecado individual em uma coletiva (como ocorre na forma “nós” encontrada no Sl 106,6). O povo, coletivamente, reconhece o seu pecado. Cf. KESSLER, R., Micha, p. 301. Hillers completa: The divisions and tensions within the society disappear here. This tone is prepared for by the acknowledgment of universal guilt in the previous poem “the good man is fond from the land”. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 90. 437 Assim também interpreta Waltke: The formerly faithless city now by faith accepts the prophetic threats of 1:2-7,6 and interprets its fallen state as due to the Lord’s wrath against sin, not to the enemy’s immediate military superiority”. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 755.

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diante de Deus e dos outros adoradores. Eis aí o verdadeiro arrependimento e

também a fé no fato de que YHWH libertará Sião, não somente de seus inimigos,

mas, mais ainda, de sua própria culpa. O pecador será levado para a luz, a fim de

contemplar e andar em sua justiça.

Waltke438 elenca as razões pelas quais Sião está disposta a suportar a ira

divina: em primeiro lugar, ela admite que o castigo é merecido: “eu pequei contra

ele”439; em segundo, o castigo é temporário: “até”- o povo está certo de que o

tempo em que carregará a ira de YHWH é limitado; em terceiro, o Deus de

“justiça” irá punir o malfeitor e tirará Sião de seu humilhante cativeiro; e ela,

então, verá sua salvação. Sião está segura de que, de fato, será vindicada.

Encontramos, aqui, uma verdadeira confissão pública, realizada pelo povo, de

todos os seus pecados. Nesse verso, a confissão da culpa é formalmente marcada.

A fidelidade do amor divino é expressa nos versículos seguintes. Portanto,

falar da “ira de YHWH” deve ser entendido, no contexto das sentenças seguintes,

não apenas como reconhecimento da culpa, mas igualmente como expressão da

rápida intenção do julgamento para a reconciliação440. A ira de Deus despertada

corresponde à paixão de seu amor pelo qual ele elegeu o seu povo e o presenteou

com seus prodígios. Por isso, ela é temporária e não final, “até que ele julgue o

meu caso”441. Ira e amor conjugam-se, assim, em Deus, que não guarda sua ira

para sempre (cf. Sl 103,9). Destarte fica claro que o propósito do castigo não é

destruir o transgressor, mas levá-lo a dedicar-se a uma nova vida (cf. Is 57,15; Ez

33,11). Como luz dessa comunidade, YHWH não apenas a libera dos inimigos

(v.8), mas até mesmo de sua própria culpa (v.9s.)442. Todavia, vale ressaltar que o

amor divino não significa a exclusão da expiação do pecado443.

438 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, 1992, p. 755. 439 Pour semblable aveu de culpabilité, cf. Ps 41,5; 51,6; 106,6. Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 353. 440 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 177. 441 He also knows that God is not only the Judge who punishes them but also the One who decides when justice is served and when it is time for reconciliation and restoration. Then God will fight for Judah and right the injustices she suffers during her persecution by her enemies, and Judah’s enemies will observe God’ s glorious deeds for her. Cf. SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, 573. 442 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 221. 443 Segundo Lima, “perdoar pode vir junto com o castigo; este não significa ausência de perdão. A punição, no entanto, recebe, a partir do perdão divino, um novo caráter, que exclui a maldição, e passa a fazer parte da nova ordem salvífica instaurada ou restaurada por Deus”. Cf. LIMA, M. L.C., Salvação entre juízo, conversão e graça. A perspectiva escatológica de Os 14,2-9. Tesi Gregoriana, Serie Teologia 35, Roma: Pontifícia Università Gregoriana, 1998, p. 175.

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Kessler444 apresenta o julgamento de Sião conectado pelas palavras ybiyrI byrIy"

(v. 9), em quatro pontos. Israel espera três ações de YHWH que vão pôr fim à

situação atual: sua entrada na causa em favor de seu povo; a produção de seu

direito contra a irônica inimiga; e expressa, metaforicamente, a condução para a

luz. Só após essas três intervenções de YHWH, o orador torna-se sujeito: “eu

verei a sua justiça”. O objetivo do processo é a “justiça” (cf. Sl 7,6; 43,1; Jr 50,17-

20.33-34; Jr 51,35-36). Como em 4,11, o verbo hebraico ha'r' construído com b.,

expressa a certeza emocional desse ver (por isso, “alegrar-se em”).

Os profetas clássicos empregavam o byri como um tipo de oráculo no qual o

“acordo legal” de YHWH contra Israel foi proclamado e acusado. Era uma

imagem verbal para a atividade histórica de YHWH, na qual ele entregou a Israel

os termos do acordo de Sinai e julgou sua conduta pelas normas do acordo. O

texto de Mq 6,2-5 é um exemplo desse tipo. A palavra também veio a ser usada no

vocabulário de salvação em relação à intervenção de YHWH contra seus inimigos

e aqueles de Israel (Jr 50,34; 51,36; Lm 3,58; Is 51,22; Sl 43,1; 74,22; etc). É o

caso de Mq 7,9.

Liedke445 chama a atenção sobre o fato de que a ocorrência do byrI nesse

versículo se encontra em uma esfera não muito comum na literatura profética: o

processo legal em um contexto internacional. Se, na seção de Mq 6,1ss, a queixa

envolve uma causa entre YHWH e Sião, aqui (cf. Mq 7,8) a contenda ocorre entre

YHWH e a inimiga triunfante, onde Sião mesmo é objeto da briga. A situação

vislumbrada pertence a um tempo futuro, quando Israel retornará à luz e a nação

inimiga será castigada. Embora tenha pecado contra Deus, ele próprio será

defensor do seu direito446. Portanto, nesse momento, YHWH não está fazendo

uma acusação a seu povo, mas está agindo como seu advogado. O versículo

expressa novamente a confiança do orador de que, mais uma vez, YHWH

defenderá a sua causa e a justiça lhe será dada. É significativo que esse segundo

momento do byrI apareça como revelador da intenção de YHWH de estabelecer a

444 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 302. 445 Cf. LIEDKE, G. “byr”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 970. 446 “In 6:1-2, however, Micah is the messenger carrying to Jerusalem the Lord’s accusation against his people; now, after his fury is spent, the Lord is their advocate, not their accuser”. Cf. WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 755.

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justa relação com Sião. Outorgando o perdão, Deus mostrará que sua sentença de

juízo não anula seu amor447.

Digna de consideração parece ser a observação de Andersen e Freedman448.

Os autores consideram paradoxal a situação de Sião: ao mesmo tempo em que

confessa sua culpa em relação a Deus, ela se mostra vítima inocente do júbilo do

inimigo, por isso, ela está confiante de que YHWH, Ele mesmo, tomará seu caso e

provará que não é culpada. Tal decisão envolve não apenas um veredito favorável,

mas faz justiça (v. 9ba), e fazer justiça significa tanto a libertação de Sião de sua

prisão (Ele irá levá-la para a luz) quanto a derrota de sua inimiga (vv. 9-10). O

papel será revertido. Então, será a vez de Sião regozijar-se sobre a sua inimiga

caída (v. 10b). Tal fato contém um momento decisivo. O Senhor é retratado como

o advogado em uma corte, que toma a causa de seu povo para que ele seja

declarado inocente. Como no Sl 17,2, yjiP'v.mi poderia significar “meu resgate”.

Essa interpretação chocaria com a admissão da culpa que o orador fez nos

versículos anteriores. O pecador é condenado, o que implica a divina indignação

como penalidade. Na opinião de Andersen e Freedman, é possível que o autor

tenha desejado preservar essa ambigüidade para enfocar a situação ambivalente de

Sião: culpada (diante de Deus); e inocente (vítima de agressão). Duas contendas

estão encapsuladas nessa ambigüidade. A primeira é o caso do Senhor contra

Sião, levando-a à punição descrita no v. 9a, refletida na miséria lamentada nos vv.

1-7. Assim, o v. 9a descreve a resistência da ira do Senhor até que o caso seja

encerrado, quando a sentença é dada. A segunda disputa é aquela de Sião contra a

inimiga. Sião confia em que o Senhor tomará a causa em seu favor e esperará.

Das cinco ocorrências de jP'v.mi, em Miquéias, duas (3,1.9) são usadas em

referência aos dirigentes de Israel. Em 3,1 apresenta-se em uma questão retórica:

o profeta quer rebater seus interlocutores que desconhecem o verdadeiro sentido

do direito. Embora tematicamente 3,1 e 3,9 possam parecer idênticos, há a

447 Distinguimos a opinião de Bernini de que tal fato supõe a idéia, que se encontra em outros textos proféticos (cf. Is 10,5-6; Ab 1,11; Zc 1,15), de que as nações que YHWH usou para punir Israel abusaram do poder por ele conferido, exagerando no castigo. Caso não houvesse a intervenção divina para cessar o castigo, YHWH poderia parecer, aos olhos dos inimigos, um Deus impotente (cf. Ez 25,8; 28,24.26, etc). É a mesma idéia, mas de um ponto de vista diferente, que se encontra nas orações de Moisés (cf. Ex 32,11-12; Nm 14,13-16; Dt 9,28; 32,27, etc). Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 343. 448 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 578.

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possibilidade de que esses líderes sejam diferentes em cada uma das citações449.

Em 3,8, o profeta se opõe aos falsos profetas, sua força reside no Espírito de

YHWH e isso inclui o jP'v.m divino. Em 6,8, o profeta aponta para o que é

requerido por YHWH para manter a relação com a humanidade: inclui “fazer

justiça” e isso é visto em contraste com a quantidade e a qualidade da oferta de

sacrifícios. Aqui assume um sentido moral. Finalmente, em 7,9 é usado no sentido

de “causa”, e a linguagem retrata YHWH como envolvido em um tribunal. A

intenção de Miquéias é sugerir que YHWH de fato atuará em favor de Sião.

Wolff450 atesta que a forma hiphil de acy – que possui o sentido de conduzir

– só pode ser entendida como uma ação de resgate. O Deus da justiça irá punir os

malfeitores e tirar Sião de sua situação humilhante. Assim, esse verbo parece ser

uma indicação da justiça prometida pelo reto juízo do verso anterior. Isso nos

permite estabelecer uma correlação entre o ser justificado e o evento da luz, que,

por sua vez, está correlacionado com o ato de “ver” – a comunidade experimenta a

libertação e redenção. Dessa forma, a visão da luz torna-se uma imagem

privilegiada da vida, da verdade. Ela simboliza a vitória do direito451. Deus

manifesta-se como um verdadeiro juiz, que restabelece a justiça no mundo.

Deissler452 acrescenta que este texto fornece uma contribuição para a

teologia da luz; aqui, como em Is 10,17 e 60,19, YHWH não é somente o

dispensador da luz – essa luz que simboliza a bondade, a vida –, é, Ele mesmo,

Luz, como já visto no v. 8. Igualmente, observa-se esse livramento como ato de

salvação, assim como no livro de Deutero-Isaías, que está sempre ligado à

libertação do “segundo Êxodo” (cf. Is 45,8; 46,13; 51,6 [10 vezes])453.

Deus é reconhecido pelas suas ações justas, suas obras concretas, que

transmitem sua fidelidade e sua amizade ao povo eleito. A radicalidade do juízo

em Miquéias não exclui a temática do amor de Deus por seu povo. O propósito do

castigo não é destruir o transgressor, mas trazê-lo de volta a uma “nova vida”, à

449 Cf. GOSSAI, H., Justice, Righteousness and the Social Critique of Eighth-Century Prophets, I American University Studies/ New York: Peterlang, 1993, p. 164. 450 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 222. 451 Cf. 2 Sm 23,3-4; Is 2,2-4; 5,20; 9,1-6; 58,8-10; Sl 97,11; 112,4; Jó 11,17; 22,27-30; 38,12-15. 452 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 354. 453 “The righteousness of Yahweh, as in Is 40-55, is here identical with the vindication of Israel. Israel being more nearly in accordance with the divine will than the nations are who triumph over her, it is required of the justice of Yahweh that he deliver his people and punish their oppressors who have exceeded their commission of chastisement upon Israel. Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, p. 146.

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“salvação”. Como “luz” de seu povo, YHWH libera Sião, não apenas de seus

inimigos, mas de sua própria culpa. É um processo de libertação e liberação.

Mesmo que YHWH tenha pronunciado o juízo, este será eliminado, pois Ele é

misericórdia e perdão. A vitória do amor afasta a ira454. Pode-se dizer que a

restauração do povo se encontra em paralelismo com: “Ele me conduzirá à luz”.

E, quando isso ocorrer, cessará a alegria da inimiga.

Assim também, a expressão “verei a sua justiça” encontra-se em paralelo

com: “ele me conduzirá à luz”. A expressão verbal ynIaeyciAy (acy) ocorre, aqui,

ligada ao termo que pertence ao campo semântico da luz. Alonso Shökel455 analisa

a palavra rAa (luz), usada, aqui, como uma figura metafórica de iluminar, dar luz;

equivale à vida, salvação, tirar da masmorra escura para dar liberdade, que é

garantida pelo Senhor (cf. v. 8d). Trata-se, então, de uma libertação redentora (cf.

aicy Sl 25,15b; 31,5; 66,12; 143,11b; Ez 20,41). Nessa perspectiva, pode-se

desenvolver o restabelecimento da união com Deus. Para Alonso Shökel456, o

verbo har, construído com a palavra Atq'd>ciB., possui um significado especial de

“gozar de sua justiça”. O substantivo hq'd'c. possui significados éticos, jurídicos,

forenses, de “justiça”457. Deus se encarrega da causa de Jerusalém, por isso,

coloca-se em litígio com a inimiga e, segundo o esquema jurídico encontrado em

Ex 9,27, o resultado será uma justiça, ou seja, é declarada a inocência de Sião e a

culpa da inimiga é reconhecida. Em Miquéias, a raiz hq'd'c. ocorre apenas aqui e

em 6,5. Em ambas as ocorrências, estão em referência a YHWH, em sentido ativo,

sendo que, nesse verso, não se refere somente à justiça, mas à misericórdia,

empregada no sentido de libertação, como ato de salvação. A justiça de YHWH é,

portanto, seus atos salvíficos em favor de seu povo, e não simplesmente um

454 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 222. 455 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 34. 456 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 596. 457 A raiz do termo tAqd'c. possui conotação de conformidade a um padrão ético ou moral e no AT esse padrão é a natureza e vontade de YHWH. Justo é o Senhor em todos os caminhos, benigno em todas as suas obras (cf. Sl 145,17). Esse termo descreve três aspectos do relacionamento pessoal: teocrático, ético e forense. No sentido aplicado a Deus, tAqd'c. possui o significado de retidão, sendo que as características divinas se tornam o padrão definitivo da conduta humana. Se por um lado expressa o conceito de retidão do Senhor, por outro, indica que tal retidão é o resultado dos atos de salvação e de vitórias divinas (cf. Jz 5,11; 1Sm 12,7; Sl 103,6; Dn 9,16; Is 45,8; 46,13; 51,6-8). Cf. E. JENNI E C. WESTERMANN, Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento II, pp. 639-668; Cf. R. LAIRD HARRIS (org.), Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 1261; ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 556.

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conjunto de normas e procedimentos (cf. Sl 22,31; 40,11; 48,11; 71; 143,1). O

termo se encontra também nos Salmos para marcar que o salmista foi ouvido por

YHWH e teve o triunfo do seu direito (cf. Sl 5,9; 6, 11; 35,4; 70, 3; 71,12, etc).

Enfim, o termo twoqd.ci tornou-se expressão particular no AT para interpretar os

atos salvíficos do Senhor na história da salvação. No v. 10ª, o orador volta a referir-se à inimiga. O discurso enfoca os

“inimigos” de Sião, do mesmo modo que em 7,8. Em ambos, é prognosticada a

libertação de Sião das mãos de sua inimiga. A retidão de YHWH pede o triunfo de

Israel sobre a inimiga. Ela, que no v. 8 regozija-se com a derrota e o infortúnio de

Sião, quando Deus salvar o seu povo, terá a sua posição invertida. A inimiga

testemunhará a justificação de Sião. Ela verá (ar,tew.) da mesma maneira que o

povo de Deus (v. 9, ha,r>a,). No entanto, cada um percebe algo diferente: este vê

liberdade; a inimiga vê Deus rejeitar sua alegria e sua incredulidade maligna. A

exaltada e triunfante inimiga sofre, ela própria, o castigo (cf. Is 10,6). Agora,

Jerusalém a ridiculariza e faz escárnio (cf. Sl 42,2; 79,10,115,2)458. O sentido do

termo yn:y[e junto ao verbo ha'r' significa “ver com os próprios olhos”459, podendo

indicar “festejar com os próprios olhos”460. Sião opõe sua alegria àquela de sua

inimiga. Ela pode daqui para frente alegrar-se ao ver sua inimiga vítima da mesma

sorte que a ameaçara: caída aos pés (cf. Is 5,5; 10,8; 28,18)461. Os inimigos do

povo de Deus terão o mesmo destino que infligiram a Israel (cf. Ab 15; Lm 1,22).

E, assim, Israel será vindicado.

Como resultado da visão, a inimiga será esmagada pela vergonha que

cobrirá aquela que ridicularizou a fé do povo de Deus, de tal modo que não verá

nada mais do que humilhação (cf. Ab 10; Is 50,7-8; Ez 7,18; Sl 35,26; 44,16;

89,46). As conseqüências da esperada punição para a inimiga vêm expressas,

primeiramente, em palavras bem generalizadas: “a vergonha a cobrirá”. O termo

hv'Wb é retomado no v. 16, onde se fala dos povos que cairão de vergonha. No

entanto, na visão de Zapff462, a formulação empregada neste v. 10 é mais forte do

que a do v. 16. Será uma humilhação tão profunda que jamais encontrará similar

458 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 222. 459 Cf. Nm 14,14; Dt 19,21; Sl 22,18; Is 52,8; Jr 32,4; 34,3; Ez 28,17; Ab 10-13; Ml 1,5. 460 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 461 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 354. 462 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 181. Ver também WOLFF, H. W., Micah, p. 222.

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na história. O ato justo de YHWH não comporta apenas a libertação de Israel, mas

também o castigo daqueles que abusaram de Sião.

A citação %yIh'l{a/ hw"hy> AYa;, retirada da boca do povo estrangeiro, evidencia o

caráter exclusivo da ligação de Israel com seu Deus (%yIh'l{a/ hw"hy>). A derrota de

Sião fez as nações inimigas pensarem que o seu Deus era incapaz de salvá-las.

Essa constatação terá conseqüências: será esta afirmação da inimiga que

configurará, aparentemente, a razão de sua queda. Para Bernini463, essa irônica

interrogação: “onde está teu Deus?” Pode expressar tanto o desamparo do crente,

em um tempo de aflição, como o grito blasfemo repetido pelos inimigos de Israel.

NesSe versículo, surge como um escárnio feito pelas nações pagãs, numa

formulação depreciativa ao Deus de Israel, que não é capaz de salvar o seu povo

das mãos inimigas (~h,yhel{a/ hYEa; Jl 2,17; Sl 79,10; 115,2 no contexto coletivo; e

^yh,l{a/ hYEa; Sl 42,4.11 no contexto individual). Figura também em 2 Rs 18,34 ou

24; Sl 89,10; 115,2. Tal fórmula pressupõe um pensamento politeísta, entendendo

YHWH como um Deus protetor e pessoal de Israel464. Por isso, essa questão

ocorre sempre no AT como uma reprovação de escárnio feita pelas nações pagãs.

O profeta considera tal questão como um insulto a YHWH. Assim, a interrogação

retórica em 18a apresenta-se como uma resposta adequada ao v. 10d: “Quem é um

Deus como tu?”YHWH será considerado o único Deus465.

O triunfo final de Sião contrasta com a situação da nação inimiga. Ela é

retratada de maneira drástica: será pisoteada. A expressão sm'r>mil. hy<h.Ti hT'[; aponta, acima de tudo, para Mq 7,4: enquanto lá, ela permanece no contexto do

julgamento de YHWH sobre Jerusalém ou a comunidade de Israel, introduz-se,

em nosso versículo, a queda da inimiga de Sião. Numa visão sincrônica, Zapff466

interpreta que o julgamento de YHWH não termina para Jerusalém, mas se

estende para a inimiga de Israel, a princípio triunfante. O autor igualmente

considera, já em Mq 4,9-14, uma seqüência análoga de eventos, condicionada pela

463 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 344. 464 “Among peoples entertaining a limited conception of deity as the champion of a particular nation, the continuous disaster of a nation must always be interpreted as due to the weakness of its patron deity.” Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, p. 147. 465 Quando a majestade e poder de Deus são colocados em jogo, Deus intervém para justificar sua reputação (cf. Hab 2,6-20). Cf. SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, pp. 573-574. 466 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 182.

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inclusão estereotipada de hT'[; para a qual, como já foi indicado, existem outras

correspondências.

Em relação ao termo sm'r>mil. hy<h.Ti,, Wolff467 observa que o mesmo é usado

em conexão com o ato de pisotear na lama do campo arável ou nas vinhas, por

gado ou fera selvagem que tenha ultrapassado os seus limites. É encontrado,

sobretudo, no livro de Isaías, no qual existe uma relação entre o julgamento sobre

Jerusalém e o aniquilamento da inimiga (cf. Is 5,5; 7,25; 10,6; 28,18 e Ez 34,18s.).

Zapff468 concorda com Wolff sobre a conexão do uso do lexema, em Is 5,5, para

referir-se à cerca; o que é feito também em Mq 7,10. Se aplicarmos a Is 5,5 a

interpretação de Mq 7,10s, então, trata-se de que a inimiga, no v. 10, compartilha

o destino que se ameaçara para a casa de Israel – transformação em terra pisada –;

enquanto Sião, que lá vive, é reconstruída no versículo seguinte, após o

cumprimento do julgamento. Na contribuição de Keesler469, a figura do “pisar”

não se refere aqui somente ao espezinhar dos animais numa terra cultivada (cf. Is

5,5; 7,25; Ez 34,19), mas em relação à “lama da rua”, ao estado das ruas da

cidade, antes da introdução de limpeza regular de ruas (cf. Is 41,25). Da mesma

maneira que, em toda parte da cidade, pisa-se na sujeira da rua, assim também

será pisada a inimiga caída na vergonha.

Essa primeira seção termina com uma ressonância emocional para a

acusada: vê-la como lama nas ruas (cf. Is 10,6). Nenhuma derrota pode ser mais

forte. Tal situação representa a derrota total daqueles que se puseram contra Israel

e seu Deus (cf. 2 Sm 22,43)470. A inimiga de Israel verá e se esconderá

envergonhada; pior ainda, sofrerá castigo. Com essa ação de YHWH, todo o medo

e desânimo, na presença do inimigo, serão removidos. Essa imagem da grande

humilhação sofrida pelo inimigo é encontrada também em Sl 18,43471. Uma

imagem parecida lê-se ainda em Mq 7,17.

Zapff472 aponta que as referências acima citadas dos textos de 2 Sm 22,43 e

Sl 18,43 são um indício a mais da conexão entre os vv. 10 e 17. Se considerarmos

o contexto que circunda o uso dessas palavras-chave, nos textos referidos, chama

467 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 223. 468 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch , p. 182. 469 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 302. 470 Cf. ACHTEMEIER, E., Minor Prophets I, p. 362. 471 C’ est pourquoi plus d’ un commentateur considère ce stique comme une glose. Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 354.

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a atenção o fato de se tratar da descrição do destino da inimiga daquele que canta,

enquanto, no outro caso, trata-se de “estrangeiros”. Parece que Mq 7 claramente

se orienta por essa diferenciação e, com esta, pelos diversos destinos

correspondentes. O orador expressa sua verdadeira e incomparável fé na hora

mais escura de Judá e Jerusalém - ainda que os inimigos triunfem e nos insultem-

serão silenciados e envergonhados. Mesmo que os muros de Sião estejam em

ruínas, chegará o dia em que serão reparados.

7, 11-13 A promessa de restauração ou reconstrução de Israel

Após o discurso da oradora, nos vv. 8-10, surge um outro orador, mudando

abruptamente a mensagem - da cena da destruição e humilhação da “inimiga”-

para o dia da reconstrução e expansão de Israel. Assim, os vv. 11-13 endereçam a

uma futura restauração das muralhas e fronteiras e o retorno do povo. Pode-se

dizer que essa seção traz a visão da salvação pela qual a cidade espera. No livro,

ela apenas pode ser Jerusalém/Sião, embora não seja mencionada no capítulo

nome algum. O povo que tinha expressado a sua confiança em Deus é encorajado

com palavras de esperança e tranqüilidade. O passado de glória será restaurado473.

Em contrapartida, o resto do mundo estará sob o julgamento divino, pelos atos

cometidos contra seu povo (cf. Mq 4,13 e 5,5-9). A punição que veio para a

cidade, por seu pecado, cairá sobre o mundo inteiro por causa de seus atos. Tal

julgamento geral criará a oportunidade para a restauração da cidade.

A seção consta de um oráculo de salvação com duas formas diferentes: nos

vv. 11-12 diretamente; depois, indiretamente, ou seja, o v.13 apresenta a

devastação da terra, um castigo reservado às pessoas hostis a Sião. Este versículo

introduz uma outra temática. Enquanto os versículos anteriores tornam clara a

restauração, o v. 13 introduz um julgamento. Como veremos adiante essa ameaça

visa aos povos pagãos.

Sião, que antes era a oradora, agora é mencionada pelo orador, como mostra

o sufixo feminino em %yIr'deG>474. A ligação com os versículos anteriores está no fato

472 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 183. 473 Cf. Is 11,11-16; 27,12-13; 60,11; Ez 48,30-35; Am 9,11-12; Ab 20; Zc 14,10-11. 474 Archtemeir vê uma ligação maior: “We are not told who speaks here, but we can assume that the dialogue between God and Jerusalem, which began in 6:1, continues. This is the Lord’s promise to Jerusalem that a new day will dawn upon Israel. Zion’s walls were razed in its destruction (cf. 2 Kgs 25:10; Ps 80:12; 89:40), but they will be rebuilt, establishing Zion once again as a community. In some of the prophetic promises, it is said that foreigners will rebuild the city’s walls (Isa 60:10). Other passages speak of God’s work alone (Ps 51:18; 69:35; 102:16; cf.

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de que a oradora, que esperava pela mudança do destino da sua comunidade (“até

que”, v. 9c.), recebe, agora, o anúncio da chegada desse dia. O dia da justiça de

YHWH é interpretado, para a comunidade de Sião, como o dia da vitória, um

tempo em que os muros da cidade serão reconstruídos. A salvação de todos os

eleitos será dentro de fronteiras seguras. Evoca o tema de um repovoamento

interno. Embora esse momento não seja indicado, cronologicamente475, é iniciada

uma linha temática de redenção em favor do povo de Deus ligado a Sião. O

anúncio é feito de forma enfática, pelo uso seguido da palavra “dia” duas vezes no

v. 11 e uma vez no v. 12. Nesse dia indefinido, esperam-se três coisas: Judá será

restaurada, as nações convertidas virão a Judá e a terra pagã tornar-se-á desolada.

Sião prepara-se, então, para este “novo dia” que desponta476. A vinda desse

dia não está definida em um espaço cronológico. Ela está projetada para um novo

futuro, e este futuro é indicado pelas formas verbais: tAnb. (hnb:infinitivo); qx;r>y

(qx;r': qal yiqtol); aAby" (aAB: qal yiqtol); ht'y>h'w> (hyh: qatal waw consecutivo); h'yb,v.yO

(bvy: qal particípio construto). Aqui merece ser destacado o sentido escatológico

que o profeta dá à palavra “dia” neste capítulo477. O termo destaca-se como tema

de juízo e restauração escatológica. Dessa maneira, “~Ay” é a manifestação divina

que significa a restauração e salvação de Israel e o fim do pecador. Assim, no

nosso texto, não teria o significado de um dia totalmente indeterminado, mas

indicaria o momento em que, na história, teria lugar a manifestação salvífica de

YHWH. Nessa perspectiva, podemos dizer que o texto relata uma significativa

promessa para o futuro. Certamente, a salvação será manifestada, seja para

147:2). But certainly the reconstruction is part of God’s eschatological salvation of his people (Jer 31:38)”. Cf. ACHTEMEIER, E., Minor Prophets I, p. 363. 475 Alguns autores, tais como Mays (Micah, 161) e Allen (Micah, 397), acreditam que a reconstrução das muralhas “neste dia” refere-se ao tempo de Neemias (445-433 a.C.), enquanto que Hillers conecta essas promessas a Mq 2,12 e 4,1-2 e denomina essa visão como escatológica. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 91. Os autores concordam com Hillers, ao dizer que essas palavras referem-se ao grande dia escatológico no final dos tempos: a reunião de todas as nações da terra para Jerusalém (cf. Zc 12,3 e 14,2). Cf. ANDERSEN, F. I., - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 584. 476 Smith deixa perceber que: “Some scholars have questioned whether or not the city referred to here is Jerusalem. Eissfeldt, Reicke, and others have argued that the city was Samaria because Jerusalem is not mentioned and there are many North Israelite names, i.e. Carmel, Bashan, and Gilead (v.14), in the passage. The word for wall rdg generally refers to a stone fence (Num 22:24; Ps 62:4). ryq is more commonly used for city wall. However these arguments do not militate against taking this perícope to be about Jerusalem”. Cf. SMITH, R. L., Micah – Malachi, p. 59. 477 “O dia” ou “Aquele dia” pode ser visto de várias formas: como um dia de ira, em Jó e Provérbios; um termo técnico, em Joel; Amós insiste que é dia de julgamento apenas para Israel (5,18.20) e, mais tarde, afirma que deve ser um dia de restauração (9,11).

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aqueles que ficaram em Sião, seja para os que virão de outras terras, israelitas ou

pagãos convertidos.

O significado proposto para o termo “dia” não é tematizado como

realidade física, embora este aspecto não seja eliminado, mas é considerado,

fundamentalmente, como dimensão em que ocorre um fato. Dessa maneira, o

espaço de tempo é caracterizado essencialmente pelo seu conteúdo. Em Mq 4,1

(peregrinação a Sião), 4,6 (retorno do povo israelita disperso) e 5,9 (julgamento

dos povos incrédulos), reporta-se a eventos análogos a Mq 7,11. Na opinião de

Zapff478, isso fala a favor de uma correspondência entre 7,11 e os textos

mencionados acima. Há, ainda, outra semelhança: a conexão entre Mq 7,11 e Mq

7,4b, sendo especialmente caracterizada, em ambos os lugares, o uso desse

termo479. Tais considerações reforçam a hipótese da ligação, vista na seção

anterior, de que estamos lidando com dois tipos de dias apresentados em

seqüência: um dia de juízo (4,11), e um dia de reconstrução ou renovação de Sião

(7,11). Essa hipótese é sustentada na caracterização do “dia” em Mq 7,11

através da palavra %yIr'deG>480.

Como já mencionamos, essa palavra mantém uma conexão direta com o

termo sm'r>mil. do v. 10, que deve ser entendido como pano de fundo da palavra

de condenação em Is 5,5 (canto da vinha)481. Então, a combinação dessas

palavras explica, nesse caso (em Is 5,5 e, dependentemente dele, Mq 7,4b),

que o julgamento já foi concluído. Zapff ainda observa que a seqüência de

dias diferentes, um designando o julgamento, e o outro a reconstrução, é, na

literatura do AT, um esquema geral que é desenvolvido freqüentemente com

base no conceito hwhy ~Ay. Kessler482 distingue uma dinâmica através do uso deste triplo ~Ay: cada

ocorrência da palavra assinala uma mudança de situação de Sião. No v.11a, é o

dia (~Ay) “de reedificar teus muros”483. A segunda característica do dia (v. 11b) é

478 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 183-184. 479 Ver também WOLFF, H. W., Micah, p. 223. 480 Cf. NOGALSKI, J. D., Literary Precursors to the Book of the Twelve, p. 167. 481 Um estudo mais aprofundado do assunto encontra-se em: BRUEGGEMANN, W., “Vine and Fig Tree”: a Case Study in Imagination and Criticism. CBQ vol 43, no. 1 / January (1981)188-204. 482 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 303. 483 Waltke observa que: “To rebuild” stands in stark contrast to the enemy’s fate of becoming a place trampled like mire in the street”. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754. King explica que “the building of your walls” is “a metaphor for the

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que nele “a fronteira estará mais longe”. Finalmente, em terceiro lugar, no v. 12a,

o dia será aquele em que os judeus voltarão da dispersão universal para a terra,

agora mais ampla e mais segura para moradia. O autor chama a atenção para o

significado do termo, comum no hebraico, para muro da cidade: hm'Ax (cf. Lv

25,29; Dt 3,5; 28,52). A palavra usada aqui, rdeg", designa, na maioria das vezes,

qualquer tipo de cerca para campos, sebes ou vinhas484. É usado, metaforicamente,

no sentido de proteção e força .Em Is 5,5, anuncia a derrubada do muro em torno

da vinha (Judá), de modo que esta seja espezinhada por animais selvagens. O Sl

80,13 aponta que o muro está destruído e a vinha acessível, sem proteção; e em

Mq 7,11 promete o dia em que os muros protetores em torno de Jerusalém serão

reerguidos485. Dessa maneira, a reedificação dos muros, pode aplicar-se, em

sentido metafórico, à restauração da nação486.

Barker487 concorda com Kessler sobre o significado do termo hebraico rdeg".

No entanto, não pensa que o versículo aponte para a restauração da nação, pois a

expressão “naquele dia”, do v.12a, parece indicar um cumprimento escatológico.

Em sua opinião, os vv. 11-13 foram completados progressivamente em, pelo

menos, dois estágios. Waltke488 supõe outra conotação. Possivelmente, o termo

rdeg", seja usado como metáfora para comparar Sião a um rebanho. A palavra

escolhida sugere que Sião habita seguramente protegida dos seus atacantes. Ela

descreve os muros em volta da vinha Sião (cf. Ez 47,13-23; Ab 19-20). Refere-se

aqui a um futuro distante, quando Deus reunirá e restabelecerá Israel em sua terra

(cf. Zc 2,4-5) – nesta era Israel não terá mais muralhas. O plural de extensão

indica que os muros são largos, um ponto que foi elaborado sobre o v. 11b. Essa

suposição não é aceita em favor da hipótese de uma restauração escatológica.

A segunda característica do dia (aWhh; ~Ay) é que, nele, “a fronteira se

distanciará”. A expressão verbal qx;r>yI (qx;r), unida ao termo qxo, significa um

reestablishment of the Jews in the promised land…The prophet most likely has in mind the walls of Jerusalem, though gAdEr is not common term for city walls. Cf. KING, P. J., Amos, Hosea, Micah – An Archeological Commentary, p. 73. 484 Cf. Nm 22,24; 32,16.24.36; Is 5,5; 27,2-4; Na 3,17; Sl 80,9ss. 485 Assim também pensa Willi-Plein, I. Vorformen, p. 107s; WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757; BAKER, D. W., & ALEXANDER, T. D, WALTKE, B. K., Obadiah, Jonah, Micah, p. 129. 486 Cf. Is 54,1-3; Jr 13,38-40; Ez 36,10.33; Zc 2,1-4; 10,10. 487 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 129. 488 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757.

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limite ou uma fronteira distante, ou seja, um território alargado489, do qual falam

também alguns textos proféticos (cf. Is 5,14; Is 26,15; Jr 5,22; Am 9,12-13; Ab

19; Zc 10,10). Posto que Miquéias gosta de usar paralelismo, essa frase refere-se

também a uma restauração completa e visível, com um alargamento das fronteiras,

dada a afluência das pessoas490. Andersen e Fredman491 propõem que a

restauração de Judá passe pela dominação de seu território (cf. Is 16,15; 49,19).

Para os autores, o texto quer destacar o tamanho do reino restaurado, retratar a

esperança de recuperar a antiga glória do reino de Davi. O tema da extensão do

território de Israel não é novo.

