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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
KÁTIA CELYANE FARIAS SCHMITT
EXPERIÊNCIAS DE CRIAÇÃO CÊNICA
COM ATRIZES E ATORES NA
TELEVISÃO: O Programa Ciência Aberta
da TV UFPB
NATAL/RN
2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
KÁTIA CELYANE FARIAS SCHMITT
EXPERIÊNCIAS DE CRIAÇÃO CÊNICA COM ATRIZES E ATORES NA
TELEVISÃO: O Programa Ciência Aberta da TV UFPB
NATAL - RN
2017
KÁTIA CELYANE FARIAS SCHMITT
EXPERIÊNCIAS DE CRIAÇÃO CÊNICA COM ATRIZES E ATORES NA
TELEVISÃO: O Programa Ciência Aberta da TV UFPB
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Artes Cênicas, na linha de pesquisa Pedagogias
da Cena: Corpo e Processos de Criação, sob a
orientação do Prof. Dr. José Sávio de Oliveira
Araújo e coorientação da Profa. Dra. Luciana de
Fátima Rocha Pereira de Lyra.
NATAL - RN
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
Campus Universitário - Lagoa Nova - Natal/RN - CEP: 59072–970 Telefax: (084) (84) 99193-6340 •
ATA Nº 15
Aos oito dias do mês de março de 2017, às quatorze horas e trinta minutos na sala 38-D do Departamento de
Artes da UFRN reuniu-se a Banca Examinadora composta pelos professores doutores: José Sávio Oliveira de
Araújo (Presidente - PPGArC/UFRN), Luciana de Fátima Rocha Pereira de Lyra (Membro Interno
UFRN/UERJ) e Walmeri Kellen Ribeiro (Membro Externo à Instituição - UFF) por meio de vídeo conferência,
para a Defesa da Dissertação intitulada: EXPERIÊNCIAS DE CRIAÇÃO CÊNICA COM ATRIZES E
ATORES NA TELEVISÃO: O Programa Ciência Aberta da TV UFPB., de autoria da discente Kátia Celyane
Farias Schmitt. Após 20 minutos de apresentação os professores arguiram seguindo a ordem do convidado
externo para o interno e a Banca considerou que a discente respondeu e comentou adequadamente as questões
levantadas. A banca concluiu que o trabalho atende às exigências de uma Dissertação de Mestrado e considerou
o trabalho Aprovado, destacando-se a singular contribuição desta pesquisa para um diálogo epistemológico entre
trabalho de atuação nas Artes Cênicas e na Televisão, bem como, recomenda-se publicação deste trabalho. Não
havendo nada mais a registrar, eu, José Sávio Oliveira de Araújo, Presidente da Sessão, lavrei a presente Ata que,
depois de lida e aprovada, vai assinada por mim, por todos os membros presentes e pela discente.
Dr. WALMERI KELLEN RIBEIRO, UFF
Examinador Externo à Instituição
LUCIANA DE FÁTIMA ROCHA PEREIRA DE LYRA, UERJ
Examinador Interno
Dr. JOSE SAVIO OLIVEIRA DE ARAUJO, UFRN
Presidente
KÁTIA CELYANE FARIAS SCHMITT
Mestrando
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Sistema de Bibliotecas – SISBI
Catalogação da Publicação na Fonte - Biblioteca Central Zila Mamede
Schmitt, Kátia Celyane Farias.
Experiências de criação cênica com atrizes e atores na televisão: o
Programa Ciência Aberta da TV UFPB / Kátia Celyane Farias Schmitt. -
2017.
233 f. : il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas. Natal, RN, 2017.
Orientador: Prof. Dr. José Sávio de Oliveira Araújo.
Coorientador: Prof.ª Dr.ª Luciana de Fátima Rocha Pereira de Lyra.
1. Audiovisual – Dissertação. 2. Preparação do ator – Dissertação. 3.
Processos de criação – Dissertação. 4. Televisão - Dissertação. 5. Ator -
Dissertação. I. Araújo, José Sávio de Oliveira. II. Lyra, Luciana de Fátima
Rocha Pereira de. III. Título.
RN/UFRN/BCZM CDU 791-028.26
AGRADECIMENTOS
Aos dois amores de minha vida: Ícaro e Guilherme, filho e marido, companheiros de
vida, de sonho e de luta.
À minha mãe, Marinalva; meu pai, João; minha irmã, Pollyana e meu irmão, Vinícius,
que sempre me apoiaram em cada escolha, me dando todo o suporte necessário para que eu
continuasse a jornada.
Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
Ao meu orientador, Sávio Araújo, e à minha coorientadora, Luciana Lyra, que
acreditaram na minha capacidade e me acompanharam nesse trajeto.
Aos professores das disciplinas cursadas no PPGArC: Karenine Porpino, Larissa
Marques, Teodora Araújo e Adriano Cruz, pelos ensinamentos e provocações.
Aos colegas de turma, pelas trocas estimulantes, especialmente às queridas: Rachel,
Nyka, Jana, Tiago, Duarte, Tati, Karla, Rocio e Dani.
À Universidade Federal da Paraíba e à TV UFPB, que me concederam licença,
permitindo que eu me dedicasse integralmente à pesquisa, além de todo o apoio operacional
para a realização da prática.
Aos professores Marcelo Coutinho, do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais,
e Marcel Vieira, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, ambos da UFPB, por me
aceitarem como aluna especial em suas disciplinas e me oferecerem novos olhares sobre o
meu fazer artístico.
À Walmeri Ribeiro, por suas valiosas contribuições no decorrer de toda a pesquisa.
A Everaldo Vasconcelos, professor e artista que me ensina e estimula desde a
graduação em Educação Artística, na UFPB.
Aos atores, atrizes e diretoras entrevistadas: Titina Medeiros, Lúcia Serpa, Valeska
Picado, Tiche Vianna, Luiz Carlos Vasconcelos e David Muniz, pela generosidade em
compartilhar suas experiências.
À equipe de filmagem do Programa, amigos queridos da TV UFPB: Valeska Picado,
Fabiano Diniz, Niutildes Batista, Mônica Brandão e José Newton. E também ao ex-estagiário
César Moura.
Aos alunos da Oficina de Atuação para o Audiovisual, que se entregaram
completamente às atividades que propus, sendo elementos essenciais para o desenvolvimento
dessa pesquisa: Itamira, Tarciana, Saskia, Joelton, Malu, Vinicius, Eulina, Jamila, Railson,
Kassandra, Bertrand, Naiara, Bonerges, Berttony e Phil.
Aos atores da primeira temporada do Ciência Aberta: David Muniz, Márcio de Paula,
Raquel Ferreira, Natan Pedoni, Sandro Régio, Kassandra Brandão, Osvaldo Travassos e
Ingrid Castro, que iniciaram este projeto junto conosco, lançando a semente da árvore que
hoje floresce.
Aos amigos do Grupo Graxa de Teatro, que compreenderam minha ausência e
torceram por mim todo o tempo: Ingrid, Joht, Kassandra, Marcelo e Erivanilson.
Aos amigos do coletivo Ser Tão Teatro, novos parceiros de trabalho que me apoiaram
e incentivaram nesta pesquisa: Thardelly, Rafael, José Hilton, Isadora e Pollyana.
Ao Coletivo Atuador, grupo de estudos de atuação que representa a continuidade desta
pesquisa através de atores e atrizes interessados pela pesquisa e prática de atuação no
audiovisual.
Ao grupo de pesquisa MOTIM – Mito, Rito e Cartografias Femininas nas Artes da
Cena, coordenado pela Profa. Dra. Luciana Lyra.
RESUMO
Esta pesquisa buscou aprofundar os estudos sobre técnicas de preparação do ator e da atriz no
contexto da ficção televisiva, linguagem popularmente difundida em nosso país, porém pouco
estudada sob o prisma da atuação. A investigação partiu da experiência da autora na direção
de teledramaturgia do programa Ciência Aberta, produzido pela TV UFPB, o qual aborda a
relação entre o conhecimento científico e o saber popular utilizando-se da linguagem
jornalística e da teledramaturgia, respectivamente, em uma estética que revela o processo de
criação dos atores e atrizes a partir da metalinguagem. Propôs-se, então, um diálogo com
estudos teóricos das áreas do cinema, do teatro e da televisão, lançando um olhar sobre as
relações de fronteira e contaminação que se estabelecem entre elas, especificamente no
tocante às técnicas de atuação. Realizou-se ainda uma interlocução com entrevistas cedidas
por atores, atrizes, diretora de televisão e preparadora de atores, em busca de um
entendimento sobre as relações entre ator/atriz e câmera e seus desdobramentos na criação
artística em televisão. A etapa prática da pesquisa consistiu na realização de uma oficina
realizada com estudantes dos cursos de Teatro, Cinema, Rádio e Tv e Mídias Digitais da
UFPB, além de atores e atrizes da cidade, e resultou na construção do primeiro episódio da
segunda temporada do programa Ciência Aberta, no qual se busca a radicalização do que já
fora proposto na primeira temporada do programa: o aprofundamento e explicitação dos
processos de criação do ator e da atriz, os modos de produção audiovisual, as metodologias e
conceitos de suporte da criação. Nortearam este trabalho os autores Arlindo Machado, que
explana sobre o universo do audiovisual, Jackeline Nacache, que concentra sua pesquisa no
ator/atriz de cinema, Constantin Stanislavski, cujos estudos sobre o ator/atriz são a base para
diversas técnicas de atuação, seja no teatro ou no cinema, e Walmeri Ribeiro, que aborda a
relação de co-criação do ator/atriz no audiovisual. Pretendeu-se com esta pesquisa contribuir
para a reflexão e discussão sobre a formação do ator e como as artes cênicas se integram aos
modos de produção na televisão brasileira contemporânea, em particular, no âmbito da
atuação para a câmera.
Palavras-chave: Preparação do Ator; Processos de Criação; Televisão; Audiovisual; Ator.
ABSTRACT
This research sought to deepen the studies about the actor's creative process in fiction on the
television context, this popularly known language, but still poorly studied under the actor´s
point of view. This investigation has departed from the author´s experience as director of
teledramaturgy at the Ciência Aberta show, produced by TV UFPB. This show approaches
the relationship between scientific and popular knowledge using journalistic and
teledramaturgic language respectively, in an aesthetic that reveals actor´s creative process
through metalanguage. Therefore, has proposed to the dialogue with the theoretical studies in
the fields of cinema, theatre, and television, attempting to enlighten their frontiers of relation
and contamination, specifically, in the actor's preparation technique. It has also performed an
interlocution that attends interviews with television´s actors and directors as well as
experiences reports to search an understanding about the relationship between actor\camera
and its developments in television artistic creation. The practical stage of the research has
carried out a workshop held with actors and students enrolled in theatre course of UFPB, that
has resulted in the construction of the Ciência Aberta show's first episode of the second
season, which has sought to radicalize what has been proposed in the first season of the show:
the deepening and explanation of the creative process of the actor, modes of audiovisual
production, methodologies and support concepts of creation. This work was conceptually
guided by the authors Arlindo Machado, who explains about the audiovisual world, Jackeline
Nacache, that focuses on cinema‟s actors and actresses, Constantin Stanislavski, whose
studies on the actor are the base for several techniques of acting both in theater and cinema,
and Walmeri Ribeiro, which addresses the actor's co-creation relationship in the audiovisual.
With this research, we have intended to contribute to the reflection and discussion about the
actor´s formation and the production modes in Brazilian contemporary television, particularly
in the context of acting for the camera.
Keywords: Actor's Preparation; Creative Processes; Television; Audio-visual; Actor.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Oficina Ator e Câmera ........................................................................................................ 87
Figura 2 – Oficina Ator e Câmera ........................................................................................................ 88
Figura 3 – Oficina Ator e Câmera ........................................................................................................ 88 Figura 4 – Oficina Ator e Câmera ........................................................................................................ 88
Figura 5 – Episódio Milona .................................................................................................................. 89
Figura 6 – Episódio Pagode Russo ....................................................................................................... 90
Figura 7 – Episódio Sisal ...................................................................................................................... 91
Figura 8 – Episódio Biocombustível .................................................................................................... 92
Figura 9 – Episódio Engolindo Sapo .................................................................................................... 93
Figura 10 – Episódio Dança da Vida .................................................................................................... 94
Figura 11 – Episódio Dança da Vida .................................................................................................... 94
Figura 12 – Episódio Planta Mágica ..................................................................................................... 95
Figura 13 – Oficina de Atuação para o Audiovisual - Apresentação ................................................. 105
Figura 14 – Roda de conversa ............................................................................................................. 106
Figura 15 – Diário de bordo ................................................................................................................ 107
Figura 16 – Exercício do Samurai ...................................................................................................... 108
Figura 17 – Exercício de olhar e tocar ................................................................................................ 109
Figura 18 – Exercício de olhar e tocar ................................................................................................ 110
Figura 19 – Jogo batatinha frita 1 2 3 ................................................................................................. 111
Figura 20 – Jogo nó humano ............................................................................................................... 111
Figura 21 – Exercício de gravação dos monólogos ............................................................................ 113
Figura 22 – Exercício de gravação dos monólogos ............................................................................ 114
Figura 23 – Exercício de foco, projeção e repulsa - foco ................................................................... 118
Figura 24 – Exercício de foco, projeção e repulsa – projeção ............................................................ 119
Figura 25 – Exercício de foco, projeção e repulsa – repulsa .............................................................. 119
Figura 26 – Exercício de profundidade de campo .............................................................................. 121
Figura 27 – Exercício de construção de personagem – entrevistas .................................................... 124
Figura 28 – Exercício de protagonismo .............................................................................................. 126
Figura 29 – Exercício de repetição ..................................................................................................... 127
Figura 30 – Exercícios de improvisação ............................................................................................. 128
Figura 31 – Exercício de criação com ações ....................................................................................... 134
Figura 32 – Exercício de gravação de cenas (diálogos) ...................................................................... 136
Figura 33 – Exercício de gravação de cenas (diálogos) ...................................................................... 136
Figura 34 – Exercício de gravação de cenas (diálogos) ...................................................................... 137
Figura 35 – Gravação do projeto piloto – abertura ............................................................................. 141
Figura 36 – Gravação do projeto piloto – atividade cegos 1 .............................................................. 142
Figura 37 – Gravação do projeto piloto – atividade cegos 2 .............................................................. 143
Figura 38 – Gravação do projeto piloto – criação de cenas ................................................................ 144
Figura 39 – Gravação do projeto piloto – cena “Festa de Formatura” ............................................... 147
Figura 40 – Gravação do projeto piloto – cena “Loja de Roupas” ..................................................... 148
Figura 41 – Gravação do projeto piloto – cena “Na Parada de Ônibus” ............................................ 148
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
EPISÓDIO I ........................................................................................................................... 27
1.1 Plano Geral: A Televisão ............................................................................................... 27
1.1.1 O Caso da TV Pública ............................................................................................ 36
1.2 Panorâmica: Ator/atriz e Câmera ................................................................................... 40
1.3 Over Shoulder: O preparador de Atores e Atrizes........................................................... 64
1.4 Zoom InProcessos de Criação ........................................................................................ 73
EPISÓDIO II .......................................................................................................................... 85
2.1 Flash Back: O Programa Ciência Aberta ....................................................................... 85
2.1.1 Pré-Produção .......................................................................................................... 86
2.1.2 Produção ................................................................................................................ 88
2.1.3 Avaliação ............................................................................................................... 97
2.2 Plano Detalhe: Oficina de Atuação para o Audiovisual ................................................ 101
2.3 Projeto Piloto: Uma Experiência Prática ...................................................................... 138
CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO... (Considerações Finais) ............................................. 153
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 158
APÊNDICES ........................................................................................................................ 165
ANEXOS................................................................................................................................... 222
11
INTRODUÇÃO
Objetivando uma maior qualidade artística e estética das obras, os elementos que
fazem parte das produções para a televisão vêm se desenvolvendo de maneira refinada, seja
tecnologicamente, seja artisticamente. O/a ator/atriz, que no teatro é considerado o vórtice, o
dínamo dessa expressão artística, vem ganhando cada vez mais espaço no meio audiovisual,
no qual fora considerado por muito tempo apenas mais um dos elementos estéticos da obra,
adquirindo, mais recentemente, um papel mais ativo, de sujeito e autor dela, e, por isso,
também precisa se adaptar ao rápido desenvolvimento desta linguagem e às novas exigências
que ela apresenta.
A televisão compreende um espaço de múltiplas expressões, com uma imensa e
diversa gama de programas, muitos dos quais tem em sua construção as Artes Cênicas, seja
como ferramenta, seja como fim. Os principais produtos televisuais onde esta presença é mais
marcante é, claro, na teledramaturgia, como telenovelas, minisséries, telefilmes, programas
educativos, etc.. Mas não apenas nestes se faz uso das técnicas de atuação, mesmo em
programas jornalísticos, que se utilizam de cenas ilustrativas, ou ainda na própria “atuação”
de repórteres e apresentadores, que muitas vezes se utilizam de ferramentas do teatro para
utilizar o corpo ou a voz, veem-se elementos das artes cênicas, de maneira isolada ou
combinada, a fim de compor estética e narrativamente esses produtos.
Por sua especificidade, a linguagem audiovisual possui características muito
particulares que traz para o ator e a atriz, principalmente para aqueles que tem formação
teatral, – realidade da maioria dos atores e atrizes brasileiros – novos desafios à construção da
cena, seja nas questões da semântica desta nova linguagem, seja com relação às técnicas de
atuação para a câmera.
Este trabalho partiu de uma análise de uma experiência vivida por atrizes, atores e
estudantes do curso de Teatro da Universidade Federal da Paraíba, dirigidos pela autora desta
dissertação, no programa educativo Ciência Aberta, produzido pela TV UFPB. O programa
televisivo foi realizado através do projeto de extensão de mesmo nome, coordenado pela Prof.
Dra. Joana Belarmino, financiado pelo Proext 2014, e tinha como objetivo popularizar a
produção científica e tecnológica da UFPB utilizando, para isso, ferramentas do jornalismo e
da teledramaturgia.
A pesquisa analisou de que forma os processos colaborativos, amplamente difundidos
nas práticas teatrais contemporâneas, podem ser aplicados à produção televisiva considerando
a tríade produção / direção / atuação, lançando um olhar sobre o processo de preparação dos
12
atores e atrizes nesta produção e sua reverberação enquanto potência formativa de estudantes
de teatro.
É importante ressaltar que, embora os meios audiovisuais apresentem-se como espaço
de atuação profissional para atores e atrizes há mais de um século – inicialmente com o
cinema, posteriormente com a televisão e o vídeo e, mais recentemente, com a internet – a
formação dos atores e atrizes brasileiros nas universidades ainda é voltada para atuação no
teatro, com pouquíssimas disciplinas voltadas especificamente para o audiovisual. Quando se
miram os estudos sobre o ator e a atriz, estes se dão quase que em sua totalidade na área do
teatro e do cinema, sendo nesta última encontrados predominantemente em língua estrangeira.
Algumas questões geradas pelo contato com este universo de pesquisa são norteadoras
desta investigação: Quais as características particulares da linguagem audiovisual que
interferem no trabalho do ator e da atriz? De que maneira se podem combinar técnicas
teatrais, do cinema e a linguagem da televisão em um processo de criação autoral? Como é
possível contribuir para a formação de atores e atrizes estudantes no sentido de proporcionar
experiências de criação alternativas no contexto da televisão?
Mas, antes de responder a essas perguntas e aprofundar o objeto desta pesquisa, segue-
se, nesta introdução, uma breve descrição do percurso referente às experiências que levaram-
me, enquanto pesquisadora, ao encontro com o tema da dissertação e, consequentemente, à
necessidade de um maior aprofundamento.
Enquanto atriz profissional, participei de dezenas de produções na área de artes
cênicas: espetáculos teatrais para o público adulto e infantil, performances, poesias encenadas,
grandes espetáculos de rua, filmes de curta e longa metragem, programas de televisão e
vídeos publicitários. Nos últimos anos, porém, experimentei também a função de diretora:
primeiramente, com um grupo de alunos do ensino fundamental da rede municipal de ensino
de João Pessoa-PB, onde exercia a função de professora de Artes Cênicas e, posteriormente,
com os atores e atrizes do Grupo Graxa de Teatro, do qual faço parte desde sua fundação, em
2005. Neste, além de codiretora do espetáculo A Paixão da Sagrada Família1, dirigi
encenações de poesias de autores locais e, mais recentemente, o espetáculo voltado para
crianças A Princesa Luzia e o Urso de um Olho Só2.
1 Montagem do Grupo Graxa, do ano de 2010, do espetáculo de rua promovido anualmente pela Prefeitura
Municipal de João Pessoa, voltado para a narrativa da Paixão de Cristo, cujo elenco é normalmente formado por
cerca de 60 atores e bailarinos. 2 Espetáculo do Grupo Graxa de Teatro, estreado no ano de 2011, com texto de Joht Cavalcanti e elenco inicial
formado por Ana Carolina Guedes e Antonio Deol, posteriormente, substituídos por Cely Farias e Joevan
Oliveira.
13
No ano de 2009 prestei concurso para o cargo de Diretor de Artes Cênicas, na
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e após aprovação fui lotada na TV UFPB, com a
função de criar e dirigir produções de teledramaturgia, inserindo-as na programação daquela
televisão. Foi lá onde ocorreram minhas primeiras experiências como diretora3 na área
audiovisual. Anteriormente a este período, minhas experiências em televisão4 e cinema
5
haviam acontecido sempre na função de atriz, sendo que, enquanto diretora, somente havia
atuado no âmbito teatral.
Embora já me interessasse por desvendar um pouco mais sobre o “por trás das
câmeras”, foi somente diante do desafio de dirigir um programa televisivo que me vi impelida
a pesquisar e estudar o assunto. E foi então no meu primeiro trabalho, o programa De Portas
Abertas6, que comecei a conhecer os problemas que enfrentaria para me tornar, de fato, uma
diretora de teledramaturgia.
Para um melhor desenvolvimento do trabalho na TV UFPB, busquei um
aprofundamento no tocante à direção de ator/atriz. Minhas investigações neste campo se
deram basicamente por quatro meios: a leitura específica sobre o tema; a experimentação de
processos de criação variados com atores e atrizes no desenvolvimento dos trabalhos; a
observação dos trabalhos de direção e atuação em produções de outros diretores na televisão e
no cinema; e a experimentação de técnicas com os alunos das oficinas que ministrava.
Como minha experiência e formação fora quase que completamente voltada para o
teatro, foi a partir dele que busquei as bases para meu trabalho na televisão, principalmente no
tocante à direção de atores e atrizes. Exercícios de consciência corporal, aquecimentos, jogos
dramáticos e de improvisação, entre outros, foram aplicados nesse processo. Contudo, existem
especificidades inerentes a cada uma das linguagens, do teatro e do audiovisual, embora
ambas tratem com a mesma “matéria prima” – o ator e a atriz.
3 Produções em televisão como diretora na TV UFPB: Ciência Aberta, 2014; TeleTeatro, 2014; De Portas
Abertas, 2011. 4 Produções em televisão como atriz: A Menina de Cabelos Dourados, TV UFPB, 2014; Quem Souber que Conte
Outra, TV UFPB, 2014; Especial Aniversário da Cidade de João Pessoa, TV Cabo Branco, 2013; Especial
Aquele Beijo Tuti-Fruti, TV Cabo Branco, 2013; Especial Amor de Carnaval, TV Cabo Branco, 2011;
Minissérie Geração Saúde 2, TV UFPB, MEC, Ministério da Saúde e Ministério da Ciência e Tecnologia, 2010.
Além destas, algumas participações em peças publicitárias diversas. 5 Produções em cinema, como atriz: Jamais Vou Esquecer Quem Era Mesmo, 2004, J. Audaci Junior; O Gosto
de Ferrugem, 2005, J. Audaci Júnior; A Língua Lavra, 2008, Mônica Fidélis; A Princesa de Elymia (longa-
metragem), 2017, Silvio Toledo; Videoclipe Hair Cream, de Anibal, 2013; Vídeo Síndrome de Asperger, 2014,
Raquel Ferreira; Macumbá, 2014, Tony Rodrigues; Aqueles que Ficam, 2015, Arthur Lins; Moído, 2014,
Torquato Joel; O Resgate do Pavão Misterioso (longa-metragem), 2014, Sílvio Toledo. 6 Programa de televisão produzido pela TV UFPB no ano de 2011, dentro do projeto de extensão De Portas
Abertas – PROEXT 2011, coordenado pela Prof. Dra. Sandra Moura. Composto de duas partes, sendo uma de
teledramaturgia e outra de jornalismo, tinha o intuito de mostrar para a sociedade os projetos de extensão
desenvolvidos na UFPB cujos serviços eram oferecidos à comunidade em geral.
14
Luciana Lyra (2012, p. 1), ao tratar sobre o encontro das linguagens da literatura, do
cinema e do teatro, afirma que:
É pelo viés dramatúrgico que é possível aproximar essas linguagens, considerando a
forma como os personagens são trabalhados, a relevância dos diálogos, a construção
de cenas, a realização conjunta necessária para que uma peça, um filme, um livro
estreiem.
São muitos elementos em comum entre as linguagens, nas quais incluo a televisão, no
que diz respeito a seus produtos ficcionais. Destaco neste universo audiovisual o aspecto da
coletividade citado por Lyra, uma vez que é necessário um grande número de profissionais
para que seja construída uma obra televisiva. Com relação às especificidades da linguagem do
cinema (e aqui incluo também a televisão) e do teatro, ela destaca a efemeridade do segundo
versus a perenidade da imagem gravada. Enquanto o teatro acontece em forma de fenômeno,
ou seja, como um evento único em uma combinação singular de tempo e espaço, no cinema o
evento é registrado de maneira permanente, sendo reproduzido exatamente da mesma maneira
por inúmeras vezes, não havendo variações de nenhum tipo.
Ao fazer uma abordagem sobre os territórios e fronteiras entre as áreas do teatro e do
cinema, a pesquisadora Maria Heloísa Machado (2010, p. 1) afirma que “[...] o que une as
novas linguagens ficcionais é a presença cênica, no palco ou no set, do ator”. Mas é na
identificação das particularidades de cada uma delas que começam a se delinearem e se
exigirem procedimentos adequados para se estabelecer uma plena integração com a
linguagem abordada.
Já Walmeri Ribeiro (2005, p. 11) pontua:
Se por um lado no teatro a construção visual da cena se dá no todo criado sobre o
palco, por outro no cinema, o olhar fragmentado da câmera e a justaposição das
imagens é que constroem a narrativa do filme. A partir então, dessa construção,
podemos pontuar como o grande fator de ruptura entra a concepção de cena para o teatro e para o cinema, o olhar aproximado e fragmentado da câmera
cinematográfica, pois, no cinema a “cena” é composta através da justaposição de
planos.
Considerando, então, a necessidade de me aprofundar nas particularidades da
linguagem televisiva, iniciei minha busca efetiva por técnicas de condução adequadas aos
trabalhos de teledramaturgia. Afinal, os pontos de encontro e interseção, as ferramentas do
teatro que atendiam igualmente à preparação de atores e atrizes para o audiovisual, essas eu já
tinha em meu alcance, mas as específicas desta nova linguagem eu ainda não conhecia.
15
É importante salientar o fato de, numa pesquisa inicial, ter me deparado com a
escassez de bibliografia em língua portuguesa no que diz respeito aos estudos sobre a atuação
no cinema ou sobre o trabalho dos preparadores de atores e atrizes, ou mesmo sobre os
métodos de direção de ator/atriz.
Na busca por conhecimentos práticos, participei de cursos e oficinas na área de
televisão e de cinema e passei a observar mais atentamente os processos de produção
audiovisual dos quais participava como atriz, me aproximando dos bastidores das realizações.
Nesse processo de observação ficou ainda mais clara a ausência de uma atenção dos
realizadores voltada especificamente para a preparação dos atores e atrizes, pois o modus
operandi das atuações é basicamente intuitivo, sendo rara a presença de um preparador ou
diretor de atores não só nas produções das quais participei, mas no cinema praticado na
Paraíba em geral.
No sentido de buscar um alinhamento entre estudos e práticas, com respaldo científico
e acadêmico, senti a necessidade de buscar um programa de pós-graduação que abarcasse tal
pesquisa, e que me ajudasse a compreender e a sistematizar tais estudos, de forma a contribuir
para a reflexão do tema e o desenvolvimento desta área específica dentro das Artes Cênicas.
Também me motivou a possibilidade de poder contribuir para a produção de material
bibliográfico, uma vez detectada a escassa bibliografia referente à prática de ator/atriz no
audiovisual, principalmente no contexto regional e no universo da TV pública.
Sendo assim, esta pesquisa surgiu como uma oportunidade de me aprofundar nesta
área com a possibilidade não apenas de aplicar estes estudos de forma prática através do meu
trabalho na TV UFPB, mas também compartilhá-los com outros pesquisadores da área.
É importante enfatizar a liberdade proporcionada no ambiente da TV pública, a qual é
livre de vínculos comerciais, havendo compromisso principalmente com objetivos
educacionais, a arte, priorizando características como originalidade e qualidade intelectual dos
produtos.
Este trabalho concentrou-se nos estudos sobre técnicas de preparação de atores e
atrizes para a ficção televisiva, e para tanto abordou também estudos desenvolvidos no campo
do Cinema e do Teatro, uma vez que são áreas afins, com estudos já bastante aprofundados e
difundidos. Objetivou-se, desta forma, desenvolver uma sistemática pessoal aplicável aos
processos de criação em ficção televisiva. Considerou-se ainda a possibilidade de
contaminação pela via inversa, ou seja, a aplicação dessa sistemática reverberar na formação
dos atores e atrizes de tal maneira que tenham efeito também sobre sua atuação no teatro, uma
16
vez que se trata de processo de formação constante, onde há um caminho de retroalimentação
cujos efeitos se dão em todas as áreas de atuação do ator e da atriz.
O contexto deste estudo priorizou processos e produções desenvolvidos em TVs
públicas, preferencialmente universitárias, porém não prescindiu de outras experiências em
contextos mais amplos, utilizando-os também como referenciais de formatos de produção.
Esta pesquisa lançou um olhar direcionado à algumas práticas correntes entre atores e
diretores de programas ficcionais televisivos, numa tentativa de compreender as técnicas
aplicadas, bem como de que maneira a formação do ator e da atriz em teatro contribui para
este tipo de atuação, e de que forma é possível concatenar os conhecimentos acumulados nas
três áreas: teatro, cinema e televisão, para a criação de uma obra ficcional televisiva.
Desta forma, esse estudo pretende contribuir para o desenvolvimento do ator e da atriz
frente às câmeras, bem como delinear caminhos que possam servir de referência para
diretores de programas ficcionais televisivos, com possibilidades de aprofundar o diálogo com
as outras áreas estudadas. Neste sentido, as perguntas acumularam-se em um volume bem
maior que as respostas, o que tornou necessário o compartilhamento das dúvidas, dos
questionamentos que permanecem em aberto, que surgiram no meio do caminho e, que,
provavelmente, suscitarão novas discussões.
Procurei aqui analisar de que forma o teatro e o cinema influenciam as técnicas de
preparação de atores e atrizes para a televisão, refletindo sobre os procedimentos de criação
ligados à atuação na televisão brasileira, a partir de depoimentos de atores, atrizes e diretoras.
Como experimento prático, realizei a condução de um processo de criação para a televisão
combinado à uma sistematização dos procedimentos técnicos e metodológicos estudados.
No mundo onde as redes são a principal forma de comunicação não se pode prescindir
de estabelecer esses pontos de contato entre áreas que, embora distintas, possuem elementos
em comum. Assim, a interdisciplinaridade permeia este trabalho, indo das artes teatrais à
comunicação, passando pelo cinema, pela performance, entre outras áreas que
necessariamente nos servem de base para as discussões suscitadas. Sobre essas intersecções,
Boaventura S. Santos (2010, p. 73) afirma que “Os objetos tem fronteira cada vez menos
definidas; são constituídos por anéis que se entrecruzam em teias complexas com os dos
restantes objetos, a tal ponto que os objetos em si são menos reais que as relações entre eles”.
Diante da já mencionada carência de material bibliográfico sobre atuação para
televisão, recorri aos parcos estudos sobre o trabalho do ator e da atriz no cinema brasileiro,
sua preparação, construção de personagens, criação colaborativa, etc. Já em língua estrangeira
foi possível ter acesso a um número bem maior de escritos, porém, estes, em sua maioria, se
17
apresentaram em formato de manual ou relato de trabalho e foram encontrados
predominantemente no mercado editorial estadunidense, seguindo os princípios difundidos
pelo Actors Studio, cuja base norteadora é o sistema proposto por Constantin Stanislavski.
Sendo assim, para dar início a essa pesquisa, fez-se necessário um mapeamento
detalhado de áreas de estudos cruciais que norteiam esta investigação, quais sejam:
preparação de atores e atrizes, atuação para a televisão, atuação cinematográfica, direção de
atores e atrizes. Para este levantamento foi realizada uma revisão teórica e bibliográfica nos
acervos virtuais das bibliotecas de diversas universidades brasileiras sobre os objetos tratados
nesta pesquisa, bem como os pesquisadores e teóricos que abordaram esses assuntos. Foi
encontrado um número razoável de trabalhos que tem como foco o ator e atriz no audiovisual.
Porém, ao recortar o tema à área restrita de atuação para a televisão, raríssimas pesquisas
contemplaram a temática.
Uma vez que o objeto de estudo aqui apresentado dispõe de raras publicações a
respeito, fez-se necessário um amplo levantamento de estudos tangenciais, para assim
constituir uma estrutura basilar para as reflexões propostas. Somada a isto, uma das
características dessa pesquisa é justamente a tentativa de promover a interdisciplinaridade
entre as áreas de teatro, cinema e televisão, o que acentuou a necessidade de abarcar
diferentes enfoques sobre o tema nas diversas áreas, a fim de promover uma compreensão
globalizada e, a partir daí, se seguir com as reflexões necessárias.
Com relação aos caminhos metodológicos escolhidos para se chegar ao fim proposto
por esta pesquisa acadêmica teórico-prática, uma vez que aqui não me interessam números,
mas, sim, o aprofundamento na compreensão do trabalho do ator e da atriz para a televisão,
numa tentativa de entender os processos estudados e explorando novas formas de fazer,
identifico esta pesquisa como qualitativa.
De acordo com Denzin,
A pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no mundo.
Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade
ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em uma série de representações,
incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as
gravações e os lembretes (DENZIN, 2006, p. 17).
Utilizou-se, para esta pesquisa, uma ampla variedade de práticas interpretativas
interligadas, no intuito de conseguir compreender melhor o objeto de estudo. Cada prática
garante uma visibilidade diferente e o arranjo entre elas possibilita um entendimento mais
global, sob diversos prismas, sobre o aspecto estudado.
18
Identifico-me como o bricoleur, descrito por Denzin (2006, p. 18) como um indivíduo
que confecciona colchas, ou, como na produção de filmes, uma pessoa que reúne imagens
transformando-as em montagens. Ao que complementa afirmando que o pesquisador
qualitativo deste tipo é “um confeccionador que costura, edita e reúne pedaços da realidade,
um processo que gera e traz uma unidade psicológica e emocional para uma experiência
interpretativa”.
Sendo assim, esta pesquisa caracterizou-se enquanto pesquisa qualitativa que se
propôs a uma análise reflexiva sobre os processos de criação de atores, atrizes e diretores de
cinema, teatro e televisão, a partir de levantamentos bibliográficos e entrevistas, para
identificar possíveis procedimentos de criação na atuação na televisão e aplicá-los em uma
experiência prática de produção de um programa televisivo.
Enquanto pesquisa na área de artes, destaca-se a explanação realizada por Sampaio:
A pesquisa em artes é constituída de diferentes passos em diversos níveis. O
desenvolvimento de uma técnica e de uma linguagem para o ator, por exemplo, é
feita de muitas descobertas particulares, entrelaçadas por uma reflexão sistêmica que
permita integrar os vários elementos da atuação em uma prática geral. Depois, esta
prática encontrará o teste das situações particulares nas quais irá sendo utilizada.
Cada uma dessas aplicações se tornará mais um experimento de pesquisa
(SAMPAIO, 2011, p. 55).
Esses diferentes passos nesses diversos níveis, faz com que se transite entre a pesquisa
bibliográfica, a de campo e a experimental, em combinações que se revelam necessárias para
que seja possível o cumprimento dos objetivos apresentados.
Tal escolha permitiu abordar três planos de investigação citados por Sampaio (2011):
o plano individual de reflexão sobre formas e soluções nos âmbitos concreto e simbólico, o
plano dos conceitos e suas relações com a cultura simbólica e o plano técnico, os quais se
inter-relacionam e estão presentes no processo de criação.
Num primeiro momento, foi realizado um levantamento bibliográfico da literatura
especializada referente aos temas abordados nesta proposta de pesquisa: atuação para
televisão, atuação para cinema, a preparação do ator e da atriz, construção de personagens, o
treinamento, processos de criação em artes cênicas, etc., tanto na literatura em língua
portuguesa como também em outras línguas, onde a tradição dos atores e atrizes em meios
audiovisuais é mais sistematizada e demonstra o espaço que ocupa por meio do significativo
volume de publicações que dispõe ao público e aficionados pelo tema. Essa etapa iniciou-se
no primeiro semestre e se estendeu durante toda a pesquisa.
19
Esta fase da pesquisa foi desenvolvida a partir de materiais publicadas em livros,
artigos, dissertações e teses, primeiramente numa busca de domínio do estado da arte do
objeto pesquisado. A partir desta pesquisa bibliográfica, também foi constituída parte da
pesquisa experimental, a qual foi realizada na terceira etapa, cuja descrição encontra-se mais
adiante. Detive maior atenção sobre os métodos já desenvolvidos e aplicados na preparação
do ator e da atriz, tanto no teatro quanto no cinema, os quais posteriormente foram
experienciados durante a oficina de atuação para o audiovisual e a criação do programa
televisivo.
Corroborando inteiramente com o pensamento de Sampaio que afirma:
Os referenciais teóricos utilizados vão oferecendo hipóteses para a ação prática. Os
resultados vão indicando o percurso a ser seguido. A reflexão crítica permite a
construção de modelos de conduta e procedimentos. O méthodos, enquanto caminho
para se chegar ao fim, ou o modus operandi para a abordagem adotada ao enfrentar
os problemas levantados vai sendo construído passo-a-passo na sala de ensaios
(SAMPAIO, 2011, p. 55).
Para esta fase, a pesquisa apoiou-se em bases teóricas no sentido de refinar o
pensamento crítico sobre cada uma das áreas abordadas no trabalho. Dividi em três grandes
grupos bibliográficos: no primeiro estavam os autores que abordam a questão do ator e da
atriz, predominantemente no universo teatral, dentre os quais destacou-se Constantin
Stanislavski, principal responsável pela introdução dos estudos específicos sobre o ator e da
atriz, ao qual seguiram-se outros pensadores do teatro, como Grotowski e Eugenio Barba,
entre outros, que foram tratados aqui enquanto complementares, de maneira menos
aprofundada. O segundo grupo foi composto por estudiosos da área do audiovisual: destacou-
se o pensamento Arlindo Machado, na contextualização desse universo, complementado por
Michael Rabbiger, com abordagem específica sobre direção cinematográfica. Já o terceiro
grupo foi formado por autores que enfocam especificamente o trabalho do ator e da atriz no
contexto audiovisual e, como se trata do objeto principal desta pesquisa, contou-se com um
maior número de interlocutores, entre brasileiros e estrangeiros, a fim de tornar a discussão
mais ampla e diversificada: Carlos Gerbase, Nikitta Paula, Stella Adler, Vsevolod Pudovkin,
Jacqueline Nacache e Walmeri Ribeiro.
A segunda etapa da pesquisa, referente à pesquisa exploratória, compreendeu
entrevistas semiestruturadas, que foram realizadas com atores, atrizes e diretoras que tem
experiência na televisão brasileira, com o objetivo de conhecer e analisar como eles abordam
os procedimentos de criação ligados à atuação na televisão, bem como as necessidades e
dificuldades de se trabalhar a partir dos métodos utilizados.
20
O registro das entrevistas realizadas foi documentado em forma de vídeo, passando a
ser parte da composição do produto audiovisual final, também resultante desta pesquisa. A
partir de sua análise foi possível refletir sobre as recorrências nos discursos dos entrevistados,
correlacionando-os. O objetivo desta etapa foi também a observação das características da
produção televisiva brasileira, a partir de diferentes visões e das várias realidades existentes,
além, é claro, das experiências pessoais de cada um, a partir do testemunho e da reflexão
desses atores e atrizes numa abordagem aberta sobre o assunto.
As entrevistas foram realizadas de forma individual com atrizes, atores, diretoras e
preparadora da televisão brasileira, a exemplo de: Luiz Carlos Vasconcelos7, Titina
Medeiros8, Lúcia Serpa
9, David Muniz
10, Valeska Picado
11 e Tiche Vianna
12.
Como critério para o convite à participação nas entrevistas, considerei a experiência
dos entrevistados em programas ficcionais televisivos seriados e também seu histórico
consistente na área teatral e/ou cinematográfica, uma vez que o estudo buscou estabelecer
paralelos entre as áreas. Outro fator preponderante na escolha foi o fato de serem, em sua
maioria, nordestinos, uma vez que é no contexto regional que me situo, e para o qual pretendo
contribuir com este trabalho. Esse fato me aproxima dos entrevistados e facilita não apenas a
7 Luiz Carlos Vasconcelos é ator, diretor de teatro, integrante do Piollim Grupo de Teatro, da Paraíba, no qual
dirigiu espetáculos como o premiado Vau da Sarapalha e Retábulo. No cinema, participou dos filmes: Baile
Perfumado (1997), O Primeiro Dia (1999), Eu Tu Eles (2000), Abril Despedaçado (2001), Carandiru (2003), O
Tempo e o Vento (2013), entre outros. Na televisão, integrou o elenco de diversas produções, entre telenovelas,
minisséries e outros programas, dos quais destacam-se: Você Decide (2000), Pastores da Noite (2002), Senhora
do Destino (2004), Carandiru, Outras Histórias (2005), A Pedra do Reino (2007), O Natal do Menino
Imperador (2008), Queridos Amigos (2008), Araguaia (2011), A Vida da Gente (2011), Além do Tempo (2015). 8 Titina Medeiros é atriz, potiguar, integrante do grupo de teatro natalense Clowns de Shakespeare, no qual
integra o elenco de peças como Dois Amores y um Bicho, Hamlet, Sua Incelência, Ricardo III, Muito Barulho
Por Quase Nada, entre outras. Na televisão, participou das telenovelas da Rede Globo: Cheias de Charme (2012), Geração Brasil (2014) e, atualmente, está no ar a telenovela A Lei do Amor. 9 Lúcia Serpa é atriz e professora da Universidade Federal da Paraíba. Integrou o elenco do programa Telecurso
2000, produzido pela Fundação Roberto Marinho. No cinema participou dos filmes O Amor nos Anos 90 (1989)
Verdes Anos (1984). 10 David Muniz é ator, integrante do grupo de teatro Engenho Imaginário, de João Pessoa-PB, no qual integra o
elenco dos espetáculos Zé Lins – o pássaro poeta, Estórias e João e o Pé de Feijão. Na televisão, participou do
programa Geração Saúde 2 (2007), da TV Escola, e, na TV UFPB, participou dos programas: Ciência Aberta
(2014) e Quem Souber que Conte Outra (2015). No cinema, participou do filme Três (2010). 11 Valeska Picado atua no teatro como atriz, dramaturga e diretora, cujos trabalhos mais marcantes foram: A
Mais Forte, Zé Lins o Pássaro Poeta e Romina e Julião. Faz parte do grupo teatral Engenho Imaginário. É
também diretora de artes cênicas da TV UFPB, onde coordena produções voltadas para a infância, como o programa Canal de Histórias (2016), em parceria com o grupo Contação da Rua, e o programa de variedades
para crianças intitulado Alecrim. Atuou como roteirista e diretora de teledramaturgia no programa de extensão
De Portas Abertas (2011) e Quem Souber que Conte Outra (2014). Produziu e dirigiu o programa de narrativas
populares para crianças surdas, com acessibilidade para ouvintes, intitulado Quem Souber que Conte Outra –
Libras (2015). 12
Tiche Vianna é atriz e diretora de teatro, uma das fundadoras do Grupo Barracão Teatro, de Campinas – SP, e
também preparadora de atores na televisão, cujos trabalhos foram: Hoje é Dia de Maria (2005) e Hoje é Dia de
Maria – 2ª Jornada (2005), A Pedra do Reino (2007), Afinal, o que Querem as Mulheres (2010), Capitu (2008),
Alexandre e outros heróis (2013), Meu Pedacinho de Chão (2014), Velho Chico (2016) e Dois Irmãos (2017).
21
assimilação das experiências por eles narradas, mas também a transposição para o universo
em que atuo.
O estudo deteve o seu olhar sobre as experiências ocorridas no Nordeste, ou com
atores e atrizes nordestinos, âmbito do qual faço parte e no qual me identifico, além de ser um
recorte que, por estar geograficamente próximo, proporciona melhores condições de
investigação para este estudo. Considerei importante, ainda, evidenciar e dar visibilidade à
nossa região que tradicionalmente “exporta” grandes nomes em todas as áreas artísticas para
as produções das regiões sul e sudeste do país e que, atualmente, realiza produções locais cada
vez mais volumosas e destacáveis mundialmente onde estes mesmos artistas atuam de
maneira igualmente brilhante.
As questões formuladas para tais entrevistas encontram-se no Apêndice A dessa
dissertação. Elas serviram de ponto de partida para um diálogo livre e fluido, de maneira que
o surgimento de novas questões ou derivações a partir destas, foram plenamente incorporadas
no sentido de enriquecer ainda mais o diálogo e as reflexões a respeito do trabalho dos atores,
atrizes, diretores e diretoras de televisão.
Se de um lado procurei o fundamental aporte teórico, a fim de dar suporte ao trabalho,
dando-lhe consistência, e, de outro, o encontro com o campo, com a realidade prática, através
das entrevistas, é na terceira e última etapa da pesquisa que as duas primeiras se fizeram
experiência, reflexões materializadas.
Após a conclusão destas duas primeiras fases, já com um delineamento básico do
plano conceitual, parti para o laboratório experimental, terceira e última fase da pesquisa.
Nesta fase, foi feita a aplicação prática de uma proposta metodológica surgida a partir da
pesquisa bibliográfica e das entrevistas com os profissionais da área, onde foi experimentada
uma série de procedimentos de criação colaborativa para televisão.
Compuseram esta fase dois momentos: o primeiro contemplou uma oficina de atuação
para o audiovisual, destinada a atrizes, atores e estudantes do curso de Teatro, Cinema, Rádio
e Tv e Mídias Digitais, da Universidade Federal da Paraíba, onde foram abordadas diversas
técnicas de atuação para a câmera, a linguagem da televisão e procedimentos de criação. No
segundo momento, foi realizada a produção de uma obra ficcional para televisão, com os
alunos remanescentes da oficina. Em ambas as etapas participaram ainda uma equipe de
profissionais da TV UFPB, além de estudantes de Rádio e TV, Mídias Digitais e Cinema, que
realizaram o registro audiovisual de todo o processo, bem como sua montagem final.
Esta última fase compreendeu a experimentação e adaptação para a linguagem
audiovisual de processos de criação oriundos do teatro. Tal tarefa exigiu um conhecimento
22
pormenorizado dos dois campos: o da linguagem da câmera e também de técnicas de atuação,
para que a transposição da mídia do teatro para a televisão pudesse acontecer de maneira
fluida, orgânica.
O foco desta etapa esteve muito mais na experiência criadora do que no produto final
em si. E embora este processo tenha gerado um produto audiovisual, foi no processo de
construção deste produto que esteve o meu interesse maior, por saber que é nele o espaço de
experimentar e promover experiências colaborativas e, sem dúvida, modificadoras tanto para
mim quanto para os que participaram deste experimento, encarando a experiência vivida do
corpo como fonte primordial de conhecimento.
A análise do processo criativo foi realizada ao final desta terceira etapa e teve como
base os registros realizados em diário de bordo pela direção. Os participantes da oficina e da
produção audiovisual também tiveram diários de bordo, mas estes serviram como ferramentas
pessoais de registro e sistematização individuais, não sendo exigidas para análise nesta
pesquisa. Sobre este método de registro, Mariana Machado (2012) explica que esta é uma das
etapas do trabalho do pesquisador acadêmico em Artes Cênicas que realiza sua pesquisa
processualmente (metodologia work in process).
Como a atitude fenomenológica, apontada por Merleau-Ponty, ela acrescenta:
O Diário de Bordo é a compilação de todas as anotações que um encenador-criador
faz durante a escritura, montagem e encenação do espetáculo sobre o qual,
futuramente, sua dissertação ou tese vai tematizar e discutir. Justamente porque o
Diário traduz a experiência pré-reflexiva da pesquisa, é que podemos chamá-lo de
“ferramenta fenomenológica” (MACHADO, 2012, p. 261).
O diário de bordo da direção foi utilizado como um repositório de impressões
primeiras, íntimo, com referências das mais diversas a partir do que foi experimentado
durante o processo e que, ao final dele, foi de grande importância para o resgate e
ressignificação da experiência. Mariana Machado (2012, p. 261) o compara a um pano de
fundo, “o subtexto do próprio encenador, a explicitação da sua poiésis – e esse pode ser seu
valor maior”.
Ela afirma que o trabalho em processo (work in process) demanda que o pesquisador
em Artes Cênicas crie metodologia no decorrer da pesquisa e aponta como grande desafio e
dificuldade da escolha do método fenomenológico para pesquisa a falta de noções teóricas
prévias.
Sobre a simultaneidade entre investigar e construir, Sampaio (2011, p. 47) afirma que
“De fato, a pesquisa em artes, no campo do processo criativo, se caracteriza pela inexistência
23
de um objeto pronto a ser examinado. A construção do objeto de investigação precisa ser,
portanto, elemento integrante da metodologia de pesquisa”.
É importante destacar que, normalmente, a televisão comercial tem como medida de
aprovação os índices de audiência, o que a faz pautar sua programação predominantemente
nas preferências de seu público, aferidas periodicamente através de mecanismos de pesquisa
de satisfação e interesses. O processo de construção desse objeto foi na contramão desta
prática, trazendo como premissa o compromisso que tem uma TV pública em oferecer
conteúdo de qualidade, com responsabilidade social, ainda mais quando se trata de uma TV
universitária e educativa. Desta forma, tentamos durante a pesquisa permanecer isentos ao
máximo possível do que dita o gosto comum do público em geral, e nos deixar levar por um
caminho de fluidez e criatividade, onde prevaleceu a liberdade criativa dos envolvidos no
processo de criação, priorizando o trabalho colaborativo, à semelhança do que se pratica no
teatro.
Neste sentido, transpõem-se as palavras de Sampaio ao afirmar que:
A interpretação desenvolvida pelo artista enquanto pesquisador, que é a base
da sua metodologia de trabalho, é constituída pelas estruturas básicas e
relações que permitem passar do problema à obra. Em seu processo de
criação o artista utiliza uma combinação de técnicas e tecnologia, de uma estrutura conceitual que surge de um contexto cultural com o qual ela se
relaciona e de um esforço pessoal estruturador de formas, ideias e sentidos.
Na medida em que a obra vai sendo criada, também esses elementos metodológico-interpretativos vão sendo reformulados e transformados em
novas realidades (SAMPAIO, 2011, p. 48).
Este espaço criativo proporciona terrenos para conversas críticas em torno não
somente do ofício do ator e da atriz neste contexto tão específico, mas em reverberações de
maior alcance, nos níveis éticos, políticos e sociais deste profissional, para além do set de
gravação ou da sala de ensaio. Como afirma Denzin:
Assim como os textos de performance, os trabalhos que utilizam a montagem
conseguem ao mesmo tempo criar e representar o significado moral. Deslocam-se do
pessoal para o político, do local para o histórico e para o cultural. São textos
dialógicos. Presumem uma audiência ativa. Criam espaços para a troca de ideias
entre o leitor e o escritor. Fazem mais do que transformar o outro no objeto do olhar
das ciências sociais (DENZIN, 2006, p. 19).
Denzin (2006, p. 20) complementa este pensamento afirmando que, neste método de
trabalho, “os leitores e as audiências são então convidados a explorarem visões concorrentes
do contexto, a se imergirem e a se fundirem em novas realidades a serem compreendidas”.
24
Para Merleau-Ponty (1999), o saber vai se inscrevendo no corpo do indivíduo a partir
de sua experiência de vida, e também de suas relações com o outro, o que define sua posição
no mundo.
Ainda sobre a avaliação do experimento prático, ela foi realizada pelos participantes
em forma de depoimentos gravados em vídeo, os quais estão disponíveis no material final
produzido13
. Esse olhar sobre o objeto a partir de várias perspectivas permitiu a visualização
das diversas interações que a experiência gerou.
É importante enfatizar que o processo de pesquisa se deu de forma dinâmica e houve
flexibilidade e sensibilidade para perceber as mudanças de rumo que se apresentaram
necessárias no percurso da pesquisa, ainda mais numa área como as artes, intrinsecamente
fluida e maleável, tão viva e pulsante quanto os seus sujeitos.
Nenhum método é capaz de compreender todas as variações sutis na experiência
humana contínua. Consequentemente, os pesquisadores qualitativos empregam
efetivamente uma ampla variedade de métodos interpretativos interligados, sempre
em busca de melhores formas de tornar mais compreensíveis os mundos da
experiência que estudam. (DENZIN, 2006, p. 33)
A entrada na era da comunicação proporciona uma mudança de paradigma inclusive
com relação à produção artística. Falar do eu, para o outro, explorar a relação entre os
sujeitos, a verdade, as personas e não personagens, é uma tendência cada vez mais forte e
absorvida pelo teatro contemporâneo. Para a arte, tocar o outro ainda é um princípio, mas
hoje a afetação ocorre primeiramente no artista, para depois chegar ao espectador. Abriu-se
uma via de mão dupla, onde a busca pela postura ativa do espectador também é determinante
nos processos artísticos. A arte não acontece apenas no palco, ela está nos ensaios,
laboratórios, tudo é espaço de criação, de afetação.
Num momento em que a televisão se coloca de forma muito mais aberta, híbrida, em
contato com outras mídias, onde as ofertas de programas, bem como a sua qualidade, vem
crescendo, abarcando perfis cada vez mais diferenciados de telespectadores, é importante
estudar as formas de criação artística para esse veículo. O ator e a atriz, que no teatro são
profundamente estudados, e no cinema já contam com uma atenção prática e teórica
considerável, também tem em seu espaço profissional o das telas pequenas. Por que não
lançar um olhar mais diretivo e aprofundado sobre o papel desses profissionais e seus
processos de trabalho neste meio? Estudar o ator e a atriz de televisão é contribuir também
para a qualidade artística dos produtos criados para essa mídia, é pensar a televisão como um
13 Vídeo disponível através do link < https://youtu.be/pI97IxtPzJM>
25
ambiente não tão transitório, como se praticava até fins do século passado, mas como um
espaço de produção artística, de grande alcance de público, de fácil acesso e que gera
produtos que podem permanecer disponíveis em outras mídias, ou na própria televisão, na
medida em que a possibilidade digital e interativa avança e os produtos multiplataforma se
multiplicam.
Desta forma, buscou-se com esta pesquisa contribuir ainda para o debate mais amplo
sobre as pesquisas em artes cênicas, discutindo as questões sobre como a pesquisa acadêmica
pode trazer um novo olhar sobre os processos de criação em arte; e sobre como as
especificidades da criação artística podem interferir na produção científica, na sua linguagem
e processos metodológicos, paradigmas, etc.
Com relação à capitulação este trabalho se divide em dois capítulos que foram
nomeados como: Episódio I e Episódio II. O termo “episódio”, no audiovisual, se refere a
cada capítulo de um programa de dramaturgia, como, por exemplo, uma série de televisão. É
uma parte de uma sequência de um corpo de trabalho. Fez-se a escolha de nomear os capítulos
e seus tópicos com termos oriundos da linguagem audiovisual, conforme se pôde verificar já
na própria estrutura de apresentação. Desta maneira, buscou-se ressaltar o aspecto de que esta
área, ao produzir o seu modo de fazer, produz também suas terminologias, suas
especificidades. Evidenciar para o leitor as particularidades deste campo é importante, para
demarcar o lugar do qual foi lançado o olhar sobre o ator e a atriz: o da produção audiovisual,
com todos os seus desdobramentos.
O Episódio I foi dividido em quatro tópicos: 1.1 - Plano Geral14
: A Televisão, tópico
onde se traça um breve painel sobre a televisão brasileira, desde o seu surgimento até o
cenário mais recente, e, mais especificamente, da TV pública universitária; 1.2 -
Panorâmica15
: Ator/Atriz e Câmera, este tópico desenhou um panorama do ofício do ator e da
atriz no audiovisual, bem como os aspectos técnicos que compõem esse ofício, em um
constante diálogo com as bibliografias elegidas; 1.3 - Over Shoulder16
: O Preparador de
Atores, o tópico explicita o trabalho deste profissional e sua crescente presença no
audiovisual; 1.4 - Zoom In17
: Processos de Criação, tópico em que se enfocam diversificados
processos de criação do ator no audiovisual.
14 Termo do audiovisual que sugere um tipo de enquadramento onde a figura central se mostra integralmente,
normalmente situada em um contexto amplo da cena. 15 Movimento horizontal, de um ponto a outro, que a câmera faz a partir de um eixo fixo. 16
Tipo de enquadramento onde a câmera é colocada por trás do ombro do personagem, com o objetivo de
mostrar o que ele está vendo. 17 Movimento de câmera aparente de aproximação do objeto filmado, provocado por uma manipulação das lentes
da câmera, sem haver qualquer deslocamento desta.
26
Em todo esse primeiro episódio, recorreram-se às entrevistas com os atores e atrizes
elencados, trazendo à luz experiências presentes no audiovisual brasileiro contemporâneo, de
maneira a estabelecer um diálogo entre a bibliografia pesquisada e as práticas estudadas e
relatadas pelos entrevistados. A partir das entrevistas com os atores, atrizes e diretoras, pôde-
se compreender de que maneira estes se situam dentro da cadeia de produção televisiva, quais
as formas de trabalho das quais eles participam, de que maneira eles exercem sua capacidade
criativa ao atuar no audiovisual. Processos colaborativos das artes cênicas em geral também
são considerados no sentido de esboçar possibilidades a serem aplicadas na etapa seguinte da
pesquisa.
O Episódio II foi dividido em três tópicos: 2.1 - Flash Back18
: O Programa Ciência
Aberta, nesse tópico foi realizada uma breve descrição do processo de construção da primeira
temporada do Programa Ciência Aberta, ponto de partida desta pesquisa; 2.2 - Plano
Detalhe19
: Oficina de Atuação para o Audiovisual, neste tópico são descritos os caminhos
descobertos e experienciados durante a oficina de atuação para o audiovisual, onde foram
descritos todos os procedimentos aplicados, suas justificações, objetivos e reverberações; 2.3 -
Projeto Piloto20
: Uma Experiência Prática, neste tópico tratou-se da produção de um episódio
piloto para a segunda temporada do programa televisivo Ciência Aberta, com uma
pormenorização do processo de criação, apontando questões referentes aos diversos elementos
constituintes deste processo: formato, roteiro, arte, atuação e direção. A partir deste relato,
foram feitas as reflexões surgidas no decorrer deste processo, em diálogo com os estudos
apresentados nos capítulos anteriores, numa tentativa de sistematização de uma prática de
criação no audiovisual.
