machado, paulo cesar. segurança da navegação em hidrovias
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PAULO CESAR MACHADO
SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO EM HIDROVIAS:
fator fundamental para o desenvolvimento da Região Amazônica
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Economista Rui Fibiger.
Rio de Janeiro 2014
C2014 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Cesar Machado, Paulo. Segurança da Navegação em Hidrovias: Fator fundamental para o
desenvolvimento da região Amazônica / Paulo Cesar Machado - Rio de Janeiro: ESG, 2014.
50 f.: il.
Orientador: Economista Rui Fibiger. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2014.
1. Segurança da Navegação. 2. Hidrovias. 3. Região Amazônica.
I.Título.
Aos meus pais, que foram os principais
responsáveis por minha formação e
educação.
Às minhas amadas Soraya e Cecília, sou
grato pela compreensão nos meus
momentos de ausências e omissões, em
dedicação às atividades da ESG, em
especial aqueles que me permitiram a
atenção à elaboração deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Aos meus professores de todas as épocas por terem sido responsáveis por
parte considerável da minha formação e do meu aprendizado.
Aos estagiários da Turma “ESG: 65 pensando o Brasil” do CAEPE, pelo
convívio harmonioso de todas as horas.
Ao Corpo Permanente da ESG pelos ensinamentos e orientações que me
fizeram refletir, cada vez mais, sobre a importância de se estudar o Brasil com a
responsabilidade implícita de ter que melhorar.
RESUMO
Esta monografia aborda a Segurança da Navegação em Hidrovias como fator
fundamental para o desenvolvimento da região Amazônica e, por conseguinte, do
país. O objetivo geral deste trabalho é analisar a Segurança da Navegação, em
todos os aspectos e atores envolvidos, especialmente na Amazônia. A partir do
estudo e da comparação com hidrovias que compõem o modal de países
desenvolvidos, serão sugeridas ações e diretrizes que permitam melhorias em
relação ao modelo atual, que se encontra deficiente. Inicialmente, será apresentado
o conceito de hidrovia e um quadro demonstrativo das principais, por onde são feitos
o transporte de cargas e pessoas a partir de, e para a região. Em seguida, serão
apresentados dados atualizados sobre o transporte hidroviário, os custos envolvidos,
dados comparativos em relação a outros modais, tipos de embarcações que
trafegam na região e a situação da construção naval fluvial. Na seqüência, serão
apresentados os atores envolvidos na manutenção, regulação e fiscalização do
referido modal, tanto na estrutura das hidrovias, como nas embarcações e suas
tripulações, além de entidades diretamente interessadas no assunto, como
sindicatos e federações. Serão apresentadas as principais hidrovias dos EUA e
Europa, suas características e seus modelos bem sucedidos de administração. Por
fim, a partir de uma análise comparativa com estes modelos, serão sugeridas ações
e diretrizes para melhorias em relação à situação atual das hidrovias da região
Amazônica, que permita o seu desenvolvimento, considerando a sua elevada
importância estratégica para o Brasil.
Palavras chave: Hidrovias. Segurança da Navegação fluvial. Região Amazônica.
Construção naval. Modal hidroviário.
ABSTRACT
This monograph discusses the Safety of Navigation Waterways as fundamental
factor to the development of the Amazon region and therefore the country. The
general objective of this work is to analyze the Safety of Navigation in all aspects and
actors involved, especially in the Amazon. From the study and comparison with
waterways that make up the modal developed countries, actions and guidelines that
allow improvements over the current model, which is deficient, will be suggested.
Initially, it will be presented the concept of waterway and statement of the main
frame, which are made for transporting people and cargo from and to the region.
Then updated on waterborne transport costs involved, comparative data in relation to
other modes, types of boats that travel in the region and the situation of the
shipbuilding fluvial data will be presented. Next, the actors involved are presented in
the maintenance, regulation and inspection of the modal stated, both the structure of
the waterways, such as the vessels and their crews, and entities directly interested in
the subject, such as unions and federations. The major waterways of the U.S. and
Europe, their characteristics and their successful management models, will be
presented. Finally, from a comparative analysis with these models, actions and
guidelines for improvements over the current state of the waterways of the Amazon
region, enabling their development, will be suggested, considering its high strategic
importance to Brazil.
Keywords: Waterways. Fluvial Navigation Safety. Amazon Region. Naval
construction. Waterways modal.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Regiões Hidrográficas do Brasil .......................................................17 FIGURA 2 Hidrovias da Região Hidrográfica Amazônica ..................................18 GRÁFICO 1 Densidade do Transporte Hidroviário ...............................................46 GRÁFICO 2 Investimentos da União em transporte por modal ............................60
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Participação relativa dos diferentes modais no sistema de transporte dos países ................................................................................................ 47
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
AG Agência da Capitania dos Portos/ Capitania Fluvial
AHIMOC Administração das Hidrovias da Amazônia Ocidental
AHIMOR Administração das Hidrovias da Amazônia Oriental
AM Autoridade Marítima
ANA Agência Nacional de Águas
ANTAQ Agência Nacional de Transportes Aquaviários
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CFAOC Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental
CFS Capitania Fluvial de Santarém
CFT Capitania Fluvial de Tabatinga
CIABA Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar
CNRH Conselho Nacional de Recursos Hídricos
CNT Confederação Nacional do Transporte
CPAOR Capitania dos Portos da Amazônia Oriental
CPAP Capitania dos Portos do Amapá
CTFFAO Centro Técnico de Fluviários da Amazônia Ocidental
DGN Diretoria Geral de Navegação
DHN Diretoria de Hidrografia e Navegação
DL Delegacia da Capitania dos Portos/ Capitania Fluvial
DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
DPC Diretoria de Portos e Costas
END Estratégia Nacional de Defesa
FENAVEGA Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária
FMM Fundo da Marinha Mercante
GLP Gás liquefeito de petróleo
Km quilômetro
LBDN Livro Branco de Defesa Nacional
LC Lei Complementar
LESTA Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário
MB Marinha do Brasil
MD Ministério da Defesa
NORMAM Norma da Autoridade Marítima
OM Organização Militar
PACBA Plano de Atualização Cartográfica para a Bacia Amazônica
PAED Plano de Articulação e Equipamento de Defesa
PAEMB Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil
PND Política Nacional de Defesa
REMAN Refinaria de Manaus
RLESTA Regulamento de Segurança do Tráfego Aquaviário
SEP/PR Secretaria de Portos da Presidência da República
SSN-4 Serviço de Sinalização Náutica do Norte
SSN-9 Serviço de Sinalização Náutica do Noroeste
SSTA Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário
TKU Tonelada transportada por quilômetro útil
UEA Universidade do Estado do Amazonas
UFAM Universidade Federal do Amazonas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13
2 HIDROVIAS ................................................................................................. 16
2.1 CONCEITUAÇÃO ......................................................................................... 16
2.2 RIOS NAVEGÁVEIS DA REGIÃO AMAZÔNICA .......................................... 16
2.3 PRINCIPAIS HIDROVIAS DA REGIÃO AMAZÔNICA .................................. 18
3 DADOS ACERCA DO TRANSPORTE DE PESSOAS E CARGAS NA
REGIÃO AMAZÔNICA. ................................................................................ 19
3.1 PESSOAS E CARGAS TRANSPORTADAS PELOS RIOS DA AMAZÔNIA 18
3.2 COMPARAÇÃO ENTRE OS MODAIS DE TRANSPORTES ........................ 19
3.3 DADOS SOBRE EMBARCAÇÕES QUE TRAFEGAM NA REGIÃO
AMAZÔNICA ................................................................................................ 23
3.4 CONSTRUÇÃO NAVAL NA AMAZÔNIA ...................................................... 26
4 ATUAÇÃO DOS ATORES ENVOLVIDOS. .................................................. 29
4.1 MARINHA DO BRASIL ................................................................................. 29
4.1.1 Segurança do Tráfego Aquaviário (STA) .................................................. 29
4.1.2 Hidrografia e Navegação ............................................................................ 33
4.2 DNIT ............................................................................................................. 35
4.3 ANTAQ ......................................................................................................... 37
4.4 ANA .............................................................................................................. 38
4.5 SINDICATOS E FENAVEGA ........................................................................ 40
5 NAVEGABILIDADE E SEGURANÇA DAS HIDROVIAS DA AMAZÔNIA. . 42
6 HIDROVIAS DE PAÍSES DESENVOLVIDOS. ............................................. 46
7 POSSÍVEIS MELHORIAS E SOLUÇÕES. ................................................... 51
7.1 ESTRUTURA E NAVEGABILIDADE DAS HIDROVIAS ............................... 51
7.2 CONSTRUÇÃO NAVAL ............................................................................... 54
7.3 SEGURANÇA DE EMBARCAÇÕES ............................................................ 56
7.4 ATORES ENVOLVIDOS ............................................................................... 57
7.5 INVESTIMENTOS ........................................................................................ 59
8 CONCLUSÃO............................................................................................... 61
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 63
ANEXO A – EMBARCAÇÕES QUE NAVEGAM NA AMAZÔNIA............... 66
ANEXO B – ATORES QUE ATUAM EM VIAS NAVEGÁVEIS .................... 68
13
1 INTRODUÇÃO
Na Amazônia existe um dito bastante popular: “aqui, os rios são as
estradas”. Os rios são as veias e artérias por onde escoa tudo o que é essencial
para a vida de seus habitantes. A floresta é intransponível. As populações são
altamente dependentes daquelas vias de acesso. Sem elas, seria impossível
transportar os meios necessários para manter as condições de vida dos ribeirinhos
em suas comunidades e nas pequenas e médias cidades do interior.
Grande parte dos municípios e comunidades da Amazônia brasileira são
verdadeiras “ilhas”. As malhas rodoviárias e ferroviárias praticamente inexistem. É
escassa a ligação por meio desses modais entre os municípios e entre eles e o resto
do país. O modal aeroviário também é bastante limitado. Não somente pelas
características deste meio de transporte, mas também pela precária infraestrutura
aeroportuária na região. Somente as principais cidades possuem instalações
aeroportuárias ou, minimamente, pistas de pouso adequadas. As próprias
características físicas e geográficas dificultam o incremento desses modais, pela
existência de floresta densa e fechada na maior parte da região. No entanto, a
quantidade de rios navegáveis é muito extensa e cobre grande parte da Amazônia.
Assim, estima-se que cerca de 80% do transporte de pessoas e cargas na região
seja feito por meio do modal hidroviário (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO
TRANSPORTE, 2013, p. 53). Desta forma, consideramos que a segurança da
navegação é um fator imprescindível para o desenvolvimento amazônico e, por
conseguinte do país, haja vista sua relevância estratégica.
Entretanto, apesar de fartamente cortada por essas vias naturais, rios
navegáveis de grandes extensões, os problemas são muitos. Não existem estruturas
que poderiam aumentar bastante a segurança da navegação, transformando essas
vias naturais em hidrovias seguras e modernas. Obras como balizamento e
dragagem, além dos serviços hidrográficos necessários, foram realizadas de forma
precária. Os investimentos do Governo Federal são escassos. As embarcações que
trafegam por essas vias são, em sua maioria, inseguras e construídas de forma
artesanal, e muitas delas utilizam tripulantes sem qualificação ou experiência
necessária.
Além disso, em pesquisa preliminar sobre custos de transporte, é fácil
verificar que, na comparação entre os diversos modais, o custo do transporte
14
hidroviário da tonelada por quilômetro é significativamente inferior aos demais, da
ordem de 56% do custo do modal ferroviário e de 16% do custo do modal rodoviário
(AFONSO, 2006, p. 89). Além disso, o modal hidroviário possui uma capacidade de
transporte bastante superior se comparado aos demais. Como exemplo, podemos
verificar que um comboio de empurrador com 20 balsas, típico da região amazônica,
é capaz de transportar uma quantidade de carga equivalente ao que é transportado
por 1.000 caminhões. Estes fatos, por si só, representam uma vantagem logística
incomparável.
O atual estágio de precariedade da segurança da navegação na Amazônia é
fruto de um longo período de desatenção e falta de investimentos do Governo
Federal neste setor, especialmente nessa região, fato que vem prejudicando seu
desenvolvimento.
Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a
Segurança da Navegação, em todos os aspectos envolvidos, nas hidrovias da
Amazônia. De forma mais específica, iremos analisar os principais rios navegáveis
que ligam as cidades e localidades do interior da Amazônia e entre as mesmas e as
demais regiões do país; a situação atual destas vias em termos de segurança da
navegação; a formação de pessoal da categoria de fluviários; a comparação entre os
custos envolvidos dos diversos modais; os tipos e situação quanto à segurança das
embarcações e comboios regionais que navegam por essas vias; a atuação dos
diversos atores envolvidos, Marinha do Brasil e Órgãos Governamentais ligados ao
Ministério dos Transportes; e, por fim, as principais hidrovias em outros países
(modelos), estabelecendo um paralelo em relação ao Brasil. A análise desses dados
e a comparação com a estrutura de hidrovias de alto nível em outros países
permitirá levantar dados e sugestões para a melhoria da segurança da navegação.
A discussão dar-se-á no plano da análise comparativa entre as
características das hidrovias da região amazônica e dos países desenvolvidos, como
modelos do padrão desejado em termos de segurança. Dentro dessa ótica, não é
possível apontar um marco teórico bem definido sobre o assunto a ser analisado,
haja vista que as pesquisas preliminares indicam livros e sites da internet que não
estabelecem um padrão, mas apenas expõem a situação atual, legislações
aplicáveis e sugerem diretrizes para elevação do padrão de segurança. No entanto,
com a finalidade de utilizar a metodologia, utilizaremos as legislações existentes
sobre o assunto como marco teórico.
15
Será realizada pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo sobre as questões
delimitadas nos objetivos específicos, com foco no objetivo principal acima
apresentado. Serão analisados todos os subsídios disponíveis sobre o assunto, com
a finalidade de montar um quadro claro sobre a situação atual, que nos permita
realizar uma análise comparativa com hidrovias de países desenvolvidos, que
alcançaram o “estado da arte”. Por fim, esta análise levará a conclusões sobre as
possíveis ações para a melhoria da qualidade das hidrovias da região amazônica.
16
2 AS HIDROVIAS
2.1 CONCEITUAÇÃO
A água é um recurso natural que sempre foi fundamental à vida humana,
desde os primórdios de sua existência. Além de ser essencial à própria
sobrevivência do homem, a água é um elemento básico e fator impulsionador de
diversas atividades, entre elas a econômica, como, por exemplo, a geração de
energia e o transporte.
Tal a importância do uso deste recurso natural, que existe uma legislação
específica para este fim, a Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a
“Política Nacional de Recursos Hídricos”, e cria o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos”, entre outras providências. Esta lei será
analisada de forma mais minuciosa em outro capítulo deste trabalho.
