livro cristina rauter criminologia e subjetividade no brasil colecao pensamento criminologico vol 8...
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8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
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IS N 85 7106 289 7
L,7
L9
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oleção Pensamento riminológico
ristina Rauter
Crilninologia e subjetividade no rasil
Instituto
arioca de
riminologia
€
Editora Revan
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
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~ P e n s a n e n t o
riminológico
Prof. Dr. Nilo Batista
© 2 3
Instituto
arioca de
Criminologia
Rua Aprazível, 85 - Santa Tereza
Rio de Janeiro/RJ
CEP:
20241-270
Tef:
21 2221 1663 fax 21
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Edição
Revan
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Paulo de 163
20260-010 Rio de Janeiro
R,J
tel:
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7495 fax:
2273
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[email protected] / www.revan.com.br
Projeto gráfico
Luiz Fernando Gerhardt
Revisão
Sylvia Moretzsohn
Diagramação
lido Nascimento
RaUler Cristina.
Criminologia e subjetividade no Brasil Cristi na Rauter. Rio
de Janeiro: Revan 2003
128p.
ISBN 85-7106-289-7
1.
Direito penal.
A ;ninhas filhas
Luísa e Clara
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Sumário
À
guisa de prefácio
........................................................
9
Apresentação
........................ ........................................
O
nascimento
da
criminologia
no
Brasil
1.
Introdução
.................................................................... J5
2.
Os
juristas
e os progressos
da
ciência
.........................19
Era o
caos por toda parte
.............................................
19
c direito 5
Sobre a a ..................................... 27
Sobre
o livre
arbítrio
.................................................... 28
Sobre as penas .............................................................. 28
Sobre a
natureza
do ato de julgar e a origem das leis ....... 29
3. Da anormalidade do criminoso ......................... ................ 30
Uma espécie
à
parte
do gênero humano ......................... 30
Anormais morais ............................... ........................... 34
O brasileiro e a
degeneração moral
............. ................ 37
Curar
o
crinlinoso
.................................................... .... 39
Crime e
loucura
...........................................................
4
Criminologia e 4
Os estados crepusculares da liberdade ................... ....... 44
O destino do louco-criminoso ....................................... .49
Todos somos criminosos ou a
11 .\.. 'J,
... ,,;;
.........
50
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4. Da anonnaHdade social
.................................................
57
Ferri,
a
psiquiatria e
as
causas
sociais
do crime ....
58
o micróbio
o meio
de
1
e l'eforma socia
I
..... 62
;Vluitidões crimiílOsas
..............................................
65
5. O
Penal
de
1940:
75
do preconceito -......................................83
1.
A história
individual:
o
condena
........................ 88
9S
4
do
cárcere
......................... I 98
5.
O
tratam.ento
penitenciário
...........................................
1
02
6.
Conclusão .......................................................................... 107
Bibliografia ....................................................................... 111
Os carreiristas indisiciplina
Um
estudo sobre a psiquiatria e seus
........ ll3
Justiça e psiquiatria ..........................................................
113
o
p s i c l P ~ l t a como limite entre
a
114
A
de
um saber sobre
as
.................... 118
Os
carreiristas da indisciplina .......................................
121
125
É uma honra
para a Pensamcnto
este que
reúne
três trabalhos da Cristina
Raulcr.
Desde
os anos setenta, Cristina desenvolve não apenas um
mas sobretudo uma
militância-
iniciada como psicóloga do e
aprofundada mais tarde como vice-presidente do Conselho Penitenciário
que
saberes
história
do
inflAm
vinhetas
l ctt
código criminal
imperial
não
impunham
irrestritamcntc
a
institucio
nalização dos
loucos
- solução que a
reforma
que
resultaria
no código
penal de
1890
manterá - as coisas vão
mudar
na primeira República.
O
sucesso do positivismo criminológico entre nós tem
uma
dívida com a
abolição
da escravatura,
porque
o
discurso
do
controle
pcnal tem que
mover-se do paradigma escravista
da il ferioridadejuríclica
para o
da
inferioridade biológica;
ao contrário do primeiro,
pura
decisão
ca o segundo de demonstração científica . Nina
achava
que
seu
As roças hUlilonas era
um cstudo dc
naI. Enquanto, na última década do século XIX. o
das
de
era
inventado
na
Europa,
os
vados
e
recolhidos por
co e processos c
crimi
mcdi
eram
obser-
de
em
momento
a alta provir
de
decisão
laudo psiquiátrico converter-se
cm
alvará de soltura,
é o
que
Cristina
nos
rcvela e
nos
drásticos. Sim, bem que neste campo uma tcó-
rica tem o mesmo efeito de uma legal, para o bem ou o
9
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mal. Alguémjá
se esqueceu da
segunda
parte do
§
4
o
das
novas regras
formuladas
pelo
Dr.
Simão
Bacamarte,
que
significou não
só
o
esva
ziamento da Casa
Verde, mas
também
abriu suas portas para outros
hóspedes compulsórios?
O
segundo
trabalho
se detém
sobre a
e x p r e s s i v ~ m o s t r g e m de
12 laudos de exame para de cessação de periculosidade.
Embora
banidos
da
prática
da
execução penal
pela
reforma
de
1984,
Cristina tem toda a razão em que permanece muito do
rito
que os
criou".
Por
fim, temos a bem-vinda reedição do primoroso c_esgotadíssimo
Os carreiris:as da indisciplina, publicado em 1979 pela Achiamé:
o
implacáve lidesnudam ento das entidades nosográficas c0 1hecidas por
personalidade
psicopática" e "personàÚdade sociopata".
Qualquer
quantos mi
con-
que permanecem
ainda
que
vampirescamente
refugiados nas tumbas,
à
espera dos
enig-
mas
chocantes
-
um maníaco
do parque, por
exemplo
-
cujo sangue
lhes garantirá mais sobrevida.
Cristina
Rauter
é uma:interlocutora especial
para
os juristas sedi
ciosos porque, invertend o o sentido do contubérnio positivista, atribui
à
investigaçã o psiquiátrica ou psicanalítica um sentido libertador.
Nilo Batista
10
Apresentação
Este conjunto de textos se propõe a discutir a criminologia brasileira
enfocando-a sob doisfispectos pe lo menos. Inicialmente, em
O
nasci
mento da criminologia no Brasil", empreendemos
uma
análise da emer
gência do discurso criminológico a partir de novos elementos que foram
sendo incorporados ao discurso jurídico liberal a partir do final do século
XIX. A partir desta análise podemos conel uir que, não obstante sua fragi
idade teórica, a crimiriologiajá nasce
útil-
ela não apenas esconde uma
realidade carcerária violenta, mas a instrumenta, maximizando seus
tos. No contexto de
dadedo
dos" psiquiátricos, psicológicos, etc.) muitas vezes,
perância do próprio sistema, por seu funcionamento discriminatório e
ilegítimo, introduzem apenas novos entraves burocráticos que têm como
principal efeito concreto o aumento puro e simples da pena. Não é à
individualização da pena ou à implementação de novas tecnologias de tra
tamento
do
delinqüente que prestam serviço a multiplicação das avalia
ções ensejadas
a
artir do advento
da
crimínologia. Não
seda
inexato dizer
que o principal efeito dessas novas tecnologias no contexto brasileiro é o
aumento da velha pen a de prisão.
Mas
não era disso que tratava desde o
início a climinologia,
ao
pedir o fim da igualdade perante a lei, e clamar
por "penas especiais para homens especiais"?
Ou
ao difundir a idéia de
que atrás
de
cada crime se escondia
uma
personalidade perigosa, doente
e geralmente incurável?
Os outros dois textos dizem respeito mais especificamente à
implementação prática do discurso criminológico na
~ l í d d e .
Em "Diagnóstico psicológico do cdmínoso: tecnologIa do
r e c o n c e ~ t o
,
laudos realizados com a finalidade de avaltar a
.
Em
Os carreiristas da indis-
11
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ciplina ,
analisamos o funcionamento do de psicopatia no
ínteriorde
um estabelecimento operando como
modo
de e
l lL' ,ILd.V
de
rebeldes .
Os três textos foram escritos
ças ocorreram no
da
o fato
de
que o
Exame para
riculosidade, o
não
é
mais realizado
' II ,->,,,(10S Não existe mais
denominada duplo
, em que
se
aplicava a
pena
e a
da de
contra-senso
que o mais febril
dos
veria razões para
c
cuja
adoção
atendeu apenas a
motivações
de
política criminal, de conciljação do inconciliável, ao estilo brasileiro.
Como
Uma certo tipo de n'1entalidade crirrunológica fundamenta estas avalià
ções
e laudos. A
transformação
do crime em
doença,
ptinci paI
efeito
do
discurso criminológico,
deixou marcas
indeléveis nos
modos
de proce
der dos técnicos sisten)a , com efeitos palpáveis
sobre
o futuro dos
seus avaliados. No momento atual, porém, a crença nas possibilidades de .
tratamet'lto
deste
doente ou
anormal parece estar
em
franca decadên
cia, impulsionada pelo discurso
da
tolerânciazero . O que se
quer
hoje,
mais enfaticamente, sob a r e s ~ ã o histélÍca de
um
inexorável e incontrolável
aumento da criminalidade, é diagnosticar para encarcerar pura e simples
mente, mais
do que para
tratar ou individualizar a pena.
Haverá
individualização
da pena em
presídios de segurança
máxima? Haverá
ain
da interesse em que detento's estudem na prisão,
ou
que aprendam qual
quer ofício? Há toda uma redefinição da função do encarceramento
em
curso no
sentido (infelizmente) da
ênfase no
aspecto punitivo, com
me
nos pudores
que outrora, em
detrimento
do
sonho de modificar
ou inler
vir sobre a personalidade do delinqüente. Cabe notar que o discurso da
criminologia, desde os seus primórdi.os, não fez outra coisa que cantar
12
aos quatro ventos
esse
irresistível
aumento
da criminalidade, de
conclamar
a todos para a de mais
modem
as e A LC;L.llL V) .Ht
Por
outro
da
população
se constitui cada vez mais a zona cinzenta do
tráfico e do uso
de
como forma predominante de cri mina ização .
dos pobres e ou usuários de outros
sociais
continuam em minoria
ou
quase ausentes no
penal).
Esses novos clientes
da
prisão e também
dos
manicômios judiciários
nida
dessa clientela
gra-
que se
trala,
, ainda
associada a transtornos anti-sociais.
J,-'
Em Os'carreiristas da Íl1disciplina , abordamos a questão da
psicopatia. O
diagnóstico sofreu
transforr:nações,
sendo
prefe: 'ida ho}e a
,categoria
de
Transt01110 Anti- Social , a pi ntir
da
DSM IV, a maiS atuahza
da classificação internacional
de
doenças mentais, A psiquiatria america
na
contemporânea, ou quem sabe poderíamos chamá-lacom mais exati
dão
de psiquiatria globalizada,
ou
até
impelial ,
e, em especial, a corrente
denominada
psiquiatria
biológica , qtfer afastar-se de denominações re
lacionadas a estados internos. Afasta-se da psiquiatria
outrora denomina
da dinâmica , de inspiração psicanalítica, ou de inspiração fenomenológica,
e aproxima-se de correntes comportamentais,
em que
a descrição / u ~ a e
simples, considerada objetiva
e
não
filiada a
qualquer c o r r e n t ~ t e ~ n ~ a
atende
melhor às definições atuais sobre o que é científico em pSl,qUlatna.
o\transtorno anti-social
não
é diferente
da
psicopatia
num
aspecto
b á s i c o ~ ~ de pretender fazer da
oposição
às leis, da rebeldia, da
desobedi-
o sintoma de
uma
doença1A mudança reside muito na desen-
voltura
com
que os novos psiquiatras, apoiados
em
suas
ditas neutras e
descompromissadas,
se desobrigam de buscar
causas
ou
13
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de contextualizar os fenômenos que observam. Estão comprometidos
apenas
com
descrições objetivas de comportamentos que os autorizam
pragmaticamente
a eIlfrentar
esses
transtornos Com o arsenal
medicamentoso da moderna psiquiatria. Para cada síndrome, UJ11 moder
no medicamento - a potente indústria fannacêutica parece ter encontrado
um novo campo, o
da
prisão, ~ à r vender seus produtos. Isso já é verda
de nas americanas; será necessário empreender urna pesquisa
sobre essa questão nas prisões brasileiras.
De
qualquer modo, já estão
lançadas as bases pa ra que, sem qualquer pudor, se diga que as síndromes
anti-sociais
têm
maior incidência nos
bainos
pobres e nas prisões, e para
que se busque resolver pragmaticamente a questão, pela via medicamentosa,
sem necessidade de qualquer reflexão teórica ou política.
A chamada "reforma
psiquiátrica ,
com
suas
excelentes
inten
ções
no
sentido
de
pedir
a reinserção
do
doente mental na
sociedade
e
o
fim dos manicômios,
parece não
chegar
ao
campo
penitenciário.
Ao
o se
acolhendo
novos cli-
entes,
mesmo em
que a psiquiatria imperial
se
em
direção aos normais
mais do que
aos loucos desarrazoados de outrora:
o
diagnóstico
de transtorno anti-social, este híbrido
situado
a
meio
caminho
entre justiça
e psiquiatria, é urna das ferramentas
dessa nova
tendência expansionista,
pois se refere a estranhas formas
de
loucura
lúcida, difíceis de diferenciar da normalidade.
Sobre a criminolog ia, a mais pragmática e utilitária entre as ciências
humanas e,
por outro
h;ldo, talvez a
menos coerente
e
sistemática,
podemos
dizer que
segue
sendo
um
poderoso instrumento de 6ontrole
social,
acolhendo
cm
seu campo
de dispersão as recentes contribui
ções de
uma
psicologia e de uma psiquiatria globalizadas. A
partir
de
uma
análise
de
sua emergência
histórica
no
Brasil e de
seus
usos con
cretos em instituições penais brasileiras,
pretendemos contribuir
para
seu combate e
para
a dinrinuição de seus efeitos mortificadores.
Niterói, ] 1 de março de 2003
14
o nascimento da criminologia no
Brasil
1.
Introdução
Este
trabalho
tem por objetivo
analisar a
constituição históri
cá
da
criminologia no Brasil, bem
cOmO a
história das transforma
ções dos dispositivos
de
poder
que
este saber foi
capaz
de
instrumentar. Tomaremos a déeada de 1930 como
período privile
giado, uma vez que
foi
particularmente fecundo na elaboração
das
idéias que geraram o Código Penal de 1940. Éjustamente o "Novo
Código"
que incorporará
a
noção
de
periculosidade, como resulta-
do décadas
de
discussões nos
meios
brasileiros em
torno da de modos de julgar e
f.
Não é
nosso
tivo, ,'empreender
uma
análise mais aprofundada sobre as
t r ~ n s f o r m ç õ e s pelas quais passava
o
Estado brasileiro na época.
Ativemo-nos exclusivamente
às transformações no
âmbito do dis
curso
jurídico e a
algumas
mudanças nos dispositivos legais relacio-
nados
ao discurso crirrlÍnológico
que se
difundia. '
Ao tomarmos
a
criminologia como
um
"saber", estamos desde
já nos afastando de um
tipo
de
an1ilise
que pretendesse formular uma
,
nova
criminologia,
capaz
de
resolver
os problemas de
uma
anterior,
excessivamente vinculada
ao
Estado
e a seus interesses.
As relações entre saber e poder são, em nossa concepção,
intrínsecas.
Lançando mão
da
noção
de
"poder
disciplinar" ,
pode
mos
compreender os saberes
enquanto partes
de estratégias de
poder. Neste sentido, as humanas (psicologia, psiquiatria,
criminologia
e
outras)
surgem
historicamente como ponto
de
apoio
para
novas
técnicas
de gestão das massas humanas, capazes
de
Michel
Foucault.
igiar
Vozes,
p.
191-9.
15
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controlá-las, fixá-las
e
de produzir indivíduos
vista
da
produção
e dóceis do ponto de vista polític0
2
.
do ponto de
A
de
poder
não
deve ser
com
exclusiva a transformações
ocorridas no
As
' v ' , J U ' L ' 0
se
como uma
rede
que
atravessa o espaço social, não têm
como
fonte única o
(embora não estejam desligadas dele), mas se
em
dis
positivos nas instituições, nos métodos de vigilância e COl1-
tw1eJJa
Por
outro lado, o modo de func ionamento d este disposi tivo .não
se caracteriza apenas pela repressão, pela violência, rrfas
também
i)ela .
produção de
saberes
que instrumentam
táticas de controle, fixação e
adestramento
dos
corpos.
pela
da
não apenas
como
de
os de
presentes na prisão e mesm o fora dela, a rede forma
da
pelos
procedimentos
policiais, pedagógicos e assistenciaís que a
complementam, são todos eles produtores de conhecimentos relati
vos aos indivíduos sobre os quais se exercem.
Da mesma
forma, a constituição da psiquiatria não pode ser se
parada
da
criação do asilo, que inaugura novas formas de gestão da
loucura, abrindo espaço para uma observação cientificamente orien
tada
do
louco,
que
o redefinirá
como
um
doente
5
•
Cabe ta mbém aqui esclarecer o que entendemos por reconstituicão
da
história de um saber.
Não
se
trata de buscar nos
precursores'
os
primeiros sinais
de
uma verdade que ao longo do tempo
pode
se tor
nar mais evidente. Não se trata também de mar car o
pontoa
partir do
Id ibid. p. 193.
3
Roberto
Machado.
Por uma
genealogia
cIo poder .
Prefácio
n Michel
Foucault, Microfísica do podei; Rio de Janeiro, Graal, 1979, p.VIl-XXIII.
4 Michel Foucault. op. cit. p. 172.
5 lel
História da
lOl/cura.
São Paulo, Perspectiva, 1978.
p
459-503.
16
qual passou-se ao domínio científico, fazendo aparecer o passado
como um
passado
de
erros
6
. Interessará aqui
conceber
a história
da
criminologia
como
a história das
marchas
e contramarchas
de
um
novo
dispositivo
de poder que se
armou
no
Brasil, no interior
do qual
o saber deve ser entendido, enquanto arma,,7.
A condução
deste tipo
de
análise
no contexto
brasileiro
requer
especiais.
Sendo
as disciplinas características
de
socie
dades industriais avançadas,
que
papel
desempenhariam numa
socie
dade
como
a nossa, na qual as formas
de dominação
burguesa encon
tram (e encontraram historicamente) métodos peculiares
de
implanta
ção? RemetemcH10s aqui a
uma problemática ampla,
que
vem
sendo
discutida
por
diversos autores
8
:
a de
não
se
poder
falar
de
uma
revo
lução
burguesa
no sentido estrito entre nós,
de
se ter
que repensar
as
características
do Estado de
se criticar as análises
que
pen
sam
a social
de
atraso, de repe
tição tardia
e elos
nas soei-
edadeS ditas desenvolvidas.
Se
as disciplinas são
como
que a
outra
face
do liberalismo
polí
tico,
como
pensá-las
no
Brasil, onde a
ação do
Estado sempre
se fez
de modo
violento,
onde
as relações
antagônicas entre
as classes não
puderam ser absorvidas
ou
geridas através das estratégias ma is sutis e
anônimas características deste dispositivo
de
controle social?
Sem
pretender
dar
uma resposta definitiva a essas questões
9
,
deixemos
esclarecido
que
não
pensamos que
saberes
como
a psiquia-
6
Sobre
a concepção descontinuÍsta
da
história das ciências, ver, entre
outros, Michel Pêcheux e Michel Fichant. Sobre la historia de las ciendas.
Buenos Aires, Siglo XXI, 1971.
7
Gilles Deleuze.
Os
intelectuais e o poder , in Microfísica
do
p. 71.
8 A questão é colocada
com
relação ao papel da burguesia
industrial
na
revolução
cIe
1930
em
Boris Fausto
A revoluçâo de 1930
São
Paulo,
Brasiliense, 1972) c
Paulo
Sérgio Pinheiro Política e
trabalho no
Brasil.
Rio de Janeiro,
Paz
e Terra, 1977).
9
Ver a esse respeito Roberto Machado et aI.
Da n)ação da
norma. Rio
de
Janeiro, Graal, 1978.
17
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tria, a crimino logia, a psicologia, estejam no Brasil fora de lugar JO,
no sentido de que sirvam apenas para esconder, de modo imperfeito,
uma outra realidade política, sem ter qualquer efeito positivo.
Estudando o discurso da criminologia
em
seu processo de im
plantação no Brasil, pretendemos mostrar que embora em muitos mo
mentos ele tenha servido como disfarce, noutros foi evidente seu pa
pel positivo. A constituição histórica deste saber está ligada, como
procuraremos mostrar, à instauração de novas formas de julgamento, -
à reforma
(ainda que sempre inacabada) das instituições penais, en
fim, à implementaçãO novas de controle social de que se
arma o Judiciário para realizar o que a própria criminolog ia vai definir
como defesa da sociedade . .
Estas transformações correspondem a um processo de norma
lização ]1 da sociedade brasileira, que não se dá apenas no
nível das
práticas
judiciárias, mas pela escolarizDção, pela mediealização, etc., e
que são o correlato do de um indus-
trial crescen te. Veremos nos 3 e 4 como se
respect ivamente as noções de anormalidade do criminoso e anormali
dade social, que instrumentam uma transformação das concepções
relativas ao delito.
Segundo Georges Canguilhem, uma norma se propõe como um
modo possível de unificar um diverso, de reabsorver uma diferença,
de resolver uma desavença .. a regra só começa a ser regra fazendo
regra e
essa
função de correção surge da própria infração 12
O
modo
de absorção ou dissolução das diferenças e contradições nas socieda
des industriai s vai ser cada vez mais a normalização técnica, pela qual
se pretende racionalizar a produção e ao mesmo tempo racionalizar a
vida social e o comportamento dos indivíduos.
1 Roberto Schwarz.
o
vencedor as batatas. São Paulo, Duas Cidades,
1977,
p.
13-25.
ti Georges Canguilhem. O normal o
Rio
de
Janeiro, Forense
Univers itária, 1 p. 210.
12Id. ibid. p.
212-3.
18
O processo brasileiro vai requerer que se pensem certas es
pecificidades: não se pode dizer que as normas sociais, econômicas,
técnicas ou jurídicas tenham se generalizado ou difundido na socieda
de de uma forma abrangente, da mesma maneira que o processo in
dustrial. No entanto, não se trata de diminuir a importância destes
mecanismos: talvez o que tenhamos de pensar sejam fornías peculia
res de combinação, nas quais a repressão ou a tentativa de solução das
contradições
por
essa via se articule com estas formas novas , ca
racterísticas do processo
de
normalização.
É o que pretendemos também discutir ao longo deste trabalho,
em especial no capítulo 5: de fato, no Brasil, o Judiciário incorporou o
que poderíamos chamar de uma tecnologia penal normallzadora, com
o advento e expansão
do
discurso da criminologia. No entanto, no
nível das práticas sociais (das instituições elo Judiciário), este proces
so não pôde se dar sem um ônus de violência que aparentemente o
contradiz. Esta bizarra, até certo de norma e re-
talvez a peculiaridade no processo
de
zação da sociedade brasileira. As operações conhecidas como de re
educação , cura ou ressocialização , etc., não podem se dar sem
um nível de violência mais ou menos explícitq que todo o tempo as
denuncia.
2.
Os juristas
e os progressos da
ciência
Era
o
<; aos por
toda
parte
O aparelho judiciário é a instância que possibilita e assegura as
condições de exploração que
um
grupo de indivíduos exerce sobre
outro na sociedade. Mas sua ação não deve ser entendida unicamente
no sentido da repressão, da violência explícita
da
polícia, ou da exclu
são pelo encarceramento. Ao lado destes efeitos mais visíveis, é posta
em uma engrenagem que inclui também saberes destinados a
instrumentar e validar tais procedimentos.
encobrissem ou mascarassem as verda-
deiras
Ao eles se
de
modo
19
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indissociável
com as
mesmas, produzindo
efeitos
concretos, capazes
de dotá-las de novos e mais eficazes métodos de controle sobre a
Os
cesso
de
zaria as
sociedades
do a
uma
forma de
so, de u contrato
costumam
referir-se a um
pro
que caracteri
ter-se-ia
seriam
fruto de
consen
Nessa
ser
punido sem
que
uma
lei
preexistente, e proporcional mente ao mal que praticado
contra a sociedade. aplicada a que o
contrato antes de tudo legítima, além de serjusta porque aplicada
a todos indiferenciadamente.
leis ter-se-ÍalTl
e cstc proccsso
na
maIs
menos
o
o que
na verdade que, se de urn lado não tem mais as formas
claramente violentas de punição,
como
o açoite, os suplícios, as fo
gueiras ou os métodos de intimidação exercidos diretamente sobre o
corpo, surgem, de par com este aparente abrandamento das penas,
novas
tecnologias de
poder capazes
de,
com
diferentes métodos, con
seguir a sujeição e a
docilidade dos
indivíduos.
A disciplina é esta nova tecnologia de
poder
que age, de
certo
modo, como prolongamento da lei, preenchendo os espaços
vazios
deixados
pelo'Judiciário. /
Com o desenvolvimento da sociedade burguesa, desenvolve
ram-se também a medicina social, a escolarização
em
massa, a polí
cia,
os
métodos
de
racionalização
da
produção, os sistemas carcerários.
O espaço social foi reorganizado no sentido de impedir que as massas
populares, ao invés
de
serem obedientes ao contrato ,
descambassem
para as ilegalidades, para o desrespeito à propriedade privada, para o
não pagamento dos impostos cobrados pejo Estado, etc. A não obser
vância das leis
do Estado
vai
ser um problema combatido não
apenas
pela punição, mas, preventivamente, haverá
uma
tentativ,úle se for-
20
mar,
pelos diversos dispositivos
disciplinares
(pedagógico,
médico,
militar, etc.), gerações de
indivíduos obedientes
à lei. Mas é de uma
outra lei que se trata aqui - que se de
maneira
sutil, lento
U 1 L U U V da
disciplina,
do
adestramento corporal;
que se
faz ao
em que
se educa o povo, se de
higiene, se torna o militar obrigatório. Trata-se ela norma, atra
vés
de
cuja generalização na sociedade o
Estado burguês garante
a
do contrato social em
bases liberais.