18 Termo utilizado no audiovisual para denotar a interrupção de uma sequência cronológica narrativa pela
interpolação de eventos ocorridos anteriormente. 19 Tipo de plano fotográfico que enquadra um detalhe como uma parte do corpo da personagem ou um objeto. 20 Programa experimental em que se analisam diversos aspectos para, posteriormente, produzir toda a temporada
ou não.
27
EPISÓDIO I
1.1 Plano Geral: da Televisão
A televisão surgiu na década de 1930. Inicialmente, com vocação educacional e rumou
rapidamente para a diversidade de programas e a administração comercial. No Brasil, ela
chegou em 1950 e hoje é um dos veículos de comunicação de maior alcance no país. Ao se
comparar a sua abrangência em relação a do cinema, pode-se ver uma distância gritante.
O Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros – Cultura 2014, produzido pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que neste ano apenas 10,4 %
dos municípios brasileiros possuíam cinema. Já a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios, também do IBGE, informou que, em 2013, 97,2% dos 65,1 milhões de domicílios
particulares permanentes possuíam televisão. A televisão por assinatura estava presente em
29,5% desses domicílios, o sinal digital de televisão aberta estava presente em 31,2% dos
domicílios e a recepção do sinal de televisão realizada por meio de antena parabólica
representava 38,4% dos casos.
E, embora as produções cinematográficas venham se multiplicando em todo o Brasil
nos últimos anos, é ainda verdade o que afirma Sadek (2006, p. 72): “se existe uma indústria
audiovisual no Brasil, ela não depende das ficções de cinema: ela vem das telenovelas, dos
trabalhos de publicidade, de vídeos institucionais, de programas de TV e de documentários
produzidos para as TVs a cabo internacionais”. É também verdade que existe um crescente
aumento das produções que hoje se multiplicam em todo o mundo e que são oferecidas em
grande quantidade por plataformas sob demanda, como é o caso da Netflix e do Youtube.
Porém, embora já exista um impacto direto dessas plataformas sobre a TV tradicional, essa
mudança está acontecendo de maneira gradual, e não se estabelece como o fim da televisão,
mas, sim, como a transformação dos modelos vigentes.
O início da televisão assemelha-se ao do cinema, com programas onde havia pessoas
falando em transmissões ao vivo em um cenário simples. Além disto, um pouco de esportes e
teatro filmado. Porém, em pouco tempo, a televisão foi se distanciando do cinema e
assumindo seus contornos mais específicos, com mais câmeras filmando e transmitindo ao
mesmo tempo, com o corte entre câmeras acontecendo em tempo real. Em um processo quase
instantâneo, na televisão, ao contrário do cinema, não havia muito tempo para planejamento,
decupagem das cenas e montagem, sendo a produção realizada quase que simultânea à
transmissão.
28
Segundo Daniel Filho (2001, p. 11), “a televisão começou, praticamente, como um
rádio com imagem”. E como o rádio era uma paixão nacional, a familiarização entre o público
e a televisão foi muito rápida. Ele afirma que a mistura que deu origem à televisão brasileira
era formada pelo rádio, o teatro de revista e o circo, manifestações que, segundo ele, viviam
em função do apelo popular. As primeiras equipes que vieram trabalhar na TV, inclusive
atores e atrizes, vieram do rádio, ou do teatro, os quais rapidamente se adaptaram a essa nova
linguagem criando programas seriados, teleteatros e telenovelas.
Alindo Machado (1988, p. 15) afirma que “toda a estrutura operacional da televisão –
e, por consequência, a sua programação e a sua economia particular – derivou da indústria do
rádio e encontrou no sistema de emissões radiofônicas o seu modelo”. O rádio e a televisão
são produtos típicos da conjuntura tecnológica do início do séc. XX, voltada particularmente
aos bens de consumo individual ou doméstico, e jogam com um conceito de cultura de massa
que pressupõe os indivíduos isolados em sua privacidade.
Neste mundo de indivíduos isolados e enclausurados, o sistema de transmissão
ondular torna-se um poderoso meio de integração, trazendo a cada um desses lares
as novidades do “mundo exterior”, sem que os indivíduos precisem se deslocar para
fora, e, ao mesmo tempo, mantendo todos esses lares periféricos ligados ao centro transmissor, ele próprio convertido em agente modelador de comportamentos e
expectativas (MACHADO, 1988, p. 16).
A dramaturgia televisiva é predominantemente oral, pois ela convoca a sensorialidade
auditiva e, em menor escala, visual de forma reiterativa. Valeska Picado (informação verbal)21
observou essa aproximação da linguagem da televisão com a do rádio ao realizar a pesquisa
para o desenvolvimento de um programa de contação de histórias para crianças surdas, o
Quem Souber que Conte Outra – Libras. Ao estudar o universo do surdo, ela destacou que:
[...] é interessante a gente perceber que por mais que a cultura do surdo seja uma
cultura visual, a gente descobriu que a televisão, pelo menos a televisão brasileira,
ela não é baseada numa cultura visual, ela é baseada na cultura do áudio. Ela é uma
versão do rádio visualizado, vamos dizer. Então a gente vai ver como, [...] por mais
que a gente fale “a imagem é tudo, a imagem é tudo”, mas o áudio é muito mais
importante na televisão do que a imagem. Por exemplo, uma novela, que é uma das obras primas da televisão brasileira, reconhecida em vários países, se você tirar o
áudio, você não acompanha. Não tem como visualmente você dizer assim “ela se
garante, porque ela é prioritariamente uma linguagem visual”. Não é. (PICADO,
2016).
21 Entrevista concedida por PICADO, Valeska. Entrevista III. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kátia Celyane Farias
Schmitt. João Pessoa, 2016. 7 arquivos. AVCHD (65 min.). A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice D
desta dissertação. Vídeo disponível através do link < https://youtu.be/2ZjR9nv4_M8>.
29
A partir dos anos 80 houve uma grande influência da videoarte na televisão brasileira,
com importantes mudanças na sua visualidade, tanto na publicidade como na formatação dos
programas. Numa busca por outras formas de se fazer televisão, criativamente e livre das
imposições comerciais, os artistas da videoarte “Procuravam explorar as possibilidades
expressivas do meio e „transformar a imagem eletrônica num fato da cultura de nosso tempo‟”
(MACHADO, 1997, p. 71).
Embora a arte do vídeo tenha nascido dentro de estúdios de grandes emissoras de TV
nos Estados Unidos, bem como em laboratórios experimentais de televisão em universidades
europeias e americanas, “muitas das possibilidades criativas da televisão só puderam,
portanto, ser exploradas fora da televisão, num terreno que, todavia, era ainda genuinamente
televisual e ao qual nós hoje chamamos de modo genérico de vídeo” (MACHADO, 1988, p.
9).
A televisão ignorou, na maior parte do tempo, essa produção que utilizava com
adequação o tempo televisual e usava em abundância os recursos eletrônicos de estúdio. Mas
os avanços na produção de vídeos produzidos e difundidos fora do circuito televisual, livres
das imposições do modelo broadcasting, com experimentações das possibilidades da
linguagem eletrônica na intenção de exprimir as inquietações mais profundas do homem
contemporâneo, com uma preocupação maior no sentido de atribuir valor artístico às
produções, acabaram reverberando no próprio meio televisivo, vindo a influenciar na prática
cotidiana da tevê comercial e pública.
À medida que vão caindo os tabus, começamos a perceber que, apesar de tudo,
existe vida inteligente na televisão e que, assim mesmo, o monólito tem brechas por
onde fazer penetrar a sensibilidade e a transgressão. Já é tempo, portanto, de virar o
disco dos discursos sociológicos sobre o poder da televisão e começar a encarar a
mídia eletrônica como fato da cultura, capaz de exprimir com eloquência a
complexidade e as contradições de nosso tempo (MACHADO, 1988, p. 11).
Machado (1988) afirma que a televisão enfrenta uma grande aversão das elites
intelectuais, que a acusa de promover a pasteurização cultural, a padronização dos gostos e
dos comportamentos, a regulagem de toda espécie de diversidade em torno da média comum.
Há muita verdade nestas acusações, mas não há nelas as possibilidades artísticas e educativas
que vem tomando parte da programação da televisão na contemporaneidade, principalmente
quando se lança o olhar para além das TVs abertas comerciais.
Quando Arlindo Machado afirma em 1988 que “existe vida inteligente na televisão”,
ele prenuncia uma nova era da mídia televisiva, que passa a incorporar muito mais
efetivamente aspectos do cinema e da videoarte, permitindo-se a produções de elevado valor
30
intelectual e artístico, que se multiplicarão à medida em que novas plataformas, como a
internet e o celular, surgem. Estas, além de impulsionar os produtos intermidiáticos,
expandem e diversificam o público, tornando as produções muito mais ecléticas, diversas e
volumosas.
À medida em que a arte migra do espaço privado e bem definido do museu, da sala
de concertos ou da galeria de arte para o espaço público e turbulento da televisão, da internet, do disco ou do ambiente urbano, onde passa a ser fruída por massas
imensas e difíceis de caracterizar, ela muda de estatuto e alcance, configurando
novas e estimulantes possibilidades de inserção social. [...] A arte, ao ser excluída
dos seus guetos tradicionais, que a legitimavam e a instituíam como tal, passa a
enfrentar agora o desafio da sua dissolução e da sua reinvenção como evento de
massa (MACHADO, 2008, p. 30).
Nos últimos anos, obras televisivas de ficção produzidas no Brasil, sejam telenovelas,
séries, programas educativos ou especiais, tem ganhado destaque internacional, não apenas
pela sua qualidade técnica, mas também, e, principalmente, pela sua qualidade artística,
destacável muitas vezes por dialogar com as linguagens do teatro e do cinema. Luiz Fernando
Carvalho22 e Guel Arraes23 são grandes expositores desse tipo produção, que caminham na
direção contrária do modelo vigente, nas quais aplicam eficazmente toda a sua experiência
nessas linguagens, de maneira combinada, obtendo resultados de qualidade, atingindo dessa
forma um grande sucesso de público e crítica, proporcionando obras de arte de maneira
acessível, característica própria da televisão devido a seu grande alcance.
Historicamente, a televisão priorizou a quantidade, em detrimento da qualidade de
seus programas. Por ter uma demanda muito grande de produções devido à necessidade de
cumprir uma grade de programação, além de, obviamente, serem os interesses financeiros dos
patrocinadores os fatores predominantes nas decisões, seus produtos geralmente atendem ao
gosto da maioria do público alvo, nem sempre tão exigente. As novelas, por exemplo, são
produtos audiovisuais considerados como obras abertas, uma vez que sua construção se dá
quase que simultaneamente à sua exibição, sendo diretamente afetada por estes fatores
externos.
22 Cineasta e diretor de televisão brasileiro, dentre cujas obras destacam-se o filme Lavoura Arcaica (2001), as
microsséries Hoje é Dia de Maria (2005), A Pedra do Reino (2007), Capitu (2008), Subúrbia (2012), Dois
Irmãos (2017), o especial Alexandre e Outros Heróis (2013) e as novelas Tieta (1989), Renascer (1993), Irmãos
Coragem (1995), O Rei do Gado (1996), Meu Pedacinho de Chão (2014), Velho Chico (2016), entre outras. 23
Cineasta e diretor de televisão brasileiro, dentre cujas obras destacam-se os filmes O Auto da Compadecida
(2000), Caramuru – A Invenção do Brasil (2001), Lisbela e o Prisioneiro (2003), Romance (2008) e O Bem
Amado (2010), os programas de televisão Armação Ilimitada (1986-1988), TV Pirata (1988) e A Comédia da
Vida Privada (1997).
31
Sobre essa submissão ao gosto do grande público, o ator Luiz Carlos Vasconcelos
(informação verbal)24 criticou:
Porque, ora, você tem uma população de milhões de pessoas que tem na telenovela
seu lazer, sua distração, não perdem, correm pra casa, é o jantar e a TV ligada, todo
mundo em função daqueles personagens ali dentro da casa deles. Na hora em que
um autor faz, escuta o povo, e vai dando o que o povo quer, eu não estou dando nada
concretamente a esse público, não é? Eu não estou formando nada. Eu estou rendido
ao que ele quer. [...] Me parece um desserviço, culturalmente falando
(VASCONCELOS, 2016).
Gilbert Durand (2004) fala sobre o poder da mídia sobre o público, através do que ele
chama de „manipulação icônica‟ (reativa à imagem):
A enorme produção obsessiva de imagens encontra-se delimitada ao campo do
„distrair‟. Todavia, as difusoras de imagens – digamos a „mídia‟ – encontram-se
onipresentes em todos os níveis de representação e da psique do homem ocidental
ou ocidentalizado. A imagem mediática está presente desde o berço até o túmulo,
ditando as intenções de produtores anônimos ou ocultos: no despertar pedagógico da
criança, nas escolhas econômicas e profissionais do adolescente, nas escolhas
tipológicas (a aparência) de cada pessoa, até nos usos e costumes públicos ou
privados, às vezes como „informação‟, às vezes velando a ideologia de uma
„propaganda‟, e noutras escondendo-se atrás de uma „publicidade‟ sedutora... A importância da „manipulação icônica‟ (relativa à imagem) todavia não inquieta. No
entanto é dela que dependem todas as outras valorizações – das „manipulações
genéticas‟, inclusive” (DURAND, p.33-34).
Na última década, porém, pode-se perceber um crescente aumento na qualidade dos
programas ficcionais, seja com o auxílio das tecnologias, seja com maior primor com que o
aspecto artístico passou a ser tratado, seja como resposta à crescente demanda de diversidade
da sociedade.
Numa sociedade abalada por conflitos da mais variada natureza, a televisão, como
fenômeno vivo da cultura, acaba por refletir, mesmo à custa de muita resistência, a
diversidade das forças políticas. Na mesma medida em que se expande e o seu público se universaliza, ela se vê forçada a encarar também as diferenças (culturais,
sociais) para poder atender a uma demanda diversificada de programas
(MACHADO, 1988, p. 19).
As convergências midiáticas também são fatores que interferem nestas produções,
uma vez que proporcionam canais de interatividade mais diretos com o público, bem como
permitem que as obras sejam não apenas visualizadas, mas pensadas para a diversidade de
24 Entrevista concedida por VASCONCELOS, Luiz Carlos. Entrevista II. [fev. 2016]. Entrevistadora: Kátia
Celyane Farias Schmitt. João Pessoa, 2016. 3 arquivos .mp4 (36 min.). A entrevista encontra-se transcrita no
Apêndice C desta dissertação. Vídeo disponível através do link < https://youtu.be/t4lDdFTa4bM>.
32
mídias, aumentando a acessibilidade e “desprendendo” o espectador do aparelho televisivo, já
que este tem se convertido também em telas de computadores, de smartphones, etc.
Um fenômeno que veio com o crescimento das TVs a cabo foi a diversificação do
público alvo. Ao contrário das produções para a TV aberta, que precisam atingir um público
de dezenas de milhões, o produto de TV a cabo será um sucesso absoluto se atingir poucos
milhões. Na TV aberta a produção estará sempre sujeita ao gosto médio do público, sofrendo
cortes, aparos e adequações, resultando em um produto final razoavelmente homogêneo, que
alguns chamam de pasteurizado, com a segurança da receptividade, embora sem
personalidade. Já nas TVs por assinatura, os programas são destinados a públicos restritos,
específicos e, por isso, podem ousar mais, sendo que o produto final certamente não agradará
ao grande público, mas agradará muitíssimo o público para o qual foi produzido, ainda que
isso represente um número mais reduzido.
Neste sentido, pode-se expandir o campo para além da televisão, Arlindo Machado
(2008, p. 66) traz o conceito de audiovisual defendido por Gene Youngblood, enquanto
cinema expandido, no sentido de “arte do movimento”, que engloba também televisão e
vídeo, assim como a multimídia. Ainda sobre o audiovisual, ele afirma que “vive um
momento de ruptura com as formas e as práticas fossilizadas pelo abuso da repetição e busca
soluções inovadoras para reafirmar sua modernidade” (p. 67).
Ele ainda destaca que pode-se encontrar nas produções audiovisuais contemporâneas
características apontadas por Renato Cohen (1998), por exemplo, ao falar da cena
contemporânea, como a não-sequencialidade, a escritura disjuntiva, a emissão icônica,
simultaneidades, sincronias, superposições, sendo amplificadora das relações de sentido, dos
diálogos autor-receptor, fenômeno e obra. Ou ainda a continuidade e descontinuidade, a
fractalidade, a complexidade e a multiplicidade.
Arlindo Machado (2008, p.14) afirma que um dos papéis mais importantes da arte
numa sociedade tecnocrática é ultrapassar os limites das funcionalidades dos instrumentos,
reinventando-os. Além das tecnologias e equipamentos, o modo de fazer, ou seja, o processo
de produção também pode ser reinventado, esgarçado, alterado, a fim de ir além de cumprir à
lógica da produção industrial sistematizada. “Artesanar” o fazer televisão, utilizar-se dos
meios técnicos sem ter que abrir mão do artístico, expressivo, ir além do projeto industrial.
33
Longe de se deixar escravizar pelas normas de trabalho, pelos modos estandardizados
de operar e de se relacionar com as máquinas; longe ainda de se deixar seduzir pela
festa de efeitos e clichês que atualmente domina o entretenimento de massa, o artista
digno desse nome busca se apropriar das tecnologias mecânicas, audiovisuais,
eletrônicas e digitais numa perspectiva inovadora, fazendo-as trabalhar em benefício
de suas ideias estéticas (MACHADO, 2008, p. 16-17).
Neste sentido também caminha a relação com os atores, numa busca por sair dos
automatismos cotidianos, das formas pré-estabelecidas, dos clichês já tão desgastados por
anos de uma televisão voltada para a produção em massa, que pouco se comprometia com a
relevância artística de seus produtos.
Tiche Vianna (informação verbal)25
, falou sobre como a valorização do elemento
humano e a busca pelo artístico, nesse contexto tão tecnológico e industrial que é a televisão,
pode fazer a diferença na qualidade dos produtos gerados e na recepção destes pelo público.
Eu acho que a gente teve um problema sério no entendimento do audiovisual quando
a televisão foi entrando nas casas, então ficando muito perto do espectador, e muito
cotidiano, numa produção em massa, em série, botando pra escanteio de uma certa
forma o elemento artístico e reproduzindo uma imitação da vida procurando ser
criativo com as histórias. [...] Então, o que vai acontecer com a televisão? Quer
dizer, se ela, de uma certa maneira, não compreender outro tipo de relação, se ela
não propuser alguma coisa diferenciada na sua relação com o espectador, ela vai perder esse campo de atuação. [...] Então, ela reconhece hoje que é preciso constituir
dentro dela uma outra forma de relação criativa. [...] Agora, é fundamental porque
nós estamos falando de relações que são sensíveis. E o elemento sensível, primeiro,
por mais equipamentos que se tenha, são os seres humanos. E aí eu não tou falando
só da relação do ator com aquilo que ele faz, eu tou falando da percepção do câmera
quando tá filmando, da percepção daquela sala que tá repleta de gente, cada um
fazendo o melhor do seu trabalho ao mesmo tempo que o ator tá gravando um
momento, por exemplo, super intenso de uma relação, né. Quer dizer, como é que
você cria essa atmosfera, como é que você faz todo mundo compreender que o
artístico não é só o que tá sendo mostrado ao espectador, que artístico é o processo
de criação. Que quando você põe a mão artística num processo de criação e o transforma num processo artístico, o resultado é muito mais interessante pra quem
vê, e isso faz com que mais pessoas queiram ver e queiram se ligar a ele (VIANNA,
2016).
O desafio vai além das atuais possibilidades de criação, da produção industrial de
estímulos agradáveis para as mídias de massa, trata-se muito mais de uma busca de uma ética
e uma estética para a era eletrônica, de uma utilização desses instrumentos de forma crítica
para pensar o mundo, as sociedades contemporâneas, e até mesmo questionar a própria mídia
e seus modelos de normatização e controle da sociedade. Sobre este assunto, Arlindo
Machado complementa:
25 Entrevista concedida por VIANNA, Tiche. Entrevista VI. [dez. 2016]. Entrevistadora: Kátia Celyane Farias
Schmitt. João Pessoa, 2016. 1 arquivo .mp3 (77 min.). A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice G desta
dissertação.
34
Por mais severa que possa ser a nossa crítica à indústria do entretenimento de massa,
não se pode esquecer que essa indústria não é um monólito. Por ser complexa, ela está
repleta de contradições internas, e é nessas suas brechas que o artista pode penetrar
para propor alternativas de qualidade. Assim, não há nenhuma razão por que, no
interior da indústria do entretenimento, não possam despontar produtos – como
programas de televisão, videoclipes, música pop etc. – que, em termos de qualidade,
originalidade e densidade significante, rivalizem com a melhor arte „séria‟ de nosso
tempo. Não há também nenhuma razão para esses produtos qualitativos da
comunicação de massa não serem considerados verdadeiras obras criativas do nosso
tempo, sejam elas vistas como arte ou não (2008, p. 25).
Levando em conta a fase de esgotamento pela qual passam as formas tradicionais de
arte, a confluência das artes entre si e destas com a mídia representa um campo de
possibilidades e de energia criativa. Existe uma tendência de não mais pensar os meios como
separados e independentes.
Para Maria Heloisa Machado (2009), a televisão caracteriza-se como o espaço de
excelência da convergência digital, no campo do audiovisual, numa espécie de piloto para
todas as outras experiências das diferentes expressões da linguagem. Sendo assim, ela defende
o tratamento de forma democrática dessas manifestações, quer artísticas, quer de
comunicação, ou os dois ao mesmo tempo. Ela afirma que:
A convergência, significando que todos os formatos de conteúdos existentes estarão
disponíveis para os mais diferentes suportes audiovisuais, nos permitirá, entre outras
coisas, criar novos paradigmas, sobretudo, para o cinema e a televisão, agora
voltados, ambos, para a tecnologia digital. Uma reflexão sobre linguagens se faz
necessária, uma vez que um mesmo conteúdo produzido digitalmente poderá ser
exibido nos mais variados tipos de mídia, apontando para uma convergência também
de linguagens que, certamente, irá estabelecer outros conceitos de diferenciação.
Necessitamos, portanto, pensar em uma nova televisão que, além das novas propostas voltadas para o caráter público, democrático e de bem social, deverá ter
uma produção de conteúdos indicando novos caminhos semiológicos.
Os conteúdos são produzidos para serem exibidos nos mais diversos suportes
midiáticos e, por isso, assumem uma nova forma, híbrida e singular, promovendo a
aproximação das linguagens e gerando a necessidade de novos conceitos. A abrangência das
novas tecnologias tem como consequência a democratização desses conteúdos que, com a
digitalização das tecnologias, são não somente consumidos, mas também amplamente
produzidos por um público que se mostra cada vez mais participativo na construção dessas
novas formas de comunicação.
De acordo com Arlindo Machado (2008, p. 69), não se pode mais continuar dizendo
como antes: o cinema, a fotografia, a pintura. Ele afirma que a multiplicação problemática dos
modos de produção e dos suportes de expressão, introduzidos pela televisão, pela gravação
magnética do som, pelo vídeo e o computador exige uma mudança de estratégia analítica.
35
Para ele, as fronteiras formais e materiais entre os suportes e as linguagens foram
dissolvidas, o que começa a interessar agora são as passagens que se operam entre a
fotografia, o cinema, o vídeo e as mídias digitais. As quais tomo a liberdade de estender para
o teatro, a performance, a literatura e a poesia. Ele diz que essas passagens permitem
compreender melhor as tensões e as ambiguidades que se operam hoje entre o movimento e a
imobilidade, entre o analógico e o digital, o figurativo e o abstrato, o atual e o virtual. Tal
pensamento exprime exatamente a multiplicidade presente no modo de conhecimento do
homem contemporâneo, trazendo consigo conceitos como hibridização e mestiçagem, em
grandes redes de conexões entre os fatos, entre as pessoas, entre as coisas do mundo.
O cineasta Carlos Gerbase (2003, p. 10) afirma que a tradição dramática construída
pelo teatro, arte muito mais antiga que o cinema e a televisão, ao longo dos séculos foi
incorporada ao cinema quando este surgiu, no final do século XIX. Para ele, embora as duas
linguagens sejam diferentes, é inegável que este hibridismo é um dos elementos constitutivos
da linguagem audiovisual contemporânea (no cinema, na televisão e no vídeo narrativo).
A possibilidade de integrar diferentes linguagens artísticas, de forma a buscar a
essência de uma arte mais tradicional, como o teatro, aliada às tecnologias desenvolvidas para
a indústria da televisão e do cinema, gera uma aproximação com o público a partir dos meios
utilizados sem perder de vista, contudo, a característica mais humana da arte teatral. Desta
forma, ao desenvolver a prática desta pesquisa, miramos atingir a profundidade, a essência,
desde os conteúdos abordados quanto o processo de criação, passando por uma construção
colaborativa, ancorada no conceito do ator e da atriz enquanto coautores, criadores, seres
pensantes que são, artistas, e não apenas “marionetes” do diretor ou da diretora, numa busca
de abrir janelas para a proposição coletiva. Estabeleceu-se, assim, uma relação de diálogo
entre pares, entre iguais, com a voz de todos os “atores” da criação, onde incluem-se também
os técnicos, diretores, que igualmente agem e interferem na criação da obra, bem como trazem
toda a sua experiência de vida, suas expectativas e desejos, para que o produto seja realmente
um resultado coletivo.
A ficção no audiovisual, por simular de maneira muito verossímil a realidade, tem um
grande poder de comover, despertar e se comunicar com o homem comum. Ela se utiliza de
camadas de linguagens, desde a palavra do texto, às imagens em movimento e também
fragmentadas e montadas de maneira a manipular o olhar do espectador, além da música, do
ritmo, das cores, etc. Essa multiplicidade de camadas de diferentes linguagens sobrepostas
aproxima o homem do acometimento em si, da vivência. A experiência no cinema ainda mais,
pois a sala de cinema possibilita uma imersão, já que você é “obrigado” a acompanhar o fluxo
36
contínuo do início ao fim do filme, além de todo o aparato tecnológico que concorre para que
você se sinta completamente dentro do mundo apresentado através da tela e do som ambiente.
1.1.1 O Caso da TV Pública
Discutidas, embora não esgotadas, as questões relacionais entre as artes e as mídias
eletrônicas, bem como o universo da televisão, o estudo partiu para um olhar direcionado à
produção da televisão pública universitária, na qual também reverberam esses novos meios de
produção audiovisual.
A TV pública universitária vem conquistando cada vez mais espaço no universo
televisivo, reflexo do seu crescimento em mais de 700% nos últimos 20 anos. De acordo com
Ramalho (2011), no Mapa da TV Universitária Brasileira versão 3.0, lançado pela Associação
Brasileira de Televisão Universitárias (ABTU), existiam em 2011 cerca de 34 televisões
universitárias só no nordeste brasileiro, dentre aproximadamente 151 brasileiras.
Com relação à produção de conteúdo destas TVs, os estudos demonstraram que,
mesmo estando ligadas majoritariamente aos órgãos máximos das administrações
universitárias, há um forte predomínio do viés acadêmico na produção de conteúdo
(RAMALHO, 2011, p. 37), sendo em sua maioria produzidos por funcionários, professores e
estudantes.
Na questão dos formatos de programas produzidos pelas TVs universitárias,
considerando a categorização feita a partir do modelo de programação das redes comerciais
que operam no sistema aberto – entretenimento, informativo, educativo e publicitário – foi
detectado nas sinopses oferecidas que os programas classificados na categoria de
“entretenimento” tem um forte viés educativo, e mesmo no restante das categorias, a
multiplicidade de experimentos televisivos leva a um hibridismo de formatos (RAMALHO,
2011, p. 58).
No Nordeste, quatro programas (16,66%) dos 24 listados se encaixam na categoria
“entretenimento”, divididos entre filme e variedades; na categoria “informativo” está a
maioria das produções, nove delas (37,5%), entre entrevista, telejornal, documentário, mesa-
redonda, reportagens especiais, notícias/enquete/reportagens/dicas, laboratoriais, debate e
entrevista com enfoque em divulgação científica; já na categoria “educativo” são três
produções (12,5%), entre teleaula, dramatização/literatura e palestra/painel; na categoria
“outros” são sete registros (29,16%), entre revista eletrônica institucional, produção
37
independente, agenda cultural, revista temática e eventos; por último, na categoria
“publicidade” foi registrado apenas um programa (4,16%), identificado como político.
Percebeu-se que a ficção televisiva, ou a teledramaturgia, ainda possui uma produção
tímida nas TVs universitárias, assim como na TV pública em geral, se comparada com a
produção de conteúdos jornalísticos, informativos, documentais, esportivos e outros. Mas ela
é de grande interesse para a esta mídia, pois é uma ferramenta de grande alcance de público,
assim como comprova os grandes sucessos da teledramaturgia nas televisões comerciais e
privadas.
O que há de se observar, porém, é que nestas televisões comerciais a maioria das
produções de teledramaturgia não possuem a responsabilidade com a formação educacional e
cultural da população, embora possuam quase que o monopólio desta mídia. Sendo assim,
cabe à TV pública gerar produtos de forma inovadora, observando o compromisso com o
desenvolvimento cultural e social do país, oferecendo conteúdos que contribuam para a
democratização da informação, numa busca pela renovação dessa linguagem.
Considerando o crescimento apontado por Ramalho (2011), associado às facilidades
trazidas pelas tecnologias digitais e aos conteúdos das multiplataformas, é possível vislumbrar
uma transformação sócio-cultural, seja no contexto local ou nacional, na medida em que essas
malhas de comunicação se consolidem. Sobre isso, Maria Heloisa Machado (2009) afirma:
Já que a televisão pública ou a rede pública de televisão, convergente e digitalizada,
tem como objetivo social a abertura de um novo espaço não comprometido com
questões de audiência e comércio, publicidade paga e empresários interessados em
vender para um cada vez maior número de espectadores, abre-se, então, um espaço
crítico para a experimentação, pesquisa e inovação. Nesse caso, a ficção televisiva
poderia, então, encontrar, na TV Pública, um espaço de excelência para afirmar seu papel crítico, educativo e cultural.
Ela defende como possibilidade da ficção televisiva digital, para além da expressão do
mundo atual, a sua transformação. Para ela, no modelo vigente de ficção nas televisões
privadas e comerciais: “crianças e adultos manipulados, sem singularidades, refletem os
mesmos valores da classe dominante, numa escalada de cobiça, onde máquinas desejantes
almejam uma materialidade capaz de violência social, desta mesma que aí está, sem proposta
de transformação” (MACHADO, 2009). Sendo assim, defende uma perspectiva antropológica
da produção audiovisual, a qual ela classifica como tão abrangente quanto a perspectiva
brechtiana da dramaturgia: “Ambas, apontam para a significação cultural do drama-ficção e
sua transformação como reflexo e materialidade em si do corpo e da subjetividade do social”.
38
A televisão da Universidade Federal da Paraíba, TV UFPB, seguindo o perfil geral
traçado pelo Mapa da TV Universitária Brasileira versão 3.0, possui a maior parte de sua
produção em programas informativos, mas tanto estes como a maioria das demais produções
podem ser identificadas também como educativas. Os programas de teledramaturgia, ou que
dela se utilizam, são recentes na TV UFPB, mas sua produção vem crescendo bastante nos
últimos anos, seja em produções informativas, educativas e/ou de entretenimento.
Desde 2010 a TV UFPB vem desenvolvendo, a partir de projetos de extensão do
PROEXT, subsidiados pelo MEC, programas que fazem uso da teledramaturgia, a exemplo
dos: De Portas Abertas, Ciência Aberta, Teleteatro, Quem Souber Que Conte Outra, Estórias
Encenadas, Alecrim e Canal de Histórias.
Essas novas produções demandaram a inserção de novos profissionais no quadro de
pessoal, incluindo diretores de artes cênicas, roteiristas, figurinistas, músicos e, claro, atores e
atrizes. Estes últimos, em sua maioria, são alunos do curso de Teatro da UFPB, vinculados
como bolsistas de extensão ou profissionais convidados.
Com relação ao modo de produção na TV UFPB, pode-se aproximá-lo ao fazer
cinematográfico, especificamente no tocante ao tempo destinado à pré-produção, uma vez que
a urgência temporal é muito menor do que àquela que normalmente caracteriza a produção
televisiva comercial, por exemplo. Porém, devido à escassez de recursos direcionados a
produções deste tipo, há a necessidade de improvisar diante das demandas técnicas. Muitas
vezes se trabalha em esquema de colaboração, onde são estabelecidas parcerias com escolas,
grupos de teatro e artistas independentes, o que interfere diretamente em todos os aspectos da
produção dos programas, uma vez que é preciso lidar com a disponibilidade de cada parceiro.
Valeska Picado (2016), sobre a TV UFPB, destacou que este é um espaço onde se tem
liberdade para trabalhar: “a gente não tem dinheiro mas a gente pode escolher e ficar firme no
nosso ideal, que a gente acredita que é melhor, ter esse compromisso com a responsabilidade
social”.
Sobre esse aspecto, o ator David Muniz (informação verbal)26
acrescentou:
Mesmo diante de todas as dificuldades que a gente tem aqui na universidade, de
espaço pra poder ensaiar, de espaço pra poder gravar mesmo, de todas as
dificuldades que a gente tem, num país que não valoriza cultura, que não valoriza
educação, pra poder gravar um material que tenha um sentido pra sociedade [...] E o que a gente mais vê em termos de audiovisual, principalmente na TV aberta é a
coisa que não tem um valor pra sociedade que seja positivo. [...] E o Ciência Aberta
pra mim foi um trabalho muito legal, assim como foi o Geração Saúde, porque você
26 Entrevista concedida por MUNIZ, David. Entrevista IV. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kátia Celyane Farias
Schmitt. João Pessoa, 2016. 6 arquivos AVCHD (55 min.). A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice E
desta dissertação. Vídeo disponível através do link < https://youtu.be/7R41NpU-DrU>
39
tá trazendo informação de forma acessível, num formato que as pessoas estão
acostumadas, que é dramaturgia, mas com espaço também pra o jornalismo
(MUNIZ, 2016).
Ao propor novas formas de se produzir, colabora-se com esse espaço proposto pela
TV Pública, de questionamento das formas impostas, de desconstrução dos modelos, de
formação crítica do público, não apenas nos conteúdos, mas também nos formatos
apresentados. Ao mesmo em tempo, busca-se valorizar a descentralização e regionalização da
televisão, exibindo conteúdos locais voltados para a cultura do nosso povo. Lúcia Serpa
(informação verbal)27
fez uma observação a esse respeito, ao comparar a televisão gaúcha da
década de 80 com os grandes monopólios da mídia televisiva:
Eu acho que tem uma coisa muito nociva também que é quando as coisas ficam
monopolizadas. E acho que é uma coisa muito chata que acontece, pelo menos eu vi
acontecer da década de oitenta pra agora, que existiam coisas produzidas nos seus estados. Então, eu vivi o que o Rio Grande do Sul produzia. E era muito forte, era
muita coisa, era bonito, dava emprego e trabalho pra muita gente também. E de
construção de uma dramaturgia também, de utilização de textos do Érico Veríssimo,
de autores locais também. E no momento que, de repente, São Paulo e Rio de
Janeiro eles sempre tiveram um monopólio, assim, uma concentração de que a arte e
as coisas saem de lá e que são conhecidas de lá, porque a visibilidade é de lá, as
coisas também começaram a ter menos possibilidade de você fazer essa criação
regional (SERPA, 2016).
Se há uma televisão que tem a obrigação de exibir conteúdos que valorizem a
diversidade cultural do nosso povo, esta é a TV pública, cuja função é promover o
desenvolvimento cultural e social do nosso país, contribuindo ainda para a diminuição das
diferenças sociais e disparidades econômicas que só aumentam o abismo existente entre as
diversas classes da nossa sociedade.
27 Entrevista concedida por SERPA, Lúcia. Entrevista V. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kátia Celyane Farias
Schmitt. João Pessoa, 2016. 6 arquivos. AVCHD (68 min.). A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice F
desta dissertação. Vídeo disponível através do link < https://youtu.be/Zjubz5ZR3qo>.
40
1.2 Panorâmica: Ator/atriz e Câmera
Sabe-se que as diferenças entre o teatro, o cinema e a televisão passam pelas várias
etapas de feitura de obras artísticas nestas linguagens. Com relação à atuação, o trabalho do
ator e da atriz, também está na diferença que se dá seja na fase de preparação, de ensaios ou
da própria execução da obra. E embora existam particularidades entre as linguagens
cinematográfica e televisiva, as quais foram abordadas mais adiante, sob o ponto de vista do
trabalho de atuação do ator e da atriz, essas diferenças são muito menores do que as
semelhanças e ambas ficaram mais evidentes somente após a realização dos experimentos
práticos propostos pela pesquisa, o que, por ora, permite-me abordar a linguagem
cinematográfica como correlata à da televisão.
Para o maior aprofundamento na relação entre ator/atriz e câmera, recorreu-se à
bibliografia na área do audiovisual, predominantemente do cinema, a qual é mais abundante
do que a parca bibliografia sobre a televisão, e buscou-se apoio também nos depoimentos dos
artistas entrevistados nesta pesquisa.
Um estudo realizado por Jacqueline Nacache, teórica francesa, traçou um panorama
histórico sobre o trabalho do ator e da atriz de cinema onde destacou os elementos
constituintes da atuação, bem como as abordagens de diferentes diretores. A princípio, ela
qualifica o ator de cinema como “Encarnação do elo do espectador ao filme, vetor
privilegiado do imaginário”. Entre questionamentos sobre ele ser: aquilo que o cinema mostra
com a maior complacência; a própria voz do filme; aquele que finge o que não se é, vive o
que se não vive, transmitindo a ilusão mais perfeita possível; ela afirma que:
Tudo leva a crer que o ator é a totalidade do filme, aquilo que se encerra de mais
desejável, emocionante ou detestável, mas de humano em todo o caso; que o ecrã é
antes de mais nada um espelho no qual reconhecemos o que se nos assemelha. Mas
tantas certezas dão para desconfiar (2005, p. 11).
Uma das poucas autoras brasileiras que abordam especificamente a temática do ator e
da atriz no cinema, Nikitta Paula (2001, p. 22) afirma que com o surgimento do cinema, um
novo campo se abriu para o ator e a atriz, e uma nova expressividade da imagem humana
passa a protagonizar a cena: fotogenia, versatilidade de expressão facial, interpretação mais
intimista, capacidade de encarnar mitos de massa e outras peculiaridades, o que provoca a
demanda de pessoal especializado. Dessa forma, exige do ator e da atriz uma progressiva
adaptação à nova técnica, à nova forma de expressão, a um novo ideal de representação, o da
estética cinematográfica, rompendo desta forma com paradigmas teatrais.
41
Segundo Ribeiro (2005, p. 17), são três os paradigmas essenciais ao desenvolvimento
do trabalho do ator no cinema: “a representação naturalista, a câmera como instrumento de
criação e a montagem como elemento de construção do sentido através da justaposição da
imagem/signo”. Ela complementa afirmando que são também princípios inerentes ao trabalho
do ator para este meio: a construção da personagem versus doação e disponibilidade do ator e
a adequação da ação e do gesto à linguagem cinematográfica diante do olhar aproximado e
mediador da câmera.
Teatro e Audiovisual
Entre as semelhanças entre o teatro e o cinema, Lyra (2012, p.1) destaca o roteiro
cinematográfico, compreendido nas duas linguagens “como um texto que potencializa a
posterior encenação, no qual há o registro de tempo, espaço, personagens, diálogos, enredo e
estrutura narrativa”. Pode-se acrescentar ainda aqueles roteiros produzidos em processo, que
ao se relacionar com tais elementos, possuem um papel não de geradores, mas sim de
consequências do ato criativo. No teatro, o conceito de dramaturgia em processo refere-se ao
método de criação textual que parte de improvisações e de experiências particulares dos
atores, em parceria com os diretores, dramaturgos e dramaturgistas.
Valeska Picado (2016), ao iniciar suas atividades no audiovisual, foi buscar, a partir do
teatro, formas de reconhecer essa nova linguagem. Ela percebeu que enquanto no audiovisual
o olhar é direcionado pela câmera, no teatro são oferecidas possibilidades pra que o
espectador escolha. “E eu via que na televisão a gente, como diretor, poderia conduzir um
pouco mais esse olhar do telespectador”.
Em cada programa, ela percebia novos desafios. Cada um deles exigia um
conhecimento novo “e aí a gente ia, saía em busca e muitas coisas aconteciam, a descoberta,
acho que é bem laboratório no sentido de laboratório de cientista mesmo. Tem coisa que a
gente ia por um caminho e de repente chegava em outra coisa: „Ah, isso é assim!‟”.
(PICADO, 2016).
Christian Metz (1975, apud NACACHE, 2005, p. 23) indica que “é porque o mundo
não interfere com a ficção por vir constantemente desmentir as suas pretensões de se
constituir como mundo – como sucede no teatro – que a diegese dos filmes pode provocar
essa estranha e famosa impressão de realidade, que tentamos compreender”.
42
Segundo Ribeiro (2005, p. 16), “É essa relação indicial existente entre a imagem
fílmica e a realidade, o fator motriz para o emprego da estética naturalista ao trabalho do ator
de cinema, assim como, para a construção de um realismo dramatúrgico”.
Já Nacache (2005, p. 11), também comparando as duas linguagens, destaca a diferença
entre o ator no teatro e no cinema: no primeiro, ela diz que “há um corpo à minha frente [...],
apanhado na unidade de um tempo e de um espaço”; no segundo, o ator é “imagem na qual o
humano não pesa muito, mas que não deixa de orientar, de cativar meu olhar [...] síntese de
uma temporalidade múltipla e fragmentada”.
A televisão estaria entre algo desses dois extremos: ao mesmo tempo em que
compactua com os aspectos de multiplicidade e fragmentação de tempo e espaço do cinema,
possui no ator o centro condutor da narrativa, o qual sobrepõe-se aos demais elementos da
cena, assim como no teatro.
Nacache (2005) afirma que no cinema a importância dramática do ator não é maior do
que a de cenários, efeitos, movimentos, animais, fantasmas. “Perante essa concorrência rude e
múltipla, o ator é secundário, periférico, em qualquer caso marcado por um défice de
presença” (p. 19). Para Vachel Lindsay (2000, apud NACACHE, 2005, p. 21), o ator é como
um “pigmento na tela” do cineasta; é só “o humor da multidão, da paisagem ou do grande
armazém diante do qual ele se encontra, reduzido a um hieróglifo único”.
Pudovkin (1972, p.08) aponta como contradição no teatro a questão do tempo/espaço,
que é limitada. Também a duração das cenas que, para ele, não pode ser menor que 3 minutos.
Já o cinema e, aqui, acrescenta-se também a televisão, possui um tempo muito mais rápido e
abarca mudanças de tempo e espaço ilimitadamente.
A nova base técnica que elimina no cinema a contradição que ele verifica no processo
evolutivo do teatro consiste:
Na presença da câmera móvel que, digamos assim, substitui o olho do espectador
por outro muito mais perfeito. Um olho que pode se afastar a qualquer distância de
seu objetivo para abarcar o maior campo visual possível e que pode aproximar-se do
menor detalhe para concentrar sobre ele toda sua atenção. Este olho pode saltar de
um ponto a outro sem que a soma de todos estes movimentos provoque o menor esforço do espectador. Além disso, o microfone, igualmente móvel, representa um
ouvido atento e pronto para captar com a mesma facilidade tanto do mais tênue
murmuro humano como o potente soar de uma sirene a quilômetros de distância
(PUDOVKIN, 1972, p. 13, tradução nossa)28.
28 Texto original: “en la presencia de la camera movible que, por decir así, substituye al ojo del espectador por
otro mucho más perfecto. Un ojo que puede alejarse a cualquier distancia de su objetivo para abarcar el mayor
campo visual posible y que puede acercarse al más pequeño detalle para concentrar sobre él toda su atención.
Este ojo puede saltar de un punto del espacio a otro sin que la suma de todos estos movimientos provoque el más
mínimo esfuerzo del espectador. Además, el micrófono, igualmente movible, representa un oído atento y
pronto”.
43
Para ele, a nova estrutura técnica do cinema não só simplifica a atividade do ator, mas
também apresenta uma série de dificuldades inexistentes no teatro ou presentes em escala
muito menor. Lúcia Serpa fez uma comparação entre os processos de criação nessas duas
linguagens:
Eu ainda venho de uma escola, de uma forma de trabalhar com grupo de teatro que a
gente ficava nove meses ensaiando um espetáculo, era uma gestação um espetáculo
pra você fazer. E quando você vai fazer um trabalho de ficção, esses que são
personagens menores, eu nem lia antes o roteiro, eu chegava lá, eu recebia na hora
muitas vezes. Então você não tem esse tempo de construção, de maturação de
alguma coisa. A não ser que você vá gravar de repente uma novela ou um seriado
em que você tem esse mesmo personagem se colocando em situações diferentes. E aí sim, você vai amadurecer esse personagem, você vai cada vez mais tendo
conhecimento dele. Ele faz parte de você, você conhece e você vai desenvolvendo
ele através das situações em que ele se coloca (SERPA, 2016).
Apesar de serem comuns experiências na televisão onde o tempo dedicado para a
etapa de preparação dos atores e atrizes é praticamente inexistente, é válido observar-se a
tradição teatral, onde esta etapa é muito valorizada, a ponto de ser dedicada à ela a maior parte
do tempo da montagem, o qual interfere diretamente a qualidade final do trabalho. Neste
sentido, Adler (1997, p. 19) afirma que “Atuar é um trabalho obstinado, necessitando de
atenção constante e de planejamento rigoroso. Não é algo para gênios. É para pessoas que
trabalham passo a passo”.
No trabalho com os atores no programa Ciência Aberta, buscou-se esse ideal
perseguido no teatro, de atenção, disciplina e planejamento, num processo de preparação mais
longo, que privilegiava a participação efetiva de cada sujeito, onde os atores se colocavam na
posição de agentes propositores da cena.
O Caminho Inverso
Embora se esteja fazendo o caminho cronológico das linguagens, ou seja, pensando
como o ator de teatro se adapta à linguagem audiovisual, é possível que o caminho inverso
também seja muito profícuo. As experiências no audiovisual também podem reverberar
positivamente no trabalho do ator de teatro que, ao se deparar com novas ferramentas, tem a
possibilidade de se reinventar, de se desafiar no sentido de absorver os conhecimentos
apreendidos no audiovisual para a cena teatral.
44
Neste sentido, Lúcia Serpa (2016) apontou para as questões de adequação do gesto,
que no teatro possui a tendência de ser mais amplo e que, muitas vezes, reforça apenas uma
atitude de ego do ator, e não contribui para a cena. Ou, ainda, enfatiza como a busca pelo
natural e verdade cênica tão presente no audiovisual pode contribuir para a aproximação entre
ator e espectador no teatro. Ao que acrescenta:
Depois da experiência com cinema e televisão, que não é muita, mas que foram
muitos anos fazendo, a minha forma de estar no teatro também mudou. Eu vi que eu
podia, que a minha mão podia trabalhar de uma forma diferente, que eu podia quase
levar o público como uma câmera. Se eu quero que eles olhem para a minha mão agora, então eu faço com que eles sejam o olhar da câmera, que venham para a
minha mão. E aí você aprende a fazer a própria triangulação também (SERPA,
2016).
Assim como Lúcia, Tiche Vianna (2016) afirmou que a influência do trabalho na
televisão sobre o trabalho no teatro é total. Ela diz que os atores que trabalham com ela no
Grupo Barracão Teatro, quando a recebem de volta após ausência dedicada ao trabalho na
televisão, eles apresentam grande expectativa quanto ao desenvolvimento de seus trabalhos
teatrais. Ela cita comentários do tipo “oba, agora, agora a gente vai até o fim, agora nós vamos
ficar no centro nervoso do nosso trabalho”. Eles dizem que Tiche volta absolutamente
potencializada, o que ela atribui ao fato de, ao trabalhar na televisão, ela ter um olhar de fora,
sobre o seu trabalho de preparação – o olhar do diretor – um olhar provocador que no teatro é
exercido somente por ela mesma sobre os atores. “É difícil você ver aquele olhar sobre a
direção, a direção é que é olhar sobre a atuação. Então, trabalhar neste processo de
preparação, pra mim é exatamente esta possibilidade, é trabalhar ao lado de um diretor que
provoca meu olhar externo sobre o ator, né”. Para ela, esse treinamento proporcionado pela
televisão é fundamental para seu trabalho como diretora no teatro, pois ela se sente
continuamente provocada a olhar diferente aquilo que o ator e a atriz produz.
Existe uma ideia que habita o senso comum de atores e atrizes de teatro que considera
a atuação na televisão, ou no audiovisual de maneira geral, como algo simples e fácil,
considerando o fato de, por ser gravado, há a possibilidade de se repetir e refazer a cena
incontáveis vezes, caso haja alguma falha no momento da gravação, já que não há um
espectador diante de você. Já no teatro, o ator e a atriz não tem a possibilidade do erro ou se
acontecer, precisam estar munidos de ferramentas que o transformem em cena, deixando-o
imperceptível ao espectador. Porém, a realidade no audiovisual não é exatamente assim.
Existem diversos fatores que tornam o trabalho do ator e da atriz extremamente difíceis e um
deles é justamente manter sua presença cênica em nível tão elevado que, mesmo mediada pela
45
câmera, ainda que não se compartilhe do momento presente, ela possa ser sentida pelo
espectador.
Ao refletir sobre as particularidades dos atores e atrizes no teatro e na televisão, Tiche
Vianna (2016) falou sobre a sua percepção. Para ela, no teatro, os atores e atrizes tem o tempo
todo da temporada, o tempo todo que estão em apresentação, com a possibilidade de criar,
recriar, aprimorar, ressignificar. Os atores e atrizes vão vasculhando um material que pode se
tornar infinitamente mais potente à medida que vai sendo feito. Já o momento da gravação é
único. O artista que está ali diante da câmera, só tem aquele momento pra fazer o melhor dele,
que será registrado pra sempre, sem a possibilidade de mudanças, de melhorias, de
crescimento. Foram essas reflexões que subverteram completamente o trabalho desta diretora
no teatro, que afirma:
Nós artistas de teatro temos que compreender que o mundo do espectador ele tem a
mesma função de uma câmera. A partir do momento que ele olhou aquele momento
pra ele é único. Você pode fazer cem vezes aquilo e pode fazer cem vezes pra ele,
nunca será igual. Aquele momento é um momento único, exclusivo e nunca mais vai
se repetir. Ficou cravado, só que ao invés de ficar gravado num filme, tá lá
registrado num programa, ele ficou gravado no filme humano do receptor. Então
esse já foi o primeiro paralelo que eu estabeleci (VIANNA, 2016).
Sobre a questão da possibilidade do refazer na televisão, do repetir, em busca de
corrigir o erro, ela enfatiza o fator financeiro, pois o custo disso é muito alto. “Então você não
tem essa coisa, quer dizer, perder tempo numa gravação é uma coisa seríssima. O tempo é um
dos maiores opressores do audiovisual. E a gente precisa tomar cuidado com ele pra não cair
numa armadilha e ser refém dele”.
Ao mesmo tempo, ela percebia o estado dos artistas quando entravam em gravação,
um estado similar ao de quando o ator de teatro está diante de uma estreia. Porém, o momento
da gravação é único, só se tem o “agora”, essa cena ficará gravada permanentemente. E isso
gera uma ansiedade, um nervosismo e um estado que, segundo ela, precisa ser trabalhado para
que não ponha a perder a possibilidade do ator e da atriz explorar o seu melhor naquele
momento, inclusive com a preocupação de não comprometer o dia seguinte da gravação.
A televisão possui um ritmo de produção muito acelerado, e muitas vezes este é um
fator determinante para a qualidade das produções. Sendo assim, o ator e atriz precisam estar
“prontos” no momento da gravação, e chegar a este estado pode ser tanto um trabalho de
preparação coletivo e prolongado, como os exemplos dados por Vianna (2016) em seus
trabalhos na televisão, nos quais ensaia e prepara os atores durante 3 meses, quanto um
trabalho individual e imediato, como os exemplos dados por Serpa (2016) no programa
46
Telecurso 2000, no qual ela tinha que decorar o texto apenas algumas horas antes de gravar.
Mesmo na TV UFPB, onde se tem uma programação reduzida, é preciso ter um bom
planejamento para que o uso do tempo seja racional, pois a equipe técnica é igualmente
reduzida e, muitas vezes, precisam desdobrar-se em várias produções. Neste caso, tentamos
aumentar o tempo de preparação para que o tempo de gravação seja reduzido. Para os atores e
atrizes, isso gera mais segurança na hora de gravar e, ao mesmo tempo, mais liberdade na
hora de criar.
A compreensão que Tiche tem da atuação perpassa os dois universos, da televisão e do
teatro, e auxilia muito na compreensão desse trânsito que, se observado e vivenciado sem
preconceitos, com dedicação e verdade, pode ser muito rico para o desenvolvimento de
qualquer ator. Sobre isso, ela conta:
Várias vezes isso aconteceu, de eu solucionar questões da cena teatral estando em
sala de trabalho com atores do audiovisual. Porque no fundo eu acho que todas essas
coisas tão muito relacionadas, né. São muito diretas porque em todas elas nós
estamos lidando com a relação humana, com a criação a partir da relação humana. E
no meu modo de entender, como eu trabalho, tanto num lugar quanto no outro, eu
trabalho a partir do ator e da atriz, o que me interessa de material, o que constitui o
meu repertório é exatamente a criação do ator e da atriz. Não é de uma forma ampla
a gente falar “eu tou dirigindo atores”, eu estou criando a partir da criação do outro.
Então, tá preparando um ator para construir um repertório, é um material o qual ele
vai se servir pra criar, num único segundo que ele vai ter pra fazer isso, é muito potencializador eu olhar da minha sensibilidade, da minha percepção. Então isso se
reflete imediatamente em qualquer trabalho onde eu tou [] pra poder criar
(VIANNA, 2016).
O ator tem como essência do seu trabalho doar-se por inteiro à cena, seja no teatro, no
cinema ou na televisão, a mudança se dá não apenas na linguagem, no suporte de produção.
Compreender que é capaz de transitar entre as linguagens, através dos níveis de energia, das
nuances, da amplitude que assume em suas ações físicas/vocais, etc., só confirma a
necessidade primordial do ator trabalhar sobre seu instrumento – o corpo-mente, numa busca
por autoconhecimento e controle, gerando, dessa forma, capacidades plurais. E assim como os
ensaios teatrais, a preparação do ator e da atriz na televisão também pode ser lugar de
treinamento e formação. Ao abrir uma fissura neste tempo acelerado que a produção
televisiva exige, dá-se uma pausa para que a criação aconteça, ainda que dentro do processo
industrial. Param-se as máquinas para que as pessoas surjam com aquilo que não é mecânico
nem serial, mas, sim, particular e único, a fim de construir coletiva e poeticamente.
47
Cinema e Televisão
Se há particularidades evidentes que diferenciam o ator de teatro do ator no
audiovisual, há também as que diferenciam, dentro dessa área, o ator de cinema do ator de
televisão. Sendo assim, faz-se necessária uma investigação detalhada sobre os modos de
produção nessas duas áreas e como isso repercute no trabalho do ator, sua atuação, formação e
técnicas.
A televisão ainda preserva características de improviso e de teatralidade,
principalmente quando se pensa no início da TV, onde os programas eram exibidos ao vivo,
como um espetáculo teatral televisionado, ou um show, e como esse tipo de produção perdura
até hoje nos formatos de diversos programas. Já o cinema, também devido aos custos da
película cinematográfica, tem a característica de passar por um longo processo de
planejamento, decupagem, estudos minuciosos de roteiro, luz, arte, etc. Atualmente, com a
tecnologia digital, o cinema dispõe de meios mais acessíveis e práticos, o que aproxima seu
processo do televisual, o qual também vem se reformatando nos últimos tempos,
principalmente devido à possibilidade de seus produtos terem vida longa, antes com o vídeo
gravado e, mais, recentemente, com as multiplataformas (internet, etc.).
Com relação ao trabalho do ator, Luiz Carlos Vasconcelos apontou para o fato de a
obra televisiva ser aberta, ou seja, enquanto no cinema o ator recebe o roteiro completo do
filme, conhecendo a trajetória completa de seu personagem, na televisão o ator fica a mercê
de fatores diversos que interferem diretamente na narrativa da obra. Na televisão,
especificamente em telenovelas, o ator recebe uma quantidade pequena de capítulos fechados,
mas a continuidade da construção narrativa é desenvolvida em paralelo à gravação dos
capítulos já escritos. Muitas vezes o ator não tem ideia do que vai acontecer a seu personagem
e grandes reviravoltas podem ocorrer na narrativa em face à aceitação ou rejeição do público,
por exemplo.
No geral, o filme possibilita um trabalho mais detalhado do ator e da atriz, com tempo
para estudar todo o roteiro, seja individualmente ou em grupo, com o diretor e os outros atores
e atrizes, possibilitando um processo de memorização mais orgânica, de forma mais tranquila,
pela repetição, que permite que o ator e a atriz já possam ir para um set com o filme todo na
cabeça, assim como uma linha evolutiva da sua personagem. No geral, é um processo que não
apresenta surpresas, embora pequenas mudanças e adequações estejam sempre presentes.
48
Luiz Carlos Vasconcelos relatou sobre uma ocasião extraordinária, em que o roteiro
do filme que estava gravando foi modificado drasticamente:
Eu não sei de filme que eu tenha entrado que não tenha cortado coisa, Eu, Tu, Eles é
um dos maiores exemplos disso. O roteiro era um, o meu personagem entrava para
matar Lima, uma tragédia, e quando foi se fazendo o filme Andrucha foi sentido que
esse filme não cabe sangue, não cabe isso. [...] E na hora de montar eram dois filmes, um na água e outro na seca, não casavam. Então desprezaram todo esse
primeiro filme, que até existe uma ideia de se usar esse material, são dez minutos de
um longa, com eu e Matheus, sei lá de que ano é isso... 2000. Dezesseis anos atrás.
A ideia era criar um roteiro para esse material e a gente seguir com esse material e
os atores dezesseis anos depois (VASCONCELOS, 2016).
Com relação às produções de televisão, ele destaca que, enquanto obra aberta, estão
sujeitas à aceitação do público. Para o ator e a atriz, o trabalho inicia com apenas alguns
capítulos conhecidos, que dão indícios das personagens e suas histórias. O fato do rumo dos
personagens serem norteados a partir da opinião pública deixa o ator muito mais assustado,
segundo ele. Ele destaca que algumas novelas “ficam loucas”, onde a personagem “vem com
um perfil e muda inteiramente sem nem dar explicação”. Para ele, essa é a grande diferença
entre o cinema e a televisão.