Uma das principais vias de transporte são os rios, que são “fluxos naturais
de água, que se deslocam sob influência da gravidade, passando por pontos
sucessivamente mais baixos” (COSTA, 2001, p. 16).
Quando este fluxo de água possui um determinado trecho navegável é
designado como uma hidrovia. No caso do estudo em questão, as da região
amazônica são consideradas hidrovias interiores, por estarem localizadas em águas
interiores, ao contrário daquelas localizadas em mar aberto ou, simplesmente, nos
oceanos. Do ponto de vista econômico e comercial, a hidrovia não é vista apenas
como uma via de navegação. Ela é classificada de acordo com sua capacidade de
transporte de carga, ou seja, qual infraestrutura possui, natural ou colocada pela
ação humana, que propicie as melhores condições de navegação com segurança
para embarcações e comboios, de maior porte possível e, consequentemente, da
maior quantidade de carga.
2.2 RIOS NAVEGÁVEIS DA REGIÃO AMAZÔNICA
A região hidrográfica amazônica possui uma vasta quantidade de vias
naturais navegáveis, que formam a maior rede hidroviária do Brasil e do mundo. É
constituída pela bacia do rio Amazonas, situada no território nacional, e pelas bacias
dos rios existentes na ilha de Marajó, além das bacias hidrográficas dos rios situados
17
no Estado do Amapá que deságuam no Atlântico Norte, totalizando 18.300 km de
extensão de vias navegáveis e 724 km de vias potencialmente navegáveis
(Confederação Nacional do Transporte – CNT, 2013, p. 50), o que representa cerca
de 60% da rede hidroviária nacional (Agência Nacional de Águas – ANA, 2005, p.
23). Em termos de extensão e de disponibilidade de água, a região hidrográfica
Amazônica possui a maior área territorial, 45,3% do território nacional (3,9 milhões
de km2), e abrange áreas dos Estados do Acre (3,4%), Amapá (3,2%), Amazonas
(35,0%), Mato Grosso (20,2%), Pará (27,9%), Rondônia (5,3%) e Roraima (5,0%).
A Figura 1 mostra a divisão formal das regiões hidrográficas do Brasil, de acordo
com Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)
Os principais rios que formam esta bacia hidrográfica são: rio Amazonas, rio
Solimões, rio Madeira, rio Mamoré, rio Guaporé, rio Negro, rio Branco, rio Purus, rio
Acre, rio Juruá, rio Tarauacá, rio Envira, rio Japurá, rio Javari, rio Içá, rio Tapajós, rio
Trombetas, rio Jari, rio Marajó, e rio Xingu. Não foram citados outros rios navegáveis
de menor porte.
Figura 1 – Regiões Hidrográficas do Brasil
Fonte: Resolução CNRH no 32, de 15 de outubro de 2003
18
2.3 PRINCIPAIS HIDROVIAS DA REGIÃO AMAZÔNICA
Devido à extensão da Bacia Amazônica, costuma-se dividi-la em sub-bacias
(COSTA, 2001, p. 58). Assim, podemos citar a seguinte rede hidroviária principal,
efetivamente considerada pelo Ministério dos Transportes, qual seja: sub-bacia
principal, formada pelos rios Amazonas e Solimões; sub-bacia do Negro, formada
pelos rios Negro e Branco; sub-bacia do Madeira, formada pelos rios Madeira,
Mamoré e Guaporé; sub-bacia do Juruá, formada pelos rios Juruá e Tarauacá; sub-
bacia do Purus, formada pelos rios Purus e Acre; sub-bacia do rio Trombetas; sub-
bacia do rio Tapajós, que futuramente formará uma hidrovia junto com o rio Teles
Pires; e sub-bacia do rio Xingu.
A figura 2 mostra a situação das hidrovias da região amazônica.
Figura 2 - Hidrovias da Região Hidrográfica Amazônica
Fonte: Agência Nacional de Águas (ANA)
19
3 DADOS ACERCA DO TRANSPORTE DE PESSOAS E CARGAS NA
REGIÃO AMAZÔNICA
3.1 PESSOAS E CARGAS TRANSPORTADAS PELOS RIOS DA AMAZÔNIA
Nos anos de 2011 e 2012, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(ANTAQ), entidade vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República
(SEP/PR), coletou dados acerca do transporte de passageiros na região da
Amazônia, que resultou em um estudo, lançado em 2013. Além de trazer diversos
dados que formam uma importante radiografia sobre esta atividade na região, o
estudo realizou uma análise qualitativa sobre a precariedade no atendimento dos
diversos terminais de passageiros.
Com a finalidade de caracterizar a grandeza dos números envolvidos na
citada atividade e desta forma, deixar patente a enorme dependência em relação a
este modal de transporte, apresentamos a seguir alguns dados apresentados no
estudo:
- quantidade de linhas de transporte de passageiros: 317 (foram
considerados os Estados do Amazonas, Pará, Amapá e Rondônia – linhas
estaduais, interestaduais e de travessia)
- quantidade total de embarcações: 602
- quantidade de terminais analisados: 106
- quantidade de passageiros transportados/ano: 8.894.208
- quantidade de passageiros/ano projetada para 2022: 9.948.715
A seguir, apresentaremos os tipos de cargas transportadas por hidrovia.
Na categoria de carga geral, citamos os seguintes produtos: alimentos,
bovinos e outros animais vivos, carnes bovina, de aves e suína, derivados de ferro,
madeiras, materiais elétricos, produtos cerâmicos, equipamentos, laminados planos,
longos e tubos de aço, têxteis e calçados. Na categoria de granéis sólidos, citamos
os seguintes produtos: adubos, carvão mineral, cimento, minerais metálicos não
ferrosos, minerais não metálicos, minério de ferro, produtos químicos inorgânicos, e
sal. Na categoria de granéis sólidos agrícolas, citamos os seguintes produtos:
açúcar, arroz, café em grão, cana-de-açúcar, milho em grão, soja em grão, trigo em
grão e outros cereais.
20
Nos rios Amazonas, Solimões, Negro, Branco, e Xingu, os granéis sólidos
são o principal produto transportado, seguido de carga geral e de granéis sólidos
agrícolas. O rio Solimões é muito utilizado para o transporte de petróleo e seus
derivados, advindos do campo de “Urucu”. Esse petróleo é transportado por meio de
um oleoduto, do campo de produção, até a cidade de Coari e, em seguida, é
escoado por navios petroleiros até a cidade de Manaus. Nos rios Negro e Branco
podemos citar os derivados de petróleo, carga geral e gás (botijão), essenciais para
o abastecimento da população ribeirinha. No rio Xingu, as principais cargas
transportadas são combustíveis e carga geral.
No rio Tapajós são transportados, principalmente, granéis sólidos, seguido
de granéis sólidos agrícolas e, em menor escala, de carga geral. A hidrovia Tapajós
– Teles Pires, após sua implantação total, deverá se tornar a melhor rota para o
escoamento de grãos do centro-norte do estado de Mato Grosso.
O rio Madeira, atualmente, é a principal hidrovia da Administração das
Hidrovias da Amazônia Ocidental (AHIMOC), entidade que será abordada com maior
detalhe no próximo capítulo, sendo uma importante via de escoamento de cargas da
região Centro-Oeste, principalmente de grãos como a soja e o milho, integrando a
região aos grandes portos ao longo do rio Amazonas de onde essas cargas são
exportadas por meio de navegação de longo curso. Além disso, é uma importante
via de escoamento de carga geral, como meio de ligação com o modal rodoviário, na
cidade de Porto Velho (RO), de onde é transportada para o resto do país. Também,
é uma via de transporte de etanol, da Região Centro-Oeste, para abastecimento da
Região Norte.
O rio Trombetas, além do escoamento de cargas gerais, é uma importante
via de transporte da produção de bauxita do estado do Pará.
Além disso, pelos rios acima citados são transportados derivados de
petróleo, especialmente diesel, para abastecimento de pequenas usinas
termoelétricas e geradores da região.
Os rios Purus, Juruá e Guaporé são utilizados principalmente para o
transporte local de passageiros e de pequenas cargas, além de óleo diesel, como
acima citado.
21
3.2 COMPARAÇÃO ENTRE OS MODAIS DE TRANSPORTE
Diversos estudos sobre modais de transporte têm demonstrado, de forma
clara e contundente, que o modal hidroviário possui grandes vantagens, em vários
aspectos sobre os modais rodoviário, ferroviário e aeroviário.
Nesta etapa, procuraremos demonstrar esta vantagem, por meio dos
seguintes dados comparativos em relação a outros modais (AFONSO, 2006):
a) Custo de transporte: o modal hidroviário de transporte de cargas
possibilita uma redução de custos de 44% em relação ao ferroviário e de 84% em
relação ao rodoviário, considerando tonelada por quilômetro transportado;
b) Capacidade de transporte: para realizar o transporte de 1.000
toneladas de carga, é necessário o uso de um comboio formado por um (1)
empurrador e uma (1) balsa; ou de uma (1) locomotiva e cinqüenta (50) vagões; ou
de cinqüenta (50) caminhões;
c) Vida útil dos meios: a vida útil média de uma embarcação é de 50
anos; de um trem é de 30 anos; e de um caminhão é de 10 anos;
d) Distância percorrida por quilômetro: para realizar o transporte de uma
(1) tonelada, com um (1) litro de combustível, uma embarcação percorre, em média,
219 km; um trem percorre 86 km; e um caminhão percorre 25 km;
e) Investimentos para transporte: para realizar o transporte de mil (1.000)
toneladas de carga, são necessários os seguintes investimentos (em milhões de
dólares americanos); 0,46 pelo modal hidroviário; 1,55 pelo modal ferroviário; e 1,86
pelo modal rodoviário;
f) Meio ambiente: no modal hidroviário são emitidos 254 gramas (g) de
monóxido de carbono a cada mil (1.000) TKU (tonelada útil transportada ou tonelada
transportada por quilômetro útil); no modal ferroviário 831 gramas; e no modal
rodoviário 4.617 gramas (ANTAQ, Panorama Aquaviário, 2008, p. 8).
Desta forma, está evidente que o modal hidroviário tem grandes vantagens
em relação aos demais, não somente em relação ao seu custo, da capacidade de
transporte de carga por tonelada, da vida útil dos meios que compõem cada modal,
do gasto de combustível, da necessidade de investimentos, mas, também, pelo
menor dano que infringe ao meio ambiente, por emitir uma quantidade bastante
menor de monóxido de carbono. O modal aeroviário não foi considerado pelas
grandes restrições que possui, especialmente em relação à capacidade de
22
transporte de carga e dos altos custos envolvidos. Entretanto, este tipo de modal
pode ser necessário para transporte de alguns tipos de cargas específicas, em
virtude de sua rapidez.
Porque então o modal hidroviário não recebe do governo federal os
investimentos e a atenção devida?
De acordo com relatório divulgado pela Confederação Nacional do
Transporte (CNT), em novembro de 2013, somente 50% das vias navegáveis do
Brasil são utilizadas para transporte. Os investimentos em infraestrutura hidroviária
apresentam-se abaixo das necessidades do setor. Entre o início de 2002 e junho de
2013, o valor de investimentos autorizados pelo governo federal no setor foi de R$
5,24 bilhões, mas somente R$ 2,42 foram efetivamente aplicados. O levantamento
aponta que são necessários investimentos de cerca de R$ 50,2 bilhões em
melhorias na infraestrutura das hidrovias no País, o que inclui abertura de canais,
aumento de profundidade, ampliação e construção de terminais hidroviários,
construção de eclusas1, dragagem2 e derrocamento3 em canais de navegação e
portos.
De acordo com Lino, Carrasco e Costa (2008, p. 21), a rede de hidrovias
brasileira é, atualmente, constituída de 29.000 km de rios naturalmente navegáveis,
dos quais apenas 8.500 km encontram-se em uso comercial regular. Destes, 5.700
km estão na região da Amazônia. Este quadro poderia ser alterado com
investimentos em obras adequadas, aumentando a extensão da rede hidroviária
nacional para 44.000 km.
Essa falta de investimentos se reflete diretamente no crescimento deste
modal no Brasil. Prova disso são os números divulgados pela ANTAQ, em seu
estudo sobre os indicadores do transporte de cargas nas hidrovias brasileiras
(AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS, 2013, p. 8), que mostra
uma considerável redução no crescimento do modal hidroviário, em relação a outros
modais. Se no ano de 2011 o transporte em vias de navegação interior cresceu 5%,
no ano de 2012 o crescimento foi de apenas 1,28%. Para efeito de comparação,
1 Eclusa é uma obra de engenharia hidráulica que permite que embarcações subam ou desçam os
rios ou mares em locais onde há desníveis (barragem, quedas de água ou corredeiras). 2 Dragagem é o serviço de desassoreamento, alargamento, desobstrução, remoção, derrocamento ou
escavação de material do fundo de rios, lagoas, mares, baías e canais de acesso a portos. O principal objetivo é realizar a manutenção ou aumentar a profundidade. 3 Derrocamento consiste em um processo de retirada ou destruição de pedras ou rochas submersas,
que impedem a plena navegação
23
podemos citar que, no mesmo período, o modal ferroviário cresceu cerca de 8%.
3.3 DADOS SOBRE EMBARCAÇÕES QUE TRAFEGAM NA REGIÃO
AMAZÔNICA
São inúmeros os tipos de embarcações que trafegam nas hidrovias da
Amazônia. Não apenas na diversidade de porte, categoria, tipos de carga e material
da qual são construídas, mas também na grandiosidade dos números, proporcionais
à imensidão de seus rios. Não existem estudos que coloquem a quantidade
estimada de embarcações navegando na região. Pela experiência pessoal deste
autor, podemos considerar que existem cerca de 60.000 embarcações inscritas nas
Capitanias dos Portos e suas Delegacias e Agências subordinadas, nas jurisdições
da Amazônia Ocidental e Oriental, e mais que o dobro desta quantidade, ou seja,
120.000 efetivamente em operação.