A vinda
da
família real portuguesa
para
o Brasil
trouxe-nos
os
ventos das grandes tnmsformações As
Bases
da Consti
tuição
da Monarqui a Portuguesa , promulgadas
em
1821, prepara
ram terreno para a Constituição
do
Império e para o
Código
Penal
de
1830.
Ele
vinha
substituir as nas
de
o
crime de encantos, o trato ilícito de cristãos com Judia
ou Moura,
e o
furto de marco de são
igualmente
punidos com
pena
de
morte
3
.
Os juristas liberais saúdam este processo humanizador por que
passam
as leis
brasileiras
e olham para o passado com indignação. A
pena
de morte era freqüente,
o direito e a
religião
se
misturavam,
a
aplicação da lei era desigual, havia as provas secretas, as devassas.
Ao marido traído era permitido matar o adúltero desde que esse não
fosse fidalgo
l4
.
As leis
brasileiras
humanizam-se,
com
a adoção
de legislações
liberais
calcadas
110 modelo
europeu. Mas
certos autores dirão tam
bém
que
elas
se humanizam
excessivamente. Discussões
na
Câ
mara
dos
Deputados lamentam
o
salto exagerado entre
as
Ordena
ções
Filipinas
e
leis,
segundo eles,
inadequadas
à realidade
do
país.
Defendem
o retorno ao fortalecimento
da
autoridade, ante a amea-
3
João Mendes de Almeida Júnior. Processo criminal brasileiro. Rio de
Janeiro, Francisco Alves, 1911,
p.
105.
Id. ibíd. p
105.
2
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ça,
segundo
já o dizem naquela época, de uma criminalidade cres
cente. É assim
que
a lei de 3 de
dezembro
de 1841 já
impõe
restri
ções ao
Código de Processo
Penal
de 1832, limitando as atribui-
dos
de
paz e conferindo às autoridades policiais fun-
ções judiciárias. E, neste momento, a criminalidade é claramente
associada à contestação política ao Estado que se implantava.
gundo
o Marquês do Paraná,
... a estatística criminal era assombrosa Era a desordem, a anar
quia,
o
caos por toda parte Em diversas províncias o furor re
vo ucionário se ostentou
de
modo avassalador...
S
o liberalismo das leis desde cedo pareceu inadequado, do ponto
de vista do poder
político, à
realidade do
país, sempre a
reclamar
instrumentos de controle mais eficazes. A coexistência, no Brasil,
de
uma
legislação liberal, com dispositivos autoritários que são como
seu
pano
de fundo", tem sido
uma
constante no direito brasileiro.
Para
no textn das leis são encontradas amiúde de evi
dente sentido liberal, alternadas com outras, com nítida inspira
ção autoritária O discurso liberal está aí simultâneo, coexistente
com o discurso autoritário da "necessidade" de controle, de
segurança, de preservação de valores e de condições de sobre
vivência 16.
É também do início do século XIX que data o crescimento em
importância da medicina no Brasil e sua expansão enquanto medicina
social. As epidemias que assolavam o Rio de Janeiro e o seu combate
através de programas de saúde pública trouxeram consigo também
uma
reorganização do espaço urbano que não se referia unicamente
à
higiene propriam ente dita. A medicina social prescrevia também no
vos hábitos ("civilizados") de vida, novos costumes, combatia a de-
15
Id. ibid.
p. 198.
16
Felipe Augusto de Miranda Rosa
e
Rio de
1980, p 37-55.
22
sordem relacionando-a à doença, oferecendo-se ao Estado como fun
damento de
uma
política social racional e tecnicamente orientada 17;
Mas o processo de medicalização
da
sociedade brasileira teve
lenta evolução, permanecendo ainda hoje inacabado, com fo-
cos sucesso nos maiores centros urbanos ao lado de re-
pouco exploradas.
Com
isso queremos dizer que o esquadrinhamento do social,
efeito característico do poder disciplinar, não se operou no Brasil de
maneira tão acaba da quanto nos países'de' onde importamos tais mé
todos. Ou seu modo de articulação foi diverso do europeu, com estra
tégias peculiares de poder. Se a medicalização e a escolarização foram
implantadas no país de forma desigual, isto não provocou um vazio de
poder. O que ocorre é que convivem, no nível das práticas sociais,
novas e velhas
s
em que
o
de modo mais ou menos onde a
repressão violenta, sem segue sendo a forma de que
o
Esta-
do se vale para a sua preservação. Ou, ainda, pode haver a combina
ção de estratégias sutis de normalização com formas de repressão
violentas, que de certo modo denunciam e contr adizem as primeiras.
Podemos pensar, neste ponto, a questão da inadequação da legisla
ção liberal
à realidade do país, preocupação repetidas vezes demonstrada
pelos juristas desde o século XIX. Se as disciplinas não puderam se ex
pandir a contento no Brasil, conclui-se que a norma não pôde ser genera
lizada a ponto de atuar como complemento adequado de um contrato
social em bases liberais. E, neste sentido, os juristas do Império tinham
razão ao considerar que
as
leis eram inadequadas ao Brasil; para manter
as condições de exploração de uma minoria sobre uma esmagadora maio
ria, de escravos inclusive, era necessário que o Judiciário se armasse de
instrumentos mais potentes para a do Estado.
Com
o Código Penal de 1890, o código da República, a questão
Jurandir Freire Costa. Ordem médic e norm
IU f l L /L l lC i f
Rio de Janeiro,
p.79-123.
23
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da inviabilidade do liberalismo é recolocada pelos juristas, em suas críti
cas a um código ultrapassado e ineficaz para o combate ao
neste período, essa é de modo
não
é
como Ulna j Jolftica que a
mas
como
fma
os ventos
d 1 cOl r C11fe
a necessi-
dade de se estar em dia com este movimento renovador, vindo da
Europa. Seus são repletos
de
mão, italiano. Quando são feitas sobre crimes
os exemplos são quase sempre estrange iros. As referências à realida
de brasileira são particularmente escassas.
apenas,
que
as
só teriam um de da
mos que não.
O
discurso da criminol ogia capaz de produzir efeitos
concretos: que ~ e ~ u l t r m
num reaparelhamento do Judiciário, amplian
do seus dISpOSItIVOS de controle e repressão.
A criminologia, espécie de amálgamupor vezes mal articulado e
confuso das ciências humanas, foi a via através da qual o JudicIário
pôde incorporar certas estratégias disciplinares que redefiniram as
noções de delito e de punição e que modificaram a ação dajusti ça. Ela
pôde aparentemente se humanizar, revestir -séde uma finalidade tera
pêutica e de uma neutralidade científica.
. ~ o s chamados desenvolvidos a disciplinarização da jus-
tlça
fOI
o
correlato
de um
processo
de disciplinarizacão de toda a
sociedade.
Teremos que reconstituir o significado da introdução do discur
so da criminologia junto ao Judiciário n uma sociedade como a brasi
leira,
em
que os controles disciplinares tiveram um modo de articula
ção peculiar, jamais conseguindo ocul tar a violência das relações entre
as combinando quotidianamente norma e
24
riminologia e direito penal
A principal produção do discurso
da
criminologia é a figura do
criminoso anormal, cuja era anti-
gos Tal desconhecimento,
dizem
os com
que as antigas leis fossem,
zindo os
aos
de
defesa
social
reais, não fJHHH
O criminoso não era tematizado pelo liberal, a não ser
como
o agente de uma transgressão
à
lei. Todo cidadão devia ser
considerado responsável, já
que
parte contratante, a não ser que se
tratasse de
um
louco, de um débil ou uma Fundadas num
contrato social livremente firmado, as leis eram consideradas produ
tos de
um
consenso democrático e portanto legítimas, Legítima era
A punição infligida ao indivíduo pela pena devia ser também pro
porcional ao deUto cometido, delito este definido por lei preexistente.
Se há arbítrio na lei, este é antes de tudo legítimo,
já
que visa sobretu
do a defesa da sociedade contra o arbítrio de um só de seus cidadãos,
que, pelo delito, ameaça a liberdade da coletividade.
A criminologia vai empreender uma crítica radical dos funda
mentos do direito penal liberaL Ela vai traçar uma história evolutiva
segundo a qual o direito, a partir da criminologia, pôde enfim tornar
se uma ciência, redefinindo retrospectivamente o passado como um
passado de erros.
Segundo os criminólogos, o direito penal teria saído de
um
está
gio embrionário, rudimentar, de um tempo em
que
assumia formas
semi-selvagens, inci vilizadas, para chegar, depois de len ta evolução, a
um período em que basear-se-ia finalmente em métodos científicos.
Nesse período inicial, as penas eram excessivamente cruéis
a tortura era aplicada sem limites,
confundia-se
a lei com a religião
25
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e o
c ~ i m e
com o pecado. A
sociedade, dizem-nos
os
criminólogos,
r ~ g l natural e espontaneamente
contra
seus
detratores,
mas
esse
t pO
de
reação social era desordenado, excessivamente cruel e aca
b a ~ a ~ u i . t a s vezes por voltar-se contra
a
sociedade mesma, já que
a vIOlencIa
acabava por dizimar
parte
da
população.
Num período intermediário, o direito horroriza-se com a cruel
dade p e n a ~ . mais humano e
justo,
as penas são apli
cadas
~ o m n : a l O r
parcimônia
e
uniformidade. É
o período ético
h u . m a ; l ~ s t a
maugurado por Beccaría, com
o
estabelecimento do
pnncIpIO da pI:oporcionalidade das penas e dos delitos, da igual da
perante a leI, da
não-retroatlvidade da
lei penal e da
responsabi
hdade
corno fundamento do direito
de
punir.
Mas, por um
lado há
um avanço no sentido da humanização,
por o ~ t r ~
ha
uma certa
ingenuidade,
ignorância
até,
no entender
dos cnmmólogos. Por prescindir de
.
nas qUa S se
em considerações metafísicas
e
sua
tarefa
a
À
t ~ r c e i r
~ s ~ corresponderia,
com
o advento da criminologia,
a
ascensao
do dIreIto
penal ao seu período
científico,
no qual
a lei
passa a corresponder a
uma
avaliação científica da sociedade e da
mente humana. De certo modo, essa
terceira fase
reedita
a
primei
r ~ .
A reação social
contra aquele
que c'omete um delito é
também
v1sta
como
natural. Tal
como nas
tribos
primitivas,
o
direito penal
representa uma reação legítima do corpo social
a
uma
das
suas
p ~ r t ~ s d o e n t i ~ s . A seleção natural é tornada como fundamento do
dIreIto de pumr
por
alguns autores:
A lei que
~ a r a n t e
e mantém a conservação das espécies consis
te,
e n t e n ~ l d
na sua acepção ética, em que o indivíduo receba
os proveItos e sofra os prejuízos de sua próprÍa natureza e do
comport':l:mento que dela decorreIs.
No
entanto, se
em
seus primórdios esta
Bastos, 1963,
p.
95.
escolas penais Rio de Janeiro, Freitas
26
e por
demais
violenta, hoje
ela
é mais elaborada, mais racional e
sistemática, já que fundada na
ciência.
O
momento tático inicial que inaugura a criminologia traz corno
efeitos,
de
um lado, a promessa
de
um direito
penal
que
pode
enfim
conhecer
cientificamente o
crime
e os meios
para
seu
combate
e, de
outro, a
denúncia
de
que
o direito liberal é anticientífico e ineficaz.
Aparece a denominação escola clássica , que passará a designá-lo,
por oposição à
escola
antropológica
ou
positiva , construída pela
crillÚnologia.
Vejamos inicialmente,
de
modo resumido,
que
transformações,
no nível
do
discurso, a criminol ogia vai
operar sobre
o direito penal,
em nome desta nova realidade trazida
à
luz pela ciência da crillÚnologia.
Sobre a igualdade perante a lei
O direito clássico ,
por
prender-se a metafísicos,
não ver
a
fundamental entre
os ho-
mens.
Deve haver homens
As não
têm
o
mesmo
efeito de intimidação
e
coerção
sobre
todos
os ho
mens,
pois
há
aqueles que se constituem
como
verdadeiros
inimi
gos
da
ordem
jurídica,
sendo insensíveis à pena.
Assim sendo, o direito deve deslocar-se da apreciação dos delitos
e das penas para o estudo daquele que comete o delito. Deve analisar
os criminosos
em
suas peculiaridades psico-sociológicas. A partir desta
operação, estabelecer-se-ão penas adequadas a características
de
per
sonalidade.
O crime, que anteriormente era definido como transgressão
à
lei
penal, converte-se em
indício,
em manifestação superficial
que
aponta para
a
personalidade
do
criminoso.
Contraria-se também o princípio cardeal do direito penal não
há pena sem lei . Pois que
a
pena deve basear-se, mais do que na
violação de
um artigo
do Código
Penal,
no estudo da personalidade
do
criminoso.
27
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Sobre o qvre arbítrio
A idéia
de
que o fundamento das leis é a existência de um contra-
to social firmado entre os membros da a concep
LI ' - ' . IU( ; lU, ,
racional de decidir sobre
ão de que os homens
têm
esta
seus atas. Considerados como
em virtude desta mesma
neste contrato, é
se
violação dos mesmos. Os loucos, as os
dementes não podem decidir
com
a seus atas, não
tanto
nem
criminosos, no sentido jurídico
do termo.
A vai critica r a noção de livre arbítrio e de respon-
sabilidade, mostrando que não é a razão
que
controla nossos atas,
mas os instintos, os afetos, os atas reflexos.
Há
uma
de monstro
não apenas os
mente
Do de da urge que as pe-
nais se adequem a esta realidade trazida à luz pela ciência. Se os ho
mens não são livres para agir,
como
fundamentar a legitimidade da
reação social sobre o livre arbítrio e sobre a responsabilidade?
A lei smge, no discurso da criminologia, como
um
anteparo ne
cessário que a sociedade deve opor a esta espécie de caos íntimo que
habita todo ser humano.
Sobre as penas
Para o direito liberal, a pena, antes de ser útil ou devia ser
legítima, ou seja, fundada em lei anterior e aplicada em indivíduo res
ponsável. A criminologia inaugur a a noção de que as penas devem,
antes de tudo, ser eficazes. Sua legitimidade baseia-se não mais em
considerações estritamente jurídicas, mas cÍentíficas.
A proporcionalidade entre os delitos e as penas deve ceder lugar
a considerações quanto à modalidade de pena a ser aplicada, de modo
a corrigir uma anormalidade
e
ao mesmo tempo, dotar o Estado de
28
meios mais eficazes na defesa contra estes seus i n i m ~ o s anormais.
Surge a noção de pena indeterminada, graduada segundo o .
d.e
. . - por sua mefl-
anormalidade do cnmmoso. As vao ser
1
Quanto aos
~ ~ .
deveriam prodUZIr
de
razão
da
própria
do criminoso,
isso não ocorre. Em
não intimidável
ou de
por meio de
Sobre a natureza
do
ato de
ea
das
Um
dos maiores alvos
da crítica a ser d ~ s ~ e c h a d a yela
criminologia é o júri popular. O
direito liberal defIma
a funçao de
d de mo-
como de
bom e ,
19. Pois a
são do consenso
seus
aplicar a lei, o juiz, em razão de seu próprio e
poderia
hipertrofiar-se
em
suas
funções.
.
O júri popular, formado por e p r e s e n t a n t ~ s . d o P ~ v ? , sena
elemento
de moderação a impor limites ao arbltno do JUIZ. DeveI lU
ser composto por
homens
do
trabalho
ativo , p e s s o ~ s ~ u ~
se
atêm ao lado prático da vida,,2o, contra stando com os própn os JUIzes,
que, por força
da
profissão, estariam relativamente afastados dos
efubates quotidianos.
Ora, o discurso criminológico veiculará um outro tipo de vi
são sobre a atividade de julgar. O júri popular
a s s ~
a
s.er c ~ : n : r e -
endido
como um obstáculo a uma compreensão maIS clCnufIca do
criminoso
e do crime. É
tornado
incompetente
para
julgar
porque
9 Magarinos Torres.
A
importân cia do para B ' ] ' a de
I
· d J
0
Sociedade raSI elr
Brasil", in Revista de Direito
Pena
O e anel ,
Criminologia.
Vol. VIII, J935,
p.47-57.
2
id. ibid. p. 47-57.
29
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. ,
'I
não detém um
saber
q ' '
p J 1 ' ue so a magIstratura togada é
capaz
d
C ~ l ~ ; ~ ~ e : ~ ~ ~ p a s s a a ser um:função técnica, noção essa que s :
à origem das l e i ; ~ ~ : ~ ; ~ ; a ~ naturalís,ta (e não política) quanto
vida coletiva de que a so
do
d a necess1dade, determÍnada pela
d ' L Cle a e se defenda de seus detratore '
: 0 ~ 1
o, ao
m e s ~ o
t e ~ 1 1 p o no nível individual, um freio aos i n s t i : ~
, ~ u e covernam todo ser humano, impedindo-o d·
I'
,
mente
decldIr
sobre seus atos, e lvrc-
Qual o fundamento das leis?
Qual '
J a
imposta a.quem as transarid"e? . da
e b l t l m l d ~ d e .
da punição
leis são consídcrad c
,om
o a vento da cnmmologia, as
d d 4' como
fundamentadas
na necessidade natu-
e elesa da socledade A qu C dI
da eficácia O J d' .,.' es ao a eglt1midade cede lugar à
. U IClano pode
aparecer
com
nomo e técnico da . d d " . o um regulador autô-
SOCIe a e entendIda e
'd
isenta de contradições I t I _ m sentI o genérico,
, en a evo uçao finaln
t
se produzÍsse
um
( , len e Com
que
Ia
de
a
de armá-
para
sua
3.
anormalidade do criminoso
Uma espécie
à
parte do gênero humano
Por
volta da segunda metade do sécuI XIX . ,.
relacionados ao direito ena com o , ?S textos jUndlcoS
modernizador por que a ~ ~ este a ; : ~ ~ ~ c : : : : ~ ~ I r s e ao p r o c e ~ s o
ris tas discutem as idéias de Lomb mento. Nossos jU
estas surgem na Europa. / roso quase ao mesmo tempo em
que
Em 1871
é
publicada a obra L '
U .
fundadora da criminologia
M
o ~ o d e l ~ n q u e n t e , considerada
, as a cnmmologIa não sur
B
apenas
em
decorrência dessa importação
cultural '
ge
no
rasll
caracterizou a produção intelectual b '1' maCIça que sempre
ras1 eIra.
O processo
de
ímplantaç d d
do no princípio do século d a me lcma social no Brasil, já inicia-
prisões, Tornar
os
á r c e r ~ s ~ r ~ s : ~ : ~ a uma e f l e x ã o
h ~ g i ê n i c a
sobre as
focos
de epidem'
:Jados e lImpos, eVItando possíve is
las, de
mod 'b'
o a Ol Ir a convivência ne-
30
fasta
dos
malfeitores entre si, taís passam a
ser
as preocupações dos
médicos e juristas, Em 1868, há notícia de um médico dirigindo uma
prisão no Rio de Janeiro
21
,
Mas, 1833, o Brasil
já
tinha uma prisão expressamente
voltada
para
a recuperação
do
criminoso e
que
se das
demais por não ser uma prisão coletiva: a de da Corte,
As prisões-depósito são vistas como fonte de males e mentais
para
os presos,
pela
falta
de
higiene e pela
desordem
que
propiciam,
Aí
senhores [na Casa de Correção da C011e] ... é expressamente proi
bido aos presos conversarem sobre qualquer assunto, devendo
todos trabalhar com os olhos baixos e se qualquer deles
é
surpreen
dido desviando os olhos do trabalho: .. procurando comunicar-se
com os companheiros .. é ali mesmo castigado pelo guarda que para
isso se serve de um látego de couro
22
.
Trata-Sé
de
o
espaço
da prisão, que não
deve
ape-
nas excluir, mas ser capaz de evitar possíveis entre os presos,
wmbém um de obediência moralidade atra-
vés
do
trabalho. É
enquanto reforma moral que se
define, neste mo
mento, a recuperação do preso, Mas já se fala aqui de uma outra fina
lidade da pena, que não se reduz à intimidação ou
à
punição.
O
processo de medicalização, enquanto introdutor no Brasil de
uma
ordem
disciplinar, cria condições
para
uma reflexão médica so
bre as prisões, que vai acabar por estabelecer um parentesco,
desde
então sempre afirmado, entre doença e crime. Além disso, ele vai
possibilitar uma reorganização do espaço da prisão, processo que.vai
se
dar de forma
lenta e incompleta, Pois permanecerão existindo no
Brasil, em maioria absoluta, os depósitos de presos, estes espaços
mais
ou
menos
caóticos,
cuja
finalidade é apenas a
exclusão
e o cas
tigo, ao lado de outras instituições, onde já se opera a implantação de
uma
tecnologia disciplinar,
21 Roberto Machado t
al op eU. p.
328.
22 Clemente
da Cunha
Ferreira, Sistemas
Peni
tenci ários ,
111
f1J l .H J . ,FS n°
9, Rio de Janeiro 1876, p. 73.
3
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É a disciplinarização do espaço da prisão e do espaço social como
um
todo que cria condições
para
a veiculação do discurso da
criminologia no Brasil. Em seu início, os textos reproduziam, quase
que
sem
as na
o momento de da de mo-
mento de dos
E
d
. . _ ' um momento upIo, de cons-
tltUlçao de um saber sobre o criminoso e de constituição do c riminoso
como um anormal. O
olhar do
vai
nele
que sua
comparado às pessoas honestas . Os criminosos
são uma
parte do humano, dirá Lombroso. e se eles assim se
não se trata mera afirmação casuística:
Eu
Q tenho demonstrado, nas minhas visitas
( , < l l y · . ~ · f ,
fato
para vencer os
u
que transf ormar o penaL E este vai ser visto corno
metafísico e anti-científico exatamente porque não se baseia na ob
servação dos fatos .
Para Lombroso, um médico, a anormalidade do criminoso ex
pressa-se em características físicas, que vão dos zigomas enormes
à cor negra dos cabelos, passando pela analgesia (insensibilidade à
dor).
Uma
série de procedimentos
de
medição, inclusive com apare
lhos ( algômetro elétrico ), vão descrever fisicamente o delinqüente.
A maior anomalia dos criminosos natos é a resistência
à
dor. ..
os
médicos das prisões sabem como
as
operações mais dolorosas
..
aplicações de ferro em brasa .. são muitas vezes pouco sensíveis
aos criminosos
24.
Aragão,
op cit. p. J
71.
24
Id. ibid. p. 177.
32
Assimetria do fosseta occipital média, maior desenvolvi
mento da região occipital em relação
à
frontal, fronte fugidia,
assimetria de seios frontais
...
má formação da
orelha .. falta de barba ... predomínio da envergadura sobre a
estatura
25
.
de
características do corpo
dos criminosos irão constituir sua anormalidade. O é um ser
É
o acabado de um às avessas,
m }qermis o em seus caracteres
cos, instintos
e ausência de sensibilidade física e moral
o
criminoso típico seria urna cópia
..
nas sociedades modernas
do
homem primitivo, aparecido, pelo fenômeno do atavismo, no meio
social civilizado, com muitos de seus caracteres somáticos e os
mesmos instintos falta de
fase
ela existência
..
mento da humana
26.
Que projeto institucional se articula à concepção de atavismo?
Em
outras palavras, que fazer com estes anormais? Diante dos atávicos,
nada mais resta que a eliminação
ou
a exclusão.
Os
criminosos são
anormais e sua anormaJidade, incurável.
Não
há sentido em se falar de
responsabilidade moral como fundamento
da
punição, pois todos os
criminosos são irresponsáveis.
Os
juristas brasileiros, na passagem do século, vão discutir as
. /
teses lombrosianas. Ruy Barbosa, ele próprio
defensor
de anarquistas
processados pelo governo brasileiro, vai apontar os compromissos
políticos de Lombroso, mostrando que
em
todos os anarquistas italia
nos ele diagnostica a tara hereditária .
Transparece de
maneira
por
demais evidente a ligação da teoria do atavismo
com
o arbítrio,
com
o
aumento das penas, colocando-se
em
confronto claro com o liberalis
mo, sem conseguir articular uma proposta de reforma ou cura do
25 Id. ibid.
p. 183.
26 Id. ibid. p. 133-4.
33
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criminoso, que permitisse
dar
à
uma
característica humanizadora.
Para nos hannonizannos com a ciência da criminologia teríamos que
subverter as garantias mais respeitáveis do processo penal entre
nós favorecendo a ampliação do cárcere preventivo, diminuindo
os casos de liberdade provisória, abolindo a publicidade na forma
ção de culpa mutilando o direito de graça, amesquinhando a anis
tia e restaurando a pena de morte
27
Por
outro lado, começa-se
a admitir,
como
é o
caso de Clóvis
a ele um mor us que ao elelito,,28
e
contra
o qual a pena se revelará ineficaz. Da discussão da teoria do atavismo
surge a idéia
de
uma punição baseada
num
certo tipo
de
anormalidade
de
que
padeceria
o
criminoso, idéia
essa
que passa
a ser
incorporada
por
nossos juristas, apesar das
críticas aos
exageros
de
Lombroso.
morais
em louvar
o
do
a para um outro de vista
de criminosos encarcerados: seus vícios, seus
seu
comportamento.
É
Feni quem
será p31iicularmente citado,
como
autor da descoberta de que o climinoso é um anormal moral.
Segundo ele,
os criminosos
são insensíveis, imprevidentes, co
vardes,
preguiçosos,
vaidosos e mentirosos.
Manifestam incapacidade
para o amor fino e delicado, seu apetite sexual é exagerado e tendem
para
o homossexualismo e a
promiscuidade.