Diferentemente das telenovelas, que por estarem à mercê do público geram muita
insegurança no ator e na atriz, que a qualquer momento podem ter seu personagem
completamente modificado ou até mesmo eliminado, as minisséries são obras que tem
começo, meio e fim e, por isso, oferecem mais subsídios para o trabalho do ator e da atriz,
semelhante ao cinema.
A questão do tempo de produção tem desdobramentos tanto no cinema quanto na
televisão e reverbera no processo de criação, bem como em seus diversos elementos
constituintes. No cinema, normalmente se filma com uma única câmera, o que exige que se
façam vários planos da mesma cena, a qual deve ser repetida várias vezes de maneira a variar
o mínimo possível no gesto e na fala, para não comprometer a continuidade e,
consequentemente, a montagem. Este fator faz com que os ensaios no cinema sejam muito
importantes e minuciosos, e embora seja possível e saudável improvisar e criar livremente
nesses momentos. Isso se dá com o intuito de expandir as potencialidades do ator até se
chegar numa forma satisfatória, a qual deverá ser codificada e fixada, para que a planificação
e a montagem não sejam comprometidas. A codificação do movimento, a fragmentação de
ações, a flexibilidade espaço-temporal, são alguns dos fatores a serem trabalhados nesse
contexto. Outra questão é que o cinema se pretende, e quase sempre é, uma obra perene.
49
Já na televisão, os produtos normalmente são exibidos poucas vezes, muitos deles até
uma única vez, e embora as convergências midiáticas tenham contribuído para que esses
produtos sejam cada vez mais duradouros, o tempo de produção ainda é curto, visto a
necessidade da contínua produção em escala industrial. Na televisão, as cenas são gravadas
com várias câmeras ao mesmo tempo, o que diminui a quantidade de repetições a serem
feitas. Normalmente, o corte é realizado no próprio momento da gravação, através do
switcher29
. Caso a edição seja feita posteriormente, escolhe-se uma única tomada “boa” sobre
a qual trabalhará a montagem. Sendo assim, o ator, ainda que trabalhe a questão do gesto
contido e da codificação dos movimentos, tem certa liberdade para improvisar, por que na
verdade o que acontece é praticamente a própria criação no momento da gravação. Não há
muito tempo para ensaio e, por isso, a atuação quase sempre recorre ao clichê, ao obvio e
superficial. Sendo assim, cabe ao ator trabalhar de maneira individual para construir a
personagem e se colocar em jogo, como personagem.
Lúcia Serpa (2016) contou um pouco de sua experiência no programa televisivo
Telecurso 2000, onde fez, além de outras coisas, uma série de 50 episódios sobre Física:
Então eu gravei os 50 programas de Física dentro de uma Estação Ciência que tem
lá em São Paulo. E foi uma experiência muito legal porque como eu vinha muito da
improvisação, [...] quando você tem um tempo muito curto, você não pode
improvisar muito. A não ser que você esteja fazendo uma novela, você esteja
fazendo um filme, onde o diretor tenha como forma de trabalho essa liberdade que
se dá ao ator [...]. A gente tem isso, até hoje, diretores que dão esse espaço. Mas,
vamos dizer, pra gravar um Telecurso, não tinha muito esse espaço de improvisar
alguma coisa. O texto era aquele, então vamos lá. E deu uma agilidade porque não
tinha muito tempo pra fazer as coisas e eu gostava de fazer rápido também. Então assim, eu lia uma vez, lia uma segunda, vamos gravar (SERPA, 2016).
Nos programas da TV UFPB, procura-se investir o máximo possível, dentro das
condições que se possui, no processo de preparação do ator e da atriz, na construção dos
personagens, na apropriação dos roteiros, etc., já que normalmente se grava por um longo
período de tempo, considerando os vários episódios de uma temporada. É muito mais sobre
estar dentro do contexto, afinado ao personagem, pronto para o jogo cênico, para o acaso do
roteiro, da vida da personagem. Tais aspectos exigem ainda deste ator e desta atriz
flexibilidade e capacidade adaptação.
29 Mesa de corte que seleciona imagem de várias fontes, sejam elas de câmeras, VTs, filmes, etc.
50
Sobre essa abertura para o acaso no set de televisão, Titina Medeiros (informação
verbal)30
pontuou:
No teatro a gente ensaia e marca. Lá a gente marca, mas a marcação é tão rápida que
fica para o espaço do improviso muito. E, assim, eu não gosto muito de pensar o que
é que eu vou fazer. [...] Eu prefiro estar diante da surpresa do outro. [...] se eu penso
tanto assim, eu vou amarrar muito a minha relação com o outro, e quando a gente
está fazendo um trabalho de televisão, é a relação com o outro. [...] Eu acho que é
um lugar do jogo, muito forte. [...] Você deve lembrar sobretudo as marcas. O texto,
a intenção, essa coisa, vai ficar muito da gente (MEDEIROS, 2015).
Ainda sobre o tempo na televisão, este estabelece uma dinâmica que é alterada de
acordo com as características e necessidade de cada trabalho, mas que, de um modo geral, tem
um ritmo estabelecido pela equação entre produção e exibição. Se há a possibilidade de se
gravar todos os episódios, antes mesmo de iniciar a exibição, como acontece em minisséries e
telefilmes, por exemplo, o ritmo é mais tranquilo e comporta um tempo mais extenso e,
consequentemente, um maior apuro nos resultados. Caso a exibição seja feita
concomitantemente à gravação, esta acaba ficando submetida ao limite de tempo entre as duas
etapas.
Valeska Picado (2016) citou como exemplo o programa De Portas Abertas, da TV
UFPB: “foram trinta episódios, mas a gente trabalhava em uma semana a preparação pra
aquele episódio, já gravava. Na outra semana já era outro, já gravava. Às vezes chegou a dois
por semana”. Esse processo foi facilitado pelo próprio formato do programa, que continha
personagens fixos, os quais já tinham sido trabalhados por nós no processo de preparação,
para atingir o estado de prontidão necessário.
Esse estado de jogo alcançado pelos atores e atrizes, trabalhado também através de
exercícios de improvisação, foi fundamental para resolver questões que surgiram no decorrer
das gravações do programa. Por exemplo:
Alguns episódios que não dava pra... por algum motivo um adoeceu e outro, e a
gente disse “ó, a gente conhece a história, pra gente não perder o dia de gravação
hoje, topa? Vamos fazer?” “Vamos fazer”. E aí vem a improvisação dentro do tema,
como todo mundo já se conhecia muito, sabia seu personagem, não ia falar daquele
jeito, já tinha a fala, a postura, o relacionamento (PICADO, 2016).
30
Fragmento de entrevista concedida por MEDEIROS, Titina. Entrevista I. [out. 2015]. Entrevistadora: Kátia
Celyane Farias Schmitt. Natal, 2015. 1 arquivo .mp4 (6 min.). A entrevista encontra-se transcrita no Apêndice B
desta dissertação. Vídeo disponível através do link < https://youtu.be/REESQ_VCP0U>.
51
E essa questão da limitação com relação ao tempo faz com que muitas vezes seja
preciso trabalhar com o desapego, ou seja, nem sempre dá pra lapidar até achar a forma
perfeita, mas sim com “foi o melhor que eu pude hoje”, como afirmou Picado (2016).
O Sistema
Tal qual o cinema, cuja linguagem é fundamentada na representação da realidade, a
televisão trabalha em suas obras de ficção predominantemente com a representação naturalista
empregada à cena, herança vinda do teatro a partir do Sistema criado por Constantin
Stanislavski, no começo do século XX. Esse tipo de representação visa estabelecer o laço
entre realidade e representação, a partir das ações físicas, buscando no trabalho do ator e da
atriz a sinceridade em cena.
Segundo Bonfitto (2001), a ação física é o elemento estruturante do fenômeno teatral,
conceito elaborado por Stanislavski após inúmeras etapas de aprendizado e prática teatral.
Através do contato com textos teatrais de autores a ele contemporâneos, sobretudo, com
Tchekhov, ele estruturou o trabalho do ator, partindo inicialmente dos processos interiores. As
questões levantadas por ele foram como manter no tempo a qualidade do trabalho do ator e
como lidar com a situação do ator contrária à da natureza. “A partir daí, Staniskavski
reconheceu a necessidade de construir um terreno preparatório à construção da personagem,
que chamou de „estado criativo do ator‟” (BONFITTO, 2001, p. 23).
Na primeira fase dos seus estudos, que chamava de “Linha das Forças Motivas”,
Stanislavski enfoca a vida psíquica da personagem – sentimento, mente e vontade, as quais
juntas tinham o papel de desencadear o trabalho criativo do ator. Após o trabalho com os
cantores-atores do Estúdio de Ópera, onde busca a ação rítmica, transportou definitivamente
o foco dos processos interiores guiados pela memória emotiva – sintetizada pelo modelo da
Linha das Forças Motivas – para uma nova etapa, em que a ação física estará ao centro. Há
um deslocamento do eixo do sentimento para a ação (BONFITTO, 2001, p. 24).
A ação física é um catalisador dos outros elementos do Sistema, sobretudo, daqueles
ligados aos processos interiores do ator. Neste método, a ação, foco do processo criativo, é
ação psico-física – “no processo de sua execução as ações devem desencadear processos
interiores, agindo dessa forma quase como „iscas‟” (BONFITTO, 2001, p. 25).
Stella Adler, atriz americana e, junto a Lee Strasberg, Sanford Meisner e Elia Kazan,
uma das difusoras do Sistema de Stanislavski nos Estados Unidos, ao apresentar os conceitos
do teatro realista, diz que a cena realista propõe a busca da verdade, da sinceridade,
52
representando temas cotidianos que pertenciam à vida de qualquer pessoa e, que para uma
nova cena era então necessário, um novo modo de representar. Adler (2008) segue a linha
naturalista de interpretação e desenvolve, então, uma técnica própria para atores e atrizes, cujo
objetivo ela descreve como criar um ator que possa ser responsável por seu desenvolvimento
e realização artísticos. Ela aponta a imaginação como elemento essencial para a atuação: “A
imaginação do ator agora absorve a via do personagem. [...] A união de seu espírito com sua
profundidade interna é o caminho para essa independência na profissão” (p. 17).
Ainda sobre a imaginação ela afirma que “99% do que você vê e usa no palco vem da
imaginação. [...] E, desse modo, cada palavra, cada ação, deve ter origem na imaginação do
ator. Se um fato não conseguir passar por sua imaginação de ator, ele parecerá falso”
(ADLER, 2008, p. 40). Ela destaca que a imaginação diz respeito à habilidade do ator em
aceitar novas situações da vida e acreditar nelas, despertando-o para reações imediatas.
Através da imaginação, o ator e a atriz são capazes de construir toda a complexidade
de um personagem, com suas características particulares, seu passado, seu presente e um
vislumbre de seu futuro, e também todo o contexto no qual ele está inserido, o lugar, as
relações pessoais e sociais, etc. Um universo inteiro pode ser desenhado para que se
complementem os dados necessários à construção realizada pelo ator e pela atriz.
Maria Heloísa Machado (2010, p. 3) estabelece como foco do trabalho do ator o plano
da vida do personagem, uma vez que considera que a lente da câmera e o público estão num
mesmo paradigma, ambos objetos que não fazem parte do território da criação técnica. Para
ela, o ator quando atua, deve “preocupar-se com o plano da vida do personagem, com o
território do imaginário”.
Ela afirma que na técnica stanislavskiana, aplicada quer ao teatro ou ao cinema, o ator
se depara justamente com essa premissa técnica: “deve o ator abstrair a visão real e
concentrar-se na visão do imaginário.” Para ela, criar o “monólogo interior”, por intermédio
da “visualização” é um procedimento independente da mídia e do território, pois “tudo que
estaria ligado ao real, ao mundo fora das „circunstâncias propostas‟ não entra em linha de
conta naquilo que podemos chamar de interpretação”.
Tais elementos vão interferir sim no momento de expressar o que foi construído
internamente, após um verdadeiro encontro com o plano de vida da personagem, depois da
conexão ator-personagem ser estabelecida. Daí, os elementos externos ditarão o formato de
externalizar as emoções descobertas, se serão mais amplas ou contidas, se terão necessidade
de demonstração ou somente a vivência satisfará.
53
Tiche Vianna (2016) destacou uma percepção que teve sobre atuação ao começar a
preparar atores para a televisão, após uma longa carreira como diretora de teatro:
Porque atuar significa estar aqui agora, e o que se passa não é o que será visto. É
exatamente o que se passa entre nós agora no ato do nosso encontro. E pra mim não
importa mais se é câmera ou se é palco. O que importa é que de qualquer maneira
haverá um encontro. Quando você trabalha no universo do audiovisual, o artista
precisa colocar uma energia tamanha no seu fazer que ela tem que ultrapassar as
lentes pra ser impressa no filme. O ator de teatro precisa de uma intensidade
tamanha que ultrapasse a quarta parede e atravesse o espectador que tá sentado diante dele. Reconhecer isso muda pra mim uma relação com a arte do ator,
independentemente do lugar onde ele tá (VIANNA, 2016).
Machado (2010, p.1) ainda destaca o exemplo, em particular, do cinema americano
neorealista/naturalista que “sob a influência dos mestres do Actors Studio, sobretudo, Lee
Strasberg e Elia Kazan, trouxe grandes atores em papéis marcantes, [...] criando uma lenda
acerca de uma mágica encarnação do personagem, por intermédio da „memória afetiva‟”.
Embora alguns estudos posteriores de Stanislavski apontem para o trabalho com base nas
ações físicas, muitas escolas americanas mantiveram seu foco na primeira fase do mestre
russo, referente às Linhas das Forças Motivas, onde a memória afetiva tem papel de destaque.
Durante o desenvolvimento do modelo da linha das Forças Motivas, Stanislavski
buscou eliminar ao máximo os meios exteriores de interpretação, enquanto se utilizava da
mente e da vontade como estimuladores as emoções. Para ele, as emoções estavam
necessariamente ligadas à utilização da memória e deveriam ser resgatadas de um repertório
de experiências pessoais, iguais ou análogas às da personagem que deveria ser construída.
Com a elaboração do conceito de ação física, Stanislavski parece considerar com mais
profundidade a evocação no trabalho do ator, de diferentes memórias: a memória de emoções,
mas também a memória das sensações e dos sentidos; uma memória física, portanto. Assim,
“a ação exterior encontra seu significado e intensidade interiores através do sentimento
interior e, este último, encontra sua expressão em termos físicos” (BONFITTO, 2001, p. 27).
Para Pudovkin (1972, p.14, tradução nossa)31
“O objetivo fundamental do ator, tanto
no teatro, como no cinema é a criação de uma personagem plena e vital. [...] O ator deve
encarnar a personagem em seu significado mais profundo, ou seja, em sua finalidade e
ideologia”. O personagem concebido não está condicionado somente pelos dados presentes na
31 Texto original: “El objetivo fundamental del actor, tanto teatral como cinematográfico, es la creación de un
personaje pleno y vital”. E “el actor debe encarnar al personaje en su significado más profundo, es decir en su
finalidad y en su ideología”.
54
obra escrita, senão também pela natureza do ator mesmo em seu caráter e personalidade
definidos.
Ele afirma que a criação se cumpre somente quando a série dada de movimentos
interiores e exteriores, exigidos pela obra, são alcançados não através de uma reprodução
mecânica das palavras, dos gestos e das entonações sugeridas, mas sim através da superação
de si mesmo enquanto personalidade real. “Essa maneira de criar uma personagem é
necessária para poder alcançar a organicidade e plenitude desejadas, as quais não se poderiam
obter se arrancadas arbitrariamente da personalidade do ator vivo” (PUDOVKIN, 1972, p. 16,
tradução nossa)32
.
Infelizmente, de todos os componentes estéticos que compõem a mise-en-scène de
uma obra cinematográfica – o roteiro, a iluminação, o enquadramento, a montagem – o
trabalho do ator e da atriz não é o campo mais explorado pelos escritos teóricos na área do
cinema; há mesmo aqueles que defendem que o trabalho do ator e da atriz não deve ser levado
tanto em consideração. Para Edgar Morin, “o ator não tem necessidade de se expressar para
transmitir seus sentimentos ou estados de espírito, as coisas, a ação do roteiro e o filme em si
se encarregam de interpretar por ele” (1957, apud GUIMARÃES). Por outro lado, o estudo do
trabalho do ator e da atriz tem também seus defensores, como Nicole Brenez que afirma que:
O ator é uma forma cinematográfica à altura do enquadramento e da luz. E, assim
como o enquadramento não pode se reduzir aos quatro lados de um retângulo ou a
luz à iluminação das coisas, o ator não pode ser reduzido à um significante do qual o personagem seria o significado (BRENEZ, 1992-1993, p. 89, apud GUIMARÃES).
Desta forma, assim como afirma Guimarães (2012, p. 85), o corpo do ator, seu
programa gestual, os métodos de representação de um personagem devem, assim, ser objetos
de análise estética, pois configuram-se em nichos de produção de sentido fílmico.
Em uma breve abordagem sobre os elementos constitutivos da atuação
cinematográfica, baseada principalmente nos estudos de Jacqueline Nacache (2005),
destacam-se alguns aspectos que compõem o ferramental do ator e da atriz no cinema e suas
diferentes abordagens, considerando que se aplicam ao audiovisual como um todo, inclusive
na televisão. De acordo com esta autora as teorias da fotogenia e da fisionomia “tentam
descrever o mistério pelo qual os rostos (assim como corpos, objetos, paisagens) imprimem
miraculosamente a película” (p. 21). Elas retratam uma confiança absoluta no poder de
32 Texto original: “Esta manera de crear un personaje es necesaria para poder alcanzar la organicidad y plenitud
deseadas, das cuales no se podrían obtener si se la arrancara arbitrariamente de la personalidad del actor
viviente”.
55
expressão a partir de um alfabeto de gestos, onde “tudo tem um rosto, mas o rosto é tudo”.
Nela o ator é “superfície refletora capaz de se adaptar às intenções mais subtis da realização
sem afirmar uma individualidade demasiado manifesta”.
Igualmente ao cinema, na televisão o rosto do ator e da atriz é bastante evidente, e
ainda mais nesta mídia o primeiro plano é muito explorado, uma vez que a tela de exibição
final é bem menor que a do cinema, o que privilegia os planos fechados na tentativa de
aproximar o ator e a atriz do telespectador.
Gesto
Objeto de culto durante a quase totalidade do período mudo, o gesto, segundo Nacache
(2005, p. 22) é considerado uma língua nova, mais poderosa que as palavras: “o ator do
cinema mudo, eliminando a sobre-expressividade teatral, tem de promover o gesto como
fundamento de uma linguagem expressiva”.
Quanto à necessidade da adequação do trabalho do ator de teatro à estética
cinematográfica, Nikitta Paula, em seu estudo sobre o ator de cinema, afirma:
Na base da definição do trabalho ou da arte do ator, o fundamento representação permite o trânsito e, de certa forma, autoriza o exercício da profissão nas múltiplas
linguagens. Mas (...) a desteatralização do espetáculo cinematográfico provoca
mudanças significativas na interpretação (...) prevalece para o ator a necessidade de
revelar a dimensão dos sentimentos, dos estados de alma, das intenções, dos
pensamentos etc., da personagem. Distante da necessidade de projetar o movimento
para além do palco teatral, no cinema os gestos do ator são contidos (2001, p.22).
O cinema, linguagem predominantemente visual, explora a gestualidade, ainda que
contida, condensada, como forma de expressão potente em relação à fala, por exemplo. Já
ficção televisiva tem uma predominância dos diálogos sobre os aspectos visuais. E também lá,
a economia da gestualidade é uma forte característica. Diferentemente do teatro, que trabalha
na expansão do gesto e da ação, de maneira que haja uma projeção acentuada da expressão a
fim de se alcançar toda a plateia, a linguagem audiovisual, de estética realista-naturalista,
aproxima-se muito mais do gesto cotidiano, natural. É na identificação com a vida real que
está a busca desta gestualidade, ainda que ela seja minuciosamente planejada, trabalhada e
decupada para ter o máximo de expressão a partir do mínimo de ação.
Nacache (2005) aponta a sobriedade como uma característica que se refere a um tipo
de “desteatralização” da representação, onde a economia de gestos e expressões prevalece.
Nacache destaca que a sobriedade, como forma de representação puramente cinematográfica,
56
é a síntese de dois polos da representação do ator e da atriz: “máscara por um lado hierática,
por outro natural”.
David Muniz (2016) associou essa questão da economia gestual com um tipo de
orientação errônea que normalmente se ouve, inclusive de diretores de cinema, com relação à
representação para a câmera: “não é pra interpretar”. Ele atribui a esse tipo de ideia seu
insucesso em diversos testes que fez para trabalhos audiovisuais, pois isso acaba confundindo
o ator.
O fato de se orientar à economia de gestos, muita vezes confunde atores e atrizes que
acabam por atuarem de maneira mecânica e sem emoção, com receio de que o resultado fique
exagerado ou teatral. Porém, assim como no teatro se exercita a capacidade de ampliação do
gesto e de dilatação do corpo, no audiovisual é possível treinar esse gestual sem, contudo,
perder a espontaneidade, mantendo o nível de energia através da dosagem entre o que
acontece internamente e externamente.
Outro fator importante é entender que para além da atuação, a linguagem audiovisual
constrói as narrativas com imagens justapostas e muitas vezes a composição dessas imagens
por si só já cria novos sentidos à expressão do ator.
Com relação à gestualidade, Lúcia Serpa contou que foi essa sua primeira dificuldade
quando foi fazer cinema e televisão, onde “menos é mais”:
Era uma atriz de teatro, e atriz de teatro cheia de gestos e expressões, e
movimentação, ainda mais vindo de uma escola de improvisação, em que você tem uma liberdade de ir, então o corpo inteiro está a serviço. E aí quando você chega no
cinema, você tá ali, você vai dizer o diálogo, é rápido, e quanto menos você fizer,
você vai passar. E eu achava que aquilo não ia dar certo no começo – “não vai dar
certo isso, eu não estou fazendo nada!” – a sensação que eu tinha é que eu não tava
fazendo nada. Só que daí o que acontecia era que a câmera estava no teu olho, ele
tava no teu rosto, ele tava na tua emoção, ele não tava pegando a tua boca mas o que
tu tava falando porque o olho tava transmitindo também (SERPA, 2016).
Lúcia Serpa (2016) contou que ao começar a lidar com este outro universo, o do
audiovisual, ela teve que abrir mão de certas premissas do teatro, onde se podia fazer o que
quisesse, em que o pé interpreta tanto quanto o rosto, a coluna, o joelho, onde o importante
era estar inteira – algo que ela associa ao trabalho de Grotowski. Já no cinema ou na televisão,
ela se viu diante de uma fragmentação onde algumas partes do corpo eram evidenciadas em
detrimento de outras, de acordo com o enquadramento. “Então você vai aprendendo a ter uma
expressividade detalhista, sabe? É a expressão de um detalhe, a expressão de uma sobrancelha
que levanta, de um olho que vai pensar numa coisa [...] tem uma questão que é uma verdade
que precisa estar muito no teu olho”.
57
De acordo com Nacache (2005, p. 27) dois polos organizam tradicionalmente qualquer
discurso sobre a representação do ator:
Por um lado, a ordem, a calma, o domínio [...], uma representação conscientemente
elaborada, um trabalho submetido a regras precisas; por outro, a paixão e a posse, o
ator entusiasta que, longe de qualquer jogo de máscaras e de simulação, se deixa
levar por si mesmo.
O paradoxo do ator, discussão levantada por Diderot (apud NACACHE, 2005, p. 27),
opunha o que ele chamava de “o ator medíocre da sensibilidade” ao “bom ator do
discernimento”, e sobre este diz “é a absoluta falta de sensibilidade que prepara os atores
sublimes”. Mais adiante, Diderot assume uma posição menos radical e caminha em direção ao
equilíbrio: “um ator que só tenha a razão e o juízo é frio; o que só tem inspiração e
sensibilidade é louco” (p. 28).
Para Maria Heloísa Machado (2010, p.2), pode-se estabelecer, no mínimo, dois
procedimentos correspondentes aos dois conceitos artísticos relativos ao trabalho do ator: a
criação da conhecida “quarta parede”, onde há uma total entrega ao personagem, e a
dualidade do ator, onde a crítica é possível e necessária, simultaneamente, à vivência do
papel. Ela afirma que:
A técnica da “concentração da atenção”, que produz o efeito de substituição da visão da realidade pela visão do território imaginário não necessariamente tem como
consequência a perda da noção do território real, mas pode levar à dupla visão:
real/irreal, em planos diferentes, onde o ator pode trabalhar com os dois (2010, p. 2).
Para ela, essa teatralidade presente no olhar do ator seria, então, um requisito comum à
realização da cena teatral e cinematográfica.
David Muniz (2016) destacou no processo de preparação do programa Ciência
Aberta, da TV UFPB o trabalho corporal, pouco comum na realidade do audiovisual
paraibano.
Acho que a grande preocupação muitas vezes é exatamente essa do texto, mas o
corpo, a preparação [...] você colocar o elenco todo numa energia só, sabe... essa preocupação de estar todo mundo numa mesma frequência de comprometimento, de
atenção a cena, acho que foi muito mais por isso. Pra que a gente tivesse uma
unidade. E fora a questão mesmo da você passar, estudar, e criar, e fazer a marcação
das cenas (MUNIZ, 2016).
No audiovisual a quarta parede volta com toda força, contribuindo para a sensação de
realidade, onde o espectador é completamente ignorado e se sente assim protegido, mesmo
acompanhando de perto a história. O ator precisa acreditar na cena, para que então o
58
espectador possa acreditar. Não existe “repetir” a cena tal qual ela aconteceu. As coisas
acontecem no “aqui e agora”, o importante é estar em estado de alerta, de jogo, o que interfere
e se modifica quando muda o tempo e o espaço, as condições, as circunstâncias. A
concentração do ator tem que estar na verdade do personagem, objetos, relações,
circunstâncias; abstraindo a presença da equipe e equipamentos no set. O objetivo do
personagem é o que conduz a cena.
Para Ribeiro (2005, p.24), “é justamente na relação do ator com o olhar da câmera que
se encontra a vivacidade do seu trabalho no cinema, e aqui estendo também para a televisão”.
Para ela, o olhar da câmera “é capaz de apresentar ao espectador os sentimentos mais íntimos
através de um close up”.
O Natural
Uma das características da atuação no audiovisual é a busca pelo natural, entendido
como uma representação que se assemelha à vida. Este natural que por muito tempo foi
perseguido no teatro, age no audiovisual como consequência de uma estética da proximidade,
que revela todas as sutilezas do trabalho do ator e da atriz. O natural não é necessariamente a
representação da vida cotidiana, tem mais a ver com a coerência da composição e da reação
do espectador. Uma artificialidade crível, verossímil.
Ribeiro (2005, p. 21) diferencia os milhões de imagens que se reproduzem na vida
cotidiana daquelas que surgem na arte, em situação de representação. Não se tem o controle
sobre o surgimento das primeiras, sua movimentação, irrupção ou velocidade. Já as segundas,
se representam com poesia e plasticidade diferenciadas, para além da realidade cotidiana.
[...] o ator, ao recriar as imagens corporais cotidianas, reaviva seus sentidos,
explorando suas possibilidades na construção da ação e do gesto. O corpo cotidiano,
reavivado, é o que move o trabalho do ator neste palco intermediado pelo olhar de
uma câmera e iluminado por muitos graus kelvin em defesa de um realismo
representado pela imagem em movimento. E para reavivar o corpo cotidiano, o ator
caminha por princípios e técnicas que o levarão a um trabalho concreto e a uma
disponibilidade para doar-se em cena (RIBEIRO, 2005, p.21-22).
Então, é desafio do ator ultrapassar poeticamente a realidade cotidiana, ao mesmo
tempo em que a reproduz de maneira natural aos olhos do espectador.
Nacache (2005, p. 52) destaca a rejeição de Edgar Morin (1957) por uma naturalidade
estereotipada, causada quando o natural de cinema, ao transformar-se numa estilização,
suscita uma nova dialética natural-artificial. “Os grandes atores naturais são, então, os que
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ultrapassam ao mesmo tempo os tiques e a naturalidade estereotipada, readquirem com
facilidade as hesitações e o desajeitamento, e a cada gesto parecem inventar o natural”.
A naturalidade estereotipada de que fala Morin caracteriza muitos atores,
principalmente na televisão, cuja atuação “se limita a adotar, da maneira mais convincente
possível, uma postura, uma entoação, que esboce a sua personagem num traço rápido”. Esse
tipo de atuação com o tempo desgasta o ator e, é, muitas vezes, fator limitante para o seu
trabalho, funciona como uma armadilha contra ele mesmo, onde abre-se mão da
profundidade, da descoberta e da renovação, ao recorrer a modos já conhecidos. Alguns atores
sofrem de um tipo de “personagem constante”, ou seja, embora participe de diferentes obras,
os personagens que interpreta são sempre muito parecidos, quase sempre até parecem que são
a mesma pessoa, vista a repetição utilizada pelo ator.
Luiz Carlos (2016) aponta como desafio manter a naturalidade no audiovisual em face
às questões técnicas com que o ator e a atriz tem que se preocupar: “E como no ritmo
industrial, de fábrica, você se defender? Como você não cobrir a luz que está no seu
companheiro de cena ou favorecer para a câmera? Eles vão estar dando a dica „falseia pra cá‟,
e todo esse universo que envolve a relação ator/câmera.”
Já David Muniz (2016) comentou sobre a busca pela naturalidade a partir do texto,
durante a preparação para a série Geração Saúde 2. Ele conta que:
Nesses poucos ensaios, a preocupação primordial era com o texto, pra que o texto
fosse natural [...], a ideia nesses ensaios também era de reconstruir o texto. Porque o
texto chegava meio artificial e quem estava escrevendo o texto não era daqui
também [...] a gente tentou colocar expressões que fossem mais próprias daqui de
João Pessoa. Então, no primeiro momento, Marcélia se preocupou em dar mais
naturalidade ao que era falado. E nos ensaios existiram alguns exercícios pra gente buscar essa marcação de cena, essa movimentação, a ação física mesmo dos
personagens, buscar uma coisa que fosse coerente, né? Uma coisa que fosse
verossímil, né? Que as pessoas pudessem acreditar que aquilo ali era real (MUNIZ,
2016).
Lúcia Serpa (2016) contou que quando foi fazer televisão teve que se adaptar à
naturalidade exigida pela linguagem, pois no teatro a representação é mais formal, realista.
“Mas na televisão, na câmera que tá te pegando, você tem que ser o mais natural possível,
porque senão fica esquisito”.
Uma das formas às quais recorremos na busca pela naturalidade durante a preparação
para os programas de teledramaturgia da TV UFPB, especificamente o “De Portas Abertas” e
o “Ciência Aberta”, foi justamente na adaptação do roteiro realizada em leitura junto com os
atores e atrizes. Neste momento, todos podiam sugerir interferências para que o texto dito
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fosse o mais próximo à linguagem cotidiana, mantendo, é claro, o sentido proposto pelo
roteirista. Algumas expressões podiam ser acrescentadas no momento dos ensaios, quando as
ações começavam a incorporar-se à encenação, sugerindo pequenos ajustes nas falas. A
atualização da fala para a linguagem contemporânea também foi importante neste momento.
A Voz
Com relação à voz no audiovisual, Nacache (2012, p. 56) afirma que “A voz nunca
teve uma reputação muito boa no cinema e, segundo uma visão por muito tempo dominante,
não seria nele mais que gesto vocal, continuação da atitude corporal”.
Ela afirma que a voz adquire contornos mais especificamente cinematográficos na sua
manifestação sem relação com o ator, seja através da voz off ou over, voz fora de campo ou
pós-sincronização. “Embora a voz pudesse ser o que no ator brilha sem reservas, ela é
constrangida pela gravação, obrigada a medir-se com todos os outros sons e a encontrar neles
o seu lugar” (NACACHE, 2012, p. 57). Entre o ator e sua voz e corpo, desliza a mão de ferro
do cineasta, que tem o poder de separá-los e manipulá-los como quiser, em prol de sua obra.
Ela ainda observa que, sem articular nem projetar a voz como em palco, os atores tem
de aprender a falar sem que os movimentos da boca afetem demasiado a harmonia do seu
rosto.
Valeska Picado (2016) apontou para a necessidade de se trabalhar a voz durante o
processo de preparação dos atores e atrizes: “tem atores que tem a voz muito alta e a gente
precisa modular a voz. Outros tem a voz muito baixa, e a gente precisa equalizar na cena, não
é lá na ilha de edição. A gente precisa trabalhar essa questão dos volumes pra que a gente
trabalhe todo mundo junto”.
Durante as preparações que o grupo participou na TV UFPB, buscou-se trabalhar a
voz sempre em comunhão com o corpo, como parte dele. Logo, se procurou trazer para as
atividades propostas a integração dos dois elementos, seja no exercício da concordância, seja
enfatizando contrastes, seja no treinamento das intensidades, mas sempre em busca de uma
consciência e controle.
Continuidade e Fragmentação
De acordo com Pudovkin (1972, p. 17), as contínuas interrupções no trabalho do ator
durante as filmagens dificultam a manutenção da unidade orgânica da criação que, segundo
61
ele, constitui a essência da técnica do ator. Sendo assim, ele vê a descontinuidade do trabalho
do ator como um obstáculo a ser superado.
Valeska Picado (2016) apontou a continuidade como uma questão importantíssima a
ser trabalhada com os atores. Ela conta que quando se está memorizando uma fala que será
gravada, é importante que se repita o mesmo gestual. “Não é para ser mecânico, é natural mas
tem que ser muito controlado. Porque se eu disser „repetir de novo, gente‟, a gente precisa ter
essa noção do todo e do específico”.
A consciência corporal é uma grande aliada do ator nesse sentido, como afirmou Lúcia
Serpa (2016), que acredita que o teatro proporciona esse tipo aprendizado a partir de trabalhos
de criação com improvisação, por exemplo, onde o ator precisa saber exatamente tudo o que
executa para que tenha a possibilidade de refazer.
Ainda sobre a importância da continuidade na televisão e suas experiências na TV
UFPB, Valeska Picado (2016) apontou:
Acho que a maioria dos atores que chegam pra fazer televisão aqui vem do teatro,
então tudo a gente precisa reduzir. Reduzir a voz, reduzir o movimento, e ele ser
pontual, marcado, por conta da continuidade. Então eu preciso ter, como uma
coreografia, como se o texto fosse uma música e o meu gesto, seja ele um não gesto,
ele vai ser uma coreografia. Se eu for falar o tempo todo parada, e a minha mão
direita vai ficar sobre a esquerda, eu vou até o final ficar assim, essa é a minha
coreografia, é a não-coreografia ou o não-movimento, mas é esse. Essa é outra
dificuldade, porque muitas vezes, não digo sempre, há trabalhos cênicos, teatrais que
são milimetricamente coreografados, mas geralmente tem-se marcações: eu vou pra
cá, eu vou pra lá, eu me abaixo, me levanto... mas não com tanto detalhe, do dedo,
da mão. [...] Na hora de editar, se eu for, vai dar um salto na imagem, então esse detalhamento também é muito importante. A questão do olhar, de estar olhando pra
determinado lugar (PICADO, 2016).
Uma das principais características do trabalho do ator e da atriz no audiovisual é a
proximidade estabelecida em sua relação com a câmera. Ela é o olhar próximo e sensível que
captará cada segundo da atuação. Para Ribeiro:
Esta sensibilidade do olhar próximo faz com que a adequação do ator à estética cinematográfica vá além do gesto, da ação e da voz, pois, no cinema os atores
adequam-se também à fragmentação e às especificações físicas e de fotogenia
exigidas pelo meio, já que esta é uma arte de fotografia em movimento na qual
tecnologia e ator trabalham juntos na construção do filme (2005, p.18).
Sobre a questão da fragmentação, é importante observar que, muitas vezes, no
audiovisual, as cenas são gravadas por partes e em tempos diferentes. É possível que se grave
num tempo não cronológico, ou ainda que haja um intervalo muito grande entre a gravação de
cenas sequenciais. Devido a isso, Valeska Picado (2016) enfatizou a importância da
62
disciplina, e da paciência, pois os atores e atrizes precisam lidar com o tempo de montagem
do set, que normalmente, é muito demorado; sem perder o estímulo, sem deixar a energia se
esvair.
Neste sentido, exige-se do ator e da atriz um nível alto de concentração, para que ele
supere o tempo necessário para fazer todos os ajustes de câmera, luz, som, etc., mantendo a
mesma energia. Questões de produção determinam, na maioria das vezes, a sequência de
gravação das cenas, o que pode provocar, por exemplo, a gravação de uma cena de grande
densidade dramática, sem que se tenha gravado as cenas que a antecedem, sem qualquer
progressão dramática para se chegar àquele ponto. Assim, o treino dessa fragmentação, dessa
manutenção de energia e concentração é essencial para o trabalho do ator e da atriz, sendo
este um dos nossos principais focos durante a preparação de atores e atrizes.
Formação
Pensando em uma formação de ator e atriz que aborde a linguagem audiovisual
enquanto campo de atuação desse profissional, foi possível identificar, principalmente no
meio acadêmico, que esta se dá quase que exclusivamente voltada para o teatro. Não há oferta
de disciplinas que abordem de maneira aprofundada outros campos de atuação profissional do
ator e da atriz, como rádio, televisão e cinema. Esse enfoque poderia contribuir para capacitar
os atores e atrizes de maneira a multiplicar as possibilidades no mercado de trabalho. Já com
relação aos cursos de cinema e audiovisual, a maioria possui reduzida carga horária dedicada
à direção de atores.
Para Adriana Vasconcelos (2010, p. 40) há uma necessidade de esforços pessoais no
aperfeiçoamento do diretor e do ator, numa busca de maior informação e aprendizado sobre o
trabalho de direção e interpretação focado na linguagem audiovisual, uma vez que há uma
limitada ou inexistente formação do ator para o cinema, além de uma frágil formação dos
cineastas brasileiros.
Ilustrando tal necessidade, Tiche Vianna (2016) contou que foi procurada por uma
turma de estudantes de Multimeios da UNICAMP para montar uma estrutura de curso para
preparadores dentro do audiovisual, para o qual, usou como ponto de partida sua vivência
como preparadora de atores e atrizes na televisão. Ela atribuiu essa procura ao fato de que,
dentro da universidade, o curso é muito voltado para todas as operações que envolvem o
audiovisual, e muito pouco focado na questão da relação com os atores e, por isso, era uma
área onde eles tinham uma grande dificuldade.
63
Neste sentido, a TV UFPB atua enquanto espaço laboratorial e de formação para
estudantes dos cursos de Rádio e TV, Jornalismo, Mídias Digitais, Teatro, Cinema e
Audiovisual, onde estes podem não só acompanhar os processos de produção dos programas
televisivos, como participar ativamente deles, seja enquanto auxiliares ou até mesmo
assumindo, em alguns casos, funções profissionais que exigem uma dedicação e
envolvimento, o que reverbera positivamente na qualidade de sua formação.
64
1.3 Over Shoulder: O Preparador de Atores e Atrizes
Uma das queixas de muitos atores de cinema na Paraíba remete à fala de Stanislavski
(apud BONFITTO, 2001, p. 22), quando aquele iniciava seus estudos sobre o ator: “Os
diretores explicam com talento o que querem obter, o que é preciso para uma peça; interessa a
eles apenas o resultado final. Eles criticam, indicando ainda o que não se deve fazer, mas
„como‟ obter o desejado é coisa que ninguém diz”. Na verdade, o papel do diretor, seja no
teatro ou no audiovisual, é contribuir com o ator e a atriz no sentido de encontrar soluções
cênicas, é provocá-los a buscar resoluções.
Para o preparador de atores Christian Durvoort33
(2006), o diretor:
[...] é aquele que motiva, inspira, encoraja e dá suporte para o ator. A sua ética
consiste em fazer coisas que ele também possa fazer ou já tenha feito. Mesmo que o
resultado seja inferior que a produzida pelo seu ator. Ele não é modelo do que se
quer produzir e nem modelador. Ele é mediador de uma série de informações,
objetivos, situações e referências. De certo ele tem que ser capaz de compreender o
que se passa e fazer com que o processo siga.
Para Durvoort (2006) o trabalho do diretor é solitário, mas não isolado, nem
dependente do meio, e tem como objetivo promover o diálogo na diversidade e não reduzir
tudo à sua visão do mundo. Ele afirma que “Dirigir é fazer convergir os esforços de um grupo
de indivíduos para uma ação coletiva coordenada compartilhando dos acertos e dos erros do
todo”.
Embora o diretor possua a visão geral da obra, acompanhando e coordenando cada
área envolvida em sua feitura, seu trabalho tem grande peso na potencialização dos agentes
criadores. E essa potencialização também precisa estar no trabalho dos atores e atrizes. É o
diretor quem vai proporcionar à equipe as condições e estímulos necessários para que esses
criem na plenitude de suas capacidades.
Pudovkin defende uma atitude de colaboração dentro do mais vivo e do mais direto
contato entre o ator e o diretor cinematográfico. Ele afirma que:
33 Christian Durvoort é ator, diretor e preparador de elenco. Na televisão preparou atores para os seguintes
trabalhos: 3% (2016); Destino Salvador (2015); Politicamente Incorreto (2014); Destino Rio de Janeiro, (2013);
Pedro e Bianca (2012); Destino SP; Filhos do Carnaval; Cidade dos Homens. No cinema, preparou o elenco dos
filmes: Rio Santos; A Glória e a Graça; 3×4; A Noite da Virada; Entre Nós; Macbeto; Rendas no Ar; Estrada
47; Xingu; Nosso Lar; Os Capitães da Areia; Blindness; Cidade dos Homens; Noel Rosa, Poeta da Vila; Cidade
de Deus; entre outros.
65
A solidão durante as filmagens é para o ator um grave peso. Por isso o diretor que se
esforça por ajudar o máximo possível o ator, ou por dar-lhe as necessárias condições
para uma interpretação livre, franca e aberta, deve saber reagir diante do trabalho do
ator de maneira a ser para este um cordial e sensível espectador, mesmo se único.
Coloco seriamente o problema da possibilidade, para o diretor, de fazer com que o
ator não somente acredite nele como teórico, num mestre, num guia, mas também
como um espectador que se comove e que ora o aprova, ora o desaprova. O
reencontro desse contato interno entre o diretor e o ator, o estabelecimento de um
respeito e de uma confiança profundos e mútuos é um dos mais importantes
problemas da técnica da criação do filme coletivo (1956, p.77, apud
VASCONCELOS, 2010, p. 19).
Tiche Vianna (2016) apontou algumas diferenças entre o diretor do audiovisual e o
diretor de teatro: o primeiro tem equipes “infinitas”, entre as quais ele precisa fazer uma
interligação, e aí incluem-se todos os elementos que compõem o audiovisual, que trabalham
inclusive em momentos diferentes e se preparam de formas diferentes. Já no teatro, ela
destacou a simultaneamente, onde todos seguem juntos do início ao fim, o que considera mais
simples de conduzir.
Experiências recentes na teledramaturgia brasileira vem ganhando grande destaque
devido ao sucesso que conseguem junto ao público e crítica. Luiz Fernando Carvalho é um
dos diretores que inaugurou novas formas de se fazer televisão, mesmo em uma emissora
comercial. Ele faz questão de, em seus trabalhos, desenvolver uma pesquisa profunda junto à
sua equipe, onde trabalham exaustivamente em busca de um projeto estético muito particular,
dentro do universo mítico. Para os atores, trabalhar com este diretor consiste em experienciar
um processo de criação rico em possibilidades, estímulos e materiais.
A esse respeito Luiz Carlos Vasconcelos (2016) falou:
Tem uns diretores que já fazem isso há muito mais tempo, são os pioneiros, como
Luiz Fernando Carvalho, que está agora em processo com O Velho Chico, e muitos
amigos lá fazendo. E todo mundo, meses antes, indo para o barracão lá dentro do Projac fazer, junto com toda a equipe dele (Tiche Vianna, etc.), que é o mesmo
pessoal que fez com a gente A Pedra do Reino em Taperoá. Então, há um cuidado
muito grande. No caso de Luiz, muito mais, porque a gente sabe da luta dele contra
o naturalismo na TV, em fazer algo mais poético. E há uma diferença, os produtos
mesmo internacionais, o cuidado, então as pessoas estão adotando isso, estão
adotando fortemente esse cuidado para garantir uma qualidade maior, cada vez mais.
(VASCONCELOS, 2016).
Lúcia Serpa (2016) destacou o trabalho deste diretor pelo espaço de criação que ele
conseguiu dentro de um lugar muito engessado, muito poderoso. “Ele pode criar e isso é ouro.
E aí os atores que trabalham com ele são felizardos também, porque podem criar junto, podem
fazer parte dessa construção”.
66
Uma das particularidades do trabalho de Carvalho, além de toda a preocupação
estética e artística com a sua obra, é o investimento que ele faz na preparação de atores e
atrizes.
Pode-se perceber que os trabalhos preparatórios começam a desempenhar um papel
fundamental na criação de televisão e cinema, assim como acontece há muito tempo no teatro,
buscando estabelecer não apenas uma homogeneidade dos elencos, mas também uma maior
intimidade com o contexto audiovisual. Tanto a linguagem do cinema quanto a da televisão
demandam uma especificidade técnica que não está presente na formação de atores e atrizes
para o teatro ou não está completamente sistematizada para atores que desejam atuar no
audiovisual.
No contexto audiovisual o diretor, normalmente, coordena uma diversidade de
segmentos que convergem na obra audiovisual, sendo a preparação de elenco apenas um
deles. Diante disse quadro, surge o preparador de atores, profissional responsável por esta
tarefa de aparelhar o elenco de acordo com as necessidades do trabalho a ser desenvolvido.
A presença cada vez mais frequente de preparadores de atores é um fenômeno que se
iniciou em consonância com outros aspectos de transição entre o cinema dos anos de 1980 e
de 1990. Este é um fenômeno característico da Retomada, no qual há um desejo cada vez
maior por uma profissionalização de atores. Também na televisão vem ocupando um espaço
cada vez maior. Alguns preparadores de elenco contemporâneos tem seu trabalho reconhecido
por boa parte dos diretores da televisão e do cinema brasileiro, a exemplo de Tiche Vianna,
Eduardo Milewicz, Sérgio Penna34
, Fátima Toledo35
e Christian Durvoort.
De acordo com Walmeri Ribeiro (2011, p. 76), um dos fatores mais importantes do
trabalho do preparador de elenco é sua relação com a direção. “Visando uma preparação
psicofísica e o desvelamento do ator, através da extrojeção, a preparação é um procedimento
que auxilia na potencialização corpórea do ator, que estimula a criação, o jogo e a
improvisação”.
Ao lançar um olhar direcionado ao preparador de atores e atrizes, é possível identificar
de que forma se dá a sua colaboração no trabalho do ator no audiovisual, de que maneira ele
34 Sérgio Penna é preparador de atores, diretor teatral e professor convidado de Direção de Atores do
Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA/USP. Realizou no cinema a preparação de elencos de
filmes como Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanski, Carandiru, de Hector Babenco, Contra Todos, de Roberto
Moreira, entre outros. 35 Fátima Toledo é preparadora de atores e vem trabalhando no campo cinematográfico desde “Pixote” (1982) de
Hector Babenco e. Trabalhou em dezenas de filmes a partir dos anos de 1990 como: “Central do Brasil” (1998,
de Walter Salles), “Cidade de Deus” (idem), “Céu de Suely” (2006, de Karim Ainouz), “Tropa de Elite” e
“Tropa de Elite 2 – O Inimigo é Outro” (2007 e 2010, de José Padilha), entre outros.
67
desenvolve seu trabalho, que tipo de processos ele utiliza, para então entender os
procedimentos utilizados no audiovisual contemporâneo, que podem contribuir para uma
melhor relação entre diretor e atores e para um melhor desenvolvimento dos trabalhos de
criação em televisão.
Na televisão, a função de preparar o elenco muitas vezes recai sobre os coachs,
profissionais que podem ser contratados individualmente por artistas interessados em
desenvolver seu trabalho, ou ainda serem funcionários fixos, com a função de auxiliar atores
iniciantes ou para necessidades específicas, como no caso de trabalhos com crianças.
Titina Medeiros, ao falar sobre a presença do coach na televisão, observou que: “É
como um funcionário, que está ali, que se você pedir socorro ele vai. Se você disser „vamos
bater o texto comigo‟, ele vai lá, marca com você e vai bater o texto com você”. Ela narra,
então, um fato onde a coach da telenovela Geração Brasil, Isabella Sechin, desempenhou um
trabalho muito valioso:
[...] ela fez um trabalho físico (com Penna a gente não tinha ido para o suor), e ela
fez com o menino que ia ser o meu „peguete‟ na novela. E foi muito importante para
nós dois, um encontrinho lá na no Projac mesmo, numa sala, até meio com cara de
escritório, uma coisa assim. Mas mesmo assim, ela levou uns tapetes, ela levou um clima, ela levou um som, e a gente fez um trabalho muito lindo assim. Porque era
com quem eu ia beijar, aquela coisa, eu não conhecia ele. E ele que pediu. [...] Foi
bem legal (MEDEIROS, 2015).
Entretanto, de forma geral, são os diretores que conduzem os processos de ensaio, por
sinal muito curtos, e de gravação. Isso se deve principalmente à celeridade com que a
indústria televisiva trabalha, o que, de certa forma, restringe o tempo e os recursos destinados
a esta etapa da produção.
É claro que cada diretor possui seu modo próprio de trabalhar, como conta Luiz Carlos
Vasconcelos (2016), ao comparar os processos de preparação da telenovela Além do Tempo e
da minissérie Queridos Amigos: uma era muito mais voltada para a relação com a câmera,
atuação para televisão no geral, em outra, o foco foi muito mais a construção da personagem e
de sua relação com os demais, um tipo de laboratório de construção.
Sobre Além do Tempo ele contou que durante as três semanas de preparação realizada
pelo argentino Eduardo Milewicz36
:
36 Eduardo Milewicz é diretor de cinema e televisão, roteirista, autor, pedagogo, preparador de elenco e ator.
Leitor do Sundance Institute (EUA) e supervisor de projetos para diferentes empresas com produção na Espanha
e na Argentina. Foi Consultor Artístico e fundador do Festival de Cinema Internacional Independente de Buenos
Aires. Dirigiu os longas “La Vida Según Muriel” e “Samy y yo” e as séries de TV “Hospital Central”,
“Supercharly” ,“Love in Difficult Times”, “Yo Soy Bea”, "El porvenir es largo", "El síndrome de Ulises".
68
Teve especificamente uma preparação que não era para personagem, mas, sim,
tentando ligar a atuação do ator mais para o audiovisual. [...] de buscar o menos, o jogar fora, a sinceridade, isso no vídeo, na sala, muitos exercícios de falar para a
câmera, e depois a gente via tudo isso e comentava e tal. Muito específica para a
televisão (VASCONCELOS, 2016).
Já, sobre o processo de preparação vivenciado em Queridos Amigos, ele conta que foi
conduzido pela própria diretora, Denise Saraceni, e que não foi uma preparação voltada para o
vídeo, com a câmera.
Em Queridos Amigos, a gente ficou dois meses dentro de um estúdio para virar
amigos. Montaram um apartamento e a gente via vídeos da época, anos 60-70, e
fazíamos macarronada e tomávamos vinho. [...] Dois meses passando cena, fazendo
tudo o que os anos 60 e 70 permitiam. [...] Não havia nada voltado para o vídeo,
não. Era uma preparação de personagem, mas era criar um vínculo entre aquelas
pessoas. E realmente aconteceu. Virou amigo mesmo. Como toda a história era em
cima dessa amizade, então a gente achava fundamental, segundo a diretora, e a gente
achava também, que era importante essa fase aí. Então a gente passava cenas, e era
equalizado e tal (VASCONCELOS, 2016).
A presença cada vez maior de um preparador de elenco – ou diretor de atores – nas
equipes cinematográficas indica que há também um crescente interesse pelo trabalho de atores
e atrizes na criação de filmes. Assim, é possível transpor também para as produções de
televisão um trabalho aprofundado voltado para o ator, com vistas à qualidade das obras.
Tiche Vianna (2014) fez um comparativo entre o tipo de preparação voltado para
séries e para novelas, destacando a seguinte diferença:
No caso de uma série, o preparador sabe exatamente o tempo que tem de preparação e de gravação. Já a novela exige o mesmo tempo de preparação (três meses em
geral), mas o período de gravação é maior e inexato. Então o trabalho é para gravar,
mas não focado nas cenas e sim no ator, nas possibilidades do ator de estar livre e
pronto para o ato da criação diante das câmeras (VIANNA, 2016).
O preparador de atores é o profissional responsável por estabelecer da melhor forma as
pontes entre as ideias do diretor e os atores, as quais são determinantes para o resultado da
obra. Uma vez que o diretor tem outras preocupações com relação ao filme, que vão desde o
conceito, à decupagem, fotografia, montagem, finalização, etc., o preparador conduz o
processo de criação dos atores, desde a preparação inicial, voltada mais para o
estabelecimento de uma frequência comum entre os atores, com atividades mais estruturantes
Preparou o elenco para o longa "Os Últimos Dias de Getulio", “O Peregrino”, “Não Pare na Pista – A Melhor
História de Paulo Coelho”.
69
de treinamento, preparação corporal e vocal, até o processo de criação de personagens e de
construção das cenas. Nestas últimas etapas, ele atua oferecendo estímulos, instaurando
situações, propondo jogos e improvisações até chegar ao tom determinado pelo diretor. Seu
objetivo é sempre promover uma apropriação do ator sobre o projeto poético do filme.
O preparador de atores também pode atuar ao trabalhar habilidades específicas com os
atores e atrizes de acordo com as necessidades da cenas. Luiz Carlos Vasconcelos (2016)
citou alguns exemplos: “Se vai andar de cavalo, tem um pessoal de artes, então vai escalar
dias para você ir para um hotel fazenda treinar. Ah, vai ter um afogamento, então vai para a
água, vai treinar tudo que possa evitar um acidente. Esse cuidado é uma coisa presente em
toda produção”.
Ao narrar um fato ocorrido durante o processo de preparação para a novela Geração
Brasil, ocasião em que chegava de viagem já com os trabalhos do dia iniciados pelo restante
dos atores junto ao preparador Sérgio Penna, Titina Medeiros (2015) destacou a atitude deste
que, ao perceber sua agitação de recém-chegada, pediu a ela que se acalmasse e comesse
devagar. Pediu ainda para que todos a esperassem comer. Ela contou que encara esse fato
como uma aula sobre o “estar”. Para ela, esse tipo de trabalho contempla “estratégias muito
humanas, onde o que interessa é eu estar aqui, simplesmente diante de você, olhar pra você,
estar inteira, dialogar com você, sentir você. Sabe? É tão delicado o fio, mas ao mesmo tempo
é tão forte, ele estar lá, estar lá”.
Ribeiro (2011, p. 58) chama atenção para a visão de Sérgio Penna, para quem o
cinema brasileiro contemporâneo aposta no realismo, no naturalismo, em busca da verdade,
da memória brasileira, tendo o ator como pilar de sustentação e construção deste cinema.
Ainda segundo Ribeiro (2010, p. 79), o trabalho desse preparador no cinema é
sustentado pelo binômio ação-respiração e pelo treinamento energético, onde propõe o
conceito de ator-autor, ou seja, um ator capaz de dialogar conceitualmente sobre o filme nos
seus mais variados setores, onde a construção da personagem dá-se dentro e a partir do
próprio ator, no plano real e simbólico: no abdômen, na transpiração, na mente.
Titina Medeiros (2015) narrou sua experiência com Sérgio Penna no processo da
novela Geração Brasil, apontando procedimentos de análise de personagem e construção de
biografia: “Foi uma preparação muito mais voltada para uma conversa, para sensações, para
percepções, muito de conversa de aprofundamento desses personagens, uma coisa até assim
talvez stanislavskiana”.
Já a preparadora Fátima Toledo, com quem tive a oportunidade de fazer um workshop
no ano de 2008, dedica-se a um método de preparação baseado em princípios teatrais do
70
Sistema Stanislavski. Neste contexto, ela criou um método que se tornou amplamente
divulgado, o qual estabelece uma distinção em outras formas de trabalho com atores no
cinema, onde existe espaço para discutir aspectos do roteiro e os atores podem criar cenas que
não estão no roteiro. Seu trabalho é, no entanto, bastante controverso entre os criadores no
cinema, por serem baseados na indução do ator ou “não-ator” a estados os quais ele não
possui um entendimento do processo, ou seja, do caminho trilhado para se chegar ao resultado
cênico. Ela diz que tudo que deve ser procurado para viver uma situação em cena, encontra-se
dentro do próprio ator e, por meio da ação, manifesta-se em diferentes qualidades de
movimentos corporais e vocais.
De acordo com Walmeri Ribeiro (2010, p. 85), o trabalho de Toledo parte sempre do
roteiro, embora a preparadora não goste de distribuir o roteiro na íntegra, para não gerar uma
antecipação e/ou ideias fixas sobre as personagens. Toledo começa, portanto, o trabalho a
partir estímulos de cenas presentes no roteiro para propor improvisações aos atores e,
buscando um aprofundamento no trabalho destes, são exploradas as aproximações e
distinções entre os personagens, assim como as relações entre personagens e espaço, e a
criação dos diálogos, tudo sendo testado no processo de preparação.
Em entrevista para a pesquisadora Adriana Vasconcelos (2010, p. 107), Toledo relata
que todos os métodos teatrais que assimilou ao longo de sua vida como atriz e professora –
como por exemplo os métodos desenvolvidos por Stella Adler, Lee Strasberg, Stanislavski,
Grotowski, Brecht, entre outros – lhe serviram como referências, mas seu processo de
trabalho não se limitou a nenhum método formal de artes dramáticas. Toledo afirma que no
processo de preparação de atores que ela desenvolve, sempre procura a verdade da pessoa
para vivenciar aquela história no filme.
Já com relação ao trabalho da preparadora Tiche Vianna, entrevistada desta pesquisa
que participou de grandes obras da ficção televisiva contemporânea, destacam-se alguns
aspectos do seu processo:
Em sua atuação no teatro ela prioriza processos criativos colaborativos, em uma
relação direta com o trabalho de criação do ator, entendendo este como compositor da
personagem e da cena. Ela afirmou que “o papel do ator é dizer quem é ele, quem é aquela
figura, aquela máscara, aquela personagem, e dizer isso fundamentalmente através do corpo.
[...] sempre entendi que o teatro era a arte de ator eminentemente, como veículo da
expressão”. Assim, é de seu interesse conhecer a cena pela criação do ator.