Willi-Plein492 contesta essas interpretações. Na sua opinião, o termo qxo, que

traduzimos por “fronteira”, não significaria um limite territorial, apesar de apontar

o distanciamento de um limite existente até então. De acordo com a autora, %yIr'deG>

tAnb.li é sempre sobre limites impostos por Deus: para a chuva (cf. Jó 28,26); para

o mar (cf. Pr 8,29; Jr 5,22); para os céus (cf. Sl 148,6; para o tempo (cf. Jó

14,5.13). Aqui se refere unicamente aos “muros”, a julgar pelo v. 11a.

O estudo desses versículos é feito à luz de uma correspondência temática

com Zc 9,7, onde se fala, de maneira teologicamente análoga, que o restante

dos povos vizinhos de Israel serão integrados ao povo de Deus, por meio da

ação do próprio YHWH, que elimina tudo o que poderia perturbar a relação

com Ele. Existem em geral diferentes ressonâncias temáticas entre o texto do

Livro de Miquéias, aqui considerado, e Zc 8-10, de modo que uma

dependência temática não deve ser excluída. Assim, a causa das fronteiras serem

estendidas apóia-se no fato de que muitos povos de outras nações virão a Judá

pela ação salvífica de YHWH. Renaud493 coloca em evidência a interpretação de

Willi Plein, ressaltando que não se pode falar propriamente de reconstrução de

muralhas, mas de uma renovação de todos os limites com acesso a Jerusalém, para

onde as pesoas de toda a parte dirigir-se-ão (cf. Mq 4,8). Essa análise apresenta a

vantagem de ler intimamente os vv. 11 e 12.

489 Cf. BDB, 935a. 490 A cidade nova deve ser maior para conter todos aqueles que irão viver no seu recinto. Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 85. 491 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 586. 492 Cf. WILLI PLEIN, Vorformen der Schriftexegese innerhalb des Alten Testaments, pp.107-108. 493 Cf. RENAUD, B., Michée, p. 360

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A terceira locação do termo “dia” (aWh ~A) no v. 12 mostra ser uma

continuação do versículo anterior, todos, judeus e pagãos, convertidos se voltarão

para Sião. É o glorioso tempo de salvação. Esse verso, enquadra-se no contexto

das proclamações de salvação, de que Israel voltará a Sião (cf. Is 35,10; 51,11; Sf

3,20; Ag 2,7; Ez 11,16; 34,13; etc). Avaliamos que é tempo de um evento; e

aqui tem especial relevo o cumprimento da promessa: o texto marca uma

significativa promessa para o futuro. Eis por que pensamos conseqüentemente,

um futuro de salvação escatológica.

Visto que a vinda dos povos é certa, é preciso distinguir quais são esses

povos. Com base em Mq 4,6ss poder-se-ia pensar que se trata dos exilados e, de

uma maneira geral, da diáspora, como aponta Kessler494. Caso o pronome “ti”

refira-se à cidade propriamente dita, que, nesse caso, estaria identificada com os

“teus” do v. 11, existem, ainda dois grupos que podem ser identificados como

aqueles que vêm: estes podem ser tanto os israelitas exilados, que voltam do

cativeiro, quanto as nações inimigas que procuram atacar e destruir a cidade.

Nesse caso, o versículo estaria em paralelo com 4,11-13; e no outro com 4,6-8. É

difícil harmonizar tanto uma interpretação como outra com data pós-exílio, visto

que a Babilônia não é mencionada na passagem495. Todavia, o texto sugere que

não se trata, nem meramente do retorno da diáspora judaica, nem exclusivamente

de uma peregrinação dos povos, mas claramente de ambas as coisas (cf. Sl

72,8; Is 19,16-25; 60,5; Zc 9,10; 14,16-19)496.

494 Na opinião de Kessler existem dois argumentos, que favorecem a idéia da volta dos dispersados (como em Mq 2,12; 4,6s; 5,2): a) Em Mq 7,8-20 surge, por completo, a idéia da volta dos povos, mas só no verso 16s b) A idéia da terra cercada e alargada combina melhor com a hipótese do regresso dos dispersados para Sião como morada permanente, do que a idéia de povos veneradores que, provavelmente, apenas temporariamente permaneceriam em Jerusalém. Cf. KESSLER, R., Micha, p. 304. 495 A menção à Assíria poderia sugerir que a profecia foi realizada contra os invasores assírios (cf. Mq 5,7), e não contra o contexto da Babilônia, como os críticos insistem em dizer. Todavia, há uma referência semelhante à Assíria no texto de Zc 10,10, cujo contexto refere-se ao período persa. Portanto este argumento não convence. Outros autores, tais como Smith, notam que não há nenhuma predição contra invasões forasteiras nem uma promessa de conversão das nações, apenas uma promessa do retorno dos judeus exilados. Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, Critical and Exegetical Commentary, Edinburgh: T.&T. Clark, 1985, p. 150. 496Lescow destaca que a ausência de um sujeito para aAby", fala em favor de que o autor pretendia, com sua afirmação geral, uma ampliação consciente, tanto do retorno da diáspora judaica quanto de uma peregrinação dos povos. Cf. LESCOW, T., “Redaktionsgeschichtliche Analyse von Micha 6-7”, ZAW 84 (1972) 182-212, p. 208. Hillers concorda com Lescow: como ambas as idéias ocorrem no livro de Miquéias (cf. 4,1-2 e 2,12), não há uma razão clara para se preferir uma ou outra. Cf. HILLERS, D. R., Micah, 91. Deissler sustenta que a afirmação de uma peregrinação de todos os povos em direção a uma nova Sião é um dos elementos mais firmes de

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O retorno dos exilados ou daqueles da diáspora é iniciativa da ação

salvífica de YHWH. Isso, de fato, na opinião de Zapff497, parece valer também

para Is 27,12s (cf. sobretudo o v. 12), ainda que ali, como em Mq 7,12, o

discurso fale de uma “vinda” (aAby"). Diferentemente de Mq 7,12, em Is 27,13

essa forma verbal aAby" tem, porém, um sujeito concreto, a ~ydIb.aoh', pelo qual

devem ser entendidos, com toda a probabilidade, os dispersos de Israel.

Enquanto Is 27,13 fala apenas do retorno dos filhos de Israel, parece que em

Mq 7,12, o círculo dos que peregrinam em direção a Sião é significativamente

maior. Wolff498 também reitera esta visão: a vinda deve ser compreendida tanto

como a do povo disperso de Israel como a do povo de outras nações. Miquéias já

anunciara uma restauração no sentido universalista. Também não se pode excluir,

vale ressaltar, o fato de que já esteja contido, em Mq 7,12, o pensamento de que

não-judeus poderiam juntar-se aos judeus retornando da diáspora (cf. Zc 8,23;

14,16-19).

Assim, esse retorno não será mais do que um cumprimento parcial,

antecipativo da grande volta, que se verificará também parcial e paulatinamente,

até o “grande dia escatológico”499. Outros textos mencionam igualmente que os

grupos, que repovoarão os amplos confins do país, são os dispersos de Israel nas

diferentes partes do mundo500. Dessa maneira, a profecia aqui se posiciona melhor

como passagem escatológica, conforme dissemos no tocante ao v. 11501.

498 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 224; cf. também O. Eissfeldt, Psalm 1968, p. 68f.

algumas esperanças escatológicas, e que nessa mesma linha se inscreve Is 19,23 – esse texto preconiza uma aliança a três, suscitada por Deus, no fim dos tempos, entre Egito, Assíria e Israel. Parece-nos que essa passagem ampara esta última visão, que se refere à vinda dos crentes de todo o mundo a Sião. Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 355. Assim também pensam: WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 443. Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 129. 497 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 186.

499 No período, quando forem construídos os muros de Sião, suas fronteiras serão ampliadas (Zc 2). Os assírios e os egípcios, como retrata Zc 10,10-11, inveterados inimigos de Israel, juntar-se-ão ao povo de Deus (cf. Is 11,15-16; 19,23-25; 27,13; Os 11,11). Desde o Egito até o Eufrates, virão as multidões à Sião restaurada. Para uma similar descrição de uma restauração mundial cf. Ez 34,13; Zc 10,8ss.; Is 27,12; Sl 107,2ss. 500 Cf. Mq 4,2.6-7; Sl 147,2; Ez 34,13; Zc 8,20-21; 14,16-17; Is 46,23; 60,1-2; 66,23; Zc 8,20ss.; 14,16ss. 501 Segundo Barker, se os vv. 11 e 12 estão em paralelo com a passagem de Mq 4,2-4, aqueles que vêm são os gentios convertidos, vindos de todos os pontos da terra ao encontro daquele que governa Jerusalém restaurada (cf. Mq 4,2; Zc 8,20ss; 14,16ss; Is 40,1ss; 46,23). Cf. BARKER, W. D., Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias , p. 281

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Em relação à dupla menção de rAcm', Clarck502 nota que os lugares listados,

Assíria e o “rio”, aqui visto como o Eufrates503, estão na mesma região, e que os

vv. 12b e 12c descrevem um movimento de ida e volta na mesma direção:

primeiro, em um movimento do nordeste (Assíria) ao sudeste (Egito); e, então, do

sudeste (Egito) retornando ao nordeste (o Eufrates). Essas indicações apontam, de

um certo modo, os quatro pontos cardeais. Sejam eles convertidos, sejam israelitas

retornando do exílio, sejam as nações inimigas, todos procedem do Oriente

Médio504. Portanto, não é uma nova designação geográfica, mas uma descrição

genérica e global. Dessa forma, o texto não falaria somente do regresso da

diáspora, mas também da afluência dos povos para Sião. Se essa era a intenção, o

texto torna-se claro505.

O sentido de ~Y"mi ~y"w> evidentemente se refere a dois mares: “de um mar ao

outro,” e essa interpretação tem sido adotada por vários autores, tais como:

Wellhausen, Weiser, Robinson, Rudolph, Wolff, Hillers506. A leitura “de um mar

a mar, de uma montanha a outra montanha” refere-se a todos os mares e

montanhas em geral507. Mesmo com algumas obscuridades, fica claro o que o

verso quer dizer: “virão a ti, de todo o mundo”508. Dessa forma, todos os vizinhos

tradicionais de Judá estariam incluídos.

A forma verbal ht'y>h'w. que inicia o v. 13 marca a introdução de um novo

parágrafo. Este versículo contrasta com os vv. 11 e 12. Enquanto aqueles falam da

restauração de Jerusalém e de seu povo, este aponta a punição que ocorrerá aos

habitantes do resto do mundo. A palavra #r,a, reforça a ambigüidade. Alguns

502 Cf. CLARCK, D., A Translator’s handbook on the books of Obadiah and Micah, by United Bible Societies, 1982, p. 185. 503 O termo rh'n; aqui mencionado sugere ser o “Rio Eufrates”. Há referências similares ao Eufrates nos textos Zc 9,10; Sl 72,3; 1 Rs 4,21; 14,15; 2 Sm 10,16. 504 Barker observa que existem omissões notáveis nas citações geográficas: nada se diz acerca dos babilônios, persas ou gregos. Cf. BARKER, W. D., Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias, p. 281. 505 Rudolph (129) pensa que tal hipótese é ingênua, mas ele não sustenta uma razão adequada para a interpretação do texto hebraico. O mesmo ocorre no pensamento de Robinson (151). 506 Cf. WELLHAUSEN, 27, WEISER, 287, ROBINSON, 150, RUDOLPH, 127, WOLFF, H. W., Micah, 186, HILLERS, D. R., Micah, p. 87. 507 “No particular sea is alluded to; the expression is rather general and indefinite, and so intended to convey the impression of vastness of expanse”. Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, Critical and Exegetical Commentary, Edinburgh: T.&T. Clark, 1985, p. 150. 508 Para Kessler, a região Assíria não deve dizer respeito ao reino neo-assírio cujo declínio ocorreu, historicamente, no séc. VII, mas que pode referir-se também à região no norte e nordeste de Judá, dominada pelos persas e, mais tarde, pelos selêucidas. Cf. KESSLER, R. Micha, p. 303.

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autores, entre eles Barker,509 notam que o termo pode designar um país, a saber:

Judá, que neste contexto havia sofrido a exclusão; ou como mencionado acima,

outros países. Parece, pelo contexto, aludir, em alguns textos, especialmente, as

nações incrédulas (o resto da terra) que serão devastadas em expiação de seus

pecados (cf. Is 24,1-6; Sf 1,18; 3,8). Enquanto Israel experimenta a salvação, o

resto do mundo sofre o julgamento divino. É realçada, dess forma, a inter-

relação entre a ação de YHWH e o novo estado de Israel.

Kessler510 corrobora a observação acima, acrescentando a idéia de que a

terra transformada em desolação é, na verdade, há muito tempo, corrente (cf. Ex

23,29; Lv 26,33; Is 1,7). Isso também pode ser dito de lugares isolados (cf. Js

8,28; Jr 49,2.33) e, em Mq 1,7, de Samaria. Mas aqui neste verso, o termo #r,a'h' não pode significar a terra de Israel, pois como vimos, anteriormente, ela não deve

ser desolada, mas habitada e está dentro de um oráculo salvífico para o povo.

Em contrapartida, é corrente a idéia da terra devastada na seção de Is 24-27.

Para ele, também, já tinha conduzido a expectativa da ampla fronteira em 7,11 (cf.

Is 26,15)e, especialmente, em Is 24,1s.19s; 26,21. Lá, como aqui, encontra-se a

combinação de “a terra” e “seus moradores” (cf. Is 24,1.5.6), como também é

citada a culpa dos moradores da terra como motivo para a desolação (cf. Is

24,5)511. Trata-se então de uma ameaça de esterilidade, de morte, causada pela

falta de , que é tema comum nas Escrituras (cf. 2 Sm 21,1ss.; Is 24,5; 26,21; Lv

18,28). Encontra-se especialmente no Livro de Jeremias, onde surge em

conexão, dentre outras coisas, à punição impingida por Deus (cf. Dt 28,20; Jr

4,4; 17,10; 21,14; 32,19).

Wolff512 conclui que essa sentença independente estende a ameaça lançada

contra a inimiga nos vv. 8a, 10, e antecipa o pensamento expresso no v. 16. A

sentença justapõe uma terra destruída com a comunidade de Sião, protegida,

estendida e reunida de toda a parte do mundo (v.11), pois aqueles, que se

converteram, irão em peregrinação a Sião; enquanto que os outros serão punidos

509 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 129. 510 Cf. KESSLER, R., Micha, p. 304s. 511 Zapff argumenta que em Is 24,1.5.6.17; 26,21; 51,6 e Sf 1,18 o discurso é sobre os habitantes da terra (#rah ybvy) em conexão com um julgamento mundial. À luz desses textos, Is 24,5ss e 26,21 mostram o mesmo contato estreito e a mesma ressonância com Mq 7,13. Além disso, ambos os textos, analogamente a Mq 7,13, nomeiam a culpa dos habitantes da terra como a razão para o julgamento (Is 24,5; cf. também Sf 1,17). Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 187.

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com a morte. O autor retrata Jerusalém como um oásis no deserto da terra. E

aponta para textos semelhantes encontrados em Ab 16s; Jl 4,18-20 e Zc 14,10ss.

A destruição das cidades e a morte dos homens são um castigo pela sua

infidelidade e a causa de sua hostilidade para com Israel. Essa desolação dada à

terra deve ser estendida ao mundo pagão em geral, a terra inimiga de Israel (cf. Jr

49,13.17; 50,23; Sf 2,13; Jó 3,19). Há, por trás dessa sentença, o pensamento de

uma ampliação do julgamento originariamente válido apenas para Israel, agora

para o mundo inteiro. Isso confirma a compreensão acima defendida, de que

houve mudanças na descrição do julgamento de YHWH. O castigo recai sobre

as pessoas, pelo fruto de suas ações513. Em favor dessa conclusão, poder-se-ia

citar o fato de que em Mq 3,4 já se encontra a sentença do castigo. O texto

mostra os maus atos dos líderes e governantes de Israel, os quais caminham

para esconder seus rostos frente a YHWH, por causa de suas más ações. Em

Mq 7,13, a sorte da terra liga-se à responsabilidade humana.

Zapff514 confirma esta intenção do pensamento do profeta: YHWH impõe

sua Lei, que antes valia apenas para Israel, agora, para todos os povos. Este, na

opinião do autor, é realizado em conexão com o “Dia da reconstrução de Sião,”

e o retorno da diáspora ou da peregrinação dos povos para Sião. Dessa forma,

Mq 7,12s destaca-se, ao lado das diferenças, já indicadas, também orespeito à

seqüência dos eventos básicos do texto de Is 27,12. As relações de Is 24,5ss

(cf. Mq 7,13) e Is 27,12s (cf. Mq 7,12) são exatamente revertidas como as de

Mq 7,12 e 7,13. Se no texto de Isaías o retorno da diáspora encontra-se no fim

de um juízo mundial, no qual os povos do mundo seriam amplamente

destruídos, no Livro de Miquéias, ocorre o julgamento mundial somente após a

reconstrução de Sião e o retorno da diáspora, ou da peregrinação em direção a

Sião. Pode-se concluir que pelo menos uma parte dos povos do mundo não

será afetada pelo evento do julgamento.

Também para Kessler515, a seção dos vv.11-13 se encaixa melhor na imagem

de um futuro no qual a nação judia – e talvez aqueles povos que se juntaram a ela

– viverá em uma Judá ampliada e segura, enquanto que o restante da terra sofrerá

512 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 225. 513 O vocábulo yriP. (fruto) é uma figura metafórica usada como consequência de uma ação. Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 548. 514 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 187-188. 515 Cf. KESSLER, R. Micha, .p. 305.

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uma desolação. Com essa imagem, divide o universalismo e o pensamento da

separação em salvos e perdidos, sem, no entanto, compartilhar de outros sinais

(como a especulação sobre épocas, tipos especiais da revelação, etc).

7,14-17 Oração para solicitar o pastoreio de YHWH

Inicia-se no v. 14 uma nova unidade, em que o profeta é novamente o

orador. Ele que fala em nome da comunidade, dirige-se a YHWH, o Pastor, para

que, como nos dias gloriosos do passado, alimente e oriente o seu povo. Sua

oração resume toda a esperança para o futuro de Israel: YHWH, no papel de

pastor, e o povo como “rebanho de sua herança”. Essa imagem está ligada à

unidade final (vv. 18-20), onde o povo é denominado como o “resto de sua

herança” (v. 18d). A seção aponta Israel sendo reunido em virtude do pastoreio

divino. Aquele que fala apela a YHWH pela liberdade de seu povo,

fundamentando-se na justiça do caráter divino. Os grandes dias do passado

haveriam de retornar, pois Deus não havia mudado, e com o povo arrependido

YHWH faria maravilhas aos olhos das nações.

Há no v. 15 uma curta e positiva resposta de YHWH. Ele intervirá com

prodígios em favor de seu povo, como fizera, quando saíram do Egito. Os vv. 16-

17 mostram que as nações inimigas serão humilhadas; aquelas que, por seu

senhorio, zombavam de Israel, agora se envergonham de sua arrogância. Elas se

curvam de medo diante de YHWH, o Deus de Israel516.

Wolff517 observa que o orador apresenta, com detalhes, seu pedido para o

povo de Deus (v. 14) e para as nações do mundo (v.16). Esta petição é diferente

dos vv. 8-10. É atestado pelo uso do sufixo pronominal ^ (^t,l'x]n:-^t,l'x]n:-^M.[;) que

o pastor possui uma relação íntima de posse com o orador e a comunidade pela

qual ora: “ Apascenta teu povo com teu cajado, o rebanho de tua herança”. Essa

correspondência aponta que YHWH apascenta o rebanho que pertence a Ele

mesmo. Pode-se então, dizer que YHWH não é um pastor assalariado, já que não

516Willis aponta que ~[; (povo) no AT possui um sentido pessoal e subjetivo, enquanto que ~yIWg é usado objetiva e impessoalmente. A intensa relação de YHWH com seu povo, refletido no livro de Miquéias, confirma essa distinção (cf. 1,9; 2,4.8.9; 3,3.5; 6,3.5.16). Um fato interessante é que a palavra ~[;, com exceção de 7,14, ocorre exclusivamente na seção de condenação, enquanto que o termo ~yIAg (nações) ocorre apenas nas seções de esperança do livro de Miquéias (2,12-13; 4-5; 7,7-20), isto é, em 4,2.3 (3 vezes) 7.11; 5,7.14; 7,16), sendo que apenas uma vez se refere a Israel, a saber, em 4,7. Cf. WILLIS, J. T. “Micah 2,6-8 and the “People of God” in Micah”, BZ 14 (1970) 72-87, p. 86. 517 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 225.

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apascenta pessoas estranhas, mas sim o seu próprio rebanho. Kessler518 enfatiza

que o pedido de que YHWH deva apascentar, Ele mesmo, seu rebanho, forma um

contraste com a metáfora negativa do pastor citado em Mq 3,1-4, onde os líderes

de Israel são acusados de não apascentarem seu rebanho, mas de abatê-lo. O

profeta utiliza palavras duras de julgamento contra grupos de lideranças formados

pelos “chefes” e “dirigentes” de Israel, tratados como corruptos.

Encontramos ainda no livro de Miquéias a imagem de Deus-pastor em 2,12;

4,6s; 5,3519. A imagem conferida a Deus como Pastor é também comum nos

salmos de oração (cf. Sl 23; 28,9; 74,1; 80,2), e funciona como motivação nos

hinos (cf. Sl 95,7; 100,3)520. Todavia, a função de YHWH em relação ao seu

povo como a de um pastor para o seu rebanho é encontrada sobretudo em Ez

34,13-16. Neste texto, o Senhor cumpre pessoalmente as tarefas de um pastor

num momento crítico para o rebanho. Dessa vez, não se trata, como nos

capítulos anteriores, de congregar o rebanho disperso, mas, genericamente, de

“apascentar” (cf. Gn 49,24; Is 40,11; Jr 31,10). O povo de Deus não se reunirá de

novo como ovelhas sem guia. O estado de morte em que o povo se encontra, dará

lugar a uma vida que se lhe impõe, em virtude do poder regenerador de YHWH

sobre a aridez de Israel. A certeza e a segurança com que se desenvolve a

metáfora do pastor acentuam o aspecto da eleição e a necessidade de proteção,

além da imagem sublinhar, sobretudo o aspecto de reinício de vida.

518 Cf. KESSLER, R., Micha, p. 305. 519 Segundo Soggin, em uma sociedade cuja economia baseia-se, principalmente, na agricultura e na pecuária, o título de pastor pode ser dado, sem dificuldades, a Deus, ao rei e à autoridade em geral. YHWH é considerado pastor e encontrou essa denominação clássica nos textos: Sl 23,1-4; 28,9; 80,2; Gn 48,15; 49,24; Is 40,11; Jr 23,2ss.; 50,19; Os 4,16; Mq 2,12; 5,3; 7,14. O povo é ainda chamado de “rebanho de YHWH” em Sl 74,1; 94,14; 95,7; 100,3; e Israel aparece como o “herdeiro de YHWH” em Dt 4,20; 9,29; Jl 4,2; Is 47,6. Pode-se dizer que esse é um título muito antigo e que remonta à época da religião dos patriarcas. Parece que aqui surge a conclusão da discussão. Cf. SOGGIN, J. A. “h[er”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 996. 520 Zapff chama atenção dos pontos de contato lingüísticos com Sl 28,9: ~lw[h d[ ~avnw ~[rw $tlxn ta $rbw $m[ ta h[yvwh, deve remeter, em última instância, a Gn 48,15, onde o Deus de Jacó é designado como “meu pastor”, o que não é de pouca importância, pois o tema de Jacó também ecoa de novo em Mq 2,12. No Livro de Miquéias, Mq 7,14 mantém uma correspondência sobretudo com Mq 2,12 (considere-se a palavra-chave !ac), onde encontramos, além disso, não apenas a metáfora do pastor, mas também a promessa de que YHWH vai juntar o resto de Israel reunido diante Dele como um rebanho nas terras a oeste do Jordão (Bozra). Em nosso versículo, as duas terras a oeste do Jordão, designadas são: Galaad e Basã. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 188-189.

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Waltke521, na sua análise sobre o v. 11a, sugeria que o termo (h)rdg era

usado para indicar que Sião habitará seguramente, protegida dos invasores. Nessa

mesma linha de pensamento, indica que no v.14 o profeta pede para YHWH

pastorear seu povo dentro da Sião reconstruída e punir as nações maldosas. No

entanto, parece-nos que a oração do profeta expressa um intenso desejo de o

Senhor tirar o povo de seu estado atual para uma nova situação cheia de bênçãos.

O cajado, característica do pastor, não é a vara do castigo, como em Mq 6,9 (cf.

também Sl 2,8-19 e Is 10,5), aqui permanece a de terno cuidado e proteção dada

por YHWH a seu povo (cf. Sl 23,4). A oração do profeta clama por uma

orientação por parte de Deus, pastor do rebanho escolhido. Trata-se de uma

referência a Israel como posse especial do Senhor. O futuro de Israel não está nas

armas, como nos dias anteriores à sua queda (cf. Mq 4,3; 5,10-11), mas nas mãos

de um pastor fiel.

A expressão “o rebanho de tua herança” (cf. Jl 3,2; Is 19,25; 63,17; Jr 10,16;

Sl 74,2; 78,71; 80,1; 95,7; 100,3) continua a metáfora – o povo que o Senhor

escolheu522. O profeta relembra a aliança eterna estabelecida por YHWH com

Israel.

Zapff523 destaca que o par de palavras ~[; e hl'x]n:, com um sufixo em cada

caso relacionado a YHWH, trata-se, como tudo leva a crer, de uma mudança

solidamente estabelecida, que encontramos, ao lado dos Salmos (cf. Sl 28,9;

94,5.14; 106,40); do Livro de Joel (cf. Jl 2,17; 4,2) e também na obra histórica

Dtn e Dtr. No grupo de textos indicados por último, ela encontra-se, sobretudo,

na conexão com a fuga do Egito guiada por YHWH (cf. Dt 4,20; 7,6; 9,26.29;

32,9; 1 Rs 8,51). Isso, por sua vez, é significativo, porque o tema do Êxodo

possui um papel importante tanto nesse versículo como também em Mq 6,4 e

7,15. O autor observa que a junção de palavras ^t,l'x]n: !aco é, por outro lado,

apenas encontrada em nosso versículo, uma indicação de que a metáfora do

pastor teria sido conscientemente ligada ao par de palavras ~[; e hl'x]n.

521 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 759. 522 O rebanho é a propriedade pessoal de YHWH (cf. Ex 19,5-6; Dt 4,20; 9,26.29; 32,9; 1 Rs 8,51.53; 2 Rs 21,14). A imagem de rebanho aplicada a Israel encontra-se também em Sl 74,1; 95,7; 100,3; e Israel como “herança” de YHWH é um motivo freqüente, tanto nos profetas quanto no livro do Deuteronômio (cf. Dt 4,20; 9,29). 523 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p.189.

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Em Miquéias, reencontramos hl'x]n apenas em 7,18, onde se fala do “resto

de sua herança” (Atl'x]n: tyrIaev.). Ali sobressai, sobretudo, o perdão da culpa por

parte de YHWH em relação ao seu povo, o que, mais uma vez, está ligado à

mudança a partir dos eventos do Êxodo (cf. v. 19). Wolff524 nota que essa

mesma expressão enfatiza menos o pensamento de herdeiro do que a permanência

e a inviolabilidade de prosperidade. YHWH criou, pelo poder de sua livre escolha

(Sl 33,12), o rebanho como sua posse. Por isso, Deus considera Ele próprio

responsável. Nessa perspectiva, encontramos também o mesmo motivo de

confiança no louvor de Is 63,17; Jl 2,17. Conclui-se que o pedido aflito do orador

só pode ser entendido com a leitura do verso seguinte: o povo vive, na solidão e

reclusão, no ermo da floresta.

Para Limburg525, o termo r[;y: pode significar desde “floresta densa” até

“matagais” ou “capões”. Uma floresta não parece um lugar próprio de moradia

para um rebanho. Muitas das florestas do antigo Israel abrigam animais perigosos

(cf. Is 56,9; Jr 5,6; Os 2,12; Am 3,4)526. A mesma palavra ocorre em 3,12, em um

terrível anúncio de ameaça. Talvez essa palavra tenha sido escolhida para fazer

uma conexão com essa profecia, mais conhecida, de Miquéias (3,12). Mays527

interpreta r[;y: (floresta) no sentido de que essa imagem reflete uma situação

histórica na qual o território da nação está confinado à colina de um país, com as

suas boas terras de pastagens, caracterizada aqui, sobretudo, como as terras a

oeste do Jordão, em posse de outros528. Nessa visão, o orador descreve a condição

humilde de Israel diante de seu desejo de que o Senhor o leve novamente a pastar

como nos dias antigos. YHWH deverá ajudar, mais uma vez, Israel frente a uma

situação aflitiva real529.

524 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 225. 525 Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 194. 526 R[;y: is the bush or thicket ruled by wild animals (5:7; cf. 3:12 conj.; on this subject, cf. Isa 7:23-25). Here the word stands in clear antithesis to lm,r>K, the fruitful orchard. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 226. 527 Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 164. 528 Parece que aqui se faz uma alusão de que o país está desprovido de regiões férteis. Ou, como diz Barker, eles estão sós, com a melhor terra em volta deles, mas nas mãos dos outros. Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 131. 529 Essa representação da solidão de Israel encontra-se também em outros textos (cf. Nm 23, 9; Lv 13, 46; Lm 1,1; Jr 49, 31). Em Nm 23,9, está nitidamente comprovada a idéia de que Israel “mora só”, como aqui formulado com dd'b'(l) !k;v'. Em Dt 33,28; Sl 4,8 e Jr 49,31, diz o mesmo de Kedar, que se encontra “só”, em paralelo a “seguro”. Essa visão requer que o intérprete assuma uma relação entre “estar na floresta” e “terras férteis de pastagens”. A saber, Israel está restrito à

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Israel está separado dos outros povos: “mora a sós”. Na opinião de

Kessler530, a conotação em Mq 7,14 é a de que Israel mora sozinho, separado dos

outros povos, mas também em segurança - um pensamento que, numa linguagem

bem diferente, já tinha sido expresso nos vv. 11-13. Desde a influência cultural

assíria sobre Judá, como vista no século VII; desde o contato com a cultura

babilônica em alta a partir do século VI; mas, sobretudo, desde a marcha triunfal

da cultura ocidental helênica no século IV, a avaliação positiva de um isolamento

de Israel é parte da retomada da própria identidade que, desde a Antigüidade,

causou afetos anti-judaicos.

O v. 14d aponta o local onde o povo mora sozinho: na floresta, “no meio do

Carmelo”. O termo lm,r>K; designa “terra fértil”. Os exegetas são unânimes em

afirmar que lm,r>K; não é nome próprio para a montanha do Mediterrâneo, de

acordo com sua locação e significância. Hillers531 observa que não há

circunstância histórica conhecida por nós que tenha confinado o povo de Deus ou

um resto de Israel no Carmelo. Tal conotação deve referir-se, de alguma forma, à

condição desfavorável na qual se encontra o povo. Parece, no entanto, razoável

entender que o povo de YHWH encontra-se separado de todos os outros povos,

que habitam regiões férteis. Nesse caso, estava de alguma forma impedido de ter

acesso às terras férteis.

Deissler532 pensa que a palavra “Carmelo”, que representa pomar, e pomar

refere-se à floresta e não à montanha do Carmelo. Na mesma linha coloca-se

Wolff533 - interpreta a expressão “no meio do pomar” referindo-se a um território

limitado, que é apenas acessível para o povo como terra habitável. Esse “pomar”

(cf. Is 29,17; 32,15) está localizado no território afastado e impossível de ser

trabalhado. Para Bernini534, o que o autor quer afirmar neste versículo é que o

rebanho de YHWH tem sua morada na floresta do Carmelo, lugar inadequado

para o cultivo. A distinção feita por Waltke535 anteriormente é retomada aqui. O

autor discorda novamente dos demais autores, pois interpreta esse versículo,

floresta e deseja as terras férteis de seus vizinhos para pastorear. Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 348. 530 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 305. 531 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 91. 532 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 357. 533 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 226. 534 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 348. 535 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 759.

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novamente, no sentido de reforçar a idéia verificada antes: o povo está cercado de

segurança na sua existência. A palavra lm,r>K; pode ser, na sua visão, ou um nome

próprio para o Monte Carmelo, ou um nome comum para “jardim fértil”.

Semelhante passagem, em Jr 50,19, favorece a primeira; e o paralelo “floresta”

favorece a última. Em Is 29,17, essa palavra posiciona-se como um antônimo para

floresta536; entretanto em Is 37,24, as duas palavras são combinadas para designar

o bosque mais denso, aqui, presumivelmente, com grama. Podemos concluir que

essas referências não apontam as regiões em si, mas um sentido simbólico de que

mesmo em terra fértil, cercado de segurança, o povo encontra-se só, pois está sem

guia, ou seja, sem Deus. O sujeito do verbo W[r>yI é o rebanho sofrido, e a ação

verbal h['r' significa “encontrar pastagem”. O propósito do pastor é prover ao

rebanho pastagem suficiente. A metáfora do pastor acentua o aspecto da eleição e

a necessidade de proteção, além de a imagem sublinhar, sobretudo, o aspecto de

reinício de vida. Dessa forma, esse versículo é explicado como promessa divina e

prepara o leitor para as cenas seguintes, nas quais YHWH libera o povo das

ameaças das nações.

Como é imediatamente indicada, a referência - para pastorear o povo- são as

áreas férteis situadas na Transjordânia, além do Jordão. A alegria do povo será

pastorear novamente nos campos em Basã e Galaad. Estas localidades são

conhecidas por suas terras ricas em pastagem, que provêem as condições ideais

para criar rebanho e gado (cf. Am 4,1; Is 2,13; Jr 50,19; Ez 27,6; 39,18; Zc 11,2;

Dt 32,14). O rebanho de Israel, segundo o desejo da prece, deve viver sobre a terra

mais fértil537. Galaad e Basã foram os primeiros locais ocupados por Israel (cf. Dt

3,10.13; Js 13,9-11; 20,8) ainda no tempo de Moisés (cf. Nm 21,33-35; 32,1; Dt

3,1-20; Js 12,4-6; 13,11ss.29-31)538. Aqui há uma contraposição entre a situação

atual do povo e aquela do início de Israel na Terra. O profeta fala, então, de um

536 Neste texto, o tempo escatológico é iminente em seu mistério – o homem não deve precipitar seus prazos, mas deve esperar.Biblia Peregrino. 537 “If we link the references to Carmel, Bashan and Gilead (14) with the vision of Jerusalem extending its boundaries (11), we have a thrilling scenario. The whole of this territory will be contained within the rebuilt walls of the new Jerusalem – geographically impossible but theologically powerful. This also corresponds to the perfection, beauty and fruitfulness of the holy city which John saw ‘coming down from God out of heaven’ at the end of the book of Revelation (cf. Rev 21,10-22,5). Cf. PRIOR, D., The Message of Joel, Micah & Habakkuk, p. 196. 538 Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 195.

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novo Israel, restaurado na sua original prosperidade e segurança, “como nos dias

antigos”, quando Deus o escolheu como “herdeiro”.

A expressão ~l'A[ ymeyKi que termina o v. 14 é o critério de esperança para

uma nova possibilidade de ocupar uma vez mais terra prometida539. Em resposta à

oração do profeta, YHWH (7,15) interrompe a petição com um oráculo de

salvação. Deus promete novamente a liberdade a seu povo (cf. Jr 16,14-15). O

Senhor confirma que, mesmo que o pecado tenha persistido, Ele não se

desinteressou pelo seu povo. Para McKane540, apenas Deus poderia fazer tal

afirmação541. Apesar do nome de YHWH não ser usado, a menção da saída do

Egito identifica-o claramente. Ele, de fato, mostrará a Sião as maravilhas, como

quando levou seu povo para fora da escravidão do Egito, iniciando a sua

caminhada para a terra prometida. O verso traz uma visão tanto do passado quanto

do futuro. Aqueles dias tornaram-se paradigmáticos (cf. Ex 12,50-51;

13,3.9.14.16; 15,11)542. Os “dias de outrora” são, agora, interpretados como os

“dias da tua saída da terra do Egito”. A forma verbal ^t.ace é a mesma do v. 9, mas

aqui ocorre dentro do contexto do Êxodo543. Assim a força da sentença reside no

uso clássico do verbo acy como verbo típico e dominante do Êxodo.