Nas galés, come-se com mais apetite, dorme-se com mais abando
no que em muitos lares honestos, atormentados pela preocupação
do presente .. os presos cantam, riem, divertem-se ao conto das
proezas feitas ... glorificam os atas mais vis e exibem, como diploma
de honra, as mais ignóbeis tatuagens, vivem com a esperança da
liberdade e preparam novos negócios para a hora em que ela
27 Ruy Barbosa. A obra de Ruy Barbosa em criminologia e direito
Rio de Janeiro, Escola Nacional de Direito, 1952, p. 164.
28
Clóvis
29 Moniz Sodré
de
r l l 7 l l l l( ) IU I IU
e direito
op ito p 190.
34
1896. p
17
Os criminosos, diz-se neste
momento, são
basicamente incapa
zes de realizar
um
adequado controle moral, como o são as pessoas
honestas.
Sua
anormalidade
se
manifesta por um excesso instintivo,
explicado como um retorno a um estado selvagem, atávico, hereditaria
mente
determinado.
Mas
este mal
oculto,
existente
no
corpo, não se
exterioriza
mais, como
em Lombroso, apenas em características
caso O
que
permite
um
alcance muito
maior, para
o
discurso da
criminologia.
Ele
pode
deslocar-se dos procedimentos
de
mensuração
e
observação do corpo
do
para a do comporta-
mento, seja dos criminosos do seja dos criminosos em poten-
cial,
na
sociedade.
A
anormalidade,
a
tendência
para o
crime,
pode
agora
ser
reco
nhecida
em
hábitos de vida, em comportamentos considerados anti
sociais.
Ela não
se
expressa mais na f isionomia,
mas numa
tendência
pela do
, ' . r ' i ' .PC'
que
se
tornarão
chaves
na
a de
ou temibilidade e os
novos de
clas
sificação dos criminosos.
Em
Ferri,
como em Lombroso,
opõem-se
as categorias
de normal
e
anormal
(homem
honesto
x homem crimi
noso). Mas
insinuam-se entre
os
dois pólos outras categorias, que
terão papel fundamental na progressiva ampliação do discurso da
criminologia,
como
veremos mais
tarde.
Como um discurso
que
pode remeter ao social, sem
ficar cir
cunscrito à bio-típologia, Fen j
empreende
uma classificação dos indi
víduos na
sociedade,
segundo
sua
tendência
para o
crime.
Podemos dividir as camadas sociais em três categorias: a classe moral
mente mais elevada, que não comete delitos porque é honesta por sua
constituição orgânica, pelo efeito do senso moral.. do hábito adquiri
do e hereditariamente transmitido mantido pelas condições favorá
veis de existência social... Outra classe mais baixa é composta por
indivíduos refratários a todo sentimento de honestidade, porque pri
vados de toda educação e impregnados da miséria material e moraL..
herdam de seus uma anOlmal que une a
tiPctp,,..p,·,,t,'v a uma verdadeira volta atávica às
35
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raças é nesta classe que se recruta o maior número de
delinqüentes natos. A terceira classe [é a dos que não nasceram para
o delito,
mas
não são completamente honestos
..
30
.
da evolução natural,
em
que
uma
classe
é
en
desenrolarutra é naturalmente
do mesmo processo.
São
, porum mais
do
neste momento
consideradas hereditariamente. Ferri considera que o
criminoso deve ser classificado
cm
tipos, tendo-se em conta seus
de e assim seu
de temibilidade ou de anti-sociabilidade . crime deve ser to
mado como
sintoma deste mal moral que habita o criminoso e as
em que estc
mal
ser
de
de
para quem as penas tradicionais ainda
ou
de crimino
sos natos , loucos , por paixão ou por hábito , que requerem penas
especiais. A maioria dos criminosos, segundo esta concepção, está entre
aqueles para quem
as
penas falham como meio de regeneração.
Mas, neste momento de implantação
da
criminologia, não se
enfatiza tanto a recuperação do criminoso quanto a necessidade de que a
sociedade se defenda destes degenerados morais. As penas, transforma
das no sentido de se tornarem mais severas, devem atuar como uma
/
espécie de seleção artificial: eliminar os degenerados, os atávicos, os pro-
dutos mal sucedidos do processo de evolução natural da sociedade.
Temos, portanto, um discurso
em
que o crime é visto como sin
toma de
um
mal moral hereditário. Deve-se, assim, adequar as penas
à
personalidade
do
criminoso,
empreender
um estudo desta personali
dade, de sua origem social, etc. Ao mesmo tempo, o projeto institucional
que se articula a essas inovações é o de
um
maior rigor das penas, que
permita defender a sociedade dos criminosos.
30 Id. ibid.
p.286-7.
36
E como atuar preventivamente sobre a
camada
baixa da popu
lação,
na
qual o crime é sempre
uma
possibilidade,
dada
a ausência
hereditária de freios e
a
devassidão dos
costumes
favorecida
Pela vigilância
e também por meio de
ç ' < 1 U U C
que
te-
rão
mais tarde,
nem
estão bem
aLXL, ',O
o
do
crime
com
um
ele é entendid o como um mal de natureza
não se com a no dizer
de
Ferrí. anor-
malidade no terreno da das e do temperamento.
o
brasileiro
e a degeneração moral
Em torno da
do um discurso
que
começa a ser
os autores
mas que se à realidade brasileira. encont ram u
vasto campo de para a tese de
que
o é
resultante de uma anomalia biológica atávíca, que afeta a moral.
Não é
ainda de doença mental que se fala na acepção
moderna do
termo,
mas desta outra forma de anormalidade, calcada na noção de evo-
lucionismo
às avessas .
o
olhar dos criminólogos
se
volta
para
os
costumes
brasileiros:
o carnaval, os sambas, os cangaceiros nordestinos, a miscigenação.
Todos estes são indícios de uma incapacidade para o controle moral,
que
explica também a indolência para o trabalho, a tendência para o
desrespeíto à autoridade e finalmente
para
o crime.
.., grande número de crimes violentos tem origem nos sambas, se
não mesmo durante eles praticados
31
.
Clóvis Bevilaqua refere-se às raças brasileiras: a miscigenação
não favorece o crime e quanto mais ela tende para as características
negras, mais esta tendência se acentua. Porque as raças inferiores,
3 Clóvis Bevilaqua,
op. cit.
p.
94.
37
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:1
negra
e índia, representam por si sós uma espécie de degeneração. São
estágios
inferiores de um
processo
evolutivo,
que
culminaria com a
raça branca, ariana, menos propensa à criminalidade.
Em razão
das características
degenerativas
trazidas misci-
genação, justificar-se-ia um aumento const.ante
no
rigor de nossas leis,
sempre ameaçadas pela propensão inata
do povo
ao crime.
...
que admirável caldo de cultura para as mórbidas manifestações
do crime essa nova sociedade, formada de uma miscigenação .. de
senvolvida
à
solta num ambiente em que o império da
lei
mal se fazia
sentir, dominada pelos imperativos do instinto e da força
..
32
.
O mais triste e desanimador, porém, está em sermos uma espantosa
população de bárbaros heterogéneos .. entre nós não existe o brasi
leiro, mas
os
tipos brasileiros. Diferenças raciais profundas ou indi
vidualidades profundamente dissemelhantes, com o agravante do
atraso e da incultura .. daí
semlOS
uma população de mentalidade
e
o
criminoso
..
encontram-se em e:;tado
dos bárbaros híbridos das cidades e dos
o discurso da degeneração
articula-se
mais
a uma
proposta de
eliminação e exclusão
do
criminoso,
pelo
aumento do
poder
repressivo
das leis,
do que
a
uma perspectiva
de-cura ou reforma. Ele arma
para
32
José Mesquita. Evolução e aspectos da criminalidade em
Cu
yabá ,
in
Revista de Direito Penal. Rio
de Janeiro, Sociedade Brasileira de Criminologia,
vaI. XIV, 1936, p. 27.
33 Mário
Gameiro. Pena
de morte , in
Revista de Direito Penal.
Rio de
Janeiro,
Sociedlide
Brasileira
de
Criminologia,
VoI. VIII, 1935, p. 184-6.
Este
é
um trecho
da década de 30, que reedita o discurso criminológico
mais
característico do
final do
século XIX
ao
início
do
século
XX. Na
realidade, a demarcação precisa
das épocas históricas não é possível neste tipo de análise, principalmente
num discurso como o
da
criminologia, cujo caráter utilitário se sobrepõe
à
necessidade de coerência interna. Os criminólogos
não
hesitaram, sempre
que necessár io , em utilizar conceitos aparentemente em desuso numa
determinada época,
ou mesmo em
deturpar de modo
cerras
teorias,
pois
trata-se, em primeiro
lugar, de
demonstrar a necessidade
de um
maior
rigor das
de
criticar o liberalismo, etc.
38
o Judiciário um a
estratégia
na qual o aumento do rigor das
penas
tor
na-se justificado,
através
de
uma crítica repetitiva a leis excessiva
mente
liberais,
inadequadas à índole do
povo, etc.
Mas
justamente por mostrar de forma excessí vamente clara
sua
com o autoritarismo, este discurso fracassa, do
ponto
de
vista
de sua
penetração
no
Judiciário. No Brasil republicano, o discur
so liberal predomina
no campo
penal, e a maioria de nossos juristas
olha
com
certa desconfiança
essas
inovações
científicas .
Curar o criminoso
uando
as provas faltassem
por que não haveríamos
de procurar
no delinqüente a
sua
ireóide? 34
corpo a tendência médica
no Encontrar um
corpo
doente
para
o entre
cardíacas, tuberculose,
verminose
e crime,
seja
buscando
associar
variações
da quota hormonal
com distúrbios
de comportamento,
tal
vai
ser
a
tendência do discurso neste
momento.
mulher criminosa e o
homossexual
serão objeto de considera
ções, no
sentido
de
comprovar
a influência dos hormônios sobre o
caráter.
O
fluxo
menstrual,
visto
como espécie de crise endócrina
natural, pode levar a manifestações criminosas, assim como o perío
do puerperal.
O homossexual é
arries
de
tudo
um
doente, tratável
pela
injeção
de hormônios
sexuais. Teríamos
por esta via
a solução de
muitos
dos crimes contra os costumes ,
inclusive da
prostituição.
Estaria
aberto o
caminho para se afirmar que
se
alguém
é preso,
privado de suas garantias de cidadão, isto
ocorre
não apenas em razão
de ter sido cometido um
delito,
mas
em razão de
uma
doença
que se
quer
curar. A prisão,
como
fOfila de intimidação,
de
vingança, está
em
Péricles Madureira de Pinho. Estudos
de
Cultura Jurídica.
Bahia, 1932,
p. 11.
39
,
in Revista de
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d e s ~ s o ou
fora de moda. O Judiciário humaniza-se, ao mesmo tempo
que mcorpora o desenvolvimento
da
ciência. A prisão se
dá
em
nome
da cura e em do próprio preso.
A volta à idéia da
.H,Ul1l ,W.\ dU
, H ' U ' C > V , mas sob a forma mais
radical e humana da
A vindo confirmar o que Lombroso
E com vantagens, teria vindo falar-nos de
um
corpo anormal
. de um quimismo interno, não expresso na
fisIonomia, mas detectável por científicos.
. Como corolário busca em estabelecer o elo
corpo
c n ~ 1 ~
t e ~ l O . s
o crescimento
em
importância
da
figura do médico jun-
to as mstltmções judiciárias.
Será
cada vez mais aconselhável ter-se
um médico
como
diretor de .
U l \ . ; U t ~ : ideais para
or-
administrados
por
um O
• • A • como u,
mesmo
que
na
pratica a vlolencla tenha
continuado
a
mesma
nas prisões,
ao
menos
ela
pode aparecer
como
uma deturpação, como
um
desvio indevido
da
nova vocação curativa do cárcere.
Poderíamos sintetizar as inovações trazidas pelo discurso médi
co interio.r da crimi.nologia enumerando três estratég ias básicas q ue
serao postenor mente Incorporadas ao direito penal:
1 O criminoso é um doente.
2. A pena é
um
tratamento que age em benefício do criminoso.
3. A prisão não deve punir, m as curar.
o
discurso médico não
é
o
único
a veicular esta nova estratégia
~ s e ~
~ n ~ o r p o r a d a pelo Judiciário,
que
vai redefinir a pena procurando
JustIfica-la não em si mesma,
mas
fazendo menção a finalidades ao
mesmo
tempo científicas e human itárias. A pedagogia, a psicamÚise
35 Id. ibid.
pJ3.
40
criminal, a psiquiatria, vão também,
mais
ou
menos
no mesmo perío
do,
começar
a produzir novos discursos de
readaptação
e cura dos condenadOS,
e
loucura
LV '-J'U e a da segunda meta-
de do século XIX, um diálogo constante, ao mesmo tempo
vando certas especificidades e diferenças.
Para
a psiquiatria, a
do sempre
uma estratégia
para a confirmação de
sua
competência,
de
seu
lugar
social. O louco
é alguém potencialmente
capaz
de
cometer
um crime tal foi
sempre
dos
e
simultaneamente o louco
teve
certo
para
ser no no
bojo
de um lento e sempre
inacabado
processo de
medicalização
da
sociedade brasileira.
A diversidade fundamental entre a crimino logia e o discurso psi
quiátrico sobre o crime reside no fato
de
que, enquanto a primeira
representa
uma
transformação interna do direito penal sob o
impacto
das ciências humanas, a psiquiatria se insurge do exterior, disputando
com o direito
penal
o papel de gestora dos criminosos, através da
afirmação de uma relação, progressivame nte mais íntima, entre crime
e
doença
mental. -
Se
a criminologfa buscou, a partir de
Lombroso,
estabelecer en
tre crime e anormalidade uma relação estável, por outro lado apenas a
psiquiatria afirmou de modo inequívoco que o criminoso é quase sem
preum doente mental. Embora
buscando
causas
mórbidas
para o cri
me, a criminologia não deixou de tematizá-lo enquanto tal, enquanto a
psiquiatria pretendeu colocá-lo
como
mais uma dentre outras mani
festações de loucura, medicalizando a noção de
crime
e transferindo-
a para a esfera da psiquiatria.
41
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A história das relações entre psiquiatria e direito penal no Brasil pode
ser traçada fazendo-se menção à maneira como se colocou, nos códigos
penais brasileiros, a questão da responsabilidade climinaI do louco.
O primeiro código penal brasileiro, de 1830 (o Código do Impé
rio), tornava irresponsáveis os loucos de todo gênero salvo se
rem intervalos Iucidos e neles cometerem crimes .
A existência
de
loucura tornava o crime inexistente no sentido
jurídico, e neste momento a loucura era compreendida como o con
da
lucidez, como a incapacidade de discernir segundo a razão.
Os loucos seriam desarrazoados e por incapazes
para
o contrato
social.
o
código de 1830, um código liberal e calcado nos códigos
que
se faziam
na
Europa sob influência francesa, fundava a responsabili-
dade o
que,
racional de
estava ausente no
A nascia í 1841 o
no Rio
de
Janeiro. Mas este não erà ainda o
lugar
reconhe
cido pela sociedade
para
o envio
de
loucos. Havia loucos vagando
pelas ruas, no hospital
da
Santa Casa, misturados a vagabundos, sifi
líticos e prostitutas, nas prisões e nas casas de família, especíalmente
as abastadas.
O Código Penal de 1830 previa que os loucos
que
cometessem
crimes podia m ser entregues às famílias e casas a eles destinad as
conforme
ao juiz parecesse mais conveniente. O destino dos loucos
criminosos era incerto, assim
como
o
eJ a
o dos loucos
em
geral. A
própria noção de que os loucos
devem
ser encerrados
em
hospícios
ainda se construía no Brasil.
À medida
que
o.processo de medicalização
da
sociedade brasi
leira avança, a psiquiatria, reivindicando competê ncia ex
clusiva sobre a loucura, ganhando espaços
junto
ao Estado e ao mes
mo
tempo dotando-o de novas técnicas
de
controle social.
O discurso
quer
, , ' -0La.v
e controle sobre as
42
ao
que não se
mas como
complemento de
programas de higienização e
de
saúde
pública, ganhando
um
caráter técnico-científico.
A psiquiatria, ao se pretender
um
saber sobre a loucura, se apre
senta ao mesmo tempo como uma medicina que prescreve os com-
portamentos a serem considerados normais.
E
acíma
de tudo ela reserva a estes cidadãos, cujo comporta
mento é considerado fora
da
norma, um tipo
ele
destino inteiramente
novo: não serDO excluídos
por
infraçDo a um código
de
explí-
cito,
como
o criminoso. Mas, ao serem definidos
como
sua
exclusão justifica-s e
como
tratamento.
A doença de que padecem
é
justamente esta incapacidade para
o
contrato social, esta ausência
de
razão que
os
torna perig9sos
para
o convívio com a sociedade. A possibilidade de exclusão de cidadãos
.
C
d f t '
ue não tenham contrariado qualquer artlgo
c
o
U 19O
1
ena e
a
arma
que
a
a ao mas que no Brasil só será incor-
e
acelta oficialmente
em
alra
vês ela lei
Esta
lei, resultado dos esforços dos alíenistas
mento científico e político da psiquiatria, finalmente regulamenta a
guarda temporária dos bens do alienado pelo psiquiatra, define o hos
pício
como
único local onde devem ser recolhidos os loucos, subor
dinando a internação a um parecer médico.
A psiquiatria passa a dispor de um poder de seqüestro divers?
daquele de
que
dispõe o Judiciário. Podemos neste
~ n o
nos
r f ~ r
de modo mais claro às relações entre a psiquiatria e o dlrelto penal: sao
relações entre dois tipos de poder de seqüestro, um fundamentado
em
leis advindas
de um
contrato social de bases liberais, outro fundamen
tado
na
tecnologia médica.
Sob o impacto das ciências humanas, o próprio direito penal irá
transformar o direito de seqüestrar (ou de punir) numa função técni
ca, baseado nas noções de anormalidade e de cura. A psiquiatria exer
ce
junto
ao direito penal um papel ao mesmo tempo semelhante e
diverso do
da
36
Roberto
Machado op. cit. p.
484.
43
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
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Semelhante porque vai dotar o Judiciário de meios técnicos para
que
mais e mais se fale em prende r para tratar
do que para
punir. Diver so
será a de colocar o juiz, de
celto
Sc b
a
tutela
do o
que levará as
duas técnicas
de
como denominamos a um confronto com cs-
vários
mOlncntos, mas
nunca conflito.
o
Penal dc 1830 não considerava criminosos
lou-
,com crescente d2
aumento dc
seu
na
sociedade
críticas começam a
I A loucura não deve ser num sentido tão
coo H 6
várias formas
e vários
graus
de loucura.
2. Loucura e irracionalidade
não
são sinónimos.
Há as
loucu-
loucura c criminal
há 1'e-
s,
que requerem
a
avaliação do
psiquiatra
para sua
determinação
estados crepusculares
da liberdade
A
psiquiatria,
numa de suas estratégias de consolidação,
procura
definir-se como autoridade única
nas
questões
de
respon
sabilidade
é ela quem vai apontar, para a Justiça, o grau em
que
a capacidade de discernimento
do criminoso está
afetada.
processo,
vai ser
destruída
a
idéia
de
que para
haver
loucura
é
so
haver perda de
razão.
Surgem as loucuras sem
as loucuras quase aos olhos do Ce do
juiz),
mas detectáveis
para o perito alienista. Vários
graus
de lou
cura que são o correlato
de
vários graus de responsabilidade. O
poder do psiquiatra
aumenta
na
medida
em
que ele pretende ser
o
verdadeiro juiz, porque médico e
cientista.
A
tentativa
é a lei, aproximar
crime
e doença men-
tal,
transferindo para
o
psiquiatra maior
poder.
44
Cedo os juristas
empreendem uma eríUca
deste ideal psiquiá-
trico, pretendendo a
competência
do perito: há a crítica
de
que
a psiquiatria
do-o
num doente. E
tal
crítica de certo
A
grande
batalha que se trava entre Justiça e
médicos e s6 aos médicos é definir
mente o estado normal ou anormal da constituição psicofísica dos
criminosos Assim como temos médicos do exército, médicos da
armada, médicos da polícía, poderíamos ter médicos
da
justiça
37.
Mas
vejamos o
lugar
do
médico
dajustiça
definido
pelo mes-
mo autor:
Não
confundir esta minha opinião com a que viesse coloca r o legis
ladoI/penal sempre à escuta dos orúculos da medicina, nas ques-
tões de
Os juristas
abrem
um para a
psiquiatria
junto ao
direito
penal, mas pretendem limitar este
ante a de que
toda
a
sociedade
se
transforme num imenso hospício, ante
a
dos
patólogos do
crime
..
Tobias Barreto
de
Meneses.
Menores e loucos em direito
de Janeiro, Simões, 1951,
p.
103.
B ld. ibid. p.
98.
45
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
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' em cujas obras a sociedade inteira aparece cómo uma imensa casa
de Orates e nquanto esses ilustres ... não desc obrirem o meio
nosocrático suficiente para opor barreira ao delito
39
.
Talvez
em
razão dessa desconfiança
reinante
nos meios jurídi
cos, o
Código
Penal de
1890
ainda
não
incorpore muitas das inovações
psiquiátricas.
Os juristas esperam que os se ocupem dos
mas não lhes tantos poderes na
avaliação
e
detecção da
loucura
quanto
estes reivindicavam.
O destino
do
louco-criminoso pode ainda
ser a além do
hospital de
alienados
já
referido
no
texto da lei. Mas,
por
outro lado,
a palavra
loucura
é substituída
por afecção mental , termo médico
que ratifica, de certo modo, a competência do
médico-psiquiatra.
Artigo
27:
Não serão criminosos .. os que se acharem em estado
de completa privação dos sentidos
e
da
no Mo ele
co
meleI'
o
crime .
nasce criticado
tas abrir para o
referência aos loucos de todo gênero era por demais ampla, a com
pleta
prívação dos
sentidos
e da
inteligência será criticada
por seu
caráter restrito demais, aplicando-se
apenas aos mortos 40.
Os psiquiatras querem demonstrar que um indivíduo não precisa
estar privado
de
seus
sentidos
e
inteligência
para
estar
acometido de
uma afecção mental. Há os loucos lúcidos, os que conservam as fa
culdades
intelectuais, as formas
morais de
loucura que deixam intacta
a integridade do eu. Há ainda os estados de inconsciência temporários
e situacionais (as cataJepsias, o sonambulismo, as histerias) capazes
de suprimir
a
capacidade de imputação
e
de conviver com uma
perso
nalidade que,
fora deste
estado,
é
inteiramente
normal.
Aparentemente,
os psiquiatras
parecem mostrar à Justiça que há
muito mais casos de inimputabilidade
do
que
osjuristas
poderiam
su-
39 Id. ibid. p.
34,
40 Dario Callado. Inconsciência do
1916, p, 5,
46
Rio
de Janeiro,
du
por, muito mais casos em
que
o psiquiatra
a ~ a r ~ c e
c o m ~ o perito
providencial, subtraindo criminosos à .
da,Jus.tlça,
no dIzer de
al
guns juristas. Mas se à prímeira vista a p S J ~ ~ : a ~ n a p a r e ~ e ~ concorr:
r
d
· . l'ção
do
raio
de ação do
JUdIcIano, na
verdade ela
abe
para uma lmmu c . •
muito mais no sentido
do
seu
reaparelhamento.
Acusada,
mUltas ve-
d
.
t t
de humanitária, com a qual desculpa-
zes, . e uma a 1 u .
. ,,,
o
criminoso,
a psiquiatria, embora
não d e s m e n t m ~ o
sua
~ u n ç c l o
curativa, buscou sempre
se
apresentar como aliada
no fortalecImento
da rPT,r.. , , ,
e
do controle
social,
agora dotado de novas
associadas
a uma
ação médica.
O
ensinamento psiquiátrico mais característico do
p e r Í o ~ o em
torno da elaboração do Código Penal de 1890 é
o
de que
a
razao
a
desrazão não po dem se opor de modo antagônÍco, que as r ~ l a ç ~ e s
entre Justiça e psiquiatria não podem ser colocadas de modo tao
s l m ~
1
I
C
)S
o aos a
p]cs, como, por cxemp o, aos
ou (
Entre a e
sua
1
t· 1
l lZ
o e a
loucura encontram-se
do
mesmo mOlO que ell te ~ , I . .
gradações diversas na
c o n s t í l u i ç ~ ? m e n t a 1 4 ~ o s
indivíul.l.OS, fonnan-
do os estados crepusculares da llberdade .
O destino institucional destes criminosos cuja e ~ p o n s ~ b . i l i d a d ~ é
modificada em razão de patologia mental está ainda l 1 d e f 1 1 l d ~ . N.ao
querem os juristas transferi-los totalmente para a g u a r d ~ ,d? pSIqUIa
tra. A tentativa
da
criminologia
é dotar
o
p r ó p ~ i o ~ u d ~ c I a n o de_um:
tecnologia própria
recolhendo subsídios
da pSlqUIatna, mas
nao
s
confundindo com ela.
Algumas
entidades nosográficas
da
psiquiatria
vão estar
particu-
larmente
relacionadas ao crime:
. d' 'duos com uma inteli-
As loucuras morais encontram-se em
lD IVl ?
. d detestave1
4
-.
gêncla regular ou mesmo agu a e um
4 Rodrigues
DolÍa.
Responsabilidade
Económica, 1929, p. 1l.
Id. ibid p. 48.
47
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Os
e p i l é t ~ c o s são sempre inclinados à ira, à violência, enérgicos e
sen: ~ s r u p u l o s na são excessivos nas opiniões religiosas e
pohtIcas, conservadores revolucionários
A
são
ou
aesr
1ro
po:rciIJnlldliIS,
. . com
que
S.Ofl
am ou f a ç a ~ ~
sofrer a socIedade. Consti tuem o grupo das persona-
lIdades pSlcopatlcas. Junto com as neuroses, constituem os casos de
restrita
..