Dentro dessa quantidade, podemos apresentar os seguintes tipos de
embarcações que navegam na região amazônica. O anexo A apresenta fotografias
de algumas destas embarcações:
a) Navios Mercantes:
- Transportadores de contêiner – possuem limitação de tamanho e calado4
em virtude das características da navegação fluvial. Transportam carga geral que
abastece a região, principalmente a cidade de Manaus e imediações;
- Gaseiros – construídos especialmente para o transporte de GLP (gás
liquefeito de petróleo). Realizam escoamento da produção do campo de “Urucu”, da
Petrobras, localizado na bacia do rio Solimões, na região do município de Coari/AM,
para a Refinaria de Manaus (REMAN);
- Graneleiros – podem transportar granéis sólidos ou líquidos. No caso dos
granéis sólidos, realizam o escoamento da produção de grãos, especialmente da
soja, produzida no norte do estado do Mato Grosso, a partir dos terminais existentes
na cidade de Itacoatiara/AM. O escoamento é iniciado pelo modal rodoviário até a
cidade de Porto Velho/RO, e a partir deste ponto, por meio de comboios de
empurradores e balsas, que serão descritos adiante, em navegação no rio Madeira,
4 Distância vertical medida entre a linha d’água de uma embarcação até a face inferior de sua quilha.
Na prática, influencia diretamente na mínima profundidade necessária, em uma hidrovia, que possibilite a navegação de uma determinada embarcação.
24
até a cidade de Itacoatiara, onde são embarcados em navios graneleiros. No caso
do transporte de granéis líquidos, realizam o escoamento da produção petrolífera do
campo de “Urucu” até a REMAN. Também, realizam o transporte dos derivados de
petróleo, a partir da referida refinaria, para outros estados e para o exterior;
b) Comboios regionais - são as embarcações típicas de transporte nas
hidrovias anteriores. São constituídos de um ou mais empurradores5, que conduzem
um conjunto de uma ou mais balsas, que navegam amarradas umas às outras. Na
Amazônia são conhecidos como “Rol-on-Rol-off caboclo” ou, simplesmente, “Ro-ro
caboclo”. Segundo Nogueira (1999, p. 81, apud MEDEIROS, 2012, p. 30), este tipo
de embarcação foi criado como uma alternativa ao transporte rodo fluvial, como
adaptação ao modelo internacional “rol-on-rol-off”:
A alternativa rodo fluvial começa a ganhar dimensão a partir da década de 80. A adaptação do modelo internacional de roll-on roll-off, transporte de containeres em navios, carga unitizada, sem a necessidade de grande número de carregadores, como exige a carga solta, para a Amazônia com o nome de ro-ro caboclo constitui-se em colocar caminhões e carretas sobre um comboio de balsas impulsionadas por um barco potente, denominado empurrador. Como no início da exploração dessa modalidade de transportar, as balsas apresentavam dimensões reduzidas (aproximadamente 300 t, pois atendiam a outras necessidades), comportando em média 12 carretas, era comum ver navegar comboios de até 3 balsas articuladas. A evolução deste sistema, engrenado com produção industrial e o abastecimento crescente de Manaus, conduziu a uma constante procura da melhoria dos serviços prestados aos clientes, principalmente à indústria, que se traduz na redução do tempo de percurso entre Manaus e Belém ou Porto Velho. Pode-se dizer, também, que foi o melhor período para os estaleiros locais.
- Comboios de carga geral – são compostos por empurrador e uma ou mais
balsas, que transportam a carga geral sobre o convés. Esta carga pode estar
acondicionada no interior de carretas que são distribuídas sobre o convés, ou pode
ser acondicionada diretamente sobre os conveses das balsas;
- Comboios de transporte de granéis líquidos – compostos por empurrador e
uma ou mais balsas, que transportam a carga líquida no interior da mesma.
Normalmente, são transportados derivados de petróleo ou etanol. As balsas
utilizadas nesses comboios devem possuir acessórios e equipamentos especiais de
segurança, de acordo com Norma da Autoridade Marítima (NORMAM) específica,
por se tratar de carga perigosa; 5 Pequena embarcação ou navio de grande robustez e alta potência, dispondo de uma proa de forma
e construção especiais, destinado a empurrar uma Barcaça ou conjunto de Barcaças, que formam um comboio.
25
- Comboios de transporte de granéis sólidos - compostos por empurrador e
uma ou mais balsas, que transportam carga graneleira sólida no interior da mesma.
Normalmente, são transportados grãos de soja ou milho ou de minério;
c) Embarcações de passageiros:
- Embarcações regionais de transporte de passageiros – são os barcos
típicos de transporte de passageiros da região amazônica. Também conhecidos
como “gaiolas”, muitas vezes são construídos de forma artesanal, sem projeto ou
acompanhamento de engenheiro naval. Os passageiros são transportados em redes
ou em camarotes, normalmente com pouco conforto. São construídas em casco e
estrutura de madeira. As mais novas geralmente são construídas utilizando aço
naval. São embarcações que oferecem pouca segurança, pois são projetadas sem
estanqueidade em seus compartimentos6. Além disso, por não possuírem um projeto
adequado, muitas delas não possuem as condições ideais de estabilidade7 para mau
tempo e tempestades, típicas da região. Geralmente, transportam carga geral em
seu convés principal8 ou em seus porões, normalmente para o abastecimento das
pequenas cidades por onde fazem sua linha;
- Embarcações de turismo – geralmente, são barcos de porte médio9, tipo
iate, que oferecem maior conforto aos seus passageiros, dispondo de camarotes
para sua acomodação. Formalmente, são classificadas, pelas Normas da Autoridade
Marítima, como embarcações de transporte de passageiros, pois a classificação de
barcos de turismo não existe;
- Embarcações expressas – trata-se de embarcações de pequeno e médio
porte, com casco de alumínio, que desenvolvem alta velocidade, em média 30 nós10,
para transporte de passageiros, sentados em bancos ou poltronas, entre os diversos
municípios da região. Pela velocidade que desenvolvem e pelas estruturas leves,
6 Compartimento estanque - compartimento interno em embarcação, isolado de outros por anteparas
e portas estanques (com vedação à passagem de água), formando o conjunto um sistema que visa a impedir que, em caso de abalroamento, a água penetre livremente no interior da embarcação, podendo levá-la ao naufrágio. 7 É a capacidade de recuperação ou de endireitamento que uma embarcação possui para voltar à sua
posição de equilíbrio depois de um caturro ou balanço motivado por forças externas. Caturro é o movimento de oscilação vertical no sentido proa-popa e balanço, o movimento de oscilação de um bordo para outro. 8 Em uma embarcação, o convés principal é a estrutura horizontal que forma o "tecto" do casco, o
qual, por sua vez, reforça o mesmo e serve como superfície principal de trabalho. 9 De acordo com definição da NORMAM-02, embarcações de médio porte possuem comprimento
inferior a 24 metros. 10
Medida de velocidade, utilizada para navegação, em milhas náuticas/hora. Uma milha náutica equivale a 1.852 metros.
26
oferecem e estão sujeitas a vários riscos, entre eles o abalroamento11 com outras
embarcações, ou a colisão com troncos ou outros tipos de detritos, conhecidos como
camalotes12, ou o encalhe em bancos de areia, comuns nos rios da Amazônia.
d) Pequenas embarcações – são embarcações de pequeno porte e
embarcações miúdas13, existente em grande número na região. Normalmente,
possuem casco de alumínio ou madeira, muitas vezes construída de forma artesanal
pela população ribeirinha e propulsão com motor de popa. Muitas delas possuem
propulsão com um tipo de motor de popa14 bastante popular e de baixo custo, muito
utilizado na região, composto por uma haste com uma pequena hélice na ponta,
conhecido como “rabeta”. Estes tipos de embarcações são popularmente conhecidos
como “voadeiras”, “rabetinhas” ou “catraias”, na região. São utilizadas para
transporte de pequeno número de passageiros e/ou pequena quantidade de carga.
Muitas vezes são utilizadas em proveito do proprietário. Equivalem aos veículos
particulares ou os taxis das vias urbanas. Trafegam em grande número, a maioria
conduzida por pilotos não habilitados pela Marinha do Brasil e, em muitas ocasiões
oferecem grande risco, por não observarem as regras de segurança da navegação.
3.4 CONSTRUÇÃO NAVAL NA AMAZÔNIA
De uma forma geral, podemos dizer que o setor de construção naval na
Amazônia é precário e deficiente, principalmente se considerarmos a alta demanda
existente. Há poucos estaleiros com boa estrutura industrial e mão de obra
qualificada, laborando em condições trabalhistas dentro da legalidade. Faltam
tecnólogos e engenheiros navais qualificados e em quantidade suficiente para
atender a demanda. Este fato gera uma prática ilegal e altamente danosa para a
qualidade e segurança da construção de embarcações, que é a assinatura de
projetos por profissionais que não o conceberam e nem acompanharam a devida
construção, para que o proprietário consiga realizar a sua inscrição junto à Capitania 11
Tipo de colisão que ocorre exclusivamente entre embarcações na área de navegação. 12
Espécie de “ilha” flutuante, de tamanhos variados, que desce os rios, geralmente formada por plantas, troncos e outros sedimentos 13
De acordo com a definição da NORMAM-02, embarcações miúdas possuem comprimento inferior a 5 metros ou, excepcionalmente inferior a 8 metros, sob condições específicas. 14
Motor com uma ou mais hélices, destinada a possibilitar o deslocamento de canoa ou bote, em determinado meio aquático, seja em lago, rio, mar, oceano. Caracteriza-se por ter independência do casco construído, sendo acoplado ou fixado independentemente, ou seja, depois de sua construção naval.
27
dos Portos.
Entretanto, providências vêm sendo tomadas pelo governo federal e
estadual, nos últimos anos, a fim de tentar reverter este quadro. Entre elas podemos
citar a realização do projeto THECNA (Transporte Hidroviário e Construção Naval na
Amazônia), estudo realizado nos anos de 2006 e 2007, conduzidos pela
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com apoio técnico da Marinha do
Brasil, na cidade de Manaus, por meio de pesquisas, que forneceram dados
importantes, entre eles sobre a construção naval no estado. Outro passo importante
foi dado pelo governo do Amazonas, com a implementação do curso de formação de
tecnólogos navais na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), cuja primeira
turma formou 40 novos profissionais no primeiro semestre de 2013. Além disso, foi
iniciado, neste mesmo ano, na UEA, o primeiro curso de graduação de engenheiros
navais no estado.
O início das obras de um pólo de construção naval, pelo Governo do Estado
do Amazonas, está previsto para início em 2014. Trata-se de um projeto antigo que,
a despeito de dificuldades como financiamento, desapropriação de famílias de
ribeirinhos e questões ambientais, será iniciado e representará um marco para o
desenvolvimento da construção naval na região e, por conseguinte, da segurança da
navegação. O empreendimento será construído na região conhecida como
“Puraquequara”, às margens do rio Amazonas, à jusante15 da cidade de Manaus, e
tem sua conclusão prevista para 2020.
Atualmente, o panorama da situação de estaleiros na região amazônica é
extremamente precário, como dito anteriormente. A quantidade de irregularidades,
de toda a ordem, é significativa. A informalidade impera neste setor. Estudo pioneiro
sobre a construção naval na região, cujos resultados estão citados em MACHADO et
al ([2011?]), apresentou as seguintes conclusões:
- Foram elencados 72 estaleiros, distribuídos pelas seguintes cidades: 32 em
Manaus, 2 em Belém, 2 em Iranduba, 5 em Itacoatiara, 10 em Manacapuru, 5 em
Maués, 7 em Novo Airão, e 9 em Parintins.
- A maior parte dos estaleiros foi criada a partir das décadas de 70 e 80. No
entanto, o Estaleiro São João, o mais antigo de todos, foi criado em 1937. O
15
A jusante é um lugar de referência de um rio, e vem do latim jusum, que significa para o lado da foz. A jusante é uma referência através da visão da pessoa que está observando, é o lado para onde vai a corrente de água.
28
Estaleiro Rio Negro, conhecido como ERIN, é o que possui a maior produtividade e
quantidade de pessoal contratado. Em Belém, o Estaleiro Maguari é o que possui a
maior automação no processo produtivo e a maior quantidade de mão de obra
especializada; e
- Somente 17 estaleiros, dentre os acima citados, foram visitados e
pesquisados pela equipe do projeto THECNA. Grande parte dos mesmos trabalha
na informalidade.
É importante ressaltar a reduzida disponibilidade atual de subsídios
governamentais, em todos os níveis, para a construção naval na Amazônia. Um dos
principais entraves ao desenvolvimento da navegação interior é o acesso ao crédito
para financiamento de embarcações, conforme pesquisa da CNT em 2013, acima
citada. O excesso de burocracia dos órgãos financiadores foi apontado como um
problema muito grave, enfrentado pelo segmento de transporte fluvial, por 75% dos
sindicatos pesquisados. No Brasil, a principal fonte de financiamento às empresas
que atuam no segmento naval (marítimo e fluvial) é o Fundo da Marinha Mercante
(FMM) por intermédio de seus agentes (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social - BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da
Amazônia e Banco do Nordeste). O FMM atua no financiamento a estaleiros
brasileiros para realização de projetos de implantação, expansão, modernização,
construção e reparo de navios. Os financiamentos com recursos do FMM obtêm
taxas de juros reduzidas, isenção de alguns tributos, entre outros incentivos. Esta
categoria de financiamento está regulamentada por meio da lei no 10.893 de 13 de
julho de 2004, que dispõe sobre o Fundo da Marinha Mercante - FMM, e dá outras
providências.
Assim, apesar de algumas medidas tomadas pelo setor público, a fim de
mitigar a gravidade da situação, o quadro atual resultante de todos os fatores acima
apresentados é deplorável, contribuindo para a insegurança da navegação, haja
vista a baixa qualidade e a informalidade, de uma forma geral, da construção naval e
das embarcações produzidas, na região amazônica. No entanto, face às
providências acima citadas, vislumbra-se um futuro um pouco mais promissor, mas
que somente deverá mostrar resultados em médio prazo.
29
4 ATUAÇÃO DOS ATORES ENVOLVIDOS
O anexo B apresenta uma tabela que resume os atores que atuam, direta ou
indiretamente, no desenvolvimento do modal hidroviário. Neste capítulo iremos
discorrer sobre a atuação de algumas dessas instituições.
4.1 MARINHA DO BRASIL
4.1.1 Segurança do Tráfego Aquaviário (STA)
A Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999, dispõe sobre as normas
gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Sem o
comprometimento da destinação constitucional, a referida lei lista várias atribuições
subsidiárias para as Forças. Em seu artigo 17, está descrito que cabe à Marinha do
Brasil (MB) a segurança da navegação aquaviária.
Como atribuições subsidiárias particulares: I - orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional; II - prover a segurança da navegação aquaviária; III - contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar; IV - implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas.
No mesmo artigo, está explicitado, em parágrafo único, que o Comandante
da Marinha fica designado como “Autoridade Marítima”: “Pela especificidade dessas
atribuições, é da competência do Comandante da Marinha o trato dos assuntos
dispostos neste artigo, ficando designado como "Autoridade Marítima", para esse
fim.”
Para cumprimento dessas atribuições, a MB aplica a principal lei que rege a
segurança do tráfego aquaviário: a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário
(LESTA), Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que “dispõe sobre a segurança
do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências”.