Barthélemy544 observa que esse versículo deve estar ligado sintaticamente ao

versículo anterior, para evitar alguns contrastes545. Todavia, mais do que isso, é

539 Kessler aponta, ainda, que esse versículo refere-se também ao Êxodo precedente (em 6,4s o Êxodo e a ocupação da terra são igualmente mencionados juntos). Em contrapartida, em Mq 5,1 (~l'A[ ymeym), já alude ao tempo de Davi; e, mais tarde, em 7,20 (~dq ymy), ao tempo dos pais. Há várias tradições do juramento de fidelidade divina ligadas no Livro de Miquéias. Cf. KESSLER, R. Micha, pp. 306-307. Assim também pensa WOLFF, H. W., Micah, p. 227. 540 Cf. McKANE, W. Micah, p. 230. 541 No v. 15, YHWH é obviamente o sujeito da oração, mas alguns intérpretes pensam ser essa leitura incongruente com o contexto. “The three pronouns seem inconsistent within the sentence and with the context. Something has brought disorder into the text. In the rest of the Old Testament YHWH never ‘goes forth from (yAcA' min) Egypt’, though of course Israel does (Ex 13.3; 23.15; Deu 11.10; Ps 114,1 etc)”. Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 165. São da mesma opinião: ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 392; WOLFF, H. W., Micah, p. 212. Todos trocam o texto, e, vêem nele a continuação da oração do profeta. Mas, WALTKE, “Micah”, The Minor Prophets, p. 759, guarda o TM e confirma que o texto é um oráculo de salvação. Os autores que pensam da mesma forma são: HILLERS, D. R., Micah, p. 91; PRIOR, D., Micah, p. 197; FINLEY, T., Micah, p. 183; ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 592; SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, p. 576. Já Limburg, pensa que o orador é o Senhor, mas se o TM for ajustado, ele pode ser compreendido como uma continuação da palavra do povo. Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 195. 542 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 760. 543 Nesse contexto aparece também em Ex 11,4; 13, 21 Jz 5,4; Hb 3,3 e Sl 68, 8; 81,6 ou 82,6. Cf. JENNI, 1043. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 196. 544 CF. BARTHÉLEMY, CT III, 780, pp. 10-14.

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interessante notar que o v.15 está ligado tanto ao passado (como nos dias antigos)

quanto ao futuro (lhe mostrarei), quando o Senhor mostrar novamente seus

prodígios entre as nações e seu povo. O profeta já mencionara os povos de muitas

nações vindos de toda a parte para a Nova Jerusalém (vv. 11-12). Mencionara

também sobre o julgamento de Deus, na terra, como resultado do comportamento

de seus habitantes. Todo esse processo sublinha a soberania de Deus sobre as

nações e evidencia seu poder, como já demonstrara na terra do Egito.

A resposta divina aqui apresentada (v. 15) é uma promessa de ajuda

milagrosa como no Êxodo do Egito. Quando Miquéias referiu-se ao Êxodo, em

6,4, falava da libertação da escravidão; aqui, porém, a resposta de Deus ressalta os

milagres, que preparam o caminho para o novo Êxodo. Haveria um outro êxodo

milagroso (cf. Os 9,3; 11,5.11; 12,9). Deus mostrará seu poder salvador ao

“rebanho”, não apenas aos remanescentes, mas também às nações incrédulas (cf.

Mq 7,16). As nações gentias irão observar esse milagre e se cobrirão de vergonha,

porque elas verão que todo o seu poder é inferior ao poder de YHWH. Assim, o

terror caracterizará as nações pagãs na presença dessas manifestações do poder de

Deus, e elas se submeterão a Ele no mais humilde temor e reverência.

De fato, nenhum evento prodigioso poderia ocorrer sem que o Senhor, Ele

mesmo tivesse a liderança do povo vindo dos quatro cantos da terra para a nova

Jerusalém546. Fica evidente o testemunho de Israel sobre a força e o poder de

YHWH de criar e transformar. As características apresentadas por Sião é que

YHWH atua poderosamente, decididamente e transformadoramente. Deus tem o

poder de vida sobre Israel e sobre o mundo. Todas as coisas dependem de

YHWH, a quem estas palavras são endereçadas.

Os prodígios que serão realizados não são descritos aqui. Mas o povo

poderia esperar, pois, certamente, seriam repetidos novamente na história - Deus é

fiel e seus atributos eternos. Haveria um novo Êxodo, mas de uma nova e

esplendorosa forma. De fato, somente YHWH pode fazer maravilhas – este termo

545 A proposta de Hagstrom seria a de reunir o v. 15b com os vv. 16 e 17 e entendê-los como uma resposta divina, que abrangeria, apenas os vv. 14.15a. No entanto, no v.17, temos novamente uma alocução de oração, que, contextualmente, refere-se ao termo “prodígio” apresentado no v. 15b. Sendo assim, a interpretação de Hagstrom não procede. Também não há probabilidade do verso 16 ser uma citação na boca de Deus. O suplicante pede a intervenção extraordinária de Deus com a intenção de que todas as nações vejam e reconheçam que YHWH, o autor dos prodígios, é o verdadeiro e único Deus. Cf. HAGSTROM, D. G., The Coherence of Book of Micah, pp. 100-102. 546 Cf. KESSLER, R. Micha ,p. 307.

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abarca a incompreensão dos atos salvíficos e poderosos de YHWH (cf. Ex 3,20;

15,11 Jz 6,13; Sl 78,11; 98,1; 105,2)547. Assim, as nações veriam que YHWH é o

Senhor de toda a Terra. O termo “prodígios” é comum nos salmos, mas é

encontrado, de outra forma, na tradição apenas em Ex 34,10.

O profeta prossegue no v. 16 com sua petição: as nações também devem ver

(cf. ha'r' v. 9f, 10a e 10e). O texto mostra o efeito do acontecimento sobre as

nações: quando Deus miraculosamente intervier, em favor de seu povo, as nações

verão e se envergonharão. Nos vv. 9-10, Sião antecipou sua salvação nas mãos de

uma inimiga individual. Nos vv. 15 e 16, o “rebanho de sua herança” mostra o

Senhor salvando-o do jugo de todas as nações. São usados os mesmos termos,

tanto para a inimiga do v. 10a quanto para as nações aqui: ver (ha'r') e vergonha

(vwB). O objeto da visão do v. 10a é a última palavra do v.9: Atq'd>ciB.. Assim,

também, no v.16, o objeto da visão pode ser muito bem aplicado ao último termo

do v. 15: tAal'p.nI Wna,r>a;.

As formas verbais War>yI e WvboyEw> mostram-nos que não se trata mais, apenas,

do fato de que a alegria da inimiga tenha chegado ao fim – esta será “coberta de

vergonha” (v.10b)548. As nações reconhecem a grandeza do Senhor e dão-se conta

de sua impotência (cf. Is 52,14-53,1). As nações ficarão confusas, ou seja,

passarão pela vergonha da derrota (cf. Sl 86, 17; Jr 49, 35; 51, 30; Ez 32, 29; 32,

30, etc). Aqui, o profeta aponta claramente quem é o “lhes” do v. 15: as nações.

As ações prodigiosas de YHWH serão expostas não apenas para seu povo, mas

para o resto do mundo. Para Sweeney,549 o testemunho das nações é um elemento

importante da tradição do Êxodo, segundo o qual o Egito e as outras nações

tremeram de medo com a derrota dos egípcios, e, por isso, deixaram o povo passar

ao santuário de YHWH (cf. Ex 15,1-19, (especialmente os vv. 11-18).

A experiência de impotência das nações vem expressa através de duas

imagens concretas: os povos inimigos devem “pôr a mão sobre a boca”, ou seja,

“calar-se”, gesto de quem fica sem palavras diante de um fato que não pode

explicar (cf. Jz 18, 19; Is 52, 15; Pr 30, 32; Jó 21, 5; 29, 9 40,4; Pr 30,32); e “os

546 Cf. PRIOR, D., The Message of Joel, Micah & Habakkuk, p. 197. 547 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 227. 548 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 307. 549 Cf. SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets. Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, Haggai, Zechariah, Malachi, Studies in Hebrew Narrative & Poetry, vol 2, Berit Olam, Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 2000, p. 412.

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seus ouvidos ficarão surdos” (Jó 26,14)550. Eles não mais poderão blasfemar

contra YHWH, nem escutarão as blasfêmias dos outros551. O uso da expressão em

Jz 18,19 indica simplesmente silêncio, em Jó 21,5 é em um contexto de silêncio

causado por estupefação. Em Jó 29,9, ela é provavelmente um gesto de espanto e

talvez admiração; Jó 40,4 destaca um silêncio causado por uma constatação de

uma falta, tolice. Assim, a expressão pode ser traduzida por um silêncio ou

espanto. Faz-se silêncio. Para Bernini552, tais imagens correspondem à expressão

“perder os sentidos”, não saber mais o que aconteceu. A lamentação do Sl 86,17

estabelece a mesma ligação entre os inimigos e a confusão que experimentam. Tal

alusão encontra-se, ainda, em Jr 69,35 ou 49,35, contra Elam; em 51,30, contra

Babel; em Ez 32,29, contra Edom; em 32,30, contra os príncipes do Norte e os

habitantes de Sidon.

Todos os textos sublinham a ineficácia das forças inimigas553. Para o autor,

provavelmente elas se calam pelo impacto de que não têm nada mais a dizer. Mas,

nesse caso, não haveria necessidade de colocar a mão na boca e este não é o caso

desse versículo. Portanto, não se trata apenas da quebra do poder político ou

militar, mas trata-se da reversão da fala jocosa da inimiga ao reconhecimento dos

povos - no v. 10 a inimiga verá e a vergonha a cobrirá; no v. 16 as nações verão e

se envergonharão - diante das ações de YHWH.

A surdez aqui não é uma condição física, antes indica que as nações ficarão

estupefatas com a dimensão da catástrofe: a presença de YHWH, além de ser

vista, se fará ouvir; ela retumbará como um trovão (cf. Jó 26,14), tanto que os

ouvidos ficarão surdos. Essa alusão da impotência dos inimigos diante de YHWH

sublinha a ineficácia de seu poderio>. A expressão “os seus ouvidos devem

550 Os estudos, que não entendem o v. 15 como resposta divina, têm que interpretar os vv. 16-17 não como respostas à promessa de Deus, mas como pedidos adicionais. A leitura passa a ser: “Que as nações[...] que ponham a mão[...] (16) que lambam o pó [...] (17) etc Assim como a emenda do v. 15 é desnecessária, aqui, na realidade, a modificação quebra o estilo de Miquéias. Cf. BARKER, W. D., Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias, p. 284. 551 Wolff acentua a série de verbos que ocorrem neste versículo: primeiro, as nações fazem a experiência de ver o poderio de YHWH e envergonham-se de sua arrogância (cf. Is 45,15s.24; Sl 83,18); tal ação coloca as nações mudas, sem fala, ou seja, suas bocas ficam fechadas (cf. Pr 30,32; Jó 40,4; também Mq 3,7); e seus ouvidos ficam surdos. As nações cessarão de ouvir e falar. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 227. 552 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 349. 553 Isaiah likewise knows of a day when all flesh will see and know that God is the Lord of all the earth (Isa 49,23-26). Then all people will bow their knees to him, swear allegiance to him, and declare that real strength belongs only to the Lord (45,22-24). Micah and Isaiah both prophesy

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ensurdecer” sugere, também para Wolff554, a mesma relação do soar do trovão

mencionada acima. O profeta enfatiza, assim, a manifestação da força divina por

toda a Terra. Deus, agindo na história, bloqueará as funções da fala e da audição

das nações, impedindo-as de lidar com os acontecimentos. Daí o transtorno das

nações.

O versículo apresenta outro aspecto da humilhação das nações. Atônitas e

confusas, as nações agirão como cobras. Se anteriormente foram descritas como

mudas e surdas, agora são comparadas a serpentes que lambem o pó. Essa é uma

declaração de total degradação. Deissler555 observa que o vocabulário e a idéia

expressos, aqui, constituem uma clara alusão a Gn 3,14 (cf. Sl 18,45; 44,26; 72,9;

Is 49,23; 65,25; Os 3,5). Kessler556 acrescenta que o profeta não pensa somente na

inferioridade do réptil e no pó como metáfora de toda a humilhação (cf. 1 Sm 2,8;

1 Rs 16,2; Is 25,12): por detrás, existe a intenção de que os dominadores

subjugados atirem-se na poeira diante do vencedor, tendo de “lamber o pó de teus

pés” (cf. Is 49,23; Sl 72,9). A imagem seguinte - arrastar-se-ão trêmulos - evoca

também a situação de vitória (cf. Sl 18,46). O tremor expressa medo (cf. Ex 15,14;

Is 64,1; Sl 99,1) e a mais profunda sujeição (cf. Sl 72,9 e Is 49,23). O mesmo

ocorre com a figura da serpente que procura refúgio em buracos ou esconderijos -

é a afirmação da derrota absoluta e definitiva das nações. Nem a fortaleza mais

firme permanecerá de pé, quando YHWH intervier557.

Na opinião de Kessler558, o final do verso e, com ele, toda a passagem dos

vv. 14-17 mostram que a frustração dos povos não significa obrigatoriamente a

sua destruição. Perdem, sim, seu poder, mas ganham a possibilidade de vir

God’ s ultimate victory, no matter how strong the enemy may be, no matter how distressed or weak the righteous may be. Cf. SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, p. 577. 554 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 203. 555 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 358. 556 O autor utiliza a imagem de Jehu diante de Salmanassar III, representado no Obelisco Negro de Nimrud, (cf. Othmar Kell / Christoph Uhelinger, Der Assyrerkönig Salmanassar III. und Jehu von Israel auf dem Schwarzen Obelisken aus Nimrud: ZKTh 116, 1994, 391-420) que traz: “lamber o pó de teus pés” (cf. Is 49,23; Sl 72,9); há também um paralelo com as cartas de Amarna – EA 100 –, onde se deseja que os inimigos “comam pó” (cf. M.L. Barré, Parallel 1982). Cf. KESSLER, R. Micha, p. 307. 557 Bernini também pensa que a imagem da saída dos répteis trêmulos de suas tocas é retomada dos costumes militares: quando uma cidade tinha de se render, os defensores tinham de sair de seus esconderijos para prestar tributo ao vencedor/conquistador (cf. Js 10, 16-28). Os vencidos são descritos no ato de apresentar-se diante do Senhor; na realidade, diante dos chefes do exército vencedor (cf. 5-4-5). Suas atitudes são a causa da dureza da sorte que lhes espera, segundo os cruéis e bárbaros costumes de guerra de então (cf. Os 11,6; Na 2,2-11, etc). Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, pp. 349-350.

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tremendo para “YHWH, nosso Deus”. O contexto fala de pavor e de aflição na

presença divina, reação vivenciada pelos egípcios no contexto da saída do Egito

(Ex 15,15). Wolff559 recorda-nos de que, na narrativa sobre os marinheiros, em Jn

1,16, após a experiência da agitação do mar, a mesma palavra é usada: eles

colocam-se diante de YHWH no medo e na obediência. Se a intenção da oração é

fazer com que os povos se voltem a YHWH, então esse sentimento deriva de Mq

4,1-3 e 5,3 melhor do que 4,11-13. Em qualquer dos eventos, porém, a oração

indica uma consciência de que a história de Israel e a das nações pagãs, no final da

análise, são, indissoluvelmente, conectadas uma com a outra. Achtemeier560

completa que Israel começou a compreender aqui que sua salvação servirá muito

mais para o grande propósito divino do que para sua própria exaltação e

restauração de sua vida. Esta salvação terá algo a ver com a salvação de todos os

povos, que se voltarão, finalmente, para a adoração do único e verdadeiro Deus.

Com essa seção termina o tema dos povos no Livro de Miquéias.

7,18-20 O amor misericordioso de YHWH

O profeta orou a YHWH como um Deus que é o único a perdoar a rebeldia

do pecado. Ele declara que Deus é incomparável em graça e verdade e aponta a

fidelidade a Jacó e a aliança de amor e conciliação com Abraão561. A seção final,

então, mostra de maneira única a natureza misericordiosa de Deus. A obra de

YHWH, que aqui se celebra particularmente, é a sua disposição para perdoar (cf.

Ex 34,6; Nm 14,18; Sl 103,8; Jn 4,2). A suma facilidade com que YHWH perdoa

a culpa constitui aqui o argumento do salmo. Fica claro, no texto, que a aliança

que dá início à relação salvífica permanece - mesmo quando o agir de Israel

mereceria castigo. YHWH é representado com uma familiaridade sem igual562.

558 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 308. 559 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 228. 560 Cf. ACHTEMEIER, E., Minor Prophets I, p. 366. 561 Feinberg observa: “The last three verses of this book are joined to the book of Jonah for reading in the synagogue on the afternoon of the Day of Atonement. Once a year on the afternoon of New Year, the orthodox Jew goes to a running stream or river and symbolically empties his pockets of his sins into the water, while he recites verses 18-20.” Cf. FEINBERG, The Minor Prophets, Chicago: Moody, 1976, p. 186. 562 O contexto da aliança é visualizado particularmente no v. 7,20. A menção da promessa nesse versículo cria um contexto de comprometimento expresso numa relação de fidelidade.

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Wolff e outros563 dividem este salmo final em duas partes: a primeira narra a

centralidade do amor gratuito de Deus (v. 18); e a segunda declara o que pode ser

esperado do amor generoso de YHWH (vv. 19-20). Assim, o livro termina com

uma nota positiva. O Deus, que julga os pecados das nações, é também o Deus

que encanta e mostra misericórdia para com o seu povo.

As formulações da incomparabilidade divina são geralmente centradas em

situações concretas. Se o Senhor é luz na escuridão (vv. 8-10), pastoreia seu povo

(vv. 11-14) e é Deus sobre todas as nações (15-17). Não é surpresa a exclamação

do profeta – “Quem é Deus como tu?”. O profeta faz um trocadilho com o seu

próprio nome564. Esse tipo de pergunta retórica é usado com a finalidade de forçar

uma negativa – não há nenhum Deus como YHWH (cf. 1 Sm 22,14; 26,15; Jó

34,7; Ecl 8,1)565. Com um louvor cheio de gratidão, ele descreve o amor

inigualável de Deus. A benevolência divina é a qualidade ativa de seu amor cheio

de ternura.

Kessler566 recorda-nos que é essa disposição para perdoar, que destaca

YHWH do mundo dos deuses. Através dos particípios, é apontada a

atemporalidade da ação de YHWH: ele sempre perdoou no passado, ele está agora

disposto a perdoar, e, por isso, pode-se pedir a ele para perdoar no futuro.

Perdoando, mostra-se incomparável. Não há deus algum que se compare ao Deus

de Israel. Aqui, há um desafio a todos os ídolos e a todos aqueles que possuem

uma falsa visão do verdadeiro Deus. Perdoar os pecados é contrário ao

comportamento humano, mas YHWH não poderia reter a sua ira para sempre

contra os israelitas (cf. Sl 103,9). Ele perdoará, porque ele sente prazer em sua

fidelidade e em seu amor (Ex 34,6-7).

563 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 228; LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 195, SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, p. 578; CLARCK AND MUNDHENK A Translator’s Handbook on the books of Obadiah and Micah, p. 193. 564 É clara a alusão ao próprio nome de Miquéias: “It is not impossible that the redactor, in placing at the end of the book a hymn begun with such a rhetorical question, has the hymn respond to the liturgical reading of these prophecies; and that he has done so also because the hymn can and ought to be understood as an interpretation of the name “Micah”. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 228. 565 Andersen e Freedman observam que a formulação da questão, na sua leitura literal, poderia implicar que há outros deuses, mas nenhum é como YHWH, Aquele que perdoa os pecados. Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 597. Assim também pensa Waltke: “The Lord’s incomparability pertains here to his forgiving character. Two characterizing modifying clauses underscore this excelling quality of his, the second emphasizing the first. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 762. 566 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 309.

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A ação de !wO[' afen (“carregar a culpa”) equivale ao sentido do “perdão”567.

Para Knierim568, esta é uma fórmula comum da linguagem doxológica e sapiencial

sobre o perdão de Deus (cf. Nm 14,18; Is 33,24; Os 14,3; Mq 7,18; Pr 16,6; Esd

9,13). Esse atributo divino é proclamado em Ex 34,7, e é retomado quase com as

mesmas palavras nos Salmos (cf. Sl 32,2; 78,38; 85,3; 86, 5.15; 99,8; 103,3.10.13;

130,4)569. Em especial, há um paralelo com o Sl 103 de diversos modos. Ambos

focalizam sua atenção na misericórdia divina; ambos colocam um limite à ira

divina; e ambos dão uma imagem concreta de como o Senhor trata os pecados que

ele perdoa (cf. Mq 7,19 e Sl 103,12). É no amor generoso de YHWH, disposto a

carregar a culpa do povo, que este vê restabelecida a sua relação salvífica. Essa é

uma prerrogativa apenas de YHWH. O orador torna claro que o povo só pode

restabelecer a relação com Deus a partir do amor divino, que está pronto a

carregar a culpa de seu povo. Somente a potência divina pode retirar a culpa do

pecador, pelo seu desejo de perdão, dando-lhe a possibilidade de ir ao encontro de

YHWH em uma nova relação.

Deus consente em perdoar a dívida; depois, encaminha o perdão. Ele “passa

pela transgressão”, para curar e restaurar o pecador (cf. Pr 19,11). Esta é outra

metáfora para falar do perdão incomparável do Senhor. Esse sublime atributo

informa as intervenções divinas na história sagrada de Israel.

Barker570 defende que a singularidade da questão é o modo de afirmar a

absoluta superioridade de YHWH em toda a sua santidade (cf. Ex 15,11; Is

567 Na opinião de Andersen e Freedman “is the only that Mic 7:18 has in common with the great revelation given then, so what we have here is only an indirect allusion. Even so, in view of the widespread evidence for this classic credo throughout the Hebrew Bible (Andersen 1986: 44-52), there is enough common vocabulary between Exodus 34 and Mq 7:18-20 to support the inference that Micah had that tradition in mind and expected his listeners to recognize it. In its own way Micah’s affirmation is even stronger than original, especially in the reason given in v 18bB and the extraordinary image used in v 19b.” Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, pp. 597-598. 568 O autor elenca uma análise do uso da expressão nos diversos gêneros e situações, colocando em evidência tanto o perdão, como os outros sentidos que decorrem do conceito. Cf. R. KNIERIM. “!wO[”.In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 315. 569 “In Genesis 46,5, for example, it is used of brothers of Joseph carrying Jacob their father, their little ones, and their wives to Egypt in the wagons that Pharaoh had provided for this purpose. When applied to the forgiveness of sins, it means to remove completely”. Cf. KELLEY, P. H., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, Haggai, Zechariah, Malachi, p. 51. 570 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 134.

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40,18.25 e outras passagens de Isaías, assim como nos Salmos)571. Aqui Ele é

incomparável, especialmente em seu perdão, amor e graça. Essa particularidade,

segundo Barker, é enfatizada com o uso de três diferentes palavras hebraicas para

o pecado (!wO[', [v;P,, aj'x') com quatro verbos que indicam o perdão (af'n", rb;[], %l;v',

vb;K'). O termo !wO[' é o primeiro dos três vocábulos usados para o significado de

“pecado” (ocorre 231 vezes no AT). Aqui, designa “culpa” e denota a má ação e a

punição572. Cada um dos termos utilizados neste texto em referêrencia ao pecado –

!wO[, [v;P,, aJ'x;; – possui um significado especial. Eles aparecem juntos, em um

contexto imediato ou amplo, em alguns textos (cf. Ex 34,7; Lv 16,21; Nm 14,18;

Ez 21,29; Sl 32,1.5; 51,3-7; 59,4; Dn 9,24; Is 59,12; Jr 33,8; Mq 7,18s; Jó 7,20s;

13,23). O trio de vocábulos expressa sistematicamente todas as faltas possíveis.

Não se deve pensar que são simplesmente sinônimos. Cada um deles qualifica o

pecado a seu modo. Mas, quando se empregam juntos, incluem intencionalmente

todos os demais conceitos que significam “pecado”573. Assim, o uso das três

palavras para pecado nos vv. 18 e 19 abarcam a totalidade do perdão de YHWH.

Deus esquecerá todos os tipos de pecado de Israel.

A raiz de [v;P, subentende uma idéia de separação, de revolta (cf. 1 Rs 12,19;

2 Rs 1,1; 3,5.7; 2 Cr 10,19; Jr 2,29; 3,13; Mq 6,7). Knierim574 observa que o

significado básico de [v;P, não é idêntico aos conceitos paralelos conhecidos. O

termo possui um conceito genérico formal, que sintetiza em si as classes de delitos

contra as pessoas e coisas. O conceito jurídico original é utilizado no âmbito de

conduta detestável, imoral, enfatizando o aspecto de transgressão e rebelião. Pode-

se dizer que é um conceito teológico, porque as ações que designam a rebeldia

afetam a YHWH ou a seu direito de soberania e provocam seu juízo ou perdão.

Tais atos podem abarcar também o direito. No entanto, a peculiaridade teológica

do conceito reside no fato de que quem cometeu o [v;P, não se rebela

571 “The question is asked in two forms: by Yahweh – “Who is like me?” (Isa 44:7; Jer 49:19; 50:44), or by Israel – “Who is like thee?” (Exod 15:11; Ps 35:10; 71:19; 77:14; 89:9; 113:5; Job 36:22). Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 597. 572 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 762. 573CF. R. KNEIRIM, “aj'x'”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 755. 574 Os primeiros profetas assumiram o conceito nas suas distintas formas em suas mensagens de castigo. Miquéias define a sua missão em 3,8 como anúncio do [v;P (cf. Mq 1,5; Is 50,1; 58,1; Jr 5,6; Ez 14,11; 37,23; 39,24). Cf. R. KNIERIM. “[v;P”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 616.

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simplesmente contra YHWH ou se levanta contra ele, mas rompe com ele575. Por

isso, segundo o AT, a conseqüência mais grave do delito é o rompimento da

relação com Deus. Todavia, essa ruptura é perdoada, quando se proclama ou se

suplica o perdão divino576. Esta é, na opinião de Wolff577, a palavra mais severa

dos três termos. Ocorre 93 vezes no AT, com o sentido de revolta, apostasia,

rebelião. [v;P, é um conceito central no Livro de Miquéias para a designação dos

pecados de Israel (cf. Mq 1,5; 3,8). O ato de perdoar é designado pela expressão

l[; rbe[ow., “passar por”, “fechar os olhos”, “ir além” (cf. Pr 19,11; Am 7,8; 8,2).

Zapff578 observa que essa confissão a YHWH como o Deus que passa por cima

das transgressões é empregada numa situação concreta, na qual é pronunciada a

expectativa de que YHWH perdoa a culpa de Jacó e Israel,censurada no Livro de

Miquéias.

O texto hebraico acrescenta para quem se dirige à indulgência: “para o resto

de tua herança”. A idéia de pertença, apontada no termo tyrIaev. inicia a profecia

concernente com a redenção do “resto”- uma palavra que se encontra

repetidamente nas profecias de promessa no livro de Miquéias (cf. 2,12; 4,7; 5,6-

7[7-8]579. No entanto, aqui neste verso, ela está acompanhada da palavra Atl'x]n:

(única ocorrência em Miquéias) e enfatiza a íntima e particular relação do “resto”

com Deus.

Parece, dessa forma, restringir a amplitude do perdão divino em contraste

com os outros textos nos quais nunca aparece essa restrição ou qualquer outra.

Encontramos uma frase semelhante em 7,14, expressa da seguinte forma:

“rebanho de sua herança”. Em 2 Rs 21,14, temos: “resto de minha posse”; mas,

neste texto, Israel será entregue nas mãos do inimigo580. Isso significa a destruição

total de sua existência. Por outro lado, perdoar, fechar os olhos para a rebelião, ser

tolerante para o resto de sua herança, significa nada menos do que uma revogação

575 “Deus disse: pareça comigo” - como eu respondo ao mal com o bem, assim também você deve retribuir o mal com o bem. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 103, p. 211. 576 Cf. Ex 34,7; Lv 16,16; Nm 14,18; 1 Rs 8,50; Is 43,25; 44,22; Mq 7,18; Sl 32,1. 577 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 204. 578 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 201. 579 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 229. 580 Waltke ainda vê uma alusão intertextual com Ex 34,7 e Nm 14,18 – onde ambos os termos, ‘AwOn e peHa‘, são objetos de nAWA. Deus mostrou sua glória no início da história de Israel, quando perdoou ao povo no episódio do bezerro de ouro (Ex 34,4-7). Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 762.

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de toda a profecia de juízo. Assim, com a vida renovada, há um futuro. Os que

sobreviverem podem esperar o perdão da culpa.

O tema da ira (@a;) de YHWH é mencionado novamente, mas, nesse

contexto, tem seu conceito alargado – Deus não persevera em sua cólera. O

perdão é o fim da ira de sua ira. A negativa verbal da frase d[;l' qyzIx/h,-alo afirma

sua capacidade de ser benevolente (ds,x,), mesmo ao povo infiel. Mays581 observa

que este livro inicia com o retrato do advento da ira de YHWH e conclui com um

louvor à sua misericórdia. Embora, com justiça, esteja ofendido por causa do

pecado do povo, Deus não retém seu julgamento, está disposto salvar o povo. O

que caracteriza YHWH é seu amor inabalável; Deus delicia-se em sua

misericórdia. Esse tema, que apresenta a benevolência de YHWH, disposto a pôr

fim à sua ira, manifestada pelo castigo, aparece em Ex 34,6 e sobretudo nos

salmos que lhe fazem eco (cf. Sl 25,10; 30,5-6; 32,10; 33,5; 34,9; 57,4.11;

59,11.17; 130,7; 136,1-26[26 vezes] etc). Vuilleumier582 acrescenta que é também

um tema característico dos profetas (cf. Jr 3,12; Is 43,25, etc), porque prefere o

amor: ele é bem mais disposto a distribuir seus benefícios aos homens.

A vitória que YHWH obtém é aquela de sua misericórdia sobre a sua cólera;

de seu perdão sobre a sua condenação. Nos textos bíblicos, encontramos

freqüentemente a oposição: ira/misericórdia- as manifestações concretas dessas

características são nitidamente distintas, mas, no procedimento, perfeitamente

justas: a primeira é subordinada à segunda. Aquele que é misericordioso abandona

a manifestação da ira (cf. Sl 6,2-3; 78,10; etc)583. YHWH, essencialmente,

compraz-se em misericórdia. Este é o fundamento de seu perdão. O v. 18s não

acentua a confissão de pecados nem a segurança do perdão divino, mas enfatiza a

bondade divina. O povo está consciente de que não merece essa misericórdia e

esse perdão584.

581 Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 166. 582 Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 88. 583 Cf. BOVATI, P., Ristabilire La Giustizia, p. 136. 584 Kessler mostra que, no conteúdo, o texto recorre à fórmula muitas vezes usada na literatura bíblica (cf. Nm 14,18; Sl 103,8-13), estabelecida da forma mais abrangente em Ex 34,6s.: “YHWH, Deus compassivo, clemente e longânime e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado...”. O que o v. 18 formula como afirmação hínica-preditiva sobre Deus, o v. 19 transforma em uma súplica confiante para o futuro. Cf. KESSLER, R. Micha, p. 310.

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O v. 19 continua a celebração do perdão divino, mas há aqui, uma transição

para a forma verbal yiqtol. O juízo é dado, mas há esperança. O profeta, então,

aponta para o futuro e proclama que YHWH é Deus, irá novamente ter compaixão

com seu povo. Em virtude de seu amor, removerá totalmente o pecado que destrói

o plano de salvação. É na ação de ~xr divino, na atuação de Deus para com o

pecador, que se ancora o restabelecimento da relação. E aqui designa o amor

renovado de YHWH para com a comunidade reunida de Sião585. Todas as

sentenças desse versículo expressam o ato do perdoar divino de maneira original.

O ~xr piel está em oposição à cólera divina, pois esta suspende a verdadeira

relação do povo com Deus (cf. Dt 13,18; Is 54,8; 60,10; Hab 3,2; Zc 1,12; 10,6).

Em geral, esse verbo está unido às afirmações sobre Deus. Em alguns textos, o

perdão, expresso pelo ~xr piel, é pressuposto para a nova concessão da comunhão

com Deus, rompida pelo pecado (cf. Is 55,7; Mq 7,19; ver também 1 Rs 8,50,

onde YHWH atua indiretamente e Dn 9,9). Assim, o pecador pode reatar a sua

relação com Deus, que manifesta a sua misericórdia, carregando consigo a culpa

do povo586. Essa manifestação divina é ilustrada como o amor da mãe para com o

seu filho: Is 49,15; Os 14,3; Zc 10,6; Sl 102,13; 103,4.13; 116,5; 119,156.

Como foi analisado anteriormente, o povo pecou contra YHWH, mas a sua

culpa será carregada pela misericórdia divina, que a destruirá. O pecado é

retratado como um inimigo conquistado por Deus e do qual libertou o seu povo.

Para Knierim587, esta é uma fórmula em confissão de esperança e lamentação (cf.

Is 64,6; Jr 14,7; Mq 7,19; Sl 130,8; Lm 2,14; 4,22; Esd 9,7). Deus oferece a

solução para o pecado - o problema da humanidade. YHWH subjuga as

iniqüidades do povo. Embora o povo seja devedor, Deus irá destruir “a culpa” de

Sião. O verbo utilizado, vbk, significa “destruir” ou “violentar” (Et 7,8)588. Essas

colocações descrevem a profunda relação pessoal do orador com Deus, revelam

sua dependência e demonstram total confiança de que YHWH salvará Sião. O

orador identifica- se com Israel, ao utilizar a primeira pessoa do plural.

585 Cf. SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, p. 578. 586 Cf. H. J. STOEBE. “~xr”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 957. 587 O autor elenca uma análise do uso da expressão nos diversos gêneros e situações, colocando em evidência tanto o perdão, como os outros sentidos que decorrem do conceito. Cf. R. KNIERIM. “!wO[”.In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 315.

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O povo confia que YHWH vá “lançar todos os seus pecados nas profundezas

do mar”. O pecado será lançado tal como uma pedra jogada nas profundezas do

mar. Segundo Jn 2,4, no “coração do mar”, ou seja, no lugar de onde não há

retorno. Tal gesto simboliza um perdão radical, porque indica a maior destruição

possível do pecado. Deus não mais se lembrará do pecado de Israel.

Barker589 observa que o total esquecimento do pecado e a remoção da culpa

para sempre nos remetem à passagem de Jr 50,20; Is 38,17; Sl 103,12; Jr 31,34 e

Is 43,25; 44,22; Sl 51,1.9. Esta imagem também se compreende bem no confronto

com Ex 15,1-5, que possui a mesma linguagem desta unidade: compara o ato de

perdoar com a libertação no Êxodo do poder dos egípcios. O texto descreve a

destruição feita por Deus de todo o exército do Faraó, inimigo de Israel. Se

tomarmos tal compreensão, o pecado então é personificado como um inimigo, que

o Senhor subjuga e destrói para não ameaçar mais o povo. Os pecados de Israel

são implicitamente personificados como o faraó e seus carros de combate. Ex

15,4-5 diz da destruição de todo o exército do Faraó, inimigo de Israel, atirado nas

profundezas do mar como uma pedra, por YHWH.

