machado, m - sobre viena fin-de-siècle, velhos mestres

Upload: monica-machado

Post on 19-Oct-2015

64 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Seminário apresentado durante curso de mestrado, para Ronaldo Lima Lins, Letras, UFRJ.

TRANSCRIPT

  • Velhos mestres Nos finais do sculo XIX, os efeitos da mudana cultural e poltica nas

    cidades, nas pessoas e nos saberes.

    Carl Schorske, professor do Departamento de Histria da Universidade de

    Princeton, nos Estados Unidos, nasceu em Nova York e freqentou as

    universidades de Columbia e Harvard. Lecionou nas universidades de Wesleyan

    e Berkeley na Califrnia. Foi membro da Academia de Artes e Cincia

    Americana.

    Introduo p. 13

    No Viena fin-de-sicle, Schorske comea por situar o leitor no tempo de seu

    trabalho, o final do sculo XIX, em que, segundo o historiador, o moderno

    chegou para

    diferenciar nossas vidas e nossos tempos de tudo o que precedeu, de

    toda a histria enquanto tal. A arquitetura moderna, a msica moderna,

    a filosofia moderna, a cincia moderna todas se definem no a partir

    do passado, e na verdade nem contra o passado, mas em independncia do

    passado. A mentalidade moderna tornou-se cada vez mais indiferente

    histria porque esta, concebida como uma tradio nutriz contnua,

    revelou-se intil para ela. [p.13]

    O historiador diz que se trata de uma evoluo. Aqui eu pontuo, era mudana

    mesmo, evoluo ainda guarda a noo do passado, e Schorske parte da para

    caminhar tateando, desmatando trilha, na filosofia, na msica, nas artes

    plsticas e na poltica e nesse seu caminhar pelos ramos repartidos do

    conhecimento, o historiador acaba por identificar uma ordem unificadora

    dessa fragmentao, a partir da interao entre a poltica e a cultura.

    So vrios ensaios independentes, entretanto, sua unidade mantida a

    partir dessa interao entre poltica e cultura; cada parte aborda um

    aspecto da cultura da cidade: a poltica, o sionismo, a literatura, as

    artes plsticas, a msica.

    Schorske passa a apresentar essa modernidade e suas caractersticas: o

    questionamento da hegemonia da razo, a abertura para o interior, o

    reconhecimento da unidade como compsita de elementos heterogneos em

    conflito, e uma profunda busca de origens impulsionada por esse desamparo

    na mudana. Schorske faz uma abrangente reflexo sobre a condio humana a

    partir desses eventos polticos, culturais, filosficos e intelectuais; faz

    tambm uma coleo dos registros arquitetnicos, mapas, projetos,

    fotografias para compor o seu retrato. Nesse ambiente de desfazimento, toma

    fora a idia do homem psicolgico (onipresente no livro); Schorske defende

    que ele surge durante a crise poltica e cultural de Viena, na verdade que

    ele impulsionado a agir exatamente por causa dessa crise.

    Aquela definio do moderno, de superao-descarte do passado, o

    historiador a aproxima ao entendimento de morte que tem a psicanlise.

    ao nvel mais bvio p. 13

    E era uma revolta no tanto contra os pais, mas contra a autoridade da

    cultura paterna que lhes fora legada; uma crtica ubqua e simultnea, em

  • 2

    todos os lugares de cultura e sociedade e ao mesmo tempo. O paradoxo que

    esse esforo libertador dos grilhes do passado impulsionou a libertao da

    imaginao, permitiu a proliferao de novas formas e novas

    construes. Inversamente, a conscincia da rpida transformao na

    histria presente enfraquece a autoridade da histria como passado

    relevante. p. 14

    Ainda na introduo, Schorske explica a difcil situao de seu prprio

    trabalho [como historiador da cultura], que antes

    dispunha de categorias descritivas abrangentes, usadas pelos

    intelectuais do sculo XIX para mapear o desenvolvimento da sua poca:

    racionalismo e romantismo, individualismo e socialismo, realismo e

    naturalismo, e assim por diante. Por amplas e reducionistas que

    pudessem ser, essas categorias serviram para montar um estrutura na

    qual se poderia analisar e relacionar a um contexto histrico mais

    amplo os esforos concretos, em suas particularidades dos produtores

    da alta cultura europia para decifrar o sentido da vida p. 15

    Esses cortes ou o desfazimento,

    nos vrios campos acadmicos profissionais, a linha diacrnica, o fio

    de conscincia que ligara as buscas atuais s preocupaes passadas de

    cada campo, ou fora cortada ou estava se desfazendo. p. 16

    Deixaram a idia de uma histria desacreditada ou, nos termos de definio

    do moderno: intil. E isso escrito como um aprendizado ao prprio

    Schorske, historiador no que eu vejo como um alerta lucidez.