Com relação a seu trabalho com Luiz Fernando Carvalho, ela contou que levou um
tempo até entender que ele esperava de seu trabalho, não uma direção de cena – “ele não
71
queria que nós formatássemos movimentos específicos para os atores”, mas sim uma
preparação do ator para que esse adquirisse o domínio sobre a linguagem do seu corpo. Ele
esperava um ator que tivesse coragem de arriscar o improviso, que não se preocupasse com as
questões técnicas do audiovisual, mas que se preocupasse com as relações e com as
intensidades. A função da preparadora era também trabalhar o ator pra construção de um
repertório gestual.
Assim, Tiche (2016) conta que, na preparação de atores para a microssérie Hoje é Dia
de Maria, buscou a partir do trabalho com máscaras, mais do que dirigir o ator na cena,
construir com ele um repertório do qual ele pudesse se servir na hora da gravação. A
especificidade do trabalho com máscara permitiu a construção de um gestual mais acentuado,
que fugia ao naturalismo televisivo, ao realismo, “daquela pontuação das pessoas de uma
certa maneira decorarem os textos e gesticularem o corpo ou darem forma sempre naturais
demais ao corpo”, numa busca por uma teatralidade.
Chama atenção no trabalho realizado por Tiche o tempo dedicado à preparação dos
atores e atrizes em seus trabalhos na televisão, o qual normalmente compreende os três meses
que antecedem o início das gravações, com encontros de segunda a sexta, com 8 horas diárias.
É um tempo bastante extenso para a realidade da indústria televisual e, certamente, é um dos
fatores que interferem diretamente na qualidade final das obras produzidas.
Um aspecto importante relatado por Tiche (2016) é o fato de toda a equipe começar o
trabalho juntos, sob a orientação do diretor. Inicialmente, o diretor expõe pra equipe o que é o
trabalho que irão realizar, explicando qual o sentido da linguagem escolhida e apresentando
todo o referencial que ele convoca para a elaboração da obra, seja através de um texto
explicativo que ele oferece à equipe, seja através das muitas imagens que ele traz, seja através
do material que ele disponibiliza em uma biblioteca preparada para estudos, a qual é renovada
a cada trabalho.
É a partir desse material que a equipe de preparação elabora o seu trabalho:
Então como é que a gente vai iniciar essa preparação, quem vai fazer o quê, quantas
horas, de que maneira, se precisa mais isso, se precisa mais aquilo, se precisamos chamar alguma especialização, por exemplo, “ah, talvez fosse interessante fazer um
trabalho inicial de mímica, então vamos chamar fulano pra trabalhar com isso”. De
minha parte, eu começo também a compreender que tipo de máscara é interessante
trabalhar, como trabalhar com essas máscaras. Se a gente vai trabalhar fazendo com
que os atores toquem as máscaras, construam as máscaras, ou se os atores vão
utilizar máscaras que já estão feitas, se isso virá como um trabalho técnico, de que
maneira... então a gente começa a ter toda a concepção de onde vai partir, qual é o
disparador do processo criativo (VIANNA, 2016).
72
O processo se inicia com os preparadores, mas recebe interferências diretas do diretor,
que costuma entrar pra improvisar, a partir dessa preparação inicial. Então, ele assiste a esse
processo e começa a ter ideias pra determinadas práticas que vão indicando pra ele caminhos
a seguir, inclusive nas questões de elaboração de câmera, de luz, de figurino, etc. A exigência
que ele tem da equipe não é que a equipe fique mostrando o que sabe fazer, mas sim que ela
se sirva do que sabe fazer pra arriscar o que não sabe fazer. Então, todos os trabalhos são de
uma profunda provocação.
É importante ressaltar que, assim como afirmou a preparadora, embora seja um
trabalho essencial, não existe uma fórmula definitiva para se preparar ou dirigir atores para a
televisão. “Preparar não significa criar um laboratório exato de equipamentos que vão gerar,
necessariamente, um bom resultado” (VIANNA, 2016).
Porém, ela destacou a importância, dentro de seu trabalho de preparação de atores e
atrizes, de entender que “essas pessoas entre si tem que estar atravessadas umas pelas outras,
num respeito profundo pela criação um do outro, num desejo profundo de conhecer o que o
outro faz, de interesse profundo pelo outro”. E conclui que: “Você pode ter a máscara que
você quiser, se não tiver por trás dela o coração, o elemento humano como essencial para que
tudo isso funcione bem, a arte fica fria, ela fica num outro lugar. Isso que é o mais essencial”.
Ao escolher trabalhar com processos colaborativos, buscou-se valorizar este elemento
humano, essencial para qualquer trabalho artístico e também na televisão que se quer fazer.
Dar voz aos atores e atrizes, assim como aos demais sujeitos do fazer televisivo, é uma
tentativa de somar os esforços criativos em prol de uma obra coletiva. Tal escolha não garante
o sucesso do produto, mas, ao se considerar o processo também enquanto arte, se exerce de
forma plena o desejo e dever de criar da melhor maneira possível.
73
1.4 Zoom in: Processos de Criação
Existe uma ética particular do ator que cria para se chegar à estética que se deseja. O
espaço do ator criador no audiovisual somente é possível quando se inverte a lógica da ética
dos processos de produção, onde o ator não vai mais apenas decorar um texto e dizê-lo de
maneira convincente, mas sim criar dentro desse processo, com profundidade, utilizando
todos os recursos que possui, na construção de uma obra artística, com poder de
transformação para emissores e receptores. Muitas vezes é no processo de cocriação que
acontece a desconstrução da imagem de um ator que já tem uma imagem estabelecida, para
então haver uma reconstrução a partir de uma nova relação entre os atores e com o ofício de
atuar. E nesse contexto, é mais interessante o estado de disponibilidade no qual ele pode se
arriscar, abrindo mão de todas as suas certezas anteriores. Como afirmou Tiche Vianna
(2016): “criar não é saber fazer, criar é você se servir dos recursos que você tem, de tudo
aquilo que você sabe para arriscar o inédito em você”.
Ao analisar os filmes “Cidade de Deus” e “Bicho de Sete Cabeças”, Ribeiro (2010, p.
67) identifica como ponto de intersecção o ator cocriador, que gera possibilidades sobre as
quais se dá a sustentação estética da obra. Para ela, a importância destes processos no cinema
brasileiro desde então se tornou uma marca da criação cinematográfica no Brasil.
Estes processos nos quais o elenco interfere do projeto inicial da direção deram
também aos atores a possibilidade de compreender seus procedimentos nos trabalhos
preparatórios do filme, sendo “coautores” da obra a partir de propostas que vinham à tona na
composição dos personagens.
Frutos de uma busca estética, que rompe com as especificidades de um cinema onde tudo é previsto, produzido e decupado pelo diretor e sua equipe, o que acompanhamos
no cinema brasileiro é um processo de criação que tem por objetivo trabalhar com o
imprevisto, com a espontaneidade, numa relação de liberdade de criação que traz para
o filme o frescor e a densidade dramática de uma ação criada em cena (RIBEIRO,
2008, p 47).
Pôde-se perceber uma ampliação da função do ator, uma vez que estes procedimentos
de criação lhe permitem interferir na criação do texto e na direção por meio da improvisação
em ensaios e laboratórios, processos muito semelhantes aos que se conhecem no teatro, o que
sugere certas aproximações.
Muitos realizadores adaptaram para o cinema métodos desenvolvidos para atores de
teatro, a exemplo de Lee Strasberg, no Actors Studio – escola norte-americana de atores para
74
cinema – que fez a adaptação do sistema de Stanislavski, o qual serve de base à grande
maioria da literatura na área de direção de atores e atuação para cinema e televisão.
Sobre o papel do diretor, o cineasta gaúcho Carlos Gerbase (2003, p. 29), que também
tem sua base no Sistema de Stanislavski, afirma que o ofício do diretor é entender a natureza
humana, para depois reproduzi-la com verossimilhança, emoção e ousadia estética. Segundo
ele, “todo diretor deve ser capaz de levar todos os seus atores e atrizes ao limite de seus
respectivos talentos. A atuação será a combinação dos talentos de quem dirige e de quem
atua”.
Reafirmando esse pensamento, Michel Rabiger (2007, p.175), afirma que, fora o
conhecimento de filmagem, a compreensão mais útil que um diretor pode adquirir é de
atuação. Comparando a atuação no teatro e no cinema, ele destaca como diferença a presença
do público no primeiro, cujo apoio mantem a credibilidade dos papéis representados,
enquanto no segundo esta deve ser extraída de si mesmos e dos demais personagens, como na
vida, já que não há público.
Para ele, no cinema o ator deve ser em vez de interpretar. Sendo assim, como técnica
para manter a concentração com a prática, ele sugere que o ator mantenha um fluxo constante
de ações internas e externas, de coisas para fazer, forçando ao ator permanecer em contato
com o estado de espírito do personagem, distanciando a mente da consciência de si mesmo.
Não há estado interior sem um reflexo exterior. [...] Quando a mente e as emoções
do ator estão corretamente combinadas e suas ações são apropriadas, seu corpo vai
inconscientemente expressar tudo que seu personagem sente. A direção deve,
portanto, se preocupar em atingir o verdadeiro estado de espírito do personagem,
ajudando o ator a desenvolver as ações que o acompanham. As emoções são
evocadas pelas ações, e não o contrário, como pensa a maioria das pessoas (RABIGER, 2007, p.177).
Rabiger afirma que é somente no ato de fazer que são geradas as soluções possíveis
para qualquer problema dramático, porque isto requer imaginação, intuição e reflexos rápidos.
Ele propõe que a preparação vá além dos níveis mental, intelectual e emocional, e se
estabeleça prioritariamente no físico, em repetidas tentativas até que se reconheça o que é
autêntico. O trabalho de preparação vai se sobrepor, criando verificações e contrapesos em
que a ação, as motivações e os significados surgem de análises múltiplas. “O diretor lidera o
processo de coordenar e conciliar esses pontos de vista, transformando-os em um diálogo
criativo em vez de em uma batalha de vontades” (RABIGER, 2007, p. 206).
Ribeiro (2005, p. 95) acrescenta que “O encontro com o aqui e o agora, interfere,
propõe, modifica as partituras desenvolvidas nos laboratórios, mas como diz Grotowski
75
espontaneidade e disciplina coexistem, e, portanto, essas modificações colaboram com a
atuação, estabelecendo novamente o jogo e a improvisação”.
Neste ponto, assemelha-se a Brook e seu teatro imediato, no qual sugere que se deve
descobrir, aqui e agora, os melhores meios de dar vida a um tema qualquer, abrindo espaço
para os elementos puros e os impuros. Um teatro onde “tudo é possível”, porém “qualquer
coisa” não é aceitável, o que requer experimentação permanente, rigor e disciplina.
Já referenciando o “teatro vivo” de Antonin Artaud, pode-se falar em uma cena
audiovisual viva, pulsante, fluida, desenvolvida a partir do e no jogo entre ator, diretor e
câmera, criando inúmeras possibilidades de enquadramento e de movimentação no ato da
filmagem.
A câmera se constitui num dos níveis de construção do discurso fílmico. Segundo
Nikitta Paula,
É necessário que o corpo físico, em representação, se faça imagem artístico-
simbólica; que convertido em signo o corpo do ator permaneça uma realidade
material, mas passe a refletir uma outra realidade 3/4 ou, melhor dizendo, uma
irrealidade; que ao focá-lo possamos assistir uma imagem da qual o seu corpo não é
senão o referente (PAULA, 2001, p. 28).
De acordo com Ribeiro (2005, p.67):
[...] na cena contemporânea o ator deixa de ser o instrumento de interpretação de
uma personagem, construída e delineada por um roteirista e por um diretor, para
contribuir na construção da mise en scéne cinematográfica, ou seja, o ator passa a
estabelecer uma relação de coautoria com a obra, propondo possibilidades
dramáticas, na qual ações, tempo, ritmo, diálogos, interferem diretamente na
construção e na forma da história a ser contada. Esta estrutura contemporânea de
pensamento estabelece entre o ator e a cena uma relação de apropriação, na qual o
ator se apropria da cena podendo interferir diretamente em sua construção e, por outro lado, o desenvolvimento da cena tem no ator a mola propulsora de criação.
O corpo do ator, segundo Pavis (2001, p. 75), “situa-se entre a espontaneidade e o
controle absoluto, entre um corpo natural ou espontâneo e um corpo-marionete”. O corpo do
intérprete é preparado para corresponder às expectativas de seu trabalho. Tal qual a dança e o
teatro, o cinema contemporâneo exige do intérprete uma presença manifestada mediante
imagem e energia. Para obter tal manifestação, é preciso que o ator desenvolva uma
inteligência física que permita o corpo pensar por si, uma ação criadora.
Independentemente de a preparação ser feita por um preparador de elenco, ou pelo
próprio diretor, o que é certo é que ela é bastante enriquecedora para um melhor resultado da
obra audiovisual. A preparação garante que os atores estejam imbuídos da obra que vão
executar, seja ela no cinema ou na televisão.
76
Ao analisar os processos de criação da recente produção cinematográfica brasileira,
Walmeri Ribeiro os aproxima das propostas de criação presentes nas artes cênicas abrindo,
sobretudo, um forte diálogo com as teorias da performance, à medida que se tem um processo
criativo fundamentado na singularidade do ator e na extrojeção.
Em sua grande parte, os diretores, não buscam por atores que decorem um texto e
interpretem uma personagem, já delineada por um roteiro cinematográfico, tampouco se debruçam sobre decupagens ou roteiros técnicos para pensar a encenação, mas sim
propõem uma dramaturgia e uma encenação que sejam desenvolvidas conjuntamente
com os atores, a partir de uma dramaturgia do corpo, uma dramaturgia que emerge da
ação e transforma-se em cena audiovisual (RIBEIRO, 2011, p. 95).
Sendo assim, a construção se dá em processo, o que exige do ator uma abertura para
aceitar as dinâmicas de vida de sua personagem e o força a permanecer em estado de atenção
e doação, afinal, como afirmou a entrevistada Titina Medeiros (2015): “É uma improvisação
constante. Só que uma improvisação previamente marcada. [...] Porque é como se aquela
preparação que a gente enxerga no teatro fosse a própria realização da filmagem”.
Ribeiro (2010, p. 28) afirma que o ator criador é este que trabalha sobre si mesmo,
buscando no seu corpo todos os impulsos que o levam à criação. E a estrutura dessa criação
(partituras), torna-se um procedimento para a improvisação e para a espontaneidade. Já que o
ator cria com seu próprio corpo, modela-se a si mesmo, seu corpo é tanto um seu instrumento
de trabalho quanto o resultado desse trabalho, sua obra.
Os processos de preparação desenvolvidos por Tiche Vianna nos programas dirigidos
por Luiz Fernando Carvalho estão sempre vinculados à máscara, que é a base do seu trabalho.
O intuito não é trabalhar com a máscara na gravação, mas, sim, que ela seja o impulso criativo
do ator, pra que ele estabeleça outra relação com o seu fazer, uma relação que o desloque da
sua naturalidade, do seu elemento humano, e que construa o seu elemento mítico. Sendo
assim, “o que interessa para o Luiz Fernando é o universo mítico do mundo, é como ele pode
falar do mundo através da sua mitologia”. Segundo a preparadora, este diretor compreende
que qualquer personagem surge a partir do seu arquétipo, e por mais naturalista que seja, ele
está dentro de uma linguagem artística, então não pode ser uma mera imitação dele mesmo,
mas tem que passar por uma transformação.
Para Artur da Távola (1985, p. 11), “Mito é a forma comunicativa de conservar e de
significar um valor através de um símbolo ou meta-símbolo, que expressa, amplia, antecipa,
fixa, esclarece, oculta ou exalta o valor significado. É, portanto, e representa, uma verdade
profunda da mente”. Ele afirma que expressar-se por meios simbólicos é a forma das mentes
77
individual e coletiva fazerem emergir ao consciente o que nelas jaz ou lateja em profundidade,
oclusão, alcance, memória ancestral ou futura. E, talvez, seja por isso que os trabalhos de Luiz
Fernando tenham atingido de maneira tão profunda mesmo os espectadores menos afeitos à mídia
televisiva.
Ao observar as teorias do cinema descritas por Jaques Aumont (2012, p. 169) é
interessante destacar a teoria identificada em Nicholas Ray, que define o cinema como a arte
do ator. Ele afirma que o trabalho de preparação do diretor é o mesmo que o trabalho de
preparação do ator: trabalho sobre si, sobre sua posição e sua atitude; o diretor, que também
tem uma “ação”, comunica-se com o ator em seu campo. Neste sentido, ele aponta aquilo que
determina em grande parte a reflexão que Ray faz sobre o cinema em geral: a ideia do ator
enquanto coautor do filme, um dos locais da invenção no cinema, em pé de igualdade com o
diretor, que deve, portanto, evitar qualquer domínio manipulatório. Numa concepção
dominante do cinema como arte dramática, a lógica do filme é a lógica da ação, antes de
qualquer outra: “Ação designa, portanto, o processo analítico e construtivo pelo qual um ator
chega a representar um personagem” (p. 170).
Atualmente, em muitas produções do audiovisual, seja no cinema ou na televisão, os
processos, assim como já acontece na performance e no teatro, lidam com o ator e a atriz em
estado de atuação ao invés de representação, o que significa que ele passa a ser criativamente
ativo, como um coautor da obra. Segundo Walmeri Ribeiro (2010, p. 39), o ator desenvolve, a
partir de suas habilidades psicofísicas trabalhadas no momento da preparação e treinamento,
um vocabulário próprio que será utilizado na cena.
Na televisão o roteiro vem pronto na maioria dos casos, com pouca flexibilidade para
mudanças. Logo, o ator necessita trazer uma proposta cênica sobre a qual o diretor vai
interferir. Alguns diretores, como o já citado exemplo de Luiz Fernando Carvalho, trabalham
em um processo de criação mais complexo, com ensaio e construções coletivas,
aprofundamento no processo de construção de personagem, etc. Mas na hora da cena é hoje
de jogo que mantenha o frescor da espontaneidade.
Lúcia Serpa, que trabalhou com ele na telenovela Carmen, do Sistema Brasileiro de
Televisão (SBT), fala sobre o seu particular processo de direção:
O Luiz Fernando é um cara que é um criador, ele está ali criando junto, dá pra ver na
forma como ele faz as novelas dele, o jeito que ele utiliza a luz, o jeito que ele utiliza
a música, o jeito que ele foca no ator, que muitas vezes vai para um close que a
gente acha até que não estava tão acostumado assim, e ele deixa, ele tem um tempo
também diferente. Mas ele tem uma coisa muito definida na cabeça dele, do que ele
quer (SERPA, 2016).
78
Na televisão, devido à questão do tempo de produção muito reduzido à grande
velocidade com que os processos acontecem, o ator se viu por um longo período, e ainda hoje,
diante da impossibilidade de trabalhar em processos coletivos mais longos e aprofundados,
sendo o trabalho realizado de forma muito mais individual, concretizado apenas no curto
espaço de tempo das gravações. Dessa forma, gera-se um estado de jogo e de espontaneidade
natural e necessário ao ator e à atriz, como descreveu Titina Medeiros (2015): “Quando a
gente estreia na novela, não tem tempo para ensaio. Então, é como se o nosso primeiro dia de
encontro no teatro, pra trabalhar um espetáculo, já fosse com as câmeras ligadas e diante do
público. É uma improvisação constante”.
Porém, nos últimos anos, alguns diretores tem priorizado o trabalho de criação junto
aos atores, privilegiando o tempo de preparação dos atores, voltado para a construção de
personagens, improvisações e ensaios, como é o caso de Luiz Fernando Carvalho, que possui
uma equipe de criação que trabalha “aos moldes de um grupo de teatro”, como descreveu a
preparadora de atores Tiche Vianna:
Ele é um formador de equipes de criação, ele cria uma integração entre essas
equipes, as equipes trabalham todas juntas, todo mundo se envolve pelo projeto de
cabo a rabo, todo mundo participa de todos os elementos criativos. Então é uma
coisa muito excepcional, isso dentro da televisão é mais excepcional ainda. [] Esse é
um trabalho muito raro de acontecer dentro da televisão. Essa formatação de equipes
e o trabalho a longo prazo, onde você passa ali três meses se preparando pra iniciar
uma gravação. Isso é uma coisa muito nova dentro da televisão, uma coisa muito
pioneira que partiu do Luiz Fernando. Então uma coisa é você pensar a preparação
de atores de um modo geral, inclusive com direção de cenas, de coisas que eu já ouvi de outras pessoas que trabalham com isso, e uma coisa é você trabalhar o
mundo criativo e imagético do ator e da atriz, pra que eles possam no momento da
gravação, acionar o seu melhor e serem provocados pelo próprio diretor, que vai
pensar tudo aquilo dentro de um campo muito mais amplo e muito maior, que ele
vai, depois, no momento da edição, construir o produto final. Então, sou um
fornecedor de matéria prima criativa pra esse trabalho (VIANNA, 2016).
Também sobre o Trabalho de Luiz Fernando, Lúcia Serpa (2016) pontuou:
Eu acho que ele tem uma busca estética também muito potente, uma coisa muito
poderosa. E eu acho que essa busca estética dele acaba também tendo como é que é
a interpretação desse ator. [...] Porque tem uma coisa conjunta, né. O ator está dentro de um contexto, que aquele cenário é importante, o figurino que ele tá usando é
fundamental, a luz que tá sobre ele, tudo tá muito junto, ele tá fazendo parte daquilo.
Tem um pertencimento naquilo. Como é que é entrar no universo? Acho que tem
alguns diretores que tem mais facilidade de passar pro ator que universo é esse
(SERPA, 2016).
79
Esse tipo de processo visa sair um pouco da ideia do audiovisual como um projeto de
um diretor, que irá manipular os elementos disponíveis na construção de uma obra própria,
para uma ideia de projeto coletivo, onde vários artistas se reúnem para construir,
colaborativamente, uma obra artística onde cada um tem sua voz, sua parcela de participação
e autoria, sendo todos autores e responsáveis pelo produto final. Esse tipo de entendimento
requer dos envolvidos uma postura ativa, propositiva, inclusive dos atores e atrizes, cujo
trabalho muitas vezes ficava dependente ou submisso a direcionamentos ao mesmo tempo
precisos e limitadores, que restringiam sua capacidade criativa. Este que, por muito tempo,
não passou de tinta para pintar a tela do diretor, é considerado em nosso experimento o
próprio pintor, que pinta a quatro, seis, dezenas de mãos criadoras, cada um dando seu matiz
nesta pintura.
Sobre esse trabalho colaborativo Tiche contou sobre um fato que lhe chamou muita
atenção quando começou a trabalhar na televisão: os atores não trabalhavam entre si, ou a
partir do outro. Normalmente, os atores e atrizes preparavam seu material isoladamente, os
quais eram reunidos somente no momento da gravação. A partir desta observação, ela
estabeleceu então um processo de trabalho que priorizava o trabalho em equipes, onde cada
grupo de atores trabalhava coisas diferentes de maneira simultânea, compartilhando os
espaços. Ela ia, então, transitando entre esses grupos até que, num determinado momento, os
colocava juntos pra trabalharem relações, percepções, caminhadas, etc. Para ela, esse tipo de
trabalho se faz necessário pois, mesmo que eles não contracenem, todos eles são um coletivo
e fazem parte de um único trabalho, que vai ser mostrado ao longo de meses, semanas, dias.
Walmeri Ribeiro aborda em sua pesquisa possibilidades de procedimentos de criação
da obra audiovisual, como a improvisação e a criação colaborativa. Desta forma afirma que:
A criação audiovisual contemporânea, sobretudo a brasileira, ao propor como parte
do processo criativo, um laboratório de criação com os atores, que tem como
princípio norteador o ator como cocriador da obra, busca, ainda que de forma
intuitiva e investigativa, base para o desenvolvimento das dramaturgias do corpo no
audiovisual (2010, p. 29).
Porém, na construção dessas dramaturgias do corpo, os métodos possíveis são os mais
variados, podendo fazer parte tanto de um processo colaborativo, mais fundado nas técnicas
do teatro contemporâneo, como também em contextos mais tradicionais, como afirma Maria
Heloísa Machado:
80
Dentro da perspectiva das dramaturgias realistas e não realistas, mas, previamente
estabelecidas, contrariamente aos jogos improvisados, temos uma situação dada, um
personagem com sua gênese possível, um desenrolar de cenas ou takes em ordem
cronológica ou não, no que diz respeito à sequência textual. Com esses dados em
mãos, deve o ator, sob a ótica stanislavskiana, colocar-se “no lugar do personagem”,
“visualizar” as “circunstâncias propostas”, agir, elaborando o “monólogo interior”,
tornando-se, assim, coautor do texto” (2010, p.1).
Stela Regina Fischer (2003) faz um estudo sobre o processo colaborativo em grupos
de teatro brasileiros, e descreve como é realizado esse tipo de criação. Segundo ela (p.28), a
forma de criação colaborativa pressupõe o avanço do conceito democrático do coletivo, sem
abolir a delegação de responsáveis pela coordenação de determinados setores. Conserva-se a
divisão de tarefas, estabelecida de acordo com a especialização e, também, o interesse e
habilidades dos integrantes, que podem sugerir soluções nos diferentes campos. Assim, os
princípios da construção dramatúrgica e/ou cênica norteiam-se segundo os critérios da
totalidade integrada.
Tentou-se trazer para o audiovisual esse tipo de criação artística, onde a função do ator
amplia-se, abarcando uma série de atividades antes incumbidas aos profissionais
especializados, como ocorre com frequência nas formas de criação cênica tradicional. O ator
passa a operar desde a elaboração dramatúrgica, a confecção de figurinos, cenários e demais
tarefas da produção.
De acordo com Fischer (2003, p. 52), essa dinâmica cria condições e movimentos para
que todos os artistas envolvidos possam contribuir com proposições nos diferentes setores de
uma criação teatral, com liberdade e desenvolvimento de habilidades.
O fato de as equipes técnicas que integram as produções de teledramaturgia realizadas
na TV UFPB serem reduzidas contribui para que se busque os processos colaborativos, onde
artistas e parceiros que somam-se às produções desenvolvem não apenas suas funções
primeiras, mas disponibilizam outras habilidades e contribuições para o desenvolvimento das
produções. Valeska Picado (2016) ao abordar este aspecto contou:
Então a gente tem diretor de iluminação, no caso nosso, mas a gente não tem, por
exemplo, um maquiador. Então a maquiagem vem nessa busca coletiva e, de
repente, alguém que tem uma habilidade maior e diz “ah, gente, eu sei maquiar”. E
aí começa a ter esse trabalho mais colaborativo, menos profissional técnico, mas que
não deixa de ser rico. [...] ele é rico em termos de descobertas, porque a gente
descobre maneiras novas e maneiras possíveis (PICADO, 2016).
81
Neste sentido, o processo de criação colaborativa apresenta-se como um terreno de
flexibilidades, onde as lacunas podem ser supridas a partir do trabalho em grupo, da coesão e
unidade desse grupo.
Valeska Picado (2016) enfatizou que, apesar de serem colaborativos, os processos que
dirige também são autorais:
A luz tem o seu autor, o texto tem o seu autor, mas esse processo eu acho que,
sozinho, essa coisa de ver o diretor como dono do conhecimento, dizer “repita
assim, faça assim”. Quantas e quantas vezes, eu acho que todas, eu chego com uma
proposta e ela fica completamente diferente, por conta dessa interação. É muito rico o contato com as pessoas, é riquíssimo! A gente nunca imagina o final como vai ser,
se a gente permitir que as pessoas colaborem, se a gente se abrir pra isso, escutar,
principalmente o ator, que tá passando por aquilo ali. A gente escutá-lo eu acho que
é a maior riqueza pra uma direção, é a gente poder ouvir os atores (PICADO, 2016).
O processo de preparação para a primeira temporada do programa Ciência Aberta teve
um forte viés colaborativo. Embora haja um detalhamento do processo mais adiante, no tópico
2.1 desta dissertação, se fez interessante trazer o depoimento do ator David Muniz (2016) para
este momento da discussão:
No Ciência Aberta, acho que foi bem parecido com isso também, isso de a gente
procurar as marcações da cena, isso foi totalmente a junção de quem tava conduzindo com quem tava sendo conduzido. Era uma coisa de se experimentar,
“Vamos ver aqui dessa forma”, aí a diretora vai, olha, “tá, vamos experimentar de
outra forma agora”. E aí eu acho que foi natural, aconteceu bastante também. Seja na
questão de texto, seja na questão de marcação de cena, tanto nos ensaios quanto nas
gravações (MUNIZ, 2016).
No processo de colaboração na televisão contemporânea brasileira, algumas brechas
estão sendo abertas cada vez mais, para além dos processos propostos pelo diretor Luiz
Fernando Carvalho. O ator Luiz Carlos Vasconcelos falou sobre a liberdade que os atores da
novela Além do Tempo tiveram. No processo de preparação, eles buscavam uma equalização
do texto, fazendo cortes ou acréscimos, ou ainda substituição de palavras para que se
adequassem melhor ao modo de falar da época retratada. Ele contou que alguns atores eram
mais propositivos neste sentido, outros, como ele, mais contidos, porém todos tinham uma
postura de refletir e defender suas sugestões, que poderiam ou não ser acatadas de acordo com
a visão do autor, que poderia considerar as mudanças comprometedoras demais com relação
ao sentido desejado para as falas. Mas, de um modo geral, as sugestões eram bem vindas,
mesmo porque, como destaca Luiz, os autores de novelas também estão em processo de
82
criação ao mesmo tempo que os atores e consequentemente se beneficiam com tais
colaborações.
A liberdade de intervenção no texto também foi destacada por David Muniz (2016),
em sua participação na série educativa Geração Saúde 2, onde houve um encontro entre
atores e roteirista voltado para uma análise do roteiro e das personagens, com abertura para
propostas. Essa liberdade permeou também os ensaios e as gravações, à medida que novos
elementos, como cenário, figurinos, marcações, iam se incorporando à cena, gerando novas
provocações nos atores.
Já a atriz Lúcia Serpa (2016) contou como fez para realizar uma série de 50
programas, que abordavam conteúdos de Física no Telecurso 2000:
E, nas aulas de Física, eu dizia “pô, mas eu não vou conseguir simplesmente decorar
isso e falar um texto, porque eu quero que a pessoa entenda o que eu estou dizendo”.
Então eu pedia pro professor me mostrar a experiência. Aí ele me mostrava a
experiência, ele me explicava como é que a coisa acontecia e eu dizia: “entendi,
vamos gravar”. E aí eu tinha que contar para a câmera como é que era aquela
experiência, como é que eu tinha entendido aquilo, porque eu achava que ia ser a
forma melhor pras pessoas entenderem. Se eu ficasse muito presa no texto, eu achava que eu ia ficar um pouco recuada, no sentido até de um pouco tímida em
relação à câmera, porque de repente eu estava insegura de não saber exatamente o
que eu estava dizendo. Então aconteceu uma coisa de deixar um pouco uma
liberdade, me deram uma liberdade para que eu pudesse contar (SERPA, 2016).
Assim como acontece no teatro, alguns atores desenvolvem metodologias individuais
de trabalho no audiovisual. Descobrem procedimentos que os ajudam na construção da
personagem, na experimentação cênica. Nos processos de criação contemporâneos, ao ator
cabe o trabalho de busca, de descoberta de possibilidades, de proposições criativas, longe de
ficar apenas esperando ser conduzido pelo diretor ou pelo preparador. Se reivindica-se a
posição de cocriadores, deve-se então desempenhá-la da melhor maneira possível, inclusive
desenvolvendo mecanismos que possam potencializar o trabalho como um todo, enquanto
obra coletiva.
A esse respeito, Luiz Carlos Vasconcelos (2016) compartilhou sua experiência no
filme Baile Perfumado:
Eu criei meu próprio, como tinha uma questão física muito forte, bom, se Lampião
usa essa armadura, como é que eu ia simplesmente botar isso só para gravar? Então,
adotei me vestir daquilo o tempo que a gente tava lá pra banda de lá. Para ir gravar,
a gente estava em cima, na vila onde ficavam os pinheiros da... como é o nome da
barragem ali, famosa? Paulo Afonso. “Aonde é a locação?” “Vai ser lá em baixo.”
“Então tá, eu vou descer a pé.” E descia pela mata, criava os cachorros dentro de casa, ou seja, você começa a criar o seu, defender o seu. Então, inventava meus
próprios rituais, fui ler tudo, encontrei a oração de corpo fechado de Lampião, que
83
estava no pescoço dele quando o decapitaram. Decorei por minha conta e fazia essas
orações no meio do mato. Um dia o Lírio e o Paulo me ouviram, de tanto fazer a
oração, disseram “vamos botar isso aqui” e entrou até no CD da trilha do filme um
trechinho que a gente diz a oração. [...] todo ator tem, desenvolve ali o seu, se
defende pra isso entrar pro corpo porque como é que um cara veste isso, passa a vida
vestido assim e eu vou vestir no dia de gravar e você vai acreditar? Não, aquilo tinha
que estar acomodado em mim e ficou porque eu ia aos sábados e domingos, que era
folga, pegava o barco e ia para uma cidade vizinha ali, descendo o Rio São
Francisco, onde tava tendo uma missa do vaqueiro. Era vaqueiro da região toda
chegando a cavalo. Eu fui de Lampião no barco, com os oclinhos dele e tudo, desci,
peguei um cavalo da cidade e entrei na cidade de Lampião. Foi a coisa mais emocionante que eu já vivi na minha vida. Quem tava a pé ou quem tava a cavalo
enfileirou-se nas laterais, estiravam os braços e gritavam “Capitão!”, emocionados
todos. E eu, sabe, chega lacrimejava vendo como era forte aquilo, como as pessoas,
por um momento, trouxeram ele – Lampião – para dentro daquela festa sem estar
programado, sem ninguém saber (VASCONCELOS, 2016).
Já David Muniz (2016) destacou o processo de preparação para o programa Quem
Souber que Conte Outra, da TV UFPB, que foi bastante individual. Ele conta que pra decorar
a história ele a gravou e ficava escutando, tentando acompanhar. Depois ele começou a
experimentar conta-la às crianças, seja na sala de aula como professor, seja como animador de
festas. Testando possibilidades, ele foi percebendo o que chamava a atenção das crianças, seja
pelo humor, seja pela tensão ou a expectativa dos personagens. Dessa maneira, ele acredita ter
enriquecido o material que levou para o set de gravação, considerando que por trás daquela
câmera estaria uma criança, como aquelas que contribuíram para o seu processo de criação.
Valeska Picado (2016), que dirigiu este mesmo programa, definiu o trabalho do ator
na televisão como solitário e frio, devido também a essa relação tão estreita com os
equipamentos, câmeras, luzes, microfones, etc. Para ela, essa frieza do estúdio de televisão
deve ser compensada pelo calor da equipe, das pessoas que estão por trás da câmera. Ela
exaltou o valor de se cuidar de cada um dos integrantes da equipe, não só dos atores, mas a
equipe como um todo. Para ela, isso vale mais do que equipamento e do que a máxima tão
repetida “o show tem que continuar”.
Então, quando você investe nas pessoas, você tem as coisas. E quando você investe
nas coisas você não tem as pessoas. Então, acho que um caminho interessante pra
TV universitária, TV pública, é trabalhar com a própria comunidade, através do
ensino, da pesquisa, da extensão. E aí a gente tem resultados fantásticos (PICADO,
2016)
Esta questão da importância da coesão e valorização da equipe no trabalho audiovisual
também foi apontada por Lúcia Serpa (2016), que considera que as relações do diretor e da
equipe técnica devem ser estabelecidas da melhor maneira possível pois é determinante para o
resultado perseguido. Ela fala sobre o risco de, na falta de uma boa relação deste tipo, o
84
trabalho se tornar algo frio ou formal demais, o que pode gerar um estranhamento. Ela
acredita que essas relações refletem no resultado final do trabalho e na recepção do
espectador.
Tiche Vianna (2016) destacou a postura ética ligada à estética proposta pelo Luiz
Fernando. Mas alerta que não é uma fórmula, não é pressuposto que vai dar certo o fato de se
optar por realizar uma preparação.
Há de se entender que nós trabalhamos com um universo que é um universo de
risco, de vulnerabilidade. [...] principalmente porque nós estamos trabalhando com
pessoas em estado de criação, trabalhar esse universo requer da parte de quem
trabalha não uma postura mecânica, quer dizer, não é um entendimento que isso é
um mecanismo que é posto em funcionamento e se você tiver todas as coordenadas e
os equipamentos perfeitos isso vai acontecer. Existe o elemento de risco, que é o
elemento humano. Então ele depende de quem são os elementos humanos que estão na coordenação e na projeção dessa configuração de uma equipe de preparação, de
criação, essa soma. Que qualidade de equipe você tá montando. Quando eu digo isso
eu não tou falando de pessoas especiais, mas eu tou dizendo que você precisa criar
uma afinidade, né. Não uma disputa, não uma competição. Você precisa criar um
afeto entre todos aqueles que estão ali (VIANNA, 2016).
Observar todas essas experiências criativas, desde as mais tradicionais até as formas
mais contemporâneas, permitiu a percepção de que é possível estabelecer uma metodologia
colaborativa em quaisquer possibilidades, desde que se respeite e aceite a capacidade do ator
contribuir de maneira ativa para o desenvolvimento do trabalho. É claro que o tipo de
abordagem determinará se a interferência do ator será maior ou menor, mas em todos os casos
ela é sempre possível. Para que esse tipo de processo aconteça é necessário, principalmente,
que todos os artistas envolvidos estejam abertos para escutar o outro e pensar a obra enquanto
resultado de um esforço coletivo, enquanto criação cuja autoria pertence a todos os partícipes,
ainda que cada um desempenhe uma função específica.
85
EPISÓDIO II
2.1 Flash Back: O Programa Ciência Aberta
O programa televisivo Ciência Aberta foi resultado de um projeto de extensão
coordenado pela Prof. Dra. Joana Belarmino, contemplado pelo Edital Proext 2014. O
objetivo do programa era popularizar a produção científica e tecnológica da UFPB e revelar o
chamado saber popular, estabelecendo uma ponte entre a pesquisa científica e a experiência
popular, buscando promover o diálogo entre diferentes saberes, desmistificando ou
confirmando o conhecimento popular já difundido.
Ele constituiu uma série de 10 capítulos, cada um composto de duas partes: uma delas
utilizou recursos de teledramaturgia, através dos quais um grupo de atores faz a representação
do saber popular; enquanto a outra parte foi composta por reportagens sobre a pesquisa
científica abordada em cada episódio.
A escolha pela utilização da teledramaturgia se deu no intuito de se diferenciar dos
programas científicos tradicionais, geralmente monótonos e de linguagem complexa. A
abordagem cênica gerou descontração, aproximação e interesse de um público que se está à
margem da academia. Nesta parte do programa, optou-se por utilizar a metalinguagem, onde
os atores representam estudantes de teatro que estão reunidos para fazer um programa de
televisão sobre as pesquisas desenvolvidas pela UFPB, como ilustrou trecho do roteiro do
primeiro episódio:
EXT. PASSARELA DO CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES.
DIA.
David Muniz anda pela passarela do Centro de Comunicação, Turismo e Artes
enquanto fala para câmera.
DAVID
Oi. Eu sou David Muniz e hoje estamos estreando o programa Ciência Aberta, que vai mostrar a integração entre o saber popular e o conhecimento
científico. Para isso, vamos conhecer algumas pesquisas desenvolvidas na
Universidade Federal da Paraíba e saber como esse conhecimento está
presente na nossa sociedade.
Enquanto David fala, alguns alunos, bolsistas de teatro, começam a surgir atrás
dele e cumprimentam a câmera.
DAVID
Nessa empreitada comigo estão alguns bolsistas do curso de teatro e do curso
de comunicação social.
David vai em direção de uma porta.
86
DAVID
Isso sem falar de toda equipe da TV UFPB.
INT. SALA DE REUNIÃO DO PROGRAMA CIÊNCIA ABERTA. DIA.
David entra e é revelada toda equipe técnica e de bastidores executando suas
funções, além do cenário, figurinos, maquiagem, etc.
DAVID
Sejam bem vindos ao Programa Ciência Aberta.
Os bolsistas de teatro aplaudem, surgindo próximos a David.
Para enfatizar tal característica, Joht Cavalcanti37
, roteirista do programa, optou por
manter os personagens representados com os mesmos nomes dos atores. Essa abordagem se
deu através da encenação de esquetes curtas que ilustraram a experiência popular, por meio de
situações comuns do dia a dia dos cidadãos, em contraponto à abordagem mais formal
realizada pelo bloco de reportagem. A linha narrativa seguiu um esquema básico para todos os
episódios: Num primeiro momento, as personagens estudantes e apresentador se reuniam para
escolher um tema para o programa, que normalmente surgiu de alguma vivência cotidiana de
um deles; em seguida, todos partiam para pesquisar sobre o tema, que era colocado em
discussão para o grupo; por fim, construíam uma cena teatralizada onde ilustravam de que
forma aquele tema estava presente no saber popular.
Para a produção do bloco teledramatúrgico foram realizadas algumas etapas que
compreenderam desde o planejamento à execução, descritas a seguir:
2.1.1 Pré-Produção
Inicialmente, foi realizada a seleção do elenco. Foram feitos testes de vídeo com
estudantes do curso de Teatro da UFPB, nos quais se avaliaram os parâmetros como
fotogenia, naturalidade, voz e interpretação. Além destes quesitos, avaliaram-se outros que
diziam respeito à adequação de outras atividades do projeto de Extensão, uma vez que eles
também realizariam, além da atuação nos programas, ações de formação, interação com o
público externo, relatoria, entre outras, e também considerou-se a diversidade de gênero, cor,
37 Joht Cavalcanti é ator, diretor e dramaturgo paraibano. Autor não publicado, entre 1992 e 2013 vem
escrevendo diversas peças e esquetes teatrais, além de adaptações para o teatro, tendo seus textos montados em
vários momentos: Coletânea (adaptação - 1994), Assassino de Parto (1997), Cuscuz Bondade (1999),
Namorados (2002), O Aniversário (2002), Acomodada (2002), Patrick ou Essa Estranha Criatura Chamada
Menino (coautoria com Eleonora Montenegro - 2004), Namorados (2006), Do Outro Lado da Chuva (2010) e A
Princesa Luzia e o Urso de um Olho Só (2013). Em 2014 roteiriza o programa Ciência Aberta, da TV UFPB.
87
etc. Foram selecionados os estudantes: Raquel Ferreira, Márcio de Paula, Natan Pedoni e
Sandro Régio. Posteriormente, também foram convidados atores e atrizes profissionais para
compor o elenco, entre eles: David Muniz, Osvaldo Travassos38
, Ingrid Castro39
e Kassandra
Brandão40
.
A segunda etapa compreendeu a realização da oficina “Ator e Câmera” (figuras 1, 2, 3
e 4), que visou possibilitar o contato direto entre os atores e a linguagem audiovisual, além de
proporcionar os primeiros laboratórios de criação. A oficina, conduzida pela pesquisadora e
por Valeska Picado, também diretora de teledramaturgia da TV UFPB, foi destinada não
apenas para os atores selecionados para o elenco do programa, mas também para a
comunidade interna e externa à universidade.
Durante a oficina, foram desenvolvidas atividades de socialização, integração,
respiração, olhar, voz, improvisação e interpretação para a câmera. Muitas delas foram
baseadas em jogos teatrais de Viola Spollin, Augusto Boal, entre outros, e adaptadas para a
linguagem audiovisual, o que exigiu uma atuação bem mais contida do que aquela praticada
no teatro. Durante uma semana, com 3 horas diárias, foi realizada a oficina que culminou com
alguns vídeos curtos gravados, e que serviram também para uma análise dos participantes.
Figura 1: Oficina Ator e Câmera
Fonte: Acervo TV UFPB
38 Osvaldo Travassos é ator e radialista. Na televisão atuou nas séries De Portas Abertas e Ciência Aberta. No
cinema, atuou nos curtas-metragens: Tentação, O Estranho mundo de Yan; Homens; Uma luz no fim do túnel,
Imprevisível. No teatro atuou em: Nero, Coiteiros, A noite de Matias Flores, O verdugo, Donzela Joana,
Tambaba, meu amor, A maldição de Carlota, entre outros. 39 Ingrid Castro é atriz, diretora e arte-educadora. Formada em Artes Cênicas e Especialista em Representação Teatral pela UFPB, é também integrante do Grupo Graxa de Teatro, de João Pessoa. Atuou em peças como: Déjà
Vu, Do Outro Lado da Chuva, Faz de Conta, Pedaços de Mim, Janelas Perfumadas, entre outras. Atua no
audiovisual em peças publicitárias, já tendo feito mais de 20 trabalhos na área, e participou do programa
televisivo Ciência Aberta. 40 Kassandra Brandão é atriz, diretora e arte-educadora. Formada em Artes Cênicas pela UFPB e Especialista em
Arte e Educação pelo CINTEP, é também integrante do Grupo Graxa de Teatro, de João Pessoa. Atuou em peças
como: Déjà Vu, Entre 4 Paredes, Do Outro Lado da Chuva, Profanações, entre outras. Atuou no audiovisual em
filmes como: O Terceiro Velho, Moído, Vislumbre, Donna e Aponta pra Fé, além do programa televisivo
Ciência Aberta.
88
A terceira etapa deu-se na sala de ensaio, apenas com o elenco, a partir da condução de
um processo de construção já das cenas do programa. Os roteiros foram escritos pelo roteirista
Joht Cavalcanti, e eram disponibilizados para a direção algumas semanas antes dos ensaios,
que se iniciaram após os ajustes e a aprovação definitiva.
2.1.2 Produção
Durante a construção cênica foram experimentadas diferentes técnicas de criação.
Utilizaram-se técnicas tradicionais, baseadas principalmente no Método das Ações Físicas de
Stanislavski, que compreenderam o estudo detalhado do roteiro, com análise dos personagens,
Figura 2: Oficina Ator e Câmera Figura 3: Oficina Ator e Câmera
Fonte: Acervo TV UFPB
Figura 4: Oficina Ator e Câmera
Fonte: Acervo TV UFPB
Fonte: Acervo TV UFPB
89
das circunstâncias dadas, dos objetivos, subtexto, etc., a exemplo do episódio “Milona”
(figura 5).
Também foi possível vivenciar processos de criação mais abertos, com interferências
diretas em falas e ações propostas pelo roteiro, adaptando-as às necessidades dos atores, na
busca pela organicidade e naturalismo. Um exemplo é o episódio “Pagode Russo” (figura 6),
que tratava de uma pesquisa sobre o linguajar sertanejo. Os atores, a maioria natural de
cidades do interior, trouxeram suas experiências pessoais em relação à maneira de falar, bem
como construíram ativamente partituras coreográficas baseadas em danças populares,
interferindo inclusive na escolha da trilha sonora do episódio.
Márcio de Paula, Natan Pedoni, Raquel Ferreira e David Muniz Fonte: Acervo TV UFPB
Figura 5: Episódio Milona
90
Outros episódios foram completamente construídos a partir de exercícios de
improvisação, antes mesmo de se discutir o roteiro, somente a partir das ações sugeridas no
texto, que, posteriormente, viriam se sobrepor à camada do texto. Realizou-se esse tipo de
construção no episódio “Sisal” (figura 7).
Figura 6: Episódio Pagode Russo
Ingrid Castro, Osvaldo Travassos, Raquel Ferreira, Sandro Régio, Natan Pedoni, Kassandra Brandão
e David Muniz Fonte: Acervo TV UFPB
91
A paródia também foi um recurso bastante utilizado em alguns episódios. Em
“Biocombustível” (figura 8) foi realizada uma paródia com a temática de programas
televisivos de culinária e comédias teatrais escrachadas, numa combinação que se utilizou
basicamente da caricatura e do exagero.
Figura 7: Episódio Sisal
Sandro Régio, Raquel Ferreira, Natan Pedoni, Márcio de Paula e David Muniz Fonte: Acervo TV UFPB
92
Já em “Engolindo Sapo” (figura 9) a paródia foi feita utilizando-se desenhos animados
e musicais da Brodway, que se relacionavam com o tema ou o formato proposto. Neste caso,
como o bloco de teledramaturgia do programa se propõe enquanto experimento cênico
ficcionalizado, o virtuosismo e a perfeição não são qualidades perseguidas. Ou seja, a
teatralização é bem vinda e a escassez de recursos plásticos é parte da proposta estética.
Figura 8: Episódio Biocombustível
Márcio de Paula, Sandro Régio e Raquel Ferreira Fonte: Acervo TV UFPB
93
Outra possibilidade experimentada foi a criação livre, sem conhecimento algum do
roteiro, apenas a partir de estímulos dados pela diretora, ou temas, os atores criaram
livremente as cenas, as quais muitas vezes interferiram de maneira determinante no roteiro,
modificando-o completamente. Em “Dança da Vida” (figuras 10 e 11), os exercícios foram
propostos pela direção, a partir de estímulos musicais, e resultaram em partituras físicas que,
posteriormente, se adequaram ao roteiro. Este também sofreu algumas ressignificações a
partir das partituras propostas.
Figura 9: Episódio Engolindo Sapo
Márcio de Paula, David Muniz, Sandro Régio e Natan Pedoni Fonte: Acervo TV UFPB
94
Figura 10: Episódio Dança da Vida
Figura 11: Episódio Dança da Vida
Sandro Régio, Márcio de Paula, David Muniz, Raquel Ferreira, Natan Pedoni e Cely Farias Fonte: Acervo TV UFPB
David Muniz, Márcio de Paula, Raquel Ferreira e Natan Pedoni Fonte: Acervo TV UFPB
95
Um dos episódios, “Planta Mágica” (figura 12), foi construído colaborativamente já no
set de gravação. Existia um roteiro base que, na visão da direção, ainda não estava
devidamente definido. Foram testadas diversas soluções propostas, tanto pela direção, atores e
até mesmo os técnicos (cinegrafistas, iluminadores, técnicos de som, produtora). Foi uma
combinação dessas possibilidades apresentadas que constituiu o resultado final do episódio.
Tanto as proposições como a escolha da solução foram realizadas pelo coletivo e este foi um
fato que provocou a todos, uma vez que foi mantida uma relação de paridade que permitiu
atuar criativamente e colaborativamente na construção da cena. Esta foi, possivelmente, a
semente que me foi plantada e que hoje floresce como pesquisa de outras possibilidades
colaborativas de criação em televisão.
Foram realizados no decorrer dos ensaios diversos procedimentos baseados em
diferentes práticas teatrais. Trabalharam-se os elementos do método das ações físicas de
Stanislavski, como a análise ativa, a construção de personagem a partir da identificação dos
objetivos e da criação do subtexto, etc.
Figura 12: Episódio Planta Mágica
Raquel Ferreira e Sandro Régio Fonte: Acervo TV UFPB
96
Também foi trabalhada a pré-expressividade dos atores na busca por um corpo extra-
cotidiano, como aborda Eugênio Barba na sua Antropologia Teatral. O nível pré-expressivo é
definido como um nível básico de organização comum a todos os atores independente da
técnica experimentada por eles. A pré-expressividade preocupa-se com a maneira de deixar a
energia do ator cenicamente viva, ou seja, de manter no ator uma presença que atraia
imediatamente a atenção do espectador. Essa energia cenicamente viva no ator é o
denominado nível pré-expressivo. A partir desse princípio, trabalhamos ainda na construção
de partituras e desenvolvimento de subpartituras, com foco da codificação corporal.
Neste período, também lançou-se mão dos jogos teatrais e de improvisação
desenvolvidos pela americana Viola Spolin, uma das pioneiras do teatro improvisacional. O
sistema desenvolvido por ela sistematizou a prática teatral a partir de princípios defendidos
por Brecht e Stanislavski, com jogos que focam a criatividade individual, adaptando e
focando o conceito de jogo como chave para abrir a capacidade de auto-expressão criativa.
Nesses exercícios foram trabalhados os elementos principais da narrativa como “o que”,
“onde” e “quem”.
Permitiu-se, desta forma, uma vasta gama de experiências por parte dos atores que, ali,
traziam os seus conhecimentos na área de teatro, e tinham a tarefa de, junto com a direção,
adaptá-los transpondo-os para a linguagem televisiva.
A fase de gravação do programa compreendeu basicamente a adaptação do espaço da
sala de ensaio para o set de gravação, sendo que os personagens e, praticamente, todas as
cenas já estavam solidamente construídos, proporcionando, desta forma, grande agilidade e
fluidez nas gravações. Ainda assim, algumas modificações foram propostas nesta etapa, tanto
pelos atores quanto pela direção, sempre que se perceberam necessárias, em face de novidades
como elementos do cenário, disposição das câmeras e microfones, etc.
Durante todas as etapas de produção, os atores participaram ativamente dos processos.
Foi feito um laboratório de confecção de cenário, onde os atores puderam acompanhar a
pesquisa da diretora de arte, bem como contribuiu para a construção ou reforma dos objetos
cênicos. Já o figurino foi concebido inicialmente pela figurinista, que estabeleceu a paleta de
cores de cada personagem a partir das suas características e personalidade e, a partir daí,
partiu-se para uma “garimpagem” no guarda-roupa da TV UFPB e nos acervos pessoais de
cada ator.
Os alunos e alunas foram estimulados ainda a participar de oficinas de produção,
roteiro, edição e direção de arte, oferecidas por outras instituições da cidade no mesmo
período da produção do programa. Os resultados dessas oficinas reverberavam nos momentos
97
de planejamento, de ensaio e de estudos teóricos, os quais mantivemos durante a fase de pré-
produção a fim de aprofundar nosso conhecimento sobre o universo da televisão.
Trazer a ideia dialógica para a construção cênica no audiovisual, admitindo o ator
enquanto criador possibilitou um espaço para que este atuasse de maneira mais ativa, seja em
processos mais tradicionais, com roteiro fixo e direção clássica, onde ele pôde propor, alterar
e adaptar possibilidades interpretativas para além do sugerido pelo roteiro ou pela direção;
seja em processos mais abertos, próximos à performance, por exemplo, onde parte do roteiro
foi construída durante o desenvolvimento do episódio, a partir de uma participação efetiva de
todos os envolvidos na criação, desde atores, diretores, iluminadores, etc., influenciando-se
mutuamente, e em igualdade de condições tanto no processo criativo de sua função específica,
quanto na intercomunicação com os demais artistas, à medida em que o processo caminhava.
Os resultados obtidos nessa experiência foram os estímulos iniciais para que fosse
realizada uma observação mais cuidadosa, identificando os erros e acertos do processo, e a
partir daí assumir-se um comprometimento com uma pesquisa detalhada, a fim de sistematizar
os procedimentos experimentados, em diálogo com os praticados no cinema e na televisão
contemporânea, numa nova experiência prática.
Os procedimentos utilizados na preparação dos atores durante a primeira temporada do
programa Ciência Aberta foram originários de pesquisas e experimentos teatrais anteriores.
Apesar de ter havido algumas oficinas na área de audiovisual, o trabalho de construção cênica
se deu em sua maior parte sem a presença da câmera, fator que pode ter contribuído para o
resultado ter sido mais “teatral”. Existiu uma lacuna entre a criação teatral e a adequação à
linguagem audiovisual, o que acabou por “contaminar” em vários trechos o produto final com
um tipo de representação menos naturalista. Não se deve considerar este fato algo ruim, pois
ele foi condizente ao formato do programa, que se pretendia teatral em alguns momentos.
Porém, notou-se que é necessário um treinamento para que, nos momentos em que essa
“teatralidade” não seja requerida, o ator possa desempenhar bem sua função de maneira
natural e verdadeira, como exigiria uma representação mais convencional no audiovisual.
2.1.3 Avaliação
Para uma melhor avaliação do processo, a partir do ponto de vista dos atores, foram
realizadas entrevistas individuais, via internet, com aqueles que participaram desta produção,
a fim de verificar questões no tocante à preparação do ator e à formação do estudante de
98
teatro, bem como as necessidades e dificuldades que eles encontraram no decorrer da
produção.
Para as entrevistas com os atores foi elaborada a seguinte lista de questões:
1. Você já havia trabalhado com audiovisual antes? Quais foram as suas experiências
na televisão e no cinema?
2. Você acredita que sua experiência na TV UFPB contribuiu com sua formação
enquanto ator/atriz? Por quê?
3. Quais os pontos positivos nas experiências que teve na TV UFPB?
4. Quais os pontos negativos nas experiências que teve na TV UFPB?
5. De que forma você utilizou os conhecimentos adquiridos no curso de Teatro nas
experiências na TV UFPB?
6. Como você acha que a experiência na TV UFPB poderia ser melhor para sua
formação?
7. Você poderia destacar procedimentos/atividades realizados na produção da qual
participou na TV UFPB que ajudaram no seu desempenho?
8. Você acha que o processo de preparação dos atores é importante para um bom
resultado em produções televisivas?
A partir da tabulação e análise das entrevistas (Apêndice H), foi possível refletir
sobre as recorrências nos discursos dos entrevistados, correlacionando-os e, gerando, assim,
uma síntese das impressões e reflexões dos atores expostas a seguir:
Todos os atores que participaram do programa já tinham alguma experiência com
vídeo, seja em peças publicitárias locais, seja em filmes de curta-metragem.
Eles afirmaram que a participação no programa contribuiu para sua formação enquanto
atores e atrizes, principalmente, por se tratar de uma linguagem diferente da do teatro, que é a
que eles tem mais acesso. A atriz Raquel Ferreira destacou ainda a importância da
oportunidade que teve de ser parte ativa em outras áreas que compunham o programa, as
quais destacou:
O pensar na cena, estruturar o cenário, criar tabelas das necessidades relacionadas à
produção das gravações, assim como das leituras e oficinas teóricas ligadas ao
audiovisual que participamos e da construção dos personagens e cenas nos processos
de ensaio e gravação.
99
Como pontos positivos da experiência, destacaram a oportunidade de trabalhar com
profissionais experientes, o acesso aos conteúdos abordados de maneira aprofundada e a
pertinência da temática do programa, a harmonia da equipe e o estímulo pela busca de
conhecimentos para além da prática.
Como ponto negativo, foi apontada a questão do tempo de realização do programa
que, por ter financiamento público, o que requer o cumprimento dos trâmites burocráticos
necessários, foi estendido por um longo período, com constantes reagendamentos de ensaios e
gravações. Porém, vale ressalvar um comentário positivo feito por Raquel neste sentido:
"Vivenciar essas dificuldades e, ainda assim, não perder o foco e a vontade de permanecer
naquela ação, foram mantidas pelo vínculo de união criado entre a equipe e pela crença em
que estávamos em um trabalho que acreditávamos".
Todos relataram a utilização dos conhecimentos adquiridos no curso de Teatro durante
o processo, seja em cenas que exigiam um tipo de interpretação mais externalizada, teatral, já
que trabalhamos também com metalinguagem, seja com os conhecimentos adquiridos na
disciplina Ator e Câmera, oferecida pelo curso como optativa, nas cenas que exigiam
interpretação mais naturalista.
Como sugestões para melhoria da experiência na TV UFPB, os alunos apontaram a
necessidade de um maior intercâmbio com o curso de Teatro, a partir de demonstrações,
ensaios abertos, e atividades mais integradas com os alunos, no sentido de divulgar os
trabalhos realizados pela TV e também de possibilitar trocas e reflexões com outros atores e
diretores não envolvidos diretamente com o projeto.