Bernini entre outros590 concorda com a idéia de que os pecados são como os

inimigos de Israel, porque trazem desgraça para ele. Uma vez que YHWH os terá

submergido no mar, não prejudicarão mais a Israel. A inimiga será pisoteada e

permanecerá no lugar, mas os pecados, ao serem lançados nas profundezas do

mar, serão eliminados para sempre. Tal metáfora ajuda a manter o estilo e a

imagem vigorosa de Deus. Essa cena representada, numa linguagem figurativa,

recorda-nos a dramática cerimônia do bode expiatório, que simbolicamente

carrega os pecados de Israel para um local deserto591. Deus não é somente aquele

que liberta das situações exteriores, mas, antes de tudo, o Deus que sabe perdoar.

O último versículo do Livro de Miquéias continua o tom suplicante e de

confiança dos vv. 18-19. Este versículo muda o problema do pecado e focaliza-se

no resultado do perdão: depois da firme confiança na certeza do perdão, a ardente

súplica a YHWH de ver realizadas as promessas de Deus aos patriarcas de Israel,

588 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 307. 589 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 135. 590 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 352. Veja também: WOLFF, H. W., Micah, p. 231; VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 88.

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que são o bem maior para o povo eleito. As promessas de YHWH, as mais

antigas, são irreversíveis. Elas se realizam certamente, pois Deus é o mesmo

ontem, hoje, eternamente592.

Segundo Deissler593, a fidelidade e benevolência divinas já se encontravam

nos textos antigos, tais como Ex 34,6; Nm 25,12. Estes dois conceitos são

retomados da fórmula de Ex 34,6s e repartidos no paralelismo dos vv. 20a e 20b,

nos quais os patriarcas, Jacó e Abraão, também estão dispostos. Somos

transportados aos tempos dos Patriarcas, quando YHWH, segundo Gn 22,16, jura

a Abraão e a seus herdeiros, na promessa, a sua bênção (veja também Gn 12,3;

24,7; 26,3; 13,15; 15,18-21; 17,7-8.13.19.21; 28,13-14; 35,10-12; 48,4; 50,24; Ex

6,8; 13,5.11 e Dt 1,8.35; 4,31).

Quando YHWH abençoou Jacó (cf. Gn 28,13-14), prometeu também uma

numerosa e perpétua descendência. Jacó e Abraão, os grandes ancestrais,

encontram-se paralalemamente associados em Is 41,8. Também Is 41,1 apela para

as promessas dos patriarcas, para infundir, nos exilados, a confiança na

restauração. Tanto Jacó quanto Abraão possuem aqui valor individual e coletivo.

Entre os autores594, há um consenso de que a referência aqui não é aos patriarcas,

mas às futuras gerações de israelitas, que são os filhos de Jacó e a semente de

Abraão. Por isso, Israel compreende seu futuro à luz do perdão soberano de

YHWH de todas as suas culpas, chamando a si próprio de Abraão e Jacó. O

profeta não pede o cumprimento das promessas em favor dos patriarcas

pessoalmente, senão em favor dos povos que eles representam. E aqui o povo de

Deus é nomeado, Jacó e Abraão. Deus cumprirá sua verdade e promessa, feita a

Abraão e Jacó. Abraão traz a promessa de uma numerosa e perpétua posteridade

(cf. Gn 22,16).

É interessante observar que Abraão raramente é mencionado fora dos textos

do Gênesis e do Pentateuco. Nos livros proféticos, apenas em Is 29,22; 41,8; 51,2;

591 “ That ritual leaves the impression that sins were believed to be effectively disposed of by this means. We know of no matching concretized dramatization of the idea that God can get rid of sins by throwing them into the sea. Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 598. 592 Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 88. 593 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 358. 594 Segundo Wolff: “When “Abraham (along with “Jacob”) is named as the recipient of the promise made under oath, this – as with “Jacob”- does not mean the patriarch as person (as is the case in Isa 51:2; 63:16); rather, it refers (unique in the Old Testament!) to the present generation and their offspring, who are called “the remnant of this possession” in v.18aB, and who in Isa 41:8

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63,16; Jr 33,26; Ez 33,24. A singularidade do versículo encontra-se no fato de que

Abraão significa coletivamente Israel. Esta oração supõe a consciência de ser

descendente e herdeiro dos patriarcas e, portanto, objeto das promessas feitas a

eles para a posteridade. Fora isso, apenas de vez em quando, fala-se da “semente

de Abraão”, ou seja, sua descendência (cf. Is 41,8; Jr 33,26; Sl 105,6; 2Cr 20,7);

enquanto, por outro lado, a personificação dos israelitas como “Jacó = Israel” é

muito comum (cf. Mq 1,5; 3,1.9)595. A finalidade de todos os procedimentos de

Deus com Israel é o cumprimento da sua promessa a Abraão e à sua descendência.

A fidelidade às promessas é motivada pelo juramento que Deus fez aos Pais,

selando, assim, de maneira mais solene, suas promessas. Todas essas promessas

vão ser lembradas e esperadas pelo redator do final do livro de Miquéias. O autor

vê uma correspondência entre tempo antigo e tempo final (cf. Mq 5,1; 7,14s.) e

confia que o juramento feito “desde os dias antigos” vai agora ser cumprido. A

mensagem de julgamento de Miquéias não tem a palavra final. É a mensagem de

salvação que é proclamada. Deus se mostra cumpridor de suas promessas. Sua

misericórdia coincide com sua lealdade.

Os profetas evocam regularmente as tradições ligadas ao Êxodo (cf. Os

2,16-17; 8,1; 11,1; Am 2,9-11 etc). Sem dúvida, Miquéias conhece também a

tradição do Êxodo de Israel, mas, em particular, o profeta, no texto estudado,

anuncia ao povo que, este se beneficiará novamente dos prodígios de YHWH.

Pode-se observar que Mq 7,14-20 destaca uma forte conexão com passagem da

vitória do Mar Vermelho596. Os dois textos apresentam a imagem de Deus

completamente original, de um Deus que afunda seus inimigos (egípcios e os

pecados) dentro das profundezas do mar (cf. Ex 15,1-4 e Mq 7,19). Assim, como

nos tempos antigos, havia lançado as tropas do faraó do Egito, inimigo de Israel,

nas profundezas do mar, fará o mesmo com os pecados de Israel, aqui

representado como inimigo de Israel. E principalmente os dois hinos celebram a

incomparabilidade de Deus com a questão: Quem é tão bom quanto YHWH? (cf.

Ex 15,11 e Mq 7,18). Enquanto a canção de Moisés percebe a vitória do Senhor, a

are correctly named ~h'r'b.a; [r;z< (“offspring of Abraham). Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 231. Ver também HILLERS, D. R., Micah, p. 87. 595 Cf. KESSLER, R., Micha, p. 311. 596 Os pontos de contato são muitos: em ambos o inimigo treme (cf. Ex 15,14 e Mq 7,17), estremece (cf. Ex 15,15e Mq 7,17) e torna-se mudo (cf. Ex 15,16 e Mq 7,16). Em ambos os Senhor

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visão de Miquéias enfrenta, de frente, confiante a maior maravilha divina – o seu

amor. Deus irá perdoar Israel porque seu amor é mais forte do que sua ira. O

anúncio de julgamento não é a última palavra de Deus.

As promessas feitas aos pais de Israel serão cumpridas no futuro. Uma vez

mais, a solidariedade do povo com sua origem e aliança constitui a base do

tratamento dispensado por Deus ao remanescente (Sl 105,8-11). Com essa súplica

confiante termina o Livro de Miquéias – o redator redireciona as palavras

proféticas e, mais importante, demonstra que não há uma única locação –

geográfica e social – que efetue profundamente o que ele diz teologicamente:

Deus é amor. O pecado não invalida a promessa divina. Essa asserção da

incomparabilidade de YHWH torna-se a conclusão doxológica para o livro

todo597.

Em suma, o nosso texto destaca a noção de um Deus cuja ação é

fundamentalmente orientada por uma preocupação redentora: a salvação do ser

humano está no centro de seu projeto. A reconstrução de Sião não poderia ser

apenas ou puramente material, porque refere-se à volta da relação com YHWH.

Entretanto, apesar de seu profundo e intenso desejo de se relacionar com o ser

humano, Deus não se impõe. Ele emprega todos os meios possíveis para conduzir

os homens e as mulheres em direção a Ele, mas seu chamado insistente

permanece, apesar de tudo, um convite aberto.

O livre arbítrio, este atributo maravilhoso, que nos faz seres preciosos e que

reflete profundamente a imagem de Deus em nós, permite-nos acolher ou rejeitar

o convite divino. Todavia, mesmo se a ação redentora na história é

constantemente frustrada por esse fator determinante, constituído pelo mistério da

liberdade humana, Deus persiste, apesar de tudo, a chamar todos os homens e

mulheres a se unirem a Ele no cumprimento de seu grande projeto para a

humanidade. É, essencialmente, essa verdade que o livro de Miquéias retrata: o

triunfo do AMOR.

faz prodígios (cf. Ex 15,11 e Mq 7,15), mostra seu amor fiel (cf. Ex 15,13 e Mq 7,18-19) e refere-se a Israel como seu herdeiro (cf. Ex 15,17 e Mq 7,14.18). 597 “Only Psalm 103 is comparable to it in the Old Testament. More will be said in connection with the sixth-century prophets about their hope for eschatological forgiveness, but this passage, with its present-tense language, reminds us that every age, no matter how hopeless the prospects seemed to be, there were faithful people who maintained a close relationship with their God”. Cf. GOWAN, D. E., Theology of the Prophetic Books. p. 59.

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Essas considerações devem ser ampliadas, deixando-se derivar delas outras

indicações, para que o livro de Miquéias possa ser compreendido a partir do ponto

de vista do cap. 7. “Like a day begins with a dark, foreboding sky but ends in

golden sunlight, its chapter begins in an atmosphere of gloom and ends in one of

the greatest statements of hope in all the OT”598.

598 Cf. WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 440.

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4. Aproximações intertextuais entre Miquéias e os outros profetas

A partir dos estudos sobre a unidade dos Profetas Menores, percebemos a

existência de indícios literários que apontam para as muitas inter-relações entre

esses livros599. Nosso objeto de pesquisa seria, então, avaliar essa conexão entre

os textos de Miquéias e os de outros profetas, para verificar até que ponto os

mesmos formam uma unidade literária. Dessa maneira, o objeto deste estudo não

é fazer uma comparação redacional entre o Livro de Miquéias e os demais livros

dos Profetas Menores, mas analisar os possíveis aspectos de intertextualidade

entre o texto final de Miquéias e os livros que o circundam, com o interesse em

retratar um cenário emergente de paz entre as nações e Israel. Trata-se de textos

ou complementações posteriores, introduzidos em um trabalho literário, que

sugere uma relação histórica e teológica com a coleção dos Livros dos Profetas

Menores

P. Redditt600 apontou as possíveis transições literárias de Mq 7 junto a Na

1,2-8: ligação presente no início e no final dos livros. No entanto, é mérito de J.

Nogalski601 ter chamado a atenção para as visíveis conexões entre o semi-

acróstico em Na 1,2-8 e Mq 7. Para este autor, Na 1 foi refeito com vistas a Mq 7

e ligado a este por meio de vocábulos, que parcialmente destruiu o esquema

alfabético de Naum: as linhas d, z e y, assim como a inserção no v. 2b.3a.

Enquanto Nogalski pensa que esta fusão foi feita devido ao já existente Mq 7, para

Zapff602, tal fusão do semi-acróstico deve ser vista no contexto de Mq 7, capítulo

considerado em várias partes como continuação redacional do livro. Na visão

599 A análise apresentada do livro dos Doze visto como uma unidade literária sugere que a forma final dos livros (no TM) era uma tentativa de direcionar a sua interpretação. As hipóteses analisadas indicam que a compilação é o resultado da interpretação dos livros individuais dentro da coleção. Essas interpretações distinguiram-se entre os livros individuais, mas não obstante reconheceram um sentido de unidade que torna a compilação coerente e significante. 600 Cf. REDDITT, P. L., “The Production and Reading of the Book the Twelve”, SBL. SP 36,(1997), pp. 394-420. 601 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors, 39; Redactional Processes, pp. 93-111.

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deste autor, a posição do Livro de Miquéias entre Jonas e Naum não seria um

acaso - reflete-se nele a seqüência das diferentes perspectivas dos povos dos livros

de Joel, Jonas e Naum. O julgamento dos povos diante de Sião no Livro de Joel

encontraria sua correspondência em Mq 4,11-14 e 7,10. À prometida possibilidade

de conversão dos povos em Jonas e à disposição para o perdão de YHWH,

corresponderia a peregrinação dos povos para Sião em Mq 4,1-3 e Mq 7,12. O

julgamento definitivo sobre todos os povos que “não obedecem”, a saber, que não

peregrinaram para Sião (Mq 5,14; 7,13) deveria ser procurado em Naum 1, onde,

conseqüentemente, diferencia-se entre os “inimigos de YHWH” (Na 1,2b) e

“aqueles que procuram abrigo em YHWH” (Na 1,7).

Especialmente nítida, para Zapff, torna-se a relação elaborada entre Mq 7 e

Na 1 através da alusão à fórmula de misericórdia em Ex 34,6s, também observada

em Mq 7,18s. Se, em Mq 7,18s o texto serve para fortalecer a confiança de Israel

na benevolência divina, que renuncia de sua ira sobre Israel, a referência a Ex

34,6s em Na 1,2s presta-se para certificar que, apesar da paciência de YHWH, seu

juízo se voltará contra seus inimigos. O texto de Ex 34,6s é mencionado em Mq 7

com vistas a Israel, e talvez também aos povos dispostos a se converterem (Mq

7,17), como fundamento da disposição para o perdão de YHWH, enquanto que em

Na 1,2 isso é exatamente causa do juízo de YHWH sobre seus inimigos.

Desta forma, Mq 7,18 ligaria a interpretação de Ex 34,6 ao livro de Joel com

vistas a Israel e, no livro de Jonas, com vista à Nínive pronta para a conversão -

mundo dos povos. Por outro lado, Naum frisa o declínio de Nínive – interpretado

através de Na 1,2 sobre os inimigos de YHWH – por meio da mesma referência

(Ex 34,6s), porém, sob a já mencionada mudança. Esse desejo se vê confirmado

através de uma outra analogia de conteúdo entre Mq 7 e Na 1. Assim, a

incomparabilidade de YHWH em sua disposição ao perdão, destacada em Mq

7,18, encontra seu correspondente em Na 1,6, em que ninguém consegue subsistir

diante da ira de YHWH.

Nogalski ainda observa que as conexões entre o texto acróstico de Na 1,2-8 e

o salmo de Jn 2,3-10 demonstram elos intencionais entre Miquéias e o contexto

literário dos Doze. Na sua opinião, ambos os textos, Na 2,1-8 e Jn 2,2-10, são

602 Cf. B. ZAPFF, “Die Völkerperspektive des Michabuches als “Systematisierung” der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum?”, BN 98 (1999) 86-99.

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adições tardias em seus respectivos livros, que são chamados a estabelecer elos

com os outros livros proféticos dentro dos Doze.

Além disso, haveria vários elos temáticos e de conteúdo entre o livro de

Jonas e o de Miquéias, que Nogalski explica ser o livro de Miquéias uma

referência consciente, de uma redação continuada, de um já existente livro de

Jonas. Assim, é digna de nota, a observação de que essas alusões se encontram,

sobretudo em Mq 7 - capítulo que também desempenharia um papel decisivo na

ligação do livro de Miquéias com o de Naum.

Tendo em consideração os dados acima referentes aos contatos literários

entre Miquéias e os outros Profetas Menores, verificaremos se essas ligações,

apontadas pelos autores, funcionam realmente como pontes entre os escritos; em

caso positivo, qual a sua função, e se devem a um processo redacional ou ao

“princípio da coleção;” ou se estão lá por acaso e foram posteriormente

exploradas pelos hagiógrafos. Formariam eles realmente uma ponte com esses

outros livros de modo a permitir uma leitura contínua dos mesmos? Em caso

positivo, de que tipo seria essa inter-relação, que pressuporia relações literárias no

conjunto dos Profetas Menores?Assim, o trabalho desses autores será revisado

objetivando essa nova perspectiva: um amplo horizonte literário e histórico entre

os textos.

Partimos da hipótese de que a relação literária entre os livros não pode ser

considerada acidental, e que o livro de Miquéias desempenha um papel singular

em relação ao conjunto dos Doze Profetas Menores, pelo menos em relação aos

livros que o circundam. Dessa forma, poderemos lançar luz sobre a problemática

acerca da unidade dos Doze Profetas e, no caso de esta se verificar, conhecer

melhor o desenvolvimento, a unidade e a teologia dos Doze Profetas Menores,

particularmente no que tange ao livro de Miquéias. Teria este livro uma função

que mereceria mais atenção por parte do leitor? O que obrigaria a relação com os

livros proféticos e sua continuidade? Qual seria a pressuposta teologia expressa

neles?

Nessa perspectiva, estudar-se-ão esses indícios literários para se verificar

se eles iluminam ou não a questão do objeto de nosso estudo. Já que essas

relações não são vistas como resultado de um processo redacional, os textos, aqui

apontados, serão analisados, principalmente, a partir de suas qualidades literárias,

das suas inter-relações de temas e vocabulários.

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4.1 Análise das relações de Mq 7,8-20 com Na 1,2-8; 3,15-17, 18-19

O livro de Naum fixa a atenção do leitor em Nínive e na vitória de Deus

sobre ela. É Nínive quem sofre os efeitos da vingança de YHWH. Este tema serve

de compreensão para todo livro de Naum.

Todas as tradições canônicas situam este livro antes do de Habacuc e depois

do livro de Miquéias. O livro de Naum apresenta uma estrutura literária bem

delineada603:

a. YHWH vinga seus inimigos, mas é bom para os que confiam Nele (1,2-10)

b. YHWH destruirá Nínive, mas restaurará Judá (1,11-15 [2,1-1])

c. Descrição nítida do ataque sobre Nínive (2,1-10)

d. Lamento sobre a queda de Nínive (2,11-14)

c. ’Descrição nítida do saque de Nínive (3,1-7)

b.’ Nínive será destruída, ela é venerável como Tebas (3,8-13)

a’. Nínive será destruída pela força da natureza (3,14-19).

A estrutura coloca em evidência a passagem de ordem da execução da

cidade. As unidades compreendem sete partes simétricas, e é estruturada no

modelo 4+3, que reflete o ritmo da elegia hebraica. Além da habilidade literária, o

profeta revela seu amor e humildade diante da graça de Deus.

Na visão de Nogalski,604 o texto de Na 1,2-8 reflete as várias subunidades de

Mq 7,8-20, porém a análise do autor não apresenta um estudo aprofundado dessas

relações, já que não se preocupou com as evidências encontradas nos finais dos

livros junto ao início dos livros subseqüentes no Cânon. Em relação ao

pensamento de Redditt605, devem ser examinados não apenas Na 1,2-8, mas

também o texto final de Na 3,15-17, pois o autor privilegia não só o início, como

também o final do livro. No entanto, este autor não menciona os versículos finais

do livro de Naum (Na 3,18-19), que ocupa um lugar importante neste estudo.

Com essa perspectiva, abre-se aqui a possibilidade de estudar a passagem de

Mq 7,8-20 e Na 1,2-8, com especial atenção para o trabalho já realizado pelos

autores citados acima e o texto final de Na 3,15-17.18-19.

603 Cf. DORSEY, D. A., The Literary Structure of the Old Testament, p. 302. 604 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors, pp. 37-40. 605 Cf. REDDITT, P. L. “The Production and Reading of the Book the Twelve”, SBL. SP 36 (1997), pp. 394-420.

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4.1.1 O texto de Na 1,2-8

Os versículos iniciais do livro de Naum formam um prólogo dominado pela

revelação do eterno poder de Deus. O profeta retrata YHWH como um Deus

ciumento para com o seu povo, um Deus que guarda vingança contra aqueles que

violam sua justiça, mas acima de tudo, um Deus que não perde o controle de sua

ira. Percebe-se que a estrutura alfabética deste salmo encontra-se isolada do resto

do livro. YHWH é um Deus ciumento e vingador!606 v.2a hw"hy> ~qenOw> aANq; lae YHWH é vingador e cheio de ira! v. 2b hm'xe l[;b;W hw"hy> ~qenO YHWH se vinga de seus adversários v. 2c wyr'c'l. hw"hy> ~qenO Ele guarda rancor para seus inimigos. v. 2d `wyb'y>aol. aWh rjeAnw> YHWH é lento para a ira, v. 3a x;Ko -lAdg>W ~yIP;a; %r,a, hA'hy> Mas a nada deixa YHWH impune. v. 3b hw"hy> hQ,n:y> al{ hQen:w> Na tormenta e na tempestade é o seu caminho, v. 3c AKr>D; hr'['f.biW hp'WsB. E a nuvem é a poeira de seus pés. v.3d `wyl'g>r; qb;a] !n"['w> Repreende o mar e a seca, v. 4a WhveB.Y:w: ~Y"B; r[eAG E a todos os rios Ele faz secar. v. 4b byrIx/h, tArh'N>h;-lk'w> Murcham Basã e o Carmelo, v. 4c lm,r>k;w> !v'B' ll;m.au E murcha a flor do Líbano! v. 4d `ll'm.au !Anb'l. xr;p,W As montanhas tremem por causa dele, v.5a WNM,mi Wv[]r' ~yrIh' E as colinas desfazem-se, v.5b Wgg"mot.hi tA[b'G>h;w> E a terra é carregada diante dele, v.5c wyn"P'mi #r,a'h' aF'Tiw: O universo e todos os seus habitantes. v.5d Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> Diante de sua cólera quem subsistirá? v.6a dAm[]y: ymi Am[.z: ynEp.li E quem se levantará diante do ardor de sua ira? v. 6b APa; !Arx]B; ~Wqy" ymiW Seu furor derrama-se como o fogo, v. 6c vaek' hk'T.nI Atm'x] E os rochedos são destruídos diante dele. v.6d `WNM,mi WcT.nI ~yrICuh;w> YHWH é bom; v. 7a hw"hy> bAj Ele é fortaleza no dia da atribulação. v. 7b hr'c' ~AyB. zA[m'l. Ele conhece aqueles que nele se refugiam, v. 7c `Ab ysexo [;deyOw> Na inundação transbordante. v. 8a 607rbe[o @j,v,b.W

606 Há duas propostas de leitura para o v. 2a: uma única oração: “Um ciumento e vingador Deus é o Senhor;” ou “O Senhor é um ciumento e vingador Deus; e duas orações paralelas: “Deus é ciumento e o Senhor vinga”. A última reflete a LXX. A acentuação massorética e a sintaxe hebraica amparam a primeira, ou seja, lê-se os dois termos juntos ~qenOw> aANq; (ciumento e vingador). O adjetivo an'q; (ciumento) refere-se apenas a Deus; aANq lae aponta para o zelo de Deus protegendo o seu povo - sua ira direciona-se ao julgamento contra seus inimigos (cf. Js 24,19). Veja BDB 888. 607 Alguns estudiosos ligam esta oração com a anterior: “Ele protege aqueles que nele se refugiam em uma inundação transbordante”. Porém, outros conectam com a oração seguinte: “Mas com uma inundação transbordante, ele dará um completo fim neles (Nínive)”. Tsumura sugere que esta oração traz duplo sentido e poderia ser lida com ambas as linhas; conectando com a precedente, cria um paralelismo e uma métrica balanceada. Unida com a linha seguinte, harmoniza com Na 2,9, que descreve a queda de Nínive pela força das águas. Cf. TSUMURA, D. T. “Janus Parallelism in Nah 1,8”, JBL 102 (1983) 109-111. Esta frase pode ser um exemplo de ambigüidade

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Aniquilará com todos no seu lugar, v. 8b Hm'Aqm. 608hf,[]y: hl'K' Perseguirá os inimigos até as trevas. v. 8c 609`%v,xo-610@D,r;y> wyb'y>aow>

A disposição concêntrica do texto Na 1,2-8 permite visualizar a dinâmica do

poema, tendo YHWH como sujeito e sempre posicionado em relação aos inimigos

e adversários611:

a. A vingança de YHWH sobre seus inimigos e adversários (1,2)

b. Atributo de YHWH: paciência divina (1,3a)

c. Efeitos da ira de YHWH: vias navegáveis secam e a vegetação murcha (1,3b-4)

d. Toda a terra treme diante de yhwh (1,5)

c’. Efeitos da ira de YHWH: fogo (1,6)

b’. Atributo de YHWH: bondade para com aqueles que confiam Nele (1,7-8a)

a’. A vingança de YHWH sobre seus inimigos e adversários (1,8b-10).

O texto organiza-se em sete partes, apresentadas de forma simétrica em

torno do v. 1,5: “toda a terra treme diante de YHWH”. Os vv. 2-3a apresentam

YHWH e os dois aspectos de sua teofania, que corresponde aos versículos finais

(vv. 7-8a), onde encontramos também a dupla ação de YHWH. Em torno do

versículo central, temos os efeitos da teofania. Dois complementos são evocados

aqui: água e fogo (vv. 3b-4.6). Esse tipo de estrutura corrobora a delimitação da

unidade literária612.

intencional: Deus protege seu povo de toda a calamidade e usa sua força para destruir seus inimigos. O profeta torna a enfocar aqui a ira de Deus. 608 A raiz hebraica hf[ possui uma gama de significados; no campo da existência, inclui claras ações de Deus. O uso nesta oração está no sentido negativo – “Deus aniquilará” (cf. Jr 4,27; 30,11; Ez 11,13; Na 1,8; Sf 1,18). Cf. ALONSO SCHÖKEL, Dicionário Bíblico Hebraico-Português, 522. O TM lê Hm'Aqm. (seu lugar) amparado pelo Manuscrito do Mar Morto (mqwmh 4QpNah) e Símaco (th/j to,pou/). A leitura da LXX tou.j evpegeirome,nouj (aqueles que se levantam) reflete na Vg e Tg. A BHS propõe emendar o TM a favor da tradição grega. No entanto, TM faz sentido como está. 609 As trevas são também conotações metafóricas da maldade e do julgamento (cf. Sl 82,5; 88,12; Pr 4,19; Is 8,22; 42,7; Jr 23,12). O Senhor guarda a sua justiça (vingança) para aqueles que abusam dos outros, principalmente dos que abusam de seu povo. Estes não escapam de Deus da punição divina. A ênfase do hino está no poder de YHWH para julgar - salvará aquele que tiver conhecimento de sua graça e paciência, aquele que se refugia Nele. 610 A BHS propõe uma emenda do verbo @dr na forma piel yiqtol para a forma qal. O TM pode ser conservado, pois está amparado pelas versões. 611 Cf. DORSEY, D. A., The Literary Structure of the Old Testament, p. 302. 612 Outros autores tais como, Renaud e Tournay, delimitam o hino ao v. 8 apoiados pela sua estrutura alfabética. Para estes autores, o texto é composto também de uma estrutura concêntrica, de dois desenvolvimentos de três versículos relativos à pessoa de YHWH, às vezes, vingador e misericordioso; situados, o primeiro no início (vv. 1,2-3a); e o segundo no final (1,7-8), encadeados pela teofania (1,3b-6). Cf. RENAUD, B., Michée, Sophonie, Nahum (Sources Bibliques) Paris, 1987, 276; TOURNAY, R., “Le Psaume de Nahum”, in RB 65 (1958), 328-335.

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191

4.1.2 Estudo da intertextualidade entre Miquéias e Naum

Ambos os livros relatam a teofania de julgamento de YHWH. Miquéias

inicia seu livro descrevendo uma teofania de julgamento sobre Judá. Esta terá o

mesmo destino de Samaria. E Naum principia com o poema semi-acróstico de

julgamento universal cujo foco é a destruição da Assíria. Os elementos teofânicos

vistos nesse acróstico são semelhantes aos encontrados no livro de Miquéias (cf.

caps 1 e 6). Ambos utilizam imagens simbólicas de Deus: Mq 1,3-4 apresenta:

“YHWH desce e pisa sobre os altos da terra”; “debaixo dele os montes se

derretem”; Mq 6,1-2: “ouvi montanhas...e vós inabaláveis fundamentos da terra”.

Na 1,3-5: “Na tormenta e na tempestade é o seu caminho, a nuvem é a poeira de

seus pés...ameaça o mar e a seca”; “a terra é devastada diante dele”. Assim, o

contexto é familiar aos dois profetas613.

Na 1,2-8 apresenta Deus como o Senhor do Universo, com o domínio total

do céu e da terra; em Mq 7,8-20 YHWH controla o destino de todas as nações.

Nada pode deter o seu poder. A força e o poder de Deus são inescrutáveis. Isso é

confirmado claramente nos textos, pelo uso repetido do nome divino - a imagem

de YHWH é o foco primário de atenção desses profetas.

O vocabulário de Naum denota coragem na sua proclamação de julgamento

contra o poder totalitário. Todo o objetivo deste profeta é descrever o fim de

Nínive (poder, riqueza, violência sobre os dominados), por isso, usa uma

linguagem extremamente violenta, assim como Miquéias – suas duras palavras

representam inconformidade com a injustiça. O contraste é que em Miquéias são

os próprios líderes gananciosos que oprimem o povo.

Mq 7,8 inicia com o pedido para que sua inimiga não se alegre com a sua

desgraça, e Naum termina o livro com Judá entre outros se alegrando com a

destruição da inimiga (cf. Na 3,19). A alegria não representa uma atitude jubilosa

contra o inimigo, mas pelo prazer da vindicação de Deus e de suas promessas.

613 A teofania é descrita em outros textos do AT; ainda nos livros proféticos temos Habacuc, que conclui seu livro com uma teofania, que anuncia o fim do inimigo, a Babilônia. Sofonias retrata no início de seu livro, a teofania de um julgamento em Jerusalém. Todas as quatro teofanias (Mq; Na; Hab e Sf) sugerem um julgamento universal, mesmo apontando para entidades específicas. Para uma leitura relacionada a esses textos cf. JEREMIAS, J. Theophanie. Die Geschichte einer alttestamentlichen Gattung. (WMANT 10) Neukirchen, 1965, p. 108.

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Mq 7,9 mostra Sião submissa à ira de YHWH (aF'a, hw"hy> @[;z:), após o

reconhecimento da sua culpa. No entanto, ela confia e espera que Deus cumpra o

seu direito, a saber, “até” a hora devida. Sua espera, portanto, não é interminável.

Na 1,2 sublinha a paciência de Deus, mas afirma que Ele não esquece os delitos

dos seus adversários. O profeta usa a expressão verbal wyb'y>aol. aWh rjeAnw> (e guarda

a vingança para com seus inimigos), sugerindo que Deus conserva a sua ira até à

hora oportuna. São inúteis os projetos dos ímpios, quando YHWH decide fazer

justiça.

Após o reconhecimento da culpa de Sião, Miquéias apresenta a renovação

de Israel, seguida de um pedido a YHWH, que volte a pastoreá-lo. O profeta pede

e tem a confirmação da intervenção divina. YHWH será novamente o seu pastor e

fará novos prodígios (cf. Mq 7,14-15). As nações verão e se envergonharão (cf.

Mq 7,10.16-17). Em Naum, Nínive é destruída e o povo está disperso sobre os

montes sem que ninguém o reúna (cf. Na 3,18-19). Sendo assim, a derrota de

Nínive apresentada por Naum já é vislumbrada no texto de Miquéias através da

humilhação “da inimiga” de Sião (Mq 7,10). Naum revela a identidade da inimiga,

a saber, a Assíria. A cidade será destruída porque YHWH declarou a sua culpa.

Naum narra a ruína do poderoso e cruel império – chegou a hora da

libertação dos oprimidos. Observa-se que o profeta não está especulando sobre a

queda da cidade, mas afirmando de forma minuciosa, como se ele “tivesse visto”

através da visão profética614. Há nesse sentido, uma insistência do profeta. O

mesmo ocorre no texto de Miquéias - por diversas vezes, ele usa o verbo “ver”

enfocando a justiça de YHWH e diz claramente: “eu verei a sua justiça” (cf. Mq

7,9f); “minha inimiga verá” (cf. Mq 7,10a); “meus olhos a verão” (cf. Mq 7,10d);

“as nações verão e se envergonharão” (cf. Mq 7,16a). A proteção de YHWH é

sentida no presente de Miquéias e assegurada no futuro por Naum.

614 O verbo har (ver) exibe toda a espécie de sentidos literal, metafórico e ampliado: har designa a aceitação da palavra de Deus tal como entregue a seus mensageiros designados. Essa aceitação envolve salvação, entendimento e fé. Assim, o ato de “ver” pode referir-se à percepção profética. A visão profética, que, às vezes, assume o caráter de uma previsão, é frequentemente atestada no AT. Em Is 6,10 “ver com os olhos” é ouvir a palavra de Deus, entendê-la e voltar-se para ele. Endurecer o coração para Deus é “fechar os olhos”. har possui o sentido de aceitação, especialmente, por parte de Deus. Deus disse a Noé: “Tenho visto que és justo”. Mas de especial importância é o fato de que este verbo, bem mais do que qualquer outra palavra, é usado para descrever o ato em que um profeta autêntico recebe oráculos da parte de Deus. Cf. har R. D. C. in. R. Laird Harris (org.), Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 2095.

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Especialmente nítida, é a relação entre Mq 7,18-20 e Na 1,2-3a através da

alusão à fórmula de misericórdia em Ex 34,6s615. Enquanto Miquéias recorre ao

texto do Êxodo para fortalecer a confiança de Israel na disposição do perdão

amoroso de Deus que desiste de sua ira, já consumada sobre Israel, Na 1,2 evoca o

Deus lento na cólera, mas que apesar de paciente, seu castigo se voltará para os

seus inimigos. Observa-se que Miquéias apresenta todos os termos principais da

fórmula Ex 34,6, com exceção da palavra “longânime” (%rea'). Ao contrário, os

únicos elementos encontrados em Na 1,2-3 são os que evocam a lentidão de Deus

para se encolerizar. Naum não privilegia a misericórdia de Deus sobre Nínive,

mas apresenta YHWH lento na cólera.

O perdão de Deus a Sião pelos pecados e pelo arrependimento, pode ser

avaliado nesta imagem: os pecados perdoados não são lembrados mais por Deus.

Assim, a incomparabilidade de YHWH em sua total disposição ao perdão

encontra seu correspondente ao castigo, que ocorrerá com Nínive, esta será

destruída e nunca mais reconstruída. Ninguém consegue subsistir diante da ira de

YHWH. Em contrapartida, Sião terá seus muros reconstruídos.

A ênfase final do acróstico de Naum não está no poder do julgamento de

YHWH, mas no conhecimento de sua graça e paciência para salvar aqueles que

refugiam nele. Naum menciona a ira divina, mas descreve também o quanto o

Senhor é bom. Ele é o refúgio e fortaleza para o angustiado na hora da crise (cf.

Na 1,7-8). Miquéias igualmente retrata que Sião incorreu no pecado, sofreu um

castigo, reconheceu a sua culpa, mas sabe e confia que o Senhor é sua luz mesmo

nos momentos de trevas (cf. Mq 7,8-9).

615 Há cinco adaptações características da fórmula do Ex 34,6-7 no livro dos Doze, a saber, em Os 14,3-5; Jl 2,13; Jn 4,2; Mq 7,18-20 e Na 1,2-3. Esta fórmula não parece ter o efeito estruturante sobre o conjunto dos Doze, pois se apresenta diversificada em função do contexto no qual ela se insere. Sua adaptação ao menos nos livros de Miquéias, Naum, Jonas e Joel, permite enriquecer a figura de Deus. Uma marca dessa diversidade é o fato de que a dupla nominação de Deus (lae hw"hy> hw"hy>) não é mencionada da mesma maneira nas citações. Essa fórmula é composta de duas partes: a primeira exprime a misericórdia divina por diversos conceitos (~xr ~xn !nx dsx bwv); a segunda insiste sobre a firmeza da justiça. Os recursos a Ex 34,6-7 não é evidentemente exclusivo dos Profetas Menores, é uma passagem de esperança comum. A parte positiva isolada é vista por Jl 2,13; Jn 4,2; Mq 7,18-19; 2Cr 30,9; Ne 9,17.31; Sl 86,15; 103,8; 11,4; 145,8. A parte negativa isolada se encontra em Jr 30,11b; 46,28b; e a fórmula dupla em Jr 32,18; Na 1,3. Cf. CLEMENTS, R. E., “Prophecy as Literature: Re-appraisal”, in MILLER, D. G., (éd.) The Hermeneutical Quest: Essays in Honor of James Luther Mays on his Sixty-fifth Birthday, Allison Park, 1986, pp. 59-60. Sobre este texto, ver DETAN, R. C., “The Literary Affinities of Ex 34,6s”, in VT 13 (1963), 34-51; SCHARBERT, J., Formgeschichte und Exegese von Ex 34,6f und seiner Parallelen”, Biblica 38 (1957) 130-150; DOZEMAN, T. B., “Inner-Biblical Interpretation of Yahweh’s gracious and Compassion Character”, in JBL 108 (1989) 207-223.

