maria de lourdes dos santos souza o livro de miquéias no...
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Maria de Lourdes dos Santos Souza
O Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas Estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados Pequenos
Profetas
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo programa de Pós-graduação em Teologia Bíblica do Departamento de Teologia da PUC-Rio.
Profa. Maria de Lourdes Corrêa Lima Orientadora
Departamento de Teologia – PUC - Rio
Rio de Janeiro
Outubro de 2006
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Maria de Lourdes dos Santos Souza
O Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas Estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados
Pequenos Profetas
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo programa de Pós-graduação em Teologia Bíblica do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humans da PUC-Rio. Aprovada pela comissão abaixo assinada.
Profa. Maria de Lourdes Corrêa Lima Orientadora
Departamento de Teologia – PUC – Rio
Prof. Isidoro MAzzarolo Departamento de Teologia – PUC – Rio
Prof. Ludovico Garmus Departamento de Teologia – PUC – Rio
Prof. Nilson Faria dos Santos Departamento de Teologia – PUC – Rio
Prof. Pedro Paulo Alves dos Santos Faculdade CCAA
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro de
Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio
Rio de Janeiro,
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador
Maria de Lourdes dos Santos Souza Graduou-se em Filosofia (Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio) em 1993 e em Teologia (Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio/PUC-Rio) em 1997. Concluiu o Mestrado em Teologia Bíblica / Puc-Rio em 2000.
Ficha Catalográfica
Souza, Maria de Lourdes dos Santos
O Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas: estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados Pequenos Profetas / Maria de Lourdes dos Santos Souza ; orientadora: Maria de Lourdes Corrêa Lima. – 2006.
286 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Teologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
Inclui bibliografia
1. Teologia – Teses. 2. Deus. 3. Amor. 4. Pastor. 5. Perdão. 6. Confiança. 7. Miquéias. 8. Livro dos Doze Profetas. 9. Intertextualidade. 10. Restauração de Sião. I. Lima, Maria de Lourdes Corrêa. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.
CDD: 200
À Rafaela, que no sofrimento me mostrou o caminho do amor,
e à Fabiana que me sustentou com seu amor.
Agradecimentos
A Deus, por ter me dado forças para superar as dificuldades e trilhado o seu
caminho.
Ao Agenor, meu marido, pela paciência e compreensão em cada momento de
nossa vida, principalmente neste projeto, que não teria se realizado sem o seu
incentivo e amor.
À professora Doutora Maria de Lourdes Côrrea Lima, pela orientação competente
e a confiança que proporcionou durante toda a elaboração deste trabalho.
À Graça, companheira fiel de tantos anos, e ao novo membro da família, Trajano,
que com sua simplicidade e disponibilidade conquistou a todos nós.
A todos os professores do Departamento de Teologia da Puc-Rio, pelo carinho e
atenção nestes anos de convívio.
A todos os amigos, que me ajudaram compreendendo as minhas necessidades e
ausências.
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) em virtude da Bolsa de estudos concedida.
Resumo
Souza, Maria de Lourdes dos Santos; Lima, Maria de Lourdes Corrêa. Livro de Miquéias no conjunto dos Doze Profetas – Estudo intertextual entre Mq 7,8-20 e os chamados Pequenos Profetas, Rio de Janeiro 2006. 286 p. Tese de Doutorado, Departamento de Teologia – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este estudo avalia a importância do livro de Miquéias no conjunto do livro
dos Doze, privilegiando, o aspecto teológico. Nosso propósito é avaliar a inter-
relação do texto de Mq 7,8-20 com outros textos proféticos bem como a
contribuição destes O propósito é examinar o texto final do livro de Miquéias,
analisando a estrutura literária tramada com o propósito de encerrar o livro. As
investigações atuais indicam que o horizonte dos escritos proféticos não se limita
ao respectivo livro profético, mas que as complementações se estendem para além
do livro. O título escolhido para este trabalho deve ser entendido sob esse aspecto.
Dessa forma, além de lançar luzes sobre a polêmica acerca da unidade dos Doze
Profetas, este estudo objetiva conhecer melhor o desenvolvimento, unidade e
teologia dos Doze Profetas Menores, particularmente, o Livro de Miquéias.
Palavras-chave Deus; amor; pastor; perdão; confiança; Miquéias; Livro dos Doze Profetas;
intertextualidade; restauração de Sião.
Abstract
Souza, Maria de Lourdes dos Santos; Lima, Maria de Lourdes Corrêa. The Book of Micah among the Twelve Prophets – na intertextual study between Mq 7, 8-20 and the so-called Minor Prophets, Rio de Janeiro 2006. 286 p. Doctor Degree Thesis, Department of Theology – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This research evaluates the role of the Book of Micah in the global structure
of the Book of the Twelve, especially Micah’s theological aspect. Its purpose is to
analyze the inter-relationship between the Book of Micah 7,8-20 and other
prophetical texts, in an effort to determine how each of the prophets contributed
with specific points for a greater interest. The purpose is to examine the final text
of the Book of the Micah, evaluating how the literary structure was formed in
order to conclude the Book. Present investigations indicate that the horizon of the
prophetical scriptures is not limited to the respective prophetic Book, but that the
complementary elements stretch out beyond the Book itself. The title of this work
should be understood under this aspect. In this way, besides shedding light on the
problematic of this unity of the Twelve Prophets, this work aims at better
understanding of the development, the unit and the theology of the Twelve Minor
Prophets, and particularly the Book of Micah.
Keywords God; love; shepherd; forgiveness; faith; Micah; The Book of the Twelve;
prophet; intertextuality; restauration of the Sion.
Sumário
1. Introdução 14
2. A unidade do corpus profético do livro dos doze 21
2.1. Breve história das antigas evidências sobre a unidade dos Doze 21
2.2. A ordem dos livros 22
2.3. Atestações dos manuscritos antigos 29
2.4. Testemunhos bíblicos e extra-bíblicos 34
2.5. Status quaestionis sobre a unidade dos Doze –
Evolução da história da pesquisa dos Doze 39
2.5.1. Status quaestionis sobre a unidade dos Doze –
Evolução histórica da pesquisa dos Doze 40
2.5.2. O Livro dos Doze visto como uma Composição Redacional 42
2.5.3. Análise Crítica das propostas apresentadas pelo viés
da composição redacional 56
2.5.4. O Livro dos Doze visto como uma Compilação Literária 64
2.5.5. Análise Crítica das propostas apresentadas pelo viés
da compilação literária 79
3. Texto, constituição e organização 90
3.1. Tradução, notas filológicas e de crítica textual 90
3.2. Organização do texto de Mq 7,8-20 131
3.2.1. Delimitação 131
3.2.2. Constituição do texto 132
3.2.3. Estruturação do texto 135
3.3. Análise Semântica 138
4. Aproximações intertextuais entre Miquéias e os outros profetas 185
4.1 Análise das relações de Mq 7,8-20 com Na 1,2-8;
3,15-17. 18-19 188
4.1.1. O texto de Na 1,2-8 189
4.1.2. Estudo da intertextualidade entre Miquéias e Naum 191
4.1.3. Averiguação literária entre os textos de Mq 7,8-20 e
Na 1,2-8 194
4.1.4. Análise do texto final de Naum = Na 3,15-17. 18-19 205
4.1.5. Análise da relação entre Abdias e Miquéias 216
4.1.6. Relação do Livro de Miquéias com o Livro de Jonas 221
4.1.7. Relação do livro de Miquéias com o Livro de Joel 226
5. Conclusão final 234
6. Referência Bibliográfica 244
Siglas e Abreviações
Ab – Abdias
Ag – Ageu
Am - Amós
ANE – Ancient Near Eastern
AT – Antigo Testamento
AUSS – Andrews University Seminary Studies – Berrien Springs
BibInt – Biblical Interpretation - BRILL logo. Publisher:
BDB – The New Brown-Driver-Briggs-Gesenius Hebrew and English Lexicon,
ed. F. Brown, Peabody, 1979
BHS – Biblia Hebraica Stuttgartensia, ed. K. Elliger – W. Rudolf, Stuttgart 19904,
1967/ 1977
BiKi – Bibel und Kirche
BN – Biblische Notizen – Münich, Alemanha
BTB – Biblical Theology Bulletin – St. John’s University, Jamaica NY
BZ – Biblische Zeitschrift – Paderborn, Alemanha
BZAW – Beiheft zur Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft
ca. – cerca
caps. – capítulos
CBQ – Catholic Biblical Quarterly
ColT– Collectanea Theologica, Warszawa – Poland
1-2 Cr – Primeiro e Segundo livro das Crônicas
CurTM – Currents in Theology and Mission – Chicago, IL
Dt – Deuteronômio
Dtr – Deuteronomístico
Ecl – Eclesiastes
Ed. – Editor – coordenador
ETL – Ephemerides Theologicae Lovanienses
EvQ – The Evangelical Quarterly – Birmingham, AL
EvT – Evangelische Theologie – Munique, Alemanha.
Ex – Êxodo
Ez – Ezequiel
Gn – Gênesis
GTJ – Grace Theological Journal – Winona Lake, IN
Hab – Habacuc
HAR – Hebrew Annual Review
HTR – Havard Theological Review – Cambridge, MA
IBS - Irish Biblical Studies - Belfast - Irlanda
IEJ – Israel Exploration Journal – Jerusalem, Israel
Is – Isaías
ITQ – Irish Theological Quartely – Kildare, Ireland
JAOS - Journal of the American Oriental Society – New Haven, CT
JANES – Journal of the Ancient Near Eastern Society – New York
JBL – Journal of Biblical Literature – Scholar Press, Decatur
JETS – Journal of the Evangelical Theological Society – San Diego
Jl – Joel
Jn – Jonas
JNSL – Journal of Northwest Semitic Languages – South Africa
Jó – Jó
JQR – The Jewish Quarterly Review – PA
Jr – Jeremias
Js - Josué
JSJ – Journal for the Study of Judaism in the Persian, Hellenistic and Roman
Periods
JSNT – Journal for the Study of the New Testament
JSOT – Journal for the Study of the Old Testament – Sheffield. UK
JSS – Journal of Semitic Studies – The University of Manchester, Manchester,
JTS – Journal of Theological Studies – Oxford, UK
Jz – Juízes
KAT – Kommentar zum Alten Testament
Lm – Lamentações
Lv – Levítico
LXX – Septuaginta
Mq – Miquéias
Ml – Malaquias
Na – Naum
Ne – Neemias
Nm – Números
NTT – Nederlands Theologisch Tijdschrift
OBO – Orbis biblicus et orientalis
Os – Oséias
p. – página
pp. – páginas
Pr – Provérbios
RDC – Revue de Droit Canonique
ResQ – Restoration Quarterly – Abilene, TX
RevQ – Revue de Qumran – Paris, França
Riv.Bibl. – Rivista Biblica – Mantova, Itália
RocTKan – Roczniki Teol.-Kanoniczne – Lublin, Polônia
1-2Rs – Primeiro e Segundo livro dos Reis
RTL – Reveu Théologique de Louvain – Louvain-la-Neuve, Bélgica
SBL - Society of Biblical Literature
Séc. – século
Sf – Sofonias
SJT – Scottish Journal of Theology – Edinburgh – Escócia
Sl – Salmos
1-2Sm – Primeiro e Segundo livro de Samuel
Syr – Peshita
Tg – Targum
TLZ- Theologische Literaturzeitung – Berlin, Alemanha
TM – Texto Massorético
v. – versículo
Vg – Vulgata
VT – Vetus Testamentum – Cambridge, UK
VTSupl– Vetus Testamentum Supplementum
Zc – Zacarias
ZAH – Zeitschrift für Althebraistik – Stuttgart, Alemanha
ZAW – Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft – Berlin, Alemanha
ZKTh – Zeitschrift für Katholische Theologie
ZLThK – Zeitschrift für die gesammte Lutherische. Theologie und Kirche
“À alegria autêntica – e severa – vai consistir em nos dispormos, embarcados, ao serviço do ser. Este ofício é paixão e disciplina, perseverança e esperança, modéstia – e embriagada lucidez. Cumpre arear, limpar, brunir, varrer, despojar-se, estar aberto, na viagem que fazemos. Cumpre doar a tudo o que existe o espaço indeterminado – e generoso – de nossa liberdade, para que nele tudo esplenda. Cumpre soletrar, com carinho, o nome das coisas e do Próximo, como um pastor que, no campo, pastoreia e abóia as reses do rebanho sob sua guarda.”
Hélio Pellegrino
1. Introdução
Partindo do princípio de que não se pode considerar um texto
essencialmente original, mas que ele é um mosaico de outros textos com os quais
mantém uma relação semântica, procuramos, então, desvelar essa
intertextualidade no corpus profético. É sob essa perspectiva dialógica que se
deve buscar o sentido do texto, analisando unidades, estabelecendo comparações,
codificando mensagens. Nesse sentido, esta tese fundamentou-se em dois pilares:
na análise do discurso e na sucessão temporal.
Nos últimos anos, a teoria da intertextualidade, sobretudo a de Júlia
Kristeva, revolucionou os estudos literários, uma vez que ela refutou os modelos
históricos de influência literária utilizados pelos exegetas. Dessa maneira,
Kristeva possui uma concepção dinâmica do texto literário, concebendo-o como
uma realidade translinguística, ou seja, como o lugar de encontro com outros
textos, sejam anteriores, sejam contemporâneos. Na sua visão, nenhum texto pode
ser lido isoladamente, pois uma obra sempre se conecta à outra pela convergência
temática.
Todo texto é, assim, absorção de uma multiplicidade de outros textos,
constituindo “um mosaico de citações”. Toda seqüência textual se faz em relação
a uma outra, proveniente de um outro corpus, de modo que toda seqüência está
duplamente orientada: para o ato de reminiscência (evocação de outra escrita) e
para o ato de intimação (transformação dessa escritura). Isso ocorre porque todo
escritor é também leitor, passa pelo processo de assimilação de outras leituras, que
refletem em sua obra. Dessa maneira é visto como um atualizador da memória
literária. Sendo assim, a escrita literária não é mais do que uma releitura do
corpus já existente1. Em outras palavras, Kristeva demonstra que o ponto-chave da
intertextualidade é a inter-relação dos conteúdos, que resulta na intersecção das
palavras. O caráter dialogal da palavra tem um profundo efeito no discurso
envolvido na interação. Assim, a intertextualidade garante o intercâmbio entre as
15
obras literárias distinguindo-as, por essa razão, de originalidade e unicidade
textual.
A partir de Kristeva, “texto” passa a ser entendido como o evento situado na
história e na sociedade, que não apenas reflete uma situação, mas é essa própria
situação, apagando linhas divisórias entre as disciplinas e constituindo um
cruzamento entre diferentes superfícies textuais e em distintas áreas do saber
científico e da esfera artística. Pelo seu modo de escrever, lendo o corpus literário
anterior ou sincrônico, o autor vive na história, e a sociedade se escreve no texto.
Isto quer dizer que o texto está relacionado a outro texto e é de algum modo
afetado por ele.
Em suma, um texto é voz que dialoga com outros textos, mas também
funciona como eco de outras vozes de seu tempo, da história de um grupo social,
de seus valores, crenças e preconceitos, medos e esperanças. O texto torna-se,
então, um espaço de confluência de diversas vozes, dinâmico do qual o leitor
participa. Segundo Kristeva, o papel do leitor é mais importante do que o do
escritor porque este desaparece na intertextualidade, enquanto aquele constrói o
significado textual não de forma isolada, mas no diálogo com outros textos. Essa
interação dialogal permite ao leitor dinamizar o processo interpretativo e realizá-
lo como co-autor na medida em que ele se insere na obra.
Um número crescente de estudos nessa área se desenvolveu pouco a pouco a
partir de Gérard Genette2. O autor trabalha com o conceito de transtextualidade, o
qual se refere a “tudo o que coloca um texto em relação, manifesta ou secreta,
com outros textos”. Em outros termos, um texto é um emaranhado de relações não
somente intertextuais, mas também interdisciplinares. Genette classifica tais
relações de transtextuais em cinco tipos: (1) a intertextualidade – presença efetiva
de um texto em outro; (2) a paratextualidade – relação menos explícita e mais
distanciada, pois inclui título, subtítulo, notas marginais, notas de rodapé, e tantos
outros sinais que cercam o texto; (3) a metatextualidade – é a relação em forma de
comentário que une um texto a outro texto ainda que não haja citação
evidenciando a relação crítica como paradigma; (4) a hipertextualidade – supõe a
existência de um texto (texto A – hipotexto) em função do qual se estrutura outro
1 Cf. KRISTEVA, J. Sêmêiôtikê: Recherches pour une sémanalyse, Paris: Coleção Points-Essai, Éditions du Seuil, 1969, p. 115,120-121. 2 Cf. GENETTE, G. Palimpsestes. La Littérature au second degré, Paris: Seuil, 1982, p. 8-12.
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texto (texto B – hipertexto), que se efetua tanto por derivação como por
transformação; (5) a arquitextualidade – é mais abstrata já que é mais implícita
que as anteriores, é articulada pela autodeterminação do gênero a que o texto
pertence; a hermenêutica do texto não tem regras vinculantes.
O objetivo da poética literária seria o de estudar a transtextualidade que
envolve vários tipos, sendo um deles a própria intertextualidade - o único termo
que será empregado na análise que se segue.
A intertextualidade rompe a linearidade da leitura, uma vez que permite as
manifestações de outros textos presentes na memória do leitor que, por sua vez,
"processa" o texto refletindo a respeito das idéias nele contidas. Assim, o leitor
não é meramente um receptor de mensagens, mas “construtor” de significações,
reage de maneiras diversas no ato da leitura: aceita, recusa, questiona, até mesmo
muda seu comportamento em face das posições do autor, compartilhando ou não
sua opinião. Portanto, pela leitura, ele constrói um novo sentido para o texto.
A intertextualidade se realiza através do diálogo de textos, seja pela citação
direta de palavras-chave (catchwords) ou do plágio3. Sob esse aspecto, a
intertextualidade não se configura pela dependência de um texto em relação ao
outro, mas pelo contato literário, que possibilita outras leituras do texto original.
De fato, os narradores bíblicos construíram as suas histórias em diálogo com as
composições existentes dos ouvintes, entretanto, o processo da intertextualidade
depende também dos fatores lógicos e dos socioculturais. O diálogo da linguagem
é, portanto, o diálogo dos tempos e das épocas, sendo muito mais do que uma
seqüência de enunciados. Cada estilo de texto envolve conteúdo, função social,
organização lingüística e componentes estruturais específicos, os quais o definem
e o diferenciam dos demais. Intencionalidade e situacionalidade são condições
relacionadas à produção textual. O texto insere em uma determinada situação,
sendo muitos os elementos lingüísticos que funcionam como indícios para a
relação que é estabelecida entre texto e contexto4. O processo de compreensão é
3 Nogalski diz que “the book of the Twelve exhibits at least five different types of intertextuality: quotations, allusions, catchwords, motifs, and framing devices”. Cf. NOGALSKI. Intertextuality and the Twelve. In: Forming Prophetic Literature, Essays on Isaiah and the Twelve in Honor of John D. W. Watts. eds. James W. Watts and Paul R. House, Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996, 103. Ver também MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y. La Bible se raconte: initiation à l’analyse narrative. Paris: Cerf, Genève: Labor et Fides, 1998, p. 136. 4 Jaeggli confirma que um componente importante da compreensão da mensagem para a audiência original é a análise contextual. Sem o processo da contextualização, o intérprete pode fazer um
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favorecido pelo conhecimento do mundo e se realiza por meio da construção
textual, da articulação entre os elementos do texto e do estabelecimento da
continuidade de sentido.
Dessa maneira, pode-se dizer que o texto é um produto de criação coletiva,
já que um primeiro discurso se manifesta ao lado de um coro de outras vozes que
já trataram do mesmo tema e com as quais se põe em acordo ou desacordo. Assim,
para se definir diante de determinado assunto, o autor do texto considera as idéias
de outros "autores", com quem dialoga.
Podemos afirmar que as narrativas bíblicas são produtos de uma
comunidade ou de reflexão profunda do indivíduo, de sua experiência religiosa
acerca da proteção de Deus em sua vida. Tudo se tornou história; a história-texto,
e o texto-cânone que são variáveis e dependem do texto bíblico que temos em
mente.
Assim, é preciso, verificar o contexto bíblico buscando ajustar a variedade
dialetal ao momento e lugar da comunicação e o objetivo do discurso. Estes dados
situacionais vão influir tanto na produção quanto na compreensão textual.
Enquanto a pesquisa tradicional centraliza-se no autor, as novas tendências
voltam-se para o próprio texto e os receptores, ou seja, importa a compreensão dos
“significados”: o que o texto possui e como o leitor o concebe. Para isso é
necessária a leitura atenta e a observação crítica das relações inerentes aos textos
Dessa forma, cada abordagem ou aproximação captada no texto já é um
diálogo. Em muitos casos fica difícil determinar a sucessão cronológica de alguns
textos bíblicos. Todavia, partindo da compreensão sincrônica do texto, estabelece-
se a conexão com o texto primitivo, ou seja, em vez de focalizar o texto bíblico
diacronicamente, o estudioso bíblico atua como o orquestrador deste diálogo,
trazendo as várias vozes na dimensão sincrônica. É importante notar que a
texto bíblico significar, segundo o autor qualquer coisa que ele queira. Na opinião do autor, há várias camadas de contexto: o contexto imediato dentro de um parágrafo; a relação de parágrafos dentro de uma perícope; o desenvolvimento das perícopes em uma seção; e a contribuição macroscópica da seção no total da mensagem de um livro. Mantendo a grande perspectiva do texto, o intérprete pode se posicionar através dos detalhes exegéticos por ele determinados. Cf. JAEGGLI, R. J. The Interpretation Of Old Testament Prophecy. DBSJ 2, Fall, 1997, 3-17, p. 8.
18
natureza sincrônica da conversação não significa que nenhuma atenção é dada a
particularidade histórica e cultural de cada voz5.
Nessa perspectiva, o texto de Miquéias será comparado a outros do AT, a
fim de verificar as convergências. Essa avaliação vai permitir a valorização do
texto de Mq 7,8-20, explorado nas suas múltiplas relações.
Neste trabalho, privilegiamos o estudo do profeta Miquéias em particular, e
a sua relação com os outros profetas buscando reconhecer como elas ocorrem bem
como suas .
Em um primeiro momento, os estudiosos não se basearam nas teorias da
intertextualidade analisando os textos como simples unidades literárias.
Entretanto, coube-nos nesta pesquisa avaliar essa posição e mostrar que há pontos
de contato com os Doze livros proféticos.
Para a realização deste trabalho, (a análise de Mq 7,8-20) utilizamos as
teorias da intertextualidade, ou seja, os contatos literários nos livros dos Doze
Profetas Menores e o estudo da análise dos textos que provavelmente estão
relacionados ao livro de Miquéias. Assim, tornam-se valiosas as contribuições de
Kristeva6, que se fundam no discurso dialógico integrando os diversos elementos
numa interpretação teológica.
Ao trabalhar a intertextualidade dos textos apresentados, empregaremos
particularmente, em virtude de sua clareza e aplicabilidade, os critérios
sintetizados e utilizados sugeridos por Markl7. O autor, ao analisar a relação
existente entre o livro de Habacuc e outros textos vétero-testamentários, tece
algumas considerações de ordem metodológica; discute exemplos de textos
bíblicos identificando os estágios em sua história literária. Baseando-se na obra de
M. Pfister8, que apresenta alguns critérios para delimitar o conceito de
intertextualidade, Markl tematiza cinco critérios, cujo grau de ocorrência na
5 Cf. NEWSOM, C. A., “Bakhin, the Bible, and Dialogic Truth”, 305. The Journal of Religion University of Chicago, Divinity School. The Bible and Christian Theology 1996, vol. 76, no 2 (ref. et notes dissem.), pp. 290-306. 6 Cf. KRISTEVA, J., Sêmêiôtikê: Recherches pour une sémanalyse, (Tle Quel), Paris, Seuil, 1969. Conferir também os artigos de G. Aichele – G. A. Philllips, Introduction: Exegesis, Eisegesis, Intergesis, Semeia 69-70 (1995), 7-18 e K. Nielsen, Intertextuality and Hebrew Bible, pp.17-31. 7 Cf. MARKL, D., “Hab 3 in intertextueller und kontextueller Sicht”, Bib 85 (2004) 99-108. 8 M. Pfister, “Konzepte der Intertextualität”, in U. Broich (Hg.), Intertextualität. Formen, Funktionen, anglistische Fallstudien (Tübingen 1985) 1-30 (esp. 26-30). Cf. também: J. Oesch, “Intertextuelle Untersuchungen zum Bezug von Offb 21,1-22,5 auf alttestamentliche Prätexte”, Protokolle zur Bibel 8 (1999) 41-74 – utilizou os critérios de Pfister na análise de textos bíblicos.
19
comparação de textos indica sua maior ou menor relação9. São eles: o grau de
referência temática – em que medida um texto espelha o outro quanto ao tema; o
modo como um texto se comunica com outro – utilização de termos, expressões,
construções; a ocorrência de semelhança de função dentro da estrutura dos textos
em questão; a seletividade – qual a proporção do uso das palavras entre os textos e
em relação aos textos restantes; o diálogo – em que medida os contextos dos
textos se relacionam no aspecto semântico e de pensamento. O autor nota ainda
que a maior probabilidade de verificação da intertextualidade dá-se nos seguintes
pontos: quanto menor é a freqüência dos elementos lingüísticos (comum aos dois
textos) na Bíblia, maior é seu número entre dois textos; sobretudo quando há
termos e expressões que são utilizados somente entre os dois textos (“exklusive
Verbindungen”).
Neste trabalho, serão apontadas várias características integradoras e temas
repetidos que conectam unidades que se encontram em seqüência no arranjo, e,
algumas vezes, aquelas que estão em partes diferentes do livro. As unidades estão,
na maioria dos casos, organizadas de acordo com o estilo e assunto. As passagens
estão colocadas em seqüência para que suas mensagens contrastantes, ou
complementares, possam ser ouvidas em relação umas com as outras 10.
Há ainda uma possível inter-relação entre os livros proféticos a partir de
indícios formais. No entanto, estas relações não são vistas como processo
redacional. Deveríamos então, observar as diversas inserções que criaram
estruturas, relações temáticas e verbais entre os livros. Assim, as qualidades
literárias dos textos merecerão uma maior atenção.
Este estudo é dividido em três partes. O primeiro capítulo apresenta o estado
da questão sobre a unidade do corpus profético. A situação atual em que se
encontram as pesquisas relativas ao tema – a unidade dos Doze – nos propicia
explorar as implicações das tradições antigas que tratam estes pequenos escritos
como um único corpo. A prioridade, nesta etapa, é descrever e entender os
9 O autor não considera o sexto critério – “Autoreflexividade”, que indica um erro na relação de intertextualidade –, pois ele dificilmente se encontra na Bíblia, apesar de presente na literatura recente e atual. 10 Até aproximadamente o início dos anos 90, os livros proféticos – excetuando-se alguns poucos casos – eram considerados geralmente como outras escrituras proféticas do Antigo Testamento, sem ao menos cogitar-se na possibilidade de que, talvez pelo menos em níveis redacionais posteriores, eles poderiam ser entendidos e lidos numa mesma contextualização uns com os outros.
20
principais estudos internacionalmente reconhecidos, assim como a ordem dos
Livros Proféticos no TM, LXX e 4QXIIa .
O segundo capítulo examina a organização e constituição do capítulo final
de Miquéias. Será apresentado uma análise textual, filológica e semântica. O
estudo do texto de Mq 7,8-20 tem o objetivo de discernir as suas principais
temáticas. Deve-se ainda examinar a uniformidade literária do respectivo texto, o
estudo da sua unidade para ver como se integra à parte final do livro de Miquéias.
O capítulo final examina o texto de Mq 7,8-20 junto a outros textos
proféticos sob o aspecto da intertextualidade. A análise intertextual permite
evidenciar e estreita ligação entre os livros que circundam o livro de Miquéias.
Teremos como objeto de nosso trabalho os livros proféticos segundo o TM.
A conclusão ficará por conta de uma avaliação sobre as etapas principais
deste estudo e seus resultados.
Cf. ZAPFF, B. “Die Völkerperspektive des Michabuches als, Systematisierung “der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum?” BN 98 (1999) 86-99, 86.
2. A unidade do corpus profético do Livro dos Doze
2.1 Breve história das antigas evidências sobre a unidade dos Doze
Habitualmente os comentários bíblicos tratam os Doze Profetas Menores
separadamente. No entanto, hoje existem vários estudos a respeito da
problemática da unidade dos Doze11. A atenção destes estudos assinala mais do
que uma organização casual de livros independentes entre si. Destarte, os exegetas
estudam a história e a formação final dos Doze e tentam mostrar em que consiste
esta unidade literária, que acreditam ser possível situar e interpretar de maneira a
relacionar os livros uns com os outros, discernindo o lugar e a função de seus
textos na organização da coletânea, o que levaria a compreender melhor a sua
significação.
Neste estudo enfocaremos três centros de interesse da crítica moderna: a
ordem dos Livros e os índices formais que autorizam a afirmar a unidade dos
Doze, a formação do Corpus Profético e, como conseqüência, a localização do
livro de Miquéias no contexto do Corpus Profético - na Bíblia Hebraica, na versão
bíblica dos LXX e no fragmento 4QXIIa descoberto em Qumran (por volta de 150
a.C.)12.
11 Estudos sobre este tema aparecem esporadicamente nas três primeiras décadas do século XX; no entanto, focalizam-no de modo diverso do que se faz atualmente. Cf. BUDDE, K., “Eine folgeschwere Redaktion des Zwöelfprophetenbuch” ZAW 39 (1921) 218-229; WOLFE, R. E., “The Ending of the Book of the Twelve” ZAW 53 (1935) 90-129; JEPSEN, Alfred, “Kleine Beitraege zum Zwöelfprophetenbuch” ZAW 56 (1938) 85-100; Alfred, “Kleine Beitraege zum Zwöelfprophetenbuch II” ZAW 57 (1939) 242-255. Hoje, pode-se citar uma bibliografia mais abundante, e uma coletânea de artigos recentes nos permite fazer a leitura dos Doze como um conjunto unificado, cf. NOGALSKI, D., – SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL 15, Atlanta, 2000. 12 Os comentários aqui tratados de modo particular, todos, ignoram totalmente uma análise global dos Doze. Observe-se por exemplo: Cf. NOGALSKI, J., “Intertextuality and Twelve in Forming Prophetic Literature”, in NOGALSKI, D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, pp.102-124.
22
Após a apresentação das antigas atestações sobre a evidência da unidade do
conjunto dos Doze, será exposto o status quaestionis da história da pesquisa até a
discussão atual.
2.2 A ordem dos livros
Os antigos manuscritos bíblicos dos Profetas Menores e as antigas
referências extra bíblicas são unânimes em atestar a transmissão destes escritos
dos Doze Profetas como um único volume. Embora não haja um único exemplar
de testemunho original, temos os manuscritos provenientes do mundo antigo, o
que nos permite distinguir ao menos três listas na disposição destes escritos
proféticos: as do TM, as da LXX e as dos fragmentos de Qumran13. Deve-se,
contudo, reafirmar que apesar das variações encontradas entre estes grupos de
Manuscritos antigos dos Doze, todas as versões em seus textos e seqüências
próprias afirmam sem exceção a unidade deste conjunto14.
A tradição textual Massorética (TM) não é apenas consistente em sua forma
de tratar os Profetas Menores como um único livro, mas é também uniforme na
seqüência dos livros, reunidos na seguinte ordem: Oséias, Joel, Amós, Abdias,
Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias15. Estes
profetas não possuem sempre a mesma posição e a mesma classificação nas
traduções bíblicas. Enquanto os Doze, (Os, Jl, Am, Ab, Jn, Mq, Na, Hab, Sf, Ag,
Zc, Ml) na Bíblia Hebraica são ordenados após Isaías, Jeremias e Ezequiel, na
Septuaginta (Os, Am, Mq, Jl Ab, Jn, Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml) eles se encontram
antes do livro de Isaías e, assim, iniciam os livros Proféticos. Na Vulgata e nas
13 Tov disse: “Textual criticism mainly takes into consideration the one composition which is reflected in all the known textual sources and which has been accepted as authoritative by Judaism”. Cf. TOV, E. Textual Criticism of the Hebrew Bible, p. 172. 14 Cf. JONES B. A. The Formation of The Book of The Twelve. A Study in Text and Canon. SBL Dissertation Series 149, Atlanta, Georgia: Scholars Press, 1995, pp. 2; 40. Outras fontes antigas indicam pelo menos cinco seqüências diferentes para o livro dos Doze o que demonstra que o arranjo foi totalmente vago, mas que a noção do livro como um todo era segura. Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or The Twelve: a few Preliminary Considerations”, JSOT 235 (1996) 125-156, p. 134. 15 Na Vulgata, na Peshita e nas versões modernas, o livro de Miquéias ocupa a sexta posição entre os Profetas Menores, seguindo Jonas e precedendo Naum como no TM. O Talmud (bBatra 14b-15a) apresenta também esta mesma classificação.
23
traduções modernas dela dependentes, os Doze aparecem somente depois dos
chamados Profetas Maiores – de Isaías a Daniel.
A seqüência dos livros nos manuscritos da LXX é diversa para os seis
primeiros livros (Os, Am, Mq, Jl, Ab, Jn); no entanto, há seqüências fixas: os
livros de Abdias e Jonas e os últimos seis livros (Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml) são
seqüências que aparecem em ordem idêntica àquela do TM16. A LXX move Joel
para o quarto lugar em vez da segunda posição, como o TM. Jonas é igualmente
posterior na LXX, ocupando a sexta colocação, e não a quinta do TM. Além disso,
Miquéias é deslocado para o terceiro na LXX, em vez da sexta posição que ocupa
no TM.
A partir dos dados acima, observa-se, então, que os Profetas Menores não
possuem sempre a mesma posição e a mesma classificação nas diferentes
tradições manuscritas. O único livro a permanecer a mesma posição é o de Oséias,
sendo sempre o primeiro livro a ser listado. Talvez o seu lugar tenha sido
determinado em função de suas afirmações centrais sobre a relação entre YHWH
e Israel.
A posição de ver Oséias e Amós, juntos, pode ser explicada devido às
subscrições mencionando os mesmos reis Ozias no Sul e Jeroboão no Norte.
Miquéias segue Amós porque Ozias (rei mencionado com Amós) foi sucedido por
Jotão no Sul (rei mencionado em Miquéias). Ambos, Oséias e Amós, iniciam com
Ozias, e então precedem Miquéias, que começa com Jotão. Além disso, todos os
três profetas apresentam subscrições exatamente no início; e Sofonias, que é
datado no tempo de Josias e obviamente posterior, é colocado próximo aos livros
exílicos. Não há dúvida de que a LXX organizou estes livros de acordo com a
cronologia17 das subscrições, entretanto, esta tradução ignorou as ligações verbais
declaradas – abundantes instrumentos entre Joel e Amós. As referências a Nínive,
encontradas em Jonas e Naum, são provavelmente as razões para as suas posições
na ordem dada pela LXX, mas outras referências similares são ignoradas, tais
como a de Ex 34,6, que existe em Mq 7,18-20 e Na 1,3; ou o fato de que Mq 7,12
16 Igualmente a ordem dos livros – do 7° ao 12° (Naum – Malaquias) é confirmada pela ordem atestada em 4QXIIIa. Cf. FULLER, “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, in Forming Prophetic Literature. Essays on Isaiah and the Twelve in honor of John D. W. Watts, 86-101, p. 92.
24
promete que algum dia a Assíria virá a Israel, correspondendo ao arrependimento
de Nínive em Jonas. Miquéias se situa entre o arrependimento de Nínive em Jonas
e a falta do mesmo – o que resulta no seu julgamento em Naum.
Há ainda interesse paralelo entre Oséias e Amós, que estão justapostos na
LXX. Oséias continuamente chama Betel “casa de distúrbio” (4,15; 5,8; 10,5); e
em Amós 5,5 ele diz que Betel poderia se tornar um incômodo. Porém, os
paralelos entre os pares de Joel e Amós no TM certamente excedem em número
aqueles realizados entre Oséias e Amós.
Herber Marks18 teoriza que o arranjo do TM mostra uma tentativa de
colocar os seis primeiros profetas no séc. VIII, quando a Assíria estava
ressurgindo, em ordem cronológica - Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas,
Miquéias. Os três profetas seguintes, Naum, Habacuc e Sofonias, foram inseridos
no declínio da era Assíria, no fim do séc. VII a.C. Os três últimos, Ageu, Zacarias
e Malaquias, são da era Persa, no período pós-exílio em Israel. Marks, porém, não
afirma que é apenas a cronologia que explica o arranjo do TM, mas também os
catchwords e os elos verbais determinam a organização literária. A explicação de
Marks para a ordem LXX é de que esta ordem dos seis primeiros para o período
Assírio está de acordo a extensão. Oséias, o livro mais longo (14 caps.), Amós (9
caps.), Miquéias (7 caps.), Joel (3 caps.), Abdias (1 caps.) e Jonas (4 caps.), como
um comentário da coleção inteira. Marks não explica este comentário, que não é
convincente ou não parece real. Jonas está cronologicamente no esquema do TM,
precedendo Miquéias historicamente, mas não na LXX – onde ele segue
Miquéias. Talvez a sua posição na LXX seja para manter Jonas e Naum juntos,
bem como para assegurar a destruição de Nínive (Naum), imediatamente após o
seu arrependimento e salvação em Jonas. Miquéias 7,12.18-19 promete
misericórdia à Assíria, o que os compiladores da LXX podem ter julgado menos
importante. Marks também sugere que o arranjo dos últimos profetas – Isaías,
Jeremias, Ezequiel e os Doze – corresponde aos três Patriarcas e às Doze tribos de
Israel. Não há, igualmente, muita evidência para isto.
17 Em favor deste critério está A. Van HOONAKER, Les douze Petits Prophètes, p. 8. O que contesta A. Chouraqui, L’univers de la Bible, t. V, Paris, 1984, p. 15 e outros. Sobre a influência dos títulos destes livros, conferir A. SCHART, Die Entstehung des Zwölfprophetenbuch, p. 32. 18 Cf. MARKS, Herber, “The Twelve Prophets” in The Literary Guide to the Bible, Ed. R. Alter and F. Kermode, Cambridge: Harvard University Press, 1987, 207-209
25
Apesar da seqüência dos primeiros livros nos manuscritos da LXX ser
diversa para os seis primeiros livros (Os, Am, Mq, Jl, Ab, Jn), há seqüências fixas
para os livros de Abdias e Jonas que são idênticas àquela do TM19. Em relação às
seqüências de Jonas e Abdias, Bogaert20 sugere a interpretação de que Jonas teria
sido unido após Abdias como para marcar a seqüência da qualidade da mensagem
enviada às nações. Jonas atribui a salvação até mesmo para Nínive, enquanto que
Abdias a restringe a Judá. Abdias se dirige contra Edom; Jonas e Naum
concernem a Nínive e Habacuc aos caldeus. Naum e Habacuc também se
assemelham literariamente – o primeiro supre a identidade dos opressores que não
são identificados no segundo, a saber, a Assíria. Habacuc identifica o agente da
destruição de Nínive/Assíria descrita em Naum, isto é, a Babilônia. Naum inicia
com a teofania e Habacuc termina com a teofania. Esses profetas (Ab, Jn, Na e
Hab) posicionam-se seqüencialmente na LXX; no entanto, no TM eles possuem a
mesma seqüência, mas são intercalados pelo livro de Miquéias (Ab, Jn, Mq, Na e
Hab).
A LXX move o livro de Joel para o quarto lugar, antes de Abdias, em vez da
segunda posição no TM; o livro de Jonas também é posterior na LXX, ocupando a
sexta colocação, em vez da quinta no TM; e o livro de Miquéias, que é de nosso
interesse, passa para o terceiro lugar na LXX, em vez da sexta posição no TM21.
Nota-se que, na versão LXX, Miquéias foi unido aos profetas do séc. VIII a.C.,
19 Todavia, no manuscrito 4QXIIa Jonas parece seguir Malaquias, presumivelmente no fim do rolo dos Doze Profetas. Uma tradição Midrástica preservada em Numbers Rabbah 18,21 separa Jonas dos Doze, considerando-o um livro único. Entretanto, esta tradição Hagádica tardia não pode ser lida como uma evidência direta para a circulação do livro de Jonas, separado do resto dos outros livros. Isto mostra que a distinção de Jonas em relação aos outros Profetas Menores era aparente para os leitores antigos, incluindo talvez aqueles que o uniram ao fim do rolo dos Profetas Menores. Cf. JONES, B. A., “The Book of the Twelve as a Witness to Ancient Biblical Interpretation”, in NOGALSKI, J. D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, 71. 20 O autor ainda reconhece que a organização dos grandes relatos proféticos mostra que os livros dos três grandes profetas (Os, Am e Mq) e o livro de Sofonias são organizados em três seções (oráculos contra o povo de Deus, oráculos contra as nações e as promessas). O Dodekapropheton é organizado nesta mesma perspectiva: os livros de Oséias, Amós e Miquéias são dominados pelos oráculos contra Israel; os de Ageu, Zacarias e de Malaquias concernem à restauração (promessa). Entre estes dois blocos se encontram, em uma seção central composta de Abdias, Jonas, Naum e Habacuc, livros que formulam ameaças contra as nações. Esta seção é emoldurada pelos livros chamados “Dia de YHWH”, de Joel e Sofonias. Cf. BOGAERT, P. M., L’organisation des grands recueils prophetiques, 147-153, p. 149. 21 A ordem de Miquéias na LXX (terceira posição) é confirmada também por outros Manuscritos Gregos, com exceção do Códice Basiliano-Venetus (N+V), que mostra a seguinte ordem para os seis primeiros livros: Os, Am, Jl, Ab, Jn e Mq. Esta ordem é também encontrada nos Manuscritos Latinos, a saber: Las (séc. IX d.C.) e Lac (séc. V d.C.). Cf. FULLER, R., “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 92.
26
seguido de Joel. A LXX assim como a Bíblia Hebraica coloca Jonas antes de
Naum, com o qual ele trata a mesma temática (o futuro de Nínive)22.
Observa-se que o livro de Miquéias possui uma colocação instável nos
testemunhos textuais existentes, no entanto, sua posição coincide na LXX e em 4
QXIIa (também no Códex Vaticanus) entre Amós e Joel23. Miquéias se relaciona
bem com Joel, livro que o segue (na LXX), porque Joel diz respeito às ameaças
feitas pelas nações a Jerusalém, parecidas com aquelas apontadas por ele. O
mesmo ocorre em relação à sua posição no TM entre Jonas e Naum24. Por outro
lado, o lugar de Jonas não seria ligado às aproximações históricas, mas às
afinidades verbais com Joel. O livro também está ligado pelo tema de Nínive
presente em Naum, que segue Jonas - se por um lado Nínive é salva (Jn 3,10), por
outro lado é anunciada a sua ruína (Na 2-3). Deste modo, o destino desta cidade
está em contraste, até mesmo em relação à atitude de Deus. Naum apresenta um
Deus vingativo, colérico, ao contrário da imagem apresentada por Jonas – um
Deus misericordioso25. Miquéias toma uma posição intermediária, diferenciando
entre as nações que se convertem e as que não se convertem. Disto resultam os
apelos à escuta em Mq 1,2; Mq 3,1 e Mq 6,1, ou à inclusão devido a Mq 1,2, de
5,14 ~yMi[; W[m.v / W[mev' al{ rv,a] ~yIAGh, que denota uma função-chave.
A ligação temática correspondente ao tema de Nínive tomou precedência,
aqui, sobre as considerações cronológicas – que seguem as datas indicadas nos
22 Jones assume que a justaposição de Jonas e Naum no arranjo da LXX pode ter sido motivada por uma tentativa de equilibrar o retrato da justiça divina para as nações que estavam contidas nos livros de Joel, Abdias e Naum com a mensagem da soberana misericórdia de YHWH no livro de Jonas. No arranjo do TM, esta conexão temática poderia ter sido descrita pelo maior conteúdo histórico. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 239. 23 Há fortes ligações temáticas e lingüísticas do Livro de Joel com Amós (cf. Jl 4,1-21 e Am 1,2-2,16; Jl 1,1-2,11 e Am 3,6ss; assim como o tema do “dia de YHWH” em Jl 1,15; 2,1.11 e Am 5,18; cf. Am 1,2). 24 De todos os livros do AT, estes dois livros são os únicos que terminam com uma questão (Na 3,19 e Jn 4,11). Curiosamente, eles se situam entre os Doze, são mais ou menos do mesmo tamanho, se dirigem à sorte de Nínive e trazem uma postura de Deus a respeito de ambos. Também se pode notar que estes dois livros são os únicos na coleção dos Doze, nos quais não se menciona “o Dia de YHWH”. Coggins aponta uma relação íntima entre eles – se referem à mesma cidade Nínive, que é confrontada de um lado com a mensagem de ameaça e de outro lado com uma mensagem de salvação – e afirma que o livro de Jonas foi escrito para ser colocado antes do livro de Naum. O autor pensa que provavelmente o estilo das narrativas seja “Zwiesprache”, que fala de duas diferentes soluções para o mesmo problema (cf. a íntima relação de Jn 4,2 e Na 1,3). Cf. COGGINS, “The Minor Prophets one Book or Twelve”, p. 66. 25 O final do livro de Miquéias (Mq 7,19-20) é particularmente sugestivo, pois ele faz eco à imagem de Deus reencontrada no final de Jn 3. Miquéias fala do Deus do amor (v.18 cf. Jn 4,2), significando assim que a cólera de Deus é de curta duração. Mq 7,18-20 reconhece os caprichos
27
títulos dos livros de Jonas e Miquéias. A explicação para tal fato encontra-se no
início do Targum de Na 1: “Anteriormente Jonas, o filho de Amittai, o profeta de
Gath-Hepher, profetizou contra ela e ela arrependeu-se de seus pecados; e quando
ela pecou novamente profetizou mais uma vez contra ela Naum de Beth Koshi,
como é lembrado neste livro”. Os novos pecados de Nínive provavelmente
referem-se ao texto de Mq 5,4s, que menciona Assur entrando no território de
Judá. Podemos dizer que os dois livros que intercalam Miquéias, Jonas e Naum
(no TM) indicam intervenções maiores que são aparentemente percebidas. Nínive,
tanto no Livro de Jonas quanto no Livro de Naum, torna-se, assim, através da
alternativa desdobrada no Livro de Miquéias, o paradigma para uma reconstrução
futura ou a destruição dos povos. Levanta-se assim a pergunta se haveria aí a
intenção de ligar estreitamente estes livros com o livro de Miquéias, já existente e
completo, ou não.
Caso se responda afirmativamente à questão acima, o livro de Miquéias
possuiria a função de sistematizar a atitude das nações encontradas nos três livros
que o cercam: Joel (na versão LXX), Jonas e Naum (no TM). O artigo de Zapff26
defende esta tese e procura explicar o papel que Miquéias representa na
sistematização das diferentes vidas do povo, retratadas em Joel, Jonas e Naum. O
julgamento dos povos diante de Sião no Livro de Joel encontraria sua
correspondência em Mq 4,11-14 e 7,10. À prometida possibilidade de conversão
dos povos em Jonas e à disposição para o perdão de YHWH corresponderia a
peregrinação dos povos para Sião em Mq 4,1-3 e Mq 7,12. O julgamento
definitivo sobre todos os povos que “não obedecem”, a saber, os que não
peregrinaram para Sião (Mq 5,14; 7,13) deveria ser procurado em Na 1, onde,
conseqüentemente, diferencia-se entre os “inimigos de YHWH” (Na 1,2b) e
“aqueles que procuram abrigo em YHWH” (Na 1,7). O autor considera possível
uma inter-relação entre estes livros a partir de indícios formais. Deveríamos, nesse
caso, contar com um processo redacional com diversas inserções, responsáveis
pela criação de estruturas, relações temáticas e verbais entre os livros. As
divinos como um favor para Israel. Deste fato, nem arrependimento, nem ato de expiação não são requeridos (Mq 7,18). 26 ZAPFF, B. M., “Die Völkerperspektive des Michabuches als “Sustematisierung” der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum? Überlegungen zu einer buchhübergreifenden Exegese im Dodekapropheton”, BZ 98 (1999), pp. 86-99.
28
intervenções redacionais poderiam ser observadas não só no conjunto, mas
também em cada um dos livros individualmente.
Na visão deste autor, ao datarmos os três livros, seria necessário então
contar com o fato de que a perspectiva dos povos descrita por Miquéias ocorreu
no período no qual já existiam a seqüência dos três livros (Jl, Mq e Na -
testemunhada pelo TM), e que foi responsável pela introdução do Livro de Jonas
no Corpus dos Doze Profetas. Supõe-se, pois, que os escritos não foram reunidos,
já tendo sido encontrados em sua forma final. A pergunta decisiva para a
verificação desta hipótese é se podem ser encontradas ligações condicionadas
redacionalmente entre a camada redacional do livro de Miquéias e os três livros de
Joel, Jonas e Naum. De uma certa maneira é correto – defende o autor – que o
livro de Jonas supõe o livro de Joel. No entanto, uma questão fica aberta: o livro
de Jonas foi inicialmente concebido como um escrito independente ou foi
integrado no livro dos Doze profetas? Nosso objeto de estudo será com relação à
seqüência massorética Jonas-Miquéias e Naum, levando-se em consideração que a
posição do livro de Miquéias não se trata de um acaso.
Pode-se observar que a cronologia não é o princípio mais importante, pois,
se assim o fosse, o compilador poderia ter colocado Jonas após Amós, uma vez
que a subscrição mencionando Jeroboão II em Amós sustentaria uma perfeita
introdução para a seqüência do livro de Jonas. O livro de Joel não possui qualquer
alusão histórica e é datado no período Persa; posiciona-se na LXX após o livro de
Miquéias, cuja subscrição se ancora no séc. VIII e é unido a Abdias, que é datado
em 587 a.C. Observa-se então que, embora haja uma dinâmica temporal, estes
livros não seguem uma ordem cronológica rigorosa27.
A ordem da LXX envolve não apenas a própria ordem dos livros, mas a
ordem final dos Doze, nos últimos versículos de Malaquias. Petersen28 nota que
nos três últimos versículos deste livro (Ml 3,22-24) a LXX coloca que é o
versículo 22 do TM, “lembra a Tora do meu servo Moisés”, que insiste na
fidelidade à lei dada a Moisés; em seguida, os vv. 23-24 aludem à promessa do
27 Seguindo a cronologia, o livro de Jonas não deveria se encontrar com Amós no início e o profeta Oséias lhe seria posterior? Da mesma forma, as ilusões históricas em Jl situam seus escritos ao período persa; por que neste caso ele se situa na segunda posição? Ou ainda por que Miquéias (séc. VIII) vem após Abdias que poderia datar do período exílico? Deste modo, a interpretação da formação dos Doze Profetas Menores pela ordem cronológica não precede. 28 Cf. PETERSEN, D., “A Book or Twelve?”, pp. 7. 10.
29
envio de um novo Elias e à vinda do “Dia de YHWH”29. Para este autor, o tema
dominante no rolo dos Profetas Menores é o hwhy ~Ay (Dia do Senhor), uma
tradição por meio da qual estes profetas poderiam explorar tanto o tema da
devastação do julgamento quanto a possibilidade de vida para além da destruição.
O lugar dos Doze na Bíblia Hebraica apresenta-se com mais diferenças no
TM do que na LXX, pois, no primeiro, há a conclusão de todo o livro. Todavia,
Petersen30, em outra citação escreve: “I Maintained earlier that Ml 3,22-24 is an
epilogue. But to what is it an epilogue? There are numerous possible responses: it
is an epilogue to the book of Malachi, to the three “oracles”, to the so-called Book
of the Twelve or Minor Prophets, to “the Prophets”, to “the Prophets” and “the
Torah”, or to the entire Hebrew Bible?” O autor reconhece: “There is no easy
answer”. De fato, o que encontramos são eventuais hipóteses oferecidas à
discussão dos exegetas.
2.3 Atestações dos manuscritos antigos
Em seu tratado, Talmude da Babilônia 14b-15a, Baba Batra fornece
informações que confirmam a unidade dos Doze. De acordo com as instruções em
b. B. Bat 13b é recomendado, para a cópia dos livros bíblicos, deixar quatro linhas
em branco; todavia, entre os livros dos Profetas Menores há três linhas somente.
Na sua lista dos livros bíblicos, Baba Batra cita os Doze como um único livro, e
não como doze livros31.
No fim do seu Manuscrito, o TM denomina os Doze (rf[ ~ynv) e dá o
número total dos seus versículos não só de Malaquias, mas também dos Doze,
aludindo ao fato de que Miquéias 3,12 é a metade do escrito dos Doze (rpsh
ycx). A unidade destes livros se reflete também no nome tardio dado pelo
Judaísmo rf'[' yrT>, forma abreviada aramaica do número 1232. Provavelmente,
este título veio de um período em que os judeus falavam Aramaico, e que poderia
29 As referências mais importantes para o “Dia de YHWH” nos Doze são: Os 9,5; Jl 3,4; Am 5,18-20; Ab 15; Mq 2,4; Hab 3,16; Sf 1,7-16; Ag 2,23; Zc 14,1; Ml 4,1. 30 Cf. PETERSEN, D., Zechariah 9-14 and Malachi, Louisville, 1995, pp. 232-233. 31 Cf. EMANUEL TOV, Textual Criticism of the Hebrew Bible, Second Revised Edition, Minneapolis: Fortress Press, 2001, p. 217. 32 MURAOKA, T., “Introduction aux douze petits prophètes”, in BONS, E. et alii, La Bible d’Alexandrie. T. 23/1: Les Douze Prophètes. Osée, Paris, 2002, p. 1.
30
ser algum tempo após o exílio da Babilônia, quando o Aramaico era a língua
dominante.
Além de reduzir o espaço cronológico entre a composição do livro dos Doze
e os manuscritos existentes do TM, as descobertas de Qumran e do Deserto de
Judá contribuem para a nossa compreensão das cópias dos textos bíblicos,
fornecendo informações acerca doa mesmos e dos testemunhos textuais. O
documento do livro dos Doze do TM, descoberto em Wadi Murabba‘at, apesar de
deteriorado, foi atestado com maior antiguidade que os manuscritos prévios
permitidos33. Este documento, datado do séc. II, preserva partes de textos proto-
Massoréticos dos Profetas Menores, considerados quase idênticos ao texto
consonantal do TM34. Os restos do rolo iniciam com Jl 2,20, inclui partes dos
textos de Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu e
conclui com Zacarias 1,4. Cada livro existente é encontrado na mesma ordem
apresentada pelos Manuscritos do TM35.
A unidade do livro é também indicada pelos manuscritos da LXX, de acordo
com as diversas técnicas escritas e tradições. Há dois Manuscritos que antecedem
a Hexapla de Orígenes (ca. 240-245 d.C.): o Manuscrito dos Doze descoberto em
Nahal Hever (ca. 100-50 a.C.), identificado como uma recensão da LXX – ainda
que difira pouco do TM -,36 e o Códice de Washington, manuscrito mais antigo e
33 A evidência dos manuscritos antigos em gamas hebraicas data aproximadamente do meio do segundo século a.C. (4QXI1a & b) para a segunda metade do primeiro século d.C. (Mur 88). Inclui sete rolos de papel da Cave IV Qumran que datam em sua maior parte do período de Hasmoneus (ca. 150-30 a.C.) e parece terem sido rolos de papel completos dos Profetas Menores. Cf. FULLER, R., “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 87. 34 O acordo com o sistema de divisão e a colocação da mesma no Manuscrito Massorético posterior é muito forte, e claramente apóia a classificação de Mur 88 como texto Proto-Massorético Cf. Emanuel Tov, 47-51, 104. As diferenças encontradas em relação ao TM são as adições/inclusões de frases ou palavras, omitidas naquele, e neste corrigidos. Estas adições sempre corrigem o texto de Mur 88 concordando com a leitura consonantal do TM. Essa correção do texto de Mur 88 pode ser indicativo do processo de padronização do texto consonantal. Cf. FULLER, R., The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert, 89. 35 Cf. JONES, The Formation of The Book of The Twelve, p. 4. 36 Este rolo escrito em grego, encontrado em Nahal Hever (ca. 100-50 a.C.), mostra a necessidade da comunidade Judaica que falava a língua grega de estar em conformidade com o texto Hebraico dos Doze. Cf. FULLER, R., “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 90. Os restos fragmentários do rolo grego designado como 8 Hev XIIgr atestam a Antigüidade de ambas as versões, a do TM e da LXX, como testemunhas para o livro dos Doze; e também sublinham as diferenças textuais existentes entre estes mesmos manuscritos dos Profetas Menores. Este rolo contém partes dos livros de Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias e Zacarias. E como contém o fim do livro de Jonas e o início do livro de Miquéias colocados juntos, faz nos pensar que a seqüência dos seis primeiros livros era idêntica à do TM. Sendo assim, é provável que a seqüência dos livros em 8 Hev XIIgr seja também o
31
completo, datado do séc. III d.C., que confirma tanto o nome simples dos profetas
quanto o número dos Doze nos títulos de cada um dos livros. O mesmo vale para
os Códices Unciais do Vaticano, Alexandrino e Sinaítico, datados do séc. IV e
V37. De fato, a história da transmissão textual certificada pelos manuscritos
antigos mostra tanto a Antigüidade consistente da unidade textual quanto a
uniformidade do estatuto sagrado dos Doze38.
Tanto na tradição hebraica quanto na tradição grega existem hiatos
cronológicos. Há um espaço temporal de quase 800 anos entre Mur 88 e o
próximo Manuscrito dos Doze – o Códice do Cairo. O intervalo entre a tradição
grega é menor – o Manuscrito de Nahal Hever data de aproximadamente 100-50
a.C. –, como vimos acima; e o Papiro de Washington é datado do séc. II d.C.
Estas informações nos confirmam que a coleção dos Doze já se completara por
volta do séc. II a.C. e que a ordem dos livros nos rolos dos Profetas Menores do
séc. I e II parece estar em conformidade à ordem que mais tarde tornou-se modelo
no TM39. Isto indica uma uniformidade característica do respeito religioso pelo
escrito.
Também as descobertas de Qumran acerca dos Doze profetas (4QXIIa),
entre 1947 e 1956, atestam a unidade do livro dos Doze, contido em um único
rolo40; e indicam duas transições certas entre os livros preservados: Sofonias-
Ageu em XIIb (ca. 150 a.C.) e Amós-Abdias em XIIg (ca. 50-25 a.C.). Os
fragmentos de XIIc (ca. 75 a.C.) podem preservar a transição de Joel-Amós. Como
0 texto está danificado, é impossível assegurar esta transição. Finalmente, XIIa
(ca. 150 a.C.) preserva a única transição entre Malaquias e Jonas. Assim, o
manuscrito de 4QXIIa, mesmo incompleto41, nos dá a sucessão dos três últimos
livros dos Doze, a saber, Zacarias, Malaquias e Jonas.
resultado de uma atividade recensional. CF. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, pp. 5-6. 37 Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, p. 4. 38 Cf. TOV, E. Textual Criticism of the Hebrew Bible, pp. 204. 39 Cf. FULLER, “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 91. 40 “The individual books of the Minor Prophets were considered as one book contained in one scroll (thus the Minor Prophets Scroll from Wadi Murabba ‘at, MurXII). Cf. EMANUEL TOV, Textual Criticism of the Hebrew Bible, p. 104. 41 Este rolo contém partes dos livros de Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias e Zacarias. Cf. Tabela editada por FULLER, “The Form and Formation of the Book of the Twelve: The Evidence from the Judean Desert”, p. 92.
32
Jones observa que a versão 4QXIIa contém o arranjo que reflete a colocação
inicial de Jonas entre os Doze. Jonas teria sido o último livro a ser inserido nos
Doze42. A. Schart43 é da mesma opinião, ao dizer que a justaposição de Jonas e
Malaquias fecha um longo processo redacional. Para este autor, cada adição está
baseada em uma nova experiência histórica, refletindo uma concepção particular
do profetismo. Esta última seção, como pensa Schart, foi realizada com o objetivo
de criticar o retrato de YHWH realizado pelo livro de Joel.
No que concerne à questão sobre qual classificação original é a mais antiga,
a maioria dos críticos opta pela ordem Hebraica,44 contrariamente a B. A. Jones,
que escolheu a ordem atestada pela LXX45. Em sua opinião, as descobertas de
Qumran trazem uma luz sobre a formação dos Doze. Considerando tanto a ordem
dos seis primeiros livros no TM e na LXX quanto o local do livro de Jonas na lista
de Qumran, certas observações são consideráveis. Assim, Jones estima que a
ordem dos livros atestada no rolo de Qumran (4QXIIa), isto é, com o livro de
Jonas no final da classificação, é, sem dúvida, a mais antiga das três; a segunda
lista mais antiga é a da LXX, com Joel, Abdias e Jonas inseridos após Oséias,
Amós e Miquéias. O TM seria uma etapa mais trabalhada do livro dos Doze46.
Dessa forma, constatamos que os primeiros Manuscritos – entre a metade do
séc. II e a metade do séc. I a.C. – fizeram uso de uma variedade de sistemas; no
entanto, a evidência destes materiais nos indica que houve um sentido de unidade
nos Manuscritos Hebraicos dos Doze. A ordem dos livros, com uma exceção
(4QXIIa, que preserva a ordem incomum Malaquias-Jonas), confirma a ordem
tardia encontrada no TM. Podemos concluir que a conservação de tais
Manuscritos da coleção dos Doze mostra o interesse e a importância deste
material, considerada a palavra de YHWH revelada aos Profetas. Essa atitude
42 Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, p. 130; esta posição do livro de Jonas, finalizando o rolo dos Doze, tem recebido atenção particular da parte dos estudiosos. Cf. O. H. STECK, Zur Abfolge Maleachi – Jona in 4Q76 (4QXIIa), ZAW 108 (1996) 249-253,253. Trataremos do assunto em um outro capítulo: Miquéias em relação aos Doze. 43 Cf. A. SCHART, Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs. Neubearbeitungen von Amos in Rahmen schriftenübergreifender Redaktionsprozesse, BZAW 260, Berlin- New York, 1998, pp. 283-287. 44 Cf. SCHNEIDER, D. A., The Unity of the Book of the Twelve, Ph.D.diss., Yale University, 1979, pp. 224-226; NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve. Beihefte zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft, no. 217, Berlin: Walter de Gruyter, 1993, p. 2. 45 Jones censura os exegetas tais como D. A. Schneider, A. Y. Lee, P. R. House, J. Nogalski, de só considerarem o TM não levando em conta os outros testemunhos textuais. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, pp. 239-240. 46 Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 131.
33
particular para esses escritos pode ser tão íntima para as comunidades judaicas
antigas quanto para aquelas do Judaísmo e Cristianismo, que viram igualmente
este material como sagrado.
Pode-se dizer que a ordem dos livros dos Profetas Menores resulta das
diversas épocas delineadas pelos próprios títulos dos escritos: os primeiros seis
profetas são situados no séc. VIII; os outros três seguintes no final do séc. VII; e
os três últimos no final do séc. VI. Na realidade, esta seqüência cronológica, em
todos os livros, não corresponde à verdadeira época do surgimento dos escritos47.
Como afirma M. A. Sweeney48, é preciso esclarecer que o princípio da cronologia
não explica inteiramente a organização do livro dos Doze tanto no TM quanto na
LXX. Há problemas com a sucessão cronológica de ambas as versões,
particularmente em relação a Joel, Abdias e Malaquias. Embora haja uma
dinâmica temporal, os Doze não seguem uma ordem cronológica rigorosa49. Cada
um dos livros pode ser lido independentemente do contexto literário atual do livro
dos Doze, pois cada qual traz seu próprio conteúdo, forma, características
genéricas, colocação sócio-histórica e perspectiva ideológica ou teológica. Os
livros são distintos, com comunicação literária autônoma. Os temas que dizem
respeito às relações ou à aliança entre YHWH, Israel e as nações surgem
diferentemente segundo cada uma destas ordens (TM e LXX). Sweeney resume
essas diferenças da seguinte forma: o TM acentuaria o papel de Jerusalém como
centro da criação e das nações e seria o reflexo da época de Esdras e Neemias; a
versão LXX traria, por sua parte, um interesse particular pela experiência do
Reino Norte como modelo para Jerusalém, à época do exílio na Babilônia.
Finalmente, não seria melhor afirmar, como Petersen50, que existem vários
princípios que permitiram aos doze livros (TM e LXX) se encontrarem em um
mesmo Corpus? E, a partir de uma história redacional reconhecida como
47 O Talmud diz que o arranjo é cronológico. Esta é apenas uma parte da explicação para a ordem da Bíblia Hebraica. Outras razões podem ser discernidas na sequência dos Doze. 48 O arranjo dos doze livros proféticos dentro do grande livro dos Doze não tem sido examinado suficientemente, e este critério é especialmente importante para a concepção e composição do livro dos Doze como um trabalho literário autônomo. Cf. M. A. SWEENEY, “Sequence and Interpretation in the Book of the Twelve, pp. 52-53 in Nogalski, J. D. & SWEENEY, M. A. Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL SS 15, 2000. 49 Cf. PETERSEN, D., “A Book or the Twelve”?, p. 6. 50 “[…] diverse orderings argue in the direction of an anthology rather than a book”. PETERSEN, D. P. “A Book of the Twelve?”, 7, in Nogalski, J. D. & SWEENEY, M.A. Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL SS 15, 2000.
34
complexa, é ainda possível ler os Doze como um único livro? Petersen prefere
falar não de um livro, mas de uma antologia tematizada.
2.4 Testemunhos bíblicos e extrabíblicos
A tradição testifica a Antigüidade da unidade textual do livro dos Doze e
seu caráter sagrado, o que é corroborado por referências bíblicas e extrabíblicas.
Assim, desde antes da era cristã a coleção desses livros era considerada como um
único corpo.
A Vulgata fala dos Doze Profetas Menores51, de um modo que sugere a
existência de Doze livros independentes. Mas a nota de uma observação de S.
Jerônimo no prefácio: “unum librum esse duodecim prophetarum” – mostra qual a
concepção do grande Mestre bíblico da Igreja Latina em relação ao conjunto dos
Doze Profetas52.
Na sua maneira de contar os livros do AT, Flavio Josefo53 considera os
Doze como um único livro, que partilha interesses e significados comuns. Ele fala
(Contra Apio 1,40) que Moisés e os profetas foram responsáveis pela escritura de
treze livros, os cinco livros da Tora; os quatro profetas do passado e os quatro
últimos profetas (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze) da Bíblia Hebraica. A
primeira lista dos livros da Escritura Hebraica na literatura cristã é citada por
Melitão, Bispo de Sardes, e foi conservada por Eusébio (Hist. Eccl. IV, 26). Nela,
Melitão menciona os Doze em um único livro: ton dodeka en monobiblo. Outra
lista antiga é a de Orígenes, também preservada por Eusébio (Hist. Eccl. VI, 25),
51 O termo “Profetas Menores” ocorreu provavelmente pela primeira vez em Santo Agostinho, De Civitate dei XVIII 29 (Prophatae Minores). Deve-se esclarecer que o que se teve em vista foi a abrangência retrospectiva desses livros após os livros de Isaías, Jeremias e Ezequiel e não que se tenha querido expressar uma significação de algum modo menor dos Profetas que dão nome aos livros. 52 Cf. ZENGER, E., Introdução ao Antigo Testamento, Bíblica, Loyola 36, São Paulo: Loyola, 2003, 461; Schneider em sua tese faz uma referência ao prólogo dos Doze Profetas na Vulgata, realizado por Jerônimo, no ano 390. d.C., acrescentando: “este é um livro (unum librum) dos Doze Profetas” e que “Oséias é contemporâneo de Isaías, Malaquias no tempo de Ageu e Zacarias”. Cf. SCHNEIDER, The Unity of the Book of the Twelve, University Microfilms, 1984, p. 1. 53 Num tratado intitulado Contra Ápio, I 38-41, dirigido aos gentios, afirma ele que os judeus têm em sua biblioteca sagrada um número determinado e limitado de 22 livros justificadamente acreditados. Ele os nomeia de acordo com a cronologia da época a que se referem. Um dos mais tradicionais arranjos desses escritos nas fontes rabínicas e nos manuscritos da Bíblia são estabelecidos numa seção do Talmud Babilônico, baba Bathra 14b, que pode remontar ao séc. II d.C. Cf. MILLER, J. W., As origens da Bíblia, Repensando a História Canônica, Coleção Bíblica, Loyola 41, São Paulo: Loyola, 2004, p. 15.
35
que atesta a unidade dos Doze de maneira incomum. A lista de Orígenes elenca os
22 livros hebraicos, embora a lista só contenha 21 livros. O Livro dos Doze, que
não figura na lista, presumivelmente por omissão acidental, seria o 22° livro do
elenco54.
A primeira referência bíblica, que confirma esses dados, remonta a Sirácida
(49,10), em um contexto onde são mencionados outros profetas separadamente,
como Isaías (Eclo 48,20), Jeremias (Eclo 49,6) e Ezequiel (Eclo 49,8). Ben Sira
fala de tw/n dw,deka profhtw/n. Esta passagem não apenas trata os profetas como
uma coleção unificada como também enfatiza a sua mensagem55. O que deveria
ocorrer aos leitores dos Doze, de acordo com Sirácida, é que eles deveriam levar a
mensagem de esperança de Deus para o povo56. O autor não faz referências à
ordem dos livros proféticos, mas refere-se aos profetas como heróis da história
religiosa de Israel.
Pode-se também apoiar tais dados em uma carta, que hoje faz parte do texto
de 2 Mc 1,10-2,18, enviada pelos judeus de Jerusalém aos do Egito, em 164 a.C.
Tal documento afirma que Neemias fundara uma biblioteca que possuía uma
“coletânea completa” dos livros que tratam dos Reis e dos Profetas, dos escritos
de Davi e das cartas dos reis acerca das oferendas (cf. 2 Mc 2,13). Estes livros
54Cf. D. SCAIOLA, “Il Libro dei Dodici Profeti Minori nell’esegesi contemporânea. Status Quaestionis”, RivBib 48 (2000) 319-334, p. 320 55 Parece que a citação de Sirácida se refere aos profetas como indivíduos e não aos livros atribuídos a eles. Zenger nota que “neste contexto o número doze é sutilmente relacionado com o povo de Israel surgido dos doze filhos de Jacó, pois a atuação dos doze é enaltecida da seguinte maneira: trouxeram restauração para o povo de Jacó e o ajudaram por meio de uma confiança confiável”. Cf. ZENGER, Introdução ao AT, 46. Petersen também pensa que esta referência de Sirácida é para os profetas, eles mesmos como indivíduos, e não aos livros atribuídos a eles. Cf. PETERSEN, A Book of the Twelve? in Nogalski, J. D. & SWEENEY, M.A. Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL SS 15, 2000, 4. Ben Zvi pensa que sobre a citação de Sir 49,10 não é necessário seguir que os livros dos 12 livros proféticos tenham sido escritos em um único rolo. Sir 49,10 indica que os 12 profetas estavam entre os grandes homens do passado, junto com Jó (Sir 49,9), Ez (Sir 49,8), Zorobabel (Sir 49,11) e outros. Sir 49,10 aponta também para uma clara e importante abordagem desses 12 profetas, a saber, principalmente, aqueles que confortaram Israel. Do fato de que Sir 48,10 cita Ml 3,23-24 não segue que Ben Sira conhecesse a coleção dos Doze na sua forma essencialmente completa (Cf. Jones Formation p. 8), a menos que se assuma previamente que Ben Sira não poderia ter tido acesso aos livros separados. Ben Zvi não considera que esta evidência seja útil para o estudo da composição, redação e, acima de tudo, para reconstruir o caminho no qual esses livros proféticos foram lidos e (re)lidos dentro das comunidades para as quais eles foram escritos. Cf. Ben Zvi, “Twelve Prophetic Books or “The Twelve”: A Few Preliminary Considerations”. in J. W. Watts – P. R. House, Forming Prophetic Literature, JSOT 235: Sheffield, 1996, p. 125-156, 130. Já Herbert Marks parece pensar que Sirácida se refere aos livros e não aos profetas. Cf. MARKS, Herber, “The Twelve Prophets”, p. 207. 56 Cf. REDITT, P. “The Production and Reading of the Book of the Twelve”, 26, in Nogalski, J. D. & SWEENEY, M.A. Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL SS 15, 2000.
36
foram dispersados por ocasião das perseguições religiosas realizadas por Antíoco
IV e novamente reunidos por Judas Macabeu. Tais livros estavam novamente à
disposição de quem pudesse deles precisar, como conclui a carta: “Se precisarem
de algum deles, mandem alguém buscá-los” (2 Mc 2,15). Os livros sagrados dos
judeus que estavam sendo protegidos e divulgados neste período (séc. II a.C.),
segundo o nosso conhecimento, são os da “Lei, dos Profetas e os outros livros dos
Pais”57.
Outras referências bíblicas podem ser conferidas no NT, no qual
encontramos várias passagens dos Profetas Menores, como as próprias palavras de
YHWH. Em três ocasiões é citado o texto do livro dos Doze pelo nome individual
do profeta: duas vezes em Romanos, referindo-se a Oséias (9,25-26); e uma vez
em Atos dos Apóstolos, referindo-se a Joel (2,16-17). Uma referência explícita ao
Livro dos Profetas encontra-se em At 7,42-43 “como está dito no livro dos
Profetas”. Ainda no livro dos Atos dos Apóstolos, encontramos: “as palavras dos
profetas” (At 15,15); “o que está dito no livro dos Profetas” (At 13,40-41). O uso
do termo na forma de plural mostra que provavelmente esta se refere ao livro dos
Doze, indicando assim que os escritores do NT conheceram os Profetas Menores
como uma única unidade literária.
Entre os textos extrabíblicos convém recordar 2 Esdras 14, 44-45, em que
os Doze parecem ter sido contados como um entre os 24 livros que Esdras disse
haver ditado e publicado; e 4 Esdras 1,39-40, que elenca os Doze, seguidos dos
três Patriarcas (Abraão, Isaac e Jacó) como líderes do povo do Oriente58. Este
segue a ordem da LXX. Lives of the Prophets, cuja lista Os, Mq, Am, Jl, Ab, Jn,
Na, Hab, Sf, Ag, Zc, Ml também segue a LXX, exceto pela ordem de Miquéias,
que precede Amós em vez de segui-lo. Este trabalho lista os eventos em torno da
morte e enterro de cada um dos Doze Profetas. Martyrdom and Ascension of
Isaiah 4:22, um apócrifo cristão que se uniu ao gênero literário da profecia e da
história veterotestamentária, datado do séc. III d.C., elenca os nomes dos Doze
Profetas Menores na seguinte ordem: Am, Os, Mq, Jl, Na, Jn, Ab, Hab, Ag, Sf,
Zc, Ml. Esta ordem inverte o livro de Amós e Oséias. Ainda que não siga nem o
57 Tal mensagem nos faz supor que havia matrizes dessas escrituras, e que os judeus tinham não só acesso a elas, como podiam obter cópias delas. Cf. MILLER, J. W., As origens da Bíblia, Repensando a História Canônica, Coleção Bíblica, Loyola 41, São Paulo: Loyola, 2004, p. 31. 58 “The context of this listing is concerned more with the prophets as individuals than with their literary remains.” Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, p. 11.
37
TM nem a LXX, é mais próxima desta última. Embora seja possível que as
seqüências variantes em Lives of the Prophets e Martyrdom and Ascension of
Isaiah sejam baseadas sobre testemunhas textuais, elas parecem ser mais casuais
ao listarem os nomes individuais dos ‘profetas do que um arranjo textual
alternativo dos livros proféticos. Estes testemunhos refletem mais a seqüência
encontrada na tradução dos LXX do que a do TM e isto nos faz pensar no status
autoritativo que o texto da LXX possuía na Antigüidade59.
Todas essas referências citadas acima, relacionadas ao livro dos Doze,
tentam demonstrar a continuidade durante vários séculos do tratamento do livro
dos Doze como um único livro. Tais citações também confirmam que o livro dos
Doze foi intimamente relacionado, na Antigüidade, com a preservação dos livros
Hebraicos tidos como sagrados. Tanto a unidade dos Doze quanto seu antigo
status bíblico são atestados nos manuscritos antigos. Baseando-se nesses dados
que provém da tradição, que alguns estudiosos sustentam a unidade dos Doze
caracterizando-a de dois modos: ou como o resultado de uma composição
redacional (diversos editores terão feito inserções que criaram estruturas, relações
temáticas e verbais entre os livros); ou como o resultado de uma compilação
editorial (um editor final recolheu os livros em um só volume, devido às relações
já existentes).
Na visão de Ben Zvi60, mesmo que se considere o argumento no qual se
admite que os Doze livros proféticos ou seus precursores haviam sido produzidos
na forma de um único rolo desde o período Aquemênida ou mesmo no início, isso
não significa que eles teriam sido (re)lidos como uma unidade literária unificada.
Em outras palavras, um rolo não expressa necessariamente uma única unidade
literária que foi, e tem sido, (re)lido como tal61. Para ilustrar tal afirmação, o
Pesharim de Qumran sustenta um exemplo óbvio da antiga comunidade, que tinha
consciência do fato de que os 12 livros proféticos foram escritos em um rolo, mas
59 Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, pp. 11-12 60 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or “The Twelve”, p. 131. 61 Significativamente, o fato de que alguns livros foram escritos em diferentes rolos não rejeita a possibilidade de que eles foram (re)lidos como pertencentes a uma coleção de textos relacionados (cf. o Pentateuco ou mesmo a chamada História Primária (que é Gn-2 Rs). Em outras palavras, não se pode reconstruir antigas estratégias de leituras apenas - ou principalmente - na base do critério de um rolo X muitos rolos. Cf. toda a discussão sobre quais livros podem ser incluídos em um rolo na literatura rabínica,- por exemplo, Soferim 3.
38
ainda considerados trabalhos separados62. Além disso, cada um dos livros dos
Profetas Menores possui – excetuando o livro de Jonas – um título próprio que
pode ser comparado com o livro de Isaías ou de Jeremias.
Dessa maneira, os testemunhos citados acima podem indicar apenas que
esses livros foram vistos como uma unidade escrita, nada mais do que isto63.
Apesar da unidade deste Corpus obter cada vez mais o sufrágio e o sustento dos
críticos, a resposta de Ben Zvi64 para a questão de um único livro pode ser
parafraseada como segue: “one long, self-contained scroll, yes; one grand, unified,
literary Corpus, no”. Ele ainda faz algumas observações: O livro dos Doze, nem
no TM ou na LXX, ou em qualquer outra ordem, pode ser lido como uma
unidade, se se escolhe tal estratégia de leitura. Mas, dessas observações óbvias,
não se pode dizer que o antigo judeu ou israelita da unidade de escritores e
(re)leitores responsáveis pela literatura profética presente na Bíblia Hebraica,
atualmente, seguiu essa estratégia. Certamente, não confirma esta observação que
os Doze livros proféticos foram intencionalmente escritos ou editados a fim de
transferir um sentido de unidade fechada entre eles, que os coloca à parte como
uma unidade de outros livros proféticos, a saber, Isaías, Jeremias e Ezequiel. Para
este autor o livro dos Doze é uma coleção de livros individuais com arranjos
variados em lugar de um único trabalho de forma definitiva.
É preciso notar ainda que este estudo sobre a unidade dos Doze se faz objeto
de vários “status quaestionis” recentes que são muito completos e elaborados por
B. A. Jones65 (de Budde em 1922 à Nogalski em 1993) e D. Scaiolla66 (de
62 Ver especialmente 1QpHab e 4Qp Nah; M. H. Horgan, Pesharim: Qumranic Interpretations of Biblical Books (CBQ MS 8; Washington, DC: The Catholic Biblical Association of America 1979). De fato, Pesher Habacuc parece sugerir uma abordagem exegética que focaliza nas unidades marcadas textualmente, mesmo se elas estão abaixo da camada do “livro” e inútil dizer do rolo, por ele não conter referências para a oração de Habacuc (isto é, Hab 3). A asserção de Jones de que a “unidade dos Doze” é menosprezada na literatura Qumran, a despeito de sua admissão de que não há referência específica nesta literatura para a existência dos Doze como uma coleção unificada, é fortemente colorido pelas suas suposições concernentes aos 12 e uma suposição insinuada de que um rolo deve significar um livro – veja JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, pp. 9-10. 62 O texto em B. Bat 13b é geralmente mencionado como um argumento que mantém a suposição de que os 12 livros proféticos foram considerados para serem uma unidade literária no tempo Talmúdico (por exemplo, Jones, B. A. The Formation of the Book of the Twelve, 3. 63 Tais práticas dos escribas podem presumir, mas não declaram explicitamente que esses livros foram vistos como uma única entidade literária. Os rolos, eles mesmos, não preservam qualquer título à parte daquelas subscrições canônicas individuais. Cf. PETERSEN, D., “A Book of the Twelve?”, p. 4. 64 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophets”, p. 130. 65 Cf. JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, pp. 14-42.
39
Bosshard em 1987 à Schart em 1998). Estes autores relacionam algumas
indicações para o estudo dos Profetas Menores, que serão aqui considerados como
ponto de partida. Também será levado em conta um artigo de Ben Zvi67 que
oferece um levantamento da pesquisa recente, com especial atenção aos estudos
de Schart.
Vários comentários dão à pesquisa atual um novo enfoque sobre a unidade
do livro dos Doze. O nosso trabalho será, então, apresentar as opiniões dos
diversos autores que discorrem sobre tal assunto, com as devidas avaliações sobre
essas considerações; e opinar sobre a evidência ou não da existência de um único
livro dos Doze. Um estudo mais detalhado e centrado exclusivamente sobre o
lugar de Miquéias no conjunto dos Doze será proposto no próximo capítulo.