    eles desfizeram p. 16

    Quando Schorske entende o que

    necessrio, conhecer os mtodos crticos da cincia moderna para

    interpret-la historicamente, da mesma forma preciso conhecer os

    tipos de anlise empregados pelos estudiosos modernos de humanidades

    para abordar a produo cultural no cientfica do sculo XX p. 17

    Ele avisa o porqu de ter adotado o discurso e os mtodos analticos da

    psicanlise, do enfrentamento do passado, da revolta edpica. Schorske

    encontra elementos de apoio para suas reflexes a respeito do indivduo na

    modernidade e a respeito de como os indivduos se reconheceram depois. Ele

    admite aprender com as disciplinas especializadas e faz o paralelo com o

    trabalho do tecelo. A sincronia e a diacronia, sendo que

    o fio diacrnico a urdidura p. 17

    Em meio a uma fragmentao generalizada [resultada da dana dos

    princpios, numa expresso tomada a Schoenberg] parecia imperativo ao

    historiador buscar apoio em outras disciplinas. Os novos crticos, na

    literatura, voltaram-se para uma anlise atemporal, interna e formal das

    obras. Depois do New Deal, na poltica, os rumos iam em direo a um

    reinado ahistrico e politicamente neutralizador dos comportamentalistas.

    Em economia, os tericos matemticos ampliaram o domnio sobre os

    institucionalistas mais antigos e os keynesianos de orientao poltica. Na

    msica, uma nova cerebralidade (inspirada em Shoenberg e Schenker)

  • 3

    destruam as preocupaes histricas da musicologia. A filosofia, marcada

    por seu carter e continuidade histricos, viu crescer a escola analtica

    contestando a validade das questes tradicionais que interessavam aos

    filsofos desde a antiguidade; visava uma operao mais pura, restrita nas

    reas da linguagem e da lgica (Wittgenstein e Heidegger?). A nova

    filosofia rompeu os laos com a histria em geral e o passado especfico de

    sua prpria disciplina.

    Schorske consegue escrever com essa complexidade, consegue perceber a

    sutileza na mudana de seu enfoque historiador e ainda consegue tratar com

    beleza e metfora o seu prprio trabalho entre os diversos movimentos e

    elementos da sociedade vienense e sua mudana cultural, e ainda o faz em

    outro tempo, muito mais adiante.

    A partir da, Schorske fala da estratgia que adotou, a experincia social

    como base de coeso e terreno prprio para a fertilizao dos elementos

    culturais. quando o autor se volta para caractersticas humanas,

    biografias. Ainda na introduo ele fala em falncia do otimismo, ondas de

    pessimismo, dvida, sensao de impotncia, rigidez defensiva, capitulao,

    refere-se aos intelectuais e ao enfraquecimento das premissas iluministas

    sob os efeitos das mudanas polticas, que levou a intelligentsia a uma

    crise que impunha uma mudana na perspectiva filosfica geral, que abrigava

    as posies liberais ou radicais. Religio e sapientia aristocrtica se

    tornaram atraentes a liberais antes indiferentes, e a intelectuais antes

    mais interessados no racionalismo tico.