Destacaram, ainda, alguns procedimentos enriquecedores, como as oficinas de atuação
e de produção de que participaram e o processo de planejamento e produção do programa,
além dos ensaios.
O processo de preparação dos atores foi destacado como positivo por proporcionar um
aperfeiçoamento da técnica do ator, promovendo um aprofundamento na cena, o que diminuiu
o tempo de estúdio, e funcionou como alimento criativo para o ator.
Foi possível observar o quanto os processos que permitiram a participação ativa do
ator, criador em todas as etapas de construção, mesmo aquelas que não seriam originalmente
sua função, contribuíram para um engajamento global e promoveram um ambiente fértil de
relações, criações e reflexões. Esse tipo de processo é enriquecedor, porque ultrapassa o nível
instrumental, e possibilita a colaboração estético-expressiva, onde o ator se coloca
inteiramente a serviço da obra como um todo.
100
É importante esclarecer que, ao contrário das produções da maioria das ficções das
televisões comerciais, a produção realizada em uma TV pública e ligada à educação, como é a
TV UFPB, não segue o ritmo industrial de produção, muito acelerado, em que praticamente
não há ensaios. Tem-se certa liberdade de tempo, embora com recursos parcos,
principalmente, porque o trabalho é realizado com estudantes ansiosos por experimentarem
essa linguagem ainda pouco acessível no curso de teatro. O trabalho assemelha-se mais às
produções de séries ou minisséries, quando se considera a questão do tempo para preparação.
Porém, com relação ao aparato humano, tecnológico e financeiro disponíveis, as diferenças
ainda são gritantes, visto as grandes dificuldades que se apresentaram nesses setores.
101
2.2 Plano Detalhe: Oficina de Atuação para o Audiovisual
Como terceira etapa da pesquisa, foi realizada a Oficina de Atuação para o
Audiovisual, voltada para estudantes dos cursos de Teatro, Cinema, Rádio e Tv e Mídias
Digitais, da UFPB, além de atores e atrizes em geral. Foram abordadas diversas técnicas de
atuação para a câmera, a linguagem da televisão e procedimentos de criação.
Para esta oficina, foi priorizado o trabalho com a ideia do ator e da atriz enquanto
compositores, pensantes, criadores, propositores, na busca por um tipo de composição
inteligente, que, como diz Bonfitto (2001) transformasse materiais e mentalidades ao produzir
sensibilização e ação.
Na busca por uma sistematização de práticas e técnicas de atuação para o audiovisual,
em um contexto formativo, buscou-se abordar essa relação de diálogo entre os participantes
da oficina, ao discutir os principais conceitos presentes na prática da atuação no audiovisual.
Partindo-se do entendimento que cada participante já possuía sobre o universo audiovisual,
partiu-se para um compartilhamento de experiências e concepções na área, seguindo então
para uma abordagem sistematizada do conteúdo.
Foi ainda apresentada aos participantes uma introdução acerca dos pressupostos
metodológicos que orientam esta prática. Em seguida, uma síntese dos principais aspectos
acerca da atuação no audiovisual, considerados pela autora a partir de diferentes referências já
apresentadas no Episódio I deste trabalho. Por fim, foram realizadas experiências de aplicação
dos aspectos teóricos metodológicos defendidos.
A abordagem se deu principalmente sobre os conceitos e práticas de atuação para o
audiovisual, a preparação do ator, a construção de personagens e o treinamento do intérprete.
Para estruturar a oficina de Atuação para o Audiovisual foi necessária uma seleção, dentre as
várias técnicas estudadas, no intuito de conduzir processos desde os mais tradicionais, como
também as práticas mais contemporâneas, considerando o universo cinematográfico,
televisivo e teatral. Porém, essa seleção não se deu de maneira rígida ou fixa. Foi delimitada
uma nuvem de possibilidades, sem contornos definidos, de maneira que fosse lançada mão
dos recursos disponíveis à medida que se apresentassem as necessidades no decorrer do curso.
Araújo (1998, p. 16) afirma que “um processo educacional não se estrutura a partir de
conteúdos estáticos e supostamente acabados, prontos para serem transmitidos”. Para ele,
recorrer ao conhecimento sistematizado pela investigação artística e científica é um meio e
não um fim. Assim, o conhecimento é um processo dinâmico, em constante transformação,
produzido a partir da sistematização das diferentes especialidades da arte e da ciência.
102
A Oficina de Atuação para o Audiovisual não teve a pretensão de trabalhar o
audiovisual em toda a sua amplitude, abarcando todos os seus aspectos. O objetivo primeiro
desse curso de curta duração foi oferecer ferramentas aos participantes, mediante uma visão
geral do universo audiovisual e do papel do ator nesse contexto.
As inscrições para a oficina foram feitas no período de 1º a 08 de agosto de 2016, por
meio de formulário online. A divulgação foi realizada através de folder digital (Anexo A) nas
redes sociais e no site da UFPB. Foram inscritas 51 pessoas, sendo que a quantidade de vagas
eram apenas 23, as quais foram preenchidas da seguinte maneira: 10 estudantes de Teatro, 03
estudantes de Rádio e TV, 03 estudantes de Cinema, 01 estudante de Mídias Digitais, 06
atores e atrizes da cidade.
A grande procura pelo curso, mesmo com a divulgação limitada aos meios digitais,
nas redes sociais e no portal da UFPB, confirmou que, de fato, existe uma demanda nesse
sentido, o que apontou também para possíveis novas ofertas desse curso no futuro. Esta
procura apenas corroborou a já identificada escassez de cursos voltados para a formação do
ator nesta linguagem. As poucas oficinas oferecidas na cidade são, normalmente, com carga
horária reduzida (no máximo 20 horas), a exemplo das oficinas das quais a pesquisadora
participou, ministradas por Fátima Toledo, em 2008, e com Christian Durvoort, em 2012.
Outros cursos foram oferecidos a preços elevados, muitas vezes com uma pequena
participação de algum ator com notoriedade nacional, no sentido de angariar o maior número
de participantes possível. Assim, viu-se que há uma lacuna na formação dos atores
pessoenses, bem como se percebeu que abrir esse espaço de experimentação pode gerar
interações interessantes, reflexões, descobertas e produtos diversos.
A primeira parte do curso foi realizada entre 10 de agosto a 01 de setembro, em 11
encontros de 3 horas de duração, sempre às segundas, quartas e quintas-feiras, das 19h às 22h,
com a carga horária de 33 horas. De 05 de setembro a 07 de outubro foi realizada a segunda
fase, referente aos ensaios e gravação do episódio piloto da segunda temporada do Ciência
Aberta, em 9 encontros de 3 ou 4 horas de duração, em horários alternados, com carga horária
de 33 horas, sendo que o total de horas das duas fases foi de 66 horas.
O espaço de realização dos encontros foi o estúdio de TV do Departamento de
Comunicação, do Centro de Comunicação, Turismo e Artes (CCTA), localizado no Campus I
da UFPB, em João Pessoa. A escolha do estúdio como local de realização da oficina deveu-se
à possibilidade de proporcionar aos participantes o máximo de contato possível com o
ambiente de gravação predominante na televisão, facilitando, assim, a sua familiarização com
este contexto.
103
Os equipamentos utilizados para o registro da oficina, bem como para a gravação e
exibição das cenas propostas como exercícios durante a oficina foram: duas câmeras Sony
HVR-Z7, uma câmera Nikon D5300, um microfone Shotgun, um aparelho televisor LCD 40”,
além de refletores, tripés, pedestais, vara de microfone e cartões de armazenamento. Parte dos
equipamentos foram disponibilizados pela TV UFPB e outra parte pela Ícaro Produções, de
propriedade da pesquisadora.
A oficina seguiu uma estrutura básica a partir de possibilidades criativas que foram
surgindo a partir do trabalho com cinco fundamentos principais: 1. Percepção; 2. Presença; 3.
Relação; 4. Desnudamento; 5. Composição. Não houve uma hierarquização ou
sequencialidade entre estes, de maneira que trabalhamos ora isoladamente, ora de forma
integrada, avançando e recuando de acordo com a demanda natural do grupo.
A etapa de percepção compreendeu basicamente atividades para reconhecer os
elementos do universo audiovisual – sua linguagem, seu ambiente, equipamentos e formas de
trabalho – bem como, se perceber enquanto agente nesse universo, de que maneira é possível
colocar-se, que tipo de alterações ele provoca e que adaptações se percebem necessárias para
dialogar da melhor maneira com esses elementos. A auto-observação foi uma das ferramentas
principais nessa etapa.
A etapa da presença foi direcionada, principalmente, para a experimentação do
“estar”, do se colocar a serviço do trabalho, do jogo consigo mesmo, primeiramente.
Atividades com níveis de energia, controle físico e emocional, entrega e preenchimento
interno foram predominantes para a busca desse fundamento.
Já na etapa da relação o foco recaiu na busca pelo estado de jogo, de atenção, de
abertura e escuta do outro, do “dar e receber”, das tensões, do provocar e deixar-se ser
provocado, da doação e da generosidade, além do desafio e da competição. O foco pousou
sobre a relação com o outro, em busca de possibilidades de construções que partissem dessa
troca.
Na etapa que foi denominada como desnudamento, o trabalho refletiu um pouco os
conteúdos pessoais, com inquietações íntimas, com a autorrevelação, embora com uma
camada de ficcionalização. A busca de como friccionar o vocabulário pessoal de vivências
com o universo ficcional, a fim de criar narrativas cênicas. A composição final compreendeu
o encadeamento desses diversos princípios trabalhados.
A pesquisa apresenta em seguida um detalhamento dos procedimentos propostos
durante o curso, relacionando-os com os estudos teóricos e entrevistas já realizados nesta
104
pesquisa. Nos links distribuídos ao longo do texto e listados no Anexo D estão disponíveis os
vídeos de registro da oficina41
.
Apresentação e Reconhecimento
É relevante para esta pesquisa realizar uma narração do primeiro encontro de maneira
mais detalhada porque nele está a exposição de um pensamento geral que guia todo o
processo da oficina. Em seguida, explana-se sobre o curso de maneira mais geral, destacando-
se apenas os principais pontos.
Como de praxe, a primeira atividade da oficina foi a apresentação: inicialmente, a
apresentação da pesquisadora, e seguida a dos participantes. Porém, esta não foi feita à
maneira convencional. Ao invés disso, foi preparado o set de gravação, juntamente com o
apoio técnico do estudante de Rádio e TV, Guilherme Schmitt, e do estudante de Mídias
Digitais, César Moura, com luzes, microfones e câmera posicionadas, como se fosse ser
gravado um programa de televisão. Algumas imagens de registros foram feitas do lado de fora
do estúdio, enquanto os participantes ainda aguardavam o início da aula, mas a presença da
câmera, ainda que nesse contexto informal, já causava uma certa estranheza.
Chegada a hora de iniciar a oficina, todos entraram no estúdio, previamente preparado,
sentaram-se nas cadeiras dispostas de frente para o cenário e aguardaram curiosos. Um dos
apoiadores do projeto bateu a claquete e foi dado início à gravação, onde a pesquisadora se
colocou na posição de apresentadora do Programa Ciência Aberta, dando o seguinte texto:
“Olá! Eu sou Cely Farias e esse é o Ciência Aberta, um programa que integra o conhecimento
científico e o saber popular a partir das pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal da
Paraíba. Hoje a gente vai mostrar um pouco da Oficina de Atuação para o Audiovisual, com
alunos do curso de Teatro, de Cinema, Rádio e Tv e Mídias Digitais aqui da UFPB. A gente
vai mostrar um pouquinho do por trás das câmeras, da cadeia de produção da televisão e dos
processo criativos do ator”.
Em seguida, cada um dos atores foi convidado para ir até a cena e se apresentar,
falando um pouco das suas experiências no audiovisual e das expectativas com relação ao
curso (figura 13). Essa proposição já se deu no sentido de colocá-los em evidência diante das
câmeras, para sentir qual o nível de intimidade que eles já tinham com esse tipo de trabalho,
ou ainda identificar possíveis tensões nessa relação. Além, é claro, de proporcionar, desde o
41 Biblioteca de vídeos disponível em: <
https://www.youtube.com/playlist?list=PLDygBi1nDNKsCTPdQT1j3CMI6uBQIA6_7 >
105
primeiro instante, a convivência com esse objeto às vezes tão invasivo, estranho e,
principalmente, revelador.
Figura 13: Oficina de Atuação para o Audiovisual - Apresentação
Adilson Santana e Júlia Cotrim Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
Também nesse exercício, foi pedido para que cada um batesse a claquete para o colega
seguinte, como uma forma de eles adquirirem, gradualmente, o vocabulário da linguagem
televisiva, e compreenderem como se dão os processos dos outros profissionais do
audiovisual, conhecimento que contribui para o um melhor desempenho da função de ator.
Após a gravação/apresentação individual, foi feita uma roda de conversa (figura 14)
onde se expôs a proposta da oficina, deixando claro que tratava-se de um pesquisa de
mestrado, e que eles participariam de um processo investigativo, com espaço para testes,
acertos e erros. A pesquisadora compartilhou a sua vontade de trabalhar colaborativamente
desde o início e, por isso, estava sempre aberta às sugestões e críticas, destacando que tratava-
se de um processo dinâmico, de descoberta, com muitas possibilidades a serem ou não
executadas. Buscou-se saber quais as reais expectativas de cada um com relação à oficina,
para que se pudesse planejar as aulas de forma democrática e estimulante para todos.
Destacou-se, ainda, a necessidade da disciplina, pontualidade, assiduidade, dedicação aos
estudos e leituras propostas, bem como aos exercícios práticos.
106
Figura 14: Roda de conversa
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
Como última atividade deste primeiro encontro, assistiu-se aos vídeos das
apresentações que foram gravadas no início das atividades, com o objetivo de possibilitar a
familiarização dos participantes com sua própria imagem exposta na tela, uma vez que é
recorrente as queixas quanto ao desconforto que há ao se assistir, pois o olhar para si mesmo é
quase sempre carregado de muita autocrítica. Quando se acostuma à própria imagem na tela, é
possível superar a estranheza de ver-se a si próprio, e se passa identificar com mais nitidez
características importantes, bem como dificuldades a serem superadas. Após assistir-se a cada
um dos vídeos de apresentação, foram realizados comentários destacando as características
positivas e as negativas em cada um dos participantes, bem como foi possível identificar os
elementos propícios para o meio audiovisual, a exemplo de naturalidade, postura,
espontaneidade, foco no olhar, economia de gestos, etc., e também aqueles que foram
incompatíveis com essa linguagem, como, por exemplo, voz muito impostada, gestos amplos,
nervosismo, rigidez, etc.
Essa auto avaliação, embora rápida, ajudou a estabelecer para cada um dos
participantes um panorama de seu estágio de desenvolvimento com relação à atuação no
audiovisual, estabelecendo, assim, objetivos no que se refere à superação das dificuldades
identificadas e do aperfeiçoamento das qualidades percebidas, servindo como uma espécie de
meta a ser alcançada até o final do curso.
107
Como instrumento para auxiliar nesse processo de reflexão, aprendizado e experiência,
distribuíram-se cadernos entre os participantes, os quais foram intitulados como de diários de
bordo, onde seriam feitas anotações sobre cada aula assistida, bem como sobre outras
reverberações que a oficina causasse (figura 15). O diário serviu como ponto de reflexão
individual, com leitura e releituras regulares, bem como um auxiliar na organização do
processo criativo final.
Figura 15: Diário de bordo
Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
No final deste dia de oficina, foi pedido que selecionassem um monólogo que seria
trabalhado na aula seguinte.
Despertar e Brincar
No início de cada encontro eram feitos exercícios de alongamento, de despertar o
corpo, de trazê-lo para o estado de atenção voltada para o trabalho. Algumas vezes foram
conduzidos pela pesquisadora, outras vezes cada ator e atriz trabalhou individualmente, de
acordo com suas necessidades no momento e partindo de seu repertório pessoal de exercícios
voltados para tal fim. Esses exercícios foram trazidos de diversas fontes, como teatro, Yoga,
Bioenergética, massoterapia, dança, etc.
108
Esse momento inicial marcava a “chegada” do ator para o trabalho, uma instauração
de um estado de concentração, disponibilização e preparação corporal para o trabalho que
virá. Compreendia, basicamente, além do alongamento muscular, o trabalho com as
articulações, desde as mais periféricas até as centrais, contribuindo ainda na consciência
corporal, a partir de um trabalho segmentado.
A necessidade de se trabalhar o corpo, de se alongar, aquecer, treinar, exercitar a
consciência corporal, o domínio, é para preparar o instrumento de trabalho de que dispõe o
ator e a atriz. Salles (2009, p. 66) define matéria como “tudo aquilo a que o artista recorre
para a concretização de sua obra, o que ele escolhe, manipula e transforma em nome de sua
necessidade”.
Bonfitto (2001, p. XIX) afirma que “o ator que compõe, o ator-compositor, necessita
de materiais para executar seu trabalho, os quais são classificados em três categorias –
material primário: o corpo; secundário: as ações físicas; e terciário: os elementos constitutivos
das ações físicas”.
A cada encontro, existiu um momento para que os participantes da oficina
propusessem exercícios voltados ou para o momento inicial, do “despertar”, ou para o
momento seguinte, referente ao aquecimento. Um exemplo foi o exercício do Samurai (figura
16) trazido por Bertrand Araújo, que teve como foco a atenção e o estado de prontidão do
ator.
Figura 16: Exercício do Samurai
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
109
Araújo (1998, p. 63) aponta para o fato de que, em geral, as pessoas que frequentam
uma oficina não pertencem a um mesmo grupo social, salvo quando a oficina é solicitada por
um grupo que já possui um espaço organizado de trabalho. Em função dessa heterogeneidade
do grupo, faz-se necessário um cuidado redobrado com o aspecto da socialização uma vez que
é preciso organizar o grupo e dar tempo para que os seus participantes possam se conhecer
melhor, de maneira que o grupo possa encontrar sua própria dinâmica.
Como se tratou de uma turma bastante heterogênea, com alguns participantes com
larga experiência no teatro e formação sólida na área, enquanto outros eram iniciantes, alguns
fazendo seu primeiro curso de atuação, sentiu-se a necessidade de proporcionar um ambiente
descontraído, onde as relações pudessem fluir de maneira natural, onde os participantes
pudessem sentir-se à vontade uns com os outros, se desprendendo de vergonhas ou “travas”.
Portanto, lançou-se mão de exercícios que trabalhassem com a ludicidade, de maneira a
envolver os participantes de forma prazerosa, mas com o objetivo de promover a socialização
e a integração entre eles. Atividades que trabalhavam muito o olhar e o tocar (figuras 17 e 18),
sempre a partir de pequenos desafios a serem superados foram fundamentais neste momento
da oficina.
Figura 17: Exercício de olhar e tocar
Joelton Barros, Eulina Barbosa, Jamila Facury, Saskia Lemos, Bertrand Araújo Foto: Guilherme Schmitt
110
Figura 18: Exercício de olhar e tocar
Eulina Barbosa, Berttony Nino, Jamila Facury e Philipe Meneses Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
De acordo com Araújo (1998, p. 45) o ator precisa desenvolver a sua capacidade para
trabalhar coletivamente, “para conviver em grupo respeitando as diferenças de opinião,
aprendendo a valorizar suas contribuições pessoais sem que para isso tenha que impor sua
vontade ao grupo ou, simplesmente, deixando-se levar por ele”. Essa característica se
desenvolve ao longo do processo de formação do ator.
O momento seguinte já foi voltado para a prática de exercícios que trabalhassem os
fundamentos da atuação para o audiovisual. Utilizou-se para esta fase jogos e brincadeiras,
num primeiro momento, e exercícios mais técnicos nos encontros posteriores. Um exemplo de
jogo utilizado foi o “Batatinha frita 1, 2, 3” (figura 19), que, além de proporcionar a
integração e socialização, trabalhou em background conceitos como o freio, a retomada, a
prontidão, o controle corporal e velocidades, parâmetros recorrentes no trabalho de
preparação do ator.
111
Figuras 19: Jogo Batatinha Frita 1 2 3
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
Outro jogo utilizado, trazido como sugestão de um dos participantes, foi o nó humano
(figura 20). Já era conhecido pela pesquisadora este jogo e considerado interessante a maneira
com que ele trabalha a socialização, a noção de espaço, lateralidade e o pensamento
colaborativo.
Figura 20: Jogo nó humano
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
112
Araújo (1998, p. 45) destaca a importância do jogo enquanto instrumento pedagógico:
Quando ao longo dos ensaios são trabalhados jogos como Pega-pega, cabra-
cega, entre outros, não se pretende que o ator se entregue apenas a sua
dimensão lúdica, mas sim que perceba ludicamente que precisa descobrir as estratégias necessárias para atingir os objetivos que o jogo propõe, sem que
para isso tenha que ficar constantemente questionando as regras do jogo.
Ele ressalta ainda que a utilização do jogo como instrumento de preparação e
formação de atores contribui para desenvolver algumas habilidades básicas que antecedem o
conhecimento dos elementos que compõem as técnicas de representação do ator.
Embora se tenha experimentado, ao longo do curso, uma diversidade de exercícios e
técnicas voltados para a consciência e sensibilização corporal, a percepção espacial, o
equilíbrio, a percepção tátil, o ritmo, as dinâmicas vocais, entre outros, não foi o objetivo
principal desenvolver plenamente essas ou outras habilidades, mas, sim, apontar a
necessidade do ator de trabalhar continuamente o seu instrumento de trabalho, em todos os
aspectos que o compõem.
Valeska Picado (2016) contou que utiliza o jogo como forma de “quebrar muito a
gente enquanto adulto, que é cheio de preconceito e de preocupações”. Para ela, a brincadeira
tira o foco de preocupações nocivas ao trabalho.
[...] por exemplo, se eu chegar e começar a fazer uma vivência com atores,
pedir pra eles se tocarem, se perceber o rosto um do outro, a pele, pode, a
princípio, se é um grupo que não se conhece, ter um certo constrangimento.
Mas se eu falar “ó, gente, nós vamos fazer a dança da laranja, aquela do pescoço, a brincadeira da laranja, você vai botar as mãos pra trás, coloca a
laranja no pescoço e você tem que passar pro outro a laranja, sem usar as
mãos, e não pode deixar cair”. Então, todo mundo tá preocupado em ganhar, né. A competição, isso atiça o jogo e é muito do ser humano. Então, daqui a
pouco tá todo mundo se esfregando, porque é pescoço com pescoço, e o
corpo inteiro tá naquele contato sem que a pessoa perceba – “eu estou
tocando naquela pessoa”. Então pra mim a primeira coisa é o entrosamento. É o entrosamento entre os atores. E aí eu utilizo o jogo pra isso (PICADO,
2016).
Já Viola Spolin (1963, p. 4) afirma que o jogo é uma forma natural de grupo que
propicia o envolvimento e a liberdade pessoal necessários para a experiência. Ao que
acrescenta: “As habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está
jogando, divertindo-se ao máximo e recebendo toda estimulação que o jogo tem para oferecer
- é este o exato momento em que ela está verdadeiramente aberta para recebê-las”.
113
Monólogos – Contar, Sentir, se Observar
No segundo dia de oficina, foram trabalhados os monólogos trazidos por cada um,
seguindo a seguinte dinâmica: divididos em duplas, cada ator contou para seu companheiro,
em primeira pessoa, a história que trouxe, tantas vezes fossem necessárias para que sua dupla
fosse capaz de recontar a história, só que dessa vez em terceira pessoa. Terminada essa fase,
foi-se gravar cada dupla da seguinte maneira: o primeiro ator contava, em terceira pessoa, a
história de seu companheiro; em seguida, o segundo ator contava sua própria história em
primeira pessoa; depois alternavam-se os papéis, de forma que ao final os dois atores haviam
gravado duas vezes, uma em que contava a história do outro em terceira pessoa, e outra em
que interpretava seu monólogo em primeira pessoa.
Nesse exercício (figuras 21 e 22), trabalhou-se alguns parâmetros técnicos
fundamentais para atuação no audiovisual como posicionamento para as câmeras,
enquadramento, palavras de comando (silêncio, claquete, ação, corta, etc.), a continuidade (de
gesto, de energia), as marcações, a atenção às indicações da direção. Esses princípios já
haviam sido trabalhados de maneira menos explícita através dos jogos propostos no início das
atividades e nesse exercício prático de gravação puderam ser colocados em prática de maneira
mais técnica e consciente.
Figura 21: Exercício de gravação do monólogo
Tarciana Gomes Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
114
Figura 22: Exercício de gravação do monólogo
Bertrand Araújo Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
Durante a gravação das cenas, houve a interferência da pesquisadora de diversas
formas, que procurou fornecer estímulos para o ator/atriz buscar uma atuação verdadeira e
espontânea, um estado de presença e entrega. Assim, os caminhos dessa busca foram desde
alguns comandos mais simples: “corta”, “segura a energia” e “segue”, até indicações para
mudança do foco do olhar, que ora deveria estar na câmera 1, ora na câmera 2, ora no
interlocutor da cena, ou até mesmo questionamentos sobre a postura da personagem, que
forçavam o ator/atriz a pensar como ela, se colocar em seu lugar.
Outro aspecto interessante que foi trabalhado durante esse exercício e no decorrer de
todo o curso foi a questão da observação do outro enquanto possibilidade de se aprender. No
audiovisual os atores e atrizes normalmente ficam muito tempo “ociosos”, esperando sua vez
de gravar. Alguns encaram isso como um processo penoso, desgastante, porém, neste
processo, viu-se uma oportunidade de reavivar e reelaborar os conteúdos já apreendidos. Ou
seja, é um tempo onde o ator pode exercitar a atualização de seu trabalho, a concentração, e
ainda pode estar em observação do trabalho do outro. Durante o curso, as atividades
compreendiam não somente o fazer, ou executar os comandos, mas também observar de que
maneira os colegas o faziam, identificando acertos e erros, aprendendo a partir da experiência
do outro.
115
Tiche Vianna (2016) expôs seu posicionamento em relação a isso, quando fala dos
processo que participa na televisão: “eu posso vir pro ensaio hoje e eu vou trabalhar só daqui
a duas horas com a equipe, mas eu estou ali assistindo o meu companheiro trabalhar, porque a
partir do que ele está fazendo e daquilo que está sendo dito eu também estou elaborando meu
trabalho”. Então, isso faz com que o trabalho como um todo seja uma unidade e não uma
fragmentação de talentos.
Sempre que possível, ao final do encontro, fazia-se uma parada estratégica para
conversar e refletir sobre as atividades desenvolvidas. Neste dia, especificamente, os
participantes destacaram a tensão que eles experimentaram ao aguardarem sua vez de gravar,
comparando mesmo aos testes dos quais já participaram, revelando a necessidade que eles
têm dessa prática, dessa aproximação com a linguagem da câmera, uma vez que a falta de
conhecimento os deixou inseguros e ansiosos. Outros destacaram esse exercício como uma
maneira de se conhecerem um pouco mais, de estabelecerem uma relação mais próxima uns
com os outros, o que facilita o desenvolvimento das atividades.
Nos encontros seguintes, assistiu-se a cada uma das cenas gravadas a fim de se avaliar
a desenvoltura dos participantes, identificando a aplicação dos princípios estudados e
detectando as necessidades para uma melhor atuação. Em um diálogo aberto onde todos
interagiram, comentou-se individualmente sobre os diversos aspectos da atuação. Por
exemplo: um dos atores demonstrou um desconforto visível diante da câmera, denunciado
pelo balançar incessante dos ombros enquanto falava o texto; outro ator fez uso da voz de
forma monocórdia, sem variações, o que não contribuiu para perfeita compreensão das
intenções das falas. A verdade cênica foi outro aspecto observado, visto que alguns atores e
atrizes fizeram uso de gestos amplos e teatrais, que deixavam a atuação pouco crível quando
se considera o naturalismo exigido pelo audiovisual.
Alguns atores trouxeram textos que tiraram de roteiros de filmes e, ao invés de
construírem sua própria forma, recorreram à imitação do filme, o que dificultou a vivência da
cena. A falta de controle na intensidade vocal foi observada em alguns atores e atrizes, muitas
vezes por nervosismo, que também causou alterações na velocidade e no ritmo das falas. A
timidez de alguns atores influenciou negativamente na atuação, agindo diretamente sobre a
postura corporal adotada e também sobre a concentração. Alguns atores com grande
experiência no teatro recorreram a uma expressividade exagerada, porém sem motivação
interna. Outro aspecto observado foi a questão da manutenção da energia, quase sempre
interrompida por momentos de “quebra”, seja causado por esquecimento de texto, ou por falta
de ação interna que preenchesse a atuação.
116
Esse momento de reflexão sobre si foi de grande valia, pois ao mesmo tempo em que
se estava visualizando os conceitos em exemplos práticos, realizou-se também uma auto
avaliação no sentido de estabelecer caminhos para as buscas individuais.
A principal proposta do exercício foi fazer uma comparação entre as duas cenas
gravadas por cada ator: a primeira onde ele narrou a história de outra pessoa, e a segunda
onde ele interpretou seu próprio monólogo. Como são situações bem diferentes, esperou-se
observar, primeiro, a espontaneidade com que contavam a história do outro, com quase
nenhum comprometimento com interpretação ou atuação, utilizando suas próprias palavras; e,
segundo, as mudanças ocorridas quando o ator se coloca em estado de atuação, dizendo um
texto que não é seu, interpretando uma personagem.
O vídeo é muito revelador. No teatro, o emprego da energia é muito maior, o gesto é
muito mais amplo, o nosso corpo fica muito mais dilatado no palco para se fazer ver, ouvir e
sentir pela “velhinha surda da última cadeira”. Então, você tem que criar esse campo
expandido pra chegar nesse alcance.
Pudovkin (1972, p.10) aponta a perda da qualidade do trabalho do ator à medida em
que o público teatral aumenta. Para ele, o ator busca ser bem visível e audível ao público e
para isso estuda dicção, educa a voz, aprende a exagerar os gestos mantendo ao mesmo tempo
seu significado expressivo. Mas ele observa também que, quanto mais amplo é o gesto do
ator, mais reduzida se faz na possibilidade de matizes, e quanto mais forte deve ser sua voz,
mais difícil se torna chegar ao espectador as sutilezas da entonação. Tudo isso conduz o ator a
uma “generalização da forma”, que desemboca inevitavelmente no esquema e na estilização
técnica. Graças ao caráter técnico do audiovisual, com a proximidade da câmera, a atuação
não sofrerá essa perda de qualidade, uma vez que a quantidade de espectadores não interferirá
no trabalho do ator e da atriz.
No caso do vídeo, é como se esse espectador saísse da última fila e viesse pra cima do
palco, observar o ator e a atriz a poucos centímetros, face a face, quase como se pudesse
sentir-se o cheiro do outro. É uma intimidade que é construída a partir dessa proximidade que,
consequentemente, altera a percepção para o nível da sutileza. Por exemplo, se o ator ou a
atriz está em close, um desvio de olhar, uma piscada a mais, uma pequena abertura de boca,
uma leve contração nos lábios, tudo isso carrega em si signos que serão percebidos pelo
espectador, através desses mínimos detalhes, o que dificilmente aconteceria no teatro. Por
isso, em cena deve existir a conexão permanente entre ator e personagem, pois é um estado de
jogo constante onde se deve estar cem por cento dentro, sem parar pra pensar em qualquer
117
coisa fora da vivência da personagem, pois cada vez que isso acontece a câmera capta e
amplia, revelando ao espectador.
Esse poder de ampliação que a câmera tem leva muitos diretores a conduzir seus
atores com a máxima do “menos é mais”, o que, particularmente, se considera aqui como
perigoso, uma vez que pode gerar um efeito contrário, engessando o ator, limitando-o,
impedindo que expresse os sentimentos vivenciados, em nome de uma contenção absoluta de
gestos e expressões. É importante que a busca seja primeiramente pela verdade, num nível de
atuação que não extrapole o gesto natural, mas que também não neutralize essa
expressividade espontânea, e, sim, valorize a ação e reação coerentes, seguindo a lógica da
personagem, a verdade proposta, os objetivos, as circunstâncias.
A presença da câmera deixa o ator automaticamente em estado de representação, ainda
que ele esteja representando a si mesmo, seja de uma forma evidente, aparente, ou de maneira
mais sutil, agindo muito mais sobre o estado de presença, que se expande um pouco mais.
Tanto a consciência desse estado alterado quanto esse nível de energia intensificado são
positivos para o ator, cabe a ele estabelecer o limite de até que ponto isso convence ou até que
ponto pode denunciá-lo.
Levantou-se ainda, durante a reflexão sobre o exercício, a questão da naturalidade no
audiovisual. Um dos participantes questionou o “padrão de naturalidade” que é imposto,
destacando que muitas vezes o comportamento natural de uma pessoa pode ter o gesto um
pouco mais amplo, a voz mais forte, e que ela precisa controlar pois na tela é considerado
antinatural. Essa reflexão foi complementada com o comentário de um outro participante que
apontou o fato de que a naturalidade varia de acordo com o contexto social e cultural de um
tempo, o que pode ser observado quando se observa um produto audiovisual da década de 70
ou 80, por exemplo, que já possui um tipo de naturalidade diferente do que é considerado
natural nos dias de hoje. Tendo como referência o cinema clássico, um dos participantes
apontou para o fato de que o que o ator deve fazer para a câmera não é a realidade, mas sim
algo que faça o público acreditar que é real, ainda que seja diferente da realidade, até porque
muitas vezes a realidade em si, quando exposta na tela, não é exatamente crível.
Além disso, há a visão do diretor que define o tipo de atuação a ser assumido pelo
ator. Existe uma narrativa fílmica que acontece a partir de uma combinação de imagens, e
essa combinação de imagens final é que vai contar essa história, o discurso do diretor se
estabelece no final. Sendo assim, o diretor tem grande influência sobre a maneira como essa
história será contada.
118
É claro que nos processos colaborativos, os atores tem mais espaço para proposições,
não apenas com relação à construção de sua personagem, mas também interferem na
construção dos roteiros e dos demais elementos estéticos, o que às vezes é realizado na
própria sala de ensaio, como foi o caso do episódio piloto que gravamos nesta pesquisa. O
ator criador participa ativamente no processo de criação contribuindo com ideias. Ele não
possui mais a função de mero executor, mas tem autonomia para opinar e criar,
desconstruindo a ideia de propriedade artística anteriormente atribuída somente aos diretores e
dramaturgos.
Foco e Intensidade
Jogos teatrais também foram trazidos para esse processo a fim de exercitar princípios
de atuação comuns tanto no teatro quanto no audiovisual, que haviam sido identificados pelos
participantes como necessários para o seu desenvolvimento, a partir da análise das cenas
gravadas. Exercícios voltados para a prática da atenção e da prontidão, bem como exercícios
de foco, projeção e repulsa (figura 23, 24 e 25), foram aplicados com desdobramentos para os
níveis de intensidade de energia, impulso e ação, na busca pelo controle dessas variáveis
físicas, a fim de conseguir dosar com precisão de acordo com a necessidade da cena no
audiovisual.
Figura 23: Exercício de foco, projeção e repulsa – foco
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual
Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
119
Figura 24: Exercício de foco, projeção e repulsa - projeção
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual
Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
Figura 25: Exercício de foco, projeção e repulsa – repulsa
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual
Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
Esse tipo de procedimento, onde busca-se o controle da variação de intensidade
aplicada pelo ator e pela atriz na cena, alternando entre a energia interna e externa, é
amplamente aplicado no teatro e tem resultados muito positivos também no audiovisual. Ao
120
invés de recorrermos à simples indicação de “fazer menos, fazer menor”, nós estabelecemos o
entendimento de que não é fazer menos ou menor, mas controlar a intensidade do que é
externalizado, sem abrir mão do sentir e viver a cena.
Tiche Vianna descreveu esse tipo de procedimento quando aplicado ao seu trabalho na
televisão. Contando sobre como foi o processo em Velho Chico, ela destacou o início do
trabalho, onde a busca foi pela construção de um corpo externo e que depois vai se
encaminhando para a internalização, controlado por intensidades externas e internas.
A gente constrói num primeiro momento todo esse corpo externo [...]. Coloco o
corpo todo pra fora, através de mecanismos um pouquinho diferenciados, isso é uma
coisa que eu vou percebendo à medida que a gente vai trabalhando, no modo como o
ator vai elaborando a informação, como é que ele vai tratando aquilo que a gente vai
dando a ele. E aí eu vou dosando nele o tipo de utilização que ele vai fazer desse
material. No caso do Velho Chico, este elemento é trabalhado externamente e depois
ele passa por um processo de internalização. Então é como se ele fosse engolindo o
lado exterior do corpo e passando isso pra musculatura interna, como se ele
trabalhasse o músculo esculpindo a musculatura. Então aquilo que ele fez por fora
ele começa a esculpir por dentro, então isso provoca nele uma determinada sensação. É através dessa sensação que ele vai trabalhar. Então ele passa por um
processo que eu digo “por dentro, cem por cento dessa sensação, por fora, dez por
cento da sensação”. [...] Você tem por dentro a mesma qualidade de intensidade de
um determinado movimento, mas por fora você controla o tamanho dele no espaço
(VIANNA, 2016).
Esse foi um dos exercícios que tiveram mais respostas positivas dos participantes
durante a avaliação realizada do curso, que pode ser conferida no final deste Episódio II.
O Olhar da Câmera
Já após alguns dias de curso, sentiu-se que alguns atores ainda se incomodavam com a
presença da câmera, embora ela estivesse presente na oficina em 100% do tempo de aula.
Pensou-se, então, em estabelecer uma relação com o objeto câmera, e não somente com a
função que ela desempenhava em nosso meio. De maneira lúdica, passou-se a tratá-la como
uma personagem, dando um nome e interagindo com ela. Usando a imaginação, foi possível
construir uma relação afetiva com o objeto, integrando-o ao convívio de maneira mais
harmônica, como um elemento que fazia parte do grupo, e não apenas como um estranho
observador.
Inspirada por relatos dos entrevistados, bem como a procedimentos descritos em livros
de atuação para a câmera, associando a exercícios teatrais que já havia praticado, buscou-se
desenvolver uma série de atividades adaptadas, de acordo com o que se apresentava de maior
121
necessidade no grupo: exercícios de respiração combinados à consciência corporal e
destravamento das articulações; exercícios de expressão facial, com execução e observação –
aliás, a observação do outro era um lugar de constância durante o curso, pois através do
espelhamento foi possível perceber detalhes que não percebemos em nós mesmos; caminhada
de olhos fechados, com o foco lançado para os demais sentidos, com a construção imagética
através da percepção tátil, na medida em que se tocavam os rostos, e posterior observação,
reconhecimento e reconstrução da imagem criada, entre outros.
Um exercício interessante que foi experimentado durante a oficina foi o que toma de
empréstimo o nome de um conceito da fotografia que é a profundidade de campo (figura 26).
Nesse exercício, os atores dispostos em duas linhas, um de frente para o outro, à distância de
alguns metros. Eles se olham, se observam, se percebem, e essa distância entre eles é alterada
a partir de comandos da condutora que, ora pede para que se aproximem, ora pedem para que
se distanciem, tendo como foco sempre o olhar do outro, mas tentando perceber todos os
detalhes possíveis que os seus olhos puderem alcançar. Buscou-se um entendimento do que
seria o olhar da câmera, a partir do momento em que o campo de visão aumenta ou diminui,
suavizando ou revelando os detalhes do meu objeto de observação, enquadrando uma pequena
parte do todo ou ele por completo.
Figura 26: Exercício de Profundidade de Campo
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual Foto: Guilherme Schmitt
122
Ribeiro (2005) destaca o plano como principal elo de relação entre o ator e a câmera
cinematográfica:
A partir do momento em que o olhar se aproxima do objeto representado, os
detalhes e especificidades deste objeto são expostos, e à medida que este olhar vai se
distanciando, deixamos pouco a pouco as pequenas partes para alcançarmos o todo
exposto em cena. É neste percurso do olhar mais próximo ao mais distante que
encontramos nomes e siglas que denominam o que compõem cada quadro visual, os
chamados planos do cinema (p. 26).
Ao mesmo tempo, o exercício promoveu uma cumplicidade entre os participantes, ao
propor-lhes permanecer olhando uns nos olhos dos outros por um longo período de tempo.
Ainda foram dados comandos para que se contasse uma história através do olhar, depois que
se contasse um segredo e, por último, retomassem os textos dos monólogos que, neste
momento, também eram contados através do olhar.
Construção de Personagem
A sequência deste exercício foi uma atividade específica sobre construção de
personagem, onde partiu-se de uma lista de perguntas (Anexo B) a respeito da vida desse
personagem, sua história, suas características, seu comportamento, etc. Com o objetivo de
construir um perfil da personagem a partir dos textos dos monólogos, complementados pela
imaginação, os atores e atrizes responderam individualmente essa lista de questões, que é
apresentada por Gerbase (2003, p. 18), baseada nos estudos de Stanisavski.
Trabalharam-se, essencialmente, os elementos do sistema desenvolvido por
Stanislavski, de elaboração e aplicação do que chamam de Método das Ações Físicas,
descritos por Bonfitto (2001) como:
- O “se”: colocou-se o ator em situação e sensibilizou-o com relação às diferenças
entre ele e a personagem.
- Circunstâncias dadas: circunstâncias apresentadas geralmente pelo texto, que
envolviam a personagem e a acompanhavam em seu percurso, em seu existir; execução e a
repetição das ações adquiriam a função de resgate das circunstâncias ficcionais e de seu
sentido.
- Imaginação: não se deu apenas num plano mental, mas compreendeu uma prática
com os sentidos, com a função de “desautomatizar” as ações cotidianas.
123
- Concentração da atenção: através dos círculos de atenção, o ator e a atriz buscavam
relacionar-se e deixar-se estimular com as relações que estabeleciam em cena, com objetos,
com os outros atores, havia uma interação entre as ações e as consequentes percepções
sensoriais, e os processos interiores.
- Memória emotiva: elemento através do qual o ator pôde despertar as emoções já
vividas anteriormente. Além da emotiva, considerou-se também a memória das sensações e
dos sentidos, ou seja, uma memória física.
- Objetivos e unidades: foram feitas divisões internamente ao texto, com a função de
diferenciar cada momento da personagem, o que possibilitou a construção de um percurso
para ela, de uma trajetória. Os objetivos foram também geradores de ação, ligados à superação
de obstáculos presentes no texto, e resultaram em ação cênica. Em sentido inverso, também
tarefas físicas atuaram sobre a interioridade do ator, no processo de encaminhamento do
trabalho em cena.
- Adaptação: foram empregados recursos interiores e exteriores no processo de relação
entre os atores-personagens.
- Comunhão: estabeleceu-se uma relação de continuidade entre o ator e os outros
elementos do espetáculo.
- Fé e sentimento da verdade: resultado da realização de tarefas psicológicas e físicas
que encontravam uma justificação interna.
Importante se faz esclarecer o porquê de, ainda hoje, o audiovisual recorrer ao Método
Stanislavskiano quando tanto já se avançou no estudo do trabalho do ator. Como o cinema e a
televisão ainda trabalham em sua grande parte, com a ficção clássica e a representação
naturalista, ao contrário do teatro que caminha num sentido mais performático, pós-dramático,
abstrato, o método ainda se mantem como referência justamente porque foi construído num
contexto do teatro realista-naturalista.
É importante dizer que, ao se recorrer aos estudos das diversas teorias do ator
realizados, não foi pretensão deste estudo tomá-las como manuais aplicáveis a um trabalho,
mas como referenciais que ajudaram a levantar possibilidades criativas, de maneira
combinada, contaminada, onde a fluidez definiu de que forma esse imbricamento se deu. Não
pretendeu-se fazer um estudo pormenorizado de cada um desses autores e seus estudos sobre
o ator, mas identificar em suas investigações pistas que pudessem contribuir para a execução
dos experimentos práticos criativos deste trabalho.
Voltando ao exercício dos monólogos, o desdobramento do processo da construção de
personagem foi uma entrevista realizada entre as duplas (figura 27), onde um dos atores
124
entrevistou a personagem do outro, colocando-o em situações diversas, exigindo um
raciocínio na lógica da personagem, contribuindo para a construção desse universo pessoal, na
busca por uma base sólida sobre a qual se pudesse retrabalhar as cenas posteriormente.
Figura 27: Exercício de construção de personagem – entrevistas
Jamila Facury e Eulina Barbosa Foto: Guilherme Schmitt
Como os atores e atrizes já tinham gravado a cena anteriormente, e assistido a cada
uma delas, eles já tinham um referencial de sua imagem, bem como já haviam identificado as
necessidades que apresentaram naquele primeiro momento. Sendo assim, esta era uma
segunda etapa daquele exercício, onde eles buscaram superar as dificuldades encontradas e
avançar em sua atuação para a câmera.
Partiu-se, então, para a gravação dos monólogos, agora já trabalhados individualmente
e com o auxílio de um colega. No ato da gravação, fazíamos a marcação básica da cena, com
algumas indicações técnicas de posicionamento e enquadramento. Também buscou-se manter
uma breve conversa sobre o contexto da cena e as circunstâncias da personagem, buscando
um caminho de conexão e concentração, na busca por viver verdadeiramente o papel.
Para cada ator foi feita uma primeira gravação, onde foi observada a atuação de
maneira a apontar caminhos para um melhor desempenho, seja com relação a questões mais
125
técnicas, como controlar o gesto mais alargado para não sair do enquadramento, perceber o
volume de voz insuficiente, etc., ou com relação à atuação em si, como deixar claras as
intenções da fala, trazer nuances, observar onde colocar as pausas para respiração, etc. O
direcionamento foi dado também para que o ator e atriz mantivessem viva a personagem, com
ações externas ou internas, subtextos, objetivos e riscos – parâmetros utilizados para a
construção das personagens – sempre avivados e pulsantes no instante da atuação.
Assim, gravou-se uma segunda vez, buscando executar as orientações dadas pela
direção. Nesta oportunidade, foi possível perceber que os atores já estavam respondendo às
orientações de maneira muito mais imediata, consciente, de forma que fez-se nítida a
evolução de cada um deles, como se pode observar no vídeo Oficina de Atuação para o
Audiovisual – Atividade MONÓLOGOS42
.
Os textos dos monólogos foram mantidos justamente para verificar de que maneira
eles avançaram a partir dos conteúdos trabalhados até este ponto do curso, de forma a
perceber quais exercícios haviam sido mais ou menos eficazes. Muito embora, a
heterogeneidade do grupo tenha gerado também uma diversidade de respostas, de maneira que
cada um teve um tipo de reação diferente para cada atividade proposta. Pôde-se verificar mais
adiante, a partir dos comentários dos participantes, de que maneira os exercícios os afetaram e
como eles lidaram com o processo de aprendizado a partir deles.
Protagonismo, repetição e improvisação
Ao se considerar alguns depoimentos dos atores entrevistados durante esta pesquisa,
buscou-se experimentar alguns exercícios citados nos processos de preparação pelos quais
participaram, a exemplo do exercício de protagonismo, narrado por Luiz Carlos Vasconcelos,
e livremente adaptado para essa experiência.
Ele [Eduardo Milewicz] defendia muito a questão do protagonismo. Eu sou um que
fico pelos cantos e ele dizia “não, você tem que roubar, você tem que ir à frente,
chegar primeiro na câmera”. Todo mundo é protagonista, é um outro conceito dele.
Seja de que tamanho for, é a maneira como eu chego na coisa com protagonismo,
por mais que seja uma copeirinha que serve o café. Me lembro uma vez também
que, por algum motivo um certo dia, eu furei o esquema e fui o primeiro a dar o
texto e na avaliação dele ele disse “ah, decidiu assumir o protagonismo!”. Mas isso
muito mais como um conceito, uma maneira de se por na cena. Nunca para trás, mas
tomar mesmo a cena. [...] Ou seja, mais esse conceito de positivo, de presença
(VASCONCELOS, 2016).
42 Vídeo disponível em <https://youtu.be/N2rFGhUeZqM>.
126
Nesse exercício (figura 28) foi trabalhada a evidência onde o olhar da câmera coloca o
ator. Pretendeu-se com essa ação promover a prática ativa desse destaque, colocando-os,
enquanto atores e atrizes, em primeiro plano: espacialmente, em relação à câmera;
vocalmente, em relação aos outros atores e atrizes; corporalmente, em relação à amplitude e
precisão das ações realizadas. Foi um exercício voltado principalmente para a relação com a
câmera, com o espaço e com o outro.
Figura 28: Exercício de protagonismo
Participantes da Oficina de Atuação para o Audiovisual, Jamila Facury em primeiro plano. Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
Associado a isso foram trabalhados conteúdos pessoais, trazidos ao exercício através
de palavras e ações, a partir das sensações e memórias de cada um. Como o foco do exercício
foi esse estado de protagonismo, não havia preocupação, ainda, com naturalismo ou verdade
cênica. Até, ao contrário, buscou-se fugir ao modo cotidiano nas falas e ações, para que se
atingisse o primeiro objetivo do exercício. Trabalhou-se ainda a contradição entre fala e ação
interna, numa tensão que evidenciou essa disparidade entre o que se diz e o que se quer dizer,
ou ainda, entre o que se diz com a fala e o que se diz com o corpo, dicotomia muito presente,
e bem vinda, em trabalhos de atuação no audiovisual.
Como continuidade do trabalho, partiu-se em direção oposta, numa busca pela
observação e escuta, a partir do exercício de repetição (figura 29), parte da técnica de Sanford
Meisner. É um método que trabalha muito com o improviso, no sentido da presença cênica, na
127
busca por uma disponibilidade do ator para perceber o que o seu interlocutor lhe oferece, o
que está acontecendo verdadeiramente no momento presente. É o tipo de recurso que
estabelece uma conexão muito próxima entre os atores em cena, onde a ação é sempre reação
a uma ação percebida anteriormente. Através da repetição da palavra, experimentam-se
sensações variadas e cada vez mais profundamente, de maneira que as palavras são a
expressão do não visto, daquilo que está interno. No exercício da repetição, o ator se coloca
então em estado de prontidão para viver o momento, agindo e reagindo sinceramente ao que
está acontecendo. A técnica trabalha o que está sendo dito de outras formas além da palavra:
através da respiração, do movimento, do relaxamento ou tensão, etc.
Figura 29: Exercício de repetição
Tarciana Martins e Naiara Misa Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
O passo a passo do exercício consistiu em uma repetição de uma frase básica entre
dois atores, o que faz com que o cérebro do ator se libere das críticas e julgamentos que
naturalmente se faz, e se concentre apenas no momento presente. A frase era repetida diversas
vezes, de maneiras diferentes, sem planejamento, apenas a partir da escuta e observação
verdadeiras, para que houvesse uma resposta verdadeira, a escuta de cada palavra e o
entendimento de seu significado como se fosse a primeira vez. Através do exercício, foram
treinados os impulsos, que determinaram as ações e reações espontâneas.
128
Para finalizar esta etapa de trabalho partiu-se para o trabalho de improvisação,
utilizando os princípios trabalhados nos dois exercícios anteriores – o de protagonismo e o de
repetição, na construção de uma cena (figura 30). As indicações foram: em duplas, construir
uma cena onde deveriam estar as ações e falas trabalhadas no primeiro exercício, porém
levando em conta a presença, a observação e a escuta do outro. Assim, havia elementos a
inserir na cena, mas os atores e atrizes deveriam estar abertos e atentos para sentir o momento
de integrá-los à cena.
Figura 30: Exercício de improvisação
Kassandra Brandão e Bertrand Araújo em uma das cenas de improvisação. Fonte: Frame capturado de vídeo de registro.
A improvisação é um importante instrumental técnico para o ator e sua presença na
história do fazer teatral, data desde os mimos gregos, passando pela Comédia Dell‟Arte, entre
outras manifestações populares, até o teatro contemporâneo ou pós-moderno, com sua
dramaturgia do ator. A improvisação destaca-se como um potencializador da criatividade,
contribuindo para a preparação do ator, sua fase pré-expressiva e também para a construção
de partituras e da cena.
Veneziano (2002) define a improvisação como um jogo, que possui regras definidas, e
que se utiliza da bagagem acumulada do próprio ator para lidar com situações inusitadas,
novas, inesperadas, e ao mesmo tempo para criar ações novas, contar novas histórias,
descobrir novos caminhos para histórias já conhecidas. Como qualquer técnica, tem
129
necessidade de treinamento, que juntamente com a bagagem existente prepara o ator para
estar pronto na situação de “não-pronto” (improvisado). Treinar o improviso é exercitar a
capacidade criativa do ator.
No exercício proposto, os atores tiveram pouco tempo para desenvolver as cenas com
a improvisação, ainda assim, fez-se a gravação de cada uma delas para que fosse assistido e
comentado posteriormente. Já nesta gravação trabalhou-se ainda com marcações fixas,
normalmente utilizadas no audiovisual, em consonância com o planejamento técnico e
decupagem das cenas, bem como posicionamento das câmeras.
Sobre essa questão da marcação, é importante enfatizar a importância que ela exerce
no audiovisual. Não é exatamente a marcação que se conhece no teatro, mas é semelhante,
porém ela é muito mais direcionada para a definição da posição das câmeras, a afinação da luz
e o posicionamento dos microfones no set de filmagem. Ainda que haja liberdade de
improvisação para o ator no momento da gravação, a marcação deve ser respeitada, ou corre-
se o risco de não haver cobertura de imagem total da cena, ou ainda uma má iluminação do
ator. Sendo assim, o ator deve ter consciência de sua marcação e da necessidade de cumpri-la
para o bom andamento da gravação.
Ao trabalhar cenas em duplas se iniciou o processo de relação entre os atores e atrizes
durante a atuação, ainda que num primeiro momento isto tenha acontecido de forma livre,
sem roteiro pré-definido. Os atores e atrizes passaram a se perceber, jogar um com o outro,
em um estágio que requeria mais do que o trabalho interno e individual exigido no exercício
prático do monólogo. Agora, era necessário estar pronto para reagir às ações do outro, as
quais não se sabia quais seriam. Além disso, foi uma oportunidade de os atores e atrizes, com
suas mais diversas formações e níveis de experiência trocarem entre si, permitindo-se
aprender com o outro, crescer com a experiência ou a busca do colega.
Tiche Vianna contou que na preparação os atores trabalham todos juntos,
independentemente do nível de experiência que eles tem:
Isso faz com que um ator mais experiente, ao trabalhar com um ator menos
experiente, se sinta contemplado com a sua potência, quer dizer, possa evocar o que
ele tem de mais potente nele, não precisa diminuir a sua potência. E faz com que o
ator menos experiente, também evocando a sua melhor potência, não se sinta
inferior ao ator mais experiente. Isso faz com que os dois caminhem na direção do seu melhor. Então essa relação faz toda a diferença no momento que eles estão lá
gravando uma cena, imprimindo no material que vai depois pro ar, imprimindo todas
as suas emoções, sentimentos, sensações. Isso faz o filme se tornar uma coisa viva e
presente (VIANNA, 2016).
130
Luiz Carlos Vasconcelos (2016) exaltou o tratamento do preparador Eduardo
Milewicz na telenovela Além do Tempo, no que diz respeito ao tratamento e formação do
elenco enquanto grupo, equipe coesa voltada para um único objetivo:
Era uma tentativa mesmo de buscar um diferencial, de buscar uma qualidade. E que
terminou conseguindo, porque era um trabalho em grupo, todo mundo misturado ali,
desde as crianças que estavam na novela, Irene Ravash, Othon Bastos, todo mundo.
Andando pela sala, dizendo o texto e dar a cara à tapa (VASCONCELOS, 2016).
Construção Física
Em determinado estágio da oficina sentiu-se a necessidade de trabalhar com os atores
iniciando o percurso pela via do corpo. A partir dos estudos das ações físicas foi elaborada
uma proposta de exercício que partiria de uma cena, onde o texto não seria memorizado
incialmente, mas, sim, se trabalharia sobre os objetivos, impulsos e as ações, para só depois
acrescentar o texto. O trabalho foi realizado a partir das ações físicas, as quais compuseram a
encenação antes mesmo do texto ser incorporado a ela.
Ainda antes de se iniciar esse exercício, fez-se um processo de preparação desse corpo
para entrar no estado de criação, a partir de um trabalho mais intenso, de consciência corporal
e de construção de partituras. Este trabalho se deu incialmente no sentido de explorar as
potencialidades do corpo, construindo um estado de dilatação extracotidiano.
Partiu-se para um trabalho específico de criação artística pelo ator, baseado na
construção de partituras corporais e vocais. A expressão criativa do ator foi apresentada como
um processo consciente, a partir da utilização de técnicas e informações práticas e teóricas na
composição cênica. Elementos como energização, pré-expressividade, ritmo, pulsação,
gravidade, expressividade, ação física e ação vocal foram trabalhados no exercício de
composição.
Neste exercício, utilizou-se como foco principal do trabalho do ator a sua
corporeidade, ou seja, a maneira como ele exprime, através do corpo, suas energias
potenciais. Sendo assim, recorreu-se a Ferracini (2001), que esclarece alguns conceitos
essenciais nesse sentido. Ele afirma que é necessária a busca por uma natureza específica do
palco, que aqui se transportou para o set de televisão, um corpo dilatado e extra-cotidiano, que
só é conseguido por meio de um treinamento contínuo do instrumento de trabalho do ator: o
corpo-em-arte.
131
Segundo Ferracini (2001, p. 37), “A técnica possibilita a operacionalização e a
comunicação entre o corpo e a alma, dá forma à vida e às energias potenciais dinamizadas
pelo ator, possibilitando não o que dizer, mas a forma como se diz”.
Ele afirma que, um elemento que está no nível básico do trabalho do ator é a pré-
expressividade, ou seja, o seu alicerce, onde ele trabalha, em seu treinamento cotidiano, a
busca da dilatação corpórea, a manipulação de suas energias e sua presença cênica,
produzindo os elementos técnicos e vitais de suas ações físicas e vocais. A pré-expressividade
não se preocupa com a expressão artística em si, mas com aquilo que, anteriormente, a torna
possível.
Essa sistemática pessoal de treinamento desenvolveu-se na busca pela dilatação
corpórea necessária ao trabalho do ator, pelo corpo extra cotidiano, sendo este corpo não
somente a matéria, mas sim o corpo-em-vida, ou o corpo subjétil, que rompe com a dicotomia
entre corpo e mente e trata o ser como um todo. Esse uno, segundo Eugenio Barba, é o
verdadeiro instrumento do ator. Barba afirma que “a verdadeira técnica da arte do ator é
aquela que consegue esculpir o corpo e as ações físicas no tempo e no espaço, acordando
memórias, dinamizando energias potenciais e humanas, tanto para o ator como para o
espectador” (BARBA In BURNIER, 2001).
Também como ferramenta de treinamento técnico do ator, cabe enfatizar uma outra
técnica à qual se recorreu, o sistema Esforço-Forma (E/F) criado por Rudolf Laban. Este
sistema descreveu as dinâmicas do movimento com ênfase em seus aspectos qualitativos, ou
seja, a forma que o indivíduo encontra de lidar com suas vibrações interiores e fazer
adaptações em resposta aos estímulos do meio ambiente.