Esta lei coloca, em seu artigo 3º, as três principais responsabilidades da MB, que
formam o “tripé” da segurança da navegação: assegurar a salvaguarda da vida
30
humana, a segurança da navegação em mar aberto e hidrovias interiores e prevenir
a poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de
apoio. Para cumprir estas responsabilidades, a Autoridade Marítima possui, entre
outras, as seguintes atribuições: elaborar normas diversas sobre o assunto,
determinar a tripulação de segurança das embarcações, executar vistorias para
assegurar as condições de segurança das embarcações, realizar atividades de
Inspeção Naval (fiscalização), realizar a formação do pessoal aquaviário, e aplicar as
penalidades previstas na lei.
Para regulamentar a referida lei, foi instituído o Decreto no 2596, de 18 de
maio de 1998, conhecido como a RLESTA. Dentre os principais pontos do decreto,
estão: a definição dos tipos de grupos de aquaviários e suas respectivas categorias,
e definição das infrações e penalidades a serem imputadas, com os respectivos
valores de multas.
Como previsto em suas atribuições, a Marinha, por meio da Diretoria de
Portos e Costas (DPC) e da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN),
estabeleceu diversas normas, conhecidas como Normas da Autoridade Marítima
(NORMAM). Atualmente, estão em vigor 31 (trinta e uma) NORMAM, sendo 25 (vinte
e cinco) emitidas pela DPC e 6 (seis) emitidas pela DHN. Entre as principais, para a
navegação interior da Amazônia, citamos as seguintes:
- NORMAM-02/DPC - Embarcações empregadas na navegação interior
- NORMAM-03/DPC – Amadores e Embarcações de Esporte e/ou Recreio
- NORMAM-07/DPC - Atividades de Inspeção Naval
- NORMAM-13/DPC – Aquaviários
- NORMAM-17/DHN - Auxílios à Navegação
- NORMAM-25/DHN - Levantamentos Hidrográficos
- NORMAM-28/DHN - Navegação e Cartas Náuticas
- NORMAM-30/DPC (Vol. 1) - Ensino Profissional Marítimo - Aquaviários
Para executar as tarefas atinentes a sua atribuição legal de Autoridade
Marítima, a Marinha do Brasil possui a seguinte estrutura na região da Amazônia:
- Comando do 9º Distrito Naval – Representante da Autoridade Marítima na
Amazônia Ocidental. Sua jurisdição abrange os estados do Amazonas, Rondônia,
Acre e Roraima. Atualmente, possui as seguintes Organizações Militares (OM) do
Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário (SSTA) subordinadas:
- Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental (CFAOC) – sediada em
31
Manaus/AM, esta Capitania possui as seguintes Delegacias e Agências Fluviais
subordinadas:
- Delegacia Fluvial de Porto Velho (RO) – Rio Madeira
- Agência Fluvial de Humaitá (AM) – Rio Madeira
- Agência Fluvial de Guajará-Mirim (RO) – Rio Mamoré
- Agência Fluvial de Parintins (AM) – Rio Amazonas
- Agência Fluvial de Itacoatiara (AM) – Rio Amazonas
- Agência Fluvial de Tefé (AM) – Rio Solimões (lago de Tefé)
- Agência Fluvial de Boca do Acre (AM) – Rio Purus
- Agência Fluvial de Eirunepé (AM) – Rio Juruá
- Agência Fluvial de Cruzeiro do Sul (AC) – Rio Juruá
-Capitania Fluvial de Tabatinga (CFT) – sediada na cidade de Tabatinga/AM,
no Rio Solimões, na tríplice fronteira com Colômbia e Peru, não possui Delegacias
nem Agências subordinadas.
Além das citadas OM, o Comando do 9º Distrito Naval possui um
destacamento em São Gabriel da Cachoeira (AM), no alto Rio Negro.
Como parte do Plano de Articulação e Reaparelhamento da Marinha do
Brasil (PAEMB), está prevista a criação e ampliação de OM do SSTA em regiões
estratégicas do país, entre as quais se encontra a bacia Amazônica. De acordo com
o contido no LBDN (Brasil, 2012, p. 197), somente na Amazônia Ocidental está
prevista a ativação de 24 (vinte e quatro) novas OM, além da elevação (a categoria
superior) de pelo menos 5 (cinco) entre as já existentes. A implementação total está
prevista para ocorrer até 2031. Em 2011, foi ativada a Agência Fluvial em Humaitá.
Em 2012, foi ativada a Agência Fluvial em Cruzeiro do Sul, primeira OM da Marinha
no estado do Acre. Dentro da citada programação, as próximas OM que serão
ativadas serão a Agência Fluvial de Caracaraí, a primeira da Marinha em Roraima e
a Agência Fluvial de São Gabriel da Cachoeira, a partir do destacamento acima
citado.
O PAEMB foi estabelecido pela MB e pelas demais Forças, em decorrência
da Estratégia Nacional de Defesa (END), lançada em dezembro de 2008 e, após
revisão, aprovada em 2013 e que, juntamente com a Política Nacional de Defesa
(PND) e com o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), compõe a tríade de
documentos essenciais que orientam a Defesa do país. O anexo C mostra a
situação atual de OM do SSTA na Amazônia Ocidental e a configuração prevista
32
após a ativação das novas Organizações, conforme previsto no PAEMB.
- Comando do 4º Distrito Naval – Representante da Autoridade Marítima na
Amazônia Oriental. Sua jurisdição abrange os estados do Pará e Amapá
(considerando apenas os estados da região amazônica). Atualmente, possui as
seguintes OM do SSTA subordinadas:
- Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR) – sediada em
Belém/PA, não possui Delegacias nem Agências subordinadas.
- Capitania dos Portos do Amapá (CPAP) – sediada no município de
Santana/AP, no Rio Amazonas, próximo a Macapá, capital do estado, não possui
Delegacias nem Agências subordinadas.
- Capitania Fluvial de Santarém (CFS) – sediada no município de
Santarém/PA, no Rio Tapajós, próximo a confluência com o Rio Amazonas, não
possui Delegacias nem Agências subordinadas.
Como já citado, entre as várias responsabilidades de Organizações do SSTA
estão previstas a regularização de embarcações e a fiscalização do tráfego
aquaviário. Para a regularização das embarcações, equipes das OM realizam
vistorias nas mesmas, o que demanda a presença de pessoal qualificado em
número suficiente, em face da grande quantidade de embarcações existentes na
região e, principalmente, pela situação precária da construção naval, das
construções artesanais, e dos projetos elaborados pelo poucos profissionais
tecnólogos e engenheiros navais. Para mitigar esta situação, a Autoridade Marítima
autoriza Sociedades Classificadoras e Certificadoras, formalmente homologadas, a
realizarem esta atividade em seu nome.
Outra atividade com grande dificuldade de execução é a fiscalização de
embarcações, denominada de Inspeção Naval (IN), atividade de cunho
administrativo, que consiste na fiscalização do cumprimento da LESTA. Os
Inspetores Navais são militares de níveis diversos, devidamente habilitados e
qualificados para lavrar Notificações, ou elaborar relatos de ocorrência a serem
transformados em Autos de Infração. É uma das atividades de maior dificuldade de
execução pela Autoridade Marítima. Além de exigir uma elevada quantidade de
meios e pessoal habilitado para atender esta atividade, em face da grandiosidade do
universo de embarcações, existem outras características inerentes, que aumentam
bastante esta dificuldade, como a exigência de um alto nível de probidade e
seriedade por parte do inspetor no trato com o público.
33
Outra tarefa de grande dificuldade é a formação do pessoal aquaviário
(marítimos e fluviários). A demanda existente por pessoal qualificado para guarnecer
as tripulações das embarcações é imensa. As Capitanias, Delegacias e Agências
não possuem estrutura suficiente de pessoal, material e recursos instrucionais, tanto
em seus próprios quadros de pessoal como para contratação extra-Marinha, para
atender esta demanda. Os candidatos à formação, bem como pessoal que já exerce
a atividade, mas trabalha na informalidade, não possui a escolaridade exigida para
realizar os cursos de formação. Na Amazônia Oriental esta tarefa é facilitada pela
existência do Centro de Instrução Braz de Aguiar (CIABA), na cidade de Belém,
centro de excelência na formação de pessoal da Marinha Mercante, tanto de Oficiais
como de pessoal subalterno. Na Amazônia Ocidental, foi inaugurado, em 2013, o
Centro Técnico de Formação de Fluviários da Amazônia Ocidental (CTFFAO), nas
antigas instalações da Capitania dos Portos, mas que ainda não foi plenamente
operacionalizado.
O quadro resultante desta situação complexa é uma considerável dificuldade
da Marinha do Brasil em cumprir suas atribuições legais inerentes à condição de
Autoridade Marítima brasileira, apesar dos seus esforços em sobrepujar as
carências de pessoal e material. A quantidade de acidentes e óbitos resultantes é
excessiva, fato que implica na necessidade constante de abertura de Inquéritos
Administrativos a serem julgados pelo Tribunal Marítimo, o que exige um esforço
adicional para os seus agentes, as Capitanias, Delegacias e Agências
4.1.2 Hidrografia e Navegação
Além de suas atribuições quanto à Segurança do Tráfego Aquaviário, a
Marinha do Brasil possui tarefas atinentes a hidrografia, cartografia e sinalização
náutica. Em nível nacional, a Diretoria Geral de Navegação (DGN) e a Diretoria de
Hidrografia e Navegação (DHN), subordinadas ao Comando da Marinha, coordenam
e orientam a execução dos serviços sob responsabilidade da MB. Na Amazônia, os
Comandos Distritais são responsáveis pela execução desta tarefa. Para isto,
possuem a seguinte estrutura:
- Comando do 4º Distrito Naval – tem sob sua subordinação o Serviço de
Sinalização Náutica do Norte (SSN-4), com sede em Belém, e possui os seguintes
meios para a execução dos serviços:
34
- Navio Hidroceanográfico “Garnier Sampaio”
- Navio Balizador “Tenente Castelo”
- Aviso Hidroceanográfico Fluvial “Rio Tocantins”
- Aviso Hidroceanográfico Fluvial “Rio Xingu”
- Comando do 9º Distrito Naval – está prevista a ativação, em 2014, do
Serviço de Sinalização Náutica do Noroeste (SSN-9), com sede em Manaus.
Atualmente, o serviço de hidrografia é apoiado pelo SSN-4 e o serviço de sinalização
náutica realizado, de forma precária, pela Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental.
Em fase de preparação para ativação do SSN-9, o Comando do 9º Distrito Naval
vem recebendo os meios necessários para sua operação. Até o momento foram
recebidos os seguintes meios:
- Aviso Hidroceanográfico Fluvial “Rio Solimões”
- Aviso Hidroceanográfico Fluvial “Rio Negro”
Está previsto o recebimento de mais um Navio Hidroceanográfico, ainda
neste ano.
Em relação às atividades de hidrografia, a Diretoria Geral de Navegação
emitiu as seguintes diretrizes, em 2006, para a implementação do Plano de
Atualização Cartográfica para a Bacia Amazônica (PACBA):
- Realizar levantamentos de atualização das cartas náuticas da Bacia
Amazônica, priorizando na sua execução: importância econômica, intensidade do
tráfego e variabilidade ambiental;
- Cartas náuticas sistemáticas para os rios de interesse estratégico e croquis
de navegação para as demais vias navegáveis;
- Desenvolver, em nível regional, produção automatizada;
- Manutenção das estações fluviométricas operadas pela MB na Amazônia;
- Manter monitoramento das estações fluviométricas; e
- Execução do Plano no período de 2006 a 2010.
Em 2010, a DGN elaborou nova Portaria, estendendo o período de vigência
do Plano para 2014. Está prevista a confecção de 174 novas cartas náuticas (hoje
existem 33), 19 novos croquis de navegação16 (hoje existem 19) e 36 cartas de
navegação eletrônicas.
16
Os croquis de navegação são documentos cartográficos de precisão menor que as cartas sistemáticas fluviais. São, normalmente, oriundos de reconhecimentos hidrográficos, que é como são denominados os levantamentos expeditos, ou de observações de práticos e de navegantes fluviais.
35
O levantamento hidrográfico, além dos subsídios para a execução do
PACBA, fornecerá elementos para a implantação do balizamento e sinalização
náutica e locais onde será necessária a realização de dragagens.
A implantação de balizamento e sinalização nas hidrovias é de
responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(DNIT), por meio de suas administrações de hidrovias, cujas estruturas e atribuições
serão descritas na próxima seção.
4.2 DNIT
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) é uma
instituição essencial para a gestão de hidrovias. Sua criação foi realizada pela Lei no
10.233 de 5 de junho de 2001 que, além de sua criação, dispôs sobre a
reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, além de outras providências.
Trata-se de uma autarquia17 vinculada ao Ministério dos Transportes.
O DNIT tem por objetivo implementar, em sua esfera de atuação, a política
formulada para a administração da infra-estrutura do Sistema Federal de Viação,
compreendendo sua operação, manutenção, restauração ou reposição, adequação
de capacidade, e ampliação mediante construção de novas vias e terminais. Dentro
de sua esfera de atuação estão as vias navegáveis. No art. 82 desta lei, constam as
diversas atribuições do DNIT, dentre as quais são citadas aquelas relacionadas
diretamente à administração de hidrovias.
I - estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para os programas de segurança operacional, sinalização, manutenção ou conservação, restauração ou reposição de vias, terminais e instalações; IV - administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias fluviais e lacustres, excetuadas as outorgadas às companhias docas; (grifo nosso).
Para cumprimento de suas atribuições em relação às hidrovias, o DNIT
possui, em sua estrutura, uma Diretoria de Infraestrutura Aquaviária e oito
17
Órgãos criados por meio de uma lei, com a finalidade de executar uma atribuição específica. Podem ser vinculadas à Presidência da República ou a ministérios. O patrimônio e receita são próprios, mas sujeitos à fiscalização do Estado. Estas organizações têm como funcionários, servidores públicos.
36
Administrações Hidroviárias, para as diversas regiões do país. As Administrações
Hidroviárias exercem, em caráter transitório, por delegação, as atribuições
operacionais estabelecidas pelo DNIT para suas unidades regionais. No caso da
Amazônia, existem duas administrações: a Administração das Hidrovias da
Amazônia Ocidental (AHIMOC), com sede na cidade de Manaus, e a Administração
das Hidrovias da Amazônia Oriental (AHIMOR), com sede na cidade de Belém.