    Seus contemporneos comearam a perceber que a busca e a compreenso dos

    males que afligem a humanidade tenderam a se deslocar do domnio pblico e

    sociolgico para o privado e o psicolgico. [p. 19]

    Foi o interesse dos Estados Unidos nessa ustria pr-1918 que provocou a

    investigao de onde se forjaram as idias, os problemas e as experincias,

    no contexto social e poltico. Schorske queria entender o pensamento que

    instigava seus contemporneos. E nesse lugar volta a situar a tarefa do

    historiador, de que a anlise histrica,

    pode, ao menos, revelar as caractersticas que a histria legou

    concepo e ao nascimento dessa cultura. Ao elucidar a gnese,

    significado e limitaes das idias em sua poca, poderemos entender

    melhor as implicaes e significao das nossas atuais afinidades com

    elas p. 20

    O historiador delimita uma cidade como campo de trabalho

    Viena como unidade de estudo condizia com o novo interesse nos

    Estados Unidos, despertado por Freud e seus contemporneos. Finalmente

    para manter intato o potencial sintetizador da histria, enquanto a

    prpria cultura e respectivas anlises vinham se desistoricizando e

    pluralizando, fazia-se necessrio delimitar uma entidade social

    razoavelmente pequena, mas rica em termos de criatividade cultural p.

    21

    Na ustria, a classe mdia liberal teve ascendncia e crise em um perodo

    muito curto, num clculo otimista, quatro dcadas (1860-1900). Mal

    comemorou-se a vitria vieram os recuos e a derrota.

    Numa expresso tomada a Hebbel, a ustria atrasada, em sbito trabalho de

    parto, tornou-se como disse o seu poeta o pequeno mundo onde o grande

    realiza seus testes. Em Viena, era slida a coeso entre toda a elite da

  • 4

    alta cultura, nos sales e nos cafs. A correlao entre a alta cultura e a

    transformao social e poltica ocorrida e foi o fio condutor do trabalho

    de Schorske.

    para essa investigao multidisciplinar em bases polticas, Viena

    fin-de-sicle oferecia vantagens incomuns. Quase simultaneamente, rea

    aps rea, a intelligentsia da cidade realizou inovaes, que viriam a

    ser identificadas em toda esfera cultural europia como escolas

    vienenses principalmente na psicologia, histria da arte e msica.

    Mas mesmo nos campos onde as realizaes austracas tardaram mais a

    obter o reconhecimento internacional literatura, arquitetura,

    pintura e poltica, por exemplo , os austracos entregaram-se a

    reformulaes crticas ou transformaes subversivas de suas

    tradies, que foram reconhecidas pela sociedade como radicalmente

    novas, quando no efetivamente revolucionrias. O termo die Jungen,

    designao comum aos revoltes inovadores, difundiu-se entre as vrias

    esferas da vida. Inicialmente empregado na poltica dos anos 1870, em

    relao a um grupo de jovens revoltados contra o liberalismo austraco

    clssico, a expresso logo apareceu na literatura (Jung Wien), e a

    seguir entre os primeiros artistas e arquitetos a adotar o art nouveau

    e lhe conferir um carter austraco prprio. [p. 21]

    Ainda uma vez, a forma a biogrfica; Schorske elegeu os representantes

    estratgicos dos diversos movimentos polticos e culturais na Viena do

    final do sculo XIX, e por suas biografias retratou um quadro geral das

    transformaes da sociedade vienense, apresentado enquanto se desenrolam a

    descrio da mudana do pensamento e a vida desses personagens. Sua tnica

    de informaes e buscas se concentra exatamente no perodo em que a crise

    do liberalismo se agravou e gerou profundas transformaes na humanidade e

    em todas as sociedades aps esse tempo.

    Entre os produtores culturais selecionados esto os escritores e

    teatrlogos Arthur Schnitzler e Hugo von Hofmannsthal, os arquitetos

    Camillo Sitte e Otto Wagner; o pan-germanista e anti-semita radical Georg

    von Schrer; o prefeito anti-semita vienense Karl Lueger; o sionista

    romntico Theodor Herzl; o prprio Freud, o pai da psicanlise; o artista

    plstico Gustav Klimt; o escritor Adalbert Stifter; o compositor Arnold

    Schnberg e o artista Oskar Kokochka.

    Cada um dos um ensaio autnomo, em si fechado e completo, desenvolvendo a

    tese geral com recurso a dados especficos dos diferentes campos da arte.

    I

    Poltica e psique: Schnitzler e Hofmannsthal

    A Valsa de Ravel.