A
nes-
do não
. que o acusado por dizer, um destino psiquiátrico .
EIS
por
esta categoria diagnóstica pode promover
uma
conciliação
~ n t r e Justlça e psiquiatIia, pode ser uma ponte de transformação no inte
nor das técnicas judiciárias, dotando-as de uma feição médl'ca qu _
.
.
. e
per
mltlla confundir, de forma definitiva, punição e tratamento.
, ? psicopata é um louco lúcido, cuja patologia consiste numa
e s p ~ c l ~ de opção cIiminosa. Mas o diagnóstico de psicopata não envia
o f l I ~ l I ~ O S O ao hospício, nem mesmo se tem a esperança d e 1110dificá
]0. Immlgo das leis por natureza, ele é antes alguém de
quem
a socie
dade deve se proteger:
Na sociedade o número de IJsicopatas é de ]
1
;0
. •• pessoas que
entram em conflIto com o direito administrativo, civil e
pena1
45 .
X
44
v
Conferência Brasileira de Criminologia,
in
Revista de Direito Penal 01
, 1936,p.58. . . V •
45Id. ibid.
p. 58.
48
A oposição às leis pode ser transformada
em
patologia, o que
permite adoecer , por extensão, as formas
de
contestação ao Esta
do. Cria-se a de dispositivos capazes conter tal tipo de
anomalia
As marchas e que as en-
tre e
ao
longo das últimas décadas
do século XIX
vão encontrar sua contrapartida prática na
década
20, da
_'''__ .
do
Manicómio Judiciário.
Este é um evento que coroa
de
êxito a dos
por seu reconhecimento oficial, mas, por outro lado, são impostos
certos limites a seu poder
quanto
ao
destino do louco-criminoso.
Um decreto lei em 1903 parecer, moment aneame nte, que os
vão
esta classe
de
criminosos em
os estados
nados e condenados alienados somente per
manecer em asilos públicos, nos pavilhões que especialmente se
lhes reservem (Artigo 11 do decreto 1132 de 1903).
Mas os manicómios criminais serão o resultado
de
um armistício
entre as duas partes em disputa: nem manicómio, nem prisão,
um
híbrido,
que
muitas vezes sofrerá a crítica
do
psiquiatra.
Ele
não po
derá aplicar totalmente a tecnologia disciplinar característic a do hos
pício e
nem
poderá decidir autonomamente sobre o destino desta classe
de alienados, ficando as internações e altas a critério
do juiz /
O Manicômio Judiciário é uma dependência da assistência a aliena
dos do Distrito Federal destinada a internações .. dos delinqüentes
isentos de responsabilidade por motivo de afecção mental quando,
a critério do juiz
assim o exija a segurança pública (Decreto
14831
de 25/5/1921, artigo 1°. Grifo nosso).
Em
decretos subsequentes a competência do psiquiatra restrin-
gia-se mais e mais:
Em qualquer dos casos a internação far-.se-á por ordem ou de
terminação dos juízes respectivos (Parágrafo Único do Decreto
17805 de 23/5/1927 .
49
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As limitações ao pode r psiquiátrico impostas pelo Judiciário vão
marcar a forma
com
que se dará a absorção
da
tecnologia psiquiátrica
por parte
do
mesmo. Ou seja, a psiquiatria não se apresenta para o
direito penal como uma alternativa que até mesmo a suprimi-lo.
Ao
contrário, ela vai ser um complemento da ação repressiva, dando
ao aparelho de uma disciplinar. O Judiciário se arma de
uma própria, que não se confunde quer com a psiquiatria,
quer com a penalogia tradicional.
somos
crnrmll0S:0S ou a
seremos latência Seremos
todos ambulantes cheias de criminosos
aferrolhados e que buscam escapar-se a despeito
das grades
e dosferrolhos
do recalcamento
dos carcereiros da censura.
EI fes evadidos
sedio
1USSOS crÍmes.
como
assassinos a
para
o
roubo ou homicidio
46
•
Dentre
os discursos produtores da anormalidade do criminoso, a
psicanális e criminal é o que vai aproximar de tal forma as noções ho
mem
honesto, normallhomem criminoso, anormal, que a oposição entre
elas
deixará
de
existir. .
A psiquiatria,
ao
produzir categorias
como
a de psicopatia, neu
rose ou loucura mental,
já
permitiu que a questão da responsabilidade
penal
se
colocasse
não
mais
como
oposição (responsável/irresponsá_
vel) mas
como
uma questão de se avaliarem graus de responsabilida
de . As formas em que a doença mental podia afetar a razão (capaci
dade de livre arbítrio, de responsabilidade penal) eram múltiplas, e
por
sua correta avaliação feita pelo psiquiatra, podia o direito penal orien
tar-se quanto à forma de sanção adequada a cada caso.
Moniz Sodré
de
50
A psicanálise, ao pensar o problema do crime vai tomar caduca
a idéia de responsabilidade. Nas décadas de 20 e 30 vão se tornando
mais freqüentes as referências ao que seria
uma
criminologia s i c ~ n a -
lítica, que de certo modo vai reeditar o pensamento dos p:'lluelros
criminólogos n este particular. Mas quando
Lombroso
e Fern susten
tavam que todos os eram
e inimigos
da
ordem social, quase não deixavam outra alternativa senão sua exc1u-
através de um aumento do rigor das penas e da vigilância policial.
Ao contrário, a psicanálise criminal poderá articular a idéia de
irresponsabilidade criminal a uma proposta de recupera ção do cri
minoso. Ao i11esmo tempo,
por
deixar
em segundo
plano as causas
biológicas e hereditárias, ela vai deslocar totalmente as determinações
do crime
para
a esfera do comportamento.
Na psicanalítica do a razão rcspon-
ou os graus
cm
que ela está de ser
A
se desloca para os afetos e para o controle que
o indivíduo é
capaz
de fazer deles, capacidade
esta
determinada
por
sua história de vida e pela educação que recebeu.
Tanto no
homem
criminoso quanto no
homem
honesto, o in
consciente seria a força capaz de direcionar seus atos (e não a razão).
A psicanálise criminal é contemporânea de propostas pedagógi
cas
de
recuperação do delinqUente, e veremos mais d i n t ~ que as
duas estratégias, psicanalítica e pedagógica, podem ser conSIderadas
complementares.
... já vimos que a afetividade se educa ou é s u s c ~ t í v e l d e modifi
cação .. assim como a inteligência, por
V J ~
da m s ~ u ç a o . Se
homem não foi educado, se não teve na
VIda
senao o conhecI
mento que ela própria lhe deu ... [se seus)
s e n t i d ~ s
embotados ...
jamais sofreram os benefícios das sanções bem onentadas.:. a t e ~ -
dendo às requisiç ões ego ísticas do eu ... delinque .. [ r ~ g n d e ] as
condições primitivas. Esses elementos afetívos, exammado: e:n
-
I d
-
de Patna
unção da noçao .. de faml la con uzuao a _ .
e ao sentimento Cívico e Social... da conclusao ser llnpos-
51
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ta ao paciente, mesmo qu e a título de
conselho... ele
próprio
quem à conclusão
compatível com a moral
Queméo
Alguém a quem não foi
dada
a
adequada
levar instintos
sem
opor frei-
do
em
comum: uma afetividade caó
sempre a
sociais, o adequado con trole
IJ '- 'Uti. -u
os objetivos
A associada à vai
procurar
as
c:usas do
cnme
no inconsciente do este manancial de pai-
x o e ~
d e s ~ r d e n a d a s
que habita todo
ser
humano. Na criança,
que
neste
sentIdo
e.semelhante
ao criminoso, os afetos, ainda não
vai opor a
nosos, incompatíveis
com
a convivência social.
Segundo a psicanálise criminal, o criminoso e o neurótico ao
mesmo
e ~ p o se aproximam e
se
diferenciam. Neste ponto, o centro.
de referenCia das discussões é a noção de Complexo de Édipo.
O
enfermo neurótico e o deli nqücnte são no fundo a
mesma coisa
..
que
o .neurótico faz pela representação, no
domínio
dos sintomas
m o f ~ s l v O S executa-o o delinqüente em reais ações criminosas ..
ambas as condutas mórbidas se originaram na vida sexual
da
crian
ça e
em
seus desejos proibidos .. os delinqüentes praticam o crime
porque este
é proibido e
porque
sua execução lhes dá alívi048.
aspecto da colaboração do
educador
na
obra
de regeneração do sentenciado , in
Revista
de
ireito
Penal
VoI. IX, 1935, p. 163/5. '
48
~ l s o n Hungria Hoffbauer. Comentários ao Código Penal Rio de Janeiro
RevIsta Forense, vol. I tomo l, p. 502. '
52
Nosso
propósito não é o
de
analisar a propriedade ou a exatidão
com que os conceitos psicanalíticos são utilizados neste contexto,
mas de
situar o
da
que
antecede à elaboração do
Código
~ J L ~ . ,
da anormalidade do
sobre o
Mas
é
de uma que nos falam os autores, e
neste ponto tornam-se os mais otimistas quanto à cura do
Como
uma
tendência no interior do a
psicanálise nos fala
da necessidade da
lei.
Se Lombroso e
Tarde enfatizam a necessidade de
defesa
social (através da metáfora
biológica,
um
organismo
que
se defende), aqui as leis
surgem desta
vos
atuando e, de certo
cujas proibições
n t e r n ~ s
falharam
49
:
Com relação às penas,
vimos que
o discurso
médico
(psiquia
tria, endocrinologia, etc.) as vê sob retudo
como
possibilidade de cura,
tendo uma finalidade terapêutica, embora
quase sempre imposta
ao
doente, pela necessidade de defesa social. Apenas a psicanálise crimi
nal
vai
falar do desejo inconsciente que todo criminoso
tem pela
pena,
o
que
a torna,
como
veremos, ineficaz, apontando para a necessidade
de sua transformação.
Vai
ser
operada uma redefinição da pena.
Se
o delinqüente in
consciente mente a deseja, ela se torna ineficaz,
já
que o
levà
a
come-
49
Interessante questão a ser pensada pelos psicanalistas de hoje, a
da
coincidência (ou não) da lei (do aparelho judiciár io) com
a
lei do pai, o
superego, etc. Caso não se faça uma correta distinção das duas acepções do
termo, dificilmente poderá ter a psicanálise um outro papel que não o da
adaptação e do controle social. No exame desta questão podemos verificar
freqüentemente que a psicanálise de hoje não é tão diferente da de ontem ,
na qual apenas sua feição autOlltária apareceria mais claramente.
53
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ter
novos
crimes. As culpas edípicas inconscientes
que
o levaram a
delinqüir
continuam agindo,
levando-o
a
novos atas criminosos.
E
neste ponto, enquanto alguns autores defendem que o delinqüente deve
ser
submetido ao tratamento psicanalítico,
outros defendem a
refor
ma das para que deixem ser punitivas, tornando -se
A idéia de punição deve ser riscada de todo o direito penal, pois
que a pena satisfaz somente a culpa íntima infantil.
aboliu a pena
a
destruirá a
Seja via de reforma ela prisão, seja pela psicanálise, o que se
busca é a reconstrução do respeito às leis, não
conseguida
através da
punição
ou intimidação,
segundo o direito
penal clássico ,
mas pela
reconstrução de
algo
interno ao indivíduo,
que se
diferencia
também
de uma
dita.
que me habituei a conhecer a alma humana através da
do inconsciente
tellho
culdade de os códigos
me
ensinou que é possível cultivar a infância e até mesmo regenerá
la mas isso sem a necessidade de punições nem de castigos o
único meio atual capaz de mergulhar no inconsciente do indivíduo
e de refazer-lhe o superego, isto é, de reconstruí-lo na capacidade
de adaptação [é a psicanálise]51.
Produz-se
aqui
uma
técnica de regeneração através de
uma
pe
dagogia dos afetos e dos instintos. Sem punições ou castigos, essa
técnica pode conduzir o
indivíduo ao
respeito às leis.
Não
há pois
lugar para
a
prisão
tradicional. As
prisões poderiam
mesmo
ser aber
tas , semelhantes a hospitaIS psiquiátricos open doors , à medida
que
fosse
sendo
reconstruída no
indivíduo
esta capacidade de auto-
aprisionamento instintiv0
52
• .
50 J P Porto-Carrero.
Mano, 1932,
p 27
5 Id., ibid.
p. 58-63.
52 Id., ibid. p. 63.
e psicanálise. Rio de Janeiro, Flores e
54
Como
parte das
estratégias
de recuperação
e também como for
ma de
evitar o
favorecimento
do homossexualismo nas prisões,
estas
não devem
proibir
a
vida
sexual.
As proibições
e
punições devem ce
der lugar ao controle adequado
sobre
a sexualidade, dirigindo-a
no
sentido
da adaptação
social.
Pois
o
crime
é o
produto de uma errónea impul-
sos sexuais. Como canalizá-los adequadamente, no sentido
da
adapta
ção?
Através da educação, seja na
nos
casos
seja
pela
psicanálise, nos casos de insucesso. Mas esta é, antes
de
tudo, uma
tarefa de
toda
a sociedade:
: quando uma educação sexual bem dirigida preparar o indivíduo
para a vida coletiva, que é a vida de espécie, quando houver um
regime de trabalho obrigatório e toda vocação for discriminada no
gabinete do técnico, será pelo menos raro que os sexuais
não satisfeitos ato procriador,
e
não sublimados
se desviem
para
as suas ;mômalas: perver-
A sociedade deve se transformar num imenso laboratório peda
gógico, em
que
a tarefa do Estado
deve
ser não apenas repressiva
(de
fato,
deve
deixar
de
sê-lo), mas
educativa, agindo sobre
os afetos e
sobre os instintos e dessa forma eliminando as ilegalidades. Enquanto
tal reforma social não se dá, a
sociedade aparece como
um
imenso
celeiro
de comportamentos desadaptados.
A
miséria preocupa
nossoS
teóricos exatamente no que ela pode trazer
no
sentido de uma má
canalização dos impulsos, pela desagregação
sla
família,
pela
promis
cuidade. infância abandonada merece especial preocupação
- des
cuidada, ou cuidada por famílias corruptoras, ela vai ser vista como o
domínio natural
para
a ação pedagógica do Estado.
Ao desprender-se das determinações biológicas para
a
compre
ensão
do crime, a criminologia psicanalítica
pôde
dar significado pre
ponderante
às
chamadas causas sociais do mesmo.
Entretanto,
esse
social
será compreendido
de modo
especial. De par com a constru-
53 Id., ibid. p. 29.
55
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da do criminoso anormal constrói-se
também
uma visão do
social como fonte
de anonnalidade
e de crime como
tanto à de negativos. : : ) ~ a r n H 1 a I e n 1 0 S
a o
modo
como o discurso
para além
do
da
ao Judiciário de
sobre as
a
d é c a d a d e 3 0 , v J I ~ V , l d H H ç l
tenl aCao entre os juristas na
se as
de incor-
poração
Código
discurso
aos
novos dispostivos inaugurados com
o
de 1940.
o novo código vai reconhecer a anormalidade do criminoso muito
mais
via do
discurso Por
outro
este
muito mais voltado para
o
a
que em
e
permanece
como
um
discurso relati vamen-
te
inoperante.
Ela
se liga
a estratégias disciplinares
que permanecem de
certo
modo preventivamente organizadas
mas
apenas parcialmente leva
das à
prática
na
sociedade brasileira da
época.
. A criminologia psicanalítica é por outro lado alvo de crítica
aCIrrada por
parte
da
maioria dos juristas do
período:
... dír-se- ia o sonho delirante de um fébrento .. o
métod;de
Freud
é
anti-científico e a psicanálise não passa de um episódio de
cultura
54
.
tão excêntrica tão repugnante ao nosso sentido moral a teoria
f r e u d i a ~ a ,
no
~ a : e . r i a l i s m o
obsceno de seus raciocínios forçados e
c o n c l u s o e ~
a r b l t r ~ n a s ... a criminologia dos psicanalistas é bem aque
la que sena arqUltetada por um delinqüente
55
.
54
Nelson Hungria Hoffbauer
op. cit.
p. 507.
55
M . S ·d
omz o re de Aragão op p. 370.
56
Embora fosse a criminologiapsicanalíti ca a tendência no interior
da
criminologia capaz
de
instaurar formas de
controle mais marcada-
mente
disciplinares ela
relativamente
inoperante no período da psiquiatria
da qual
a
conotação
com uma
conotação
essa
melhor fornecida
pelo discur-
80 psiquiátrico.
Da
anormalidade social
Além
de
ser um discurso
da anormalidade do
so a criminologia
produz também tendo como ponto
de apoio o
estu
do das
causas
sociais do crime um discurso complementar
que
per
mite ao Judiciário remeter-se ao social como
um
foco anómalo de
causas
criminosas.
A anormalidade do criminoso e a anormalidade social são
na
ver
dade concepções indissociáveis partes de uma estratégia que arma
o
Judiciário de maior
poder
de repressão e controle social.
Ao produzir
a
figura do criminoso anormal
a
criminologia pro
cura caracterizar a
transgressão
à lei como
sintoma
de
anormalidade
Abre espaço por
outro lado
para
confundir
todas as
formas
de ilega
lidade
desde
o
homicídio mais facilmente identificado
com
formas
patológicas até aquelas formas
de
ilegalidade
popular
mais evidente
mente contrárias às autoridades constituídas à
moral burguesa
e aos
interesses
de
propriedade.
56 Mário
Gameíro,
op cit.
p.
190.
57
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
http://slidepdf.com/reader/full/livro-cristina-rauter-criminologia-e-subjetividade-no-brasil-colecao-pensamento 30/65
Já vimos no i s c u r s o da criminologia o Estado aparece como
r e g ~ l a d o r
apohtlco,
tecnico-científico, podemos dizê-lo d d
socIal _
ele
se coloca acima, descompromissado de ua ' a
or
em
se, Seu compromisso único delegado q .lquer
mteres-
I
' ' ' ao
sena
com a defe
sa l
a socIedade em sentido / d -
legitimo . benenco, a qual ele
se apresenta
como
Nesta
medida
o cr'] 1 •
J
dr ' J 11e \ aI sei tematlzado,
na
vertente sociológi-
Cc. o , I S : , U ~ s o da cnmmologia, enquanto
A
do JudIclano seria o combate
a esse
mal ··
. que
po
e germmar em
. c
A
as:e
ou segmcnto social. Para comprovar tal tese .
cem referenc ' ' ' apate-
. las aos cnmes das classes abastadas
que
d
combatIdos
com' > ' evem ser
a mesma energIa que os
demais'
o
O Cl O
d '
dão a d f ' a evaSSI-
, ;
gran
es alcatruas, delitos igualmente graves e tão pouco
ob-
serva os, Por outro lado, a articulação
afirmada entre
o
nódulo das anMises cri
do
crimc.
e
No
a anon113lidade do
~ ~ q u ~ m t o
p r ~ d u ç ã o
do
discurso
da
criminologia, fizemos
menção
tam
l
dm :
a ~ ~ J r a
c o m ~ era paralelamente produzida a noção de anorma-
l, a e SOCIal. R ~ c a ~ t u l e m o s aqui,
brevemente,
como ela a areci
dISCurSO dos pnmeIros criminól
' p a
no
criminal.
ogos, na
pSIqUIatna e na
psicanálise
Lombroso,
Ferri,
a psiquiatria e as causas soCiais do crime
o
atavismo,
reconhecido por
Lombroso no delinqüente l'mpI'
cava também u . - d ' 1-
'd
ma vlsao o SOCial segundo a qual um grupo
de
indi
VI
u o s _ o ~
transgressores
das
leis)
representava
o resultado d -
evoluçao as aves
t
e uma
as
formas
de 1 e c r : ~ : ~ ~ ~ e O ~ a ~ d o , ao
r i m i ~ i : i s m o
e à seJvageria. Todas
, _ mc
USlve as pobtlcas) eram vIstas como m -
:olt:Sedsteaçaod este retrocesso evolutivo, transmissível e r e d i t a r i a m e n ~ e
scen entes
razão
1'1 '
ív' . I pe a qUd
estes
deVIam ser excluídos do con-
10
SOCla
,
A
leI as
eram
58
mesmo raciocínio, um resultado «feliz
da
seleção natural no campo
da cultura. A
sociedade
estava
assim dividida entre
seres atávicos,
que
reeditavam
a selvageria
dos
primitivos, e seres normais,
produtos
bem
sucedidos
da
cvolução, que naturalmente
detêm
o
poder
de legis-
lar
sobre os primeiros,
Em esta concepção da divisão das classes
segundo
seu grau de evolução
hatural
se
torna
mais clara c
prescinde
da
de
estigmas
físicos,
São
defeitos morais transmitidos here-
ditariamente, que podem ser adquiridos, c
pela convivência nos ambientes pobres e
por
isso
mesmo
devassos. A
seleção natural, única responsável pelas diferenças e contradições so
ciais, dá o fundamento da reação social contra
aqueles
que transgri
dem suas leis, pois a sociedade é também um
organismo
natural .
tem
o direito
de
amputá-lo .. a
por
um de
seuS membros .. tem o
di-
do social e no interesse
A psiquiatria,
em
sua
contribuição
ao
direito
penal,
sempre
re
meteu ao social ou às causas sociais da doença mental. Inicialmente
vinculada ao discurso da degeneração, ela também
encontrava
no do
ente mental
um degenerado.
As
causas
de seu mal, hereditárias, esta
vam presentes sobretudo nas classes pobres, nas
raças
inferiores ,
especialmente a negra, para alguns autores da passagem
do
século
XIX ao XX, Mais
tarde
a doença mental passará a ser vista.como
produto da interação dos fatores hereditários com as causas ambientais,
O que
se herda,
a partir dessa interação, é
uma
disposição à doença,
que só vai
se manifestar
se fatores externos colaborarem. E estes
fatores estarão ligados,
quase
sempre, aos ambientes
onde
imperam
a
pobreza e suas conseqüências somáticas, tais como a subnutrição, e
por outro lado à desagregação
familiar
e moral, os chamados antece-
sociais da
doença,
57 Moniz Sodré de
59
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
http://slidepdf.com/reader/full/livro-cristina-rauter-criminologia-e-subjetividade-no-brasil-colecao-pensamento 31/65
Para
a psiquiatria, o combate ao crime só se dá
em
toda sua
plenitude se, além do diagnóstico e tratamento das patologias mentais
relacionadas
ao
se fizer
uma
política de higiene das popula-
uma
vigilânc ia sobre as sobre os etc.
doentes mentais
é
estabelecer o exato
U 5 ~ C ' ' ' ~ ' ~ da temibilidade
dos
candidatos
a
livramento
condicional e
sua
CajX1C;W;a-
de de anti-social. O que se torna de absoluta necessidade
é
fixar sua médica fora das e o programa conveni-
ente de
higiene mental a que cada
um
deve ser
A
do Judiciário, medicalizada pela psiquiatria, deve
ser
es-
tendida para fora
da
prisão ou do manicómio Judiciário - o termo
vigilância médica fala por desta
trica sobre a sociedade.
o discurso da
totalmente
d<
causa
Ul1 h U, abriu espaço para que a sociedade, especialmente no que
diz respeito
à
organização da família, puoesse ser vista
como
a grande
fonte produtora
de
criminalidade. A solução para o problema do crime
é
colocada, fundamentalmente, como
resultado
de
uma
ação
reformadora sobre o social- ação refoDnadora que se daria através
de métodos educativos.
Mas a criminologia psicanalítica apenas retoma uma questão sem
pre presente no discurso da criminologia: a das relações entre a pobre
za enquanto desorganização
da
soc;iedade ( o caos ) e o crime. O
discurso criminológico, no período que antecede a elaboração do có
digo penal
de
1940, não
se
articllla
necessariamente a ações
reformadoras sobre o social; pode articular-se apenas a ações repres
sivas de cunho policial e judicial.
psicopáticos
dos
sentenciados ,
in
Revista de Direito Penal,
vaI. VIU,
1935,
p.
27.
60
o micróbio e o meio de fermentação
o meio o caldo de cultura da
o
' U ' n m f J
é o criminoso,
um
senZio
no
dia
s
lemento
que
não tem
em que acha o caldo quc
têm
os
que
merecem .
,como
eles
de
uma
se
de 20
e que tematiza
de
delineada nas . . O
l a ~ o
entre
questão das causas socuus do '< . .
estará sempre presente, mas articulado
de
duas fOlmas
a
e crime
. / ; m mal-estar
flSlCO,
Na
primeira deJas, a
mlsena,
ao gerar u
A da
desnu-
ao o
eo
'1estas o
taras. . . doenças lado a
. d d eração A
111lSena
.
dIscurso a egen
.
. das populações pobres
. . Tal dIagnostlCo
lado
com
anomalias moraIS.
t
que vão desde
- d
nétodos de
tratamen o ,
levou à elaboraçao e
vanos 1 . _
dos menores sempre
e
'os pedacrógicos até políticos
de
recuperaçao '
mI/;>
. .
associados a medidas policiais e JudicIaIs. . ' cala que
1
a renda em
mUlto
malor
es
Que ele (o povo) aprenda a er e . p 1 _ das sílabas se lhes injetem
e com a artlcu
a ç a o
, .
atualmente
..
mas qu . _. 1 slnente falando a mte-
. J
do direIto nao sImp e. . .
os preceItos;:l:a mora e
.
t para melhor disClph-
liuência,
mas
principalmente aos senumen os,
o 60
na da vontade . ue este transplan-
À
'famílias é
preciso tirar-lhes o filho para q
6 1
smas _ t r a tara ongmal .
tado e regenerado, nao possa perpe
ua
59
Moniz Sodré
de Aragão
op.
cit.,
p.
60 Clóvis Bevi1aqua, op. cit., p. 95.
.
Rio de Janeiro, Brasil,
d
. a criminolog
ta
.
6 Astolpho
Rezende.
Nos ommlOS .
1939,
p.
169.