A AHIMOC é responsável pelas hidrovias da Amazônia Ocidental, que
compreende os estados do Amazonas, Rondônia, Acre e Roraima. Os principais rios
de sua jurisdição são: rio Madeira, rio Solimões, rio Purus, rio Branco, rio Negro, rio
Acre, rio Juruá e rio Aripuanã. No entanto, na prática, a AHIMOC tem na hidrovia do
rio Madeira seu principal campo de atuação, pela sua importância para o
escoamento da produção de soja do Centro Oeste, bem como da própria região
amazônica. A hidrovia do Madeira tem 570 milhas navegáveis e se constitui,
praticamente, como a única via de transporte para a população que vive nas cidades
às suas margens, excetuando-se apenas a cidade de Humaitá, que tem ligação
rodoviária com a cidade de Porto Velho. A hidrovia do Madeira inicia-se em Porto
Velho e vai até a sua foz, na confluência com rio Amazonas. Desta forma, as
principais atividades da AHIMOC, atualmente, no rio Madeira, são: dragagem de
manutenção simples de areia na hidrovia, no trecho compreendido entre Porto Velho
e a sua Foz; manutenção das estações hidrométricas da hidrovia; desobstrução do
canal navegável do rio Madeira, com a retirada de “paliteiros” 18; e monitoramento
ambiental.
A AHIMOR atua na área geográfica compreendida pelos estados do Pará,
Amapá e norte do Mato Grosso. Os principais rios de sua jurisdição são: Tocantins,
Pará, Xingu, Tapajós, Jari e baixo rio Amazonas. Entre as principais atividades
desenvolvidas pela AHIMOR, atualmente, estão: acompanhamento das obras da
usina de Belo Monte, no rio Xingu, e seus impactos para a navegação;
acompanhamento da construção das eclusas da hidrelétrica de Tucuruí, no rio
Tocantins; e acompanhamento da navegação no rio Tapajós, outra importante
hidrovia da região.
18
Acúmulo de troncos de árvores, galhos e outros detritos, que se juntam e ficam fincados no leito do rio,
constituindo-se em grave perigo à navegação. O rio Madeira tem como característica a grande quantidade de
troncos, muitos de grandes dimensões, o que aumenta a possibilidade de formação dos “paliteiros”. Existem
registros recentes de acidentes da navegação, com, óbito, por causa da colisão de embarcações com estes
“paliteiros”.
37
4.3 ANTAQ
A mesma lei que criou o DNIT, Lei no 10.233 de 5 de junho de 2001, também
criou a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, uma autarquia integrante da
Administração Federal, vinculada a Secretaria de Portos da Presidência da
República, com sede no Distrito Federal e unidades administrativas regionais.
A ANTAQ tem por objetivo implementar, em sua esfera de atuação, as
políticas formuladas pelo Ministério dos Transportes e pelo Conselho Nacional de
Integração de Políticas de Transporte (CONIT), segundo os princípios e diretrizes
estabelecidos na referida lei. De forma geral, estes objetivos compreendem: regular,
supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços de transporte
aquaviário e de exploração da infra-estrutura portuária e aquaviária, exercida por
terceiros. Dentro de sua esfera de atuação estão a navegação fluvial, o transporte
aquaviário de cargas especiais e perigosas e a exploração da infra-estrutura
aquaviária federal, entre outras. Na prática, a ANTAQ é uma agência reguladora de
serviços ligados a navegação e atividades portuárias, com suas principais
atribuições, entre outras, previstas no art. 27 da sua lei de criação.
I - promover estudos específicos de demanda de transporte aquaviário e de atividades portuárias; V – celebrar atos de outorga de permissão ou autorização de prestação de serviços de transporte pelas empresas de navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e de longo curso,
Para cumprimento de suas atribuições atinentes a navegação fluvial, possui,
em seu organograma, a Superintendência de Navegação Interior, e unidades
administrativas regionais situadas nas principais cidades, entre as quais estão
Manaus, Belém e Porto Velho.
Dentre as atividades desenvolvidas, a ANTAQ tem elaborado estudos
contendo dados estatísticos importantes, que podem contribuir para a melhoria dos
serviços do setor de navegação fluvial, incluindo aí a segurança de passageiros e
cargas. Um dos principais foi citado na seção 3.1 deste trabalho, o estudo sobre
transporte fluvial de passageiros na Amazônia, intitulado “Caracterização da Oferta e
da Demanda do Transporte Fluvial de Passageiros na Amazônia”, lançado em 2013,
que apresentou dados de alta relevância para este setor. Além disso, publica,
38
anualmente, o “Anuário Estatístico do Transporte Aquaviário”, contendo estatísticas
portuárias, da navegação marítima e de apoio e da navegação interior, que resulta
da compilação de dados coletados pela agência em cada ano, envolvendo números
da movimentação de cargas nos portos organizados e terminais portuários de uso
privativo, bem como de transporte nas navegações de longo curso, apoio portuário e
marítimo, cabotagem e de vias interiores. Outro importante estudo foi também
lançado em 2013, o Plano Nacional de Integração Hidroviária (PNIH), visando dois
objetivos centrais: um estudo detalhado sobre as hidrovias brasileiras e a indicação
de áreas propícias para instalações portuárias. Em resumo, foram apresentados,
para seis bacias hidrográficas, entre as quais a bacia amazônica, a potencialidade
de utilização do modal hidroviário, terminais e vias, para o transporte de cargas,
delimitados pelos cenários de 2015, 2020, 2025 e 2030.
4.4 ANA
A Agência Nacional de Águas (ANA) é outro ator de grande importância para
o sistema hidroviário nacional. Sua criação foi feita por meio da Lei no 9.984, de 17
de julho de 2000. É uma autarquia, sob regime especial, com autonomia
administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, e integrante
do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cujo principal objetivo
é a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH),
estabelecendo regras para a sua atuação, sua estrutura administrativa e suas fontes
de recursos.
A ANA tem sede no Distrito Federal e possui unidades regionais instaladas
em outras cidades. Suas principais atribuições, previstas na referida lei, estão
intrinsecamente ligadas à PNRH.
I – supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal pertinente aos recursos hídricos; IV – outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, observado o disposto nos arts. 5
o, 6
o, 7
o e 8
o;
V - fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União; VII – estimular e apoiar as iniciativas voltadas para a criação de Comitês de Bacia Hidrográfica; XII – definir e fiscalizar as condições de operação de reservatórios por agentes públicos e privados, visando a garantir o uso múltiplo dos
39
recursos hídricos, conforme estabelecido nos planos de recursos hídricos das respectivas bacias hidrográficas. (grifo nosso)
Desta forma, verificamos a importância da ANA na gestão de recursos
hídricos, o que reflete diretamente na segurança da navegação, um dos múltiplos
usos feitos com estes recursos e que, se não for respeitado pelos demais usuários,
pode sofrer efeitos bastante negativos.
A Política Nacional de Recursos Hídricos, e o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos foram criados por meio da Lei no 9,433, de 8
de janeiro de 1997. A PNRH tem como um de seus objetivos, previstos no art. 2º da
citada lei, “a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o
transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável” (grifo nosso).
Além disso, baseia-se em importantes fundamentos, previstos no art. 1º.
IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Um dos seus instrumentos é a outorga de direitos de uso deste recurso, que
tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água,
o efetivo exercício dos direitos de acesso à água, e a preservação de seu uso
múltiplo, aí incluído o aproveitamento dos potenciais hidrelétricos. É importante
ressaltar que a competência para realização desta outorga é da ANA.
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, de acordo
com a Lei no 9,433/97, é integrado pelas seguintes entidades: Conselho Nacional de
Recursos Hídricos, ANA, Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito
Federal, Comitês de Bacia Hidrográfica, órgãos dos poderes públicos federal,
estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a
gestão de recursos hídricos, e Agências de Água.
Os Comitês de Bacia Hidrográfica tem importante participação no controle
do uso múltiplo das águas. Apesar disso, não existem, atualmente, comitês nas
bacias hidrográficas da Amazônia.
Outro fato importante a ser ressaltado é a outorga de recursos hídricos para
aproveitamento de seu potencial hidrelétrico. Os rios da bacia amazônica tem sido
alvo de projetos de construção de usinas hidrelétricas que, se não considerarem a
40
necessidade da manutenção das atividades da navegação, como, por exemplo, a
construção de eclusas, os mesmos poderão trazer sérios prejuízos para a
navegação.
4.5 SINDICATOS E FENAVEGA
Nas seções anteriores, foram mostradas as atuações de atores
governamentais, entidades públicas que atuam, direta ou indiretamente, na
segurança da navegação em hidrovias, especialmente da Amazônia, objeto deste
estudo.
Além dos citados atores, existem outras entidades, que representam
pessoas e classes envolvidas. De uma forma geral, são sindicatos que representam
os armadores19 e os trabalhadores, no caso, aquaviários do grupo de fluviários. As
principais associações existentes na Amazônia são:
- SINDARMA - Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do
Amazonas – denominação atual do antigo Sindicato Amazonense de Armadores de
Navios, criado em 1935, com sede na cidade de Manaus;
- SINDARPA - Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial e Lacustre e
das Agências de Navegação no Estado do Pará – criado em 1950, com sede na
cidade de Belém;
- SINDFLUVIAL - Sindicato das Empresas de Travessia e Navegação,
Transporte de Passageiros, Veículos e Cargas Lacustre e Fluvial do Estado de
Rondônia – criado em 1996, com sede na cidade de Porto Velho;
- SINDNAVAL - Sindicato da Indústria da Construção Naval de Manaus;
- ATRAQ - Associação dos Armadores do Transporte de Cargas e
Passageiros do Estado do Amazonas; e
- SINTRAQUA - Sindicato Dos Trabalhadores em Transportes Aquaviarios
do Município de Manaus e do Estado do Amazonas – criado em 2001, com sede na
cidade de Manaus.
Os citados sindicatos representam o interesse de seus associados, que nem
sempre são condizentes com a segurança da navegação e a legislação vigente. De
19
Armador, em marinha mercante, é o nome que se dá à pessoa ou à empresa que, por sua própria conta, promove a equipagem e a exploração de navio ou embarcação comercial, de transporte de carga e/ou passageiros, independente de ser ou não proprietário da embarcação.
41
qualquer forma, essas entidades, em muitas ocasiões, atuam de forma a pressionar
os órgãos federais responsáveis e políticos da região para que implementem as
obras e as medidas necessárias para o aumento da segurança. Como exemplo,
podemos citar a atuação do SINDFLUVIAL, que tem promovido debates e reuniões
com vários órgãos, tanto em Rondônia, como em Brasília, a fim de melhorar as
condições de segurança da importante hidrovia do Madeira, que, como dito
anteriormente, é uma via essencial de ligação entre o centro-oeste e o norte do país.
Outra entidade de considerável importância no cenário da navegação
nacional é a FENAVEGA – Federação Nacional das Empresas de Navegação
Marítima, Fluvial, Lacustre e de Tráfego Portuário, fundada em 08 de setembro de
1988, com sede na cidade do Rio de Janeiro/RJ. A FENAVEGA é uma entidade de
classe, que representa e defende os interesses das empresas que se encontram
dentro da sua área de atuação, e participa da Confederação Nacional de
Transportes – CNT.
Em 2007, a FENAVEGA lançou o livro “ENTRAVES NA NAVEGAÇÃO
INTERIOR”, cujo conteúdo trata de um estudo sobre os problemas e propostas de
soluções para o setor, nas 12 bacias hidrográficas que compõem a navegação
aquaviária interior. Os subsídios para o trabalho foram levantados com o auxílio de
uma equipe de profissionais do setor hidroviário e a participação de sindicatos
fluviais, por meio da aplicação de questionários e de discussões diversas sobre os
resultados dos mesmos.
Foram feitos levantamentos referentes às seguintes questões: da legislação
e da regulamentação atinente ao setor; da segurança das embarcações; dos
trabalhadores da navegação fluvial; e dos impostos, taxas, contribuições e seguros.
Os resultados dos dados levantados, após analisados e discutidos, deram origem a
um conjunto de sugestões, em vários setores, incluindo investimentos e necessidade
de ações governamentais.
42
5 NAVEGABILIDADE E SEGURANÇA DAS HIDROVIAS DA AMAZÔNIA
Até o momento, realizamos uma análise das hidrovias interiores brasileiras
sob alguns aspectos importantes, como a comparação com outros modais de
transporte, das cargas e pessoas transportadas na Amazônia, dos tipos de
embarcações que trafegam nessas hidrovias e da forma como são construídas, e
dos diversos atores envolvidos, com suas respectivas atribuições e
responsabilidades. Com a finalidade de completar os dados necessários para este
estudo, é imprescindível a análise das condições de navegabilidade, estrutura e
segurança das principais hidrovias da Amazônia, que permita estabelecer
parâmetros de comparação com hidrovias interiores de países desenvolvidos,
modelos bem sucedidos neste modal de transporte:
a) Sub-bacia Principal: rios Amazonas e Solimões
- Rio Amazonas - É formado pela confluência dos rios Negro e Solimões.
Possui, aproximadamente, 1.508 km, plenamente navegáveis durante todo o ano,
entre as cidades de Manaus e Macapá/AP. Alguns dos seus afluentes são os rios
Xingu, Tapajós e Trombetas. No rio Amazonas não há restrição quanto ao tipo de
navegação, possibilitando o tráfego de embarcações da navegação de cabotagem,
de longo curso e interior. A praticagem para os navios mercantes é obrigatória. No
período de cheia, é possível o tráfego de navios com calado de até 11 metros e, no
período de estiagem, o calado máximo é de 8 metros. Em toda a sua extensão, da
sua foz até a cidade de Manaus, encontra-se balizada e sinalizada.