    Cada elemento arrastado, sua velocidade [] no caos da totalidade [p. 25-

    26]

    Homem, natureza do indivduo psicolgico [p. 26]

    Crise da poca. Caractersticas particulares entre componentes moralistas e

    estticos [p. 27]

    Grupos sociais e poder aristocrtico (1860)

    Partidos polticos (1880)

    A cultura moral e cientfica da haute bourgoise [p. 28]

  • 5

    A cultura tradicional (esttica) [p. 29]

    Religio, fonte de sentido e alimento do esprito [p. 30]

    Individualismo, narcisismo, sensibilidade, hedonismo e ansiedade [p. 31]

    Arthur Schnitzler (1862-1931)

    Tenso e entre-lugar, ambivalncia.

    Como os temas de La Valse de Ravel, o verdadeiro eu de cada personagem

    distorcido pelo turbilho frentico do conjunto. [p. 33]

    O vazio de valores [p. 34]

    Hugo von Hofmannsthal (1874-1929)

    O sofrimento de Hofmannsthal [p. 36]

    Arte, trabalho, natureza; pai, marido, amante; pintor grego, ferreiro,

    centauro [p. 38]

    Idlio sobre uma pintura de vaso antigo

    A vida dos instintos [p. 39]

    O poeta, um tanto semelhana do historiador, aceita a

    multiplicidade das coisas em sua singularidade e revela a unidade de

    sua interrelao dinmica. Da discordncia ele traz a harmonia, pela

    forma.

    Nesse primeiro captulo, Schorske discute a obra dos escritores Arthur

    Schnitzler e Hugo von Hofmannsthal. A relao entre Schnitzler e Freud;

    medicina e psicologia, psiquiatria. Schnitzler para a literatura e a

    dramaturgia distanciando-se de Freud e aproximando-se de Hugo von

    Hofmannsthal. A decadncia da sociedade.

    II

    A Ringstrasse, seus crticos e o nascimento do modernismo urbano

    Construo urbanstica da Ringstrasse. A reverncia aos estilos

    arquitetnicos historicamente consagrados: neo-gtico, renascentista,

    barroco

    O estilo modernista

    Camillo Sitte e Otto Wagner

    Comunitarismo e funcionalismo [p. 44]

    Caridade e medicina [p. 44]

    Contraste entre a cidade antiga: primeiro e segundo estados, o barroco

    Hoffburg, palcios da aristocracia, catedral de Santo Estevo e a cidade

    em construo planejada: na arquitetura, centros do governo e da alta

    cultura. [p. 49-50]

    Isolamento militar e insulamento sociolgico [p. 51]

    Estilo e funo: a discrepncia

    O arcasmo de Sitte e o futurismo funcional de Wagner [p. 78]

    Felicidade esttica e impiedosas retas [p. 80]

    A praa: interrupes da rua: teatro da vida em comum; gora, agorafobia,

    medo de vastos espaos urbanos [p. 81 e 112]

  • 6

    Liso, linear; dar direo e rumo, fluxo. Wagner.

    Enfeite, emolduramento: traado e particularidade, luta contra a anomia,

    quer o romper o fluxo, quer o movimento natural. Sitte.

    O museu de Sitte: preservao, afastamento da cidade, cultura e potncia do

    passado [p. 118]

    O museu de Wagner: transformao, mergulho no fluxo do futuro, cultura e

    inevitabilidade do futuro, dinmico [p. 119]

    III

    Poltica em novo tom: um trio austraco

    Quem no viveu naquela poca vai achar difcil acreditar, mas o fato

    que, mesmo ento, o tempo estava passando mais rpido que um camelo

    de montaria. [...] Mas, naqueles dias, ningum sabia para onde ele

    andava. Nem ningum conseguia distinguir entre o que estava em cima e

    o que estava em baixo, entre o que estava indo para a frente e o que

    ia para trs

    Robert Musil escrevia sobre o fin-de-sicle austraco, no livro O homem sem

    qualidades, de 1953. [p. 125]

    Schorske se apia em Musil para destacar essas noes sociais e temporais.

    Normalmente, essas mesmas noes de adiante, atrs, em cima e embaixo eram

    ocupados por pessoas, idias e grupos bem definidos. Eventualmente, tudo

    mudava de lugar, os lugares sociais e a histria. Nessa Viena do final de

    sculo, a rapidez das transformaes era tanta que levou convivncia das

    mentalidades da velha e da nova ordem social.