2.5 Status quaestionis sobre a unidade dos Doze – evolução da história da pesquisa dos Doze
O Livro de Miquéias está sendo estudado, nos dias de hoje, em sua relação
com os outros “pequenos profetas”, o que decorre do fato de que, nas últimas
décadas, tem sido imposta na pesquisa veterotestamentária a pergunta se esses
doze escritos são independentes ou se formam um único livro68. A resposta a esta
questão tem conseqüências hermenêuticas, na medida em que sua concretização
66 Cf. D. SCAIOLA, “Il Libro dei Dodici Profeti Minori nell’esegesi contemporânea. Status Quaestionis”, Rivista Bíblica 48 (2000) 319-334. 67 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or “The Twelve”: A Few Preliminary Considerations”. in J. W. Watts – P. R. House, Forming Prophetic Literature, JSOT 235: Sheffield, 1996, pp. 125- 156. E. Ben Zvi representa, na exegese moderna, a tendência minoritária que é reticente a reconhecer a unidade dos Doze. 68 Existe hoje uma coletânea de artigos a respeito da problemática da unidade dos Doze Profetas. Cf. NOGALSKI, D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, SBL 15, Atlanta, 2000. Ver também os trabalhos de: SCHNEIDER, D. A., The Unity of the Book of the Twelve, Ph. D. Yale University, 1979; LEE, A. Y., The Canonical Unity of the Scroll of Minor Prophets, Ph. D. Baylor University, 1985; BOSSHARD, E., “Beobachtungen zum Zwölfprophetenbuch”, in BN 40 (1987) 30-62; HOUSE, P. R., The unity of the Book of the Twelve, JSOTSup 97, Sheffield, 1990; BOSSHARD, E. & KRATZ, R. G., “Maleachi im Zwölfprophetenbuch”, in BN 52 (1990) 27-46; NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, BZAW 217, Berlin- New York, 1993; NOGALSKI, J., Redactional Processes in the Book of the Twelve, BZAW 218, Berlin- New York, 1993; JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve. A Study in Text and Canon, SBLDS 149, Atlanta, 1995; WATTS, J. W., & HOUSE, P. R., (éd) Forming Prophetic Literature: Essays on Isaiah and the Twelve in Honour of John D. W. Watts, JSOTSup 235, Sheffield, 1996; REDDIT, P. L., “The Production and Reading of the Book of the Twelve” in SBL.SP 36 (1997) 394-419; SCHART, A., Die Entstehung des Zwölfprophetenbuches. Neubearbeitungen von Amos im Rahmen schriftenübergreifender Redaktionsprozesse, BZAW 260, Berlin – New York, 1998; SCHART, A., “Redactional Models: Comparisons, Contrast, Agreements, Disagreements”, in SBL. SP 37 (1998) 893-908.
40
exigirá, ou não, que cada um dos escritos , no caso concreto- Miquéias –, seja lido
não por si, mas como parte de um todo, o assim chamado “livro dos Doze
Profetas”.
Para situarmos a presente pesquisa, apresentaremos em primeiro lugar o
status quaestionis sobre a unidade dos doze Profetas.
2.5.1 Status quaestionis sobre a unidade dos Doze – evolução histórica da pesquisa dos Doze
Atualmente, as expectativas em relação à leitura dos livros dos Doze
Profetas Menores mudaram e permanecem em processo de mudança: os exegetas
cada vez mais destacam a unidade deste Corpus profético e falam sobre “o livro
dos Doze”. Até há pouco tempo havia escassos estudos que enfocavam a leitura
de cada um desses livros proféticos como uma unidade literária. Entretanto,
recentemente, houve um notável desenvolvimento nesse sentido, parece que os
autores querem sugerir uma mudança de paradigma69.
Nosso estudo não pretende somente apresentar a pesquisa dos diversos
autores, mas também fazer perceber as suas acentuações, sua estrutura interna,
seus ganhos, bem como as suas possíveis inconsistências. Para melhor avaliar as
propostas das diferentes linhas de pesquisa, que defendem a unidade dos Doze
livros proféticos, distinguimos basicamente duas grandes abordagens: o livro dos
Doze, visto como uma composição redacional (composição esta que procura
delinear a história das redações sucessivas do conjunto); e o livro dos Doze, visto
como uma compilação literária (estudando, pois, como os livros se uniram uns
com os outros até a forma com que os verificamos).
Pode-se observar que a maioria dos autores tem como preocupação destacar
o desenvolvimento do livro dos Doze nas suas diferentes fases até atingir a sua
forma final; para tal considerando-o em seu processo redacional, realizado por
69 “If this claim is indeed accepted, then a substantial shift in the historical-critical study of prophetic literature will follow because much of the present research is focused on a literary Corpus that is conceptualized as incluinding (at least) fifteen essentially separate prophetic books, each one with its distinctive compositional and/or redactional history and its particular messages.” Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or `The Twelve”: A Few Preliminary Considerations". In: HOUSE, P. R. & WATTS, J. W. (eds): Forming Prophetic Literature: Essays on Isaiah and the Twelve in Honour of John D. W. Watts. JSOT SS 235: Sheffield Academic Press, 1996, 125-156, p. 126.
41
editores diversos, responsáveis pela reelaboração dos escritos, criando novas
estruturas, relações temáticas e verbais. Entre os autores que se encontram nesta
linha de estudo da composição redacional destacamos: Schneider (1979);
Bosshard (1987/1997); Kratz (1990); Steck (1991); Collins (1993); Nogalski
(1993); Jones (1995); Redditt (1996); J. Jeremias (1996); Schart (1998). Estes
estudiosos não excluem a atenção aos livros individuais ou mesmo às mensagens
individuais dos profetas, mas propõem, além de uma leitura diacrônica, uma
leitura globalizante de todo o conjunto, por vezes ligada à abordagem canônica
dos livros. Em suas observações apontam para o processo complexo da formação
do livro dos Doze, que julgam estender-se por um vasto período e atribuído a
vários indivíduos. Alguns deles, D. A. Schneider (1979); E. Bosshard
(1987/1997); J. Nogalski (1993); J. Jeremias (1995); B. A. Jones (1995); P. R.
Redditt (1996) consideram ambos procedimentos, ou seja, enfocam tanto o
aspecto da composição redacional quanto o aspecto da compilação literária.
Os autores que se preocupam com o estudo da compilação literária dos Doze
Profetas, mostram de que maneira os materiais pré-existentes, já praticamente
compostos, foram reorganizados na coleção, a fim de unir os livros num só
volume, devido às afinidades literárias, temáticas e estruturais. Esta descrição
inclui tanto os autores,que empregam o método do estudo literário quanto aqueles
que enfocam a unidade canônica dos pequenos escritos. Entre os autores, que
abordam essa perspectiva literária, apontamos J. Nogalski (1993), que levou os
leitores a observarem, de forma singular, a presença de palavras-chave entre os
livros dos Doze. Segundo ele, teriam sido conscientemente colocadas com o
intuito de unir os escritos. 70 Outros críticos, tais como D. A. Schneider (1984), P.
R. House (1990), A. Schart (1993), J. Jeremias (1995), P. L. Redditt (1996/2000),
R. Rendtorff (1997), D. L. Petersen (2000)71, também postulam que as palavras-
70 O interesse por este estudo já havia sido iniciado por F. Delizsch, Cf. DELITZSCH, F., “Wann weissagte Obadja? ZLThK 12 (1851) 92-93; retomado mais tarde, por CASSUTO, U., “The Sequence and Arrangement of the Biblical Sections” (1947), in Biblical and Oriental Studies, Vol. 1, Jerusalem, 1973, pp. 5-6. 71 Cf. SCHNEIDER, D. A., The Unity of the Book of the Twelve; JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, NOGALSKI, J., Literary Precursors; Redactional Process, “Intertextuality and the Twelve” in WATTS, J. W. & HOUSE, P. R., Forming Prophetic Literature, pp. 102-124.
42
chave (catchwords) foram empregadas com a finalidade de unir os escritos, que
seriam preteridos pelos redatores72.
2.5.2 O Livro dos Doze visto como uma composição redacional
A interpretação dos Doze se faz principalmente em função do processo de
composição da redação, através do qual se deseja reconstruir a forma final da
coleção profética. Os autores, que analisaram a unidade do livro dos Doze como
uma composição redacional, consideraram principalmente o trabalho dos editores,
que unificaram os escritos dos Profetas Menores, compondo numerosas inserções
textuais, com a intenção de criar relações estruturais e temáticas entre os livros.
Entre os pioneiros desta pesquisa, é preciso citar H. Ewald (1898) e C.
Steuernagel (1912), que procuraram explicar a formação dos Doze a partir dos
títulos dados aos livros pelos editores73. Esses autores chegaram a um acordo após
o estudo das hipóteses levantadas, e procuraram reconstruir a coleção dos livros
proféticos nos períodos pré-exílio e pós-exílio H. Ewald afirmou, baseado nos
títulos, que a constituição dos Doze livros realizou-se em três etapas: a primeira
estaria situada no séc.VII, contendo as obras de Joel, Amós, Oséias, Miquéias,
Naum e Sofonias. A segunda redação teria acontecido após o exílio e reuniria os
livros de Abdias, Jonas, Habacuc, Ageu e Zacarias 1-8, ao mesmo tempo, que
teria modificado a ordem da seqüência dos livros no corpus já constituído. A
terceira etapa dataria dos últimos anos de Neemias e uniria os livros de Zacarias
9-14 e de Malaquias.
C. Steuernagel distingue sete etapas: no início teria existido, na época de
Josias, um conjunto de livros que agruparia Oséias, Miquéias e Sofonias. Durante
o exílio, teria sido acrescentado o livro de Amós. Em uma terceira etapa, teria
72 Todas as vezes que aparecer palavras-chave refere-se a catchwords. 73 Cf. EWALD, H., Die Propheten des Alten Bundes erklärt, vol 1 (Göttingen: Vandenhoeck and Ruprecht, 18682) 74-82. STEUERNAGEL, C., Lehrbuch der Einleitung in das Alten Testament, (Tübingen: J. C. B. Mohr, 1912) 669-672. No início do séc. XX, a ciência referente ao AT parece ter encontrado o seu apogeu: a crítica literária com tudo o que ela comporta de deduções. Esta crítica conduziu a grandes descobertas, e muitas vezes se mostrou exagerada e arbitrária, levando a uma fragmentação radical do texto sagrado. O volumoso Manual de l’introduction à l’Ancien Testament, avec un appendice sur les Apocryphes et les Pseudépigraphes de C. Steuernagel, em 1912, parece representar esta tendência. Van de Ploeg elenca outras obras importantes, nas quais se conclui que uma teologia do AT dominava as pesquisas bíblicas. Cf. J. VAN DER PLOEG, “Une théologie de L’Ancien Testament est-elle Possible?”, ETL 38 (1962) 417- 434, 418.
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havido a adição de Ageu e Zacarias 1-8, por volta do ano 500 a.C. A quarta etapa,
antes de 300 a.C., conteria a composição primitiva de Naum (cap. 2-3); na quinta
etapa, teria se dado a adição de Habacuc com o primeiro capítulo de Naum, em
torno do ano 300 a.C.; pouco depois, viria a sexta etapa, com Zacarias 9-14.
Enfim, a última camada viria unir Joel, Abdias e Jonas durante o séc. III a.C.
O primeiro estudo da questão da redação e da compilação da coletânea dos
Doze foi publicado em 1921 por Karl Budde74. Segundo o autor, teria existido no
séc. IV a.C. um trabalho de redação sistemática reunindo o atual corpus dos Doze
– que teria consistido essencialmente na eliminação das seções narrativas, aquelas
que particularmente tratam da vida dos profetas – seções biográficas ou
autobiográficas (discursos na primeira pessoa), para somente manter as palavras
de YHWH. Assim, teria existido um processo editorial cujo objetivo seria fazer
prevalecer somente a palavra de Deus e suprimir as palavras meramente humanas.
Com este propósito, a redação produziu uma coleção dos materiais proféticos
sagrados convenientes para serem aceitos e inseridos no corpus dos escritos
sagrados. Tal redação tentaria amenizar os grupos precursores, como os dos
Samaritanos e os dos Saduceus, que teriam apenas a Torah como autoridade. Na
opinião desse autor, a redação, que possivelmente teria ocorrido ou no séc. IV ou
no séc. III a.C., foi anterior à tradução grega dos Profetas Menores e à adição do
livro de Jonas cuja narrativa é contrária ao objetivo da redação. Restaram ainda
algumas passagens de “materiais biográficos” que se encontram nos textos de Os
1-3, Am 7,7-14, Mq 2,6-11, Jl 2, que Budde denominou “resíduos”. Assim,
segundo ele, Jonas se uniu aos outros livros por último, visto seu caráter narrativo.
Esta união ocorreu para que se formasse o número sagrado de Doze.
Subseqüentemente, a tese de Budde é aprofundada por R. E. Wolfe75.
Melhor que descrever o livro dos Doze como um resultado da supressão das
tradições proféticas, como Budde sugeriu, Wolfe enfocou os livros como uma
construção redacional, ou seja, o resultado de uma série de adições editoriais,
distinguindo os livros individualmente, cada qual com suas características
próprias. O autor também separou os materiais, classificando-os como
74 Cf. BUDDE, K., “Eine folgenschwere Redaktion des Zwölfprophetenbuchs”, ZAW 39 (1921) 218-229. Este autor que viveu de 1850 à 1935, é um dos representantes mais ilustres da escola histórico-crítico, na linha de J. Wellhausen (1844-1918) e A. Kuenen (1828-1891). 75 Cf. WOLFE, R. E., “The Editing of the Book of the Twelve”, ZAW 53 (1935) 90-129.
44
“autênticos” e “secundários”. Depois comparou os materiais “secundários” em
similaridade de conteúdo, linguagem e contexto histórico. O resultado foi uma
série de sucessivas edições, descritas em treze fases editoriais, datadas entre os
anos 650 a 175 a.C, nas quais aquelas profecias, isoladas na coleção, foram
reunidas em um único livro76.
Ele propõe a seguinte explicação redacional para a composição dos Doze: os
fragmentos até então considerados como comentários seriam adendos não a livros
isolados, mas ao conjunto como um todo. O autor fala explicitamente do livro dos
Doze, no singular. Ele descreve as diferentes etapas que conduziram à
constituição do livro, em uma estrutura tripartida de grandes coletâneas: o acervo
básico pré-exílio ter-se-ia iniciado com um editor judeu do livro de Oséias, em
torno de 650 a.C., e terminado com os escribas, entre os anos 200 a 175 a.C., os
quais teriam feito pequenas mudanças que resultariam nas diferenças entre os
textos do TM e a versão LXX77. Na sua maneira de narrar a formação dos livros,
no período pré-exílio, o livro de Oséias e de Amós ter-se-iam unido, formando um
conjunto de dois, posteriormente ampliado, durante o exílio, com Miquéias,
Naum, Habacuc e Sofonias, formando uma coleção de seis livros. Mais tarde, por
volta do ano 300 a.C., teria havido o acréscimo de Joel, Jonas e Abdias, formando
um conjunto de nove livros e, finalmente, os Doze com Ageu, Zacarias 1-8,
Malaquias e Zacarias 9-11 e 12-14.
76 Eis os treze estratos editoriais: 1) Iniciou com um editor judeu do livro de Oséias (em torno de 650); 2) um editor que se opôs aos lugares altos (entre 621 e 586), re-trabalhou as profecias de Oséias e Amós na linha da reforma de Josias; 3) No final do exílio ocorreu a união da coleção dos seis livros: Oséias, Amós, Miquéias, Naum, Habacuc e Sofonias (540-500); 4) Um acréscimo de um editor, que particularmente se opunha aos povos vizinhos de Israel (500-450); 5) O tema do messianismo (520-445), no qual se vê nuances em Isaías, Miquéias, Ageu, Zacarias (cf. Is 9,1-6; 11,1-9; Zc 9,9-10; Mq 5,1.2b-3; 7,11-12); 6) Os editores da escola nacionalista (entre os anos 360-300); 7) O teológico tema “Dia de YHWH” que Budde situa após Joel (por volta de 325); 8) Os escatologistas (entre 310 e 300), caracterizados pelo uso freqüente da fórmula “nestes dias” ou “naqueles dias”. Segundo o autor, eles teriam unido, junto à coleção dos seis, os livros de Joel, Abdias e Jonas, dando lugar a um livro novo; 9) O doxologista que os uniu se distingue bem claramente em Amós (cf. 4,13; 5,8-9; 9,5-6); 10) Um editor anti-idolátrico cujas adições se encontram em vários livros, mas sobretudo em Oséias, onde ele ataca o bezerro de Samaria (Os 8,5.6; 10,5-6 a; 13,2; 10,10); 11) O editor salmista (entre 275 e 250), que trabalha sobre o livro dos nove, unindo aqui e lá alguns pedaços hínicos ou de Salmos inteiros; 12) Intervenção dos primeiros escribas, redatores do Pentateuco e editores dos Doze, com Malaquias 3,22-24 como conclusão. O trabalho destes escribas é colocar, antes, o Sirácida, e, então, pensa Wolfe, antes de 200 a.C., mais precisamente entre 250 e 226; 13) Enfim, os escribas das escolas mais tardias contribuíram com algumas modificações, refletidas nas diferenças entre os textos da TM e da LXX, para a canonização dos Doze entre 200 e 175. 77 A aceitação do livro dos Doze como canônico, datado por Wolfe aproximadamente no ano 200 a.C., evitou quaisquer outras emendas para o que seria um texto santo. Cf. JONES, B. A., The Formation of The Book of The Twelve, p. 17.
45
Oséias e Amós, como o acervo básico, acrescidos do livro de Miquéias,
visam, principalmente, a Israel e Judá. Em seguida, o livro de Abdias, que prediz
contra a destruição de Edom; o livro de Jonas, cuja pregação favorável a Nínive é
anulada por Naum e Habacuc, que objetivam a destruição dos assírios e dos
babilônios. Os livros de Joel e de Sofonias contêm oráculos contra as nações –
estes dois profetas do “Dia de YHWH”78, fazem a transição entre a primeira e a
terceira seção, que é composta pelos livros de Ageu, Zacarias e Malaquias, os
quais propõem claramente uma perspectiva de restauração.
A pesquisa na perspectiva da crítica redacional da unidade dos Doze tornou-
se menos importante nas décadas seguintes da dissertação de Wolfe79. Porém,
estudos recentes, têm novamente tomado a questão da história da redação do TM
do Livro dos Doze. Esta questão, agora renovada com o emprego de uma
metodologia mais sofisticada, tem realizado melhor descrição da história editorial
dos textos do que os estudos anteriores. Tal metodologia refere-se à história do
texto como um documento escrito, desde a sua primeira camada composicional
78 Esta notável camada descrita por Wolfe do “Dia de YHWH” contém as seguintes passagens: Am 4,12b; 5,13.18c.20; Ab 1,15a; Jl 1,15; 2,1d-2b.10-11; 3,1-5; 4,1-3.12.14-17; Sf 1,7-8a.14-16.18c; 2,1-3; 3,8b-e. Isso significa que quase todas as passagens que contêm a frase “Dia de YHWH” pertencem a essa camada. Cf. WOLFE, R. E., “The Editing of the Book of the Twelve”, p. 103. 79 Schneider pensa de modo similar a Wolfe; argumenta em favor de quatro etapas: a base da coleção dos Doze foram os livros de Oséias, Amós e Miquéias, profetas do tempo de Ezequias. No tempo da reforma de Josias, Naum, Habacuc e Sofonias foram adicionados à primeira coleção, durante o período exílico. Joel (que foi escrito no período pré-exílio), Abdias e Jonas, sendo que Abdias foi adicionado ao final de Amós como um fim adequado para este, e Joel; Jonas foi colocado na frente da coleção sobre a Assíria, e finalmente no tempo de Neemias, Ageu, Zacarias e Malaquias foram adicionados. Cf. SCHNEIDER, D. A, “The Unity of the Book of the Twelve”, pp. 154-162. Já Nogalski atribui uma atividade redacional mais extensa para o acréscimo do livro de Joel. Havia uma coleção já existente do “corpus deuteronomista” (Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias) que foi combinado com Naum, Habacuc, Ageu e Zacarias 1-8, Joel e Malaquias. Somente mais tarde, Jonas e Zacarias 9-14 entraram na coleção. Cf. NOGALSKI, J. D., “Literary Precursors to the Book of the Twelve”, pp. 276-282 e “Redactional Process in the Book of the Twelve”, pp. 274-280. Schart assume mais um passo neste processo de desenvolvimento do livro dos Doze. No início, havia uma primeira combinação de Oséias e Amós, e nos passos seguintes, ele concorda com Nogalski - deve ter havido um corpus deuteronomista (Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias) no qual foram inseridos os livros de Naum e Habacuc. Mais tarde, Ageu e Zacarias 1-8 foram introduzidos. Subseqüentemente Joel, Abdias e Zacarias 9-14 foram adicionados. Finalmente, Jonas, como uma narrativa satírica, e Malaquias completaram o corpus profético. Cf. SCHART, A., “Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs”. Neubearbeitungen von Amos im Rahmen schriftenübergreifender Redaktionsprozesse. BZAW 260, Berlin / New York: de Gruyter, 1998, pp. 304-306.
46
até sua última glosa textual. Esse trabalho seria realizado mediante uma análise
crítico-literária das várias camadas da composição do texto80.
A descrição desenvolvida por P. Weimar81 da história da redação do livro de
Abdias representa essa nova tentativa de explicar o trabalho redacional do livro
dos Doze. O autor identifica nesse livro seis camadas de composição redacional.
Ao comparar as últimas camadas redacionais com a linguagem supostamente
secundária encontrada no livro dos Doze, ele sugere que a composição da forma
final do livro de Abdias teria sido conectada com o contexto maior do livro dos
Doze. Esta afirmação se baseia nas referências verbais cruzadas com outros textos
redacionais inseridos no corpus profético.
Baseando-se nessa abordagem realizada por Weimar, E. Bosshard82, em
suas observações sobre o livro dos Doze, publicadas em 1987, comparou-se a
estrutura dos Doze com o livro de Isaías no TM, como uma base para entender a
formação do corpus profético como um todo83. Em suas observações, o autor
notou um íntimo paralelismo no conteúdo e na estrutura desses livros,
identificando três textos significativos dos Doze a formar um elo com Isaías – Jl
1,15; 2,1-11; Ab 5-6, 15-16 e Sf 2,13-15 e 3,14-18. Com base na forma
Stichwörter (palavras importantes) presente nesses textos, o autor conclui que elas
tinham o objetivo de unificar o livro dos Doze de modo a refletir a estrutura
paralela de Isaías. Em particular, o início de Isaías (1,1) e de Oséias (1,1 - o
primeiro dos Doze) e o fim de Isaías (66,18) e de Zacarias (14,66 - o último
profeta antes do acréscimo de Malaquias e Jonas) são estreitamente paralelos. Os
redatores não teriam elaborado uma organização nova para os Doze, mas teriam
ordenado e estruturado o material textual já existente através de uma simples
80 Na avaliação de Jones, esta metodologia foi primeiramente utilizada por H. Barth e O. Steck. Cf. BARTH, H. e STECK, O., Exegese des Alten Testaments, 4th edition, Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1973. Apud in JONES, B. A. The Formation of The Book of The Twelve, 19. 81 Cf. WEIMAR, P., Obadja: Eine redaktionskritische Analyse, BN 27 (1985) 35-99, pp. 94-99 82 Cf. BOSSHARD, E., Beobachtungen zum Zwölfprophetenbuch”, BN 40 (1987) 30-62. 83 Além de Bosshard afirmar que há em ambos os mesmos processos redacionais: ver também, CONRAD, E. W., “The End of Prophecy and the Appearance of Angels/Messengers in The Book of the Twelve”, JSOT 73 (1997) 65-79; STECK, O. H. The Prophetic Books and their Theological Witness, Chalice Press, St. Louis, Missouri, 2000; COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, In The Mantle of Elijah: The Redaction Criticism of the Prophetic Books, The Biblical Seminar 29, Sheffield: JSOT Press, 1993. Todavia, em 1790, Johann Gottfried Eichhrn em seu estudo Einleitung ins Alte Testament. Zweite vermehrte und verbesserte Ausgabe Reutlingen, apresentava um paralelo na história da redação do livro de Isaías e os escritos dos Doze Profetas Menores. Isso quer dizer, que a hipótese desses pequenos escritos relacionados com o livro de Isaías é bem mais
47
adaptação redacional, de modo a criar uma estreita ligação com o livro de Isaías.
Todavia, Bosshard reconhece alguns elementos que não entram neste paralelismo:
trata-se da seção de Is 36-39, a teologia de Deutero-Isaías, o opúsculo de Jonas, a
seção de Zc 9-14 e o livro de Malaquias. Na sua análise, os livros de Jonas e
Malaquias não constam neste paralelo porque pertencem a uma camada redacional
tardia, ou seja, representam uma expansão redacional subseqüente, que moldou as
fases finais do livro dos Doze. Ao considerar os paralelos entre o livro de Isaías e
o livro dos Doze, Bosshard pensa que é o livro dos Doze que segue o vocabulário
e os motivos de Isaías, e que os textos de Isaías dos quais dependem as passagens
paralelas dos Doze possuem a mesma história editorial84. Daí a hipótese de que o
livro de Isaías e o livro dos Doze teriam recebido a sua redação final de um
mesmo círculo de escribas.
Mais tarde, Bosshard e R. G. Kratz85 propuseram um conjunto de reflexões
sobre o lugar do livro de Malaquias no livro dos Doze. Os autores partiram da
hipótese da existência de três estratos de textos utilizados na composição de
Malaquias, que denominaram Malaquias I, II e III, indicando as referências desses
textos entre si, bem como a outros textos bíblicos, particularmente do Livro dos
Doze Profetas. Malaquias I (Ml 1,6-2,9 [sem 1,14] e 3,6-12) é o estrato básico ou
originário e apresenta-se como uma continuação, atualizada literária e
contextualmente, de Oséias 11-13, de Ageu e de Zacarias 1-8. Tal obra seria de
um autor que conhecia uma coleção constituída dos livros de Oséias, Amós,
Miquéias, Naum, Habacuc, Ageu e Zacarias 1-8. Os estratos II e III nascem de
correção e reescrita. O horizonte literário de Malaquias II (2,17-3,5; 3,13-21) teria
ampliado o de Malaquias I e abarcado também Zacarias 1-8.
Correspondentemente ao que acontece com Malaquias I, Malaquias II
apresenta igualmente referências cruzadas a Zacarias 9-14. Assim, através de sua
posição, estrutura e referências cruzadas, Malaquias II conecta-se intimamente
antiga! Esse autor também já usava o conceito de “antologia” para descrever o livro dos Doze como um todo. 84 O autor discute que Is 1-39 é produto de duas camadas redacionais parecidas com as que formam o livro dos Doze, isto é, uma camada assírio-babilônica que se desenvolveu no séc. VIII refletindo sobre a destruição de Jerusalém em 587 a.C., e uma camada babilônica composta no último período do séc. VI como uma reflexão da presença do rei Ciro da Pérsia e seu significado. Esses fatos sustentam a base para a reconstrução das fases do desenvolvimento do corpus profético, do séc. VIII ao final do séc. IV a.C. 85 Cf. BOSSHARD, E., & KRATZ, R. G., “Maleachi im Zwölfprophetenbuch”, BN 52 (1990) 27-46.
48
com o escopo dos textos anteriores e o interpreta de uma maneira factualmente
nova. A terceira e última redação do livro seria responsável por unir os textos
conclusivos (Malaquias III – 1,1.14a; 2,10-12 e 3,22-24). Esse estrato parece
querer estruturar Malaquias I + II de uma nova maneira, na medida em que
relaciona com o povo aquilo, que antes era válido apenas para os sacerdotes; e na
medida em que fala claramente de uma continuidade em todo Israel, para quem
prevê e a quem previne que a possibilidade de unificação de todos, antes do
julgamento, deve permanecer aberta. A inclusão estaria em sintonia com a função
redacional de 3,22-24, por meio da qual se assinala não apenas o final do livro de
Malaquias e do Livro dos Doze Profetas, mas ainda se fornece uma observação
conclusiva a toda a parte canônica dos “Nebiim” e uma referência à “Torah”. Uma
vez que não temos mais profetas com as mesmas atribuições daqueles que
viveram no passado, temos a Lei. Neste texto final dos livros proféticos se reúnem
Moisés e Elias, a lei e a profecia. A missão do profeta é a reconciliação antes do
dia da vinda do Senhor. Os autores concluem que o último livro do
Dodekapropheton nem sempre foi um livro independente, mas sim um texto
burilado e revisado redacionalmente em diferentes níveis e à luz de diversos
horizontes, até atingir sua forma final.
Dando continuidade ao trabalho de Bosshard e Kratz, O. Steck86 tentou
descrever o último estágio redacional da formação do cânon profético. A sua
abordagem direciona-se à investigação histórica do desenvolvimento do livro e da
transmissão profética até o seu processo de formação final. Dessa forma, o autor
examina a inter-relação entre a história da composição do livro dos Doze e sua
formação paralela com o livro de Isaías. O autor sugere que Is 1-39 é produto de
duas camadas redacionais que são semelhantes às que formaram o livro dos Doze,
isto é, uma camada assírio-babilônica que se desenvolveu desde o séc. VIII,
refletindo a destruição de Jerusalém em 587 a.C., e uma camada Babilônica,
composta no final do séc. VI, que reflete sobre Ciro, rei da Pérsia, o conquistador
da Babilônia em 539 a.C.87
86 Cf. STECK, O. Der Abschluss der Prophetie im Alten Testament. Ein Versuch zur Frage der Vorgeschicte des Kanons. Biblish-Theologische Studien, 17 Neukirchen: Neukirchener, Verlag, 1991. Para um resumo deste livro, conferir REDDITT, P. L. “Zechariah 9-14, Malachi, and the Redaction of the Book of the Twelve”, in Forming Prophetic Literature, p. 248. 87 Gowan oferece como chave de leitura para os livros proféticos três momentos-chave da história israelita: a queda de Samaria em 722; a destruição de Jerusalém em 587; e a restauração do povo
49
Steck aponta como poderiam ser discernidas as camadas redacionais: os
escritos de Is 1-34.36-39.40-55.60-62 e o livro dos Doze, com exceção de Zc 9-
14, já teriam existido no período Persa. As últimas adições do livro de Isaías e os
últimos materiais dos Doze (Zc 9-14) comportam as mesmas perspectivas
teológicas e históricas e pertenceriam a uma época posterior. Após a vinda de
Alexandre, o Grande, Zc 9,1-10,2 teria sido inserido entre Zc 8 e Ml 1. Depois,
entre os anos 320 e 315 a.C., Zc 10,3-11,3 teria sido unido com as adições aos
livros de Joel (4,16), Abdias (vv.15-21) e Sofonias (3,8.14-19). Por volta dos anos
311 a 302 a.C., data em que Steck situa as últimas adições a Isaías, os textos de Zc
11,4-13,9 foram unidos, seguidos de Zc 14 entre os anos 240-220 a.C. O livro dos
Doze receberia sua forma atual antes de Sirácida, entre os anos 220-201 a.C., no
momento em que vieram se unir as subscrições de Zc 9,1 e 12,1, assim como os
textos de Ml 2,10-12; 3,22-24.
Steck88 privilegia o modo de ler os livros proféticos como um todo,
enfatizando particularmente a maneira como os redatores apresentam a ação de
Deus na história. O foco deste autor está claramente no processo redacional final,
visto como uma unidade. Na sua opinião, pelo menos na compilação final dos
Doze, os livros já não podiam ser lidos separados, mas como uma composição
redacional. Em seguida, o autor explora os componentes teológicos do trabalho de
seus redatores, procurando o significado para o presente. Assim, os leitores
deveriam processar os livros proféticos seqüencialmente, na tentativa de descobrir
a intenção planejada do livro, e, ao mesmo tempo, seguindo as instruções da
leitura colocada pela mão do redator final, como o caminho histórico contínuo do
povo de Deus. Dessa forma, o leitor torna-se consciente do mundo particular do
povo de Deus. Essa visão apresenta o propósito da experiência de uma história
que aponta para os limites da humanidade, na perspectiva de um Deus que
encoraja os leitores a observarem a sua própria história.
de Deus com o Edito de Ciro em 538 a.C. O autor estrutura o seu livro ao redor desse paradigma histórico, sistematizando temática e cronologicamente o material bíblico. Na sua opinião, nenhuma reflexão teológica pode ter sucesso se não levar em conta tais momentos. Cf. GOWAN, D., Theology of the Prophetic Books, The Death & Resurrection of Israel, Louisville, KY: Westminster John Knox, 1998, p. 9. 88 Cf. STECK, O. H. Die Prophetenbücher und ihr Theologisches Zeugnis: Wege der Nachfrage und Fährten zur Antwort, translated by NOGALSKI, J., The Prophetic Books and their Theological Witness” St Louis, Missouri: Chalice Press, 2000, pp. 3-16.
50
T. Collins89 propõe um modelo mais elaborado sobre o processo de
formação dos livros proféticos, considerando-os não simples textos, mas um
complexo único articulado internamente. O autor elabora algumas etapas
redacionais na formação do livro dos Doze: uma composição exílica, que
combinou Oséias, Amós (incluindo o cap. 9); Miquéias (incluindo os caps. 4-5);
Naum, Sofonias e Abdias na Babilônia; uma redação pós-exílico incitada pela
reconstrução do Templo e que adicionou Ageu, Zacarias 1-8 e, talvez, Jonas e
Joel; e a última etapa, com acréscimos a Sofonias (3,9-20), Habacuc, Malaquias.
Este autor supõe que Oséias e Amós devem ter sido unidos antes do primeiro
estágio e que Habacuc provavelmente teve uma prévia história redacional.
Considera ainda que a formação inicial dos primeiros escritos teria sido realizada
junto à comunidade judaica da Babilônia entre os anos 587-538 a.C. Após o
retorno do exílio, tornou-se necessário preparar uma revisão desses escritos que
foi realizada em paralelo com o livro de Isaías. Reflete-se nela o interesse pelas
relações com as outras nações, que está compreendida na perspectiva da
experiência da diáspora. Esse trabalho revisional pode vir datado em torno de 520-
515 a.C., e identificado como um livro muito próximo do atual, mediante o
acréscimo de Ageu, Zacarias 1-8 e, talvez, Jonas e Joel.
Com a finalização do Templo em 520 a.C., uma nova era, que mudava
continuamente – seja no sentido religioso seja no político – era inaugurada. A
apatia religiosa de alguns diante do fervor de outros conferiu ao livro dos Doze
pensamentos escatológicos muito próximos do livro de Isaías. O resultado foi uma
revisão ulterior, que incluiu os escritos de Habacuc, Malaquias e alguns
acréscimos a Sofonias. No final do longo processo, os Doze Profetas ter-se-iam
apresentado como um livro construído de modo semelhante a Is 1-66 quanto às
técnicas de composição e aos elementos fundamentais da temática.
A continuidade entre as seções é mantida pela recorrência de temas e
expressões verbais, que ocorrem, sobretudo no início e no fim das seções dos
diferentes livros. Entre os temas identificados pelo autor, os principais são: a
aliança e a eleição; a fidelidade e a infidelidade; a fertilidade e a infertilidade; o
pecado e a conversão; a justiça de Deus e a sua misericórdia; a soberania divina;
89 Cf. COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, pp. 59-64.
51
assim como o lugar de sua morada (o Templo, o monte Sião), as nações na
qualidade de inimigas e as nações como aliadas.
Cada profeta une seu tema a todos os outros temas, ora em acordo, ora em
desacordo uns com os outros. Collins julga encontrar a unidade global, que pode
dar sentido a todos os diferentes aspectos: essas passagens podem ser ilustradas no
enfoque do Templo. Oséias acusa o reino Norte de adorar o bezerro de ouro no
Templo; Joel marca claramente que é no Templo em Jerusalém que ocorre a
verdadeira adoração a YHWH e chama ao arrependimento. Em Mq 3,12, o
Templo é condenado e, imediatamente, em Mq 4,1-4, é visto mais uma vez como
o centro do mundo para o qual todas as nações virão espontaneamente a fim de
aceitar a Torah como o caminho da paz universal. O texto de Sf 3,9-20 também
explora esse tópico. O Monte Sião deve estar limpo para servir a sua
responsabilidade escatológica e ser a casa da comunidade santa. Esse pensamento
vai em direção aos escritos de Ageu, Zacarias e Malaquias, especialmente Zc 8,
que outrora formara o fim da coleção (comparar Zc 8,3 com Sf 3,11.15).
Malaquias então reconhece que o futuro glorioso prometido a Sião é ainda
impedido pelo comportamento dos sacerdotes no Templo, que não fazem por
merecer o lugar verdadeiro onde o nome de Deus deve ser honrado. É interessante
a observação de Ml 1,6-7, que faz uso da metáfora do pai que ama o seu filho,
recordando o comportamento de YHWH em relação a Israel, do qual se fala no
início do livro dos Doze, em Os 11,1-2, de modo a concluir significativamente o
livro dos Doze90.
Jones91 avança em uma reconstrução diferente da ordem original dos Doze e
de suas subseqüentes trocas. O autor formula a sua hipótese sobre a formação dos
Doze mediante as evidências dos manuscritos antigos. De acordo com ele, pelo
menos dois estágios de compilação podem ser reconstruídos com alto grau de
probabilidade. Primeiro, os “onze livros”: todos, menos o livro de Jonas, que
completaria a coleção dos Doze. Segundo, as evidências textuais e literárias
sugerem que os livros de Joel e Abdias teriam sido adicionados a uma coleção
pré-existente de “nove livros” composta dos livros de Oséias, Amós, Miquéias,
Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Desse modo, pode-se
dizer que existiu no início um livro dos “nove” que compõem os Doze atuais
90 Cf. COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, p. 81.
52
menos os três livros de Joel, Abdias e Jonas, mas já incluindo o texto de Zc 9-14.
Uma segunda edição teria inserido Joel e Abdias, no lugar que eles ocupam na
ordem LXX, dando lugar a um livro dos “onze”. Em seguida, foi unido o livro de
Jonas após Malaquias – assim como indica 4QXIIa – com um comentário
retrospectivo sobre a literatura profética à luz do atraso observado pelo castigo
prometido às nações. Enfim, logo que seu caráter profético foi reconhecido, Jonas
teria sido colocado no corpus profético para concluir o livro dos Doze.
Esta hipótese de Jones – a existência inicial de um livro dos “nove” –
ancora-ss no fato de que a seqüência destes livros não foi trocada nos manuscritos
da LXX e na tradição textual do TM. Além disso, há um alto grau de unidade
literária atestada dentro das três ordens arranjadas dos subgrupos de Oséias-
Amós-Miquéias, Naum-Habacuc-Sofonias e Ageu-Zacarias-Malaquias92. Jones
ainda observa que a informação cronológica dentro dos três subgrupos de profetas
no livro dos “nove” coloca uma moldura das mais importantes, similar à
cronológica que une os três maiores Livros Proféticos: Isaías, Jeremias e
Ezequiel93.
J. Jeremias94, ao investigar os precursores desse corpus profético, nota que
certamente pode-se argumentar que os escritos de Oséias e Amós outrora
formaram uma única composição95. Alguns textos de Oséias captam a linguagem
de Amós: a segunda metade de Os 4,15 (ameaça Israel e manda evitar os
santuários do Norte) se assemelha a Am 4,4; 5,5 e 8,14. A frase de Os 8,14 está
intimamente relacionada com Am 3,9-11 e 6,8 (crítica a Israel e a Judá por suas
construções de cidades fortificadas). As passagens parecem distribuídas da forma
mais adequada ao leitor de Judá, que estaria apto, possivelmente, a perceber as
transgressões do reino de Israel (Norte) como algo que nunca poderia acontecer
em Judá. O objetivo da adição redacional teria sido neutralizar aquelas reações.
91 Cf. JONES, The Formation of the Book of the Twelve, pp. 226-230. 92 O autor se apóia na unidade dos “nove” livros e na união destes três subgrupos de livros no extenso trabalho de Schneider, “The Unity of the Book of the Twelve” [Ph.D. dissertation, Yale University], 1979. 93 Jones aponta que, embora as afinidades observadas por Freedman sejam baseadas sobre a forma final do livro dos Doze, seus argumentos são mais convincentes para o livro dos “nove”, excluindo os livros menos específicos cronologicamente de Joel, Abdias e Jonas. Cf. FREEDMAN, D. N., The Unity of the Hebrew Bible, Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 1991, pp. 50-55. 94 Cf. JEREMIAS, J. “Die Anfänge des Dodekapropheton: Hosea und Amos”, in Hosea und Amos: Studien zu den Anfängen des Dodekapropheton. Tübingen: Mohr, 1996, pp. 34-54. 95 Esta era a hipótese de Wolfe: WOLFE, R. E., “The Editing of the Book of the Twelve”, pp. 91-93; cf. também SCHNEIDER, D. A, The Unity of the Book of the Twelve”, p. 23.
53
Por outro lado, o livro de Amós mostra uma dependência muito maior em relação
a Oséias: Am 3,2; 7,9; 2,8; 5,25; 6,8 e 1,5 utiliza vocabulário e tema típicos de
Oséias. Quase todas estas passagens se localizam em pontos importantes na
composição dos escritos de Amós. Isso significa que esses relacionamentos entre
os dois profetas demonstram o desejo dos redatores de compor um livro dos dois
profetas do Norte, compará-los e associá-los.
Em seguida, Jeremias enfoca os quatro livros que possuem uma introdução
“deuteronomista” (Dtr): Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias. Como possuem uma
redação coerente, o autor os constituiu “o livro dos Quatro”. Estes livros têm, na
opinião do autor, uma articulação redacional que acentua as intenções positivas
(salvação) de YHWH em relação ao “resto” (Os 2,18ss; Am 9,7-10.11-15; Mq
2,12s; 4-5. 7; Sf 3,9-19). Posteriormente, outros dois livros datados (Ageu e
Zacarias) teriam formado um outro binário, numa sucessão cronológica. O livro
de Jonas teria sido colocado na sua posição atual porque foi identificado com o
personagem Jonas de 2 Rs 14,25. Malaquias vem após Ageu e Zacarias porque
supõe a reconstrução do Templo, que ainda não estava realizada em Ageu-
Zacarias. Joel e Abdias estão intercalados entre os profetas do séc. VII,
provavelmente por causa das palavras-chave (catchwords) entre Oséias e Joel (Os
14,2-3 / Jl 2,12-14) e entre Amós e Abdias (Am 9,12 / Ab 17s.).
Schart96 tem privilegiado a visão de que o mesmo redator seria responsável
pela edição de ambos os escritos (Oséias e Amós) como uma simples composição.
O autor acrescenta que eles teriam formado o primeiro núcleo profético da Bíblia,
datado ainda do séc. VII. Todas as estruturas eram orientadas pela citação ou
chamado a ouvir (Os 4,1; 5,1; Am 3,1; 4,1; 5,1). Nos dois escritos, o profeta
primeiro se endereça aos israelitas (Os 4,1 e Am 3,1) e depois se dirige à casa de
Israel (Os 5,1 e Am 5,1). Os escritos foram combinados a fim de convencer os
leitores de que essas profecias de ameaça eram verdadeiramente as palavras de
Deus. Schart comenta, ainda, que as cartas de Mari mostram que a autoridade –
especialmente dos oráculos desfavoráveis – poderia ser intensificada, se um
segundo oráculo, que era independentemente pronunciado por outro orador,
confirmasse a mensagem do primeiro.
96 Cf. SCHART, A., Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs, pp. 101-105
54
Pensando nas características que poderiam constituir um importante
objetivo do texto final, e o que poderia ser examinado como inferior a elas, G. M.
Tucker97 privilegia os títulos. Do seu ponto de vista, parece sábio iniciar a
reconstrução da história da redação com essas passagens, que a própria evidência
mostra não terem sido criadas pelos profetas. Eles se referem à terceira pessoa e
retrospectivamente à atividade do profeta e aos livros que contêm as palavras
proféticas. O autor está interessado na articulação das evidências sustentadas pelos
títulos, como elas se relacionam na compreensão do processo canônico.
Redditt98 também se baseou no estudo dos títulos que, na sua opinião,
organizaram os livros proféticos. Seguindo um outro autor, Rudolph99, Redditt
reconhece que no séc. VIII atuaram os profetas Oséias e Amós (ambos com os
títulos referentes ao período tardio do reinado de Jeroboão II) e Miquéias,
seguidos pelos profetas do séc. VII, Naum, Habacuc e Sofonias. Então, seguem os
profetas pós-exílio, Ageu, Zacarias e Malaquias. Jonas foi datado segundo a
citação de 2 Rs 14,25, no reinado de Jeroboão II, o mesmo rei mencionado nos
títulos de Oséias e Amós, por isso, foi colocado após os mesmos, mas antes de
Miquéias, datado durante os reinados subseqüentes dos reis Jotão, Acaz e
Ezequias, reis de Judá.
A explicação de Redditt100 para os livros de Joel e Abdias, que se
posicionam de maneira inconstante na moldura cronológica geral, é a de que teria
havido uma tentativa em alternar os profetas de Israel e Judá – Oséias (Israel);
Joel (Judá); Amós (Israel); Abdias (Judá); Jonas (Israel); Miquéias (Judá). No
entanto, mesmo que tenha profetizado no Norte, Amós era originário de Judá.
Além disso, Jonas veio do Norte, mas profetizou a Nínive. Redditt vai dizer que
um interesse em Edom pode ter sido parte de um princípio alternativo entre os
profetas do Norte e do Sul. Edom é mencionado em ambos os livros de Joel e
Abdias, e então é citado novamente apenas em Amós e Malaquias. Edom é
certamente importante nessa ordem, e é a melhor explicação para a seqüência
Joel-Amós-Abdias. Amós 9,12, em particular, torna-se uma introdução adequada
97 Cf. TUCKER, G. M. “Prophetic Superscriptions and the Growth of a Canon”, in Canon and Authority. Essays in OT Religion ad Theology. Edited by G. W. Coats & B. O. Long, Philadelphia: Fortress, 1997, p. 65. 98 Cf. REDDITT, P., “The redaction of the Book of the Twelve”, pp. 261-262. 99 Cf. RUDOLPH, Haggai-Sacharja 1-8 Sacharja 9-14- Maleachi, KAT 13,4, Gütersloh: Mohn, 1976, pp. 297-298
55
para o tema principal de Abdias. Aqui as temáticas paralelas são o princípio mais
importante, não a ordem cronológica.
Ainda em relação ao estudo dos títulos, outros autores, tais como Freedman,
Collins, Nogalski e Schart101, defendem que Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias
já existiam como uma coleção separada. Os títulos desses quatro escritos seguem
o mesmo tipo e, através dos nomes dos reis mencionados, eles nos transportam
para o seguinte cenário: primeiro, Oséias e Amós profetizaram simultaneamente
no reino Norte; depois Miquéias e Sofonias, ao mesmo tempo em Judá.
Deliberadamente, os escritos de Oséias foram colocados na primeira posição,
embora provavelmente o profeta histórico, Amós, tenha comunicado a seus
oráculos primeiro do que a Oséias.
Nogalski102 chega à seguinte conclusão: os materiais básicos de Oséias,
Amós, Miquéias e Sofonias formavam um “Corpus Deuteronomístico”103, que
experimentou no período subseqüente duas redações, que tinham como objetivo
dar uma explicação à destruição de Jerusalém ocorrida em 587 a.C. Catástrofe que
os jerusalemitanos identificam de bom grado ao “dia de YHWH”(cf. Lm 2,22).
Oséias e Amós endereçados ao Reino Norte; e os de Miquéias e de Sofonias, a
Judá e Jerusalém. Com isso, a dura mensagem de julgamento ou condenação da
profecia pré-exílica foi aos poucos aumentada pelos textos que prometiam uma
salvação de grandes dimensões (Os 2,18ss, Am 9,7-10.11-15; Mq 2,12-13; 4-5; 7;
Sf 3,9-19). Dessa forma, Oséias alterna os oráculos de julgamento e de salvação
para Israel; Amós pressupõe a infidelidade de Israel descrita por Oséias e anuncia
o julgamento de Israel. Tal qual Oséias, Miquéias alterna igualmente os oráculos
100 Cf. REDDITT, P., “The redaction of the Book of the Twelve”, p. 262. 101 Cf. FREEDMAN, D, N. “Headings in the Books of the Eight-Century Prophets”, AUSS 25 (1987) pp. 16-20; COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, 62; NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, pp. 84-89; SCHART, A., Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs, pp. 41-46. 102 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, pp. 86-88. 103 Há bastantes indícios de que, no caso dos títulos do “Corpus Deuteronomístico”, trata-se de uma hipótese sólida para a história da redação do Livro dos Doze Profetas. No entanto, Schart se surpreende que ele inclua na sua afirmação de que os primeiros escritos foram de uma escola deuteronomista também a passagem em forma de hino de Am 9, 5-6, na qual não se pode reconhecer quaisquer contatos com as representações preferenciais e o vocabulário deuteronomístico. Nogalski, contudo, admite igualmente: “This model requires a certain flexibility in the form of a willingness to ascribe more of this material to ‘Deuteronomistic’ influence than has heretofore been supposed.” Cf. SCHART, A., resenha crítica das obras de NOGALSKI, J.: “Literary Precursors to the Book of the Twelve”. Berlin – New York: Walter de Gruyter 1993. BZAW 217. “Redactional Processes in the Book of the Twelve” Berlin – New York: Walter de Gruyter 1993. BZAW 218. [In: http://www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/steck.htm]
56
de julgamento e as passagens onde a esperança domina. Sofonias insiste sobre o
julgamento, como a exemplo de Amós, mas sua mensagem é diretamente
endereçada a Judá e Jerusalém.
Independentemente, logo após o retorno do exílio, surge um corpus
compreendendo os escritos de Ageu e Zacarias (caps. 1-8). O tema central destes
livros é a reconstrução do Templo. Um editor alimentado da tradição proto-
cronista associa ao Corpus Deuteronômico pré-existente as edições que colocam
em evidência as intenções positivas de YHWH para “um resto” (Os 2,18s; Am
9,7-10.11-15; Mq 2,12s; 4-5.7; Sf 3,3-19). São os livros de Miquéias e Sofonias
que recebem mais edições, antes de sua incorporação em um corpus maior. No
final do período pérsico, entre os anos 400 e 350 a.C., teria surgido um tipo de
profecia tal como aquelas de Abdias e Joel. Em uma visão cósmica anunciam “o
Dia de YHWH”, e reúnem as visões escatológicas sobre a história de Israel e seus
inimigos, muitas vezes identificados como “gafanhotos”. Cabe a esse espírito
profético unificar o Corpus Deuteronomístico com o corpus – Ageu-Zacarias.
Outros materiais foram incorporados em sucessivos acréscimos, a saber: Naum,
Habacuc, Abdias e Malaquias. Enfim, a conclusão do processo teria sido
finalizado com as adições do deutero-Zacarias (Zc 9-14) à época de Alexandre o
Grande, e em último lugar, o livro de Jonas104.
2.5.3 Análise crítica das propostas apresentadas pelo viés da composição redacional
Em relação a Budde, quem primeiro apresentou o estudo da redação e
compilação dos Doze, ressaltamos que o autor, embora tenha sido o pioneiro de
um trabalho tão valioso, não foi claro na sua exposição dos materiais que foram
supostamente eliminados do corpus profético. Budde, na sua análise, considerou o
texto de Mq 3,1 como um resíduo que foi deixado na redação; no entanto, ele não
esclareceu por que ainda subsistem, nos relatos dos Doze escritos, outros textos
biográficos, tais como Mq 1,8 e 7,1, que são considerados como lamentações do
profeta, e que na visão do autor seriam materiais inválidos. O estudo de Budde
104 Cf. NOGALSKI, J., Redactional Processes in the Book of the Twelve, pp. 270-277.
57
visualiza somente um processo editorial, apresentado com suas diferentes adições
e estágios até a sua redação final na compilação e revisão do livro.
Percebe-se que o argumento de Budde tem encontrado pouco apoio entre os
estudiosos105. Além da presença dos materiais biográficos (cf. também Os 1-3,
Am 7,7-14), a falta da evidência histórica dos grupos que poderiam ter
questionado a santidade da literatura profética dificultou a aceitação de sua teoria.
Não obstante, há autores como Jones106 que apontam como positiva a descrição
fragmentada da forma literária dos Profetas Menores feita por Budde, com ênfase
na unidade literária, ignorando as incongruências dentro dos textos dos Profetas
Menores.
Outro ponto apontado por Jones, a favor de Budde, é a sua descrição da
forma “canônica” do livro dos Doze, como palavra exclusivamente divina,
antecipando a descoberta do Pesharim de Qumran, no qual as palavras dos textos
proféticos foram interpretadas exatamente como Budde as descreveu, ou seja,
como palavras divinas que têm pouca relação com as palavras humanas
transmitidas. Por fim, Jones mostra a significante colaboração de Budde: a
colocação tardia que o autor faz do livro de Jonas, que, tomada à luz da descoberta
de 4QXIIa, confirma o seu argumento sobre a posição final de Jonas após
Malaquias na coletânea do livro dos Doze.
Como um todo, a análise de Wolfe também rendeu resultados hipotéticos.
As estruturas e estratificações internas dos livros, vistos em separado, foram
pouco consideradas. O critério do autor para identificar os escritos proféticos
autênticos foi inteiramente subjetivo. Por isso, o resultado de sua análise não
poderia ser válida. Naturalmente, não se pode considerar uma proposta que se
apóia em uma reconstrução textual sustentada por provas adicionais com
múltiplas hipóteses desnecessárias. Os textos que Wolfe identificou como
secundários têm sido rotulados como originais por outros estudos literários. O
autor também assumiu que materiais similares entre os Profetas Menores eram o
105 G. Metzner pensa que as considerações de Budde são puramente especulativas e não se deixam aplicar à tradição dos grandes profetas CF. METZNER, G. Kompositionsgeschichte des Michabuches. Eurpaeische Hochschulschriften Reihe 23: Theologie vol. 635. Frakfurt/M u. a.: Lang, 1998, p. 177. 106 Na sua opinião, o trabalho de Budde é melhor do que recentes trabalhos tal como o de House: HOUSE, P. The Unity of the Book of the Twelve, Sheffield: JSOT Press, 1990. Cf. JONES, B. A. The Formation of the Book of the Twelve, pp. 15-16.
58
resultado de autoria comum em vez do resultado de citação ou tradição
profética107.
No entanto, devemos reconhecer-lhe o mérito de tentar reconstruir a
constituição progressiva dos Doze Profetas e de ter querido determinar a origem
dos vários materiais que compõem este corpus. Como notou Otto Kaiser108, cabe a
Wolfe, por seu pioneiro estudo de pesquisa histórico-redacional do livro dos
Profetas Menores, bem como à tentativa comparável de Alfred Jepsen109, o mérito
de ter aguçado a visão para uma tendência diferente dos suplementos nos livros
em separado. Somente ante o pano de fundo de grandes experiências de estudos
de crítica da redação (RedaktionsKritik) puderam ser iniciadas as promissoras
tentativas de esclarecer a história redacional do livro dos Doze, já nas últimas
décadas.
Dessa forma, na visão de alguns estudiosos, entre eles Jones110, os erros da
metodologia de Wolfe e os excessos de sua análise literária não teriam anulado a
sua contribuição para o estudo da unidade do livro dos Doze. A visão amplamente
aceita na erudição bíblica é a de que o processo de transmissão não apenas
preservou os textos dos Profetas Menores, mas também contribuiu para a sua
união.
107 Para Jones, o argumento de que alguns materiais similares sejam o resultado de uma autoria comum é legítimo, e, em alguns casos, esta hipótese pode ter um alto grau de probabilidade. Porém, concluir que todos os materiais similares podem ser explicados dessa maneira é uma abordagem bastante simplista e mecânica para um corpus literário extremamente complexo. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, pp. 16-19. 108 KAISER, O., Das Dodekapropheton oder Zwölfprophetenbuch, 105; on line: www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/Kaiser-12b.htm. 109 Jepsen viu na sucessão de Oséias, Amós, Miquéias, Joel e Sofonias, um livro de cinco profetas organizado durante ou pouco depois do exílio. Isso estaria evidente não apenas na seqüência da LXX (Oséias, Amós, Miquéias e Joel), mas também nas relações óbvias entre Joel e Miquéias 7. Essas observações levam, contudo, à suposição falsa de que a conclusão do livro de Miquéias teria sido originariamente um discurso de Joel. Jepsen não pensou em processos de redação em termos de textos sobrepostos, pois ele julgou também Mq 1,6s, como fragmento estabelecido originariamente por Os 13. Assim, o autor não teria visto Oséias e Miquéias como partes de um mesmo livro formado por sobreposição de textos, mas como livros separados, já que Oséias teria determinado Mq 1,6. Cf. JEPSEN, A., “Kleine Beitraege zum Zwöelfprophetenbuch”, ZAW 56 (1938) 85-100; JEPSEN, A., “Kleine Beitraege zum Zwöelfprophetenbuch II”, ZAW 57 (1939) 242-255. 110 Jones afirma que o estudo de Wolfe foi significativo para a metodologia de seu trabalho. Uma das treze camadas de redação colocadas por Wolfe possui algumas afirmações válidas, a saber, as trocas que ele identificou comparando os textos da LXX e do TM dos Profetas Menores. O estágio final da redação de Wolfe sugere que a evidência textual da LXX sustenta um concreto começo para um estudo histórico redacional, que seria trabalhado posteriormente, de uma evidência textual para níveis de redação mais conjeturais e anteriores. Tal metodologia e suas implicações para o processo canônico foi explorado nos capítulos dois e três da sua dissertação. Cf. JONES, B. A. The Formation of the Book of the Twelve, p. 18.
59
Um segundo ponto importante levantado pelo estudo de Wolfe é a relação,
embora especulativa, que ele estabelece entre o crescimento do Livro dos Doze e
seu eventual status canônico. Na sua visão, uma das intenções dos editores de unir
a literatura profética foi a de preservar o passado literário de Israel, primeiro
durante o exílio, e depois, quando o movimento profético ameaçava desaparecer.
Somente mais tarde, a história da preservação se desenvolveu como uma literatura
e, a partir daí, foi reconhecida como sagrada e digna de crédito. O tema da
canonicidade – que para Budde era o impulso para a redação dos Doze – era, para
Wolfe, o ponto final do processo de redação.
Weimar, representante da nova tendência para explicar a composição dos
Doze, realizou o seu trabalho tendo por base o livro de Abdias. A sua afirmação se
baseia nas referências verbais cruzadas com outros textos redacionais, inseridos
no corpus profético. Não se pode e nem se deve negar que houve muitas
referências cruzadas entre os livros proféticos, mas é mais provável pensar em
atribuir essas referências à influência de um profeta em outro, do que em uma
atividade editorial.
Weimar teve sua tese ampliada por E. Bosshard. Este autor apontou a
relação dos Doze com Isaías, afirmando haver em ambos os mesmos processos
redacionais. No estudo da sua análise, constatamos que existem elementos, tanto
literários quanto temáticos, que sustentam seu trabalho – os diversos estratos
redacionais apresentados pelo autor no interior dos dois complexos. Percebe-se
que Bosshard não está tão interessado no livro dos Doze quanto na relação entre
os Doze e Isaías111. O que é surpreendente, e de nosso maior interesse, é que o
autor não menciona os textos, praticamente idênticos, de Is 2,2-4 e Mq 4,14.
Às vezes, as observações de Bosshard parecem evidentes e incontroversas,
por exemplo, aquelas feitas em relação aos títulos de Os 1,1 e Is 1,1, que
mencionam os quatro reis de Judá. O autor nota também os vários pontos de
contato entre os textos de Jl 1,1-2,11 e Is 13,2-6.14-16, que estabelecem fortes
relações lexicais, como a frase “próximo é o Dia do Senhor” junto às descrições
111 Vários outros autores afirmam haver em ambos, o livro dos Doze e o livro de Isaías, os mesmos processos redacionais: cf. CONRAD, E. W., “The End of Prophecy and the Appearance of Angels/Messengers in The Book of the Twelve”, JSOT 73 (1997) 65-79; STECK, O. H., The Prophetic Books and their Theological Witness, Chalice Press, St. Louis, Missouri, 2000; COLLINS, T., The Mantle of Elijah: The Redaction of the Prophetical Books (The Biblical Seminar 29), Sheffield, 1993.
60
de exércitos e guerras, que introduzem temáticas concernentes a povos
estrangeiros. Outras ligações do autor não são assim tão evidentes, mas apenas
prováveis, como por exemplo: Is 66,18-21 e Zc 14,16-21. Outros elos transversais
são tratados de modo problemático. Dessa forma, seu método crítico-redacional
parece ser questionável. A análise do autor sofre de alguns problemas, que
incluem a tendência de eliminar os textos individuais e associá-los com camadas
redacionais de outros textos, sem considerar os seus contextos históricos e
literários. Tal análise parece ser direcionada pela antiga máxima de que os
profetas do período pré-exílio pregavam o julgamento contra Israel;enquanto que
os profetas do período pós-exílio pregavam a restauração. Assim, uma atenção aos
vários fatores históricos desses textos, o impacto retórico, que eles devem ter
projetado nas suas audiências, e mesmo a hermenêutica, que interliga a forma
final do livro dos Doze no TM e na LXX, desafiariam as suas reconstruções.
Mais adiante, o estudo do livro de Malaquias no conjunto dos Doze,
realizado por Bosshard e de Kratz, apresenta-nos observações de que o livro dos
Doze Profetas nem sempre foi um livro independente, mas um texto burilado e
revisado redacionalmente em diferentes níveis e à luz de diversos horizontes até
atingir a sua forma final. O último estrato, Malaquias III, apresentado no esquema
de Bosshard e Kratz, criou de uma só vez o livro separado de Malaquias, o livro
dos Doze e a coleção canônica da literatura profética, que inclui Isaías, Jeremias,
Ezequiel e o livro completo dos Doze. Naturalmente, pode-se afirmar que até
certo ponto, todos os livros proféticos influenciaram-se, mas se os limites da
referente literatura são ampliados, incluindo não apenas os Profetas Menores, mas
também Isaías, Jeremias, Ezequiel, então a afirmação não pode ser de uma
unidade literária, mas de repertório literário comum, baseado em um tipo comum
de discurso e gênero profético.
Em consonância com a linha de pensamento desses autores, Steck tenta
igualmente descrever a última etapa redacional do corpus profético, relacionando,
como já havia sido feito por Bosshard, o livro de Isaías com o livro dos Doze. A
insistência de Steck em ver a revelação divina como um desdobramento de uma
experiência temporal está em tensão com a sua própria insistência de que os textos
devem ser lidos particularmente, segundo o modo pelo qual o próprio texto
determina tal tipo de leitura. O autor oferece pequenos ensaios, sem comentários,
entre as descrições de como os livros proféticos apresentam Deus e como Deus
61
realmente é. Uma apresentação meta-histórica do livro é identificada com a
compreensão da história de Deus, que alternadamente é assumida como relevante
para o leitor contemporâneo.
As hipóteses lançadas por esses três autores pecam pela pretensão de poder
determinar as datas precisas das alusões, que não são sempre tão evidentes quanto
querem fazer crer112. Além disso, o uso da análise literária detalhada dos textos
bíblicos, estudados com o objetivo de identificar o material redacional, fez surgir
apenas uma reconstrução extremamente complexa da história redacional. Por isso,
as reconstruções redacionais de Weimar, Bosshard, Kratz e Steck não tiveram
tanto sucesso na identificação dos materiais propostos nos textos do livro dos
Doze113. Além disso, esses autores não levam em consideração a evidência
suprida pela literatura profética e por um estudo mais sério do contexto sócio-
histórico no qual esta literatura foi escrita, lida, (re) lida, editada e transmitida de
geração para geração.
O modelo apresentado por Collins individualiza as seguintes etapas na
redação dos Doze: uma redação exílica (Os, Am, Mq, Na, Sf, Hab – na
Babilônia);uma redação pós-exílio (Ag, Zc 1-8, talvez Jl e Jn); e a última (Hab,
Ml e acréscimos a Sf), que forma os Doze Profetas. Do ponto de vista
metodológico, evidencia-se uma certa incoerência, porque embora o autor sustente
que as ligações encontradas entre um profeta e outro são do tipo literário, aquelas
que evidencia, na realidade, são de preferência temáticas.
O ponto de vista de Nogalski é de que os redatores queriam que o leitor
percebesse os escritos de Amós à luz de Oséias, possivelmente porque eram
comprometidos com a posição teológica do mesmo. Outros autores têm usado o
conceito Deuteronomísticospara caracterizar estes redatores114. Como Lohfink115,
112 Há opiniões diferentes: Otto Kaiser defende que O. H. Steck teve o mérito de chegar a uma cronologia relativa dos acréscimos escatológicos no livro dos Doze, assim como a hipótese da ordenação, no período pérsico tardio ou início do período helenístico, baseando-se em suas investigações histórico-redacionais do livro de Isaías. Cf. KAISER, O., Dodekapropheten, 105. 113 Jones, também nota que, embora as estratificações redacionais dos textos possuam uma análise detalhada da estrutura literária da forma final do livro, a descrição de tais camadas redacionais começa com uma suposta camada composicional reconstruída anteriormente e vai até a última camada. Sendo assim, eles constroem seus estudos em um estágio inicial hipotético que existe apenas em suas respectivas reconstruções. Cf. JONES, B. A. The Formation of the Book of the Twelve, pp. 21-22. 114 Cf. SCHMIDT, W. H., “Die deuteronomistische Redaktion des Amosbuches: Zu den theologischen Unterschieden zwischen dem Prophetenwort und seinem Sammler”, ZAW 77 (1965) 171.
62
alguns estudiosos defendem que a linguagem típica Deuteronomística é apenas
raramente identificada. Collins e Schart116 preferem ser mais cautelosos; por isso,
falam de uma redação que, em adição às subscrições, inseriram algumas
passagens que resultaram próximas ao pensamento Deuteronomístico. Schart,
especialmente após várias observações a respeito desta redação117, defendeu o
ponto de vista de que todas as transgressões feitas pelo povo foram concebidas
como sendo direcionadas contra Deus. Assim, a raiz de toda a desgraça é a
distorção da relação pessoal com Deus, que fora estabelecida no Êxodo. Com o
propósito de sublinhar este ponto, os redatores inseriram passagens referentes ao
Êxodo nos pontos cruciais da composição da coleção (Am 2,10; 3,2; 9,7; Mq 6,4-
5). A degeneração social, cultural ou jurídica é vista como o resultado da
corrupção fundamental da identidade de Israel, que é determinada pelo Êxodo. É
notável que a redação refletiu sobre o papel dos profetas dentro da história de
Deus com Israel e Judá (Am 2,11-12; 3,7).
Os autores, citados acima, avançaram em suas tentativas de reconstruir o
processo redacional que conduziu à formação dos livros dos Profetas Menores;
alguns deles estudaram somente o processo redacional, enquanto outros
discutiram as sessões específicas dos livros incluídos nos Doze. No entanto, todos
os modelos propostos pela crítica redacional assumem que pequenas coleções
formaram ou construíram em várias etapas o livro final dos Doze. Na opinião de
Ben Zvi, é hipotético dizer sobre um precursor do livro dos Doze que contenha
somente Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias, como foi apontado por diversos
autores118. Além disso, a probabilidade de cada uma dessas propostas depende da
hipótese de base, ou seja, da reconstrução textual na qual ela se apóia. Sendo
assim, é preciso assumir que o processo redacional apontado nos livros proféticos
115 Cf. LOHFINK, N., “Gab es eine deuteronomistische Bewegung?”, in Studien zum Deuteronomium und zur deuteronomistischen LiteraturIII. Stuttgart: Katholisches Bibelwerk, 1995, pp. 65-142. 116 Cf. SCHART, A., Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs, 46; COLLINS, T., “The Scroll of the Twelve”, p. 62. 117 Schart estuda o desenvolvimento redacional do livro dos Doze traçando sete estágios no seu desenvolvimento, sendo dois estágios anteriores ao estágio deuteronomista de Nogalski, um Corpus deuteronômico, e quatro etapas subseqüentes, sendo que na primeira foram adicionados os livros de Naum e Habacuc; na segunda, os livros de Ageu e Zacarias 1-8 (e possivelmente muitos textos Zc 9-13); uma terceira, com os livros de Joel e Abdias, e Zacarias 14; e a quarta ,completando os Doze com as adições de Jonas e Malaquias. 118 Como já citamos anteriormente, Schneider, Freedman, Collins, Nogalski e Schart defendem que Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias já existiam como uma coleção separada.
63
apresenta-se incerto e, por isso, incapaz de desvendar o estágio redacional da
reconstrução textual de um livro particular119.
As etapas redacionais das evidências históricas, como vimos acima, são
difíceis de serem elaboradas, por causa das alterações que os livros sofreram na
transmissão textual da coleção dos Livros Proféticos. No entanto, é preciso ter em
mente que nossa preocupação não é privilegiar o estudo das evidências históricas
ou das camadas redacionais, mas, antes, privilegiar o papel do leitor, em vez de
pesquisar o papel do autor. Como os livros proféticos são trabalhos escritos,
compostos e produzidos para serem lidos e (re)lidos na comunidade, o seu
significado envolve a interação entre o antigo leitor para o qual o livro foi escrito,
e o texto (que está sendo) lido pelo leitor atual. O maior problema, então, é
estabelecer o que é estrato redacional intencional e o que é apenas acidentalmente
conectado.
Dessa forma, o estudo para se chegar a uma síntese das diferentes
interpretações não oculta o esforço de ver nascer a interpretação do próprio texto
mesmo incluindo seus horizontes ideológicos / teológicos. Assim, esta abordagem
não focaliza primariamente o autor, editor ou redator do texto, mas a recepção do
texto pela comunidade para a qual e dentro da qual o texto foi escrito; em outras
palavras, como o texto foi provavelmente lido por esta comunidade e de que modo
os responsáveis pelos escritos foram capazes de escrever, de ler e de reler o tipo
de literatura representada pelos Livros Proféticos, considerando-os como
ensinamento divino para a comunidade.
A partir dessas considerações, analisaremos outros estudos que apontam
para um processo consciente de compilação literária no desenvolvimento do livro
dos Doze como um todo. As técnicas literárias empregadas na composição e
redação dos textos proféticos nos têm ajudado a descobrir algumas das várias
interpretações e adaptações que emergiram neste corpus profético.
119 Ben Zvi acrescenta: é preciso distinguir rigorosamente entre uma fonte pré-composicional e a probabilidade de qualquer reconstrução textual particular dos trabalhos escritos. É impossível reconstruir do texto final o que foi omitido em sua fonte – a menos que as fontes estejam presentes em algum lugar. Os antigos autores / auditores trabalharam a partir de uma lógica, mas certamente não consistente e nem sempre de maneira previsível. Inútil dizer que esses autores / redatores eram sofisticados e muitos deles comunicaram ou expressaram mais do que uma perspectiva em um único tema, ou ainda eles apresentaram uma visão de perspectivas contrastantes, sendo ambíguos; assim, torna-se inútil, de um ponto de vista crítico, este trabalho de reconstrução. Cf. BEN ZVI, E. “Twelve Prophetic Books or the Twelve: a Few Preliminary Considerations”, p. 146.
64
2.5.4 O Livro dos Doze visto como uma compilação literária
Recentemente, o interesse dos pesquisadores se voltou para o estudo
literário dos livros dos Profetas Menores. Podemos dizer que tal estudo
monopoliza o zelo dos exegetas. Esses estudiosos são, em geral, mais céticos
sobre a possível compreensão das camadas redacionais dos textos. Entre eles,
citamos House120, que reage de maneira extrema à crítica histórica e utiliza uma
abordagem literária exclusivamente sincrônica para pesquisar a trama progressiva
do livro dos Doze considerado então como uma obra perfeitamente unificada. De
preferência, visualiza o livro dos Doze, como uma compilação literária (materiais
pré-existentes, reorganizados por afinidades literárias, temáticas ou estruturais).
Um dos primeiros críticos que trabalhou a unidade dos Doze Profetas, sob o
ponto de vista literário, foi H. Ewald, que utilizou as evidências dos títulos dos
escritos proféticos para reconstruir a coleção pré-exílio e pós-exílio desses
livros121. Na sua opinião, os editores que criaram essa coleção inseriram materiais
nos textos já existentes. O autor cita o exemplo da inserção do nome “Malaquias”
em Ml 1,1 que, na sua opinião, teria sido unido à coleção para completar o
número de Doze Profetas. Embora Ewald tenha levado em conta algumas adições
editoriais, estas foram, ao longo da coleção, mais limitadas do que as etapas
redacionais discutidas acima. Os editores dos pequenos escritos proféticos foram,
na visão de Ewald, principalmente, compiladores.
Em 1979, D. A. Schneider, envolvido pela ausência por parte dos estudiosos
de uma atenção à forma canônica, trabalhou a unidade textual dos Doze122
buscando o significado do “livro dos Doze” como uma unidade textual,
investigando a origem dos livros. O autor propôs uma constituição gradual em
quatro etapas, iniciando no século VIII a.C., e concluindo durante a trajetória de
Neemias na última metade do século V. A primeira coleção reuniu Oséias, Amós
e Miquéias no tempo do rei Ezequias, formando assim o núcleo do Livro dos
120 Cf. HOUSE, P. R., “The Unity of the Twelve”, pp. 123-124. 121 Cf. EWALD, H., Die Propheten des Alten Bundes erklärt, vol 1 (Göttingen: Vandenhoeck and Ruprecht, 18682) pp. 74-82. 122 Cf. SCHNEIDER, D. A., The Unity of The Book of the Twelve, 1979, 38-42; 55-56; 112-114.
65
Doze. Em seguida, se associaram Naum, Habacuc e Sofonias123, compilados
durante a reforma de Josias e adicionados à primeira coletânea, provavelmente
durante o exílio. Os livros de Joel, Abdias e Jonas, na visão de Schneider, foram
reunidos em um terceiro estágio, no final do período do exílio. Na quarta e última
etapas, vieram as obras de Ageu, Zacarias (incluindo os caps. 9-14) e Malaquias,
numa edição realizada no final do século V a.C.
O autor argumenta que a seqüência Oséias-Amós-Miquéias seria o núcleo
dos escritos dos Doze Profetas. Esta seqüência interna de Oséias, Amós e
Miquéias é a mesma em ambas, tanto no TM quanto na LXX. As diferentes
posições de Amós e Miquéias em relação a Joel e Abdias no TM seriam o
resultado da inserção tardia dos dois livros dentro da coleção pré-existente. Este
autor também assinala o caráter do grupo de Naum-Habacuc-Sofonias. Naum e
Habacuc se assemelham cronológica e literariamente.
Naum identifica os opressores que não são citados em Habacuc, a saber, a
Assíria. E Habacuc identifica o agente da destruição de Nínive/Assíria descrita em
Naum, isto é, a Babilônia. Naum inicia com a teofania, enquanto Habacuc termina
com a teofania124. Uma identificação similar pode ser vista também no grupo de
Ageu-Zacarias e Malaquias. Ageu e Zacarias 1-8 formam um corpus literário
integrado que é unificado por uma estrutura cronológica e paralelos lingüísticos.
Estes paralelos lingüísticos também unificam Ageu-Zacarias 1-8 com o livro de
Malaquias. Porém, contra a idéia de uma constituição dos livros sob várias
gerações, ele avalia, sobretudo que os profetas escreveram eles mesmos suas
próprias obras, compilando, entretanto, os escritos dos profetas anteriores, dos
quais sofreram influência. Seria no nível dessa compilação que os editores teriam
chegado a utilizar a técnica das palavras-chave.
Outra abordagem, com ênfase no cânon bíblico, foi realizada por R.
Clements125, que identificou uma tendência hermenêutica para harmonizar os
vários textos proféticos dentro de uma única mensagem profética. Na sua opinião,
a mensagem essencial dos profetas canônicos para os primeiros judeus e cristãos
123 Jones concorda que o desenvolvimento temático, a dependência literária e as associações verbais dão unidade e ordem a esses três trabalhos. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 25. 124 Cf. SCHNEIDER, D. A, The Unity of the Book of the Twelve”, pp. 52-54.
66
foi mensagem de julgamento, seguida pela mensagem de restauração, com ênfase
nesta última. Essa mensagem unificada de esperança para uma restauração,
predominante, principalmente após o ano 587 a.C., não foi reconhecida pelos
tradutores e coletores da literatura profética como um crescimento natural de
elementos promissores vistos dentro das próprias tradições proféticas. Clements
ainda argumenta que os escritos proféticos foram coletados e editados com a
finalidade de completar a mensagem profética dentro de cada texto, incluindo o
elemento de esperança para uma restauração.
Na linha de Clements, A. Lee publica seu estudo sobre a unidade canônica
dos Doze126. Partindo do pressuposto de que o livro dos Doze é uma coleção
realizada sob a direção de Neemias. O autor concorda com a visão de Clements de
que a atividade redacional estava alinhada sobre o tema da esperança, o que
caracterizava as seções conclusivas de muitos livros dos Profetas Menores127. Na
sua pesquisa para a compreensão global dos Doze, Lee observou as passagens
salvíficas dos oráculos proféticos, concluindo que cada livro afeta o sentido do
conjunto do corpus, e este, inversamente.
Parte do artigo de Clements serviu também de modelo de estudo sobre a
unidade do livro dos Doze realizada em 1990, por P. R. House128. O projeto deste
autor é de ler o livro dos Doze como uma trama narrativa contínua, ou seja, como
uma única construção literária. O autor utiliza a crítica literária na identificação de
certos fatores, tais como: a unidade do gênero literário, a estrutura de conjunto, a
trama e a coerência temática sobre os diversos assuntos, entre eles, a questão de
Deus, a vocação profética, Israel como rebelde e como resto, e as sanções. House
considera o livro dos Doze como um único livro, construído segundo uma
estrutura tripartida, cujas três seções concernem sucessivamente ao “pacto e
pecado” (Oséias-Miquéias, embora não exclusivamente, estes escritos narram,
principalmente, o pecado de Israel e das nações); o “castigo ou punição” (Naum-
Sofonias, descrevem extensivamente o castigo referente aos pecados); e a
“restauração” (Ageu-Malaquias visam à restauração de Israel com as nações).
125 Cf. CLEMENTS, R., “Patterns in the Prophetic Canon”, in Canon and Authority. Essays in Old Testament Interpretation, ed. George W. Coats & Burke O. Long, Philadelphia: Fortress Press, 1977, pp. 42-55. 126 Cf. LEE, A. Y., The Canonical Unity of the Scroll of Minor Prophets (Ph. D. dissertation, Baylor University, 1985). 127 Cf. Os 14,1-8; Am 9,11-15; Mq 7,8-20; Jl 4,16-21; Ab 17-21 e Sf 3,8-20.
67
House segue o esquema de eleição, rejeição, punição e purificação129. Na sua
opinião, o livro dos Doze teria sido composto na perspectiva de uma teologia
deuteronomista da história130.
Outros dois artigos que abordam a unidade do livro dos Doze são os de N.
Gottwald131 e H. Marks132. O artigo de Gottwald é similar ao de House por tratar
dos mesmos temas (gênero e trama); porém, apesar deste autor reconhecer os
livros proféticos como um todo, ele não os considera como uma narrativa
coerente, e sim como um livro de gêneros diversificados, compostos durante
vários séculos. Por isso, prefere falar de uma trama narrativa insinuada, que se
situa por trás dos diversos materiais proféticos. Tal narrativa trata do fato de que
os reinos israelitas foram destruídos, mas que a sua identidade nacional continuará
na restauração da Palestina.
O artigo de Marks também avalia o livro dos Doze numa perspectiva
literária, sem diminuir a diversidade ou complexidade dos textos. Este autor
descreve o livro dos Doze em relação a uma interação do texto e das vozes,
inseridos em uma única estrutura. Características unificantes que estudiosos como
Schneider, Clements e House já haviam identificado. No entanto, Marks dá
atenção às diversas vozes soantes nos textos proféticos, avaliando tanto os
elementos diversos quanto os individuais que não foram ajustados nos esquemas
anteriores. E argumenta que, embora a forma canônica do livro esteja designada a
consolidar o seu complexo conteúdo dentro de uma unidade literária, a
característica discordante do livro não pode ser totalmente silenciada.
Em um estudo publicado em 1993, C. Van Leeuwen133 chega à conclusão de
que a redação final do livro dos Doze é de caráter sapiencial e que, por construir
uma teodicéia tendo traçado o julgamento divino para o período que vai de 722 a
587 a.C., os autores dos primeiros seis escritos (Oséias a Miquéias) se referem ao
128 Cf. HOUSE, P. R., The Unity of the Twelve, pp. 63-109. 129 Ibid., pp. 63-109. 130 O impacto do trabalho deuteronomista na composição dos Doze é um fato que foi colocado em evidência. Ver, por exemplo, BEN ZVI, E., “A Deuteronomistic Redaction in/among “The Twelve”? A Contribution from the Standpoint of the books of Micah, Zechariah and Obadiah”, in SBL SP, 1997, 433-459. 131 Cf. GOTTWALD, N., “Tragedy and Comedy in Latter Prophets”, Semeia 32 (1984) 83-96. 132 Cf. MARKS, H., “The Twelve Prophets” in the Literary Guide to the Bible, ed. R. Alter & F. Kermode, Cambridge: Harvard University Press, 1987, 207-232. 133 Cf. LEEUWEN, R. C. Van, “Scribal Wisdom and Theodicy in the Book of the Twelve”, in Search of Wisdom. Essays in Memory of John G. Gammie, Edited by L. G. PERDUE, B. B. SCOTT, W. J. WISEMAN, Louisville, KY: Westminster, John Knox, 1993, 31-49, p. 32
68
texto do Ex 34,6-7134. Um texto que coloca em evidência o caráter bipolar que
Deus dá a Si mesmo: lento na cólera, todavia não deixa nenhum pecado impune
ou misericórdia e justiça retribuitiva. A primeira alusão, ele vê em Os 1,6, no qual
é declarado que o caráter misericordioso de Deus não estará mais em vigor. No
entanto, em Os 14,10 está implícito que o sábio conhece e reconhece que Deus
não se esquece daqueles que se arrependem. Os redatores parecem explorar a
tensão existente entre os termos misericórdia e justiça em Deus, a fim de mostrar
que os diferentes profetas enfatizaram atributos diferentes para o mesmo Deus. O
autor compara Ex 34,6-7 com os textos de Jl 2,12-14.18; Jn 3,9; 4,2; Mq 7,18-19 e
Na 1,2-3a135. Esta é a teologia que também A. Cooper vislumbra no livro dos
Doze, em particular nos livros de Joel, Jonas e Naum136.
Grande conhecedor dos estudos sobre os Doze, J. Nogalski publica, em
1993, sua Dissertação sobre os Doze, em dois volumes, consideradas obras de
referência137. Ele parte da suposição de que a antiga tradição de copiadores que
escreveu os Doze Profetas Menores num rolo-de-manuscrito assinala mais do que
uma organização casual de livros independentes entre si. Esta suposição é
fortalecida pela investigação fundamental do “Catchwords Phenomenon”
(“Fenômeno das Palavras-chave”), existente em livros contíguos na ordem do TM
dos Profetas Menores. O autor ressalta que, em muitos casos, pode-se observar
que a última seção de um livro é conectada diretamente com o início do livro
seguinte, com palavras-chave, numa espécie de articulação entre os diversos
livros138. Algumas dessas conexões são significativas e têm atraído a atenção,
134 Segundo os comentários de Watts, o texto foi relido pelos Doze à luz de Ex 32,12-14, no qual, após o episódio do bezerro de ouro, Moisés implora YHWH que volte atrás no que tange à ordem de sua cólera e se arrependa do mal que ele tinha decidido fazer a seu povo, prece finalmente atendida. Cf. WATTS, D. W., “A Frame for the Book of the Twelve: Hosea 1-3 and Malachi”, in NOGALSKI, J. D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, pp. 209-217. 135 Este tema será tratado mais adiante, na intertextualidade do livro de Miquéias com outros textos proféticos. 136 Cf. COOPER, A., “In Praise of Divine Capriche: The Significance of the Book of Jonas”, in P. R. DAVIES & CLINES, J. A. (ed), Among the Prophets: Language, Image, and Structure in the Prophetic Writings (JSOTSup 144), Sheffield, 1993, pp. 144-163. 137 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve e Redactional Processes in the Book of the Twelve. Estes dois volumes formam a versão da sua tese (1991) orientada por Odil Hannes Steck em Zurique: “Redactional Layers and Intentions: Uniting the Writings of the Book of the Twelve”. Esta por sua vez retoma a dissertação de Mestrado da Faculty of the Baptist Theological Seminary in Rüschlikon (Suiça) de 1987 com o título “The use of Stichwörter as a Redactional Unification in the Book of the Twelve”. 138 Já em 1851, F. Delizsch havia notado sobre o final de um escrito e o início do escrito seguinte, realçando algumas considerações sobre a participação de significantes vocabulários. Cf.