- Rio Solimões - A nascente do rio Solimões está localizada em território
peruano. Entra no Brasil no município de Tabatinga e sua extensão total em território
brasileiro é de 1.620 km, até o encontro com o rio Negro, nas proximidades de
Manaus, quando juntos formam o rio Amazonas. É uma importante via de acesso e
integração com os países sul americanos, Peru e Colômbia. No período de cheia, a
profundidade do rio varia, ao longo de seu trajeto, de 20 a 8 metros e no período de
estiagem, a profundidade mínima pode variar de 10 a 3 metros. O trecho do rio
Solimões, compreendido entre o município de Coari/AM e Manaus, muito utilizado
para o transporte de petróleo e seus derivados, advindos do campo de Urucu, é
totalmente navegável. O rio Solimões, de forma geral, não possui balizamento,
somente possuindo uma sinalização náutica (farolete) nas proximidades do
município de Manacapuru/AM. Existem cartas náuticas cobrindo toda a sua
43
extensão. No entanto, a cartografia da região está bastante desatualizada.
b) Sub-bacia do Madeira
- Rio Madeira - É formado pela confluência dos rios Mamoré e Beni – ambos
possuem suas nascentes na Cordilheira dos Andes – e possui aproximadamente
1.425 km de extensão em território brasileiro. A extensão navegável do rio Madeira é
de 1.071 km, entre a sua foz no rio Amazonas e a cidade de Porto Velho, permitindo
a navegação de grandes comboios, de até 40.000 t, nos períodos de cheia, até
18.000 t, na época de estiagem. Possui uma declividade acentuada: sua nascente
apresenta cota de 210 metros acima do nível do mar, reduzindo-se a 7 metros na
sua foz no rio Amazonas. Esta grande declividade traz como conseqüência uma
grande velocidade de correnteza em sua extensão, característica que o torna
bastante perigoso à navegação. Em seus 369 km iniciais (entre a foz do rio Beni e a
cidade de Porto Velho), o rio Madeira apresenta um desnível de 39 metros,
acentuados pela presença de cachoeiras e corredeiras, e não possui condições
naturais de navegação. Contudo, para vencer esse desnível, tornando-o navegável,
seria necessária a construção de eclusas nas usinas hidrelétricas de Jirau (com
obras em andamento) e de Santo Antônio (já construída). Entretanto, a construção
destas usinas não contemplou as referidas eclusas, apesar de constarem do projeto
básico. A implantação desses recursos de transposição seria um importante passo
para a formação de uma rede hidroviária, composta pelo próprio Madeira,
juntamente como os rios Guaporé, Beni e Mamoré. Além disso, a construção do
Complexo Hidrelétrico de Santo Antônio aumentou o assoreamento do rio Madeira,
prejudicando a navegação para embarcações com maior calado e obrigando às
empresas a reduzir a quantidade de carga nas barcaças que formam seus
comboios, para redução dos respectivos calados. Além disso, ocorreu aumento da
erosão e do desmatamento de suas margens o que acarretou em um grande
aumento do volume de troncos flutuando nos rios, que podem ocasionar avarias e
afundamentos das embarcações e portos flutuantes. Levantamento recente,
realizado pelo DNIT, com apoio da Marinha, verificou que existem cerca de 32
pontos críticos para a navegação, ao longo da extensão do rio Madeira. Estes
pontos críticos consistem em bancos de areia e “pedrais”, que precisam sofrer obras
de dragagem e derrocagem, para melhorar o nível de segurança da navegação.
Outro problema da hidrovia é a inexistência de sinalização e balizamento, outro fato
que contribui sobremaneira para a redução da segurança. Existem cartas náuticas
44
cobrindo o trecho entre a sua foz e a cidade de Porto Velho. No entanto, a
cartografia deste trecho está desatualizada.
c) Sub-bacia do Negro: rios Negro e Branco
- Rio Negro - A nascente do rio Negro está localizada em território
colombiano, e, até sua foz, possui 1.700 km, sendo 1.200 km em território brasileiro
até encontrar o rio Solimões, logo após a cidade de Manaus, e formar o rio
Amazonas. A extensão navegável do rio Negro se restringe a 801 km, em trecho
descontinuado, entre a sua foz no rio Amazonas, na cidade de Manaus e a cidade
de Santa Isabel do Rio Negro/AM. A profundidade nessa extensão do rio varia muito,
sendo a mínima, no período de estiagem, de 2,5 metros, e a máxima, na época de
cheia, de 25 metros. O trecho acima da cidade de São Gabriel da Cachoeira, no alto
rio Negro, é marcado por diversas cachoeiras, que se formam quando o nível do rio
baixa e rochas afloram em diversos pontos. O principal afluente do rio Negro é o rio
Branco. O Rio Branco tem extensão de cerca de 600 km no território brasileiro, dos
quais 450 km são navegáveis, da sua foz, no rio Negro, até o início das corredeiras
do “Bem Querer”. A partir deste trecho, o rio somente se tornaria navegável com
obras de transposição das corredeiras, quando poderia ser atingida a cidade de Boa
Vista, capital do estado de Roraima, e daí até a fronteira com a Guiana. Os rios
Negro e Branco apresentam um grande potencial de se tornarem uma hidrovia para
o escoamento da produção agrícola de Roraima, além do intercâmbio com a
Venezuela. Também não possui balizamento nem sinalização náutica e a
navegação é realizada por meio de croquis.
d) Sub-bacia do Tapajós
- Rio Tapajós - É formado pela confluência dos rios Juruena e Teles Pires, e
possui uma extensão de aproximadamente 851 km, entre a sua nascente e sua foz,
no rio Amazonas. Entretanto, desse total, apenas 345 km são navegáveis, entre a
sua foz e o município de Itaituba/PA. Para que o rio Tapajós fosse navegável, em
toda a sua extensão, seria necessária a execução de algumas medidas estruturais,
como a construção de dispositivos de transposição, que possibilitariam o tráfego de
navios em áreas encachoeiradas e obras de dragagem e derrocamento. Existe o
planejamento, pelo Ministério de Minas e Energia, da construção de três usinas
hidrelétricas nesse rio, até 2018. Contudo, não há previsão para a construção de
eclusas nessas barragens. A implantação de dispositivos de transposição nas
mesmas, além da ligação com os rios Teles Pires (ou Juruena), resultaria no
45
surgimento na implantação da hidrovia Tapajós-Teles Pires, com a extensão de
1.600 km, entre os municípios de Sinop/MT e Santarém/PA. Assim, surgiria uma
importante rota alternativa para o escoamento da safra agrícola das regiões norte e
nordeste do Mato Grosso e centro-sul do Pará. No trecho compreendido entre sua
foz e o município de Itaituba, durante o período de cheia, é possível o tráfego de
navios com calado de até 4,5 metros. Já no período de estiagem, o tráfego é
possível somente para embarcações com calado de até 3 metros.
e) Sub-bacia do Xingu
- Rio Xingu - A nascente do rio Xingu está localizada no estado do Mato
Grosso e, até a sua foz no rio Amazonas, possui 1.815 km de extensão, dos quais
apenas 173 km são navegáveis, desde a sua foz até Belo Monte do Pontal/PA. Na
extensão restante, a navegação é inviabilizada pela presença de quedas d’água,
onde existe grande potencial para o aproveitamento hidrelétrico. A profundidade
máxima do canal de navegação, no período de cheia, pode ser superior a 6 metros.
No período de estiagem, a profundidade é de aproximadamente 2,30 metros. Devido
à limitação de calado no rio Xingu, o porto fluvial de Altamira/PA apenas pode operar
com embarcações de pequeno porte. Cabe destacar que nesse rio está em
andamento a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, a terceira maior do
mundo. É interessante ressaltar que estão sendo construídas eclusas, juntamente
com a usina.
f) Sub-bacia do Trombetas
- Rio Trombetas - O rio Trombetas possui 800 km de extensão, dos quais
296 km são navegáveis, no trecho compreendido entre sua foz, no rio Amazonas, e
a Cachoeira Porteira. A cidade de Oriximiná/PA fica localizada a cerca de 30 km de
sua foz. Nesse rio existe o terminal fluvial de Trombetas, que é acessível a
embarcações marítimas, com capacidade até 30.000 toneladas de porte bruto. A
profundidade do rio Trombetas varia de 10 metros, no período de cheia, a 7 metros
durante o período de estiagem, no primeiro trecho (entre a sua foz até o porto de
Trombetas), e é reduzida a 4 metros, na época de águas altas, e a 1,50 metros
durante a estiagem, no segundo trecho (entre o porto de Trombetas até Porteira).
Cabe destacar que essa região é uma nas principais produtoras de bauxita do Brasil,
tornando o rio Trombetas essencial para a comercialização nacional e internacional
dessa mercadoria.
46
6 HIDROVIAS DE PAÍSES DESENVOLVIDOS
Enquanto o Brasil trata com algum descaso seus recursos do modal
hidroviário, países desenvolvidos aproveitam os recursos que possuem, em muitos
casos limitados, realizando o maior aproveitamento possível. Cientes da importância
e das grandes vantagens do modal hidroviário em relação aos demais aplicam
grandes investimentos, fazendo as obras e utilizando os meios necessários para
aumentar a segurança da navegação em suas hidrovias.
O gráfico abaixo ilustra a diferença de utilização deste modal entre o Brasil e
os países desenvolvidos, por meio da comparação da densidade do transporte
hidroviário entre os mesmos.
Gráfico 1: Densidade do Transporte Hidroviário
Fonte: Confederação Nacional do Transporte (CNT)
Outro parâmetro interessante para efeito de comparação da utilização do
modal hidroviário é demonstrado pela tabela abaixo, que mostra a participação
relativa dos diferentes modais no sistema de transporte de diferentes países. Cabe
ressaltar que os países desenvolvidos que apresentam um baixo percentual de
utilização do modal hidroviário não possuem a mesma disponibilidade de vias
navegáveis que o Brasil. No entanto, apesar do baixo percentual relativo de
participação do modal hidroviário, podem possuir um alto aproveitamento em termos
de densidade por área, como é o caso da Alemanha, que, apesar de apresentar um
47
percentual de 14% do modal hidroviário em sua matriz de transportes, possui uma
densidade de utilização por área quase nove vezes maior que a do Brasil.
Tabela 1: Participação relativa dos diferentes modais no sistema de transporte dos
países
Fonte: Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) - 2007
O aproveitamento de rios navegáveis para transporte, por países da Europa
e do Oriente, é praticada desde a Antiguidade. O Grande Canal Pequim-Hangzhou,
na China, com extensão de 1.800 km, foi construído entre os séculos V a.C. e VII
d.C., tendo sido ampliado posteriormente, beneficiado pela invenção das eclusas, no
século X. Hoje o Grande Canal possui 124.000 km de vias navegáveis, com mais de
900 eclusas. Somente para efeito de comparação, o Brasil, atualmente, possui
somente dezesseis (16) eclusas em todo o seu território (LINO, CARRASCO,
COSTA, 2008, p. 30). Atualmente, os Estados Unidos da América (EUA), possuem
uma das maiores e mais eficientes redes hidroviárias do mundo, com mais 40.000
km de extensão e 250 eclusas, para transporte de cargas e escoamento de sua
produção agrícola (LINO, CARRASCO, COSTA, 2008, p. 40).
Para exemplificar o alto padrão de segurança de algumas hidrovias de
países desenvolvidos, iremos analisar os seguintes sistemas:
- Os Estados Unidos da América criaram uma rede de hidrovias de 40.000
km de vias navegáveis. Dentro deste sistema, o complexo formado pelos rios
Mississipi – Missouri - Ohio é a hidrovia de maior tráfego no mundo (COSTA, 2001,
p. 26);
48
- A Europa possui 26.000 km de hidrovias, com 40% formadas pela
construção de canais de interligação. Neste sistema, a hidrovia formada pelos rios
Danúbio – Reno interliga o porto de Roterdã, na Holanda, ao Mar Negro, no leste
europeu, em um percurso de 3.500 km (COSTA, 2001, p. 27); e
- A ex-União Soviética (URSS) possuía cerca de 100.000 km de vias
navegáveis, muitas interligadas por mais de 100 eclusas e 10.000 km de canais
artificiais (COSTA, 2001, p. 27). O sistema de ligação entre o rio Volga e rio Don faz
parte deste complexo.
Como dito anteriormente, os Estados Unidos da América (EUA) possuem
uma das maiores e mais eficientes redes hidroviárias do mundo. As principais
hidrovias incluem os rios Mississipi, Tennessee, Missouri, Ohio e Arkansas. A
construção de canais de ligação entre as hidrovias foi iniciada após a independência
norte-americana, em 1776. Em 1885 foi construída a primeira eclusa, no rio Ohio.
Um bom exemplo para a região amazônica é o rio Tennessee, que corta sete
estados norte-americanos e era considerada a região mais pobre do país. Durante a
grande depressão americana (1933-45), o plano de recuperação governamental
“New Deal”, entre outras ações, criou a Autarquia do Vale do Tennessee (TVA), que,
durante duas décadas, introduziu melhoramentos como a construção de usinas
hidrelétricas, canais de navegação, hospitais, programas de eletrificação rural,
escolas, etc, utilizando o conceito de usos múltiplos das águas, o que transformou a
região em uma das mais prósperas dos EUA. Atualmente, o sistema de hidrovias
dos EUA opera com cerca de 1.200 empresas e mais de 1,25 bilhões de toneladas
por ano. O complexo Mississipi – Missouri - Ohio é a hidrovia com maior tráfego do
mundo (COSTA, 2001, p. 26).
No modelo norte-americano, o Corpo de Engenheiros do Exército Americano
(USACE), criado em 1882, é o responsável pela manutenção do sistema hidroviário,
com as seguintes atribuições principais:
- Planejamento, construção, manutenção e segurança da infraestrutura para
o apoio à navegação fluvial; e
- Construção e manutenção de eclusas e barragens, dragagem nos canais,
estruturas de auxílio à navegação, e proteção das margens dos rios.
Além disso, a Guarda Costeira realiza um trabalho similar as estrutura do
SSTA no Brasil, como providenciar auxílios à navegação, busca e resgate,
segurança da navegação, e certificação de embarcações. Também, existe uma
49
Administração Marítima, que tem a missão de apoiar e promover a navegação e as
ligações intermodais.
No entanto, o órgão principal deste sistema de gestão é o USACE, que
dispõe de uma verba de U$ 2 bilhões/ ano, o que corresponde a cerca de R$ 4,6
bilhões, para manter o sistema de transporte hidroviário. Para efeito de comparação,
como citado anteriormente, no Brasil, em um período de 10 anos (2002-2013), o
valor de investimentos autorizados pelo governo federal no setor foi de R$ 5,24
bilhões, sendo que somente R$ 2,42 foram efetivamente aplicados. Tal é o sucesso
do modelo de administração norte-americano que, em 2012, a Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), órgão
do governo federal brasileiro subordinado ao Ministério da Integração, contratou a
USACE para estudar alternativas que tornassem navegável o Rio São Francisco.
Na Europa, a hidrovia formada pelos rios Reno, Meno e Danúbio é uma das
mais importantes do continente. Possui 3.500 km de extensão e realiza a ligação do
Porto de Roterdam, na Holanda, no mar Báltico, até Constança, na Romênia, no Mar
Negro, percorrendo dez países: Holanda, Alemanha, Áustria, Eslováquia, Hungria,
Croácia, Sérvia, Romênia, Bulgária e Ucrânia.
O percurso da hidrovia é dividido em quatro trechos principais: 539 km do
Rio Reno de Roterdã até o Rio Meno na cidade alemã de Mainz; 384 km do Rio
Meno até Bamberg; 171 km do canal (Europa Canal) construído entre as cidades de
Bamberg e Kelheim, na Alemanha; e 2.411 km no Rio Danúbio de Kelheim até o Mar
Negro.