    Os austroliberais p. 126

    O panorama social liberal contra as classes superiores promoveu a exploso

    das inferiores mas contra eles mesmos. O Nacionalismo alemo estimulou a

    reivindicao da autonomia eslava. A atenuao desse mesmo germanismo

    resultou na rotulao de traidores [os liberais] pela pequena burguesia

    antiliberal. O laissez-faire levantou os revolucionrios marxistas. A

    expulso do catolicismo opressor acirrou a ideologia camponesa estreita e

    rgida; a relao entre o capitalismo e os judeus. A emancipao dos judeus

    deu no sionismo, a fuga para um lar nacional.

    Ao invs de unir as massas p. 127

    Schorske vai se concentrar na natureza dos lderes que romperam com suas

    origens liberais, organizaram e expressaram as aspiraes dos grupos de

    baixo, bem embaixo. Filhos revoltados que aspiravam ocupar o lugar dos

    pais.

    Schnerer, Lueger e Herzl comearam suas carreiras, todos eles, como

    liberais polticos e, a seguir, abjuraram para organizar as massas

    negligenciadas ou rejeitadas pelo liberalismo em ascenso. Todos

    possuam o dom particular de responder s demandas sociais e

    espirituais dos seus seguidores com colagens ideolgicas colagens

    compostas por fragmentos de modernidade, relances de futuridade, e

    remanescentes ressuscitados de um passado semi-esquecido. Aos olhos

    liberais, esses mosaicos ideolgicos eram mistificadores e

    desagradveis, confundindo em cima, embaixo, adiante e atrs. [...]

    essa trade de polticos esboou um conceito de vida e um modo de ao

    que transcendendo o puramente poltico, fizeram parte da revoluo

    cultural mais ampla que se introduziu no sculo XX. [p. 128]

  • 7

    Os traos que mais aproximavam esse trio podiam ser generalizados: certa

    postura aristocrtica; a rejeio do liberalismo; o rasgo teatral em suas

    atuaes pblicas e desejos; e a confiana na capacidade realizadora da

    vontade. [p. 166] Principalmente a ruptura do homem em pblico e do homem

    em particular era caracterstica dos homens da crise vienense. [p. 181]

    Da tradio cultural aristocrata prtica moderna da poltica de massas;

    no mbito poltico, um trio austraco marcou em mim uma sugesto de

    msica, no sentido que ela tem de envolvimento, de seduo; e no particular

    destaque de Schorske capacidade oratria desse trio: de seduzir platias

    e arrebanhar seguidores-fs-discpulos. Entre eles estar Adolfo Hitler.

    George von Schnerer (1842-1921, 79 anos) o cavaleiro de Rosenau, o

    cavaleiro Georg; anti-semita. Nacional-socialista radical. Marcado pelo

    rancor contra a cultura liberal, destaca a insatisfao com o parlamento

    pela indiferena com os problemas sociais e pela pouca resistncia aos

    nacionalistas eslavos, descamba a uma democracia radical, reforma social,

    nacionalismo; exige legislao em defesa da indstria domstica, do

    trabalho honesto, do certificado de arteso.

    Uniu em cima e em baixo, aristocracia e povo, defendia os interesses da

    propriedade fundiria e dos braos produtivos, queria o que ia para trs,

    o ideal grossdeutsch de 1842, do programa de Linz.

    O anti-semitismo de Schnerer e as potencialidades disruptivas p. 137

    Autodestruio p. 139-140

    Karl Lueger (1844-1910, 66 anos) der schne Karl, herrgott von Wien; de

    militante e agitador a prefeito de Viena. A velha direita catlica -> nova

    esquerda do socialismo cristo. Num emprstimo a Hofmannsthal: poltica

    magia, quem sabe invocar o poder das profundezas, a este seguiro,

    Schorske definia Lueger. Sob autoridade materna, robustez e voluntarismo.