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Naum mostra a imprudência dos que se opõem a Deus e à sua vontade. O

mesmo tema conclui o livro de Miquéias: o profeta aponta o fim daqueles que são

contrários a Deus. A mensagem de condenação é para aqueles que desobedecem,

ou seja, os que não escutam a Deus. A mensagem de consolação é para aqueles

que obedecem a Deus e confiam nele616. Esses textos mostram dois aspectos do

plano de Deus: o Senhor promete que permitirá graciosamente ser encontrado pelo

pecador arrependido, mas o dia da graça virá próximo da sua ira arrebatada sobre

o mundo. Só há dois tipos de povos no mundo: os que estão atentos a Deus e se

esforçam a serem justos diante dele, e aqueles que renunciaram a terem

humildade, confiança no Senhor da salvação, pondo toda expectativa na própria

justificação.

Naum testemunha e cumpre a profecia de Miquéias: Nínive será destruída.

O profeta mostra a ação de Deus presente num julgamento histórico: YHWH,

poderoso na natureza e na história, castiga o inimigo, libertando o seu povo. Ele

anuncia a sentença à nação inimiga e mostra como será a sua execução. Enquanto

Sião reunida caminha protegida para a Jerusalém, os inimigos serão punidos com

a morte – estendida ao mundo pagão.

Os elementos em comum são de uma importância tal que é pouco provável

que sejam efeito de um acaso. Por essas razões, analisaremos quais as afinidades

lingüísticas existente entre os dois livros, que formam uma temática comum.

4.1.3 Averiguação literária entre os textos de Mq 7,8-20 e Na 1,2-8

As descrições do nome divino no livro de Miquéias vêm combinadas com

afirmações feitas por Sião ou pelo profeta. Em 7,20 está implícito que as ações

são realizadas por YHWH, e elas resultam positivamente para Sião. A passagem

que, dentro de uma interpretação teológica, dá significado ao nome de YHWH, é

616 O meio do livro de Miquéias (Mq 4,12) sublinha: “Eles não conhecem os planos de Deus, não compreendem os seus desígnios, pois ele os reúne como feixes na eira.” O profeta fala do julgamento, mas também de toda a esperança no futuro. O plano de Deus é sempre de salvação. O texto de Mq 4,12 faz parte da unidade (4,11-13), que trata de uma libertação realizada em Sião. Os vv 4, 9-10 fazem referência explícita à Babilônia. Hillers aponta que esta referência dificulta datar os versículos a Miquéias, pois o alvo no tempo do profeta era a Assíria. Para o autor, provavelmente, a passagem deriva do tempo de Sedecias, final da monarquia. Cf. HILLERS, H. Micah, p. 39. Para Mays, a data provável seria do tempo de Ezequias. Cf. MAYS, Micah, p. 105.

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Ex 3,14, que expressa a presença operante de Deus em favor do povo eleito617. Em

Mq 7,8.10.17, ocorrem acréscimos ao nome próprio de Deus. Tal disposição

explicita o elemento relacional nele contido: a pertença de Israel a YHWH, e a

ligação particular de Deus a Israel. Miquéias 7,8-20 v. 8 yli rAa hw"hy> – Sião faz uma afirmação: YHWH (é) luz para mim. v. 9 aF'a, hw"hy> @[;z: – Sião carrega ira de YHWH porque reconhece a sua culpa. v.10 %yIh'l{a/ hw"hy> AYa; – onde (está) YHWH teu Deus? indagação irônica da inimiga. v. 17 Wnyhel{a/ hw"hy> -la, – Sairão de seus esconderijos - a YHWH nosso Deus. v. 18 ^AmK' lae-ymi – pergunta retórica do profeta: Quem (é) um Deus como tu? v. 20 ~h'r'b.a;l. ds,x, bqo[]y:l. tm,a/ !TeTi – está implícito que o autor das ações (positivas) é

YHWH. As declarações sobre Deus, apresentadas no poema acróstico de Na 1,2-8

são também importantes. O v. 1,2 inicia com quatro afirmações sobre Deus, sendo

que três delas carregam o nome divino junto ao termo vingança. O v. 1,3 mostra o

Senhor lento na ira, grande em poder. O v. 1,4 oculta o nome de Deus, mas deixa

claro que a ação é realizada por Ele. A conseqüência da ação é negativa para

Nínive. As afirmações encerram no v. 1,7 que se refere à bondade divina:

“YHWH é bom, ele é abrigo no dia da tribulação. Ele conhece aqueles que nele se

refugiam.” Se nos três primeiros versos o autor enfoca o tema da exigente

exclusividade de Deus, nos dois últimos, ele insiste, sobretudo, na bondade divina.

O profeta faz uma justaposição com o poder e a ira de Deus confrontado com a

sua graça e paciência. A bondade e a severidade são dois aspectos indissociáveis

da personalidade divina.

Naum 1,2-8 v. 2 ~qenOw> aANq; lae – YHWH (é) ciumento e vingador – não descuida de seu povo. v. 2 ~qenO hw"hy – YHWH (é) vingador – toma vingança contra qualquer injustiça. v. 2 ~qenO hm'xe l[;b;W hw"hy> – YHWH cheio de ira vinga-se – contra aqueles que pecaram

contra Ele. v. 2 rjeAnw> wyr'c'l. hw"hy – YHWH guarda rancor - de seus adversários. v. 3 x;Ko-lAdg>W ~yIP;a; %r,a, hA'hy> – YHWH é lento na cólera e poderoso

AKr>D; hr'['f.biW hp'WsB. hw"hy – YHWH caminha na tempestade e no furacão v. 4 tArh'N>h;-lk'w> WhveB.Y:w: ~Y"B; r[eAG – está implícito que o autor das ações (negativas) é

YHWH. v. 7 hw"hy> bAj – YHWH (é) bom

617 Cf. “hwhy” Gerhard Von Rad, in E. JENNI E C. WESTERMANN, Diccionario Teologico

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A forma qal particípio ~qeno é usada por três vezes seguidas em Na 1,2. O

significado aqui é vingança contra um povo. Este verbo não é usado nos Profetas

Menores, ocorrendo a raiz apenas mais uma vez em Mq 5,14 como substantivo

(~q'n"). O contexto do texto no livro de Miquéias é o mesmo de Na 1,2: W[mev' al{

rv,a] ~yIAGh;-ta, ~q'n" hm'xeb.W @a;B. ytiyfi['w> (“Com ira e com furor tomarei vingança das

nações que não obedeceram”). Mq 5,14 apresenta outros termos semelhantes ao

texto e Naum (@a;, hm'xe, a mesma forma verbal hf[ de Na 1,8).

O mesmo vocabulário usado na menção do inimigo, das trevas e os

prodígios de Deus em Miquéias é visto no texto de Naum, evidenciando o castigo

que fora anunciado em Miquéias618. Sobressai o merisma – terra, rio, mar, monte

(cf. Mq 7,12-13 e Na 1,4); as localizações importantes na história do povo, tais

como: Carmelo, Basã (cf. Mq 7,14 e Na 1,4)619. Ambos usam as localizações do

Carmelo e Basã, metaforicamente, para descrever a debilidade em que se

encontram: por intermédio da seca, o Senhor faz Basã enlanguescer; em geral,

Basã é rica em pastagens; e o Carmelo, famoso por suas vinhas. Mas o Senhor

pode remover de ambos, a beleza (cf. Is 33,9 e Os 14,7). Toda a natureza e os

seres humanos devem reconhecer e confessar as manifestações divinas no reino da

natureza. Se Deus pode afetar de tal modo a natureza, a Terra e o mundocom seus

habitantes, é claro que homem algum pode resistir com êxito à ira divina.

Segundo Na 1,5, o julgamento da vinda teofânica diz respeito à terra e

aqueles que a habitam. A expressão “seus habitantes” pode ser considerada como

um eco de Mq 7,13. Pode-se dizer que Na 1,5-6 se inspira em Mq 7,13 onde é

apresentada a desolação que vem golpear o mundo por causa do comportamento

de seus habitantes. Embora os textos não apontem circunstância temporal alguma,

a mensagem é certa: Deus julgará seus inimigos.

Manual del Antiguo Testamento II, pp. 967-975. 618 Neste salmo, não se menciona o nome de Nínive nem há alusão sobre a destruição de Nínive, tema central do livro. O mesmo ocorre com o texto final de Miquéias - não é especificada a inimiga retratada. Mas os dois textos (Mq 7,8 e Na 1,2.8) visam diretamente ao poder inimigo de Israel. 619 Estas localidades são encontradas também em: Am 1,2 (Carmelo); 4,1 (Basã); 9,3 (Carmelo); Is 33,9 (Basã, Carmelo e Líbano); 35,2 (Carmelo e Líbano); 37,24 (Líbano); Jr 22,20 (Basã, Líbano); 46,18 (Carmelo); 50,19 (Basã, Carmelo, Galaad); Ez 27,6 (Basã); 39,18 (Basã); Zc 11,1.2 (Líbano; Basã).

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Termos Miquéias Naum

%v,x (trevas) Mq 7,8 - sujeito: Sião; idéia: castigo. Na 1,8 – sujeito: YHWH; idéia: castigo.

~Ay (dia) Mq 7,11 (2x). 12.14.15.20 – vv.11.12: contexto: dia escatológico; vv. 14.15.20: contexto: visão positiva dos dias antigos.

Na 1,7 – contexto positivo: YHWH é bom; fortaleza no dia da angústia para os que confiam Nele.

#r,a, (terra) Mq 7,13. 15.17 – v. 13: sujeito: terra; idéia: castigo; v. 15: referência ao Egito; v. 17: sujeito – nações inimigas arrastarão na terra.

Na 1,5 – sujeito: terra; contexto: efeito do castigo de YHWH.

rh'n" (rio) Mq 7,12 – continuidade com o dia escatológico

Na 1,4 – sujeito: YHWH; idéia: castigo.

~y" (mar) Mq 7,12.19 – continuidade com o dia escatológico.

Na 1,4 – sujeito: YHWH; idéia: castigo.

rh; (monte) Mq 7,12 - continuidade com o dia escatológico.

Na 1,5 – sujeito: montanha; contexto: efeito do castigo de YHWH.

lm,r>K; (Carmelo)

Mq 7,14 – contexto: localização atual de Sião.

Na 1,4 – sujeito: Carmelo; idéia: castigo.

!v'b' (Basã) Mq 7,14 – contexto: localização futura; idéia: benção.

Na 1,4 – sujeito: Basã; idéia: castigo.

APa; (ira) Mq 7,9 – sujeito: YHWH; idéia: juízo.

Na 1,3 – sujeito: YHWH; idéia: juízo.

Percebe-se ainda um jogo de contrastes nos verbos, que marcam os textos

destes profetas. Enquanto Miquéias sublinha a situação penosa de Sião nas mãos

inimigas e anuncia um futuro de glória para ela; Naum afirma que Nínive terá a

sua glória destruída a favor de Israel. Se Sião habita nas trevas, YHWH (é) sua

luz, mas o seu inimigo YHWH perseguirá com trevas. Sião tinha caído, mas se

levantou; o mesmo não ocorrerá com a inimiga, ela será destruirá e não se

levantará. Não há quem se levante diante da ira divina. Miquéias proclama que a

terra tornou-se desolação por causa dos seus habitantes; Naum prega que no

julgamento divino a terra se levanta e todos os seus habitantes. Sião carrega a ira

de YHWH, confessa a sua culpa, e,ao mesmo tempo, sua confiança no julgamento

divino. YHWH manifesta a sua ação: cumprirá os direitos de Israel, assim como

dará fidelidade aos ancestrais. Naum prediz que YHWH na defesa de Sião,

inundará a cidade inimiga, aniquilando-a. Nesta perspectiva é particularmente

pertinente que o livro de Naum comente intencionalmente a derrota de Nínive.

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Verbos Miquéias 7,8-20 Naum 1,2-8

Bya 7,8 yTib.y:ao yxim.f.Ti-la; = Sião fala a sua inimiga para que não se alegre com a sua derrota.

1,8 %v,xo-@D,r;y> wyb'y>aow> = (o Senhor) persegue os seus inimigos com trevas.

~wq

7,8 yTim.q' yTil.p;n" yKi = se caí me levanto / Sião confessa sua confiança em YHWH.

1,6 APa; !Arx]B; ~Wqy" ymiW = quem levantará diante de sua ira?

Bvy

7,8 yli rAa hw"hy> %v,xoB; bveae-yKi = se habito nas trevas, HWH (é) luz para mim/ Sião adiciona já uma consolação. 7,13 yrIP.mi h'yb,v.yO-l[; hm'm'v.li #r,a'h' ht'y>h'w> ~h,ylel.[;m; = a terra tornar-se-á desolação por causa de seus habitantes

1,5 Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> wyn"P'mi #r,a'h' aF'TiwO = a terra em sua presença se levanta, o mundo com todos os seus habitantes (relacionado a 7,13).

Afn

7,9 Al ytiaj'x' yKi aF'a, hw"hy> @[;z = a ira de YHWH devo carregar / aponta a conformidade de Israel que assume o seu pecado. 7,18 !wO[' afenO ^AmK' lae-ym = Quem é um Deus como tu que carregas o pecado?

1,5 Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> wyn"P'mi #r,a'h' aF'TiwO = YHWH poderoso na natureza e na história, castiga o inimigo, libertando o seu povo.

hf[

7,9 yjiP'v.mi hf'['w> ybiyrI byrIy" rv,a] d[; = até que (Deus) julgue a minha causa e cumpra o meu direito.

1,8 Hm'Aqm. hf,[]y: hl'K' rbe[o @j,v,b.W = com inundação transbordante aniquilará com o lugar (cidade).

Essas correlações verbais serão explicitadas no final da análise.

Um outro ponto significante ligando os textos é a imagem de Deus carregada

de significados, junto a uma variedade de sinônimos. É admirável a declaração de

Mq 7,18-20, onde o profeta ressalta o perdão divino em várias expressões620. O

texto sugere que o perdão ultrapassa totalmente o passado de faltas do povo.

Nestes versículos, Deus não prima pela imagem de libertador, mas pela de um

Deus amor. É o amor que impulsiona Deus a pastorear e perdoar.

620 Ambas as passagens confirmam que se deseja ao outro uma disponibilidade de Deus que não se esgota. A conduta divina não leva em conta a conduta do homem. Por esta razão, Deus espera do homem a mesma postura. Esse é o contexto de Mq 6,8; já o texto de Mq 7,18 amplia essa visão e em seguida, 7,20 apresenta uma curiosa distribuição formal do ds,x,. Assim, Mq 7,20 deve ser interpretado a partir de Mq 6,8. A disponibilidade divina constituiu a base a partir da qual se torna possível e inclusa e se deve esperar o hesed humano como disponibilidade divina aos demais homens. ds,x, aparece com freqüência junto a tm,a/ na composição hesed + 'mefffjt (cf. Gn 24,27.29; 32,11; 47,29; Ex 34,6; Js 2,14; 2Sm 2,6; 15,20; Sl 25,10; 40,11.12; 57,4; 61,8; 85,11; 86,15; 89,15; 115,1; 138,2; Pr 3,3; 14,22; 16;6; 20,28). Mas, ambas as palavras aparecem também claramente separadas entre si (cf. Os 4,1; Mq 7,20; Sl 26,3; 57,11; 69,14; 108,5; 117,2) de modo que podem referir-se a sujeitos diferentes (cf. 1Rs 3,6; Is 16,5). Deve-se assinalar igualmente, que com poucas exceções se conserva fielmente a ordem dos termos (cf. Os 4,1 e Mq 7,9.20 condicionados pelo conteúdo). Cf. “ds,x,” H. J. STOEBE in JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), pp. 834-835.

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Imagem de Deus em Mq 7,8-20 v. 18 !wO[' afenO – Um Deus que carrega a culpa v. 18 [v;P,-l[; rbe[ – Um Deus que passa por cima da transgressão v. 18 ds,x, qzx – Um Deus que se compraz no amor v. 19 ~xr – Um Deus compassivo v. 19 !wO[' vbK – Um Deus que destruirá a culpa v. 19 aJ'x; [~y" tAlcum.Bi] %lv – atirará os pecados [nas profundezas do mar] v. 20 tm,a/ !tn – Um Deus que dará fidelidade v. 20 ds,x, !tn – Um Deus que dará amor

Miquéias, ao referir-se aos pecados de Israel, enumera três palavras

diferentes com quatro verbos, que pertencem ao campo semântico da relação

amorosa de Deus. O tratamento dado aqui não é de uma indiferença ao pecado,

mas uma afirmação de que eles serão esquecidos. Eles são vistos em todas as suas

categorias, para mostrar que não há pecado que não seja perdoado. A ênfase no

perdão divino é reforçada pela questão retórica: “quem é um Deus como tu?”.

Miquéias Verbo

Mq 7,18 !wO[' (falta) !wO[' afenO ^AmK' lae-ymi afenO (carregar)

Mq 7,18 [v;P, (transgressão) [v;P,-l[; rbe[ow> rbe[o (esquecer)

Mq 7,19 aJ'x (pecado) ~t'waJox;-lK' ~y" tAlcum.Bi %yliv.t;w %lv (atirar)

Mq 7,19 Repete !wO[ (falta) WnytenOwO[] vBok.yI Wnmex]r;y> bWvy" vbK (destruir)

Naum evidencia a ira de Deus, utilizando também diferentes sinônimos que,

por sua vez, vêm acompanhados de diferentes verbos. O profeta destaca o motivo

da ira: o Senhor é ciumento na sua relação exclusiva com seu povo e não tolera

injustiças contra ele. Deus expressa sua ira apropriadamente e persegue

obstinadamente as nações más como a Assíria. O agir de Deus em favor de Israel

se demonstra na história e na natureza. Percebe-se que a radicalidade do

julgamento em Naum, não exclui a temática do amor de Deus para com seu povo.

Naum Verbo

Na 1,6 Am[.z (indignação) dAm[]y: ymi Am[.z: ynEp.li dm[ (suportar)

Na 1,6 APa; (ira) APa; !Arx]B; ~Wqy" ymiW ~wq (levantar)

Na 1,6 hm'xe (cólera) vaek' hk'T.nI Atm'x $tn (derramar)

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200

Se por um lado, Miquéias apresenta os pecados de Israel e as ações amorosas

de Deus relacionadas a cada uma destas faltas, por outro lado, Naum mostra a ira

divina e o reflexo da mesma na terra com tudo que ela contém. O contraste

existente entre os dois textos acaba por aproximá-los. O juízo contra o pecado nos

dois livros não se baseia numa ira incontrolável, mas no caráter imutável, justo e

santo de Deus. Deus responderá corretamente de acordo com a ação humana. As

bênçãos serão certas e as promessas serão completadas porque Deus, Ele mesmo,

é quem guarda a aliança e é quem liberta. Aqueles que confiam em YHWH

podem esperar sua proteção.

Miquéias usa o termo @a, para expressar a ira divina em Mq 5,15 e 7,18. Na

1,2-3 utiliza este termo e apresenta outras singularidades: o termo hm'xe, que só

ocorre 26 vezes na BH, sendo que nos Profetas Menores só este profeta o utiliza.

Na 1,2.3, apresentam os termos @a; e hm'xe acompanhados de adjetivos:

v. 2 hm'xe – indignação l[;b; (cheio) v. 3 ~yIP;a; – ira %r,a, (tardio, lento)621.

A força enfática destes textos proféticos não é expressa apenas pelo acúmulo

dos sinônimos, mas também pelo uso da questão retórica sublinhada em Na 1,6 e

Mq 7, 18 e iniciada por ymi (quem?). O que força a admitir, em Naum, que não há

ninguém que possa se levantar ou ficar de pé diante da ira divina, nem alguém

capaz de tanto amor, como demonstra Miquéias. Essa técnica da questão retórica é

comum na literatura com função persuasiva. Ela força o ouvinte a envolver-se

ativamente na discussão.

Um novo elemento para consolidar a elaboração hermenêutica entre Na 1,5 e

Mq 7,13 é o tema da terra (#r,a,,) e seus habitantes (bvy)622. A terra é geralmente o

foco do julgamento e da salvação de Deus. O texto de Miquéias indica que “a

terra tornar-se-á desolação por causa dos seus habitantes”. E, em Naum, o texto

621 Este adjetivo só ocorre, nos Profetas Menores, em Na 1,3; Jl 2,13 e Jn 4,2. 622 O tema da terra é freqüente e muito importante em Miquéias – a terra é testemunha de YHWH (1,2); ele é o Senhor de toda a terra (4,13); ele apascentará o rebanho na terra (5,4); e ele será grande até os confins da terra (5,3); o Senhor libertará o rebanho da Assíria, se ela invadir a terra (5,4); a terra da Assíria será apascentada com a espada; e a terra de Nemrod, pelo punhal (5,5), aniquilará as cidades da tua terra (5,10); novamente a terra testemunha o julgamento de YHWH (6,2); o Senhor recorda ao povo que lhe tirou da terra do Egito (6,4); no mundo da injustiça, o fiel desapareceu da terra (7,2); a terra se tornará desolação (7,13); novamente YHWH recorda que

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enfoca que “a terra se levanta diante dele [para o seu julgamento], o mundo e

todos os que nele habitam”623. Há uma correspondência entre a raiz verbal bvy em

Mq 7,13 (h'yb,v.y) e Na 1,5 (ybev.yO:), ambos os verbos têm a forma do particípio

masculino plural construto e possuem valor de adjetivo. A singularidade em

Miquéias está no uso do sufixo da 3ª pessoa do feminino singular que se refere à

desolação de uma terra que não é Sião, pois esta será restaurada. Fica evidente

pelo contexto, nos dois textos, que a terra é que sofre as ações da ira divina. Nos

dois casos, o ponto de convergência é o julgamento divino. Naum apresenta

situações concretas e contrárias a Assíria - aquelas que foram anunciadas em

Miquéias.

Mq 7,13 Na 1,5 ~h,ylel.[;m; yrIP.mi h'yb,v.yO-l[; hm'm'v.li #r,a'h'

ht'y>h'w> aF'Tiw: Wgg"mot.hi tA[b'G>h;w> WNM,mi Wv[]r' ~yrIh

Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> wyn"P'mi #r,a'h'

Se estreitarmos a ligação entre Mq 7,8ss e Na 2,14, encontramos mais uma

referência à “terra” e somente mais esta. Os textos possuem o mesmo movimento:

a ação inaugurada por YHWH em relação à Assíria, é aquela descrita por

Miquéias. A dominação assíria desaparecerá e a terra de Sião será restaurada. O

que é anunciado no livro de Miquéias torna-se realidade no livro de Naum. O

poder de Nínive não é capaz de impedir o julgamento nem a sua destruição. Nada

a fará escapar nem da desolação nem do tremor provocado por YHWH.

Há também uma ocorrência do verbo bvy em Mq 7,8; aqui, diferente da

ocorrência anterior: é Sião quem fala de sua condição para os seus inimigos,

condição específica do momento %v,xoB; bveae-yKi: “Se habito nas trevas”.

Uma outra construção comum encontra-se em Na 1,6 e Mq 7,8 pelo uso da

raiz hebraica ~wq (levantar). As formas apresentadas nestes versículos são

correspondentes a qal yiqtol, sendo que em Miquéias, apresenta-se na 1ª pessoa do

masculino singular; e em Naum, na 3ª pessoa do masculino singular. Embora o

tirou o povo da terra do Egito (7,15); e termina com o castigo das nações rastejando como animais sobre a terra (7,17). 623 Na opinião de Alonso Schöckel, é duvidoso este sentido de “levantar-se”, provocado pela presença do Senhor. Para o autor o uso da expressão “a terra se levanta”, supõe o sentido intransitivo de afn, ou seja, para assistir ao julgamento. Outros lêem “levanta a voz”, acrescentando lwq; outros ainda “é devastada”, lendo o verbo vah. Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Profetas II, p. 1112.

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sujeito das orações não seja o mesmo, é possível verificar as semelhanças dos

textos nos seus contextos. Em Miquéias, é Sião quem fala. Ela está em poder dos

inimigos porque pecou contra o Senhor. Não deve haver triunfo sobre a sua queda,

pois ela levantará. Sua confiança em Deus trará um juízo a seu favor. Esta

confiança é demonstrada na oração seguinte: “se eu habito nas trevas, YHWH é

luz para mim”. O texto de Naum “Quem levantará diante do furor de sua ira?”

Refere-se ao julgamento divino, já anunciado à nação inimiga. Só levantarão

aqueles que confiam em Deus. A questão é corroborada pelo próprio Naum, na

oração seguinte: O Senhor é bom, ele serve de fortaleza no dia da angústia e

conhece os que confiam nele. O caráter benevolente de Deus é mostrado para

aqueles que buscam Deus com sua proteção no tempo da opressão.

Mq 7,8 yTim.q' yTil.p;n" yKi Na 1,6 APa; !Arx]B; ~Wqy" ymiW yTim.q' (~wq) ~Wqy" (~wq)

Observa-se também uma relação entre os dois textos pela palavra trevas.

Sião mesmo habitando nas trevas mostra a confiança de ter YHWH como a sua

luz, e Nínive em todo o seu esplendor será lançada nas trevas. Não há nenhum

lugar para onde se possa fugir, quem quer que seja, mesmo o rei da Assíria. A

construção das passagens coloca em relevo a situação invertida das duas nações:

Sião que habita nas trevas, por causa de seu pecado, será salva por YHWH; e

Nínive, que vive em seu esplendor, será perseguida pelo Senhor com trevas.

Na 1,2 apresenta o termo wyr'c' (contra seus adversários); que ocorre também

em Mq 5,8 (^yr,c') com uma diferença no sufixo, mas o contexto é o mesmo. Em

Naum, traz: “O Senhor toma vingança contra seus adversários”. Mq 5,8: “Que a

tua mão se eleve contra teus adversários e que todos os teus inimigos sejam

aniquilados”. O inimigo é a Assíria que será destruída dentro de suas próprias

portas. O texto de Mq 5,8-14, do qual faz parte o v. 5,8, ainda apresenta um

vocabulário que lembra a descrição que Naum faz da derrota de Nínive:

“aniquilarei no meio de ti cavalos, farei desaparecer teus carros”; “aniquilarei as

cidades da tua terra e destruirei as tuas fortalezas”; “arrancarei os sortilégios de

tua mão, e não terás mais adivinhos”; “aniquilarei tuas estátuas”; “destruirei as

tuas cidades com furor e vingança”.

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Mq 5,8 Na 1,2 WtreK'yI ^yb,y>ao-lk'w> ^yr,c'-l[; ^d>y" ~rot' wyb'y>aol. aWh rjeAnw> wyr'c'l. hw"hy>

A raiz verbal ~qenO> (~qn - vingar-se) encontra-se por duas vezes seguidas em

Na 1,2 e só ocorre aqui, entre os Profetas Menores. Encontramos o substantivo

~q'n" (vingança) da raiz verbal ~qn no cap. 5 de Miquéias (5,14). Enquanto Naum

descreve Deus como ciumento e vingador, Miquéias narra as palavras do próprio

Deus que diz:“tomará vingança contra as nações que não lhe obedeceram”. O

verbo em Na 1,2 tem o sentido de guardar ou manter sugerindo que Deus está

guardando a sua ira à espera da justiça inevitável624. A citação de Naum certifica

o oráculo de Miquéias.

Mq 5,14 Na 1,2 W[mev' al{ rv,a] ~yIAGh;-ta, ~q'n" hm'xeb.W @a;B. ytiyfi['w>

~qenO hm'xe l[;b;W hw"hy> ~qenO hw"hy> ~qenOw> aANq; lae

Mq 7,9 e Na 1,5 apresentam em comum o verbo afn - em qal. Em Mq 7,9,

o verbo vem acompanhado da palavra ira (@[;z:) e o sujeito da frase é Sião: “a ira

de YHWH devo carregar”. Portanto, parece que já ocorreu o julgamento, Israel

assumiu o seu pecado e está apta para tomar sobre si as conseqüências de seus

atos. Sião aguarda o tempo da misericórdia, que vai restabelecer o seu direito.

Enquanto que no texto de Na 1,5, o profeta anuncia o julgamento de YHWH e a

reação da natureza: “a terra é carregada diante dele”. O tremor das montanhas, o

estremecer das colinas, assim como a imagem da terra sendo carregada é a

resposta terrestre à convulsão divina. O contexto do verbos é o do julgamento. Os

textos retratam a ação do julgamento de Deus na história e na natureza e a

conseqüência do mesmo.

Mq 7 Na 1,2 afn 7,9 Al ytiaj'x' yKi aF'a, hw"hy> @[;z

1,5 Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> wyn"P'mi #r,a'h' aF'TiwO

624 Mendenhall fez um estudo da raiz verbal ~qn no AT e em toda a literatura do Antigo Oriente e concluiu que apenas em poucos exemplos este termo é usado como vingança de sangue por parte de um indivíduo. A maioria das vezes, ela se refere ao julgamento de um grupo ou Deus defendendo os seus. Mendenhall enfatiza a importância da aliança como pano de fundo para a compreensão do uso desse termo no AT. Assim, YHWH é um Deus vingador aquele que guarda sua ira e ocasiona a sua vingança contra seus inimigos. Naum anuncia a gravidade do castigo vindouro: os inimigos serão perseguidos com trevas. Cf. MENDENHALL, G., “The Vengeance of Yahweh”, in The Tenth Generation. Baltimore: Johns Hopkins U. P., 1973, pp. 69-104.

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Outra ação verbal que figura nos dois livros é hf[ - no qal. O contexto dos

verbos é o de um julgamento e nos dois livros, este está direcionado às nações

inimigas. Mq 7,9 refere-se a uma ação futura de YHWH: “até que ele julgue o

meu litígio (contra a inimiga) e cumpra o meu direito”. Sião está nas mãos do

inimigo e espera que o Senhor julgue a sua causa, contra a inimiga, e faça valer a

sua justiça. Em Naum o julgamento de YHWH trará conseqüências graves para

Nínive: “uma inundação transbordante acabará de uma vez com a cidade”. As

duas ações terão como sujeito YHWH. Em Miquéias, o verbo hf[ é seguido pelo

termo yjiP'v.mi (meu direito) e em Naum, Hm'Aqm (seu lugar), o que valida o

pensamento acima.

Mq 7,9 Na 1,8 yjiP'v.mi hf'['w> ybiyrI byrIy" rv,a] d[ Hm'Aqm. hf,[]y: hl'K' rbe[o @j,v,b.

4.1.3.1 Conclusão:

Na 1,2-8 configura um rico exemplo de conexões com o livro de Miquéias.

O que faz plausível a sugestão de que este salmo acróstico foi redigido

particularmente para continuar a mensagem de Mq 7,8-20. Em quase todos os

vocábulos e verbos analisados, encontramos semelhanças entre os dois textos

proféticos, e podemos ainda dizer que existem paralelos entre os dois profetas que

não se encontram entre os outros livros dos Profetas Menores. Há vários

elementos agregadores do livro de Naum com Mq 7,8-20 e, senão com todo o

livro de Miquéias ou as suas principais partes625.

A probabilidade de uma relação intencionada entre o livro de Miquéias e o

de Naum cresce quando se reconhece que, não apenas o salmo de abertura do livro

de Naum, mas igualmente o final de ambos os livros, está interligado e se

completa. Achamos pertinente avançar sobre o estudo realizado por Nogalski, já

que o autor se deteve apenas entre Na 1,2-8 e Mq 7,8-20.

625 O texto de Na 1,12-14 (nova unidade, novo endereço) não foi explorado, mas retrata o mensageiro de YHWH introduzindo uma promessa de liberdade para Jerusalém combinada com o oráculo de julgamento contra Nínive e o rei assírio. Esses versículos aproximam o tema da dominação inimiga (Assíria) na perspectiva de Jerusalém utilizando um estilo similar ao de Mq 7,8ss. A probabilidade de uma relação intencional entre Mq 7 e Na 1, 12-14 confirma a hipótese de que o livro de Naum estaria diretamente ligado ao livro de Miquéias.

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4.1.4 Análise do texto final de Naum = Na 3,15-17. 18-19

Contexto: O profeta faz um último convite: é ironicamente ordenado à

Assíria que disponha de suprimentos para seu sustento e que fortifique suas

fortalezas para o cerco que se aproxima (cf. Na 3,14). O escárnio profético passa

pela ordem de prepararem suprimento de água – fato impensável para uma cidade

à beira de um grande rio, o Tigre. Mesmo assim tais medidas de nada valeriam,

pois o fogo e a espada a consumirão. A perda será completa. A totalidade da

destruição é comparada com aquela dos gafanhotos que varrem os caminhos da

trilha (cf. Sl 78,46; Jl 1,4). A Assíria que havia multiplicado seu comércio para

além da Capadócia na Ásia Menor é apresentada aqui, com poder esgotado e

exaurido, contrastando com aquele apontado por Is 5,26626. Ela é comparada a um

enxame de insetos que desaparece subitamente do nada. Os versículos finais são

um lamento fúnebre: focaliza o cochilo do rei assírio e dos poderosos, enquanto o

povo está à deriva.

Estrutura do texto:627

Parte 1ª: Fim de Nínive (fem): a praga de gafanhotos na terra (3,14-17)

A – Introdução: preparação do cerco que precede a queda de Nínive (3,14)

B – Sua cidade será devorada como gafanhotos pelo fogo e a espada (3,15)

C– Seus comerciantes multiplicaram, como gafanhotos, mas eles

desaparecerão (3,16)

D – Seus príncipes e chefes multiplicaram como gafanhotos, mas eles

desaparecerão (3,17)

Parte 2ª: Fim de Nínive (masc): 3,18-19 E – Seu povo está disperso, sem ninguém que o reúna

F – Seu ferimento é fatal, não há cura para ele (3,19a)

G – ninguém pranteará sobre vós quando o povo ouvir a sua queda (3,19b-c).

O profeta não apenas acredita que tudo isso ocorrerá, como já compõe o

lamento, como se isso já tivesse ocorrido. A colocação do elogio pomposo

(panegírico) sobre o covil dos leões, que ocupa a posição central do livro, reforça

o sentido de certeza.

626 Confira os recordes históricos da Assíria: HAWKINS, J. D. Trade in the Ancient Near East, Britsh School of Archaeology in Iraq, 1977; LIPINSIK, E., State and Temple Economy in the Ancient Near East, Leuven University, 1979.

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A repetição de palavras oferece sonoridade ao texto.

`hB,r>a;K' ydIB.K;t.hi ql,Y<K; dBeK;t.hi ql,Y"K; %lek.aTo br,x, %teyrIk.T; vae %lek.aTo ~v' 15 `@[oY"w: jv;P' ql,y< ~yIm'V'h; ybek.AKmi %yIl;k.ro tyBer>hi 16

hr'q' ~AyB. tArdeG>B; ~ynIAxh; yb'GO bAgK. %yIr;s.p.j;w> hB,r>a;K' %yIr;z"N>mi 17 `~Y"a; AmAqm. [d;An-al{w> dd;Anw> hx'r>z" vm,v,

A expressão vae %lek.aTo ~v' (“ali o fogo te devorará”) é um exemplo de

personificação. O fogo (vae) é geralmente retratado consumindo um objeto como

uma pessoa consome um alimento (cf. Is 5,24; 10,17; 30,27.30; 33,14; Am

1,4.7.10.12.14; 2,2.5; 5,6; Na 3,13). O verbo lka é usado duas vezes para dar

ênfase: %lek.aTo br,x, %teyrIk.T (“a espada te consumirá”); também a espada é

frequentemente retratada como consumindo ou devorando um inimigo derrotado

(cf. Os 11,6; Jr 8,16; 12,12)628.