6
mais importante destas
características refere-se i n c a p a c ~ d a d e ou in
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
http://slidepdf.com/reader/full/livro-cristina-rauter-criminologia-e-subjetividade-no-brasil-colecao-pensamento 32/65
o segundo tipo de articulação entre miséria e crime presente no
discurso
da chamada
criminologia crítica é o
que
relaciona não a miséria
em si, mas a desigualdade na distribuição de bens, ao fenômeno do crime.
É importante sublinhar que, em ambas as concepções, o meio
social é visto antes de tudo como um gerador de crime. Estamos
diante
de
uma concepção segundo
a qual as as
antagônicas entre as classes, são produtoras, antes de tudo,
de
um
fenômeno
negativo,
patológico, sobre
o
qual
é
reclamada
urna
reformadora.
E de onde partiria esta ação reformadora?
Do
próprio Estado,
entendido, como
já
vimos, enquanto regulador
técnico, apolítico,
da
sociedade.
As diferenças sociais,
mesmo quando apontadas (fala-se
aqui em desigualdade), são esvaziadas de qualquer positividade, de
qualquerpotencialidade de mudança e transformadas em sinal de anor
social a ser
A miséria e as sociais nào
em
seu
cial de mas sempre como do crime en-
quanto
um
mal
a
ser sanado por medidas repressivas
e técnicas.
Alardeia-se a necessidade inadiável
de que
se
contenha
a onda
sempre crescente da criminalidade, frase encontrada repetidas vezes
e em diferentes épocas nos textos
criminológicos,
como
parte de uma
estratégia que justifica o constante reaparelhamento
do
Judiciário e da
polícia, viabilizando um aprimoramento constante dos meios de re
pressão
e controle social.
/
rabalho e reforma social
No discurso criminológicosobre a anormalidade social, a pobreza é
vista
como
o principal agente
causador do
fenômeno do crime.
Mas
pre
cisemos melhor de que maneira esta é concebida: não que o estado de
necessidade material gerasse, por exemplo, os delitos contra a proprieda
de,
ou
que estes encontrassem
um
sentido ao serem assim explicados.
Ao
contrário, a pobreza é vista como deconente
de
característi
cas morais
ou
mentais
de um grupo
de indivíduos
na
sociedade. A
62
dolência para
o trabalho, associada a outros víc:os.
orms
decorren
tes,
como
a
tendência para
o alcoolismo, a proStltUlçao etc.
O
.
1l\'nólogo
s
comentam que a vadiagem, antes de ser
um
delito,
seUl .
d d
é sobretudo
um
assunto para médicos. Representa um e v: a
incompatível
com
a convivênci a social.É justamente s s ~ gênero
de
VIda
que
caracteriza a pobreza e,
em
última análise, o
cnme.
A reforma social de que nos fala a r i m i n o l o ~ i a versa u s t : ~ e n ~ e
sobre
a
transformação
d e ~ e s hábitos de vida. E uma estrategta ue
_ b
oe
o social de modo a melhor controlá-lo. Gerir e tutelar a
açao
so
I
.
miséria:
assim poderia
ser definida a
proposta da cnImnolog
13
em seu
projeto de intervenção sobre a sociedade.
No
que
se refere à questão da recuperação
do
criminoso, o traba
a
terapêutica
privilegiada. As prisões
devem transformar-se
oficinas, erl1 que o trabalbo'é antes de
eda
e
lho
em
de
o
[iamente
.
esta marcha lenta da prisão mais rigorosa
à
liberdade obri?a
o
sentenciado a uma ginástica contínua
de
suas a c u l ~ a d e s
m o r ~ l ~
A
todo momento .. tem
o
preso] que respeitar os
p r e . c e ~ t o ~
dogmatIc.as
do estabelecimento, tem que se restringir, se
d I s ~ l p h n a r
e. aSSIm
aprender a viver com modéstia, tolerância e r.espelto ao reg.une
ordem e do trabalho
..
isto traz grandes sofnmentos morms, mas
precisamos aprender que só com o s o f r i ~ e n t o aprendemos a ser
pacientes, resignados, tolerantes e bons .
A indisciplina e a ociosidade geram a miséria, que é por sua vez o
gerador número um da criminalidade. Nada melhor, pa:a o combate ao
crime, que combater o ócio e a indisciplina, tanto na o c l e ~ a d e ~ m ~ um
todo quanto
na
prisão, enquanto
i c r o s ~ c i ~ d a ~ e .
O
e l ~ ~ p ~ v I l ~ ~ l a d o
para o aprendizado
da
disciplina, do respeI to a leI, da obedIencla, eJusta-
62 Roberto Moreira da Costa
Lima.
A
de Direito Penal vol. X, p.32.
Paulo ,
in
Revista
63
11
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
http://slidepdf.com/reader/full/livro-cristina-rauter-criminologia-e-subjetividade-no-brasil-colecao-pensamento 33/65
mente
o trabalho.
É
o que
veremos
a seguir, num exemplo privilegiado
desta estratégia fornecido pelas
colónias correcionais agrícolas.
lhes
não
As colónias
correcionais agrícolas,
segundo o exemplo
pas-
seI' tomadas como laborató-
que o Judiciário arma
do
à lei.
As
colónias ~ . . - , ~ , ~ .
têm como
a
à
vadiagem e o amparo aos necessitados .. impedir que os
egressos
do
cárcere e
os
sem trabalho se tomem vadios .. que os
vadios se tornem criminosos.
Destinam-se
também
a
vadios
condenados e,
livres que
por de emprego a
ser consideradas
que os guar-
de
rnanrida
a
noturna dos e absoluta dos
indivíduos de seções diferentes
e
de solicitar
.. o
auxílio da força
pública para
pôr
fim a motins e lutas entre os internados .
o cliente da colónia é o
vadio:
Inspirou-se o regulamento na moderna corrente penalista que sus
tenta ser a vadiagem um estado patológico
do
indivíduo .. o vadio
será condenado
à
residência na colônia correcional... procurou o
legislador incutir-lhe [assim] o hábito de residência.
Há
ainda
um
Conselho de Trabalhadores , decorrente
da
neces
sidadede
se levantar o nível do moral do internado, despertando a noção
ex ata de seu próprio esforço .. estimulando a vida
em
sociedade, o
êxito da produção racionalizada e as múltiplas vantagensda justiça
social.
Os membros
do
Conselho dos Trabalhadores são escolhidos pelo
diretor, entre os trabalhadores
de
melhor conduta, podendo
ser
desti
tuídos
se for posta em
risco
a boa ordem e disciplina da
colônia .
64
A
colônia
é uma verdadeira-escola de
trabalho
e readaptação,
onde
são também ministrados ensinamentos de
de
moral e
disciplina 63.
a
o
o Judiciário
corrente
de
residência , são estratégias
disci-
plinar do Estado
sobre
os
setores
da população.
Eis as mudanças
sociais
de que
nos
falam os criminólogos. Na
verdade, elas
se
referem mais a mudanças
na própria
estratégia do
Judiciário,
que mas procura dar à
político a idéia
um
sindicato
ideal,
onde
os
trabalhadores
são cúmplices na vigilância, tra
balham sem reivindicar
direitos,
organizando-se apenas para sustentar
a própria
exploração.
Multidões criminosas
Os motivos populares têm sempre a pronta
. • 65
adesão dos piores elementos SO lalS
Em suas análises sobre os delitc:s das multidões, que
se
tornam
freqüentes na
é c ~ d a
de 30, a criminologia mostra
uma
outra faceta de
seu
discurso
sociológico
É
como se fosse neste momento avaliado
63
Milton Barcelos.
As
colónias correcionais agrícolas constituem meio
de profilaxia social , in
Revista do Direito Penal vol.
XIII, 1936, p. 175-82.
6 De fato a repressão policial segue sendo o método mais comum de controle
sobre esta parcela da população, mas que se dá muitas vezes acompanhada
de um
discurso como o que descrevemos.
65 Nelson Hungria Hoffbauer. O crime da sedução , in Revista de Direito
Penal voI. X
1935, p. 9.
65
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
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i
o potencial político das massas populares, no
que
elas
representam
como
ameaça ao Estado,
ao
mesmo tempo instrumentando este mes
mo
Estado
para
sua própria preservação.
Nos
textos
criminológicos
das
décadas
de
20
e
30 aparecerão
com insistência referências
à
selvageria das massas em
geral, ao
bra
sileiro
em
particular, fadado
por
sua
própria
natureza
ao desrespeito
às leis,
à
indolência, e outras características de
conduzir à
delinqüência.
A
causa
deste estado emocional caótico e descontrolado que ca
racterizaria
o
coletivo vai ser buscada, neste momento, tanto na ori
gem
racial
do
povo, no atavismo (reeditando o lombrosianismo),
quanto
116S fenômenos
psicológicos descritos por
Gustave
Le
Bon, Freud
e
outros.
Quando na multidão enfurecida os homens obedecem mais aos fa
tores
Brasil
dárias,
é
um vasto campo para
essas
reveltas
As manifestações populares preocupam os criminólogos
e
aos
fenômenos que
nelas estes observam são dadas várias designações:
epilepsia
das multidões, furor coletivo, degradação do
pensamento,
estado hipnóide. Na multidão
o
indivíduo perde os freios morais que
possuía:
a
afetividade
se
intensifica,
a
inteligência decresce, já não
pode decidir livremente por seus
atos, torna-se
facilmente suges-
tionável,
odeia
e
ama exageradamente.
Necessário se
torna, do
ponto
de
vista do poder
dominante,
que
se oponha um paradeiro ao perigo
que
representam os indivíduos reu
nidos. E mais
uma
vez surgem o Estado e as leis
como
fruto de uma
necessidade,
aqui, a
necessidade
de
ordenar
o caos,
de conter
o
inaciona .
' a
disciplina legal, formulada pelo direito, inspirada pela necessi-
p
108-9.
66
dade .. vem tornar em manso lago
as
inconstantes ondas das mas
sas que se arrepiam aos mais leves sopros de opiniões soeiais ...
67
.
Ao caracterizar como doentias
e
selvagens as manifestações da
multidão, a criminologia se apresenta
como
um dfficurso através
do
qual
o
Judiciário capta seu potencial
político.
Ao mesmo tempo,
faz
aparecer como
uma
necessidade
natural o
de
as leis,
os dispositivos
de
repressão e controle social, respostas
tecnicamente
justificadas
à
desagregação mental das multidões em
revolta.
Através do
estudo dos
chamados
crimes da multidão, o Judiciá
rio elabora um saber que
se articula a
uma estratégia de controle sobre
as formas de organização popular.
A multidão coloca-se, agora, no primeiro plano da vida social, ins
talando-se nas praças, como no gover'flo. Enlarguecendo os hori
zontes da função do Estado, fazendo-a em órbita
(os estudiosos da duplo serviço:
à
sociedade e ao
indivíduo
..
mostrando o caminho a
para, em
sua
contra os
excessos das
mul-
tidões dclinqüentes
68
.
5 O Código Penal de 1940: vigilância e tratamento
Ao longo
de cerca de quatro décadas, a partir
do
final do século
XIX, a criminologia se expandiu, ampliando sua importância
junto
ao
direito
penal
e
produzindo
transformações
concretas
nas práticas ju
diciárias. O
Código Penal brasileiro de 1940
é
saudado como aquele
que
finalmente incorpora as inovações trazidas por
esta
jovem ciên
cia,
ainda
que com atraso em relação aos
grandes
centros e
mesmo
em relação a outros países da América Latina.
A
criminologia, esta espécie
de amálgama confuso
formado
a
partir das ciências humanas, se por um lado deixa
a
desejar em
67
Haeckel
de
Lemos. "A razão de ser da disciplina",
in Revista de Direito
Penal
voI.
XIV, 1935,
p.
217-9.
68
Elias de Oliveira, op cit.
p.
3-7.
67
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
http://slidepdf.com/reader/full/livro-cristina-rauter-criminologia-e-subjetividade-no-brasil-colecao-pensamento 35/65
termos
de
elaboração
dentre
as
mesmas
69
.
por outro é talvez a mais
As
v H ~ - - J - entre as chamadas ciências humanas e o poder não
são nunca de exterioridade:
estas
não
são
usadas
ou
o sentido
de aos interesses da
e do controle so-
cia . Ao
e
estão indissociavelmente
que instrumentam e viabilizam.
Não que
a
deixem
de
ter,
neste sentido,
um
caráter
aqui
é
que a demonstra
de
por demais evidente
esta
com o poder.
O direito criminal moderno deve ser estudado, não para complicar ..
mas para armar o
defesa contra
de meios mais
70
e eficazes
ela
de Estado.
O
poder
disciplinar se
generaliza
na sociedade, através de outros
dispositivos
como
a psiquiatrização, a escolarizaçã o, etc.,
instaurando
formas
de controle
sutis,
não
violentas à
primeira
vista.
Acompanhan
do este processo,
o
próprio Judiciário adquire
uma
feição
disciplinar,
mas que não consegue
descartar-se
de sua outra face, claramente re
pressiva.
Eis por
que a
criminologia
não
pode disfarçar seu
compromisso
básico com a defesa social", ainda que se esforçando em ser uma
69 "Tem-se a impressão de que o discurso da criminologia possui uma
tal
utilidade, de que é tão fortemente exigido e tornado necessário pelo
funcionamento do sistema, que não tem nem mesmo necessidade de se
justificar teoricamente
ou
mesmo simplesmente
de ter uma
coerência
ou uma
estrutura.
Ele é
inteiramente utilitário", (Michel Foucault. "Sobre a prisão",
in
Microfísica o poder
Rio de
Janeiro, Graal, 1979,
p. 138 .
7 Esmeraldino
O.
T Bandeira.
Estudos e política criminal
Rio de
Luzinger, 1912, p.12.
68
ciência
do
homem , no
sentido de
que
visaria
a
cura
do criminoso, a
solução
do
problema do
crime,
etc.
de
crime na qual
este não
cas quase
à lei, mas a
um
fenômeno
com característi
ÁlUi,--,ç,uv
social
ou individual.
O
alvo
inequívoco desta
de popu-
lar
que ameaçam
diretamente
o
mas que
dessa
forma
seu
caráter
político.
É constante, desde
o da criminologia, o
repetitivo
clamor
contra
um
aumento
da
criminalidade e pela necessidade
de
uma reação contra este fenômeno.
Podemos considerar
que
o
tão
es
tudad.o e propalado
problema
da criminalidade,
de
seu aumento
do discurso
,no SCI1-
tido
de
que isola e
descarta de
seu
contexto
o chamado combate
ao
crime , urna
tarefa técnica, é
descaracterizado,
em seu compromisso com
a
manutenção
das
formas de dominação vigentes
na
sociedade.
Em
nome da
adoção
desses
novos meios técnicos para
o
comba
te ao crime
são incorporadas
ao Novo Código algumas
inovações.
No período que antecede
a
elaboração do
mesmo,
os juristas mais
ligados
à tradição liberal do direito
já
denunciavam
estes novos
dispo
sitivos
no que estes representavam enquanto aument o do arbítrio e
restrição
das
liberdades individuais.
Como
diz Magarínos
Torres:
O direito penal foi subvertido em seus princípios mais elementares
..
abolido por completo o princípio da igualdade perante a tornada
esta retroativa e, em certos casos, pura criação do juiz, tendo em
vista a periculosidade do delinqUente. Não serã o coisas velhas com
71É também, certamente, uma invenção do discurso veiculado através da
imprensa, freqüentemente impregnado de opiniões de cientistas sociais,
psicólogos, criminólogos, etc.
69
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novos nomes? Não serão .. males que a humanidade lutou séculos
para corrigir?72.
Mas
se a tentativa de aumenta r o espectro repressivo das leis era,
em anteriores ao surgimento da criminologia, identificada de ime-
diato com o autoritarismo, com
uma
política conservadora, a
relJreseJntc u
uma via através da esta apa-
recer como apolítica, neutra e descompromissada, porque científica.
Dissemos que a intervenção da criminologia junto ao direito penal
resulta
em
que este passe a ter
uma
disciplinar,
OH
que
a tecnologia disciplinar práticas judiciárias tradicionais.
No Brasil, este processo tem características peculiares. O Códi
go
Penal
de
1940 traz consigo dllas inovações, produtos do d esenvol
vimento da ciência da criminologia: o critério da periculosidade para a
aplicação
da pena
e o dispositivo da medida de segurança.
Nesta
de pudor de que é tomada a
a COll
sendo pouco a pouco
de um que não mais pela
punição, mas pelo tratamento, readaptação ou reforma do delinqüente.
Mas, ao
mesmo
tempo que
se
reconhece nas medidas de
seau-
o
rança este novo tipo de pena de tratamento, os juristas brasileiros re-
conhecem
também que este ideal reformador terá limitadas condições
de se efetivar no Brasil:
Sobre o estabelecimento especial... na prática vamos ficar mesmo
nos limites da primeira galeria e dasala da capela
do
pré-histórico e
dantesco presídio da rua Frei Caneca e nas infectas cadeias do
interior do país73.
A medida de segurança deveria sercumprida em estabelecimento
especial, intermediário entre a pr isão e o hospital, as
chamadas Casas
de Custódia e Tratamento. Mas
sua
inexistência no Brasil da
época
não
Penal voI. XV, 1936, p. 15.
Brasileira de Criminologia , in Revista de Direito
7
Id. p. 109.
70
faz
com que se recue
na
adoção deste dispositivo. Na exposição de
motivos ao
Código
Penal
de
1940,
Francisco Campos assim
define
sua utilidade:
É notório que
as
medidas e
penais se
revelaram
insuficientes
na luta contra a criminalidade ..
para conigir a
ao
adodas penas, que têm
finalidade e intimidante, as medidas de segurança.
embora
aplicáveis
em
regrapost
delictum
são
destinad as à e tratamento
dos indivíduos perigosos, ainda
que
moralmente írresponsáveis
7
A
adoção da
medida de segurança a incorporação
CiO
direito penal de um critério de
julgamento
que não se refere ao delito,
mas à personalidade do criminoso.
O
julgamento do
juiz
refere-se a
um tipo de anormalidade reconhecida no delinqüente, a periculosidade .
77: ...
deve ser reconhecido o indivíduo se sua perso-
nalidade e bem
como
os motivos e circunstâncias do
autorizam a que ou torne a
A
noção
de
periculosidade não equivale exatamente a um diag
nóstico
psiquiátrico, mas os considerados doentes mentais são tam
bém vistos como perigosos, juntamente com os reincidentes, os con
denados
por crimes organizados e, o que é mais importante: todo e .
qualq uer criminoso, desde que o juiz o avalie como virtual reincidente.
O arbítrio do juiz é
enormemente
aumentado em razão desta ca
pacidadede julgar tecnicamente, que a ciência da criminologia lhe ou-
/ .
torgou. A personalidade perigosa é definida
como
aquela
em
que eXlste
uma tendência delituosa, tendência essa avaliada pelo juiz com o auxí
lio de seus peritos auxiliares (os psiquiatras, principalmente).
Uma
vez
considerado perigoso , o destino do criminoso
é
a
medida
de segurança. E neste ponto surge
uma
aparente incongruên
cia do
"novo código , que faz conviver este novo dispositivo, curativo
74 Francisco Campos.
Diário Oficial de 31/12/1940.
Penal Brasileiro de 1940.
de Motivos ao
enal de 1940.
7
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e preventivo, com a velha pena, punitiva e intimidatória. As propostas
da não se
fazem
e
por
Já
graus variados de responsabilidade,
dos por
Assim sendo,
lidade é
L C ~ l l C H U l d
os criminosos considerados
22 do
22:
É isento de pena o agente que. por
clescnvo lv'imento
ruinoso do
dimento.
Parágrafo Único:
A pena pode
s r
reduzida
de
um
a dois terços, se
o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desen
volvimento mental incompleto ou retardado, não possuía ao tem
po da ação ou omissão, plena capacidade de entender o caráter
criminoso do fato
..
É
neste ponto que a contribuição psiquiátrica dos graus variados de
responsabilidade penal permite conciliar a existência das penas,
em
seu
sentido retlibutivo e expiatório, com as medidas de segurança, que seriam
sua antítese. Isentando de pena os doentes mentais (os antigos loucos de
toda espécie) e reduzindo-a no caso dos limítrofes (os parcialmente res
ponsáveis), não se está deixando indeterminado o destino destes anor
mais perigosos, como ocorria nos códigos de 1830 e 1890.
Ao contrário, seu destino está definitivamente selado. O destino
do louco criminoso é a medida de segurança, a ser cumprida em mani
cômio judiciário, por um período determinado, ao fim do qual será
avaliada a cessação de sua periculosidade e a
cura de sua
doença, o
que poderá não ocorrer jamais ..
72
Os
limítrofes, os psicopatas, os perigosos
de
toda além
da
pena, que cumprirão serão enviados para instituições
tratamento
e
Francisco
Cam-
Na
a extrema
com
que
são definidas as
medidas
de
segurança acaba por deixar claro sua intenção primeira
é
e não o tratamento:
A fórmula do projeto medidas de segurança) virá aumen1ar a
celteza geral
de
punição dos que delinqüem, tornando
maior
a eficiên-
13
ao
homo-
reformadas (ou o serão cm que do entre
hospital e prisão ficaremos na prática
com
a. velha prisão. E com a
adoção
da
medida de segurança ao lado das
penas
teremos
na
prática
um aumento
destas,
sem nem
sequer
uma
feição curativa, aumento
este
baseado
no arbítrio do juiz, que julga finalmente
sem
lei.
A penetração de concepções sobre a anormalidade do criminoso,
processos de reeducação ou cura, concepções sobre a anormalidade
social e propostas técnicas de reforma social
ou
institucional são algu
mas
das questões trazidas pelo discurso da
criminologia
e incorpora
das
ao
antigo direito penal de tradição liberal.
A colonização
do
Judiciário pelas ciências humanas, pela
via
da
criminologia, corresponde a
um processo
de
implantação
de urna
76
A única instituição
do
gênero ainda hoje existente no Brasil é a Casa
de
Custódia e Tratamento de Taubaté, São Paulo. sendo válida, ainda
hoje a afim1ação de
que
as medidas
de
segurança são na prática,
na
maioria
das vezes
penas
prolongadas cumpridas
em
prisões comuns.
77
Francisco Campos
op
cit. p. 17.
73
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tecnolog ia disciplinar, com efeitos no nível do discurso e também das
práticas sociais.
Um dispositivo como a medida de segurança é o resultado práti
co de cerca de quatro décadas de discussões nos meios jurídicos bra
aU\J ,d lU de um novo critério de julgamento, baseado não no
mas na do deIinqüente. Além
a uma transformação na concepção de pena e de sua
sobre uma personalidade considerada anormal: nasce a idéia de uma
pena
de
tratamento.
Mas este processo de incorporação de uma tecnologia disciplinar
ao Judiciário tem no Brasil características peculiares. Estas peculiar i
dades fazem com que tenhamos uma completa redefinição das con
cepções relativas ao ato de julgar (de fato, passa-se ajulgar uma per
sonalidade) ao lado
de
uma realidade institucional (prisões,
que não
se
modifica ou o faz de
desigual.
ú U \ . JL , \ I
do Novo de
a uma das judiciárias, mas que se processa
no sentido do aumento do arbítrio judicial pura e simples, de uma ampli
ação na duração das penas, ou seja, numa ampliação do poder repressivo
deste aparelho de Estado que se dá em nome da ciência.
Entendemos que o discurso
da
criminologia teve, pois, uma
contrapartida prática, no nível das transformações que foi capaz de
operar nos disposit ívosde poder. Entretanto, esta sua positividade deve
ser entendida tendo-se em conta as condições peculiares
da
formação
social brasileira. Nela o processo
de
implantação de tecnologias disci
plinares não se dá sem um ônus de violência, de repressão sem másca
ra, que o coloca permanentemente em xeque. O esquadrinhamento do
campo social no Brasil, também no período que focamos nossa pes
quisa bibliográfica - o que antecede à elaboração do Código Penal de
1940
é
imperfeito e deixa muitos pontos claros. É sabido que a
generalização da medicalização e da escolarização, no Brasil, pemmne
ce como um projeto embrionário. Podemos dizer que regiões de amon
toados humanos - de cheias de presos sem nome
7
ou número,
de
favelas e bairros pobres sem médico ou escola, onde
crianças mor rem
de
verminQ.se - convivem com regiões esquadrinha
das onde a tecnologia discipl inar de fato se efetivou.
Um
último ponto a mencionar seria o próprio modo como o Judi
ciário incorpora essa tecnologia disciplinar: o discurso criminológico
não
pode
sem um excesso de utilitarismo, o que o torna cla
ramente comprometido com a repressão. Essa característica do dis
curso crimino lógico torna-se particularmente visível na realidade bra··
sileira, mas não seria exclusiva
da
implantação desse discurso entre
nós.
A
criminologia, como a mais utilitária das ciência humanas, não
pode propor um tratamen to do delinqUente sem enfatizar a necessi
dade da vigilância , ou não pode falar de reforma social sem defender a
repressão policial, ligada ao chamado combate ao crime. Contraditório,
impreciso, desordenado, °discurso da não deixa de ter, en-
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81
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Diagnóstico psicológicodo criminoso:
tecnologia preconceito
o
objetivo deste trabalho é refletir sobre os pressupostos em que
se baseiam as avaliações, exames e procedimentos diagnósticos de
indivíduos encarcerados, considerados criminosos . Embora esta
reflexão diga respeito mais especificamente à avaliação ou diagnóstico
psicológico, tal restrição relaciOfla-se com a ma ior familiaridade da
autora com as técnicas psicológicas, e não
com
a existência de qual
quer distinção importante, do ponto de vista de nossa análise, entre
e exames levados a efeito ou assistentes
A do Penal de crescem em
Brasil, os procedimentos destinados a diagnosticar, analisar ou estudar
a personalidade e a história da vida dos condenados, com vistas a
prescrever adequadas técnicas de tratamento penal, assim como pre
ver futuros comportamentos delinqüenciais. Mas esta é uma tendência
n legislação penal ocidental: a de se aplicar a pena tendo em conta
uma personalidade, muito mais que um delito cometido.