    Sua pessoa pblica trazia todas as cores do seu eleitorado

    multicolorido. Der schne Karl impunha aquela presena fina, quase

    dndi que, como observou Baudelaire, surge como atributo eficiente da

    liderana poltica em perodos de transio, quando a democracia

    ainda no todo-poderosa e a aristocracia apenas cambaleante. Suas

    maneiras elegantes, quase frias, exigiam respeito das massas, ao passo

    que sua capacidade de falar a elas no caloroso dialeto popular de

    Viena ganhava seus coraes. Volksmann com um verniz aristocrtico,

    Lueger tambm tinha algumas qualidades que atraam para sua bandeira a

    classe mdia vienense. Amava a cidade com verdadeira paixo e

    trabalhou para lhe dar um maior destaque p. 150

    Compositor do novo tom [...] juntou atrs e adiante, em cima e

    embaixo, uniu os antigos e modernos inimigos do liberalismo num ataque

    poltico [...] prpria cidade de Viena p. 141

    Theodor Herzl (1860-1904, 44 anos) o reino de Sio, Wissen macht frei [o

    conhecimento liberta]; Wollen macht frei [o desejo liberta]; utopia liberal

    de tendncia criativa, a partir da premissa do desejo, da arte e do sonho.

    A cultura esttica em substituio ao nvel social, uma aristocracia de

    esprito.

    Der Judenstaat, 1896. Altneuland, 1900.

    Como o cavaleiro de Rosenau e der schne Karl, Herzl conduziu seus

    seguidores para fora do mundo liberal em colapso, recorrendo s fontes

  • 8

    de um passado reverente para satisfazer aos anseios de um futuro

    comunitrio. O fato de ter adotado a poltica de novo tom, a fim de

    salvar os judeus de suas conseqncias no mundo gentio, no elimina a

    afinidade de Herzl com seus adversrios. Todos, s suas respectivas

    maneiras. Foram filhos rebeldes da cultura austroliberal, uma cultura

    que podia satisfazer aos intelectos, mas matava a fome as almas de uma

    populao ainda apegada memria de uma ordem social paternalista p.

    177

    IV

    Poltica e parricdio em A interpretao dos sonhos

    Sigmund Freud

    Um mergulho no mbito intelectual, sonhos e memrias. [p. 181]

    A Interpretao dos Sonhos como uma psicologia antipoltica; o

    parricdio.

    Trs lugares romanos: a 3 Roma era a moderna, promissora e agradvel; a 2

    era a catlica, pregava a mentira da salvao, era perturbadora e incapaz

    de livrar o homem de sua prpria misria e de todas as outras que ele sabia

    existirem; a 1 Roma era a da antiguidade, suscitava entusiasmo s em

    adorar os restos humildes e mutilados do templo de Minerva. [p. 198]

    Minerva, a deusa virgem p. 198

    V

    Gustav Klimt: pintura e crise do ego liberal

    Schorske fala de Gustav Klimt como fala da sua vida inteira, da mudana por

    que passa um homem em plena crise de meia idade, de como esse homem coloca

    essa crise a servio de uma reorientao radical de seu trabalho

    profissional. Klimt, de membro da alta cultura austraca, no liberalismo,

    da revolta contra essa mesma alta cultura, em busca do moderno, e de como

    o momento final, de recolhimento pessoal de dedicao arte decorativa.

    Em comparao de Schorske, Freud e Klimt mergulharam em seu prprio eu e

    seguiram numa voyage intrieur; espelho e parricdio; tentaram responder

    enigmas explorando sua profundezas pessoais; expuseram-se e calaram-se.

    Sofreram represso e resistncia de dois setores, principalmente: a

    ortodoxia acadmica liberal e racionalista e os anti-semitas, mas

    ironicamente, em dado tempo, o aoitamento a Klimt propiciou a promoo de

    Freud.

    O embate desses dois pensadores com a cultura vienense provocou sua

    retirada da atuao profissional pblica para abrigarem-se em um crculo

    pequeno, porm fiel, na tentativa de preservar o novo terreno intelectual

    conquistado. [p. 201]

    Schorske encontra nas obras de Klimt, principalmente nos murais da

    Universidade, a figurao dos contextos polticos, sociais e artsticos do

    artista e da arte na redecorao de Viena. Schorske reconhece que Klimt

    enfrentou o reembaralhamento do eu, que partilhou da crise cultural e de

    suas ambiguidades na busca narcsica do novo eu, talvez seja um dos mais

    representantes.

    A reunio dos artistas, polticos, arquitetos, dos eleitos pela competncia

    para planejar a expanso da cidade de Viena deseja enormemente que a

    expanso seja uma figurao da cidade, da entidade que conjuga o povo

  • 9

    vienense. Esse cuidado com as coisas comuns supe o controle poltico;

    escolha de artistas e obras emblemticas.