A oração dBeK;t.hi ql,Y"K; (“Multiplica-te como o yeleq”) é também repetida:

hB,r>a;K' ydIB.K;t.hi ql,Y<K; (“Multiplica-te como o gafanhoto”). No sentido de fazer eles

mesmos abundantes629. O mesmo ocorre no versículo seguinte: @[oY"w: jv;P' ql,y<

~yIm'V'h; ybek.AKmi %yIl;k.ro tyBer>hi (“Multiplica teus mercadores mais do que as estrelas

do céu, - o yeleq sai do casulo e voa”). O verbo jvP refere-se à ação do gafanhoto

tirando a pele das asas, enquanto estágio de larva630. Em um sentido semelhante,

este verbo é normalmente usado para uma pessoa despindo roupas (cf. Gn 37,23;

Ez 16,39; 23,26; 44,19; Os 2,5; Mq 2,8; 3,3 etc.).

O v. 17 traz: hB,r>a;K' %yIr;z"N>mi (“Teus guardas, como gafanhotos”); yb'GO bAgK.

%yIr;s.p.j;w> (“E teus escribas como um enxame de gafanhotos”). O termo rz"n>mii só se

encontra na forma do plural e somente nesse versículo de Naum, com o acréscimo

do sufixo da 2ª pessoa do masculino singular631. Em relação à %yIr;s.p.j, advém da

raiz rs'p.ji (escriba, marshal) correspondendo aos altos funcionários de Nínive. Em

Jr 51,27, é direcionado a oficiais militares e administrativos632. As orações tArdeG>B;

627 Cf. DORSEY, D. A., The Literary Structure of the Old Testament, p. 303. 628 Cf. BDB 37. 629 Cf. BDB 458. A BHS sugere emendar a forma hipael- infinitivo absoluto (dBeK;t.h) com a forma hitpael- imperativo (ydIB.K;t.hi) a fim de ter duas formas idênticas na oração. Essa alteração não é necessária, pois o infinitivo absoluto é usado para variação estilística e precede o imperativo para adicionar urgência. 630 Cf. BDB 833. 631 Cf. ALONSO SCHÖKEL, Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 384. 632 Cf. BDB 381.

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~ynIAxh; (“Eles pousam sobre os muros”); hr'q' ~AyB. (“em dia de frio”); o uso do

verbo hnx na forma qal particípio só se encontra aqui em Na 3,17. As frases

seguintes: hx'r>z" vm,v, (“O sol aparece”); ~Y"a; AmAqm. [d;An-al{w> dd;Anw> (“ele voa e não

conhece o lugar. Onde estão eles?”). O TM lê: Onde estão eles? (~Y"a;); no lugar de

~Y"a; os gregos lêem: ouvai. auvtoi/j (infeliz deles).

Podemos ler da seguinte forma o v. 17: “os teus guardas são como

gafanhotos, e os teus escribas, como um enxame de gafanhotos. Eles pousam

sobre os muros em dia de frio. O sol aparece, ele voa e não conhece o lugar. Onde

estão eles?”. A chegada do julgamento dispersará os inimigos de forma dramática

assim com o calor do dia deserta e dispersa os gafanhotos.

A estreita ligação do livro de Miquéias com o livro de Naum é desdobrada

pela formula do “conhecimento”, aqueles que sabem; e o que une os textos de Na

1,2-8 e Na 3,15-17 é o verbo “conhecer” que se encontra nos dois textos

estudados. Enquanto que em Na 1,7 o verbo apresenta-se na forma [;deyOw> (particípio qal), em Na 3,17, toma a forma de [d;An (nifal qatal). Na 1,7 indica que

“o Senhor é bom, é fortaleza no dia da angústia e conhece os que nele se

refugiam”; Na 3,17 faz referências aos poderosos de Nínive que “voam embora, e

não se conhece o lugar onde estão”. Enquanto os inimigos sofriam com o furor da

ira de YHWH (Na 1,6.8), seu povo estava seguro na sua fortaleza (Na 1,7). Na

3,17 mostra que os inimigos são os príncipes e chefes assírios.

As repetições de palavras e sinônimos e todo o aparato lingüístico têm uma

só finalidade: descrever o fim de Nínive. Por certo, a Assíria é a personificação de

reis que mantinham o controle de poder e destruição. Nínive é o coração da

Assíria e só a destruição deste coração poderá livrar os povos de tão cruel destino.

A partir dessa óptica, pode-se compreender a poesia de Naum e a alegria dos

povos com a destruição desse império633.

Como Miquéias, o profeta Naum fala da inutilidade da força inimiga, aqui

retratada na imagem de gafanhotos. É importante a identificação com o enxame de

insetos - Naum compara a Assíria a uma horda de gafanhotos, que representa o

poder militar, que devorava os países dominados. No entanto, é notória a sua

633 A Assíria é citada nos Profetas Menores em: Os 5,13; 7,11; 8,9; 11,11; 12,2; 13,7; 14,4; Mq 5,4.5; 7,12; Sf 2,13; Zc 10,11.

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208

instabilidade, a mesma peste domina a Assíria agora (v. 16). Eles desaparecem e

ninguém sabe para onde.

4.1.4.1 Análise do texto Na 3,18-19

A metáfora da praga do gafanhoto é abandonada, permanecendo o tema da

destruição de Nínive. A cidade que viveu no esplendor morre na desonra634.

O texto de Na 3,18 inicia com uma mudança de gênero – da 3ª pessoa para a

2ª pessoa do masculino singular -, apontando para um novo personagem: o rei

assírio635. O juízo apresentado pelo profeta está dirigido, neste caso, para uma

pessoa em particular, o rei assírio. Ele é agora o foco central de atenção. A

referência à Assíria aparece apenas neste versículo.

O v. 18 possui três versos que formam um eixo central636. O primeiro e o

terceiro são claramente paralelos; enquanto o segundo é um vocativo para ser lido

com ambos: o primeiro e o terceiro.

634 A cidade de Nínive é mencionada em fontes cuneiformes a partir de 2200 a.C. Desde o reinado de Hamurábi (c. 1800 a.C.) tem importância, como local do templo de Istar, que foi mantido mediante a restauração e embelezamento. No ano de 1260 a.C., tornou-se a residência real, aumentando assim, o seu valor. Senaquerib (704-681 a.C.) contribui para a grandeza dessa cidade reedificando as suas defesas, construindo edifícios, parques e um sistema de represas e canais. Assurbanipal (669-627a.C.) fez várias contribuições importantes à cultura. Após a morte deste rei, ocorreram eventos, que levaram ao declínio o império e ao desfalecimento de Nínive. A partir de 612 a.C., Nínive ficou sendo um símbolo do colapso total da Assíria. É citada no AT em Gn 10,11-12 – fundação da cidade por Nimrode; 2 Rs 19,36 menciona que Senaquerib voltou para Nínive sua residência real, após fracassar na sua tentativa de conquistar Jerusalém; ver também 2 Rs 18,14. A cidade é figura de destaque em Jn 1,2; 3,2.3.4.5.6.7; 4,11; também é expoente no livro de Naum que trata de sua destruição Na 1,1; 3,7; é citada em Sf 2,13 onde sua destruição é retratada ao lado da destruição de outros povos. Cf. Nineuh, McCOMISKEY, T., Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, vol. II, p. 1391. 635 O título’’rei” é geralmente aplicado a YHWH, como rei de Israel e dos israelitas (cf. Sl 5,3; 10,16; 44,5; 48,3; 68,25; 74,12; 84,4; Dt 33,5); ou rei de toda a terra (cf. Sl 47,3. 8; Is 41,21; 44,6). Também pode referir-se a rei dos ídolos (cf. Is 8,21; Am 5,26; Sf 1,5); rei dos reis é um título do rei da Babilônia (cf. Ez 26,7); grande rei, um título ao rei da Assíria (cf. Is 36,4); líderes são introduzidos como rei algumas vezes (cf. Jó 15,24; 18,14; 30,15). Com pronome ver 1 Cr 8,35; 9,41; com artigo ver Jr 36,26; 38,6. %l,m, ocorre 1030 vezes no TM no AT. basileu.j ocorre 116 vezes na LXX no AT. 636 Nogalski sugere que o profeta parece ter escondido um nome acróstico final no v. 3,18 no fim de seu livro. Em Na 1,1 ele usou versos; em 1,12 palavras; e aqui está baseado em colon. Para o autor, o texto 3,18 consiste em dois bicolons. A letra inicial da quarta linha forma a palavra wnyn. Para este autor estes dois versículos juntos com Na 1,11-14, atualmente, formam uma moldura dos primeiros blocos da coleção anterior para uma incorporação do hino teofânico (1,2-8) e sua transição interpretativa (1,9s). Na 3,18-19 mantém contato com Na 1,14 especialmente porque ambos se endereçam ao rei assírio diretamente, e ambos acenam para a iminente morte do rei. NOGALSKI, J., Literary, p. 122. Com essa observação, pode-se confirmar a relação das várias partes do livro de Naum – do cap. 3 com o cap. 1. Assim também ocorre com o livro de Miquéias- pode-se constatar a relação entre as várias partes do livro.

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18a Eles dormem, teus pastores, ^y[,ro Wmn"

18b ó rei da Assíria, teus nobres repousam. 637^yr,yDIa; WnK.v.yI rWVa; %l,m,

18c Teu povo foi disperso sobre as montanhas, `#Beq;m. !yaew> ~yrIh'h,-l[; ^M.[; Wvpon"

ninguém (mais) poderá reuni(-los).

Cada uma das orações pode ser justificada pelo vocabulário e pelo contexto,

sendo todas elas direcionadas ao rei da Assíria: A primeira e a terceira linha estão

em paralelo: os pastores estão dormindo; eles que são os guardiãs, não podem

providenciar nenhum socorro, pois dormitam o sono da morte638. Os nobres

falharam na hora em que o povo mais necessitava deles. O lugar, portanto, de

centralidade e importância do texto final de Naum é notado pelo fato de que os

nobres, que ocupam o lugar de pastor, estão dormindo, ou seja, não há pastor para

o povo. Na falta de pastores, o rebanho fica sem proteção. Aqui se discute a ação

do pastor humano. Era freqüente no Antigo Oriente usar o termo “pastor” em

referência aos reis e líderes639. Aqui a expressão “seus pastores” é uma insinuada

comparação referente à liderança real e militar da Assíria, assim como a menção

à“gafanhoto” serve também para descrever os “príncipes e chefes” da Assíria640.

Estes, no julgamento de YHWH “não conhecem o lugar onde estão”.

637 O termo ^yr,yDIa; da raiz ryDIa; (alta nobreza) designa aqui um povo proeminente na sociedade (cf. Jz 5,13; Jr 14,3; Sl 16,3; Ne 3,5; 10,30; 2 Cr 23,20) e oficiais militares de valor (cf. Na 2,6). Cf. BDB 12. 638 “Dormir” pode ser um eufemismo para significar a morte (cf. Is 14,18; Jr 61,39.57; Sl 13,4; 76,6). 639 A metáfora do pastor é muito comum no ANE, e era geralmente aplicado às divindades; o deus sumério, Enlil, é chamado de “o pastor fiel”, e o deus sol Utu é chamado “o pastor compassivo”; na Babilônia Marduk é referido como um “pastor fiel” e “pastor de todos os deuses;” e finalmente, o deus semítico sol Utu/Shamash é chamado o “pastor do mundo inferior, guardião do mundo superior” pelos mesopotâmicos. De fato, a história nos mostra que os antigos dirigentes eram representantes dos deuses de suas nações e eram descritos como legítimo pastores de seu povo. Assim era chamado o rei Hamurábi da Babilônia. A metáfora “ pastor” era também a chave para o título real para muitos reis assírios, tais como Shalmaneser, Tiglath-Pileser I, Assurnasirpal, Sarson II, Senacherib, e outros. Cf. VANCIL, J. W., “Sheep/Shepherd”, in The Anchor Bible Dictionary, ed. David Noel Freedman, 6 vol. New York: Doubleday, 1992, 5: 1188. Mesmo no Egito, um dos símbolos divinos de liderança era o cajado do pastor. Os pastores usavam as varas para cutucar através de fendas nas cavernas e assustar os escorpiões e cobras. [No texto de Mq 7,17 temos a imagem de serpente saindo tremendo dos seus abrigos para YHWH] Cf. DAVIS, J. The Perfect Shepherd: Studies in the 23 Psalm. Michigan: Baker House, Grand Rapids, 1979, p. 100. Essas informações têm sentido em relação ao nosso texto e podemos confirmá-las em Jr 49,19 e 50, 44, onde Deus pergunta: “qual é o pastor que poderá se levantar contra mim?” A analogia está clara, e ela torna-se mais clara, por causa de nosso desamparo e nossa tendência a vaguear perdidos, daí a nossa necessidade de um bom pastor. Com essa mesma perspectiva, o texto de Naum refere-se ao rei da Assíria e seus dirigentes com pastores. 640 Os termos “príncipes e chefes” são dois termos raros no hebraico e podem ser palavras emprestadas da língua assíria.

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Os seus “nobres” estão repousando, por isso, não podem providenciar

socorro algum para a invasão anunciada, nem mesmo para a população que está

dispersa. Restaurar o povo espalhado deveria ser o dever do pastor, mas ele está

“dormindo”. O texto focaliza que, enquanto os poderosos “dormem,” os libertados

aplaudem felizes. O júbilo não advém do infortúnio alheio, mas da vindicação

divina e de suas promessas.

Percebe-se que os verbos usados nesses versículos finais de Naum não são

comuns.

A forma verbal Wmn" qal qatal, encontra-se somente em Na 3,18 e no Sl 76,6;

Is 5,27641. Em Is 5,27 o profeta descreve a invasão Assíria: “ninguém se cansa,

ninguém tropeça, não se deita, não dorme, não tira o cinturão dos lombos, não

desata a correia das sandálias”. O Sl 75,6-7 (76,6-7) traz: “Os valentes são

capturados, dormem o seu sono; os guerreiros não encontram as mãos. Com um

bramido, Deus de Jacó, imobilizaste carros e cavalos”. Os dois textos nos

remetem ao contexto de Mq 7,8-20 e Na 3,18-19.

O verbo vwp encontrado aqui na forma niphal (Wvpon"), no sentido “estar

disperso” é único. É visto em Hab 1,8 e Ml 3,20. Em Hab 1,8, aparece na forma

Wvp' (qatal no sentido de “saltar; pular; trotar”); YHWH descreve uma potência

militar: “seus cavalos são mais velozes que panteras, mais aguçados que lobos

das estepes. Seus cavaleiros pulam, seus cavaleiros vêm de longe, voando como

rápida águia sobre a presa”. Em Ml 3,20 na forma verbal ~T,v.p (qatal)

apresenta-se no mesmo contexto de Hab 1,8 - oráculo de YHWH: “Mas o sol da

justiça que cura com suas asas iluminará os que respeitam o meu nome. Saireis

saltando como bezerros do estábulo”. Ocorre também no Sl 77,26: “Transportou

pelo céu o vento leste e com sua força guiou o vento sul”; no Sl 77,52: “Tirou o

seu povo como um rebanho, guiou-os como ovelhas pelo deserto”. Parece que as

poucas citações bíblicas, em que o verbo é utilizado, comprovam o texto de

Naum: nota-se nesses episódios o domínio de Deus sobre a história (envia um

povo em campanha militar); e sobre a natureza (a cólera divina transporta ventos).

A ação verbal #Beq;m. (#bq piel particípio) que possui o significado de

“reunir”, encontra-se em Mq 2,12 na forma #Beq. (piel infinitivo absoluto).

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“Eu te reunirei inteiro, Jacó; %L'Ku bqo[]y: @soa/a, @soa'

congregarei teus sobreviventes, Israel; laer'f.yI tyrIaev. #Beq;a] #Beq

eu os juntarei como ovelhas no redil; hr'c.B' !acoK. WNm,yfia] dx;y:

como rebanho na várzea, %AtB. rd,[eK.

e se ouvirá o barulho da multidão”. `~d'a'me hn"m,yhiT. Arb.D'h;

O texto Mq 2,12 apresenta o verbo #bq duas vezes seguidas assim como

traz o verbo @sa que possui o mesmo valor de reunir642.Há vocábulos que se

encontram também no texto de Mq 7,8-20 tais como: “bqo[]y:” no v. 7,20; “!aco” no

v. 7,14 “%w<T'” no v. 7,14; “~yfi” no v. 16.

Em Mq 5,2-5, encontramos outra referência ao futuro pastor de Israel643.

Novamente, essas palavras foram palavras de conforto para a sua audiência,

especialmente na visão do fracasso dos líderes das nações, em cuidar corretamente

de seu rebanho. A linguagem que segue (vv. 5-9) fornece também elementos

ligados ao 3,12644.

641 Em Is 14,18; Jr 51, 39.57 retrata o sono da inação, que antecipa a morte; traz o verbo similar !vy; Is 56,10-11 traz a mesma imagem da incompetência dos pastores, usando o verbo h[r e para pastores e o verbo hzh para dormir. 642 A forma verbal @sa apresenta-se duas vezes seguidas em Sf 1,2 e duas vezes seguidas em Sf 1,3. 643 O cap. 5 abre com uma referência a Belém de Éfrata, de onde virá um governador cuja origem é dos tempos antigos. Estudiosos debatem se a referência é em relação aos descendentes de Davi ou se é na antiga origem da casa de Davi (cf. 1 Sm 17,12s; Rt 4,11.17.18-22). Mays sugere ser melhor ler o verso como da antiga casa de Davi do que casa de Davi. Na opinião do autor parece que o verso quer destacar que haverá novamente um líder que governaria e protegeria novamente o povo “na força de YHWH” (v.5,3). Cf. MAYS, Micah, p. 113. O texto segue três passagens consecutivas endereçadas a Jerusalém e introduzidas pela palavra “agora” (ht[): 4,9.12.14. A primeira (4,9) tem sido considerada autêntica, exceto no final da frase (4,10-11), que foi expandida secundariamente no período pós-exílio, expressando a esperança de que Deus salvaria Sião dos povos circundantes. Esse sentimento é similar a Zc 12-14 onde as nações se unem contra Jerusalém. E a terceira (4,14), por ser tão fragmentada, porta diversas interpretações que serão omitidas neste estudo. Parece-nos que o texto Mq 5,1-4 pode significar todo o povo de Deus, morando seguro sob um novo David, um tempo de paz, como Os 3,5 e Am 9,11-15,que antecipam a restauração do reino davídico. 644 Albertz Rainer sugere que Mq 5,9-13 [5,10-14] posiciona bem com Mq 3,12. Possivelmente, o redator do Livro dos Quatro adicionou a referência à Babilônia à luz do exílio. Ou então, a passagem entrou mais tarde com o motivo da restauração de Jerusalém (cf. 4,1-8.10b-13), pp. 238-240. Kessler supõe que Mq 3,12 foi composto expressamente para o Livro de Miquéias: se em 3,11 constava que “os chefes (de Jerusalém) exercem o juízo por gratificação”, assim esperam os povos, segundo 4,3, que a palavra de Deus, partindo de Jerusalém, “julgará entre muitos povos”, (em hebraico jpv); que “os sacerdotes (de Jerusalém) ensinam mediante paga”, assim, segundo 4,2, os povos vão a Sião, porque esperam do “Deus de Jacó” “que ele nos ensine seus caminhos” (em hebraico ambas as vezes hry hif). Destarte, o futuro Sião elevado sobre todas as montanhas deve se tornar o oposto do velho e destruído Templo. Cf. KESSLER, R., “Zwischen Tempel und Tora: Das Michabuch im Diskurs der Perserzeit”, BZ 44 (2000) 21-36.

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O quadro em Naum é quase o mesmo do retratado por Miquéias, com

apenas uma mudança sintática entre os verbos – enquanto Miquéias traz no v. 7,14

a forma verbal W[r>yI (h[r) “pastarão em Basã e Gilead como nos dias antigos”-;

Naum 3,18 usa a forma ^y[,ro. O verbo h[r encontra-se nos dois textos seguidos

do verbo !kv. Em Miquéias, o verbo apresenta-se sob a forma ynIk.vo (qal

particípio); e em Naum, na forma WnK.v.yI (qal yiqtol)645. Os dois livros apresentam

estes verbos em posição inversa, como no esquema:

Miquéias Naum h[r W[r>yI qal yiqtol masculino ^y[,ro particípio masculino !kv ynIk.vo particípio masculino WnK.v.yI qal yiqtol masculino

No Livro dos Doze Profetas, não há caso em que esteja presente esse tipo de

ligação intertextual. Estamos diante de relações entre expressões verbais e

metáforas não verbais. Na 3,18 narra a triste notícia de que o povo está disperso

sobre o monte sem ninguém que o reúna. Este é o mesmo quadro de Israel na

profecia de Mq 7,8-20. Há desse modo, uma relação intertextual entre os textos.

As correspondências, nos respectivos livros, encontram-se em relativa

proximidade, mostrando não se tratar, aqui, provavelmente, de uma coincidência.

Mq 7,14-17 narra que o rebanho habita sozinho na floresta e deseja que

YHWH o pastoreie novamente em terras férteis – Basã e Gilead -, que foram os

primeiros locais ocupados por Israel. Os vv 14-17 estão ligados tanto aos

versículos anteriores – que falam do território expandido e restaurado como nos

dias de outrora – quanto aos versículos seguintes – que apontam para as tradições

de Israel (Patriarcas e Promessas). Mas eles são diferentes nos seus temas.

Enquanto o primeiro bloco está relacionado ao castigo e à confissão de culpa de

Sião, o outro refere-se à soberania divina em perdoar. Essa estrutura confirma a

importância dessa seção (cf. Mq 7,14-17). A mudança do comportamento

idolátrico a um comportamento fiel se expressa na restauração a ser realizada após

o reconhecimento da culpa. Fica evidente que Israel é povo de Deus e quer tornar-

se novamente o rebanho de YHWH. Deus, o poderoso pastor, permeia a

645 Mq 7,13 e Na 1,5 usam outra forma verbal com o mesmo significado = habitar, permanecer. Ambos no mesmo grau qal particípio e no mesmo sentido – ambos referem-se a habitantes. De um lado, os pecados dos habitantes geram a desolação da terra; e do outro, a terra é devastada juntamente com os que nela habitam. Interessante que por duas vezes os profetas usam os mesmos

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mensagem central de esperança de Sião de tal forma que seu rebanho nada deve

temer. O plano último de Deus é reunir o rebanho de sua herança como já havia

afirmado o texto de Mq 2,12-13.

Embora o povo tenha experimentado a escuridão, compreende que, mesmo

durante sua provação, Deus tinha sido misericordioso, libertando-os do medo. Ele

não terá medo da escuridão, que lhe reveste, pois a noite é ponte para o dia na

presença de Deus (cf. Sl 27,1 e Mq 7,8). Sua experiência é que a escuridão não

pode fazer-se escuro a Deus.

Nota-se que, ambos os livros, a salvação passa pela reunião dos filhos de

Israel dispersos, mais a reconstrução da comunidade. Há, portanto, um importante

fio teológico que moldura o livro de Miquéias e Naum: a volta à terra, ou seja, a

Jerusalém646. A terra é retratada como ponto final do julgamento e salvação de

Deus. A salvação e a restauração são temas que incluem todos os habitantes –

novo tempo de redenção em ligação com a terra renovada. Dt 31,17-18 vincula o

julgamento de Deus com “aquele dia” vindouro. No Sl 72,11.17, os confins da

terra se voltam para o Senhor.

O retorno a Jerusalém será a condição imediata para que se restaure a relação

entre Deus e Israel. A conversão ou a consciência do pecado entra em primeiro

plano. Só assim será restaurada a relação mútua – Deus não irá abandoná-los e

eles não serão mais afastados de Deus. Deus reunirá suas ovelhas que estão

dispersas e irá guiá-las à terra prometida a Abraão e ali as estabelecerá com

segurança.

O fato de Miquéias mencionar, nos versículos finais, Jacó e Abraão,

corrobora essa hipótese647. O nome” pastor” é usado especificamente por Jacó (Gn

48,15; 49,24). Jacó inclui também a idéia de eleição, que identifica o povo como

verbos e com o mesmo sentido. O profeta ainda usa o verbo apascentar em 2,3 por duas vezes e Naum em 1,11. 646 Deve-se ressaltar que este não é o único ponto de união entre os livros de Miquéias e Naum. 647 O tema referente aos “patriarcas” é abundantemente atestado no AT. Os Doze Profetas Menores falam dos patriarcas nos seguintes textos: Os 9,10; Jl 1,2; Am 2,4; Mq 7,20; Zc 1,2. 4.5.6; 8,14; Ml 2,10; 3,7. 24. A maioria das citações se encontra nos escritos pós-exílio. A leitura destes diferentes textos, parece que, exceto Ml 2,10, somente Mq 7,20 não fala negativamente dos patriarcas. Os Doze falam, sobretudo, do pecado dos patriarcas, principalmente Zacarias, que possui o maior número de ocorrências. Os pais não escutam os profetas que são enviados por Deus (1,5), o que explica a cólera contra eles (1,2; 8,14). A conseqüência é que foram aniquilados (1,5). Zacarias compara a geração dos pais com aquela do exílio, não distinguindo a época dos pais com época presente. Cf. PETIT JEAN, A., Les Oracles du Proto-Zacharie, p. 39s.

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povo de Deus (cf. Gn 32,29; 35,10)648. E o uso do contexto da aliança de Deus

com Abraão evoca que as promessas feitas ao ancestral de Israel serão cumpridas.

O autor coloca a graça de Deus como a base legal da aliança. Por isso, a imagem

de Deus como guia e pastor que atende todas as necessidades e protege todos dos

perigos nas jornadas. Deus não é apenas gracioso em abençoar os que voltam

arrependidos para ele, mas é justo em lidar com o pecado e a rebelião contra ele

próprio e o seu povo. Os pecados são atirados nas profundezas do mar e é desta

profundidade que vem a esperança de uma vida nova.

O coração de Israel será o local de conhecer a Deus. E só conhecerão o

Senhor aqueles que confiam nele e que foram resgatados para habitarem

novamente em Sião. Aqui temos a função do verbo “conhecer” mencionado

anteriormente como a ligação do livro de Miquéias e Naum.

O lamento final de Na 3,19 encontra-se em paralelo com Mq 1,9 onde a

mesma terminologia é usada. Este texto usa linguagem de uma canção de luto

com efeito satírico649. Nínive havia desequilibrado as nações e sua queda

restabelecerá o equilíbrio delas. A nova ordem garantirá a todas as antigas vítimas

de Nínive condições de plena existência de esperança.

Na 3,19 inicia com a oração: ^r,b.vil. hh'Ke-!yae (“Não há cura para tua

ferida”); em seguida ^t,K'm; hl'x.n: (“tua doença é incurável”). O TM lê hh'Ke (cura)

como um hapax legomenon650. As orações seguintes retratam a conseqüência

desta notícia: ^[]m.vi y[em.vo lKo o(“Todos os que ouvem notícias sobre ti”); ^yl,[' @k;

W[q.T' (“Batem palmas a teu respeito”); dymiT' ^t.['r' hr'b.['-al{ ymi-l[; yKi (“Pois sobre

quem não passou continuamente a tua maldade?”) Este versículo possui duas linhas paralelas. A primeira descreve a condição

negativa de Nínive. A cidade não tem cura, ela possui um mal incurável. A

segunda dá a explicação para a primeira: todos os que ouvem a notícia se alegram.

As nações se alegram porque a Assíria não sobreviverá. Seu ferimento é fatal.

648 Antes do exílio da Babilônia, Jacó designa seja o reino do Norte (cf. Am 3,13) seja o de Judá (cf. Ab 1,10) ou o conjunto do povo eleito (cf. Ez 39,25). Mas, após o exílio da Babilônia, o nome de Jacó tornou-se sinônimo da comunidade judaica da restauração. O corpus de Ageu-Zacarias-Malaquias, este nome só se encontra em Ml 1,2 (2x); 2,12 e 3,6 para designar o povo de Israel. 649 Cf. COMISKEY, Micah, p. 828. 650 À luz da LXX, os editores da BHS sugerem a emenda hh'Ge para o TM, que ocorre apenas somente mais uma vez na Bíblia Hebraica (Pr 17,22). Esta sugestão baseia-se por uma confusão ortográfica e fonológica entre as letras hebraicas Ke e Ge. Tal emenda produziria a frase comum:

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Agora é tempo para o julgamento, é o tempo da destruição desta nação impiedosa

sem Deus. E é o início de um novo tempo para Sião.

As duas profecias terminam positivamente: ilustram a incomparabilidade

divina. Os versos finais de Miquéias e Naum aclamam a fidelidade de Deus em

suas promessas e enfocam especialmente sua prontidão para esquecer e subjugar

os pecados do povo, mostrando misericórdia novamente para Israel ao jogar o

pecado do povo no fundo do mar651. São as atitudes de Deus que levam o profeta a

proclamar: “Quem é um Deus como tu?” O que caracteriza Deus é a graça – a

graça coloca Deus a parte dos outros deuses. A interpretação do livro de Naum

deve ser focada na necessidade de se confiar em Deus diante da presença dos

tiranos ou inimigos. YHWH permanece um refúgio para seu povo, seja nas mãos

dos assírios, edomitas, babilônios ou romanos. Mesmo o mais poderoso opressor

será derrubado.

4.1.4.2 Conclusão

Nosso estudo constatou que se podem encontrar as palavras-chave que

aparecem juntos no final de um livro profético, no caso o livro de Miquéias,

incluídas no início, como havia mencionado Nogalski, mas também no fim do

livro subseqüente, no caso o livro de Naum. O foco principal do estudo, no

entanto, é que o significado desse fenômeno observado está não apenas

relacionado com os aspectos literários, apontados anteriormente por Nogalski,

mas nos termos históricos, como tivemos a oportunidade de observar652.

Se essas suposições estão corretas, então, Naum utilizou o texto de

Miquéias como modelo e fonte de inspiração.

“Não há cura para o seu ferimento” (cf. Os 5,13). Cf. CATHCART, K. J., “Treaty-curses and the book of Nahum”, CBQ 35 (1973), P. 186. 651 Wolff supõe que a frase do v. 19c seja uma alusão às armas e os carros do faraó tragados pelo Mar Vermelho, na saída do Egito (cf. Ex 15,4). Cf. WOLFF 207. Também lemos no Salmo 103,12: A distância entre norte e sul, a distância entre leste e oeste é infinita. Ainda, Deus disse a Jeremias: Jr 31,34 - as palavras de Deus não lembram os pecados, é equivalente a uma completa remoção dos pecados. 652 A palavra profética responde a circunstâncias particulares, que supõem um contexto delimitado tanto nos planos social, político, econômico e religioso. Não era de maneira vaga que YHWH se dirigia a seu povo; as suas intervenções eram sempre precisas e visavam a pessoas concretas, em tempos e lugares certos. Daí a importância de colocar os profetas na sua época original, para não trairmos seu pensamento e para nos deixarmos interpelar por sua mensagem.

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216

4.1.5 Análise da relação entre Abdias e Miquéias

Segundo as observações de Nogalski653, se se remove o livro de Jonas de

seu lugar atual, entre Abdias e Miquéias, uma forte conexão aparece entre os

versículos conclusivos de Abdias e os versículos que abrem o livro de Miquéias.

Para o autor, tal posição sugere a possibilidade de que o livro de Jonas foi inserido

em um contexto que existia previamente entre Abdias e Miquéias. Assim é preciso

que se verifiquem também as conexões entre Miquéias e Abdias654.

O livro de Abdias abre-se com a fórmula hwIhy> yn"doa] comum na tradição

Judaica. A mensagem que segue é um oráculo de juízo: “Eis que vou tornar-te

pequeno entre as nações” (v.2). A sina de Edom é relacionada ao “Dia de

YHWH” (cf. Ab 1, 8.11.12.13.14.15). No livro dos Doze é somente em Abdias

que se encontra uma aproximação entre Esaú e Edom, assim como a expressão

“montanha de Esaú” (cf. Ab 1,9.19.21) para designar Edom e descrever sua

destruição e seu julgamento.

Para Nogalski655 as palavras-chave entre os dois livros são: rh;, bqo[]y:, vae,

hd,f' e !Arm.v.o rh; (montanha) é utilizada cinco vezes na seção final de Abdias

referindo-se a “montanha santa” (v. 16), aquela de Sião (v. 17); a de Esaú

consagrada ao julgamento do dia do Senhor (v. 19. 21.21). A palavra é empregada

no início do livro de Miquéias (cf. Mq 1,4), todavia é mencionada uma única vez

assegurando um lugar mínimo com o livro de Abdias. No caso de Mq 1,4 não

remete a um povo específico, mas a uma situação geográfica geral656. O nome

Jacó (bqo[]y:) figura em ambos os livros (cf. Ab 1,17.18 e Mq 1,5), no entanto, em

Abdias, desenvolve-se um projeto positivo – a casa de Jacó será salva –; e em

Miquéias, sublinha os crimes de Jacó. Abdias anuncia que no Dia de YHWH, Jacó

servirá de instrumento para as mãos divinas: ele será como um fogo (vae-cf. Ab

1,17-18). Em Mq 1,7 o fogo é atribuído a Deus mesmo, e será sinal de castigo

tanto para os israelitas do Norte (Samaria) quanto os do Sul (Jerusalém e Judá). A

653 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors p. 13 e Redactional Processes, p. 31. 654 Os dados do livro de Abdias são difíceis de determinar, pois não há uma indicação cronológica direta sugerida pelo livro; assim também é incerta a identidade histórica do autor. Uma possível data para o livro baseia-se apenas na evidência interna: o destinatário dos oráculos é Edom, por causa da sua ação hostil contra Judá. 655 Cf. NOGALSKI, J., Redactional Processes, pp. 31-32.78.

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palavra hd,f' em Ab 1,19 ocorre associada a Efraim e Samaria – “tomarão posse do

campo de Efraim e do campo de Samaria”, apontando um novo Israel. Em Mq

1,6, indica que Samaria será transformada em um “campo de ruínas”. O nome de

“Samaria” (!Arm.v) encontra-se em Ab 1,19 e Mq 1,1.5.6, e não é muito comum

entre os Doze Profetas657. Tanto em um quanto em outro, a predição é a favor do

público do reino Sul e não ao de Samaria, que é vista por Miquéias, como uma

prostituta (cf. Mq 1,7). Abdias só emprega este nome uma única vez e no final de

seu livro no versículo que trabalha a conclusão, junto aos temas principais: a

salvação de Sião, o julgamento de Edom e a reunificação do reino (cf. Ab 1,19). O

texto final de Abdias insiste na restauração do reino cujo centro está situado em

Judá. A restauração de Sião é também trabalhada no final do texto de Miquéias.

Entretanto estas relações são de pouca importância para uma análise literária mais

aprofundada, já que estes termos são comuns na Bíblia Hebraica658.