69
principalmente para o texto de Os 14,5-10 e Jl 1, 1-12139, que pode ser citado
como um exemplo dessa metodologia e argumento140. Na sua opinião, Os 14,8
não segue a estrutura e o contexto imediato de sua mensagem, por isso, ele
conclui que aquele é uma inserção redacional, cujo propósito é conectar o livro de
Oséias ao livro de Joel por palavras-chave redacionais. Uma análise similar do
texto de Jl 1,1-14 resulta na conclusão de que as palavras-chave de Os 14,8 são
partes essenciais para a estrutura e contexto de Jl 1. Assim, Nogalski conclui que
o autor de Joel não apenas construiu seu texto para conectar com o verso final de
Oséias, mas também inseriu Os 14,8 com a finalidade de solidificar essa
conexão141.
Assim, não apenas foram adicionados os livros de Joel, Abdias, Naum,
Habacuc e Malaquias em uma prévia coleção, mas, como afirma Nogalski, a
adição desses livros foi também a primeira ocasião para um trabalho redacional
extensivo que tentou unificar o corpus dos Profetas Menores pelo significado
redacional das palavras-chave. Nogalski considera que o anúncio do “Dia de
YHWH”, que representa o tema central do livro de Joel, apresenta-se como um fio
condutor para o Livro dos Doze Profetas (embora não o único). Tal ligação é
vista, pelo menos, de três modos: na unidade dos gêneros, na repetição de
vocabulário e no paradigma histórico que transcendem a moldura cronológica dos
dados dos títulos142.
DELITZCH, F., “Wann weissagte Obadja?” Zeitschrift für die gesammte Lutherische. Theologie und Kirche 12 (1851) pp. 92-93. Desde então alguns estudiosos ou pensaram ser este fato uma mera coincidência dos redatores, ou postularam que essa cadeia de estribilhos foi implementada com a finalidade de unir os escritos. Essa hipótese final é aqui fortemente sustentada por Nogalski, que minuciosamente tratou com o “Catchwords Phenomenon”. 139 Cf. Os 14,8: “Os habitantes retornarão à sua sombra, farão reviver o trigo, florescerão como videira, sua lembrança será como a do vinho do Líbano.” Jl 1,2: “Escutai, vós todos os habitantes do país... 5: Lamentai-vos, todos os bebedouros de vinho... 7: Ele transformou minha videira em um deserto... 11: por causa do trigo e da cevada... 12: a videira está seca...” 140 As transições mais óbvias são as de Os 14,5-10 e Jl 1,2; Jl 4,16 e Am 1,2; Ab 15-21 e Mq 1,1-7; Ab 11-14 e Jn 1,1-8; Jn 2,1-10 e Mq 1,1-7; Mq 7, 8-20 e Na 1,2-8; Na 3,1-19 e Hab 1,1-17; Hab 3,1-17 e Sf 1,1-18; Sf 3,18-20 e Ag 1, 1-6; Ag 2,20-23 e Zc 1,1-11 e Zc 8,9-23 e Ml 1,1-14. Apenas em dois casos o autor viu o princípio de ligação por meio de relações por catchwords, fundamentado em alguma ação externa: no caso de Jn 4, com Mq 1; e Zc 14 com Ml 1. Esse fato é esclarecido por Nogalski – esse fenômeno era válido para uma coletânea que não possuía os escritos de Jonas e de Zacarias 9-14 e que foi interrompido pela inclusão posterior desses complexos de textos. 141 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, pp. 58-69. 142 Joel cria uma transição entre Oséias e Amós pela unidade de gênero; Oséias termina com um chamado ao arrependimento, enquanto Joel inicia com o mesmo tipo de gênero. Joel termina com um julgamento escatológico contra as nações, enquanto que Amós inicia com um extenso grupo de oráculos contra as nações. A repetição de vocabulos é recorrente na interpretação das imagens e frases de Joel, tomados pelos escritos vizinhos e subseqüentes do profeta. Cf. NOGALSKI, J.,
70
O trabalho redacional unificante do livro de Joel, com sua série de
gafanhotos como invasores (Jl 1), serviu como um quase esquema apocalíptico
para as numerosas invasões ocorridas em Israel e Judá, retratado no esquema
cronológico do livro dos Doze. As inserções redacionais de Os 14,8, Am 9,12-13
e Mq 1 incorporaram os livros de Joel, Abdias e as alusões aos gafanhotos em Na
3,15.17 e Hab 1,9 serviram para incorporar estes dois livros no esquema
cronológico dos Doze pela identificação dos inimigos retratados nesses livros
como os assírios e os babilônios. Finalmente, a recorrência em Ageu, Zacarias e
Malaquias dos motivos agrícolas apresentados no livro de Joel é explicada como o
resultado da unificação redacional da parte do(s) editor(es) da coleção dos
Profetas Menores.
Embora Nogalski reconheça o uso de palavras-chave que Schneider utiliza
para explicar a seqüência dos Doze, ele critica este autor por rejeitar a possível
origem redacional das mesmas palavras-chave. Nogalski, baseado na sua análise
nos textos dos Doze, reconstrói a história redacional dos livros, abordando os
textos na perspectiva de uma metodologia crítico-redacional e literária143. Após
uma pequena representação da macroestrutura do livro, o autor investiga a crítica
literária e apura que os escritos do livro dos Doze são o resultado da compilação
sucessiva dos vários pequenos relatos pré-existentes.
A. Schart144 parte da consideração dos títulos dos escritos de Oséias, Amós,
Miquéias e Sofonias, tomando por base os estudos de Nogalski. O autor estuda
detalhadamente a redação de Amós, por ser um texto sem maiores problemas, ser
de um profeta antigo e ser a chave de leitura para identificar as reconstruções
redacionais dos vários estágios na composição do livro dos Doze. Por isso, coloca
os seus estratos individualizados em relação com os outros escritos proféticos.
Esses estágios incluem um início de “dois volumes” que compreende as primeiras
formas de Oséias e Amós; um corpus deuteronomista (DK) que compreende
“Joel as Literary Anchor” for the Book of the Twelve”, in NOGALSKI, D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, pp. 91-92. 143 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve. Este primeiro livro é uma coletânea constituída dos livros de Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias; e de outra, com os livros de Ageu e Zacarias 1-8. No segundo volume, “Redactional Processes in the Book of the Twelve” são então investigados os livros cuja conexão com as coletâneas já existentes gerou o Livro dos Doze Profetas, a saber: Joel, Abdias, Naum, Habacuc e Malaquias, juntamente com os complementos posteriores de Zacarias. 9-14 e Jonas.
71
Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias. Mais tarde, este conjunto foi ampliado com
outros escritos: Naum e Habacuc (NHK), depois Ageu e Zacarias (HZK). Vieram
posteriormente, Joel e Abdias (JOK), que não têm indicações temporais nos seus
títulos e são dominados pelo tema do “Dia de YHWH”. Enfim, foram inseridos
Jonas, que é um conto sem título, e Malaquias, uma coleção de discussões. Em
seguida, Schart analisa de modo crítico-literário o livro de Amós, chegando a
distinguir nele seis estratos, que são colocados em relação com os processos
redacionais presentes em outros escritos proféticos145. Às diversas fases
redacionais correspondem, pois, às variadas concepções da profecia, que
sustentam as bases para as expansões sucessivas tanto de Amós quanto dos Doze
como um todo.
Na moldura do estudo sobre Malaquias, Lescow partilha sua visão sobre a
composição dos Doze146. O autor, assim como Nogalski e Schart, argumenta sobre
as subscrições deuteronômicas encontradas nas obras pré-exílio ( Oséias, Amós,
Miquéias, Sofonias) e que oferecem a moldura literária de base dos nove
primeiros livros. Ele distingue os três livros pós-exílio (Ageu, Zacarias e
Malaquias). O conjunto tinha o seu centro no livro de Jonas, enquanto que Ageu,
Zacarias e Malaquias são construídos em torno do tema da Torah.
Em seu estudo sobre a “gênese do livro dos Doze Profetas”, Otto Kaiser147
também apóia a redação deuteronomística apontada nos estudos supracitados. O
autor declara que o profeta Amós atuou por volta da metade do século VIII a.C.,
ficando, por conseguinte, prescritos no máximo cinco séculos e meio para a
gênese do conjunto dos Doze. Possivelmente, os livros de Amós, Oséias e
Miquéias já estavam, no decorrer do século VI a.C. conectados ao livro de
Sofonias, sob a influência deuteronômica, para formarem um livro dos Profetas
Menores completo. A eles se juntou, no século V a.C., o conjunto pós-
deuteronômio dos livros de Ageu e proto-Zacarias. Mais tarde, no século IV a.C.,
os dois conjuntos foram reunidos, e acrescidos os livros de Joel, Naum, Habacuc e
144 Para Schart, parece apropriado falar de livro “dos Doze” para detectar a coleção como um todo e falar das doze unidades atribuídas aos diferentes profetas como “escritos”. Cf. SCHART, A., “Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs...” appendix 1. 145 Cf. SCHART, A. Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs, pp. 304-305. 146Cf. LESCOW, T., Das Buch Maleachi: Texttheorie, Auslegung, Kanontheorie; mit einem Exkurs uber Jeremia 8, 8-9, Arbeiten zur Theologie 75. Stuttgart: Calwer, 1993. 147 Cf. KAISER, O., Das Dodekapropheton oder Zwölfprophetenbuch, (1994). On line: www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/kaiser-12b.htm, 104.
72
Jonas. Ao longo das modificações escatológicas subseqüentes do conjunto e, com
isso, das revisões conjuntas do livro de Zacarias 9-11 e 12-14, foram finalmente
tornadas independentes também as profecias atualizadas do livro de Malaquias,
que se encontram primariamente em Zacarias 8148. Com isso, o conjunto alcançou
seu número ideal de doze (ideale Zwölfzahl). A sua fase final de redação, tal como
o Dodekapropheton, deve ter sido até a primeira terça parte do século III a.C.
Clinnes149 declara que os textos eram produtos públicos compostos para
serem copiados e circulados. O autor, ao dirigir-se aos Doze como um trabalho
redigido, levantou duas questões: Por que existiu um livro dos Doze? E como
deve ser lido o livro dos Doze?
Paul Redditt150 responde às duas questões levantadas por Clinnes: os Doze
foram produzidos para leitores instruídos, minoria culta do antigo Israel, que
dispuseram da fala profética. Esses supostos leitores deveriam pertencer a uma
minoria alfabetizada no antigo Israel e, além de serem eruditos, deveriam ser ricos
o suficiente para terem o tempo livre para ler e ponderar sobre o que estavam
lendo. Também poderiam ser leitores voluntários; sem uma estrutura eclesial ou
política que forçasse a leitura, deixando de lado a fidelidade às tradições
incorporadas nos Doze. Assim, o livro deveria sugerir uma leitura que valorizasse
a voz profética. A finalidade da formação do conjunto era manter a herança
profética recebida, preservando-a de deturpações ou de outras mensagens
proféticas. Há indícios de que os grupos responsáveis pela redação tinham suas
esperanças centradas em Jerusalém e que tivessem influência deuteronomista
(Malaquias evidenciaria isto) e cultual (claramente verificada na fórmula de Ex
34,6-7), o que ocorre em Jl 2,13; 4,2; Mq 7,18; Na 1,2-3a. Quanto à segunda
questão, o autor aponta os leitores seletos, mostrando as diversas leituras, mas em
lugar algum foi descoberto um interesse na leitura dos Doze como um discurso
conectado.
148 Katrina Larkin, em um estudo sobre o Deutero Zacarias, mostra que “o Livro dos Doze” abre com notas escatológicas, em Os 2,2.16-17 e 3,4-5, do próprio profeta. Outra passagem escatológica, freqüentemente em forma de adições inclui Jl 3 e 4; Am 9,11-15; Ab 15-21; Mq 4,1-4; 4,6-8; 5,1-5; Hab 3,3-13; Sf 3,14-17.18-20; Ag 2,20-23; Zc 8,20-23; muito de Zc 9-14 e Ml 3,19-21.22-24. Cf. LARKIN, K. A., “The Eschatology of Second Zechariah: A Study of the Formation of a Mantological Wisdom Anthology, Kampen, the Netherlands: Kok Pharos, 1994, pp. 218-219. 149 Cf. CLINNES, D. J., “Why is there a Song of Songs, and What does it do to you if you read it?” Jian Dao: A Journal of Bible and Theology 1 (1994) 3-27. 150 Cf. REDDITT, P. L. “The Production and Reading of the Book of the Twelve”, pp. 11-33, 13.
73
Paul Redditt151 reconhece que o estudo do livro dos Doze oferece ampla
evidência do fato de que esses livros teriam sofrido uma série de redações que
culminariam em uma coleção de vozes proféticas, algumas bem conhecidas,
outras não, que atravessariam os séculos. O argumento desse autor também é o
mesmo apresentado anteriormente por Nogalski: os Doze nasceram de um certo
número de livros já existentes, que foram unidos pela técnica de modificar os
finais dos livros individuais e os inícios dos livros seguintes para fazer com que
eles se adequassem uns aos outros. Na sua opinião, essa conclusão global
sustenta-se mesmo se não se aceitam todos os exemplos dos livros.
Outras técnicas são menos evidentes e foram de índole temática ou recurso a
frases comuns: o uso de transições temáticas entre os livros, como a transição
entre Mq 7,18-19 (a destruição da Assíria) e Habacuc (a destruição da Babilônia);
o eco de certos versículos recorrentes com a expressão “profundeza do mar”, que
aparece somente em Jn 2,4 e Mq 7,14; ou também o uso de Ex 34,6-7 em Jl 2,12-
14.18; Jn 3,9; 4,2; Mq 7,18-19 e Na 1,3152. O autor considera que esta série de
redações parece ter sido deliberada como aquela do corpus de Isaías, com a qual
existe uma relação que pode ser definida como diálogo, sendo que o que está claro
é que foram redações conscientes, mas que preservaram a individualidade dos
escritos.
Em 1995, B. A. Jones, ao trabalhar sobre a formação do livro dos Doze153,
censura os exegetas, tais como D. A. Schneider, A. Y. Lee, P. R. House, J.
Nogalski, por só considerarem o TM não levando em conta os outros testemunhos
textuais cujo interesse não está mais demonstrado nos estudos bíblicos em geral.
Jones começa então a distinguir os três principais testemunhos textuais dos Doze:
o TM, a LXX e 4 QXIIª. Na sua opinião, as descobertas de Qumran trazem uma
luz sobre a formação dos Doze. Assim, Jones estima que a ordem dos livros
atestada pelo rolo de Qumran (4 QXIIª), isto é, com o livro de Jonas no final da
classificação, é, sem dúvida, a mais antiga das três; a segunda lista mais antiga é a
da LXX, com Joel, Abdias e Jonas inseridos após Oséias, Amós e Miquéias. O
TM seria uma etapa mais trabalhada do livro dos Doze.
152 O texto de Ex 34,6-7 já foi mencionado acima no estudo de LEEUWEN, R. C., Scribal Wisdom and Theodicy in the Book of the Twelve. 153 Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, pp. 170-176.
74
Uma segunda edição teria inserido Joel e Abdias no lugar que eles ocupam
na LXX, configurando a um livro dos Onze (a Book of Eleven). Em seguida, foi
unido o livro de Jonas após Malaquias – assim como indica 4 QXIIa – com um
comentário retrospectivo sobre a literatura profética à luz do atraso observado
pelo castigo prometido às nações. Enfim, logo que seu caráter profético foi
reconhecido, Jonas teria sido colocado para concluir a primeira metade dos Doze.
Estaria formado, destarte, o livro dos Doze (a Book of Twelve)154.
Por sua parte, reunindo dezoito artigos que publicou entre 1980 e 1995
sobre os livros de Oséias e Amós, J. Jeremias publicou em 1995, um volume
tendo por subtítulo “Studien zu den Anfangen des Dodekapropheton”155. Ele
mostra que já nas mais antigas etapas da história redacional dos Doze, encontra-se
a intenção (redacional) de compreender e de apresentar as profecias diferentes
como uma “unidade a várias vozes” (eine stimmige Ganzheit). Os editores não se
contentaram em reler os materiais existentes por diversas técnicas de junção, pois
aprofundaram a mensagem de Amós e a reuniram com a de Oséias em uma nova
síntese. Oséias e Amós pertenceriam ao núcleo mais antigo do livro dos Doze e
haveria entre estes dois livros palavras-chave. Em seguida, chama atenção para os
quatro livros que possuem uma introdução “deuteronomista”, a saber: Oséias,
Amós, Miquéias e Sofonias. J. Jeremias observa que a tradicional preocupação
dos antigos redatores era exatamente contrária à nossa – preocupamo-nos em
descobrir a identidade histórica de cada profeta; os antigos redatores e leitores
estavam preocupados em descobrir, na perspectiva própria de cada profeta, a
unidade da mensagem divina, através de sua formulação multiforme156.
Em 1997, Bosshard-Nepustil157 investigou a conexão intertextual entre os
livros proféticos e sua importância para o desenvolvimento do corpus profético.
Sua pesquisa, baseada na correlação entre os profetas Maiores e os Profetas
Menores, teve duas características principais: se, por um lado, construíram
estruturas conectando os paralelos temáticos e cronológicos e apontaram para uma
154 Sobre essas intuições defendidas por Jones, poder-se-ia fazer outras observações – para uma observação crítica.Ver, por exemplo, REDDITT, P. L., “Zechariah 9-14, Malachi”, p. 250 ss. 155 Cf. JEREMIAS, J., Hosea und Amos. Studien zu den Anfangen des Dodekapropheton, (FAT 13), Tübingen, J, C. B. Mohr, 1996. 156 Cf. JEREMIAS, J., Hosea und Amos. Studien zu den Anfangen des Dodekapropheton, p. 52. 157 Cf. BOSSHARD, E., Rezeptionen von Jesaja 1-39 im Zwölfprophetenbuch.Untersuchung zur literarischen Verbindung von Propnetenbüchern in babylonischer und persischer Zeit, Freiburg (Schweiz) Universitätsverlag / Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht (OBO 154), 1997.
75
atividade redacional, que sobrepunha os livros; por outro, as correlações possuíam
conteúdos variados e por isso, exigiam uma exegese diacrônica. Esse autor, em
sua dissertação158, escreve que não havia, até a segunda metade do século VIII
a.C., essencialmente, nenhum corpus profético. Ao contrário, havia textos
isolados de Isaías, Oséias, Amós e Miquéias que não remontavam a uma forma
profética159. Possíveis exceções são Oséias e Amós, nos quais encontramos
antigos e importantes vínculos literários. A analogia entre estes quatro profetas
deve ter ocorrido na segunda metade do século VIII a.C., quando se registraram os
discursos proféticos orais, ao mesmo tempo, modificando-os para uma possível
integração ao texto que se formava. Esse acervo deve ter-se originado por uma
constelação histórica – o aparecimento ameaçador da grande potência Assíria -
que gerou risco para Jerusalém, na guerra siro-efraimita. Os acréscimos ulteriores
podem ser esclarecidos com segurança, mediante os resultados históricos
estabelecidos (o fim do Reino Norte).
Assim, Bosshard-Nepustil identifica duas redações em Is 1-39: uma exílica,
que ele chama de Redação (Assur / Babel-Red.) ao longo da Babilônia executa o
julgamento (587/6 a.C.); e a segunda, pós-exílio, que ele chama de Redação
babilônica (Babel-Red.), na qual o julgamento contra a Babilônia é esperado.
Ambas as redações lêem o livro de Is 1-39 e de Jeremias, seqüencialmente, como
livros ordenados. Do mesmo modo, o pesquisador identifica duas redações de
conteúdo comparável nos Profetas Menores: uma realizada no período do exílio, e
a outra, no período pós-exílio. Foram essas redações que orientaram a coleção,
sendo que primeiro havia os livros de Oséias a Sofonias; mais tarde, até Zacarias;
após a seqüência de Isaias e Jeremias. Uma redação tardia também aludia a Is 40-
66, pressupondo que estes capítulos seguiam Jeremias e não Is 1- 39.
Uma abordagem do tipo temático se encontra também em R. Rendtorff160,
que reconhece que muitos estudos contemporâneos dedicados aos Doze se
ocupam do desenvolvimento do Livro nos seus diferentes níveis através de um
certo período de tempo até sua forma final. No entanto, seu estudo prioriza o
158 Na parte C de sua dissertação: Resumo e Implicações, narra sobre o processo de Formação do Corpus dos livros dos Profetas. Cf. on line: www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/bosshard-rezept.htm, p. 434. 159 Este autor anteriormente trabalhou o livro dos Doze em paralelo com o livro de Isaías. Cf. BOSSHARD, E., “Beobachtungen zum Zwölfprophetenbuch”, BN 40 (1987) 30-62.
76
seguinte passo: ler o Livro dos Doze como uma unidade, admitindo o seu
desenvolvimento161. O autor reconhece a importância dos títulos de cada livro
como elementos de composição. Primeiro, eles preservam uma certa identidade
por toda escritura individual – esta é a diferença básica do livro de Isaías, em que
a segunda e a terceira parte não têm títulos.
Segundo, os títulos dão uma moldura cronológica dos períodos histórico-
políticos dos últimos anos do Reino Norte aos últimos anos do Reino Sul (de
Oséias a Sofonias). Um grande quiasmo ocorre entre o fim da independência
israelita e a vida sob o dirigente Persa, incluindo o exílio da Babilônia. Nada desse
período é mencionado nos textos, mas o leitor entende isso, quando os próximos
dois profetas, Ageu e Zacarias, são datados de acordo com o rei Persa Dario. O
leitor será confrontado com problemas novos.
Rendtorff observa que os escritos que não possuem títulos com indicações
históricas, são agrupados em torno daqueles que possuem. Assim, Joel e Abdias
foram locados em torno de Amós; Jonas segue Abdias porque coloca a salvação
também para Nínive; enquanto que Abdias a restringe a Judá. A questão da
salvação do juízo já fora colocada pelo tema “Dia de YHWH” (yôm YHWH) em
Joel que, posto no início do livro dos Doze, dá um tom central ao tema que será
seguido até o final da coleção (Ml 3,23). Na sua opinião, esses três profetas – Joel,
Amós e Abdias – formam um grupo de escritos nos quais o “Dia de YHWH” é de
importância central. Joel e Abdias não são datados, assim faria sentido dizer que
as posições que ocupam (no TM) foram baseadas por esse tema comum.
Quanto à questão de Jonas seguir Abdias (TM), Rendtorff162 avalia que
alguns estudiosos vêem essa colocação sob o ponto de vista cronológico, ao
identificarem o escrito de Jonas no livro dos Doze com um personagem de 2 Rs
14,25. Todavia, resta a questão: se os redatores, ou quem compilou o texto final,
quisessem enfatizar essa identificação de Jonas, por que não o fizeram
explicitamente? A relação entre Jonas e Abdias se realiza pelo tema da possível
salvação universal. Esta também é uma das perguntas centrais de Joel com
respeito ao “Dia de YHWH”. No entanto, para Abdias esse não é um problema;
160 Cf. RENDTORFF, R., “How to read the Book of the Twelve as a Theological Unity”, in NOGALSKI, D. & SWEENEY, M. A., Reading and Hearing the Book of the Twelve, pp. 75-87. 161 Ibid, p. 76. 162 Ibid, p. 77.
77
para ele, só Judá será salvo. Na mensagem de Jonas, ao contrário, Nínive, a cidade
pagã, poderá ser salva se ela realmente se arrepender. Naum é posto após Jonas,
porque neste se fala de uma Nínive fictícia; enquanto que, lá, de uma Nínive real,
oposta a Judá. O livro de Habacuc parece ter uma razão cronológica – o profeta
fala sobre o inimigo estrangeiro, que só surgiu no último período da história antes
do exílio: a Babilônia. Por essa razão, sua posição é próxima a Sofonias, que data
desse período. Finalmente, Malaquias, que pertence à era pós-exílio, não poderia
ter sido colocado em outro lugar.
Rendtorff verifica as inter-relações entre os escritos quanto ao tema do “Dia
de YHWH”. Para ele, a coerência será reconhecida principalmente através dessas
inter-relações sobre o tema e sua terminologia. É preciso, além disso, imaginar
que os responsáveis pela atual composição do Livro tenham pensado que o leitor
conheça tudo o que está escrito em cada um dos livros dos Doze Profetas, ou seja,
esteja atento aos diferentes aspectos do tema nestes livros, sabendo conectá-los.
Dessa maneira, pode-se percorrer a linha temática que perpassa o Livro dos Doze:
“O Dia do Senhor”.
Zapff163 é da mesma opinião de Rendtorff, em sua observação sobre os
títulos dos livros dos Profetas Menores. Se por um lado essa averiguação fala a
favor de uma leitura de unidades isoladas, por outro, é exatamente um indício de
que os livros foram transmitidos e deveriam ser lidos realmente como uma
coleção ordenada cronologicamente. O autor ressalta que o livro de Miquéias,
segundo a seqüência massorética, posiciona-se bem entre Jonas e Naum, nos quais
se encontram textos de Miquéias, que podem ser entendidos a partir dessa
seqüência. Ele considera possível uma inter-relação entre esses livros a partir de
indícios formais. Deveríamos, nesse caso, contar com um processo redacional
com diversas inserções, responsáveis estruturas, relações temáticas e verbais entre
os livros. As intervenções redacionais poderiam ser observadas não só no
conjunto, mas também em cada um dos livros individualmente. Na sua opinião, o
livro de Miquéias reflete a seqüência das diferentes perspectivas dos povos dos
livros de Joel, Jonas e Naum.
163Cf. ZAPFF, B., “Die Völkerperspektive des Michabuches als, Systematisierung “der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum?”, BN 98 (1999) 86-99.
78
Conrad164 é conhecido dos leitores pelo seu primeiro trabalho em Isaías.
Neste estudo, ele continua a aplicação de seu método literário para a leitura dos
profetas. Ele, como Bosshard e outros, vê muitos paralelos entre Isaías e o livro
dos Doze – ambos marcam o movimento da profecia oral para a profecia escrita,
intencionada para ser lida em voz alta para a geração posterior. Ao afirmar que o
trabalho dos Doze é uma “colagem literária”, por ele qualificada como uma
coleção intencionalmente agrupada de trabalhos literários, um trabalho de arte em
seu próprio meio, que destaca suas fontes ou seu desenvolvimento, o autor propõe
a mesma estratégia de leitura de Steck – ler os livros do início ao fim, com a
finalidade de compreender o todo em suas partes e suas partes nos termos do todo.
Conrad não acredita na diacronia da história, com construções de um passado ou
de um desenvolvimento redacional profético, ele prefere traçar o desdobramento
do livro em termos literários, em vez de termos históricos. Na sua opinião, a
Sagrada Escritura é valorizada não pelo seu enfoque histórico, mas pela sua
qualidade literária. Por isso, os livros proféticos, considerados pelo autor
amplamente poéticos, deveriam ser lidos não como dados para reconstruir a vida e
os tempos dos profetas, e sim vistos na sua característica literária.
Conrad considera Zacarias como um personagem em um contexto próprio; e
o livro de Zacarias como parte de um todo maior, o livro dos Doze. Após uma
breve revisão do modo como o livro de Zacarias tem sido estudado, Conrad traça
a sua estratégia de leitura para um livro profético. Na sua avaliação, é a voz de
Zacarias que continua como o mensageiro de Deus através de todos os outros
profetas. O autor observa que a mudança da designação de “profeta” para a de
“mensageiro” é um dispositivo literário importante para mostrar a diferença entre
a recepção da palavra de Deus - quando ele está ausente do seu Templo, e quando
ele está novamente presente. Sua avaliação é muito útil para se compreender o
trabalho da crítica literária dentro da visão da passagem das palavras faladas pelos
profetas para as palavras de Deus, escritas para serem lidas por toda a
comunidade. O autor estrutura os Doze em duas partes: de Oséias a Sofonias; e de
Ageu a Malaquias. As duas partes apresentam diferenças, no entanto, é nas
164 Cf. CONRAD, E. W., Zechariah. Readings: A New Biblical Commentary. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999.
79
diferenças que se pode notar como os Doze podem ser configurados como um
todo165.
Petersen166 também utiliza o fenômeno das palavras-chave para demonstrar
a ligação entre os livros. O autor igualmente exemplifica o fato de o livro de
Amós ser seguido pelo de Joel, explicando a repetição das frases paralelas = “o
Senhor ruge de Sião/ e pronuncia sua voz de Jerusalém”, que ocorre em ambos, no
início de Amós (Am 1,2) e no fim de Joel (4,16; 3,16). Petersen pensa que tal
proximidade pode ser devido a um editor, que colocou esses dois livros em sua
ordem atual. Os textos de Hab 2,20 e Sf 1,7 oferecem um caso comparável, com
sua advertência para o “silêncio” diante de YHWH.
Além disso, Joel precede Amós por sua referência idêntica ao Senhor
rugindo de Sião, o tema de “tremor” e a promessa da restauração da nova videira.
Na junção de Oséias e Joel, o princípio mais importante é aquele da metáfora
agrícola incluindo a videira, o vinho e o grão em Oséias 14,8-9 e Joel 1,5.7.10.12.
Estes são encontrados precisamente onde os dois livros apresentam e demonstram
uma justaposição deliberada baseada no tema. De outro lado, porém, o fator maior
para que esses profetas tenham sido guardados juntos, e não misturados
cronologicamente com os profetas maiores, demonstra que a cronologia foi um
tema secundário na compilação dos Doze. O autor sugere, porém, não argumenta
extensivamente que o tema unificante dos Doze Profetas é o “Dia de YHWH”167.
2.5.5 Análise crítica das propostas apresentadas pelo viés da compilação literária
Na avaliação do estudo de Schneider, observa-se que o autor é meticuloso
ao articular uma reconstrução plausível da origem dos Doze. O seu argumento
para uma primeira coleção consistindo de Oséias, Amós e Miquéias foi a parte
mais convincente e talvez, por isso, foi seguida por muitos autores. A sua datação
para os escritos de Zacarias 9-14 também encontra ecos em recentes estudos168.
165 Cf. CONRAD, E. W., Zechariah, pp. 12-18. 166 Cf. PETERSEN, D. L., “A Book of the Twelve?”. In: NOGALSKI, J. & SWEENEY, M., (ed), Reading and Hearing the Book of the Twelve, p. 6. 167 Cf. PETERSEN, D., “A Book or Twelve?”, pp. 7-10. 168 Cf. HILL, A. E., “Dating Second Zechariah: A Linguistic Reexamination”, HAR 6 (1982): 105-134; C. L. MEYERS & E. M. MEYERS, Zechariah 9-14, The Anchor Bible Vol 25B (Garden City, NY: Doubleday, 1993), pp. 18-28.
80
Schneider discutiu cuidadosamente o papel das alusões bíblicas internas e das
citações representadas na criação da seqüência dos livros entre os Doze. O autor
também afirmou que os livros de Joel e Habacuc, em particular, foram
primeiramente composições literárias designadas a ocupar suas respectivas
posições no corpus profético. No entanto, Schneider não apontou as evidências
históricas externas para as suas informações. A dificuldade tanto deste autor
quanto dos outros é justamente explicar os paralelos literários entre os vários
livros proféticos – falta-lhes evidências externas para a origem e a pré-história do
corpus profético.
Outra dificuldade vista no trabalho de Schneider é a forma como elabora a
relação das evidências internas do livro dos Doze, ou seja, como ele analisa a
história literária das várias unidades textuais. Schneider atribui a autoria do livro
dos Doze aos próprios profetas, que são nomeados nos livros proféticos. Tal
argumento, além de muito duvidoso, revela a dificuldade do autor de identificar os
estágios de composição que precederam os textos recebidos169.
Nota-se ainda que Schneider atribuiu quase todas as similaridades nos textos
explicando a dependência literária de um texto profético sobre outro, o que ele
descreve como uma cadeia quase ininterrupta de tradições proféticas, desde os
primeiros escritos até a conclusão final com Malaquias. Todavia, se pensarmos
que as falas e escritos proféticos já existiam no Antigo Israel, apesar de poucos
textos terem sido preservados, seria, então, mais provável que a linguagem e
temas formados entre os profetas fossem o resultado da apropriação mútua de
tradições independentes do que o empréstimo direto de um escrito profético pelo
outro.
Embora a formulação de Clements seja interessante para uma compreensão
da origem do livro dos Doze, o autor não mostra as implicações de suas
observações em vista de uma compreensão mais específica, da origem e união da
169 Na opinião de Jones, a mais severa limitação do trabalho de Schneider é a falta de atenção que ele devota às diferenças entre os textos da LXX e do TM do livro dos Doze. O autor ignora a seqüência variada dos livros na LXX, argumentando que essa ordem é uma seqüência variante dependente da do TM. Se Schneider tivesse investigado a unidade literária na LXX, seguindo sua própria metodologia, ele a teria encontrado; muito mais evidente que a ordem LXX dos seis primeiros livros dos Doze é seu corpus literário unificado. Jones, no cap. 5 de sua dissertação, mostra que a relação literária, temática e estrutural entre os primeiros seis livros no arranjo dos LXX é igualmente coerente e coesa com aqueles que Schneider identificou para o TM do livro dos Doze. O mesmo argumento será feito no cap. 4 para a ordem atestada em 4 QXIIa a qual Schneider não teve acesso. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 28.
81
coleção, e nem discute exemplos específicos dos traços unificantes dentro do
corpus, além do modelo apresentado de julgamento e salvação.
Lee, ao contrário, em seu estudo, posicionou-se contra os argumentos de
muitos estudiosos ao concluir que os elementos de esperança nos livros dos
profetas pré-exílio (Oséias, Amós e Miquéias) não foram, na sua maior parte,
adições redacionais, mas a proclamação dos próprios profetas. Na sua opinião, os
coletores dos livros dos Profetas Menores encontraram conforto naqueles textos
de esperança ou textos promissores; e formaram toda a coleção à luz do modelo
de julgamento e esperança. O autor não faz uso da dissertação de Schneider,
justificando-se que, embora o trabalho deste autor esteja baseado na tentativa
conscienciosa de compreender o livro dos Doze como um único volume, ele não
emprega uma abordagem canônica. Embora Lee receba a influência do artigo de
Clements, seu método de trabalho é identificado com a abordagem canônica de B.
Childs170. É bom lembrarmos que Childs evitou abordar o tema da unidade do
livro dos Doze, alegando que esta permanece um problema a ser resolvido.
Acreditamos que a questão da unidade dos Doze ainda permanece aberta.
A divisão tripartida oferecida pelo estudo de House também depara com
dificuldades, porque dentro de cada um desses pequenos escritos não há apenas
julgamento contra o pecado, mas também promessas de uma restauração futura
para o povo de Deus171. À primeira vista, de fato, os três elementos temáticos
constituem parte integrante de todos os escritos proféticos, mas parece arbitrário,
por exemplo, descrever o objetivo do conteúdo dos escritos de Joel sob o tema
“demonstração do pecado”, porque o pecado vem implicitamente pressuposto,
mas tematizado só em Jl 4,4-8. Uma outra dificuldade é que o autor deixou de
lado alguns livros, por exemplo, o livro de Jonas. Também é questionável a
aplicação de termos da narratologia a textos poéticos. Fica claro, então, que há um
movimento contínuo entre as duas posições – pecado e salvação – em cada um
170 Cf. CHILDS, Introduction to the Old Testament as Scripture, (Philadelphia: Fortress Press, 1979), 308-309, apud JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 30. 171 Para Schart, a divisão proposta por House é totalmente global e peca pela falta de precisão. Conferir as observações críticas de SCHART, A., “Redactional Modes: Comparisons, Contracts, Agreements, Disagreements”, in Verkuendigung und Forschung 43,2 (1998) 893-908, p. 898.
82
dos livros; e, freqüentemente, dentro de capítulos únicos, numa visão maior do
que uma continuidade linear de Oséias a Malaquias172.
Apesar de o modelo de julgamento e esperança ser facilmente identificável
dentro do corpus profético, podendo até ter sido um fator unificante, como
Clements já havia argumentado, os textos são muito mais diversos e complexos
do que House descreve173. Assim, podemos concluir que este autor simplifica
muito ao apresentar a sua temática, pois não discute a origem histórica dos
simples escritos proféticos e da coleção dos Doze. Além disso, alguns livros são
deixados de lado, como é o caso de Jonas. Também é questionável nele a
aplicação de termos da narratologia a textos poéticos. Dessa forma, os vários
pontos apresentados em seu trabalho não são suficientemente precisos para
estabelecer as ligações que o autor pretende fazer.
Já o texto de Marks avalia o livro dos Doze numa perspectiva literária, sem
diminuir a diversidade ou complexidade dos textos. Este autor descreve o livro
dos Doze em relação à interação dos textos e das vozes. O texto refere-se a uma
estrutura única, incluindo o livro dos Doze, as características unificantes que
estudiosos como Schneider, Clements e House já haviam identificado. Porém,
Marks dá atenção às diversas vozes dentro dos textos proféticos, tanto os
elementos diversos quanto os individuais, que não foram ajustados nos esquemas
anteriores. O autor ainda argumenta que, embora a forma canônica do livro esteja
designada a consolidar o seu complexo conteúdo dentro de uma unidade literária,
a sua discordância do livro não pode ser totalmente silenciada.
O grande marco na pesquisa da história da gênese do Livro dos Doze
Profetas, desde Schneider, foi, sem dúvida, o estudo de Nogalski. O autor ampliou
a pesquisa crítico-literária anterior com sua investigação fundamental do
172 Na opinião de Ben Zvi, o autor reconhece claramente essas conclusões marcadas de esperança em cada um desses textos, mas ele admite que elas somente abarcam um pequeno papel em suas análises, e ele está mais interessado na trama do livro dos Doze do que na trama dos livros individuais. Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or ‘The Twelve’: A Few preliminary Considerations, p. 128. 173 Jones sustenta que a visão de House é reducionista - o autor reduz ao extremo uma diversidade rica de conteúdos proféticos a um esquema muito simplista. Jones também comenta que a declaração de House sobre a pesquisa histórica (“historical research has not successfully uncovered the structure of the Twelve because that structure is governed by literary principles”. Cf. HOUSE, P., “The Unity of Twelve,” 67) mostra o quanto o autor ignorou os temas literários tratados por Schneider em sua dissertação, e que a sua tentativa inovadora de descrever o livro dos Doze em uma categoria formalista é definitivamente inferior ao tratamento de Schneider serve apenas para demonstrar as limitações de tal abordagem com relação aos Profetas Menores. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, p. 31.
83
fenômeno da ligação por meio das palavras-chave. Embora vários autores
(Delitzsch, Cassuto, Schneider) já tivessem anteriormente demonstrado que as
palavras-chave tinham a função de posicionar alguns escritos, Nogalski
considerou este fenômeno em todos os escritos dos Doze174. No entanto, este autor
não chegou a elaborar uma visão de conjunto dessas relações, assim como não
chegou a uma conclusão sobre o que esses dados representam para a leitura do
profeta em particular e do conjunto dos Doze. Tal procedimento de Nogalski se
preocupa pouco com a macroestrutura de cada texto do Livro dos Doze Profetas.
Os acréscimos secundários apurados foram considerados de acordo com uma
dupla perspectiva: por um lado, o autor considera se os acréscimos permitem
reconhecer relações intencionais dos diferentes livros entre si; por outro, tenta
assinalar os diferentes estratos de acréscimos redacionais que do mesmo modo são
identificáveis também em outros lugares do Livro dos Doze Profetas175.
Essa via de abordagem limitou a visão do autor. F. Delitzsch e U. Cassuto176
já haviam apontado o fato de que as ligações através de palavras- chave para casos
tais como, Jl 4,16 e Am 1,2; 9,12; Ab 19; Hab 2,20 e Sf 1,6 encontram-se também
em outros lugares dentro dos escritos proféticos. Cassuto ainda aponta para esse
fenômeno, não apenas nos livros proféticos, mas nos Cânticos dos Cânticos, assim
como nos textos legais. Como, então, podemos sustentar as evidências para uma
ligação redacional entre os escritos apontados por Nogalski e ignorar os termos e
expressões que não se encontram próximos nos outros livros? Estas relações que
não se encontram nos capítulos conclusivos ou iniciais desempenham somente um
pequeno papel no trabalho de Nogalski. Mesmo se a posição do autor estiver
correta, a de que Abdias tenha sido moldado redacionalmente sob influência de
Amós 9, isso pode explicar, mas não requerer a relação de Amós e Abdias no TM
174 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve, p. 13. 175 Mesmo que Nogalski tente dar um tratamento equilibrado acerca da questão dos verbos paralelos entre os textos – se eram o resultado de uma inserção redacional, ou se as palavras-chave estavam já presentes nos textos, quando os vários livros foram unidos – o que foi a conclusão de Schneider –, as observações de Nogalski são, quase sem exceção, que as palavras-chave são o resultado de uma atividade redacional. Embora ele diferencie entre os textos que possuem evidência de status redacional, e os em que essa evidência é menos atestada, mesmo nos casos questionáveis faz a opção pela explicação da inserção redacional. CF. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve”, pp. 37-40. 176 CF. DELITZSCH, F., Wann weissagte Obadja?, 1851, 92 e CASSUTO, U., “The sequence and Arrangement of the Biblical Sections” Biblical and Oriental Studies, I, Jerusalém: Magnes Press, 1973, pp. 1-6.
84
dos Doze. Não deveria ser surpresa que um livro relativamente tardio como
Abdias tenha sido influenciado pelo livro de Amós177.
Além disso, a avaliação das palavras-chave no trabalho de Nogalski
depende exclusivamente da seqüência do TM do livro dos Doze. Esta dependência
limita o seu trabalho de dois modos: a seqüência dos primeiros livros não é a
mesma nos arranjos da LXX e do TM, e o uso das palavras-chave exige que os
livros sejam contíguos dentro do rolo dos Doze. Ou seja, a presença das palavras-
chave no livro de Joel 1 com Oséias 14,8 pede que o livro de Joel siga o livro de
Oséias, o que não ocorre no arranjo da LXX. Diante de uma das exceções
encontrada entre Jonas e Miquéias (Jonas 4 não tem ligação com Miquéias 1,1s,
mas Jn 3,2 sim), e como há relações entre Abdias e Miquéias, Nogalski conclui
que Jonas foi inserido posteriormente. Entretanto, Nogalski ao tirar esta conclusão
de que o livro de Jonas é o último escrito independente a entrar no Corpus dos
Doze – conclusão esta já estabelecida por Budde - parece ter levado em
consideração o fato de que o livro de Jonas posiciona-se diferentemente nos três
manuscritos do livro dos Doze, e também na seqüência de 4QXIIa, em que este
livro é o último do rolo. Além disso, Ben Zvi mostra (com exemplos) que, para a
avaliação do fenômeno das palavras-chave não devem ser considerados os termos
separadamente, mas os sintagmas em que ocorrem, o contexto, seu sentido
concreto, sua perspectiva, etc.
A suposição de um “Corpus Deuteronomístico” abrangendo os materiais
básicos de Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias é bastante convincente, embora
177 Ben Zvi é mais claro em suas críticas: ele mostra que o texto de Abdias aponta para o oposto das conclusões de Nogalski sobre a ligação deste livro com Am 9,1-15. Na sua visão, as afirmações de Nogalski servem a duas funções: proporcionam um julgamento contra Edom, nos quais os paralelos em Amós e Abdias intensificam o julgamento contra Israel em Am 9,1-10; e introduzem o motivo de uma Jerusalém centrada, retomada da monarquia Davídica. Se o livro de Abdias, em consideração a este argumento, é lido ou foi lido pelo leitor previsto como uma parte integrada de um livro dos Doze unificado e como uma sessão intimamente unida a Amós, talvez a afirmação de Nogalski permaneça. Mas se Abdias é lido (ou foi lido) como um livro separado, então podemos notar que não há no mesmo referência para o julgamento contra a casa de Jacó/Israel, nem alguma referência para a monarquia Davídica. Ao contrário, Abdias menciona o julgamento contra Edom e as “nações”, excluindo claramente a casa de Israel – pois Israel não era como os cuchitas (cf. Am 9, 7), ou qualquer uma “das nações”, o que é um tema central em Abdias. Além disso, o reinado do Senhor é apresentado em Abdias de modo a provocar uma associação com o que foi compreendido ser “Israel” no tempo dos Juízes. Também a falta da menção da restauração da dinastia e a ênfase no reinado do Senhor claramente identificam Abdias com Sofonias e o processo redacional que forma o livro dos Salmos. E todos eles podem ser compreendidos como expressão de uma corrente teológica ou ideológica que se posiciona em tensão com o que está refletido em Am 9, 11. Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or ‘The Twelve’, p. 129.
85
certamente se possa discutir ainda sobre a designação “deuteronomística”. O
argumento mais forte nessa conexão é o sistema de títulos (Os 1,1; Am 1,1; Mq
1,1; Sf 1,1), assim como a consideração da grande significação que Joel tem para
o Livro dos Doze Profetas178. Para Nogalski, o estrato relativo a Joel foi de
significado decisivo para a forma final do Livro dos Doze Profetas179.
Isto ocorre também em Zc 14,1, que difere de Malaquias; mas há relações
entre Zc 8,9-13 e Ml 1,1-5, o que leva a considerar-se Zc 9-14 como acréscimo
posterior. Dado que o fenômeno das palavras-chave no livro dos Doze não pode
ser considerado acidental, poder-se-ia pensar que tais escritos não foram reunidos
quando o livro já se encontrava em sua forma final. Porém, não se pode garantir
que todas as conexões sejam redacionais, pois tais palavras-chave já poderiam ter
vindo nos escritos, antes da intervenção redacional. Mesmo que alguns dos
exemplos de Nogalski sejam convincentes, muitas das palavras estudadas também
ocorrem freqüentemente na Bíblia Hebraica, daí a fragilidade do argumento de
que a presença delas dentro da união do livro dos Doze seja o resultado de uma
redação intencional. Por exemplo, “habitante”, uma das palavras citadas por
Nogalski em Os 14,8 e Jl 1,2 como palavra-chave redacional, apresenta-se mais de
duzentas vezes na Bíblia Hebraica. Ele inclui ainda outras palavras comuns, tais
como: mar, rio, montanhas, terra, dia, etc., que ocorrem pelo menos centenas ou
milhares de vezes na Bíblia Hebraica180. Assim sendo, cada conexão deve ser
examinada independentemente, para verificar se iluminam ou não a questão da
unidade do livro dos Doze. Não se pode fazer generalizações facilmente, pois não
178 Também Jones enfatiza que a explicação mais importante acerca da expansão da coleção dos Profetas Menores, feita por Nogalski, foi a inserção do livro de Joel na coleção. Para este autor, a análise exaustiva de Nogalski e a sua sensibilidade para os temas teológicos e literários são exemplares. Talvez o papel mais louvável do trabalho de Nogalski seja a clareza e a consistência de sua metodologia. “He elucidates a self-conscious and balanced methodological approach to the problem of the formation of the Book of the Twelve and follows this methodology throughout the curse of his treatment”. Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve”, p. 36. 179 No entanto, Schart considera que Nogalski assinalou a esse estrato mais trabalho redacional do que de fato houve. Cf. SCHART, A., resenha crítica das obras de NOGALSKI, J., Literary Precursors to the Book of the Twelve. Berlin – New York: Walter de Gruyter 1993. BZAW 217. Redactional Processes in the Book of the Twelve Berlin – New York: Walter de Gruyter, 1993. BZAW 218. [In: http://www.uni-essen.de/Ev-Theologie/twelve/steck.htm] 180 Ben Zvi é da mesma opinião e acrescenta que se pode encontrar prováveis alusões, textos paralelos e similaridades temáticas não só entre os Doze livros Proféticos incluídos no livro dos Doze, mas também nos outros três livros Proféticos, que não estão incluídos no livro dos Doze, a saber, Isaías, Jeremias e Ezequiel. Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or ‘The Twelve’, p. 136.
86
se pode garantir que uma técnica de conexão fosse sempre e uniformemente
utilizada.
O trabalho de Schart se destaca pela sua metodologia exegética crítico-
literária. De fato, os estudiosos têm, até recentemente, dado pouca atenção às
possibilidades interpretativas que sustentem uma análise dos Doze como um todo
e o lugar e a função destes livros proféticos em um contexto maior. No entanto,
surge uma questão: o autor não dá uma adequada atenção para a forma final dos
livros proféticos que formam a coleção dos Doze escritos. De fato, tanto o TM
quanto a versão LXX devem ser considerados. As diferentes ordens dos livros e a
falta de um consenso a respeito da prioridade histórica e da visão hermenêutica
das outras formas sugerem que os livros eram individuais e entraram na coleção
dos Doze escritos como entidades coerentes separadas. Além disso, a análise de
Schart tende a isolar as unidades textuais individuais em seus respectivos livros
para depois relacioná-las às outras unidades dos outros livros constituídos no
Corpus profético sem uma consideração completa de seu caráter formal e literário.
O autor organiza os textos então, com base no seu conteúdo. Tal procedimento
limita as considerações a respeito de como estes textos formaram e influenciaram
a interpretação em um texto ou contexto mais amplo. Schart dá a devida atenção
ao contexto literário dos Doze Profetas, pelo menos em seus estágios redacionais,
mas ele freqüentemente dá uma atenção inadequada para a forma literária e
contexto dos livros proféticos individuais. Palavras individuais são facilmente
separadas de seu contexto literário sem uma completa consideração do papel que
representam dentro deste contexto.
Na visão de Scaiola181, o estudo nos escritos de Joel, Amós e Abdias trouxe
muitos dados interessantes de resposta à questão do “Dia de YHWH”. Os estudos
das inter-relações altamente complexas destes livros demonstram conter ainda
muitos outros elementos comuns. Em particular, Rendtorff estudou o tema “o dia
do Senhor” como fato complexo de arrependimento e salvação. O contributo
específico do artigo deste autor – o reconhecimento, não tanto através da temática
do “Dia de YHWH” por ele individualizada, mas através da função atribuída aos
títulos, aos quais até agora não tinha sido dado relevância (não obstante alguma
menção). Além disso, o autor reforça a necessidade de sair pela alternativa
181 Cf. SCAIOLA, D., “Il Libro dei Dodici Profeti Minori nell’esegesi contemporanea”, p. 331.
87
metodológica entre leitura diacrônica ou sincrônica que, sobretudo no caso dos
Doze, parece rígida demais. O tema “Dia de YHWH” não é desenvolvido de
modo homogêneo no livro dos Doze, mas o conjunto quer levar o leitor à reflexão
sobre as diferentes mensagens.
Não se pode, porém, a partir destes dados, dizer algo mais exato sobre a
questão da unidade dos Doze. Tais ocorrências podem presumir, mas não
declaram ou assumem explicitamente que os livros dos Profetas Menores foram
vistos como uma única entidade literária. Estes estudos estão baseados sobre a
pressuposição de que o TM constitui a base para avaliar a forma final dos Doze.
De fato, coexistem igualmente a ordem dos LXX (e mesmo) aquela sugerida pelo
manuscrito de Qumran (4QXIIa).
Muitos autores têm trabalhado sobre a unidade dos Doze avaliando temas e
tramas. Entretanto, apesar dos progressos notáveis, a crítica dos últimos anos
ainda não chegou a um consenso acerca de tais questões. O estudo sobre a história
da unidade dos Doze demonstra um alto grau de discordância, tanto a respeito da
compilação originária quanto ao tipo da atividade literária do mesmo Corpus. Os
autores que insistiram sobre as palavras-chave foram censurados, notadamente por
Jones, pelo fato de não terem considerado a tradução LXX182. Esta crítica
constitui um convite a mais rigor e clarividência nas análises.
Ben Zvi representa na exegese moderna a tendência minoritária, que é
reticente quanto ao reconhecimento da unidade dos Profetas Menores. O autor tem
negado veemente que o livro dos Doze tenha sido originalmente visto como uma
unidade. Ele concebe estes livros como uma coleção de escritos, os quais alguns
têm, de fato, temáticas sobrepostas ou mesmo aludem uns aos outros, mas que
estes não possuem um sentido redacional como um todo. O autor aponta a
variedade de formas que compõem estes doze pequenos escritos, assim como a
ausência de uma subscrição para eles que indique tal unidade. Esta é, na sua
opinião, a maior evidência de que os livros não formam uma unidade.
182 Cf. JONES, B. A., The Formation of the Book of the Twelve, 36s. 206. Para encorajar o uso da LXX, ele coloca um exemplo típico: a afirmação comum de uma transição garantida por Am 9,12 (p. 175-190); no TM se justifica talvez o lugar de Abdias após Amós, pela alusão na conclusão de Am 9,12 à futura ocupação da terra de Edom por Judá, que é a questão de Ab 19,21. Ora esta ligação entre os dois livros não existe na LXX, porque a referência à Edom está ausente no texto Grego de Amós que lê: “o resto dos homens”, no lugar do TM que diz: “o resto de Edom”.
88
Ben Zvi ainda questiona se é apropriado falar do livro como uma
composição intencional ou como uma coleção de escritos proféticos que se
cristalizaram em suas diversas formas. O autor pensa numa coleção de livros
independentes, que teve seu processo de leitura e releitura dentro das
comunidades pelas quais e para as quais o livro foi composto. Pode-se observar a
variedade das tendências literárias e teológicas encontradas no interior dos Doze.
Assim, na sua opinião, há poucas evidências que demonstrem que o livro dos
Doze foi composto como tal por escritores ou redatores183. O leitor pode até dar
conotações do livro como um todo, mas não está claro que esta era a conotação
que os redatores finais tinham em mente quando liam e re-liam os livros. Para o
autor, eles queriam preservar os escritos individualmente.
Um fator decisivo para Ben Zvi é a questão: como a comunidade-alvo
visada poderia ter lido todo o conteúdo dos escritos dos Doze Profetas? O autor
concorda que os marcadores textuais internos dirigiram e dirigem os leitores do
contexto imediato de cada pensamento unitário a um contexto mais amplo dos
livros individuais, mas não mais do que isso. Este autor privilegia o papel do leitor
dos escritos dos Doze sobre aquele do autor184.
Apesar da unidade deste Corpus obter cada vez mais o sufrágio e o sustento
dos críticos, em princípio, a nossa posição para a questão de um único livro é a
mesma de Ben Zvi ou pode ser parafraseada como segue: “one long, self-
contained scroll, yes; one grand, unified, literary Corpus, no”185. A princípio,
assumimos que ao chegar ao final de cada um dos livros da coleção atinge-se uma
conclusão. Mesmo em uma observação superficial dos livros dos Doze Profetas,
183 Para Sweeney, “Ben Zvi is certainly correct to emphasize the role of the ancient readers or implied audience in the interpretation of the so-called Book of the Twelve, but his proposal raises a methodological question that requires further examination, that is, the extent to which one can distinguish between the writer / redactor/ producer and the reader / recipient in such a scenario. The anonymous readers act as recipients of the text and interpret it accordingly, but in the act of interpreting the texts of the Twelve Prophets and defining their places within the larger Book of the Twelve, these readers become authors and redactors as well. This is implied in Ben Zvi’s designation of these readers as ‘writers’, but in his reluctance to ascribe to them any demonstrable role in the composition of the individual prophetic books that comprise the ‘Book of the Twelve’ he provides little guidance as to their ‘authorial’ or ‘productive’ activities or to their interpretation of the Twelve Prophets”. Cf. SWEENEY, M. A., “Sequence and Interpretation in the Book of the Twelve”, pp. 50-51, in NOGALSKI, J. D. & SWEENEY, M.A., Reading and Hearing the Book of the Twelve. 184 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophetic Books or `The Twelve”: A Few Preliminary Considerations". In: HOUSE, P. R. & WATTS, J. W. (eds): Forming Prophetic Literature: Essays on Isaiah and the Twelve in Honour of John D. W. Watts. 185 Cf. BEN ZVI, E., “Twelve Prophets”, p. 130.
89
cada um deles possui – excetuando-se o livro de Jonas – um título próprio que
pode ser mais ou menos comparado com o livro de Isaías ou de Jeremias, fato ao
qual enfaticamente aludiu Ben Zvi.
3. Texto, constituição e organização
3.1 Tradução, notas filológicas e de crítica textual
O aparato crítico da BHS fornece algumas correções sugeridas pela LXX,
Tg, Vg e Syr186. As variantes apresentadas pela LXX oferecem pouca base para
uma escolha entre as leituras; os casos envolvem adição ou omissão da conjunção
w, presença ou ausência do artigo definido, uso ou omissão de um sufixo
possessivo, troca de singular pelo plural e vice-versa. Encontramos também
variantes ortográficas (cf. Mq 7,17). Estas alterações são influenciadas pela
interpretação do texto e diferem em tipo e estilo. Nota-se que há duas tradições
textuais distintas: aquela atestada pelo TM e por Mur 88187; e uma outra atestada
pela LXX. Na nossa tradução, consideramos que o TM deve ser conservado. As
propostas apontam para diversas vocalizações pouco precisas e divisões incertas
do texto. Nosso objetivo é mostrar que o TM tem um sentido plausível.O texto de
Mq 7,8-20:
186 Deve-se tratar com cautela as propostas apresentadas por estas versões, pois elas sugerem tratar-se mais de uma releitura interpretativa do que uma transliteração do texto original. A Vg e a Syr possuem íntima ligação com a LXX; e o Tg com freqüência parafraseia o TM, introduzindo topônimos que às vezes chegam a trocar o sentido inicial do TM, constituindo uma relação nova, desviando a mensagem primitiva. 187 Virtualmente idêntico com o TM, suas nove variantes dentre l.600 palavras da BHS são incidentais: troca de uma única consoante e presença ou ausência de matres lectionis, uma preposição, ou a conjunção w. Suas divisões combinam com as do TM. Cf. WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, 597. “Le texte de Mur 88 atteste donc la tradition textuelle du TM et prouve que celle-ci était déjà fixée au début du second siècle de notre ère. Ce texte pourra donc nous servir dans la suite pour juger de l’ancienneté des leçons du TM.” Cf. COLLIN, M. “Recherches sur L’Histoire Textuelle du Prophète Michée”, VTSupl, XX vol XXI, no. 3, 1971, 281-297, p. 285.
v. 8 Não te alegres, minha inimiga, por mim. . yli yTib.y:ao yxim.f.Ti-la;
Se caí levantar-me-ei; yTim.q' yTil.p;n" yKi
Se habito nas trevas, %v,xoB; bveae-yKi
91
YHWH (é) luz para mim. s `yli rAa hw"hy>
a) A LXX (mh. evpi,caire, moi h` evcqra,) antecipa a expressão “por mim”,
pondo-a em construção direta com o verbo. Não vemos necessidade de tal
mudança.
Schökel188 destaca que a raiz verbal xmf acompanhada da partícula la;
enfoca alegrar-se por um mal. Ruprecht189 acrescenta que é uma alegria maliciosa
pela desgraça alheia. Isso implica que a inimiga regojiza-se com motivo – a
exaltação de sua vitória. Mas essa vitória não será permanente.
O particípio yTib.y:ao (minha inimiga) possui sufixo pronominal feminino
singular coletivo e enfoca personificações190. Jenni confirma que essa apóstrofe é
feita para uma coletividade – a saber, uma cidade ou uma nação, como tal ou no
sentido geral de um grupo, mesmo heterogêneo, mas considerado, na sua
coletividade, como adversário (cf. Ab 12ss; Sl 25,2; 35,19)191. A voz que fala no
texto reporta-se a uma violência recentemente sofrida nas mãos da inimiga, que,
nesse contexto, pode ser entendida como sendo a Babilônia, outra nação diferente,
ou todas as nações vizinhas que cooperaram ou viram com prazer a sua queda192.
188 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, São Paulo, 1997, 644. 189Cf. RUPRECHT, E. “xmf”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), München – Zürich, 1978, (trad. espanhola), 1041. Cf. também, BDB, 970 a. 190 Cf. JÖUON, P., A Grammar of Biblical Hebrew, 1991; transl. and rev. with additions by Muraoka, T., Rome: Pontificio Istituto Biblico, 1993, § 134 o, p. 496. 191 Cf. JENNI, E. “byao”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), 196. Cf. também BDB, 33a. Embora a raiz hebraica seja a mesma, a inimiga aqui mencionada não é a mesma daquela do v. 7,6. Aqui a palavra está no feminino singular contra o v. 7,6, que é masculino plural. Neste, a referência é genérica; e, aqui, é específica. Por todo o Livro de Miquéias não encontramos nenhuma citação de qualquer inimigo no gênero feminino, a não ser em Mq 7,8.10. Em 4,1s. refere-se a nações e 5,5 está no masculino singular. A partir destes dados, torna-se mais evidente o fato de que a referência à “inimiga” abre e fecha esta sub unidade. 192 Têm sido várias as respostas sobre a identidade dessa inimiga; o Tg a identifica com Roma (Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, 196); Rashi com Babilônia; NJPS sugere Damasco; Allen e Mays entendem ser Edom, por acharem que o v. 9 remonta à vitória da Babilônia sobre Judá (cf. Is 34,5-6.8; Sl 137,7; Ez 21,2-4; 25,12ss; 35,1ss; Ab 10ss; Sl 137,7). Isso colocaria a profecia mais de um século após o término do ministério de Miquéias. Cf. ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, 394. Mays ampara essa hipótese nos textos de Is 34, Ab e Sl 137. Cf. MAYS, J. L., Micah, 158. Limburg partilha desta opinião, baseando-se também no texto de Ab 12. Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 194. A linguagem de Mq 7,8 não é específica o bastante para amparar tais identificações. Pode-se considerar que a “inimiga” enfoca um povo estrangeiro personificado, inimigo de Judá, sem nenhuma alusão histórica. A única chave de leitura é teológica. Deus irá libertar o seu povo desse estado caído e perdoará os seus pecados. “ The prophecy is stated abstractly, never naming the enemy, because it is applicable to the salvation of God’s people from any enemy, for its salvation rest on God’s fidelity to the Abrahamic covenant [v.20]. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754.
92
A inimiga verá a inesperada mudança da condição daquela que lhe fala. Esta não é
um indivíduo, mas apontada como a nação judaica personificada, e tão
proeminente em toda a profecia. Sua situação difícil é similar àquela apontada no
v. 4,11. Em ambos os casos é prognosticada a libertação de Sião das mãos de sua
inimiga, ou a queda desta. A palavra yTib.y:ao ocorre duas vezes no Livro de
Miquéias, nos vv. 7,8.10193.
b) A conjunção yKi deve ser traduzida de forma concessiva (se, ainda que),
introduzindo a real condição da oração – a razão por que a inimiga não poderia se
regozijar é expressa na colocação seguinte194. Tanto a LXX quanto a Vg traduzem
a partícula yKi por “porque” (o[ti e quia). Nessas versões, apenas a palavra seguinte
(yTil.p;n / lpn) é regida pela preposição yKi, pois é ela quem daria razão ao prazer da
inimiga. Todavia, entendemos que o ritmo da sentença que estabelece o
paralelismo sintético permite que a partícula yKi, aqui traduzida como concessiva,
integre-se com toda a sentença, com tônica na última palavra yTim.q'.....yki, de modo
a mostrar a razão para a inimiga não se alegrar. Além disso, o TM não separa yTim.q'
de yTil.p;n": sob yTim.q' tem um ’atrax que indica isto.
Apesar de o verbo yTim.q' (~wq) se apresentar na forma qatal, a LXX (kai.
avnasth,somai), a Vg e a Tg interpretam-no em chave de leitura escatológica:
transformam a ação verbal, dando-lhe um significado futuro,195 como o fazem as
modernas traduções do TM (cf. Bíblia do Peregrino, CEI), provavelmente lendo-o
como um qatal profético196. A LXX ainda acrescenta a conjunção kai. (e) como se
193 Kessler chama a atenção para o fato de que a “inimiga” representa o tipo de adversário irônico, que se exercita em sua satisfação maliciosa (v.8) e escárnio (v. 10), como em Mq 4,11-13; e não uma opressora, como em Mq 7,17s. Neste aspecto, não é de todo errada a referência a Edom como a inimiga, ainda mais que em Ab 9-14 existem várias concordâncias lingüísticas (Ab 10 “a vergonha te cobrirá” como Mq 7,10; Ab 12 “não te alegres” como Mq 7,8; cf. também Ez 35,15 “tua alegria”). No entanto, o texto renuncia equiparar a “inimiga” com um povo determinado; assim, não deveríamos estreitá-lo de forma exclusiva, como em 4,11-13. Todos os povos são de interesse, desde que ironizem a desgraça de Judá. Cf. KESSLER, R., Micha, pp. 300-301. 194 A expressão verbal yTim.q' yTil.p;n" yK, no tempo perfeito, ligada à partícula concessiva, é rara e representa a situação da personificação enfocada diante do resultado de sua derrota. Cf. BDB 473b. 195 Embora vários comentários convertam o verbo para um contexto futuro, como propõe a LXX, Hillers considera que: “It is rare to have perfect where future time is intended. The LXX kai. avnasth,somai may have read the common converted perfect yTim.q'w.. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88. 196 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX43, p. 197. Zapff observa que sempre houve e continua havendo indignação a respeito do perfeito de ytmq; supõe-se que este deva ser entendido no sentido de uma afirmação futura. Porém, se considerarmos o paralelismo com a afirmação construída como antítese no verso 8b, então, em
93
o TM trouxesse yTim.q'w.. Esta disposição, na gramática do TM, não é
necessariamente a satisfatória, mas a forma verbal fica melhor sem o acréscimo da
conjunção197. Seguimos a disposição do TM. Apesar de o texto não apresentar
nenhuma referência específica da queda, nota-se, pela sua forma, que a ação
verbal yTil.p;n" (lpn) está ligada à forma yTim.q' (~wq), exatamente como %v,xoB; bveae
está ligado com yli rAa hw"hy>. Eles são paralelos antitéticos e, como tais, são
entendidos nas traduções. Diferentemente de como se esperava, sucede um
reerguimento. Não mediante alguma força de Israel, mas porque YHWH é sua luz
(cf. Is 42,7; 49,9; 61,1; Sl 27,1). O termo rAa indica uma luz que guia198.
c) O yK,i que introduz o v. 8c apresenta valor condicional evidencia o estado
em que a nação se encontra - resultado da ação passada, sem especificar o tempo,
exceto que habita na escuridão199 – e expressa a confiança na luz divina que
conduz a uma vida segura. A palavra %v,xo (“trevas”), na opinião de Waltke200, é
uma metonímia que adiciona um significado à expressão verbal de uma parte da
sentença e, aqui, refere- se ao verbo bveae (habitar). Ela pode se referir à escuridão
de uma prisão ou de um cativeiro; e pode ser identificada com cegueira (cf. Is
42,6-7.16; Sl 107,10), um símbolo facilmente inteligível para opressão, ameaça à
vida. Zapff201 observa que o uso dessa palavra, como conseqüência do juízo de
YHWH, tem um sentido amplamente metafórico no AT (cf. Is 5,30; 9,1; 13,10;
47,5); em especial, a escuridão é considerada como uma característica da irrupção
do “Dia de YHWH” (cf. Am 5,2). Há especialmente paralelos lingüísticos
estreitos com Is 42,7 e Sl 107,10 (duas vezes $vx ybvy), e, no caso de Is 42,7, os
paralelos à luz do contexto não devem ser descartados. A raiz $vx encontra-se
ytmq, também se trata de uma ação já consumada, cujas conseqüências, assim como o estar caído, já tem seus efeitos sobre o presente e relativiza esse primeiro estado (ou seja, o estar caído). Com base na confiança em YHWH que aqui se manifesta, o sujeito falante pode dizer que ele se levantou novamente, de modo que o estado de estar caído não seja mais recebido como ultima ratio. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 149. 197 Cf. RENAUD, B., La Formation du livre de Miché, p. 358. 198 Cf. BDB 21b. 199 O verbo qal imperfeito bveae (bvy) possui o significado de habitar e jamais é empregado para referir-se a YHWH habitando na terra ou a qualquer aparição de YHWH a Israel. O grau qal pode ser dividido em quatro categorias: sentar-se sobre algo; permanecer, ficar, demorar-se; morar em uma casa, cidade ou território; e ser habitado um local, cidade ou país. A categoria que se aplica a este versículo é a última, ou seja, habitar em um local – o sujeito se encontra na escuridão. Cf. W. C. K. “bvy”. In HARRIS, R. L. – GLEASON, L. A. – WALTKE, B. K., Theological Wordbook of the Old Testament, pp. 922-923. 200 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754.
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somente mais uma vez no Livro de Miquéias, a saber, em Mq 3,6, onde os falsos
profetas são vistos como caindo nas trevas que tornariam cada profecia futura
impossível; e onde, igualmente, a existência de Jerusalém estava em jogo. Parece
que há uma correspondência entre Mq 3,6 e 7,8, que confirma a chegada do juízo
anunciado pelo profeta. Esta perícope também relata o resultado da situação sem
nenhuma referência específica ao tempo, exceto ao estado em que se encontra.
d) A LXX transforma o substantivo hebraico rAa (luz) em uma forma verbal
no tempo futuro (fwtiei/ moi – “me iluminará” ou “me dará luz”)202. Assim,
apresenta dois verbos na forma qatal do TM com significado de futuro. Tal
afirmação está baseada na promessa e na providência. Não há outros testemunhos
textuais que confirmem essa proposta de mudança. Sendo assim, o TM é
assumido na forma em que se encontra203.
v. 9
A ira de YHWH devo carregar, aF'a, hw"hy> @[;z:
porque pequei contra ele, Al ytiaj'x' yKi
201Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch im Kontext des Dodekapropheton, Walter de Gruyter, Berlin, 1997, p. 176 202 A LXX retoma o contexto claramente escatológico de LXXIs 60,19, onde, por meio do paralelismo, diz se que o Senhor “iluminará” o seu povo (cf. CONZELMANN, “ϕωj”, 395. 398); Carbonne e Rizzi ainda esclarecem que é necessário lembrar de que, mesmo que no judaísmo prevaleça a tendência de sublinhar a iluminação pela sabedoria e pela lei, o texto LXXMq 7,8 se inspira fundamentalmente no TM-LXXIs 60,19. O Tg utiliza a mesma leitura da LXXMq 7, 8 (cf. também PeshMq 7,8). Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX45, p. 197. 203 Há uma significativa dúvida na escolha exegética do tempo verbal da oração yli rAa hw"hyi. Distinguimos, dentre os que aceitam o tempo presente [Wellhausen (27)]; Weiser (286); Robinson (150); Rudolph (127); Wolff (186) e tempo futuro [Smith (144)], Hillers (87), McKane (219) e Waltke (754). Na análise de McKane, se a tradução “é minha luz” é a escolhida, o paralelismo dos vv. 8cd não é precisamente o mesmo do apontado nos vv. 8ab – estes são um contraste entre a derrota seguida pelo exílio (dispersão) e a liberdade, enquanto aqueles opõem o estar nas trevas, isto é, o sofrimento da sujeição, à consolação da luz que irradia da presença de Deus. Para este autor, já que a expressão rAal' ynIaeyciAy (v. 9) é uma referência ao futuro, esta pode ser uma indicação de que o v. 8d (yli rAa hw"hy) também se refere a uma liberdade futura melhor do que uma consolação presente. Nesse caso, “YHWH será minha luz” é a tradução correta, e o paralelismo entre os versículos está exato. Esta é a melhor opção para McKane e também para Waltke, que consideram essa metáfora uma metonímia de causa: O Senhor é aquele que irá devolver a Sião a sua liberdade. Como a escuridão é uma metonímia para a prisão, a luz é uma metonímia para a liberdade. A oposição entre trevas e luz tem aqui o valor simbólico de bem-mal, vida-morte; serve também para designar a oposição entre salvação e punição. Assim, a luz significa a volta para o caminho correto e a graça (cf. Is 9,1; 30,26; Sl 107,10). Cf. McKANE, W., Micah, p. 219 e WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, 754. No entanto, Wolff pensa que esta é uma afirmação não apenas de que YHWH é luz na escuridão presente, mas de que ele é também o redentor futuro. Se a tradução “será minha luz” for a preferida, ambos os vv. 8ab e 8cd estão montados na ascendência do exílio contra o retorno no tempo da liberdade. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 196.
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até que ele julgue a minha causa ybiyrI byrIy" rv,a] d[;
e cumpra meu direito; yjiP'v.mi hf'['w>
ele me fará sair para a luz, rAal' ynIaeyciAy
e eu verei em sua justiça. `Atq'd>ciB. ha,r>a,
a) O termo @[;z: expressa a ira do Senhor em oposição a seu favor !wocr' (cf. Is
30,30; Jn 1,15; Mq 7,9; Pr 19,12)204. Sendo assim, a ira divina significa o
distanciamento de Deus. A raiz verbal afn possui aqui o sentido figurado de
“carregar a cólera”. Ela é traduzida na LXX por um verbo indicativo futuro ativo
(u`poi,sw: agüentar, suportar), orientando decididamente o sentido escatológico, ao
optar por uma ação futura. Nossa escolha recai sobre o TM, que aponta uma
situação atual ainda não superada.
Encontramos o verbo af'n" no Livro de Miquéias, ainda, em dois lugares (cf.
Mq 6,16 e 7,18). Segundo Zapff205, é possível supor que formam, pelo menos a
nível sincrônico, um conjunto interconectado de afirmações. Em Mq 6,16, é feito
ao povo a ameaça de que deveria suportar a vergonha. Para o autor, se há, no
Livro de Miquéias, alguma conexão, esta deve estar localizada neste ponto: Sião
deve suportar não a vergonha do povo, mas a ira de YHWH. Se a conseqüência da
culpa representa apenas a ação de YHWH, apenas dele se poderia esperar uma
suspensão do castigo. Já no v. 7,8, conta-se como certa a liberação da culpa, o que
temos de entender no sentido de um perdão divino (cf. Mq 7,18ss.). Numa
linguagem sincrônica, isso significa que Sião permanece com sua culpa e já está
pronta para assumir as conseqüências da mesma culpa, e somente a YHWH cabe
liberá-la delas.
b) Aqui neste versículo, a partícula yKi expressa o sentido de causa. Vemos a
metonímia de causa e efeito, na qual a ira é seguida pela punição206. “Porque
pequei contra ele” provê a razão para a correção divina, mostrando que o
204 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 196. 205 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 177-178. 206 O tema da cólera divina é predominante em textos tardios do AT (cf. Is 30,30; Jn 1,15; 2Cr 16,10; 29,19 [verbo]; 28,9; Pr 19,12), sendo que apenas Is 30,30 (ameaça contra Assíria) e 2 Cr 28,9 (cólera contra Judá) tratam do discurso citado aqui. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 177.
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julgamento é merecido207. Sião reconhece a situação em que se encontra e vê a ira
de YHWH como resultado de seus pecados. A compreensão de seu estado atual é
devida ao seu pecado. De acordo com o pensamento semítico, pecado e punição
estão indissoluvelmente unidos. Sempre se explicou o desastre como devido à ira
de YHWH, provocada pelo pecado de Israel. Uma colocação parentética da ira
divina.
Mesmo assim, a eleição que dá início à relação salvífica ainda permanece.
Essa certeza está firmada na expressão “até que”.
c) A preposição adverbial temporal d[; (até) segue o pronome relativo rv,a],
que traduzimos por “que”. Ao mesmo tempo em que Sião reconhece a sua culpa,
testemunha sua confiança absoluta em que a ira de Deus é temporária e não penal
e final208. O Senhor é seu advogado e não seu acusador. O julgamento divino está
intencionado a levá-lo à salvação (cf. Sl 51,7-8; Os 3,4-5). A cidade assume a
posição de que haverá um novo horizonte. Deus não a abandonará.
A variante textual apresentada na LXX poih,sei to. kri,ma mou teria sentido
de “julgar retamente a causa de alguém”. Também nesse caso, a LXX denota uma
perspectiva escatológica209. No entanto, não é preciso recorrer a esta variante, pois
o TM está correto. A oração está em continuidade com a anterior e com todo o
resto do texto. O termo ybiyrI é um cognato com efeito acusativo, isto é, o Senhor
efetua a queixa de Sião contra seus adversários e executa210.
207 Para Bernini, o verbo hebraico ytiaj'x' aponta uma situação de pecado no tempo passado; Al significa “contra ele”, ou seja, contra o Senhor. Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, Roma: Paolini, 1986, 342. Este verbo na forma qal, tem por objeto Deus ou as suas leis; unido à preposição l.., indica que houve falha em respeitar os direitos e os interesses de alguém que estabelece uma relação; aqui, no nosso caso, contra Deus, o legislador. Uma ofensa contra aquele que estabeleceu relação de eleição. Ao agir desse modo, o homem está se desviando da meta que Deus tem para ele; está deixando de observar os requisitos de uma vida santa. Cf. “aj'x'”. In HARRIS, R. L. – GLEASON, L. A. – WALTKE, B. K., Theological Wordbook of the Old Testament, p. 638b. 208 “The word byr denotes the lawsuit, indeed, the legal process in its various stages, as well as the disputation as such. It indicates that the history of Israel, and in particular Israel’s history with its enemies, is understood as a legal suit between Jerusalem and its God. In our passage the reconstituting of the lawsuit unambiguously means that the way is being paved for redemption.” Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 221. 209 Cf. LXXOs 13,14 na discussão destes autores em Osea, 252. Cf. CARBONE-RIZZI, LXX 47, p. 199. 210 A colocação ybiyrI é usada em referência a uma disputa legal ou contenda (cf. Gn 31,36; Is 3,13 [verbos]; Ex 23,2.3.6; 2 Sm 15,2.4 [substantivo]). Embora a linguagem seja forense, o sentido desse processo não é igual ao de Mq 6,2 – entre Deus e seu povo. Aqui se supõe um processo entre YHWH e a inimiga de Sião (Mq 7,8), onde Sião mesmo é objeto da briga. Ou seja, há aqui uma confiança de que haverá um rîb em que Israel será defendida e o (yjiP'v.mi) será estabelecido.Cf. L.
97
Schökel211 define o verbo byrIy" (byr), como “defender a causa”212. O waw
relativo da raiz verbal hf'['w> enfoca um ato seqüencial, ou seja, está relacionado à
ação seguinte yjiP'v.mi hf'[ (fazer justiça). Assim, o elemento do byrI é o
cumprimento do direito. A ocorrência deste rîb encontra-se na esfera do culto (cf.
Mq 7,9; Sl 35,1; 43,1; 74,22; 119,154; Lm 3,58). Nesse contexto, YHWH é quase
sempre o sujeito do verbo e exerce o papel de advogado para o indivíduo ou para
o povo213.
d) Há, aqui, neste verso, uma sinonímia entre “julgar” e “defender”, a saber
hf[ + yjiP'v.mi + sufixo pronominal e ybiyrI + byrIy" + sufixo pronominal. A expressão
verbal hf[ + yjiP'v.mi + sufixo pronominal, em uma ação processual referente a
justiça – em particular quando se refere a direito –, equivale a uma causa que
promete ser legalmente diferente214. Mckane215 completa essa observação,
argumentando que, se a expressão yjiP'v.mi hf'['w estivesse isolada, teria o sentido de
“e decide minha sentença”; mas, em conjunção com ybiyrI byrIy", ela certamente se
refere a um resultado favorável, como é aceito por vários autores216.
A raiz verbal de hf'['w> (hf[) possui um campo vasto de significados e presta-
se a múltiplas combinações. Muitas vezes, pode ser traduzida por “fazer”. Em
certas ocasiões, a gramática ou o estilo exigem uma tradução específica. Unida ao
substantivo yjiP'v.mi (meu direito) denota a responsabilidade de uma pessoa de
executar a justiça para uma outra pessoa (cf. Gn 18,25; Jr 7,5; Ez 18,8; Mq 7,9)217.
O waw relativo da forma verbal hf'['w> enfoca um ato seqüencial, ou seja, está
relacionado à ação seguinte yjiP'v.mi hf'[ (restabelecer o direito). Assim, o elemento
M. LUCKER, “Beyond form criticism: The relation of doom and Hope oracles in Micah 2-6 11 HAR (1987) 285-301, p. 300. 211 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 617. 212 Cf. 1 Sm 24,16; 25,39; Jr 50,34; 51,36; Mq 7,9; Sl 43,1; 74,22; 119,154; Pr 22,23; 23,1; Lm 3,58. Os textos que mais se assemelham ao nosso em termos de conteúdo são Jr 50,34 e 51,36, que se referem ao julgamento do povo oprimido contra a Babilônia. Em contraste com o que ocorre nesses textos, a inimiga, em Mq 7,9, permanece anônima. 213 Cf. LIMBURG, J., “The Root byrI and the Prophetic Lawsuit Speeches”, JBL 88: 3 (1969) 291-304, p. 297. 214 Cf. BOVATI, P., Ristabilire La Giustizia, p. 189. 215 Cf. McKANE, W., Micah, p. 219. 216 Assim pensam: ANDERSEN, F. I., - FREEDMAN, D. N., Micah, 583; WOLFF, H. W., Micah, 186 e HILLERS, D. R., Micah, p. 87. 217 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, 519,521. O termo jP'v.mi é polissêmico, diferenciando os significados sobretudo pelo campo e pelo contexto. Aqui, denota o campo da sentença e decisão, ou seja, o campo judicial, e vem acompanhado do verbo hf[. Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 410.
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do byrI é o cumprimento do direito. Embora tenham pecado contra Deus, Ele
próprio defenderá a sua causa. O povo está convencido de que a sua salvação virá
de YHWH218. O resultado da ação divina está expresso metaforicamente no
versículo seguinte (10a), usando mais uma vez a imagem da luz que YHWH trará
para o orador e que fará a inimiga se cobrir de vergonha.
e) O fato de não ter uma conjunção na forma ynIaeyciAy mostra que esta oração
não continua a do versículo anterior regido pela preposição d[; e pelo pronome
rv,a]219 .. A raiz verbal, acy, é encontrada novamente em Mq 7,15 e deve ser
interpretada como um termo técnico da fuga de Israel do Egito. Parece haver
correspondência entre esses dois versos, especialmente porque em ambos
encontramos também a raiz har, a qual desempenha um papel importante na
estrutura de Mq 7,8-20. Dessa forma, a promessa de YHWH no v. 15 deve ser
compreendida como uma resposta confiante àquele que fala em Mq 7,9.