Segundo Miranda (1980, p.08), esse sistema nos fornece uma maneira de estudar e
entender o homem de uma forma mais global, uma vez que ele estimula uma consciência e
uma apreciação das relações recíprocas entre o corpo e a mente expressas através do
movimento. Busca-se aumentar o vocabulário expressivo, desenvolver capacidades de
transformar ações em símbolos de emoção, relacionando as atitudes internas com as formas
externas de movimento.
A fonte da qual devem brotar a perfeição e o domínio final do movimento é a
compreensão daquela parte da vida interior do homem de onde se originam o
movimento e a ação. Tal compreensão aprofunda o fluir espontâneo do movimento,
garantindo uma eficaz agilidade. A premência interior do ser humano para o
movimento tem que ser assimilada na aquisição da habilidade externa para o
movimento (LABAN, 1978, p. 11).
132
Para Laban (1978), o movimento é dotado de dois objetivos principais: o primeiro é o
de representar os aspectos mais exteriores da vida, enquanto o segundo é revelar os impulsos
internos que levam ao movimento. O ator precisa deixar que o seu movimento seja resultado
desses impulsos interiores, conhecendo as condições de esforço, suas qualidades e alterações.
É necessário ao ator adquirir a habilidade para poder alterar conscientemente os
componentes do movimento: Peso, Espaço, Tempo e Fluência, os quais estão diretamente
relacionados com as atitudes interiores.
Através de um treinamento sistemático e objetivo, é possível fortalecer a riqueza e a
diversidade dos esforços do ator, fonte de sua dramaticidade, dentro de relações estabelecidas
com o meio ambiente, com outras pessoas, etc. Para isto, Laban (1978) sugere um
treinamento baseado no “pensar em termos de movimento”, ao invés de pensá-lo apenas por
palavras. É um pensar que recorre àqueles impulsos internos, provocados por necessidades
interiores, que se concretizam não no falar, mas no fazer, no representar e no dançar.
A dinâmica do movimento é composta por oito ações básicas: torcer, flutuar, deslizar,
empurrar, socar, pontuar, chicotear e espanar, classificadas com relação às combinações
possíveis de suas qualidades de tempo (súbito/sustentado), espaço (direto/indireto) e peso
(forte/leve).
Buscou-se desenvolver o pensamento-movimento do ator ou atriz através de exercícios
progressivos que promovessem a observação, análise e treino das ações humanas, para que
consiguissem, de maneira consciente, que personagens e seus valores transparecessem.
Cabe aqui trazer o conceito de matriz, célula embrionária do nosso processo de
construção de partituras na trajetória até a expressividade: ela consiste na ação física/vocal
viva e orgânica codificada. É o material inicial, principal e primordial, a fonte orgânica de
material do ator. Ela pode ser moldada, remodelada, reconstruída, segmentada, transformada
em sua fisicidade43
no tempo/espaço, tendo como única condição a necessidade de se manter
seu coração, ou seja, sua corporeidade.
Neste sentido ela se assemelha à ação física de Stanislavski, tal qual descreve
Grotowski:
Outra coisa é fazer a relação entre movimento e ação. O movimento, como na
coreografia, não é ação física, mas cada ação física pode ser colocada em uma
forma, em um ritmo, seria dizer que cada ação física, mesmo a mais simples, pode
43
Outro fator importante é o conceito de corporeidade e fisicidade. A corporeidade é a maneira como as
energias potenciais se corporificam, é a transformação destas energias em músculo, a “alma” da ação física. Já a
fisicidade corresponde à parte mecânica pela qual se opera uma ação física, o corpo final e trabalhado dessa
ação. (BURNIER, 2001)
133
vir a ser uma estrutura, uma partícula de interpretação perfeitamente estruturada,
organizada, ritmada. Do exterior, nos dois casos, estamos diante de uma
coreografia. Mas no primeiro caso coreografia é somente movimento, e no segundo
é o exterior de um ciclo de ações intencionais. Quer dizer que no segundo caso a
coreografia é parida no fim, como a estruturação de reações na vida (GROTOWSKI,
1988).
Dentro do processo de construção de partituras físicas e vocais, a dinâmica do
movimento, pormenorizada por Rudolf Laban (1978), mostrou-se como ferramenta
potencializadora das possibilidades de criação, como um canal de acesso aos impulsos
internos, os quais se materializavam no corpo e na voz. Além das qualidades estabelecidas nas
ações básicas, foram descobertas e exploradas novas combinações entre elas, que provocavam
sensações novas as quais se “corporificavam” em diferentes ações.
No exercício proposto na Oficina de Atuação para o Audiovisual, após a fase de
exploração e conscientização corporal, partiu-se para a segunda fase, onde se trabalhou com
ações físicas. Para tanto, dividiu-se os atores em duplas, para as quais foram entregues as
cenas previamente escolhidas para serem trabalhadas, com textos de autoria de Joht
Cavalcanti. Para o estudo da cena, iniciou-se com uma leitura em duplas a fim de identificar
qual o superobjetivo da cena, bem como o objetivo de cada personagem, nomeando com um
verbo de ação que conduziria as experimentações físicas de cada um e a construção de suas
partituras. Stanislavski considera os objetivos como obstáculos a serem traspostos e os
nomeia com verbos que determinam uma ação.
Com a definição do verbo, cada ator recorreu aos impulsos que esses verbos geravam,
bem como às dinâmicas do movimento, para experimentar inúmeras possibilidades de tempo,
espaço, esforço, ritmo, amplitude, intensidade, etc. Em seguida, após a criação e codificação
das partituras físicas, partiu-se para o trabalho relacional entre atores e atrizes.
A palavra ainda não estava sendo usada, mantendo-se o foco apenas sobre os jogos
corporais que puderam surgir na comunicação física entre os dois atores. Assim, partiram para
a exploração das combinações possíveis, formas de adaptar, tensionar e expandir aquilo que já
haviam criado diante da nova informação que veio do outro, utilizando-se da gradação de
intensidades, complementando com novas formas que viessem a surgir diante da interação,
rtc., gerando novas partituras a partir essas relações.
Esse exercício resultou em cenas desenvolvidas completamente a partir do corpo, sem
a presença do texto, associando à consciência corporal e à criação física de partituras
trabalhadas alguns princípios do audiovisual como fragmentação, marcação, enquadramento,
planificação, mise-en-scène, contracena, etc.
134
Todos apresentaram o resultado dos trabalhos em duplas (figura 31), ainda sem o
texto, e no momento da apresentação houve interferências no sentido de provocar novas
sensações e descobertas. As sugestões foram desde passar toda a cena apenas com o olhar,
entre os dois atores, ou ainda trabalhar somente com os impulsos, alterar a intensidade de
algumas partes da cena, oferecer situações inusitadas que modificasse o curso da cena, etc.
Desta maneira, foi possível apresentar algumas outras possibilidades além das já trabalhadas
entre eles no momento de construção das cenas.
Figura 31: Exercício de criação com ações
Jamila Facury e Joelton Barros Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
É interessante destacar que alguns atores e atrizes apresentaram dificuldade para
explorar as possibilidades do corpo, ficando no campo do confortável, se desafiando pouco e
recorrendo à expressividade mais cotidiana. Diante disto, foram dadas as instruções no
sentido de explorar o incomum, de se desafiarem, o que gerou, aos poucos, respostas
diferentes. Tal característica foi observada principalmente nos atores que não tinham
experiência teatral, mas somente no audiovisual. Por outro lado, aqueles que já tinham um
histórico no teatro, se apresentaram muito à vontade para as atividades propostas, com
disponibilidade para a busca de uma expressividade extra cotidiana, um corpo dilatado e uma
presença expandida.
135
Várias são as possibilidades de se trabalhar a partir do corpo do ator e da atriz. Tiche
Vianna (2016), compartilhou sua experiência em Hoje é Dia de Maria:
Hoje é dia de Maria trabalha a mitologia dentro do universo da fábula. E como a
fábula é muito mais expressiva do ponto de vista estético, para figuras exóticas, a
gente trabalhou muito mais o corpo do ponto de vista da exacerbação. Então, eu
parto da máscara no Hoje é dia de Maria e brinco com os corpos constituindo as
máscaras externamente. Então, movimentos, posições, jogos de cabeça, olhares,
coluna, tudo isso... quer dizer, o corpo se compõe de uma forma mais coreografada,
digamos assim. Não significa que há uma coreografia marcada, mas significa que todo o trabalho de preparação estabelece o aprendizado do ator para o domínio do
corpo dele em movimentos maiores, mais amplos, mais espaçosos. Então ele vai
construindo esse repertório e esse modo de tratar seus próprios movimentos
(VIANNA, 2016).
Em outro dia, deu-se sequência à atividade, desta vez, incorporando o texto à
corporeidade já construída. Os atores estudaram os textos, memorizaram as falas, e
desenvolveram a ideia das suas personagens previamente, cabendo ao momento de nosso
encontro a adaptação da mise-en-scène construída para o espaço onde faríamos a gravação da
cena, bem como a marcação, o trabalho das intenções, o ensaio minucioso e a afinação dos
atores. Este exercício prático de gravação de diálogos, embora, diferentemente dos anteriores,
tenha partido do estímulo físico e do trabalho corporal, sendo o texto uma camada inserida
posteriormente, também cumpriu as etapas convencionais de filmagem no audiovisual, as
quais já haviam sido trabalhadas separadamente em exercícios anteriores.
Desta forma, pôde-se trabalhar os conteúdos já estudados de maneira conjunta, o que
resultou em um exercício bem completo onde foi possível vivenciar um processo de
construção, no qual os atores foram criadores desde o instante primeiro, durante a construção
das partituras corporais, mas que também contemplou, em um segundo momento, o estudo do
roteiro e a construção da personagem em cenas onde, além da verdade e da presença, eles
trabalharam a relação com o outro.
Por fim, realizou-se a prática da gravação em si (figuras 32, 33 e 34), com os aspectos
técnicos do audiovisual sendo fixados, como por exemplo, a decupagem e marcação das cenas
de acordo com os enquadramentos, posicionamentos e movimentos de câmera, a iluminação,
a fragmentação, a manutenção da energia, o tempo de estúdio, a repetição, a adequação dos
gestos, o controle da voz, etc.
136
Figura 32: Exercício de gravação de cenas (diálogos).
Vinícius Guedes e Saskia Lemos Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
Figura 33: Exercício de gravação de cenas (diálogos)
Malu Cavalcanti e Bonerges Guedes Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
137
Figura 34: Exercício de gravação de cenas (diálogos)
Kassandra Brandão e Itamira Barbosa Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
A diversidade das cenas trabalhadas, sendo que algumas eram mais cômicas, outras
dramáticas, outras de suspense, algumas com bastante texto, outras mais voltadas para ações,
etc., e o fato de todos os atores acompanharem também as gravações das outras cenas fizeram
com que eles pudessem comparar e perceber as diferenças entre elas, aprendendo com a
experiência dos colegas. Posteriormente os vídeos resultantes44
foram disponibilizados para
que cada ator fizesse sua avaliação individual de seu desempenho e do desempenho dos
demais colegas.
Acreditou-se que esta atividade foi capaz de contemplar todo o conteúdo do curso de
maneira condensada e combinada, num amálgama que serviu como fechamento das atividades
e ao mesmo tempo como uma síntese de todos os assuntos abordados. Houve a satisfação com
o lugar onde se chegou, pois acho que conquistamos mais do que era nossa primeira intenção,
e pôde-se perceber o avanço e a evolução de cada um dos atores no tocante à atuação para o
audiovisual, o que poderá ser ilustrado com as próprias falas dos atores tanto nos depoimentos
gravados45
quanto no formulário de avaliação do curso, explanado mais adiante neste
trabalho.
44
Disponível no vídeo Oficina de Atuação para o Audiovisual – DIÁLOGOS, através do link
<https://youtu.be/OSCkcgPjXas>. 45 Disponível no vídeo Oficina de Atuação para o Audiovisual – DEPOIMENTOS DOS PARTICIPANTES,
através do link <https://youtu.be/pI97IxtPzJM>.
138
2.3 Projeto Piloto: Uma Experiência Prática
Neste tópico foi explicitado o processo de criação do episódio piloto da segunda
temporada do programa Ciência Aberta, da TV UFPB, resultante da Oficina de Atuação para
o Audiovisual. Os aspectos desse processo foram descritos e discutidos, a fim de observar de
que maneira se deu a aplicação dos conhecimentos desenvolvidos durante a oficina, bem
como analisar de que maneira esta pesquisa como um todo reverbera na pratica artística e
profissional da pesquisadora no universo audiovisual.
Como significação de referentes culturais, a manifestação de conteúdos ficcionais carrega um complexo universo de valores, concepções, costumes, enfim,
subjetividades inerentes à materialização significante e sensível do signo. Como
expressão subjetiva e corpo, como significado e significante, como signo e
fenomenologia da arte e da comunicação, a produção ficcional insere-se num
importante tripé: arte, comunicação e educação (MACHADO, 2009).
Aqui, abordou-se o projeto poético do artista que, Segundo Salles (2008), são
princípios direcionadores, de natureza ética e estética, presentes nas práticas criadoras,
princípios relativos à singularidade do artista, um projeto pessoal (e singular), inserido no
tempo e no espaço da criação.
Este processo de criação foi uma etapa nova e diferente da oficina realizada, embora
seja a continuação desta, com a experimentação dos conteúdos estudados em uma obra
televisiva. Agora, na posição de diretora, foi estabelecida uma relação diferente entre
pesquisadora e participantes, não mais a de professor/aluno, mas sim de profissionais em um
desenvolvimento de um trabalho específico, cada um com sua função definida, com
autonomia para propor, criar e intervir no trabalho como um todo.
A equipe de trabalho para este primeiro episódio foi composta pelos seguintes
profissionais: Mônica Brandão, na produção; Valeska Picado, no roteiro; Niutildes Batista, na
direção de fotografia e câmera; Fabiano Diniz, na iluminação e câmera; José Newton dos
Santos, na direção de som; Guilherme Mello, câmera; e César Moura, câmera. O cenário,
figurinos e maquiagem foram trabalhados coletivamente, com especial atenção dos estudantes
que já possuíam experiência anterior em cada uma dessas áreas.
Para o desenvolvimento desta etapa, já estava sendo realizada em paralelo à Oficina de
Atuação para o Audiovisual, a pré-produção do Episódio Piloto do Programa Ciência Aberta.
Esta etapa prévia compreendeu o planejamento geral das gravações, datas e horários, reserva
139
de locais, transporte de cenários, figurinos, adereços, maquiagem, contato com a equipe de
filmagem, roteirista e apoios, reserva de equipamentos.
Neste período também foi definido o tema que seria trabalhado neste episódio. Optou-
se por selecionar uma das edições recentemente veiculados pela TV UFPB do programa
UFPB Acontece, que fala sobre o dia a dia da universidade, inclusive de pesquisas em
destaque. Com o auxílio da jornalista e servidora da TV UFPB Patrícia Mesquita, foi possível
selecionar a matéria Provision, veiculada no mês de agosto de 2016. Desta forma, resolveu-se
o bloco de jornalismo, e deteve-se nossa atenção apenas sobre o bloco de teledramaturgia,
foco deste trabalho.
Um dia antes de dar início às gravações do programa, foi feita a produção do set com a
equipe da TV UFPB juntamente com os participantes da oficina, agora atrizes e atores do
programa.
Para a etapa de gravação do episódio piloto do programa Ciência Aberta, foi pensado
inicialmente na manutenção do conceito, porém com uma modificação no seu processo de
produção. Como já descrito no tópico 2.1 Flash Back, que detalhou o processo de gravação da
primeira temporada no programa, a linha narrativa da teledramaturgia consistiu em três
momentos: o primeiro, quando se definiu o tema, o segundo, quando se discutiu o tema, e o
terceiro, quando se construiu uma cena ilustrando o saber popular a respeito do tema.
Na primeira temporada, porém, toda essa parte era uma ficção previamente criada e
escrita pelo roteirista, para então os atores encenarem. Esta informação não foi explícita no
programa, ao contrário, como o roteiro trabalha com a metalinguagem, com atores
representando atores estudantes do curso de Teatro fazendo um programa de televisão, dava a
impressão de que aquelas falas haviam sido criadas pelos próprios atores no momento da
cena.
Para este experimento, uma vez que se tinha interesse em colocar o ator em um espaço
de criação mais autônomo e participativo, decidiu-se por trabalhar a partir da criação
colaborativa. Fischer (2003, p.52) afirma que “o processo de criação colaborativa integra a
ação direta entre os diversos profissionais: atores, diretores, dramaturgos e demais artistas”.
Esse modelo sugere um apagamento das formas hierárquicas de organização.
Neste novo contexto, os envolvidos dividiram um mesmo plano de ação, onde todos
tinham o direito e o dever de contribuir com a finalidade artística. A autoria e o poder de
decisão, antes pertencentes unicamente ao diretor, eram agora de todos. Conservaram-se as
funções individuais, onde o roteirista era responsável pela elaboração textual, o ator pela
criação das ações e personagens, o diretor pela organização e estruturação da unidade. No
140
entanto, os parâmetros que delimitam tais campos tornaram-se menos rígidos e a concretude
de cada função apenas se realizou sob o viés da participação e da contribuição em cadeia.
Assim, a dinâmica interna do grupo propôs uma divisão de trabalho que delega
responsabilidades específicas a coordenadores de cada setor da criação cênica. Esse artista
responsável por sua área respondia e desenvolvia uma síntese das proposições desenvolvidas
pelo conjunto e estrutura de forma conveniente à concepção geral do espetáculo.
O processo colaborativo, no que concerniu este estudo, preenche, de certa maneira, o
espaço do “diretor do diretor”, como falado por Vianna (2016), esse olhar externo sobre a
direção. Esse tipo de trabalho permite a abertura e liberdade para que todos opinem, inclusive
sobre o trabalho da direção. E, não somente no aspecto técnico, de escolhas estéticas, mas
também no aspecto ético, de condução do trabalho e relação humana com a equipe.
É um privilégio trabalhar num ambiente onde todos tem a liberdade de opinar,
respeitando, é claro, o lugar de cada um e entendendo que as decisões finais cabem a cada
profissional responsável por cada função, supervisionados pela direção. E esta última também
se submete à opinião e interferência dos demais, cabendo a si a tarefa de selecionar, filtrar e
acatar ou não as sugestões. O modo de trabalhar desta direção priorizou a experimentação. Se
uma nova sugestão parecia razoável, colocava-se em teste para que todos experimentassem
executar da melhor forma. Então, dependendo do resultado desse experimento, a mudança
seria ou não acatada e absorvida.
Araújo (1998, p. 57), ao falar sobre o processo colaborativo, aponta que a principal
função do ator continua sendo a elaboração e representação de um personagem. Porém, na
perspectiva coletiva, ele precisa romper o isolamento de suas questões específicas para
participar lado a lado do trabalho de todos os outros agentes responsáveis pela construção da
encenação ou, neste caso, da obra audiovisual. Nesta perspectiva, segundo ele, é possível
romper a hierarquização do processo, colocando em um mesmo grau de importância e
responsabilidade todos os artistas envolvidos no processo, tendo como coordenador do
processo a figura do Encenador/Diretor.
Abreu (2003) ressalta o caráter dialógico do processo colaborativo, onde a
confrontação e o surgimento de novas ideias, sugestões e críticas são “os motores de seu
desenvolvimento”. Isso faz do processo colaborativo uma relação criativa baseada em
múltiplas interferências.
Tanto no teatro, como no audiovisual, o processo colaborativo tem se revelado
altamente eficiente na busca de uma obra que represente as vozes, ideias e desejos de todos
que o constroem. “Sem hierarquias desnecessárias, preservando a individualidade artística dos
141
participantes, aprofundando a experiência de cada um, o processo colaborativo tem sido uma
resposta consistente para as questões propostas pela criação coletiva dos anos 1970: uma obra
que reflita o pensamento do coletivo criador” (ABREU, 2003).
Na busca por exercitar esse modelo de criação, optou-se por não estabelecer um
roteiro prévio para o programa, deixando que este fosse construído a partir das relações entre
atores, atrizes, temas propostos, equipe e demais elementos da cena. Havia uma roteirista que
acompanhou todo o processo e que tinha como função construir o roteiro final com o material
que fosse sendo produzido pelos atores no decorrer do processo de criação. Outra
característica que optou-se por deixar mais explícita neste experimento audiovisual foi o
processo de criação dos atores, numa busca por tornar esse “por trás das câmeras” visível ao
público. Salles (2009, p. 78) afirma que “é no estabelecimento de relações entre os gestos
(vestígios) do artista que se percebe os princípios que norteiam aquele processo”.
Na busca por essa transparência no processo de criação, adotou-se a seguinte
dinâmica: no primeiro dia de gravação, após os exercícios individuais de alongamento e
aquecimento, foi feita a apresentação do programa e dos participantes (figura 35). Sem revelar
o tema já previamente definido com a equipe de jornalismo, que era “As cores e o deficiente
visual”, trabalhou-se com os atores no sentido de colocá-los em contato com o universo do
cego de maneira sensorial.
Figura 35: Gravação do programa piloto - abertura
Itamira Barbosa, Joelton Barros, Railson Almeida, Jamila Facury, Saskia Lemos, Cely Farias, Eulina Barbosa,
Malu Cavalcante, Tarciana Martins e Vinícius Guedes
Fonte: Frame capturado do programa
142
Para isso, foi proposta deste estudo duas atividades nas quais o foco era suprimir o
sentido da visão e fazer com que eles experimentassem “ver o mundo” através dos demais
sentidos. A primeira atividade consistiu em vendá-los e depois distribuir objetos diversos,
com formatos, texturas, cheiros, materiais e cores variadas (figura 36). A indicação era para
que eles tentassem descobrir a cor dos objetos a partir dessas outras características. Cada ator
pôde sentir vários objetos, tentando retrabalhar os sentidos a fim de identificar as cores, e
também de experimentar, de certa forma, a realidade cotidiana do deficiente visual.
Figura 36: Gravação do programa piloto – Atividade cegos 1
Eulina Barbosa, Itamira Barbosa, Railson Almeida, Saskia Lemos, Jamila Facury, Malu Cavalcante, Joelton
Barros e Tarciana Martins
Fonte: Frame capturado do programa
A segunda atividade enfocou de maneira ainda mais prática esse contexto, fazendo a
reprodução de uma situação cotidiana: escolher e vestir uma roupa (figura 37). Dispôs-se
várias roupas de cores, modelos e tamanhos variados, para que as atrizes e atores
escolhessem, vendados, uma vestimenta que poderiam usar tranquilamente no dia a dia.
143
Figura 37: Gravação do programa piloto – Atividade cegos 2
Eulina Barbosa, Railson Almeida, Malu Cavalcante, Joelton Barros, Saskia Lemos, Cely Farias,
Tarciana Martins, Vinícius Guedes, Jamila Facury e Itamira Barbosa Fonte: Frame capturado do programa
É importante salientar que as atividades foram desenvolvidas seguindo as dinâmicas
propostas durante toda a oficina, levando em conta a liberdade de experimentação, o jogo e a
ludicidade como formas de se construir um trabalho criativo. Sobre essa relação, Salles
aponta:
A criação pertence ao mundo do prazer e ao universo lúdico: um mundo que se
mostra um jogo sem regras. Se estas existem, são estipuladas pelo artista, o leitor
não as conhece. Jogar é sempre estar na aventura com palavras, formas, cores,
movimentos. O artista vê-se diante das possibilidades lúdicas de sua matéria (2009, p. 85).
Ambas as atividades foram muito provocativas e suscitaram uma rica discussão ao
final do dia de gravação, quando foi revelado o tema que estava sendo trabalhado no
programa. A gravação continuaria dali a dois dias e esse intervalo foi destinado, então, para
que os atores e atrizes criadores realizassem pesquisas individuais sobre o tema utilizando,
para isso, as diversas fontes a que tivessem acesso: sites especializados, livros, vídeos,
depoimentos de deficientes visuais, escola de cegos, etc. Neste tempo, trocaram-se muitas
informações através de dispositivos de comunicação, redes sociais, etc., compartilhando
materiais que foram considerados interessantes, inclusive a matéria sobre o Provision, o
144
dispositivo de identificação de cores desenvolvido em pesquisa da UFPB, que definiu o tema
do episódio piloto.
No segundo dia de gravação, foi feita uma grande roda de debate sobre o tema,
apresentando as descobertas que cada um dos atores e atrizes fizeram em suas pesquisas sobre
o deficiente visual e sua relação com as cores. Assistiram-se a vídeos, dividiram-se
experiências pessoais, familiares, compartilhou-se depoimentos e discutiu-se a relação entre
todo esse material e a vivência do primeiro dia.
A partir daí, foram feitos três grupos de três atores e atrizes, os quais trabalharam o
tema em uma improvisação (figura 38). Os elementos cênicos estavam dispostos no espaço e
os atores e atrizes tinham liberdade para utilizá-los, bem como pensar em outras
possibilidades para além do que estava exposto. O laboratório de criação apresentou-se nesse
contexto como o “espaço vazio” para investigação, experimentação e emergência da obra
audiovisual, no qual a prática improvisacional configurou-se como um procedimento
empregado na busca de possibilidades criativas e estéticas.
Os grupos trabalharam de forma independente, com algumas orientações da direção,
no sentido de construir uma cena que contemplasse o tema de maneira a ilustrar de que forma
este conhecimento foi inserido na sociedade. Dessa forma, geraram-se três cenas curtas que
foram apresentadas para a equipe de direção, produção e roteiro.
Figura 38: Gravação do programa piloto – Criação de cenas
Railson Almeida, Tarciana Martins, Jamila Facury, Malu Cavalcante, Cely Farias, Vinícius Guedes,
Itamira Barbosa, Joelton Barros, Eulina Barbosa e Saskia Lemos Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
145
A partir das cenas apresentadas, houve uma reunião entre a pesquisadora, a roteirista e
a produtora para planejar o terceiro dia de gravação, que já seria no dia seguinte.
Trabalhou-se com o conceito vindo do teatro colaborativo chamado dramaturgia em
processo, método baseado na criação textual a partir de improvisações e na experiência
particular do ator. Fischer (2005) aborda esse assunto da seguinte maneira:
É nesse contexto de colaboração que o ator se destaca como co-autor de um ato
teatral. Com frequência, a dramaturgia é elaborada coletivamente, contando com a
intervenção dos atores para esse fim, mesmo que tenham como referência um texto
teatral pré-estabelecido ou haja presença de um dramaturgo ou dramaturgista no corpo criador. [...] Nessa perspectiva, exige-se do ator um maior comprometimento
com a produção e, em muitos casos, urna alta qualificação e uma formação mais
apurada. O ator modela a arquitetura textual de acordo com as exigências
dramatúrgicas estabelecidas pelo grupo. Cabe aos diretores, dramaturgos e
dramaturgistas da companhia a organização das contribuições dos atores. Nesse
contexto, a função do diretor teatral toma outras dimensões. Embora não lhe
pertença a criação da encenação em sua totalidade, o diretor de companhias
colaborativas concilia seu trabalho coletivamente com o grupo, supervisionando e
coordenando atividades, organizando as contribuições dos criadores a favor da
unidade e coesão do ato teatral. Esses são alguns procedimentos de criação cênica
adotados no contexto da cena contemporânea que incorpora a proliferação de vozes
autorais (FISCHER, 2005, p. 54).
Para viabilizar a gravação foi necessário finalizar o roteiro, que embora tenha partido
das cenas improvisadas, precisou de ajustes para se adequar à linguagem, além de oferecer
uma linha condutora que ligasse todas as cenas.
Houve ainda a necessidade de providenciar os elementos de cena necessários, como
figurinos, objetos, cenário, etc.; além de possibilitar que os atores e atrizes pudessem estudar
o roteiro já definido, elaborar de maneira mais completa as personagens, ensaiar as cenas.
Salles (2009, p. 72) aponta para o fato de o processo criativo ser palco de uma relação densa
entre o artista e os meios por ele selecionados, que envolve resistência, flexibilidade e
domínio, o que significa uma troca recíproca de influências.
Diante de tantas demandas, foi possível perceber que não era possível cumprir em tão
pouco tempo todas elas sem que se comprometesse a qualidade do programa. O tempo, maior
inimigo de quem trabalha na televisão, apareceu protagonizando mais uma vez momentos de
angústia e sendo um dos fatores limitantes com os quais se deparou, acabondo por forçar a
todos a fazer determinadas escolhas, criar dentro desses muros, fazer o ilimitado dentro dos
limites.
Chegou-se naquele ponto em que se precisou parar para observar o que se estava
fazendo, avaliar e repensar os caminhos escolhidos, repensar o plano inicial, recuar um pouco,
para poder avançar mais adiante. Como afirma Salles (2009, p. 17): “um artefato artístico
146
surge ao longo de um processo complexo de apropriações, transformações e ajustes”. Nesse
percurso, a ação decorre a partir de repetidas tentativas, dentro do projeto estético e ético, em
constante movimento. Um lugar “onde reinam conflitos e apaziguamentos. Um jogo
permanente de estabilidade e instabilidade, altamente tensivo” (SALLES, 2009, p. 31).
Sendo assim, optou-se por adiar a gravação das cenas, o que gerou um lapso de tempo
maior devido à conformação das agendas da equipe de gravação. Este tempo permitiu
construir os roteiros com mais calma, lendo em conjunto, adaptando e reescrevendo a partir
de uma análise detalhada.
Segundo Salles (2009, p. 30), o trabalho criador “pode ser visto como um movimento
falível com tendência, sustentado pela lógica da incerteza. Um percurso que engloba a
intervenção do acaso e abre espaço para o mecanismo de raciocínio responsável pela
introdução de ideias novas”.
Também foi possível fazer uma produção mais organizada, com a preparação dos
elementos necessários da melhor forma possível, embora se estivesse trabalhando com
orçamento zero, contando apenas com o apoio dos envolvidos no projeto. A opção por uma
“estética pobre”, que já estava presente na primeira temporada do programa, manteve-se neste
piloto. Primeiramente porque, ao escolher revelar o processo criativo do ator, estava se
assumindo que era uma encenação da realidade e não a reprodução dela. Uma encenação que
não se pretendeu naturalista, com o objetivo de criar a ilusão de uma realidade, para que o
expectador pudesse identificar-se com ao personagem e sentir os mesmos sentimentos desta,
ao contrário, lançamos mão inclusive do recurso do distanciamento do teatro brechtiano, no
sentido de mostrar ao espectador que se trata de atores realizando uma encenação. Se o
programa se propunha mostrar o processo de criação do ator, de construção da cena, logo, faz
todo o sentido que essa cena seja descontruída.
Na produção, a participação dos atores foi efetiva, na identificação dos elementos
necessários, às vezes na confecção dos materiais, cada um trouxe um ou mais objetos, um
trabalho colaborativo em opiniões e praticamente, com contribuições materiais.
De acordo com Salles (2009, p. 72):
Todo esse processo envolve manipulação, que implica um movimento
dinâmico de transformação em que a matéria recebe novas feições, pela ação
artística. Na medida vai sendo manipulada, sua potencialidade é explorada,
vai, necessariamente, sendo reinventada e seu significado amplia-se.
147
Aproveitou-se o tempo também para realizar ensaios com as atrizes e atores, de cada
cena separadamente, com um estudo pormenorizado do roteiro e das personagens, marcação
de cena e experimentação de novas possibilidades. Nestes ensaios, foram recapitulados os
elementos trabalhados durante a oficina como ação, presença, fragmentação, manutenção da
energia, controle da intensidade, subtexto, posicionamento, olhar, silêncio, relação com a
câmera, além de trabalhar-se de forma específica a representação da pessoa com deficiência
visual. Foram feitas ainda reuniões com a equipe de gravação para a leitura do roteiro,
decupagem, definição da fotografia e dos recursos de luz e som necessários.
A gravação das cenas ocorreu em três dias, um dia para cada cena (figuras 39, 40 e
41). Com roteiro definido, produção realizada, equipe equalizada e atores e atrizes ensaiados,
as gravações ocorreram de maneira muito fluida e harmônica. É claro que, naturalmente, se
deparou com alguns imprevistos e limitações que tiveram que resolver da melhor maneira,
mas nada que inviabilizasse as gravações. Lidou-se com atores em diferentes níveis de
maturidade, que não pode ser completamente minimizados somente no período do curso, visto
que alguns deles jamais haviam experimentado a linguagem audiovisual ou mesmo a teatral
anteriormente.
Figura 39: Gravação do programa piloto – Cena “Festa de Formatura”
Saskia Lemos, Eulina Barbosa e Joelton Barros. Fonte: Frame capturado do programa
148
Figura 40: Gravação do programa piloto – Cena “Loja de Roupas”
Railson Almeida, Jamila Facury e Tarciana Martins. Fonte: Frame capturado do programa
Figura 41: Gravação do programa piloto – Cena “Na Parada de Ônibus”
Railson Almeida, Tarciana Martins, Jamila Facury, Malu Cavalcante, Cely Farias, Vinícius Guedes,
Itamira Barbosa, Joelton Barros, Eulina Barbosa e Saskia Lemos Fonte: Frame capturado de vídeo de registro
149
A edição aconteceu posteriormente, com o auxílio de Guilherme Mello, estagiário da
TV UFPB. Optou-se por manter um tempo de programa um pouco mais longo para anexar a
esta pesquisa, no sentido de deixar explícito todo o processo. Porém, este tempo deverá ser
adequado para a realidade da grade de programação da televisão. Certamente o produto
gerado cumpriu aquilo a que se propõe, ser um programa piloto, ou seja, um projeto de teste
para se verificar de que maneira aquilo que foi proposto, seja enquanto formato, seja enquanto
processo, seja enquanto estética, funciona, ou se não funciona, e como pode ser melhorado.
A ideia nunca foi construir uma metodologia de criação fechada ou estanque. Não
existe uma forma certa de conduzir o processo criativo no audiovisual. Cada artista tem sua
forma de trabalhar, ou tem respostas diferentes a cada tipo de processo. Cada obra exige
procedimentos específicos adequados à sua natureza, temática, necessidades. Porém,
estabelecer um guia, uma linha mestra que norteie esse fazer pode ajudar na praticidade, na
organização, no roteiro, no decorrer, para não se criar um caos, para não se começar sempre
do zero. É importante que haja um traçado inicial, ainda que se alterem os caminhos, que se
adicionem ou suprimam passos e etapas, que se estabeleçam novas rotas, até porque isso é
saudável e faz parte da evolução.
Como afirma Salles:
O percurso da criação mostra-se como um emaranhado de ações que, em um olhar
ao longo do tempo, deixam transparecer repetições significativas. É a partir dessas
aparentes redundâncias que se podem estabelecer generalizações sobre o fazer criativo, a caminho de uma teorização. [...] Não seriam modelos rígidos e fixos que,
normalmente, mais funcionam como fôrmas teóricas que rejeitam aquilo que nelas
não cabem. São, na verdade, instrumentos que permitem a ativação da complexidade
do processo. Não guardam verdades absolutas, pretendem, porém, ampliar as
possibilidades de discussão sobre o processo criativo (2009, p. 25).
A obra se constitui ao longo de um processo de permanente maturação. O projeto
inicial vai sofrendo alterações no decorrer de seu desenvolvimento, adquirindo materialidade
e vida. “O tecido do percurso criador é feito de relações de tensão, como se fosse sua
musculatura. Polos opostos de naturezas diversas agem dialeticamente um sobre o outro,
mantendo o processo em ação” (SALLES, 2009, p. 62).
150
Avaliação
Embora já tivesse sido realizada várias conversas ao término de cada dia de atividade,
bem como uma avaliação geral46
no último dia da Oficina de Atuação para o Audiovisual, foi
sentida necessidade de avaliar de maneira mais detalhada cada aspecto do curso e da gravação
do programa piloto. Sendo assim, solicitou-se aos participantes que respondessem
anonimamente um formulário de avaliação, para que eu pudesse acompanhar de que forma se
deu a recepção destes dois processos. Assim, obteve-se dados para reorganizar os itens onde a
avaliação foi negativa, bem como investir naqueles que tiveram melhor avaliação. Entender
onde se acerta e onde erra, bem como que tipo de reverberação as atividades propostas
causaram nos participantes dá pistas de quais caminhos seguir. É importante dizer que este
formulário foi respondido de maneira anônima, como forma de deixá-los mais à vontade para
expressar suas opiniões.
Responderam ao formulário 11 participantes. Em uma síntese das respostas
compartilha-se abaixo o resultado da avaliação.
Foram avaliados positivamente pela maioria dos participantes aspectos temporais
como: a duração total da oficina, o tempo de cada aula e a quantidade de dias por semana.
Quanto à qualidade do conteúdo abordado em sala e da bibliografia sugerida, a
maioria considerou excelente, destacando também que as formas de abordagem utilizadas, os
exercícios de preparação realizados, sendo que todos confirmaram que os exercícios de
atuação para a câmera ajudaram a praticar de maneira efetiva os conteúdos abordados.
Quando solicitados para que destacassem exercícios dentre os que experimentamos, os
mais citados foram o exercício de repetição e a prática do monólogo. Destacaram ainda a
prática de se assistir na televisão, o exercício dos níveis de intensidade, o exercício de foco e
atenção e o exercício de profundidade de campo.
Para a totalidade deles o feedback da ministrante contribuiu para a fixação dos
conteúdos, considerando que o conteúdo abordado se manteve dentro da proposta do curso e
que a ministrante possuía domínio do assunto, abordando-o com clareza. Outro aspecto
destacado pelos participantes foi a boa relação estabelecida tanto entre os próprios alunos,
quanto entre eles e a ministrante.
Ao dar sugestões para melhorar o desempenho da ministrante, os participantes
enfatizaram a necessidade de haver um plano de curso a ser pontuado no decorrer do
46 Vídeo disponível em: <https://youtu.be/pI97IxtPzJM>
151
processo, a necessidade de haver mais cursos na área e a questão do número de participantes
que, quando muito alto, pode comprometer a qualidade do curso.
Com relação ao equipamento utilizado e ao material didático, a maioria achou
satisfatórios. Porém, a estrutura física foi apontada como uma questão a ser melhorada.
Como sugestões para a melhoria dos recursos oferecidos, apontaram a necessidade de
um espaço maior para preparação corporal, com melhores condições de ventilação e limpeza.
Com relação ao desempenho pessoal, grande parte deles acreditou que adquiriu
conhecimento relevante, conseguindo acompanhar as aulas e, embora não tenham se dedicado
muito ao estudo além do horário da aula, afirmam que se sentiram à vontade para participar
das aulas e cumprir as atividades solicitadas.
Sobre quais os aspectos em que perceberam evolução em sua atuação, algumas
respostas foram:
“No direcionamento e tempo em relação à câmera, no estudo da personagem e na forma de trabalhar com a câmera, com mais naturalidade, diminuindo o
nervosismo”.
“Um crescimento na percepção geral sobre o papel do ator na cena, a prática é
sempre um caminho certeiro no aprendizado”.
“De me sentir a vontade perante às câmeras, pois isso me incomodava muito”.
“Evoluí no sentido de que meu corpo saiu de um estado de tensão intensa diante da
câmera no início da oficina e passou pra um estado energético mais controlado”.
“Auto crítica e relaxamento”.
“Em me sentir a vontade com toda a equipe e construir possibilidades de acionar
estados de prontidão para o jogo cênico e o diálogo com a câmera”.
“Comecei a me policiar mais com relação a vícios de postura e expressão”. “Tentar buscar a verdade”.
“Na finalização da oficina percebi a evolução. Mas, foi um processo gradativo,
constante, pois a cada dia, novos desafios a superar, o contato prático com o
instrumento de trabalho "câmera" foi de fundamental importância para evolução de
minha atuação”.
“Concentração e buscar uma verdade para a personagem, fazendo um estudo
detalhado da mesma”.
Já quando perguntados a respeito das dificuldades que eles não conseguiram superar,
destacaram que o posicionamento em relação às câmeras, o controle dos gestos, da energia, as
tensões, a ansiedade e a regulação da intensidade da voz e a busca pela espontaneidade, entre
outros. Mas a maioria deles afirmou que já conseguiam aplicar os conhecimentos adquiridos
sempre em seu trabalho como ator.
Um ponto destacado pelos participantes foi a qualidade da equipe técnica responsável
pela gravação do programa, bem como os ensaios e a direção.
Outras considerações feitas sobre a oficina:
152
“A equipe tanto da oficina quanto da gravação esteve sempre presente auxiliando no
crescimento dos atores participantes”.
“Em todo momento da oficina, foram esclarecidos cada passo que daríamos e isso
me deixava mais tranquila. Sem contar com a equipe envolvida no processo, mesmo
tendo toda uma bagagem admirável me passava uma generosidade incrível”.
“Foram super válidos os esforços realizados para a execução do programa, porém
como sabemos que o tempo é o grande inimigo do audiovisual, acredito que em
alguns momentos ele nos impossibilitou de dar mais atenção a alguns detalhes, mas
mesmo assim o resultado geral foi atingido com excelência”.
“Trabalhar a sinceridade na cena e fundamental no trabalho do ator para o vídeo,
devendo sempre se conectar totalmente com seu estado psicofísico, nesse sentido, é indispensável que o jogo e a troca com os parceiros aconteçam”.
“Considerando a proposta de aprendizado mútuo entre todos. A ministrante soube
conduzir a oficina com respeito aos participantes e a aplicabilidade dos conteúdos
práticos utilizados”.
“A oficina foi muito importante para mim. Pretendo aprofundar mais nas técnicas do
ator para a câmera”.
“O tempo de oficina foi muito curto, acredito que com mais tempo o crescimento
dos atores participantes será maior”.
“O que sugiro é outras oficinas, principalmente para os alunos de teatro que
estamos acostumados a movimentos grandes”.
“Além da questão do espaço, que poderia ter sido maior para dar conta da preparação e aquecimento corporais, considero que os horários das gravações do
programa poderiam ter sido mais flexíveis”.
“Estou muito satisfeito e feliz por ter participado dessa oficina e sugiro que possa ser
desenvolvido o módulo 2 com resultando em um documentário como resultado final
da oficina”.
“Assistir às cenas gravadas e dos colegas é uma opção metodológica importante que
deve ser sempre estimulada, ainda que cause um certo desconforto em se deparar
com a percepção que fazemos de nós mesmos. Uma oportunidade de consciência
corporal e possibilidades estéticas na atuação. Essa e uma sugestão de uma atividade
que foi realizada e que deve ser intensificada e defendida nesse processo
pedagógico. Outro ponto que posso sugerir e trabalhar a atuação dentro dos mais diversos gêneros (teledramaturgia, apresentação de programas, etc.), como de
conteúdo dramático, exercitando a versatilidade na cena ao propor ir do cômico a
cenas mais densas”.
Tais considerações dos participantes contribuíram para analisar não apenas a Oficina
de Atuação para o Audiovisual ou a produção do Episódio Piloto, mas todo o processo de
pesquisa desenvolvido pela autora. A reflexão partiu de uma experiência primeira, vivenciada
enquanto profissional da televisão, onde se apresentaram grandes desafios para direção e
atuação nessa nova linguagem. Tal experiência conduziu a autora até este espaço acadêmico
de pesquisa, onde somaram-se reflexões teóricas, com autores do teatro, do cinema e da
televisão, reflexões sobre a vivência de outros profissionais da área, que concederam ricas
entrevistas, até desembocar em uma prática que se pretendia espaço de formação e criação
artística. A avaliação dos participantes da última etapa da pesquisa transporta a autora por
todas as fases pelas quais passou nessa investigação, onde é possível identificar os motores
geradores de cada escolha, de cada descoberta. As reflexões finais, bem como o vislumbre de
uma continuação deste trabalho, são apresentadas no capítulo a seguir.
153
CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO... (Considerações Finais)
A arte não acontece apenas no palco, ela está nos ensaios, laboratórios, tudo é espaço
de criação, de afetação. Experiências como a descrita aqui são tentativas de trazer essa ideia
também para a produção televisiva ficcional, onde o ator neste processo contribui para a
criação da cena desde o seu planejamento e não apenas executa as ações direcionadas a ele. O
ator já não decora seu texto e “cumpre” a cena, ele constrói junto com a equipe o conceito da
obra e a desenvolve colaborativamente, ele propõe seu texto, suas ações e sentimentos,
enriquecendo a cena e conduzindo a representação naturalista. A participação do ator
enquanto coautor permite ainda que ele coloque suas verdades em cena, suas referências
pessoais, seus desejos e expectativas.
A televisão, nesta experiência, se apresentou como espaço complementar de formação
para o público, por apresentar conteúdos educativos, e, principalmente, para a equipe de
estudantes e profissionais envolvidos, pois proporcionou a aplicação de conhecimentos,
expansão e troca dialógica entre eles.
De acordo com Santos (2010), a racionalidade estético-expressiva é uma representação
inacabada da modernidade no domínio da emancipação. O caráter inacabado desta
racionalidade reside nos conceitos de prazer, autoria e artefatualidade discursiva. Desta forma,
como afirma Santos:
A racionalidade estético-expressiva une o que a racionalidade científica separa
(causa e intenção) e legitima a qualidade e a importância (em vez da verdade)
através de uma forma de conhecimento que a ciência moderna desprezou e tentou
fazer esquecer, o conhecimento retórico (SANTOS, 2010, p. 77).
O conhecimento, tal qual a experiência de vida hipermoderna, é fragmentado,
múltiplo, não hierarquizado. As novas tecnologias permitem-nos buscar especialidades, ao
passo que também proporcionam uma visão geral de mundo e, mais ainda, a possibilidade de
vivenciar realidades de diferentes culturas, simultaneamente, perseguindo desejos e afetos. A
interdisciplinaridade dos conhecimentos e suas diversas áreas é causa e consequência de um
mundo caracterizado pela fluidez, pela influência mútua de todos os objetos/atores que o
compõem.
Embora não se tenham apresentado conclusões definitivas, provas ou novos conceitos,
acreditou-se que se fez um trabalho relevante, quanto ao levantamento com experimentos que
trazem muita luz à questão inicialmente levantada. Certamente o trabalho desenvolvido com
os atores não parou por aqui, muito pelo contrário, já gerou um grupo de estudos sobre
154
atuação no audiovisual, constituído de atores experientes e iniciantes, além de estudantes, que
tem o objetivo do conhecimento como elo comum, tanto teórico quanto prático. A visita de
profissionais de destaque no audiovisual da cidade de João Pessoa, e também de outras
cidades, com palestras, treinamentos e exercícios práticos de atuação tem se iniciado e se
mostra como um caminho a ser percorrido pelo grupo. Além é claro, de se pensar em
expansão, em criação de redes com outros grupos de estudos na área, outras universidades,
etc.
Acreditou-se que tanto o recorte teórico, voltado para o tema da televisão e da atuação
no audiovisual, quanto as entrevistas realizadas e as experiências relatadas vieram a contribuir
como referencial de consulta para quem se interessa pelo assunto, cumprindo uma pequena
parcela desta lacuna bibliográfica.
Muitos caminhos foram abertos a partir desta pesquisa, inquietações, descobertas,
novos questionamentos estavam pulsando a todo tempo, a cada linha, a cada passo do
trabalho. Sendo assim, pretendo dar continuidade a estes estudos tanto no desenvolvimento do
meu trabalho na TV UFPB, quanto na continuação dos estudos e aprofundamento acadêmico.
A sistematização de uma prática de criação no audiovisual que este trabalho me
permitiu realizar, me conduziu a uma reflexão acerca das principais teorias que sustentam o
trabalho do ator, bem como analisar seus aspectos principais, especificamente na linguagem
televisiva, de que maneira se apresentaram os resultados alcançados em relação aos objetivos
previamente estabelecidos.
No decorrer desta pesquisa, foi possível identificar quatro etapas de preparação do ator
a serem alcançados durante o trabalho: Inicialmente, há a preparação psicofísica, que é
voltada para a disponibilização do corpo e da mente, além do treinamento físico/energético.
Neste nível, foi possível fazer uso de diversas técnicas de treinamento teatrais, no sentido de
proporcionar uma amplitude nas capacidades físicas do ator.
Depois houve a fase de treinamento técnico com a câmera, conhecer os
planos/enquadramentos, ângulos, frontalidade/lateralidade, movimentação, fragmentação,
contenção do gesto, voz, continuidade, olhar, posicionamento, marcação,
repetição/continuidade.
Em seguida, foi necessário trabalhar a construção da personagem, já num processo
criativo voltado para a cena. História da personagem, objetivos, riscos, desejos, obstáculos,
universo e contexto. O entendimento da história e a posição da personagem nela também foi
um aspecto relevante. Neste ponto, exercícios de improvisação puderam ajudar a construir a
“atitude” da personagem, a fixar características, preencher lacunas, detalhes, fortalecer a
155
personalidade diante das mais diversas situações. Esta etapa partiu tanto do estudo do texto e
identificação racional das circunstâncias, objetivos, etc., como também foi realizada a partir
de um trabalho físico. A construção das ações físicas pôde ser realizada antes mesmo de se
trabalhar com o roteiro e, ao invés, trabalhar apenas com temas, no sentido de sensibilizar os
atores e atrizes, utilizando para isso ferramentas e diversas como estímulos visuais
(fotografias, vídeos), sonoros (músicas, ruídos), cheiros, texturas, poesias, textos diversos
(reportagens, pesquisas), etc.
O próximo passo foi buscar a presença cênica, a verdade, sinceridade, organicidade.
Primeiramente, só com o ator, a exemplo dos exercícios de Meisner (repetição e atividade).
Deixar que a coisa aconteça realmente, sentir, viver, se colocar. Depois fazer o mesmo com a
personagem (improvisos, cenas, estado de jogo) e partir para trabalhar as cenas em si, já com
todos os passos anteriores acumulados.
Não são etapas sequenciais, elas devem acontecer simultaneamente, devendo-se
observar, de acordo com a necessidade do trabalho, quais os caminhos que tem melhores
respostas, face ao grupo de que se dispõe. Deve-se saber combinar e alternar cada uma das
etapas, abrindo caminho, inclusive, para novas possibilidades aí não descritas.
Porém, é importante que se diga que este é apenas um recorte em meio à infinidade de
processos possíveis, os quais estão disponíveis para que, com sensibilidade e ética, se busque
proporcionar a comunhão entre as pessoas que só a arte gera.
Nesse primeiro experimento foi necessário estender os dias de preparação e filmagem,
aumentar o tempo dedicado aos ensaios, etc., mas por uma questão que se deve também à
inexperiência dos atores, à necessidade de liberdade de experimentação, de conversar e
refletir, processos que naturalmente demandam mais tempo.
Ao realizar um contraponto entre a experiência de produção da primeira temporada do
Programa Ciência aberta e do Episódio Piloto da segunda temporada, é possível perceber uma
maior sistematização dos procedimentos utilizados, com clareza de objetivos com relação a
cada técnica selecionada para trabalhar na direção dos atores e atrizes. Foi possível entender
os possíveis resultados para cada aplicação, possibilitando, desta forma, um trabalho mais
direcionado, de acordo com as necessidades da produção. Ao realizar o episódio piloto
durante a etapa prática desta pesquisa, novas ideias sobre o fazer televisão pública, com toda a
liberdade e responsabilidade que isto envolve, foram surgindo, à medida em que se abria os
processos para a participação ativa da coletividade.
Esta pesquisa permitiu à pesquisadora lançar um olhar sobre a relevância de se
dissecar os processos que permeiam o trabalho de atuação para que sua aplicação seja
156
realizada a partir de uma ética que corrobore para uma transformação social através da
televisão pública. Assim como disse, de maneira muito simples e honesta o ator David Muniz
(2016):
Porque a questão financeira não é o motor, não é, porque você trabalha muito tempo
pra poder receber uma grana que não paga tudo. Então o que move mesmo a pessoa
pra fazer é o que aquilo ali vai resultar, se vai ser algo que você vai ter orgulho de
apresentar, e no meu caso, como também sou professor, de você... será que eu vou
ter orgulho? Será que eu vou ter um bom motivo pra apresentar isso pros meus
alunos? Então, eu acho que o Ciência Aberta quando ficar pronto vai ser uma coisa
legal pra mostrar pros meus alunos, não só pros meu alunos mas pra todos os alunos
que tiverem acesso, né, pra que seja uma coisa legal e não seja só uma coisa gratuita
(MUNIZ, 2016).
Certamente, houve uma reverberação direta sobre a minha prática de direção na
televisão, que se modifica diante de tantas novas descobertas ao longo desse processo de
pesquisa. E se modifica não para estabelecer uma forma delimitada de trabalho, mas ao
contrário, de constituir-se movimento, ação, que pulsa, cresce e se modifica, como a vida do
ator.
Ao contrário de pensar numa metodologia fechada, oficina revelou-se um grande
levantamento de possibilidades que ora funcionaram como o esperado, ora trouxeram
resultados imprevisíveis. Mas todas foram ferramentas de potencialização do ato criador.
Mais do que definir uma forma, rico é dar ferramentas para que os atores e atrizes criadores as
utilizem livremente. E as minhas ferramentas enquanto diretora também, variadas, múltiplas,
combinadas ou isoladas, numa justaposição dinâmica, que se adequa a cada novo instante, em
face às circunstâncias.
Percebi ainda que a sistemática proposta precisou se adequar às condições oferecidas
por cada trabalho, seja da realidade dos participantes, seja da estrutura física, seja dos recursos
de equipamento e pessoal. A sistemática também é, em si, fruto de criação. Como uma obra,
obedece procedimentos, etapas, etc., mas a cada vez que é executada é também testada,
atualizada, revista, reformulada.
Para a continuidade da pesquisa, especificamente como produto gerado, vejo como
espaço fértil analisar a questão da recepção pelo espectador, sua relação com a forma
proposta, etc.
Com relação à experiência de direção e preparação dos atores, vi-me diante de muitos
desafios, a cada dia um novo, pois embora tenha traçado um planejamento que me guiaria
durante o percurso, eu não poderia prever de que maneira as propostas reverberariam nos
participantes, sendo que suas respostas foram boas surpresas que redefiniram, a cada
157
encontro, os caminhos a serem seguidos a partir dali, no sentido de conduzir o grupo por uma
trajetória de entendimento desse processo de maneira muito mais clara e lúcida, que me
possibilitam a sistematização, a reformulação e a reprodução em oportunidades futuras, seja
em novos cursos, seja na direção dos programas da TV UFPB, seja na minha atuação no
campo audiovisual em geral.
Tal como uma obra inacabada, tornou-se necessário escolher um instante da pesquisa
para publicá-la. Não para aqui, ela continua, com outros finais possíveis, em contínuo
movimento, em busca de novos caminhos e possibilidades. E o que se apresenta agora é
apenas um frame de um filme que continua rodando.
158
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165
APÊNDICES
APÊNDICE A - Lista de questões para as entrevistas com os atores e diretores de
televisão
Para as entrevistas com os atores, foi elaborada a seguinte lista de questões:
1. Qual a sua formação de ator?
2. Como foram realizadas as seleções de elenco nos programas dos quais já participou?
3. Havia a presença de um preparador de atores nestes processos?
4. Como se deu a aproximação inicial entre o preparador de atores e o ator?
5. Como era a relação entre o ator e o preparador?
6. Como era a relação entre o preparador e o diretor?
7. Como era a relação entre o diretor e o ator?
8. Quanto tempo durou a preparação/ensaio de atores?
9. Você teria alguma observação sobre o trabalho do preparador?
10. Quais outros trabalhos significativos com preparação de atores, mesmo que no cinema ou no
teatro, você poderia citar? Por quê?
11. O que você pensa sobre o trabalho de preparação de atores nas obras em que participou?
12. Qual a sua opinião sobre o trabalho do preparador de atores na televisão brasileira
contemporânea, de modo geral?
13. Você é favorável ou não à presença deste profissional nas produções de televisão? Por quê?
14. De que forma você acha que um preparador de atores pode ajudar?
15. Quais as atividades de preparação, desenvolvidas coletivamente, das quais você já participou?
16. Quais as atividades de preparação, desenvolvidas individualmente, das quais você já
participou?
17. Qual a sua experiência em atuar de maneira autoral (com improvisos, cacos, roteiro aberto)
com a obra?
18. As preparações de que participou se deram somente nos ensaios ou se estenderam às
gravações?
166
Já para os diretores, as perguntas são:
1. Você tem algum método ou usa algum tipo de sistema para direção de atores? Como você
dirige seus atores?
2. Qual a sua formação de diretor?
3. Como foram realizadas as seleções de elenco nos programas dos quais já participou?
4. Havia a presença de um preparador de atores nestes processos?
5. Como se deu a aproximação inicial entre o preparador de atores e o ator?
6. Como era a relação entre o ator e o preparador?
7. Como era a relação entre o preparador e o diretor?
8. Como era a relação entre o diretor e o ator?
9. Quanto tempo durou a preparação/ensaio de atores?
10. Você teria alguma observação sobre o trabalho do preparador?
11. Quais outros trabalhos significativos com preparação de atores, mesmo que no cinema ou no
teatro, você poderia citar? Por quê?
12. O que você pensa sobre o trabalho de preparação de atores nas obras em que participou?
13. Qual a sua opinião sobre o trabalho do preparador de atores na televisão brasileira
contemporânea, de modo geral?
14. De que forma você acha que um preparador de atores pode ajudar?
15. Quais as atividades de preparação desenvolvidas coletivamente das quais você já participou?
16. Quais as atividades de preparação desenvolvidas individualmente das quais você já
participou?
17. Qual a sua experiência trabalhar com o ator coautor (com improvisos ou roteiro aberto, etc.)?
18. As preparações de que participou se deram somente nos ensaios ou se estenderam às
gravações?
19. Você acha eu há uma influencia do trabalho que você faz na televisão no seu trabalho no
teatro?
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APÊNDICE B – Entrevista I – Titina Medeiros
Entrevista realizada com a atriz Titina Medeiros, no dia 10 de outubro de 2015, no Barracão
dos Clowns, em Natal-RN. A duração da entrevista foi de aproximadamente 40 minutos,
porém, devido a uma pane no computador da pesquisadora, os arquivos brutos foram
apagados, restando apenas o arquivo editado, já com as falas mais relevantes pré-
selecionadas, as quais estão transcritas a seguir.
Titina: Quando a gente estreia na novela, não tem tempo para ensaio. Então é como se o nosso
primeiro dia de encontro no teatro, pra trabalhar um espetáculo, já fosse com as câmeras
ligadas e diante do público. É uma improvisação constante. É uma improvisação constante. É
uma improvisação! Só que uma improvisação previamente marcada. Mais do que eu vejo da
preparação na televisão, é a TV em si. Porque é como se aquela preparação que a gente
enxerga no teatro fosse a própria realização da filmagem.
[Sobre a preparação com Sérgio Penna] Mais de conversa, não tinha câmera na preparação,
não. Eu fui direto ensaiar e aí ele falou assim: “Calma, calma. Coma. Todo mundo espera ela
comer. Coma devagar.” Eu não sei se na televisão esse estar “comer devagar”, se aquilo não
era uma aula pra mim.
Então, assim, que estratégias são utilizadas? Talvez sejam estratégias tão humanas: eu estar
aqui, simplesmente diante de você, olhar pra você, estar inteira, dialogar com você, sentir
você. Sabe? É tão delicado o fio, mas ao mesmo tempo é tão forte, ele estar lá, estar lá.