Miquéias Abdias

rh; 1,4 ~yrIh'h, WSm;n"w> 1,16 yvid>q' rh; 1,17 !AYci rh; 1,19 wf'[e rh; 1,21 wf'[e rh; / !AYci rh;

bqo[]y: 1,5 tazO-lK' bqo[]y: [v;p,B. 1,17 ~h,yver'Am tae bqo[]y: tyBe Wvr>y"w> 1,18 vae bqo[]y:-tybe hy"h'w>

vae 1,7 vaeb' Wpr>F'yI h'yN<n:t.a,-lk'w> 1,18 vae bqo[]y:-tybe hy"h'w>

hd,f' 1,6 hd,F'h; y[il. !Arm.v 1,19 !Arm.vo hdef. taew>`d['l.GIh;-ta,

!Arm.v 1,1 !Arm.vo-l[; hz"x'-rv,a] 1,5 !Arm.vo aAlh] bqo[]y: [v;p,-ymi 1,6 y[il. !Arm.vo yTim.f;w>

1,19 !Arm.vo hdef. taew>`d['l.GIh;-ta,

Em nosso estudo, percebemos outros pontos de contatos entre Miquéias e

Abdias. O texto de Abdias apresenta no v. 3, o verbo !kv, no particípio qal, como

em Mq 7,14. Esta forma verbal, somente aparece nestes dois textos e em Jl

4,17.21659. Há, no entanto, um contraste entre os escritos: em Miquéias, Israel

mora sozinho desprotegido, aguardando confiante a direção de YHWH; já Abdias

656 Tal correspondência aparece também na LXX e Vg que trazem respectivamente o;roj (montanha) e mons. 657 Samaria é mencionada algumas vezes por Oséias (7,1; 8,5.6; 10,5.7; 14,1) e por Amós (3,9; 4,1; 6,1; 8,14) e em nenhum outro Profeta Menor. 658 As palavras-chave apontadas por Nogalski são comuns entre os Profetas Menores – rh; (19 vezes) bqo[]y: (24 vezes) vae (25 vezes); hd,f' (14 vezes) e !Arm.v (15 vezes). 659 Em Jl 4,17.21 encontramos !kevo; este texto de Joel será analisado no decorrer do estudo.

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retrata a arrogância de Edom, que habita nas fendas dos rochedos supondo-se

imune de qualquer perigo. Os israelitas farão de Deus o seu apoio, e Edom apóia-

se na sua força e localização660. Todavia, este que se firma em seu poder e valentia

será exterminado, enquanto que aquele que confia em YHWH será salvo.

Miquéias Abdias

!kv 7,14 r[;y: dd'b'l. ynIk.vo Ab 1,3 [l;S,-ywEg>x;b. ynIk.vo

Encontramos ainda em Ab 1,7 e Mq 7,16 a forma verbal Wmyfiy" (~yf) que, no

primeiro, reflete os aliados de Edom armando uma cilada contra ele; e o segundo

mostra a nação inimiga colocando a mão na boca em um gesto de vergonha pela

sua arrogância diante do poder de YHWH. Ambos os textos retratam com ironia a

derrota das nações poderosas e prepotentes.

Miquéias Abdias

~yf 7,16 hP,-l[; dy" Wmyfiy" Ab 1,7 ^yT,x.T; rAzm' Wmyfiy"

Um outro ponto de contato: Ab 1,10s apresenta Edom na mesma situação

enfocada por Mq 7,10: “Por causa do morticínio, por causa da violência contra

teu irmão Jacó a vergonha te cobrirá, e tu serás exterminado para sempre! A

expressão hv'Wb ^S.k;T. (a vergonha te cobrirá) em Ab 1,10 encontra-se em Mq

7,10: hv'Wb h'S,k;t.W. (a vergonha a cobrirá). O verbo hsk (cobrir) encontra-se nos

dois textos aplicados na mesma forma com alteração apenas do sufixo, da 2ª

pessoa do masculino singular (Edom) para 3ª pessoa do feminino singular (nação).

E nos dois textos, o verbo vem acompanhado pela palavra “vergonha” (hv'WB).

Também neste caso, não encontramos nos outros livros dos Profetas Menores tal

ocorrência, ou seja o uso do verbo Hsk + hv'Wb só se encontra em Ab 1,10 e Mq

7,10 e ambos retratam a humilhação dos poderosos.

Miquéias Abdias

hv'Wb / Hsk 7,10 hv'Wb h'S,k;t.W. 1,10 hv'Wb ^S.k;T.

660 Na análise entre Mq 7,14 e Na 3,18 ressaltamos a correspondência entre estes textos através do uso do mesmo verbo (!kv). Em Mq 7,14, Israel habita sozinho na floresta, aguardando o pastoreio de YHWH, enquanto que em Na 3,18 o povo está disperso sem ninguém para reuni-lo. Verificamos que em ambos os textos finais de Miquéias e Naum, a salvação passa pela reunificação do povo e a confiança deste na salvação de YHWH.

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Um outro dado que completa o quadro acima é que os dois textos utilizam

as mesmas formas dos verbos har (ver), tão especial no texto final de Miquéias

(cf. Mq 7, 9.10 (2x)16); e xmf (alegrar-se) que inicia o texto - objeto de nosso

estudo (Mq 7,8-20). O contexto destes verbos em Ab 1,12 e Mq 7,8 são

semelhantes: Ab 1,12 traz: “Não te alegres à vista do dia de teu irmão no dia de

tua desgraça”. E Mq 7,8: “Não te alegres, minha inimiga, por mim”. Abdias

refere-se à conduta de Edom diante da queda de Jerusalém, que gerou a dispersão

de Israel; e Miquéias apresenta Sião após uma violência sofrida661.

Miquéias Abdias

har 7,9 Atq'd>ciB. ha,r>a 7,10 hN"ya,r>Ti ... yTib.y:ao ar,tew>

7,16 ~yIAg War>yI

1,12 Ark.n" ~AyB. ^yxia'-~Ayb. ar,Te-la;w>

xmf 7,8 yxim.f.Ti-la; 1,12 xm;f.Ti-la;w> É previsto em Mq 7,12 que “um dia” (~Ay) Israel “virá” (awb) de todas as

regiões e nesse dia, os seus muros serão reconstruídos e as suas fronteiras

alargadas. A mesma raiz verbal (awb) é encontrada Ab 1,13, juntamente com o

termo ~Ay, mas o contexto é outro. Por um lado, trata-se de uma promessa a Sião,

por outro, está ausente qualquer sinal de salvação para Edom, ao contrário lhe é

impugnado “um dia de ruína”662. Este vaticínio feito a Edom é apresentado em Ab

1,15, onde se encontra verbo hf[ (qatal + nifal), também presente em Mq 7,9

que, no entanto, ao contrário de Ab 1,15, retrata a espera confiante de Israel de

que YHWH cumprirá o seu direito. Sião oprimida torna-se lugar de salvação, e

Edom será julgado por YHWH. O texto de Ab 1,15 apresenta ainda o verbo bwv

que se encontra também em Mq 7,19. Ambos trazem uma ação de YHWH: da

parte de Sião, a oferta de salvação na destruição das suas culpas; e da parte de

Edom, a sua ruína para sempre.

661 Esta ação verbal ocorre somente mais uma vez, nos Profetas Menores em Os 9,1: “Não te alegres, Israel: não exultes como os outros povos!”. 662 O verbo awb na forma qal qatal é freqüente nos Profetas Menores, todavia, somente em Joel (Jl 1,15) e em Sofonias (Sf 2,2) vem junto com a palavra ~Ay; e no contexto de ruína apresentado por Abdias. “Ai! Que dia! Sim, está próximo o dia de YHWH, ele chega como uma devastação vinda de Shaddai” (cf. Jl 1,15). “Antes que sejais espalhados, como a palha que desaparece em um dia, antes que venha sobre vós a ardente ira de YHWH” (cf. Sf 2,2).

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Miquéias Abdias

awb / ~Ay 7,12 aAby" ^yd,['w> aWh ~Ay 1,13 ~d'yae ~AyB. yMi[;-r[;v;b. aAbT'-la;

Miquéias Abdias

hf[ 7,9 yjiP'v.mi hf'['w> 1,15 %L hf,['yE t'yfi[' rv,a]K

Miquéias Abdias

bwv 7,9 Wnmex]r;y> bWvy" 1,15 `^v,aroB. bWvy" ^l.muG>

Ab 1,21 mostra que o monte Sião se tornará a morada divina, ou seja, Sião

se tornará o reino de YHWH. Miquéias, também no seu texto final, antecipa um

futuro evento que restaurará Sião. A grande diferença é que Miquéias antecipa a

salvação e o perdão dos pecados.

Observa-se entre os dois textos uma atitude contrária de YHWH – de um

lado demonstra amor para seu povo; de outro, aversão ao malvado inimigo de

Israel. YHWH afirma sua fidelidade a si mesmo ao declarar amor para com Israel.

Deus testemunha o amor aos israelitas e não aos edomitas, irmãos e inimigos

deste. Em contrapartida, Israel é convocado a reconhecer em YHWH o seu único

Deus.

Percebe-se nesta análise o uso da mesma terminologia tanto para indicar

semelhanças quanto para sortes diferentes. Mais uma vez constatamos que as

ligações importantes entre os livros não se encontram somente entre o final de um

livro e o início do outro. Entre Abdias e Miquéias o ponto de contato localiza-se

no seu texto final.

4.1.5.1 Conclusão

Ambos os livros vizinhos de Miquéias, Abdias e Naum, revelam

intervenções literárias maiores, que objetivam unir estreitamente com o livro de

Miquéias.

Todos os textos enfocam um futuro repleto de graça, quando Israel será

reunido e guiado novamente por YHWH. O coração de Israel será o local de

conhecer a Deus.

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4.1.6 Relação do Livro de Miquéias com o Livro de Jonas

O livro de Jonas foi inserido no Cânon Hebraico, após o livro de Abdias,

permanecendo, portanto ligado ao livro de Miquéias663. Este livro destaca-se dos

outros livros proféticos, pois não há quase pronunciamento profético, com

exceção de Jn 3,4; e poucas particularidades com o livro de Miquéias.

Nogalski664 já aludira sobre as palavras-chave que ligam o salmo de Jonas

(cf. Jn 2,2-10) com o primeiro capítulo do Livro de Miquéias. Assim, as conexões,

apontadas pelo autor, encontram-se neste salmo e não no fim do livro de Jonas.

No entanto, trata-se, de palavras de pouca relevância para uma análise literária,

segundo o modelo de estudo utilizado entre os livros de Miquéias e Naum.

E orou Jonas a YHWH, seu Deus, das entranhas do peixe.

v.2 `hg"D'h; y[eM.mi wyh'l{a/ hw"hy>-la, hn"Ay lLeP;t.YIw

Ele disse: de minha angústia, clamei a YHWH, e ele me respondeu;

v.3a ynInE[]Y:w: hw"hy>-la, yli hr'C'mi ytiar'q' rm,aYOw:

Do seio do Xeol pedi ajuda, e tu ouviste a minha voz.

v.3b `yliAq T'[.m;v' yTi[.W:vi lAav. !j,B,mi

Lançaste-me nas profundezas, no seio dos mares, e a torrente me cercou,

v.4a ynIbeb.soy> rh'n"w> ~yMiy: bb;l.Bi hl'Wcm. ynIkeyliv.T;w:

Todas as tuas ondas e as tuas vagas passaram sobre mim.

v. 4b `Wrb'[' yl;[' ^yL,g:w> ^yr,B'v.mi-lK'

E eu dizia: fui expulso de diante de teus olhos.

v. 5a ^yn<y[e dg<N<mi yTiv.r;g>nI yTir>m;a' ynIa]w: Todavia continuo a contemplar o teu santo Templo!

v. 5b `^v,d>q' lk;yhe-la, jyBih;l. @ysiAa %a;

As águas me envolveram até o pescoço,

v.6a vp,n<-d[; ~yIm; ynIWpp'a;

o abismo cercou-me, e a alga enrolou-se em volta da minha cabeça.

v.6b `yviarol. vWbx' @Ws ynIbeb.soy> ~AhT.

Eu desci até às raízes das montanhas, v. 7a yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil à terra cujos ferrolhos estavam atrás de mim para sempre.

v. 7b ~l'A[l. ydI[]b; h'yx,rIB. #r,a'h'

Mas tu fizeste subir da fossa a minha vida, YHWH, meu Deus.

v. 7c `yh'l{a/ hw"hy> yY:x; tx;V;mi l[;T;w

Quando minha alma desfalecia em mim,

v. 8a yvip.n: yl;[' @Je[;t.hiB.

663 A ligação entre Abdias e Jonas é também assegurada por Nogalski pelo mesmo procedimento literário de palavras-chave. Duas palavras chamam atenção: h['r' (Ab 13; Jn 1,2.13) e lr'AG (Ab 11; Jn 1,7). O termo h['r' é o mesmo nos dois textos, mas o sentido é diverso. A expressão “lançar a sorte” (lr'AG lp;n") é rara na BH, encontrando apenas em Jl 4,3; Na 3,10; Ab 11 e Jn 1,7. Os textos de Abdias, Naum e Joel enfocam que os vencedores estrangeiros tiram a sorte para partilhar os bens dos israelitas vencidos. Em Jonas, o contexto é diferente: tiram a sorte para saber por causa de quem estavam ameaçados pela desgraça do naufrágio. A sorte é lançada em Naum e Joel, sobre o povo ou parte dele; em Abdias, sobre Jerusalém e no livro de Jonas, caiu sobre ele mesmo. A análise desses textos desvia do escopo desta tese, pois não relacionam com Mq 7,8-20 - objeto de nosso estudo. 664 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors, p. 35-37; Redactional Processes, p. 248.

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Eu me lembrei de YHWH, v. 8b yTir>k'z" hw"hy>-ta,

E minha prece chegou a ti, até o teu santo Templo.

v. 8c `^v,d>q' lk;yhe-la, ytiL'piT. ^yl,ae aAbT'w:

Aqueles que veneram vaidades mentirosas abandonam o seu amor.

v. 9a `WbzO[]y: ~D's.x; aw>v'-yleb.h; ~yrIM.v;m.

Quanto a mim, com cantos de ação de graças, oferecer-te-ei sacrifícios

v. 10a %L'-hx'B.z>a, hd'AT lAqB. ynIa]w: e cumprirei os votos que tiver feito: a YHWH pertence a salvação.

v. 10b `hw"hyl; ht'['Wvy> hm'Lev;a] yTir>d;n" rv,a]

Jonas estava em dificuldades, orou ao Senhor pedindo ajuda (cf. Jn 2,2);

YHWH respondeu (cf. Jn 2,3). Jn 2,3-9 elabora com detalhe a natureza e a

extensão da situação difícil que se encontrava, mencionando a ajuda recebida; Jn

2,10 contém a promessa do agradecimento.

As palavras-chave, apontadas por Nogalski665, entre o salmo de Jonas e o

início do livro de Miquéias, são: a expressão vd>q' lk;yhe (templo de sua santidade -

cf. Mq 1,2 e Jn 2,5.8), que não é comum na Bíblia Hebraica666; a ação verbal dry

(descer – cf. Mq 1,3 e Jn 2,7); as palavras rh; (montanhas – cf. Mq 1,4 e Jn 2,7);

~yIm; (águas – cf. Mq 1,4 e Jn 2,6) e de certa forma, o autor liga o termo lysiP'

(idolatria – cf. Mq 1,7) com aw>v'-yleb.h; (vaidades mentirosas – cf. Jn 2,9).

Termos Miquéias Jonas vd>q' lk;yhe 1,2 Avd>q' lk;yheme yn"doa 2,5 ^v,d>q' lk;yhe-la, jyBih;l. @ysiAa

2,8 ^v,d>q' lk;yhe-la, ytiL'piT. #r,a, 1,2 #r,a, ybiyviq.h; ~L'Ku ~yMi[; W[m.vi

1,3 #r,a' ytem\B'-l[; 2,7 #r,a'h' yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil.

dry 1,3 #r,a' ytem\B'-l[; %r;d'w> dr;y"w> 2,7 yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil.

~yIm; 1,4 dr'AmB. ~yrIG"mu ~yIm;K. 2,6 vp,n<-d[; ~yIm; ynIWpp'a] rh; 1,4 wyT'x.T; ~yrIh'h, WSm;n"w> 2,7 yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil.

A expressão vd>q' lk;yhe (templo santo) em Mq 1,2 mostra que “o Senhor saiu

de seu santo Templo”; Ele desce e pisa sobre os altos da terra. Jn 2,5 mostra que

Jonas, mesmo distante dos olhos de YHWH, continua a contemplar o teu “santo

Templo”; Jn 2,8 a prece do personagem chega até Deus, até o teu “santo Templo”.

665 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors, pp. 35-37. 666 Uma outra menção de Avd>q' lk;yheB (templo de sua santidade) se situa em Hab 2,20. A presença de uma prece – sob a forma de um Salmo – pode ser observada tanto em Jn 2 quanto em Hab 3. Este capítulo faz parte de um conjunto formado de Hab 2,20-3,19, apresentado como uma prece de súplica. Aqui o resultado da prece não diminui o sofrimento, mas para o orante, é o sinal de uma nova esperança para o futuro (Hab 3,17-19). Essas observações poderiam levar a pensar que Habacuc forneceria o modelo literário e teológico para Jonas. A palavra “Templo” aparece ainda em Am 8,3; e “Templo de YHWH” em Ag 2,18 e Zc 6,12.13.

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A expressão vd>q' lk;yhe é a mesma, mas o sentido é diverso. Há também diferenças

de terminologias.

Jn 2,7 indica que Jonas desce “até as raízes da montanha”, ou seja, ao fundo

do mar, onde se pensava repousar a terra. Observa-se aqui o verbo dry usado neste

versículo (cf. Jn 2,7) é o mesmo que em Mq 1,3, mas com sentido inverso –

enquanto o Senhor desce e pisa sobre os “altos da terra”, Jonas desce até as

“raízes da montanha”667. Esta ação verbal apresenta-se na mesma forma, qal qatal,

nos dois textos, diferenciando-se nos sufixos. No livro de Miquéias, YHWH inicia

um processo contra Israel (Samaria), enquanto que o texto de Jonas indica o

personagem querendo esquivar-se de sua missão, fugindo para o lugar mais longe

possível.

A mesma ação verbal de Mq 1,3 é encontrada na mesma forma e por duas

vezes em Jn 1,3. Nesta passagem Jonas se levanta e desce a Jope e lá “encontrou

um navio que ia para Társis, pagou a passagem e embarcou para ir para longe de

YHWH”. Társis representava aos olhos dos hebreus o fim do mundo. Observa-se

que, mesmo tendo a mesma forma verbal, o sentido dos textos é discordante.

Miquéias Jonas 1,3 %r;d'w> dr;y"w> AmAqM.mi aceyO hw"hy> hNEhi-yK 2,7 #r,a'h' yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil. 1,3 hw"hy> ynEp.Limi hv'yvir>T; x;rob.li hn"Ay ~q'Y"w: dr,YEw: !TeYIw: vyvir>t; ha'B' hY"nIa' ac'm.YIw: Apy" dr,YEw: hw"hy> ynEp.Limi hv'yvir>T; ~h,M'[i aAbl' HB' Hr'k'f

Em relação aos termos #r,a,,, ~yIm;, e rh, são palavras comuns na Bíblia

Hebraica. Nenhuma destas palavras marca alguma conexão importante entre os

livros. Tal fato corrobora a afirmação anterior de que as palavras-chave são de

pouca significância para constituir uma conexão entre esses livros.

Ao averiguar a relação literária entre o salmo de Jonas e o texto de Mq 7,8-

20 encontramos a expressão: ~yMiy: hl'Wcm. // ~y" tAlcum. (profundezas do mar (cf.

Mq 7,19 // Jn 2,4), que só é vista nestes livros entre os Profetas Menores. Os

nomes divinos são encontrados nos textos: hw"hy> em Jn 2, 3. 7. 8. 9.10.11, sendo

que no v. 2 temos wyh'l{a/ hw"hy, igualmente no v. 7 yh'l{a/ hw"hy>. Encontramos

também a palavra rh'n," que é usada em paralelo com ~y" (cf. Mq 7,12 e Jn 2,4).

667 A expressão ~yrIh' ybec.qil. (raízes das montanhas) é rara aparecendo somente aqui neste livro, em toda a Bíblia Hebraica.

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Jonas Nomes divinos v. 2 wyh'l{a/ hw"hy>-la,v. 3 hw"hy>-la,v. 7 yh'l{a/ hw"hy>v. 8 hw"hy>-ta,v. 10 hw"hyl;v. 11 hw"hy>

Zapff668 ressalta vários outros pontos de contato entre o livro de Jonas e o

de Miquéias, sobretudo, em Mq 7 – que, no nosso estudo, este desempenha um

papel decisivo na ligação com os livros de Naum e Abdias. O autor aponta outras

linhas de ligação, entre elas a figura de Jonas (cf. Jn 2,2-10) da mesma forma que

Sião; em Mq 7,8-20, está caracterizado de forma muito positiva na maneira em

que ambos confessam sua total dependência de YHWH. Isto torna-se nítido em

Mq 7,9 e Jn 2,7; se em Miquéias, Sião confia que YHWH lhe trará a luz, Jonas

confessa que YHWH o retirou do túmulo.

Miquéias Jonas 7,9 Al ytiaj'x' yKi aF'a, hw"hy> @[;z: 2,7 #r,a'h' yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil.

yjiP'v.mi hf'['w> ybiyrI byrIy" rv,a] d[; l[;T;w: ~l'A[l. ydI[]b; h'yx,rIB. `Atq'd>ciB. ha,r>a, rAal' ynIaeyciAy `yh'l{a/ hw"hy> yY:x; tx;V;mi

Para Zapff as designações de Deus no salmo de Jonas – diferentemente das

designações do resto do livro de Jonas – encontram seu correspondente em Mq

7,10.17, quando lá o nome de Deus é respectivamente ligado ao sufixo ~yhil{a. Na

visão do autor, YHWH é acentuadamente salientado como o Deus de Jonas e de

Sião.

Miquéias Jonas 7,10 %yIh'l{a/ hw"hy> 7,17 Wnyhel{a/ hw"hy>

2,2 wyh'l{a/ hw"hy 2,7 yh'l{a/ hw"hy>

668 Na visão de Zapff, a posição do Livro de Miquéias entre Jonas e Naum não seria um acaso - reflete-se nele a seqüência das diferentes perspectivas dos povos dos livros de Joel, Jonas e Naum. O julgamento dos povos diante de Sião, no Livro de Joel, encontraria sua correspondência em Mq 4,11-14 e 7,10. À prometida possibilidade de conversão dos povos em Jonas e à disposição para o perdão de YHWH corresponderia à peregrinação dos povos para Sião em Mq 4,1-3 e Mq 7,12. O julgamento definitivo sobre todos os povos que “não obedecem”, a saber, que não peregrinaram para Sião (Mq 5,14; 7,13) deveria ser procurado em Naum 1, onde, conseqüentemente, diferencia-se entre os “inimigos de YHWH” (Na1,2b) e “aqueles que procuram abrigo em YHWH” (Na 1,7). Cf. Zapff, B., “Die Völkerperspektive des Michabuches als, Systematisierung “der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum?” BN 98 (1999) 86-99.

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Por fim, a confissão de confiança de Sião em Mq 7,8ss tem, em seu

contexto, uma função semelhante ao salmo de Jonas. A ação de Jonas,, delineada

em Jn 2,3-10 dirigida a YHWH e sua subseqüente salvação, é a condição para a

conversão e salvação de Nínive - iniciada através da mensagem profética de

justiça. O mesmo vale com respeito à confissão de confiança de Sião em Mq 7,8s.

e a sua salvação esperada por YHWH. Igualmente, essa é condição da vinda dos

povos para YHWH, mais precisamente, a salvação de Sião é o sinal efetivo ao

qual os povos chegam a YHWH (Mq 7,16).

O autor ainda aponta outras relações entre Mq 7 e o restante do Livro de

Jonas com respeito ao conteúdo. Em primeiro lugar, cita o tema do perdão dos

pecados que cunha, por um lado, Jn 3; e por outro, Mq 7,18ss. Miquéias fala do

Deus do amor (ds,x, v. 7,18 cf. Jn 4,2) significando assim que a cólera de Deus é

de curta duração. Quando Jn 1,16 narra que os homens do mar teriam “temido”

YHWH e “com grande temor” lhe oferecido um sacrifício e feito muitos votos,

tal cena, na visão de Zapff, encontra correspondência em Mq 7,17.

Miquéias Jonas 7,17 &'M,mi War>yIw> Wdx'p.yI Wnyhel{a/ hw"hy>-la, ~h,yteroG>s.Mimi WzG>r>yI #r,a, ylex]zOK. vx'N"K; rp'[' Wkx]l;y>

1,16 `~yrId'n> WrD>YIw: hw"hyl; xb;z<-WxB.z>YIw: hw"hy>-ta, hl'Adg> ha'r>yI ~yvin"a]h' War>yYIw:

Finalmente, com a expectativa de Jonas de poder ver o declínio de Nínive,

confronta-se, de forma marcante, com a firme certeza de Sião em poder ver não só

a humilhação de sua inimiga, mas também as maravilhas de YHWH, como nos

dias da saída do Egito (Mq 7,10.15). Assim, Mq 7 aproveita vários desejos de

Jonas, Sião mesma coloca-se, no fundo, no papel de Jonas. Agora, diferencia-se

entre os povos prontos à conversão e a inimiga que não quer se converter, que,

simbolizada por Nínive, é definitivamente aniquilada no Livro de Naum.

As ligações temáticas apontadas por Zapff não indicam a existência de uma

relação literária entre os textos. A dependência a YHWH mostrada em Mq 7,9 e

Jn 2,7, não traz nenhuma terminologia comum entre os textos, a não ser a menção

do nome de YHWH. Tampouco as designações divinas, sublinhadas pelo autor,

devem ser consideradas como um elo literário entre os livros, pois não são de uso

exclusivo desses profetas, ou seja, são comuns na Bíblia Hebraica. Finalmente, as

aproximações marcadas nesses textos não estão ancoradas numa terminologia,

sendo assim, elas se tornam vagas e frágeis.

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4.1.6.1 Conclusão

Pode-se dizer que os pontos de contato literário entre Miquéias e Jonas são

insignificantes, em uma perspectiva intertextual, como é a intenção do nosso

estudo.

4.1.7 Relação do Livro de Miquéias com o Livro de Joel

O livro de Joel posiciona-se na LXX ,após Miquéias (conferir tabela 1); e

de acordo com o pensamento de Zapff,669 há uma correspondência entre estes dois

livros através do tema da peregrinação dos povos.

Para Zapff,670 o texto de Jl 4,1-21, visto como uma reunião dos povos para

o juízo divino,, apresenta relações com Mq 4 (cf. Jl 4,10 e Mq 4,1-3)671. No

entanto, ao relacionar os textos, o autor observa que em Mq 4,1-3 os povos e

nações que peregrinarão para Sião posicionam diferentemente dos apontados em

Jl 4,10ss, pois estes foram para o campo de batalha com intenções hostis contra

Sião. É duvidoso, segundo o autor, que se possa buscar uma conciliação nesse

sentido, entre Jl 4,10ss e Mq 4,1-3. No entanto, o próprio texto de Miquéias (cf.

Mq 4,11-13) nos daria uma explicação: “reúnem-se contra ti (Sião) numerosas

nações”. Por causa dos pecados de Israel, os povos marcharam contra Sião, que é

devastada (cf. Mq 1-3; 4,10.14s ou Mq 6,1-16; 7,1-7). Após a punição de Sião,

YHWH surge contra os povos levando-os à derrota (cf. Mq 4,12 e 7,10). Através

da partícula adverbial hT'[;w> (cf. Mq 4,11), esse acontecimento é descrito como um

evento a se realizar no presente ou num futuro próximo. Por outro lado, a

peregrinação dos povos a Sião se situa “no fim dos tempos”- ~ymiY"h; tyrIx]a;B. hy"h'w

(cf. Mq 4,1). Para o autor, os mesmos povos que anteriormente guerreiam contra

Sião, no futuro, vão querer participar dos bens da salvação da Torá.

669 Cf. ZAPFF, B. “Die Völkerperspektive des Michabuches”, p. 89. 670 Cf. ZAPFF, B. “Die Völkerperspektive des Michabuches”, p. 89. 671 O capítulo 4 do Livro de Joel revela o julgamento de YHWH – o Senhor derrota os inimigos e liberta Israel. O julgamento, aqui apresentado, tem característica escatológica, representado pela fórmula “naquele dia” significando, neste caso, um tempo de restauração, após uma catástrofe. Todas as nações irão se reunir nesse Vale onde serão julgados. O Vale do julgamento (Vale de Josafá - YHWH julga) é descrito como um tempo para decisão – é provável que Joel não esteja se referindo a qualquer vale conhecido por este nome, mas quer ressaltar a realidade do julgamento

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Observa-se que as referências feitas por Zapff entre o livro de Joel e o de

Miquéias recaem sobre Mq 4. Como o objeto de nosso estudo é Mq 7,8-20,

examinaremos apenas os aspectos relacionados a este texto, embora o conteúdo de

Mq 7,8-20 apresente semelhanças com os caps 4 e 5, enquanto ressalta o regresso

dos dispersos de Israel (cf. Mq 7,11) que se dirigem a Sião junto a outros povos,

que reconheceram o poder de YHWH (cf. Mq 7,12.16). Sião se transforma então,

em ponto de convergência religioso dos povos que confiam em YHWH. O texto

de Jl 4,18-21 destaca igualmente a restauração de Sião e a indica como cidade

santa, por causa da presença do Senhor.

O capítulo final de Joel é um oráculo escatológico com elementos clássicos:

prodígios cósmicos, que precedem o “dia de YHWH;” e a salvação definitiva do

“resto”. Esta restauração futura é descrita de forma poética numa imagem de

fertilidade, que reverte por completo o quadro da devastação anterior causada por

gafanhotos (cf. Jl 4,18); segue o anúncio do juízo contra os antigos inimigos,

Egito e Edom (cf. Jl 4,19), e a proclamação de uma promessa perpétua para Judá e

Jerusalém (cf. Jl 4,20)672. O texto traz a certeza de que YHWH habita em Sião.

Naquele dia, as montanhas gotejarão vinho novo,

4,18a sysi[' ~yrIh'h, WpJ.yI aWhh; ~AYb; hy"h'w> e das colinas escorrerá leite, 4,18b bl'x' hn"k.l;Te tA[b'G>h;w> e os ribeiros de Judá conduzirão água, 4,18c ~yIm' Wkl.yE hd'Why> yqeypia]-lk'w> e da casa de YHWH sairá uma fonte 4,18d aceyE hw"hy> tyBemi !y"[.m;W E regará o vale das Acácias. 4,18e `~yJiVih; lx;n:-ta, hq'v.hiw> O Egito será uma desolação, 4,19a hy<h.ti hm'm'v.li ~yIr;c.mi e Edom será um deserto desolado, 4,19b hy<h.Ti hm'm'v. rB;d>mil. ~Ada/w< Por causa da violência contra os filhos de Judá

4,19c hd'Why> ynEB. sm;x]me

Cujo sangue inocente eles derramaram na terra.

4,19d `~c'r>a;B. ayqin"-~d' Wkp.v'-rv,a

Judá será habitada para sempre 4,20a bveTe ~l'A[l. hd'WhywI e Jerusalém de geração em geração. 4,20b `rAdw" rAdl. ~l;iv'WrywI Eu teria deixado seu sangue impune? 4,21a ~m'D' ytiyQenIw> Não, eu não o deixei impune. 4,21b ytiyQenI-al{ E YHWH habitará em Sião 4,21c `!AYciB. !kevo hw"hyw:

O ponto central entre os livros de Miquéias e de Joel é Jerusalém. Miquéias

enfatiza o futuro escatológico da cidade em 7,11s, e Joel apresenta-a como o lugar

da moradia eterna de YHWH (cf. Jl 4,18-21). Entre os textos de Mq 7,8-20 e Jl

de Deus. O profeta detalha as culpas das nações e resume o tema “julgamento”. Finaliza com a certeza de que todos saberão quem é YHWH, o Deus dos israelitas.

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4,18-21, emcontramos a mesma finalidade: justiça plena para as nações inimigas,

e segurança para Israel.

Considerando este conjunto de dados, combinaremos os vários elementos a

fim de obter uma visão real dos textos destes profetas;

Termos Miquéias 7 Joel 4

~Ay aWhh;

v. 11 e 12 aWhh; ~Ay / tAnb.li ~Ay – Dimensão escatológica

v. 18 aWhh; ~AYb; hy"h'w> Dimensão escatológica

rh; v.12 rh'h' rh;w> - montanhas serão testemunhas da vinda dos povos

v. 18 ~yrIh'h, - as montanhas gotejarão vinho novo

ym; v. 12 ~Y"mi ~y"w> ~yIm' - v. 18 ~yIm' - hw"hy> v. 8 rAa hw"hy> - YHWH (é) luz

v. 9 aF'a, hw"hy> @[;z: - Sião carrega ira de YHWH v. 10 hw"hy> AYa; - onde (está) YHWH v. 17 hw"hy> -la, - sairão para YHWH

v. 18 WpJ.yI hw"hy> tyBemi – da casa de YHWH sairá uma fonte v. 20 WpJ.yI !kevo hw"hyw: - e YHWH habitará em Sião

~yIr;c.mi v. 15 ~yIr;c.mi – virão da Assíria até o Egito

v. 19 ~yIr;c.mi – O Egito será uma desolação

hm'm'v. v. 13 hm'm'v.li #r,a'h' ht'y>h'w – a terra tornar-se-á desolação

v. 19 hm'm'v.li ~yIr;c.mi – Egito será uma desolação hm'm'v. rB;d>mil. ~Ada/w< – e Edom um deserto desolado

#r,a, Mq 7,13. 15.17 – v. 13: sujeito: terra; idéia: castigo; v. 15: referência ao Egito; v. 17: sujeito – nações inimigas arrastarão na terra.

V.19 ~c'r>a;B. – na terra / referência à violência do Egito e Edom contra Israel

~l'A[ v.14 ~l'A[ ymeyK – como nos dias antigos

v. 20 ~l'A[l. hd'WhywI – E Judá será habitada para sempre

Joel anuncia que “naquele dia” haverá restauração para Israel; em

contrapartida, ocorrerá a desolação para outras nações, a saber, Edom e Egito,

dois inimigos antigos de Israel673. Não há misericórdia para as nações inimigas.

Isso implica o cumprimento da justiça de Deus, que demonstra seu poder salvador

em favor do povo de sua aliança674. Percebe-se que YHWH defende a causa de

Sião tanto no livro de Miquéias (“...até que julgue a minha causa e restabeleça os

meus direitos”( cf. Mq 7,9) quanto no livro de Joel (“o Egito será uma desolação,

672 Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 76. 673 O Egito além de ter sido a “casa da escravidão” (cf. Mq 6,4) atacou e invadiu periodicamente Judá (cf. 1 Rs 14,25-26; 2 Rs 23,28-30; 2 Cr 12,2-12; 14,9-15; 16,8); Edom procurou impedir a passagem dos israelitas, na rota entre o Egito e a Ásia (cf. Nm 20,14-21; 21,4; Jz 11,17-18); mais tarde, lutou com Saul (cf. 1 Sm 14,47) e foi conquistada por Davi (cf. 2 Sm 8,13-14) e atacou Judá nos dias de Josafá, em aliança com os amonitas e moabitas (cf. 2 Cr 20,1). 674 YHWH é apresentado como um juiz em um processo criminal contra delinqüentes, mais ainda como a parte ofendida, pois se trata de seu povo, de sua herança. SCHOEKEL, ALONSO, & SICRE, JOSÉ LUIZ. Os Profetas, vol. II, São Paulo: Paulinas, 1988-1991, 977.

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e Edom será um deserto desolado por causa da violência contra os filhos de

Judá...” (cf. Jl 4,19).

Na perspectiva de Miquéias, “nesse dia” as montanhas serão testemunhas da

chegada dos povos, que virão de mar a mar (cf. Mq 7,12); e de Joel, as montanhas

gotejarão vinho novo e sairá de Jerusalém uma água que irrigará o vale das

acácias (cf. Jl 4,18). Joel anuncia que os danos específicos, causados pelos

gafanhotos, foram anulados - Judá havia se tornado um deserto desolado (cf. Jl

2,3). Agora o abundante suprimento de vinho, que goteja das montanhas, substitui

o que acabou, quando as vinhas secaram (cf. Jl 1,12); a fartura de leite significa

que já não faltam pastagens para os rebanhos de gado (cf. Jl 1,18), e a torrente de

águas torna a encher os ribeiros ressecados (cf. Jl 1,20). A presença de YHWH é a

única explicação para toda essa fartura. O empenho divino em dar sustento ao

povo e à terra, logo após o cumprimento do juízo, é simbolizado pela fonte, que

brota da própria casa de YHWH (cf. Jl 4,18)675. Se o livro de Joel apresenta a

perspectiva da restauração é porque já ocorreu o perdão.