A raiz verbal, acy, é, por excelência, o termo que marca a libertação da
escravidão do Egito (cf. Ex 13,3; 16,6; 18,1 etc; Dt 6,23; 7,8 etc.; Jr 7,22; 11,4;
34,13, etc; Ez 20,6.9, etc.; Sl 105,43; 134,11). Aqui, a forma hiphil imperfeito de
ynIaeyciAy possui sentido causativo, portanto, mostra que o Senhor será a causa de
Sião sair de sua escuridão. Aliás, esse verbo no hiphil refere-se, na maioria das
vezes, a alguma ação divina220. A fórmula rAal' ynIaeyciAy encontra-se, como tal, no
singular. A raiz verbal, acy, é encontrada novamente em Mq 7,15 e deve ser
interpretada como um termo técnico da fuga de Israel do Egito. Parece haver
correspondência entre esses dois versos, especialmente porque em ambos
encontramos também outra raiz verbal, har, a qual desempenha um papel
importante na estrutura de Mq 7,8-20. Dessa forma, a promessa de YHWH no v.
218 O sentido de yjiP'v.mi é judicial-forense, e o sufixo pronominal é um genitivo adverbial de vantagem – justiça para mim. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 755. 219 Deissler afirma que, pela ausência de conjunção copulativa, este verso (rAal' ynIaeyciAy) deve ser considerado como uma proposição independente, como uma profissão de absoluta confiança. A raiz verbal, acy é, por excelência, o termo que marca a libertação da escravidão do Egito (cf. Ex 13,3; 16,6; 18,1 etc.; Dt 6,23; 7,8 etc.; Jr 7,22; 11,4; 34,13, etc.; Ez 20,6.9, etc.; Sl 105,43; 134,11). Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 353. Aqui, a forma hiphil yiqtol de ynIaeyciAy possui sentido causativo, portanto, mostra que o Senhor será a causa de Sião sair de sua escuridão. A fórmula rAal' ynIaeyciAy encontra-se, como tal, no singular. Aliás, esse verbo no hiphil refere-se, na maioria das vezes, a alguma ação divina. Cf. “acy”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 1045. 220 Cf. “acy”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 1045.
99
15 deve ser compreendida como uma resposta confiante àquele que fala em Mq
7,9.
f) A LXX considera pleonástica a construção da palavra Atq'd>ci. com a
preposição b. do TM221. O sufixo pronominal de Atq'd>ciB. (sua justiça) junto ao
verbo (har) é um genitivo agente. A forma verbal qal yiqtol ha,r>a,é, unida à
preposição seguinte b., possui o significado de olhar com interesse – e aqui, mais
especificamente, olhar com prazer e alegria222. O termo hq'd'c. aparece com
freqüência no AT em paralelo com jP'v.mi. Este trata, no verso anterior, da lei;
enquanto que o primeiro trata da intervenção positiva e abençoada de YHWH. O
alegrar-se na justiça de YHWH corresponde à visão da inimiga. Portanto, o
discurso é o de que os olhos daquele que fala se regozijarão com a queda da
inimiga.
v. 10
Quando minha inimiga vir [isto] yTib.y:ao ar,tew>
e a vergonha a cobrirá hv'Wb h'S,k;t.W Ela que disse a mim: onde (está) YHWH teu Deus? %yIh'l{a/ hw"hy> AYa; yl;ae hr'm.aoh' Meus olhos a verão: hN"ya,r>Ti yn:y[e
agora ela será pisoteada sm'r>mil. hy<h.Ti hT'[; HB'
Como a lama das ruas. `tAcWx jyjiK.
a) A forma de ar,tew> é jussiva, mas não na sua função sintática atual223. A
simples justaposição de duas orações com w., seguida da forma verbal no
imperfeito (ar,t-har), e a oração condicional é intimamente relacionada à oração
temporal, assim, a nuance aqui neste versículo é temporal224.
O verbo particípio nominal yTib.y:ao (ser inimiga) só ocorre duas vezes na
Bíblia Hebraica, sendo que ambos se encontram em Miquéias (Mq 7,8.10).
b) Esta é uma oração de conseqüência (prótase→ apódose). Sendo assim, o
waw da expressão verbal (h'S,k;t.W) introduz uma oração final225. O verbo hs'K'
diferencia-se conforme o sujeito, o complemento e o modo. Na forma piel refere-
221 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 49, p. 199. 222 Cf. BDB 908 223 Cf. GKC < 109k. 224 Cf. JOÜON, P. A Grammar of Biblical Hebrew, 167a. 225 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 755.
100
se ao objeto que se cobre. Nesse caso, sublinha a subordinação de uma proposição
à outra226. Agora a vergonha (hv'Wb) cobrirá aquela que ridicularizou a fé do povo
de Deus227.
c) A oração yl;ae hr'm.aoh' (rm;a') reúne várias conotações, dependendo do
contexto onde é usada; possui, aqui, o sentido de direção ou orientação numa
manifestação oral: rma + la, + interlocutor228. A forma atual da partícula
interrogativa AYa; (onde), com sufixo masculino singular, antecipa o nome a que se
refere, no caso %yIh'l{a/ hwhy229 . A expressão verbal hr'm.aoh, na forma particípio
feminino, substitui o termo yTib.y:ao, e o tempo é o passado. A inimiga havia
expressado com desdém seu escárnio e seu total desconhecimento de YHWH ao
perguntar pelo Deus de Israel (cf. Sl 42,4.11; 79,10; 115,2; Ml 2,17)230. A LXX (h`
le,gousa pro,j me) modifica a construção ativa do TM por razões estilísticas231.
O aparato crítico da BHS conjectura a forma mais usual hyea; (onde)232.
Segundo Hillers, esta conjectura de Wellhausen, seguida pela BHS, parece querer
dar um estilo prosaico ao texto. A forma AYa; com a antecipação do sufixo
pronominal é idiomática233. Wolff elabora uma explicação de como ocorreu a
226 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 321. 227 Essa raiz verbal (hsk), com o substantivo vergonha (hv'Wb), denota um estado psicológico que pode ser traduzido por “esmagado”. Cf. BDB 492ª. Em referência a uma vergonha da pessoa, ver também Sl 35,26; 44,16; 69,8; 89,46; 109,29; Is 51,51, Ez 7,18; Ab 10. 228 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 55. 229 Ver também 2 Rs 19,13; Is 19,12 e 37,13. Cf. BDB 32a. Waltke destaca que, enquanto hwhy é nome próprio que identifica Deus e sua relação de aliança com Israel, ~yih'l{a/ é o único apelativo que o distingue de tudo o que foi criado por ele no universo. O sufixo feminino de %yIh'l{a/, um genitivo de relação, sublinha esse parentesco e mostra claramente que a pessoa que fala nos vv. 8-10 é feminina. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 230 Cf. WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 231 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 50, p. 199. 232 Renaud considera provável que %yIh'l{a/ hyea; seja o texto lido original, pois, na boca dos oponentes de Israel, a questão mais provável seria sem o nome adicional de “YHWH”. Essa hipótese que considera o tetragrama sagrado como uma emenda apresenta a vantagem de regularizar a simetria de 10d (2+2 como os versos anteriores) e de restituir a fórmula mais comum: “Onde está ele, teu Deus?” e não “Onde está ele, YHWH teu Deus”? que é uma composição rara. E como são os adversários de Israel que falam, é normal que eles empreguem a palavra “Deus” e não “YHWH”. Com o acréscimo do tetragrama sagrado, foi modificado o advérbio interrogativo para evitar a sucessão das duas letras hy (hwhy hya). Assim, escreveu-se AYa;. O autor pensa que a supressão do tetragrama sagrado posiciona melhor o versículo 10d no contexto precedente. Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 359. Wolff, como Renaud, supõe que a ocorrência do nome divino, neste versículo, é ou uma glosa deliberada ou um erro de escriba que leu incorretamente as duas últimas letras de Aya;, compreendendo-as como uma abreviação do tetragrama sagrado. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 213. 233 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88.
101
corrupção de hyea; para AYa;234. Na sua opinião, hyea; foi escrito erroneamente como
hyhya, sendo que o segundo hy foi compreendido como uma abreviação de hwhy;
hyea; foi, então, emendado para a AYa a fim de evitar uma repetição de hy. Para o
autor, o TM que lê AYa, deve ser deixado como está. A partícula wya é também
encontrada em outros lugares, a saber: em Ex 2,20, Jó 14,10, 20,7 e 2Rs 19,13-
neste até mesmo numa construção semelhante (...tm'x]-%l,m, AYa;)235. Além disso, a
forma atual da partícula interrogativa AYa (onde), com sufixo masculino singular,
antecipa o nome a que se refere, no caso %yIh'l{a/ hwhy236.
O Tg interpreta o TM para não dar espaço a qualquer tipo de leitura que
possa implicar a negação de Deus. Nesse contexto, o tetragrama do TM é
mostrado com a característica de uma circunlocução teológica237. Para Shaw238, a
proposta de deletar o nome divino, como apontam Renaud e Wolff, ou o
acréscimo apresentado no Tg são especulações desnecessárias. O mesmo tipo de
zombaria encontra-se em Mq 6,16.
d) A LXX parafraseia o TM, lendo evn tai/j o`doi/j: sobre a “comunidade de
Sião”, o Tg remete a Mq 4,13 e reporta à sua interpretação messiânica a Qumran,
junto com este versículo239.
Renaud240 observa que alguns autores subtraem à frase “meus olhos a
verão”241. Mas isso seria um erro, pois o autor sagrado dá um enfoque intencional
ao verbo “ver” (har cf.v. 7, 9c. 10a.10c. 16a)242. A raiz verbal har seguida da
preposição b. é rara e só se encontra em Ab 12-13 e nas Lamentações (cf. a
expressão sinonímica !AYciB. zx;t;w> em Mq 4,11). Para o autor, essa expressão quer
traduzir uma insistência particular: “fixar os olhos sobre”; de onde algumas
traduções, como a ARA trazem “contemplará” no sentido de deliciar-se com a
234 Assim como a proposta de Renaud citada acima na nota 14. 235 Porém, a partícula interrogativa, wya, também é questionada crítico-textualmente neste trecho (mas com melhores argumentos). Cf. Is 37,2 e BHS. 236 Ver também 2 Rs 19,13; Is 19,12 e 37,13. Cf. BDB 32a 237 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 57, p. 199. 238 Cf. SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 193 239 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 60, p. 199. 240 Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Miché, p. 359. 241 Com o substantivo feminino dual yn:y[e (meus olhos), a ação verbal é usualmente plural. Se o substantivo é feminino, o plural pode ser feminino ou masculino. Cf. JOÜON, P. A Grammar of Biblical Hebrew, 150 c
102
queda do inimigo. Outros autores ainda propõem, para regularizar o versículo, a
suspensão da frase: “como a lama das ruas”. Mas nenhuma dessas propostas foi
aceita. É melhor, então, conservar o TM.
e) A palavra hT'[; (agora) é um advérbio causal, temporal, que denota o
futuro iminente243. O advento do “agora” contrasta com a expressão “um dia” do
versículo seguinte. Ele representa uma estrutura de tempo diferente do v. 11. O
primeiro descreve a situação presente da destruição da inimiga, enquanto o
segundo muda completamente o enfoque: de destruição para construção. O termo
sm'r>mi possui o significado de lugar pisado ou pisoteado. É uma expressão para
designar castigo, confusão, derrota, aniquilamento (cf. 2Sm 22,43; Sl 18,43; Is
7,25; 10,6; 28,18; Ez 34,19)244. Trata-se, no contexto, do anúncio de que a inimiga
de Israel se tornaria uma terra pisada.
f) A palavra #Wx possui o sentido específico de rua245. A expressão tAcWx
jyjiK. (“como lama das ruas”) é um genitivo locativo e o plural conota uma derrota
humilhante246. Novamente elucida a dimensão da humilhação. Essa expressão
encontra-se literalmente apenas em 2 Sm 22,43, Sl 18,43 e na forma tAcWx jyjib
em Zc 10,5; e designa a humilhação da inimiga247. Vários autores, entre eles
Hillers248, eliminam a expressão tAcWx jyjiK., que ocorre também no Sl 18,43 e Is
10,6. Para tais autores, a repetição dessas expressões convencionais não tem muita
importância na literatura hebraica249. Renaud observa que este versículo retoma o
ritmo precedente de dois sticos no lugar de dois pares. Percebe-se, então, que a
retirada da expressão “como a lama nas ruas” ocorre mais por razões métricas do
que pelo sentido.
v. 11
242 O termo yn:y[e está em conexão com a expressão verbal hN"ya,r>T (ha'r'), possui o significado de “alegrar-se vendo” (cf. Mq 4,11; 7,10; Sl 54,9; 92,12; Pr 27,20). Cf. JENNI, E. “!y[”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 336. 243 Cf. BDB 774b. Cf. 2 Sm 22,43; 2 Rs 9,33-37; Sl 18,42; Is 25,10-12; 26,5-6; 41.15-16; 51,22-23; 63,2-3; Zc 10,5; Ml 4,3. 244 Cf. BDB 942b. 245 Cf. BDB 300,2. 246 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 247 Cf. WILLI-PLEIN, I., Vorformen der Schriftexegese innerhalb des Alten Testaments. p.. 106. 248 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88. 249 Smith descreve como uma expansão editorial que ele deleta por razões métricas. Cf. SMITH, R. L., Micah – Malachi, Word Biblical Commentary XXXII, Texas: Word Books, Waco, 1984, p. 147; Smith e Robinson (150) deletam a expressão tAcWx jyjiK., tomando-a como uma adição do Sl 18,43.
103
Dia de reconstruir as tuas muralhas! %yIr'deG> tAnb.li ~Ay Dia esse em que estenderão as tuas
fronteiras
`qxo-qx;r>yI aNWhh; ~Ay
a) Neste versículo, o termo ~Ay não tem artigo ou preposição, mas possui
valor acusativo de determinação temporal250. Curiosamente, cada uma das linhas
do v. 11 e a primeira linha do v. 12 iniciam com a palavra “dia”– o v. 11a com ~Ay
(dia), o v. 11b aWhh; ~Ay (dia esse) e 12a aWh ~A (dia esse) cada uma delas com
uma definição temporal251. Isso mostra claramente a continuidade entre os vv. 11
e 12a, embora o termo se posicione de maneira diversa em cada ocasião. Há de se
notar que aqui o julgamento parece já ter se concluído. É importante observar que
se, anteriormente, o autor empregara complemento temporal ~Ay por quatro vezes
– entre os caps. 2-5 – agora o utiliza por três vezes em um curto espaço (dois
versículos).
Andersen e Freedman252 observam que no v. 11a a palavra seguinte a ~Ay
inicia com a preposição l. (tAnb.li) e com a forma verbal de infinitivo tAnb. (hnb). E,
no v. 11b, temos aWhh; ~Ay, que, normalmente, formaria ~wyh (o dia). Ou seja, as
expressões estão em paralelo. A restauração dos muros será concomitante à
expansão dos limites territoriais e a vinda dos povos253. Hillers254 combina as duas
primeiras ocorrências de ~Ay em uma única sentença como aquela em Sf 1,15:
250 ~Ay refere-se a um estado mais ou menos de um futuro imediato, não escatológico. Pode ser interpretado por “tempo”. Essa construção, quando colocada no início de um versículo, é normalmente um acusativo de tempo. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. Assim também pensa Renaud, cf. RENAUD, B., La formation du livre de Miché, p. 359. 251 O complemento temporal ~wy é encontrado repetidamente no Livro de Miquéias. Há que se referir sobretudo a Mq 4,1 (~ymyh tyrxab), Mq 4,6 (awhh ~wyb), Mq 5,9 (awhh ~wyb hyhw), lugares onde são reportados eventos análogos a Mq 7,11 (Mq 4,1: peregrinação dos povos a Sião; Mq 4,6: retorno do [povo de] Israel disperso; Mq 5,6 [num contexto contemporâneo]: julgamento dos povos que não obedecem [a Deus] cf. Mq 5,14. Isso fala em favor de uma correspondência entre Mq 7,11 e os textos mencionados. E reforça a suposição de que lidamos com dois dias, apresentados em seqüência: um Dia do Juízo (Mq 7,4) e um Dia da Reconstrução; ou dito de maneira mais exata, da Restituição de Sião (Mq 7,11). Essa tese se sustenta também quando consideramos de perto a caracterização do Dia em Mq 7,11 através de yIr'deG>.Uma seqüência de dias diferentes – um designando o julgamento, e o outro a reconstrução – é, na literatura referente ao Antigo Testamento, um esquema geral desenvolvido freqüentemente com base no conceito hwhy ~wy. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 183. 252 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 586. 253 Waltke pensa que Miquéias evita o sintagma esperado apontando para um tempo futuro afim de correlacionar enfaticamente a extensão dos muros e fronteira de Sião ao mesmo tempo. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 254 Cf. HILLERS, D. R., Micah, pp. 87-88.
104
“Aquele dia é um dia para...” Isso envolve também a emenda seqüencial para
fazer sentido as frases de confiança, porém, destrói todo o sentido do balanço
ritmico. Para Nogalski255, o artigo na palavra aWhh, é compreensível, em vista da
ocorrência freqüente da frase aWhh; ~Ayb, nos livros proféticos. Essa expressão
ocorre 206 vezes na Bíblia Hebraica com um número significativo nos profetas
(170 vezes), onde ela geralmente antecipa um tempo futuro. Em contrapartida,
fora dos escritos proféticos, a frase refere-se a um evento passado. Com apenas
poucas exceções, aWhh; ~Ayb não se refere a um evento futuro nos livros proféticos.
Os dois significados, passado ou futuro, variam pelas referências das conotações
proféticas. A maioria das vezes, esse termo refere-se ao contexto de julgamento e
punição, mas também aparecem no contexto de salvação ou liberdade após um
julgamento, como é o caso de nosso texto.
A LXX traz literalmente h`me,raj avloifh/j pli,nqou (“no dia em que amassas
o tijolo”), abrindo uma nova perspectiva escatológica, relacionada ao evento do
Êxodo, a propósito dos trabalhos forçados aos quais foram submetidos os pais no
Egito256. O Tg parafraseia “será reconstruída a comunidade de Israel”, ao
contrário do que se lê no TM: “construir as tuas muralhas”, superando
decididamente o sentido literal257. A Vg lê com o TM. Seguimos em favor da
leitura do TM, confirmada também por Willi Plein258.
b) Wolff259 defende que o uso do pronome aWh introduz uma definição mais
precisa de “dia”. Ele toma o lugar de uma partícula relativa. Waltke260 observa
que normalmente as versões trazem aWhh; ~Ayh; (naquele dia) como em Mur 88 (cf.
Mq 4,6; 5,9[10]), mas esta leitura mais fácil foi rejeitada por causa da
255 Jr 39,10 utiliza a expressão em uma narrativa sobre um acontecimento passado; Ez 20,6; 23,38.39 usa a frase em uma fala divina para referir-se a um evento passado; Zc 6,10 insinua o presente dia ou um futuro próximo; Is 22,12 refere-se a uma ação passada de YHWH. Cf. NOGALSKI, J. D. “The Day (s) of YHWH in the Book of the Twelve”. In: Redditt, P. L., & Schart, A., eds. Thematic Threads in the Book of the Twelve. BZAW 325. Berlin / New York: Walter de Gruyter, 2003, 192-213, p. 194. 256 Carbonne-Rizzi notam que a proposta da LXX aponta para uma mediação sintático-gramatical ligada ao TM, unindo o início de LXXMq 7,11 com a conclusão de LXXMq 7,10. Na opinião dos autores, tal medida esclarece o texto. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 53, p. 201. 257 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 62, p. 201. 258 A autora aceita que o TM seja uma metáfora de Israel como vinha e rebanho de YHWH “Es handelt sich um eine Metapher, deren Hintergrund die beiden Vorstellungen von Israel als Jahwes Weinberg (Jes 5:5; Ps 80:13) und Israel als Jahwes Herde (v.14) bilden”. Cf. WILLI-PLEIN, Vorformen der Schriftexegese, p. 108. 259 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 223.
105
irregularidade dos paralelos nos vv. 11a e 12a. É difícil responder gramatical e
estilisticamente a essas particularidades. No entanto, o texto não deixa dúvidas;
apesar do TM ser incomum o seu sentido está claro e pode ser defendido. Além
disso, a LXX lê com o TM261.
Segundo a LXX, talvez seja melhor ler %Qexu (avpotri,yetai). O verbo no
futuro é um grifo típico do contexto escatológico262. Waltke263 observa que não é
necessária a emenda proposta pela LXX e seguida por alguns manuscritos
(Luciano e Etíope). Essas traduções, provavelmente, seguem uma recensão
comum da tradição grega, que certamente compreendeu o sufixo pronominal no
fim do v. 11a como espaço de tempo. Essa abertura realça a assonância entre as
palavras qx;r> e qxo.
O vocábulo qxo é traduzido por alguns autores com o significado de
“decreto”, similar ao que foi apresentado na leitura halákica da LXXMq 7,11 “os
teus estatutos”. A Vg segue a interpretação de qxo no âmbito legal, “longe fiet lex”
(“naquele dia a lei estará distante”). Algumas traduções (Figueiredo, TB) seguem
a LXX e a Vg, interpretando a palavra como lei ou ordem. Zapff264, a partir de
algumas observações, entende que Jerônimo - evidentemente sob a influência do
pensamento cristão como supressão da lei existente entre judeus e pagãos -
considera provável tal tradução como condição da peregrinação (dos povos) para
Sião, descrita no v. 12. Para o autor, esta interpretação não parece totalmente
errada, tendo em vista que a LXX o fez da mesma forma, entendendo o v. 11
como palavra de ameaça em continuação direta do v. 10, à qual também pertence
a eliminação da lei da inimiga. Talvez deva ser entendida, com isso, a supressão
da ordem interna. De forma semelhante, o Tg interpretou o v. 11, ao mencionar
que as leis dos povos desaparecerão265. É preciso pontuar o fato de que ao
260 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 261 Renaud e Wolff notam a construção incomum, mas oferecem a mesma tradução proposta por Shaw: “Naquele dia”. Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 359; WOLFF, H. W., Micah, p. 213 e SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 194. 262 A interpretação da LXX kai. avpotri,yetai no,mima, sou segue um procedimento halákico, onde lê o singular do TM com valor de coletivo, abandonando a linguagem poética do TM; qxo (fronteira) para no,mima que possui o sentido jurídico “os teus costumes legais”ou “teu regime”. Essa interpretação do TM evidencia uma polêmica halákica no judaísmo do período helênico-romano. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 59, p. 201. 263 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 264 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 152-53. 265 Shaw se junta a essa interpretação porque entende qxo no sentido de “decreto” e vê por detrás dessa formulação a libertação da comunidade derrotada pelos inimigos; então, os vv. 11ss.
106
parafrasear o v. 11a essa versão não fala da construção dos muros de Jerusalém,
mas apenas de uma reconstituição da comunidade de Israel, uma interpretação que
não está distante do sentido dado ao texto neste estudo. No entanto, as versões não
tratam do alargamento das fronteiras de Israel, mas da eliminação de um obstáculo
entre Israel e – provavelmente – o mundo dos povos. Nosso estudo interpreta a
restauração das muralhas de Jerusalém juntamente com o alargamento das
fronteiras para acolher os povos, seja de israelitas dispersos, seja de pagãos
convertidos, e, assim, reconstituir uma nova Sião. A conjunção w., com a qual o
termo ^yd,['w> (v. 12) está ligado, deve ser compreendida, então, no sentido de um
waw consecutivo: a supressão do limite é condição da possibilidade da vinda
descrita no v. 12. De modo semelhante, Am 9,12s; Ab 19s; Zc 10,10
mencionaram a reconstrução do território de Israel ao fim dos tempos. O TM não
deixa dúvidas, a leitura plausível seria a de “fronteira”, no sentido de expansão de
território, um limite prescrito por Deus266.
v. 12
Dia esse em que virá a ti aAby" ^yd,['w> aWh ~Ay
desde a Assíria e das cidades do Egito, rAcm' yNImil.W rAcm' yre['w> rWVa; yNImil.
e do Egito até o rio e de mar a mar e de
montanha a montanha.
`rh'h' rh;w> ~Y"mi ~y"w> rh'n"-d[;w> rAcm' yNImil.W
a) Este versículo apresenta a mesma dificuldade do versículo anterior. As
antigas traduções, com suas formas de interpretar em parte divergentes – não são
de grande ajuda. O versículo inicia-se com o termo ~Ay, seguido do pronome aWh
e de um waw copulativo na palavra seguinte ^yd,['w>. O pronome ocorre sem
nenhum artigo. Nessa construção, o aWh funciona similar a uma proposição
relativa267. Ou seja, literalmente “este é um dia futuro”. Pode-se considerar o
apontariam para a reconstrução das obras de defesa, caídas assim como ao fim da subjugação por um conquistador. Cf. SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 202. 266 Cf. BDB 349,5; qxo deve, aqui como em Jr 5,22, designar as fronteiras. Am 9,12ss; Ab 19ss; Zc 10,10 fazem igualmente menção de uma extensão do território de Israel no final dos tempos. Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, 355. Rudolph (128), como outros, questiona se esse termo pode ser ser usado como uma extensão de fronteira. 267Cf. WILLI-PLEIN, I., "Vorformen der Schriftexegese“, p. 107. Carbone-Rizzi concordam que na construção: ^yd,['w>. aWh ~Ay, o waw de retomada se faz igualmente com a proposição relativa, como nas fórmulas temporais comuns que introduzem os oráculos proféticos escatológicos. Cf. CARBONE-RIZZI, TM 28, p. 202.
107
verso como uma continuação do v.11. Waltke268 pensa que, provavelmente, o
autor do texto, em consideração à anáfora e para evitar um termo técnico, iniciou
o versículo novamente com ~Ay, tempo indefinido, como um predicado em uma
oração nominal: “Esse é um dia”269. Segundo o aparato crítico da BHS, a recensão
de Luciano supõe o hebraico w. Awh cujo sentido deve ser equivalente a aWhh; ~AyB;
(no dia naquele). Mur 88 também traz o mesmo texto (awhh ~wyb) contra o ~Ay do
TM. Entretanto, o TM deve ser conservado, apoiado pelo paralelismo do v. 11270.
O TM usa um sufixo masculino para a expressão ^yd,['w.. O aparato crítico da
BHS sugere a leitura de %yid;[' com o sufixo feminino, como ocorre no v. 11, pois
supõe referir-se à cidade de Jerusalém. Wolff 271 pensa que o uso de um pronome
masculino pode fazer alusão aos habitantes e não à cidade. Embora,
gramaticalmente, ~Ay possa ser o sujeito ou objeto, o verso aqui possui um sentido
melhor traduzindo-se o pronome da terceira pessoa masculino singular como
indefinido. O sufixo pronominal é masculino, distinguindo-se do v. 11, em que a
segunda pessoa do singular é feminina. A LXX representa kai. ai` po,leij sou
interpretando ^yd,,['w> por ^yr,['w> tirando proveito de uma teórica confusão entre as
consoantes resh e dalet, e assim aludindo à tribulação escatológica da “inimiga”
(LXXMq 7,10), ou seja, “dos pagãos (cf. “terra” em LXXMq 7,13)272. O Tg glosa
o TM acrescentando: “as comunidades da diáspora”273. Segundo Comiskey274, não
há necessidade de tal emenda (%yid;['w.) uma forma não atestada senão, para ser
consistente com o v. 11, pois a discordância gramatical está de acordo com o
estilo de Miquéias (cf. 1,11; 2,11; 4,8). Portanto, o TM não necessita de correção.
A expressão verbal aAby" (singular) do TM, é substituída na LXX pelo verbo
h[xousin (h[kw: plural), interpretando awby por wawby. Tal mudança explicar-se-ia
268 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 269 Cf. Is 11,16; 19,23-25; 27,12-13; 43,6; 49,12; 60,4-9; 66,19-20; Jr 3,18; 23,3; 31,8; Ez 37,21; 29,21; Os 11,11. 270 Les paralélismes avec le verset 11 attirent la leçon du TM que confirme la LXX. Mur 88 serait donc la leçon difficilior si l’expression à laquelle il aboutit n’était une expression prophétique très familière. Divergence qui s’explique, dans un sens ou dans l’autre, par des réflexes de copiste. Cf. COLLIN, M., “Recherches sur L’Histoire Textuelle du Prophète Michée”, VTSupl, XX vol XXI, no. 3, 1971, 281-297, p. 285. 271 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 188. 272 A LXX evidencia uma leitura do midrash haggadah no texto. Cf. CARBONE-RIZZI, Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 62, p. 202. 273 Cf. CARBONE-RIZZI, Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 67, p. 203. 274 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757.
108
pela postulação de uma metátese de a com w275. Segundo Waltke276, não há
necessidade desta emenda, apelando para o plural como o faz a LXX. Essa
tradução, que força o sentido na passagem, torna-se confusa e desgastante. Talvez
a metátese tenha contribuído para a confusão da LXX. A Vg (veniet) representa o
TM. Enfim, pode-se compreender o TM sem dificuldades, como singular
coletivo277.
b) A preposição !m, está unida à preposição l. (yNImil.) e expressa a idéia de
separação – “desde”, “até” ou “de lado a lado”.278 A LXX glosa o TM
continuando o procedimento do midrash haggadah iniciado: inspira-se em uma
certa assonância entre a preposição hebraica yNImil. (desde a) e a expressão hebraica
hn"m'l., (em parte, porção), introduzindo o termo grego o`malismój, raramente
utilizado (encontra-se somente em Bar 5,7 no sentido de “planície”)279.
O aparato crítico sugere ser possível ler d[;w. (até) no lugar de yre['w> (cidades).
A hipótese é que d[;w. seria o termo original; a consoante d (dalet) pode ter sido
confundida ou corrompida sem intenção pela consoante r (resh), fazendo a leitura
yde[]w.. Esta mudança entre as consoantes resh e dalet é filologicamente
controvertida280. A maioria dos críticos corrige yre[' (cidades) em d[;w. (até) e vêem
na palavra seguinte rAcm' (Egito) uma designação poética281. Nesse caso, rAcm' é
uma outra forma de ~yIr'c.mi. No v. 15, possui a forma corrente de ~yIr'c.mi. O que não
se explica é o uso de nomes distintos, tão pertos um do outro, para o mesmo país.
Barthélemy prefere a tradução “...até as cidades fortificadas”, apresentada pela
PeshMi 7,12282. A Vg traz et usque ad civitates munitas, o que ampara essa
275 Willi Plein explica a corrupção como metatesis de w em a. Cf. WILLI-PLEIN, “Vorformen der Schriftexegese”, BZAW 123 (1971) pp. 106-109. 276 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 277 Visão corroborada por: ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 153 e SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 194. 278 Cf. BDB 577 b. 279 Cf. CARBONE-RIZZI, Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 63, p. 203. 280 Entre os que assumem a confusão entre as consoantes r e d estão: ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 391, WOLFF., H. W., Micah, p. 213; MAYS, J. L. Micah, p. 160, RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 361; WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757; Cf. SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 194. 281 Este termo é usado apenas poeticamente. Ver TMIs 19,6; TM2Rs 19,24, equivalente a TMIs 37,25. Cf. BDB 596a. Ver também SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 194; RENAUD, B., La formation du livre de Miché, p. 361. O termo rAcm' se encontra ainda em Dt 20,20; Sl 31,22; 60,11; Ez 4,2; Na 3,14; Hab 2,1; Zc 9,3. 282 Cf. BARTHÉLEMY CT III, 778, pp. 47-50.
109
suposição. A LXX (po,leij) confirma o TM. As cidades estão atestadas nas
versões, assim o TM deve ser conservado.
c) A palavra rAcm' no versículo seguinte é lida pela LXX como avpo Tu,rou
(de Tiro), lendo rwoCmi no lugar de rAcm', que designa o território do antigo Egito. A
Vg interpreta os dois casos como “cidades fortificadas”. Para Kessler, a leitura da
LXX, aceita por alguns autores, tem pouco valor, pois ela diverge totalmente do
TM, que é seguido pela Vg, Áquila e Tg. Além disso, o paralelo Assíria / Egito
pode ser freqüentemente encontrado no AT, no sentido de uma descrição
geográfica (cf. Is 11,11.16; 19,23; 27,12s.; Os 11,11; Zc 10,10). O TM faz sentido
como está, e poderíamos seguir com a leitura, assim como Vuilleumier283,
mantendo o TM: “desde a Assíria e as cidades do Egito, e do Egito até o rio”. O
Tg e a Vg apontam que em rh'n" trata-se do rio Eufrates284. O vocábulo rh'n" (rio) é
geralmente um nome próprio para o Eufrates – mesmo sem o artigo – na poesia
(cf. Gn 31,21; Dt 1,7; 11,24; Js 1,4; 2Sm 8,3; 1 Cr 18,3)285. Schökel concorda que
o “Rio”, por antonomásia, representa o Eufrates (cf. Js 24,2; 1 Rs 5,1; Jr 2,18; Mq
7,12; Eclo 39,22; 44,21). Mas outros cursos de água também são caracterizados
como rh'n" (cf. Gn 15,18; Ex 7,19; 2 Rs 17,6). Talvez o autor queira representar o
ideal da fronteira de Israel, que estende do Rio Eufrates ao Egito (cf. Nm 34,2; 2
Sm 8; Ez 47,13-20).
É proposta pelo aparato crítico da BHS a leitura rh" d[; rh;meW ~y" d[; ~y"mi
(desde o mar até o mar; e de montanha até a montanha) em vez de rh'h' rh;w> ~Y"mi
~y"w> (e de mar a mar; e de montanha a montanha). Essa mudança parece ser
comprovada por vários estudiosos, embora divirjam sobre alguns detalhes. Hillers
concorda com a leitura proposta no aparato da BHS, pois ela se encontra em
outros textos do AT (cf. Am 8,12; Zc 9,10; Sl 72,8; Zc 14,8 e Jl 2,20286. Para
Kessler287, ~y"mi significa claramente “no ocidente” (Gn 12,8; Js 8,9.12), dessa
forma só pode ter o significado de “mar no ocidente”, ou seja, o Mar
Mediterrâneo (a fórmula ~y" d[; ~y"mi = “de mar a mar” que muitos exegetas
283 Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER, C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 85. 284 Calderone contesta as duas suposições: rAcm não representa o Egito, nem rh'n" o Eufrates. Para o autor, a palavra rAcmii seria composta de m, uma letra encíclica e cwr representaria fortificação, ou seja, uma cidade fortificada de Edom. O Rio seria o Nilo. CALDERONE, P. J., “The Rivers of Masor”, Bibl 42 (1961) 423-432. 285 Cf. BDB 625,1. 286 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88.
110
encontram [cf. Am 8,12; Zc 9,10; Sl 72,8], não existe aqui). E já que rhh pode
indicar a direção (cf. Ag 1,8; Ne 8,15), a locução final poderia também indicar “de
montanha a montanha”. Renaud lê ~y" e rh' como um acusativo de movimento:
“em direção à montanha em direção ao mar”288. Waltke observa que, se é difícil o
TM ser retido, é melhor tomar ~y"w> como um acusativo de lugar junto com o verbo
awoby", o que produziria “eles virão do mar”289.
A LXX lê h`me,ra u[datoj kai. qoru,bou (dia de água e clamor) sugerindo uma
leitura escatológica do contexto. A mudança da consoante ~wy por ~yw liga-se ao
“dia” escatológico, outras vezes evidenciado no texto da LXX (LXXMq 7,11)290.
O Tg interpreta: “e ao mar ocidental e de monte a monte”, ligando-se à clássica
formulação dos confins da terra de Israel ao Ocidente. A Vg apresenta “et ad mare
de mare et ad montem de monte” (“mar” e “monte”) confirmando o TM. A lição
do TMMq 7,12d representa um texto filologicamente obscuro e certamente
alterado, interpretado geralmente pela crítica no sentido de “e de mar a mar e de
montanha a montanha” (cf. BHS; CEI etc.)291.
v. 13
Mas a terra se tornará uma desolação, hm'm'v.li #r,a'h' ht'y>h'w> por causa de seus habitantes, h'yb,v.yO-l[; como fruto de suas obras. s `~h,ylel.[;m; yrIP.mi
a) Zapff292 destaca que o w em ht'y>h'w pode ser entendido como adversativo –
“mas a terra se tornará deserto...” – em um sentido contrário à reconstituição de
Jerusalém ou da comunidade de Israel, anunciada no v. 11293. A destruição hm'm'v. relacionada à terra inteira, com base no contexto (v. 12), encontra-se
freqüentemente na profecia do julgamento restrita à terra de Judá ou Israel294.
A palavra hm'm'v. da mesma raiz de !AmM'vi (horror), em 6,13.16, tem o mesmo
sentido aqui: tornar-se-á um lugar de horrível desolação (cf. 1,7). Há por trás
287 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 295 288 Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 359. 289 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 290 Cf. CARBONE-RIZZI, LXX 70, p. 203. 291 Cf. CARBONE-RIZZI, TM 33, p. 202. 292 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 155. 293 O verbo hyh seguido ou complementado por l, tem o sentido ativo de “tornar-se” ou “ser trocado” (cf. Ex 4,3; 5,4; 7,10; Is 1,22; Dt 26,5). Cf. BDB, 226e. 294 Cf. HILLERS, Micah, p. 91.
111
deste anúncio de destruição uma ampliação do julgamento originariamente
válido apenas para Israel, e, agora válido para o mundo inteiro. Só a partir de
YHWH o povo alcançará novamente a prosperidade.
A palavra #r,a, apresenta-se na LXX como gh/; a Vg usa “terra” em todas as
referências deste vocábulo no texto estudado (cf. Mq 7,13.15.17). No v. 15, a
LXX omite o termo; e no v. 17 apresenta-se como um acusativo (gh/n). Alguns
testemunhos textuais da LXX traduzem su.n toi/j katoikou/sin auvth.n, pensando
assim numa aniquilação da terra e de seus habitantes.
Segundo Waltke295, o uso do waw relativo, no início da frase (hty>hw>),
aponta uma situação seqüencial para o futuro imperfeito nos vv. 11-12. Após o
povo eleito encontrar a salvação em Sião, o resto da terra tornar-se-á desolada.
Dessa forma, #r,a'h; não pode significar a terra de Israel, uma vez que esta não
deve ser desolada, mas habitada.
b) A preposição l[; significa que a ação ocorreu; e a preposição !mi pode
também indicar “a causa de”296. No lugar de l[; (por causa de) a LXX lê su.n toi/j
katoikou/sin auvth.n, pensando assim em uma aniquilação da terra e seus
habitantes. A desolação provocada pelo pecado humano atinge a própria natureza
– a terra ficará desolada. O !m, antes de yrip., aponta, no presente caso, para a causa
da desolação. As antigas traduções confirmam plenamente o TM.
c) A preposição !m aponta aqui para a causa, mais especificamente, para
indicar o resultado de algo feito297. A palavra yrIP. designa fruto ou fruta. No uso
metafórico, que é o caso de nosso texto, indica a conseqüência de um feito ou
aquilo que é produzido (cf. Is 3,10; 10,12; Jr 6,19; 17,10; 21,14; Os 10,13; Am
6,12; etc.)298. A causa da desolação é enfaticamente apontada como fruto de uma
conduta má dos habitantes (cf. Is 3,10; Jr 17,10; 21,14; 32,19; Mq 7,13)299. A ação
verbal ~h,ylel.[;m; é sempre plural, usualmente de ações más e é usado quatro outras
vezes (cf. Is 30,10; Jr 17,10; 21,14; 32,19) com um agente genitivo300.
v. 14
295 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 758. 296 Cf. WOLFF, H. W., Micah, 213. BDB 580, 2. 297 CF. BDB 580, 2f. 298 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 547. 299 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 391. 300 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 758.
112
Apascenta o teu povo com o teu cajado, ^j,b.vib. ^M.[; h[er>
o rebanho de tua herança, ^t,l'x]n: !aco que habita sozinho na floresta, r[;y: dd'b'l. ynIk.vo no meio do Carmelo. lm,r>K; %AtB Pastarão em Basã e Galaad, d['l.gIw> !v'b' W[r>yI Como nos dias antigos `~l'A[ ymeyK
a) O significado do verbo hebraico h[er é “apascentar”, “pastar” ou “cuidar”.
Pode, no entanto, ter, igualmente, o sentido figurado “apascentar homens”. Uma
avaliação acerca da tradução vai depender do sujeito e do objeto. É usado,
provavelmente, pelo profeta, como representante do resto’, fiel em relação ao
Senhor. O uso dos sufixos pessoais na segunda pessoa singular (^) na oração serve
para reforçar o pedido: se o rebanho pertence a YHWH, então a exortação para
apascentá-lo fica ainda mais compreensiva301. A imagem traz consigo a idéia de
estabilidade e firmeza. YHWH tem o papel ativo como pastor de seu povo302.
O termo ^j,b.vib refere-se ao cajado, um meio usual do pastor, que serve de
instrumento de guarda e guia (cf. Sl 23,4). Também representa a autoridade de
quem guia.
b) No lugar de “rebanho” (!aco), o Tg apresenta “tribo”, abandonando,
novamente, a linguagem figurada do TM303. O termo !aco (rebanho) funciona
como um acusativo, uma aposição a ^M.[; (teu povo). A palavra ^t,lx]n: (tua
herança) funciona como um subjetivo genitivo abstrato após o sufixo pronominal
construto.
c) Em vez da forma ynIk.vo (!k;v'), o aparato crítico da BHS apresenta ynek.vo
(plural), encontrado em muitas versões - na LXX (kataskhnou/ntaj), na Vg
(habitantes). Parece que essas traduções e a vocalização da BHS foram
influenciadas pelo verbo W[r>yI (qal yiqtol 3ª pessoa plural) no v. 14e. A versão
301 O imperativo inicial h[er (h['r') constrói a metáfora de Israel como rebanho, e é interessante notar que esse termo é empregado nas três seções de esperança ou salvação do Livro de Miquéias. O orador, aqui, recorda o antigo conceito de Deus como o pastor de seu povo (cf. Gn 48,15; 49,24; Sl 80,1), tema desenvolvido por outros textos proféticos (cf. Mq 2,12; 4,6-7; Sf 3,13; Is 40,11; Jr 23,2-3; 31,10; Ez 34,11-16; Sl 28,9). 302 O Tg parafraseia: “apascenta... com tua palavra” no lugar do TM “apascenta teu povo com teu cajado”, abandonando a linguagem figurada do texto. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 75, p. 205. 303 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 76, 205.
113
Siríaca e o Tg referem-se ao povo de Deus e não justificam a leitura de ynek.vo
proposta pela BHS, já que os antecedentes ~[ (povo) e !ac (rebanho) podem ser
apropriadamente compreendidos como coletivos. O yod pode ser explicado como
paragógico, que acompanha o caso constructo, sobretudo no particípio. Ou seja,
um particípio precedendo um substantivo é geralmente colocado em construto304.
No entanto, ynIk.vo pode ser mantido como lectio difficilior e não deve ser mudado
para ynek.v (particípio plural)305.
A palavra dd'b'., como advérbio e acompanhada da preposição l., significa “a
sós”, “à parte”, “somente” (cf. Nm 23,9; Mq 7,14; Sl 4,9)306. Pode ocorrer sozinha
como um acusativo de modo, ou como aqui, acompanhada da preposição l.,
significando maneira. Geralmente vem acompanhada dos verbos de moradia, tais
como: !kv, bvy ou xWn (cf. Dt 33,28; Sl 4,9[8]; Jr 49,31). A LXX escreve segundo
a estilística grega kaqV e`autou.j307. O termo r[;y:, que já ocorrera em 3,12, pode
designar desde floresta densa até matagais - é um acusativo adverbial de lugar que
modifica a ação de ynIk.vo.
d) O termo %AtB é a união de uma preposição com um substantivo e significa
enfaticamente “no meio de”, “no coração de”308. Em relação ao termo lm,r>K;,
alguns autores preferem uma tradução etimológica: “jardins” (CEI); “gramado”309.
Pode ser tanto uma “terra fértil” quanto a região em que se encontra o monte
Carmelo; mas, de uma maneira geral310, no contexto da metáfora, designa uma
rica pastagem ou uma terra fértil, onde o rebanho desfruta o suficiente – e não a
montanha do Carmelo311. Dessa forma, lm,r>K; não é para ser lido como nome de
304 A forma verbal ynIk.vo (!kv) pode ser tomada como particípio com o yod final paragógico. Essa forma se encontra em outras passagens bíblicas (cf. Dt 33,16; Jr 49,16; Ab 3). Um particípio precedendo um substantivo é geralmente colocado em construto. Cf. JOÜON, P. A Grammar of Biblical Hebrew, 93n. 305 Esta forma se encontra em outros textos bíblicos (cf. Dt 33,16; Jr 49,16 e Ab 3). Wolff, Hillers, Shaw, Renaud e Zapff não encontram razão alguma para amparar a leitura plural proposta na BHS, pois, como vimos, o singular se encaixa sem problemas com ~[ e !ac, que aqui devem ser entendidos como coletivos (cf. Mq 2,12). Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 188; HILLERS, D. R., Micah, p. 88; SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 195; RENAUD, B., La formation du livre de Miché, p. 362. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 156. 306 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 88. 307 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 78, p. 205. 308 Cf. BDB 1063. 309 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 87. 310 Cf. McKANE, W., Micah, p. 232. 311Na opinião de Zapff, há na palavra lm,r>K; um problema semântico. Pode-se entender a montanha costeira do Carmelo (cf. Js 19,26; Is 33,9; Jr 46,18) ou a terra cultivada/campo fértil (cf. Is 10,18;
114
lugar, embora a LXX, Vg e Tg suponham que seja. Assim, este versículo descreve
a situação de Israel com a metáfora de um rebanho pastando na mata espessa e
que não tem acesso à área cultivada ao redor, enquanto o v. 14e faz a passagem da
metáfora para a realidade: retomada de posse (ainda na imagem do pastar) de Basã
e Galaad312.
e) A forma que introduz o v. 14e é um jussivo W[r>yI (h['r'), paralelo ao
imperativo com a mesma raiz, que introduz o v. 14a (h[er). Enquanto o verbo é
transitivo naquele versículo, aqui é intransitivo. Em 14a, refere-se a YHWH; aqui,
a Israel313. Este verbo (h['r') I é interpretado pela Vg na forma nifal – “pascentur”.
A LXX reproduz o nome das duas cidades segundo a geografia helenística, lendo
o singular do TM como valor de coletivo, provavelmente à luz do sucessivo TC
ynIk.vo entendido como particípio plural construto314. As localidades d['l.gIw> !v'b'
(Basã e Galaad) são advérbios acusativos de lugar e são citados como exemplo da
futura “terra de apascentamento” de Israel.
f) A LXX interpreta “como nos dias da eternidade” (~l'A[ ymeyKi), com ênfase
no significado teológico da expressão315. Neste versículo, o rebanho, que parecia
estar impedido de ter acesso às terras férteis, terá novamente esse acesso “como
nos dias de outrora”, ou seja, desde o tempo da ocupação até o fim de reino de
Israel (cf. Js 13; Is 33,9; Ez 27,6; 39,18). Assim, esta expressão indica a
continuidade do povo de Deus e da cidade santa sob a antiga aliança. Neste
versículo, o rebanho, que parecia estar impedido de ter acesso às terras férteis, terá
novamente esse acesso “como nos dias de outrora”, ou seja, desde o tempo da
ocupação até o fim de reino de Israel (cf. Js 13; Is 33,9; Ez 27,6; 39,18).
v. 15
Como nos dias do teu sair da terra do Egito ~yIr'c.mi #r,a,me ^t.ace ymeyKi
16,10; 29,17; 32,15ss; Jr 2,7; 4,26; 48,33), em oposição ao deserto. As antigas traduções consideram a primeira proposta, e os exegetas também. Contra tal interpretação existe o fato de que, no versículo seguinte, está claramente descrita uma situação cuja modificação já é esperada. Se fosse o caso de uma morada solitária de Israel “na floresta, no meio do Carmelo”, isso iria contradizer o significado positivo ou, pelo menos, neutro que o Carmelo possui em outros lugares no AT (cf. Jr 50,19, onde o ato de pastar no Carmelo parece justamente como o objetivo do Israel exilado, prometido por YHWH). Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 156s. 312 Cf. McKANE, W., Micah, p. 232. 313 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, 588. 314 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 80, p. 205. 315 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 81, p. 205.
115
lhe farei ver prodígios `tAal'p.nI WNa,r>a;
a) Aqui novamente encontramos a partícula yKi no início do versículo, mas
com a mudança do tempo verbal – do qal qatal nas primeiras orações para o
infinitivo316. A expressão ymeyKi repete exatamente a mesma frase do v. 14f e
compara a época atual com o tempo em que Deus tirou Israel da escravidão do
Egito317. O plural enfatiza a duração extensa dos milagres de Deus no Egito. A
LXX traz kai. kata. ta.j h`me,raj com o plural, como o TM (^t.ace ymeyKi), contra o
possível texto de 1QpMic318. Ela parafraseia o verbo hebraico ^t.ace, substituindo-
o por um substantivo equivalente no grego; não faz recurso ao termo clássico de
evxodoj (LXX2Rs 11,1 ou também 2 Rs 3,22), mas utiliza a palavra evxodi,aj
(genitivo), com uma referência importantíssima ao Êxodo. Ela aparece apenas no
texto LXXDt 16,3, relacionada ao halakah do memorial dos ázimos para a Páscoa.
Nessa perspectiva, é também importante evocar a tradição sinagogal, pela qual
Deus teria proposto, novamente, no tempo escatológico do Messias, na noite da
Páscoa, os prodígios do Êxodo. Para Carbonne-Rizzi, não há dúvida de que
LXXDt 16,3 foi o modelo de tradução para LXXMq 7,15319.
A LXX interpreta evx Aivgu,ptou omitindo a palavra “terra” (#r,a,me), e supõe a
expressão ~yIr'c.Mimi no lugar de ~yIr'c.mi, o que mantém a regularidade do ritmo – 3+2
– em relação aos versículos precedentes e aos versículos seguintes320. Mas “terra
do Egito” é expressão comum na literatura hebraica. Não existe motivo suficiente
para a anulação da palavra #r,a antes de ~yIr'c.mi.
316 A expressão verbal ^t.ace infinitivo construto funciona, como aponta Waltke, como um genitivo de medida ou avaliação. O sufixo pronominal é um genitivo subjetivo. E, nesse sentido, o sufixo da segunda pessoa do singular, como em todo o Livro, refere-se ao coletivo Israel, mas aqui, particularmente, a um resto, não Deus, porque o grau verbal está no qal (cf. Ex 13,3; 23,15; Dt 11,10; Sl 114,1). Sendo o antecedente Deus, o grau teria que ser hiphil – “você causou a saída de”. O resto é visto como um corpo solidário aos seus pais cuja aliança guardaram, quando saíram do Egito para estabelecer a vontade divina no mundo e na sociedade. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 759. 317 Kessler chama a atenção para o fato de que YHWH é o sujeito da saída (qal infinitivo), e não, como de regra, da “retirada”, em 6,4 (hifil). O termo ~wooy indica o sentido geral de “tempo de”, representando o ato vividamente. Cf. KESSLER, R. Micha, p. 307. 318 Cf. COLLIN, M. “L’Histoire Textuelle de Michée”, VTSupl, XX vol XXI, no. 3, 1971, 281-297, p. 289. 318 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757. 319 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 82, p. 207. 320 “This shorter reading is preferred by Marti and others (BHS)”. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 88.
116
b) O aparato crítico da BHS propõe Wnear>h; (mostra-nos ou faz-nos ver) em
vez de WNa,r>a; (eu lhes mostrarei - eu lhes farei ver). A LXX leu no qal e mudou a
pessoa - o;yesqe (o`ra,w – vós vereis)-, harmonizando o novo sujeito do verbo na
segunda pessoa do plural com a oração a anterior – “do teu Êxodo” – para
sublinhar uma leitura escatológica do texto. Para dar continuidade à sua leitura
escatológica, a LXX ainda utiliza como recurso o neutro plural qaumasta, (vós
vereis... coisas extraordinárias), ampliando assim a tipologia do Êxodo (LXXEx
34,10; LXXJs 3,5)321. Talvez a intenção dessa versão seja a de desestimular a
leitura de que o v. 15 seria a palavra de YHWH e também reduzi-lo, para se
estabilizar com a promessa do v. 14.
A expressão verbal Wna,r>a é um hiphil yiqtol, tendo, como sujeito, a primeira
pessoa do singular e, como objeto, a raiz verbal tAal'p.nI. Apesar de o TM trazer a
primeira pessoa do singular, alguns estudiosos consideram o texto incoerente com
o contexto e seguem a versão LXX, optando pela segunda pessoa do singular322.
No entanto, se se toma, esse verso, como é o nosso caso, como resposta divina,
nenhuma emenda é necessária323. Com exceção da LXX, todas as versões
apontam para o TM. A Vg, que lê no hifil (ostendam ei mirabilia), confirma o TM
e traduz o sufixo de WNa,r>a como um singular. Zapff324 concorda que aqui é o
Senhor que fala - Deus mesmo assegura que repetirá os prodígios do Êxodo. O
sufixo 3ª pessoa singular masculino, em WNa,r>a; pode ser entendido como
referência a ~[ (povo) ou ^tlxn (tua herança). A diferença daí resultante entre a
grandeza a que se refere por “tu” e a promessa “eu o farei ver” poderia ser um
indício de que as grandezas a serem compreendidas por ^m[ e ^tlxn !ac não são
totalmente idênticas com a comunidade falante no v. 14. Uma vez que esta já vive
provavelmente em Sião, poder-se-ia pensar, por exemplo, na inclusão da diáspora
na promessa de salvação de YWHW para seu povo. Entretanto, também seria
possível uma diferenciação temporal que conta, em princípio, com uma ação
salvadora de YHWH com seu povo, mas ainda não com a atual geração suplicante
321 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 83, 84, p. 207. 322 Renaud pensa que essa correção representa o texto original. Mais do que uma falta do copista, essa lição do TM se explica por uma intervenção redacional. Outros autores que confirmam a correção: Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 187/214; Cf. ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 392 no 43; HILLERS, D. R., Micah, p. 88; MAYS, J. L., Micah, p. 163. 323 Cf. SCHAW, Micah, 195. (ver também LUCKER, Doom and Hope, p. 134 no. 22).
117
do verso. Para o autor, essa correção tenciona restabelecer uma unidade
sintaticamente ligada ao texto.
v. 16
As nações verão ~yIAg War>yI e se envergonharão de todo o seu poderio, ~t'r'WbG> lKomi WvboyEw> porão a mão sobre a boca, hP,-l[; dy" Wmyfiy" Seus ouvidos ficarão ensurdecidos hn"v.r;x/T, ~h,ynEz>a'
a) Alguns autores, tais como Wollf e Mays325, tomam o verbo War>yI como
jussivo; no entanto, a leitura deve ser compreendida no simples yiqtol. As
traduções que alteram o verbo e o pronome do versículo anterior têm de modificar
também este versículo e o seguinte (Que as nações...que ponham a mão... que
lambam o pó... etc). Em vez de entenderem os vv. 16 e 17 como resposta à
promessa divina, interpretam-nos como pedidos adicionais. Mais uma vez vemos
que a emenda do v. 15 não é necessária.
Retomando o vocábulo War>yI (ha'r'), o texto traz: “As nações verão” (cf. Mq
5,8; Sl 126,2; Is 26,11; 66,18; Ez 28,33; 39,17-21; Zc 8,20-23; 12,9). É a resposta
confiante do profeta para a fala divina do v. 15: “eu lhe mostrarei”. Barker326
observa que há um óbvio jogo de palavras aqui, entre Wna,r>a; (eu lhe mostrarei) e
War>y (elas verão). Quando as nações virem as maravilhas de Deus, elas se
envergonharão. O seu tão falado poder cai na insignificância. As formas verbais
ha'r' (ver) e vwB (envergonhar-se), estão no futuro e não mais no jussivo (contra
os vv. 10-11), e nos mostram que as “maravilhas” que Deus fará Israel ver
também serão vistas pelas “nações” e elas se envergonharão. O verbo WvboyEw> (vwB)
possui o significado de envergonhar-se, com ênfase no aspecto psicológico,
sentimento de vergonha. Constrói-se ordinariamente, em forma absoluta; às vezes,
com !mi + objeto de vergonha, ou yki + motivo. Muitas vezes, é difícil decidir se
predomina o aspecto psicológico ou o objetivo327. A conjunção waw representa,
na opinião de Waltke328, dois aspectos de uma mesma situação. Como as nações
324 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 158. 325 Cf. WOLFF, H. W., Micah, 212; MAYS, J. L., Micah, p. 163. 326 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 132. 327 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 94. 328 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 760.
118
vêem a exposição do poder de Deus em favor de Israel, elas se envergonharão do
prazer que sentiram e expressaram contra o Senhor e seu povo (cf. 3,7; 7,10).
b) A LXX glosa o texto “Porão a mão sobre a boca”, acrescentando, por
razões estilísticas, o termo auvtw/n (na sua boca), fazendo um paralelo a “se
tornarão surdas a seus ouvidos” (auvtw/n ta. w=ta avpokwfwqh,sonta). Esta
interpretação corresponde a um neologismo para o valor intransitivo do futuro
passivo de avpokwfwqh,sontai (avpokwfo,omai: tornarão)329.
O termo lKomi (!m + lK: de todo), enquanto a preposição é um partitivo (o
que mostra uma parte ou quantidade do nome), o substantivo, no estado absoluto,
posiciona-se em aposição a ~t'r'WbG> (hr'WbG>: seu poder). Da interpretação da
expressão ~t'r'WbG> resultam várias traduções: sua prepotência (TMMq 7,16), sua
violência (LXXMq 7,16) ou sua potência (PeshMq 7,16). CEI traduz: “e ficarão
desiludidas de toda a sua potência”; Bernini330: “e ficarão envergonhados, apesar
de todo o seu poderio”. Contextualmente, refere-se ao termo prodígio, apresentado
no versículo anterior, ou seja, o v. 16b fornece a representação concreta do v. 16a.
c) A expressão utilizada neste versículo é hP,-l[; dy" Wmyfiy; (colocar a mão na
boca); evoca um gesto cultural que revela confusão e embaraço. Indica mudez
como resultado de desconcerto. O povo deve segurar a boca, ou seja, calar,
guardar silêncio (cf. Jz 18,19; Mq 7,16; Jó 21,5; 29,9; 40,4; Pr 30,20)331. O que
indica que a boca deve permanecer fechada. Essa expressão é também utilizada
em um contexto de vergonha em Mq 3,7. Aqui serão as nações inimigas que se
envergonharão, quando Deus restabelecer seu povo na sua dignidade. As nações
não terão nada a dizer. Um contraste com a zombaria do v. 10d. Na opinião de
Barker332, este verso e o próximo parecem ser um eco do v. 10. Ninguém mais
zombará do Senhor.
d) A ação verbal hn"v.r;x/T, (vr:x') está correlacionada com levar a mão à boca
(hP,-l[; dy" Wmyfiy"), calar-se333. Para sublinhar a imagem anterior, os ouvidos dos
329 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 87, 207. 330 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 349. 331 Cf. BDB 804,1b. Em Jz 18,19, esta expressão é utilizada em um contexto de silêncio; em Jó 21,5, em um contexto de silêncio causado pela estupefação. Em Jó 29,9, ela é provavelmente um gesto de espanto e talvez de admiração; em Jó 40,4 é utilizada em um contexto de silêncio e enfim Pr 30,32 refere-se a um silêncio pela constatação de uma falta. Nessas citações, a expressão “colocar a mão na boca” aponta uma expressão de silêncio, mas também aquela de espanto. 332 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 132. 333 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 248.
119
inimigos também devem “ensurdecer”. Eles não querem ouvir mais nada sobre os
poderosos atos salvíficos de Deus para seu povo.
v. 17
Eles vão lamber o pó como a serpente, vx'N"K; rp'[' Wkx]l;y> Como os que (se) arrastam sobre a terra. #r,a, ylex]zOK.
Eles sairão tremendo de seus abrigos ~h,yteroG>s.Mimi WzG>r>yI para YHWH nosso Deus Wnyhel{a/ hw"hy>-la,
e terão temor e medo de ti. `&'M,mi War>yIw> Wdx'p.yI
a) O sujeito do v. 16, as nações, continua sendo o sujeito de todo o v.17. A
expressão verbal Wkx]l;y> ($x;l;) possui o significado de “lamber” e encontra-se
também em Nm 22,4; Sl 72,9 e Is 49,23 ou 69,23334. A forma piel, provavelmente,
denota uma atividade freqüente. As nações inimigas são comparadas a serpentes
que lambem o pó. No termo vx'N"K; (como a serpente), o artigo significa ou dá a
categoria335. O vocabulário e a idéia deste verso constituem uma nítida alusão a
Gn 3,14, que refere-se à inferioridade do réptil.
Há diferentes traduções para o termo rp'[' (pó, terra): em LXXMq 1,10, é
traduzido por “lodo”, em um contexto de polêmica cultual; aqui, a LXX usa cou/j
(terra, pó); o Tg parafraseia e interpreta o TM, substituindo a linguagem figurada
por um gesto ritual de submissão – “Hão de se prostrar com o rosto no chão”336 –
que é um sinal de humilhação e de derrota. Também a palavra vx'n" (serpente), no
TM, apresenta-se no singular; a LXX interpreta o substantivo no plural o;feij
(répteis) e a Vg usa “pulvis”, o que poderia ser explicado a partir de uma
compreensão de vx'n" no sentido de uma designação genérica. Não há nenhum
problema com o TM.
b) A LXX explora uma tradução literal do particípio do verbo hebraico
ylex]zOO[K.] (lxz: arrastar-se), facilmente entendido com valor substantivado, para
evidenciar melhor o sujeito concreto: “os povos pagãos”337. Este verbo (lx;z)
possui o significado de “reptar, deslizar, arrastar-se, escorregar, escapulir”338. Na
334 Cf. BDB 535a. 335 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 760. 336 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 92, p. 209. 337 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 89, p. 209. 338 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 191.
120
nossa tradução, optamos pelo sinônimo “arrastar-se” (cf. Dt 32,24). A esse
particípio, segue-se uma locação de genitivo. Na opinião de Waltke339, não há
nenhuma diferença entre rp'[' e #r,a,; o paralelismo entre as linhas 17a e 17b pede
o último aqui.
c) A LXX interpreta a ação verbal WzG>r>yI (zgr) recorrendo a um verbo
indicativo futuro passivo sugcuqh,sontai (sugce,w), evidenciando o seu contexto
escatológico (cf. também LXXNa 2,5). A mesma versão traduz ~h,yteroG>s.Mi (seus
abrigos) com o significado moral de sugkleismo,j (dureza de coração = serão
perturbados na dureza deles)340. A Peshitta traz: “serão angustiados por causa dos
seus caminhos”. O Tg apresenta “fora de seus palácios” parafraseando “de seus
abrigos”. A expressão “sair tremendo” (WzG>r>yI) possui a raiz verbal zG"r;, cujo sintoma
é de medo, surpresa ou equivalente341. Este versículo retrata os tremores dos
inimigos em seus próprios esconderijos. O termo trgsm só aparece em Mq 7,17 e
2Sm 22,46; Sl 18,46. Kessler342 pensa que, com base nas traduções da LXX para
2Sm 22,46 e Mq 7,17 e da Vg para 2Sm 22,46 e Sl 18,46 e no aparentado lexema
rgsm, poder-se-ia chegar ao significado “prisão” (segundo KBL)343. Então, em Mq
7,17, poder-se-ia falar de uma libertação dos povos. No entanto, contra essa
interpretação, existem três argumentos: a) Já a Vg traduz Mq 7,17 como “de
aedibus suis”, ou seja, não pensa em prisões; b) em 2Sm 22,46 = Sl 18,46 está
claro que não se pensa em libertação, mas em uma saída medrosa de uma
construção discutível; c) também a continuação, em Mq 7,17, que fala de “medo e
tremor”, não faz pensar em libertação. Já que rgsm, como artesão, significa
serralheiro, pode-se pensar perfeitamente em trgsm como um palácio, castelo ou
baluarte, o que corresponde totalmente aos aparecimentos em 2Sm 22,46 cf. Sl
18,46: os povos “envergonhados” têm de “sair tremendo” dos símbolos de seu
poder de até então, seus castelos.
339 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 761. 340 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 90, 209. 341 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 604. 342 Cf. KESSLER, R. Micha, pp. 307-308. 343 Wolff é da mesma opinião: “The root rgs means “to shut”, “to lock”; accordingly, trgsm is often understood as “prison”, “dungeon”. However in this context, an act of (external) liberation is hardly conceivable. It probably has to do with the fearful coming forth of nations from their last “hiding places”, “fortresses”, or “citadels” (cf. A. Weiser, W. Rudolph, L. C. Allen et. al.), so that here an act of nonresistance and capitulation is described.”. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 228.
121
d) Em relação à expressão Wnyhel{a/ hw"hy>-la a BHS elimina a frase inteira,
considerando-a como uma glosa posterior; por isso, muitas vezes é omitida nas
traduções344. A Vg omite a tradução do termo la,. Neste caso, poder-se-ia
construir Wnyhel{a/ hw"hy como um vocativo: “Eles virão trêmulos, ó YHWH, nosso
Deus, e eles terão medo de vós”. É improvável que o versículo faça referência a
Israel, embora a LXX, Vg e Tg suponham isso345. Deissler346 aponta que a
complementação “em direção a YHWH, nosso Deus”, que as versões unem ao
verbo seguinte, é manifestamente uma glosa posterior, já que imediatamente
depois vem a apóstrofe dirigida a Deus, na 2a pessoa. Além disso, o conjunto do
versículo encontra-se sobrecarregado do ponto de vista métrico. O TM é possível,
embora a referência a YHWH na terceira pessoa esteja em desarmonia com o
endereço direto no fim da linha. A expressão pode ser entendida à luz de outra
expressão sintático-gramatical: “...de seus abrigos para YHWH nosso Deus”347.
Todas essas especulações podem ser evitadas, mantendo-se a pontuação do TM,
mesmo porque, ao conservar-se a forma simples do texto, este fica compatível
com o oráculo anterior348.
e) A LXX interpreta o TM com um procedimento haggádico; de fato, quer
evitar usar qualquer sinônimo do verbo “temer” para as nações, em relação a
Deus, em um contexto escatológico, para não induzir ao equívoco acerca de uma
possível conversão; por isso, interpreta dx;P; (Wdx'p.yI) com evksth,sontai, que só se
encontra em LXXOs 3,5. Nesta perícope, LXXMq 7,17 evidencia a hagadah
escatológica acerca da punição dos pagãos349. Em relação ao sufixo pronominal
referente a Deus (&'M,mi), o Tg acrescenta uma breve circunlocução de respeito:
“diante de ti”350. A expressão &'M,mi não se encontra na PeshMq 7,17. Não existe
nenhum motivo para essas modificações. Pode-se conservar o TM.
344 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 350 nota 17. 345 Carbone–Rizzi consideram a imagem que vê os povos tremerem fora de seus palácios, sem dúvida, mais sugestiva do que a PeshMq 7,17 “serão angustiados por causa dos seus caminhos”. Ver também McKANE, W., Micah, 231. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 96, p. 209. 346 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 123. 347 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p 88. 348 Vuillemier observa que a expressão Wnyhel{a/ hw"hy>-lae, parece, de novo, fazer parte de uma resposta litúrgica que se encontra no fim do v. 13 e que está introduzida no corpo do versículo. Ela, então, termina a prece. Cf. VUILLEUMIER, R., & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 87. 349 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 92, 209. 350 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 99, 209.
122
Ambos os verbos pelos quais este versículo se expressa (Dxp e ary) são
semanticamente ambivalentes. Enquanto que o verbo zG"r;, do v. 17c, significa
simplesmente “tremer”, aqui a raiz verbal Dxp designa “sair tremendo”. Ela
contém tanto o aspecto do temor (cf. Jr 2,19; 36,16.24) quanto o da expectativa
positivamente causada (cf. Os 3,5). A mesma ambivalência vale para ary “temer”
(cf. Sl 14,5; 27,1; 78,53)351. Este construído transitivamente com a partícula ta,
expressa veneração e respeito (especialmente na fórmula “temer a Deus” cf. Dt
6,2.13.24), mas o grau reflexivo com !m faz preponderar o aspecto do medo
(“temer-te ou ter medo de”)352. Refletiria vividamente, como nota Waltke353, o
horror que acompanha o pânico (cf. Is 19,16; 33,14; Jr 33,9). É o oposto de
expressões que denotam confiança e segurança (cf. Pr 3,24; Sl 27,1; 78,53; Is
12,2; 51,12-13). A raiz de dx;P' é encontrada freqüentemente no contexto religioso
para mostrar o temor e o respeito diante da intervenção do Senhor (cf. Dt 28,67;
Jó 4,12-15; Sl 14,5). Então, é esperada para os povo a mesma conversão a
YHWH, como é esperada dos “filhos de Israel” em Os 3,5, entendido como um
evento de conversão que conduz os israelitas a uma salvação.
v. 18
Quem é Deus como tu que carrega a culpa !wO[' afenO ^AmK' lae-ymi e passa por cima das transgressões [v;P,-l[; rbe[ow>
em favor do resto de sua herança? Atl'x]n: tyrIaev.li Ele não exaspera sempre a sua cólera, APa; d[;l' qyzIx/h,-al
porque ele se compraz no amor. `aWh ds,x, #pex'-yKi
a) As traduções apresentam diversas variantes, mas que não têm grande
importância. Assim, o Tg e a Peshitta traduzem: “não há Deus além de ti” (Tg) e
“como tu” (P), numa interpretação afirmativa. Waltke354 observa que, nesta frase,
o termo lae é tomado como um nome próprio no vocativo, mas um vocativo nunca
se posiciona entre um pronome interrogativo e uma partícula comparativa. O
351 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 533. 352 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 292; ver também VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, Neuchatel: Delachaux et Niestle, 1971, p. 87. 353 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 761. 354 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 761.
123
termo preposicional ^AmK' modifica a oração sem verbo. Todavia, o estilo de
Miquéias tolera a incongruência entre ^AmK' e APa;.
O termo !wO[ (culpa) encontra-se, no TM, no singular, com valor de coletivo;
na LXX, apresenta-se no plural (avdiki,aj); aVg traz iniquitatem / peccatum; e o Tg
lê o termo singular !wO[' com valor coletivo, explicitando ainda mais o TM: “tu és o
Deus, que perdoa o pecado”355.
O significado do verbo afenO (af'n"), na forma particípio, é “levantar”,
“carregar”, “tomar”, no sentido figurado, em relação a delitos alheios (cf. Nm
14,18; Is 33,24; Os 14,3 e Mq 7,18)356. Associado ao termo !wO[, indicativo de
pecado, tendo YHWH como sujeito, traduz-se literalmente por “carregar a culpa,
o pecado”. Para Waltke357, o particípio indefinido afenO que modifica o lae é o
primeiro das duas esferas da incomparabilidade de YHWH. Com o acusativo !wO[,
há um sentido cúltico. O termo !wO[ é interpretado como “pecados” ou “pecado” –
Hillers (87): “pecados”; Wolff (187): “pecado”; outros comentários, tais como
Weiser (287); Robinson (152) e Rudolph (128) traduzem por “culpa”. A falta
possui aqui uma nuance que subentende-se como uma dívida358.
Na análise de Knierim359, a palavra !wO[ possui a raiz hebraica hw[, que,
originalmente, significava “perversidade”. O significado próprio da palavra torna-
se confuso devido aos vários sentidos do mesmo sinônimo para os conceitos
básicos de culpa e pecado. Traduz-se, segundo o contexto, por “culpa”, “delito”,
“castigo”. Aqui, tem que assinalar especialmente a fórmula judicial com !wO[' afenO,
“carregar a culpa”.
b) Em relação à expressão verbal l[ rbe[ow>, a LXX recorre ao verbo
u`perbai,nwn (passar por cima), no sentido de “perdoar”. A Vg usa transis; o Tg
utiliza a expressão “passa para a frente os pecados...”, que também tem o
significado de perdoar. Quanto ao termo hebraico [v;P, (transgressão), que possui
valor coletivo, a LXX lê avsebei,aj (acusativo feminino plural). As variantes não
possuem grande importância.
355 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 102, p. 211. 356 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, pp. 450, 484. 357 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 761. 358 Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 87. 359 Cf. R. KNIERIM. “!wO[”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), pp. 315, 319.
124
O uso do verbo rbe[ow> (rb;[]) unido à preposição l[,; está em sentido figurado,
com o significado de perdoar um delito, isto é, “passar por cima” ou “ignorar” (cf.
Am 7,8; Pr 19,11)360. A conjunção waw, aqui, é enfática. A palavra [v;P (rebelião,
rebeldia) prevalece nos Livros narrativos e poéticos. Dos 93 casos, 6 encontram-se
no Livro de Miquéias. No período exílico e pós-exílico, o termo predominava nos
textos cultuais e jurídico-cultuais: na doxologia do perdão de Deus, na liturgia da
festa pós-exílica dos Tabernáculos, no dia da reconciliação que a precedia (cf. Ex
34,7; Nm 14,18; Mq 7,18-20).
c) A junção das palavras Atl'x]n: tyrIaev.li é encontrada uma segunda vez em 2
Rs 21,14 no contexto da ameaça de rejeição de Sião por YHWH. O termo Atl'x]n:
com um sufixo indicando YHWH produz claramente uma relação-chave com Mq
7,14. E o lexema tyrIaev é encontrado ainda em Mq 2,12; 4,7 e 5,6 e designa tanto
a diáspora judaica (Mq 2,12; 4,7) como o povo de Israel novamente reunido em
Sião (Mq 5,6). Em Mq 7,18 devemos entender a sentença para todo Israel, a saber,
a população da diáspora e a comunidade que já vive em Jerusalém.
d) A LXX interpreta a forma verbal qyzIx/h em função do complemento que
se segue. É o único caso em que sune,cw (sune,scen) traduz qz:x' na LXX. O TM
apresenta d[;l' (para sempre) e a LXX parece ter lido d[el. (para testemunha) onde
se lê eivj martu,rion. Na opinião de Carbone-Rizzi361, talvez a LXX quisesse evitar
o antropomorfismo teológico de Deus, que se irrita, e tenha preferido interpretar o
TM com vocalização diferente (d[e), e, assim fazendo, uniu-o, com a inclusão, ao
termo martu,rion do TMLXXMq 1,2. A LXX interpreta o termo APa; por ovrgh.n e
a Vg confirma o TM com a palavra “furorem”.
A expressão verbal qyzIx/h,-al no hiphil, com hwhy como sujeito e APa como
objeto de impressão acusativa, significa, com este verbo qal estativo, ou a “causa
de alguma coisa ser forte” (cf. Jr 51,12), ou “sustentar/suportar firme alguma
coisa” (cf. Is 56,2.4.6). O último é preferível aqui362. Deus não sustenta sua ira,
não guarda para sempre. Ao contrário, ele permite ceder. O advérbio d[, ;
combinado com a preposição l' designa “para sempre”, “perpetuamente”.
360 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 475. 361 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 100, p. 211. 362 Cf. BDB 305, p. 6.
125
Encontramos 28 vezes, nos Salmos, e 11 vezes, nos escritos proféticos (cf. Is 64,8;
Mq 7,18; Sl 9,19; 19,10; 21,7; 22,27; 37,29 etc)363.
e) Em relação à palavra ds,x, a LXX recorre ao termo pouco utilizado evle,ouj
(compaixão), que apenas aqui é utilizado com este sentido364. O TM é bem
testemunhado.
Wolff365 pensa que o versículo inicia com a preposição yKi por um objetivo
teológico: prover a motivação essencial para as orações anteriores sobre o perdão.
Conclui a primeira parte do hino apontando a qualidade pela qual YHWH
determina e limita todas as suas ações (cf. Sl 86,5; 130,4.7s; Ne 9,17). Dessa
forma, a profecia se completa366. A palavra #pex' (se compraz) designa um
sentimento subjetivo; no nosso caso, significa afeto, amor. O termo aparece com
freqüência na linguagem teológica e concretamente quando Deus é o sujeito367.
Em Jr 6,10, Mq 7,18 e Ml 2,17 está correlacionado a bwoj yney[eB368.
v. 19
Mais uma vez ele terá compaixão de nós, Wnmex]r;y> bWvy"
pisará aos pés nossas faltas, WnytenOwO[] vBok.yI
e atirarás nas profundezas do mar, ~y" tAlcum.Bi %yliv.t;w>
todos os seus pecados. `~t'waJox;-lK
a) A LXX usa oivktirh,sei- oivktei,re,w (oivkti,rw) para traduzir o hebraico
Wnmex]r;y> (~xr: ter misericórdia), recorrendo a um verbo raramente usado para
indicar a atitude misericordiosa de Deus. Todavia, essa mudança tem como
modelo de “tradição” LXXEx 33,19, onde também, nesse verbo, revela-se “a
glória de Deus”369.
363 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 479. 364 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 101, 211. 365 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 230. 366 O que indica que esta seção não constitui parte original do Livro, mas que foi assinalada pela sua posição atual para a função de fechar o Livro. Penso que o termo redacional não deve ser confundido como inautêntico. O arranjo redacional é uma extensão daquilo que os profetas contribuíram para a reunião e o arranjo de suas profecias. 367 Não há formas teológicas fixas para os verbos nem para as formas nominais. Cf. G. GERLEMAN. “#pex'”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 868. 368 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 238. 369 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 104, p. 213.
126
A forma verbal bWvy" (bWv), aqui utilizada sem waw, expressa a noção
adverbial de “mais uma vez” ou “novamente”370. O sujeito continua a ser o aWh do
v. 18, com seu antecedente hwhy, do v. 17. Gramaticalmente, o verbo está
relacionado ao verbo seguinte (Wnmex]r;y- ~xr), que define à sua maneira “novamente
ele terá misericórdia”. Como verbo ou substantivo com função verbal, quer dizer
“ter misericórdia”, “conceder a graça ao indulto” (cf. Ex 33,19; Os 1,16; Mq 7,19;
Is 27,11; Sl 102, 14 etc)371. Aplica-se sempre, no AT, a um superior sobre o
inferior.
O verbo Wnmex]r;y, no piel yiqtol, funciona como um denominativo produtivo.
O sufixo possui a função de um objeto direto acusativo e tem como seu
antecedente Atl'x]n: tyrIaev. (o resto de sua herança, no v. 18), com o qual Miquéias
se identifica372. Observa-se que o orador do hino formula aqui as orações na
primeira pessoa do plural e, ao referir-se às ações divinas, não mais se refere de
maneira geral, como no versículo anterior, mas especifica todas as ações indicadas
pela forma verbal bWvy" (“novamente”) no início deste verso, que aponta a
compaixão renovada de YHWH.
b) A LXX interpreta a forma verbal vBok.yI (vb;K') segundo o midrash hagadah
de tipo escatológico, escolhendo katadu,se (katadu,w), usado poucas vezes nesta
versão, mas que se encontra com valor intransitivo em LXXEx 15,5, para dizer,
dos inimigos de Israel, que desapareceram na “travessia do mar”373. Este verbo
(vb;K') possui o significado de “destruir”; neste versículo, destruir a culpa do povo
de Israel374. Essa raiz verbal não se encontra em outros textos. A imagem
apresentada mostra claramente a idéia do perdão absoluto. Wolff375 acrescenta
que, em geral, esse verbo é construído com pessoas. Assim, o pecado dos
370 Cf. JOÜON, P. A Grammar of Biblical Hebrew, 177b. 371 O autor aponta os verbos mais usados para tal ação: hnn (Ex 33,19; Jz 21,22; 2 Sm 12,22; Is 30,18s; Sl 6,3) rhm (Ex 33,19; Os 1,16; Mq 7,19; Is 27,11; Sl 102, 14 etc) hml (Dt 13,19; 1 Sm 15,3.9; Is 9,18; Jr 13,14; 21,7; Pr 6,34, etc) hws usado em frase negativa, para indicar a recusa do perdão (Dt 13,9; 19,3.21; Jr 13,14; Ez 5,11; 7,4 etc) e ’bh construído com lisloh (Dt 29,19; 2 Rs 24,4), mas também indica o consenso ao perdão (Dt 13,9; Pr 6,35). Cf. BOVATI, P., Ristabilire La Giustizia, pp. 137-138. 372 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 763. 373 Em LXXJr 28,64 o contexto é a celebração da queda de Babilônia. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, LXX 105, p. 213. Waltke nota que esse verbo, usualmente utilizado com objeto pessoal, ampara a personificação e a metáfora incompleta que compara a subjugação divina dos pecados de Israel com a derrota do faraó e suas tropas no mar Vermelho. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 763. 374 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 485.
127
israelitas está personificado como um poder hostil, que foi subjugado e destruído
por YHWH. O plural WnytenOwO[ (nossas faltas) contra o coletivo singular (!wO[') no v.
18 chama a atenção para as muitas culpas de Israel376.
c) Enquanto o TM apresenta %yliv.t;w>, outras versões – como a LXX, a
Peshitta, a Vg e o Tg – harmonizam com a terceira pessoa masculino singular -
“ele irá lançar”. No entanto, o TM deve ser retido, pois o imperfeito está protegido
pelo contexto. A transição para a segunda pessoa do singular está amparada pelo
v. 20377.
A ação verbal %yliv.t;w> (%l;v') introduz, no verso, a imagem de “atirar” os
pecados ao mar. Tal imagem descreve vividamente o total perdão de Deus;
certifica o povo de que tais pecados se foram para sempre, para nunca mais voltar
(cf. Is 38,17)378. Aqui, novamente, o profeta torna a se endereçar a Deus na
segunda pessoa singular, como no v. 18a (cf. ^AmK' v.18a), e prepara o v. 20. Para
Waltke379, a conjunção waw é considerada exegética porque explica o v. 19b e
ilustra como Deus subjugará os pecados. O ato físico de “atirar” refere-se a uma
realidade espiritual, mostrando, assim, que o profeta está usando uma metáfora.
A palavra tAlcum. (nas profundezas) é um plural de extensão, que significa
uma base que não pode ser removida de um grande e complexo mar e que conota
a completa mudança dos pecados de Israel (cf. Ex 15,5 e Sl 68,23). Na opinião de
Andersen e Freedman380, o termo era temido, pois além de ser personificado como
um monstro (cf. Sl 69,16), a água enfoca tanto a purificação quanto a destruição.
O relato bíblico do dilúvio descreve ambas as imagens – causa a morte e salva a
vida. A ação dramática de lançar alguma coisa indesejável ou prejudicial nas
profundezas do mar é parte de um antigo ritual mágico. Os autores exemplificam:
“A Hittite example: “May pure water clease the evil tongue, impurity, bloodshed,
375 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p.230. 376 Barkers analisa que: “Most Hebrew manuscripts of the MT actually read “their iniquities (better, sins) instead of our iniquities”. However, our is supported by some Hebrew manuscripts and versions (LXX, Syr., and Vg.), as well as by perhaps the context. A few commentators prefer to retain “their” and refer it to the nations of vv. 16-17. Then the forgiveness spoken of here would include both Jews and Gentiles. Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 135. 377 “Second person is in place, for the direct address to God is implied constantly after the opening question (v. 18) and is explicitly resumed here”. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 89. 378 Cf. H. J. A. “%l;v'”. In HARRIS, R. L. – GLEASON, L. A. – WALTKE, B. K., Theological Wordbook of the Old Testament, p. 1569. 379 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 763. 380 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 598.