Seguindo essa tendência, o princípio de individualização das pe
nas parece ter tomado proporções muito maiores e mais abrangentes.
Isto significa também que s instituições penais deverão transfOl:mar
se cada vez mais em locais onde deverá ocon er uma constante avalia
ção do compOliamento do preso, uma vez que o mérito do sentencia
do é o que comanda a execução progressiva l .
Parecem ter aumentado s ocasiões em que estará criada a ne
cessidade de se avaliar a personalidade do preso, avaliação esta apoia
d em procedimentos técnicos, mais do que no simples olhar leigo de
um
Situações como mudança de penitenciário (de
Lei de
Penal.
8
o seu destino. Não
se
pergunta o Judiciário sobre as razões
que
justi
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me
fechado semi-aberto), concessão de livramento condicional,
bem como
a chamada do condenado, através da qual
mes, pareceres ou laudos formulados por
a daconfiabilidade que
dos referidos exames. Das duas uma: ou de
que examimm-
não versado nos mesmos conhecimentos. Além disso,
por se tratar de procedimento normalmente reconhecido como científi-
c
dadcs de vir a no erro. De posse desta cle. rndiografia
(ou exercício de futurologia
.. ,
a Justiça poderia enfim ter o respaldo
seguro de uma ciência.
Nosso objetivo não é o de, simplesmente, denunciar o caráter
não-científico dos exames e técnicas empregados, o
que
não consti
tuiria grande novidade. Se este fosse o caso, tratar-se-ia simplesmen
te de, demonstrado o fracasso destes instrumentos, defender
que
a
Justiça os pusesse de lado.
O que nos chama a tenção é, sobretudo, o grau de eficáci a ou de
utilidade que os referidos exames apresentam: eles têm conseqüências
palpáveis, no que diz respeito ao futuro do condenado. Na maioria das
vezes, um resultado desfavorável lança
uma
desconfiança sobre a ín
dole do preso, que poderá perdurar como uma marca indelével sobre
seu futuro no interior das instituições carcerárias, tendo
como
efeito
prolongar-lhe indefinidamente o tempo de reclusão ou dificul tar-Ihe a
concessão de benefícios.
Este tipo de avaliação do condenado goza, portanto, de elevado
grau de credibilidade junto
à
Justiça, trazendo efeitos concretos sobre
84
ficam tão a
da
utiliza as téc-
nicas
de
um
os ,instrumentos a
que
nos
podem ser
denunciados por sua
fraqueza
teórica, de outro
seu elevado grau
de
utilidade. O
de ' - - ' ~ , , ~ y O , ' - '
no Instituto de Classificação Nelson Hungria no período de 1968 a
Os
EVCP
faziam parte dos dispositi vos legais
do Código
Penal
de 1940. Eram realizados ao final dos prazos estabelecidos p ara as
medidas
de
seaurança impostas aos semi-imputáveis
ou
aos condena
dos
julgados
:Specialmente perigosos. As referidas e d i d a s
de
e g ~
rança, impostas em combinação com as penas,
e v e n ~ m
ser cumpn-
das em estabelecimentos especiais,
onde
se processana o tratamento
por elas pretendido. Como
estes estabelecimentos não
chegaram
de
fato a existir,
na i o r ~ d o s
casos,
pena
e
medida de
segurança eram
na prática a mesma coisa.
Os EVCP, que deveriam signif icar
uma
espécie de
a v a l i a ç ~ o
dos
efeitos
do
tratamento penal, na prática reduziam-se a ~ . a tentativa de
prever a capacidade de reinserção social do preso, adml tmdo-se desde
já, pelas condições do sistema penitenciário, que nenhum tratamento
tivesse sido levado a efeito.
Um laudo desfavorável do EVCP significava, na maioria dos ca
sos, um prolongamento do tempo de reclusão do condenado, a pre
texto de um tratamento sabidamente inexistente.
85
Com
a entrada em vigor do Novo Código Penal e da
Nova
Lei de
Também nos idos da década de 30 saudou-se o código anterior
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Ii
Execução Penal,
emjaneiro
e 1985, não há mais medida de secruran
ça para os condenados imputáveis. Deixam também de existir os EVCP,
mas, a nosso ver, permanece muito do espírito que os criou. Continua
o Judiciário a nutrir a expectativa de que um parecer técnico possa
prever comportamentos, servindo de base para a penal.
É
de
se o ~ s e ~ v a r que a no diagnóstico do não pressupõe a
eXlstencla real de tratamento ou de modificações nas instituições carcerárias.
No campo penal: o
d i a g n ó s t ~ c o
cttmpre antes de tudo uma função de
e lflstrumentahzação de procedimentos carcerários..
/ O
novo c6digo ampliou as oportunidades em que um condenado
sera toma do alvo de uma avaliação técnica. No início do cumprimento
da p ~ n a
deverá ser submetido
a
um
exame
criminológico", caso te
nha sldo condenado a pena privativa de liberdade em regime fechado.
Para
mudança
do regime (do fechado para o novo exa
me será
da pena e
relevo
com
a de
técnicas
de l a s s í f i c ~ Ç ã o
- CTC", de cuja composição obrigatória, re-
g u l ~ m e n t a d a por
lei, farão parte um psicólogo, um psiquiatra e um
asslstente
SOCIal
A
c l a s s i f i c a ~ ã o
será feüa por Comissão Técnica de Classificação
que elaborara o programa individuajjzador e acompanhará a execu
ção das penas privativas de liberdade e restritivas de direito deven
do
p r o ~ o r à
autoridade competente as progressões e
r e ~ r e s s õ e s
dos reglmes bem como
as
conversões
2
.
Deste m ~ d o toda a vida do condenado n uma instituição prisional
p a ~ s a
a subordmar-se a um exame ou avaliação formulada por uma equi
pe mtegrada.por "cientistas humanos". Pretende-se certamente revestir
estes
p r ? ~ e d u n e n t o s
de certo grau de cientificidade, emanando daí sua
c o n ~ a b I l ~ d a d e . _ a inovação. como um considerável avanço no
sentIdo
da
humamzaçao e da modernIzação do tratamento penitenciário.
Lei de Exec Jcão
86
como grande inovação e os hoje tão criticados
EVCP como
grande
avanço científico. Na prática, no entanto, eles se conver teram numa
verdadeira fonte de arbitrariedades, concorrendo
em
última análise para
o encarceramento prolongado ou até perpétuo
de
muitos prisioneiros
cuja periculosidade jamais foi dada c omo "cessada"3 .
Assim, a avaliação de um preso feita por
um
psicólogo ou equipe
interdisciplinar tem, como teve no passado, c onseqüências importan
tes sobre
sua
vida na instituição.
Que dizer, por outro lado, destas próprias avaliações? Quem ava
lia os autores
da
avaliação
em
seus compromiss os político-ideológi
cos? Muitas vezes se tem apontado as falhas
ou
a tendenciosidade dos
dados trazidos
à
tona pela chamadas "ciências humanas", em diferen
tes campos de atuação. Apesar disso,
em
vários setores
da
sociedade,
muitas atribuições e têm das mãos do homem co-
mum para o arbítrio do . Nas sociedad es industriais mo-
o L l
transmissão de
indivíduos que se encontram aparentemente "mais pr6ximas
da
verda
de" por dispore m de um saber científico.
No campo
da
justiça penal têm-se operado transformações se
melhantes: mais e mais pretende-se julgar e condenar um indivíduo
com o respaldo pretensamente neutro e seguro
de
uma
j ê ~ c i a .
Violên
cia, repressão, punição são palavras
em
desuso. Trata-se hoje de cu
rar, tratar ou recuperar o criminoso.
Neste trat)alho pretendemos mostrar que, ao invés de serem
descompromissados e neutros instrumentos científicos, as avaliações
ou exames técnicos de criminosos reproduzem todos os estereótipos e
preconceitos,
em
suma, toda a ideologia que permeia a questão do
crime, traduzindo-se
em
práticas
de
repressão, controle e disciplina
rização das parcelas mais pobres da população.
3 Cristina Rauter. Criminologia e Poder Político no Brasil Rio de Janeiro,
de
Filosofia
da
PUC, Tese
de
mestrado, mímeo,
87
o técnico, tão característico do capitalismo moderno, pe-
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netra cada vez mais no cam po das inter-relações humanas, instru-
mentando novas de
controle sobre a população.
No campo
e instrumental tem
correspondido
a
mudanças nos métodos
de
como
violentos à
que
não
mais
mas de um cunho
e de
sobre a subjetividade do encarcerado.
Nosso
LA
prático
ao
escrever
este
trabalho
foi o de
proce
em geral.
É
na
teoria psicanalftica que freqüentemente se pretende encon-
trar a fundamentação teórica para este tipo de estudo da personalida
de.
Grosso modo, pode-se dizer
que, neste
campo do conhecimento,
é a partir de Freud, de suas primeiras teorias do trauma como fator
causal
da
neurose, que
se
construiu
o
modelo segundo
o
qual
a partir
dos fatos do passado é que se compreende o funcionamento psíquico
presente.
/
No
que
se
refere à teoria freudiana, a
concepção
de história indi
vidual evoluiu
muito desde
a teoria
do
trauma.
De
imediato, uma dis
tinção importante deve ser feita: na perspectiva psicanalítica,
não
é a
história re l que importa; não há uma preocupação com a veracidade
dos fatos
narrados
pelo cliente.
Parie-se do
princípio
que essa
história
se passa num outro
plano
que não
o do real concreto. Ela
remete
à
vivência particular de cada indivíduo ou à realidade psíquica que lhe
é peculiar.
Também no campo da medicina
está
dado
o
modelo de
recons
tituição da história individual, desta vez buscando o ponto de eclosão
88
da doença, seus fatores desencadeantes, seus antecedentes, historiados
pelo médico numa ordem cronológica.
Nos procedimentos judiciais
e
IJU'l1\.,1<LJl busca-se também
rc-
constituir a história
do
réu
ou
do Um objetivo claro deve ser
e é ele que norteia os a fala
das testemunhas: a reconstituição
do
de fatos concretos
vistos
por a partir
da
fala do
fonte de erros
e e
que deve ser
deles depurada,
buscar-se-ia à verdade . Nesta que chamaremos
de
jtttídico-policial, os antecedentes
ou
a história
são
utilizados para condenar ou inocentar, para fornecer elementos para o
julgamento,
par a
incriminar.
Na perspectiva psicanalítiea, deve ser
indivíduo é tomada
real ou O
mesmo
ou
aos
acontc
à sua
por
um dos seus filhos como
severo
e por
outro
como indulgente e
afetuoso.
Os acontecimentos reais
têm
pois
uma
importância relativa
no que se refere à patologia mental. Fica preservado deste m odo
um
certo grau
de
liberdade
do indivíduo
com relação à
influência
que
pos
sam ter as vicissitudes da existência sobre
sua
personalidade. Feliz
mente, nem todos
adoecem
psiquicamente
devido
a um
mesmo
fato
traumático real: o valor que este fato terá futuramente,
na
determina
ção
de uma neurose ou psicose, é
dado não
por características intrÍn
secas ao mesmo, mas por sua tradução nos termos da realidade psí
quica
individual.
Ou
seja,
os
acontecimentos têm seu
valor dado pela
maneira como o indivíduo os vê, de acordo
com
sua realidade interior.
De que forma é colhida a história individual no camp o da técnica
psicanalítica?
Ela
vai sendo reconstituída
na
fala
do
cliente
num tempo
que lhe é próprio. O que está
emjogo
é o livre desejo do cliente de a l ~ d ~
silenciar, de omitirum fato, de revelar outro. Esta liberdade
com
relaçao a
própria fala, no entanto, não se deve a razões éticas apenas: ela c O I : d ~ Ç ã O
de possibilidade para que emerja o inconsciente. Ou seja, que o d l v l d ~ o
possa comunicar livremente o que lhe
vem
à cabeça: esta é
uma
~ ~ d l Ç ~ O
metodológica indispensável, sem a qua l está invalidada qualquer uülizaçao
89
da teoria e técnica psicanaIiti.ca: ~ m b o r ~ ao psicanalista não esteja
isolados acontecidos na vida de alguém, não podemos tirar conclu
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v e d a ~ o fazeI perguntas, a reconstltUlçao da hIstória individual não é feita
a ~ r a ~ e s de e s ~ o s t a s dadas a um interrogatório, mas a partir da associa
çao
v r ~ .
As dIstorções ou omissões são parte do material colhido, sendo
determmadas por e motivações inconscientes; ao de se-
rem vistas
como
-
sao um material valioso para
se
uma do psiquismo do sujeito.
f • Nã? se r ~ t a aqui de defender a coneta utilização de qualquer
ceona pSlcologlca no camp o
dajustiça
penal para elaboração de exa
mes
~ e r s o n a l i d a d e .
Nosso objetivo é deixar claro que x i s t e m di
~ e r g e n c l a S f u n d ~ m e ~ t a i s e ~ ~ r e métodos e técnicas empregados, por
e x ~ m p l 0 , na
e o r ~ a
pSlcanahtlca, e aqueles emprega dos na feitura dos
EV CP que
~ a m 1 I 1 a m o s .
Entretal}to, também não pod em
ser
entendi
dos os r e ~ e l ~ l d o s exames
como conespondendo
unicamente à pers-
pectlvamedlca ou à perspectivaJ·urídico-polícial.
mal de de .
uma
e
. Uma vez
o s t o em
ação, a partir da lógica interna deste disposi-
~ l V ~
P?de-se afirmar que se,
por
exemplo, um indivíduo teve
uma
ll1fanCla
pobre
e povoada de incidentes em suas relações familiares
( m o r t ~ s de p a ~ ' e n t e s próximos, separações de casais, vícios
como
alcoolIsmo, pnvações financeiras), ele com certez será um crimino
so.
Um determinis mo ceg?, mecân ico e simplista é o que caracteri
za estes laudos_de
e ~ a m e .
E este tipo de determinismo que permite
f ? r m u l ~ r
equaçoes
taIS
como: carências familiares
na
infânci a mi sé
na
=cnme
Estamos diante de uma conc epção segundo a qual o indivíduo
é
escravo
a b s ~ l u : ~
dos
f ~ t o s
concretos de sua vida pregressa, não lhe
r ~ s ~ a n . d o sermo cumpnr seu destino criminoso
já
determinado pelas
VICISSItudes
de
sua vi da familiar.
. ? ~ a i s afirmações pretendem, evidentemente, basear-se em teorias
cIentlfIcas. Entretanto, se tomarmos a teoria psicanalítica e mesmo
outras concluiremo s de
90
sões seguras sobre seus efeitos sobre a personalidade. Tomemos,
por
exemplo, um fato geralmente aceito como traumático: a morte da mãe
de uma criança
na
primeira infância. Como um dado isolado,
nem
mesmo este exemplo extremo nos autoriza a fazer previsões sobre o
futUro psicológico do indivíduo que tivesse sofrido esta perda.
Há
que encontram
um
substituto satisfatório e, embora viven
dando
grande perda afetiva, esta não marcas duradouras
em
sua personalidade. Há certamente aqueles casos em que a vivência
provavelmente contribui para a eclosão de uma psicose ou neurose
grave.
Por
outro lado, há
também
pSÍCóticos gr aves em cuja história
clínica não se encont ram acontecimen tos familiares deste tipo.
A
teoria psicanalítica, assim como qualq uer outra teoria psicoló
gica
que
conheçamos, não nos au toriza a fazer previsões sobre o com
portamento ou sobre a saúde ou a doença. Através
da
reconstrução do
com ele ficou namemória e nas vivências
luz sobre a natureza de seus confli-
tos atuaís.
A
sempre
O
para H ~ ' v H U
o
E
o futllro continua pertencendo a Deus ..
O processo de reconstituição
da
história do condenado nos EVCP
poderia ser descrito como
uma
mirada em direção ao passado do indi
víduo, buscando a confirmação de que realmente existiram aconteci
mentos em sua vida que por sua própria natureza são geradores de
crime. Circula-se tautologicamente sobre este tipo
de
raciocínio: se
tenho diante de mim alguém que está preso e condena do, este alguém
só pode ser criminoso e, como criminoso, só
pode
ter história
de
crin:linoso. A este passado se
tem
acesso
pela
fala do preso, mas esta
não é, por certo, uma via totalmente confiável: acredita-se que, certa
mente, ele procurará enganar, falsear a verdade . Lança-se mão dos
autos do processo-crime,
da
ficha de compor tamento carcerário, etc.
Com
base nestes dados considerados inquestionáveis, chega-se ao
que se desejava: vidas pontilhadas de indícios
só
poderiam mes
mo levar ao crime. Supõe-se que, sem somb ra de dúvida, o crime só
pode ser uma aI10rn1alidade psicológ ica. Ao se historiar a vida do indi
víduo, o que
se
quer é encontrar os indícios desta anormalidade d esde
a (abandonou a escola? seus pais não o criaram? já praticava
91
pequenos furtos? egresso da
Funabem?), pela vida no
cár
cere (cometeu muitas infrações disciplinares? tentou fugir?) e assim
• F amílias onde a mãe bebe, está presa, é prostituta, etc.
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por diante, atentando-se para uma trilha de pequenos
atos de indisciplina.
de
é
2.
da sua é
nais de saúde mental, de várias tendências.
indiví
importância na formação
chamados profissio-
qualquer modo, mesmo que os psicanalistas afirmem tratar
se de imagens parentais internalizadas e não de personagens concre
tos, o fato é que o modelo edipiano mais difundido é aquele que pres
supõe a existência de uma família baseada na autoridade paterna e
composta de pai, mãe e filhos.
É a difusão deste modelo edipiano, talvez em desàcordo, dirão
alguns, com a teoria pura , que permitirá a nossos psicólogos e psi
quiatras forenses caracterizarem como potencialmente criminogênicas
e patogénicas situações do tipo:
.. Famílias onde ocorreu a morte do pai ou o abandono precoce
por
parte deste.
i Famílias onde o pai bebe, está preso ou doente.
.. Famílias onde a mãe cria o filho sem o pai, ou
onde
a mãe
tem
filhos de homens diferentes.
• Famílias onde a mãe está ausente, mesmo que seja por ter que
trabalhar.
92
Podem
ser encontradas
nos
EVCP interpretações
como ausên-
cia da figura do de personalidade variados; ca
' ~ > ' ~ ' W ;fctivas
gerando
mecanismos
de que podem
íl
por exemplo, à do roubo;
não recomendáveis : etc,
Mas o principal eixo interpretativo é aquele que reconhece no preso as
chamadas
carências ,confundindo
num
só bloco
afetivas e carências materiais.
Um
sem-número de situações são apon-
deste de e c]uando tentamos
ac
as
como
,
listá-las, concluímos que qualquer acontecimento familiar pode s ~ r
tomado como causa: morte de brigas de man-
do e mulher, traições, vícios c até m udanças freqüente de o ~ 1 i c í l i o . O
de a mãe ter que trabalhar fora e deixar o filho sob os cUldados de
se auscntar lar por
devido scr daninhos
que ou a falta de (:os
laços familiares
é uma
característica das
h m ~ d s
p o ~ u l a ~ ~ e s b m x ~
renda'
as uniões sexuais
são
efêmeras , os flihos dItos IlegItlmOS
p r o l i f ~ r a m .
As mortes, tanto de genitores quanto da.s c r j a n ~ a s , ,são
precoces e
freqüentesem
razão da miséria (a expectatlva VIda e
fato menor), as condições de trabalho e a extrema exploraçao levam a
que
os pais se ausentem de casa por longos períodos.
Ter que deixar os filhos aos cuidados de outras pessoas para
/ poder trabalhar, freqüente mente pela semana inteira, seguramente a
realidade da maioria das mulheres deste segmento
SOCIal.
E logo nos damos conta de que todos os graves indícios a ~ o : -
malidade mental ou de tendência a delinqüir n c o n t r ~ o s na h l ~ t o n
familiar dos indivíduos examinados fazem parte da realidade maIS co
mum
e cotidiana vivida
pela camada da
população a
que
e r ~ e n c e r r :
Ou
seJ
a as condições de miséria geradas pela própria exploraçao capl-
, / 1 d onstru-
talista recebem
uma
leitura estigmatizante, que e utl lZa a
na
c ,
ção
da personalidade criminosa. Entretanto, o
que
é tomado
por
nos
sos peritos como anormalida de constitui,
na
verdade, a regra, o re-
93
sultado mesmo das condições a
que
são submetidos imensos setores
da populaçã o brasileira.
2. Presença de valores morais e formas de organização familiar
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Nunca se pensa, por outro lado, que estas mesma<; condições pos
sam
gerar fenômenos positivos, ou seja, fom1as diversas de organização
valores dos das classes dominantes, colocando-os
em
Nenhuma é claro, sobre a luta de classes.
para detectar de
contradição e diversidade
o
modelo
a
partir do qual se
a e a
de
é
o da
família conjugal.
No
entanto,
nas
populares,
parece haver formas
de
organização familiar
de
diverso. Enquanto nos
segmentos médio e alto da
sociedade a unidade ar composta de
pai, mãe
e filhos
preva
lece, nas populações economican1ente carentes as famílias se
cons-
tituem em grupamentos Segundo
dados
do Departamento
do Sistema do Rio de 13%
presos
além de
pai, mãe e filhos.
A partir do modelo conjugal e do referencial teórico edipiano, no
entanto, estes grupamentos familiares extensos são vistos freqüen
temente
como
formas
de
anomalia familiar,
como
possível foco
de
patologias.
São
pensados a partir das categorias como promiscuida
de , simbiose , etc., são tomados como o famoso caldo
de
cultura
dentro
do
qual
é
gerado o micróbio
do
crime.
/
A parti r de outro ponto de vista, poderíamos perceber esta forma
de organização familiar como ligada a pelo menos duas causas:
1
Estratégia de sobrevivência para estas populações, que desta
forma dividem entre si o custo da moradia , luz, gás, etc.,
bem
corno a
alimentação, trabalho
doméstico
e cuidados com os filhos.
Janeiro, 1984,
do Sistema Penitenciário
do
Rio de
94
diversos daqueles das classes dominantes.
Estes dois enfoques
não são
excludentes,
mas
o n : p l e m e n ~ a r e s .
De fato, numa casa onde
dormem
no mesmo
cômodo
paI, fIlhos,
como é nas classes populares, por certo outras
maneiras de se relacionar
com
o corpo. Quantas e
mas levantados pela psicanálise tcriam que scr neste
texto: a nudez do's país e a tão fa lada
cena
primária , a informaçao
sexual
elas
etc.
Esta
é
por'certo
úma
questão complexa.
Por
um.lado,
é
verdade
que a dominação cultural exercida e l ~ s elites
e n ~ r a h z a
ou u s c a :e
neraJizar por toda a sociedade determmados padroes de mOla:ldade e
de
comportamento sexual. Porém, é verdade também
q ~ ~
ha
o u ~ r a s
formas de comportamento sexual, de
e l a c i o n a m e n t ~
fa:mhar, pratIca-
d
emora s
hversos da que
s na
les difundidos
ele
de
que para a
daquela das classes dominantes, que, no entanto, será s i s t ~ m a t i c a -
mente reprimida
por
esta,
no
sentido de
manter
sua
hegemoma
cultu
ral, também neste campo, o da moral sexuaIs.
Ora o discurso psicológico contido em nossos laudos claramen
te
opta defesa
dos valores morais das e ~ i : e s Lá
onde
seria o s ~ í -
vel ver diferentes formas de organização fmmhar, atenta-se
a r a
a eX1S-
tência de promiscuidade, de transgressão à norma. E
c u n o s a m ~ n t e
este tipo de visão leva nossos peritos a
consi?e:ar
como
a n o m ~ h ~
e
tendência criminosa tudo
aquilo
que se
constItUI
como caractenstlca
de nossas populações pobres. Ao agirem deste modo,
a c r e ~ i t a m
estar,
no entanto, desvendando as causas desta grande
anomaha
que para
eles constitui o fenômeno do crime.
3 Cultura, subcultura ou ausência de cultura?
Adquirindo uma feição sociológica, os laudos do
EVCP
relacio
nam
também a cultura do preso
com
o ato criminoso que cometeu.
Jos van Ussel. Rio de Janeiro, ' -éllU,,, w 1990,
p
57
95
Assim, aparecem concepções de deterioração cultural, desvirtuamen-
Cabe aqui
uma
sobre a questão que a
questão cultura1
6
.
É
certo que diferenças culturais entre os
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I I
I I
I I
: I
to ou até mesmo de estados de "incultu ra" que à produção do
crime. Se o detento é um do
se foi todos
estes antecedentes
de nota é o caso dos detentos que na estiveram
reclusos em algum tipo de patronato, instituição de reeducação, etc.
Neste caso costumam ser considerados
"à
margem" ou fora da cultu
ra (a cultura das elites), o que levaria a um desconhecimento dos
valores da mesma. Esquece-se (sintomaticamente) que nestas insti
tuições, como nas prisões, não se está fora da sociedade, apesar dos
muros. Em seu interior encontram-se reproduzidos os mesmos valo
res e preconceitos "de fora", tornando-se a distinção dentro/fora um
falso problema. Os egressos de instituição de menores que, quando
adultos, caem nas malhas da prisão, fornecem com suas tristes vidas
exemplos de como toda a engrenagem supostamente "recuperador a e
reeducativa" na verdade, cria para o sujeito uma canei ra, a de crimi
noso crônico. Com suas histórias pessoais peculiares, suas infâncias
atípicas se comparadas às de crianças de classe média, estas crianças
por certo adquirem valores também peculiares e diversos destas. Para
um ser humano, entretanto, um fato impensável e paradoxal seria não
participar de uma cultura ou não ter
uma
cultura. A não ser que se
queira retornar às concepções lombrosianas de atavismo, degenera
ção e de aproximação do criminoso ao animaL
96
0v "-Ul.vuevc> na sociedade, entretanto a de deve
de contradição. É
a
às demais classes. Por outro
sua
culturais das
não consegue
se
efetivar. Ora, o
acertadamente a
culturais,
mas como desvio relativamente a um básico, que é
a cultura das elites. Não há enfrentamentos, não há luta, não se vê
A entre as
('ue audos para esta
diversificação cultural, tão nefasta, por ser a geradora de crimina i?ade.