    Os monumentos existentes [na tradio] formam uma ordem ideal entre

    si, e esta s se modifica pelo aparecimento de uma nova (realmente

    nova) obra entre eles. A ordem existente completa antes que a nova

    obra aparea; para que a ordem persista aps a introduo da novidade,

    a totalidade da ordem existente deve ser, se jamais o foi sequer

    levemente, alterada: e desse modo as relaes, propores, valores de

    cada obra de arte rumo ao todo, so reajustados; e a reside a

    harmonia entre o antigo e o novo. [T. S. ELLIOT, Ensaios]

    Essa reintegrao do novo ao tradicional que o reconhece que rearranja

    toda a tradio. Cada obra pertencente ao cnone deve novamente reencontrar

    seu lugar. Em Viena fin-de-sicle, o movimento da Secesso [art nouveau]

    era a provocao inicial, o comeo desse rearranjo do tradicional frente ao

    novo.

    Segundo os comentrios de Ronaldo, a arte e a filosofia entendem que o

    poder est nas mos dos homens, cuja espontaneidade pode sempre nos

    surpreender. A arte a linguagem que subverte a ordem das lnguas,

    liberta-as da mentira; a arte se torna socialmente indesejvel porque

    desestabilizadora. Em se tratando de homens, obrigar algum a tratar outro

    como superior, melhor ou mais dotado de perfeio e de beleza humilhar

    essa pessoa, porque ela jamais poder questionar o outro, muito menos

    pensar em super-lo. A espontaneidade humana ento fica reprimida na

    situao de que a arte deva se render monumentalidade do passado.

    A certeza de que toda sociedade conservadora age como um repressor a mais

    a essa espontaneidade individual. Como efeito, a vontade poltica e social

    de regular a natureza [a espontaneidade natural] podem resvalar para o

    fascismo. Os secessionistas buscavam uma nova orientao de vida na forma

    visual, artistas, literatos e afiliados ao liberalismo de esquerda.

    Restaurar o passado desaparecido um indicador de revoluo; o ttulo da

    revista dos secessionistas, Ver sacrum, um indicador de regenerao; os

    secessionistas tinham a misso de salvar a cultura das mos dos mais

    velhos, um indicador de que estavam mesmo dispostos [a no se apagar].

    As obras de Klimt [o arteso-artista adquire tcnica e erudio e torna-se

    o pintor filsofo, depois da represso poltica e crtica, recolhimento e

    intensificao de seu trabalho]

    Burgtheater, 1887.

    Museu de histria da arte, 1891.

    Organizao de Die Jungen, ca., 1891. rejeio da tradio realista

    clssica dos pais na busca do verdadeiro rosto do homem moderno,

    influncias dos impressionistas franceses, dos naturalistas belgas, dos

    pr-rafaelitas ingleses e dos Jugendstilisten alemes. [p. 207]

    Casa da Secesso. arte sua liberdade, poca sua arte. Proximidades

    com a concepo de museu para Wagner. [p. 211]

    Schubert, 1899 e Msica, 1898. Painis do salo musical Nikolaus Dumba,

    entre o novo e o antigo, entre a representao e a alegoria, entre a

    tradio e o instinto.

    Nuda veritas, 1898, bidimensional. Vera Nuditas, 1898, pelos pbicos

    vermelhos flamejantes.

  • 10

    Sangue de peixe, 1898. Linhas em fluxo, xtase feminino, sexualidade, gua,

    cabelo longo [Escobar enrolou-se e morreu] limites entre os corpos e o

    impulso da gua, sereias.

    Cobras dgua, 1904. Mulheres no meio viscoso em ameaa ao homem.

    Judith, 1904. Salom, 1909. Mulheres ameaadoras, decapitao-castrao,

    contraste das mos em garra com rosto firme e impassvel. Ansiedade dos

    homens em sucumbir.

    Os painis da Universidade [a contenda, uma questo ideolgica poltica,

    a velha cultura tica contra a nova esttica; discusso sobre a funo da

    arte moderna em Viena; O que o feio? [p.226]; a inteno e o propsito

    da arte em todas as culturas, Kunstwollen, Riegl; progresso nem regresso,

    mudana, uma apreciao da pluralidade na arte para alm de qualquer padro

    esttico nico a priori. [p. 226]. Kunstvolk, um povo artstico.