128
sin, curse...Just as the wind blows away the chaff and carries it into the sea, let it
likewise blow away the bloodshed and impurity of the house, and the let it carry it
into the sea. Let it go into the sacred mountains. Let it go into the deep wells”.
d) O significado básico de lK é “totalidade”, “integridade”. Se se refere a
uma pluralidade, a totalidade é todos381. A oração endereça-se a YHWH, exibindo
mais intensamente o perdão divino do que no v. 18b – “todos os pecados”, que é
indicado pelo plural ~t'waJox;. O “resto de Israel” é agora apontado pela terceira
pessoa masculino plural. A raiz aJ'x;; é o conceito principal dentro da ampla
terminologia vetero-testamentária para designar o pecado (293 vezes, ocorrência
mais freqüente no AT)382. O aparato crítico da BHS mostra que a LXX, a Peshitta
e a Vg supõem WnteaoJox; no lugar de ~t'waJox; e em conformidade com a primeira
pessoa do plural, apresentada no v. 19a (Wnmex]r;y>)383. O Tg parafraseia o TM,
acrescentando o nome Israel – “todas as culpas de Israel” – para uma clareza
gramatical384. Mesmo tendo em vista a complexa gama de distinções na tradição
textual hebraica, nas versões antigas e nos comentários modernos, que querem
harmonizar as diferentes pessoas no contexto do TM, Barthélemy385 mostra, por
meio de uma análise literal, que esse procedimento da poesia hebraica de passar
da segunda à terceira pessoa não é raro (cf. TMMq6,16; TMMq 7,15; TMMqAm
9,11).
v. 20
Concederás lealdade a Jacó bqo[]y:l. tm,a/ !TeTi e amor a Abraão, ~h'r'b.a;l. ds,x,
que jurastes a nossos pais Wnyteboa]l; T'[.B;v.nI-rv,a]
Desde os dias de outrora. `~d,q, ymeym
a) Para a tradução de !TeTi, a LXX utiliza dw,seij (di,dwmi). O Tg transforma a
frase ativa do TM em passiva, para sublinhar a misteriosa ação divina386. Pode-se
observar que o Tg parafraseia toda a unidade deste versículo. Quer,
381 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 313. 382 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 231. 383 Tal emenda de ~t'waJox; para WnteaoJox, amparada pelas versões citadas acima, é geralmente aceita pelos autores (Wellausen 147; Weiser 287; Robinson 152; Rudolph 130; Wolff 189; Hillers 89). 384 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 111, 213. 385 (CT III, 738), 35-52.
129
provavelmente, evidenciar que as promessas do Senhor, reveladas aos pais, serão
mantidas pela fidelidade do Senhor: “a fidelidade revelada de Jacó a seus filhos,
segundo o que juraste para ele em Betel”, para explicitar ainda mais a alusão ao
patriarca Jacó387. Ainda glosa amplamente as promessas feitas ao patriarca
Abraão: “segundo o que jurastes a ele entre as partes das ofertas da aliança:
lembrarás a nosso favor o sacrifício de Isaac, que foi comprometido em sacrifício
diante de ti, cumprirás para nós os benefícios”. O Tg se refere ao TMGn 15,18,
que, segundo as antigas tradições haggádicas dos Targumim palestinos, indicava
sobretudo à promessa da terra e da libertação escatológica, temas tão
proeminentes no contexto de TgMq 7,20, dizendo respeito aos méritos de Abraão
também para os povos pagãos (cf. TM-TgJGn.12,3; TM-TgJGn 22,17-18)388.
O verbo !TeTi (!t;n") é muito freqüente no AT e possui vários significados: dar,
pôr, nomear. Esses significados podem ser diferenciados pelo modo como são
construídos e pelo seu complemento. Assim, com o termo tm,a/, que o acompanha
neste versículo, designa “ser leal”389. Parece tratar-se de uma atitude de Deus para
com o seu povo, e não um dom de Deus que pode ser executado por quem o
recebe, como é entendido por Muraoka390. Waltke391 considera os termos tm,a/ e
ds,x, que funcionam como acusativo e como metonímia para as promessas da
Aliança.
b) A palavra ds,x, é empregada com freqüência junto a tm,a/392. Todavia,
ambas as palavras aparecem claramente separadas entre si e referentes a diferentes
sujeitos neste verso. Assim também em Os 4,1; Sl 26,3; 57,11; 69,14; 108,5;
117,2. Deve-se assinalar que, com poucas exceções, conserva-se fielmente a
ordem dos termos (cf. Os 4,1 e Mq 7,20)393.
386 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 112, 215. 387 Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 113 e 114, 215. 388 Cf. CARBONE-RIZZI, Tg 117, 215. 389 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 457. 390 Cf. CARBONE-RIZZI, LXX 109, 215. 391 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 763. 392 Cf. Gn 24,27.49; 32,11; 47,29; Ex 34,6; Js 2,14; 2 Sm 2,6; 15,20; Sl 25,10; 40,11.12; 57,4; 61,8; 85,11; 86,15; 89,15; 115,1; 138,2; Pr 3,3; 14,22; 16,6; 20,28. 393 Cf. H. J. STOEBE, “ds,x,”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 832.
130
c) O verbo T'[.B;v.n ([b;v,), que significa “jurar”, constrói-se ordinariamente
com b. e aquele/aquilo por quem/ pelo qual se jura394. Na opinião de Keller395, a
tradução de [b;v nifal por “jurar” é imprecisa, pois o hebraico não ratifica com
juramento uma situação já dada. Ao contrário, compromete-se para o futuro. Por
outro lado, o verbo parece, com muita freqüência, significar “prometer”. Isso
sugere que esse verbo nem sempre significa, no sentido formal, “jurar”ou “prestar
um juramento”. Além disso, [b;v nifal nem sempre vem seguido de uma fórmula
de juramento. Deduz-se, então, que uma fórmula de juramento não se faz
necessariamente com uma afirmação anunciada com [b;v nifal. Muitas vezes, esse
verbo, nesse grau, designa essencialmente uma promessa solene e irrevogável, o
compromisso de fazer ou não fazer algo em qualquer caso. Deus permanece fiel à
aliança, que constitui objeto essencial da fé – é o que o profeta nos mostra neste
texto. É sobre essa confiança que repousa a convicção de que as intervenções
divinas, como no tempo dos patriarcas, terão eficácia. A expressão Wnyteboa]l;
(nossos pais) encontra sua definição específica no v. 20a quando se refere a bqo[]y:l.
e no v. 20 b ao referir-se a ~h'r'b.a;l..
d) A preposição !m é temporal e designa o tempo do juramento divino.
Associada ao termo ~d,q, designa “tempo remoto”. Nessa passagem, refere-se ao
tempo dos patriarcas, nossos pais na fé (cf. Is 37,26 e Mq 7,20); aqueles dias que
já estão longe dos pais396. A LXX parafraseia um pouco a expressão ymeym do TM,
ao utilizar kata. ta.j h`me,raj, para sublinhar a idéia de “conforme os dias de um
tempo”, entendido como decidido desde sempre (Cf. LXXMl 3,4; LXXEz
38,17)397. Como coroamento da ação divina a favor do seu povo exilado e
disperso “se manifestará o Reino do Senhor”. O Senhor estará presente
definitivamente em meio ao seu povo como coroamento do êxodo escatológico.
O amor de Deus constitui-se, dessa forma, no elemento que caracteriza o
novo tempo, pois nele a ira desaparecerá definitivamente. O amor pertence ao
futuro como realidade última e insubstituível, não mais ameaçada, em sua
manifestação, pelo fechamento de Israel.
394 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 655. 395 Cf. C. A. KELLER, “[b;v”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 1075. 396 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 272.
131
3.2 Organização do texto de Mq 7,8-20
3.2.1 Delimitação
Mq 7,8-20 é a última seção do Livro de Miquéias. Estes versículos mudam
em estilo, endereço, forma e tema em relação aos versículos que o precedem (cf.
Mq 7,1-7)398. Apenas a mudança do orador separa uma seção da outra. Essa
alternância de vozes pode ser entendida como um diálogo entre o orador e a nação
inimiga e entre o orador e YHWH.
No v. 8, o orador é assinalado pela voz feminina, que dentro do contexto
literário deve ser compreendido como Sião ou Jerusalém ou ambas. Em qualquer
caso, aponta para Israel que espera na inversão de sua relação com a inimiga que
no presente se regojiza. Sião assume, mesmo na situação atual, sua clara posição
de superioridade sobre a inimiga, já que compreende as circunstâncias que a
levaram a sofrer tal escárnio. Ela reconhece o seu pecado e invoca a ação
libertadora de YHWH. As imagens de um futuro glorioso são anunciadas por
Deus, seguidas por um louvor exuberante a seu perdão cheio de compaixão. Com
esta nova temática e na ausência de qualquer elemento formal de ligação, o texto
iniciado em Mq 7,8 distingue-se claramente dos versículos anteriores399.
Este novo endereço assinalado no v. 8 é dado apenas como “minha inimiga”
(yTib.y:ao), que é identificada somente pela voz feminina. Essa imagem da inimiga é
complicada, pois não há em nenhum outro lugar em Miquéias indicando a
397 Cf. CARBONE-RIZZI, LXX 110, p. 215. 398 Há um considerável debate sobre a alocação do v. 7,7. Os estudiosos dividem-se na avaliação se este versículo pertence, com sua conotação de esperança, ao final do lamento nos vv. 1-6, formando a seqüência 7,1-6, ou se a mudança de orador aponta o início de uma nova composição na seqüência final de 7,8-20. Não vemos problema na divisão deste capítulo final de Miquéias– 7,1 inicia com o pronome na primeira pessoa e assim termina no v. 7,7; no v. 7,8 há indicação de uma nova ação que envolve um novo personagem (inimiga) que recebe a palavra imperativa do sujeito exigindo-lhe uma mudança de conduta. Assim, uma nova ação é desencadeada. 399 O uso da frase hw"hyB; ynIa]w: no v. 7,7 abre uma expressão de fé que pressupõe um texto precedente. Cf. HAGSTROM, D. G., The Coherence of Book of Micah. A Literary Analyis. SBDLS 89. Atlanta: Scholars Press, 1988, p. 99. Alonso Schökel indica que Mq 7,1-6 possui unidade temática e efeitos sonoros que requerem a presença do v. 7. Cf. ALONSO SCHÖKEL & SICRE DIAZ, Profetas II, p. 1100.
132
presença de uma “inimiga”. As opiniões sobre a identidade da “inimiga” são
divergentes400.
Com essa nova temática e na ausência de qualquer elemento formal de
ligação, o texto iniciado em Mq 7,8 distingue-se claramente dos versículos
anteriores. A delimitação torna-se igualmente bem delineada pelo campo
semântico; o(s) redator (es) aguça nos contrastes: cair/ levantar; trevas/ luz...as
duas partes vão se confrontando como em um julgamento. Enfim, pode-se dizer
que o texto de Mq 7,8-20 forma uma outra unidade
Achtemeier401 considera que o texto Mq 7,8-20 não pode ser tratado à parte
do que vem anteriormente (cf. Mq 6,1-7,7). As características destes capítulos são
claramente discerníveis. Nesta última parte do Livro de Miquéias, os elementos de
julgamento e salvação estão combinados. Enquanto a primeira parte (6,1-7,6/7)
lida principalmente com o julgamento, a segunda (7,7/8-20) trata da redenção e
reconciliação. A abertura do rîb em 6,1-8 continua nos versículos seguintes. Israel
foi indiciado de seus pecados, que foram especificados por pecados de Jerusalém
(6,9-16). Sião reconhece e lamenta seus pecados (7,1-7) e se volta a YHWH como
a sua única possibilidade de salvação.
3.2.2 Constituição do texto
A coerência que mantém unida esta coleção é criada pela alternância de
vozes. A troca de oradores e do teor da fala que mudam de seção para seção, são
400 A incerteza sobre a identidade da inimiga deve-se em grande parte à pressuposição de que Mq 7,8-20 originou-se separadamente do Livro de Miquéias. Estudiosos entendem que a passagem mostra o contexto pós exílico litúrgico o qual, quando removido do seu contexto, carecem de indicadores precisos da ordem original e dos participantes dessa liturgia. Presumem ainda que a passagem de tempo e a incorporação de 7,8-20 em Miquéias tem, portanto, obscurecido a configuração original, fazendo uma exata determinação da identidade impossível. Uma linha de investigação mais promissora está na intenção da passagem neste presente local. Cf. HAGSTROM, D. G., The Coherence of Book of Micah, 99. 401 Cf. ACHTEMEIER, E., Minor Prophets I, p. 361s. Embora Mays pense da mesma forma, ele apresenta o motivo pelo qual é importante a leitura conjunta dos capítulos. Para o autor as duas seções maiores podem ser distinguidas pelo seu conteúdo. A primeira retrata o afastamento entre YHWH e Israel (6,2-7,6); e a segunda está conectada pela inserção da confiança e esperança no v. 7,7 onde ocorre uma espantosa mudança do cansaço e desespero para uma confiança instalada. Todavia a sequência das duas seções não pode ser descrita simplesmente como uma justaposição de profecias de julgamento e salvação. Há de fato apenas um oráculo de julgamento (6,9-16) na primeira seção. A segunda contém somente uma promessa de salvação (7,11-13). Os acentos de julgamento e salvação estão de fato presentes, mas eles são pronunciados como parte de um movimento que tem relação e coerência como um todo. Cf. MAYS, J. L. Micah, p. 9.
133
identificáveis pelo estilo e sujeito. A comunidade ou seu representante são os
oradores nos vv. 8-10;14.16-17;18-20; enquanto que nos vv. 11-13 um orador se
dirige `a cidade, no v. 15 é YHWH quem fala. Nota-se assim, que os vv. 11-13
apresentam uma mudança de voz e de temática em relação aos outros versículos.
Os vv. 8-10 relatam o sofrimento do povo, representado pela figura
feminina, aqui aceita como Sião, que fala a uma inimiga anônima, que mesmo
desafiada pela adversária, expressa a sua confiança em YHWH, que a libertará. A
sequência verbal invertida com que inicia o v. 8 assinala uma mudança de
endereço que é dado apenas com o termo “minha inimiga”, sem ter a sua
identidade apontada402. No entanto, o fluxo do pensamento do orador está claro. A
inimiga é exortada a abster-se de sua alegria, pois a vindicação da oradora é
iminente – mesmo na escuridão, testemunha a luz da presença divina.
Enquanto que nos vv. 8-10 o orador identifica-se com a comunidade de Sião,
referindo-se na primeira pessoa do singular, nos vv. 11-13 o orador profetiza
como alguém fora da comunidade. Ele se dirige a Jerusalém para anunciar um
tempo glorioso, e, a cidade é aconselhada a se preparar para o influxo do povo que
virá do exterior. Embora os vv. 11-13 sejam considerados formalmente diferentes
dos vv. 8-10, eles são uma afirmação de confiança em YHWH, são oráculos, em
virtude do elo entre o v. 11 e os vv. 8 e 10. Wolff403 destaca que os vv. 11-13 são
adições exegéticas para os vv. 9-10, um comentário que expande estes versículos
e supre os detalhes concretos. Eles especificam “um dia” futuro, quando as
muralhas de Jerusalém serão reconstruídas, quando as fronteiras de Israel serão
extendidas e os Judeus da diáspora se juntarão e a terra das nações será devastada.
Apesar das dificuldades encontradas na avaliação desses versículos, pode-se dizer
que eles contêm uma resposta divina ao hino de confiança proclamado pela
comunidade nos vv. 8-10.
A comunidade se une em oração nos vv. 14-17, pedindo o retorno de
YHWH como pastor, rogando que interceda em favor do seu próprio povo como
fizera outrora. O v. 14 está claramente endereçado a YHWH, embora este não seja
mencionado. O orador, aqui representante da comunidade, fala diretamente a
402 A inimiga é referida na segunda pessoa (v.8) e na terceira pessoa (v.10). A referência para a inimiga na segunda pessoa em relação ao chamado para não se alegrar por causa da desgraça do orador em 7,8 é provavelmente esperada para a função afetiva da fala. Cf. BEN ZVI, E., Micah, p. 175. 403 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 199.
134
Deus. Embora os vv. 11-13 apontem uma promessa de futura salvação, e o v. 14
expresse a petição da mesma, não há nenhuma ligação entre a seção 11-13 e o v.
14. Hagstrom404 aponta para a ausência da “cidade” que interpreta um papel
importante nos versículos anteriores. O v. 15 mostra claramente a continuidade
com o v. 14 – apresenta a resposta de YHWH. Primeiro a comunidade ora para
que a promessa de sua salvação possa se realizar, depois espera a retomada dos
feitos históricos de YHWH que, originalmente, os trouxera para esta terra. Os atos
salvíficos de Deus serão, ao mesmo tempo, prodígios em favor de Sião e
revelação para as nações que recusam a reconhecer o poder divino de YHWH.
Dessa maneira, podemos supor que os vv. 16-17 devam ser entendidos como
diferentes, não no sentido imperativo, mas de uma descrição da reação futura dos
povos mediante os atos sagrados de YHWH. Se nos v. 16-17a ocorre a
humilhação e a indignidade dos povos, no v. 17b ocorre a conversão dos povos a
YHWH.
Nos últimos verículos (vv. 18-20) não ocorre mudança alguma de orador,
embora essa seção apresente diferenças de conteúdo e de forma do texto que lhe
antecede. Trata-se de um cântico de louvor a YHWH que perdoa os pecados; o
hino aponta também a fidelidade de YHWH a Israel. Esses versículos apresentam
a transformação da história de julgamento em salvação. Embora o povo seja
pecador, julgado com justiça, o perdão de YHWH é maior do que os seus pecados.
Ele se delicia na Sua misericórdia e não persiste na Sua ira. O Livro conclui com
Israel renovado como povo, após o julgamento de seus pecados, vivendo o seu
tempo de salvação. YHWH manifesta-se poderoso punindo aos inimigos e a seu
povo revela-se misericordioso, perdoando; neste sentido, mostra-se incomparável.
Os vv. 18-20 apresentam uma troca de diálogo entre a segunda e a terceira
pessoa de modo que, às vezes, chega a impedir a aparente fluência do texto. A
unidade abre-se e fecha-se direcionada a Deus na segunda pessoa. O meio da
seção encontra-se na terceira pessoa narrativa, que descreve o caráter e a ação de
Deus. Kessler405 observa que o v. 17c refere-se a YHWH na primeira pessoa do
plural “nosso Deus” e nos vv. 18c, 18e, 18f e 19a é YHWH, o sujeito de vários
verbos; enquanto que nos vv. 17d e 9d passam novamente para a alocução de
oração. Por causa do pronome da primeira pessoa do plural no v. 17, toda a seção
404 Cf. HAGSTROM, D. G., The Coherence of Book of Micah, p. 100.
135
é vista como fala de Israel; e o pronome da segunda pessoa do singular, no
primeiro verso e no último, demonstra que a oração é dirigida a YHWH. Somente
o v. 15 é exceção, pois apenas YHWH poderia ter afirmado: “como nos dias de
teu sair do Egito, eu lhe mostrarei prodígios”.
No v. 17c os suplicantes falam de si mesmos na 3a pessoa, e depois, nos vv.
19 e 20, como coletivo através da 1a. pessoa do plural. A forma de oração é
mantida no geral nos vv. 14-20. Todavia, o tema dos povos só é perseguido até o
v. 17, enquanto que, nos versículos finais, trata-se exclusivamente da relação de
Israel com Deus e a pergunta do verso 18a: “Quem é um Deus como tu...?”
Também representa formalmente uma incisão na parte final do v. 19 e todo o v. 20
que voltam para a segunda pessoa, sempre direcionados a YHWH.
A questão que abre a unidade, Quem é um Deus como tu? É imediatamente
respondida pela colocação da incomparabilidade de YHWH sobre uma série de
atributos a suas atividades que estão divididas em duas partes: os atributos no v.
18 e suas realizações nos vv. 19b-20. No v. 19a, temos a profecia que Deus
novamente terá misericórdia.
3.2.3 Estruturação do texto
Não há oposição, de maneira decisiva, em relação à unidade do texto Mq
7,8-20. Um fator a favor da unidade de Mq 7,8-20 é a sua estrutura. O texto é
construído com expressões de confiança, petição e louvor. No entanto, não há
consenso a respeito do contexto da liturgia406.
A divisão em quatro estrofes (stanzas) básicas e distintas é apoiada pela
maioria dos autores407. O primeiro par é composto de um canto de confiança (vv.
8-10) cantado pela cidade personificada e um oráculo divino endereçado a ela (vv.
405 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 296. 406 Foi Gunkel que, em 1924, contribuiu notavelmente para a crítica da identificação da seção 7:8-20 como uma composição litúrgica, ou uma “liturgia profética”, visão já antecipada por Stade em 1903 [Cf. STADE, B. “Micha 1,2-4 und 7,7-20, ein Psalm”, ZAW 23 (1903) 163-17] Cf. GUNKEL, “The close of Micah”, pp. 142-149. 407 Hillers apresenta as quatro divisões básicas: vv. 8-10 (salmo de confiança); vv. 11-13 (oráculo de salvação); vv. 14-17 (um lamento); e os vv. 18-20 (hino de louvor). Cf. HILLERS, D. R., Micah, 89. Assim também: LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 194; SHAW, C. S., The Speeches of Micah, p. 196; MAYS, J. L., Micah, pp 153-154; WOLFF, H. W., Micah, pp. 220. 215-217; ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 393; etc. Naturalmente, outros têm dividido a seção em duas ou três partes, mas tal proposta não convenceu a maioria dos estudiosos.
136
11-13). O segundo composto de um lamento de Israel (vv. 14-17) equilibrado por
um hino de confiança na salvação futura cantado por uma congregação (vv. 18-
20).
Essa estrutura bem organizada sugere que o material foi claramente
posicionado ao Livro de Miquéias pelo autor ou um editor. A peça seria um
poema artisticamente composta para ser apresentada em uma liturgia por
diferentes cantores. Na opinião de Gunkel, o poema se adequa às circunstâncias
históricas que também estão refletidas no material assinado pelo Trito-Isaías408. A
maioria dos estudiosos parece concordar com Gunkel, admitindo que esse texto
litúrgico é do período pós exílio, ou seja, não é um escrito autêntico do profeta,
sendo uma adição tardia composta para o final do Livro de Miquéias409.
Os vv. 8-10 são considerados como um salmo de confiança da oradora
(coletivo e feminino, primeira pessoa do singular), aqui considerada como Sião.
Dois processos estão em curso nesses versículos - Sião carrega a ira de YHWH e
o desdém da inimiga. No v. 8, ela chama atenção de uma inimiga, também não
nomeada, para que ela não se alegre com a sua queda, pois ela confia em
YHWH. O v. 9 apresenta o reconhecimento da culpa daquela que fala
concomitante à confiança em experimentar e ver as ações divinas. O v. 10
aponta a certeza, derivada dessa confiança, daquela que fala (3a. pessoa) em ver
a queda da inimiga, e, de resto, fala de YHWH na 3a. pessoa.
Os vv. 11-13 são prognósticos para Sião feito por um falante não
nomeado e que provavelmente faria parte da comunidade da falante dos vv. 8-10.
A estrutura é baseada em temática com elementos formais e a unidade
organiza-se da seguinte maneira:410 os vv. 11-12 mencionam a reconstrução de
408 Também para Mays e Andersen-Freedman o cenário dos vv. 8-12 é familiar aos escritos proféticos, especialmente aos de Isaías, que usa as mesmas imagens: Sião sofreu um desastre descrito como uma queda. Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 154. ANDERSEN, F. I., - FREEDMAN, D. N., Micah, 576,578. Assim também pensam Renaud e Wolff: este texto final de Miquéias se assemelha ao Trito Isaías (cf. Is 59,9-15 e 63,7-64,12), no qual encontramos elementos de confissão e queixa. Cf. RENAUD, B., La formation du livre de Michée, p. 376; cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 219. 409 A maioria dos estudiosos, cada um deles de acordo com seu pensamento, assinala que Mq 7,8-20 é um texto do período exílico ou pós-exílico. Entre eles, destacamos Mays, que atesta ser este texto um material adicionado em um longo processo redacional que foi completado por volta do ano 330 a.C. Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 155. Notscher considera o texto como pós-exílico, mas acredita que a época não pode ser determinada com certeza absoluta. Cf. NOTSCHER, F., Zwölfprophetenbuch oder Kleine Propheten, Echter – Verlag Wurzburg, 1948, p. 106. 410 Apresentamos a organização das subunidades de acordo com a visão de Zapff. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 205-207.
137
Sião, a supressão das fronteiras para os povos, peregrinação rumo a Sião dos
remanescentes no mundo. O v.13 aponta a devastação da terra devido à culpa
de seus habitantes. No aspecto da troca de voz na enunciação, ainda podemos
mencionar que nos vv. 11-12, fala-se a uma segunda pessoa - no v. 11, com sufixo
feminino; e, no v. 12, com masculino. Já o v. 13 passa a uma fala descritiva.
Enquanto os vv. 11-12 constituem uma promessa, o v. 13 exprime, ao contrário,
uma ameaça. Se a promessa está direcionada a Sião, mesmo que o destinatário no
v. 11 seja feminino e no v. 12 masculino, a ameaça, no contexto suposto, visa aos
povos inimigos. Ela constitui, então, mesmo que, indiretamente, uma promessa
em favor de Sião411.
O v. 7,14 representa uma nova mudança de orador em relação aos vv. 11-
13 e deve ser entendido como um pedido, de um ou mais falantes, a YHWH
para que Ele assuma novamente a direção de seu rebanho. A partir do v. 14
domina finalmente o tratamento de Deus por Tu. O v. 7,15 que indica mais uma
mudança de orador deve ser entendido como prognóstico sagrado de YHWH,
que promete a seu povo atos prodigiosos como aqueles ralizados nos dias da
fuga do Egito.
Nos vv. 16-17 ocorre uma nova mudança de falante, embora esta
mudança só possa ser reconhecida a partir do v. 17b. O sujeito que fala
provavelmente é o do v. 14, um dos elementos da comunidade dos que vivem
em Sião. Formalmente, os vv. 16-17 apresentam, consequentemente, uma
continuação das súplicas do v.14.
Nos últimos versículos (vv. 18-20), rezam os membros da comunidade.
Não ocorre mudança do falante, embora esta seção apresente diferenças de
conteúdo e forma do texto que lhe antecede. Trata-se de um cântico de louvor
a YHWH cuja disponibilidade para o perdão justifica a nova confiança. O
texto apresenta no v. 18: descrição geral, em forma de hino, das propriedades
essenciais de YHWH. O v. 19a é a expressão da confiança de que YHWH irá
perdoar o grupo que aqui aparece falando. Os vv. 19b-20 apresentam o perdão
da culpa cujo significado é o cumprimento da promessa feita aos Patriarcas.
Em todas as partes encontramos o estilo confessional (vv. 8-10.18b-19a:
YHWH na terceira pessoa) ou a forma de saudação (vv. 14-17.18a.19b-20:
411 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 355.
138
YHWH na segunda pessoa) para os temas principais e para a relação da
comunidade para com seu Deus412.
O número dos participantes dessa seção do capítulo final de Miquéias é
pouco: ao lado de YHWH (o único a ser mencionado) estão o orador principal
(primeira pessoa singular nos vv. 1-10); e talvez a mesma pessoa identificada na
primeira pessoa do plural nos vv. 17d e 19a.b.20c). A inimiga identificada como
“as nações” (nos vv. 16-17) representa a antagonista feminina no v. 10,
considerada aqui uma potência política. Ela aparece também no v. 8a como
alguém que se alegra.
A estrutura de Mq 7,8-20 apresentada por Dorsey413 é provavelmente a mais
sugestiva: toda a unidade é de esperança, e ela compreende sete partes dispostas
simetricamente, com a parte central focada na petição para YHWH: liderar e
restaurar seu povo como fizera nos dias antigos. Encontramos nesse texto uma
verdadeira confissão pública de pecado feita por Israel, e ao mesmo tempo, um
testemunho de confiança em YHWH em seu desejo de manter a Aliança.
A Suportarei a ira de YHWH, porque pequei contra ele, mas ele me restabelecerá 8-9
B Meus inimigos verão e se cobrirão de vergonha 10
C Promessa de restauração – limites para o Egito e Assíria - “eles virão do Egito” 11-13
D Oração a YHWH para pastorear seu povo como nos dias antigos/ ou outrora 14
C’ Promessa de restauração – Deus fará prodígios como nos dias do Egito 15
B’ As nações verão e se envergonharão 16-17
A’ YHWH não guarda sua ira para sempre (v. 18), ele perdoará nossos pecados 18-20
Percebe-se ainda que a última subunidade (vv. 7,18-20) une-se com a
primeira (vv. 7,8-10) pelo tema do pecado e do perdão.
3.3 Análise semântica
Ao lado do estudo dos recursos sintático-gramaticais e filológicos que
caracterizam o texto estudado, trabalharemos a análise semântica.
412 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 215. 413 A escolha da estrutura apresentada por Dorsey é que o foco central apresentado pelo autor - retrato de Deus Pastor - recai na imagem trabalhada no nosso estudo. Em cada uma das passagens no livro de Miquéias, que ocorre a imagem de Deus-pastor, encontra-se nas seções de esperança 2,12 e 5,4; 7,14. Cf. DORSEY, D. A., The Literary Structure of the Old Testament, A Commentary on Genesis – Malachi, Grand Rapids: Baker Book, 1999, p. 299..
139
7,8-10 A situação de Israel e o grito da inimiga
Os vv. 8-10 tratam do confronto de duas inimigas indicadas pela voz
feminina: a oradora, que confia e espera que YHWH trocará o seu castigo por sua
salvação e a vindicará na presença de sua inimiga cuja identificação não é feita, e
cujas circunstâncias históricas não são mencionadas. Há um consenso entre os
autores de que a oradora aqui citada seja de fato Jerusalém, como personificação
do povo414. Esta se encontra na escuridão da prisão, pobreza ou exílio415, e está
aflita com o triunfo de sua inimiga. Essa inimiga, sob a figura de uma mulher, é
dissuadida a não se alegrar com a condição atual de Sião, porque a oradora
novamente se levantará. Essa afirmação aponta para um êxito final: os golpes
sofridos pelo povo de Israel não são mortais, mas passageiros. Sião cai, mas se
levanta, encontra-se humilhada pela inimiga, mas um dia verá a humilhação desta.
A esperança de Israel é, certamente, a de que o Senhor carregará seu castigo e
sofrimento, erguendo a nação e dando-lhe liberdade e alegria.
Apesar de ainda permanecer em dificuldade, a comunidade espera reeguer-
se416. Nota-se, aqui, uma posição clara de superioridade sobre a inimiga.
Kessler417 menciona que encontramos, muitas vezes, no AT, o aviso contra o
alegrar-se com a situação da inimiga, e, freqüentemente, tal aviso está ligado à
certeza de que Deus modificará essa alegria (cf. Jr 50,11; Ez 25,6.7; 35,14.15; Ab
12 ss.; ou em 12,15; Sl 13,4-6; 25,2; 35,15.16.19.24-26; 38,16).
O verbo hebraico yTil.p;n (lpn) apresenta uma pluralidade de conotações,
desde a descrição de uma simples queda de um muro até a informação da queda
de um rei de Israel (cf. 2 Rs 1,2). Pode-se cair em combate (cf. Jz 20,44), cair nas
mãos de outrem (cf. Lm 1,7) ou de um adversário (cf. 1 Cr 20,8). Com freqüência
lpn designa estragos, morte e destruição, podendo ainda ter outras nuances de
414 Os profetas se dirigem constantemente ao povo, enquanto coletividade. O auditório, a que Mi-quéias visa, é identificado pelo viés de várias expressões, a saber: “Israel” (Mq 3,8); “Casa de Israel” (Mq 1,5; 3,9); “Jacó” (Mq 1,5; 3,8); “Casa de Jacó” (Mq 3,1.9); “Casa de Judá” (Mq 1,5); “Jerusalém” (Mq 1,5; 3,10.12); “Samaria” (Mq 1,5.6); Sião (Mq 3,10.12). A dificuldade se encontra na identificação da suposta inimiga. São várias as propostas, no entanto, escolhemos aquela que corresponde a um povo estrangeiro personificado, inimigo de Judá. 415 Cf. SMITH, R. L., Micah – Malachi, Word Biblical Commentary XXXII, Texas: Word Books, Waco, 1984, p. 58. 416 “Faith under difficulties, the certainty of final vindication, was characteristic of all the exilic and postexilic prophets (cf. Is 60,1ss; Ez 37-39; Zc 14)”. Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, Critical and Exegetical Commentary, Edinburgh: T.&T. Clark, 1985, p. 146.
140
sentido418. Quando a palavra é usada em referência a uma cidade, como é o caso
aqui, significa que esta se encontra em uma situação catastrófica (cf. Jr 51,8; Ez
33,21) 419, no sentido de uma experiência de calamidade (Sl 37,21.34;41,10-12;
145,141; Pr 24,16)420. Jerusalém, em meio a tribulações, está caída por suas
maldades (cf. Pr 12,7; Sl 36,13). A oradora/Jerusalém reconhece a sua fraqueza.
Embora ela esteja caída, poderá erguer-se novamente (cf. Am 9,11).
A expressão verbal yTim.q é um antônimo de yTil.p;n" e, neste contexto militar,
significa “levantar-se do estado de derrota” (cf. Pr 24,16). McKane421 aponta que
esse verbo (yTim.q;), um qatal profético, descreve o futuro como se já fosse uma
realidade, e, assim, poderia ser expresso como tendo já ocorrido (cf. Sl 107,10-15;
112,4; Is 9,2; 49,9; 50,10), por isso, indicador de segurança422.
Zapff423 atesta que o par verbal yTil.p;n" e yTim.q ocorre, na maioria das vezes,
na profecia; e, regularmente, em conexão com outras palavras referidas ao juízo,
quando se verifica que o julgamento já não se impõe (cf. Am 5,2; Is 24,20; Jr
50,32)424. Se lermos Mq 7,4b.8 ante o pano de fundo de Jr 50,31ss., um
interessante paralelo emerge em relação à seqüência das sentenças. Enquanto que
para ambas - Jerusalém e a nação inimiga- o tempo da devastação chegou e elas
caíram, há, para Sião, um reerguimento, o que não é o caso para a outra. Para
Wolff425, esse reerguimento vai além de uma reestruturação política. Zapff426
considera que encontramos mais detalhes, do ponto de vista lingüístico, em Pr
24,16s. Temos a favor dessa relação, três palavras-chave: xm;f'i la;, lp;n" e by:a'. Do
ponto de vista textual, uma idéia similar aparece em ambos os textos: a alegria
417 Cf. KESSLER, R., Micha, p. 300. Ver também: ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 175. 418 Cf. M. C. F. “lpn”. In HARRIS, R. L. – GLEASON, L. A. – WALTKE, B. K., Theological Wordbook of the Old Testament, p. 1393. 419 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754. 420 Cf. BDB 657a 421 Cf. McKANE, W., Micah, p. 218. 422 Waltke é da mesma opinião: “The accidental perfective form of this verb vividly and dramatically represents this future situation as complete and unexpected”. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754. Ver também: Max Rogland, Alleged Non-Past Uses of Qatal in Classical Hebrew (Studia Semitica Neerlandica, vol. 44; Assen:royal van Gorcum, 2003 ISBN 90-232-3973-3 Journal of Hebrew Scriptures vol 5 (2004-2005) www.arts.ualberta.ca/JHS/reviews/rewie 145.htm 423 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 176. 424 “Different from what Amos (5:2) expects, however, this fall will be followed by a rising up. Hence, the essence of the comforting message in 4:9f. and 4:11-13 from the preceding liturgical reading is confidently appropriated.” Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 220. 425 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 220.
141
diante da condição inferior do inimigo não é correta aos olhos de YHWH, e leva
aquela que a expressa à humilhação. O autor nos chama a atenção para o fato de
que, depois da alegria relativa à queda da cidade inimiga, daquela que fala no v.8,
o discurso se transforma de tal modo que podemos ver aí uma indicação indireta
de que Mq 7,8s poderia ter sido, de fato, originado da instrução prática presente
em Pr 24,16s.
Zapff destaca que as idéias presentes em 7,8 podem estar relacionadas com
Ab 12 e Ez 25,6, com os povos vizinhos; no entanto, elas são vistas melhor à luz
do texto de Pr 24,17, que mostra uma tendência à generalização. O fato de a
cidade inimiga não ser explicitada poderia ser um sinal indicativo de dependência
em relação ao pensamento sapiencial. Paralelo ao que ocorre em Pr 24,17, uma
regra de comportamento é estabelecida: trata-se não somente de um certo povo,
mas, conforme já verificamos, qualquer inimigo de Israel. E, de acordo, com os
versículos seguintes, Sião não somente se erguerá das tribulações, mas se libertará
de seus pecados e retornará a YHWH.
O segundo uso da conjunção yKi expressa justamente a confiança da oradora
de que YHWH será a sua luz. A condição negativa na qual Sião se encontra - nas
trevas (%v,xo) -, pode indicar a ausência de Deus experimentada no cativeiro (cf. Sl
42), uma falta de visão provocada por YHWH (cf. Mq 3,6); ou, como observa
Alonso Schökel427, apontar o sentido figurado de ignorância, desgraça e tribulação
(cf. 2Sm 22,29; Is 9,1s; 58,10; 49,9; 59,9ss; Mq 7,8; Sl 35,6; 112,4, etc). A
fórmula “morar nas trevas” opõe-se ao reconhecimento de que “YHWH para mim
é luz”. Simboliza a má sorte, a infelicidade, designa um mal ou uma catástrofe (cf.
Am 5,18.20; Is 5,30; 9,1; 58,10; 60,2; 62,1ss; Lm 3,2; Sl 18,29; etc). Na
concepção de Israel, toda desgraça é efeito de um castigo merecido e permitido
por Deus para punir a culpa. Essa disposição punitiva é representada pela cólera
ou ira divina (cf. Sl 6,2-3; 38,2; 88,8; Is 30,30; 2Cr 28,9). Prior428 observa que a
escuridão a que Miquéias, particularmente, se refere é aquela que ele chama de
“Indignação do Senhor”, retratada no v. 9. Quando Deus atua na ira e na cólera, o
povo alcança, de fato, a escuridão. Todavia essa escuridão passará, porque ela será
426 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 175. 427 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, São Paulo, 1997, p. 252. 428 Cf. PRIOR, D., The Message of Joel, Micah & Habakkuk, p. 194.
142
iluminada pela presença de YHWH429. Assim, é anunciada a libertação daqueles
que se encontram nas trevas em conexão com a promessa de reconstrução de
Israel.
Trevas e Luz são figuras comuns para retratar calamidade e prosperidade. A
treva simboliza o silêncio, a má sorte e a morte; a luz, ao contrário, a vida e a
alegria, a volta ao caminho correto e à graça (cf. Is 9,1; 30,26; Sl 104,20.22-23;
107,10). Assim como durante a noite espera-se com impaciência e esperança, o
nascer do dia, também o piedoso, na desgraça, espera em YHWH, símbolo da
alegria e da felicidade (cf. Sl 130,5-7). A obscuridade é iluminada pela presença
de YHWH. Deus não é somente o dispensador da luz, que simboliza a plenitude
do ser, mas é, Ele mesmo, “Luz”430. Essa imagem é comum nos profetas (cf. Is
8,23-9,1; 10,17; 42,16; 58,8.10; 60,1-3.19; 61,1.19s; Mq 7,8s.) e nos Salmos (cf.
Sl 18,29; 27,1; 112,4). A salvação virá não só para Israel, mas para todos os povos
(cf. Is 51,4), e será em determinados casos, outorgada por meio de especiais
mediadores salvíficos (cf. Is 42,6; 49,6)431.
Kessler432 acrescenta que o Senhor é nitidamente delineado na figura do
Deus-Sol em Mq 7,8 (cf. também Ml 3,20) e lembra, ao mesmo tempo, a imagem
de Trito Isaías de YHWH ou de sua magnificência como luz que brilha sobre Sião
(cf. Is 60,1-3.19). No entanto, no verso seguinte, YHWH não aparece no papel do
Deus-Sol brilhando, Ele próprio, como luz, mas no papel do libertador que conduz
desde a escuridão do cárcere até a luz da liberdade (cf. Is 42,6s; 49,9; Sl 107,10-
14). A luz freqüentemente simboliza a existência, a vida, a liberdade e a
429 Para Andersen-Freedman, a linguagem aqui usada, junto ao imaginário da escuridão, mostra que a peça é apresentada como um canto do Sheol. A cidade se encontrava nesse local na esperança de que, quando a ira de YHWH passasse, ela pudesse sair de lá: “This action, and bringing out to the light, describes resurrection from the dead (Hos 6:2, with associated light imagery). It was an ancient belief of Israel that Yahweh could perform this miracle (Deut 32:3; 1 Sam 2:6). It could be used as a figure of speech for the revival of a dead city only because the idea of personal resurrection already existed. This belief included the notion of waiting in Sheol in hope until Yahweh brings out the dead, after his wrath has subsided. The use of similar verbs in Job (13:15; 14:13; 19:20-26) gives grounds for including Mic 7,7 as the preface of this piece rather than the conclusion of the preceding one”. Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 582. 430 “As God scattered the darkness at creation with his gift of light, even so would he send his light to end her night of suffering and to bring order out her chaos”. Cf. KELLEY, P. H., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, Haggai, Zechariah, Malachi, Layman’s Bible Book Commentary, Tennessee: Broadman, 1984, p. 49. 431 Cf. SAEBO, M. “rAa”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 148. 432 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 301
143
salvação433. Confessar que o Senhor é “minha luz” (cf. Sl 27,1) é expressar que a
verdadeira luz é YHWH, fonte de todos os benefícios (cf. Sl 36,9). Zapff 434
lembra-nos de que, de maneira análoga em Mq 7,8, encontramos também a
metáfora em conexão com uma superação das conseqüências do juízo por YHWH
e um novo futuro para Israel. Assim, aparece como uma situação prototípica para
a futura salvação através de uma inabalável confiança em YHWH por parte de
Sião.
O v. 9a atinge, de uma maneira bela, o domínio da confissão e submissão. A
comunidade está disposta a enfrentar a mão disciplinadora do Senhor, porque
reconhece o pecado cometido435. Geralmente, o orante suplica a Deus que faça
cessar sua ira, porque conhece a misericórdia divina (cf. Sl 6,1s; 38,1s; 88,8 etc).
Entretanto, a indicação deste versículo vai além da inclinação à oração de pedido
ou súplica (cf. Sl 51,6; 106,6; Ex 34,6-7, etc) – o povo reconhece a sua falta e
quão justo é seu castigo, por isso, expressa a sua resignação confiante436. Como
Miquéias já havia dito (cf. Mq 1,5), a infelicidade não é fruto do capricho de um
Deus irritado. A ira tem sua causa bem delineada: havia pecado contra YHWH. A
punição é reconhecida como merecida. Nessa perspectiva, a comunidade aceita o
julgamento e compreende a sua história não como uma luta entre nações, uma
subjugando a outra, mas como uma ordem de Deus contra ela. Por isso, de boa
vontade toma sobre si o castigo e carrega a sua culpa437. Se, anteriormente, o
profeta havia dito que a sua tarefa era apontar os pecados do povo (cf. Mq 3,8),
aqui, cada pessoa reunida na comunidade tem a chance de reconhecer seu pecado
433 “ Here “light” not only has the general meaning of life and its possibilities for self-direction and action; even more, it refers to concrete salvation from the threat of death (Ps 27:1 etc), including death in war (Isa 9:1[2]; Ps 18:29f.[28f.]. Jerusalem will partake of this “light” of Yahweh’s beaming presence, whereas the nation will be swallowed up by darkness (Isa 60:1). Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 221. 434 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 177. 435 Cf. 1 Sm 15,22; 2 Rs 23,26; 24,29; Is 1,11-20; 42,24s.; Jr 7,21-23; Os 6,6; Am 4,5; 5,15.22.24; Sl 51,4. 436 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 450. Kessler nota que o texto se serve da linguagem dos salmos (cf. Sl 41,5; 51,6), mas transpõe a confissão de pecado individual em uma coletiva (como ocorre na forma “nós” encontrada no Sl 106,6). O povo, coletivamente, reconhece o seu pecado. Cf. KESSLER, R., Micha, p. 301. Hillers completa: The divisions and tensions within the society disappear here. This tone is prepared for by the acknowledgment of universal guilt in the previous poem “the good man is fond from the land”. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 90. 437 Assim também interpreta Waltke: The formerly faithless city now by faith accepts the prophetic threats of 1:2-7,6 and interprets its fallen state as due to the Lord’s wrath against sin, not to the enemy’s immediate military superiority”. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 755.
144
diante de Deus e dos outros adoradores. Eis aí o verdadeiro arrependimento e
também a fé no fato de que YHWH libertará Sião, não somente de seus inimigos,
mas, mais ainda, de sua própria culpa. O pecador será levado para a luz, a fim de
contemplar e andar em sua justiça.
Waltke438 elenca as razões pelas quais Sião está disposta a suportar a ira
divina: em primeiro lugar, ela admite que o castigo é merecido: “eu pequei contra
ele”439; em segundo, o castigo é temporário: “até”- o povo está certo de que o
tempo em que carregará a ira de YHWH é limitado; em terceiro, o Deus de
“justiça” irá punir o malfeitor e tirará Sião de seu humilhante cativeiro; e ela,
então, verá sua salvação. Sião está segura de que, de fato, será vindicada.
Encontramos, aqui, uma verdadeira confissão pública, realizada pelo povo, de
todos os seus pecados. Nesse verso, a confissão da culpa é formalmente marcada.
A fidelidade do amor divino é expressa nos versículos seguintes. Portanto,
falar da “ira de YHWH” deve ser entendido, no contexto das sentenças seguintes,
não apenas como reconhecimento da culpa, mas igualmente como expressão da
rápida intenção do julgamento para a reconciliação440. A ira de Deus despertada
corresponde à paixão de seu amor pelo qual ele elegeu o seu povo e o presenteou
com seus prodígios. Por isso, ela é temporária e não final, “até que ele julgue o
meu caso”441. Ira e amor conjugam-se, assim, em Deus, que não guarda sua ira
para sempre (cf. Sl 103,9). Destarte fica claro que o propósito do castigo não é
destruir o transgressor, mas levá-lo a dedicar-se a uma nova vida (cf. Is 57,15; Ez
33,11). Como luz dessa comunidade, YHWH não apenas a libera dos inimigos
(v.8), mas até mesmo de sua própria culpa (v.9s.)442. Todavia, vale ressaltar que o
amor divino não significa a exclusão da expiação do pecado443.
438 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, 1992, p. 755. 439 Pour semblable aveu de culpabilité, cf. Ps 41,5; 51,6; 106,6. Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 353. 440 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 177. 441 He also knows that God is not only the Judge who punishes them but also the One who decides when justice is served and when it is time for reconciliation and restoration. Then God will fight for Judah and right the injustices she suffers during her persecution by her enemies, and Judah’s enemies will observe God’ s glorious deeds for her. Cf. SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, 573. 442 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 221. 443 Segundo Lima, “perdoar pode vir junto com o castigo; este não significa ausência de perdão. A punição, no entanto, recebe, a partir do perdão divino, um novo caráter, que exclui a maldição, e passa a fazer parte da nova ordem salvífica instaurada ou restaurada por Deus”. Cf. LIMA, M. L.C., Salvação entre juízo, conversão e graça. A perspectiva escatológica de Os 14,2-9. Tesi Gregoriana, Serie Teologia 35, Roma: Pontifícia Università Gregoriana, 1998, p. 175.
145
Kessler444 apresenta o julgamento de Sião conectado pelas palavras ybiyrI byrIy"
(v. 9), em quatro pontos. Israel espera três ações de YHWH que vão pôr fim à
situação atual: sua entrada na causa em favor de seu povo; a produção de seu
direito contra a irônica inimiga; e expressa, metaforicamente, a condução para a
luz. Só após essas três intervenções de YHWH, o orador torna-se sujeito: “eu
verei a sua justiça”. O objetivo do processo é a “justiça” (cf. Sl 7,6; 43,1; Jr 50,17-
20.33-34; Jr 51,35-36). Como em 4,11, o verbo hebraico ha'r' construído com b.,
expressa a certeza emocional desse ver (por isso, “alegrar-se em”).
Os profetas clássicos empregavam o byri como um tipo de oráculo no qual o
“acordo legal” de YHWH contra Israel foi proclamado e acusado. Era uma
imagem verbal para a atividade histórica de YHWH, na qual ele entregou a Israel
os termos do acordo de Sinai e julgou sua conduta pelas normas do acordo. O
texto de Mq 6,2-5 é um exemplo desse tipo. A palavra também veio a ser usada no
vocabulário de salvação em relação à intervenção de YHWH contra seus inimigos
e aqueles de Israel (Jr 50,34; 51,36; Lm 3,58; Is 51,22; Sl 43,1; 74,22; etc). É o
caso de Mq 7,9.
Liedke445 chama a atenção sobre o fato de que a ocorrência do byrI nesse
versículo se encontra em uma esfera não muito comum na literatura profética: o
processo legal em um contexto internacional. Se, na seção de Mq 6,1ss, a queixa
envolve uma causa entre YHWH e Sião, aqui (cf. Mq 7,8) a contenda ocorre entre
YHWH e a inimiga triunfante, onde Sião mesmo é objeto da briga. A situação
vislumbrada pertence a um tempo futuro, quando Israel retornará à luz e a nação
inimiga será castigada. Embora tenha pecado contra Deus, ele próprio será
defensor do seu direito446. Portanto, nesse momento, YHWH não está fazendo
uma acusação a seu povo, mas está agindo como seu advogado. O versículo
expressa novamente a confiança do orador de que, mais uma vez, YHWH
defenderá a sua causa e a justiça lhe será dada. É significativo que esse segundo
momento do byrI apareça como revelador da intenção de YHWH de estabelecer a
444 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 302. 445 Cf. LIEDKE, G. “byr”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 970. 446 “In 6:1-2, however, Micah is the messenger carrying to Jerusalem the Lord’s accusation against his people; now, after his fury is spent, the Lord is their advocate, not their accuser”. Cf. WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 755.
146
justa relação com Sião. Outorgando o perdão, Deus mostrará que sua sentença de
juízo não anula seu amor447.
Digna de consideração parece ser a observação de Andersen e Freedman448.
Os autores consideram paradoxal a situação de Sião: ao mesmo tempo em que
confessa sua culpa em relação a Deus, ela se mostra vítima inocente do júbilo do
inimigo, por isso, ela está confiante de que YHWH, Ele mesmo, tomará seu caso e
provará que não é culpada. Tal decisão envolve não apenas um veredito favorável,
mas faz justiça (v. 9ba), e fazer justiça significa tanto a libertação de Sião de sua
prisão (Ele irá levá-la para a luz) quanto a derrota de sua inimiga (vv. 9-10). O
papel será revertido. Então, será a vez de Sião regozijar-se sobre a sua inimiga
caída (v. 10b). Tal fato contém um momento decisivo. O Senhor é retratado como
o advogado em uma corte, que toma a causa de seu povo para que ele seja
declarado inocente. Como no Sl 17,2, yjiP'v.mi poderia significar “meu resgate”.
Essa interpretação chocaria com a admissão da culpa que o orador fez nos
versículos anteriores. O pecador é condenado, o que implica a divina indignação
como penalidade. Na opinião de Andersen e Freedman, é possível que o autor
tenha desejado preservar essa ambigüidade para enfocar a situação ambivalente de
Sião: culpada (diante de Deus); e inocente (vítima de agressão). Duas contendas
estão encapsuladas nessa ambigüidade. A primeira é o caso do Senhor contra
Sião, levando-a à punição descrita no v. 9a, refletida na miséria lamentada nos vv.
1-7. Assim, o v. 9a descreve a resistência da ira do Senhor até que o caso seja
encerrado, quando a sentença é dada. A segunda disputa é aquela de Sião contra a
inimiga. Sião confia em que o Senhor tomará a causa em seu favor e esperará.
Das cinco ocorrências de jP'v.mi, em Miquéias, duas (3,1.9) são usadas em
referência aos dirigentes de Israel. Em 3,1 apresenta-se em uma questão retórica:
o profeta quer rebater seus interlocutores que desconhecem o verdadeiro sentido
do direito. Embora tematicamente 3,1 e 3,9 possam parecer idênticos, há a
447 Distinguimos a opinião de Bernini de que tal fato supõe a idéia, que se encontra em outros textos proféticos (cf. Is 10,5-6; Ab 1,11; Zc 1,15), de que as nações que YHWH usou para punir Israel abusaram do poder por ele conferido, exagerando no castigo. Caso não houvesse a intervenção divina para cessar o castigo, YHWH poderia parecer, aos olhos dos inimigos, um Deus impotente (cf. Ez 25,8; 28,24.26, etc). É a mesma idéia, mas de um ponto de vista diferente, que se encontra nas orações de Moisés (cf. Ex 32,11-12; Nm 14,13-16; Dt 9,28; 32,27, etc). Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 343. 448 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 578.
147
possibilidade de que esses líderes sejam diferentes em cada uma das citações449.
Em 3,8, o profeta se opõe aos falsos profetas, sua força reside no Espírito de
YHWH e isso inclui o jP'v.m divino. Em 6,8, o profeta aponta para o que é
requerido por YHWH para manter a relação com a humanidade: inclui “fazer
justiça” e isso é visto em contraste com a quantidade e a qualidade da oferta de
sacrifícios. Aqui assume um sentido moral. Finalmente, em 7,9 é usado no sentido
de “causa”, e a linguagem retrata YHWH como envolvido em um tribunal. A
intenção de Miquéias é sugerir que YHWH de fato atuará em favor de Sião.
Wolff450 atesta que a forma hiphil de acy – que possui o sentido de conduzir
– só pode ser entendida como uma ação de resgate. O Deus da justiça irá punir os
malfeitores e tirar Sião de sua situação humilhante. Assim, esse verbo parece ser
uma indicação da justiça prometida pelo reto juízo do verso anterior. Isso nos
permite estabelecer uma correlação entre o ser justificado e o evento da luz, que,
por sua vez, está correlacionado com o ato de “ver” – a comunidade experimenta a
libertação e redenção. Dessa forma, a visão da luz torna-se uma imagem
privilegiada da vida, da verdade. Ela simboliza a vitória do direito451. Deus
manifesta-se como um verdadeiro juiz, que restabelece a justiça no mundo.
Deissler452 acrescenta que este texto fornece uma contribuição para a
teologia da luz; aqui, como em Is 10,17 e 60,19, YHWH não é somente o
dispensador da luz – essa luz que simboliza a bondade, a vida –, é, Ele mesmo,
Luz, como já visto no v. 8. Igualmente, observa-se esse livramento como ato de
salvação, assim como no livro de Deutero-Isaías, que está sempre ligado à
libertação do “segundo Êxodo” (cf. Is 45,8; 46,13; 51,6 [10 vezes])453.
Deus é reconhecido pelas suas ações justas, suas obras concretas, que
transmitem sua fidelidade e sua amizade ao povo eleito. A radicalidade do juízo
em Miquéias não exclui a temática do amor de Deus por seu povo. O propósito do
castigo não é destruir o transgressor, mas trazê-lo de volta a uma “nova vida”, à
449 Cf. GOSSAI, H., Justice, Righteousness and the Social Critique of Eighth-Century Prophets, I American University Studies/ New York: Peterlang, 1993, p. 164. 450 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 222. 451 Cf. 2 Sm 23,3-4; Is 2,2-4; 5,20; 9,1-6; 58,8-10; Sl 97,11; 112,4; Jó 11,17; 22,27-30; 38,12-15. 452 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 354. 453 “The righteousness of Yahweh, as in Is 40-55, is here identical with the vindication of Israel. Israel being more nearly in accordance with the divine will than the nations are who triumph over her, it is required of the justice of Yahweh that he deliver his people and punish their oppressors who have exceeded their commission of chastisement upon Israel. Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, p. 146.
148
“salvação”. Como “luz” de seu povo, YHWH libera Sião, não apenas de seus
inimigos, mas de sua própria culpa. É um processo de libertação e liberação.
Mesmo que YHWH tenha pronunciado o juízo, este será eliminado, pois Ele é
misericórdia e perdão. A vitória do amor afasta a ira454. Pode-se dizer que a
restauração do povo se encontra em paralelismo com: “Ele me conduzirá à luz”.
E, quando isso ocorrer, cessará a alegria da inimiga.
Assim também, a expressão “verei a sua justiça” encontra-se em paralelo
com: “ele me conduzirá à luz”. A expressão verbal ynIaeyciAy (acy) ocorre, aqui,
ligada ao termo que pertence ao campo semântico da luz. Alonso Shökel455 analisa
a palavra rAa (luz), usada, aqui, como uma figura metafórica de iluminar, dar luz;
equivale à vida, salvação, tirar da masmorra escura para dar liberdade, que é
garantida pelo Senhor (cf. v. 8d). Trata-se, então, de uma libertação redentora (cf.
aicy Sl 25,15b; 31,5; 66,12; 143,11b; Ez 20,41). Nessa perspectiva, pode-se
desenvolver o restabelecimento da união com Deus. Para Alonso Shökel456, o
verbo har, construído com a palavra Atq'd>ciB., possui um significado especial de
“gozar de sua justiça”. O substantivo hq'd'c. possui significados éticos, jurídicos,
forenses, de “justiça”457. Deus se encarrega da causa de Jerusalém, por isso,
coloca-se em litígio com a inimiga e, segundo o esquema jurídico encontrado em
Ex 9,27, o resultado será uma justiça, ou seja, é declarada a inocência de Sião e a
culpa da inimiga é reconhecida. Em Miquéias, a raiz hq'd'c. ocorre apenas aqui e
em 6,5. Em ambas as ocorrências, estão em referência a YHWH, em sentido ativo,
sendo que, nesse verso, não se refere somente à justiça, mas à misericórdia,
empregada no sentido de libertação, como ato de salvação. A justiça de YHWH é,
portanto, seus atos salvíficos em favor de seu povo, e não simplesmente um
454 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 222. 455 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 34. 456 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 596. 457 A raiz do termo tAqd'c. possui conotação de conformidade a um padrão ético ou moral e no AT esse padrão é a natureza e vontade de YHWH. Justo é o Senhor em todos os caminhos, benigno em todas as suas obras (cf. Sl 145,17). Esse termo descreve três aspectos do relacionamento pessoal: teocrático, ético e forense. No sentido aplicado a Deus, tAqd'c. possui o significado de retidão, sendo que as características divinas se tornam o padrão definitivo da conduta humana. Se por um lado expressa o conceito de retidão do Senhor, por outro, indica que tal retidão é o resultado dos atos de salvação e de vitórias divinas (cf. Jz 5,11; 1Sm 12,7; Sl 103,6; Dn 9,16; Is 45,8; 46,13; 51,6-8). Cf. E. JENNI E C. WESTERMANN, Diccionario Teologico Manual del Antiguo Testamento II, pp. 639-668; Cf. R. LAIRD HARRIS (org.), Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 1261; ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 556.
149
conjunto de normas e procedimentos (cf. Sl 22,31; 40,11; 48,11; 71; 143,1). O
termo se encontra também nos Salmos para marcar que o salmista foi ouvido por
YHWH e teve o triunfo do seu direito (cf. Sl 5,9; 6, 11; 35,4; 70, 3; 71,12, etc).
Enfim, o termo twoqd.ci tornou-se expressão particular no AT para interpretar os
atos salvíficos do Senhor na história da salvação. No v. 10ª, o orador volta a referir-se à inimiga. O discurso enfoca os
“inimigos” de Sião, do mesmo modo que em 7,8. Em ambos, é prognosticada a
libertação de Sião das mãos de sua inimiga. A retidão de YHWH pede o triunfo de
Israel sobre a inimiga. Ela, que no v. 8 regozija-se com a derrota e o infortúnio de
Sião, quando Deus salvar o seu povo, terá a sua posição invertida. A inimiga
testemunhará a justificação de Sião. Ela verá (ar,tew.) da mesma maneira que o
povo de Deus (v. 9, ha,r>a,). No entanto, cada um percebe algo diferente: este vê
liberdade; a inimiga vê Deus rejeitar sua alegria e sua incredulidade maligna. A
exaltada e triunfante inimiga sofre, ela própria, o castigo (cf. Is 10,6). Agora,
Jerusalém a ridiculariza e faz escárnio (cf. Sl 42,2; 79,10,115,2)458. O sentido do
termo yn:y[e junto ao verbo ha'r' significa “ver com os próprios olhos”459, podendo
indicar “festejar com os próprios olhos”460. Sião opõe sua alegria àquela de sua
inimiga. Ela pode daqui para frente alegrar-se ao ver sua inimiga vítima da mesma
sorte que a ameaçara: caída aos pés (cf. Is 5,5; 10,8; 28,18)461. Os inimigos do
povo de Deus terão o mesmo destino que infligiram a Israel (cf. Ab 15; Lm 1,22).
E, assim, Israel será vindicado.
Como resultado da visão, a inimiga será esmagada pela vergonha que
cobrirá aquela que ridicularizou a fé do povo de Deus, de tal modo que não verá
nada mais do que humilhação (cf. Ab 10; Is 50,7-8; Ez 7,18; Sl 35,26; 44,16;
89,46). As conseqüências da esperada punição para a inimiga vêm expressas,
primeiramente, em palavras bem generalizadas: “a vergonha a cobrirá”. O termo
hv'Wb é retomado no v. 16, onde se fala dos povos que cairão de vergonha. No
entanto, na visão de Zapff462, a formulação empregada neste v. 10 é mais forte do
que a do v. 16. Será uma humilhação tão profunda que jamais encontrará similar
458 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 222. 459 Cf. Nm 14,14; Dt 19,21; Sl 22,18; Is 52,8; Jr 32,4; 34,3; Ez 28,17; Ab 10-13; Ml 1,5. 460 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 756. 461 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 354. 462 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 181. Ver também WOLFF, H. W., Micah, p. 222.
150
na história. O ato justo de YHWH não comporta apenas a libertação de Israel, mas
também o castigo daqueles que abusaram de Sião.
A citação %yIh'l{a/ hw"hy> AYa;, retirada da boca do povo estrangeiro, evidencia o
caráter exclusivo da ligação de Israel com seu Deus (%yIh'l{a/ hw"hy>). A derrota de
Sião fez as nações inimigas pensarem que o seu Deus era incapaz de salvá-las.
Essa constatação terá conseqüências: será esta afirmação da inimiga que
configurará, aparentemente, a razão de sua queda. Para Bernini463, essa irônica
interrogação: “onde está teu Deus?” Pode expressar tanto o desamparo do crente,
em um tempo de aflição, como o grito blasfemo repetido pelos inimigos de Israel.
NesSe versículo, surge como um escárnio feito pelas nações pagãs, numa
formulação depreciativa ao Deus de Israel, que não é capaz de salvar o seu povo
das mãos inimigas (~h,yhel{a/ hYEa; Jl 2,17; Sl 79,10; 115,2 no contexto coletivo; e
^yh,l{a/ hYEa; Sl 42,4.11 no contexto individual). Figura também em 2 Rs 18,34 ou
24; Sl 89,10; 115,2. Tal fórmula pressupõe um pensamento politeísta, entendendo
YHWH como um Deus protetor e pessoal de Israel464. Por isso, essa questão
ocorre sempre no AT como uma reprovação de escárnio feita pelas nações pagãs.
O profeta considera tal questão como um insulto a YHWH. Assim, a interrogação
retórica em 18a apresenta-se como uma resposta adequada ao v. 10d: “Quem é um
Deus como tu?”YHWH será considerado o único Deus465.
O triunfo final de Sião contrasta com a situação da nação inimiga. Ela é
retratada de maneira drástica: será pisoteada. A expressão sm'r>mil. hy<h.Ti hT'[; aponta, acima de tudo, para Mq 7,4: enquanto lá, ela permanece no contexto do
julgamento de YHWH sobre Jerusalém ou a comunidade de Israel, introduz-se,
em nosso versículo, a queda da inimiga de Sião. Numa visão sincrônica, Zapff466
interpreta que o julgamento de YHWH não termina para Jerusalém, mas se
estende para a inimiga de Israel, a princípio triunfante. O autor igualmente
considera, já em Mq 4,9-14, uma seqüência análoga de eventos, condicionada pela
463 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 344. 464 “Among peoples entertaining a limited conception of deity as the champion of a particular nation, the continuous disaster of a nation must always be interpreted as due to the weakness of its patron deity.” Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, p. 147. 465 Quando a majestade e poder de Deus são colocados em jogo, Deus intervém para justificar sua reputação (cf. Hab 2,6-20). Cf. SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, pp. 573-574. 466 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 182.
151
inclusão estereotipada de hT'[; para a qual, como já foi indicado, existem outras
correspondências.
Em relação ao termo sm'r>mil. hy<h.Ti,, Wolff467 observa que o mesmo é usado
em conexão com o ato de pisotear na lama do campo arável ou nas vinhas, por
gado ou fera selvagem que tenha ultrapassado os seus limites. É encontrado,
sobretudo, no livro de Isaías, no qual existe uma relação entre o julgamento sobre
Jerusalém e o aniquilamento da inimiga (cf. Is 5,5; 7,25; 10,6; 28,18 e Ez 34,18s.).
Zapff468 concorda com Wolff sobre a conexão do uso do lexema, em Is 5,5, para
referir-se à cerca; o que é feito também em Mq 7,10. Se aplicarmos a Is 5,5 a
interpretação de Mq 7,10s, então, trata-se de que a inimiga, no v. 10, compartilha
o destino que se ameaçara para a casa de Israel – transformação em terra pisada –;
enquanto Sião, que lá vive, é reconstruída no versículo seguinte, após o
cumprimento do julgamento. Na contribuição de Keesler469, a figura do “pisar”
não se refere aqui somente ao espezinhar dos animais numa terra cultivada (cf. Is
5,5; 7,25; Ez 34,19), mas em relação à “lama da rua”, ao estado das ruas da
cidade, antes da introdução de limpeza regular de ruas (cf. Is 41,25). Da mesma
maneira que, em toda parte da cidade, pisa-se na sujeira da rua, assim também
será pisada a inimiga caída na vergonha.
Essa primeira seção termina com uma ressonância emocional para a
acusada: vê-la como lama nas ruas (cf. Is 10,6). Nenhuma derrota pode ser mais
forte. Tal situação representa a derrota total daqueles que se puseram contra Israel
e seu Deus (cf. 2 Sm 22,43)470. A inimiga de Israel verá e se esconderá
envergonhada; pior ainda, sofrerá castigo. Com essa ação de YHWH, todo o medo
e desânimo, na presença do inimigo, serão removidos. Essa imagem da grande
humilhação sofrida pelo inimigo é encontrada também em Sl 18,43471. Uma
imagem parecida lê-se ainda em Mq 7,17.
Zapff472 aponta que as referências acima citadas dos textos de 2 Sm 22,43 e
Sl 18,43 são um indício a mais da conexão entre os vv. 10 e 17. Se considerarmos
o contexto que circunda o uso dessas palavras-chave, nos textos referidos, chama
467 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 223. 468 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch , p. 182. 469 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 302. 470 Cf. ACHTEMEIER, E., Minor Prophets I, p. 362. 471 C’ est pourquoi plus d’ un commentateur considère ce stique comme une glose. Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 354.
152
a atenção o fato de se tratar da descrição do destino da inimiga daquele que canta,
enquanto, no outro caso, trata-se de “estrangeiros”. Parece que Mq 7 claramente
se orienta por essa diferenciação e, com esta, pelos diversos destinos
correspondentes. O orador expressa sua verdadeira e incomparável fé na hora
mais escura de Judá e Jerusalém - ainda que os inimigos triunfem e nos insultem-
serão silenciados e envergonhados. Mesmo que os muros de Sião estejam em
ruínas, chegará o dia em que serão reparados.
7, 11-13 A promessa de restauração ou reconstrução de Israel
Após o discurso da oradora, nos vv. 8-10, surge um outro orador, mudando
abruptamente a mensagem - da cena da destruição e humilhação da “inimiga”-
para o dia da reconstrução e expansão de Israel. Assim, os vv. 11-13 endereçam a
uma futura restauração das muralhas e fronteiras e o retorno do povo. Pode-se
dizer que essa seção traz a visão da salvação pela qual a cidade espera. No livro,
ela apenas pode ser Jerusalém/Sião, embora não seja mencionada no capítulo
nome algum. O povo que tinha expressado a sua confiança em Deus é encorajado
com palavras de esperança e tranqüilidade. O passado de glória será restaurado473.
Em contrapartida, o resto do mundo estará sob o julgamento divino, pelos atos
cometidos contra seu povo (cf. Mq 4,13 e 5,5-9). A punição que veio para a
cidade, por seu pecado, cairá sobre o mundo inteiro por causa de seus atos. Tal
julgamento geral criará a oportunidade para a restauração da cidade.
A seção consta de um oráculo de salvação com duas formas diferentes: nos
vv. 11-12 diretamente; depois, indiretamente, ou seja, o v.13 apresenta a
devastação da terra, um castigo reservado às pessoas hostis a Sião. Este versículo
introduz uma outra temática. Enquanto os versículos anteriores tornam clara a
restauração, o v. 13 introduz um julgamento. Como veremos adiante essa ameaça
visa aos povos pagãos.
Sião, que antes era a oradora, agora é mencionada pelo orador, como mostra
o sufixo feminino em %yIr'deG>474. A ligação com os versículos anteriores está no fato
472 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 183. 473 Cf. Is 11,11-16; 27,12-13; 60,11; Ez 48,30-35; Am 9,11-12; Ab 20; Zc 14,10-11. 474 Archtemeir vê uma ligação maior: “We are not told who speaks here, but we can assume that the dialogue between God and Jerusalem, which began in 6:1, continues. This is the Lord’s promise to Jerusalem that a new day will dawn upon Israel. Zion’s walls were razed in its destruction (cf. 2 Kgs 25:10; Ps 80:12; 89:40), but they will be rebuilt, establishing Zion once again as a community. In some of the prophetic promises, it is said that foreigners will rebuild the city’s walls (Isa 60:10). Other passages speak of God’s work alone (Ps 51:18; 69:35; 102:16; cf.
153
de que a oradora, que esperava pela mudança do destino da sua comunidade (“até
que”, v. 9c.), recebe, agora, o anúncio da chegada desse dia. O dia da justiça de
YHWH é interpretado, para a comunidade de Sião, como o dia da vitória, um
tempo em que os muros da cidade serão reconstruídos. A salvação de todos os
eleitos será dentro de fronteiras seguras. Evoca o tema de um repovoamento
interno. Embora esse momento não seja indicado, cronologicamente475, é iniciada
uma linha temática de redenção em favor do povo de Deus ligado a Sião. O
anúncio é feito de forma enfática, pelo uso seguido da palavra “dia” duas vezes no
v. 11 e uma vez no v. 12. Nesse dia indefinido, esperam-se três coisas: Judá será
restaurada, as nações convertidas virão a Judá e a terra pagã tornar-se-á desolada.
Sião prepara-se, então, para este “novo dia” que desponta476. A vinda desse
dia não está definida em um espaço cronológico. Ela está projetada para um novo
futuro, e este futuro é indicado pelas formas verbais: tAnb. (hnb:infinitivo); qx;r>y
(qx;r': qal yiqtol); aAby" (aAB: qal yiqtol); ht'y>h'w> (hyh: qatal waw consecutivo); h'yb,v.yO
(bvy: qal particípio construto). Aqui merece ser destacado o sentido escatológico
que o profeta dá à palavra “dia” neste capítulo477. O termo destaca-se como tema
de juízo e restauração escatológica. Dessa maneira, “~Ay” é a manifestação divina
que significa a restauração e salvação de Israel e o fim do pecador. Assim, no
nosso texto, não teria o significado de um dia totalmente indeterminado, mas
indicaria o momento em que, na história, teria lugar a manifestação salvífica de
YHWH. Nessa perspectiva, podemos dizer que o texto relata uma significativa
promessa para o futuro. Certamente, a salvação será manifestada, seja para
147:2). But certainly the reconstruction is part of God’s eschatological salvation of his people (Jer 31:38)”. Cf. ACHTEMEIER, E., Minor Prophets I, p. 363. 475 Alguns autores, tais como Mays (Micah, 161) e Allen (Micah, 397), acreditam que a reconstrução das muralhas “neste dia” refere-se ao tempo de Neemias (445-433 a.C.), enquanto que Hillers conecta essas promessas a Mq 2,12 e 4,1-2 e denomina essa visão como escatológica. Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 91. Os autores concordam com Hillers, ao dizer que essas palavras referem-se ao grande dia escatológico no final dos tempos: a reunião de todas as nações da terra para Jerusalém (cf. Zc 12,3 e 14,2). Cf. ANDERSEN, F. I., - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 584. 476 Smith deixa perceber que: “Some scholars have questioned whether or not the city referred to here is Jerusalem. Eissfeldt, Reicke, and others have argued that the city was Samaria because Jerusalem is not mentioned and there are many North Israelite names, i.e. Carmel, Bashan, and Gilead (v.14), in the passage. The word for wall rdg generally refers to a stone fence (Num 22:24; Ps 62:4). ryq is more commonly used for city wall. However these arguments do not militate against taking this perícope to be about Jerusalem”. Cf. SMITH, R. L., Micah – Malachi, p. 59. 477 “O dia” ou “Aquele dia” pode ser visto de várias formas: como um dia de ira, em Jó e Provérbios; um termo técnico, em Joel; Amós insiste que é dia de julgamento apenas para Israel (5,18.20) e, mais tarde, afirma que deve ser um dia de restauração (9,11).
154
aqueles que ficaram em Sião, seja para os que virão de outras terras, israelitas ou
pagãos convertidos.
O significado proposto para o termo “dia” não é tematizado como
realidade física, embora este aspecto não seja eliminado, mas é considerado,
fundamentalmente, como dimensão em que ocorre um fato. Dessa maneira, o
espaço de tempo é caracterizado essencialmente pelo seu conteúdo. Em Mq 4,1
(peregrinação a Sião), 4,6 (retorno do povo israelita disperso) e 5,9 (julgamento
dos povos incrédulos), reporta-se a eventos análogos a Mq 7,11. Na opinião de
Zapff478, isso fala a favor de uma correspondência entre 7,11 e os textos
mencionados acima. Há, ainda, outra semelhança: a conexão entre Mq 7,11 e Mq
7,4b, sendo especialmente caracterizada, em ambos os lugares, o uso desse
termo479. Tais considerações reforçam a hipótese da ligação, vista na seção
anterior, de que estamos lidando com dois tipos de dias apresentados em
seqüência: um dia de juízo (4,11), e um dia de reconstrução ou renovação de Sião
(7,11). Essa hipótese é sustentada na caracterização do “dia” em Mq 7,11
através da palavra %yIr'deG>480.
Como já mencionamos, essa palavra mantém uma conexão direta com o
termo sm'r>mil. do v. 10, que deve ser entendido como pano de fundo da palavra
de condenação em Is 5,5 (canto da vinha)481. Então, a combinação dessas
palavras explica, nesse caso (em Is 5,5 e, dependentemente dele, Mq 7,4b),
que o julgamento já foi concluído. Zapff ainda observa que a seqüência de
dias diferentes, um designando o julgamento, e o outro a reconstrução, é, na
literatura do AT, um esquema geral que é desenvolvido freqüentemente com
base no conceito hwhy ~Ay. Kessler482 distingue uma dinâmica através do uso deste triplo ~Ay: cada
ocorrência da palavra assinala uma mudança de situação de Sião. No v.11a, é o
dia (~Ay) “de reedificar teus muros”483. A segunda característica do dia (v. 11b) é
478 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 183-184. 479 Ver também WOLFF, H. W., Micah, p. 223. 480 Cf. NOGALSKI, J. D., Literary Precursors to the Book of the Twelve, p. 167. 481 Um estudo mais aprofundado do assunto encontra-se em: BRUEGGEMANN, W., “Vine and Fig Tree”: a Case Study in Imagination and Criticism. CBQ vol 43, no. 1 / January (1981)188-204. 482 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 303. 483 Waltke observa que: “To rebuild” stands in stark contrast to the enemy’s fate of becoming a place trampled like mire in the street”. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 754. King explica que “the building of your walls” is “a metaphor for the
155
que nele “a fronteira estará mais longe”. Finalmente, em terceiro lugar, no v. 12a,
o dia será aquele em que os judeus voltarão da dispersão universal para a terra,
agora mais ampla e mais segura para moradia. O autor chama a atenção para o
significado do termo, comum no hebraico, para muro da cidade: hm'Ax (cf. Lv
25,29; Dt 3,5; 28,52). A palavra usada aqui, rdeg", designa, na maioria das vezes,
qualquer tipo de cerca para campos, sebes ou vinhas484. É usado, metaforicamente,
no sentido de proteção e força .Em Is 5,5, anuncia a derrubada do muro em torno
da vinha (Judá), de modo que esta seja espezinhada por animais selvagens. O Sl
80,13 aponta que o muro está destruído e a vinha acessível, sem proteção; e em
Mq 7,11 promete o dia em que os muros protetores em torno de Jerusalém serão
reerguidos485. Dessa maneira, a reedificação dos muros, pode aplicar-se, em
sentido metafórico, à restauração da nação486.
Barker487 concorda com Kessler sobre o significado do termo hebraico rdeg".
No entanto, não pensa que o versículo aponte para a restauração da nação, pois a
expressão “naquele dia”, do v.12a, parece indicar um cumprimento escatológico.
Em sua opinião, os vv. 11-13 foram completados progressivamente em, pelo
menos, dois estágios. Waltke488 supõe outra conotação. Possivelmente, o termo
rdeg", seja usado como metáfora para comparar Sião a um rebanho. A palavra
escolhida sugere que Sião habita seguramente protegida dos seus atacantes. Ela
descreve os muros em volta da vinha Sião (cf. Ez 47,13-23; Ab 19-20). Refere-se
aqui a um futuro distante, quando Deus reunirá e restabelecerá Israel em sua terra
(cf. Zc 2,4-5) – nesta era Israel não terá mais muralhas. O plural de extensão
indica que os muros são largos, um ponto que foi elaborado sobre o v. 11b. Essa
suposição não é aceita em favor da hipótese de uma restauração escatológica.
A segunda característica do dia (aWhh; ~Ay) é que, nele, “a fronteira se
distanciará”. A expressão verbal qx;r>yI (qx;r), unida ao termo qxo, significa um
reestablishment of the Jews in the promised land…The prophet most likely has in mind the walls of Jerusalem, though gAdEr is not common term for city walls. Cf. KING, P. J., Amos, Hosea, Micah – An Archeological Commentary, p. 73. 484 Cf. Nm 22,24; 32,16.24.36; Is 5,5; 27,2-4; Na 3,17; Sl 80,9ss. 485 Assim também pensa Willi-Plein, I. Vorformen, p. 107s; WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757; BAKER, D. W., & ALEXANDER, T. D, WALTKE, B. K., Obadiah, Jonah, Micah, p. 129. 486 Cf. Is 54,1-3; Jr 13,38-40; Ez 36,10.33; Zc 2,1-4; 10,10. 487 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 129. 488 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 757.
156
limite ou uma fronteira distante, ou seja, um território alargado489, do qual falam
também alguns textos proféticos (cf. Is 5,14; Is 26,15; Jr 5,22; Am 9,12-13; Ab
19; Zc 10,10). Posto que Miquéias gosta de usar paralelismo, essa frase refere-se
também a uma restauração completa e visível, com um alargamento das fronteiras,
dada a afluência das pessoas490. Andersen e Fredman491 propõem que a
restauração de Judá passe pela dominação de seu território (cf. Is 16,15; 49,19).
Para os autores, o texto quer destacar o tamanho do reino restaurado, retratar a
esperança de recuperar a antiga glória do reino de Davi. O tema da extensão do
território de Israel não é novo.
Willi-Plein492 contesta essas interpretações. Na sua opinião, o termo qxo, que
traduzimos por “fronteira”, não significaria um limite territorial, apesar de apontar
o distanciamento de um limite existente até então. De acordo com a autora, %yIr'deG>
tAnb.li é sempre sobre limites impostos por Deus: para a chuva (cf. Jó 28,26); para
o mar (cf. Pr 8,29; Jr 5,22); para os céus (cf. Sl 148,6; para o tempo (cf. Jó
14,5.13). Aqui se refere unicamente aos “muros”, a julgar pelo v. 11a.
O estudo desses versículos é feito à luz de uma correspondência temática
com Zc 9,7, onde se fala, de maneira teologicamente análoga, que o restante
dos povos vizinhos de Israel serão integrados ao povo de Deus, por meio da
ação do próprio YHWH, que elimina tudo o que poderia perturbar a relação
com Ele. Existem em geral diferentes ressonâncias temáticas entre o texto do
Livro de Miquéias, aqui considerado, e Zc 8-10, de modo que uma
dependência temática não deve ser excluída. Assim, a causa das fronteiras serem
estendidas apóia-se no fato de que muitos povos de outras nações virão a Judá
pela ação salvífica de YHWH. Renaud493 coloca em evidência a interpretação de
Willi Plein, ressaltando que não se pode falar propriamente de reconstrução de
muralhas, mas de uma renovação de todos os limites com acesso a Jerusalém, para
onde as pesoas de toda a parte dirigir-se-ão (cf. Mq 4,8). Essa análise apresenta a
vantagem de ler intimamente os vv. 11 e 12.
489 Cf. BDB, 935a. 490 A cidade nova deve ser maior para conter todos aqueles que irão viver no seu recinto. Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 85. 491 Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 586. 492 Cf. WILLI PLEIN, Vorformen der Schriftexegese innerhalb des Alten Testaments, pp.107-108. 493 Cf. RENAUD, B., Michée, p. 360
157
A terceira locação do termo “dia” (aWh ~A) no v. 12 mostra ser uma
continuação do versículo anterior, todos, judeus e pagãos, convertidos se voltarão
para Sião. É o glorioso tempo de salvação. Esse verso, enquadra-se no contexto
das proclamações de salvação, de que Israel voltará a Sião (cf. Is 35,10; 51,11; Sf
3,20; Ag 2,7; Ez 11,16; 34,13; etc). Avaliamos que é tempo de um evento; e
aqui tem especial relevo o cumprimento da promessa: o texto marca uma
significativa promessa para o futuro. Eis por que pensamos conseqüentemente,
um futuro de salvação escatológica.
Visto que a vinda dos povos é certa, é preciso distinguir quais são esses
povos. Com base em Mq 4,6ss poder-se-ia pensar que se trata dos exilados e, de
uma maneira geral, da diáspora, como aponta Kessler494. Caso o pronome “ti”
refira-se à cidade propriamente dita, que, nesse caso, estaria identificada com os
“teus” do v. 11, existem, ainda dois grupos que podem ser identificados como
aqueles que vêm: estes podem ser tanto os israelitas exilados, que voltam do
cativeiro, quanto as nações inimigas que procuram atacar e destruir a cidade.
Nesse caso, o versículo estaria em paralelo com 4,11-13; e no outro com 4,6-8. É
difícil harmonizar tanto uma interpretação como outra com data pós-exílio, visto
que a Babilônia não é mencionada na passagem495. Todavia, o texto sugere que
não se trata, nem meramente do retorno da diáspora judaica, nem exclusivamente
de uma peregrinação dos povos, mas claramente de ambas as coisas (cf. Sl
72,8; Is 19,16-25; 60,5; Zc 9,10; 14,16-19)496.