A hidrovia Reno-Meno-Danúbio permite a navegação de embarcações com
até 110 metros de comprimento, boca de 11,4 metros e calado de 2,5 metros, o que
significa transportar até 1.800 toneladas de carga por embarcação. No decorrer de
toda a sua extensão utiliza 406 eclusas que fazem a transposição de um desnível
total de 491 km.
Um dos trechos mais importantes foi o que possibilitou a ligação que
estabeleceu a hidrovia em toda a sua extensão. A “Europa Canal”, na Alemanha,
com 170 km de extensão, teve sua construção concluída em 1992, e consumiu 4,7
bilhões de marcos alemães, em uma grande obra de engenharia que sofreu várias
críticas, inclusive de ambientalistas, durante o seu longo período de construção.
Essa ligação hidroviária é constituída de obras de reorientação e canalização de
fluxos fluviais, envolvendo a construção de leitos artificiais, dezesseis eclusas,
50
estações de bombeamento, reservatórios e sistemas de recuperação d’água, e
venceu os 406 metros de altitude que separam a bacia fluvial do Reno da bacia do
rio Danúbio. Foi construída, então, uma série de “escadas d’água” para a subida e
descida das embarcações de um para o outro lado da montanha.
Nos países que formavam a ex-União Soviética (URSS) existem cerca de 50
mil km de hidrovias, entre as quais se destacam as dos rios Volga, Kama, Don,
Neva, Svir e Dniper.
O rio Volga possui 3688 km de extensão e é o mais longo rio da Europa.
Nasce no planalto de Valdai, no norte da Rússia, e atravessa as grandes planícies
deste país, desaguando no mar Cáspio. O rio Volga interliga, por meio de canais, os
mares Branco, Báltico, Cáspio, Azov e Negro, formando uma via fluvial importante
para o transporte de cargas no interior da Rússia. O Volga possui grandes trechos
navegáveis, e também desníveis que permitem o uso de suas águas para a geração
de energia elétrica. A navegação do Volga ampliou-se durante o governo de Stalin
com a construção de grandes eclusas, de modo a possibilitar a navegação por
navios de grande porte a partir do mar Cáspio em longos percursos de subida do rio.
A principal conexão é realizada pelo canal Volga-Don, com o rio Don, de
onde se atinge o Mar de Azov e daí ao Mar Negro. O canal Volga-Don possui 101
km de extensão. Além do canal Volga-Don, os canais Volga-Báltico, Mar Branco-
Báltico e o canal de Moscou completam o principal sistema de canais artificiais que
fazem a interligação deste grande sistema hidroviário. Assim, o porto de Moscou é
conhecido como o “porto dos cinco mares”, por sua ligação, por água, aos Mares
Báltico, Branco, Cáspio, Azov e Negro.
Desde o fim da União Soviética, cereais e petróleo encontram-se entre as
maiores cargas transportadas no rio Volga. O sistema hidroviário da ex-URSS tem
mais de 100 eclusas, 10 mil km de canais artificiais e transportava, à época da
URSS, cerca de 550 milhões de toneladas de carga por ano. Atualmente, nas
hidrovias russas operam cerca de 29 mil embarcações.
Desta forma, verificamos o enorme contraste entre os sistemas hidroviários
de países desenvolvidos, e suas gigantescas obras realizadas para o
aproveitamento múltiplo de seus rios, especialmente para navegação e os do Brasil,
cujas potencialidades naturais não estão sendo aproveitadas.
51
7 POSSÍVEIS MELHORIAS E SOLUÇÕES
Conforme visto nos capítulos anteriores do presente estudo, a situação do
modal hidroviário no Brasil é extremamente precária, principalmente se
considerarmos o enorme potencial de vias navegáveis disponíveis. Especialmente
na Amazônia, esta situação é agravada pela grande dependência em relação a este
modal de transporte.
É possível elencar uma considerável quantidade de deficiências que terão
que ser superadas para seu melhor aproveitamento: falta de investimentos; mau
emprego das verbas alocadas para o setor; excesso de atores com possibilidade de
ingerência neste modal; falta de estrutura dos órgãos que atuam no setor para
atendimento da demanda existente; péssimas condições de navegabilidade dos rios,
de forma geral, pela ausência de investimentos nos pontos críticos; ausência de
obras que permitam a possível ligação entre hidrovias, de forma similar ao que
ocorre em países desenvolvidos; inexistência de comitês de bacias hidrográficas que
possam estudar e propor soluções para os órgãos governamentais. Estas são
apenas algumas deficiências que podem ser levantadas por meio de uma rápida
análise. Existem outras, que serão analisadas a seguir de forma mais cuidadosa, ao
mesmo tempo em que apontaremos possíveis caminhos e soluções.
7.1 ESTRUTURA E NAVEGABILIDADE DAS HIDROVIAS
Para se atingir um bom padrão de segurança da navegação nas hidrovias
interiores, os seguintes fatores básicos são necessários (BRASIL, p. 1503):
- Documentação cartográfica (cartas náuticas ou croquis de navegação)
adequados, representando a hidrovia em escala apropriada, e de publicações de
segurança da navegação (Roteiro Fluvial, Lista de Faróis e de Sinais Cegos, Avisos
aos Navegantes, etc.) atualizadas;
- Sistema de Sinalização Náutica (balizamento) eficiente, que indique
continuamente ao navegante as ações a empreender para manter-se navegando no
canal, ou os perigos a evitar;
- Sistema de divulgação do nível do rio em diversas estações fluviométricas
ao longo da hidrovia;
52
- Normas e regulamentos especiais para o tráfego nas hidrovias, visando um
transporte seguro e a salvaguarda da vida humana e do meio ambiente; e
- Embarcações adequadas e providas de recursos específicos para a
navegação fluvial.
Além desses fatores, são necessárias obras estruturais nas hidrovias, a fim
de manter um canal de navegação seguro em suas condições mínimas, e
compatíveis com o calado das embarcações e do tipo de carga que irá transitar nela.
Como obras mínimas necessárias podemos citar: dragagem, derrocagem de
pedrais, retirada de paliteiros (acúmulo de troncos e outros detritos fincados no leito
do rio, comuns na bacia amazônica). Além das obras acima citadas, existem
outras obras necessárias, de maior complexidade, que devem ser realizadas para
transposição de grandes trechos “encachoeirados”, ligações entre diferentes
hidrovias por meio de canais artificiais e integração de diferentes modais de
transporte: construção de eclusas ou outros tipos de artifícios de transposição. É
importante ressaltar que a construção de eclusas deve ser prevista no projeto e
realizada juntamente com as obras de hidrelétricas e canais de navegação, pois, de
uma forma geral, o custo representa cerca de 10% do valor da obra, enquanto que,
se for realizada após a prontificação da mesma, seu custo aumenta de uma forma
considerável em muitas vezes (COSTA, 2001, p. 38).
O autor considera que, para permitir a operação de nossas hidrovias, na
Amazônia, com alguma eficiência, algumas ações são necessárias; quais sejam:
1) Implementação do Plano Cartográfico para a Bacia Amazônica pela
Marinha, cujos resultados fornecerão subsídios para elaboração da documentação
cartográfica necessária e para a implantação do balizamento e sinalização náutica e
locais onde será necessária a realização de dragagens, pelo DNIT. Para a
consecução desta ação, será necessária a alocação dos recursos necessários pelo
Governo federal, incluindo a aquisição dos meios de levantamento hidrográfico;
2) Implantação da sinalização e balizamento necessário, na rede
hidroviária amazônica, utilizando os subsídios fornecidos pela MB, cuja
responsabilidade é do DNIT, por meio de suas administrações hidroviárias na
Amazônia, a AHIMOC e AHIMOR;
3) Aumento da quantidade de estações fluviométricas, no percurso das
hidrovias da bacia amazônica, cuja responsabilidade é da ANA, o que permitirá um
monitoramento mais consistente do nível dos rios da região; e
53
4) Planejamento e construção de meios de transposição e canais de
ligação na rede hidroviária da bacia amazônica. A implementação desta ação não é
simples e representa um considerável aumento de custo. No entanto, é necessária a
vontade política do Poder Executivo para a execução destas obras de alto valor
estratégico. Os resultados e a aceitabilidade são elevados e irão contribuir
sobremaneira para o desenvolvimento da Amazônia. Nesta ação podemos citar
algumas possíveis obras, algumas delas de grande dificuldade de execução, mas de
resultados econômicos e de integração com países sul americanos consideráveis:
- Rio Madeira – obras de transposição de pontos críticos entre a cidade de
Porto Velho e Guajará-Mirim (RO), em um percurso de 360 km, incluindo a
canalização de cursos d’água e a construção de eclusas, que vencerão um desnível
de 72 m e as Usinas Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Caso sejam superados
os pontos críticos na região de Guajará-Mirim, poderá ocorrer a interligação com os
rios Mamoré e Guaporé e, assim, a Hidrovia Madeira-Mamoré-Guaporé teria uma
extensão de mais de 3.000 km, e faria a ligação entre as cidades de Vila Bela da
Santíssima Trindade, no estado do Mato Grosso e o Porto de Itacoatiara, permitindo
ainda a integração hidroviária com a Bolívia e o Peru, viabilizando o escoamento de
mercadorias como a soja, madeira e minerais, por meio de portos dos oceanos
Atlântico e Pacífico;
- Rio Negro – obras de transposição, incluindo derrocamento, do trecho
existente em São Gabriel da Cachoeira, no alto rio Negro, o que permitiria a ligação
com a bacia do rio Orinoco, na Colômbia e Venezuela;
- Rio Branco - obras de transposição, incluindo derrocamento, do trecho que
se inicia a 14 km acima da cidade de Caracaraí (RR), conhecido como “cachoeira do
Bem Querer”, permitindo o acesso fluvial até a cidade de Boavista, capital de
Roraima, e, a partir daí, o acesso à Venezuela e Guiana, incluindo a interligação
com outros modais;
- Hidrovia Tapajós-Teles Pires - atualmente, a extensão navegável é de 345
km, do porto de Santarém, na foz do rio Tapajós quando deságua no rio Amazonas,
até as corredeiras de São Luís do Tapajós, na cidade da Itaituba. Será necessária a
execução de algumas medidas estruturais, entre as quais a implantação de
balizamento do canal de navegação no trecho atualmente navegável, entre
Santarém e as corredeiras de São Luís do Tapajós; a construção de um canal para
ultrapassar o trecho dessas corredeiras, além da execução de serviços de
54
derrocamento e da construção de eclusas para transposição do desnível existente;
execução de obras de dragagem e de derrocamento e implantação do balizamento e
sinalização da via para os demais trechos. Com isso, pode-se estender a hidrovia
até a cachoeira Rasteira, 185 km acima da confluência dos formadores do Tapajós,
os rios Teles Pires e Juruena, atingindo um total de 1.043 km, somando-se as
extensões do Tapajós com o Teles Pires. A implantação de dispositivos de
transposição e ligação com os rios Teles Pires ou Juruena resultaria no surgimento
de uma excelente rota alternativa para o escoamento da safra agrícola das regiões
norte e nordeste do Mato Grosso e centro-sul do Pará; e
- “A Grande Hidrovia” - ao contrario da ligação hidrográfica leste-oeste,
impedida pela Cordilheira dos Andes, a ligação no sentido norte-sul é possível, entre
as bacias do Orinoco-Amazonas-Prata. A ligação entre o Caribe e o rio da Prata já
foi planejada no Plano de Viação Fluvial de 1947 e mantida nos planos nacionais de
viação aprovados em 1951 e 1973. Entretanto, não foi prevista no atual Plano
Nacional de Logística e Transportes (PNLT). Esta ligação beneficiaria diretamente
Venezuela, Colômbia, Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai e, indiretamente
Peru, Equador e Chile. O percurso desta “Grande Hidrovia” incluiria o rio Orinoco,
que corta Venezuela e Colômbia, o canal de Cassiquiari (225 km), os rios Negro,
Amazonas, Madeira, Mamoré, Guaporé, Paraguai, Paraná e Prata, em uma
extensão total de 9.800 km. Para a consecução deste projeto são necessárias obras
de dragagem e correção no canal de Cassiquiari e a transposição, por meio do
estabelecimento de um canal de ligação, do divisor de águas Amazonas-Prata entre
o extremo navegável do rio Guaporé (Vila Bela de Santíssima Trindade) e a
confluência do rio Jauru no Paraguai, pouco abaixo de Cáceres (MT), ponto inicial da
hidrovia do Paraguai-Paraná, além das obras já citadas nos rios Negro e Madeira.
Trata-se de um projeto estratégico ambicioso e de alto custo. Mas também exeqüível
e de resultados consideráveis, não somente para o Brasil, mas para a integração sul
americana.
7.2 CONSTRUÇÃO NAVAL
Não se pode falar sobre segurança da navegação em hidrovias interiores
sem que as embarcações que nelas trafegam não atendam aos requisitos mínimos,
seja nos aspectos estruturais, seja nos equipamentos e materiais que devem fazer
55
parte da dotação de bordo. Como foi visto no capítulo 3 do presente estudo, grande
parte das embarcações que transitam nas hidrovias da bacia amazônica não
possuem a segurança necessária em nenhum dos aspectos acima citados. Vários
fatores contribuem para este fato: fatores de ordem cultural, relacionados à
construção artesanal de embarcações, tanto as de pequeno como as de médio
porte, sem observar as exigências técnicas mínimas e sem que exista um projeto
aprovado por profissional da área de engenharia naval, além da falta de um
acompanhamento durante o processo da construção; a carência de engenheiros
navais e tecnólogos habilitados na região; baixa qualidade dos estaleiros que
realizam a construção naval; falta de subsídios governamentais ou excesso de
burocracia em sua aquisição, que possibilitem o incremento de construção de
embarcações de melhor qualidade. Com base nestas observações, podemos sugerir
algumas ações que possam mitigar as referidas deficiências do setor de construção
naval.