    O poder poltico liberal fomentou a arte moderna dos secessionistas, mas

    diante da crise tirou o corpo fora: a ao poltica no deveria favorecer

    tendncias, [...] a arte devia se desenvolver sem regulamentaes, segundo

    [p. 229]

    Filosofia, 1900. Filosofia enigmtica, onipotente e indiferente aos

    sentimentos humanos, o homem impotente e est aprisionado no teatro do

    mundo. Cu e inferno sobrepujaram a terra. A sacerdotisa intermediria

    entre o espectador e a escurido csmica. A cano bria da meia-noite,

    de Zaratustra, p. 220-222.

    Medicina, 1901. Uma fantasmagoria da humanidade semi-sonhadora, mergulhada

    numa semi-entrega aos instintos, passiva no fluxo do destino [...] a morte

    ocupa o centro do rio da vida e seu vu negro gira entre os corpos

    confundidos dos viventes. [...] Higia encara o espectador nesse outro

    theatrum mundi, a figura sacerdotal entre o teatro e os observadores

    proclama a ambiguidade de nossa vida biolgica, p. 231. Ofensa contra a

    moral pblica, os costumes e a decncia: a mulher nua e a mulher grvida.

    Jurisprudncia, 1903. Coincidente com a represso do sistema legal, da

    norma, da censura e das crticas a Klimt. O tema inicial era a lei, mas

    Klimt colocou no mural a expresso colrica de sua indignao e mgoa.

    Mesmo das sugestes feitas pela comisso de avaliao Klimt fez uma

    incorporao irnica.

    Do primeiro esboo (1898) Do trabalho final (1903)

    Cu e brisas de vero inferno secular

    1 Caracterizao mais ntida

    da figura central: a justia

    virou a vtima indefesa da lei, de aumentado terror,

    um homem encurvado e engolido pelos tentculos do polvo infernal

    2 Calma no tom da pintura calma esttica e pegajosa

    da cmara de execues da sociedade

    3 Aperfeioamento correspondente

    no vazio muito perceptvel da parte inferior

    espetculo assustador da lei como punio

    impiedosa a consumir suas vtimas

    A verdade, a justia e a lei, belas, mas exangues, impassveis, abandonaram

    o homem cena de terror, para ser engolfado pelo polvo infernal; no so

    mediadoras como em Filosofia e Medicina, entre os mistrios e o homem

  • 11

    observador. No h crime, s o castigo das frias serpentinas [novamente a

    castrao]; so as trs frias do instinto.

    O desamparo1 do homem conseqncia da destruio da tradio e do modo de

    pensar poltico, um esfacelamento, uma grande fragmentao e, no plano

    intelectual, a diluio do espao da liberdade e felicidade pblica, na

    esfera social. Este desenraizamento do homem (e a posterior assuno do

    totalitarismo) resultado da crise do prprio esprito humano, resultado

    de uma ruptura com a tradio.

    Kunstschau 1908, depois da crise, Klimt volta-se para a arte, narciso,

    torna-se pintor e decorador do haute monde refinado de Viena; retratos

    femininos, paisagens alegres de jardins bem cuidados. Art dco, formas

    metlicas e cristalinas. Acredita que o nico caminho da arte para alcanar

    as pessoas seja a exposio, no a execuo de tarefas artsticas pblicas.

    Wittgenstein, 1905; Riedler, 1906; Bloch-Bauer, 1907.

    Danae, 1907; a mulher ditosa e receptiva, retngulos flicos.

    O beijo, 1907; o casal em harmonia, homem retangular e mulher ovular,

    floral.

    Morte e vida, 1916; a humanidade imersa na felicidade dos sentidos, no

    fluxo com o amor, apartado da morte.

    Coube aos espritos mais jovens do movimento expressionista a tarefa de

    aprofundar as exploraes de Klimt.

    VI

    A transformao do jardim

    Adalbert Stifter. Der Nachsommer.

    VII

    A exploso do jardim

    Oskar Kokoschka e Schoenberg. Teoria da harmonia, influncias sobre

    Theodoro Adorno.

    1 Homelessness, conceito de ARENDT, Hannah. A dignidade da poltica. Rio de Janeiro: Relume

    Dumar, 1993.