494 Na opinião de Kessler existem dois argumentos, que favorecem a idéia da volta dos dispersados (como em Mq 2,12; 4,6s; 5,2): a) Em Mq 7,8-20 surge, por completo, a idéia da volta dos povos, mas só no verso 16s b) A idéia da terra cercada e alargada combina melhor com a hipótese do regresso dos dispersados para Sião como morada permanente, do que a idéia de povos veneradores que, provavelmente, apenas temporariamente permaneceriam em Jerusalém. Cf. KESSLER, R., Micha, p. 304. 495 A menção à Assíria poderia sugerir que a profecia foi realizada contra os invasores assírios (cf. Mq 5,7), e não contra o contexto da Babilônia, como os críticos insistem em dizer. Todavia, há uma referência semelhante à Assíria no texto de Zc 10,10, cujo contexto refere-se ao período persa. Portanto este argumento não convence. Outros autores, tais como Smith, notam que não há nenhuma predição contra invasões forasteiras nem uma promessa de conversão das nações, apenas uma promessa do retorno dos judeus exilados. Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, Critical and Exegetical Commentary, Edinburgh: T.&T. Clark, 1985, p. 150. 496Lescow destaca que a ausência de um sujeito para aAby", fala em favor de que o autor pretendia, com sua afirmação geral, uma ampliação consciente, tanto do retorno da diáspora judaica quanto de uma peregrinação dos povos. Cf. LESCOW, T., “Redaktionsgeschichtliche Analyse von Micha 6-7”, ZAW 84 (1972) 182-212, p. 208. Hillers concorda com Lescow: como ambas as idéias ocorrem no livro de Miquéias (cf. 4,1-2 e 2,12), não há uma razão clara para se preferir uma ou outra. Cf. HILLERS, D. R., Micah, 91. Deissler sustenta que a afirmação de uma peregrinação de todos os povos em direção a uma nova Sião é um dos elementos mais firmes de
158
O retorno dos exilados ou daqueles da diáspora é iniciativa da ação
salvífica de YHWH. Isso, de fato, na opinião de Zapff497, parece valer também
para Is 27,12s (cf. sobretudo o v. 12), ainda que ali, como em Mq 7,12, o
discurso fale de uma “vinda” (aAby"). Diferentemente de Mq 7,12, em Is 27,13
essa forma verbal aAby" tem, porém, um sujeito concreto, a ~ydIb.aoh', pelo qual
devem ser entendidos, com toda a probabilidade, os dispersos de Israel.
Enquanto Is 27,13 fala apenas do retorno dos filhos de Israel, parece que em
Mq 7,12, o círculo dos que peregrinam em direção a Sião é significativamente
maior. Wolff498 também reitera esta visão: a vinda deve ser compreendida tanto
como a do povo disperso de Israel como a do povo de outras nações. Miquéias já
anunciara uma restauração no sentido universalista. Também não se pode excluir,
vale ressaltar, o fato de que já esteja contido, em Mq 7,12, o pensamento de que
não-judeus poderiam juntar-se aos judeus retornando da diáspora (cf. Zc 8,23;
14,16-19).
Assim, esse retorno não será mais do que um cumprimento parcial,
antecipativo da grande volta, que se verificará também parcial e paulatinamente,
até o “grande dia escatológico”499. Outros textos mencionam igualmente que os
grupos, que repovoarão os amplos confins do país, são os dispersos de Israel nas
diferentes partes do mundo500. Dessa maneira, a profecia aqui se posiciona melhor
como passagem escatológica, conforme dissemos no tocante ao v. 11501.
498 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 224; cf. também O. Eissfeldt, Psalm 1968, p. 68f.
algumas esperanças escatológicas, e que nessa mesma linha se inscreve Is 19,23 – esse texto preconiza uma aliança a três, suscitada por Deus, no fim dos tempos, entre Egito, Assíria e Israel. Parece-nos que essa passagem ampara esta última visão, que se refere à vinda dos crentes de todo o mundo a Sião. Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 355. Assim também pensam: WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 443. Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 129. 497 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 186.
499 No período, quando forem construídos os muros de Sião, suas fronteiras serão ampliadas (Zc 2). Os assírios e os egípcios, como retrata Zc 10,10-11, inveterados inimigos de Israel, juntar-se-ão ao povo de Deus (cf. Is 11,15-16; 19,23-25; 27,13; Os 11,11). Desde o Egito até o Eufrates, virão as multidões à Sião restaurada. Para uma similar descrição de uma restauração mundial cf. Ez 34,13; Zc 10,8ss.; Is 27,12; Sl 107,2ss. 500 Cf. Mq 4,2.6-7; Sl 147,2; Ez 34,13; Zc 8,20-21; 14,16-17; Is 46,23; 60,1-2; 66,23; Zc 8,20ss.; 14,16ss. 501 Segundo Barker, se os vv. 11 e 12 estão em paralelo com a passagem de Mq 4,2-4, aqueles que vêm são os gentios convertidos, vindos de todos os pontos da terra ao encontro daquele que governa Jerusalém restaurada (cf. Mq 4,2; Zc 8,20ss; 14,16ss; Is 40,1ss; 46,23). Cf. BARKER, W. D., Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias , p. 281
159
Em relação à dupla menção de rAcm', Clarck502 nota que os lugares listados,
Assíria e o “rio”, aqui visto como o Eufrates503, estão na mesma região, e que os
vv. 12b e 12c descrevem um movimento de ida e volta na mesma direção:
primeiro, em um movimento do nordeste (Assíria) ao sudeste (Egito); e, então, do
sudeste (Egito) retornando ao nordeste (o Eufrates). Essas indicações apontam, de
um certo modo, os quatro pontos cardeais. Sejam eles convertidos, sejam israelitas
retornando do exílio, sejam as nações inimigas, todos procedem do Oriente
Médio504. Portanto, não é uma nova designação geográfica, mas uma descrição
genérica e global. Dessa forma, o texto não falaria somente do regresso da
diáspora, mas também da afluência dos povos para Sião. Se essa era a intenção, o
texto torna-se claro505.
O sentido de ~Y"mi ~y"w> evidentemente se refere a dois mares: “de um mar ao
outro,” e essa interpretação tem sido adotada por vários autores, tais como:
Wellhausen, Weiser, Robinson, Rudolph, Wolff, Hillers506. A leitura “de um mar
a mar, de uma montanha a outra montanha” refere-se a todos os mares e
montanhas em geral507. Mesmo com algumas obscuridades, fica claro o que o
verso quer dizer: “virão a ti, de todo o mundo”508. Dessa forma, todos os vizinhos
tradicionais de Judá estariam incluídos.
A forma verbal ht'y>h'w. que inicia o v. 13 marca a introdução de um novo
parágrafo. Este versículo contrasta com os vv. 11 e 12. Enquanto aqueles falam da
restauração de Jerusalém e de seu povo, este aponta a punição que ocorrerá aos
habitantes do resto do mundo. A palavra #r,a, reforça a ambigüidade. Alguns
502 Cf. CLARCK, D., A Translator’s handbook on the books of Obadiah and Micah, by United Bible Societies, 1982, p. 185. 503 O termo rh'n; aqui mencionado sugere ser o “Rio Eufrates”. Há referências similares ao Eufrates nos textos Zc 9,10; Sl 72,3; 1 Rs 4,21; 14,15; 2 Sm 10,16. 504 Barker observa que existem omissões notáveis nas citações geográficas: nada se diz acerca dos babilônios, persas ou gregos. Cf. BARKER, W. D., Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias, p. 281. 505 Rudolph (129) pensa que tal hipótese é ingênua, mas ele não sustenta uma razão adequada para a interpretação do texto hebraico. O mesmo ocorre no pensamento de Robinson (151). 506 Cf. WELLHAUSEN, 27, WEISER, 287, ROBINSON, 150, RUDOLPH, 127, WOLFF, H. W., Micah, 186, HILLERS, D. R., Micah, p. 87. 507 “No particular sea is alluded to; the expression is rather general and indefinite, and so intended to convey the impression of vastness of expanse”. Cf. SMITH, J. M.; WARD, W. H. and BEWER, J. A., Micah, Zephaniah, Nahum, Habakkuk, Obadiah and Joel, Critical and Exegetical Commentary, Edinburgh: T.&T. Clark, 1985, p. 150. 508 Para Kessler, a região Assíria não deve dizer respeito ao reino neo-assírio cujo declínio ocorreu, historicamente, no séc. VII, mas que pode referir-se também à região no norte e nordeste de Judá, dominada pelos persas e, mais tarde, pelos selêucidas. Cf. KESSLER, R. Micha, p. 303.
160
autores, entre eles Barker,509 notam que o termo pode designar um país, a saber:
Judá, que neste contexto havia sofrido a exclusão; ou como mencionado acima,
outros países. Parece, pelo contexto, aludir, em alguns textos, especialmente, as
nações incrédulas (o resto da terra) que serão devastadas em expiação de seus
pecados (cf. Is 24,1-6; Sf 1,18; 3,8). Enquanto Israel experimenta a salvação, o
resto do mundo sofre o julgamento divino. É realçada, dess forma, a inter-
relação entre a ação de YHWH e o novo estado de Israel.
Kessler510 corrobora a observação acima, acrescentando a idéia de que a
terra transformada em desolação é, na verdade, há muito tempo, corrente (cf. Ex
23,29; Lv 26,33; Is 1,7). Isso também pode ser dito de lugares isolados (cf. Js
8,28; Jr 49,2.33) e, em Mq 1,7, de Samaria. Mas aqui neste verso, o termo #r,a'h' não pode significar a terra de Israel, pois como vimos, anteriormente, ela não deve
ser desolada, mas habitada e está dentro de um oráculo salvífico para o povo.
Em contrapartida, é corrente a idéia da terra devastada na seção de Is 24-27.
Para ele, também, já tinha conduzido a expectativa da ampla fronteira em 7,11 (cf.
Is 26,15)e, especialmente, em Is 24,1s.19s; 26,21. Lá, como aqui, encontra-se a
combinação de “a terra” e “seus moradores” (cf. Is 24,1.5.6), como também é
citada a culpa dos moradores da terra como motivo para a desolação (cf. Is
24,5)511. Trata-se então de uma ameaça de esterilidade, de morte, causada pela
falta de , que é tema comum nas Escrituras (cf. 2 Sm 21,1ss.; Is 24,5; 26,21; Lv
18,28). Encontra-se especialmente no Livro de Jeremias, onde surge em
conexão, dentre outras coisas, à punição impingida por Deus (cf. Dt 28,20; Jr
4,4; 17,10; 21,14; 32,19).
Wolff512 conclui que essa sentença independente estende a ameaça lançada
contra a inimiga nos vv. 8a, 10, e antecipa o pensamento expresso no v. 16. A
sentença justapõe uma terra destruída com a comunidade de Sião, protegida,
estendida e reunida de toda a parte do mundo (v.11), pois aqueles, que se
converteram, irão em peregrinação a Sião; enquanto que os outros serão punidos
509 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 129. 510 Cf. KESSLER, R., Micha, p. 304s. 511 Zapff argumenta que em Is 24,1.5.6.17; 26,21; 51,6 e Sf 1,18 o discurso é sobre os habitantes da terra (#rah ybvy) em conexão com um julgamento mundial. À luz desses textos, Is 24,5ss e 26,21 mostram o mesmo contato estreito e a mesma ressonância com Mq 7,13. Além disso, ambos os textos, analogamente a Mq 7,13, nomeiam a culpa dos habitantes da terra como a razão para o julgamento (Is 24,5; cf. também Sf 1,17). Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 187.
161
com a morte. O autor retrata Jerusalém como um oásis no deserto da terra. E
aponta para textos semelhantes encontrados em Ab 16s; Jl 4,18-20 e Zc 14,10ss.
A destruição das cidades e a morte dos homens são um castigo pela sua
infidelidade e a causa de sua hostilidade para com Israel. Essa desolação dada à
terra deve ser estendida ao mundo pagão em geral, a terra inimiga de Israel (cf. Jr
49,13.17; 50,23; Sf 2,13; Jó 3,19). Há, por trás dessa sentença, o pensamento de
uma ampliação do julgamento originariamente válido apenas para Israel, agora
para o mundo inteiro. Isso confirma a compreensão acima defendida, de que
houve mudanças na descrição do julgamento de YHWH. O castigo recai sobre
as pessoas, pelo fruto de suas ações513. Em favor dessa conclusão, poder-se-ia
citar o fato de que em Mq 3,4 já se encontra a sentença do castigo. O texto
mostra os maus atos dos líderes e governantes de Israel, os quais caminham
para esconder seus rostos frente a YHWH, por causa de suas más ações. Em
Mq 7,13, a sorte da terra liga-se à responsabilidade humana.
Zapff514 confirma esta intenção do pensamento do profeta: YHWH impõe
sua Lei, que antes valia apenas para Israel, agora, para todos os povos. Este, na
opinião do autor, é realizado em conexão com o “Dia da reconstrução de Sião,”
e o retorno da diáspora ou da peregrinação dos povos para Sião. Dessa forma,
Mq 7,12s destaca-se, ao lado das diferenças, já indicadas, também orespeito à
seqüência dos eventos básicos do texto de Is 27,12. As relações de Is 24,5ss
(cf. Mq 7,13) e Is 27,12s (cf. Mq 7,12) são exatamente revertidas como as de
Mq 7,12 e 7,13. Se no texto de Isaías o retorno da diáspora encontra-se no fim
de um juízo mundial, no qual os povos do mundo seriam amplamente
destruídos, no Livro de Miquéias, ocorre o julgamento mundial somente após a
reconstrução de Sião e o retorno da diáspora, ou da peregrinação em direção a
Sião. Pode-se concluir que pelo menos uma parte dos povos do mundo não
será afetada pelo evento do julgamento.
Também para Kessler515, a seção dos vv.11-13 se encaixa melhor na imagem
de um futuro no qual a nação judia – e talvez aqueles povos que se juntaram a ela
– viverá em uma Judá ampliada e segura, enquanto que o restante da terra sofrerá
512 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 225. 513 O vocábulo yriP. (fruto) é uma figura metafórica usada como consequência de uma ação. Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 548. 514 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 187-188. 515 Cf. KESSLER, R. Micha, .p. 305.
162
uma desolação. Com essa imagem, divide o universalismo e o pensamento da
separação em salvos e perdidos, sem, no entanto, compartilhar de outros sinais
(como a especulação sobre épocas, tipos especiais da revelação, etc).
7,14-17 Oração para solicitar o pastoreio de YHWH
Inicia-se no v. 14 uma nova unidade, em que o profeta é novamente o
orador. Ele que fala em nome da comunidade, dirige-se a YHWH, o Pastor, para
que, como nos dias gloriosos do passado, alimente e oriente o seu povo. Sua
oração resume toda a esperança para o futuro de Israel: YHWH, no papel de
pastor, e o povo como “rebanho de sua herança”. Essa imagem está ligada à
unidade final (vv. 18-20), onde o povo é denominado como o “resto de sua
herança” (v. 18d). A seção aponta Israel sendo reunido em virtude do pastoreio
divino. Aquele que fala apela a YHWH pela liberdade de seu povo,
fundamentando-se na justiça do caráter divino. Os grandes dias do passado
haveriam de retornar, pois Deus não havia mudado, e com o povo arrependido
YHWH faria maravilhas aos olhos das nações.
Há no v. 15 uma curta e positiva resposta de YHWH. Ele intervirá com
prodígios em favor de seu povo, como fizera, quando saíram do Egito. Os vv. 16-
17 mostram que as nações inimigas serão humilhadas; aquelas que, por seu
senhorio, zombavam de Israel, agora se envergonham de sua arrogância. Elas se
curvam de medo diante de YHWH, o Deus de Israel516.
Wolff517 observa que o orador apresenta, com detalhes, seu pedido para o
povo de Deus (v. 14) e para as nações do mundo (v.16). Esta petição é diferente
dos vv. 8-10. É atestado pelo uso do sufixo pronominal ^ (^t,l'x]n:-^t,l'x]n:-^M.[;) que
o pastor possui uma relação íntima de posse com o orador e a comunidade pela
qual ora: “ Apascenta teu povo com teu cajado, o rebanho de tua herança”. Essa
correspondência aponta que YHWH apascenta o rebanho que pertence a Ele
mesmo. Pode-se então, dizer que YHWH não é um pastor assalariado, já que não
516Willis aponta que ~[; (povo) no AT possui um sentido pessoal e subjetivo, enquanto que ~yIWg é usado objetiva e impessoalmente. A intensa relação de YHWH com seu povo, refletido no livro de Miquéias, confirma essa distinção (cf. 1,9; 2,4.8.9; 3,3.5; 6,3.5.16). Um fato interessante é que a palavra ~[;, com exceção de 7,14, ocorre exclusivamente na seção de condenação, enquanto que o termo ~yIAg (nações) ocorre apenas nas seções de esperança do livro de Miquéias (2,12-13; 4-5; 7,7-20), isto é, em 4,2.3 (3 vezes) 7.11; 5,7.14; 7,16), sendo que apenas uma vez se refere a Israel, a saber, em 4,7. Cf. WILLIS, J. T. “Micah 2,6-8 and the “People of God” in Micah”, BZ 14 (1970) 72-87, p. 86. 517 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 225.
163
apascenta pessoas estranhas, mas sim o seu próprio rebanho. Kessler518 enfatiza
que o pedido de que YHWH deva apascentar, Ele mesmo, seu rebanho, forma um
contraste com a metáfora negativa do pastor citado em Mq 3,1-4, onde os líderes
de Israel são acusados de não apascentarem seu rebanho, mas de abatê-lo. O
profeta utiliza palavras duras de julgamento contra grupos de lideranças formados
pelos “chefes” e “dirigentes” de Israel, tratados como corruptos.
Encontramos ainda no livro de Miquéias a imagem de Deus-pastor em 2,12;
4,6s; 5,3519. A imagem conferida a Deus como Pastor é também comum nos
salmos de oração (cf. Sl 23; 28,9; 74,1; 80,2), e funciona como motivação nos
hinos (cf. Sl 95,7; 100,3)520. Todavia, a função de YHWH em relação ao seu
povo como a de um pastor para o seu rebanho é encontrada sobretudo em Ez
34,13-16. Neste texto, o Senhor cumpre pessoalmente as tarefas de um pastor
num momento crítico para o rebanho. Dessa vez, não se trata, como nos
capítulos anteriores, de congregar o rebanho disperso, mas, genericamente, de
“apascentar” (cf. Gn 49,24; Is 40,11; Jr 31,10). O povo de Deus não se reunirá de
novo como ovelhas sem guia. O estado de morte em que o povo se encontra, dará
lugar a uma vida que se lhe impõe, em virtude do poder regenerador de YHWH
sobre a aridez de Israel. A certeza e a segurança com que se desenvolve a
metáfora do pastor acentuam o aspecto da eleição e a necessidade de proteção,
além da imagem sublinhar, sobretudo o aspecto de reinício de vida.
518 Cf. KESSLER, R., Micha, p. 305. 519 Segundo Soggin, em uma sociedade cuja economia baseia-se, principalmente, na agricultura e na pecuária, o título de pastor pode ser dado, sem dificuldades, a Deus, ao rei e à autoridade em geral. YHWH é considerado pastor e encontrou essa denominação clássica nos textos: Sl 23,1-4; 28,9; 80,2; Gn 48,15; 49,24; Is 40,11; Jr 23,2ss.; 50,19; Os 4,16; Mq 2,12; 5,3; 7,14. O povo é ainda chamado de “rebanho de YHWH” em Sl 74,1; 94,14; 95,7; 100,3; e Israel aparece como o “herdeiro de YHWH” em Dt 4,20; 9,29; Jl 4,2; Is 47,6. Pode-se dizer que esse é um título muito antigo e que remonta à época da religião dos patriarcas. Parece que aqui surge a conclusão da discussão. Cf. SOGGIN, J. A. “h[er”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 996. 520 Zapff chama atenção dos pontos de contato lingüísticos com Sl 28,9: ~lw[h d[ ~avnw ~[rw $tlxn ta $rbw $m[ ta h[yvwh, deve remeter, em última instância, a Gn 48,15, onde o Deus de Jacó é designado como “meu pastor”, o que não é de pouca importância, pois o tema de Jacó também ecoa de novo em Mq 2,12. No Livro de Miquéias, Mq 7,14 mantém uma correspondência sobretudo com Mq 2,12 (considere-se a palavra-chave !ac), onde encontramos, além disso, não apenas a metáfora do pastor, mas também a promessa de que YHWH vai juntar o resto de Israel reunido diante Dele como um rebanho nas terras a oeste do Jordão (Bozra). Em nosso versículo, as duas terras a oeste do Jordão, designadas são: Galaad e Basã. Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, pp. 188-189.
164
Waltke521, na sua análise sobre o v. 11a, sugeria que o termo (h)rdg era
usado para indicar que Sião habitará seguramente, protegida dos invasores. Nessa
mesma linha de pensamento, indica que no v.14 o profeta pede para YHWH
pastorear seu povo dentro da Sião reconstruída e punir as nações maldosas. No
entanto, parece-nos que a oração do profeta expressa um intenso desejo de o
Senhor tirar o povo de seu estado atual para uma nova situação cheia de bênçãos.
O cajado, característica do pastor, não é a vara do castigo, como em Mq 6,9 (cf.
também Sl 2,8-19 e Is 10,5), aqui permanece a de terno cuidado e proteção dada
por YHWH a seu povo (cf. Sl 23,4). A oração do profeta clama por uma
orientação por parte de Deus, pastor do rebanho escolhido. Trata-se de uma
referência a Israel como posse especial do Senhor. O futuro de Israel não está nas
armas, como nos dias anteriores à sua queda (cf. Mq 4,3; 5,10-11), mas nas mãos
de um pastor fiel.
A expressão “o rebanho de tua herança” (cf. Jl 3,2; Is 19,25; 63,17; Jr 10,16;
Sl 74,2; 78,71; 80,1; 95,7; 100,3) continua a metáfora – o povo que o Senhor
escolheu522. O profeta relembra a aliança eterna estabelecida por YHWH com
Israel.
Zapff523 destaca que o par de palavras ~[; e hl'x]n:, com um sufixo em cada
caso relacionado a YHWH, trata-se, como tudo leva a crer, de uma mudança
solidamente estabelecida, que encontramos, ao lado dos Salmos (cf. Sl 28,9;
94,5.14; 106,40); do Livro de Joel (cf. Jl 2,17; 4,2) e também na obra histórica
Dtn e Dtr. No grupo de textos indicados por último, ela encontra-se, sobretudo,
na conexão com a fuga do Egito guiada por YHWH (cf. Dt 4,20; 7,6; 9,26.29;
32,9; 1 Rs 8,51). Isso, por sua vez, é significativo, porque o tema do Êxodo
possui um papel importante tanto nesse versículo como também em Mq 6,4 e
7,15. O autor observa que a junção de palavras ^t,l'x]n: !aco é, por outro lado,
apenas encontrada em nosso versículo, uma indicação de que a metáfora do
pastor teria sido conscientemente ligada ao par de palavras ~[; e hl'x]n.
521 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 759. 522 O rebanho é a propriedade pessoal de YHWH (cf. Ex 19,5-6; Dt 4,20; 9,26.29; 32,9; 1 Rs 8,51.53; 2 Rs 21,14). A imagem de rebanho aplicada a Israel encontra-se também em Sl 74,1; 95,7; 100,3; e Israel como “herança” de YHWH é um motivo freqüente, tanto nos profetas quanto no livro do Deuteronômio (cf. Dt 4,20; 9,29). 523 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p.189.
165
Em Miquéias, reencontramos hl'x]n apenas em 7,18, onde se fala do “resto
de sua herança” (Atl'x]n: tyrIaev.). Ali sobressai, sobretudo, o perdão da culpa por
parte de YHWH em relação ao seu povo, o que, mais uma vez, está ligado à
mudança a partir dos eventos do Êxodo (cf. v. 19). Wolff524 nota que essa
mesma expressão enfatiza menos o pensamento de herdeiro do que a permanência
e a inviolabilidade de prosperidade. YHWH criou, pelo poder de sua livre escolha
(Sl 33,12), o rebanho como sua posse. Por isso, Deus considera Ele próprio
responsável. Nessa perspectiva, encontramos também o mesmo motivo de
confiança no louvor de Is 63,17; Jl 2,17. Conclui-se que o pedido aflito do orador
só pode ser entendido com a leitura do verso seguinte: o povo vive, na solidão e
reclusão, no ermo da floresta.
Para Limburg525, o termo r[;y: pode significar desde “floresta densa” até
“matagais” ou “capões”. Uma floresta não parece um lugar próprio de moradia
para um rebanho. Muitas das florestas do antigo Israel abrigam animais perigosos
(cf. Is 56,9; Jr 5,6; Os 2,12; Am 3,4)526. A mesma palavra ocorre em 3,12, em um
terrível anúncio de ameaça. Talvez essa palavra tenha sido escolhida para fazer
uma conexão com essa profecia, mais conhecida, de Miquéias (3,12). Mays527
interpreta r[;y: (floresta) no sentido de que essa imagem reflete uma situação
histórica na qual o território da nação está confinado à colina de um país, com as
suas boas terras de pastagens, caracterizada aqui, sobretudo, como as terras a
oeste do Jordão, em posse de outros528. Nessa visão, o orador descreve a condição
humilde de Israel diante de seu desejo de que o Senhor o leve novamente a pastar
como nos dias antigos. YHWH deverá ajudar, mais uma vez, Israel frente a uma
situação aflitiva real529.
524 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 225. 525 Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 194. 526 R[;y: is the bush or thicket ruled by wild animals (5:7; cf. 3:12 conj.; on this subject, cf. Isa 7:23-25). Here the word stands in clear antithesis to lm,r>K, the fruitful orchard. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 226. 527 Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 164. 528 Parece que aqui se faz uma alusão de que o país está desprovido de regiões férteis. Ou, como diz Barker, eles estão sós, com a melhor terra em volta deles, mas nas mãos dos outros. Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 131. 529 Essa representação da solidão de Israel encontra-se também em outros textos (cf. Nm 23, 9; Lv 13, 46; Lm 1,1; Jr 49, 31). Em Nm 23,9, está nitidamente comprovada a idéia de que Israel “mora só”, como aqui formulado com dd'b'(l) !k;v'. Em Dt 33,28; Sl 4,8 e Jr 49,31, diz o mesmo de Kedar, que se encontra “só”, em paralelo a “seguro”. Essa visão requer que o intérprete assuma uma relação entre “estar na floresta” e “terras férteis de pastagens”. A saber, Israel está restrito à
166
Israel está separado dos outros povos: “mora a sós”. Na opinião de
Kessler530, a conotação em Mq 7,14 é a de que Israel mora sozinho, separado dos
outros povos, mas também em segurança - um pensamento que, numa linguagem
bem diferente, já tinha sido expresso nos vv. 11-13. Desde a influência cultural
assíria sobre Judá, como vista no século VII; desde o contato com a cultura
babilônica em alta a partir do século VI; mas, sobretudo, desde a marcha triunfal
da cultura ocidental helênica no século IV, a avaliação positiva de um isolamento
de Israel é parte da retomada da própria identidade que, desde a Antigüidade,
causou afetos anti-judaicos.
O v. 14d aponta o local onde o povo mora sozinho: na floresta, “no meio do
Carmelo”. O termo lm,r>K; designa “terra fértil”. Os exegetas são unânimes em
afirmar que lm,r>K; não é nome próprio para a montanha do Mediterrâneo, de
acordo com sua locação e significância. Hillers531 observa que não há
circunstância histórica conhecida por nós que tenha confinado o povo de Deus ou
um resto de Israel no Carmelo. Tal conotação deve referir-se, de alguma forma, à
condição desfavorável na qual se encontra o povo. Parece, no entanto, razoável
entender que o povo de YHWH encontra-se separado de todos os outros povos,
que habitam regiões férteis. Nesse caso, estava de alguma forma impedido de ter
acesso às terras férteis.
Deissler532 pensa que a palavra “Carmelo”, que representa pomar, e pomar
refere-se à floresta e não à montanha do Carmelo. Na mesma linha coloca-se
Wolff533 - interpreta a expressão “no meio do pomar” referindo-se a um território
limitado, que é apenas acessível para o povo como terra habitável. Esse “pomar”
(cf. Is 29,17; 32,15) está localizado no território afastado e impossível de ser
trabalhado. Para Bernini534, o que o autor quer afirmar neste versículo é que o
rebanho de YHWH tem sua morada na floresta do Carmelo, lugar inadequado
para o cultivo. A distinção feita por Waltke535 anteriormente é retomada aqui. O
autor discorda novamente dos demais autores, pois interpreta esse versículo,
floresta e deseja as terras férteis de seus vizinhos para pastorear. Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 348. 530 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 305. 531 Cf. HILLERS, D. R., Micah, p. 91. 532 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 357. 533 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 226. 534 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 348. 535 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 759.
167
novamente, no sentido de reforçar a idéia verificada antes: o povo está cercado de
segurança na sua existência. A palavra lm,r>K; pode ser, na sua visão, ou um nome
próprio para o Monte Carmelo, ou um nome comum para “jardim fértil”.
Semelhante passagem, em Jr 50,19, favorece a primeira; e o paralelo “floresta”
favorece a última. Em Is 29,17, essa palavra posiciona-se como um antônimo para
floresta536; entretanto em Is 37,24, as duas palavras são combinadas para designar
o bosque mais denso, aqui, presumivelmente, com grama. Podemos concluir que
essas referências não apontam as regiões em si, mas um sentido simbólico de que
mesmo em terra fértil, cercado de segurança, o povo encontra-se só, pois está sem
guia, ou seja, sem Deus. O sujeito do verbo W[r>yI é o rebanho sofrido, e a ação
verbal h['r' significa “encontrar pastagem”. O propósito do pastor é prover ao
rebanho pastagem suficiente. A metáfora do pastor acentua o aspecto da eleição e
a necessidade de proteção, além de a imagem sublinhar, sobretudo, o aspecto de
reinício de vida. Dessa forma, esse versículo é explicado como promessa divina e
prepara o leitor para as cenas seguintes, nas quais YHWH libera o povo das
ameaças das nações.
Como é imediatamente indicada, a referência - para pastorear o povo- são as
áreas férteis situadas na Transjordânia, além do Jordão. A alegria do povo será
pastorear novamente nos campos em Basã e Galaad. Estas localidades são
conhecidas por suas terras ricas em pastagem, que provêem as condições ideais
para criar rebanho e gado (cf. Am 4,1; Is 2,13; Jr 50,19; Ez 27,6; 39,18; Zc 11,2;
Dt 32,14). O rebanho de Israel, segundo o desejo da prece, deve viver sobre a terra
mais fértil537. Galaad e Basã foram os primeiros locais ocupados por Israel (cf. Dt
3,10.13; Js 13,9-11; 20,8) ainda no tempo de Moisés (cf. Nm 21,33-35; 32,1; Dt
3,1-20; Js 12,4-6; 13,11ss.29-31)538. Aqui há uma contraposição entre a situação
atual do povo e aquela do início de Israel na Terra. O profeta fala, então, de um
536 Neste texto, o tempo escatológico é iminente em seu mistério – o homem não deve precipitar seus prazos, mas deve esperar.Biblia Peregrino. 537 “If we link the references to Carmel, Bashan and Gilead (14) with the vision of Jerusalem extending its boundaries (11), we have a thrilling scenario. The whole of this territory will be contained within the rebuilt walls of the new Jerusalem – geographically impossible but theologically powerful. This also corresponds to the perfection, beauty and fruitfulness of the holy city which John saw ‘coming down from God out of heaven’ at the end of the book of Revelation (cf. Rev 21,10-22,5). Cf. PRIOR, D., The Message of Joel, Micah & Habakkuk, p. 196. 538 Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 195.
168
novo Israel, restaurado na sua original prosperidade e segurança, “como nos dias
antigos”, quando Deus o escolheu como “herdeiro”.
A expressão ~l'A[ ymeyKi que termina o v. 14 é o critério de esperança para
uma nova possibilidade de ocupar uma vez mais terra prometida539. Em resposta à
oração do profeta, YHWH (7,15) interrompe a petição com um oráculo de
salvação. Deus promete novamente a liberdade a seu povo (cf. Jr 16,14-15). O
Senhor confirma que, mesmo que o pecado tenha persistido, Ele não se
desinteressou pelo seu povo. Para McKane540, apenas Deus poderia fazer tal
afirmação541. Apesar do nome de YHWH não ser usado, a menção da saída do
Egito identifica-o claramente. Ele, de fato, mostrará a Sião as maravilhas, como
quando levou seu povo para fora da escravidão do Egito, iniciando a sua
caminhada para a terra prometida. O verso traz uma visão tanto do passado quanto
do futuro. Aqueles dias tornaram-se paradigmáticos (cf. Ex 12,50-51;
13,3.9.14.16; 15,11)542. Os “dias de outrora” são, agora, interpretados como os
“dias da tua saída da terra do Egito”. A forma verbal ^t.ace é a mesma do v. 9, mas
aqui ocorre dentro do contexto do Êxodo543. Assim a força da sentença reside no
uso clássico do verbo acy como verbo típico e dominante do Êxodo.
Barthélemy544 observa que esse versículo deve estar ligado sintaticamente ao
versículo anterior, para evitar alguns contrastes545. Todavia, mais do que isso, é
539 Kessler aponta, ainda, que esse versículo refere-se também ao Êxodo precedente (em 6,4s o Êxodo e a ocupação da terra são igualmente mencionados juntos). Em contrapartida, em Mq 5,1 (~l'A[ ymeym), já alude ao tempo de Davi; e, mais tarde, em 7,20 (~dq ymy), ao tempo dos pais. Há várias tradições do juramento de fidelidade divina ligadas no Livro de Miquéias. Cf. KESSLER, R. Micha, pp. 306-307. Assim também pensa WOLFF, H. W., Micah, p. 227. 540 Cf. McKANE, W. Micah, p. 230. 541 No v. 15, YHWH é obviamente o sujeito da oração, mas alguns intérpretes pensam ser essa leitura incongruente com o contexto. “The three pronouns seem inconsistent within the sentence and with the context. Something has brought disorder into the text. In the rest of the Old Testament YHWH never ‘goes forth from (yAcA' min) Egypt’, though of course Israel does (Ex 13.3; 23.15; Deu 11.10; Ps 114,1 etc)”. Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 165. São da mesma opinião: ALLEN, L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 392; WOLFF, H. W., Micah, p. 212. Todos trocam o texto, e, vêem nele a continuação da oração do profeta. Mas, WALTKE, “Micah”, The Minor Prophets, p. 759, guarda o TM e confirma que o texto é um oráculo de salvação. Os autores que pensam da mesma forma são: HILLERS, D. R., Micah, p. 91; PRIOR, D., Micah, p. 197; FINLEY, T., Micah, p. 183; ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 592; SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, p. 576. Já Limburg, pensa que o orador é o Senhor, mas se o TM for ajustado, ele pode ser compreendido como uma continuação da palavra do povo. Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 195. 542 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 760. 543 Nesse contexto aparece também em Ex 11,4; 13, 21 Jz 5,4; Hb 3,3 e Sl 68, 8; 81,6 ou 82,6. Cf. JENNI, 1043. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 196. 544 CF. BARTHÉLEMY, CT III, 780, pp. 10-14.
169
interessante notar que o v.15 está ligado tanto ao passado (como nos dias antigos)
quanto ao futuro (lhe mostrarei), quando o Senhor mostrar novamente seus
prodígios entre as nações e seu povo. O profeta já mencionara os povos de muitas
nações vindos de toda a parte para a Nova Jerusalém (vv. 11-12). Mencionara
também sobre o julgamento de Deus, na terra, como resultado do comportamento
de seus habitantes. Todo esse processo sublinha a soberania de Deus sobre as
nações e evidencia seu poder, como já demonstrara na terra do Egito.
A resposta divina aqui apresentada (v. 15) é uma promessa de ajuda
milagrosa como no Êxodo do Egito. Quando Miquéias referiu-se ao Êxodo, em
6,4, falava da libertação da escravidão; aqui, porém, a resposta de Deus ressalta os
milagres, que preparam o caminho para o novo Êxodo. Haveria um outro êxodo
milagroso (cf. Os 9,3; 11,5.11; 12,9). Deus mostrará seu poder salvador ao
“rebanho”, não apenas aos remanescentes, mas também às nações incrédulas (cf.
Mq 7,16). As nações gentias irão observar esse milagre e se cobrirão de vergonha,
porque elas verão que todo o seu poder é inferior ao poder de YHWH. Assim, o
terror caracterizará as nações pagãs na presença dessas manifestações do poder de
Deus, e elas se submeterão a Ele no mais humilde temor e reverência.
De fato, nenhum evento prodigioso poderia ocorrer sem que o Senhor, Ele
mesmo tivesse a liderança do povo vindo dos quatro cantos da terra para a nova
Jerusalém546. Fica evidente o testemunho de Israel sobre a força e o poder de
YHWH de criar e transformar. As características apresentadas por Sião é que
YHWH atua poderosamente, decididamente e transformadoramente. Deus tem o
poder de vida sobre Israel e sobre o mundo. Todas as coisas dependem de
YHWH, a quem estas palavras são endereçadas.
Os prodígios que serão realizados não são descritos aqui. Mas o povo
poderia esperar, pois, certamente, seriam repetidos novamente na história - Deus é
fiel e seus atributos eternos. Haveria um novo Êxodo, mas de uma nova e
esplendorosa forma. De fato, somente YHWH pode fazer maravilhas – este termo
545 A proposta de Hagstrom seria a de reunir o v. 15b com os vv. 16 e 17 e entendê-los como uma resposta divina, que abrangeria, apenas os vv. 14.15a. No entanto, no v.17, temos novamente uma alocução de oração, que, contextualmente, refere-se ao termo “prodígio” apresentado no v. 15b. Sendo assim, a interpretação de Hagstrom não procede. Também não há probabilidade do verso 16 ser uma citação na boca de Deus. O suplicante pede a intervenção extraordinária de Deus com a intenção de que todas as nações vejam e reconheçam que YHWH, o autor dos prodígios, é o verdadeiro e único Deus. Cf. HAGSTROM, D. G., The Coherence of Book of Micah, pp. 100-102. 546 Cf. KESSLER, R. Micha ,p. 307.
170
abarca a incompreensão dos atos salvíficos e poderosos de YHWH (cf. Ex 3,20;
15,11 Jz 6,13; Sl 78,11; 98,1; 105,2)547. Assim, as nações veriam que YHWH é o
Senhor de toda a Terra. O termo “prodígios” é comum nos salmos, mas é
encontrado, de outra forma, na tradição apenas em Ex 34,10.
O profeta prossegue no v. 16 com sua petição: as nações também devem ver
(cf. ha'r' v. 9f, 10a e 10e). O texto mostra o efeito do acontecimento sobre as
nações: quando Deus miraculosamente intervier, em favor de seu povo, as nações
verão e se envergonharão. Nos vv. 9-10, Sião antecipou sua salvação nas mãos de
uma inimiga individual. Nos vv. 15 e 16, o “rebanho de sua herança” mostra o
Senhor salvando-o do jugo de todas as nações. São usados os mesmos termos,
tanto para a inimiga do v. 10a quanto para as nações aqui: ver (ha'r') e vergonha
(vwB). O objeto da visão do v. 10a é a última palavra do v.9: Atq'd>ciB.. Assim,
também, no v.16, o objeto da visão pode ser muito bem aplicado ao último termo
do v. 15: tAal'p.nI Wna,r>a;.
As formas verbais War>yI e WvboyEw> mostram-nos que não se trata mais, apenas,
do fato de que a alegria da inimiga tenha chegado ao fim – esta será “coberta de
vergonha” (v.10b)548. As nações reconhecem a grandeza do Senhor e dão-se conta
de sua impotência (cf. Is 52,14-53,1). As nações ficarão confusas, ou seja,
passarão pela vergonha da derrota (cf. Sl 86, 17; Jr 49, 35; 51, 30; Ez 32, 29; 32,
30, etc). Aqui, o profeta aponta claramente quem é o “lhes” do v. 15: as nações.
As ações prodigiosas de YHWH serão expostas não apenas para seu povo, mas
para o resto do mundo. Para Sweeney,549 o testemunho das nações é um elemento
importante da tradição do Êxodo, segundo o qual o Egito e as outras nações
tremeram de medo com a derrota dos egípcios, e, por isso, deixaram o povo passar
ao santuário de YHWH (cf. Ex 15,1-19, (especialmente os vv. 11-18).
A experiência de impotência das nações vem expressa através de duas
imagens concretas: os povos inimigos devem “pôr a mão sobre a boca”, ou seja,
“calar-se”, gesto de quem fica sem palavras diante de um fato que não pode
explicar (cf. Jz 18, 19; Is 52, 15; Pr 30, 32; Jó 21, 5; 29, 9 40,4; Pr 30,32); e “os
546 Cf. PRIOR, D., The Message of Joel, Micah & Habakkuk, p. 197. 547 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 227. 548 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 307. 549 Cf. SWEENEY, M. A., The Twelve Prophets. Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, Haggai, Zechariah, Malachi, Studies in Hebrew Narrative & Poetry, vol 2, Berit Olam, Collegeville, Minnesota: Liturgical Press, 2000, p. 412.
171
seus ouvidos ficarão surdos” (Jó 26,14)550. Eles não mais poderão blasfemar
contra YHWH, nem escutarão as blasfêmias dos outros551. O uso da expressão em
Jz 18,19 indica simplesmente silêncio, em Jó 21,5 é em um contexto de silêncio
causado por estupefação. Em Jó 29,9, ela é provavelmente um gesto de espanto e
talvez admiração; Jó 40,4 destaca um silêncio causado por uma constatação de
uma falta, tolice. Assim, a expressão pode ser traduzida por um silêncio ou
espanto. Faz-se silêncio. Para Bernini552, tais imagens correspondem à expressão
“perder os sentidos”, não saber mais o que aconteceu. A lamentação do Sl 86,17
estabelece a mesma ligação entre os inimigos e a confusão que experimentam. Tal
alusão encontra-se, ainda, em Jr 69,35 ou 49,35, contra Elam; em 51,30, contra
Babel; em Ez 32,29, contra Edom; em 32,30, contra os príncipes do Norte e os
habitantes de Sidon.
Todos os textos sublinham a ineficácia das forças inimigas553. Para o autor,
provavelmente elas se calam pelo impacto de que não têm nada mais a dizer. Mas,
nesse caso, não haveria necessidade de colocar a mão na boca e este não é o caso
desse versículo. Portanto, não se trata apenas da quebra do poder político ou
militar, mas trata-se da reversão da fala jocosa da inimiga ao reconhecimento dos
povos - no v. 10 a inimiga verá e a vergonha a cobrirá; no v. 16 as nações verão e
se envergonharão - diante das ações de YHWH.
A surdez aqui não é uma condição física, antes indica que as nações ficarão
estupefatas com a dimensão da catástrofe: a presença de YHWH, além de ser
vista, se fará ouvir; ela retumbará como um trovão (cf. Jó 26,14), tanto que os
ouvidos ficarão surdos. Essa alusão da impotência dos inimigos diante de YHWH
sublinha a ineficácia de seu poderio>. A expressão “os seus ouvidos devem
550 Os estudos, que não entendem o v. 15 como resposta divina, têm que interpretar os vv. 16-17 não como respostas à promessa de Deus, mas como pedidos adicionais. A leitura passa a ser: “Que as nações[...] que ponham a mão[...] (16) que lambam o pó [...] (17) etc Assim como a emenda do v. 15 é desnecessária, aqui, na realidade, a modificação quebra o estilo de Miquéias. Cf. BARKER, W. D., Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias, p. 284. 551 Wolff acentua a série de verbos que ocorrem neste versículo: primeiro, as nações fazem a experiência de ver o poderio de YHWH e envergonham-se de sua arrogância (cf. Is 45,15s.24; Sl 83,18); tal ação coloca as nações mudas, sem fala, ou seja, suas bocas ficam fechadas (cf. Pr 30,32; Jó 40,4; também Mq 3,7); e seus ouvidos ficam surdos. As nações cessarão de ouvir e falar. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 227. 552 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 349. 553 Isaiah likewise knows of a day when all flesh will see and know that God is the Lord of all the earth (Isa 49,23-26). Then all people will bow their knees to him, swear allegiance to him, and declare that real strength belongs only to the Lord (45,22-24). Micah and Isaiah both prophesy
172
ensurdecer” sugere, também para Wolff554, a mesma relação do soar do trovão
mencionada acima. O profeta enfatiza, assim, a manifestação da força divina por
toda a Terra. Deus, agindo na história, bloqueará as funções da fala e da audição
das nações, impedindo-as de lidar com os acontecimentos. Daí o transtorno das
nações.
O versículo apresenta outro aspecto da humilhação das nações. Atônitas e
confusas, as nações agirão como cobras. Se anteriormente foram descritas como
mudas e surdas, agora são comparadas a serpentes que lambem o pó. Essa é uma
declaração de total degradação. Deissler555 observa que o vocabulário e a idéia
expressos, aqui, constituem uma clara alusão a Gn 3,14 (cf. Sl 18,45; 44,26; 72,9;
Is 49,23; 65,25; Os 3,5). Kessler556 acrescenta que o profeta não pensa somente na
inferioridade do réptil e no pó como metáfora de toda a humilhação (cf. 1 Sm 2,8;
1 Rs 16,2; Is 25,12): por detrás, existe a intenção de que os dominadores
subjugados atirem-se na poeira diante do vencedor, tendo de “lamber o pó de teus
pés” (cf. Is 49,23; Sl 72,9). A imagem seguinte - arrastar-se-ão trêmulos - evoca
também a situação de vitória (cf. Sl 18,46). O tremor expressa medo (cf. Ex 15,14;
Is 64,1; Sl 99,1) e a mais profunda sujeição (cf. Sl 72,9 e Is 49,23). O mesmo
ocorre com a figura da serpente que procura refúgio em buracos ou esconderijos -
é a afirmação da derrota absoluta e definitiva das nações. Nem a fortaleza mais
firme permanecerá de pé, quando YHWH intervier557.
Na opinião de Kessler558, o final do verso e, com ele, toda a passagem dos
vv. 14-17 mostram que a frustração dos povos não significa obrigatoriamente a
sua destruição. Perdem, sim, seu poder, mas ganham a possibilidade de vir
God’ s ultimate victory, no matter how strong the enemy may be, no matter how distressed or weak the righteous may be. Cf. SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, p. 577. 554 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 203. 555 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 358. 556 O autor utiliza a imagem de Jehu diante de Salmanassar III, representado no Obelisco Negro de Nimrud, (cf. Othmar Kell / Christoph Uhelinger, Der Assyrerkönig Salmanassar III. und Jehu von Israel auf dem Schwarzen Obelisken aus Nimrud: ZKTh 116, 1994, 391-420) que traz: “lamber o pó de teus pés” (cf. Is 49,23; Sl 72,9); há também um paralelo com as cartas de Amarna – EA 100 –, onde se deseja que os inimigos “comam pó” (cf. M.L. Barré, Parallel 1982). Cf. KESSLER, R. Micha, p. 307. 557 Bernini também pensa que a imagem da saída dos répteis trêmulos de suas tocas é retomada dos costumes militares: quando uma cidade tinha de se render, os defensores tinham de sair de seus esconderijos para prestar tributo ao vencedor/conquistador (cf. Js 10, 16-28). Os vencidos são descritos no ato de apresentar-se diante do Senhor; na realidade, diante dos chefes do exército vencedor (cf. 5-4-5). Suas atitudes são a causa da dureza da sorte que lhes espera, segundo os cruéis e bárbaros costumes de guerra de então (cf. Os 11,6; Na 2,2-11, etc). Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, pp. 349-350.
173
tremendo para “YHWH, nosso Deus”. O contexto fala de pavor e de aflição na
presença divina, reação vivenciada pelos egípcios no contexto da saída do Egito
(Ex 15,15). Wolff559 recorda-nos de que, na narrativa sobre os marinheiros, em Jn
1,16, após a experiência da agitação do mar, a mesma palavra é usada: eles
colocam-se diante de YHWH no medo e na obediência. Se a intenção da oração é
fazer com que os povos se voltem a YHWH, então esse sentimento deriva de Mq
4,1-3 e 5,3 melhor do que 4,11-13. Em qualquer dos eventos, porém, a oração
indica uma consciência de que a história de Israel e a das nações pagãs, no final da
análise, são, indissoluvelmente, conectadas uma com a outra. Achtemeier560
completa que Israel começou a compreender aqui que sua salvação servirá muito
mais para o grande propósito divino do que para sua própria exaltação e
restauração de sua vida. Esta salvação terá algo a ver com a salvação de todos os
povos, que se voltarão, finalmente, para a adoração do único e verdadeiro Deus.
Com essa seção termina o tema dos povos no Livro de Miquéias.
7,18-20 O amor misericordioso de YHWH
O profeta orou a YHWH como um Deus que é o único a perdoar a rebeldia
do pecado. Ele declara que Deus é incomparável em graça e verdade e aponta a
fidelidade a Jacó e a aliança de amor e conciliação com Abraão561. A seção final,
então, mostra de maneira única a natureza misericordiosa de Deus. A obra de
YHWH, que aqui se celebra particularmente, é a sua disposição para perdoar (cf.
Ex 34,6; Nm 14,18; Sl 103,8; Jn 4,2). A suma facilidade com que YHWH perdoa
a culpa constitui aqui o argumento do salmo. Fica claro, no texto, que a aliança
que dá início à relação salvífica permanece - mesmo quando o agir de Israel
mereceria castigo. YHWH é representado com uma familiaridade sem igual562.
558 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 308. 559 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 228. 560 Cf. ACHTEMEIER, E., Minor Prophets I, p. 366. 561 Feinberg observa: “The last three verses of this book are joined to the book of Jonah for reading in the synagogue on the afternoon of the Day of Atonement. Once a year on the afternoon of New Year, the orthodox Jew goes to a running stream or river and symbolically empties his pockets of his sins into the water, while he recites verses 18-20.” Cf. FEINBERG, The Minor Prophets, Chicago: Moody, 1976, p. 186. 562 O contexto da aliança é visualizado particularmente no v. 7,20. A menção da promessa nesse versículo cria um contexto de comprometimento expresso numa relação de fidelidade.
174
Wolff e outros563 dividem este salmo final em duas partes: a primeira narra a
centralidade do amor gratuito de Deus (v. 18); e a segunda declara o que pode ser
esperado do amor generoso de YHWH (vv. 19-20). Assim, o livro termina com
uma nota positiva. O Deus, que julga os pecados das nações, é também o Deus
que encanta e mostra misericórdia para com o seu povo.
As formulações da incomparabilidade divina são geralmente centradas em
situações concretas. Se o Senhor é luz na escuridão (vv. 8-10), pastoreia seu povo
(vv. 11-14) e é Deus sobre todas as nações (15-17). Não é surpresa a exclamação
do profeta – “Quem é Deus como tu?”. O profeta faz um trocadilho com o seu
próprio nome564. Esse tipo de pergunta retórica é usado com a finalidade de forçar
uma negativa – não há nenhum Deus como YHWH (cf. 1 Sm 22,14; 26,15; Jó
34,7; Ecl 8,1)565. Com um louvor cheio de gratidão, ele descreve o amor
inigualável de Deus. A benevolência divina é a qualidade ativa de seu amor cheio
de ternura.
Kessler566 recorda-nos que é essa disposição para perdoar, que destaca
YHWH do mundo dos deuses. Através dos particípios, é apontada a
atemporalidade da ação de YHWH: ele sempre perdoou no passado, ele está agora
disposto a perdoar, e, por isso, pode-se pedir a ele para perdoar no futuro.
Perdoando, mostra-se incomparável. Não há deus algum que se compare ao Deus
de Israel. Aqui, há um desafio a todos os ídolos e a todos aqueles que possuem
uma falsa visão do verdadeiro Deus. Perdoar os pecados é contrário ao
comportamento humano, mas YHWH não poderia reter a sua ira para sempre
contra os israelitas (cf. Sl 103,9). Ele perdoará, porque ele sente prazer em sua
fidelidade e em seu amor (Ex 34,6-7).
563 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 228; LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 195, SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, p. 578; CLARCK AND MUNDHENK A Translator’s Handbook on the books of Obadiah and Micah, p. 193. 564 É clara a alusão ao próprio nome de Miquéias: “It is not impossible that the redactor, in placing at the end of the book a hymn begun with such a rhetorical question, has the hymn respond to the liturgical reading of these prophecies; and that he has done so also because the hymn can and ought to be understood as an interpretation of the name “Micah”. Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 228. 565 Andersen e Freedman observam que a formulação da questão, na sua leitura literal, poderia implicar que há outros deuses, mas nenhum é como YHWH, Aquele que perdoa os pecados. Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 597. Assim também pensa Waltke: “The Lord’s incomparability pertains here to his forgiving character. Two characterizing modifying clauses underscore this excelling quality of his, the second emphasizing the first. Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 762. 566 Cf. KESSLER, R. Micha, p. 309.
175
A ação de !wO[' afen (“carregar a culpa”) equivale ao sentido do “perdão”567.
Para Knierim568, esta é uma fórmula comum da linguagem doxológica e sapiencial
sobre o perdão de Deus (cf. Nm 14,18; Is 33,24; Os 14,3; Mq 7,18; Pr 16,6; Esd
9,13). Esse atributo divino é proclamado em Ex 34,7, e é retomado quase com as
mesmas palavras nos Salmos (cf. Sl 32,2; 78,38; 85,3; 86, 5.15; 99,8; 103,3.10.13;
130,4)569. Em especial, há um paralelo com o Sl 103 de diversos modos. Ambos
focalizam sua atenção na misericórdia divina; ambos colocam um limite à ira
divina; e ambos dão uma imagem concreta de como o Senhor trata os pecados que
ele perdoa (cf. Mq 7,19 e Sl 103,12). É no amor generoso de YHWH, disposto a
carregar a culpa do povo, que este vê restabelecida a sua relação salvífica. Essa é
uma prerrogativa apenas de YHWH. O orador torna claro que o povo só pode
restabelecer a relação com Deus a partir do amor divino, que está pronto a
carregar a culpa de seu povo. Somente a potência divina pode retirar a culpa do
pecador, pelo seu desejo de perdão, dando-lhe a possibilidade de ir ao encontro de
YHWH em uma nova relação.
Deus consente em perdoar a dívida; depois, encaminha o perdão. Ele “passa
pela transgressão”, para curar e restaurar o pecador (cf. Pr 19,11). Esta é outra
metáfora para falar do perdão incomparável do Senhor. Esse sublime atributo
informa as intervenções divinas na história sagrada de Israel.
Barker570 defende que a singularidade da questão é o modo de afirmar a
absoluta superioridade de YHWH em toda a sua santidade (cf. Ex 15,11; Is
567 Na opinião de Andersen e Freedman “is the only that Mic 7:18 has in common with the great revelation given then, so what we have here is only an indirect allusion. Even so, in view of the widespread evidence for this classic credo throughout the Hebrew Bible (Andersen 1986: 44-52), there is enough common vocabulary between Exodus 34 and Mq 7:18-20 to support the inference that Micah had that tradition in mind and expected his listeners to recognize it. In its own way Micah’s affirmation is even stronger than original, especially in the reason given in v 18bB and the extraordinary image used in v 19b.” Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, pp. 597-598. 568 O autor elenca uma análise do uso da expressão nos diversos gêneros e situações, colocando em evidência tanto o perdão, como os outros sentidos que decorrem do conceito. Cf. R. KNIERIM. “!wO[”.In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 315. 569 “In Genesis 46,5, for example, it is used of brothers of Joseph carrying Jacob their father, their little ones, and their wives to Egypt in the wagons that Pharaoh had provided for this purpose. When applied to the forgiveness of sins, it means to remove completely”. Cf. KELLEY, P. H., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, Haggai, Zechariah, Malachi, p. 51. 570 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 134.
176
40,18.25 e outras passagens de Isaías, assim como nos Salmos)571. Aqui Ele é
incomparável, especialmente em seu perdão, amor e graça. Essa particularidade,
segundo Barker, é enfatizada com o uso de três diferentes palavras hebraicas para
o pecado (!wO[', [v;P,, aj'x') com quatro verbos que indicam o perdão (af'n", rb;[], %l;v',
vb;K'). O termo !wO[' é o primeiro dos três vocábulos usados para o significado de
“pecado” (ocorre 231 vezes no AT). Aqui, designa “culpa” e denota a má ação e a
punição572. Cada um dos termos utilizados neste texto em referêrencia ao pecado –
!wO[, [v;P,, aJ'x;; – possui um significado especial. Eles aparecem juntos, em um
contexto imediato ou amplo, em alguns textos (cf. Ex 34,7; Lv 16,21; Nm 14,18;
Ez 21,29; Sl 32,1.5; 51,3-7; 59,4; Dn 9,24; Is 59,12; Jr 33,8; Mq 7,18s; Jó 7,20s;
13,23). O trio de vocábulos expressa sistematicamente todas as faltas possíveis.
Não se deve pensar que são simplesmente sinônimos. Cada um deles qualifica o
pecado a seu modo. Mas, quando se empregam juntos, incluem intencionalmente
todos os demais conceitos que significam “pecado”573. Assim, o uso das três
palavras para pecado nos vv. 18 e 19 abarcam a totalidade do perdão de YHWH.
Deus esquecerá todos os tipos de pecado de Israel.
A raiz de [v;P, subentende uma idéia de separação, de revolta (cf. 1 Rs 12,19;
2 Rs 1,1; 3,5.7; 2 Cr 10,19; Jr 2,29; 3,13; Mq 6,7). Knierim574 observa que o
significado básico de [v;P, não é idêntico aos conceitos paralelos conhecidos. O
termo possui um conceito genérico formal, que sintetiza em si as classes de delitos
contra as pessoas e coisas. O conceito jurídico original é utilizado no âmbito de
conduta detestável, imoral, enfatizando o aspecto de transgressão e rebelião. Pode-
se dizer que é um conceito teológico, porque as ações que designam a rebeldia
afetam a YHWH ou a seu direito de soberania e provocam seu juízo ou perdão.
Tais atos podem abarcar também o direito. No entanto, a peculiaridade teológica
do conceito reside no fato de que quem cometeu o [v;P, não se rebela
571 “The question is asked in two forms: by Yahweh – “Who is like me?” (Isa 44:7; Jer 49:19; 50:44), or by Israel – “Who is like thee?” (Exod 15:11; Ps 35:10; 71:19; 77:14; 89:9; 113:5; Job 36:22). Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 597. 572 Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 762. 573CF. R. KNEIRIM, “aj'x'”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), p. 755. 574 Os primeiros profetas assumiram o conceito nas suas distintas formas em suas mensagens de castigo. Miquéias define a sua missão em 3,8 como anúncio do [v;P (cf. Mq 1,5; Is 50,1; 58,1; Jr 5,6; Ez 14,11; 37,23; 39,24). Cf. R. KNIERIM. “[v;P”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 616.
177
simplesmente contra YHWH ou se levanta contra ele, mas rompe com ele575. Por
isso, segundo o AT, a conseqüência mais grave do delito é o rompimento da
relação com Deus. Todavia, essa ruptura é perdoada, quando se proclama ou se
suplica o perdão divino576. Esta é, na opinião de Wolff577, a palavra mais severa
dos três termos. Ocorre 93 vezes no AT, com o sentido de revolta, apostasia,
rebelião. [v;P, é um conceito central no Livro de Miquéias para a designação dos
pecados de Israel (cf. Mq 1,5; 3,8). O ato de perdoar é designado pela expressão
l[; rbe[ow., “passar por”, “fechar os olhos”, “ir além” (cf. Pr 19,11; Am 7,8; 8,2).
Zapff578 observa que essa confissão a YHWH como o Deus que passa por cima
das transgressões é empregada numa situação concreta, na qual é pronunciada a
expectativa de que YHWH perdoa a culpa de Jacó e Israel,censurada no Livro de
Miquéias.
O texto hebraico acrescenta para quem se dirige à indulgência: “para o resto
de tua herança”. A idéia de pertença, apontada no termo tyrIaev. inicia a profecia
concernente com a redenção do “resto”- uma palavra que se encontra
repetidamente nas profecias de promessa no livro de Miquéias (cf. 2,12; 4,7; 5,6-
7[7-8]579. No entanto, aqui neste verso, ela está acompanhada da palavra Atl'x]n:
(única ocorrência em Miquéias) e enfatiza a íntima e particular relação do “resto”
com Deus.
Parece, dessa forma, restringir a amplitude do perdão divino em contraste
com os outros textos nos quais nunca aparece essa restrição ou qualquer outra.
Encontramos uma frase semelhante em 7,14, expressa da seguinte forma:
“rebanho de sua herança”. Em 2 Rs 21,14, temos: “resto de minha posse”; mas,
neste texto, Israel será entregue nas mãos do inimigo580. Isso significa a destruição
total de sua existência. Por outro lado, perdoar, fechar os olhos para a rebelião, ser
tolerante para o resto de sua herança, significa nada menos do que uma revogação
575 “Deus disse: pareça comigo” - como eu respondo ao mal com o bem, assim também você deve retribuir o mal com o bem. Cf. CARBONE, S. & RIZZI, G., Michea, Lettura Ebraica, Greca e Aramaica, Tg 103, p. 211. 576 Cf. Ex 34,7; Lv 16,16; Nm 14,18; 1 Rs 8,50; Is 43,25; 44,22; Mq 7,18; Sl 32,1. 577 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 204. 578 Cf. ZAPFF, B. M., Redaktionsgeschichtliche Studien zum Michabuch, p. 201. 579 Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 229. 580 Waltke ainda vê uma alusão intertextual com Ex 34,7 e Nm 14,18 – onde ambos os termos, ‘AwOn e peHa‘, são objetos de nAWA. Deus mostrou sua glória no início da história de Israel, quando perdoou ao povo no episódio do bezerro de ouro (Ex 34,4-7). Cf. WALTKE, B. in McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 762.
178
de toda a profecia de juízo. Assim, com a vida renovada, há um futuro. Os que
sobreviverem podem esperar o perdão da culpa.
O tema da ira (@a;) de YHWH é mencionado novamente, mas, nesse
contexto, tem seu conceito alargado – Deus não persevera em sua cólera. O
perdão é o fim da ira de sua ira. A negativa verbal da frase d[;l' qyzIx/h,-alo afirma
sua capacidade de ser benevolente (ds,x,), mesmo ao povo infiel. Mays581 observa
que este livro inicia com o retrato do advento da ira de YHWH e conclui com um
louvor à sua misericórdia. Embora, com justiça, esteja ofendido por causa do
pecado do povo, Deus não retém seu julgamento, está disposto salvar o povo. O
que caracteriza YHWH é seu amor inabalável; Deus delicia-se em sua
misericórdia. Esse tema, que apresenta a benevolência de YHWH, disposto a pôr
fim à sua ira, manifestada pelo castigo, aparece em Ex 34,6 e sobretudo nos
salmos que lhe fazem eco (cf. Sl 25,10; 30,5-6; 32,10; 33,5; 34,9; 57,4.11;
59,11.17; 130,7; 136,1-26[26 vezes] etc). Vuilleumier582 acrescenta que é também
um tema característico dos profetas (cf. Jr 3,12; Is 43,25, etc), porque prefere o
amor: ele é bem mais disposto a distribuir seus benefícios aos homens.
A vitória que YHWH obtém é aquela de sua misericórdia sobre a sua cólera;
de seu perdão sobre a sua condenação. Nos textos bíblicos, encontramos
freqüentemente a oposição: ira/misericórdia- as manifestações concretas dessas
características são nitidamente distintas, mas, no procedimento, perfeitamente
justas: a primeira é subordinada à segunda. Aquele que é misericordioso abandona
a manifestação da ira (cf. Sl 6,2-3; 78,10; etc)583. YHWH, essencialmente,
compraz-se em misericórdia. Este é o fundamento de seu perdão. O v. 18s não
acentua a confissão de pecados nem a segurança do perdão divino, mas enfatiza a
bondade divina. O povo está consciente de que não merece essa misericórdia e
esse perdão584.
581 Cf. MAYS, J. L., Micah, p. 166. 582 Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 88. 583 Cf. BOVATI, P., Ristabilire La Giustizia, p. 136. 584 Kessler mostra que, no conteúdo, o texto recorre à fórmula muitas vezes usada na literatura bíblica (cf. Nm 14,18; Sl 103,8-13), estabelecida da forma mais abrangente em Ex 34,6s.: “YHWH, Deus compassivo, clemente e longânime e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado...”. O que o v. 18 formula como afirmação hínica-preditiva sobre Deus, o v. 19 transforma em uma súplica confiante para o futuro. Cf. KESSLER, R. Micha, p. 310.
179
O v. 19 continua a celebração do perdão divino, mas há aqui, uma transição
para a forma verbal yiqtol. O juízo é dado, mas há esperança. O profeta, então,
aponta para o futuro e proclama que YHWH é Deus, irá novamente ter compaixão
com seu povo. Em virtude de seu amor, removerá totalmente o pecado que destrói
o plano de salvação. É na ação de ~xr divino, na atuação de Deus para com o
pecador, que se ancora o restabelecimento da relação. E aqui designa o amor
renovado de YHWH para com a comunidade reunida de Sião585. Todas as
sentenças desse versículo expressam o ato do perdoar divino de maneira original.
O ~xr piel está em oposição à cólera divina, pois esta suspende a verdadeira
relação do povo com Deus (cf. Dt 13,18; Is 54,8; 60,10; Hab 3,2; Zc 1,12; 10,6).
Em geral, esse verbo está unido às afirmações sobre Deus. Em alguns textos, o
perdão, expresso pelo ~xr piel, é pressuposto para a nova concessão da comunhão
com Deus, rompida pelo pecado (cf. Is 55,7; Mq 7,19; ver também 1 Rs 8,50,
onde YHWH atua indiretamente e Dn 9,9). Assim, o pecador pode reatar a sua
relação com Deus, que manifesta a sua misericórdia, carregando consigo a culpa
do povo586. Essa manifestação divina é ilustrada como o amor da mãe para com o
seu filho: Is 49,15; Os 14,3; Zc 10,6; Sl 102,13; 103,4.13; 116,5; 119,156.
Como foi analisado anteriormente, o povo pecou contra YHWH, mas a sua
culpa será carregada pela misericórdia divina, que a destruirá. O pecado é
retratado como um inimigo conquistado por Deus e do qual libertou o seu povo.
Para Knierim587, esta é uma fórmula em confissão de esperança e lamentação (cf.
Is 64,6; Jr 14,7; Mq 7,19; Sl 130,8; Lm 2,14; 4,22; Esd 9,7). Deus oferece a
solução para o pecado - o problema da humanidade. YHWH subjuga as
iniqüidades do povo. Embora o povo seja devedor, Deus irá destruir “a culpa” de
Sião. O verbo utilizado, vbk, significa “destruir” ou “violentar” (Et 7,8)588. Essas
colocações descrevem a profunda relação pessoal do orador com Deus, revelam
sua dependência e demonstram total confiança de que YHWH salvará Sião. O
orador identifica- se com Israel, ao utilizar a primeira pessoa do plural.
585 Cf. SMITH, G., Hosea, Amos and Micah, p. 578. 586 Cf. H. J. STOEBE. “~xr”. In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 957. 587 O autor elenca uma análise do uso da expressão nos diversos gêneros e situações, colocando em evidência tanto o perdão, como os outros sentidos que decorrem do conceito. Cf. R. KNIERIM. “!wO[”.In JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 2), p. 315.
180
O povo confia que YHWH vá “lançar todos os seus pecados nas profundezas
do mar”. O pecado será lançado tal como uma pedra jogada nas profundezas do
mar. Segundo Jn 2,4, no “coração do mar”, ou seja, no lugar de onde não há
retorno. Tal gesto simboliza um perdão radical, porque indica a maior destruição
possível do pecado. Deus não mais se lembrará do pecado de Israel.
Barker589 observa que o total esquecimento do pecado e a remoção da culpa
para sempre nos remetem à passagem de Jr 50,20; Is 38,17; Sl 103,12; Jr 31,34 e
Is 43,25; 44,22; Sl 51,1.9. Esta imagem também se compreende bem no confronto
com Ex 15,1-5, que possui a mesma linguagem desta unidade: compara o ato de
perdoar com a libertação no Êxodo do poder dos egípcios. O texto descreve a
destruição feita por Deus de todo o exército do Faraó, inimigo de Israel. Se
tomarmos tal compreensão, o pecado então é personificado como um inimigo, que
o Senhor subjuga e destrói para não ameaçar mais o povo. Os pecados de Israel
são implicitamente personificados como o faraó e seus carros de combate. Ex
15,4-5 diz da destruição de todo o exército do Faraó, inimigo de Israel, atirado nas
profundezas do mar como uma pedra, por YHWH.
Bernini entre outros590 concorda com a idéia de que os pecados são como os
inimigos de Israel, porque trazem desgraça para ele. Uma vez que YHWH os terá
submergido no mar, não prejudicarão mais a Israel. A inimiga será pisoteada e
permanecerá no lugar, mas os pecados, ao serem lançados nas profundezas do
mar, serão eliminados para sempre. Tal metáfora ajuda a manter o estilo e a
imagem vigorosa de Deus. Essa cena representada, numa linguagem figurativa,
recorda-nos a dramática cerimônia do bode expiatório, que simbolicamente
carrega os pecados de Israel para um local deserto591. Deus não é somente aquele
que liberta das situações exteriores, mas, antes de tudo, o Deus que sabe perdoar.
O último versículo do Livro de Miquéias continua o tom suplicante e de
confiança dos vv. 18-19. Este versículo muda o problema do pecado e focaliza-se
no resultado do perdão: depois da firme confiança na certeza do perdão, a ardente
súplica a YHWH de ver realizadas as promessas de Deus aos patriarcas de Israel,
588 Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 307. 589 Cf. BARKER, K. L. & BAILEY W., Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah, p. 135. 590 Cf. BERNINI, G., Osea- Michea Nahum- Abacuc, p. 352. Veja também: WOLFF, H. W., Micah, p. 231; VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 88.
181
que são o bem maior para o povo eleito. As promessas de YHWH, as mais
antigas, são irreversíveis. Elas se realizam certamente, pois Deus é o mesmo
ontem, hoje, eternamente592.
Segundo Deissler593, a fidelidade e benevolência divinas já se encontravam
nos textos antigos, tais como Ex 34,6; Nm 25,12. Estes dois conceitos são
retomados da fórmula de Ex 34,6s e repartidos no paralelismo dos vv. 20a e 20b,
nos quais os patriarcas, Jacó e Abraão, também estão dispostos. Somos
transportados aos tempos dos Patriarcas, quando YHWH, segundo Gn 22,16, jura
a Abraão e a seus herdeiros, na promessa, a sua bênção (veja também Gn 12,3;
24,7; 26,3; 13,15; 15,18-21; 17,7-8.13.19.21; 28,13-14; 35,10-12; 48,4; 50,24; Ex
6,8; 13,5.11 e Dt 1,8.35; 4,31).
Quando YHWH abençoou Jacó (cf. Gn 28,13-14), prometeu também uma
numerosa e perpétua descendência. Jacó e Abraão, os grandes ancestrais,
encontram-se paralalemamente associados em Is 41,8. Também Is 41,1 apela para
as promessas dos patriarcas, para infundir, nos exilados, a confiança na
restauração. Tanto Jacó quanto Abraão possuem aqui valor individual e coletivo.
Entre os autores594, há um consenso de que a referência aqui não é aos patriarcas,
mas às futuras gerações de israelitas, que são os filhos de Jacó e a semente de
Abraão. Por isso, Israel compreende seu futuro à luz do perdão soberano de
YHWH de todas as suas culpas, chamando a si próprio de Abraão e Jacó. O
profeta não pede o cumprimento das promessas em favor dos patriarcas
pessoalmente, senão em favor dos povos que eles representam. E aqui o povo de
Deus é nomeado, Jacó e Abraão. Deus cumprirá sua verdade e promessa, feita a
Abraão e Jacó. Abraão traz a promessa de uma numerosa e perpétua posteridade
(cf. Gn 22,16).
É interessante observar que Abraão raramente é mencionado fora dos textos
do Gênesis e do Pentateuco. Nos livros proféticos, apenas em Is 29,22; 41,8; 51,2;
591 “ That ritual leaves the impression that sins were believed to be effectively disposed of by this means. We know of no matching concretized dramatization of the idea that God can get rid of sins by throwing them into the sea. Cf. ANDERSEN, F. I. - FREEDMAN, D. N., Micah, p. 598. 592 Cf. VUILLEUMIER, R. & KELLER C., Michée, Nahoum, Habacuc, Sophonie, p. 88. 593 Cf. DEISSLER, A. & DELCOR M., La Sainte Bible, p. 358. 594 Segundo Wolff: “When “Abraham (along with “Jacob”) is named as the recipient of the promise made under oath, this – as with “Jacob”- does not mean the patriarch as person (as is the case in Isa 51:2; 63:16); rather, it refers (unique in the Old Testament!) to the present generation and their offspring, who are called “the remnant of this possession” in v.18aB, and who in Isa 41:8
182
63,16; Jr 33,26; Ez 33,24. A singularidade do versículo encontra-se no fato de que
Abraão significa coletivamente Israel. Esta oração supõe a consciência de ser
descendente e herdeiro dos patriarcas e, portanto, objeto das promessas feitas a
eles para a posteridade. Fora isso, apenas de vez em quando, fala-se da “semente
de Abraão”, ou seja, sua descendência (cf. Is 41,8; Jr 33,26; Sl 105,6; 2Cr 20,7);
enquanto, por outro lado, a personificação dos israelitas como “Jacó = Israel” é
muito comum (cf. Mq 1,5; 3,1.9)595. A finalidade de todos os procedimentos de
Deus com Israel é o cumprimento da sua promessa a Abraão e à sua descendência.
A fidelidade às promessas é motivada pelo juramento que Deus fez aos Pais,
selando, assim, de maneira mais solene, suas promessas. Todas essas promessas
vão ser lembradas e esperadas pelo redator do final do livro de Miquéias. O autor
vê uma correspondência entre tempo antigo e tempo final (cf. Mq 5,1; 7,14s.) e
confia que o juramento feito “desde os dias antigos” vai agora ser cumprido. A
mensagem de julgamento de Miquéias não tem a palavra final. É a mensagem de
salvação que é proclamada. Deus se mostra cumpridor de suas promessas. Sua
misericórdia coincide com sua lealdade.
Os profetas evocam regularmente as tradições ligadas ao Êxodo (cf. Os
2,16-17; 8,1; 11,1; Am 2,9-11 etc). Sem dúvida, Miquéias conhece também a
tradição do Êxodo de Israel, mas, em particular, o profeta, no texto estudado,
anuncia ao povo que, este se beneficiará novamente dos prodígios de YHWH.
Pode-se observar que Mq 7,14-20 destaca uma forte conexão com passagem da
vitória do Mar Vermelho596. Os dois textos apresentam a imagem de Deus
completamente original, de um Deus que afunda seus inimigos (egípcios e os
pecados) dentro das profundezas do mar (cf. Ex 15,1-4 e Mq 7,19). Assim, como
nos tempos antigos, havia lançado as tropas do faraó do Egito, inimigo de Israel,
nas profundezas do mar, fará o mesmo com os pecados de Israel, aqui
representado como inimigo de Israel. E principalmente os dois hinos celebram a
incomparabilidade de Deus com a questão: Quem é tão bom quanto YHWH? (cf.
Ex 15,11 e Mq 7,18). Enquanto a canção de Moisés percebe a vitória do Senhor, a
are correctly named ~h'r'b.a; [r;z< (“offspring of Abraham). Cf. WOLFF, H. W., Micah, p. 231. Ver também HILLERS, D. R., Micah, p. 87. 595 Cf. KESSLER, R., Micha, p. 311. 596 Os pontos de contato são muitos: em ambos o inimigo treme (cf. Ex 15,14 e Mq 7,17), estremece (cf. Ex 15,15e Mq 7,17) e torna-se mudo (cf. Ex 15,16 e Mq 7,16). Em ambos os Senhor
183
visão de Miquéias enfrenta, de frente, confiante a maior maravilha divina – o seu
amor. Deus irá perdoar Israel porque seu amor é mais forte do que sua ira. O
anúncio de julgamento não é a última palavra de Deus.
As promessas feitas aos pais de Israel serão cumpridas no futuro. Uma vez
mais, a solidariedade do povo com sua origem e aliança constitui a base do
tratamento dispensado por Deus ao remanescente (Sl 105,8-11). Com essa súplica
confiante termina o Livro de Miquéias – o redator redireciona as palavras
proféticas e, mais importante, demonstra que não há uma única locação –
geográfica e social – que efetue profundamente o que ele diz teologicamente:
Deus é amor. O pecado não invalida a promessa divina. Essa asserção da
incomparabilidade de YHWH torna-se a conclusão doxológica para o livro
todo597.
Em suma, o nosso texto destaca a noção de um Deus cuja ação é
fundamentalmente orientada por uma preocupação redentora: a salvação do ser
humano está no centro de seu projeto. A reconstrução de Sião não poderia ser
apenas ou puramente material, porque refere-se à volta da relação com YHWH.
Entretanto, apesar de seu profundo e intenso desejo de se relacionar com o ser
humano, Deus não se impõe. Ele emprega todos os meios possíveis para conduzir
os homens e as mulheres em direção a Ele, mas seu chamado insistente
permanece, apesar de tudo, um convite aberto.
O livre arbítrio, este atributo maravilhoso, que nos faz seres preciosos e que
reflete profundamente a imagem de Deus em nós, permite-nos acolher ou rejeitar
o convite divino. Todavia, mesmo se a ação redentora na história é
constantemente frustrada por esse fator determinante, constituído pelo mistério da
liberdade humana, Deus persiste, apesar de tudo, a chamar todos os homens e
mulheres a se unirem a Ele no cumprimento de seu grande projeto para a
humanidade. É, essencialmente, essa verdade que o livro de Miquéias retrata: o
triunfo do AMOR.
faz prodígios (cf. Ex 15,11 e Mq 7,15), mostra seu amor fiel (cf. Ex 15,13 e Mq 7,18-19) e refere-se a Israel como seu herdeiro (cf. Ex 15,17 e Mq 7,14.18). 597 “Only Psalm 103 is comparable to it in the Old Testament. More will be said in connection with the sixth-century prophets about their hope for eschatological forgiveness, but this passage, with its present-tense language, reminds us that every age, no matter how hopeless the prospects seemed to be, there were faithful people who maintained a close relationship with their God”. Cf. GOWAN, D. E., Theology of the Prophetic Books. p. 59.
184
Essas considerações devem ser ampliadas, deixando-se derivar delas outras
indicações, para que o livro de Miquéias possa ser compreendido a partir do ponto
de vista do cap. 7. “Like a day begins with a dark, foreboding sky but ends in
golden sunlight, its chapter begins in an atmosphere of gloom and ends in one of
the greatest statements of hope in all the OT”598.
598 Cf. WALTKE, B. In McCOMISKEY, T. E., (ed.), The Minor Prophets, p. 440.
4. Aproximações intertextuais entre Miquéias e os outros profetas
A partir dos estudos sobre a unidade dos Profetas Menores, percebemos a
existência de indícios literários que apontam para as muitas inter-relações entre
esses livros599. Nosso objeto de pesquisa seria, então, avaliar essa conexão entre
os textos de Miquéias e os de outros profetas, para verificar até que ponto os
mesmos formam uma unidade literária. Dessa maneira, o objeto deste estudo não
é fazer uma comparação redacional entre o Livro de Miquéias e os demais livros
dos Profetas Menores, mas analisar os possíveis aspectos de intertextualidade
entre o texto final de Miquéias e os livros que o circundam, com o interesse em
retratar um cenário emergente de paz entre as nações e Israel. Trata-se de textos
ou complementações posteriores, introduzidos em um trabalho literário, que
sugere uma relação histórica e teológica com a coleção dos Livros dos Profetas
Menores
P. Redditt600 apontou as possíveis transições literárias de Mq 7 junto a Na
1,2-8: ligação presente no início e no final dos livros. No entanto, é mérito de J.
Nogalski601 ter chamado a atenção para as visíveis conexões entre o semi-
acróstico em Na 1,2-8 e Mq 7. Para este autor, Na 1 foi refeito com vistas a Mq 7
e ligado a este por meio de vocábulos, que parcialmente destruiu o esquema
alfabético de Naum: as linhas d, z e y, assim como a inserção no v. 2b.3a.
Enquanto Nogalski pensa que esta fusão foi feita devido ao já existente Mq 7, para
Zapff602, tal fusão do semi-acróstico deve ser vista no contexto de Mq 7, capítulo
considerado em várias partes como continuação redacional do livro. Na visão
599 A análise apresentada do livro dos Doze visto como uma unidade literária sugere que a forma final dos livros (no TM) era uma tentativa de direcionar a sua interpretação. As hipóteses analisadas indicam que a compilação é o resultado da interpretação dos livros individuais dentro da coleção. Essas interpretações distinguiram-se entre os livros individuais, mas não obstante reconheceram um sentido de unidade que torna a compilação coerente e significante. 600 Cf. REDDITT, P. L., “The Production and Reading of the Book the Twelve”, SBL. SP 36,(1997), pp. 394-420. 601 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors, 39; Redactional Processes, pp. 93-111.
186
deste autor, a posição do Livro de Miquéias entre Jonas e Naum não seria um
acaso - reflete-se nele a seqüência das diferentes perspectivas dos povos dos livros
de Joel, Jonas e Naum. O julgamento dos povos diante de Sião no Livro de Joel
encontraria sua correspondência em Mq 4,11-14 e 7,10. À prometida possibilidade
de conversão dos povos em Jonas e à disposição para o perdão de YHWH,
corresponderia a peregrinação dos povos para Sião em Mq 4,1-3 e Mq 7,12. O
julgamento definitivo sobre todos os povos que “não obedecem”, a saber, que não
peregrinaram para Sião (Mq 5,14; 7,13) deveria ser procurado em Naum 1, onde,
conseqüentemente, diferencia-se entre os “inimigos de YHWH” (Na 1,2b) e
“aqueles que procuram abrigo em YHWH” (Na 1,7).
Especialmente nítida, para Zapff, torna-se a relação elaborada entre Mq 7 e
Na 1 através da alusão à fórmula de misericórdia em Ex 34,6s, também observada
em Mq 7,18s. Se, em Mq 7,18s o texto serve para fortalecer a confiança de Israel
na benevolência divina, que renuncia de sua ira sobre Israel, a referência a Ex
34,6s em Na 1,2s presta-se para certificar que, apesar da paciência de YHWH, seu
juízo se voltará contra seus inimigos. O texto de Ex 34,6s é mencionado em Mq 7
com vistas a Israel, e talvez também aos povos dispostos a se converterem (Mq
7,17), como fundamento da disposição para o perdão de YHWH, enquanto que em
Na 1,2 isso é exatamente causa do juízo de YHWH sobre seus inimigos.