O autor considera que, para estimular a construção naval na Amazônia,
algumas ações são necessárias; quais sejam:
1) Elaboração e revisão de legislação específica que regule a construção
de embarcações, especialmente na região amazônica. As embarcações artesanais
de madeira devem ser gradativamente substituídas por embarcações com casco de
aço naval e, preferencialmente, com estruturas que acompanhem o material do
casco. Deve ser dada especial atenção aos requisitos de estanqueidade de
compartimentos, o que atualmente não é observado na região. Deve ser observada
a gradativa proibição do transporte de passageiros em redes amarradas nos
conveses. Além dos aspectos de conforto, tais acomodações se revestem de
enorme perigo em situações de necessidade de abandono por naufrágio, pois a
grande quantidade de redes se transforma em uma verdadeira “teia”, que
impossibilita aos passageiros sua movimentação a bordo e o acesso aos seus
coletes salva-vidas;
2) Aumento e aperfeiçoamento da qualificação de trabalhadores da
construção naval. Criação e aumento da disponibilidade de cursos de nível técnico e
superior para a formação desses profissionais;
3) Aumento da disponibilidade de vagas e criação de novos cursos para a
formação de profissionais da área de engenharia naval, sejam engenheiros ou
tecnólogos. Ampliação dos cursos, como o existente na universidade FATEC, na
56
cidade de Jaú (SP) e o recentemente criado na Universidade do Estado do
Amazonas (UEA), para formação destes profissionais;
4) Aumento dos subsídios para a criação de novos estaleiros. Este
incentivo deve ser acompanhado do aumento da fiscalização destes estaleiros, tanto
nos aspectos estruturais, técnicos, de segurança e trabalhistas. Especial atenção
deve ser dada à fiscalização das embarcações que estejam sendo construídas, se
existe o projeto de construção e se a mesma está sendo acompanhada pelo
respectivo responsável técnico;
5) Construção do pólo de construção naval do Amazonas, nas
proximidades da cidade de Manaus. Deverão ser envidados todos os esforços em
cumprir o planejamento e cumprimento do cronograma previsto para sua construção
dentro do prazo planejado; e
6) Aumento dos subsídios governamentais, federal e estadual, para a
construção naval. Estudar e implementar medidas que facilitem o acesso e aquisição
ao financiamento, em especial pelos pequenos e médios construtores de
embarcações.
7.3 SEGURANÇA DE EMBARCAÇOES
No capítulo 4 do presente estudo, foi visto e analisado o papel que a Marinha
do Brasil (MB) desempenha neste processo de segurança da navegação. De uma
forma bastante resumida, podemos dizer que suas atribuições são de vistoriar as
embarcações para suas regularizações, por meio da emissão de documentação
específica; fiscalização do tráfego aquaviário; e formação do pessoal condutor de
embarcações, os fluviários, no caso da região da Amazônia. Estes aspectos estão
intimamente ligados à segurança das embarcações e, se bem desempenhados pela
MB, contribuirão de forma decisiva para a segurança da navegação. No entanto, o
cumprimento destas atribuições possui grande grau de dificuldade, principalmente se
considerarmos a imensidão amazônica e todos os aspectos inerentes a mesma.
O autor considera que, para aprimorar a segurança das embarcações e da
navegação na Amazônia, algumas ações são necessárias; quais sejam:
1) Cumprimento do cronograma de ampliação de OM do Sistema de
Segurança do Tráfego Aquaviário, por meio da criação e elevação de OM na região
amazônica, de acordo com o previsto no Plano de Articulação e Equipamento pela
57
Marinha do Brasil, até 2031. A quantidade atual de OM na região é insuficiente para
o cumprimento de suas atribuições de uma forma satisfatória, a despeito dos
enormes esforços desempenhados pelos militares e servidores civis que as
guarnecem;
2) Aumento da quantidade e melhoria da especialização do pessoal que
serve nestas OM. Este processo envolve a revisão das tabelas de lotação destas
OM pelas Diretorias envolvidas na MB. Além disso, envolve o aumento dos efetivos
de Oficiais e Praças da MB, de forma geral, e deverá contar com o cumprimento do
que está previsto na Estratégia Nacional de Defesa (END), inclusive pelo Governo
Federal em termos do aumento do efetivo das Forças Armadas. Em relação à
especialização do pessoal que trabalha nas OM do SSTA, deve ser estudada uma
forma de conciliar a necessidade de rodízio de pessoal e uma possível criação de
um quadro especializado nesta atividade, dentro da MB;
3) Melhoria da eficiência da formação, quantitativa e qualitativa do
pessoal fluviário. Para implementar este aspecto, será necessária e revisão dos
currículos, conciliando a normas internacionais com os aspectos regionais,
ampliação e especialização do quadro de instrutores dos cursos de formação,
melhoria da estrutura física e aquisição de equipamentos e material instrucional,
tanto para as Capitanias e suas OM subordinadas, quanto para o recém criado
Centro Técnico de Formação de Fluviários da Amazônia Ocidental (CTFFAO),
incluindo o material necessário para a realização das aulas práticas relacionadas
aos cursos. Implementação de convênios com instituições de ensino capazes de
contribuir com a MB na consecução desta tarefa; e
4) Ampliação do acesso ao ensino fundamental e médio para os
interessados na realização dos cursos de formação. A matrícula nos cursos tem
como requisito básico para o pessoal a escolaridade do ensino fundamental, de
forma que eles possam acompanhar as aulas de forma satisfatória.
7.4 ATORES ENVOLVIDOS
Além da atuação da MB na segurança da navegação nas hidrovias da
Amazônia, analisamos anteriormente a atuação de outros atores. Pode-se
depreender que existe um excesso de atores envolvidos, muitas vezes com
sobreposição de tarefas e interferência mútua entre as mesmas. Além disso, verifica-
58
se uma ineficiência no cumprimento de suas atribuições. Contribui para este fato a
falta de pessoal e estrutura dos referidos órgãos, como DNIT, ANA, ANTAQ, e o
CNRH. Não existem comitês de bacias hidrográficas na região amazônica, o que
contribui para a inexistência de planejamento e de pressão sobre o poder público
para execução das ações necessárias.
Existe uma grande pressão ambientalista sobre a atuação dos atores
envolvidos e para esvaziamento de suas ações. Atuação indesejável de
Organizações não Governamentais (ONG), e a existência de terras indígenas em
regiões onde seria necessária a realização de obras estruturais, acabam por atrasar
e impedir, em muitas ocasiões, a emissão da licença ambiental para sua
consecução. A vinculação da Agência Nacional de Águas (ANA) ao Ministério do
Meio Ambiente, justamente a entidade responsável por cercear a concessão de
licenças ambientais, acaba por criar um conflito, principalmente se considerarmos a
importância desta agência, responsável por implementar a Política Nacional de
Recursos Hídricos e o importante conceito de uso múltiplo das águas, tão bem
explorado pelos países desenvolvidos. Enfim, a criação da Lei no 9.433 acabou por
criar um paradoxo, atribuindo a responsabilidade pela gestão de recursos hídricos a
uma Agência vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, justamente o órgão
responsável pela legislação ambiental, que termina por conflitar com a execução de
obras hidroviárias.
Por fim, sobre a atuação de atores não governamentais, como sindicatos,
associações e federações, podemos dizer que eles servem como instrumento de
pressões políticas sobre o Governo e suas entidades subordinadas, apesar de, em
muitas ocasiões, atuarem tão somente de acordo com os interesses de seus
associados, mesmo que esse interesse contrarie a segurança da navegação.
O autor considera que, para aprimorar a atuação dos órgãos envolvidos na
navegação na Amazônia, algumas ações são necessárias; quais sejam:
1) Criação de um Grupo de Trabalho, de alto nível, a fim de estudar e sugerir
alterações da legislação vigente acerca das agências e autarquias que atuam na
segurança da navegação, de suas vinculações e suas atribuições;
2) Criação de um Grupo de Trabalho, de alto nível, a fim de estudar e sugerir
possíveis alterações na Política Nacional de Recursos Hídricos, que priorizem a
utilização deste recurso no transporte hidroviário;
59
3) Aumentar a dotação de pessoal e recursos financeiros para os órgãos
citados, que possibilite um aumento da eficácia na sua atuação na navegação em
hidrovias interiores;
4) Estudo sobre a viabilidade de concessão para a iniciativa privada ou da
transferência para os estados e municípios da administração de algumas hidrovias.
O governo federal passaria a administrar somente os rios que são navegáveis em
mais de um estado, como previsto na Constituição Federal;
5) Criação de novos comitês das bacias hidrográficas na Amazônia,
possibilitando o aumento de sua atuação na região, conforme previsto em suas
atribuições legais;
6) Desvinculação da Agência Nacional de Águas do Ministério do Meio
Ambiente, alterando sua vinculação para outro órgão mais apropriado,
possivelmente o Ministério dos Transportes;
7) Reestudo das políticas ambientalistas e da atuação de ONG, de forma a
minimizar as dificuldades na concessão de licenças ambientais para a execução de
obras em hidrovias;
8) Incremento na realização de fóruns e seminários com participação de
sindicatos e associações ligadas ao transporte aquaviário, de forma a ampliar a
conscientização sobre a necessidade de conciliar os interesses de associados ao
desenvolvimento com segurança e sustentabilidade do modal hidroviário; e
9) Implementação da atual Política Nacional de Logística de Transporte
(PNLT), para o período de 2011-2031, publicada em relatório executivo em 2012, de
forma a aumentar a participação do modal hidroviário na matriz de logística de
transporte brasileira, no período considerado.
7.5 INVESTIMENTOS
No decorrer do presente estudo foi visto que o investimento do Governo
Federal em hidrovias é pífio e não aproveita o considerável potencial que o país
dispõe, além de suas enormes vantagens em relação aos demais. De acordo com
dados disponibilizados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), no período
janeiro a novembro/2013, o Governo Federal investiu o total de R$ 8,72 bilhões em
transportes. O gráfico abaixo mostra a distribuição deste valor do modal. Enquanto o
modal rodoviário recebeu 76,4% dos investimentos, o que representa um valor de
60
R$ 6,65 bilhões, o modal hidroviário foi o que menos investimentos recebeu, apenas
1 % do total, o que representa um valor de R$ 80 milhões. Como vimos
anteriormente, o Corpo de Engenheiros do Exército Americano dispõe de uma verba
de U$ 2 bilhões/ ano, o que corresponde a cerca de R$ 4,6 bilhões, para manter o
sistema de transporte hidroviário. Este montante é quase 60 vezes maior do que o
valor que a União investe no modal hidroviário no Brasil!
Gráfico 2: Investimentos da União em transporte por modal
Fonte: Confederação Nacional do Transporte (CNT)
O autor considera que, para aprimorar os investimentos neste modal,
especialmente na Amazônia, algumas ações são necessárias; quais sejam:
1) Aumento do valor anual de investimento governamental no modal
hidroviário;
2) Aumento da prioridade de investimentos federais em hidrovias;
3) Criação de um fundo especial para investimento em hidrovias, cuja
gestão deverá ser realizada pelo Ministério dos Transportes. Para criação do referido
fundo, o inciso IX do art. 167 da Constituição Federal deverá ser modificado; e
4) Criação de uma campanha de conscientização, para o poder político e
para a sociedade em geral, da necessidade de investimentos no setor hidroviário,
para o bem do desenvolvimento nacional, especialmente da Amazônia. Esta
campanha poderá ser conduzida por setores privados diretamente interessados,
como, por exemplo, a FENAVEGA.
61
8 CONCLUSÃO
O presente trabalho procurou apresentar um panorama sobre a situação das
hidrovias no Brasil, em todos os seus aspectos envolvidos, especialmente na região
amazônica, foco principal deste estudo. Dentro destes aspectos, foram estudados
aqueles relacionados à segurança da navegação como fator fundamental para o
desenvolvimento do referido modal e da região. A partir deste panorama,
procuramos fazer um paralelo com as principais hidrovias de países desenvolvidos
e, a partir desta análise, propor algumas melhorias e soluções que possibilitem o
desenvolvimento hidroviário, que, atualmente, se encontra em uma situação
bastante precária.
Inicialmente, foram abordados diversos conceitos ligados às vias navegáveis
e às hidrovias. Em seguida, foram colocados os principais rios e hidrovias que
formam a bacia amazônica. No capítulo seguinte, foram comparados os custos
envolvidos e as vantagens e desvantagens entre os diversos modais. Na análise
comparativa, ficaram claras as grandes vantagens do modal hidroviário em relação
aos demais. Em seguida, foram mostrados alguns fatores característicos do modal
hidroviário da Amazônia, tipos de cargas e os diversos tipos de embarcações que as
transportam, bem como sobre a construção das mesmas. Foram, também,
analisados dados sobre o transporte de passageiros. A seguir, foram citados e
analisados os diversos atores que atuam no modal hidroviário amazônico, e suas
respectivas atribuições. Após, foi mostrada a atual situação de navegabilidade e
estrutura dos principais rios da Amazônia. No capítulo seguinte foram mostrados os
sistemas hidroviários de países desenvolvidos, deixando clara a grande inferioridade
do Brasil em relação aos mesmos. Por fim, foram colocadas possíveis sugestões
que permitam melhorar o quadro atual, fruto da análise comparativa entre todos os
tópicos que foram levantados e dos modelos hidroviários de países desenvolvidos.
De tudo o que foi visto e analisado e das diversas conclusões a que
chegamos, ficou claro que o Brasil tem um longo caminho a percorrer no
desenvolvimento do modal hidroviário, especialmente na Amazônia. O Governo
Federal não pode ignorar o imenso potencial de vias navegáveis e o grande valor
estratégico da região amazônica.
Portanto, chegamos ao ponto de decisão entre dois rumos opostos: o país
escolhe implementar ações urgentes, enérgicas e que exigem coragem política, para
62
iniciar as obras e investimentos necessários e aproveitar o excelente potencial de
vias navegáveis de que dispomos, ou opta por continuar com a política atual, fadada
ao insucesso e ao desperdício dessas vias naturais.
Diante de tais perspectivas, ficam claras as duas alternativas para o futuro da Amazônia. A primeira é a proposta do movimento ambientalista-indigenista internacional, de mantê-la como uma espécie de “África neocolonial”, com populações atrasadas à margem da civilização, salpicada de grandes reservas naturais e indígenas e controlada de fato por interesses externos, por intermédio das ingerências políticas de um exército irregular de ONGs descompromissadas com os interesses nacionais. A outra possibilidade é converter a região em uma “Europa tropical”, dando início a um processo de desenvolvimento singular na história da humanidade, com o estabelecimento de uma economia moderna e industrializada, criando-se “corredores de desenvolvimento” semelhantes aos que caracterizam a região atravessada pela hidrovia Reno-Danúbio, coração da área mais industrializada e de mais elevados níveis de vida e proteção ambiental do planeta. Tudo isso pode vir a ser uma realidade em uma região até agora considerada incapaz de sustentar uma população industrializada [...] (LINO; CARRASCO; COSTA, 2008, p. 53).
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REFERÊNCIAS
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ANEXO A – EMBARCAÇÕES QUE NAVEGAM NA AMAZÔNIA
Navio Gaseiro
Comboio graneleiro composto de empurrador e 12 balsas
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ANEXO B – ATORES QUE ATUAM EM VIAS NAVEGÁVEIS
Instituições que atuam nas vias navegáveis
Fonte: Confederação Nacional do Transporte (CNT)