Trata-se de um processo que poderíamos chamar de exerClCIO de
dominação cultural
"à
força". Encarcere-se este desaculturado . A
prisão seria uma espécie de nivelador cultural o m p u l s ó r ~ ~ a ~ u ~ n d ?
através da disciplina, do trabalho, do aprendizado da obedICncla a leI,
etc. Nestes locais de subcultura (o morro, as favelas, o sertão), impe
rariam outras leis ou nenhuma lei: far-se-ia necessário que o crimino-
so aprendesse as "nossas leis",
por
bem
ou
por mal.
/
O que podemos facilmente verif icar é
q ~ e t a m b ~ m
os exames
cessação de periculosidade compartilham da IdeologIa posta em açao
desde a fase policial (no reconhecimento
do
crime e do criminoso) até
a fase judicial: pune-se e julga-se muito mais um indivíduo em função
de sua classe social do que em função de seu crime. Segundo tal
6 Marilena Chauí. "Cultura do povo e autoritarismo das elites", in Cultura
e democracia São Paulo, Moderna,198L
Karl Marx e Frederico Engels. a
ideología alemana
Buenos Aires,
Pueblos Unidos, 1973, p.50.
97
concepção, quem é o criminoso? Alguém pobre, negro, favelado, anal
relação de confiança . As relações estabelecidas numa instituição to
tal entre aqueles que estão a
ela
submetidos e as diversas categorias
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I'
li
II
:Ii
fabeto, rude e não tanto alguém que matou ou furtou,
simplesmenté.
O que os laudos fazem
é
reproduzir o estigma do criminoso,
detectando carências familiares, subculturas, descontroles afetivos,
todos eles localízados nos segmentos mais pobres da população.
4. do
instituição não é algo abstrato que paira acima das cabeças
U L ' U U v ~
que nela trabalham. Ela se reproduz cotidianamente nas dife
rentes tarefas que a constituem. É assim que, cada qual a seu
do guarda ao diretor do presídio, do psicólogo ao psiquiatra ou assis
tente social, todos se enContram envolvidos na tarefa última e mais
importante que é a colocação em. marcha da engrenagem carcerária.
É assim que muitas afirmações contidas nos laudos examinados só
sentido se as evidência desta
que, antes de estar
outros, é um fun
do ciírcere. inicial mente a de exa-
me que se estabelece entre um técnic o e um preso. Se se tratasse de
um outro contexto, o de um consultório, clínica psicológica ou psi
quiátrica, o técnico teria
como
requisito básico de sua tarefa de exa
minador a criação de
uma
atmosfera de confiança e amistosidade,
sem a qual os resultados poderiam até ser prejudicados. Vejamos o
que dizem a esse respeito os manua is de testes psicológicos, usados
com freqüência neste campo:
Especialmente importante es la llamada preparación psicológi-
ca en todos los casos se
procur rá
establecer un buen contacto
debe existir una atmosfer a de y muy particul armente en
pacientes angustiados y temerosos
9
Ora, a situação
em
que se
realizam
exames como o
exame
criminológico desfavorece, por si só, o estabelecimento da chamada
8 Augusto Thompson. Quem
são
os
criminosos?
Achiamé, 1983,
p.
63.
Ewald Bohn.
Manual
de de
Rorschach
Madri, Morata,
1971,p.26.
98
funcionais que compõem a instituição estão marcadas, de imediato,
por
um desequilíbrio de poder,
por
uma situação de controle e opres
são exercid a pelo funcionário (técnico ou guarda) sobre o preso, que
se estabelece até mesmo independente de sua vontade. Esta situação,
que poderia ser simplificadamente descrita como uma condição fun
damental entre os que "têm a'chave" da
cadeia
e os que não a têm,
está presente na situação de exame.
É estabelecida uma polarização na qual um dos pólos é ocupado
por alguém que deve ser submetido e outro por alguém que deve
propiciar condições para a efetivação dos controles institucionais que
se atualizam cotidianamente.
A si tuação de exam e é para o preso, antes de simples oportunidade
de introspecção ou auto-conhecimento, uma que tem repercus
sões futura. Se os resultados lhe forem favorá-
- 'Ü" ';)Ü,hC1U do para o
n , , , , ~ F v ~ , , , o b t e r livramento seu
tempo de reclusão se prolonga, seu direito a benefícios se restringe. É, na
prática, uma situação de julgamento revestida de uma peculiaridade: sua
aptidão para o reingresso na sociedade é determinada por critérios e mé
todos, que lhe são desconhecidos e inacessíveis, pois se referem, em
tese, a dados fornecidos independente de sua vontade,
já que por defini
ção seriam inacessíveis ao próprio sujeito, inconscientes, subjetivos, etc.
No cárcere, o emprego da noção de inconsciente tem desdobramentos
bastante peculiares: o examinador é capaz de saber coisas sobre seu exa
minado, mesmo que este não
as
confesse. A veracidade ou a razão de ser
dos dados obtidos deste modo é caucionada pela existência de um saber
científico. Como se sabe, um não em psicanálise pode ser entendido
como um sim, uma discordância como mera resistência. Está montado
um sistema eficiente e imbatível na construção da personalidade crimino
sa, ao mesm o tempo a partir e contra a fala
do
preso.
Com
relaçãoà ética profissional,
também
descobriremos inte
ressantes questões relativas à atuação dos técnicos na prisão. Veja
mos, por exemplo, o que rez a a respeito do sigilo profissional o Códi
go de Ética do Psicólogo:
99
Art.
24
- Somente o examinando e a critério do psicólogo
Ora, nesta relação
surgirá
um
fenômeno
interessante, referido
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rã ser informado dos resultados dos exames.
Art. 25 -
Se
o atendimento for realizado a pedido de outrem,
só
ser dadas as a quem o solicitou dentro
dos limites
do
estritamente necessário e
com
i anuência do exa-
minando.
§ 1
-
3 vedado ao
ClatS pessoas ou entidades que 11:1
por
de ética ou que, por
estranhos o acesso às informações.
§ 2° - Nos casos de laudo pericial, o deverá tomar
todas as a fim de que, servindo à autoridade que o
designou, não venha a expor indevida e desnecessariamente seu
examinando.
íntimns
da persona-
lidade , serão matéria privativa técnico e de seu examinando.
Ao
contrário, poderão ser veiculados no intelior
de
equipes interdisciplinares,
das quais participam inclusive elementos
da
segurança do estabelecimen
to. Serão remetidos ao juiz solicitante ou a outras autOlidades judiciárias.
Freqüentemente o examinado será o último a sabe r (ou não saberá) dos
resultados
do
processo a que se submeteu. Quanto a consultá-lo sobre
que informações deseja ver transmitidas,
nem
pensar...
E todos dirão que, obviamente, tais restricões à liberdade indívi-
/
'
dual, tais
ananhões à
ética profissional,
deconem da
condição de
condenado do cliente em questão. Todos se apoiarão na idéia de que,
se agem
de modo diverso
do
que
reza
o código de ética
ou
a consciên
cia profissional, assim o fazem apenas em cumprimento à lei.
A
relação
entre o técnico e seu cliente,
no
entanto, não
pode
deixar de ser marcada por este estado de coisas: de um lado um téc
nico desobrigado do sigilo, com
um
instrumental que o preso sabe
ser capaz de decidir seu futuro e cujo funcionamento escapa à sua
compreensão,
e
de
outro o preso, o infrator das leis, o
condenado,
a
quem cabe um papel apenas passivo e sem quaisquer direitos.
100
nos laudos. O da dúvida sempre com que se debatem os técni
cos: estará
o preso
dizendo
a
verdade? diante
de uma
ou
simulação?
Por isso os laudos
de do
entrevistado: se
ou se, desafiar a autoridade do
examinador; se procurava impressionar
de
modo se dava
mostras de etc.
A nosso ver, a situação se estabelece entre o e o seu
examinando não
pode
ser
outra senão
a de um
confronto
de duas
em
luta. O preso luta com as armas de que jamais
algo
que perceba
como
comprometedor, procurará agradar, impressio
nar
bem. A simulação
é
a arma por vezes falha de ele dispõe
contra o
desmesurado
de seu
examinador.
do
in-
com o
deve
\ ~ n t e l l l i d o
seu sentido por outro a não-colabora-
ção,
ou
a falsa colaboração, tendo como conseqüência
um
mau resul
tado, evidencia
o
lugar do funcionário do
cárcere
neste
confronto.
A defesa e a manutenção da ordem institucional é o princípio a
partir do
qual é interpretado o
comportamento
do
preso
na situação
do
exame. As tentativas de oposição, as manifestações de indisciplina são
vistas como indícios de não recuperação
ou de
distúrbio menta1. A
colaboração, ° respeito às normas e à hierarquia institucional, sim,
constituem
sinais
de
normalidade e regeneração.
Uma solução parcial é
encontrada no
que diz respeito a saber se
o paciente diz ou não a verdade: a referência aos autos do processo.
Se a versão do preso é compatível com a dos autos, é sinal de que ele
a verdade.
Caso
contrário, está
se defendendo
(no sentido psi
cológico) ou não está suficientemente
arrependido
(o que provavel
mente
implicará um resultado desfavorável).
A verdade é a verdade da instituição, é a
ela
que o preso deve se
adequar. A Justiça, na visão do perito, nunca falha. A fala do detento
deve ser a fala
dos
autos.
Deve amoldar-se
a
ela, submeter-se
a ela.
101
Mais espantosa se torna a de se tomar o conteúdo dos autos
como
expressão
da verdade,
quanto
pensamos sobre as condições em
prisões. O trabalho prisional atende,
além
disso, a muitos interesses para
além
da
recuperação
do preso.
No
cárcere
tudo
se converte
em
um
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que
muitas vezes terão sido julgados estes condenados: provas duvidosas
ou falsas obtidas até mediante tortura, ausência de
U I . . - J v U 0 V J
do Augusto Thompson, a dos pobres sem defe-
sa,
ou,
o que dá no
mesmo,
com um simulacro de
Mais realistas do
que
o rei, nossos se
conduzem como
se
de
fato
a justiça
fosse
cega e
descompromíssada.
leitura dos laudos de exame,
a
crença numa imparcial, acima
das
classes,
uma espécie de apolítico da ordem Tal
crença equivale também a uma despolitização do próprio
nico,
que dessa
maneira atua
Úil continuidade
com o
Judiciário, exer-
cendo dominação e controle sobre as populações pobres.
5 O
tratamento
penitenciário
Os EVCP
teoricamente a
avaliar os
se convcnciollou
chamar
tratamcnto
o
conleúdu dos
grau de
compromisso
dos técnicos com a
curiosamente,
uma
visão
segundo
a qual se crê
na
eficácia
da
prisão, nos
resultados positivos que
ela
pode proporcionar ao indivíduo.
A prisão é freqüentemente desclita como o lugar onde vai se operar
uma transformação na personalidade do preso. Assim,
ela
teria como
virtude possibilitar a reflexão, a introspecção, o arrependimento. Pela dis
ciplina
ela
possibilitaria a intemalização da lei, a aquisição
de
valores mo
rais, substituindo um estado de incultura ou uma subcultura por uma
cultura caracterizada pelo respeito à lei e à ordem. A pena-prisão,
segun-
do opiniões expressas nos laudos, é, enfim, regeneradora.
Na
construção desta
imagem da
prisão enquanto
espaço
terapêutico
aparece com insistência a referência ao trabalho. A plisão seria uma espé
cie
de oficina-escola
onde os
presos poderiam curar-se do mal da ociosi
dade, admitido como fator que induz ao clime. Uma vida de trabalho e
disciplina
é,
no entanto, apenas uma exceção ou uma virtualidade nas
1 Augusto Thompson, op. cit.,
p
96.
102
bem negociável e isto
também
OCOITe com as oportunidades de trabalho.
Muitas vezes uma é o prêmio por uma a oportuni
dade
de estar mais
próximo
da administração e
com
isso obter certas'
como o acesso ma is f,ícil
ao mundo
lá
melhor de comportamento, proteção
contra
os
H i \ . d i L ~ y U , V
melhor, etc.
Além
o trabalho nas prisões a ser
um
légio:
segundo
dados do Desipe 11
,
aproximadamente apenas da po
pulação
carcerária trabalha.
Se
atentarmos, porém, para a natureza do
trabalho, concluiremos
que
90 da mão-de-obra estão empregados em
atividades
de
manutenção
do
próprio sistema, ou seja, cozinheiros,
bom-
beiros, eletricistas, pintores, faxineiros
que
trabalham na manutenção da
cadeia ou até
inexistentes.
em
e
menos do
de vi
sta da
a
trabalho prisional atende a uma necessidade da instituição, tanto material
(suprir o trabalho
de
muitos funcionários
que seriam
onerosos
para
o
Estado) quanto
de
segurança. O preso que trabalha
pode
ser usado como
um aliado na instituição:
em detemúnadas
ocasiões, o faxina (designa
ção do
preso que trabalha,
na
gíria carcerária) é geralmente escolhido
por
suascaracterísticas colaboracionistas. Há também aqueles que trabalham
em
favor de seus companheiros como assistentes jurídicos, escrevendo
cmtas
para o.§Aue não sabem escrever, etc. Mas o
que
queremos ressal
tar é
que
o trabalho
é
algo a ser compreendido no jogo das múltiplas
forças institucionais: a possibilidade de trabalhar é vista pelo preso como
um privilégio,
em
virtude dos benefícios secundários que acarreta.
Além
disso, ela é um imperativo, do ponto de vista da preservação da sanidade
mental, para alguém mantido
em
confinamento
por
longos anos.
Este talvez o único lucro do preso que trabalha: a preservação
de
sua saúde psíquica.
Fora
este aspecto, lucra sempre a instituição, real -
Anuário Estatístico do
1984.
103
zando um do capitalismo: o trabalhador
deseja apenas trabalhar, exigindo muito pouco.
que
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tratamento é
que ser por teóricos ou mesmo
autoridades na Tem exaustivamente demonstrado que a pri-
são, ao contrário de qualquer efeito recuperador sobre o delinqüente,
parece ter como
seus ao preso só resta es-
tabelecer novos laços com possíveis futuros cúmplices. Estigmatiza
do como ex-presidiário, freqUentemente retorna ao mundo extra-mu
ros
s e ~
esclarecimentos ou
o r i e n ~ ç ã o
sobre
?S
documentos de que
neceSSIta, ou sobre como consegmr emprego. E presa fácil da pol ícia
num país de desempregados, onde estar sem trabalho era considerado
até há pouco tempo como crime ( vadiagem ) e onde ter estado no
cárcere significa ter uma ficha suja .
Tudo se passa como se
a ..prisão
produzisse exatamente o con
trário daquilo que seria sua missão primordial, como se ao invés de
curar o criminoso ela agravasse o seu mal. Este fracasso da prisão
tem sido exaustivamente admitido até mesmo por autoridades do sis
tema penitenciário, policiais, autoddades judiciárias. As críticas e ten
tativas reformadoras são tão antigas quanto a própria prisão. E, no
entanto, sua realidade quase imutável tem desafiado todas elas como
se delas zombasse.
E se, aceitando a proposta de Foucault
12
, invertêssemos a 01'-
Vigiar e punir
Petrópolis, Vozes, 1977, p. 243-7.
1 4
Através da o aparecer
como produto de uma individualidade especial, animal, ca-
sem cultura, etc. O criminoso
outras
formas de que oposlçao ao burguês e
suas instituições. São os parentescos do criminoso comum com o
chamado criminoso políti co , ou, o que seria mais terrível, com o
homem comum, que, embora vivendo as mesmas condições de ex
ploração, talvez não tenha tido coragem ou força para se revoltar.
Apesar tudo isto, o perito encontra razões para afirmar a cfi
da prisão em seus pareceres - em algum nível o sistema carcerário
precisa desta imagem de eficácia para que se mantenha em funciona
mento. O técnico
é,
pois, o funcionário
encanegado
de fabricar este
sonho: o da eficácia
da
prisão em fazer
de
um criminoso um homem
de bem. A fabricação desta image m da prisão aparece aqui
como uma das do técnico enquanto funcionário da instituição
carcerária. Uma função complementar às funções carcerárias
ligadas à repressão propriamente dita. A função dos sempre fracassa
dos projetos de reforma prisional
é
também esta, perante a opinião
pública mais esclarecida ou perante a boa consciência dos psicólo
gos, psiquiatras, etc. como se dissessem: na prisão, trata-se de
reprimir, mas estamos fazendo o possível para alguma outra
coisa mais digna, mais edificante: tratar, etc. Misteriosa-
1 5
mente, sempre fracassamos e acabamos encarcerando simplesmente.
Mas
fazemos o possível...
Felizmente,
nem
todos os indivíduos se submetem à disciplina
carcerária, tornando-se mortos-vivos, autómatos que apenas cum
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Tal necessidade de mascarar a violência pelo Judiciário,
Estado em última análise, articula-se
com
uma política
las sociedades os
mecanismos
re-
e substituídos
por de
controle
internalizados indivíduos. Os controles institucionais podem ser
menos violentos e sutis, pois agem sobre o indivíduo previamen-
te discipl inarizado, desde a famflia, a etc.
dizer
sobre os efeitos
da
carcerária sobre o indi-
víduo que a sofre? Sabemos que uma vida no
cárcere
pode
adequação às normas discipl nada tendo a ver
com a
saúde
psíquica que certamente necessana
para
que
um
indivíduo
pudesse,
à saída
da
prisão,
reorganizar sua vida, vencer
o
do criminoso e do arrumar um emprego, "re-
enfim.
onde estão as formas mais acabadas de controle sobre os
indivíduos. Nestas instituições a intimidade, a privacidade são siste
maticamente
violadas
em
razão dos objetivos institucionais, através,
por
exemplo,
da
censura da correspondência, da impossibilidade de o
indivíduo
ter padrões
pessoais
de
conduta (os horários e locais de
refeições, de dormir, acordar, por exemplo, são coletivos). Restam ao
indivíduo
poucas
possibilidades
para manifestação do seu
eu (que é
algo
não
uniformizável), o que
não
se
dá sem uma
conseqUência so
bre a personalidade, a mortificaçãodo eu".
E no caso
da
qual será o preso cujo eu está morto?
Éjusta-
mente o preso bem comportado. É aquele preso que nada mais s abe fazer
do que obedecer e perpetuar a rotina do cárcere.
É
aquele preso que
reúne
em
si a contradição de ser
um
ótimo preso, imprestável, porém
para a vida onde teria novamente que lutar
por
si próprio,
algo que há muito desaprendeu.
3 Goffman. ll1anÍcômio.
e
conventos.
São Paulo,
I - ' p c n , M ' _
tiva,1974.
106
prem
ordens.
Apesar de
toda a pressão institucional
em
contrário, existem. for-
mas
infinitas de individual e que ser
VIstas
como formas de chamar
da
saúde psíquica.
de se que todos os envolvidos com a
promoção
da
chamada saúde mental encontrassem meios
de
solidarizar
se
com
estas manifestações, ou, ao menos,
de
não atuarem con tra elas,
superando sua condição de "funcionários do e, com.o tais, en-
volvidos n reprodução e atualização de seus mortJficadores.
6
Conclusão
os leitores a
uma
reflexão a
nosso l
os
te
mas nos
Uma
que
logos, psiquiatras, assistentes sociais, etc., ante a leitura deste material, é
pensar: ora, mas estes são exemplos
de
mau uso da ciência, ou de eu'os,
deficiências conceituais ou de formação, etc. Eu não faria isso
..
A meu
ver, não se trata aqui de apontar
eiTOS
deste tipo, o que reduziria nosso
trabalbo a mero inventário crítico. Trata-se sim de restabelecer as cone
xões entre nossas tão "humanas" ciências e os mecanismos de controle,
mortificação, sujeição dos indivíduos. As conexões existem. Com a pala-
vra, os laudos.
1 A história individual: o passado condena
A reconstituição da história
é
uma montagem, cuja finalidade
é
con
firrnar no indivíduo o rótulo de criminoso
..
"Totalmente abandonado pelos familiares
..
aos
15
anos na
prostituicão .. mantém uma conduta a infância , mos
t r n d o ~ s ~
pessoa
de
fácil sugestibilidade com tendências à delinqUência"
(EVCP 270-1972),
,
Os
são meus.
1 7
A
rude do interno
atribuímos
ao
ambiente
cola em que se
local onde desde cedo as habituam-se
O periciado teve uma
tantemente de
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não sobrando para
ainda menor conheceu
as
celas do
2 Família: o modelo
ao
da a screm a válvula de escape cios . este
de retaliação pelas sofridas no interno como móvel de
suas ações ... (EVCP 45-1969).
A história psico-evolutiva mostra que o periciado teve uma for
mação de personalidade com carência
de
um lar onde pudesse introjetar
os costumes da Teve um pai irresponsável que maltratava
os filhos e a esposa. incutiu-lhe a revolta contra a autoridade, pois
em nossa sociedade é a figura paterna o primeiro exemplo de autori
dade. As carências afetivas por que passou desenvolveram-lhe propó
sitos de retaliação, o que motivou sua impulsão a apropriar-se dos
bens alheios
..
(EVCP 70-1969).
O interno formou sua personalidade num
ambiente carente de
pai e mãe .. a presença de pai e mãe é importante para um jovem que
se desenvolve ... outro fator foi o fato de
seus pai s tere/ri constituído
novas famílias. A vivência de rejeição deve ter sido
Sua queda na vida delinqüencial pod e estar ligada ao desejo de
atenção dos pais para si. .. com sua vinda para o mobilizou a
dos 39-1968).
1 8
de
3.
?
As
vistos como o caldo da
e
são vistas como
Trata-se de pessoa pobre globalmente .. era matutão e
ter criado antes de c
anos de o confron to com a Justiça lhe mostraram
que a sociedade tem outro padrão de masculin idade, diferente daquele
que aprendeu no ambiente
dafavela
(EVCP 1968).
Ao trocar a vida da roça pela vida da grande cidade, perdeu as
possibilidades de controlar sua agressividade, que até então utilizava
nos rudes misteres lavrara terra (EVCP 1-1968).
4 Funcionários
do
cárcere
As atitudes do preso, de colaboração ou de oposição, d e rebeldia
ou subserviência, são determinantes para os resultados dos exames.
Admitir como verdadeira a versão dos autos pode contar pontos a
favor...
A
apresentação displicente, sobre a cadeira em
que o convidamos a sentar. Gestos e trejeitos c o ~ p n h m as . .
tas do periciado. Tom de voz firme, rápido no
f1mr
erros gramatIcaIS
em abundância, predomínio acentuado da gíria carcerária, às v z ~
acrescida
de
explicações para que possamos entender. O humor e
basicamente Os conceitos são incapaz de boas
109
respostas, quando inquirido sobre sentimentos espirituais superiores ..
(EVCP254-1972).
Há
quase oito anos e meio no cárcere,
permanece
~ o m ~ / .
t
t
rabcllhador ..
acha-se totalmente
adaptado à pemtenclana
lnen o
, f i
t
a
uma nova
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Respondeu-nos com evasivas quando lhe perguntamos se esta
va
envolvido na revolta ... (EVCP
42-1968).
a versão
autos
com
serenidade, dizendo-se
arre-
(EVCP 252-1972).
O periciado
era
elemento a uma quadrilha de nssal-
tendo cometido
bárbaro
como tornam
os autos. Todavia, ele nega
a autoria dos crime s ..
(EVCP 42-1968).
simulador-dissimulado r ..
ocultou a verdade
..
a
ver
são que
dá de
seus crimes foge
flagrantemente
dos autos. Isto
deve
resultar de seu não-arrependimento
(EVCP
1968 .
Os
exames
podem
até
prescindir de
toda a lógica. Sua
função
éa de
relação eu-mundo, apresenta
sinais
ambiental
(EVCP
34-1968).
5 O
tratamento penitenciário
Alguns
efeitos
da
prisão
sobre os condenados,
tal
como apare
cem
nos laudos ..
Embora o periciado tenha começado
sua
vida no
mundo
do cri
me, da ociosidade, vemos que sua conduta modificou-se dentro do
ambiente
penitenciário.
Deixou
sua
vida de contendas, desavenças,
para trilhar a do
respeito à ordem
(EVCP 106-1970).
Vinte
e
dois
anos de
ajudam
a
resolução de
alguns
pro-
blemas psicológicos, mas podem também criar novos Na penitenciária
não consegue relacionar-se,
já ganhou apelidos
por
causa de sua
apro
ximação com homossexuais.
Nenhuma perspectiva
de futuro. Nota-s e,
portanto, que
ainda não
oi pela penitenciária
971).
110
onde
trabalha como cozinheiro .. o tempo e su lClen e p/ar, C .
. d
de f l exão Esta pronto. es-
colocacão
e
adequação da
agresslVl a
e,
r .
sada
a
periculosidade (EVCP 255-1972).
con-
Fcz
uma
crítica de seu .
. d b A'
colocando-os
como mconse-
siderações
sobre vicra os e o e : m ~ ; ,
T
ealheiosàrealidadedavlda (EVCP 1972).
. .
.
e
não
ter
com
O
hOlmcídlO
em
apreço
p,nec ' .
de personalidade .. decorreu mesmo das
o / n ~ i ç õ e s c u l t ~ ~ m s ,
da : ~ : ~
la de
valor..:s, onde o
interno formou seu COdIgO
de o n ~ à ... sua eXI
riência carcerária lhe deu um lastro de
controle sobre
: vW
.
(EVCP 250-1968).
Aprendeu que existe
que
eleve ser respeitada,
ii
qual
vez que
noS
em nossos
Bibliografia
.
. .
do Rio
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1980.