Desta forma, Mq 7,18 ligaria a interpretação de Ex 34,6 ao livro de Joel com
vistas a Israel e, no livro de Jonas, com vista à Nínive pronta para a conversão -
mundo dos povos. Por outro lado, Naum frisa o declínio de Nínive – interpretado
através de Na 1,2 sobre os inimigos de YHWH – por meio da mesma referência
(Ex 34,6s), porém, sob a já mencionada mudança. Esse desejo se vê confirmado
através de uma outra analogia de conteúdo entre Mq 7 e Na 1. Assim, a
incomparabilidade de YHWH em sua disposição ao perdão, destacada em Mq
7,18, encontra seu correspondente em Na 1,6, em que ninguém consegue subsistir
diante da ira de YHWH.
Nogalski ainda observa que as conexões entre o texto acróstico de Na 1,2-8 e
o salmo de Jn 2,3-10 demonstram elos intencionais entre Miquéias e o contexto
literário dos Doze. Na sua opinião, ambos os textos, Na 2,1-8 e Jn 2,2-10, são
602 Cf. B. ZAPFF, “Die Völkerperspektive des Michabuches als “Systematisierung” der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum?”, BN 98 (1999) 86-99.
187
adições tardias em seus respectivos livros, que são chamados a estabelecer elos
com os outros livros proféticos dentro dos Doze.
Além disso, haveria vários elos temáticos e de conteúdo entre o livro de
Jonas e o de Miquéias, que Nogalski explica ser o livro de Miquéias uma
referência consciente, de uma redação continuada, de um já existente livro de
Jonas. Assim, é digna de nota, a observação de que essas alusões se encontram,
sobretudo em Mq 7 - capítulo que também desempenharia um papel decisivo na
ligação do livro de Miquéias com o de Naum.
Tendo em consideração os dados acima referentes aos contatos literários
entre Miquéias e os outros Profetas Menores, verificaremos se essas ligações,
apontadas pelos autores, funcionam realmente como pontes entre os escritos; em
caso positivo, qual a sua função, e se devem a um processo redacional ou ao
“princípio da coleção;” ou se estão lá por acaso e foram posteriormente
exploradas pelos hagiógrafos. Formariam eles realmente uma ponte com esses
outros livros de modo a permitir uma leitura contínua dos mesmos? Em caso
positivo, de que tipo seria essa inter-relação, que pressuporia relações literárias no
conjunto dos Profetas Menores?Assim, o trabalho desses autores será revisado
objetivando essa nova perspectiva: um amplo horizonte literário e histórico entre
os textos.
Partimos da hipótese de que a relação literária entre os livros não pode ser
considerada acidental, e que o livro de Miquéias desempenha um papel singular
em relação ao conjunto dos Doze Profetas Menores, pelo menos em relação aos
livros que o circundam. Dessa forma, poderemos lançar luz sobre a problemática
acerca da unidade dos Doze Profetas e, no caso de esta se verificar, conhecer
melhor o desenvolvimento, a unidade e a teologia dos Doze Profetas Menores,
particularmente no que tange ao livro de Miquéias. Teria este livro uma função
que mereceria mais atenção por parte do leitor? O que obrigaria a relação com os
livros proféticos e sua continuidade? Qual seria a pressuposta teologia expressa
neles?
Nessa perspectiva, estudar-se-ão esses indícios literários para se verificar
se eles iluminam ou não a questão do objeto de nosso estudo. Já que essas
relações não são vistas como resultado de um processo redacional, os textos, aqui
apontados, serão analisados, principalmente, a partir de suas qualidades literárias,
das suas inter-relações de temas e vocabulários.
188
4.1 Análise das relações de Mq 7,8-20 com Na 1,2-8; 3,15-17, 18-19
O livro de Naum fixa a atenção do leitor em Nínive e na vitória de Deus
sobre ela. É Nínive quem sofre os efeitos da vingança de YHWH. Este tema serve
de compreensão para todo livro de Naum.
Todas as tradições canônicas situam este livro antes do de Habacuc e depois
do livro de Miquéias. O livro de Naum apresenta uma estrutura literária bem
delineada603:
a. YHWH vinga seus inimigos, mas é bom para os que confiam Nele (1,2-10)
b. YHWH destruirá Nínive, mas restaurará Judá (1,11-15 [2,1-1])
c. Descrição nítida do ataque sobre Nínive (2,1-10)
d. Lamento sobre a queda de Nínive (2,11-14)
c. ’Descrição nítida do saque de Nínive (3,1-7)
b.’ Nínive será destruída, ela é venerável como Tebas (3,8-13)
a’. Nínive será destruída pela força da natureza (3,14-19).
A estrutura coloca em evidência a passagem de ordem da execução da
cidade. As unidades compreendem sete partes simétricas, e é estruturada no
modelo 4+3, que reflete o ritmo da elegia hebraica. Além da habilidade literária, o
profeta revela seu amor e humildade diante da graça de Deus.
Na visão de Nogalski,604 o texto de Na 1,2-8 reflete as várias subunidades de
Mq 7,8-20, porém a análise do autor não apresenta um estudo aprofundado dessas
relações, já que não se preocupou com as evidências encontradas nos finais dos
livros junto ao início dos livros subseqüentes no Cânon. Em relação ao
pensamento de Redditt605, devem ser examinados não apenas Na 1,2-8, mas
também o texto final de Na 3,15-17, pois o autor privilegia não só o início, como
também o final do livro. No entanto, este autor não menciona os versículos finais
do livro de Naum (Na 3,18-19), que ocupa um lugar importante neste estudo.
Com essa perspectiva, abre-se aqui a possibilidade de estudar a passagem de
Mq 7,8-20 e Na 1,2-8, com especial atenção para o trabalho já realizado pelos
autores citados acima e o texto final de Na 3,15-17.18-19.
603 Cf. DORSEY, D. A., The Literary Structure of the Old Testament, p. 302. 604 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors, pp. 37-40. 605 Cf. REDDITT, P. L. “The Production and Reading of the Book the Twelve”, SBL. SP 36 (1997), pp. 394-420.
189
4.1.1 O texto de Na 1,2-8
Os versículos iniciais do livro de Naum formam um prólogo dominado pela
revelação do eterno poder de Deus. O profeta retrata YHWH como um Deus
ciumento para com o seu povo, um Deus que guarda vingança contra aqueles que
violam sua justiça, mas acima de tudo, um Deus que não perde o controle de sua
ira. Percebe-se que a estrutura alfabética deste salmo encontra-se isolada do resto
do livro. YHWH é um Deus ciumento e vingador!606 v.2a hw"hy> ~qenOw> aANq; lae YHWH é vingador e cheio de ira! v. 2b hm'xe l[;b;W hw"hy> ~qenO YHWH se vinga de seus adversários v. 2c wyr'c'l. hw"hy> ~qenO Ele guarda rancor para seus inimigos. v. 2d `wyb'y>aol. aWh rjeAnw> YHWH é lento para a ira, v. 3a x;Ko -lAdg>W ~yIP;a; %r,a, hA'hy> Mas a nada deixa YHWH impune. v. 3b hw"hy> hQ,n:y> al{ hQen:w> Na tormenta e na tempestade é o seu caminho, v. 3c AKr>D; hr'['f.biW hp'WsB. E a nuvem é a poeira de seus pés. v.3d `wyl'g>r; qb;a] !n"['w> Repreende o mar e a seca, v. 4a WhveB.Y:w: ~Y"B; r[eAG E a todos os rios Ele faz secar. v. 4b byrIx/h, tArh'N>h;-lk'w> Murcham Basã e o Carmelo, v. 4c lm,r>k;w> !v'B' ll;m.au E murcha a flor do Líbano! v. 4d `ll'm.au !Anb'l. xr;p,W As montanhas tremem por causa dele, v.5a WNM,mi Wv[]r' ~yrIh' E as colinas desfazem-se, v.5b Wgg"mot.hi tA[b'G>h;w> E a terra é carregada diante dele, v.5c wyn"P'mi #r,a'h' aF'Tiw: O universo e todos os seus habitantes. v.5d Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> Diante de sua cólera quem subsistirá? v.6a dAm[]y: ymi Am[.z: ynEp.li E quem se levantará diante do ardor de sua ira? v. 6b APa; !Arx]B; ~Wqy" ymiW Seu furor derrama-se como o fogo, v. 6c vaek' hk'T.nI Atm'x] E os rochedos são destruídos diante dele. v.6d `WNM,mi WcT.nI ~yrICuh;w> YHWH é bom; v. 7a hw"hy> bAj Ele é fortaleza no dia da atribulação. v. 7b hr'c' ~AyB. zA[m'l. Ele conhece aqueles que nele se refugiam, v. 7c `Ab ysexo [;deyOw> Na inundação transbordante. v. 8a 607rbe[o @j,v,b.W
606 Há duas propostas de leitura para o v. 2a: uma única oração: “Um ciumento e vingador Deus é o Senhor;” ou “O Senhor é um ciumento e vingador Deus; e duas orações paralelas: “Deus é ciumento e o Senhor vinga”. A última reflete a LXX. A acentuação massorética e a sintaxe hebraica amparam a primeira, ou seja, lê-se os dois termos juntos ~qenOw> aANq; (ciumento e vingador). O adjetivo an'q; (ciumento) refere-se apenas a Deus; aANq lae aponta para o zelo de Deus protegendo o seu povo - sua ira direciona-se ao julgamento contra seus inimigos (cf. Js 24,19). Veja BDB 888. 607 Alguns estudiosos ligam esta oração com a anterior: “Ele protege aqueles que nele se refugiam em uma inundação transbordante”. Porém, outros conectam com a oração seguinte: “Mas com uma inundação transbordante, ele dará um completo fim neles (Nínive)”. Tsumura sugere que esta oração traz duplo sentido e poderia ser lida com ambas as linhas; conectando com a precedente, cria um paralelismo e uma métrica balanceada. Unida com a linha seguinte, harmoniza com Na 2,9, que descreve a queda de Nínive pela força das águas. Cf. TSUMURA, D. T. “Janus Parallelism in Nah 1,8”, JBL 102 (1983) 109-111. Esta frase pode ser um exemplo de ambigüidade
190
Aniquilará com todos no seu lugar, v. 8b Hm'Aqm. 608hf,[]y: hl'K' Perseguirá os inimigos até as trevas. v. 8c 609`%v,xo-610@D,r;y> wyb'y>aow>
A disposição concêntrica do texto Na 1,2-8 permite visualizar a dinâmica do
poema, tendo YHWH como sujeito e sempre posicionado em relação aos inimigos
e adversários611:
a. A vingança de YHWH sobre seus inimigos e adversários (1,2)
b. Atributo de YHWH: paciência divina (1,3a)
c. Efeitos da ira de YHWH: vias navegáveis secam e a vegetação murcha (1,3b-4)
d. Toda a terra treme diante de yhwh (1,5)
c’. Efeitos da ira de YHWH: fogo (1,6)
b’. Atributo de YHWH: bondade para com aqueles que confiam Nele (1,7-8a)
a’. A vingança de YHWH sobre seus inimigos e adversários (1,8b-10).
O texto organiza-se em sete partes, apresentadas de forma simétrica em
torno do v. 1,5: “toda a terra treme diante de YHWH”. Os vv. 2-3a apresentam
YHWH e os dois aspectos de sua teofania, que corresponde aos versículos finais
(vv. 7-8a), onde encontramos também a dupla ação de YHWH. Em torno do
versículo central, temos os efeitos da teofania. Dois complementos são evocados
aqui: água e fogo (vv. 3b-4.6). Esse tipo de estrutura corrobora a delimitação da
unidade literária612.
intencional: Deus protege seu povo de toda a calamidade e usa sua força para destruir seus inimigos. O profeta torna a enfocar aqui a ira de Deus. 608 A raiz hebraica hf[ possui uma gama de significados; no campo da existência, inclui claras ações de Deus. O uso nesta oração está no sentido negativo – “Deus aniquilará” (cf. Jr 4,27; 30,11; Ez 11,13; Na 1,8; Sf 1,18). Cf. ALONSO SCHÖKEL, Dicionário Bíblico Hebraico-Português, 522. O TM lê Hm'Aqm. (seu lugar) amparado pelo Manuscrito do Mar Morto (mqwmh 4QpNah) e Símaco (th/j to,pou/). A leitura da LXX tou.j evpegeirome,nouj (aqueles que se levantam) reflete na Vg e Tg. A BHS propõe emendar o TM a favor da tradição grega. No entanto, TM faz sentido como está. 609 As trevas são também conotações metafóricas da maldade e do julgamento (cf. Sl 82,5; 88,12; Pr 4,19; Is 8,22; 42,7; Jr 23,12). O Senhor guarda a sua justiça (vingança) para aqueles que abusam dos outros, principalmente dos que abusam de seu povo. Estes não escapam de Deus da punição divina. A ênfase do hino está no poder de YHWH para julgar - salvará aquele que tiver conhecimento de sua graça e paciência, aquele que se refugia Nele. 610 A BHS propõe uma emenda do verbo @dr na forma piel yiqtol para a forma qal. O TM pode ser conservado, pois está amparado pelas versões. 611 Cf. DORSEY, D. A., The Literary Structure of the Old Testament, p. 302. 612 Outros autores tais como, Renaud e Tournay, delimitam o hino ao v. 8 apoiados pela sua estrutura alfabética. Para estes autores, o texto é composto também de uma estrutura concêntrica, de dois desenvolvimentos de três versículos relativos à pessoa de YHWH, às vezes, vingador e misericordioso; situados, o primeiro no início (vv. 1,2-3a); e o segundo no final (1,7-8), encadeados pela teofania (1,3b-6). Cf. RENAUD, B., Michée, Sophonie, Nahum (Sources Bibliques) Paris, 1987, 276; TOURNAY, R., “Le Psaume de Nahum”, in RB 65 (1958), 328-335.
191
4.1.2 Estudo da intertextualidade entre Miquéias e Naum
Ambos os livros relatam a teofania de julgamento de YHWH. Miquéias
inicia seu livro descrevendo uma teofania de julgamento sobre Judá. Esta terá o
mesmo destino de Samaria. E Naum principia com o poema semi-acróstico de
julgamento universal cujo foco é a destruição da Assíria. Os elementos teofânicos
vistos nesse acróstico são semelhantes aos encontrados no livro de Miquéias (cf.
caps 1 e 6). Ambos utilizam imagens simbólicas de Deus: Mq 1,3-4 apresenta:
“YHWH desce e pisa sobre os altos da terra”; “debaixo dele os montes se
derretem”; Mq 6,1-2: “ouvi montanhas...e vós inabaláveis fundamentos da terra”.
Na 1,3-5: “Na tormenta e na tempestade é o seu caminho, a nuvem é a poeira de
seus pés...ameaça o mar e a seca”; “a terra é devastada diante dele”. Assim, o
contexto é familiar aos dois profetas613.
Na 1,2-8 apresenta Deus como o Senhor do Universo, com o domínio total
do céu e da terra; em Mq 7,8-20 YHWH controla o destino de todas as nações.
Nada pode deter o seu poder. A força e o poder de Deus são inescrutáveis. Isso é
confirmado claramente nos textos, pelo uso repetido do nome divino - a imagem
de YHWH é o foco primário de atenção desses profetas.
O vocabulário de Naum denota coragem na sua proclamação de julgamento
contra o poder totalitário. Todo o objetivo deste profeta é descrever o fim de
Nínive (poder, riqueza, violência sobre os dominados), por isso, usa uma
linguagem extremamente violenta, assim como Miquéias – suas duras palavras
representam inconformidade com a injustiça. O contraste é que em Miquéias são
os próprios líderes gananciosos que oprimem o povo.
Mq 7,8 inicia com o pedido para que sua inimiga não se alegre com a sua
desgraça, e Naum termina o livro com Judá entre outros se alegrando com a
destruição da inimiga (cf. Na 3,19). A alegria não representa uma atitude jubilosa
contra o inimigo, mas pelo prazer da vindicação de Deus e de suas promessas.
613 A teofania é descrita em outros textos do AT; ainda nos livros proféticos temos Habacuc, que conclui seu livro com uma teofania, que anuncia o fim do inimigo, a Babilônia. Sofonias retrata no início de seu livro, a teofania de um julgamento em Jerusalém. Todas as quatro teofanias (Mq; Na; Hab e Sf) sugerem um julgamento universal, mesmo apontando para entidades específicas. Para uma leitura relacionada a esses textos cf. JEREMIAS, J. Theophanie. Die Geschichte einer alttestamentlichen Gattung. (WMANT 10) Neukirchen, 1965, p. 108.
192
Mq 7,9 mostra Sião submissa à ira de YHWH (aF'a, hw"hy> @[;z:), após o
reconhecimento da sua culpa. No entanto, ela confia e espera que Deus cumpra o
seu direito, a saber, “até” a hora devida. Sua espera, portanto, não é interminável.
Na 1,2 sublinha a paciência de Deus, mas afirma que Ele não esquece os delitos
dos seus adversários. O profeta usa a expressão verbal wyb'y>aol. aWh rjeAnw> (e guarda
a vingança para com seus inimigos), sugerindo que Deus conserva a sua ira até à
hora oportuna. São inúteis os projetos dos ímpios, quando YHWH decide fazer
justiça.
Após o reconhecimento da culpa de Sião, Miquéias apresenta a renovação
de Israel, seguida de um pedido a YHWH, que volte a pastoreá-lo. O profeta pede
e tem a confirmação da intervenção divina. YHWH será novamente o seu pastor e
fará novos prodígios (cf. Mq 7,14-15). As nações verão e se envergonharão (cf.
Mq 7,10.16-17). Em Naum, Nínive é destruída e o povo está disperso sobre os
montes sem que ninguém o reúna (cf. Na 3,18-19). Sendo assim, a derrota de
Nínive apresentada por Naum já é vislumbrada no texto de Miquéias através da
humilhação “da inimiga” de Sião (Mq 7,10). Naum revela a identidade da inimiga,
a saber, a Assíria. A cidade será destruída porque YHWH declarou a sua culpa.
Naum narra a ruína do poderoso e cruel império – chegou a hora da
libertação dos oprimidos. Observa-se que o profeta não está especulando sobre a
queda da cidade, mas afirmando de forma minuciosa, como se ele “tivesse visto”
através da visão profética614. Há nesse sentido, uma insistência do profeta. O
mesmo ocorre no texto de Miquéias - por diversas vezes, ele usa o verbo “ver”
enfocando a justiça de YHWH e diz claramente: “eu verei a sua justiça” (cf. Mq
7,9f); “minha inimiga verá” (cf. Mq 7,10a); “meus olhos a verão” (cf. Mq 7,10d);
“as nações verão e se envergonharão” (cf. Mq 7,16a). A proteção de YHWH é
sentida no presente de Miquéias e assegurada no futuro por Naum.
614 O verbo har (ver) exibe toda a espécie de sentidos literal, metafórico e ampliado: har designa a aceitação da palavra de Deus tal como entregue a seus mensageiros designados. Essa aceitação envolve salvação, entendimento e fé. Assim, o ato de “ver” pode referir-se à percepção profética. A visão profética, que, às vezes, assume o caráter de uma previsão, é frequentemente atestada no AT. Em Is 6,10 “ver com os olhos” é ouvir a palavra de Deus, entendê-la e voltar-se para ele. Endurecer o coração para Deus é “fechar os olhos”. har possui o sentido de aceitação, especialmente, por parte de Deus. Deus disse a Noé: “Tenho visto que és justo”. Mas de especial importância é o fato de que este verbo, bem mais do que qualquer outra palavra, é usado para descrever o ato em que um profeta autêntico recebe oráculos da parte de Deus. Cf. har R. D. C. in. R. Laird Harris (org.), Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 2095.
193
Especialmente nítida, é a relação entre Mq 7,18-20 e Na 1,2-3a através da
alusão à fórmula de misericórdia em Ex 34,6s615. Enquanto Miquéias recorre ao
texto do Êxodo para fortalecer a confiança de Israel na disposição do perdão
amoroso de Deus que desiste de sua ira, já consumada sobre Israel, Na 1,2 evoca o
Deus lento na cólera, mas que apesar de paciente, seu castigo se voltará para os
seus inimigos. Observa-se que Miquéias apresenta todos os termos principais da
fórmula Ex 34,6, com exceção da palavra “longânime” (%rea'). Ao contrário, os
únicos elementos encontrados em Na 1,2-3 são os que evocam a lentidão de Deus
para se encolerizar. Naum não privilegia a misericórdia de Deus sobre Nínive,
mas apresenta YHWH lento na cólera.
O perdão de Deus a Sião pelos pecados e pelo arrependimento, pode ser
avaliado nesta imagem: os pecados perdoados não são lembrados mais por Deus.
Assim, a incomparabilidade de YHWH em sua total disposição ao perdão
encontra seu correspondente ao castigo, que ocorrerá com Nínive, esta será
destruída e nunca mais reconstruída. Ninguém consegue subsistir diante da ira de
YHWH. Em contrapartida, Sião terá seus muros reconstruídos.
A ênfase final do acróstico de Naum não está no poder do julgamento de
YHWH, mas no conhecimento de sua graça e paciência para salvar aqueles que
refugiam nele. Naum menciona a ira divina, mas descreve também o quanto o
Senhor é bom. Ele é o refúgio e fortaleza para o angustiado na hora da crise (cf.
Na 1,7-8). Miquéias igualmente retrata que Sião incorreu no pecado, sofreu um
castigo, reconheceu a sua culpa, mas sabe e confia que o Senhor é sua luz mesmo
nos momentos de trevas (cf. Mq 7,8-9).
615 Há cinco adaptações características da fórmula do Ex 34,6-7 no livro dos Doze, a saber, em Os 14,3-5; Jl 2,13; Jn 4,2; Mq 7,18-20 e Na 1,2-3. Esta fórmula não parece ter o efeito estruturante sobre o conjunto dos Doze, pois se apresenta diversificada em função do contexto no qual ela se insere. Sua adaptação ao menos nos livros de Miquéias, Naum, Jonas e Joel, permite enriquecer a figura de Deus. Uma marca dessa diversidade é o fato de que a dupla nominação de Deus (lae hw"hy> hw"hy>) não é mencionada da mesma maneira nas citações. Essa fórmula é composta de duas partes: a primeira exprime a misericórdia divina por diversos conceitos (~xr ~xn !nx dsx bwv); a segunda insiste sobre a firmeza da justiça. Os recursos a Ex 34,6-7 não é evidentemente exclusivo dos Profetas Menores, é uma passagem de esperança comum. A parte positiva isolada é vista por Jl 2,13; Jn 4,2; Mq 7,18-19; 2Cr 30,9; Ne 9,17.31; Sl 86,15; 103,8; 11,4; 145,8. A parte negativa isolada se encontra em Jr 30,11b; 46,28b; e a fórmula dupla em Jr 32,18; Na 1,3. Cf. CLEMENTS, R. E., “Prophecy as Literature: Re-appraisal”, in MILLER, D. G., (éd.) The Hermeneutical Quest: Essays in Honor of James Luther Mays on his Sixty-fifth Birthday, Allison Park, 1986, pp. 59-60. Sobre este texto, ver DETAN, R. C., “The Literary Affinities of Ex 34,6s”, in VT 13 (1963), 34-51; SCHARBERT, J., Formgeschichte und Exegese von Ex 34,6f und seiner Parallelen”, Biblica 38 (1957) 130-150; DOZEMAN, T. B., “Inner-Biblical Interpretation of Yahweh’s gracious and Compassion Character”, in JBL 108 (1989) 207-223.
194
Naum mostra a imprudência dos que se opõem a Deus e à sua vontade. O
mesmo tema conclui o livro de Miquéias: o profeta aponta o fim daqueles que são
contrários a Deus. A mensagem de condenação é para aqueles que desobedecem,
ou seja, os que não escutam a Deus. A mensagem de consolação é para aqueles
que obedecem a Deus e confiam nele616. Esses textos mostram dois aspectos do
plano de Deus: o Senhor promete que permitirá graciosamente ser encontrado pelo
pecador arrependido, mas o dia da graça virá próximo da sua ira arrebatada sobre
o mundo. Só há dois tipos de povos no mundo: os que estão atentos a Deus e se
esforçam a serem justos diante dele, e aqueles que renunciaram a terem
humildade, confiança no Senhor da salvação, pondo toda expectativa na própria
justificação.
Naum testemunha e cumpre a profecia de Miquéias: Nínive será destruída.
O profeta mostra a ação de Deus presente num julgamento histórico: YHWH,
poderoso na natureza e na história, castiga o inimigo, libertando o seu povo. Ele
anuncia a sentença à nação inimiga e mostra como será a sua execução. Enquanto
Sião reunida caminha protegida para a Jerusalém, os inimigos serão punidos com
a morte – estendida ao mundo pagão.
Os elementos em comum são de uma importância tal que é pouco provável
que sejam efeito de um acaso. Por essas razões, analisaremos quais as afinidades
lingüísticas existente entre os dois livros, que formam uma temática comum.
4.1.3 Averiguação literária entre os textos de Mq 7,8-20 e Na 1,2-8
As descrições do nome divino no livro de Miquéias vêm combinadas com
afirmações feitas por Sião ou pelo profeta. Em 7,20 está implícito que as ações
são realizadas por YHWH, e elas resultam positivamente para Sião. A passagem
que, dentro de uma interpretação teológica, dá significado ao nome de YHWH, é
616 O meio do livro de Miquéias (Mq 4,12) sublinha: “Eles não conhecem os planos de Deus, não compreendem os seus desígnios, pois ele os reúne como feixes na eira.” O profeta fala do julgamento, mas também de toda a esperança no futuro. O plano de Deus é sempre de salvação. O texto de Mq 4,12 faz parte da unidade (4,11-13), que trata de uma libertação realizada em Sião. Os vv 4, 9-10 fazem referência explícita à Babilônia. Hillers aponta que esta referência dificulta datar os versículos a Miquéias, pois o alvo no tempo do profeta era a Assíria. Para o autor, provavelmente, a passagem deriva do tempo de Sedecias, final da monarquia. Cf. HILLERS, H. Micah, p. 39. Para Mays, a data provável seria do tempo de Ezequias. Cf. MAYS, Micah, p. 105.
195
Ex 3,14, que expressa a presença operante de Deus em favor do povo eleito617. Em
Mq 7,8.10.17, ocorrem acréscimos ao nome próprio de Deus. Tal disposição
explicita o elemento relacional nele contido: a pertença de Israel a YHWH, e a
ligação particular de Deus a Israel. Miquéias 7,8-20 v. 8 yli rAa hw"hy> – Sião faz uma afirmação: YHWH (é) luz para mim. v. 9 aF'a, hw"hy> @[;z: – Sião carrega ira de YHWH porque reconhece a sua culpa. v.10 %yIh'l{a/ hw"hy> AYa; – onde (está) YHWH teu Deus? indagação irônica da inimiga. v. 17 Wnyhel{a/ hw"hy> -la, – Sairão de seus esconderijos - a YHWH nosso Deus. v. 18 ^AmK' lae-ymi – pergunta retórica do profeta: Quem (é) um Deus como tu? v. 20 ~h'r'b.a;l. ds,x, bqo[]y:l. tm,a/ !TeTi – está implícito que o autor das ações (positivas) é
YHWH. As declarações sobre Deus, apresentadas no poema acróstico de Na 1,2-8
são também importantes. O v. 1,2 inicia com quatro afirmações sobre Deus, sendo
que três delas carregam o nome divino junto ao termo vingança. O v. 1,3 mostra o
Senhor lento na ira, grande em poder. O v. 1,4 oculta o nome de Deus, mas deixa
claro que a ação é realizada por Ele. A conseqüência da ação é negativa para
Nínive. As afirmações encerram no v. 1,7 que se refere à bondade divina:
“YHWH é bom, ele é abrigo no dia da tribulação. Ele conhece aqueles que nele se
refugiam.” Se nos três primeiros versos o autor enfoca o tema da exigente
exclusividade de Deus, nos dois últimos, ele insiste, sobretudo, na bondade divina.
O profeta faz uma justaposição com o poder e a ira de Deus confrontado com a
sua graça e paciência. A bondade e a severidade são dois aspectos indissociáveis
da personalidade divina.
Naum 1,2-8 v. 2 ~qenOw> aANq; lae – YHWH (é) ciumento e vingador – não descuida de seu povo. v. 2 ~qenO hw"hy – YHWH (é) vingador – toma vingança contra qualquer injustiça. v. 2 ~qenO hm'xe l[;b;W hw"hy> – YHWH cheio de ira vinga-se – contra aqueles que pecaram
contra Ele. v. 2 rjeAnw> wyr'c'l. hw"hy – YHWH guarda rancor - de seus adversários. v. 3 x;Ko-lAdg>W ~yIP;a; %r,a, hA'hy> – YHWH é lento na cólera e poderoso
AKr>D; hr'['f.biW hp'WsB. hw"hy – YHWH caminha na tempestade e no furacão v. 4 tArh'N>h;-lk'w> WhveB.Y:w: ~Y"B; r[eAG – está implícito que o autor das ações (negativas) é
YHWH. v. 7 hw"hy> bAj – YHWH (é) bom
617 Cf. “hwhy” Gerhard Von Rad, in E. JENNI E C. WESTERMANN, Diccionario Teologico
196
A forma qal particípio ~qeno é usada por três vezes seguidas em Na 1,2. O
significado aqui é vingança contra um povo. Este verbo não é usado nos Profetas
Menores, ocorrendo a raiz apenas mais uma vez em Mq 5,14 como substantivo
(~q'n"). O contexto do texto no livro de Miquéias é o mesmo de Na 1,2: W[mev' al{
rv,a] ~yIAGh;-ta, ~q'n" hm'xeb.W @a;B. ytiyfi['w> (“Com ira e com furor tomarei vingança das
nações que não obedeceram”). Mq 5,14 apresenta outros termos semelhantes ao
texto e Naum (@a;, hm'xe, a mesma forma verbal hf[ de Na 1,8).
O mesmo vocabulário usado na menção do inimigo, das trevas e os
prodígios de Deus em Miquéias é visto no texto de Naum, evidenciando o castigo
que fora anunciado em Miquéias618. Sobressai o merisma – terra, rio, mar, monte
(cf. Mq 7,12-13 e Na 1,4); as localizações importantes na história do povo, tais
como: Carmelo, Basã (cf. Mq 7,14 e Na 1,4)619. Ambos usam as localizações do
Carmelo e Basã, metaforicamente, para descrever a debilidade em que se
encontram: por intermédio da seca, o Senhor faz Basã enlanguescer; em geral,
Basã é rica em pastagens; e o Carmelo, famoso por suas vinhas. Mas o Senhor
pode remover de ambos, a beleza (cf. Is 33,9 e Os 14,7). Toda a natureza e os
seres humanos devem reconhecer e confessar as manifestações divinas no reino da
natureza. Se Deus pode afetar de tal modo a natureza, a Terra e o mundocom seus
habitantes, é claro que homem algum pode resistir com êxito à ira divina.
Segundo Na 1,5, o julgamento da vinda teofânica diz respeito à terra e
aqueles que a habitam. A expressão “seus habitantes” pode ser considerada como
um eco de Mq 7,13. Pode-se dizer que Na 1,5-6 se inspira em Mq 7,13 onde é
apresentada a desolação que vem golpear o mundo por causa do comportamento
de seus habitantes. Embora os textos não apontem circunstância temporal alguma,
a mensagem é certa: Deus julgará seus inimigos.
Manual del Antiguo Testamento II, pp. 967-975. 618 Neste salmo, não se menciona o nome de Nínive nem há alusão sobre a destruição de Nínive, tema central do livro. O mesmo ocorre com o texto final de Miquéias - não é especificada a inimiga retratada. Mas os dois textos (Mq 7,8 e Na 1,2.8) visam diretamente ao poder inimigo de Israel. 619 Estas localidades são encontradas também em: Am 1,2 (Carmelo); 4,1 (Basã); 9,3 (Carmelo); Is 33,9 (Basã, Carmelo e Líbano); 35,2 (Carmelo e Líbano); 37,24 (Líbano); Jr 22,20 (Basã, Líbano); 46,18 (Carmelo); 50,19 (Basã, Carmelo, Galaad); Ez 27,6 (Basã); 39,18 (Basã); Zc 11,1.2 (Líbano; Basã).
197
Termos Miquéias Naum
%v,x (trevas) Mq 7,8 - sujeito: Sião; idéia: castigo. Na 1,8 – sujeito: YHWH; idéia: castigo.
~Ay (dia) Mq 7,11 (2x). 12.14.15.20 – vv.11.12: contexto: dia escatológico; vv. 14.15.20: contexto: visão positiva dos dias antigos.
Na 1,7 – contexto positivo: YHWH é bom; fortaleza no dia da angústia para os que confiam Nele.
#r,a, (terra) Mq 7,13. 15.17 – v. 13: sujeito: terra; idéia: castigo; v. 15: referência ao Egito; v. 17: sujeito – nações inimigas arrastarão na terra.
Na 1,5 – sujeito: terra; contexto: efeito do castigo de YHWH.
rh'n" (rio) Mq 7,12 – continuidade com o dia escatológico
Na 1,4 – sujeito: YHWH; idéia: castigo.
~y" (mar) Mq 7,12.19 – continuidade com o dia escatológico.
Na 1,4 – sujeito: YHWH; idéia: castigo.
rh; (monte) Mq 7,12 - continuidade com o dia escatológico.
Na 1,5 – sujeito: montanha; contexto: efeito do castigo de YHWH.
lm,r>K; (Carmelo)
Mq 7,14 – contexto: localização atual de Sião.
Na 1,4 – sujeito: Carmelo; idéia: castigo.
!v'b' (Basã) Mq 7,14 – contexto: localização futura; idéia: benção.
Na 1,4 – sujeito: Basã; idéia: castigo.
APa; (ira) Mq 7,9 – sujeito: YHWH; idéia: juízo.
Na 1,3 – sujeito: YHWH; idéia: juízo.
Percebe-se ainda um jogo de contrastes nos verbos, que marcam os textos
destes profetas. Enquanto Miquéias sublinha a situação penosa de Sião nas mãos
inimigas e anuncia um futuro de glória para ela; Naum afirma que Nínive terá a
sua glória destruída a favor de Israel. Se Sião habita nas trevas, YHWH (é) sua
luz, mas o seu inimigo YHWH perseguirá com trevas. Sião tinha caído, mas se
levantou; o mesmo não ocorrerá com a inimiga, ela será destruirá e não se
levantará. Não há quem se levante diante da ira divina. Miquéias proclama que a
terra tornou-se desolação por causa dos seus habitantes; Naum prega que no
julgamento divino a terra se levanta e todos os seus habitantes. Sião carrega a ira
de YHWH, confessa a sua culpa, e,ao mesmo tempo, sua confiança no julgamento
divino. YHWH manifesta a sua ação: cumprirá os direitos de Israel, assim como
dará fidelidade aos ancestrais. Naum prediz que YHWH na defesa de Sião,
inundará a cidade inimiga, aniquilando-a. Nesta perspectiva é particularmente
pertinente que o livro de Naum comente intencionalmente a derrota de Nínive.
198
Verbos Miquéias 7,8-20 Naum 1,2-8
Bya 7,8 yTib.y:ao yxim.f.Ti-la; = Sião fala a sua inimiga para que não se alegre com a sua derrota.
1,8 %v,xo-@D,r;y> wyb'y>aow> = (o Senhor) persegue os seus inimigos com trevas.
~wq
7,8 yTim.q' yTil.p;n" yKi = se caí me levanto / Sião confessa sua confiança em YHWH.
1,6 APa; !Arx]B; ~Wqy" ymiW = quem levantará diante de sua ira?
Bvy
7,8 yli rAa hw"hy> %v,xoB; bveae-yKi = se habito nas trevas, HWH (é) luz para mim/ Sião adiciona já uma consolação. 7,13 yrIP.mi h'yb,v.yO-l[; hm'm'v.li #r,a'h' ht'y>h'w> ~h,ylel.[;m; = a terra tornar-se-á desolação por causa de seus habitantes
1,5 Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> wyn"P'mi #r,a'h' aF'TiwO = a terra em sua presença se levanta, o mundo com todos os seus habitantes (relacionado a 7,13).
Afn
7,9 Al ytiaj'x' yKi aF'a, hw"hy> @[;z = a ira de YHWH devo carregar / aponta a conformidade de Israel que assume o seu pecado. 7,18 !wO[' afenO ^AmK' lae-ym = Quem é um Deus como tu que carregas o pecado?
1,5 Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> wyn"P'mi #r,a'h' aF'TiwO = YHWH poderoso na natureza e na história, castiga o inimigo, libertando o seu povo.
hf[
7,9 yjiP'v.mi hf'['w> ybiyrI byrIy" rv,a] d[; = até que (Deus) julgue a minha causa e cumpra o meu direito.
1,8 Hm'Aqm. hf,[]y: hl'K' rbe[o @j,v,b.W = com inundação transbordante aniquilará com o lugar (cidade).
Essas correlações verbais serão explicitadas no final da análise.
Um outro ponto significante ligando os textos é a imagem de Deus carregada
de significados, junto a uma variedade de sinônimos. É admirável a declaração de
Mq 7,18-20, onde o profeta ressalta o perdão divino em várias expressões620. O
texto sugere que o perdão ultrapassa totalmente o passado de faltas do povo.
Nestes versículos, Deus não prima pela imagem de libertador, mas pela de um
Deus amor. É o amor que impulsiona Deus a pastorear e perdoar.
620 Ambas as passagens confirmam que se deseja ao outro uma disponibilidade de Deus que não se esgota. A conduta divina não leva em conta a conduta do homem. Por esta razão, Deus espera do homem a mesma postura. Esse é o contexto de Mq 6,8; já o texto de Mq 7,18 amplia essa visão e em seguida, 7,20 apresenta uma curiosa distribuição formal do ds,x,. Assim, Mq 7,20 deve ser interpretado a partir de Mq 6,8. A disponibilidade divina constituiu a base a partir da qual se torna possível e inclusa e se deve esperar o hesed humano como disponibilidade divina aos demais homens. ds,x, aparece com freqüência junto a tm,a/ na composição hesed + 'mefffjt (cf. Gn 24,27.29; 32,11; 47,29; Ex 34,6; Js 2,14; 2Sm 2,6; 15,20; Sl 25,10; 40,11.12; 57,4; 61,8; 85,11; 86,15; 89,15; 115,1; 138,2; Pr 3,3; 14,22; 16;6; 20,28). Mas, ambas as palavras aparecem também claramente separadas entre si (cf. Os 4,1; Mq 7,20; Sl 26,3; 57,11; 69,14; 108,5; 117,2) de modo que podem referir-se a sujeitos diferentes (cf. 1Rs 3,6; Is 16,5). Deve-se assinalar igualmente, que com poucas exceções se conserva fielmente a ordem dos termos (cf. Os 4,1 e Mq 7,9.20 condicionados pelo conteúdo). Cf. “ds,x,” H. J. STOEBE in JENNI, E. – WESTERMANN, C., Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament (v. 1), pp. 834-835.
199
Imagem de Deus em Mq 7,8-20 v. 18 !wO[' afenO – Um Deus que carrega a culpa v. 18 [v;P,-l[; rbe[ – Um Deus que passa por cima da transgressão v. 18 ds,x, qzx – Um Deus que se compraz no amor v. 19 ~xr – Um Deus compassivo v. 19 !wO[' vbK – Um Deus que destruirá a culpa v. 19 aJ'x; [~y" tAlcum.Bi] %lv – atirará os pecados [nas profundezas do mar] v. 20 tm,a/ !tn – Um Deus que dará fidelidade v. 20 ds,x, !tn – Um Deus que dará amor
Miquéias, ao referir-se aos pecados de Israel, enumera três palavras
diferentes com quatro verbos, que pertencem ao campo semântico da relação
amorosa de Deus. O tratamento dado aqui não é de uma indiferença ao pecado,
mas uma afirmação de que eles serão esquecidos. Eles são vistos em todas as suas
categorias, para mostrar que não há pecado que não seja perdoado. A ênfase no
perdão divino é reforçada pela questão retórica: “quem é um Deus como tu?”.
Miquéias Verbo
Mq 7,18 !wO[' (falta) !wO[' afenO ^AmK' lae-ymi afenO (carregar)
Mq 7,18 [v;P, (transgressão) [v;P,-l[; rbe[ow> rbe[o (esquecer)
Mq 7,19 aJ'x (pecado) ~t'waJox;-lK' ~y" tAlcum.Bi %yliv.t;w %lv (atirar)
Mq 7,19 Repete !wO[ (falta) WnytenOwO[] vBok.yI Wnmex]r;y> bWvy" vbK (destruir)
Naum evidencia a ira de Deus, utilizando também diferentes sinônimos que,
por sua vez, vêm acompanhados de diferentes verbos. O profeta destaca o motivo
da ira: o Senhor é ciumento na sua relação exclusiva com seu povo e não tolera
injustiças contra ele. Deus expressa sua ira apropriadamente e persegue
obstinadamente as nações más como a Assíria. O agir de Deus em favor de Israel
se demonstra na história e na natureza. Percebe-se que a radicalidade do
julgamento em Naum, não exclui a temática do amor de Deus para com seu povo.
Naum Verbo
Na 1,6 Am[.z (indignação) dAm[]y: ymi Am[.z: ynEp.li dm[ (suportar)
Na 1,6 APa; (ira) APa; !Arx]B; ~Wqy" ymiW ~wq (levantar)
Na 1,6 hm'xe (cólera) vaek' hk'T.nI Atm'x $tn (derramar)
200
Se por um lado, Miquéias apresenta os pecados de Israel e as ações amorosas
de Deus relacionadas a cada uma destas faltas, por outro lado, Naum mostra a ira
divina e o reflexo da mesma na terra com tudo que ela contém. O contraste
existente entre os dois textos acaba por aproximá-los. O juízo contra o pecado nos
dois livros não se baseia numa ira incontrolável, mas no caráter imutável, justo e
santo de Deus. Deus responderá corretamente de acordo com a ação humana. As
bênçãos serão certas e as promessas serão completadas porque Deus, Ele mesmo,
é quem guarda a aliança e é quem liberta. Aqueles que confiam em YHWH
podem esperar sua proteção.
Miquéias usa o termo @a, para expressar a ira divina em Mq 5,15 e 7,18. Na
1,2-3 utiliza este termo e apresenta outras singularidades: o termo hm'xe, que só
ocorre 26 vezes na BH, sendo que nos Profetas Menores só este profeta o utiliza.
Na 1,2.3, apresentam os termos @a; e hm'xe acompanhados de adjetivos:
v. 2 hm'xe – indignação l[;b; (cheio) v. 3 ~yIP;a; – ira %r,a, (tardio, lento)621.
A força enfática destes textos proféticos não é expressa apenas pelo acúmulo
dos sinônimos, mas também pelo uso da questão retórica sublinhada em Na 1,6 e
Mq 7, 18 e iniciada por ymi (quem?). O que força a admitir, em Naum, que não há
ninguém que possa se levantar ou ficar de pé diante da ira divina, nem alguém
capaz de tanto amor, como demonstra Miquéias. Essa técnica da questão retórica é
comum na literatura com função persuasiva. Ela força o ouvinte a envolver-se
ativamente na discussão.
Um novo elemento para consolidar a elaboração hermenêutica entre Na 1,5 e
Mq 7,13 é o tema da terra (#r,a,,) e seus habitantes (bvy)622. A terra é geralmente o
foco do julgamento e da salvação de Deus. O texto de Miquéias indica que “a
terra tornar-se-á desolação por causa dos seus habitantes”. E, em Naum, o texto
621 Este adjetivo só ocorre, nos Profetas Menores, em Na 1,3; Jl 2,13 e Jn 4,2. 622 O tema da terra é freqüente e muito importante em Miquéias – a terra é testemunha de YHWH (1,2); ele é o Senhor de toda a terra (4,13); ele apascentará o rebanho na terra (5,4); e ele será grande até os confins da terra (5,3); o Senhor libertará o rebanho da Assíria, se ela invadir a terra (5,4); a terra da Assíria será apascentada com a espada; e a terra de Nemrod, pelo punhal (5,5), aniquilará as cidades da tua terra (5,10); novamente a terra testemunha o julgamento de YHWH (6,2); o Senhor recorda ao povo que lhe tirou da terra do Egito (6,4); no mundo da injustiça, o fiel desapareceu da terra (7,2); a terra se tornará desolação (7,13); novamente YHWH recorda que
201
enfoca que “a terra se levanta diante dele [para o seu julgamento], o mundo e
todos os que nele habitam”623. Há uma correspondência entre a raiz verbal bvy em
Mq 7,13 (h'yb,v.y) e Na 1,5 (ybev.yO:), ambos os verbos têm a forma do particípio
masculino plural construto e possuem valor de adjetivo. A singularidade em
Miquéias está no uso do sufixo da 3ª pessoa do feminino singular que se refere à
desolação de uma terra que não é Sião, pois esta será restaurada. Fica evidente
pelo contexto, nos dois textos, que a terra é que sofre as ações da ira divina. Nos
dois casos, o ponto de convergência é o julgamento divino. Naum apresenta
situações concretas e contrárias a Assíria - aquelas que foram anunciadas em
Miquéias.
Mq 7,13 Na 1,5 ~h,ylel.[;m; yrIP.mi h'yb,v.yO-l[; hm'm'v.li #r,a'h'
ht'y>h'w> aF'Tiw: Wgg"mot.hi tA[b'G>h;w> WNM,mi Wv[]r' ~yrIh
Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> wyn"P'mi #r,a'h'
Se estreitarmos a ligação entre Mq 7,8ss e Na 2,14, encontramos mais uma
referência à “terra” e somente mais esta. Os textos possuem o mesmo movimento:
a ação inaugurada por YHWH em relação à Assíria, é aquela descrita por
Miquéias. A dominação assíria desaparecerá e a terra de Sião será restaurada. O
que é anunciado no livro de Miquéias torna-se realidade no livro de Naum. O
poder de Nínive não é capaz de impedir o julgamento nem a sua destruição. Nada
a fará escapar nem da desolação nem do tremor provocado por YHWH.
Há também uma ocorrência do verbo bvy em Mq 7,8; aqui, diferente da
ocorrência anterior: é Sião quem fala de sua condição para os seus inimigos,
condição específica do momento %v,xoB; bveae-yKi: “Se habito nas trevas”.
Uma outra construção comum encontra-se em Na 1,6 e Mq 7,8 pelo uso da
raiz hebraica ~wq (levantar). As formas apresentadas nestes versículos são
correspondentes a qal yiqtol, sendo que em Miquéias, apresenta-se na 1ª pessoa do
masculino singular; e em Naum, na 3ª pessoa do masculino singular. Embora o
tirou o povo da terra do Egito (7,15); e termina com o castigo das nações rastejando como animais sobre a terra (7,17). 623 Na opinião de Alonso Schöckel, é duvidoso este sentido de “levantar-se”, provocado pela presença do Senhor. Para o autor o uso da expressão “a terra se levanta”, supõe o sentido intransitivo de afn, ou seja, para assistir ao julgamento. Outros lêem “levanta a voz”, acrescentando lwq; outros ainda “é devastada”, lendo o verbo vah. Cf. ALONSO SCHÖKEL, L., Profetas II, p. 1112.
202
sujeito das orações não seja o mesmo, é possível verificar as semelhanças dos
textos nos seus contextos. Em Miquéias, é Sião quem fala. Ela está em poder dos
inimigos porque pecou contra o Senhor. Não deve haver triunfo sobre a sua queda,
pois ela levantará. Sua confiança em Deus trará um juízo a seu favor. Esta
confiança é demonstrada na oração seguinte: “se eu habito nas trevas, YHWH é
luz para mim”. O texto de Naum “Quem levantará diante do furor de sua ira?”
Refere-se ao julgamento divino, já anunciado à nação inimiga. Só levantarão
aqueles que confiam em Deus. A questão é corroborada pelo próprio Naum, na
oração seguinte: O Senhor é bom, ele serve de fortaleza no dia da angústia e
conhece os que confiam nele. O caráter benevolente de Deus é mostrado para
aqueles que buscam Deus com sua proteção no tempo da opressão.
Mq 7,8 yTim.q' yTil.p;n" yKi Na 1,6 APa; !Arx]B; ~Wqy" ymiW yTim.q' (~wq) ~Wqy" (~wq)
Observa-se também uma relação entre os dois textos pela palavra trevas.
Sião mesmo habitando nas trevas mostra a confiança de ter YHWH como a sua
luz, e Nínive em todo o seu esplendor será lançada nas trevas. Não há nenhum
lugar para onde se possa fugir, quem quer que seja, mesmo o rei da Assíria. A
construção das passagens coloca em relevo a situação invertida das duas nações:
Sião que habita nas trevas, por causa de seu pecado, será salva por YHWH; e
Nínive, que vive em seu esplendor, será perseguida pelo Senhor com trevas.
Na 1,2 apresenta o termo wyr'c' (contra seus adversários); que ocorre também
em Mq 5,8 (^yr,c') com uma diferença no sufixo, mas o contexto é o mesmo. Em
Naum, traz: “O Senhor toma vingança contra seus adversários”. Mq 5,8: “Que a
tua mão se eleve contra teus adversários e que todos os teus inimigos sejam
aniquilados”. O inimigo é a Assíria que será destruída dentro de suas próprias
portas. O texto de Mq 5,8-14, do qual faz parte o v. 5,8, ainda apresenta um
vocabulário que lembra a descrição que Naum faz da derrota de Nínive:
“aniquilarei no meio de ti cavalos, farei desaparecer teus carros”; “aniquilarei as
cidades da tua terra e destruirei as tuas fortalezas”; “arrancarei os sortilégios de
tua mão, e não terás mais adivinhos”; “aniquilarei tuas estátuas”; “destruirei as
tuas cidades com furor e vingança”.
203
Mq 5,8 Na 1,2 WtreK'yI ^yb,y>ao-lk'w> ^yr,c'-l[; ^d>y" ~rot' wyb'y>aol. aWh rjeAnw> wyr'c'l. hw"hy>
A raiz verbal ~qenO> (~qn - vingar-se) encontra-se por duas vezes seguidas em
Na 1,2 e só ocorre aqui, entre os Profetas Menores. Encontramos o substantivo
~q'n" (vingança) da raiz verbal ~qn no cap. 5 de Miquéias (5,14). Enquanto Naum
descreve Deus como ciumento e vingador, Miquéias narra as palavras do próprio
Deus que diz:“tomará vingança contra as nações que não lhe obedeceram”. O
verbo em Na 1,2 tem o sentido de guardar ou manter sugerindo que Deus está
guardando a sua ira à espera da justiça inevitável624. A citação de Naum certifica
o oráculo de Miquéias.
Mq 5,14 Na 1,2 W[mev' al{ rv,a] ~yIAGh;-ta, ~q'n" hm'xeb.W @a;B. ytiyfi['w>
~qenO hm'xe l[;b;W hw"hy> ~qenO hw"hy> ~qenOw> aANq; lae
Mq 7,9 e Na 1,5 apresentam em comum o verbo afn - em qal. Em Mq 7,9,
o verbo vem acompanhado da palavra ira (@[;z:) e o sujeito da frase é Sião: “a ira
de YHWH devo carregar”. Portanto, parece que já ocorreu o julgamento, Israel
assumiu o seu pecado e está apta para tomar sobre si as conseqüências de seus
atos. Sião aguarda o tempo da misericórdia, que vai restabelecer o seu direito.
Enquanto que no texto de Na 1,5, o profeta anuncia o julgamento de YHWH e a
reação da natureza: “a terra é carregada diante dele”. O tremor das montanhas, o
estremecer das colinas, assim como a imagem da terra sendo carregada é a
resposta terrestre à convulsão divina. O contexto do verbos é o do julgamento. Os
textos retratam a ação do julgamento de Deus na história e na natureza e a
conseqüência do mesmo.
Mq 7 Na 1,2 afn 7,9 Al ytiaj'x' yKi aF'a, hw"hy> @[;z
1,5 Hb' ybev.yO-lk'w> lbetew> wyn"P'mi #r,a'h' aF'TiwO
624 Mendenhall fez um estudo da raiz verbal ~qn no AT e em toda a literatura do Antigo Oriente e concluiu que apenas em poucos exemplos este termo é usado como vingança de sangue por parte de um indivíduo. A maioria das vezes, ela se refere ao julgamento de um grupo ou Deus defendendo os seus. Mendenhall enfatiza a importância da aliança como pano de fundo para a compreensão do uso desse termo no AT. Assim, YHWH é um Deus vingador aquele que guarda sua ira e ocasiona a sua vingança contra seus inimigos. Naum anuncia a gravidade do castigo vindouro: os inimigos serão perseguidos com trevas. Cf. MENDENHALL, G., “The Vengeance of Yahweh”, in The Tenth Generation. Baltimore: Johns Hopkins U. P., 1973, pp. 69-104.
204
Outra ação verbal que figura nos dois livros é hf[ - no qal. O contexto dos
verbos é o de um julgamento e nos dois livros, este está direcionado às nações
inimigas. Mq 7,9 refere-se a uma ação futura de YHWH: “até que ele julgue o
meu litígio (contra a inimiga) e cumpra o meu direito”. Sião está nas mãos do
inimigo e espera que o Senhor julgue a sua causa, contra a inimiga, e faça valer a
sua justiça. Em Naum o julgamento de YHWH trará conseqüências graves para
Nínive: “uma inundação transbordante acabará de uma vez com a cidade”. As
duas ações terão como sujeito YHWH. Em Miquéias, o verbo hf[ é seguido pelo
termo yjiP'v.mi (meu direito) e em Naum, Hm'Aqm (seu lugar), o que valida o
pensamento acima.
Mq 7,9 Na 1,8 yjiP'v.mi hf'['w> ybiyrI byrIy" rv,a] d[ Hm'Aqm. hf,[]y: hl'K' rbe[o @j,v,b.
4.1.3.1 Conclusão:
Na 1,2-8 configura um rico exemplo de conexões com o livro de Miquéias.
O que faz plausível a sugestão de que este salmo acróstico foi redigido
particularmente para continuar a mensagem de Mq 7,8-20. Em quase todos os
vocábulos e verbos analisados, encontramos semelhanças entre os dois textos
proféticos, e podemos ainda dizer que existem paralelos entre os dois profetas que
não se encontram entre os outros livros dos Profetas Menores. Há vários
elementos agregadores do livro de Naum com Mq 7,8-20 e, senão com todo o
livro de Miquéias ou as suas principais partes625.
A probabilidade de uma relação intencionada entre o livro de Miquéias e o
de Naum cresce quando se reconhece que, não apenas o salmo de abertura do livro
de Naum, mas igualmente o final de ambos os livros, está interligado e se
completa. Achamos pertinente avançar sobre o estudo realizado por Nogalski, já
que o autor se deteve apenas entre Na 1,2-8 e Mq 7,8-20.
625 O texto de Na 1,12-14 (nova unidade, novo endereço) não foi explorado, mas retrata o mensageiro de YHWH introduzindo uma promessa de liberdade para Jerusalém combinada com o oráculo de julgamento contra Nínive e o rei assírio. Esses versículos aproximam o tema da dominação inimiga (Assíria) na perspectiva de Jerusalém utilizando um estilo similar ao de Mq 7,8ss. A probabilidade de uma relação intencional entre Mq 7 e Na 1, 12-14 confirma a hipótese de que o livro de Naum estaria diretamente ligado ao livro de Miquéias.
205
4.1.4 Análise do texto final de Naum = Na 3,15-17. 18-19
Contexto: O profeta faz um último convite: é ironicamente ordenado à
Assíria que disponha de suprimentos para seu sustento e que fortifique suas
fortalezas para o cerco que se aproxima (cf. Na 3,14). O escárnio profético passa
pela ordem de prepararem suprimento de água – fato impensável para uma cidade
à beira de um grande rio, o Tigre. Mesmo assim tais medidas de nada valeriam,
pois o fogo e a espada a consumirão. A perda será completa. A totalidade da
destruição é comparada com aquela dos gafanhotos que varrem os caminhos da
trilha (cf. Sl 78,46; Jl 1,4). A Assíria que havia multiplicado seu comércio para
além da Capadócia na Ásia Menor é apresentada aqui, com poder esgotado e
exaurido, contrastando com aquele apontado por Is 5,26626. Ela é comparada a um
enxame de insetos que desaparece subitamente do nada. Os versículos finais são
um lamento fúnebre: focaliza o cochilo do rei assírio e dos poderosos, enquanto o
povo está à deriva.
Estrutura do texto:627
Parte 1ª: Fim de Nínive (fem): a praga de gafanhotos na terra (3,14-17)
A – Introdução: preparação do cerco que precede a queda de Nínive (3,14)
B – Sua cidade será devorada como gafanhotos pelo fogo e a espada (3,15)
C– Seus comerciantes multiplicaram, como gafanhotos, mas eles
desaparecerão (3,16)
D – Seus príncipes e chefes multiplicaram como gafanhotos, mas eles
desaparecerão (3,17)
Parte 2ª: Fim de Nínive (masc): 3,18-19 E – Seu povo está disperso, sem ninguém que o reúna
F – Seu ferimento é fatal, não há cura para ele (3,19a)
G – ninguém pranteará sobre vós quando o povo ouvir a sua queda (3,19b-c).
O profeta não apenas acredita que tudo isso ocorrerá, como já compõe o
lamento, como se isso já tivesse ocorrido. A colocação do elogio pomposo
(panegírico) sobre o covil dos leões, que ocupa a posição central do livro, reforça
o sentido de certeza.
626 Confira os recordes históricos da Assíria: HAWKINS, J. D. Trade in the Ancient Near East, Britsh School of Archaeology in Iraq, 1977; LIPINSIK, E., State and Temple Economy in the Ancient Near East, Leuven University, 1979.
206
A repetição de palavras oferece sonoridade ao texto.
`hB,r>a;K' ydIB.K;t.hi ql,Y<K; dBeK;t.hi ql,Y"K; %lek.aTo br,x, %teyrIk.T; vae %lek.aTo ~v' 15 `@[oY"w: jv;P' ql,y< ~yIm'V'h; ybek.AKmi %yIl;k.ro tyBer>hi 16
hr'q' ~AyB. tArdeG>B; ~ynIAxh; yb'GO bAgK. %yIr;s.p.j;w> hB,r>a;K' %yIr;z"N>mi 17 `~Y"a; AmAqm. [d;An-al{w> dd;Anw> hx'r>z" vm,v,
A expressão vae %lek.aTo ~v' (“ali o fogo te devorará”) é um exemplo de
personificação. O fogo (vae) é geralmente retratado consumindo um objeto como
uma pessoa consome um alimento (cf. Is 5,24; 10,17; 30,27.30; 33,14; Am
1,4.7.10.12.14; 2,2.5; 5,6; Na 3,13). O verbo lka é usado duas vezes para dar
ênfase: %lek.aTo br,x, %teyrIk.T (“a espada te consumirá”); também a espada é
frequentemente retratada como consumindo ou devorando um inimigo derrotado
(cf. Os 11,6; Jr 8,16; 12,12)628.
A oração dBeK;t.hi ql,Y"K; (“Multiplica-te como o yeleq”) é também repetida:
hB,r>a;K' ydIB.K;t.hi ql,Y<K; (“Multiplica-te como o gafanhoto”). No sentido de fazer eles
mesmos abundantes629. O mesmo ocorre no versículo seguinte: @[oY"w: jv;P' ql,y<
~yIm'V'h; ybek.AKmi %yIl;k.ro tyBer>hi (“Multiplica teus mercadores mais do que as estrelas
do céu, - o yeleq sai do casulo e voa”). O verbo jvP refere-se à ação do gafanhoto
tirando a pele das asas, enquanto estágio de larva630. Em um sentido semelhante,
este verbo é normalmente usado para uma pessoa despindo roupas (cf. Gn 37,23;
Ez 16,39; 23,26; 44,19; Os 2,5; Mq 2,8; 3,3 etc.).
O v. 17 traz: hB,r>a;K' %yIr;z"N>mi (“Teus guardas, como gafanhotos”); yb'GO bAgK.
%yIr;s.p.j;w> (“E teus escribas como um enxame de gafanhotos”). O termo rz"n>mii só se
encontra na forma do plural e somente nesse versículo de Naum, com o acréscimo
do sufixo da 2ª pessoa do masculino singular631. Em relação à %yIr;s.p.j, advém da
raiz rs'p.ji (escriba, marshal) correspondendo aos altos funcionários de Nínive. Em
Jr 51,27, é direcionado a oficiais militares e administrativos632. As orações tArdeG>B;
627 Cf. DORSEY, D. A., The Literary Structure of the Old Testament, p. 303. 628 Cf. BDB 37. 629 Cf. BDB 458. A BHS sugere emendar a forma hipael- infinitivo absoluto (dBeK;t.h) com a forma hitpael- imperativo (ydIB.K;t.hi) a fim de ter duas formas idênticas na oração. Essa alteração não é necessária, pois o infinitivo absoluto é usado para variação estilística e precede o imperativo para adicionar urgência. 630 Cf. BDB 833. 631 Cf. ALONSO SCHÖKEL, Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p. 384. 632 Cf. BDB 381.
207
~ynIAxh; (“Eles pousam sobre os muros”); hr'q' ~AyB. (“em dia de frio”); o uso do
verbo hnx na forma qal particípio só se encontra aqui em Na 3,17. As frases
seguintes: hx'r>z" vm,v, (“O sol aparece”); ~Y"a; AmAqm. [d;An-al{w> dd;Anw> (“ele voa e não
conhece o lugar. Onde estão eles?”). O TM lê: Onde estão eles? (~Y"a;); no lugar de
~Y"a; os gregos lêem: ouvai. auvtoi/j (infeliz deles).
Podemos ler da seguinte forma o v. 17: “os teus guardas são como
gafanhotos, e os teus escribas, como um enxame de gafanhotos. Eles pousam
sobre os muros em dia de frio. O sol aparece, ele voa e não conhece o lugar. Onde
estão eles?”. A chegada do julgamento dispersará os inimigos de forma dramática
assim com o calor do dia deserta e dispersa os gafanhotos.
A estreita ligação do livro de Miquéias com o livro de Naum é desdobrada
pela formula do “conhecimento”, aqueles que sabem; e o que une os textos de Na
1,2-8 e Na 3,15-17 é o verbo “conhecer” que se encontra nos dois textos
estudados. Enquanto que em Na 1,7 o verbo apresenta-se na forma [;deyOw> (particípio qal), em Na 3,17, toma a forma de [d;An (nifal qatal). Na 1,7 indica que
“o Senhor é bom, é fortaleza no dia da angústia e conhece os que nele se
refugiam”; Na 3,17 faz referências aos poderosos de Nínive que “voam embora, e
não se conhece o lugar onde estão”. Enquanto os inimigos sofriam com o furor da
ira de YHWH (Na 1,6.8), seu povo estava seguro na sua fortaleza (Na 1,7). Na
3,17 mostra que os inimigos são os príncipes e chefes assírios.
As repetições de palavras e sinônimos e todo o aparato lingüístico têm uma
só finalidade: descrever o fim de Nínive. Por certo, a Assíria é a personificação de
reis que mantinham o controle de poder e destruição. Nínive é o coração da
Assíria e só a destruição deste coração poderá livrar os povos de tão cruel destino.
A partir dessa óptica, pode-se compreender a poesia de Naum e a alegria dos
povos com a destruição desse império633.
Como Miquéias, o profeta Naum fala da inutilidade da força inimiga, aqui
retratada na imagem de gafanhotos. É importante a identificação com o enxame de
insetos - Naum compara a Assíria a uma horda de gafanhotos, que representa o
poder militar, que devorava os países dominados. No entanto, é notória a sua
633 A Assíria é citada nos Profetas Menores em: Os 5,13; 7,11; 8,9; 11,11; 12,2; 13,7; 14,4; Mq 5,4.5; 7,12; Sf 2,13; Zc 10,11.
208
instabilidade, a mesma peste domina a Assíria agora (v. 16). Eles desaparecem e
ninguém sabe para onde.
4.1.4.1 Análise do texto Na 3,18-19
A metáfora da praga do gafanhoto é abandonada, permanecendo o tema da
destruição de Nínive. A cidade que viveu no esplendor morre na desonra634.
O texto de Na 3,18 inicia com uma mudança de gênero – da 3ª pessoa para a
2ª pessoa do masculino singular -, apontando para um novo personagem: o rei
assírio635. O juízo apresentado pelo profeta está dirigido, neste caso, para uma
pessoa em particular, o rei assírio. Ele é agora o foco central de atenção. A
referência à Assíria aparece apenas neste versículo.
O v. 18 possui três versos que formam um eixo central636. O primeiro e o
terceiro são claramente paralelos; enquanto o segundo é um vocativo para ser lido
com ambos: o primeiro e o terceiro.
634 A cidade de Nínive é mencionada em fontes cuneiformes a partir de 2200 a.C. Desde o reinado de Hamurábi (c. 1800 a.C.) tem importância, como local do templo de Istar, que foi mantido mediante a restauração e embelezamento. No ano de 1260 a.C., tornou-se a residência real, aumentando assim, o seu valor. Senaquerib (704-681 a.C.) contribui para a grandeza dessa cidade reedificando as suas defesas, construindo edifícios, parques e um sistema de represas e canais. Assurbanipal (669-627a.C.) fez várias contribuições importantes à cultura. Após a morte deste rei, ocorreram eventos, que levaram ao declínio o império e ao desfalecimento de Nínive. A partir de 612 a.C., Nínive ficou sendo um símbolo do colapso total da Assíria. É citada no AT em Gn 10,11-12 – fundação da cidade por Nimrode; 2 Rs 19,36 menciona que Senaquerib voltou para Nínive sua residência real, após fracassar na sua tentativa de conquistar Jerusalém; ver também 2 Rs 18,14. A cidade é figura de destaque em Jn 1,2; 3,2.3.4.5.6.7; 4,11; também é expoente no livro de Naum que trata de sua destruição Na 1,1; 3,7; é citada em Sf 2,13 onde sua destruição é retratada ao lado da destruição de outros povos. Cf. Nineuh, McCOMISKEY, T., Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, vol. II, p. 1391. 635 O título’’rei” é geralmente aplicado a YHWH, como rei de Israel e dos israelitas (cf. Sl 5,3; 10,16; 44,5; 48,3; 68,25; 74,12; 84,4; Dt 33,5); ou rei de toda a terra (cf. Sl 47,3. 8; Is 41,21; 44,6). Também pode referir-se a rei dos ídolos (cf. Is 8,21; Am 5,26; Sf 1,5); rei dos reis é um título do rei da Babilônia (cf. Ez 26,7); grande rei, um título ao rei da Assíria (cf. Is 36,4); líderes são introduzidos como rei algumas vezes (cf. Jó 15,24; 18,14; 30,15). Com pronome ver 1 Cr 8,35; 9,41; com artigo ver Jr 36,26; 38,6. %l,m, ocorre 1030 vezes no TM no AT. basileu.j ocorre 116 vezes na LXX no AT. 636 Nogalski sugere que o profeta parece ter escondido um nome acróstico final no v. 3,18 no fim de seu livro. Em Na 1,1 ele usou versos; em 1,12 palavras; e aqui está baseado em colon. Para o autor, o texto 3,18 consiste em dois bicolons. A letra inicial da quarta linha forma a palavra wnyn. Para este autor estes dois versículos juntos com Na 1,11-14, atualmente, formam uma moldura dos primeiros blocos da coleção anterior para uma incorporação do hino teofânico (1,2-8) e sua transição interpretativa (1,9s). Na 3,18-19 mantém contato com Na 1,14 especialmente porque ambos se endereçam ao rei assírio diretamente, e ambos acenam para a iminente morte do rei. NOGALSKI, J., Literary, p. 122. Com essa observação, pode-se confirmar a relação das várias partes do livro de Naum – do cap. 3 com o cap. 1. Assim também ocorre com o livro de Miquéias- pode-se constatar a relação entre as várias partes do livro.
209
18a Eles dormem, teus pastores, ^y[,ro Wmn"
18b ó rei da Assíria, teus nobres repousam. 637^yr,yDIa; WnK.v.yI rWVa; %l,m,
18c Teu povo foi disperso sobre as montanhas, `#Beq;m. !yaew> ~yrIh'h,-l[; ^M.[; Wvpon"
ninguém (mais) poderá reuni(-los).
Cada uma das orações pode ser justificada pelo vocabulário e pelo contexto,
sendo todas elas direcionadas ao rei da Assíria: A primeira e a terceira linha estão
em paralelo: os pastores estão dormindo; eles que são os guardiãs, não podem
providenciar nenhum socorro, pois dormitam o sono da morte638. Os nobres
falharam na hora em que o povo mais necessitava deles. O lugar, portanto, de
centralidade e importância do texto final de Naum é notado pelo fato de que os
nobres, que ocupam o lugar de pastor, estão dormindo, ou seja, não há pastor para
o povo. Na falta de pastores, o rebanho fica sem proteção. Aqui se discute a ação
do pastor humano. Era freqüente no Antigo Oriente usar o termo “pastor” em
referência aos reis e líderes639. Aqui a expressão “seus pastores” é uma insinuada
comparação referente à liderança real e militar da Assíria, assim como a menção
à“gafanhoto” serve também para descrever os “príncipes e chefes” da Assíria640.
Estes, no julgamento de YHWH “não conhecem o lugar onde estão”.
637 O termo ^yr,yDIa; da raiz ryDIa; (alta nobreza) designa aqui um povo proeminente na sociedade (cf. Jz 5,13; Jr 14,3; Sl 16,3; Ne 3,5; 10,30; 2 Cr 23,20) e oficiais militares de valor (cf. Na 2,6). Cf. BDB 12. 638 “Dormir” pode ser um eufemismo para significar a morte (cf. Is 14,18; Jr 61,39.57; Sl 13,4; 76,6). 639 A metáfora do pastor é muito comum no ANE, e era geralmente aplicado às divindades; o deus sumério, Enlil, é chamado de “o pastor fiel”, e o deus sol Utu é chamado “o pastor compassivo”; na Babilônia Marduk é referido como um “pastor fiel” e “pastor de todos os deuses;” e finalmente, o deus semítico sol Utu/Shamash é chamado o “pastor do mundo inferior, guardião do mundo superior” pelos mesopotâmicos. De fato, a história nos mostra que os antigos dirigentes eram representantes dos deuses de suas nações e eram descritos como legítimo pastores de seu povo. Assim era chamado o rei Hamurábi da Babilônia. A metáfora “ pastor” era também a chave para o título real para muitos reis assírios, tais como Shalmaneser, Tiglath-Pileser I, Assurnasirpal, Sarson II, Senacherib, e outros. Cf. VANCIL, J. W., “Sheep/Shepherd”, in The Anchor Bible Dictionary, ed. David Noel Freedman, 6 vol. New York: Doubleday, 1992, 5: 1188. Mesmo no Egito, um dos símbolos divinos de liderança era o cajado do pastor. Os pastores usavam as varas para cutucar através de fendas nas cavernas e assustar os escorpiões e cobras. [No texto de Mq 7,17 temos a imagem de serpente saindo tremendo dos seus abrigos para YHWH] Cf. DAVIS, J. The Perfect Shepherd: Studies in the 23 Psalm. Michigan: Baker House, Grand Rapids, 1979, p. 100. Essas informações têm sentido em relação ao nosso texto e podemos confirmá-las em Jr 49,19 e 50, 44, onde Deus pergunta: “qual é o pastor que poderá se levantar contra mim?” A analogia está clara, e ela torna-se mais clara, por causa de nosso desamparo e nossa tendência a vaguear perdidos, daí a nossa necessidade de um bom pastor. Com essa mesma perspectiva, o texto de Naum refere-se ao rei da Assíria e seus dirigentes com pastores. 640 Os termos “príncipes e chefes” são dois termos raros no hebraico e podem ser palavras emprestadas da língua assíria.
210
Os seus “nobres” estão repousando, por isso, não podem providenciar
socorro algum para a invasão anunciada, nem mesmo para a população que está
dispersa. Restaurar o povo espalhado deveria ser o dever do pastor, mas ele está
“dormindo”. O texto focaliza que, enquanto os poderosos “dormem,” os libertados
aplaudem felizes. O júbilo não advém do infortúnio alheio, mas da vindicação
divina e de suas promessas.
Percebe-se que os verbos usados nesses versículos finais de Naum não são
comuns.
A forma verbal Wmn" qal qatal, encontra-se somente em Na 3,18 e no Sl 76,6;
Is 5,27641. Em Is 5,27 o profeta descreve a invasão Assíria: “ninguém se cansa,
ninguém tropeça, não se deita, não dorme, não tira o cinturão dos lombos, não
desata a correia das sandálias”. O Sl 75,6-7 (76,6-7) traz: “Os valentes são
capturados, dormem o seu sono; os guerreiros não encontram as mãos. Com um
bramido, Deus de Jacó, imobilizaste carros e cavalos”. Os dois textos nos
remetem ao contexto de Mq 7,8-20 e Na 3,18-19.
O verbo vwp encontrado aqui na forma niphal (Wvpon"), no sentido “estar
disperso” é único. É visto em Hab 1,8 e Ml 3,20. Em Hab 1,8, aparece na forma
Wvp' (qatal no sentido de “saltar; pular; trotar”); YHWH descreve uma potência
militar: “seus cavalos são mais velozes que panteras, mais aguçados que lobos
das estepes. Seus cavaleiros pulam, seus cavaleiros vêm de longe, voando como
rápida águia sobre a presa”. Em Ml 3,20 na forma verbal ~T,v.p (qatal)
apresenta-se no mesmo contexto de Hab 1,8 - oráculo de YHWH: “Mas o sol da
justiça que cura com suas asas iluminará os que respeitam o meu nome. Saireis
saltando como bezerros do estábulo”. Ocorre também no Sl 77,26: “Transportou
pelo céu o vento leste e com sua força guiou o vento sul”; no Sl 77,52: “Tirou o
seu povo como um rebanho, guiou-os como ovelhas pelo deserto”. Parece que as
poucas citações bíblicas, em que o verbo é utilizado, comprovam o texto de
Naum: nota-se nesses episódios o domínio de Deus sobre a história (envia um
povo em campanha militar); e sobre a natureza (a cólera divina transporta ventos).
A ação verbal #Beq;m. (#bq piel particípio) que possui o significado de
“reunir”, encontra-se em Mq 2,12 na forma #Beq. (piel infinitivo absoluto).
211
“Eu te reunirei inteiro, Jacó; %L'Ku bqo[]y: @soa/a, @soa'
congregarei teus sobreviventes, Israel; laer'f.yI tyrIaev. #Beq;a] #Beq
eu os juntarei como ovelhas no redil; hr'c.B' !acoK. WNm,yfia] dx;y:
como rebanho na várzea, %AtB. rd,[eK.
e se ouvirá o barulho da multidão”. `~d'a'me hn"m,yhiT. Arb.D'h;
O texto Mq 2,12 apresenta o verbo #bq duas vezes seguidas assim como
traz o verbo @sa que possui o mesmo valor de reunir642.Há vocábulos que se
encontram também no texto de Mq 7,8-20 tais como: “bqo[]y:” no v. 7,20; “!aco” no
v. 7,14 “%w<T'” no v. 7,14; “~yfi” no v. 16.
Em Mq 5,2-5, encontramos outra referência ao futuro pastor de Israel643.
Novamente, essas palavras foram palavras de conforto para a sua audiência,
especialmente na visão do fracasso dos líderes das nações, em cuidar corretamente
de seu rebanho. A linguagem que segue (vv. 5-9) fornece também elementos
ligados ao 3,12644.
641 Em Is 14,18; Jr 51, 39.57 retrata o sono da inação, que antecipa a morte; traz o verbo similar !vy; Is 56,10-11 traz a mesma imagem da incompetência dos pastores, usando o verbo h[r e para pastores e o verbo hzh para dormir. 642 A forma verbal @sa apresenta-se duas vezes seguidas em Sf 1,2 e duas vezes seguidas em Sf 1,3. 643 O cap. 5 abre com uma referência a Belém de Éfrata, de onde virá um governador cuja origem é dos tempos antigos. Estudiosos debatem se a referência é em relação aos descendentes de Davi ou se é na antiga origem da casa de Davi (cf. 1 Sm 17,12s; Rt 4,11.17.18-22). Mays sugere ser melhor ler o verso como da antiga casa de Davi do que casa de Davi. Na opinião do autor parece que o verso quer destacar que haverá novamente um líder que governaria e protegeria novamente o povo “na força de YHWH” (v.5,3). Cf. MAYS, Micah, p. 113. O texto segue três passagens consecutivas endereçadas a Jerusalém e introduzidas pela palavra “agora” (ht[): 4,9.12.14. A primeira (4,9) tem sido considerada autêntica, exceto no final da frase (4,10-11), que foi expandida secundariamente no período pós-exílio, expressando a esperança de que Deus salvaria Sião dos povos circundantes. Esse sentimento é similar a Zc 12-14 onde as nações se unem contra Jerusalém. E a terceira (4,14), por ser tão fragmentada, porta diversas interpretações que serão omitidas neste estudo. Parece-nos que o texto Mq 5,1-4 pode significar todo o povo de Deus, morando seguro sob um novo David, um tempo de paz, como Os 3,5 e Am 9,11-15,que antecipam a restauração do reino davídico. 644 Albertz Rainer sugere que Mq 5,9-13 [5,10-14] posiciona bem com Mq 3,12. Possivelmente, o redator do Livro dos Quatro adicionou a referência à Babilônia à luz do exílio. Ou então, a passagem entrou mais tarde com o motivo da restauração de Jerusalém (cf. 4,1-8.10b-13), pp. 238-240. Kessler supõe que Mq 3,12 foi composto expressamente para o Livro de Miquéias: se em 3,11 constava que “os chefes (de Jerusalém) exercem o juízo por gratificação”, assim esperam os povos, segundo 4,3, que a palavra de Deus, partindo de Jerusalém, “julgará entre muitos povos”, (em hebraico jpv); que “os sacerdotes (de Jerusalém) ensinam mediante paga”, assim, segundo 4,2, os povos vão a Sião, porque esperam do “Deus de Jacó” “que ele nos ensine seus caminhos” (em hebraico ambas as vezes hry hif). Destarte, o futuro Sião elevado sobre todas as montanhas deve se tornar o oposto do velho e destruído Templo. Cf. KESSLER, R., “Zwischen Tempel und Tora: Das Michabuch im Diskurs der Perserzeit”, BZ 44 (2000) 21-36.
212
O quadro em Naum é quase o mesmo do retratado por Miquéias, com
apenas uma mudança sintática entre os verbos – enquanto Miquéias traz no v. 7,14
a forma verbal W[r>yI (h[r) “pastarão em Basã e Gilead como nos dias antigos”-;
Naum 3,18 usa a forma ^y[,ro. O verbo h[r encontra-se nos dois textos seguidos
do verbo !kv. Em Miquéias, o verbo apresenta-se sob a forma ynIk.vo (qal
particípio); e em Naum, na forma WnK.v.yI (qal yiqtol)645. Os dois livros apresentam
estes verbos em posição inversa, como no esquema:
Miquéias Naum h[r W[r>yI qal yiqtol masculino ^y[,ro particípio masculino !kv ynIk.vo particípio masculino WnK.v.yI qal yiqtol masculino
No Livro dos Doze Profetas, não há caso em que esteja presente esse tipo de
ligação intertextual. Estamos diante de relações entre expressões verbais e
metáforas não verbais. Na 3,18 narra a triste notícia de que o povo está disperso
sobre o monte sem ninguém que o reúna. Este é o mesmo quadro de Israel na
profecia de Mq 7,8-20. Há desse modo, uma relação intertextual entre os textos.
As correspondências, nos respectivos livros, encontram-se em relativa
proximidade, mostrando não se tratar, aqui, provavelmente, de uma coincidência.
Mq 7,14-17 narra que o rebanho habita sozinho na floresta e deseja que
YHWH o pastoreie novamente em terras férteis – Basã e Gilead -, que foram os
primeiros locais ocupados por Israel. Os vv 14-17 estão ligados tanto aos
versículos anteriores – que falam do território expandido e restaurado como nos
dias de outrora – quanto aos versículos seguintes – que apontam para as tradições
de Israel (Patriarcas e Promessas). Mas eles são diferentes nos seus temas.
Enquanto o primeiro bloco está relacionado ao castigo e à confissão de culpa de
Sião, o outro refere-se à soberania divina em perdoar. Essa estrutura confirma a
importância dessa seção (cf. Mq 7,14-17). A mudança do comportamento
idolátrico a um comportamento fiel se expressa na restauração a ser realizada após
o reconhecimento da culpa. Fica evidente que Israel é povo de Deus e quer tornar-
se novamente o rebanho de YHWH. Deus, o poderoso pastor, permeia a
645 Mq 7,13 e Na 1,5 usam outra forma verbal com o mesmo significado = habitar, permanecer. Ambos no mesmo grau qal particípio e no mesmo sentido – ambos referem-se a habitantes. De um lado, os pecados dos habitantes geram a desolação da terra; e do outro, a terra é devastada juntamente com os que nela habitam. Interessante que por duas vezes os profetas usam os mesmos
213
mensagem central de esperança de Sião de tal forma que seu rebanho nada deve
temer. O plano último de Deus é reunir o rebanho de sua herança como já havia
afirmado o texto de Mq 2,12-13.
Embora o povo tenha experimentado a escuridão, compreende que, mesmo
durante sua provação, Deus tinha sido misericordioso, libertando-os do medo. Ele
não terá medo da escuridão, que lhe reveste, pois a noite é ponte para o dia na
presença de Deus (cf. Sl 27,1 e Mq 7,8). Sua experiência é que a escuridão não
pode fazer-se escuro a Deus.
Nota-se que, ambos os livros, a salvação passa pela reunião dos filhos de
Israel dispersos, mais a reconstrução da comunidade. Há, portanto, um importante
fio teológico que moldura o livro de Miquéias e Naum: a volta à terra, ou seja, a
Jerusalém646. A terra é retratada como ponto final do julgamento e salvação de
Deus. A salvação e a restauração são temas que incluem todos os habitantes –
novo tempo de redenção em ligação com a terra renovada. Dt 31,17-18 vincula o
julgamento de Deus com “aquele dia” vindouro. No Sl 72,11.17, os confins da
terra se voltam para o Senhor.
O retorno a Jerusalém será a condição imediata para que se restaure a relação
entre Deus e Israel. A conversão ou a consciência do pecado entra em primeiro
plano. Só assim será restaurada a relação mútua – Deus não irá abandoná-los e
eles não serão mais afastados de Deus. Deus reunirá suas ovelhas que estão
dispersas e irá guiá-las à terra prometida a Abraão e ali as estabelecerá com
segurança.