Tem uma coisa que eu acho bonita, no teatro a gente faz muito isso mas só que no teatro a
gente ensaia e marca. Lá a gente marca, mas a marcação é tão rápida que fica para o espaço
do improviso muito. E, assim, eu não gosto muito de pensar o que é que eu vou fazer. Porque
eu acho que como é pensar o que vai fazer, se eu não sei o que o outro pensou? Então, é um
jeito meu, eu vejo que lá todo mundo meio que tem o seu jeito. Eu prefiro estar diante da
surpresa do outro. Uma coisa é decorar o texto, chegar lá com o texto decorado e imaginar a
cena. Outra coisa é pensar “eu fui até aqui, depois eu vou ...” Eu acho que se eu penso tanto
assim, eu vou amarrar muito a minha relação com o outro, e quando a gente está fazendo um
trabalho de televisão, é a relação com o outro. Tem espaço para o olhar, que é tão lindo,
assim. Eu acho que é um lugar do jogo, muito forte. Massa. E o jogo com as câmeras também.
Então, é por isso que eu falo que eu acho que o trabalho do ator é muito do improviso da
relação com o ator. Porque aquilo que você ensaiou não foram as suas intenções. E, claro, se
você no ensaio já diz “é isso”, o diretor conversa com você, diz “não, eu acho que a intenção é
mais ou menos essa...”. Mas eles confiam muito em você, sabe. Tem uma conversa ali breve:
“O que é essa cena? Vamos pensar aqui nessa cena. Ah, essa cena é um momento que não sei
o que... , então vamos marcar”. Aí você marca, porque você marcou pras câmeras. E] você vai
e grava essas em sequência. Você deve lembrar sobretudo as marcas. O texto, a intenção, essa
coisa, vai ficar muito da gente.
Na televisão, fora os preparadores, que esses são terceirizados, as próprias novelas tem
coachs, que são mais para as crianças, para a galera que está começando. Mas quem quiser
tem [acesso]. É como um funcionário, que está ali, que se você pedir socorro ele vai. Se você
disser “vamos bater o texto comigo”, ele vai lá, marca com você e vai bater o texto com você.
Ah, e ela me preparou um dia só em Geração Brasil. E eu confesso que foi muito valioso. Eu
estou lembrando agora, porque ela fez um trabalho físico. Com Penna a gente não tinha ido
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para o suor. E ela fez com o menino que ia ser o meu “peguete” na novela. E foi muito
importante para nós dois, um encontrinho lá na no Projac mesmo, numa sala, até meio com
cara de escritório, uma coisa assim. Mas mesmo assim, ela levou uns tapetes, ela levou um
clima, ela levou um som, e a gente fez um trabalho muito lindo assim. Porque era com quem
eu ia beijar, aquela coisa, eu não conhecia ele. E ele que pediu. Foi lindo, assim, da parte dele:
“Será que ela topa?” Foi bem legal.
Na nova novela aí sim, já foi convite, e teve preparação. Pena que, por eu morar longe, não
tive como fazer todos os dias de preparação que o meu núcleo teve a chance de fazer. Foi uma
preparação muito mais voltada para um conversa, para sensações, para percepções, muito de
conversa de aprofundamento desses personagens, uma coisa até assim talvez stanislavskiana,
no sentido de dizer “E ela veio isso?”, “E com quantos anos você acha que ela veio para o Rio
de Janeiro?”, “Como foi a vida dela?”. Essas coisas que, essas camas que a gente constrói,
acho que a gente usa para construir o personagem. O preparador foi Sérgio Penna.
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APÊNDICE C – Entrevista II – Luiz Carlos Vasconcelos
Entrevista realizada com o ator e diretor de teatro, televisão e cinema Luiz Carlos
Vasconcelos, em 03/02/2016, no Centro Cultural Piollin, com duração de 36 minutos.
Cely Farias: Luiz, tu és formado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba e fizeste
cursos de teatro? Como é a tua formação?
Luiz Carlos: Isto, Letras na UFPB, mas a maioria da minha formação é autodidata mesmo. Fiz
tudo que era curso que ia aparecendo. Fiz o treinamento da dramatic com o Odin Theatret,
isso. Fiz em seguinte mestrado, passei na Unirio e quando tava para concluir lá os créditos foi
quando aconteceu Vau da Sarapalha, comecei a viajar, e enquanto um amigo meu me
matriculava todo ano lá para eu não perder a matrícula. Mas terminou que me jubilaram assim
mesmo e eu não terminei o mestrado.
CF: E você fez algum tipo de formação específica para o cinema ou para a televisão?
LC: Não, foi na prática. E algumas produções para televisão teve preparação. Teve
especificamente uma preparação que não era para personagem mas sim tentando ligar a
atuação do ator mais para o audiovisual. Foi nessa última novela da Globo, Além do Tempo,
que o Eduardo Mileslovich, não sei como se pronuncia o nome dele, se é isso, que já é
replicando o que um outro mestre prega, ou seja, foi essa uma formação mais específica que
houve assim de algumas semanas lá na TV.
CF: Mas foi uma preparação mais para equalizar elenco ou foi voltada para a construção de
personagem?
LC: Construção de personagem, específica para a televisão: de buscar o menos, o jogar fora, a
sinceridade, isso no vídeo, na sala, muitos exercícios de falar para a câmera, e depois a gente
via tudo isso e comentava e tal. Muito específica para a televisão.
CF: Quanto tempo durou essa preparação?
LC: Algumas semanas. Três semanas, mais ou menos.
CF: Antes dessa preparação você já tinha participado de alguma outra na televisão?
LC: Já, mas não assim voltada para o vídeo, com a câmera. Em Queridos Amigos, a gente
ficou dois meses dentro de um estúdio para virar amigos. Montaram um apartamento e a gente
via vídeos da época, anos 60-70, e fazíamos macarronada e tomávamos vinho. Todo o elenco
de Queridos Amigos, a proposta de Denise Saraceni, e foi incrível. Foi a primeira vez que a
gente teve uma ... Dois meses passando cena, fazendo tudo o que os anos 60 e 70 permitia.
CF: Foi um tipo de laboratório então?
LC: Isso.
CF: Em Além do Tempo havia o Eduardo como preparador, e em Queridos Amigos tinha um
preparador ou era a própria diretora?
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LC: Não, era a própria diretora. Não havia nada voltado para o vídeo, não. Era uma
preparação de personagem, mas era criar um vínculo entre aquelas pessoas. E realmente
aconteceu.
Virou amigo mesmo. Como toda a história era em cima dessa amizade, então a gente achava
fundamental , segundo a diretora, e a gente achava também, que era importante essa fase aí.
Então a gente passava cenas, e era equalizado e tal.
CF: Voltando para Além do Tempo, o diretor (Rogério Gomes) participava nesse processo de
preparação?
LC: Toda a equipe. Todos os diretores. Quer dizer, ele era o diretor de núcleo, o diretor geral
era o Pedro Vasconcelos, e mais outras diretoras e diretores, o Davi, a Lua, a Roberta. Mas
estavam todos presentes. Tinha trabalho de corpo, a Cristina (não lembro o sobrenome dela)
fazia um trabalho incrível de corpo. Havia uma fonoaudióloga, que chegava junto. A história
se passava no Rio Grande do Sul, mas não se queria ter um sotaque gaúcho. Mas via-se caso a
caso, alguém que precisasse de alguma assistência e tal.
CF: Tu reconheces algum tipo de técnica específica no que ele fazia, alguma condução em
uma linha específica que você relaciona com o seu trabalho teatral?
LC: O que a gente costumava dizer lá e eu via era o que há de mais contemporâneo no
audiovisual, essa técnica. Estou tentando lembrar de alguns princípios, mas... Ele classificava
cada ator em cinco categorias, eu acho: infantil, (não vou lembrara aqui)histriônico, ... bem,
arquétipos muito fortes da personalidade. Uma pessoa que ele via assim: você tem... eu
prefiro infantil, então ele trabalhava outros aspectos e adjetivava. Por exemplo: a gente estava
na sala fazendo exercícios para a câmera, todo mundo andando de tal igual maneira e um a
um passava pela câmera e dizia determinada coisa, sobre algum aspecto das relações da trama
lá da novela. Então ele dizia, deixa eu ver um exemplo, 70 por cento fogo, dava alguma
característica assim, entende? Você jogava mais uma energia, ou diminuía, uma coisa muito
técnica de regular, e sempre o menos, sempre, por exemplo, passava o que tem que fazer
grande, dizia determinada coisa para a câmera e ele dizia “nossa mas pode ser muito menor”.
Aí, daqui a pouco eu voltava, arrumava brecha, e dizia aquilo de outro jeito. E várias vezes ele
comentou isso “ah, adorei você repetir a fala jogando fora e tal e tal”. Então, uma talvez das
coisas principais, que a gente não adotou porque não há tempo para isso, mas que ele defendia
ardorosamente, era não decorar as cenas. Ele acreditava que com oito repetições ali no tal
jogo, costas com costas, lendo, daqui a pouco você não precisava mais ler, e a cena fluiria e
tal. Mas no pique de gravação de novela ninguém se confiava, ainda mais com cenas longas,
com “bifes”, falas muito grandes, então você sempre dá uma estudada e claro, chega um
pouco antes, lê com o parceiro da cena, você lê e na hora de gravar tem um ensaio. Mas, se
você chega lá inseguro com o texto não rola. Ninguém chega para uma cena inseguro. Então
esse aspecto da técnica dele, pelo menos lá no Projac, não se efetivava porque não era só
aquela cena ou uma cena que você vai e faz isso, não não. São trinta cenas no estúdio, outras
tantas na externa, e lá vai um dia, então não havia tempo. Embora ele defendesse com unhas e
dentes que não precisava, que você podia fazer algumas leituras ali na hora de gravar.
CF: Foram essas primeiras semanas, antes de começar o trabalho. E durante as gravações ele
continuou com vocês ou não?
LC: Não. Isso foi antes de começar o trabalho. Havia um rodízio. Tais semanas foi um elenco,
depois houve para outro tanto. Mas era muito, era uma tentativa mesmo de buscar um
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diferencial , de buscar uma qualidade. E que terminou conseguindo, porque era um trabalho
em grupo, todo mundo misturado ali, desde as crianças que estavam na novela, a Irene
Ravash, a Othon Bastos, todo mundo. Andando pela sala, dizendo o texto e dar a cara à tapa.
Ele defendia muito a questão do protagonismo. Eu sou um que fico pelos cantos e ele dizia
“não, você tem que roubar, você tem que ir à frente, chegar primeiro na câmera”. Todo
mundo é protagonista, é um outro conceito dele. Seja de que tamanho for, é a maneira como
eu chego na coisa com protagonismo, por mais que seja uma copeirinha que serve o café. Me
lembro uma vez também que, por algum motivo um certo dia, eu furei o esquema e fui o
primeiro a dar o texto e na avaliação dele ele disse “ah, decidiu assumir o protagonismo!”.
Mas isso muito mais como um conceito, uma maneira de se por na cena. Nunca para trás, mas
tomar mesmo a cena. Um conceito que eu já conhecia, vindo lá do CETIGUI, o francês lá do
Peter Brook, dar e tomar. Tomar mesmo, ir pra coisa, então, e tomar “tomar!” também. Ou
seja, mais esse conceito de positivo, de presença. Era uma das coisas que ele defendia. E
vimos muitos vídeos, séries que tinham esse mesmo universo de época. Uma coisa que foi
bem interessante. Eu tenho muitas anotações até de toda essa experiência com ele.
CF: Você falou sobre a questão do texto, de decorar, havia espaço nesse trabalho, ou se você
quiser falar de outros trabalhos que você fez na televisão, como é essa relação com o texto?
Existe liberdade para a criação, para a improvisação?
LC: Existe. Especificamente nessa novela, os diretores confiavam muito no elenco. Então,
sempre era dito isso, principalmente na mudança de fase. Nossa, todo mundo foi ao fundo do
poço com medo. Mudou, tá. Meu personagem era truculento, capataz, e aí vem, ninguém sabe
como nem o que vai acontecer com ele, mas eu entrei em pânico. Me lembro quando a gente
chegou para gravar o primeiro dia, os diretores todos ali no hall fora do estúdio, um pânico.
Havia uma ironia no texto, “mamãezinha”, eu chamava Irene de “mamãezinha”. E eu não
concordava, disse para Papinha, que é o Rogério, “eu tou todo cagado aqui”. Aí ele falou:
“mas não é só você não, somos todos nós, está todo mundo com medo. Mas vamos juntos,
vamos propondo”. Mas é porque ela está botando aqui, a autora, no texto.. as rubricas dela
sugerem o mesmo Bento lá de..., acho que tem que dar uma mudada. “Isso é o que ela está
conseguindo fazer, nós vamos ajudá-la”. E pessoas que tem um () muito grande, como Irene,
nossa, ela desconstruiu o texto todo e dizia “nossa, isso aqui eu já li todinho, cortei isso aqui”.
Tinha total liberdade de fazer essa equalização do texto, de tirar, de botar, de arrumar uma
palavra melhor. Dizia “não, isso aqui ninguém dizia em mil oitocentos e tanto”. Então havia
uma colaboração. Como eu fazia com meu texto, não mexia tanto, não achava que precisava,
mas qualquer alteração eu mexia, na hora da leitura, antes de fazer o primeiro ensaio para
gravar. Cada um defendia seu “meximento”. Muitas vezes o ator propunha e o diretor “não,
não, isso é fundamental”. Eu mesmo quando entendia o que a autora estava querendo : “não,
ela está querendo dar essa informação de novo porque é fundamental para o espectador”,
contra um colega que dizia que deveria tirar a fala. Eu mesmo entendia e o diretor perguntava
a todo mundo [que respondia] “não, mantém, mantém”. Então era uma coisa muito... não
havia nenhum rigor de texto, não. Tá todo mundo meio em pânico, principalmente a autora
que está em processo, com a coisa no ar e tem que estar lá toda semana seis capítulos, então,
imagina, jamais eu me meteria num negócio desse.
CF: Quais outros trabalhos você fez que utilizaram preparação de atores, mesmo fora da
televisão, como no cinema por exemplo?
LC: Todos os filmes. Todos os longas que eu fiz houve preparação. É muito difícil hoje você
fazer um filme e chegar lá e cair no estúdio. Tem muita coisa em jogo, muito dinheiro, você
está fora do seu habitat, tem toda uma produção ali que vai de hotel a locações, equipamentos
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alugados, caminhões, gente, tudo. Então não pode dar errado. Você não pode chegar num
negócio desse... “O Tempo e o Vento”, mesmo, de Jaime Monjardim, que é de televisão, que
a gente foi fazer lá no sul, nossa, aquilo ali foi uma preparação exaustiva. Aqui mesmo, todas
as novelas. Se vai andar de cavalo, tem um pessoal de artes, então vai escalar dias para você ir
para um hotel fazenda treinar. Ah, vai ter um afogamento, então vai para a água, vai treinar
tudo que possa evitar um acidente. Esse cuidado é uma coisa presente em toda produção. Eu
tenho uma perfuração de ouvido, então tudo que envolve água eu dizia antes que tinha que ter
alguma coisa, um tampão para o meu ouvido, e por aí vai. Mas, no cinema não me lembro de
nenhum filme que eu não tenha ficado algumas... Abril Despedaçado, meses, meses
aprendendo a andar de perna de pau, cuspi fogo, caí, quebrei o cotovelo, fui levado para
Brasília, no dia de começar a gravação, no outro dia. Mas muito, muito treinamento. Não tem
filme nenhum que a gente não tenha preparação.
CF: Você destacaria algum processo que foi marcante?
LC: Todos terminam sendo, não é? Porque cada um é um, então... o primeiro, Baile
Perfumado, por exemplo, tinha um árabe que vinha cuidar do sotaque de Duda Mambert, que
fazia Seu Bejamim. Mas era um puta diretor de arte, de teatro, então me deu dicas incríveis na
construção do Lampião. Claro, aí era uma estrutura muito menor, sem recurso, primeira
produção dos diretores de Pernambuco, o Lírio e o Paulo, muitos problemas na gravação toda.
Mas, mesmo assim, cada ator dava a sua... Eu criei meu próprio, como tinha uma questão
física muito forte, bom, se Lampião usa essa armadura, como é que eu ia simplesmente botar
isso só para gravar? Então, adotei me vestir daquilo o tempo que a gente tava lá pra banda de
lá. Para ir gravar, a gente estava em cima, na vila onde ficavam os pinheiros da... como é o
nome da barragem ali, famosa? Paulo Afonso. “Aonde é a locação?” “Vai ser lá em baixo.”
“Então tá, eu vou descer a pé.” E descia pela mata, criava os cachorros dentro de casa, ou seja,
você começa a criar o seu, defender o seu. Então, inventava meus próprios rituais, fui ler tudo,
encontrei a oração de corpo fechado de Lampião, que estava no pescoço dele quando o
decaptaram. Decorei por minha conta e fazia essas orações no meio do mato. Um dia o Lírio e
o Paulo me ouviram, de tanto fazer a oração, disseram “vamos botar isso aqui” e entrou até no
CD da trilha do filme um trechinho que a gente diz a oração. Mas muito assim, quer dizer,
todo ator tem, desenvolve ali o seu, se defende pra isso entrar pro corpo porque como é que
um cara veste isso, passa a vida vestido assim e eu vou vestir no dia de gravar e você vai
acreditar? Não, aquilo tinha que estar acomodado em mim e ficou porque eu ia aos sábados e
domingos, que era folga, pegava o barco e ia para uma cidade vizinha ali, descendo o Rio São
Francisco, onde tava tendo uma missa do vaqueiro. Era vaqueiro da região toda chegando a
cavalo. Eu fui de Lampião no barco, com os oclinhos dele e tudo, desci, peguei um cavalo da
cidade e entrei na cidade de Lampião. Foi a coisa mais emocionante que eu já vivi na minha
vida. Quem tava a pé ou quem tava a cavalo enfileirou-se nas laterais, estiravam os braços e
gritavam “Capitão!”, emocionados todos. E eu, sabe, chega lacrimejava vendo como era forte
aquilo, como as pessoas, por um momento, trouxeram ele – Lampião – para dentro daquela
festa sem estar programado, sem ninguém saber.
CF: Para concluir, a presença do preparador de elenco no cinema já existe há mais tempo,
vem se consolidando com alguns preparadores, mas na televisão é mais recente, certo?
LC: Não sei de quando é, mas já vem... eu não sei, por exemplo, em que ano eu fiz Queridos
Amigos, dois mil e ... oito, quer dizer, dez anos. Já era uma coisa ousada, ficar dentro de um
estúdio dois meses para nada, gravando nada, fazendo macarronada... Então, mas além de ser
uma, eu falo lá da Globo porque é onde eu tenho gravado, mas é uma constante em toda
produção. Tem uns diretores que já fazem isso há muito mais tempo, são os pioneiros, como
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Luiz Fernando Carvalho, que está agora em processo com O Velho Chico, e muitos amigos lá
fazendo. E todo mundo meses antes indo para o barracão lá dentro do Projac fazer, junto com
toda a equipe dele (Tiche Vianna, etc.), que é o mesmo pessoal que fez com a gente A Pedra
do Reino em Taperoá. Então, há um cuidado muito grande. No caso de Luiz, muito mais,
porque a gente sabe da luta dele contra o naturalismo na TV, em fazer algo mais poético. E há
uma diferença, os produtos mesmo internacionais, o cuidado, então as pessoas estão adotando
isso, estão adotando fortemente esse cuidado para garantir uma qualidade maior, cada vez
mais. Isso eu sinto. Não sei quando começou, mas vem. Cada núcleo que vá mais fundo nisso,
que consiga mais tempo. Alguém contava, um dia desses, a história de Luiz Fernando, de
como ele conseguiu o galpão, eu não conheço ainda lá, mas enorme o galpão, com toda
estrutura para o ator. Você entra lá e é teatro, você vai fazer jogo com máscaras neutras, com
a Tiche, fazer todo o trabalho corporal, vocal, passa o dia lá. E que ele impôs: “Eu quero as
condições”. Ou seja, cada diretor que brigue pelo seu espaço, que defenda sua proposta
estética. Então, a tendência, eu acho, cada vez mais é isso. Lógico, a gente sabe, como a
televisão vai buscar no teatro, como eles são olheiros de teatro, como vão ao teatro ver bons
atores e já convidam, toda uma geração nova chegando. Ou no cinema ou no teatro. Quando
começa a despontar com bons trabalhos. Claro que cada empresa dessa que queira trazer para
o seu elenco. Então é geral, ou você cuida, garante sua qualidade, um diferencial. Vai para
onde essa competição? Cada vez coisas mais interessantes, propostas criativas que possam
segurar o espectador.
CF: Com relação à atuação, você vê diferença, e qual seria, entre atuar no cinema e na
televisão?
LC: Pode haver várias, mas uma que eu apontaria é o fato do filme ser obra fechada. Então
você recebe o roteiro, você estuda, no mínimo, esse diretor vai reunir o elenco e fazer leitura
do filme. Então, naturalmente, você vai decorar por um processo mais tranquilo, pela
repetição. Não tem surpresa, embora tenha, não é? Eu não sei de filme que eu tenha entrado
que não tenha cortado coisa, Eu, Tu, Eles é um dos maiores exemplos disso. O roteiro era um,
o meu personagem entrava para matar Lima, uma tragédia, e quando foi se fazendo o filme
Andrucha foi sentido que esse filme não cabe sangue, não cabe isso. E foi lindo um dia que
estava todo mundo no pátio conversando ele, a Fernanda Torres, que estava no filme,
Everaldo Pontes, todo mundo que estava na primeira fase do filme onde está eu, Matheus. E
na hora de montar o filme não batia. A parte do São Franciso, da água, que era no começo da
história, da minha história, do meu personagem com Matheus e todo mundo, e claro o lance
de ciúmes entre eu, Matheus, a Fernanda que estava grávida de verdade na época, era tudo
gravado escondendo a barriga dela. E na hora de montar eram dois filmes, um na água e outro
na seca, não casavam. Então desprezaram todo esse primeiro filme, que até existe uma ideia
de se usar esse material, são dez minutos de um longa, com eu e Matheus, sei lá de que ano é
isso {...} 2000. Dezesseis anos atrás. A ideia era criar um roteiro para esse material e a gente
seguir com esse material e os atores dezesseis anos depois. Menos a Nanda, que ela morre
nessa parte aí, mas eu e o Matheus. Existe essa ideia, já conversamos, se encaminha para um
dia se rever isso e se poder fazer um novo roteiro para isso. Mas, nessa conversa aí no pátio,
na casa do set, é que decidiu-se que, e acho que foi ideia da Fernanda Torres, que já tinha
cumprido o dela, estava só com o marido, e disse “Nossa, mas por que esse homem não
registra esses filhos todos no nome dele?” E aí cria aquele suspense, ele pega as crianças e vai
no cartório fazer o registro. Aquilo foi decidido numa conversa de marido, mulher e o elenco
ali. E virou inteiramente o que era, tinha um final trágico, fica leve e aberto. Talvez esse tenha
sido o maior exemplo de grande mudança. Mas, no geral, o roteiro está lá e vai ser cumprido.
Enquanto a televisão é essa obra aberta, essa coisa onde você tem ali alguns capítulos para
começar, vinte, dezesseis, sei lá, varia de produção para produção. Mas que está sujeita a uma
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aceitação do público. Ah, o povo está gostando ou não? E aí faz aquelas cabines para ouvir a
diversidade de público e isso vai nortear o rumo dos personagens. Isso é que deixa o ator
muito mais assustado, mas a pouca experiência prática que eu tive lá, que não são tantas
novelas assim, é que não se deve se preocupar com isso, termina que vai ser lido de alguma
forma. Você começa de um jeito, e como isso não volta, então, ah, fez assim, não interessa.
Tem novelas que ficam loucas, não é? Que a pessoa vem com um perfil e muda inteiramente
sem nem dar explicação, não interessa, tem que seguir e vamos. Você vê isso em novela, todo
tipo de loucura. E aí talvez essa seja a grande diferença. Uma coisa é a obra acabada que
permite que você já vá para um set com quase o filme todo na cabeça e, claro, uma linha
evolutiva desse personagem, enquanto na novela isso não existe. Eu tive isso com “Senhora
do Destino”, eu era o personagem na fase mais nova, então tava pronto, ali não tinha
mudança. 64, Rio de Janeiro, revolução, tanques na rua... Então era uma coisa muito clara,
histórica, definida. Esse tempo eu era muito mais radical, então me lembro que um dos
argumentos meus para fazer a novela era “aqui eu não estou fazendo obra aberta, a minha
parte é fechada, essa parte histórica aqui já está escrita e vamos fazer”. E foi bacana. Esse é
um aspecto. O outro é que é audiovisual, então nesse aspecto não muda muito. É a tua relação
de naturalidade aqui com você nessa conversa, mas está aqui as câmeras nos cobrindo. E
como o ritmo industrial, de fábrica, você se defender, como: você não cobrir a luz que está no
seu companheiro de cena, ou favorecer para a câmera, eles vão estar dando a dica “falseia pra
cá”, e todo esse universo que envolve a relação ator/câmera, que não difere muito.
Equipamento, talvez. Mas eu acho que o problema maior está no entorno disso, se é obra
fechada ou uma obra aberta, teledramaturgia como uma coisa aberta. Mas há um outro
conceito que se diz muito hoje na televisão, que a tendência é o fim das novelas. É ir pras
minisséries. Isso está posto no mundo hoje. O mundo todo produz minisséries que são
vendidas para o mundo todo também. E eu acredito que a televisão também vá se render a
produções mais cuidadas, mais curtas, em períodos, que volta, 10 capítulos, 15 capítulos. E
você vai e vem coisa muito bem acabadas, obras fechadas, não é? Que no fundo, por mais que
diga “ah, a teledramaturgia como obra aberta” é uma característica do Brasil, por outro lado
me parece, não sei se é radicalismo de alguém que é de teatro, um desserviço, sabe. Eu já
disse isso várias vezes. Porque, ora, você tem uma população de milhões de pessoas que tem
na telenovela seu lazer, sua distração, não perdem, correm pra casa, é o jantar e a tv ligada,
todo mundo em função daqueles personagens ali dentro da casa deles. Na hora em que um
autor faz, escuta o povo, e vai dando o que o povo quer, eu não estou dando nada
concretamente a esse público, não é? Eu não estou formando nada. Eu estou rendido ao que
ele quer. Diferente de um autor de teatro que afirma “minha obra é essa, eu quero dizer isso”.
As pessoas se chocam mas não interessa, é isso que eu estou. E [na Tv] não é... você vê o
exemplo aí, uma mulher beijou outra na boca e teve que mudar tudo, e a novela foi um nó, um
fracasso, mantidas as devidas proporções aí. Mas a gente sabe que houve um grande rebu ali,
interno, porque a pressão social era grande. Ou seja, o que eu imagino é que o autor fosse um
ente criativo que produz uma obra e oferece essa obra à nação, para que ela goste ou não
goste. Mas não é assim que funciona. Tendo merchandising, na hora em que não tiver o
público vendo, acabou a função da TV. Ou seja, o problema é mais complicado do que essa
conversa mole aqui. Mas me parece um desserviço culturalmente falando.
CF: Mas tu não achas que o fato de ser uma obra aberta para o ator é um exercício
interessante de também permanecer em estado de jogo e de criação permanente?
LC: Mas é isso que importa? O que importa não é eu estar oferecendo algo a alguém que está
vendo e que deveria ter alguma função? Tá, tem esse aspecto. Mas esse aspecto é meu comigo
mesmo. Mas eu digo: e o papel cultural de uma mensagem, de um conteúdo que é veiculado e
que tem as pessoas em casa vendo aquilo? Então isso não vale nada? O que vale é que o povo
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goste e queira ver. Então o autor não tem uma obra, não tem uma discussão que ele acredita e
quer colocar para o outro? Não, porque essa obra é multiforme, ela é “camaleonesca”, ela
pode ganhar a forma que queira contanto que tenha audiência. O que interessa aqui é a
audiência. É mercadológico. Então é só audiência, então o pessoal hoje não é mais...
homossexual não, ou seja, as pessoas não crescem enquanto espectador diante de uma obra
que teria o papel de me transformar, minimamente que fosse, “nossa, que pessoa é aquela?”
ou “que encantador”, ou seja o que for mas o que é que está por trás de um autor, da obra que
um autor produz? Ele está rendido a mil elementos externos aqui. A obra é o que menos
importa, isso pode ganhar o conteúdo que queira, é mutante. Eu acho que isso não forma
plateia nenhuma, essa plateia não evolui, não cresce, porque ela passa a ter referenciais [do
tipo] “não, eu quero que fulano case com fulano”, aí o autor vai fazer o casamento, nesse
aspecto. Mas essa discussão é mais complexa do eu possa estar colocando.
CF: É mais complexa. Porque também se a gente for olhar para este modelo ele meio que está
se desfazendo, se transformando. Agora com as multiplataformas eu acho que a tendência é as
pessoas procurarem aquelas obras fechadas. Se eu quero o que me agrada, mas eu vou
procurar aquilo que está pronto e que, de alguma maneira, tem um valor artístico para mim.
Tem aí a TV sob demanda, os canais fechados.
LC: Ainda mais tem a questão da internet no meio disso tudo, não é? As pessoas não estão
mais todo dia em casa vendo. Veem em outra hora, através de um aplicativo, ou seja, a gente
está dentro do futuro sem saber exatamente aonde vai dar tudo isso.
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APÊNDICE D – Entrevista III – Valeska Picado
Entrevista com Valeska Picado, na UFPB, em 05 de julho de 2016, com 65 minutos de
duração.
Cely Farias: Eu queria que você me falasse um pouco sobre a sua formação de diretora. Como
é a sua trajetória de atriz pra diretora?
Valeska Picado: Você quer que eu foque na televisão?
CF: Sim, como diretora televisão, mas se fizer sentido pra você contar um pouco da sua
trajetória no teatro, pode ficar à vontade.
VP: Eu acho que a minha história como diretora em televisão, ela começa como
telespectadora, né, em casa, assistindo televisão. Eu assistia bastante televisão quando era
criança, meu pai gostava muito de cinema, televisão, fazia filmes super 8, então a casa da
gente virou, por diversas vezes, set de gravação. Eu participava como continuista, qualquer
coisa que eu pudesse ajudar, eu como criança vivia esse universo, né. E aí quando eu... tinha
os meus programas favoritos, que geralmente eram aqueles programas educativos ou mais
fantasiosos, como séries de piratas, Vila Sésamo, essas coisas que tinham mágica e contavam
histórias. E aí, uma vez eu fui ao teatro Santa Rosa, minha primeira peça que eu fui assistir
quando criança, “Puft, o Fantasminha”, direção de Ednaldo do Egypto, e eu fiquei encantada
com aquele espetáculo, e mais ainda, pra mim, como eu sempre assistia tudo pela tela da
televisão, aquilo pra mim era como se fosse o que tava de verdade ali, né, assim, o que tava
por trás da televisão. E eu assisti, depois tive a oportunidade de subir lá, de ver de perto o
cenário, como eram as coisas, e que elas não eram de verdade, né... o baú não era completo,
aquele que ele saía e entrava, então tinham os truques, né. E aí, depois que eu assisti essa peça
eu comecei a trazer pras brincadeiras do quintal, pras crianças, eu comecei a organizar. Eu
sempre gostei muito de ser professora, eu pensava assim “Ah, quando eu crescer eu vou ser
professora”. Então, toda pessoa que chegava pra trabalhar na casa do meu pai, se ela fosse
analfabeta tava perdida, porque não ia ver novela, depois que terminasse de ajeitar a cozinha,
sentava e eu colocava lá pra ela aprender, tinha que aprender a ler, né. Eu dizia “como é que
uma pessoa grande não sabe ler?” Então eu sempre tive essa coisa de querer ser a professora,
né, de organizar, de fazer a coisa acontecer. Então, depois que eu voltei do teatro eu não tinha
acesso a câmera super 8, era uma coisa... hoje em dia tem celular, câmera fotográfica, dá pra
criançada brincar. Se fosse naquela época eu acho que eu usaria alguma coisa nesse sentido.
Mas o teatro era possível, então eu poderia brincar a partir de dentro da televisão. E aí eu
tinha uma coleção que meu pai me deu de disquinhos, eram histórias. E tinha “O Barquinho”,
de Ilo Krugli que tinha, no encarte, mostrava um pouco de como você montar o cenário com
coisas que tinham em casa. Então eu fui, eu decorei tudo aquilo, porque era um disco, né, a
gente tinha uma radiolinha de criança, e aí eu decorei tudo aquilo, ensaiei com o pessoal, a
criançada toda, e aí ele montava... ele sugeria que fosse uma coisa de criança mesmo. Então a
gente pegava cadeira, cabo de vassoura ao contrário pra fazer... amarrar as coisas. Então ele
já, a própria coleção, que eu acho que era Coleção Taba, ele trazia essas, eh... pra estimular a
criança “Como é que você vai brincar disso?” Você escuta a história e depois você vai fazer
algo com aquela história que você escutou. Era uma série de histórias. E esse “O Barquinho”,
de Ilo Krugli, foi o que mais me encantou. E aí a gente foi trabalhando com o possível,
ninguém foi construir nada, era... a brincadeira era trazer o que tinha em casa “ah, eu tenho
isso, eu tenho aquilo”, e aí começou essa história. Então, mas como meu pai era um artista
multimídia, ele era músico, ele era artista plástico, ele também escrevia, ele fazia cinema,
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então eu cresci com essas mil possibilidades, e eu acho que eu tinha um pouco dessa confusão
de “ah, eu gosto disso, eu gosto daquilo”, então na época de fazer vestibular foi muito difícil,
porque eu queria fazer um monte de coisas, né, desse universo que eu tinha crescido. E aí eu
pensei em fazer artes visuais, mas depois como eu vi que não ia... era muito solitária, e eu
gostava daquela coisa coletiva, de ter muita gente trabalhando junto, ficando junto, brincando
junto, né, eu escolhi, eu troquei, abandonei, fiz outro vestibular e entrei pra fazer o meu curso
de, o primeiro curso que era de Educação Artística, habilitação Artes Cênicas. Que hoje já
existem cursos específicos, mas naquela época era Educação Artística. Então eu acho que foi
aí que começou a esse... a colocar num lugar de formação esse “ser diretora” de teatro, e
depois de vídeo e televisão. Até aonde eu tou chegando hoje.
CF: Você teve alguma formação, além do curso de Educação Artística, de Artes Cênicas, você
fez outros cursos direcionados especificamente para essa função de diretora de Televisão?
VP: Como diretora de televisão, eu nunca tive oportunidade de fazer um curso técnico,
profissionalizante ou acadêmico, nem mesmo uma oficina, assim, que pudesse atender a
necessidade de televisão. Às vezes aparecia na cidade algumas oficinas mais voltadas para o
cinema. Não que isso não pudesse contribuir, mas eu não fiz por falta de oportunidade
mesmo, né. E quando eu entrei na universidade como funcionária, passei no concurso e
comecei a trabalhar numa televisão, eu comecei a me dedicar mais a esse estudo. Desde o
meu olhar, assistir mais televisão, e observar como é que era... os detalhes todos, né,
daquela... que compunha aquela cena, então a iluminação, o cenário, o figurino, os
enquadramentos, às vezes era por trás do ator, às vezes pela frente, como é que era, nunca era
tão frontal assim como no teatro, né. Então o olhar era direcionado, no teatro a gente dá as
possibilidades pra que o espectador ele escolhe, “Ah, eu quero olhar aqui, agora eu vou olhar
pra aquela atriz ali, o que ela está fazendo? E tem outro fazendo outra coisa. Ah, eu vou olhar
pra ali embaixo da mesa tem alguma coisa que tá me chamando a atenção”. E eu via que na
televisão a gente, como diretor, a gente poderia conduzir um pouco mais esse olhar do
telespectador. E aí eu comecei a assistir mais televisão, a ler sobre televisão, cheguei a fazer
algumas oficinas de texto, roteiro, ou às vezes direção de arte, mas coisa muito, muito leve,
assim, muito superficial no sentido da minha necessidade ainda. E aí eu creio que a minha
formação ela começa na prática, quando vem a necessidade, e aí eu tive que substituir Cely no
“De Portas Abertas”, e aí eu tinha que atender essa demanda de dirigir uma teledramaturgia,
que era um processo que já tinha sido começado, e de tá coordenando várias áreas que iam
compor essa produção. E aí eu chegava junto, então iluminação, então eu chegava para os
diretores de iluminação, pra Fabiano, pra Niu, e dizia “olha, eu vi isso aqui em tal programa,
tinha uma luz atrás que era azul, isso aqui, como é que isso funciona? É uma gelatina
diferente? Que no teatro a gente tinha a gelatina. Como é que é?” Aí começa a conhecer que
luz tem temperatura, não é, e que a gente... Então, figurino também, todas essas coisas, então
eu comecei a conversar com os colegas e tinha coisa que a gente... eu acho que era novo pra
todo mundo. Eu acho que cada projeto a gente, “De Portas Abertas” foi o primeiro, depois
vieram outros, projetos de curta duração, outros mais longos. Então cada programa ele exigia
um conhecimento, e aí a gente ia, saía em busca e muitas coisas aconteciam, a descoberta,
acho que é bem laboratório no sentido de laboratório de cientista mesmo. Tem coisa que de
repente a gente ia por um caminho e de repente chegava em outra coisa: “Ah, isso é assim!” E
eu achei interessante uma oficina que a gente participou lá no SESC, que uma, acho que ela é
diretora de arte, ela falando que ela gostava muito de assistir making-offs ou comprar livros
de filmes antigos que falavam como é que eram feitos os efeitos especiais, né, a questão da
caracterização. E aí ela falou de “O Mágico de Oz”, que o redemoinho, o furacão, né, ele era
feito com uma meia feminina, daquelas meias três quartos, preso embaixo num motor de
liquidificador e com armação. E a gente fica pensando “Puxa, é tão perfeito, e foi uma coisa
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tão simples, tão artesanal, né”. E também descobrir, entre os colegas, a gente dentro de uma
universidade é outro universo. Imagino você trabalhar numa televisão mesmo, que só tenha
essa função, você vai ter profissionais de áreas variadas. Na televisão a gente tem um
desfalque muito grande técnico, então a gente tem diretor de iluminação, no caso nosso, mas a
gente não tem, por exemplo, um maquiador. Então a maquiagem ela vem, eh... a gente vem
nessa busca coletiva e, de repente, alguém que tem uma habilidade maior e diz “ah, gente, eu
sei maquiar”. E aí começa a ter esse trabalho mais colaborativo, menos profissional técnico,
mas que não deixa de ser, menos rico. Eu acho que ele é mais... eh... menos... vamos dizer
assim, naturalmente rápido, mas ele é rico em termos de descobertas, porque a gente descobre
maneiras novas e maneiras possíveis. Eu tenho um exemplo de roteiro, eu fiz... pela primeira
vez a gente conseguiu fazer um roteiro bem feitinho, com tudo, pra chegar pronto, o roteiro
técnico, o roteiro literário, tudo arrumadinho, pra cada função. Então a gente tava tudo
orgulhoso porque nunca o tempo dava, sempre o roteiro saía de qualquer jeito e a gente ia
orientando “não, aqui é assim...”, então o roteiro quem pegasse o roteiro ia ver “olha, perfeito,
isso aqui tá ótimo”. Então foi o nosso primeiro roteiro, que foi a história da menina que foi
enterrada pela madrasta. Só que quando a gente chegou lá já não tinha monitor, então o que a
gente via ali parecia que tava tudo bem. Aí a gente começa gravar e tudo, seguindo o roteiro,
mas aí o tempo começa a mudar, e aí tinha criança na cena, a criança começa a interagir de
uma maneira que não é muito técnica, porque a criança ela é espontânea. E a gente começou a
fazer pequenas alterações, já começou daí. “Não, o roteiro disse que era pra ser assim, mas a
necessidade é essa, vamos mudar”. Só que quando a gente chega na ilha de edição, que a
gente vai olhar as imagens, como a gente não tinha monitor, o sol tava muito alto, a gente não
viu, mas tinha... teve cenas que a gente teve que tirar inteira porque tinha um carro lá no
fundo que não era pra aparecer, tinha coisas assim. Aí a gente parou e fez “Vamos fazer o
seguinte, nós conhecemos a história”. Cheguei para o editor e disse “Olha, você conhece a
história? Faz uma coletânea em sequência das imagens que ficaram boas, que depois eu vou
refazer o roteiro”. Porque tinha uma narração, então depois que ele fez tudo eu fui lá, sentei,
ficava olhando e marcando o tempo pra fazer a fala, porque ia ser uma história contada,
narrada, e aí foi ao contrário. Quer dizer, a gente pensa que tá tudo sob controle e na verdade
eu acho que esse é o grande desafio, o controle ele é a única coisa que nunca está nas nossas
mãos, como diretor.
CF: Você recentemente terminou um mestrado, né? Você abordava um programa televisivo?
Me fala um pouco sobre isso.
VP: O meu projeto de mestrado, ele era a criação de um programa piloto de contação de
história para crianças surdas, na televisão. A gente na TV, TV pública, TV universitária, a
gente tem uma responsabilidade social em relação a atender a todos os públicos. Então como
a gente já tinha várias experiências, várias produções pra crianças ouvintes, a gente começou
a buscar. “Não, vamos ver, a criança cega, ou com baixa visão, ela também desfruta de um
programa de contação de histórias porque ele é narrado, então ele já é naturalmente
audiodescritivo. Mas a criança surda ela não tem isso”. E quando a gente começou a procurar
mais informações, a pesquisar sobre isso, a gente viu que não, isso não existia, programas de
televisão pra crianças surdas, como também na própria infância da criança ela não tinha essa
vivência. Porque geralmente as primeiras histórias são contadas pelos pais, pelas avós, pelas
tias, pelos irmãos mais velhos, pela vizinha. E como a criança surda tem um processo, um
lapso de comunicação até que a coisa se ajuste, então ela perdia esse primeiro momento.
Talvez, na escola, dependendo se a escola tem um intérprete, se é uma escola adaptada, se a
criança faz, é oralizada, então a gente queria pensar em algo que a criança surda pudesse
desfrutar. Mas aí a gente pensou assim “Como é que é, a TV é pra todo mundo. Vamos fazer
uma janelinha, vamos colocar, a gente faz o programa pra criança ouvinte e bota a janelinha
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do intérprete lá”. Eu disse “Não, vamos fazer assim, a gente vai fazer pra criança surda com
acessibilidade pra criança ouvinte, então vai ter a narração”. E aí foi interessante porque o
universo do surdo não é só a língua, não é só a língua de sinais, tem toda uma cultura. E por
mais que, é interessante a gente perceber que por mais que a cultura do surdo é uma cultura
visual, a gente descobriu que a televisão, pelo menos a televisão brasileira, ela não é baseada
numa cultura visual, ela é baseada na cultura do áudio. Ela é uma versão do rádio visualizado,
vamos dizer. Então a gente vai ver como, eh... por mais que a gente fale “a imagem é tudo, a
imagem é tudo”, mas o áudio é muito mais importante na televisão do que a imagem. Por
exemplo, uma novela, que é uma das obras primas da televisão brasileira, né, reconhecida em
vários países, se você tirar o áudio, você não acompanha. Não tem como visualmente você
dizer assim “Não, ela se garante, porque ela é prioritariamente uma linguagem visual”. Não é.
Nós somos um povo de muitas palavras, a gente gosta de falar, de falar muito, de pensar sobre
o que a gente fala. E além de tudo, além da gente falar, também tem a questão da cultura. A
língua é uma cultura, e quando a gente começou a perceber isso então como é que a gente vai,
investigando sobre a cultura do surdo, trazer pra televisão. Então, a gente colocou uma
apresentadora falando, contando a história através da Libras, utilizando alguns recursos de
imagens, desenhos e com o áudio, mas o cenário tinha que ser bem limpo e a gente não
queria. A gente pensou, não, a gente quer trazer a nossa cultura, colocar elementos da casa de
taipa, do retalho... E quando a gente compôs a primeira versão, a gente fez assim com muitos
elementos visuais, já que a cultura de surdos, a língua de sinais é uma língua visual, e quando
a gente colocou a surda pra assistir e avaliar ela falou “olha, eu não tou , não tou entendendo”.
É como se pra nós fosse um áudio cheio de ruídos, e a gente não consegue ouvir. Então, a
parede de taipa que a gente colocou, ela parece com a cor da mão. Então na hora da
sinalização ela dificultava, ela disse “ah, se você colocar uma luva, ou então tira a parede,
bota de uma outra cor que seja diferente, né”. E aí a roupa que era toda com fuxico, com
retalho, bem colorida, também a gente teve que tirar, tinha que ser com uma cor lisa.
Geralmente os adultos que são intérpretes eles usam preto ou azul e a gente pensou “puxa,
como é que a gente vai fazer isso? Vai ficar muito sem graça”. Porque a nossa cultura é uma
cultura que o visual pode estar tão poluído, porque não importa, porque pra gente o que
importa é o áudio. Mas aí foi quando a gente começou a pensar sobre isso mesmo, será que a
televisão tem esse foco no visual? Que visual é esse? E começar a se questionar sobre esses
elementos visuais.
CF: Quais foram os programas de televisão que você já dirigiu?
VP: Então, quando eu era professora eu comecei a, antes de entrar na universidade, eu
comecei a fazer uns vídeos experimentais. E como eu assistia muito programa educativo,
quando eu tive a oportunidade de começar a dirigir, comecei com o “De Portas Abertas”, na
TV UFPB, e aí a gente foi enveredando também por essa linha dos programas que juntassem
educação, infância... E aí, a gente... como nossa equipe é muito pequena ainda, a gente optou
por trabalhar por temáticas especiais, né. Então a gente pegava mês da criança, vamos fazer
uma programação para o mês da criança. Aí a gente fazia uma variedade de programas. Então
a gente já produziu, e eu estava dirigindo, o “Quem Souber que Conte Outra”, que é um
programa de contação de histórias pra criança ouvinte, que a gente fez o programa piloto o
“Quem Souber que Conte Outra – Libras”, fez só uma versão experimental; o “Contos de
Sherazad”, que era As Mil e Uma Noites pra criança, também contação de histórias,
atualmente eu tou dirigindo o “Canal de Histórias”, junto com a Turma da Contação da Rua,
que é um grupo de artistas independentes, e eles produzem assim... eles começaram com um
trabalho voluntário, então eles fazem tudo, pra mim, acho que é a primeira oportunidade que
eu tenho dizer assim “eu estou como diretora”, porque eles produzem o roteiro, o figurino, o
cenário, tem os bonecos, tem tudo assim. Eu, às vezes, saio um pouco da função de diretora só
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pra brincar um pouquinho, eu sou muito apaixonada por bonecos. Quando falta alguém lá, eu
vou lá pra trás da casinha, e vou brincar, manipular os bonecos, que é uma das coisas que eu
gosto muito, por isso que o programa pra mim de referência é o Vila Sésamo, por essa relação
também que tem com os bonecos em cena. E já tive também outras coisas mais focadas
mesmo em educação, como “Letrinha Lúdica”, que é um experimento, um interprograma de
estímulo de leitura, criança dando dica de leitura pra outra criança; “Histórias Encenadas”,
que são histórias narradas, e aí a gente faz a encenação das histórias, de contos; o
“Desenhando”, que é um artista da comunidade que ensina à criança uma maneira de desenhar
animais e personagens de circo; e agora eu tou na direção e na produção também do
“Alecrim”, que é um programa de revista pra criança, de variedades, a exemplo do “Castelo
Rá Tim Bum”, que tem uma narrativa, tem personagens, mas tem quadros: quadro de música,
quadro de contação de história, quadro de atividades manuais, teatro. Então é, mais ou menos,
eu acho que é o mesmo estilo, tirando o “De Portas Abertas”, que realmente foi um processo
de teledramaturgia, de uma família, que cada episódio uma situação diferente, e a gente tinha
que trazer pro cotidiano do dia-a-dia, mais próximo do naturalismo, da televisão. Os outros
são sempre mais no universo infantil, então é mais fantasioso, mais ficcional.
CF: Como é que acontece o processo de seleção de elenco? Primeiro, você trabalha com
atores ou com que tipo de profissional você trabalha e como é o processo de inserção desses
profissionais, no caso atores ou apresentadores, como é que eles entram? Se existe um
processo de seleção, como é que acontece isso?
VP: Em cada projeto a gente tem um tipo de seleção diferente. Às vezes é um projeto de
extensão e nós abrimos pra comunidade de estudantes. E esses estudantes do curso de teatro
eles se inscrevem, e aí dentro do perfil do personagem, a disponibilidade, um conjunto de
fatores pra gente adequar o projeto. Então, o projeto tem aquele horário de gravação e de
ensaio, então primeiro tem que haver a disponibilidade de todo o tempo que a gente precise. O
perfil, alguns personagens eles pedem pra televisão a idade, então uma pessoa de tal idade,
com tais características físicas, então isso também entra. Mas eu acho que nesses casos da
teledramaturgia, como o “De Portas Abertas”, o que mais conta, além desses dois elementos
que são fundamentais, né, as características físicas e o tempo, é a própria... eu acho que é a
seleção natural. É preciso haver uma identificação do ator ou da atriz com a televisão.
Principalmente porque na nossa cidade a gente não tem uma... não tem um mercado, uma
cultura televisiva. Alguns tem um pouco de experiência com cinema, que é semelhante mas
não é igual. Existe a questão do tempo, o ritmo, a dinâmica, é tudo muito mais rápido. E eu
acho que alguns atores, eles precisam de um tempo teatral pra pensar seu personagem, pra
criar, e às vezes se sentem, assim, um pouco limitados ou bloqueados pra... e a história do
próprio prazer mesmo, né. Tem pessoas que se apaixonam. Quando vem pra televisão diz
“Não, é isso!” “Eu gostei muito”. “Quero fazer sempre”. “Quando tiver me chame”. Então, a
seleção natural quando eu falo é nesse sentido, de a pessoa estar gostando, porque é cansativo.
Assim como também o teatro, o cinema, tem o seu cansaço específico. Então por isso que tem
que haver essa paixão. Porque a gente vai ter que repetir várias vezes, corta, não deu certo,
faltou energia... “Ah, mas foi tão bom, foi a minha melhor parte, minha...” Não, você tem que
ter essa disciplina. E eu acho que essa seleção natural ela passa por algumas características
também da personalidade. Tem artistas que são completos, mas uma coisa mínima, por
exemplo, de ficar parado, tem pessoas que tem muita dificuldade de ficar parado. E a gente
precisa por causa do enquadramento. Se eu me mexo muito eu vou... () e às vezes a gente
repete dez, quinze vezes e a pessoa não consegue. Aí às vezes eu tomo algumas atitudes,
assim, drásticas que chocam um pouco a equipe, por exemplo, a fita crepe que é tão famosa
na TV às vezes eu prendo no pé do ator embaixo e digo “Ó, você pode se mexer em cima,
mas embaixo você tem que ficar aqui. Então isso constrange, fala “Nossa, mas dá uma dó ver
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o ator ali, né, preso”. Mas são os artifícios que a gente usa pra ajudar aquele ator, aquela atriz
que tem tanta vontade, tá gostando tanto, mas tem essa limitação. São limitações. A outra
questão que é importantíssima, que é a continuidade. Quando eu estou memorizando uma fala
que eu vou gravar, é importante que eu repita o mesmo gestual. Então, se eu digo “Eu preciso
falar com você (apontando o dedo para o interlocutor). Mas agora não”. E da outra vez eu
faço “Eu preciso falar com você, mas agora não”(movimentando o rosto alternadamente para
a direita e para a esquerda, aí... Eu tenho que saber que “Eu preciso falar com você
(apontando o dedo para o interlocutor). Mas agora não”, não é pra ser mecânico, é natural mas
tem que ser muito controlado. Porque se eu disser “repetir de novo, gente”, a gente precisa, e
eu saber, ter essa noção do todo e do específico. São detalhes assim, a questão do volume de
voz, então tem atores que tem a voz muito alta e a gente precisa modular a voz pra que...
Outros tem a voz muito baixa, e a gente precisa equalizar na cena, não é lá na ilha de edição.
A gente precisa trabalhar essa questão dos volumes pra que a gente trabalhe todo mundo
junto, né. Então eu acho que essa seleção ela é natural por conta disso, porque o próprio
trajeto vai elegendo quem vai participar desse ou daquele projeto.
CF: Como é que se dá esse processo de preparação, de ensaio, de construção com esses atores
antes de gravar? Se você puder relatar algumas experiências que você já teve na televisão,
como é que se deu esse processo?
VP: Quando eu comecei a acompanhar o projeto “De Portas Abertas”, que a diretora iria se
afastar pela licença maternidade, já havia um começo desse processo de preparação desse
elenco. E os personagens era uma família e tinha os agregados: a vizinha, o namorado da filha
mais velha, a amiga da filha mais nova, depois o namorado da amiga da filha mais nova,
depois, enfim, pessoas que vão surgindo de acordo, nesse núcleo comunitário, familiar, as
crianças que vem, neta, sobrinha, enfim. Então, quando eu recebi essas pessoas, algumas
inclusive mudaram, porque eram pessoas que começaram e por outros motivos pessoais
tiveram que sair, outros entraram. A gente precisaria dar continuidade a essa preparação desse
elenco. Então a gente pensou assim: pra que seja tranquilo e harmonioso, a gente precisa estar
todo mundo junto. Então, uma das coisas que eu uso sempre e que eu acho que consegue
quebrar muito a gente enquanto adulto que é cheio de preconceito e de preocupações com
aparência, com isso () nós somos muito preocupados, é o jogo. A brincadeira ela tira o foco.
Então a gente, por exemplo, se eu chegar e começar a fazer uma vivência com atores, pedir
pra eles se tocarem, se perceber o rosto um do outro, a pele, pode, a princípio, se é um grupo
que não se conhece, ter um certo constrangimento. Mas se eu falar “ó, gente, nós vamos fazer
a dança da laranja, aquela do pescoço, a brincadeira da laranja, você vai botar as mãos pra
trás, coloca a laranja no pescoço e você tem que passar pro outro a laranja, sem usar as mãos,
e não pode deixar cair”. Então, todo mundo tá preocupado em ganhar, né. A competição, isso
atiça o jogo e é muito do ser humano. Então, daqui a pouco tá todo mundo se esfregando,
porque é pescoço com pescoço e o corpo inteiro tá naquele contato sem que a pessoa perceba
“eu estou tocando naquela pessoa”. Então pra mim a primeira coisa é o entrosamento. É o
entrosamento entre os atores. E aí eu utilizo o jogo pra isso: batatinha frita 1, 2, 3, que a gente
já trabalha também a questão do freio, parar, porque às vezes a gente que parar na cena, né,
congela, do jeito que tá, não muda, não desmancha, segura a cena por alguns segundos que a
gente vai precisar disso na edição. Então, trabalhar o freio, vários jogos ou recreativos ou
teatrais a gente pode utilizar de acordo com a necessidade. Outra coisa que eu acho
importante é se conhecer bem. Quem serão esses personagens, entre os atores, conversar,
discutir pra que não haja incoerência, haja um acordo, que eles recebam aquele personagem,
com aquela personalidade. Então, Seu José vai ser um pai de família, aposentado, que tem
toda uma carga cultural, machista diversas vezes, que a gente vai estar trazendo esses
elementos das características de cada um pra compor. Então é importante na preparação haver
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essa construção dessas pessoas. Quem são essas pessoas que vão estar convivendo, que eu
vou estar representando? Porque aí fica bem mais orgânico se eu for fazer Dona Maria, e eu
sei quem é essa Dona Maria, eu não vou de repente, ah... um gesto... esse gesto não é de Dona
Maria. Ou uma palavra, até no próprio texto quando a gente escreve o texto que dava o texto
pra pessoa que ia interpretar, pra aquela atriz ou ator, ele dizia “não, aquela fala não é... fulano
de tal, no caso Paulo César, ele é machista, ele é o irmão mais velho, ele vai dizer isso, ele não
vai concordar com aquilo”. Então tem que estar muito interiorizado isso. A outra são as
situações. Como eram episódios, cada episódio trazia uma temática, e era importante a gente
discutir essa temática também pra que os atores que iam interpretar os próprios personagens
não ficassem jogando contra. Então, se a gente vai falar sobre a questão do idoso, da
valorização do idoso, e de repente pode ter alguém que ache... sei lá... “eu acho que o idoso,
realmente, no mercado de trabalho não dá pra competir com um jovem”. Então se isso não for
muito bem compreendido, não é que a gente vai mudar a cabeça de ninguém, mas precisa
compreender que aquele personagem é quem tá pensando daquela maneira. E isso tem que
estar discutido pra também ficar na verdade cênica. Outro exercício que era importante na
preparação do elenco era com o próprio texto. Quando o texto chega, essas marcações. Porque
ela além de ser reduzida, nosso... acho que a maioria dos atores que chegam pra fazer
televisão aqui vem do teatro, então tudo a gente precisa reduzir. Reduzir a voz, reduzir o
movimento, e ele ser pontual, marcado por conta da continuidade. Então eu preciso ter, como
uma coreografia, como se o texto fosse uma música e o meu gesto, seja ele um não gesto, ele
vai ser uma coreografia. Se eu for falar o tempo todo parada, e a minha mão direita vai ficar
sobre a esquerda, eu vou até o final ficar assim, essa é a minha coreografia, é a não
coreografia ou o não movimento mas é esse. Essa é outra dificuldade, porque muitas vezes,
não digo sempre, há trabalhos cênicos, teatrais que são milimetricamente coreografados, mas
geralmente se tem marcações, eu vou pra cá, eu vou pra lá, eu me abaixo, me levanto, mas
não com tanto detalhe, do dedo, da mão. Às vezes, assim, eu coloco aqui a mão (junta as
palmas das mãos na altura do peito, com a direita sobre a esquerda), e se eu fizer assim (põe a
esquerda sobre a direita) já dá uma diferença. Na hora de editar, se eu for, vai dar um salto na
imagem, então esse detalhamento também é muito importante. A questão do olhar, de estar
olhando pra determinado lugar. Eu não posso olhar pra câmera, se a intenção não é. Se eu sou
um apresentador e eu vou estar interagindo com a criança então de repente eu vou virar e eu
vou dizer “Olá! (olhando para a câmera) Você que tá em casa fica de olho porque não sei o
que, não sei o quê”. Daqui a pouco eu volto pra cá e eu saber que o meu olhar, pra onde eu
vou olhar, ele vai interagir com a pessoa que vai estar assistindo em casa, com o
telespectador. Então, essa educação do olhar, o treino, também não pode ficar um olhar vago,
pra fingir que eu não tou... Então toda essa disciplina, a questão do horário, que é muito
demorado, a gente pra montar tudo a gente precisa de um tempo, tem que ter uma paciência,
sem perder o pique, sem dizer “ah, eu já perdi o estímulo”, não. Ele tem que ter essa
concentração, vai passar uma hora porque a gente vai ajustar a câmera, som, luz, a
maquiagem vai fazer de novo e tal e eu vou ficar parado, vou ficar parado esperando,
mantendo a mesma energia. Então como manter essa energia constante. Outra coisa é a
questão da sequência. Às vezes eu vou ter que fazer a cena final, “Mas pera aí, eu não tive o
pique, não deu a progressão dramática pra eu chegar ali, eu vou terminar chorando, como é
que eu vou começar chorando?” Não, mas é porque a gente precisa por conta da colocação da
câmera, da iluminação e tudo, a gente vai precisar que a última cena vai ser gravada primeiro.