111
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c
As entre a e a
justiça penal
têm sido,
pelo
menos desde
o iníeio do século bastante um
a
justiça
não dispunha de meios para dar conta de um certo tipo
de crime cujas características
pareciam
fugir
completamente
à razão.
n l 1 .PC T Q r . ao
mesmo tempo
deixada
em
aberto
nascente.
(role
Não se
trata,
como
ainda hoje se confunde, de
desculpar
o cri
minoso, dispensando-lhe
um tratamento mais
humano. O que
ocorre
é apenas a substituição de um tipo de controle
por
outro, mais efieaz
e abrangente.
Enquanto ajustiç a só pode agir sobre o delito quando este
já
tiver
sido cometido, a psiquiatria
aparece como capaz de
prevê-lo em fun-
de
critérios de periculosidad e definidos cientifica mente . O ato
criminoso torna-se resultado inevitável
de uma
condição mórtÍIda que
já se
esboçava
desde a infância. A
criminalidade
atravessa a
vida do
indivíduo, o crime é sempre uma virtualidade.
A descoberta, por pmie de Esquirol, da monomania permite trans
formar a simples existêneia de crime
em
sinal de doença. Ao mesmo
tempo, amplia a noção de alienação mental:
enquanto
na tradição
intelectualista do século XVIII ela era equiparada a um erro ou delírio da
razão, torna-se possível pensar numa espécie de loucura sem del{rio .
Com
o diagnóstico de
monomania
fala-se
pela primeira
vez de
uma patologia
dos
sentimentos
e da vontade sem qualquer
pertur
bação
do entendimento. Pode-se
a
partir daí
incluir
na
categoria
3
de
alienado
m ~ n t ~ l U1.n número maior
de indivíduos,
trazendo para
a alçada da pSlqUJatna
eventos
sociais
anteriormente situados na
justiça penal. Representam, para o poder psiquiátrico, um instrumen
tal para a patologizaçã o de um número cada vez maior de atos e indi
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i
área do Judiciário.
.
~ a r ~
que
~ a l
processo pudesse se dar em toda sua extensão, a
pSIqUIatna preCIsou se armar de um instrumental institucional e teóri
do qual ainda carecia ao tempo de Esquirol. Mas, ao menos no
mvel do. . a
~ c l i c i n a
mental elabora uma entidade nosográfica
que se sItua na fronteIra entre seu próprio campo e o
da
justiça.
O ou o de uma determinada
ria
de
indivíduos; na entre as duas institui-
. haverá aqueles considerados excessivamente lúcidos para casas de
alIenados e insuficientemente responsáveis para a prisão. Além disso, se
aparentemente a psiquiatria livrou das mãos da justiça o monomaníaco.
dando-o como irresponsável, por outro lado sempre acentuou o carátel:
l
sob a tutela do
sem
de tratamento.
Do
P?nto de vista institucional, porém, os criminosos perversos
ou
a:n orats
colocam
uma
questão aparentemente insolúvel: ao
co.nslderá-Ios incuráveis, a psiquiatria parece admitir a ineficácia do
asIlo para
u a n o r m a ~ z a ç ã o .
Embora merecedores de
um
diagnóstico,
monomamacos nao se adequam às táticas do tratamento moral,
a:nda que ele baseie
em
recobrar a razão ?
Como
proceder
dIante de alguem ao mesmo tempo lúcido e anormal?
.
T r a z e n ~ o
pr?blemática do alienado criminoso e lúcido para a
-atu
alIda.de da pSlqmatna, veremos como hoje esta tendência a estender mais
e maIS os domínios da mesma frente ao Judiciário se ampliou. Entretanto,
permanece a questão do destino a ser dado a estes indivíduos.
o
psicopata como limite
entre
a
psiquiatria
e
ajustiça
penal
.
r o c u r ~ r e m o s
desenvolver aqui algumas considerações a res
peIto das entidades nosográficas da psiquiatria atuaI conhecidas como
personalidade psicopática , personalidade anti-social ou sociopata
entre as não são importantes). Tal como
entre psiquiatria e
114
víduos; para
ajustiça
a possibilidade de uma solução
cómoda
para o
crescente índice de criminalidade, permitindo a referência a causas
mórbidas e mascarando a problemática política e social.
Para mt Schneider
1
a personalidade é uma perso-
nalidade anormal, definível em função de procedimentos sociológi
cos ( variações
de
uma faixa que se tem em mente ). Não se
trata porém de uma personalidade mórbida, como é o caso das
nQ,r- r ,c c>Q
De acordo com sua célebre definição,
as
personalidades psicopáticas são
aquelas que sofrem ou fazem sofrer a sociedade . Co mo sub divisões
da
mesma cntidadc clínica, o autor distinguc oito tipos que podcm ser
subdivididos entre os caracterizados pelo sofrimento próprio e o gru
po perturbador da vida familiar e da ordem social . Para nosso pro-
pósito, interessa apcnas
o
grupo. Assim,
denomina mos carentes de as
parecer mais do que são... ifesta-se
[a
anormaJida-
por um modo de ser adotando formas de
ser estranhas.
Os psicopatas explosivos
..
são as pessoas que explodem ao me
nor ensejo
.. os
psicopatas insensíveis são
as
pessoas destituídas
ou quase destituídas
de
compaixão, vergonha, sentimento de hon
ra,
arrependimento, consciência ..
são
em princípio incorrigíveis e
não podem ser educados
2
.
Na
psiquiatria contemporânea, aponta-se em Kurt Schneider o mé
rito de ter trazido para o campo da psicopatologia
as
psicopatias. Ou seja,
/
ter extraído os fenómenos de conduta que se desviam
em
relação a uma
faixa média do campo exclusivo da climinologia ou do direito criminal.
Embora seja um avanço no sentido da ampliação do dominio de influênci
as
da
psiquiatria, ao não considerar a personalidade psicopática como um
fenómeno mórbido , o autor remete parcialmente este tipo de indivíduo
ao
campo não-psiquiátrico. Anormal, porém não-doente; merecedor de
um rótulo, mas dado como irrecuperável. A personalidade psicopática é,
assim, definida de maneira contraditória.
I
K.
Schneider.
f slcOj JatolOgza cl ínic a.
São
Paulo,
Mestre lou, 1968, cap. 2.
2 fel
115
Que
a
sociedade ?
A
sociedade
é
tomada
como um todo
único, indivisível e
harmónico. Transgredir
suas no1 -
atria, como de poder, toma as leis da
sociedade
como nor
ma da qual qualquer desvio se constitui em patologia. Mais claramente
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E a para tal é de
conter em seu
têm conduta
e
poder
enfim, todos
E
para
eles a dis-
de não-educabilidade.
definições de personalidade psicopática, a sociedade
e causas relativas ao quase sempre
por uma
solução conciliatória, a
da
colaboração dos dois
como personalidades anti-sociais classificam-se os indivíduos cro
nicamente anti-sociais, incapazes de ligar-se ou serem leais a al
guém, a grupos ou a modos de vida. Dados a prazeres imediatos,
parecem carecer de senso de responsabilidade e apesar de humilha
ções e punições deixam
de
aprender a modificar seu comportamento.
Carecem de capacidade de julgamento social, embora sejam fre
qüentemeRte capazes de racionalizações verbais que
os
convençam
de que suas ações são justificadas .. O comportamento da personali
dade sociopata impede o ajustamento psicossocial e vai da estranheza
à
criminalidade, com um grupo intennediário formado por excêntricos,
extremistas, delinqüentes e outros desajustados sociais .. fre-
qüentemente mostram atitude de rebeldia frente à sociedade
..
são
incapazes de se identiticar com a sociedade e suas leis
3
.
A
personalidade sociopata, segundo este autor, caracteriza-se
fundamentalmente pelo desrespeito às leis . Evidentemente, a psi qui-
C
KohJ.
odem Clinical Psychiatry
Filadélfia, W. B. Sownders,
1973,
p.
496-500.
116
do que na
a
de
que
considera
a
U. L<U . U\. oJUlI .J uma existência
desequilíbrio da
devaSSldao.
os produtos dos lares
velmente serão esta corrente
tipo de
pessoa
uma atitude
de
rebeldia frente à socie-
dade, não aceitando suas leis. uma tão
que
vai
da excentricidade à criminalidade,
passando pelos extremistas
e de
linqüentes :
a psiquiatria,
como dispositivo de controle
por um erro da
rebeldes que,
acerca da
diagnóstico de
personalidade
anti-social traria em si
alguma
dificuldade no que diz respeito à diferenciação frente à neurose.
Schneider não chega
a utilizar o
termo, referindo-se em contrapartida
aos
indivíduos
que sofrem,
por oposição
aos
que fazem sofrer
a soci
edade. Isto
porque,
ao contrário dos psicóticos, esquizofrênicos,
cicIotímicos, os neuróticos e
psicopatas não
cometem eITos
de
ra
zão .
Para
o diagnóstico diferencial precisa-se,
além
da
exploração
direta,
do estudo da história vital completa do indivíduo.
Na análise da biografia de psicopatas sobressai a ausência de uma
comunicação com o meio que data da infância
4
.
O
estudo da história e da infância destes indivíduos torna-se im
portante
para
a constatação
da
anormalidade. Pois o
que
se valorizará
serão
as
pequenas oposições
e
rebeldias
às
leis da sociedade ,
no
interior
de cada
um de seus dispositivos disciplinares. Serão de
desadaptações
à
escola, ao exército, ao trabalho, às autoridades, à moral
vigente, que acabarão por definir, aos olhos do psiquiatra, a psicopatia.
4 Hafner,
pud F
Alonso-Fernandez.
Fundamentos de la
IJ ') L / I {, IU/
Madri, Paz Montalvo, 1972.
7
actual
o discurso psiquiátrico, estaria justificada a de
tratamento
para
tais
indivíduos
e sua internação
em
hospitais.
Entre
tanto, permanece
ainda uma
ambigüidade: os psicopatas
dificilmente
justiça
penal, e
será
necessário
remeter
à prisão
como
uma
espécie de
instituição disciplinar modelo, um quartel um pouco estrito, uma es
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por influências seu comportamento. Tal c: Jfno para
são
incuráveis em sua maioria.
aceitam
o
uma vez rompido seu
da autoridade e da
mais facilmente curáveis
s
,
no
caso
dos psicopatas ou au-
tores
parecem que apenas
o tempo
com a aceitação das exigências da
Embora proclamando-se de antemão fracassada diante deste tipo
de doença mental, a psiquiatria sugere que a aceitação
da
autoridade e
da responsabilidade
conduziria
à cura.
o
' parece preferir o trato dos juízes ao dos médicos . ,
tais personalidades não são tributárias de tratamento médico mas
de atividade educacional-pedagógica6.
A psiquiatria
parece
transferir a tarefa de lidar
com os questio
nadores da lei
para
as autoridades judiciárias ou para as instituições
de
reeducação . Ao
mesmo tempo em
que dispõe de
uma
entidade
nosográfica capaz de
dar
conta da contestação às leis, do extremismo
e
da
excentricidade,
recua
diante da tarefa de disciplinarizá-Ios. Resta
nos examinar por
que
isto
ocorre,
ou que tipo de oposição faz
à
pró
pria psiquiatria o
chamado
psicopata.
A produção
de
um saber sobre
as
ilegalidades
Só poderemos
compreender
o discurso psiquiátrico
acerca dos
chamados
indivíduos anti-sociais se fizermos referência ao local
de
constituição deste discurso, ou seja, às instituições disciplinares. A
questão se situa,
como já
dissemos, na fronteira entre a e a
61d p. 102
118
cola
sem
indulgência,
uma
oficina sombria,
mas
levando
ao
fundo,
nada qualitativamente 1 l 1 : e n ~ m e
inaugurou,
com uma
nova dita
,
ll11°1
saber sobre a diríamos
ms
que
a
produz
a delinqüência, não no
sentido
de
que se
reformá-la ou de que
seu
tivesse ser aperfeiçoado.
Ao
dizer que a prisão o é dizer que
cum-
pre
plenamente
seu papel enquanto dispositivo de controle social.
Dentre as instituições disciplinares, a é a que
leva
a efeito
com maior intensidade a utilização
da
maquinaria disciplinar.
A
priva
ção
da
liberdade
é
apenas
uma
das estratégias:
com
o
p e r f e i ç ~ a m e n t o
das técnicas de
observação
e registro
de
dados
sobre
as mOVImenta-
do que tendem a as formas de
a
de um novo
Como
se diz a
uma
dade no interior
da
sociedade. Sob condições de
extrema
privação,
ela
faz
conviver
todo tipo
de
infrator das leis,
proveniente
das camadas
mais
pobres da
população, e
produz um
tipo de
c ~ u n i d ~ d ~
~ n d e
prolifera
uma
estranha
espécie
de
seres violentos,
VICIOSOS, 111lmlgos
de qualquer ordem social.
É
a própria prisão que constrói meticulosa
mente este tipo
de
violência
que se
manifesta
de forma
incoercível e
desligada de qualquer contexto.
Estímulando a delação e a
chantagem,
ela tenta destruir rS laços
entre os
que
a
ela
estão sujeitos.
Na
prisão se manifesta
de
forma mais
acabada o esquadrinha mento disciplinar: são estabelecidos lugares rí
aidos
para
observação e controle das individualidades, privilegiam-se
contatos no sentido vertical (o da hierarquia), maximizam-se as
diferenças no sentido de neutralizar possíveis alianças.
A pena-prisão
inaugura
também uma forma de que não
se refere tanto a
uma
infração,
mas
a
um comportamento, compreen-
dido no de uma história individual.
7
M. FOllcault.
Vozes, 1977.
119
. Aqui, e penal se confundem: a de
delmqüente, produz ida no interior das prisões, como já vimos, estabe-
uma
entre estes Tal como nas que
cando dessa forma agir no sentido de pr eservar o poder dominante.
Vimos como a é uma ent idade noSognUH:a
que visa "adoecer" a rebeldia frente às normas
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dc
como
atos que têm
ao indivíduo.
tomam se
a
dia mais
do
dc
Não é todas elas tcnham em si propósitos políticos, mas podem
conduzIr a estes ou mesmo ser capitalizadas
em
seu favor.
Ao. produzi r a del nqüência, a prisão procura romper os elos que
unem o mfrator das leIs
com
seu meio social, utilizando-se de duas
principais:
1 No
n t ~ r i o . r
da pr?pria prisão, através
da
delação, ou de privilégios
e sub-hlerarqUlas ll1centIvados como forma de diluir as alianças.
2.
No meio social, através do estigma do condenado que o impe
dirá de : r ~ i n t e g r a r - s e mesmo que queira, forçando-o a uma situação
de bandJtlsmo, que o faz voltar-se contra seu próprio meio
. Ao mesmo tempo, o esquadrinhamento geral
da
população, es
pecIalmen te dos setores pobres, torna-se justifi cado, sob do
combate ao crime. Os jornais e a literatura policial contribuem para
fazer
d e s t ~
o produto de
uma
maneira de ser muito especial e selva
gem, deslIgada
do
contexto social e político.
A psiquiatl:ia é também um dos mecanismos de poder que
tem descaracten zar a transgressão
à
lei como oposição política, bus-
12
no
mcreCedl)res deste
ou mesmo para
ajustiça
os indivíduos
sões psiquiátricos eles
parecem opor
ao poder
uma
forma de resistência.
Na tentativa de ser considerado
poet
exibia retórica sobre
os
temas
do mor
e
d
liberdade
8
Vejamos, primeiramente, de que maneira a sociopatia é constmída
no interior do hospital-prisão, ponto singu lar
de
convergência de duas
grandes instituições disciplinares.
Desde a primeira entrevista com o psiquiatra, algo
é
determinante
para
que o futuro paciente receba este diagnóstico.
... atitude ligeiramente hostiL.. foi logo ameaçando a equipe de se
gurança, avisando que a qualquer momento poderia causar proble
mas se as coisas não caminhassem como queria .. diz que não é
cobáia:
de psiquiatra e que
há
muito tempo está curado.
O psiquiatra aqui não se defronta
com
um "paciente" no sentido
próprio
da
palavra, mas com alguém que oferece resistência através
de um
discurso coerente do ponto de vist a racional. Não se trata
de
um delirante, por mais que se quisesse enquadrá-lo como tal. Seme
lhante atitude de rebeldia deve ser designada como psicopática, po
dendo ser estabelecido um paralelo
com
a característica, descrita
por
8
Extraído como as citações a seguir de um laudo psiquiátlico elaborado
em
insítuição psiquiátrico-penal no Rio de Janeiro em 1978.
2
Kurt Schneider, dos psicopatas que desejam parecer mais do que são .
Ao
invés de submeter-se, o paciente faz ameaças, reivindica, desconfia,
não aceita o lugar de submjssão a q ue seria confinado.
rança .. teria chefiado rebelião para atear fogo
às
enfermarias (de
outro hospital penal].
Exercer liderança
é
algo inteiramente intolerável
numa
instituição
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Esta, entretanto, não é a única atitude de resistência possível. Há
os que
simulam doença,
os que
se
mostram
solícitos
para com
isso
obter
benefícios; numa do
psiquiatra
com
estranha astúcia e em nenhum momento parecem
fora
de
si , a não ser
por vontade
própria.
é
a chamada curva
de
vida que
e ~ n i r á
o enquadramento
do
indivíduo
como
personalidade sociopata:
'
casou
aos 17
anos com
a
namorada
que
engravidara
e no dia do
casamento deixou a esposa e saiu
com
outras mulheres ..
...
há registros de distúrbios de compOltamento desde a infância, sem-
pre
com beligerância. Brigas freqüentes,
fre-
uma amante.
A psicopatia é como um germe que tem sua origem na infânc ia e
caracteriza-se
pela
oposição
ou
transgressões sistemáticas à ordem
da família, da escola, do trabalho, d o exército. O desrespeito à autori
dade
é também
um sintoma
importante.
Dissemos
que
tal espécie de anormalidade é construída no inte
rior da
instituição, n o
caso um
hospital-prisão.
Sem
dúvida, a oposi
ção sistemática àmaquinaria disciplinar é
um
ponto central
na
defini
ção
do diagnóstico.
...
em todos
os
estabelecimentos plisionais tornou-se elemento inde
sejável, temido e causador de inúmeros problemas de disciplina .. ne
cessário esquema de Segurança Especial para contenção das atitudes
sociopáticas
do
paciente. Também
nos
estabelecimentos psiquiátrico
penais conquistou a incômoda posição de ser absolutamente intolerá
vel pelo potencial de periculosidade que encerra, levando
as
equipes
a um clima de tensão, perturbando a assistência a psicóticos,
graças à sua influência e
de
nefastas
..
lidera gru
po de mantendo de sobreaviso
os
esquemas de segu-
122
disciplinar. De
um
iado, a
constante
i g i l â n c ~ a ~ o b s e ~ v a ~ ã ? o
c ~ í d a ~
d ~ s o
esquadrinhamento
do
espaço com
o obJetlvo
de
ll1d.lv.ldu.al:zar e
, para
com isso obter maior
controle e prodUZIr mdlvH.iuos
e dóceis. De outro, um grupo de
indivíduos
não tão
intoleráveis,
como
o próprio
psiquiatra
o confessa, tanto na
comum
quanto no hospital penal.
Na
verdade
estas
duas
remeter
estes tipos
de
indivíduos
uma
à
outra.
No caso
psiquiatria, embora
esta
disponha de um di.agnóstico, não . dis-
por de um
tratamento suficientemente eficaz
do
ponto
de
VIsta
da
nommtização.
Vejamos mais concretamente
de que
maneira
dá
a oposição ao
poder
psiquiátrico levada a efeito pelo
chamado
soclOpata.
... manteve sempre
u comr ortarnelmo
rdante,
reivindicador,
taleo .
volvi menta das rotinas
de
investigação
..
mostrou-se o todo
rebelde, pouco cooperador e ameaçador
..
revela incapacidade de es-
tabelecer aliança terapêutica .. a investigação psicológica
foi
prejudi
cada porque o paciente recusou-se a fazer testes. Em sua participação
nos grupos operativos incita os outros pacientes à greve de fome ...
aparentemente simulava delírio como maneira de ser dado como
ilTes-
ponsável climinalmente ..
O
chamado
sociopata parece
dispor
de
meio
singular
de
oposi
ção
ao
poder
psiquiátrico.
Ao
invés de submeter-se às
r o t i n a ~
aos
testes, estabelecer alianças, cooperar,
como se espera de um
paCIente,
ele reivindica
e ameaça, mostrando-se irredutível. E o faz de modo
coerente do ponto
de
vista racional.
Se
entendermos a
i ~ t e r v e n ç ã o
psiquiátrica como
uma luta
que só termina com o
s u b m ~ t l m e n t o
e a
aceitação
da
palavra-verdade
do
médico por
parte
pacIente, pode
mos supor que no caso
em
questão isto não se
venfIca.
Se
o
paciente
parece delirar, o faz apenas
em
seu
benefício; se
aceita participar de grupos que funcionariam
como
pontos
de
obser-
e de a o
faz
de
ma-
23
a e promover revoltas.
No
contato com o psiquiatra, rei-
vindica
sem
cessar, coJocando-o
constantemente
à prova.
psiquiatria
se
apresenta como uma modalidade de controle PO\ebelde
sutH, ineficaz quem também se comporta
de manter sua
nos do
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
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, .conta
nando rrp 'nF'n
tornou-se amante de um
se
envol vendo nem mencio
ordenada , diz que sua mulher
ele a matou,
Conforme mencionamos, quando nos referimos à produção da
delinqüência, aqui também, por
mecanismo
Este controle, no
que
se refere ao psicopata, não
parece
se
dar
de
forma
eficaz:
,
.
carreirísta da indisciplina e da desordem, campeão da pantomima
e da burla, põe em polvorosa os agentes da terapêutica.'E ingénuo
manter sob regime hospitalar psiquiátrico perigosos deste porte.
Recomenda-se encaminhamento para estabelecimento penal de se
gurança máxima e disciplina rígida, onde seu comportamento pos
sa ser avaliado à luz do regulamento penitenciário tão-somente.
Que destino dar ao psicopata? Seu env io para o hospital psiquiá
trico
penal
é,
por
si só,
um
indício de
que
a prisão fracassou na tenta
tiva
de
obter o enquadramento à sua ordem.
Paradoxalmente, o psiquiatra lhe dá
um
diagnóstico, mas, ao in
vés de tratá-lo, remete-o de volta à prisão. Por segurança
máxima
e
disciplina rígida podemos entender a violência sem máscara que se
exerce diretamente sobre o corpo9. Com este tipo de indivíduos, a
9 O detento foi enviado a uma prisão conhecida pelo emprego sistemátíco da
violência física.
24
louco
e
mel1
te
em
no momento não se fazem presentes.
momentos culminando com
d
d
m
de
consciên-
crime contra a vida em or ena
a
se .
incapacidade de estabelecer relações afetlvas adequadas,
à de fomentar
Curva de vida
de
tratamento,
Bibliografia
ALONSO-FERNANDEZ, F. Fundamentos de la psiquiatria actual. Madri,
paz Montalvo, 1972.
.
. . .
d d d
o
ro do alienismo. R O de
CASTEL,
R.
A
ordem pSlqwatnca
.-
a I e e 1
Janeiro Graal 1978.
FouêA
ULT
M. Eu
Pierre Riviere ..Rio de Janeiro, Graal,
1977.
. Vigiar
e
punir.
Petrópo}is,
Vozes
1977.
-----
- . F'l d lfi W B Sawnders, 1973.
KOLB, L. C. Modem Clinical Psychzatly.
1 a e Ia, . '
. [ . S- Paulo Mestre Jou, 1968.
SCHNEIDER,
K
Psicopatologta c l/nca. ao
125
Veja os livros de direito
da
Revan.
Eis alguns títulos:
8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003
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Direito Penal Brasileiro I, de
E
Raúl Zaffaroni, Nilo Alejandr o
Alagia
e
Alejandro Slokar.
Destacando o trabalho jurídico feito em equipe
por Nilo presiden te do Instituto Carioca de c Raúl
Zaffaroni,
da
associação Internacional a
obra apresenta materiais em que estão elementos portu-
os problemas bases diferentes de
e constitucional.
95 00
Introdução crítica ao direito
penal
brasileiro, de Nilo Batista.
Nesta obra, fundamental para o ensino jurídico, Nilo Batista faz uma revisão
pontual de soluções usualmente adotadas na literatura jurídico-penal brasilei
ra.
Adotada
em
diversas faculdades de direito em todo o país, está em 8
a
edição.
4 X
2 m
36
p.
R 17,00
produziram de
Latina . Adotado
em
4 X
21
m 282
p
e estudantes da cientistas sociais
debates entre
o autor e seus
de
O juiz e a
democracia
(Le gardien des promesses), de
Amoine
Garapon.
Livro do renomado jurista e homem público francês que vem alcançando
grande repercussão internacional. C om introdução de Paul Rícoeur, trata do
aumento-da importância do poder judícülrio na sociedade moderna, quando
as instituições políticas (partidos e poder executivo) perdem crédito junto à
população e cresce nesta a solicitação do recurso aos juízes para a solução
de seus problemas individuais e como fiadores da ordem e do direito.
6 X 23 cm 272
p.
R
39,00
Corpo e alma da magistratura brasileira, de Luiz Wel71eck Vianna, Maria
Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palácios Cunha Melo e Marcelo
Baumann Burgos. Uma pesquisa sobre a estrutura e o funcionamento do
Poder Judiciário no Brasil foi o ponto
de
partida para este grupo de
renomados cientistas sociais do IUPERJ traçar um perfi I social do magistra
do brasileiro, das suas opiniões e atitudes, sua trajetória profissional e seu
processo de recrutamento, bem como relacionar o magistrado
com
o Esta
do e a sociedade, o direito e a organização deste poder. Trabalho pioneiro,
analisa cerca de quatro mil questionários respondidos juízes de todas
as instâncias e do inovando tanto no análise quanto
de - a do direito. 2
336 p.
Se procurar nas livrarias
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