O livro de Joel menciona o nome divino com freqüência combinado em

exortações feitas ora pelo profeta, ora pelo próprio Deus676. As fórmulas tornam

explícito o elemento relacional de Israel a YHWH e a ligação particular de Deus a

seu povo. O livro de Miquéias refere-se da mesma forma ao nome de Deus como

foi retratado anteriormente junto à análise do livro de Naum.

Mq 7,13 anuncia que a terra será desolada utilizando-se o termo hm'm'v. tal

como Jl 4,19. Como definimos, anteriormente, o anúncio de Mq 7,13 não é

dirigido à terra de Israel. Jl 4,19 aponta quem sofrerá desolação: Egito e Edom. O

profeta ainda acrescenta o motivo pelo qual merecerão o castigo - por causa da

violência contra os filhos de Judá.

O Egito é citado em Mq 7,12.15, mas o contexto é diferente; Mq 7,12

mostra que os povos virão até Sião desde o Egito e Mq 7,15 retrata uma fala de

YHWH recordando ao povo os prodígios realizados na saída do Egito. Portanto, a

menção desta nação possui sentido distinto nos textos, sendo que somente Mq

675 Ez 47,8-9 faz uma descrição viva do impacto renovador desse rio escatológico. 676 Nome e fórmulas divinas: yh'l{a/ cf. Jl 1,13; ~k,yhel{a/ cf. Jl 1,13; hw"hy> cf. Jl 1,14.19; 2, 11.12.17 (3x).18.19.21; 3,5 (3x); 4,8.11.16 (2x).21; yD;v; cf. Jl 1,15; ~k,yhel{a/ hw"hy> cf. Jl 2,13.14.23.26 e em

2,27; 4,17 ~k,yhel{a/ hw"hy> ynIa]; “dia de YHWH hw"hy> ~Ay cf. Jl 1,15; 2,1.11; 3,4; 4,14; “casa de

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7,15 se assemelha a Jl 4,19, pois Egito neste versículo representa a “casa da

escravidão”.

O termo ~l'A[ em Mq 7,14 refere-se ao rebanho de YHWH que terá

novamente acesso a boas pastagens: “como nos dias de outrora”. Tal anúncio

revela a continuidade do povo de Deus na cidade santa. E Jl 4,20 anuncia que Judá

será habitada para sempre. Dessa forma, o texto de Joel mostra a mesma temática

do texto de Miquéias.

No livro de Joel, o arrependimento é crucial para reverso do infortúnio de

Judá. A colocação da promessa da restauração, após o chamado à conversão

enfatiza que o arrependimento de Judá precede a sua restauração (cf. Jl 2,12-14),

assim como o reconhecimento do domínio absoluto de Deus sobre a natureza e a

história (cf. Jl 2,3.11-27). No livro de Miquéias há o reconhecimento dos pecados

(cf. Mq 7,9) e a confiança no julgamento divino.

As correlações verbais são poucas, mas são muito significativas para nosso estudo.

Verbos Miquéias 7 Joel 4

Hyh v. 10 sm'r>mil. hy<h.T hT'[ tornar-se-á pisoteada (nação inimiga)

v. 19 hm'm'v. rB;d>mil. ~Ada/w< hy<h.ti Edom será um deserto desolado hy<h.ti hm'm'v.li ~yIr;c.mi Egito será uma desolação

bvy v. 8 %v,xoB; bveae-yKi se me (Sião) encontro nas trevas v. 13 h'yb,v.yO-l[; hm'm'v.li #r,a'h' a terra tornar-se-á desolação por causa dos seus habitantes

v. 20 bveTe ~l'A[l. hd'Whyw Judá será habitada (permanecerá) para sempre

!kv v. 14 dd'b'l. ynIk.vo o rebanho de YHWH habita sozinho

v. 21 !AYciB. !kevo hw"hyw: e YHWH habitará em Sião

Miquéias e Joel apresentam em comum o verbo Hyh na forma qal yiqtol

(hy<h.Ti) com igual contexto. Em Miquéias, é prometido que Sião verá a nação

inimiga ser pisoteada (cf. Mq 7,10c), e Joel aponta Egito e Edom, representantes

de todos os inimigos de Israel, sendo feitos pela desolação, enquanto que Judá e

Jerusalém são salvas (cf. Jl 4,6). Há aqui uma correspondência verbal e temática.

Os livros apresentam o fim da nação inimiga e a renovação de Judá.

O verbo !kv, que se encontra em Mq 7,14 e que se tornou o foco de atenção

de nosso estudo, apresenta-se também na forma qal particípio em Jl 4,21 (!kevo - cf.

YHWH”; “casa de YHWH vosso Deus”- “casa de nosso Deus” hw"hy> tyIB; cf. Jl 1,9; 4,18 ; ~k,yhel{a/ hw"hy> tyBe cf. Jl 1,14; Wnyhel{a/ tyBe cf. Jl 1,16.

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Jl 4,17). “YHWH habitará em Sião”. Em Mq 7,14, o rebanho de YHWH habita só

e espera pelo seu Deus-Pastor para guiá-lo, como nos dias antigos. É prometido

em Jl 4,20 que Judá será “habitada” para sempre (bvyo cf. Jl 4,20). Em Miquéias,

também encontramos o verbo bvy na mesma forma que em Jl 4,20 – Mq 7,8

retrata: “Sião que habita nas trevas”, mas esta reconhece que merece estar ali por

causa de seus pecados, mas ao mesmo tempo, confia e espera que YHWH a

reconduzirá novamente à luz. Jl 4,20 e 21 podem estar se inspirando em Mq

7,8.14. O procedimento encontrado anteriormente nos livros de Naum e Abdias e,

agora aqui, confirmam a intertextualidade de Mq 7,8-20 com estes livros,

principalmente, pela correspondência do verbo !kv.

Essas afirmações de Joel estão articuladas ainda com Jl 2,27: “e sabereis

que eu estou no meio de Israel, eu, YHWH, vosso Deus, e não outro!” Assim

como Jl 3,17: “E reconhecereis então que eu sou YHWH, vosso Deus, que habita

em Sião, minha montanha santa, e os estrangeiros não mais passarão por ela!”677.

Miquéias %AtB. r[;y: dd'b'l. ynIk.vo ^t,l'x]n: !aco Joel 4,21 !AYciB. !kevo hw"hyw:

2,27 dA[ !yaew> ~k,yhel{a/ hw"hy> ynIa]w: ynIa' laer'f.yI br,q,b. yKi ~T,[.d;ywI 4,17 yvid>q'-rh; !AYciB. !kevo ~k,yhel{a/ hw"hy> ynIa] yKi ~T,[.d;ywI

Podemos ainda evidenciar outras expressões importantes entre o livro de

Joel e Mq 7678. Em Jl 2,17, temos o mesmo desafio zombeteiro das nações

estrangeiras de Mq 7,10: onde está o seu Deus?

Miquéias 7,10 %yIh'l{a/ hw"hy> AYa; yl;ae hr'm.aoh' ela que disse a mim: onde (está) YHWH o teu Deus?

Joel 2,17 `~h,yhel{a/ hYEa; ~yMi[;b' Wrm.ayO hM'l porque dirão entre os povos: onde (está) o seu Deus?

Jl 2,1 apresenta: “tremem todos os que habitam a terra”; em Mq 7,17, “eles

virão trêmulos de seus esconderijos”. Esta relação entre Miquéias e Joel não é

exclusiva, encontramos, em outros livros, tais como, o de Oséias (caps 3 e 11),

portanto, a relação com este verbo perderia a força comprobatória.

677 Este tema do Senhor entre nós como está articulado em Joel (cf. 2,27; 3,17) é muito importante e é uma expressão rara na BH (cf. Nm 5,3; 35,34); os salmos narram YHWH morando em Sião (cf. Sl 74,2; 68,17 e em Jerusalém cf. Sl 46135,21). Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 77. 678 Redditt aponta que Jepsen (“Kleine Beiträge zum Zwölfprophetenbuch” ZAW 56 (1938) 85-100, 95) já havia chamado atenção para as semelhanças entre Joel e Mq 7. O autor atribuiu esta similaridade ao fato de que Joel segue a Miquéias na LXX, sugerindo que talvez Miquéias tivesse adquirido o vocabulário (versos) de Joel, quando a ordem fora trocada. Cf. REDDITT, P. L., “Recent Research on the Book of the Twelve as one Book”, CR 9 (2001) 47-80, p. 53.

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Miquéias 7, 8-20 Joel

7,17 Wnyhel{a/ hw"hy>-la, ~h,yteroG>s.Mimi WzG>r>y 2,1 #r,a'h' ybev.yO lKo WzG>r>yI

Miquéias 7, 8-20 Joel

7,19.20 .. .WnytenOwO[] vBok.yI Wnmex]r;y> bWvy" 2,13 WbWvw> ~k,ydeg>Bi-la;w> ~k,b.b;l. W[r>qiw ~h'r'b.a;l. ds,x, bqo[]y:l. tm,a/ !TeT %r,a, aWh ~Wxr;w> !WNx;-yKi ~k,yhel{a/ hw"hy>-la,

`h['r'h'-l[; ~x'nIw> ds,x,-br;w> ~yIP;a;

Assim como Miquéias (cf. Mq 7,14.18), Joel (cf. Jl 4,2) demonstra, pelo seu

vocabulário, o zelo especial de YHWH para com seu povo e sua herança679.

Miquéias 7,14 apascenta teu povo ^M.[; h[er> rebanho de tua herança ^t,l'x]n: !aco 7,18 resto de sua herança Atl'x]n: tyrIaev.l

Joel 4,2 meu povo e minha herança ytil'x]n:w> yMi[;-l[

Jl 2,13, já mencionado anteriormente (cf. nota 632), usa diretamente Ex

34,6, que é repetido em Mq 7,18; Jn 3,9-10; 4,2 e Na 1,3 (adiciona Ex 34,7).

Assim como Jl 2,13, no caso de Miquéias, a citação é usada para afirmar a

misericórdia de Deus para Israel, enquanto que, em Naum, mesmo que a

misericórdia de Deus seja reconhecida, o profeta enfatiza o justo julgamento de

Ex 34,7b. De certa forma, Jonas concorda com Joel: o perdão de Deus aos

ninivitas depende de eles se arrependerem ou não. Para aqueles que se

arrependem, Deus proverá sempre as bênçãos. Devemos entender que não é a

mudança do povo que faz com que a misericórdia de Deus aflore; o que faz com

que Deus mude é a sua misericórdia, que exige como condição prévia a conversão

do povo. Deus não é só o protagonista da mudança, mas também faz grandes

proezas e prodígios (cf. Mq 7,15 e Jl 2,21.26).

4.1.7.1 Conclusão

O livro de Joel, ao contrário do de Jonas, apresenta íntimos contatos

literários com o livro de Miquéias. Apesar de Zapff ter indicado as ligações de Jl 4

com o Mq 4,11-14 e Mq 7,10, nosso estudo indica que as ligações abrangem todo

679 McKane vê na expressão: “resto de sua herança” uma glosa intencional para limitar o perdão de YHWH para Israel. Cf. MCKANE, W., Micah, p. 234. No entanto, outras referências bíbli vêem a misericórdia de YHWH não só reservada para o seu povo da aliança, mas estendida para outras nações e indivíduos (cf. Jn 4 e Sl 145,9).

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o texto final de Miquéias, ou seja, Mq 7,8-20. Os termos presentes no texto de

Joel, que comprovam a intertextualidade entre os livros, estão em continuidade

com os textos estudados até então. Joel ensina que o Senhor é refúgio e fortaleza

para seu povo (cf. Jl 4,16) e que YHWH habitará em Sião (cf.Jl 4,21). É bem

provável que o texto final de Joel também tenha se inspirado no livro de Miquéias.

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5. Conclusão final

O estudo sobre a unidade do corpus profético do Livro dos Doze Profetas

Menores, tratado no primeiro capítulo, apresenta-se como um tema atual e muito

discutido nas teses de Doutorado e debates entre os estudiosos. Alguns autores

focaram a sua atenção no processo redacional desses escritos elaborando as suas

diferentes fases até a forma final, através de vários editores, que reconstruíram as

escrituras, criando novas estruturas, relações temáticas e verbais. Esses estudiosos

não excluem a atenção aos livros individuais ou mesmo às mensagens individuais

dos profetas, no entanto, apresentam por meio de uma leitura diacrônica, uma

visão geral de todo o conjunto profético. Em suas observações, apontam a

formação complexa do processo do livro dos Doze, que pensam estender-se por

um vasto período e por diferentes indivíduos. Outros analisam os documentos

proféticos pelo viés da compilação literária, considerando que os materiais pré-

existentes, quase prontos, foram reorganizados na coleção, com o objetivo de uni-

los num só volume, através de afinidades literárias, temáticas e estruturais.

A diferença de pensamento entre os autores apontados neste estudo retrata a

dificuldade em concluir se estes pequenos escritos proféticos foram ou não

considerados um único livro, ou se foram colocados juntos por uma razão prática

para não se perderem. Pode-se afirmar que não há informação segura que indique

a unidade dos Doze Profetas Menores.

Embora muitas questões permaneçam ainda sem respostas, algumas

afirmações, tais como aquelas dos manuscritos antigos, certificam que estes livros

devem ser considerados como um único livro. Aceitando tal possibilidade, não

estaríamos perdendo os aspectos individuais e históricos que eles apresentam? Os

próprios comentários exegéticos tratam a autoria, conteúdo e teologia de cada

livro isolado. Nossa proposta então é que estes pequenos escritos não podem ser

compreendidos como um todo coerente - como sugere a maioria dos estudiosos -

cada um dos livros é portador de significado como uma obra única.

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235

Estes livros individuais estão claramente marcados por seus próprios títulos

– como ocorre com o Livro de Miquéias. As subscrições indicam que cada um

deles é apresentado como uma unidade coerente com seu próprio estilo e conteúdo

e particularidades históricas. Outros livros ainda apresentam elementos

biográficos e datas precisas que complementam a pregação profética (cf. Ag 2,1-

9). Enfim são livros distintos com comunicação literária própria.

Observa-se que a seqüência canônica dos livros, nas versões apresentadas,

não é resultado de um trabalho cronológico, seja no TM, na LXX ou no fragmento

4QXIIa (conferir tabela 2). A diversidade dos arranjos dos Doze Profetas sugere

que eles formam uma coleção de livros individuais, de arranjos variados, em lugar

de um único trabalho de forma definitiva. As evidências textuais podem prover

exemplos concretos dos meios pelos quais os antigos redatores expandiram ou

alteraram os textos fontes.

O fato de que é possível identificar o trabalho de diferentes escribas nos

livros proféticos confirma a evidência de que o(s) redator(es) não eram meros

copista(s), mas homens responsáveis pela interpretação das Escrituras, editando,

ampliando e estruturando os textos, trazendo seu significado para o seu tempo. É

consenso geral que os escritos proféticos foram retocados ou complementados, e

que tais procedimentos possuem um horizonte que ultrapassa o próprio livro.

Essas alterações intencionais realizadas pelo(s) antigo(s) redator(es) têm um

grande significado para a evolução da história literária do Livro dos Doze Profetas

e para a compreensão da sua relação ao processo canônico.

Essas adaptações, que transformaram a coleção dos escritos proféticos,

alcançaram o objetivo na mediação da palavra de Deus, no contexto histórico.

Sendo assim, cumpriram a função original dos profetas: os livros trazem palavras

de Deus para o povo de Deus.

Fica claro em nosso estudo que a posição de Miquéias entre Abdias e Naum

indica uma intervenção maior que, aparentemente, é percebida. O livro de

Miquéias ocupa uma posição importante na estrutura do conjunto profético. O

estudo da seqüência dos livros aponta para uma relação estreita com os livros de

Jonas e Joel. Com este, pela afinidade com a proclamação de ameaça feita pelas

nações a Jerusalém; e com o primeiro, a ligação não seria pelas aproximações

históricas, mas pelo tema de Nínive, também presente em Naum, livro que segue

o de Miquéias. Se por um lado a cidade é salva (cf. Jn 3,10), por outro ela é

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condenada à ruína (cf. Na 1,2). O claro contraste entre a perspectiva do livro de

Jonas e o livro de Naum é, então, equilibrado pela presença do livro de Miquéias.

Este aponta a possibilidade de salvação para os povos, se eles se converterem. O

livro de Miquéias torna-se então o paradigma para o futuro ou a destruição dos

povos. A questão levantada se haveria uma intenção de ligar Jonas e Naum com

Miquéias pode ser respondida pela análise feita no terceiro capítulo deste estudo.

É possível sugerir que houve um crescimento literário intencional da

tradição profética. A idéia é que a natureza oral dos textos foi submetida a várias

camadas colocadas sobre o texto original. Assim os textos não foram

simplesmente copiados, estudados e transmitidos, mas também reformulados

numa relação dinâmica de interdependência680. No último estágio dessa formação,

interveio a figura de Jonas para equilibrar o julgamento inexorável de Naum

contra Nínive e significar no coração dos Doze que o Deus, que compartilha a

mensagem,, é Aquele de Ex 34,6 – “Deus é misericordioso e lento na cólera”

Estes estudos oferecem oportunidade para os leitores identificarem os

Pequenos Profetas e compreenderem os temas teológicos subjacentes nos livros

com seus aspectos históricos.

No segundo capítulo da tese apresentamos o livro de Miquéias, com atenção

especial ao seu texto final. Mq 7,8-20 é uma passagem de esperança na

restauração de Sião. Provavelmente, foram pronunciadas por outro que não o

profeta Miquéias.

A análise semântica nos permite entender que o texto relata uma

significativa promessa para um futuro. Sião prepara-se para este “novo dia” que

desponta. Nesse sentido, podemos entender que YHWH terá novamente

compaixão com seu povo. Em virtude de seu amor eliminará totalmente o pecado,

que destrói seu plano de salvação. Só assim o pecador pode reatar a sua relação

com Ele, que manifesta o seu amor, carregando a sua culpa. Sião confia não

apenas que YHWH lhe fará justiça perante seus inimigos, mas que seus pecados

não serão mais lembrados, pois Deus os removerá para sempre. O fato de YHWH

680 Há um consenso entre os críticos de que os textos demonstram um processo de contínua realização e atualização iniciando com a tradição oral e terminando na forma escrita. Isso torna evidente que os escritos interpretam um papel criativo na formação dos textos proféticos. Cf. STECK, O. H, The Prophetic Books and Their Theological. Witness: St Louis Chalice Press, 2000. p. 56.

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carregar os pecados de Israel, esquecer os seus atos injustos, não indica uma

atitude de indiferença ao pecado, mas o desejo de esquecê-lo.

Sião aceita o castigo, como conseqüência de seu pecado, mesmo no meio do

seu isolamento, tem a confiança de que Deus julgará a sua causa e retomará o

cuidado de pastor que lhe falta. Sião se identifica com o “resto de sua herança”.

Com a restauração de Jerusalém as promessas serão realizadas. Em todas estas

passagens YHWH nos guia como o Pastor de Israel, e todos os povos estarão

incluídos na peregrinação a Sião. Deus Pastor conduz, sustenta, guarda, por isso,

os que estão em sua companhia que poderão dizer: Eu não temo mal algum, pois

YHWH está comigo!

Em nossa análise, apresentamos um paralelo de Mq 7,18-20 com Ex 15,1-5,

comparando a eliminação do pecado pelo perdão divino com a libertação no

Êxodo do poder dos egípcios – os inimigos de Israel, o exército do faraó, e o

pecado do povo são “atirados nas profundezas do mar”. Assim, podemos

considerar o pecado como um inimigo que Deus subjuga e destrói. Essa relação

sugere que a raiz de toda a desgraça é a distorção da relação pessoal com Deus,

que foi estabelecida no Êxodo. Mq 6,4-5 já retratara o evento do Êxodo. Só que,

nesta seção final, a tradição do Êxodo está unida com a tradição Patriarcal. Deus

cumprirá as promessas feitas aos antepassados de Israel.

A partir da fidelidade de Deus a seu juramento, demonstrado na saída do

Egito, Israel deve “conhecer” que Deus é confiável, que guarda a sua aliança e sua

fidelidade (Mq 7, 19). A inimiga vê a situação de Sião ser invertida (Mq 7,10.16)

e se cobre de vergonha por toda a sua arrogância. Ela que antes ironizava: onde

está YHWH teu Deus? Agora será humilhada, pisoteada como lama na rua.

No terceiro capítulo foram analisadas as possíveis relações intertextuais

entre o texto de Mq 7,8-20 e os textos de Naum (1,2-8; 3,15-17.18-19), Abdias,

Jonas (4,2-10) e Joel (4,18-21). Conclui-se que há possíveis contatos entre os

textos.

O interesse deste estudo ultrapassou aqueles já realizados e apresentados,

pois os textos foram abordados não apenas nas suas relações literárias, mas

também nos elementos de união existentes sob a luz da estrutura teológica

subjacente neles. É certo que os mesmos foram organizados e adaptados com uma

motivação particular: comunicar uma mensagem teológica direcionada para

aquele tempo através da combinação dos materiais existentes. Isso justifica a

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necessidade de avaliar os textos sob este prisma. Se, anteriormente, esses textos

foram analisados somente a partir do estudo destas palavras-chave, o atual estudo

se abre na perspectiva de novos horizontes.

Após a análise dos textos,certifica-se que Mq 7,8-20 está interligado a

Naum e Abdias literaria, histórica e teologicamente. Em relação ao livro de Jonas,

os pontos de contato analisados indicam que os textos estudados deste livro junto

a Mq 7,8-20 não possuem indício que possa revelar qualquer relação intertextual.

A simples presença de palavras-chave isoladas ou expressões não é critério

confiável para uma avaliação positiva.

O livro de Joel apresenta muitos elementos semelhantes entre Mq 7,8-20 e

Jl 4,18-21, mas é duvidoso concluir com segurança a relação entre os textos, já

que este é, de fato, construído como um conjunto de citações de outros textos

bíblicos;seria preciso estudar todos os textos proféticos relacionados a ele. Dessa

maneira, as relações encontradas não alcançam o `parâmetro de seletividade.

As observações dos termos e expressões semelhantes e, às vezes, únicas,

entre Mq 7,8-20 e Na 1,2-8.3,18-19 e Abdias, sugerem que o(s) redator(es)

tiveram a intenção de aproximar estes livros. O fato de que Abdias e Naum, que

são livros posteriores, posicionarem-se ao lado do livro de Miquéias, que é

anterior, já pode indicar aí um movimento intencional. Essa avaliação do livro de

Abdias faz pensar que tal obra coloca-se antes de Miquéias, e Naum após. IEssa

deve ter sido a ordem final da coleção profética.

Quase todas as citações analisadas de Naum (1,2-8.3,18-19) são do mesmo

estilo do livro de Miquéias e situam-se no texto com o mesmo objetivo: reforçar a

crença de que YHWH jamais desapontará aquele que deposita a confiança Nele.

Os indícios literários encontrados na análise intertextual do semi-acróstico de

Naum com Mq 7,8-20 são suficientemente ricos para afirmar a intertextualidade

entre eles. Mas o ponto decisivo de contato entre estes profetas fixa-se em Mq

7,14 e Na 3,18. Hipótese levantada neste estudo e confirmada através dos critérios

escolhidos para a análise intertextual. Na 3,18 apresenta um personagem novo: o

rei assírio. O juízo anunciado pelo profeta tem uma direção definida, este

personagem real, que ocupa o lugar de pastor, apesar de não exercer esta

atividade. Os verbos h[r e !kv situados juntos nos textos de Mq 7,14 e Na 3,18,

são citações únicas na BH e apresentam também correspondências cruzadas,

formando igualmente uma inclusão incomum.

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Miquéias Naum h[r W[r>yI qal yiqtol masculino ^y[,ro particípio masculino !kv ynIk.vo particípio masculino WnK.v.yI qal yiqtol masculino

Na coleção dos Doze Profetas, não há exemplo desses dois verbos

aparecerem unidos, assim como no modo em que se apresentam

intertextualmente. Enquanto Na 3,18 narra a dispersão do povo sobre o monte,

não tendo pastor que o guie, Mq 7,14 apresenta um pedido de Sião para que

YHWH o pastoreie novamente, pois ele (o povo) se encontra sem pastor. Tal

proximidade literária e temática não se pode tratar de uma coincidência.

O ponto central desses livros assim como o de Abdias é a função de Deus

como aquele que restaura e conduz o povo de volta a terra. O povo é levado a

Jerusalém – este é o centro de atenção e convergência dos livros. Além da relação

temática e teológica entre Naum e Miquéias, este estudo verificou outra ligação

singular entre Abdias 3 e o texto de Mq 7,14. O texto de Abdias apresenta no v. 3,

o verbo !kv, no particípio qal, como em Mq 7,14 e esta forma verbal encontra

somente nestes dois textos e em Jl 4,17.21, que também foi objeto de estudo.

Entretanto o texto de Abdias relaciona-se com o texto de Miquéias em sentido

inverso, pois há um contraste entre os escritos: Mq 7,14 mostra Israel habitando

sozinho desprotegido, aguardando confiante a direção de YHWH; já Abdias

retrata a arrogância de Edom, que habita nas fendas dos rochedos supondo-se

imune a qualquer perigo.

A inversão verificada entre Mq 7,14 e Na 3,18 situa-se nos verbos morar e

pastorear. O contexto é o mesmo; já em Abdias, a inversão não se localiza nos

verbos, pois estes se encontram na mesma ação verbal, mas no contexto, que

marca a posição contrária entre Israel e Edom. Os israelitas farão de Deus o seu

apoio, e Edom apóia-se na sua força e localização.

Miquéias Abdias

!kv 7,14 r[;y: dd'b'l. ynIk.vo Ab 1,3 [l;S,-ywEg>x;b. ynIk.vo

Observa-se que os textos de Naum, Abdias possuem em comum com Mq

7,8-10 o tema da relação de YHWH com as nações inimigas de Israel. Há uma

ênfase no julgamento divino contra as nações – os profetas informam à audiência

interessada o que o Senhor fará no futuro para as partes específicas. Os textos de

Naum e Abdias clareiam Mq 7,13 – a terra que se tornará desolação num futuro

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escatológico será a das nações inimigas. Nínive e Edom são apontadas como o

grupo específico da ira divina. Naum anuncia a destruição e ruína de Nínive e a

descreve (cf. Na 1,9-11; 2,1-12; 3,14.8-9). Nínive será exterminada e o seu jugo

sobre Sião será quebrado. Judá poderá celebrar a sua festa, sem interferência

externa. Edom encontra-se na mesma situação enfocada por Mq 7,10 – a inimiga

se cobrirá de vergonha. Também neste caso, não encontramos nos outros livros

dos Profetas Menores o uso do verbo Hsk + hv'Wb só se encontra em Ab 1,10 e Mq

7,10 e ambos retratam a humilhação dos poderosos.

Esses profetas retratam Deus como aquele que vê, pune e renova. Em Naum

e Abdias, assim como em Miquéias, um futuro é antecipado: os maus serão

castigados e removidos e há uma promessa para Sião. YHWH é o Deus que

restaura e conduz o povo de volta para a sua terra. Todos os livros apresentam o

quadro desastroso de Sião e a sua futura restauração. Um futuro que na descrição

de Miquéias requer novamente o pastoreio de Deus. Naum e Abdias apresentam o

confronto com as nações inimigas anunciando-lhes o castigo divino, mas é o livro

de Miquéias, que provoca uma resposta consciente do povo; é ele que apresenta

Israel consciente de seu pecado e rogando a Deus que o conduza novamente. E é

este justamente o elo entre os livros.

A salvação do povo passa pela reunião dos filhos dispersos e a reconstrução

da comunidade. Implica também, segundo Mq 7,17, na conversão dos pagãos que

participarão na peregrinação escatológica em direção a Sião. A vinda dessas

nações para Sião significa que elas já não se identificam com os outros deuses e

sim com o Deus de Jerusalém. Dessa forma, a celebração que ocorrerá em Sião

corresponde ao abandono aos outros deuses. O texto sublinha uma comunidade de

fé morando em paz, sancionada e segura por causa de sua correta relação com

Deus. YHWH não procura destruir seu povo, mas quer fazê-lo reintegrar-se em

seu verdadeiro papel e se tornar obediente.

Assim, a oferta de salvação não é somente para Israel, mas a todas as

nações que reconhecem e confiam no poder de Deus. É precisamente nesse

horizonte de profundidade teológica que podemos relacionar o texto de Mq 7,8-20

com o livro de Naum e o de Abdias. Transparece em todos os textos analisados

um sentido vivo da providência de Deus sobre o mundo, o qual concede a todos

isentar-se do juízo, mediante o arrependimento, como ocorreu com Israel. A

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conversão prepara a salvação. Não há um fim na relação com Deus, esta pode ser

restaurada pelo perdão divino, em resposta ao arrependimento do povo.

A pessoa que coloca a sua confiança em Deus, não duvida da salvação final.

Miquéias apresenta Israel consciente de sua culpa, submissa ao castigo, mas ao

mesmo tempo, confiante no julgamento de YHWH. Embora o povo tenha

experimentado a escuridão, compreendeu que a escuridão não pertence a Deus.

Por isso, confiam que YHWH é luz, mesmo na experiência das trevas. Sião está

segura de que a sua queda não foi pelas mãos dos inimigos e sabe que as suas

tribulações reverterão – YHWH será a sua luz.

A promessa da restauração ressaltada em Mq 7,20, evoca as bênçãos e as

promessas feitas a Jacó e Abraão. O texto de Naum indica que o Senhor restaura a

glória de Jacó, a glória de Israel (cf. Na 2,3). Também o texto de Abdias – vv.

17.18 – aponta que a casa de Jacó será salva, e mais: Jacó será instrumento de

Deus. Todos os textos são vistos como uma seleção de fontes literárias unidas

com interesse histórico. Isaac não prometera que Jacó dominaria Esaú? Parece que

esta foi a intenção do(s) redator(es): confirmar uma fonte primeira – a

historicidade de Jacó. A bênção dada por Isaac a Jacó menciona: “maldito quem te

amaldiçoar, bendito quem te abençoar” (cf. Gn 27,29e).

Nesse aspecto, o texto se assemelha também a Mq 2,12s e 4,6 que enfoca o

resto de Israel e as bênçãos. Estes textos de Miquéias focalizam o retorno a Sião e

empregam também elementos da narrativa patriarcal. Narram as promessas de

bênçãos prometidas a Jacó e Abraão. As bênçãos são certas e as promessas serão

cumpridas porque é Deus mesmo, o que guarda a aliança, quem restaurará Sião. A

memória dos patriarcas, principalmente a sua confiança filial, conservou viva a fé

em Israel.

Fica então demonstrado que a composição final dos Doze é intencional e

integradora. Contudo, isso não diminui a necessidade de honrar os testemunhos

individuais, nem da atenção para o contexto histórico dos livros. Essa

intencionalidade literária pode ter influenciado a ordem dos Doze como mostrou

Nogalski, mas não representam sinais de uma redação unificada. Pode-se concluir

que um redator desejou que o leitor lesse Naum e Abdias à luz de Mq 7,8-20 e

com certeza, ele escolheu um modo eficiente de fazê-lo.

Ao longo deste estudo, sublinhamos importantes sinais hermenêuticos, que

devem ser estudados e avaliados na proporcionalidade e significância. A

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justaposição dos textos não é uma matéria de uma habilidosa combinação de

temas afins ou “catchwords”, ou de um ordenamento de hiatos históricos. O

coração da leitura canônica, a saber, as palavras de Deus a Israel continuam ainda

a exercer nos leitores de novas gerações a mesma força profética daquele tempo

específico, e é esse o movimento que exerce a palavra através do tempo.

Constatamos que é possível e mesmo provável que a presença de uma

linguagem distintiva também sirva de propósito para caracterizar e individualizar

o profeta para quem o livro é atribuído. Verificam-se as várias ligações entre os

livros e, ao mesmo tempo, constata-se que os mesmos podem ser lidos e escutados

um sem o outro. As relações podem ser explicadas primeiro no seu próprio

contexto, depois, no contexto maior que interpreta a relação entre eles.

A análise intertextual possibilitou evidenciar a complementaridade entre os

livros, não só do ponto de vista literário, mas também histórico, sugerindo haver

uma conexão teológica entre eles: Miquéias anuncia a expectativa de que em um

tempo futuro todos afluirão para YHWH. Esse encontro não é esperado para

breve, mas encontra ressaltado nos textos para “dias futuros”. “Dias esses” que o

Senhor conduzirá o “seu rebanho” para um lugar seguro, e todas as nações serão

reunidas por Ele. Daí ser Mq 7,14 o eixo de toda a análise. Deus é Aquele que

perdoa a iniqüidade, passa por cima das transgressões, e que agora, pastoreia

sobre o resto do seu rebanho, isto é, aqueles que andam corretamente com Ele.

Confirma-se a hipótese de que as profecias de Miquéias representam no

conjunto dos Doze uma temática proeminente. Esses livros proféticos nos

ensinam a ver a presença ativa de Deus na história dos povos, a esperar confiante

no futuro porque este é o único modo para compreender e viver em profundidade

o presente.

Parece que os seguidores dos profetas, ao complementar as mensagens

proféticas, querem assegurar a fidelidade na sua transmissão, sem desviar da

mensagem do profeta. Oferecem uma nova visão à luz da situação, em que vivem,

confiantes de que estão agindo no espírito de seu antecessor. Assim, o uso da

predição de Naum e Abdias a respeito dos escritos do livro de Miquéias sobre o

castigo das nações inimigas oferece um exemplo específico dessa prática.

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Resultado e contribuição da pesquisa

O texto de Mq 7,8-20 apresenta-se como um excelente exemplo de uma

interpretação interbiblica. A contribuição deste estudo é a possibilidade de uma

leitura diferente e importante para a hermenêutica bíblica.

A mensagem de Miquéias não se ouve nem se recebe sem que ocorra

alguma transformação.

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Anexos

Os livros de Miquéias, Joel, Naum, Abdias e Jonas nos manuscritos do Livro dos Doze

Seqüência do TM Seqüência da LXX 4QXIIa

Oséias Oséias Oséias

Joel Amós Amós

Amós Miquéias Miquéias

Abdias Joel Joel

Jonas Abdias Abdias

Miquéias Jonas Naum

Naum Naum Habacuc

Habacuc Habacuc Sofonias

Sofonias Sofonias Ageu

Ageu Ageu Zacarias

Zacarias Zacarias Malaquias

Malaquias Malaquias Jonas

Tabela 1 – Os livros de Miquéias, Joel, Naum, Abdias e Jonas nos manuscritos do Livro dos Doze.

Desenvolvimento do Livro dos Doze de acordo com as evidências dos manuscritos

Livro dos IX Livro dos

XI

4QXIIa LXX XII TM XII

1. Oséias Oséias Oséias Oséias Oséias

2. Amós Amós Amós Amós JOEL

3. Miquéias Miquéias Miquéias Miquéias Amós

4. Naum Joel Joel Joel ABDIAS

5. Habacuc Abdias Abdias Abdias JONAS

6. Sofonias Naum Naum JONAS Miquéias

7. Ageu Habacuc Habacuc Naum Naum

8. Zacarias Sofonias Sofonias Habacuc Habacuc

9. Malaquias Ageu Ageu Sofonias Sofonia

s

10. Zacarias Zacarias Ageu Ageu

11. Malaquias Malaquias Zacarias Zacarias

12. Jonas Malaquias Malaqui

as

Tabela 2 - Desenvolvimento do livro dos Doze de acordo com as evidências dos manuscritos * Os livros que ocorrem em itálico representam reconstruções que não foram preservadas na extensão dos manuscritos; os que estão sublinhados são vistos como inseridos na coleção da coluna anterior; os que estão com letras maiúsculas são aqueles que foram trocados de posição, listados na coluna anterior.

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