O fato de Miquéias mencionar, nos versículos finais, Jacó e Abraão,
corrobora essa hipótese647. O nome” pastor” é usado especificamente por Jacó (Gn
48,15; 49,24). Jacó inclui também a idéia de eleição, que identifica o povo como
verbos e com o mesmo sentido. O profeta ainda usa o verbo apascentar em 2,3 por duas vezes e Naum em 1,11. 646 Deve-se ressaltar que este não é o único ponto de união entre os livros de Miquéias e Naum. 647 O tema referente aos “patriarcas” é abundantemente atestado no AT. Os Doze Profetas Menores falam dos patriarcas nos seguintes textos: Os 9,10; Jl 1,2; Am 2,4; Mq 7,20; Zc 1,2. 4.5.6; 8,14; Ml 2,10; 3,7. 24. A maioria das citações se encontra nos escritos pós-exílio. A leitura destes diferentes textos, parece que, exceto Ml 2,10, somente Mq 7,20 não fala negativamente dos patriarcas. Os Doze falam, sobretudo, do pecado dos patriarcas, principalmente Zacarias, que possui o maior número de ocorrências. Os pais não escutam os profetas que são enviados por Deus (1,5), o que explica a cólera contra eles (1,2; 8,14). A conseqüência é que foram aniquilados (1,5). Zacarias compara a geração dos pais com aquela do exílio, não distinguindo a época dos pais com época presente. Cf. PETIT JEAN, A., Les Oracles du Proto-Zacharie, p. 39s.
214
povo de Deus (cf. Gn 32,29; 35,10)648. E o uso do contexto da aliança de Deus
com Abraão evoca que as promessas feitas ao ancestral de Israel serão cumpridas.
O autor coloca a graça de Deus como a base legal da aliança. Por isso, a imagem
de Deus como guia e pastor que atende todas as necessidades e protege todos dos
perigos nas jornadas. Deus não é apenas gracioso em abençoar os que voltam
arrependidos para ele, mas é justo em lidar com o pecado e a rebelião contra ele
próprio e o seu povo. Os pecados são atirados nas profundezas do mar e é desta
profundidade que vem a esperança de uma vida nova.
O coração de Israel será o local de conhecer a Deus. E só conhecerão o
Senhor aqueles que confiam nele e que foram resgatados para habitarem
novamente em Sião. Aqui temos a função do verbo “conhecer” mencionado
anteriormente como a ligação do livro de Miquéias e Naum.
O lamento final de Na 3,19 encontra-se em paralelo com Mq 1,9 onde a
mesma terminologia é usada. Este texto usa linguagem de uma canção de luto
com efeito satírico649. Nínive havia desequilibrado as nações e sua queda
restabelecerá o equilíbrio delas. A nova ordem garantirá a todas as antigas vítimas
de Nínive condições de plena existência de esperança.
Na 3,19 inicia com a oração: ^r,b.vil. hh'Ke-!yae (“Não há cura para tua
ferida”); em seguida ^t,K'm; hl'x.n: (“tua doença é incurável”). O TM lê hh'Ke (cura)
como um hapax legomenon650. As orações seguintes retratam a conseqüência
desta notícia: ^[]m.vi y[em.vo lKo o(“Todos os que ouvem notícias sobre ti”); ^yl,[' @k;
W[q.T' (“Batem palmas a teu respeito”); dymiT' ^t.['r' hr'b.['-al{ ymi-l[; yKi (“Pois sobre
quem não passou continuamente a tua maldade?”) Este versículo possui duas linhas paralelas. A primeira descreve a condição
negativa de Nínive. A cidade não tem cura, ela possui um mal incurável. A
segunda dá a explicação para a primeira: todos os que ouvem a notícia se alegram.
As nações se alegram porque a Assíria não sobreviverá. Seu ferimento é fatal.
648 Antes do exílio da Babilônia, Jacó designa seja o reino do Norte (cf. Am 3,13) seja o de Judá (cf. Ab 1,10) ou o conjunto do povo eleito (cf. Ez 39,25). Mas, após o exílio da Babilônia, o nome de Jacó tornou-se sinônimo da comunidade judaica da restauração. O corpus de Ageu-Zacarias-Malaquias, este nome só se encontra em Ml 1,2 (2x); 2,12 e 3,6 para designar o povo de Israel. 649 Cf. COMISKEY, Micah, p. 828. 650 À luz da LXX, os editores da BHS sugerem a emenda hh'Ge para o TM, que ocorre apenas somente mais uma vez na Bíblia Hebraica (Pr 17,22). Esta sugestão baseia-se por uma confusão ortográfica e fonológica entre as letras hebraicas Ke e Ge. Tal emenda produziria a frase comum:
215
Agora é tempo para o julgamento, é o tempo da destruição desta nação impiedosa
sem Deus. E é o início de um novo tempo para Sião.
As duas profecias terminam positivamente: ilustram a incomparabilidade
divina. Os versos finais de Miquéias e Naum aclamam a fidelidade de Deus em
suas promessas e enfocam especialmente sua prontidão para esquecer e subjugar
os pecados do povo, mostrando misericórdia novamente para Israel ao jogar o
pecado do povo no fundo do mar651. São as atitudes de Deus que levam o profeta a
proclamar: “Quem é um Deus como tu?” O que caracteriza Deus é a graça – a
graça coloca Deus a parte dos outros deuses. A interpretação do livro de Naum
deve ser focada na necessidade de se confiar em Deus diante da presença dos
tiranos ou inimigos. YHWH permanece um refúgio para seu povo, seja nas mãos
dos assírios, edomitas, babilônios ou romanos. Mesmo o mais poderoso opressor
será derrubado.
4.1.4.2 Conclusão
Nosso estudo constatou que se podem encontrar as palavras-chave que
aparecem juntos no final de um livro profético, no caso o livro de Miquéias,
incluídas no início, como havia mencionado Nogalski, mas também no fim do
livro subseqüente, no caso o livro de Naum. O foco principal do estudo, no
entanto, é que o significado desse fenômeno observado está não apenas
relacionado com os aspectos literários, apontados anteriormente por Nogalski,
mas nos termos históricos, como tivemos a oportunidade de observar652.
Se essas suposições estão corretas, então, Naum utilizou o texto de
Miquéias como modelo e fonte de inspiração.
“Não há cura para o seu ferimento” (cf. Os 5,13). Cf. CATHCART, K. J., “Treaty-curses and the book of Nahum”, CBQ 35 (1973), P. 186. 651 Wolff supõe que a frase do v. 19c seja uma alusão às armas e os carros do faraó tragados pelo Mar Vermelho, na saída do Egito (cf. Ex 15,4). Cf. WOLFF 207. Também lemos no Salmo 103,12: A distância entre norte e sul, a distância entre leste e oeste é infinita. Ainda, Deus disse a Jeremias: Jr 31,34 - as palavras de Deus não lembram os pecados, é equivalente a uma completa remoção dos pecados. 652 A palavra profética responde a circunstâncias particulares, que supõem um contexto delimitado tanto nos planos social, político, econômico e religioso. Não era de maneira vaga que YHWH se dirigia a seu povo; as suas intervenções eram sempre precisas e visavam a pessoas concretas, em tempos e lugares certos. Daí a importância de colocar os profetas na sua época original, para não trairmos seu pensamento e para nos deixarmos interpelar por sua mensagem.
216
4.1.5 Análise da relação entre Abdias e Miquéias
Segundo as observações de Nogalski653, se se remove o livro de Jonas de
seu lugar atual, entre Abdias e Miquéias, uma forte conexão aparece entre os
versículos conclusivos de Abdias e os versículos que abrem o livro de Miquéias.
Para o autor, tal posição sugere a possibilidade de que o livro de Jonas foi inserido
em um contexto que existia previamente entre Abdias e Miquéias. Assim é preciso
que se verifiquem também as conexões entre Miquéias e Abdias654.
O livro de Abdias abre-se com a fórmula hwIhy> yn"doa] comum na tradição
Judaica. A mensagem que segue é um oráculo de juízo: “Eis que vou tornar-te
pequeno entre as nações” (v.2). A sina de Edom é relacionada ao “Dia de
YHWH” (cf. Ab 1, 8.11.12.13.14.15). No livro dos Doze é somente em Abdias
que se encontra uma aproximação entre Esaú e Edom, assim como a expressão
“montanha de Esaú” (cf. Ab 1,9.19.21) para designar Edom e descrever sua
destruição e seu julgamento.
Para Nogalski655 as palavras-chave entre os dois livros são: rh;, bqo[]y:, vae,
hd,f' e !Arm.v.o rh; (montanha) é utilizada cinco vezes na seção final de Abdias
referindo-se a “montanha santa” (v. 16), aquela de Sião (v. 17); a de Esaú
consagrada ao julgamento do dia do Senhor (v. 19. 21.21). A palavra é empregada
no início do livro de Miquéias (cf. Mq 1,4), todavia é mencionada uma única vez
assegurando um lugar mínimo com o livro de Abdias. No caso de Mq 1,4 não
remete a um povo específico, mas a uma situação geográfica geral656. O nome
Jacó (bqo[]y:) figura em ambos os livros (cf. Ab 1,17.18 e Mq 1,5), no entanto, em
Abdias, desenvolve-se um projeto positivo – a casa de Jacó será salva –; e em
Miquéias, sublinha os crimes de Jacó. Abdias anuncia que no Dia de YHWH, Jacó
servirá de instrumento para as mãos divinas: ele será como um fogo (vae-cf. Ab
1,17-18). Em Mq 1,7 o fogo é atribuído a Deus mesmo, e será sinal de castigo
tanto para os israelitas do Norte (Samaria) quanto os do Sul (Jerusalém e Judá). A
653 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors p. 13 e Redactional Processes, p. 31. 654 Os dados do livro de Abdias são difíceis de determinar, pois não há uma indicação cronológica direta sugerida pelo livro; assim também é incerta a identidade histórica do autor. Uma possível data para o livro baseia-se apenas na evidência interna: o destinatário dos oráculos é Edom, por causa da sua ação hostil contra Judá. 655 Cf. NOGALSKI, J., Redactional Processes, pp. 31-32.78.
217
palavra hd,f' em Ab 1,19 ocorre associada a Efraim e Samaria – “tomarão posse do
campo de Efraim e do campo de Samaria”, apontando um novo Israel. Em Mq
1,6, indica que Samaria será transformada em um “campo de ruínas”. O nome de
“Samaria” (!Arm.v) encontra-se em Ab 1,19 e Mq 1,1.5.6, e não é muito comum
entre os Doze Profetas657. Tanto em um quanto em outro, a predição é a favor do
público do reino Sul e não ao de Samaria, que é vista por Miquéias, como uma
prostituta (cf. Mq 1,7). Abdias só emprega este nome uma única vez e no final de
seu livro no versículo que trabalha a conclusão, junto aos temas principais: a
salvação de Sião, o julgamento de Edom e a reunificação do reino (cf. Ab 1,19). O
texto final de Abdias insiste na restauração do reino cujo centro está situado em
Judá. A restauração de Sião é também trabalhada no final do texto de Miquéias.
Entretanto estas relações são de pouca importância para uma análise literária mais
aprofundada, já que estes termos são comuns na Bíblia Hebraica658.
Miquéias Abdias
rh; 1,4 ~yrIh'h, WSm;n"w> 1,16 yvid>q' rh; 1,17 !AYci rh; 1,19 wf'[e rh; 1,21 wf'[e rh; / !AYci rh;
bqo[]y: 1,5 tazO-lK' bqo[]y: [v;p,B. 1,17 ~h,yver'Am tae bqo[]y: tyBe Wvr>y"w> 1,18 vae bqo[]y:-tybe hy"h'w>
vae 1,7 vaeb' Wpr>F'yI h'yN<n:t.a,-lk'w> 1,18 vae bqo[]y:-tybe hy"h'w>
hd,f' 1,6 hd,F'h; y[il. !Arm.v 1,19 !Arm.vo hdef. taew>`d['l.GIh;-ta,
!Arm.v 1,1 !Arm.vo-l[; hz"x'-rv,a] 1,5 !Arm.vo aAlh] bqo[]y: [v;p,-ymi 1,6 y[il. !Arm.vo yTim.f;w>
1,19 !Arm.vo hdef. taew>`d['l.GIh;-ta,
Em nosso estudo, percebemos outros pontos de contatos entre Miquéias e
Abdias. O texto de Abdias apresenta no v. 3, o verbo !kv, no particípio qal, como
em Mq 7,14. Esta forma verbal, somente aparece nestes dois textos e em Jl
4,17.21659. Há, no entanto, um contraste entre os escritos: em Miquéias, Israel
mora sozinho desprotegido, aguardando confiante a direção de YHWH; já Abdias
656 Tal correspondência aparece também na LXX e Vg que trazem respectivamente o;roj (montanha) e mons. 657 Samaria é mencionada algumas vezes por Oséias (7,1; 8,5.6; 10,5.7; 14,1) e por Amós (3,9; 4,1; 6,1; 8,14) e em nenhum outro Profeta Menor. 658 As palavras-chave apontadas por Nogalski são comuns entre os Profetas Menores – rh; (19 vezes) bqo[]y: (24 vezes) vae (25 vezes); hd,f' (14 vezes) e !Arm.v (15 vezes). 659 Em Jl 4,17.21 encontramos !kevo; este texto de Joel será analisado no decorrer do estudo.
218
retrata a arrogância de Edom, que habita nas fendas dos rochedos supondo-se
imune de qualquer perigo. Os israelitas farão de Deus o seu apoio, e Edom apóia-
se na sua força e localização660. Todavia, este que se firma em seu poder e valentia
será exterminado, enquanto que aquele que confia em YHWH será salvo.
Miquéias Abdias
!kv 7,14 r[;y: dd'b'l. ynIk.vo Ab 1,3 [l;S,-ywEg>x;b. ynIk.vo
Encontramos ainda em Ab 1,7 e Mq 7,16 a forma verbal Wmyfiy" (~yf) que, no
primeiro, reflete os aliados de Edom armando uma cilada contra ele; e o segundo
mostra a nação inimiga colocando a mão na boca em um gesto de vergonha pela
sua arrogância diante do poder de YHWH. Ambos os textos retratam com ironia a
derrota das nações poderosas e prepotentes.
Miquéias Abdias
~yf 7,16 hP,-l[; dy" Wmyfiy" Ab 1,7 ^yT,x.T; rAzm' Wmyfiy"
Um outro ponto de contato: Ab 1,10s apresenta Edom na mesma situação
enfocada por Mq 7,10: “Por causa do morticínio, por causa da violência contra
teu irmão Jacó a vergonha te cobrirá, e tu serás exterminado para sempre! A
expressão hv'Wb ^S.k;T. (a vergonha te cobrirá) em Ab 1,10 encontra-se em Mq
7,10: hv'Wb h'S,k;t.W. (a vergonha a cobrirá). O verbo hsk (cobrir) encontra-se nos
dois textos aplicados na mesma forma com alteração apenas do sufixo, da 2ª
pessoa do masculino singular (Edom) para 3ª pessoa do feminino singular (nação).
E nos dois textos, o verbo vem acompanhado pela palavra “vergonha” (hv'WB).
Também neste caso, não encontramos nos outros livros dos Profetas Menores tal
ocorrência, ou seja o uso do verbo Hsk + hv'Wb só se encontra em Ab 1,10 e Mq
7,10 e ambos retratam a humilhação dos poderosos.
Miquéias Abdias
hv'Wb / Hsk 7,10 hv'Wb h'S,k;t.W. 1,10 hv'Wb ^S.k;T.
660 Na análise entre Mq 7,14 e Na 3,18 ressaltamos a correspondência entre estes textos através do uso do mesmo verbo (!kv). Em Mq 7,14, Israel habita sozinho na floresta, aguardando o pastoreio de YHWH, enquanto que em Na 3,18 o povo está disperso sem ninguém para reuni-lo. Verificamos que em ambos os textos finais de Miquéias e Naum, a salvação passa pela reunificação do povo e a confiança deste na salvação de YHWH.
219
Um outro dado que completa o quadro acima é que os dois textos utilizam
as mesmas formas dos verbos har (ver), tão especial no texto final de Miquéias
(cf. Mq 7, 9.10 (2x)16); e xmf (alegrar-se) que inicia o texto - objeto de nosso
estudo (Mq 7,8-20). O contexto destes verbos em Ab 1,12 e Mq 7,8 são
semelhantes: Ab 1,12 traz: “Não te alegres à vista do dia de teu irmão no dia de
tua desgraça”. E Mq 7,8: “Não te alegres, minha inimiga, por mim”. Abdias
refere-se à conduta de Edom diante da queda de Jerusalém, que gerou a dispersão
de Israel; e Miquéias apresenta Sião após uma violência sofrida661.
Miquéias Abdias
har 7,9 Atq'd>ciB. ha,r>a 7,10 hN"ya,r>Ti ... yTib.y:ao ar,tew>
7,16 ~yIAg War>yI
1,12 Ark.n" ~AyB. ^yxia'-~Ayb. ar,Te-la;w>
xmf 7,8 yxim.f.Ti-la; 1,12 xm;f.Ti-la;w> É previsto em Mq 7,12 que “um dia” (~Ay) Israel “virá” (awb) de todas as
regiões e nesse dia, os seus muros serão reconstruídos e as suas fronteiras
alargadas. A mesma raiz verbal (awb) é encontrada Ab 1,13, juntamente com o
termo ~Ay, mas o contexto é outro. Por um lado, trata-se de uma promessa a Sião,
por outro, está ausente qualquer sinal de salvação para Edom, ao contrário lhe é
impugnado “um dia de ruína”662. Este vaticínio feito a Edom é apresentado em Ab
1,15, onde se encontra verbo hf[ (qatal + nifal), também presente em Mq 7,9
que, no entanto, ao contrário de Ab 1,15, retrata a espera confiante de Israel de
que YHWH cumprirá o seu direito. Sião oprimida torna-se lugar de salvação, e
Edom será julgado por YHWH. O texto de Ab 1,15 apresenta ainda o verbo bwv
que se encontra também em Mq 7,19. Ambos trazem uma ação de YHWH: da
parte de Sião, a oferta de salvação na destruição das suas culpas; e da parte de
Edom, a sua ruína para sempre.
661 Esta ação verbal ocorre somente mais uma vez, nos Profetas Menores em Os 9,1: “Não te alegres, Israel: não exultes como os outros povos!”. 662 O verbo awb na forma qal qatal é freqüente nos Profetas Menores, todavia, somente em Joel (Jl 1,15) e em Sofonias (Sf 2,2) vem junto com a palavra ~Ay; e no contexto de ruína apresentado por Abdias. “Ai! Que dia! Sim, está próximo o dia de YHWH, ele chega como uma devastação vinda de Shaddai” (cf. Jl 1,15). “Antes que sejais espalhados, como a palha que desaparece em um dia, antes que venha sobre vós a ardente ira de YHWH” (cf. Sf 2,2).
220
Miquéias Abdias
awb / ~Ay 7,12 aAby" ^yd,['w> aWh ~Ay 1,13 ~d'yae ~AyB. yMi[;-r[;v;b. aAbT'-la;
Miquéias Abdias
hf[ 7,9 yjiP'v.mi hf'['w> 1,15 %L hf,['yE t'yfi[' rv,a]K
Miquéias Abdias
bwv 7,9 Wnmex]r;y> bWvy" 1,15 `^v,aroB. bWvy" ^l.muG>
Ab 1,21 mostra que o monte Sião se tornará a morada divina, ou seja, Sião
se tornará o reino de YHWH. Miquéias, também no seu texto final, antecipa um
futuro evento que restaurará Sião. A grande diferença é que Miquéias antecipa a
salvação e o perdão dos pecados.
Observa-se entre os dois textos uma atitude contrária de YHWH – de um
lado demonstra amor para seu povo; de outro, aversão ao malvado inimigo de
Israel. YHWH afirma sua fidelidade a si mesmo ao declarar amor para com Israel.
Deus testemunha o amor aos israelitas e não aos edomitas, irmãos e inimigos
deste. Em contrapartida, Israel é convocado a reconhecer em YHWH o seu único
Deus.
Percebe-se nesta análise o uso da mesma terminologia tanto para indicar
semelhanças quanto para sortes diferentes. Mais uma vez constatamos que as
ligações importantes entre os livros não se encontram somente entre o final de um
livro e o início do outro. Entre Abdias e Miquéias o ponto de contato localiza-se
no seu texto final.
4.1.5.1 Conclusão
Ambos os livros vizinhos de Miquéias, Abdias e Naum, revelam
intervenções literárias maiores, que objetivam unir estreitamente com o livro de
Miquéias.
Todos os textos enfocam um futuro repleto de graça, quando Israel será
reunido e guiado novamente por YHWH. O coração de Israel será o local de
conhecer a Deus.
221
4.1.6 Relação do Livro de Miquéias com o Livro de Jonas
O livro de Jonas foi inserido no Cânon Hebraico, após o livro de Abdias,
permanecendo, portanto ligado ao livro de Miquéias663. Este livro destaca-se dos
outros livros proféticos, pois não há quase pronunciamento profético, com
exceção de Jn 3,4; e poucas particularidades com o livro de Miquéias.
Nogalski664 já aludira sobre as palavras-chave que ligam o salmo de Jonas
(cf. Jn 2,2-10) com o primeiro capítulo do Livro de Miquéias. Assim, as conexões,
apontadas pelo autor, encontram-se neste salmo e não no fim do livro de Jonas.
No entanto, trata-se, de palavras de pouca relevância para uma análise literária,
segundo o modelo de estudo utilizado entre os livros de Miquéias e Naum.
E orou Jonas a YHWH, seu Deus, das entranhas do peixe.
v.2 `hg"D'h; y[eM.mi wyh'l{a/ hw"hy>-la, hn"Ay lLeP;t.YIw
Ele disse: de minha angústia, clamei a YHWH, e ele me respondeu;
v.3a ynInE[]Y:w: hw"hy>-la, yli hr'C'mi ytiar'q' rm,aYOw:
Do seio do Xeol pedi ajuda, e tu ouviste a minha voz.
v.3b `yliAq T'[.m;v' yTi[.W:vi lAav. !j,B,mi
Lançaste-me nas profundezas, no seio dos mares, e a torrente me cercou,
v.4a ynIbeb.soy> rh'n"w> ~yMiy: bb;l.Bi hl'Wcm. ynIkeyliv.T;w:
Todas as tuas ondas e as tuas vagas passaram sobre mim.
v. 4b `Wrb'[' yl;[' ^yL,g:w> ^yr,B'v.mi-lK'
E eu dizia: fui expulso de diante de teus olhos.
v. 5a ^yn<y[e dg<N<mi yTiv.r;g>nI yTir>m;a' ynIa]w: Todavia continuo a contemplar o teu santo Templo!
v. 5b `^v,d>q' lk;yhe-la, jyBih;l. @ysiAa %a;
As águas me envolveram até o pescoço,
v.6a vp,n<-d[; ~yIm; ynIWpp'a;
o abismo cercou-me, e a alga enrolou-se em volta da minha cabeça.
v.6b `yviarol. vWbx' @Ws ynIbeb.soy> ~AhT.
Eu desci até às raízes das montanhas, v. 7a yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil à terra cujos ferrolhos estavam atrás de mim para sempre.
v. 7b ~l'A[l. ydI[]b; h'yx,rIB. #r,a'h'
Mas tu fizeste subir da fossa a minha vida, YHWH, meu Deus.
v. 7c `yh'l{a/ hw"hy> yY:x; tx;V;mi l[;T;w
Quando minha alma desfalecia em mim,
v. 8a yvip.n: yl;[' @Je[;t.hiB.
663 A ligação entre Abdias e Jonas é também assegurada por Nogalski pelo mesmo procedimento literário de palavras-chave. Duas palavras chamam atenção: h['r' (Ab 13; Jn 1,2.13) e lr'AG (Ab 11; Jn 1,7). O termo h['r' é o mesmo nos dois textos, mas o sentido é diverso. A expressão “lançar a sorte” (lr'AG lp;n") é rara na BH, encontrando apenas em Jl 4,3; Na 3,10; Ab 11 e Jn 1,7. Os textos de Abdias, Naum e Joel enfocam que os vencedores estrangeiros tiram a sorte para partilhar os bens dos israelitas vencidos. Em Jonas, o contexto é diferente: tiram a sorte para saber por causa de quem estavam ameaçados pela desgraça do naufrágio. A sorte é lançada em Naum e Joel, sobre o povo ou parte dele; em Abdias, sobre Jerusalém e no livro de Jonas, caiu sobre ele mesmo. A análise desses textos desvia do escopo desta tese, pois não relacionam com Mq 7,8-20 - objeto de nosso estudo. 664 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors, p. 35-37; Redactional Processes, p. 248.
222
Eu me lembrei de YHWH, v. 8b yTir>k'z" hw"hy>-ta,
E minha prece chegou a ti, até o teu santo Templo.
v. 8c `^v,d>q' lk;yhe-la, ytiL'piT. ^yl,ae aAbT'w:
Aqueles que veneram vaidades mentirosas abandonam o seu amor.
v. 9a `WbzO[]y: ~D's.x; aw>v'-yleb.h; ~yrIM.v;m.
Quanto a mim, com cantos de ação de graças, oferecer-te-ei sacrifícios
v. 10a %L'-hx'B.z>a, hd'AT lAqB. ynIa]w: e cumprirei os votos que tiver feito: a YHWH pertence a salvação.
v. 10b `hw"hyl; ht'['Wvy> hm'Lev;a] yTir>d;n" rv,a]
Jonas estava em dificuldades, orou ao Senhor pedindo ajuda (cf. Jn 2,2);
YHWH respondeu (cf. Jn 2,3). Jn 2,3-9 elabora com detalhe a natureza e a
extensão da situação difícil que se encontrava, mencionando a ajuda recebida; Jn
2,10 contém a promessa do agradecimento.
As palavras-chave, apontadas por Nogalski665, entre o salmo de Jonas e o
início do livro de Miquéias, são: a expressão vd>q' lk;yhe (templo de sua santidade -
cf. Mq 1,2 e Jn 2,5.8), que não é comum na Bíblia Hebraica666; a ação verbal dry
(descer – cf. Mq 1,3 e Jn 2,7); as palavras rh; (montanhas – cf. Mq 1,4 e Jn 2,7);
~yIm; (águas – cf. Mq 1,4 e Jn 2,6) e de certa forma, o autor liga o termo lysiP'
(idolatria – cf. Mq 1,7) com aw>v'-yleb.h; (vaidades mentirosas – cf. Jn 2,9).
Termos Miquéias Jonas vd>q' lk;yhe 1,2 Avd>q' lk;yheme yn"doa 2,5 ^v,d>q' lk;yhe-la, jyBih;l. @ysiAa
2,8 ^v,d>q' lk;yhe-la, ytiL'piT. #r,a, 1,2 #r,a, ybiyviq.h; ~L'Ku ~yMi[; W[m.vi
1,3 #r,a' ytem\B'-l[; 2,7 #r,a'h' yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil.
dry 1,3 #r,a' ytem\B'-l[; %r;d'w> dr;y"w> 2,7 yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil.
~yIm; 1,4 dr'AmB. ~yrIG"mu ~yIm;K. 2,6 vp,n<-d[; ~yIm; ynIWpp'a] rh; 1,4 wyT'x.T; ~yrIh'h, WSm;n"w> 2,7 yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil.
A expressão vd>q' lk;yhe (templo santo) em Mq 1,2 mostra que “o Senhor saiu
de seu santo Templo”; Ele desce e pisa sobre os altos da terra. Jn 2,5 mostra que
Jonas, mesmo distante dos olhos de YHWH, continua a contemplar o teu “santo
Templo”; Jn 2,8 a prece do personagem chega até Deus, até o teu “santo Templo”.
665 Cf. NOGALSKI, J., Literary Precursors, pp. 35-37. 666 Uma outra menção de Avd>q' lk;yheB (templo de sua santidade) se situa em Hab 2,20. A presença de uma prece – sob a forma de um Salmo – pode ser observada tanto em Jn 2 quanto em Hab 3. Este capítulo faz parte de um conjunto formado de Hab 2,20-3,19, apresentado como uma prece de súplica. Aqui o resultado da prece não diminui o sofrimento, mas para o orante, é o sinal de uma nova esperança para o futuro (Hab 3,17-19). Essas observações poderiam levar a pensar que Habacuc forneceria o modelo literário e teológico para Jonas. A palavra “Templo” aparece ainda em Am 8,3; e “Templo de YHWH” em Ag 2,18 e Zc 6,12.13.
223
A expressão vd>q' lk;yhe é a mesma, mas o sentido é diverso. Há também diferenças
de terminologias.
Jn 2,7 indica que Jonas desce “até as raízes da montanha”, ou seja, ao fundo
do mar, onde se pensava repousar a terra. Observa-se aqui o verbo dry usado neste
versículo (cf. Jn 2,7) é o mesmo que em Mq 1,3, mas com sentido inverso –
enquanto o Senhor desce e pisa sobre os “altos da terra”, Jonas desce até as
“raízes da montanha”667. Esta ação verbal apresenta-se na mesma forma, qal qatal,
nos dois textos, diferenciando-se nos sufixos. No livro de Miquéias, YHWH inicia
um processo contra Israel (Samaria), enquanto que o texto de Jonas indica o
personagem querendo esquivar-se de sua missão, fugindo para o lugar mais longe
possível.
A mesma ação verbal de Mq 1,3 é encontrada na mesma forma e por duas
vezes em Jn 1,3. Nesta passagem Jonas se levanta e desce a Jope e lá “encontrou
um navio que ia para Társis, pagou a passagem e embarcou para ir para longe de
YHWH”. Társis representava aos olhos dos hebreus o fim do mundo. Observa-se
que, mesmo tendo a mesma forma verbal, o sentido dos textos é discordante.
Miquéias Jonas 1,3 %r;d'w> dr;y"w> AmAqM.mi aceyO hw"hy> hNEhi-yK 2,7 #r,a'h' yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil. 1,3 hw"hy> ynEp.Limi hv'yvir>T; x;rob.li hn"Ay ~q'Y"w: dr,YEw: !TeYIw: vyvir>t; ha'B' hY"nIa' ac'm.YIw: Apy" dr,YEw: hw"hy> ynEp.Limi hv'yvir>T; ~h,M'[i aAbl' HB' Hr'k'f
Em relação aos termos #r,a,,, ~yIm;, e rh, são palavras comuns na Bíblia
Hebraica. Nenhuma destas palavras marca alguma conexão importante entre os
livros. Tal fato corrobora a afirmação anterior de que as palavras-chave são de
pouca significância para constituir uma conexão entre esses livros.
Ao averiguar a relação literária entre o salmo de Jonas e o texto de Mq 7,8-
20 encontramos a expressão: ~yMiy: hl'Wcm. // ~y" tAlcum. (profundezas do mar (cf.
Mq 7,19 // Jn 2,4), que só é vista nestes livros entre os Profetas Menores. Os
nomes divinos são encontrados nos textos: hw"hy> em Jn 2, 3. 7. 8. 9.10.11, sendo
que no v. 2 temos wyh'l{a/ hw"hy, igualmente no v. 7 yh'l{a/ hw"hy>. Encontramos
também a palavra rh'n," que é usada em paralelo com ~y" (cf. Mq 7,12 e Jn 2,4).
667 A expressão ~yrIh' ybec.qil. (raízes das montanhas) é rara aparecendo somente aqui neste livro, em toda a Bíblia Hebraica.
224
Jonas Nomes divinos v. 2 wyh'l{a/ hw"hy>-la,v. 3 hw"hy>-la,v. 7 yh'l{a/ hw"hy>v. 8 hw"hy>-ta,v. 10 hw"hyl;v. 11 hw"hy>
Zapff668 ressalta vários outros pontos de contato entre o livro de Jonas e o
de Miquéias, sobretudo, em Mq 7 – que, no nosso estudo, este desempenha um
papel decisivo na ligação com os livros de Naum e Abdias. O autor aponta outras
linhas de ligação, entre elas a figura de Jonas (cf. Jn 2,2-10) da mesma forma que
Sião; em Mq 7,8-20, está caracterizado de forma muito positiva na maneira em
que ambos confessam sua total dependência de YHWH. Isto torna-se nítido em
Mq 7,9 e Jn 2,7; se em Miquéias, Sião confia que YHWH lhe trará a luz, Jonas
confessa que YHWH o retirou do túmulo.
Miquéias Jonas 7,9 Al ytiaj'x' yKi aF'a, hw"hy> @[;z: 2,7 #r,a'h' yTid>r;y" ~yrIh' ybec.qil.
yjiP'v.mi hf'['w> ybiyrI byrIy" rv,a] d[; l[;T;w: ~l'A[l. ydI[]b; h'yx,rIB. `Atq'd>ciB. ha,r>a, rAal' ynIaeyciAy `yh'l{a/ hw"hy> yY:x; tx;V;mi
Para Zapff as designações de Deus no salmo de Jonas – diferentemente das
designações do resto do livro de Jonas – encontram seu correspondente em Mq
7,10.17, quando lá o nome de Deus é respectivamente ligado ao sufixo ~yhil{a. Na
visão do autor, YHWH é acentuadamente salientado como o Deus de Jonas e de
Sião.
Miquéias Jonas 7,10 %yIh'l{a/ hw"hy> 7,17 Wnyhel{a/ hw"hy>
2,2 wyh'l{a/ hw"hy 2,7 yh'l{a/ hw"hy>
668 Na visão de Zapff, a posição do Livro de Miquéias entre Jonas e Naum não seria um acaso - reflete-se nele a seqüência das diferentes perspectivas dos povos dos livros de Joel, Jonas e Naum. O julgamento dos povos diante de Sião, no Livro de Joel, encontraria sua correspondência em Mq 4,11-14 e 7,10. À prometida possibilidade de conversão dos povos em Jonas e à disposição para o perdão de YHWH corresponderia à peregrinação dos povos para Sião em Mq 4,1-3 e Mq 7,12. O julgamento definitivo sobre todos os povos que “não obedecem”, a saber, que não peregrinaram para Sião (Mq 5,14; 7,13) deveria ser procurado em Naum 1, onde, conseqüentemente, diferencia-se entre os “inimigos de YHWH” (Na1,2b) e “aqueles que procuram abrigo em YHWH” (Na 1,7). Cf. Zapff, B., “Die Völkerperspektive des Michabuches als, Systematisierung “der divergierenden Sicht der Völker in den Büchern Joël, Jona und Nahum?” BN 98 (1999) 86-99.
225
Por fim, a confissão de confiança de Sião em Mq 7,8ss tem, em seu
contexto, uma função semelhante ao salmo de Jonas. A ação de Jonas,, delineada
em Jn 2,3-10 dirigida a YHWH e sua subseqüente salvação, é a condição para a
conversão e salvação de Nínive - iniciada através da mensagem profética de
justiça. O mesmo vale com respeito à confissão de confiança de Sião em Mq 7,8s.
e a sua salvação esperada por YHWH. Igualmente, essa é condição da vinda dos
povos para YHWH, mais precisamente, a salvação de Sião é o sinal efetivo ao
qual os povos chegam a YHWH (Mq 7,16).
O autor ainda aponta outras relações entre Mq 7 e o restante do Livro de
Jonas com respeito ao conteúdo. Em primeiro lugar, cita o tema do perdão dos
pecados que cunha, por um lado, Jn 3; e por outro, Mq 7,18ss. Miquéias fala do
Deus do amor (ds,x, v. 7,18 cf. Jn 4,2) significando assim que a cólera de Deus é
de curta duração. Quando Jn 1,16 narra que os homens do mar teriam “temido”
YHWH e “com grande temor” lhe oferecido um sacrifício e feito muitos votos,
tal cena, na visão de Zapff, encontra correspondência em Mq 7,17.
Miquéias Jonas 7,17 &'M,mi War>yIw> Wdx'p.yI Wnyhel{a/ hw"hy>-la, ~h,yteroG>s.Mimi WzG>r>yI #r,a, ylex]zOK. vx'N"K; rp'[' Wkx]l;y>
1,16 `~yrId'n> WrD>YIw: hw"hyl; xb;z<-WxB.z>YIw: hw"hy>-ta, hl'Adg> ha'r>yI ~yvin"a]h' War>yYIw:
Finalmente, com a expectativa de Jonas de poder ver o declínio de Nínive,
confronta-se, de forma marcante, com a firme certeza de Sião em poder ver não só
a humilhação de sua inimiga, mas também as maravilhas de YHWH, como nos
dias da saída do Egito (Mq 7,10.15). Assim, Mq 7 aproveita vários desejos de
Jonas, Sião mesma coloca-se, no fundo, no papel de Jonas. Agora, diferencia-se
entre os povos prontos à conversão e a inimiga que não quer se converter, que,
simbolizada por Nínive, é definitivamente aniquilada no Livro de Naum.
As ligações temáticas apontadas por Zapff não indicam a existência de uma
relação literária entre os textos. A dependência a YHWH mostrada em Mq 7,9 e
Jn 2,7, não traz nenhuma terminologia comum entre os textos, a não ser a menção
do nome de YHWH. Tampouco as designações divinas, sublinhadas pelo autor,
devem ser consideradas como um elo literário entre os livros, pois não são de uso
exclusivo desses profetas, ou seja, são comuns na Bíblia Hebraica. Finalmente, as
aproximações marcadas nesses textos não estão ancoradas numa terminologia,
sendo assim, elas se tornam vagas e frágeis.
226
4.1.6.1 Conclusão
Pode-se dizer que os pontos de contato literário entre Miquéias e Jonas são
insignificantes, em uma perspectiva intertextual, como é a intenção do nosso
estudo.
4.1.7 Relação do Livro de Miquéias com o Livro de Joel
O livro de Joel posiciona-se na LXX ,após Miquéias (conferir tabela 1); e
de acordo com o pensamento de Zapff,669 há uma correspondência entre estes dois
livros através do tema da peregrinação dos povos.
Para Zapff,670 o texto de Jl 4,1-21, visto como uma reunião dos povos para
o juízo divino,, apresenta relações com Mq 4 (cf. Jl 4,10 e Mq 4,1-3)671. No
entanto, ao relacionar os textos, o autor observa que em Mq 4,1-3 os povos e
nações que peregrinarão para Sião posicionam diferentemente dos apontados em
Jl 4,10ss, pois estes foram para o campo de batalha com intenções hostis contra
Sião. É duvidoso, segundo o autor, que se possa buscar uma conciliação nesse
sentido, entre Jl 4,10ss e Mq 4,1-3. No entanto, o próprio texto de Miquéias (cf.
Mq 4,11-13) nos daria uma explicação: “reúnem-se contra ti (Sião) numerosas
nações”. Por causa dos pecados de Israel, os povos marcharam contra Sião, que é
devastada (cf. Mq 1-3; 4,10.14s ou Mq 6,1-16; 7,1-7). Após a punição de Sião,
YHWH surge contra os povos levando-os à derrota (cf. Mq 4,12 e 7,10). Através
da partícula adverbial hT'[;w> (cf. Mq 4,11), esse acontecimento é descrito como um
evento a se realizar no presente ou num futuro próximo. Por outro lado, a
peregrinação dos povos a Sião se situa “no fim dos tempos”- ~ymiY"h; tyrIx]a;B. hy"h'w
(cf. Mq 4,1). Para o autor, os mesmos povos que anteriormente guerreiam contra
Sião, no futuro, vão querer participar dos bens da salvação da Torá.
669 Cf. ZAPFF, B. “Die Völkerperspektive des Michabuches”, p. 89. 670 Cf. ZAPFF, B. “Die Völkerperspektive des Michabuches”, p. 89. 671 O capítulo 4 do Livro de Joel revela o julgamento de YHWH – o Senhor derrota os inimigos e liberta Israel. O julgamento, aqui apresentado, tem característica escatológica, representado pela fórmula “naquele dia” significando, neste caso, um tempo de restauração, após uma catástrofe. Todas as nações irão se reunir nesse Vale onde serão julgados. O Vale do julgamento (Vale de Josafá - YHWH julga) é descrito como um tempo para decisão – é provável que Joel não esteja se referindo a qualquer vale conhecido por este nome, mas quer ressaltar a realidade do julgamento
227
Observa-se que as referências feitas por Zapff entre o livro de Joel e o de
Miquéias recaem sobre Mq 4. Como o objeto de nosso estudo é Mq 7,8-20,
examinaremos apenas os aspectos relacionados a este texto, embora o conteúdo de
Mq 7,8-20 apresente semelhanças com os caps 4 e 5, enquanto ressalta o regresso
dos dispersos de Israel (cf. Mq 7,11) que se dirigem a Sião junto a outros povos,
que reconheceram o poder de YHWH (cf. Mq 7,12.16). Sião se transforma então,
em ponto de convergência religioso dos povos que confiam em YHWH. O texto
de Jl 4,18-21 destaca igualmente a restauração de Sião e a indica como cidade
santa, por causa da presença do Senhor.
O capítulo final de Joel é um oráculo escatológico com elementos clássicos:
prodígios cósmicos, que precedem o “dia de YHWH;” e a salvação definitiva do
“resto”. Esta restauração futura é descrita de forma poética numa imagem de
fertilidade, que reverte por completo o quadro da devastação anterior causada por
gafanhotos (cf. Jl 4,18); segue o anúncio do juízo contra os antigos inimigos,
Egito e Edom (cf. Jl 4,19), e a proclamação de uma promessa perpétua para Judá e
Jerusalém (cf. Jl 4,20)672. O texto traz a certeza de que YHWH habita em Sião.
Naquele dia, as montanhas gotejarão vinho novo,
4,18a sysi[' ~yrIh'h, WpJ.yI aWhh; ~AYb; hy"h'w> e das colinas escorrerá leite, 4,18b bl'x' hn"k.l;Te tA[b'G>h;w> e os ribeiros de Judá conduzirão água, 4,18c ~yIm' Wkl.yE hd'Why> yqeypia]-lk'w> e da casa de YHWH sairá uma fonte 4,18d aceyE hw"hy> tyBemi !y"[.m;W E regará o vale das Acácias. 4,18e `~yJiVih; lx;n:-ta, hq'v.hiw> O Egito será uma desolação, 4,19a hy<h.ti hm'm'v.li ~yIr;c.mi e Edom será um deserto desolado, 4,19b hy<h.Ti hm'm'v. rB;d>mil. ~Ada/w< Por causa da violência contra os filhos de Judá
4,19c hd'Why> ynEB. sm;x]me
Cujo sangue inocente eles derramaram na terra.
4,19d `~c'r>a;B. ayqin"-~d' Wkp.v'-rv,a
Judá será habitada para sempre 4,20a bveTe ~l'A[l. hd'WhywI e Jerusalém de geração em geração. 4,20b `rAdw" rAdl. ~l;iv'WrywI Eu teria deixado seu sangue impune? 4,21a ~m'D' ytiyQenIw> Não, eu não o deixei impune. 4,21b ytiyQenI-al{ E YHWH habitará em Sião 4,21c `!AYciB. !kevo hw"hyw:
O ponto central entre os livros de Miquéias e de Joel é Jerusalém. Miquéias
enfatiza o futuro escatológico da cidade em 7,11s, e Joel apresenta-a como o lugar
da moradia eterna de YHWH (cf. Jl 4,18-21). Entre os textos de Mq 7,8-20 e Jl
de Deus. O profeta detalha as culpas das nações e resume o tema “julgamento”. Finaliza com a certeza de que todos saberão quem é YHWH, o Deus dos israelitas.
228
4,18-21, emcontramos a mesma finalidade: justiça plena para as nações inimigas,
e segurança para Israel.
Considerando este conjunto de dados, combinaremos os vários elementos a
fim de obter uma visão real dos textos destes profetas;
Termos Miquéias 7 Joel 4
~Ay aWhh;
v. 11 e 12 aWhh; ~Ay / tAnb.li ~Ay – Dimensão escatológica
v. 18 aWhh; ~AYb; hy"h'w> Dimensão escatológica
rh; v.12 rh'h' rh;w> - montanhas serão testemunhas da vinda dos povos
v. 18 ~yrIh'h, - as montanhas gotejarão vinho novo
ym; v. 12 ~Y"mi ~y"w> ~yIm' - v. 18 ~yIm' - hw"hy> v. 8 rAa hw"hy> - YHWH (é) luz
v. 9 aF'a, hw"hy> @[;z: - Sião carrega ira de YHWH v. 10 hw"hy> AYa; - onde (está) YHWH v. 17 hw"hy> -la, - sairão para YHWH
v. 18 WpJ.yI hw"hy> tyBemi – da casa de YHWH sairá uma fonte v. 20 WpJ.yI !kevo hw"hyw: - e YHWH habitará em Sião
~yIr;c.mi v. 15 ~yIr;c.mi – virão da Assíria até o Egito
v. 19 ~yIr;c.mi – O Egito será uma desolação
hm'm'v. v. 13 hm'm'v.li #r,a'h' ht'y>h'w – a terra tornar-se-á desolação
v. 19 hm'm'v.li ~yIr;c.mi – Egito será uma desolação hm'm'v. rB;d>mil. ~Ada/w< – e Edom um deserto desolado
#r,a, Mq 7,13. 15.17 – v. 13: sujeito: terra; idéia: castigo; v. 15: referência ao Egito; v. 17: sujeito – nações inimigas arrastarão na terra.
V.19 ~c'r>a;B. – na terra / referência à violência do Egito e Edom contra Israel
~l'A[ v.14 ~l'A[ ymeyK – como nos dias antigos
v. 20 ~l'A[l. hd'WhywI – E Judá será habitada para sempre
Joel anuncia que “naquele dia” haverá restauração para Israel; em
contrapartida, ocorrerá a desolação para outras nações, a saber, Edom e Egito,
dois inimigos antigos de Israel673. Não há misericórdia para as nações inimigas.
Isso implica o cumprimento da justiça de Deus, que demonstra seu poder salvador
em favor do povo de sua aliança674. Percebe-se que YHWH defende a causa de
Sião tanto no livro de Miquéias (“...até que julgue a minha causa e restabeleça os
meus direitos”( cf. Mq 7,9) quanto no livro de Joel (“o Egito será uma desolação,
672 Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 76. 673 O Egito além de ter sido a “casa da escravidão” (cf. Mq 6,4) atacou e invadiu periodicamente Judá (cf. 1 Rs 14,25-26; 2 Rs 23,28-30; 2 Cr 12,2-12; 14,9-15; 16,8); Edom procurou impedir a passagem dos israelitas, na rota entre o Egito e a Ásia (cf. Nm 20,14-21; 21,4; Jz 11,17-18); mais tarde, lutou com Saul (cf. 1 Sm 14,47) e foi conquistada por Davi (cf. 2 Sm 8,13-14) e atacou Judá nos dias de Josafá, em aliança com os amonitas e moabitas (cf. 2 Cr 20,1). 674 YHWH é apresentado como um juiz em um processo criminal contra delinqüentes, mais ainda como a parte ofendida, pois se trata de seu povo, de sua herança. SCHOEKEL, ALONSO, & SICRE, JOSÉ LUIZ. Os Profetas, vol. II, São Paulo: Paulinas, 1988-1991, 977.
229
e Edom será um deserto desolado por causa da violência contra os filhos de
Judá...” (cf. Jl 4,19).
Na perspectiva de Miquéias, “nesse dia” as montanhas serão testemunhas da
chegada dos povos, que virão de mar a mar (cf. Mq 7,12); e de Joel, as montanhas
gotejarão vinho novo e sairá de Jerusalém uma água que irrigará o vale das
acácias (cf. Jl 4,18). Joel anuncia que os danos específicos, causados pelos
gafanhotos, foram anulados - Judá havia se tornado um deserto desolado (cf. Jl
2,3). Agora o abundante suprimento de vinho, que goteja das montanhas, substitui
o que acabou, quando as vinhas secaram (cf. Jl 1,12); a fartura de leite significa
que já não faltam pastagens para os rebanhos de gado (cf. Jl 1,18), e a torrente de
águas torna a encher os ribeiros ressecados (cf. Jl 1,20). A presença de YHWH é a
única explicação para toda essa fartura. O empenho divino em dar sustento ao
povo e à terra, logo após o cumprimento do juízo, é simbolizado pela fonte, que
brota da própria casa de YHWH (cf. Jl 4,18)675. Se o livro de Joel apresenta a
perspectiva da restauração é porque já ocorreu o perdão.
O livro de Joel menciona o nome divino com freqüência combinado em
exortações feitas ora pelo profeta, ora pelo próprio Deus676. As fórmulas tornam
explícito o elemento relacional de Israel a YHWH e a ligação particular de Deus a
seu povo. O livro de Miquéias refere-se da mesma forma ao nome de Deus como
foi retratado anteriormente junto à análise do livro de Naum.
Mq 7,13 anuncia que a terra será desolada utilizando-se o termo hm'm'v. tal
como Jl 4,19. Como definimos, anteriormente, o anúncio de Mq 7,13 não é
dirigido à terra de Israel. Jl 4,19 aponta quem sofrerá desolação: Egito e Edom. O
profeta ainda acrescenta o motivo pelo qual merecerão o castigo - por causa da
violência contra os filhos de Judá.
O Egito é citado em Mq 7,12.15, mas o contexto é diferente; Mq 7,12
mostra que os povos virão até Sião desde o Egito e Mq 7,15 retrata uma fala de
YHWH recordando ao povo os prodígios realizados na saída do Egito. Portanto, a
menção desta nação possui sentido distinto nos textos, sendo que somente Mq
675 Ez 47,8-9 faz uma descrição viva do impacto renovador desse rio escatológico. 676 Nome e fórmulas divinas: yh'l{a/ cf. Jl 1,13; ~k,yhel{a/ cf. Jl 1,13; hw"hy> cf. Jl 1,14.19; 2, 11.12.17 (3x).18.19.21; 3,5 (3x); 4,8.11.16 (2x).21; yD;v; cf. Jl 1,15; ~k,yhel{a/ hw"hy> cf. Jl 2,13.14.23.26 e em
2,27; 4,17 ~k,yhel{a/ hw"hy> ynIa]; “dia de YHWH hw"hy> ~Ay cf. Jl 1,15; 2,1.11; 3,4; 4,14; “casa de
230
7,15 se assemelha a Jl 4,19, pois Egito neste versículo representa a “casa da
escravidão”.
O termo ~l'A[ em Mq 7,14 refere-se ao rebanho de YHWH que terá
novamente acesso a boas pastagens: “como nos dias de outrora”. Tal anúncio
revela a continuidade do povo de Deus na cidade santa. E Jl 4,20 anuncia que Judá
será habitada para sempre. Dessa forma, o texto de Joel mostra a mesma temática
do texto de Miquéias.
No livro de Joel, o arrependimento é crucial para reverso do infortúnio de
Judá. A colocação da promessa da restauração, após o chamado à conversão
enfatiza que o arrependimento de Judá precede a sua restauração (cf. Jl 2,12-14),
assim como o reconhecimento do domínio absoluto de Deus sobre a natureza e a
história (cf. Jl 2,3.11-27). No livro de Miquéias há o reconhecimento dos pecados
(cf. Mq 7,9) e a confiança no julgamento divino.
As correlações verbais são poucas, mas são muito significativas para nosso estudo.
Verbos Miquéias 7 Joel 4
Hyh v. 10 sm'r>mil. hy<h.T hT'[ tornar-se-á pisoteada (nação inimiga)
v. 19 hm'm'v. rB;d>mil. ~Ada/w< hy<h.ti Edom será um deserto desolado hy<h.ti hm'm'v.li ~yIr;c.mi Egito será uma desolação
bvy v. 8 %v,xoB; bveae-yKi se me (Sião) encontro nas trevas v. 13 h'yb,v.yO-l[; hm'm'v.li #r,a'h' a terra tornar-se-á desolação por causa dos seus habitantes
v. 20 bveTe ~l'A[l. hd'Whyw Judá será habitada (permanecerá) para sempre
!kv v. 14 dd'b'l. ynIk.vo o rebanho de YHWH habita sozinho
v. 21 !AYciB. !kevo hw"hyw: e YHWH habitará em Sião
Miquéias e Joel apresentam em comum o verbo Hyh na forma qal yiqtol
(hy<h.Ti) com igual contexto. Em Miquéias, é prometido que Sião verá a nação
inimiga ser pisoteada (cf. Mq 7,10c), e Joel aponta Egito e Edom, representantes
de todos os inimigos de Israel, sendo feitos pela desolação, enquanto que Judá e
Jerusalém são salvas (cf. Jl 4,6). Há aqui uma correspondência verbal e temática.
Os livros apresentam o fim da nação inimiga e a renovação de Judá.
O verbo !kv, que se encontra em Mq 7,14 e que se tornou o foco de atenção
de nosso estudo, apresenta-se também na forma qal particípio em Jl 4,21 (!kevo - cf.
YHWH”; “casa de YHWH vosso Deus”- “casa de nosso Deus” hw"hy> tyIB; cf. Jl 1,9; 4,18 ; ~k,yhel{a/ hw"hy> tyBe cf. Jl 1,14; Wnyhel{a/ tyBe cf. Jl 1,16.
231
Jl 4,17). “YHWH habitará em Sião”. Em Mq 7,14, o rebanho de YHWH habita só
e espera pelo seu Deus-Pastor para guiá-lo, como nos dias antigos. É prometido
em Jl 4,20 que Judá será “habitada” para sempre (bvyo cf. Jl 4,20). Em Miquéias,
também encontramos o verbo bvy na mesma forma que em Jl 4,20 – Mq 7,8
retrata: “Sião que habita nas trevas”, mas esta reconhece que merece estar ali por
causa de seus pecados, mas ao mesmo tempo, confia e espera que YHWH a
reconduzirá novamente à luz. Jl 4,20 e 21 podem estar se inspirando em Mq
7,8.14. O procedimento encontrado anteriormente nos livros de Naum e Abdias e,
agora aqui, confirmam a intertextualidade de Mq 7,8-20 com estes livros,
principalmente, pela correspondência do verbo !kv.
Essas afirmações de Joel estão articuladas ainda com Jl 2,27: “e sabereis
que eu estou no meio de Israel, eu, YHWH, vosso Deus, e não outro!” Assim
como Jl 3,17: “E reconhecereis então que eu sou YHWH, vosso Deus, que habita
em Sião, minha montanha santa, e os estrangeiros não mais passarão por ela!”677.
Miquéias %AtB. r[;y: dd'b'l. ynIk.vo ^t,l'x]n: !aco Joel 4,21 !AYciB. !kevo hw"hyw:
2,27 dA[ !yaew> ~k,yhel{a/ hw"hy> ynIa]w: ynIa' laer'f.yI br,q,b. yKi ~T,[.d;ywI 4,17 yvid>q'-rh; !AYciB. !kevo ~k,yhel{a/ hw"hy> ynIa] yKi ~T,[.d;ywI
Podemos ainda evidenciar outras expressões importantes entre o livro de
Joel e Mq 7678. Em Jl 2,17, temos o mesmo desafio zombeteiro das nações
estrangeiras de Mq 7,10: onde está o seu Deus?
Miquéias 7,10 %yIh'l{a/ hw"hy> AYa; yl;ae hr'm.aoh' ela que disse a mim: onde (está) YHWH o teu Deus?
Joel 2,17 `~h,yhel{a/ hYEa; ~yMi[;b' Wrm.ayO hM'l porque dirão entre os povos: onde (está) o seu Deus?
Jl 2,1 apresenta: “tremem todos os que habitam a terra”; em Mq 7,17, “eles
virão trêmulos de seus esconderijos”. Esta relação entre Miquéias e Joel não é
exclusiva, encontramos, em outros livros, tais como, o de Oséias (caps 3 e 11),
portanto, a relação com este verbo perderia a força comprobatória.
677 Este tema do Senhor entre nós como está articulado em Joel (cf. 2,27; 3,17) é muito importante e é uma expressão rara na BH (cf. Nm 5,3; 35,34); os salmos narram YHWH morando em Sião (cf. Sl 74,2; 68,17 e em Jerusalém cf. Sl 46135,21). Cf. LIMBURG, J., Hosea – Micah, Interpretation, p. 77. 678 Redditt aponta que Jepsen (“Kleine Beiträge zum Zwölfprophetenbuch” ZAW 56 (1938) 85-100, 95) já havia chamado atenção para as semelhanças entre Joel e Mq 7. O autor atribuiu esta similaridade ao fato de que Joel segue a Miquéias na LXX, sugerindo que talvez Miquéias tivesse adquirido o vocabulário (versos) de Joel, quando a ordem fora trocada. Cf. REDDITT, P. L., “Recent Research on the Book of the Twelve as one Book”, CR 9 (2001) 47-80, p. 53.
232
Miquéias 7, 8-20 Joel
7,17 Wnyhel{a/ hw"hy>-la, ~h,yteroG>s.Mimi WzG>r>y 2,1 #r,a'h' ybev.yO lKo WzG>r>yI
Miquéias 7, 8-20 Joel
7,19.20 .. .WnytenOwO[] vBok.yI Wnmex]r;y> bWvy" 2,13 WbWvw> ~k,ydeg>Bi-la;w> ~k,b.b;l. W[r>qiw ~h'r'b.a;l. ds,x, bqo[]y:l. tm,a/ !TeT %r,a, aWh ~Wxr;w> !WNx;-yKi ~k,yhel{a/ hw"hy>-la,
`h['r'h'-l[; ~x'nIw> ds,x,-br;w> ~yIP;a;
Assim como Miquéias (cf. Mq 7,14.18), Joel (cf. Jl 4,2) demonstra, pelo seu
vocabulário, o zelo especial de YHWH para com seu povo e sua herança679.
Miquéias 7,14 apascenta teu povo ^M.[; h[er> rebanho de tua herança ^t,l'x]n: !aco 7,18 resto de sua herança Atl'x]n: tyrIaev.l
Joel 4,2 meu povo e minha herança ytil'x]n:w> yMi[;-l[
Jl 2,13, já mencionado anteriormente (cf. nota 632), usa diretamente Ex
34,6, que é repetido em Mq 7,18; Jn 3,9-10; 4,2 e Na 1,3 (adiciona Ex 34,7).
Assim como Jl 2,13, no caso de Miquéias, a citação é usada para afirmar a
misericórdia de Deus para Israel, enquanto que, em Naum, mesmo que a
misericórdia de Deus seja reconhecida, o profeta enfatiza o justo julgamento de
Ex 34,7b. De certa forma, Jonas concorda com Joel: o perdão de Deus aos
ninivitas depende de eles se arrependerem ou não. Para aqueles que se
arrependem, Deus proverá sempre as bênçãos. Devemos entender que não é a
mudança do povo que faz com que a misericórdia de Deus aflore; o que faz com
que Deus mude é a sua misericórdia, que exige como condição prévia a conversão
do povo. Deus não é só o protagonista da mudança, mas também faz grandes
proezas e prodígios (cf. Mq 7,15 e Jl 2,21.26).
4.1.7.1 Conclusão
O livro de Joel, ao contrário do de Jonas, apresenta íntimos contatos
literários com o livro de Miquéias. Apesar de Zapff ter indicado as ligações de Jl 4
com o Mq 4,11-14 e Mq 7,10, nosso estudo indica que as ligações abrangem todo
679 McKane vê na expressão: “resto de sua herança” uma glosa intencional para limitar o perdão de YHWH para Israel. Cf. MCKANE, W., Micah, p. 234. No entanto, outras referências bíbli vêem a misericórdia de YHWH não só reservada para o seu povo da aliança, mas estendida para outras nações e indivíduos (cf. Jn 4 e Sl 145,9).
233
o texto final de Miquéias, ou seja, Mq 7,8-20. Os termos presentes no texto de
Joel, que comprovam a intertextualidade entre os livros, estão em continuidade
com os textos estudados até então. Joel ensina que o Senhor é refúgio e fortaleza
para seu povo (cf. Jl 4,16) e que YHWH habitará em Sião (cf.Jl 4,21). É bem
provável que o texto final de Joel também tenha se inspirado no livro de Miquéias.
5. Conclusão final
O estudo sobre a unidade do corpus profético do Livro dos Doze Profetas
Menores, tratado no primeiro capítulo, apresenta-se como um tema atual e muito
discutido nas teses de Doutorado e debates entre os estudiosos. Alguns autores
focaram a sua atenção no processo redacional desses escritos elaborando as suas
diferentes fases até a forma final, através de vários editores, que reconstruíram as
escrituras, criando novas estruturas, relações temáticas e verbais. Esses estudiosos
não excluem a atenção aos livros individuais ou mesmo às mensagens individuais
dos profetas, no entanto, apresentam por meio de uma leitura diacrônica, uma
visão geral de todo o conjunto profético. Em suas observações, apontam a
formação complexa do processo do livro dos Doze, que pensam estender-se por
um vasto período e por diferentes indivíduos. Outros analisam os documentos
proféticos pelo viés da compilação literária, considerando que os materiais pré-
existentes, quase prontos, foram reorganizados na coleção, com o objetivo de uni-
los num só volume, através de afinidades literárias, temáticas e estruturais.
A diferença de pensamento entre os autores apontados neste estudo retrata a
dificuldade em concluir se estes pequenos escritos proféticos foram ou não
considerados um único livro, ou se foram colocados juntos por uma razão prática
para não se perderem. Pode-se afirmar que não há informação segura que indique
a unidade dos Doze Profetas Menores.
Embora muitas questões permaneçam ainda sem respostas, algumas
afirmações, tais como aquelas dos manuscritos antigos, certificam que estes livros
devem ser considerados como um único livro. Aceitando tal possibilidade, não
estaríamos perdendo os aspectos individuais e históricos que eles apresentam? Os
próprios comentários exegéticos tratam a autoria, conteúdo e teologia de cada
livro isolado. Nossa proposta então é que estes pequenos escritos não podem ser
compreendidos como um todo coerente - como sugere a maioria dos estudiosos -
cada um dos livros é portador de significado como uma obra única.
235
Estes livros individuais estão claramente marcados por seus próprios títulos
– como ocorre com o Livro de Miquéias. As subscrições indicam que cada um
deles é apresentado como uma unidade coerente com seu próprio estilo e conteúdo
e particularidades históricas. Outros livros ainda apresentam elementos
biográficos e datas precisas que complementam a pregação profética (cf. Ag 2,1-
9). Enfim são livros distintos com comunicação literária própria.
Observa-se que a seqüência canônica dos livros, nas versões apresentadas,
não é resultado de um trabalho cronológico, seja no TM, na LXX ou no fragmento
4QXIIa (conferir tabela 2). A diversidade dos arranjos dos Doze Profetas sugere
que eles formam uma coleção de livros individuais, de arranjos variados, em lugar
de um único trabalho de forma definitiva. As evidências textuais podem prover
exemplos concretos dos meios pelos quais os antigos redatores expandiram ou
alteraram os textos fontes.
O fato de que é possível identificar o trabalho de diferentes escribas nos
livros proféticos confirma a evidência de que o(s) redator(es) não eram meros
copista(s), mas homens responsáveis pela interpretação das Escrituras, editando,
ampliando e estruturando os textos, trazendo seu significado para o seu tempo. É
consenso geral que os escritos proféticos foram retocados ou complementados, e
que tais procedimentos possuem um horizonte que ultrapassa o próprio livro.
Essas alterações intencionais realizadas pelo(s) antigo(s) redator(es) têm um
grande significado para a evolução da história literária do Livro dos Doze Profetas
e para a compreensão da sua relação ao processo canônico.
Essas adaptações, que transformaram a coleção dos escritos proféticos,
alcançaram o objetivo na mediação da palavra de Deus, no contexto histórico.
Sendo assim, cumpriram a função original dos profetas: os livros trazem palavras
de Deus para o povo de Deus.
Fica claro em nosso estudo que a posição de Miquéias entre Abdias e Naum
indica uma intervenção maior que, aparentemente, é percebida. O livro de
Miquéias ocupa uma posição importante na estrutura do conjunto profético. O
estudo da seqüência dos livros aponta para uma relação estreita com os livros de
Jonas e Joel. Com este, pela afinidade com a proclamação de ameaça feita pelas
nações a Jerusalém; e com o primeiro, a ligação não seria pelas aproximações
históricas, mas pelo tema de Nínive, também presente em Naum, livro que segue
o de Miquéias. Se por um lado a cidade é salva (cf. Jn 3,10), por outro ela é
236
condenada à ruína (cf. Na 1,2). O claro contraste entre a perspectiva do livro de
Jonas e o livro de Naum é, então, equilibrado pela presença do livro de Miquéias.
Este aponta a possibilidade de salvação para os povos, se eles se converterem. O
livro de Miquéias torna-se então o paradigma para o futuro ou a destruição dos
povos. A questão levantada se haveria uma intenção de ligar Jonas e Naum com
Miquéias pode ser respondida pela análise feita no terceiro capítulo deste estudo.
É possível sugerir que houve um crescimento literário intencional da
tradição profética. A idéia é que a natureza oral dos textos foi submetida a várias
camadas colocadas sobre o texto original. Assim os textos não foram
simplesmente copiados, estudados e transmitidos, mas também reformulados
numa relação dinâmica de interdependência680. No último estágio dessa formação,
interveio a figura de Jonas para equilibrar o julgamento inexorável de Naum
contra Nínive e significar no coração dos Doze que o Deus, que compartilha a
mensagem,, é Aquele de Ex 34,6 – “Deus é misericordioso e lento na cólera”
Estes estudos oferecem oportunidade para os leitores identificarem os
Pequenos Profetas e compreenderem os temas teológicos subjacentes nos livros
com seus aspectos históricos.
No segundo capítulo da tese apresentamos o livro de Miquéias, com atenção
especial ao seu texto final. Mq 7,8-20 é uma passagem de esperança na
restauração de Sião. Provavelmente, foram pronunciadas por outro que não o
profeta Miquéias.
A análise semântica nos permite entender que o texto relata uma
significativa promessa para um futuro. Sião prepara-se para este “novo dia” que
desponta. Nesse sentido, podemos entender que YHWH terá novamente
compaixão com seu povo. Em virtude de seu amor eliminará totalmente o pecado,
que destrói seu plano de salvação. Só assim o pecador pode reatar a sua relação
com Ele, que manifesta o seu amor, carregando a sua culpa. Sião confia não
apenas que YHWH lhe fará justiça perante seus inimigos, mas que seus pecados
não serão mais lembrados, pois Deus os removerá para sempre. O fato de YHWH
680 Há um consenso entre os críticos de que os textos demonstram um processo de contínua realização e atualização iniciando com a tradição oral e terminando na forma escrita. Isso torna evidente que os escritos interpretam um papel criativo na formação dos textos proféticos. Cf. STECK, O. H, The Prophetic Books and Their Theological. Witness: St Louis Chalice Press, 2000. p. 56.
237
carregar os pecados de Israel, esquecer os seus atos injustos, não indica uma
atitude de indiferença ao pecado, mas o desejo de esquecê-lo.
Sião aceita o castigo, como conseqüência de seu pecado, mesmo no meio do
seu isolamento, tem a confiança de que Deus julgará a sua causa e retomará o
cuidado de pastor que lhe falta. Sião se identifica com o “resto de sua herança”.
Com a restauração de Jerusalém as promessas serão realizadas. Em todas estas
passagens YHWH nos guia como o Pastor de Israel, e todos os povos estarão
incluídos na peregrinação a Sião. Deus Pastor conduz, sustenta, guarda, por isso,
os que estão em sua companhia que poderão dizer: Eu não temo mal algum, pois
YHWH está comigo!
Em nossa análise, apresentamos um paralelo de Mq 7,18-20 com Ex 15,1-5,
comparando a eliminação do pecado pelo perdão divino com a libertação no
Êxodo do poder dos egípcios – os inimigos de Israel, o exército do faraó, e o
pecado do povo são “atirados nas profundezas do mar”. Assim, podemos
considerar o pecado como um inimigo que Deus subjuga e destrói. Essa relação
sugere que a raiz de toda a desgraça é a distorção da relação pessoal com Deus,
que foi estabelecida no Êxodo. Mq 6,4-5 já retratara o evento do Êxodo. Só que,
nesta seção final, a tradição do Êxodo está unida com a tradição Patriarcal. Deus
cumprirá as promessas feitas aos antepassados de Israel.
A partir da fidelidade de Deus a seu juramento, demonstrado na saída do
Egito, Israel deve “conhecer” que Deus é confiável, que guarda a sua aliança e sua
fidelidade (Mq 7, 19). A inimiga vê a situação de Sião ser invertida (Mq 7,10.16)
e se cobre de vergonha por toda a sua arrogância. Ela que antes ironizava: onde
está YHWH teu Deus? Agora será humilhada, pisoteada como lama na rua.
No terceiro capítulo foram analisadas as possíveis relações intertextuais
entre o texto de Mq 7,8-20 e os textos de Naum (1,2-8; 3,15-17.18-19), Abdias,
Jonas (4,2-10) e Joel (4,18-21). Conclui-se que há possíveis contatos entre os
textos.
O interesse deste estudo ultrapassou aqueles já realizados e apresentados,
pois os textos foram abordados não apenas nas suas relações literárias, mas
também nos elementos de união existentes sob a luz da estrutura teológica
subjacente neles. É certo que os mesmos foram organizados e adaptados com uma
motivação particular: comunicar uma mensagem teológica direcionada para
aquele tempo através da combinação dos materiais existentes. Isso justifica a
238
necessidade de avaliar os textos sob este prisma. Se, anteriormente, esses textos
foram analisados somente a partir do estudo destas palavras-chave, o atual estudo
se abre na perspectiva de novos horizontes.
Após a análise dos textos,certifica-se que Mq 7,8-20 está interligado a
Naum e Abdias literaria, histórica e teologicamente. Em relação ao livro de Jonas,
os pontos de contato analisados indicam que os textos estudados deste livro junto
a Mq 7,8-20 não possuem indício que possa revelar qualquer relação intertextual.
A simples presença de palavras-chave isoladas ou expressões não é critério
confiável para uma avaliação positiva.
O livro de Joel apresenta muitos elementos semelhantes entre Mq 7,8-20 e
Jl 4,18-21, mas é duvidoso concluir com segurança a relação entre os textos, já
que este é, de fato, construído como um conjunto de citações de outros textos
bíblicos;seria preciso estudar todos os textos proféticos relacionados a ele. Dessa
maneira, as relações encontradas não alcançam o `parâmetro de seletividade.
As observações dos termos e expressões semelhantes e, às vezes, únicas,
entre Mq 7,8-20 e Na 1,2-8.3,18-19 e Abdias, sugerem que o(s) redator(es)
tiveram a intenção de aproximar estes livros. O fato de que Abdias e Naum, que
são livros posteriores, posicionarem-se ao lado do livro de Miquéias, que é
anterior, já pode indicar aí um movimento intencional. Essa avaliação do livro de
Abdias faz pensar que tal obra coloca-se antes de Miquéias, e Naum após. IEssa
deve ter sido a ordem final da coleção profética.
Quase todas as citações analisadas de Naum (1,2-8.3,18-19) são do mesmo
estilo do livro de Miquéias e situam-se no texto com o mesmo objetivo: reforçar a
crença de que YHWH jamais desapontará aquele que deposita a confiança Nele.
Os indícios literários encontrados na análise intertextual do semi-acróstico de
Naum com Mq 7,8-20 são suficientemente ricos para afirmar a intertextualidade
entre eles. Mas o ponto decisivo de contato entre estes profetas fixa-se em Mq
7,14 e Na 3,18. Hipótese levantada neste estudo e confirmada através dos critérios
escolhidos para a análise intertextual. Na 3,18 apresenta um personagem novo: o
rei assírio. O juízo anunciado pelo profeta tem uma direção definida, este
personagem real, que ocupa o lugar de pastor, apesar de não exercer esta
atividade. Os verbos h[r e !kv situados juntos nos textos de Mq 7,14 e Na 3,18,
são citações únicas na BH e apresentam também correspondências cruzadas,
formando igualmente uma inclusão incomum.
239
Miquéias Naum h[r W[r>yI qal yiqtol masculino ^y[,ro particípio masculino !kv ynIk.vo particípio masculino WnK.v.yI qal yiqtol masculino
Na coleção dos Doze Profetas, não há exemplo desses dois verbos
aparecerem unidos, assim como no modo em que se apresentam
intertextualmente. Enquanto Na 3,18 narra a dispersão do povo sobre o monte,
não tendo pastor que o guie, Mq 7,14 apresenta um pedido de Sião para que
YHWH o pastoreie novamente, pois ele (o povo) se encontra sem pastor. Tal
proximidade literária e temática não se pode tratar de uma coincidência.
O ponto central desses livros assim como o de Abdias é a função de Deus
como aquele que restaura e conduz o povo de volta a terra. O povo é levado a
Jerusalém – este é o centro de atenção e convergência dos livros. Além da relação
temática e teológica entre Naum e Miquéias, este estudo verificou outra ligação
singular entre Abdias 3 e o texto de Mq 7,14. O texto de Abdias apresenta no v. 3,
o verbo !kv, no particípio qal, como em Mq 7,14 e esta forma verbal encontra
somente nestes dois textos e em Jl 4,17.21, que também foi objeto de estudo.
Entretanto o texto de Abdias relaciona-se com o texto de Miquéias em sentido
inverso, pois há um contraste entre os escritos: Mq 7,14 mostra Israel habitando
sozinho desprotegido, aguardando confiante a direção de YHWH; já Abdias
retrata a arrogância de Edom, que habita nas fendas dos rochedos supondo-se
imune a qualquer perigo.
A inversão verificada entre Mq 7,14 e Na 3,18 situa-se nos verbos morar e
pastorear. O contexto é o mesmo; já em Abdias, a inversão não se localiza nos
verbos, pois estes se encontram na mesma ação verbal, mas no contexto, que
marca a posição contrária entre Israel e Edom. Os israelitas farão de Deus o seu
apoio, e Edom apóia-se na sua força e localização.
Miquéias Abdias
!kv 7,14 r[;y: dd'b'l. ynIk.vo Ab 1,3 [l;S,-ywEg>x;b. ynIk.vo
Observa-se que os textos de Naum, Abdias possuem em comum com Mq
7,8-10 o tema da relação de YHWH com as nações inimigas de Israel. Há uma
ênfase no julgamento divino contra as nações – os profetas informam à audiência
interessada o que o Senhor fará no futuro para as partes específicas. Os textos de
Naum e Abdias clareiam Mq 7,13 – a terra que se tornará desolação num futuro
240
escatológico será a das nações inimigas. Nínive e Edom são apontadas como o
grupo específico da ira divina. Naum anuncia a destruição e ruína de Nínive e a
descreve (cf. Na 1,9-11; 2,1-12; 3,14.8-9). Nínive será exterminada e o seu jugo
sobre Sião será quebrado. Judá poderá celebrar a sua festa, sem interferência
externa. Edom encontra-se na mesma situação enfocada por Mq 7,10 – a inimiga
se cobrirá de vergonha. Também neste caso, não encontramos nos outros livros
dos Profetas Menores o uso do verbo Hsk + hv'Wb só se encontra em Ab 1,10 e Mq
7,10 e ambos retratam a humilhação dos poderosos.
Esses profetas retratam Deus como aquele que vê, pune e renova. Em Naum
e Abdias, assim como em Miquéias, um futuro é antecipado: os maus serão
castigados e removidos e há uma promessa para Sião. YHWH é o Deus que
restaura e conduz o povo de volta para a sua terra. Todos os livros apresentam o
quadro desastroso de Sião e a sua futura restauração. Um futuro que na descrição
de Miquéias requer novamente o pastoreio de Deus. Naum e Abdias apresentam o
confronto com as nações inimigas anunciando-lhes o castigo divino, mas é o livro
de Miquéias, que provoca uma resposta consciente do povo; é ele que apresenta
Israel consciente de seu pecado e rogando a Deus que o conduza novamente. E é
este justamente o elo entre os livros.
A salvação do povo passa pela reunião dos filhos dispersos e a reconstrução
da comunidade. Implica também, segundo Mq 7,17, na conversão dos pagãos que
participarão na peregrinação escatológica em direção a Sião. A vinda dessas
nações para Sião significa que elas já não se identificam com os outros deuses e
sim com o Deus de Jerusalém. Dessa forma, a celebração que ocorrerá em Sião
corresponde ao abandono aos outros deuses. O texto sublinha uma comunidade de
fé morando em paz, sancionada e segura por causa de sua correta relação com
Deus. YHWH não procura destruir seu povo, mas quer fazê-lo reintegrar-se em
seu verdadeiro papel e se tornar obediente.
Assim, a oferta de salvação não é somente para Israel, mas a todas as
nações que reconhecem e confiam no poder de Deus. É precisamente nesse
horizonte de profundidade teológica que podemos relacionar o texto de Mq 7,8-20
com o livro de Naum e o de Abdias. Transparece em todos os textos analisados
um sentido vivo da providência de Deus sobre o mundo, o qual concede a todos
isentar-se do juízo, mediante o arrependimento, como ocorreu com Israel. A
241
conversão prepara a salvação. Não há um fim na relação com Deus, esta pode ser
restaurada pelo perdão divino, em resposta ao arrependimento do povo.
A pessoa que coloca a sua confiança em Deus, não duvida da salvação final.
Miquéias apresenta Israel consciente de sua culpa, submissa ao castigo, mas ao
mesmo tempo, confiante no julgamento de YHWH. Embora o povo tenha
experimentado a escuridão, compreendeu que a escuridão não pertence a Deus.
Por isso, confiam que YHWH é luz, mesmo na experiência das trevas. Sião está
segura de que a sua queda não foi pelas mãos dos inimigos e sabe que as suas
tribulações reverterão – YHWH será a sua luz.
A promessa da restauração ressaltada em Mq 7,20, evoca as bênçãos e as
promessas feitas a Jacó e Abraão. O texto de Naum indica que o Senhor restaura a
glória de Jacó, a glória de Israel (cf. Na 2,3). Também o texto de Abdias – vv.
17.18 – aponta que a casa de Jacó será salva, e mais: Jacó será instrumento de
Deus. Todos os textos são vistos como uma seleção de fontes literárias unidas
com interesse histórico. Isaac não prometera que Jacó dominaria Esaú? Parece que
esta foi a intenção do(s) redator(es): confirmar uma fonte primeira – a
historicidade de Jacó. A bênção dada por Isaac a Jacó menciona: “maldito quem te
amaldiçoar, bendito quem te abençoar” (cf. Gn 27,29e).
Nesse aspecto, o texto se assemelha também a Mq 2,12s e 4,6 que enfoca o
resto de Israel e as bênçãos. Estes textos de Miquéias focalizam o retorno a Sião e
empregam também elementos da narrativa patriarcal. Narram as promessas de
bênçãos prometidas a Jacó e Abraão. As bênçãos são certas e as promessas serão
cumpridas porque é Deus mesmo, o que guarda a aliança, quem restaurará Sião. A
memória dos patriarcas, principalmente a sua confiança filial, conservou viva a fé
em Israel.
Fica então demonstrado que a composição final dos Doze é intencional e
integradora. Contudo, isso não diminui a necessidade de honrar os testemunhos
individuais, nem da atenção para o contexto histórico dos livros. Essa
intencionalidade literária pode ter influenciado a ordem dos Doze como mostrou
Nogalski, mas não representam sinais de uma redação unificada. Pode-se concluir
que um redator desejou que o leitor lesse Naum e Abdias à luz de Mq 7,8-20 e
com certeza, ele escolheu um modo eficiente de fazê-lo.
Ao longo deste estudo, sublinhamos importantes sinais hermenêuticos, que
devem ser estudados e avaliados na proporcionalidade e significância. A
242
justaposição dos textos não é uma matéria de uma habilidosa combinação de
temas afins ou “catchwords”, ou de um ordenamento de hiatos históricos. O
coração da leitura canônica, a saber, as palavras de Deus a Israel continuam ainda
a exercer nos leitores de novas gerações a mesma força profética daquele tempo
específico, e é esse o movimento que exerce a palavra através do tempo.
Constatamos que é possível e mesmo provável que a presença de uma
linguagem distintiva também sirva de propósito para caracterizar e individualizar
o profeta para quem o livro é atribuído. Verificam-se as várias ligações entre os
livros e, ao mesmo tempo, constata-se que os mesmos podem ser lidos e escutados
um sem o outro. As relações podem ser explicadas primeiro no seu próprio
contexto, depois, no contexto maior que interpreta a relação entre eles.
A análise intertextual possibilitou evidenciar a complementaridade entre os
livros, não só do ponto de vista literário, mas também histórico, sugerindo haver
uma conexão teológica entre eles: Miquéias anuncia a expectativa de que em um
tempo futuro todos afluirão para YHWH. Esse encontro não é esperado para
breve, mas encontra ressaltado nos textos para “dias futuros”. “Dias esses” que o
Senhor conduzirá o “seu rebanho” para um lugar seguro, e todas as nações serão
reunidas por Ele. Daí ser Mq 7,14 o eixo de toda a análise. Deus é Aquele que
perdoa a iniqüidade, passa por cima das transgressões, e que agora, pastoreia
sobre o resto do seu rebanho, isto é, aqueles que andam corretamente com Ele.
Confirma-se a hipótese de que as profecias de Miquéias representam no
conjunto dos Doze uma temática proeminente. Esses livros proféticos nos
ensinam a ver a presença ativa de Deus na história dos povos, a esperar confiante
no futuro porque este é o único modo para compreender e viver em profundidade
o presente.
Parece que os seguidores dos profetas, ao complementar as mensagens
proféticas, querem assegurar a fidelidade na sua transmissão, sem desviar da
mensagem do profeta. Oferecem uma nova visão à luz da situação, em que vivem,
confiantes de que estão agindo no espírito de seu antecessor. Assim, o uso da
predição de Naum e Abdias a respeito dos escritos do livro de Miquéias sobre o
castigo das nações inimigas oferece um exemplo específico dessa prática.
243
Resultado e contribuição da pesquisa
O texto de Mq 7,8-20 apresenta-se como um excelente exemplo de uma
interpretação interbiblica. A contribuição deste estudo é a possibilidade de uma
leitura diferente e importante para a hermenêutica bíblica.
A mensagem de Miquéias não se ouve nem se recebe sem que ocorra
alguma transformação.
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Anexos
Os livros de Miquéias, Joel, Naum, Abdias e Jonas nos manuscritos do Livro dos Doze
Seqüência do TM Seqüência da LXX 4QXIIa
Oséias Oséias Oséias
Joel Amós Amós
Amós Miquéias Miquéias
Abdias Joel Joel
Jonas Abdias Abdias
Miquéias Jonas Naum
Naum Naum Habacuc
Habacuc Habacuc Sofonias
Sofonias Sofonias Ageu
Ageu Ageu Zacarias
Zacarias Zacarias Malaquias
Malaquias Malaquias Jonas
Tabela 1 – Os livros de Miquéias, Joel, Naum, Abdias e Jonas nos manuscritos do Livro dos Doze.
Desenvolvimento do Livro dos Doze de acordo com as evidências dos manuscritos
Livro dos IX Livro dos
XI
4QXIIa LXX XII TM XII
1. Oséias Oséias Oséias Oséias Oséias
2. Amós Amós Amós Amós JOEL
3. Miquéias Miquéias Miquéias Miquéias Amós
4. Naum Joel Joel Joel ABDIAS
5. Habacuc Abdias Abdias Abdias JONAS
6. Sofonias Naum Naum JONAS Miquéias
7. Ageu Habacuc Habacuc Naum Naum
8. Zacarias Sofonias Sofonias Habacuc Habacuc
9. Malaquias Ageu Ageu Sofonias Sofonia
s
10. Zacarias Zacarias Ageu Ageu
11. Malaquias Malaquias Zacarias Zacarias
12. Jonas Malaquias Malaqui
as
Tabela 2 - Desenvolvimento do livro dos Doze de acordo com as evidências dos manuscritos * Os livros que ocorrem em itálico representam reconstruções que não foram preservadas na extensão dos manuscritos; os que estão sublinhados são vistos como inseridos na coleção da coluna anterior; os que estão com letras maiúsculas são aqueles que foram trocados de posição, listados na coluna anterior.
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