Então esse treino de partes fragmentadas também é muito importante. E no caso do choro, por
exemplo, a última cena a personagem ia chorar, porque ela soube que tava grávida, e era uma
gravidez na adolescência, mil conflitos... Só que a gente precisava gravar a última cena e
antes ela tava disfarçando, tava com outra energia. E como é que vai gravar primeiro essa e
depois a outra? Como é que chega? Então a gente, pra aquele episódio em especial, trouxe
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exercícios de respiração, aonde a gente, acelerando a respiração mais peitoral, e pra trazer o
choro. E também como controlar esse choro de parar. Eu vou chorar agora, e eu vou parar, eu
vou chorar, eu vou parar. E como trabalhar essa técnica. E que pra, como a televisão, o
cinema, ele trabalha com a câmera e com a imagem, não exige tanto do ator do teatro, que tá
ali naquela presença, aquela verdade cênica. Não tou dizendo que a televisão e o cinema é
uma mentira cênica, mas existem acessórios que ajudam essa verdade cênica, e não é só o
ator. Então no teatro, talvez, não funcionasse isso. Como é que eu vou fazer esse choro tão
falso? Falso, cenicamente falando, só com a respiração, ele tá fragmentado. Mas muitas vezes
é isso. Quantas vezes a gente vai fazer uma cena, e aí é pra ser descontraída e a atriz não fica
descontraída por algum motivo e a gente aproveita o momento da descontração que ela
pensou que não tava gravando pra... Fica perfeito. Porque a sensibilidade de quem tá fora, de
quem tá olhando, de capturar esses momentos. Então eu acho que o ator ele precisa de muita
ajuda, nesse sentido, porque é muito frio, né, essa relação, você tá com câmeras, com luz, sem
pessoas, aí para, quando você tá se emocionando aí para, repete. Puxa vida. E é diferente isso
do contador de história, do professor que tá dando aula, que tá ali sentindo aquele calor, ou do
ator do teatro que tá com seu público, o artista de circo que tá ali naquele risco e precisa do
aplauso. Então essa frieza do estúdio de televisão, ela é compensada pelo calor da equipe, das
pessoas que tão por trás da câmera. E eu penso assim, que se fosse definir qual é a sua técnica
pra dirigir, qual é a técnica que você utiliza? Eu acho que é uma... uma premissa de professor,
é que as pessoas são mais importantes do que as coisas. Então, essa coisa de dizer “Tem que
fazer, porque o tempo tá estourando, e não sei quê...”. Não, se a gente cuida, o ator ele chegou
cansado, não deu tempo de ele comer, então vamos providenciar um lanche, a gente perde um
tempo aqui mas ganha no afeto. E aí aquele ator que só poderia ficar até meio dia, de repente
ele diz “não, eu posso ficar um pouco mais”. Porque quando você recebe essa generosidade
você também é generoso, você se nutre disso. Então, se eu fosse definir seria isso, seria pensar
sempre na pessoa, cuidar de cada um, desde não só dos atores mas a equipe, mais do que
equipamento e a coisa do show tem que continuar. Eu acho que as pessoas é que tem que
continuar.
CF: Você em algum momento teve auxílio de alguma pessoa, especificamente pra preparar
esses atores ou apresentadores com quem você trabalhou?
VP: Na preparação de atores, eu acho que, como todas as outras partes, de como eu penso a
direção em televisão, ela não é coletiva, mas ela é cem por cento colaborativa. Então os
próprios atores contribuem nessa preparação. Pessoas, às vezes a gente precisa de alguém sim,
dependendo da cena. A gente foi fazer uma cena, que tinha um experimento que tinha uma
cigana. Então, como é que lê a mão, como é que pega na mão? Aí são coisas específicas, que
a gente acha que é só um detalhe “não, pega na mão pegando”. Não, tem a maneira de pegar
na mão, no como é que você manuseia, o toque, o gestual. Então, dependendo de como, de
qual é o trabalho, é importantíssimo você ter alguém. Se eu for fazer uma cena que vai ter
uma bailarina, a atriz não é bailarina, então é importante ter alguém pra trabalhar esse gestual,
essa delicadeza do balé, pra aquilo ali. Mas numa teledramaturgia como a “De Portas
Abertas”, por exemplo, que era coisas mais naturais, tudo, movimentação com gestual
comum, do dia-a-dia, os atores o tempo inteiro tavam, até o câmera, de repente, alguém dizia
“olha, eu acho que se fizesse assim...” Então, não é que é coletivo, é autoral, né. A luz tem o
seu autor, o texto tem o seu autor, mas esse processo eu acho que, sozinho, essa coisa de ver o
diretor como dono do conhecimento, dizer “repita assim, faça assim”. Quantas e quantas
vezes, eu acho que todas, eu chego com uma proposta e ela completamente diferente, por
conta dessa interação. É muito rico, o contato com as pessoas ele é riquíssimo. A gente nunca
imagina o final como vai ser, se a gente se permitir que as pessoas colaborem. Se a gente abrir
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pra isso, escutar, principalmente o ator, que tá passando por aquilo ali. A gente escutá-lo eu
acho que é a maior riqueza pra uma direção, é a gente poder ouvir os atores.
CF: Quanto tempo, aproximadamente, esse processo de preparação aí dos atores ou dos
apresentadores? Existe um tempo específico que você estabelece, cada processo vai um tempo
diferente, me conta como se deu até agora.
VP: Aqui na TV UFPB, como a gente trabalha com colaboradores, né, nós não temos um
recurso de produção próprio, então a gente trabalha com escolas, com grupos de teatro,
grupos, artistas independentes, então o tempo de produção de cada programa é muito variado.
Depende da disponibilidade das pessoas, quando as pessoas dizem “Ah, vamo pegar esse mês
de férias, todo mundo, e vamos concentrar todos os dias a gente vai estar trabalhando”.
Rapidamente aquilo sai. Vamos dizer, um mês é um tempo muito bom. Pra você começar já a
gravar um programa. Mas geralmente não é assim, a gente tem um encontro por semana.
Então, qual é a nossa opção mais... eu acho, mais sábia, assim, é você trabalhar com aquilo
que as pessoas já tem. Então se eu tenho uma atriz que ela toca violão, eu vou usar ela
tocando violão porque eu não vou ter o tempo de ter que treinar ela pra conhecer, aquela atriz
vai ter que aprender um novo ofício. Então se eu vou trabalhando com aqueles atores de
acordo com a riqueza de cada um, com o que cada um sabe, se eu vou trabalhar com os atores
a partir do que eles me trazem, o tempo ele é mais bem aproveitado. É diferente se eu quiser
uma coisa específica. Por exemplo, o programa que mais demorou, passou um ano pra fazer
um piloto, isso eu nunca tinha vivenciado, a gente às vezes faz coisas em quinze dias, foi o
programa de contação de histórias pra crianças surdas. Porque nós éramos muito
despreparados, nós cometemos muitos erros, e até a gente chegar no caminho que... é aquela
coisa do “se eu soubesse, a gente tinha feito numa semana”. Teria chamado as pessoas certas,
que a gente não tinha encontrado ainda também as pessoas certas. A gente teria feito em uma
semana. Mas esse projeto foi muito tempo, e assim: fazia, investia, em figurino, cenário. Não,
não dá certo. Vamos fazer outro. Então era sempre a gente inventando rodas, inventando
rodas. Quando a gente chegou no produto final a gente descobriu que a roda já existia, né.
Então eu acho que diferente do teatro, a televisão ela pode ter um tempo fragmentado. Por
exemplo, o “De Portas Abertas” foram trinta episódios, mas a gente trabalhava em uma
semana a preparação pra aquele episódio, já gravava, na outra semana já era outro, já gravava,
às vezes chegou a dois por semana. Porque já eram personagens fixos, já tinha toda uma...
então depende muito da dinâmica. Eu penso que se eu fosse fazer um filme, um vídeo de
média metragem pra televisão, quarenta e cinco minutos, eu precisaria de um ano, porque aí é
uma estrutura diferente. Mas eu acho que programas seriados, programas onde os personagens
são sempre os mesmos... O de contação de histórias com Dany Daniele, a gente grava um por
semana e é um programa bem complexo, assim, de quadros, tem animação, tem clipe musical.
E a gente só grava um por semana porque a própria apresentadora é quem edita. Porque se a
gente tivesse alguém pra editar, a gente podia gravar três por semana. Então isso aí, o tempo
vai depender mais da equipe, em casamento com essa proposta, do que a própria linguagem
de televisão em si.
CF: Comparando um pouco esse processo de preparação na televisão e no teatro, no caso da
direção e preparação de atores, assim, você poderia destacar como principal diferença que
você percebe nesse processo, e semelhanças se você achar relevante.
VP: Entre o processo de preparação de atores no teatro e na televisão, eu acho que a
semelhança é que depende do projeto. A gente vê, por exemplo, uma minissérie de televisão
tem um tempo de preparação bem mais... vamos dizer assim, mais gostoso, eles tem um
tempo... do que uma novela. Muitas vezes a novela tá correndo, o ator recebe o roteiro, já vai
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memorizando, vai gravando... então cada projeto ele tem. No teatro também é assim. Eu como
diretora de teatro, tem o espetáculo “Romina e Julião”, foram dois anos o processo. Porque,
além de toda uma pesquisa histórica que a gente teve que fazer na cidade, o próprio roteiro,
digo,o próprio texto teatral ele foi construído ao longo/ tinha o resumo, mas ele foi construído
a partir dessa... desse retorno da comunidade. Foi entrevista sobre a João Pessoa da década de
cinquenta. A preparação dos atores, a gente precisava que eles cantassem, que eles tocassem
instrumentos, que eles não sabiam, então zabumba, triângulo, várias coisas que foram
necessárias aprender. Então foram dois anos, todos os aspectos de uma montagem que a gente
precisou. Já “Zé Lins”, nós montamos com cinco encontros. E aos poucos a gente foi
colocando coisas novas, descobertas, ah, essa música fica mais legal... Mas foram cinco
encontros. Porque foi na verdade uma proposta de jogo. A gente tinha uma história pra contar,
tinha um livro pra se basear, que era o de Ana Maria Machado, e foi cem por cento
participação dos atores. Então os atores foram... improvisação, e aquela improvisação, como
eram eles mesmos que traziam, foi ficando. E isso também a gente já experimentou no próprio
“De Portas Abertas”. Alguns episódios que não dava pra... por algum motivo um adoeceu e
outro, e a gente disse “ó, a gente conhece a história, pra gente não perder o dia de gravação
hoje, topa? Vamos fazer?” “Vamos fazer”. E aí vem a improvisação dentro do tema, como
todo mundo já se conhecia muito, sabia seu personagem, não ia falar daquele jeito, já tinha a
fala, a postura, o relacionamento. Então isso aí eu acho que varia, só que o que é que eu
pontuaria como mais forte? Televisão tem tempo, tempo de exibição. Então uma novela, ou
um seriado, se a gente começa a exibir, toda segunda feira tem aquele... ou eu tenho tudo
gravado, que isso raramente acontece, ou eu vou gravando, editando e colocando. Então, isso
traz um pouco de limitação. Deu, deu, não deu... “Ah, vamos fazer de novo?” “E se a gente...”
“Assim ficaria...” Aí a gente não pode mais abrir. Então dentro de um processo com ritmo de
exibição, o processo de direção é mais fechado. Você tem que tomar decisões e dizer “Gente,
é assim. Não, não vai repetir. Ficou...”, eh, o que a gente chama da técnica do “cuscuz bem
feito”, só tem massa de cuscuz, se a gente só tem aquela massa pra fazer o cuscuz, é cuscuz
que vai ser. Não adianta a gente querer fazer carne de charque com não sei que lá se a gente
só tem isso. Então, tem uma manteiguinha, bota uma manteiguinha. No teatro não, no teatro a
gente pode. Não só pra estreia, “ah, vamo demorar mais o ensaio, a gente vai varar a
madrugada aqui pra deixar essa cena melhor”, como também durante, como aconteceu com
“Zé Lins”, a gente passou anos colocando coisa nova. Numa viagem a gente descobriu uma
música linda de um carneirinho, noutra a gente viu que a Cumade Flozinha podia ser inserida
de uma outra maneira. E a gente ia muito pelo público. Eu acho que no meu caso, eu dirijo pra
teatro pensando no público, que eu posso sentir. Na televisão, é mais a própria equipe, né. A
gente, e quando chega na ilha de edição, o editor ele é muito diretor da gente, assim, muito
colega, a gente fica discutindo muito e dizendo “Ah, isso fica melhor assim, ó, isso aqui”. E
são detalhes, sabe, eu acho que o editor é o melhor amigo do diretor no sentido de estar ali
com aquele olhar e dizer “Olha, a roupa da apresentadora tá transparente, como a proposta é
infantil não cabe muito, então vamos providenciar, né, outra coisa”. E é isso. Eu acho que no
teatro o ator e o diretor ele pode se sentir mais realizado, em termos de qualidade, “Ah, eu
gostei, a gente chegou na cena”. E muitas vezes na televisão a gente tem que trabalhar com
desapego. “Foi o melhor que eu pude hoje”. Então eu acho que essa é a diferença.
CF: Eu queria que você falasse um pouco sobre isso de fazer teledramaturgia nesse contexto
da TV Pública.
VP: Eu realizei um sonho de infância, que era trabalhar numa TV pública. Quando eu
comecei o meu interesse pela televisão foi assistindo a televisão. E eu gostava muito das TVs
educativas, enquanto outros colegas queriam trabalhar em emissoras mais, vamos dizer assim,
abertas, eu queria trabalhar com foco na educação. Então eu dizia “Ah, eu quero trabalhar em
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tal emissora, tal emissora”, que eu achava lindo aquilo ali e só me via ali. Isso tudo a partir do
programa Vila Sésamo que foi, assim, referência pra mim muito forte. Então quando eu entrei
na universidade pra trabalhar numa Tv educativa, eu vi, assim, a realização desse sonho, por
um lado, e as impossibilidades pelo outro. Porque nós não somos apenas uma TV educativa,
nós somos uma TV educativa pública, dentro de uma universidade. E ela faz parte desse
processo. Então, primeiro foi muito doloroso saber “Ah, não tem isso. Tem isso mas não tem
aquilo. Pode isso, mas não pode aquilo”. Não sai do canto, por diversas maneiras, diversos
motivos, aliás. Mas, por outro lado, a própria universidade ela se baseia em três pilares:
ensino, extensão e pesquisa. Então, como eu entrei nesse processo de teledramaturgia, já no
projeto de extensão, que o “De Portas Abertas” tava dentro desse projeto, tinha algumas
facilidades, tinha outras dificuldades, essa questão da aquisição do dinheiro, porque tem toda
a questão burocrática... processo, licitação, toda uma dinâmica que é muito estranha à gente,
uma coisa muito da administração pública mesmo, a gente não conhece, não conhecia como
isso tudo funcionava. Então foi muito difícil. Enquanto que as TVs abertas elas podem ter
patrocinadores, anunciantes dentro do próprio... Eu posso estar aqui, numa cena gravando e
usando uma novela, e... uma novela ela vende inúmeros produtos, desde bebidas, roupas,
celular. E a gente não pode nada disso. A exemplo uma TV pública que é maravilhosa, a BBC
de Londres, ela é uma TV patrocinada pelo povo. Existe uma taxa, uma anuidade que cada
cidadão paga, e a TV ela vive da contribuição pública. Então, pensando nisso, nós não temos
recursos, não podemos ter (). Por um lado é a maneira de olhar. Nós não temos recursos, mas
quem tem recursos também é limitado ao dono da bola. “Ah, se não for assim eu não brinco”.
Então eu acho que a vantagem que uma TV aberta tem, de ter os patrocinadores, ter os
anunciantes, ela sofre a desvantagem de dizer “Eu tou pagando e tem que ser assim”. Em
termos da ou a criatividade, ou a ideologia. Mas eu não quero que meu personagem... é um
programa, vamos dizer, infantil, eu não quero... eu acho que refrigerante não é bom pra
infância, mas o patrocinador diz que é, então tem que a criança estar bebendo aquele tipo de
refrigerante num programa que eu acho... , ou numa série, que eu acho que vai influenciar,
claro que vai estar influenciando. Em compensação em TV pública nós somos livres. A gente
não tem dinheiro mas a gente pode escolher e ficar firme no nosso ideal, que a gente acredita
que é melhor, ter esse compromisso com a responsabilidade social é muito legal você poder
fazer. E aí a gente, pela extensão, esse caminho... teve o caminho da burocracia, que é difícil,
né, as licitações, as compras, como é que a coisa funciona, a gente descobre que é mais fácil
comprar uma câmera super equipada e caríssima do que um batom. Porque não tem código
pra comprar um batom. Então como é que a gente faz? Mas aí a gente, como trabalha com as
pessoas, se você tem as pessoas, se você respeita, você tem as coisas. Então, como a nossa
opção era vamos trabalhar e vamos valorizar o artista, vamos cuidar daquela pessoa que tá
trabalhando com a gente, seja aluno do curso, seja um músico que esteja fazendo a trilha pra
gente. Então a gente diz “Eita, a gente não te nem, ah, não tem claquete.” “Ah, mas eu tenho
uma, aí eu trago”. Então quando você investe nas pessoas, você tem as coisas. E quando você
investe nas coisas você não tem as pessoas. Então acho que um caminho interessante pra tv
universitária, tv pública, é trabalhar com a própria comunidade, através do ensino, da
pesquisa, da extensão. E aí a gente tem resultados fantásticos. Se a gente fosse fazer uma
produtora, o nome eu acho que poderia ser “Milagres Produtora”, porque cada vez que
termina a gente diz “Menina, ficou massa”. Um milagre e a gente não vê por trás, tem TNT,
tem uma luzinha de natal que a gente trouxe, e amarra. A diretora, às vezes, tem que ficar lá
atrás segurando o TNT preto porque o branco tá... é bom porque deixa o muque forte. Então, é
muito interessante isso, né. A gente precisa só encontrar satisfação e alegria nesse caminho
que a gente tem, senão a gente fica muito frustrada de trabalhar assim.
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APÊNDICE E – Entrevista IV – David Muniz
Entrevista com David Muniz, na UFPB, em 12 de julho de 2016, com 55 minutos de duração.
Cely Farias: David, a primeira coisa que eu queria que você falasse é um pouquinho sobre sua
experiência, sua formação no teatro e principalmente no audiovisual.
David Muniz: Quando eu vim morar em João Pessoa, que eu sou de Pernambuco, quando eu
vim morar em João Pessoa em noventa e seis, assim que eu cheguei em João Pessoa eu
terminei me interessando pelo teatro, tive oportunidade de me ligar ao teatro e era um desejo
desde criança mesmo de fazer teatro, de fazer televisão. Então eu fui atrás de conseguir algum
espaço no mercado de publicidade. Eu acho que a primeira coisa de audiovisual, foi mais pela
publicidade. Eu deixei um vídeo que eu tinha preparado num estúdio, fiz alguns cursos de
audiovisual, e aí deixei em algumas agências. E durante um tempo fui chamado, fiz teste pra
alguns vídeos. Teve um tempo que eu fiz muito vídeo de publicidade. Aí, depois dei um
tempo, porque a questão mesmo financeira, a falta de profissionalismo, isso meio que me
distanciou, meio que me deu um abuso. Então, no audiovisual eu acho que comecei por aí,
pela questão da publicidade. Mas foi uma experiência bem legal, que eu gostei muito. Só teve
esse dado negativo que é a questão da falta de profissionalismo mesmo aqui em João Pessoa,
e a falta de recurso mesmo pra o ator. Junto com isso teve o trabalho com o grupo Quem Tem
Boca é Pra Gritar, que foi o primeiro grupo de teatro profissional que eu entrei, e aí nesse
grupo passei um bom tempo. E começaram a surgir outras... teste pra filme, teste pra...
principalmente pra filme, né, que veio um momento que aqui em João Pessoa começou a ter
muitos filmes. Mas aí em teste pra filme eu nunca me saí muito bem, sempre tive acho que
um receio, escutava muito, na hora de estar fazendo um teste, que não é teatro, é televisão,
não é pra interpretar. Então isso meio que me confundia muito pra fazer teste pra cinema. E eu
nunca me dei muito bem pra teste pra cinema. Eu acho que, eu não sei exatamente quando,
mas acho que uns dez, um pouco mais de dez anos surgiu um teste bem legal pra fazer pra um
programa que eu acho que pra mim foi muito bom de fazer no audiovisual, que foi o Geração
Saúde 2 da Tv Escola. Que passou no Brasil todo pela TV Escola e outras emissoras nacionais
passaram também, como a TV Cultura, a Futura também passou pro Brasil todo. E aí foi um...
eu lembro quando eu fui fazer o teste que o teste é a coisa mais difícil, eu acho, no
audiovisual. Não é nem você fazer o trabalho, quando você tá fazendo trabalho, você já tá
mais relaxado, mais confiante, você já estudou mais, você já sabe mais o que você vai fazer.
No teste você não sabe muito bem o que você tem que fazer, o que você vai apresentar.
Quanto menos experiência, mais difícil. E eu acho que um dos primeiros teste que eu fiz que
eu me senti seguro mesmo foi exatamente pro Geração Saúde, e eu terminei ficando com o
personagem do Prof. Roberto, foi bem legal, eu gostei muito de ter feito esse trabalho. E foi
uma experiência toda gravada aqui em João Pessoa, com acho que noventa por cento da
equipe daqui de João Pessoa. E foi muito bom, desde a preparação com Marcélia Cartaxo, até
as gravações da parte dramática e da parte depois que a gente gravou também da parte de um
tipo documentário que era um debate que a gente fazia sobre cada episódio. Então foi uma
experiência muito legal, agora ela demorou muito tempo, acho que o projeto todo demorou
mais de dois anos pra ser feito e isso criou um desgaste também, mas foi uma experiência
legal. No cinema, eu lembro que logo no começo eu participei de uma produção
acompanhando Itamira, na verdade, ela tinha acabado de ter o bebê, deve fazer uns quinze
anos já, que foi um filme que na época também mexeu muito aqui em João Pessoa, foi o “Por
Trinta Dinheiros”. Eu lembro dessa experiência porque foi uma experiência bem intensa
porque eu fiquei como babá do meu filho que tinha acabado de nascer, enquanto minha
esposa estava gravando. E terminei fazendo uma pontinha no filme, porque tava faltando um
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ator, aí participei, fiz uma participaçãozinha. Mas cinema pra mim sempre foi uma coisa
muito distante, ou muito difícil de conseguir entrar. Eu sinto também que existe, uma coisa
que é natural no teatro, que são os grupos, naturalmente se formam grupos ou parcerias que se
estabelecem, e que fica meio difícil às vezes você entrar nesses grupos, né. Um teste que eu
fiz pra um filme que eu gostei muito de ter participado, um curta metragem de Tomas, foi o
filme Três. Foi um teste também que eu fiz e me senti bem com o teste, e aí fui aprovado, e a
gente teve esse experiência que pra mim foi bem diferente, de estar protagonizando o filme
junto com Pollyana, foi muito legal, foi um aprendizado mesmo. E aí, recentemente o Ciência
Aberta, os programas da TV UFPB, o de contação de histórias... O Ciência Aberta foi legal
também porque foi um processo que a gente foi vendo desde que, não sei como é que chama
do audiovisual, mas desde a maquetezinha, o começo, quando você vai experimentando o
programa. A gente começou fazendo uma coisa que terminou se transformando em outra, a
dramaturgia foi tomando mais espaço na história, outras pessoas foram entrando e foi muito
legal, foi um experiência... desde o comecinho foi interessante, do experimento, a preparação
do projeto já montado, aí a preparação dos atores bem legal, mesmo diante de todas as
dificuldades que a gente tem aqui na universidade, de espaço pra poder ensaiar, de espaço pra
poder gravar mesmo, de todas as dificuldades que a gente num país que não valoriza cultura,
que não valoriza educação, pra poder gravar um material que tenha um sentido pra sociedade,
que faça sentido pra sociedade. Porque ainda tem isso, você fazer algo só por fazer, talvez não
tenha tanto valor, né. E o que a gente mais vê em termos de audiovisual, principalmente na
TV aberta é a coisa que não tem um valor pra sociedade que seja positivo, que é muito mais,
atende muito mais um mercado que valoriza só a entrada do dinheiro fácil mesmo, sem se
preocupar com... com alguma coisa que seja positiva. E o Ciência Aberta pra mim foi um
trabalho assim muito legal assim como foi o Geração Saúde, porque você tá trazendo
informação de forma acessível, num formato que as pessoas estão acostumadas, que é
dramaturgia, mas com espaço também pra o jornalismo, como tanto no Ciência Aberta quanto
no Geração Saúde. Então, eu participar de projetos desse tipo fazem com que valha muito
mais a pena. Porque a questão financeira não é o motor, não é, porque você trabalha muito
tempo pra poder receber uma grana que não paga tudo. Então o que move mesmo a pessoa pra
fazer é o que aquilo ali vai resultar, se vai ser algo que você vai ter orgulho de apresentar, e no
meu caso, como também sou professor, de você... será que eu vou ter orgulho? Será que eu
vou ter um bom motivo pra apresentar isso pros meus alunos? Então, eu acho que o Ciência
Aberta quando ficar pronto vai ser uma coisa legal pra mostrar pros meus alunos, não só pros
meu alunos mas pra todos os alunos que tiverem acesso, né, pra que seja uma coisa legal e
não seja só uma coisa gratuita.
CF: Eu queria que você falasse da sua formação como ator.
DM: Eu sou formado como ator, entrei na primeira turma do curso de bacharelado daqui da
UFPB, uma turma muito legal... muitas memórias boas. E aí entrei como graduado
recentemente, concluí a licenciatura também em Teatro. Então tenho o bacharelado e a
licenciatura aqui na UFPB em Teatro. Acho que pra falar da minha formação, formação
acadêmica é essa. Comecei uma especialização, falta só fazer o trabalho pra concluir a
especialização, tenho vontade de fazer ainda o mestrado. Acho que a experiência acadêmica,
tanto do bacharelado... falando primeiramente do bacharelado, quando eu comecei o
bacharelado já tinha quase dez anos trabalhando como ator, então, mas nesses dez anos
trabalhando como ator, tirando os textos de teatro, que você usava, os textos dramatúrgicos,
eu nunca tive acesso a nada de teoria sobre o teatro, não nessa prática. E aí foi uma
oportunidade muito boa aqui na Universidade de ter acesso a isso. Então o lado mais positivo
foi isso, aqui na universidade. O lado negativo é a questão da estrutura... naquela época, assim
que eu entrei a gente ainda tinha a falecida sala preta, hoje a gente nem tem isso, e é uma
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coisa que eu acho muito triste, de saber que uma coisa que era pra estar melhorando tá
piorando, falta de estrutura pra o aluno. A licenciatura aqui na universidade me mostrou... tem
as disciplinas que são próprias do teatro e as que são as disciplinas de Educação, né. As de
Teatro foram aulas fantásticas, e as de Educação já são aquelas coisas meio que viciadas,
sabe. Então, a parte de Educação mesmo está precisando de uma reestrutura aqui na
universidade. Mas os professores que dão aula pros cursos novos, né, são professores que tão
chegando com a cabeça pipocando de ideias novas, então eu acho que isso é mais legal.
Enquanto o professor de Educação, que tá há vinte anos dando aula, que tem a cabeça
fechada, e que pode estar há vinte, trinta anos dando aula e estar se atualizando, mas tem
professor que começa a aula aqui na universidade apresentando texto da revista Veja, aí fica
complicado. Tirando essa formação da universidade que foi muito importante pra mim, tanto
como ator como quanto professor, porque eu me descobri como professor depois de ter feito
aqui a universidade, eu acho que os grupos de teatro por quais eu passei e onde eu tou hoje
são assim fundamentais pra minha formação profissional, né, as experiências que a gente tem.
Desde o Quem Tem Boca, as experiências com o também extinto projeto da Paixão de Cristo,
porque o projeto da Paixão de Cristo era antigamente o projeto que você tinha o reencontro,
né, claro que tem várias ressalvas quanto ao projeto, sobre o valor investido, eu mesmo sou
uma pessoa que defende a questão de um estado laico, está sendo usado verba pra fazer um
espetáculo que é religioso, conta uma história religiosa, de que essa grana poderia ser usada
pra outros projetos, enfim, mas... isso exigiria um debate que não aconteceu, só se acabou
usando uma justificativa econômica que eu acho que é balela, né. Então esses grupos, esses
trabalhos são fundamentais pra essa formação também, né, que é a parte prática mesmo, as
pessoas com quem você vai trabalhando. Aqui em João Pessoa eu tive o privilégio de ter
trabalhado com quase todos os diretores. Muito por causa do projeto da Paixão de Cristo, mas
por estar, eu acho que o principal, independente da profissão, mas muito mais ainda numa
profissão onde não existe uma valorização seja financeira, seja da sociedade mesmo, pra você
fazer aquilo ali, então você aprende muito com essas pessoas com quem você tá trabalhando,
né. E essa formação eu acho que, não é a mais importante, mas é muito importante mesmo.
CF: Eu queria que você contasse um pouco como foi o processo de seleção pra você participar
dos programas que você participou. Tanto os que você participou aqui na TV, o Quem Souber
Que Conte Outra, o Ciência Aberta e o Geração Saúde. Você me falasse um pouco como foi o
processo de seleção, quem era responsável por fazer essa seleção, se era o diretor, se tinha um
preparador de elenco junto.
DM: Na maioria das vezes, comigo, que eu vi, era o diretor que estava na frente dos processos
de escolha de elenco de teste, né, na maioria das vezes. O Ciência Aberta... vou ser bem
sincero, já faz tanto tempo, eu tou tentando lembrar aqui como é que foi... eu acho que surgiu
um convite, não sei se foi seu ou se foi de Valeska... de alguém da TV pra poder fazer o teste
pra esse projeto ainda que era o Ciência Aberta... Eu me lembro até da imagem fazendo o
teste e tal... E aí eu acho que inclusive no teste, na hora que eu tava fazendo o teste já ficou
claro que eu ia continuar fazendo esse pré-projeto, esse projeto ainda do programa, né. E a
gente continuou e depois quando o projeto virou mesmo o programa, aí eu terminei
continuando no programa, acho que exatamente porque eu tava desde o comecinho. No
Geração Saúde, da TV Escola, eu lembro que quem tava no teste era um diretor daqui de João
Pessoa, o Eliézer, e depois de um tempo, ele tava no processo, e depois de um tempo
apareceram outros projetos e ele... exatamente por causa disso, demorou mais de dois anos
desde o teste inicial até a conclusão do trabalho, e aí Eliézer foi fazer outros projetos e a
Daniela foi que assumiu o Geração Saúde 2... Eu não sei se ela estava desde o começo do
projeto...Se já tava planejado isso... mas...lembro que começou com Eliezer, que era uma
pessoa que eu já conhecia...e ele foi pedindo, meio que pedindo coisas, né? Foi bem legal. O
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teste dele foi pedindo coisas. Foi bem legal. “Tá! Agora faz de outra forma. Agora faz... é...
não sei o que... Foi bem legal... Eu lembro que foi um teste que eu me senti muito bem. Não
pelo resultado, mas pela condução também. Nossa. Foi uma coisa que eu lembro bem... do
Geração Saúde 2. Isso... Eu falei do Geração Saúde 2,... falei do Ciência Aberta. Eu lembro
que no filme Três também, o Tomas tava no teste do filme... pro filme ele também tava lá...
É...mas eu lembro também, assim, outros, grandes, de vários outros testes, a maioria das
vezes não é o diretor que tá, né? É um assistente de direção ou uma pessoa que é de elenco
fazendo aquele teste.
CF: Eu queria que você me falasse como é que se deu o processo de preparação, de ensaio, de
construção cênica nesses programas?
DM: É... Vamos lá...O mais antigo, né. O Geração Saúde 2, o processo de preparação de
elenco ficou nas mãos de Marcélia Cartaxo...né? Então a gente teve esse processo com ela
bem legal também. Durou um bom tempo. Porque o projeto ficou meio que empacado. E aí
aproveitaram...empacado. Não sei o que é que era...Mas aproveitaram bastante esse tempo pra
poder trabalhar, até porque boa parte do elenco era um elenco jovem e que não tinha
experiência, boa parte do elenco. Como boa parte da história acontecia numa escola, então,
boa parte do elenco era de jovens mesmo. Então, esse trabalho de Marcélia com os meninos
mais jovens foi bem intenso. Eu participei, mas participei pouco até porque o meu
personagem foi pontual, tinha poucas cenas, então, eu participei pouco desse processo que foi
muito mais amplo. Então, teve todo um cuidado, sim com o Geração Saúde 2. O Ciência
Aberta...
CF: Ainda sobre o Geração. Você poderia detalhar que tipo de procedimento era usado,
exercícios que você lembra que ela aplicava, a construção de personagem, se houve, como se
deu? Se vocês estudavam o roteiro antes ou se não? Como era a construção da cena, se ela
vinha pronta com as marcações ou se vocês construíram juntos. Assim, dá uma detalhada
nesse sentido.
DM: A gente ensaiava mesmo nos estúdios, mesmo, no estúdio que a gente tava trabalhando.
A gente gravou depois a parte que era do debate. Então, a gente ensaiou lá. Eu não participei
de muito ensaios, como eu tô falando. Eu participei de poucos ensaios, porque foram poucas
as cenas que eu fiz. Nesses poucos ensaios, a preocupação primordial era com o texto, pra que
o texto fosse natural e não ficasse parecendo...até porque o texto, a idéia nesses ensaios
também era de reconstruir o texto . Porque o texto chegava meio artificial e era pra que a
gente... e quem estava escrevendo o texto não era daqui também, de João Pessoa. Então,
chegava, a gente tentou colocar expressões que fossem mais próprias daqui de João Pessoa.
Então, no primeiro momento, Marcélia se preocupou em dar mais com a naturalidade ao que
era falado. E... nos ensaios a gente buscou, existiram alguns exercícios pra gente buscar essa
marcação de cena, essa movimentação, a ação física mesmo dos personagens, buscar uma
coisa que fosse coerente, né? Uma coisa que fosse verossímil, né? Que as pessoas pudessem
acreditar que aquilo ali era real. Então, no Geração Saúde teve essa preocupação, mas, não foi
muito aprofundado, foi a preocupação primordial era com o texto, pra que ele fosse natural,
pra que ele parecesse natural. Então o Geração Saúde teve essa preocupação de Marcélia com
os atores. Eu não posso falar muito, com muita propriedade, porque eu participei de poucos e
a maioria das cenas que eu fazia eram cenas em que o ambiente era aquele bem tradicional
mesmo, de sala de aula, onde os alunos estão dispostos nas cadeiras e o professor de frente.
Não tinha muito espaço para marcação, era muito mais pra questão do texto. Mas eu sei que
teve esse processo, foi um processo que,.. até por causa do tempo que o ficou meio que
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estagnado o projeto, foi aproveitado pra isso. Pra que os atores fossem trabalhados com
Marcélia.
CF: Quanto tempo?
DM: Eu boto aí pelo menos uns oito meses. Com certeza, uns oito meses. Foi muito tempo.
Mas eu participei de poucos. Eu acho que eu participei de uns cinco encontros. Mais no
começo, um pouquinho no meio e depois mais pertinho.
CF: E aí nos outros programas?
DM: No Ciência Aberta, foi um projeto que durou um bom tempo, né? Vem durando um bom
tempo. É... o que eu acho mais legal de lembrar do Ciência Aberta foram os ensaios que a
gente fez na capelinha, que a gente ensaiou mais de um mês, acho que uns dois meses, três
meses... não sei. Mas foram vários ensaios, porque foram vários episódios e a gente também
tinha essa preocupação da naturalidade. Pra mim foi especialmente interessante fazer mais
uma vez um professor. Acho que eu tenho cara de professor. E professor de colegas meus, né?
Na vida real. Todos ali eram colegas, né. Muitos que eram alunos aqui da universidade.
Assim como eu, eram alunos recentemente formados na universidade. Eu gosto de brincar
desse papel de ser professor. Tanto é que eu faço ele na vida real também. O que eu acho que
foi bem diferenciado nesse processo de ensaio para o Ciência Aberta... foi o trabalho corporal,
que é muito difícil a gente ver em ensaios pro audiovisual...acho que a grande preocupação
muitas vezes é exatamente essa do texto, mas o corpo, a preparação,...acho que a própria ...
você colocar o elenco todo numa energia só, sabe... essa preocupação de estar todo mundo
numa mesma frequência de comprometimento, de atenção a cena, acho que foi muito mais
por isso. Pra que a gente tivesse uma unidade. E fora a questão mesmo da você passar,
estudar, e criar, e fazer a marcação das cenas. Então no Ciência Aberta teve esse processo que
durou alguns meses, que foi nesse espaço aqui, improvisado na universidade. Que aí é o ponto
negativo, que eu acho. A gente saber que por várias razões, muitas delas políticas... a gente
não tem um universidade ainda, que dê capacidade pra que as pessoas que trabalham nela, que
fazem trabalho aqui, ou que sejam da TV ou que venham colaborar... possam fazer de forma
profissional mesmo, sabe? É uma extensão, eu acho que vai ser muito bom se a gente puder
mais na frente, no futuro, a gente olhar pra trás e dizer assim “Caramba, essa galera conseguiu
fazer isso, mesmo diante de tanta adversidade, de falta de espaço pra ensaiar, de improviso
com cenário, de improviso com figurino, de improviso com um monte de coisa que é
essencial, que muitas vezes existe verba, não tou dizendo que foi isso que aconteceu, mas que
a gente sabe que muitas vezes existe verba pra isso, mas essa verba ou ela não é solicitada
porque as pessoas... enfim... porque a universidade ainda não tem... tá engatinhando em
muitas coisas, em termos de estrutura, em termos de estrutura pra o pessoal, de valorização
dessas pessoas pra poder fazer o trabalho fora da caixinha, fora daquilo que é o viciado, né, o
que o funcionalismo público faz, que é o vício, né, que é uma dessas doenças aqui da nossa
sociedade, que é a estagnação, “não vamos fazer do jeito que tá”. E é o trabalho de pessoas
que superam isso que fazem com que as coisas aconteçam e vão mudando porque a gente vê
que tem o empenho de muitas pessoas que tem respeito por aquilo ali, porque é um sonho
pessoal, ou porque você acredita mesmo que aquilo ali é uma coisa que é importante, e é a
união de várias ideias, e consegue vencer essas barreiras aí, né, de produção, do ensaio, de
tudo que já foi dito. Do Contação de Histórias já é um processo um pouco diferente porque
era um trabalho que o grupo de teatro do qual eu faço parte, que é o Engenho Imaginário, tava
fazendo de Valeska, de pesquisa de Valeska e tal, dessas contações de história e aí surgiu esse
convite pra que a gente pudesse trazer pra cá pra TV UFPB esse projeto, né. Pra mim,
contação de história já era uma coisa que até no grupo eu fiquei assim no começo “Ai, gente,
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já tem tanta gente contando história, vamos seguir aquela nossa forma de trabalhar. No
Engenho Imaginário, na época a gente tava com o espetáculo Zé Lins, contava a história desse
paraibano, e eu disse “Não, vamos contar a história de um outro paraibano, então, vamos fazer
como a gente fez”. Termina que o grupo, o Engenho, tá com três espetáculos que são
diferentes um do outro, né. Bem diferente daquilo que eu tava imaginando, que eu ficava
querendo, de seguir uma linha, assim... E aí aproveitar essa coisa de contar as histórias, que a
gente conta no teatro pra contar na tv, apesar de ser uma adaptação, né, da gente adaptar
porque é uma linguagem totalmente diferente no teatro, no teatro a gente conta... são quatro
pessoas contando, e aqui era uma pessoa de cada vez contando a história só. Eu me lembro
que desde os testes, e do processo pra gente estar gravando o Contação de Histórias, o mais
legal do processo foi que, acho que foi um processo meio que individual. Eu lembro que pra
decorar a história eu ficava em casa, eu gravei a história, ficava escutando e tentava
acompanhar, decorando a história. Muito do que eu levei tanto pra cena, nos ensaios pra peça,
quanto pra gente apresentar, a gente gravar aqui, experimentando contar a história pra
crianças mesmo, seja na sala de aula como professor, seja como animador de festas contando
aquelas histórias. Pra experimentar o que chama atenção da criança, seja pelo humor, seja pela
tensão, o medo mesmo, a expectativa dos personagens, né. E quando você experimenta isso
com aquelas crianças, aí você leva pra câmera porque você já tem aquele know-how que as
crianças deram, que os espectadores deram praquela história. Então, eu acho que no Contação
de Histórias foi uma experiência vivida fora desse espaço aqui, que foi trazida e modificada
pra linguagem. “Não, agora corta pra essa câmera aqui, fala só esse trechinho aqui e tal”. E
quando eu vi o resultado final eu fiquei muito feliz. As crianças, meus alunos, eu apresento
esse vídeo pros meus alunos, com muito orgulho, os vários vídeos de histórias, né, e eles
ficam “Professor, que legal. Essa é a casa que o senhor mora?” Eles têm aquela fantasia,
quando eu digo pra eles que o espaço onde a gente gravou que é uma salinha bem
pequenininha, eles ficam, caramba, essa é uma fantasia mesmo que as crianças tem, né. E aí,
acho que esse processo desses três programas são diferentes, cada um tem sua peculiaridade,
mas eu acho que o que une, o que tem de parecido entre os três é essa... é como cada um
desenvolve uma forma de pular essas limitações que a gente tem, seja de espaço, de tempo,
seja de comprometimento mesmo das pessoas, pra que o trabalho consiga se realizar. Porque
seja porque o tempo é muito longo e tem que permanecer a chama e retrazer aquilo que a
gente já ensaiou, seja porque o tempo é curto e tem que aproveitar já o que você já tem, então
são processos bem diferenciados.
CF: Quem realizava essa preparação, esses ensaios com os atores nesses processos era o
próprio diretor ou existia um preparador de elenco só pra essa função?
DM: No Geração Saúde a preparação de elenco era de Marcélia Cartaxo e na direção foi a
Daniela. No Ciência foi sua, né, Cely, foi assim, a preparação e a direção foi da mesma
pessoa. No de contação de histórias, acho que a direção foi de Valeska, e o trabalho que a
gente já fazia no grupo, com a direção de Valeska e de Guilherme Schulze, e como eu falei,
né, como eu experimentei muito contar a história fora dos ensaios, pra os meus alunos, então
de certa forma você vai também se trabalhando naquilo ali, né. Ah, isso aqui funcionou, isso
aqui deu certo, então vamos manter.
CF: Você teria alguma coisa a destacar de técnica ou processo de condução?
DM: O que eu posso dizer, assim, que, como eu falei, esses três processos que eu te falei
foram bem diferentes um do outro, todos eles de certa forma foram naturais, diante do seu
processo, foram... coisas que o processo foi encaminhando pra que fosse daquele jeito. Por
exemplo, isso do excesso... do excesso de tempo não, da quantidade de tempo que teve de
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preparação para o Geração Saúde fez com que, eu acho que o pessoal que tinha menos
experiência, os meninos, os mais jovens tivessem essa possibilidade de trabalhar mais. Então
enquanto que no Geração Saúde 2 o espaço do tempo que teve... do tempo que o projeto ficou
meio que parado, e eles aproveitaram pra trabalhar os atores, foi legal. Porque os atores
ficaram trabalhando, mesmo cansando, mas ficaram trabalhando. Enquanto no Ciência Aberta
a gente teve pausas muito grandes e aí a dificuldade foi recuperar aquilo que já tinha sido
trabalhado. Enquanto que nesse terceiro processo de contação de histórias, foi mais aproveitar
aquilo que você já tinha trabalhado, tudo aquilo ali, seja com a direção pra peça, seja com a
direção pra gravação mesmo, seja com as crianças. Então são três processos bem diferentes,
né, que mostram que as pessoas vão lidando com as dificuldades e solucionando da melhor
forma possível.
CF: Especificamente com relação à liberdade criativa, em que nível existia a liberdade pra
você interferir no que era proposto, pra você propor, pra você criar a partir de você mesmo,
para além daquilo que era colocado seja no roteiro seja pela condução do diretor.
DM: No Geração Saúde a teve uma coisa que eu achei muito legal, que logo no começo do
projeto eles trouxeram o roteirista, trouxeram muitas pessoas que já estavam envolvidas no
projeto. A gente se encontrou no hotel, a gente debateu sobre várias coisas, os atores falaram
coisas que tavam pensando sobre os personagens. Eu lembro de eu ter falado alguma coisa do
tipo, de um personagem que era tipo um novo rico, de que a alimentação dele não tava sendo
legal, que aquilo ali podia ser uma oportunidade de mostrar que muitas vezes a família,
quando ela tem.... quando ela muda, ela tá ganhando mais dinheiro, ela vai comprar coisas que
ela não tinha acesso, no caso como a gente tava falando sobre educação alimentar, né, aí vai
comprando comidas em fast food e que aquilo ali, essa mudança social ela também trazia uma
mudança na saúde da pessoa, na alimentação da pessoa. Eu me lembro que eu falei isso pro
roteirista e ele viu que era uma coisa de fato legal pra poder trabalhar no programa, e
terminou que entrou mesmo isso aí no programa. Então foram... esse trabalho... esses
encontros, de certa forma, foram ajudando, dando mais material pro roteirista, né. Também
pro Geração Saúde 2, eu, como fazia esse papel do... quando terminava o programa tinha a
parte do debate, né, e eu conduzia esse debate, eu fui convidado junto com a menina que era a
protagonista, que fazia a personagem que era portadora do vírus HIV, e um outro ator que
fazia o personagem, se não me engano o par romântico dela. A gente participou de um
encontro, que teve na Estação Ciência, sobre direitos sexuais de pessoas com deficiências.
Porque a gente trabalhava sobre isso aí. Então, de certa forma fez parte da preparação
também, pra que a gente tivesse esse conhecimento, né, do que tava... Pra mim foi muito
importante, porque depois eu ia estar conduzindo um debate onde ter essas informações era
bem precioso. Então pra mim foi bem legal. Então, teve esse encontro pra gente falar com o
roteirista, dizer o que a gente tava encontrando já nos personagens, né. Mais na frente, com
Marcélia, nisso da gente procurar trazer uma naturalidade pro texto, a gente também pôde
fazer intervenções no texto. E aí foi um momento de descoberta mesmo. E mesmo na hora das
gravações, a gente... como são vários elementos que vão entrando, cenário e tal...vai dando
espaço também pra que coisas sejam descobertas ali na hora de gravar. E eu acho que foi bem
natural e aconteceu bastante. No Ciência Aberta, acho que foi bem parecido com isso
também, isso de a gente procurar as marcações da cena, isso foi totalmente a junção de quem
tava conduzindo com quem tava sendo conduzido. Era uma coisa de se experimentar, “Vamos
ver aqui dessa forma”, aí a diretora vai, olha, “tá, vamos experimentar de outra forma agora”.
E aí eu acho que foi natural, aconteceu bastante também. Seja na questão de texto, seja na
questão de marcação de cena, tanto nos ensaios quanto nas gravações. Já no de contação de
histórias, a minha participação como ator na questão de contribuir pra uma reelaboração vai
muito disso de ter experimentado principalmente com as crianças, o que elas gostavam, o que
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era engraçado pra elas, e aí pegando aquilo aí, isso aqui vai funcionar então vamos colocar
aqui. Então foi mais ou menos por aí.
CF: Tem processos que... onde a gente recebe o roteiro, né, normalmente, não sei se a sua
experiência no cinema foi assim, mas eu acho que no cinema acontece muito isso, pelo
menos, pela minha experiência, você receber o roteiro e o diretor já ter a cena já desenhada às
vezes na cabeça, às vezes até já com o storyboad já completinho, ele já sabe quais são as
cenas, os enquadramentos, as movimentações que você vai fazer, muito bem definido, e há
processos em que isso é muito mais aberto, assim. Eu tou estudando agora a possibilidade do
ator enquanto co-criador, eu tou vendo que nos processos que eu participo é mais interessante
trocar com o ator do que chegar com uma coisa pré-definida, embora essa também seja uma
maneira de se trabalhar e que dá certo com muita gente, muitos diretores principalmente. Mas
eu queria que você falasse sobre o que você acha dessa possibilidade, como é que você vê
enquanto ator, se você... de repente um pouco da sua experiência, como foi, algo nesse
sentido.
DM: Eu vejo muito o diretor como uma pessoa que tá.... é isso, né... o diretor é aquela pessoa
que tá de fora, que não é plateia ,que sabe de todos os segredos, de todos os artifícios e que
quer, normalmente, ajudar pra que esses artifícios funcionem. O diretor tem que saber muito,
ele tem que conhecer muito do universo do ator também, eu acho que ele deveria conhecer
muito do universo do ator, pra poder até conseguir conversar com o ator, né, dizer pro ator o
que ele precisa. Então, como ele sabe esses macetes, ele tá la na frente, o legal é que ele possa
conversar com o ator, sabendo-se, como se ele pudesse se colocar no lugar do ator, porque a
comunicação vai ficar mais fácil. Eu acho que... pra mim... se fosse pra escolher entre um
processo fechado ou aberto, acho que o aberto ele vai exigir mais do ator, né, talvez, porque o
ator, se for fazer tudo fechadinho... eu já tive a experiência, por exemplo, no filme Três, as
ideias que Tomas Freitas tinha pro filme, acho que o filme ficou muito parecido com o que ele
tinha na cabeça dele, né. Então ele disse “Não, David, eu quero isso aqui... essa cena vai
passar por aqui, o personagem tá dessa forma aqui”. Então foi uma coisa muito de o ator ficar
como um bonequinho na mão do diretor, e eu acho massa porque o filme daquele diretor, é o
filme DELE, como também tem filmes daquele ator, né, você vai ver o filme não é pelo
diretor, você vai assistir pelo ator. Então, é diferente. Nesses processos aqui que a gente tá
falando, a maioria dele, todos ele, o ator ele teve essa participação, de poder fazer parte dessa
direção, de estar colocando suas ideias, como você vai se colocar. E como eu falei, exige mais
do ator, mas eu acho que... facilita também se tiver com o diretor junto. Vai facilitar porque
muitas vezes você não tem noção do que você tá fazendo. Você imagina que tá de uma forma
e tá de outra. É bem natural que o diretor é que tenha essa capacidade, ele tá nesse... ele tem o
privilégio de estar nessa posição, de olhar a coisa por fora, pra poder ajudar, porque muitas
vezes o que você tá imaginando que você tá fazendo não é o que você tá fazendo, né, a gente
tem ponto de vista diferente.
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APÊNDICE F – Entrevista V – Lúcia Serpa
Entrevista com a Profa. Lúcia Serpa, na UFPB, em 26 de julho de 2016, com 68 minutos de
duração.
Cely Farias: Gostaria que você me falasse um pouco da sua história, sua formação, como você
chega no teatro e na televisão.
Lúcia Serpa: Bom, eu sou gaúcha, formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
numa época, era início dos anos 80, que muitas coisas aconteciam dentro da universidade. Os
grupos de teatro nasciam dentro da universidade, então eram alunos que faziam ou direção
teatral ou interpretação e que acabavam trabalhando juntos. O curso lá de Teatro é muito
forte, ou pelo menos era na minha época, porque nós tínhamos muitas disciplinas. Eu me
formei em Interpretação Teatral, então os alunos faziam seis períodos de direção, aqueles que
estavam estudando direção, e os de interpretação faziam seis. Então nós nos relacionávamos
muito porque os alunos de direção dirigiam os alunos de interpretação. E isso era ótimo
porque a gente semanalmente estava fazendo alguma coisa, algum texto, algum trecho de
algum texto. Então a gente passava por todos os autores que você pode imaginar. Passar por
Brecht, Shakespeare, Garcia Lorca... você ia caminhando e conhecendo os dramaturgos e
experimentando as coisas. Só que essa vivência acabou saindo também de dentro dos portões
da universidade, dentro do prédio que a gente utilizava, porque esses grupos começaram a
fazer espetáculos e aí eu entrei numa forma de fazer teatro que, essencialmente, trabalha com
improvisação. Então eu trabalhei em vários grupos de teatro, lá em Porto Alegre, que
trabalhavam com a improvisação. E esses espetáculos começaram a ser apresentados na
cidade, no estado do Rio Grande do Sul, ou fora de lá. Eu me lembro que eu viajei com o
espetáculo chamado Bailei na Curva, que era um espetáculo que eu tinha sido autora junto
com outros também, a partir de improvisações, a partir de um roteiro básico do Júlio Conte,
que era o diretor e que era aluno de direção. E os atores eram alunos também, de
interpretação, do curso. E esses grupos que foram se formando lá foram fazendo espetáculos
muito potentes, a partir da improvisação, a partir da nossa própria vivência. Então nós
tínhamos um grupo que fez o Vende-se Sonhos, outro era Do jeito que dá, que era do grupo
que a gente tinha que fez o Bailei na Curva, e antes fez o espetáculo chamado Não pensa
muito que dói, e esses espetáculos foram saindo dos portões, foram sendo apresentados, foram
sendo premiados, e nós tínhamos uma grande turma no final das contas, de gente que fazia
teatro e pessoas que estavam muito interessadas na época em fazer televisão, em fazer
cinema. E o que aconteceu é que nós, os atores de teatro, viramos os atores também da
televisão e do cinema lá no Rio Grande do Sul. Isso no começo da década de 80. Então, eu me
lembro que no cinema começou com super-8, depois foi para os curtas metragens, depois a
gente chegou ao longa metragem. Nós fizemos um longa chamado Verdes Anos, que foi um
longa que acabou indo para o Festival de Gramado, foi para outros festivais no Brasil, ganhou
prêmio no Festival de Caxambu, e interessante porque ganhou um prêmio de interpretação
coletiva. Então era bonito porque nós estávamos ali cheios de amor e cheios de frescor
também, que a gente não sabia muito como era aquilo. Nós éramos atores de teatro, e como e
que ia fazer a transposição de ir para o cinema, na frente de uma câmera? Como é que você
vai aprender a atravessar a câmera? Que o que você tá sentindo, o que você tá falando tá indo
além de uma lente, tá chegando para o olho de quem está recebendo, de quem está assistindo
aquilo. Então foi uma grande escola para nós. E era uma época também que não tinha som
direto, a gente fazia o som e depois a gente tinha que dublar. E a gente tinha que ir para o Rio
de Janeiro fazer a dublagem. Então a gente fazia os filmes, ia pro Rio, pra fazer a dublagem
do filme que a gente mesmo tinha interpretado. Aí o que aconteceu foi que eu também acabei
196
tendo mais a experiência de dublar não só a mim, como a outros atores. Porque como nós
éramos um grupo que tava começando, a gente não tinha muito dinheiro pra fazer as coisas,
então não dava para todos os atores irem até o Rio de Janeiro pra fazer a dublagem dos filmes.
Então alguns atores começaram a ter essa experiência de dublar alguns outros atores que não
tinham ido. E isso foi ótimo porque me deu uma experiência de começar a trabalhar com
locução, trabalhar com dublagem. Eu acabei indo pro Rio de Janeiro, para um estúdio que
tinha que chamava Delarte, que ainda existe até hoje, pra começar a fazer dublagem também.
Só que aí eu resolvi que não queria ficar morando no Rio de Janeiro, acabei saindo de Porto
Alegre e indo morar em São Paulo. Mas nessa época, ainda em Porto Alegre, existia a TV
Educativa, que era muito forte, que fazia programas de poesia, programas que falavam sobre
cinema, ou que falavam sobre cultura, e nós éramos aqueles atores que viraram
apresentadores também. Então ou a gente fazia programas onde a gente estava apresentando
alguma coisa, ou fazia também cenas dentro de alguns programas. E aí a RBS, que é a afiliada
da Globo lá em Porto Alegre, também começou a fazer uns projetos especiais. Eu me lembro
que eu gravei um programa sobre poemas de Mário Quintana, e isso eram séries que
começaram a acontecer primeiro de uma forma mais assim, usando a literatura, aí depois
começou a ter roteiristas mesmo fazendo ficção, e acabou que a RBS virou um polo de
dramaturgia na televisão. Se você for hoje lá, ainda existem programas sendo produzidos lá e
que acabam utilizando muitos atores de lá. Então, acho que foi uma escola que a gente teve,
com a TV Educativa, com a RBS, com as propagandas de televisão – eu fiz também durante
muito tempo, em Porto Alegre, casting, que era chamar os atores para fazer as propagandas de
televisão e fazer os testes de ator. Então acabou me dando também essa experiência de saber
usar a câmera, a luz, a voz, e como estar na frente, como vender um produto, porque a gente
estava fazendo propagandas de televisão. E isso acabou me levando pra São Paulo e eu
continuei com o trabalho de locução, com o trabalho de propagandas de televisão, e que
acabou me levando também para outros tipos de programas como o Telecurso, que eu fiquei
dois anos gravando. O Telecurso foi gravado todo em São Paulo e era da Fundação Roberto
Marinho. A Fundação Roberto Marinho, que é da Rede Globo, já tinha feito um Telecurso
anterior e depois eu gravei o Telecurso 2000. Então tinha um grupo de roteiristas que faziam
as matérias do Telecurso e nós éramos os atores de São Paulo que fomos chamados, fomos
contratados para fazer o Telecurso. Então, no Telecurso eu tinha um personagem, que era a
Maristela, e era um personagem que não tinha tempo a perder, porque ela trabalhava de dia,
estudava à noite, então ela precisava saber as coisas de uma forma muito rápida e isso acabou
tendo uma agilidade, eu acho, na forma de gravar o Telecurso que foi muito interessante,
porque eu acabei fazendo várias disciplinas. Eu gravei História, Matemática, Português, e aí
eles chegaram num momento que eles tinham que gravar 50 programas de Física; e aí eles
foram ver quais os personagens que de repente ia ter mais agilidade pra fazer os programas de
Física, porque eles achavam que de repente era uma matéria um pouco mais difícil pra chegar
nas pessoas. E aí eles pegaram a Maristela, que era um personagem que já vinha, pra gravar.
Então eu gravei os 50 programas de Física dentro de uma Estação Ciência que tem lá em São
Paulo. E foi uma experiência muito legal porque como eu vinha muito da improvisação, e
quando você está fazendo pelo menos uma propaganda de televisão, quando você tem um
tempo muito curto, você não pode improvisar muito. A não ser que você esteja fazendo uma
novela, você esteja fazendo um filme, onde o diretor tenha como forma de trabalho essa
liberdade que se dá ao ator porque ele tem o tempo, ele tem de repente “rolo de filme” (na
época era assim) disponível para que o ator pudesse improvisar mais. A gente tem isso, até
hoje, diretores que dão esse espaço. Mas, vamos dizer, pra gravar um Telecurso, não tinha
muito esse espaço de improvisar alguma coisa. O texto era aquele, então vamos lá. E deu uma
agilidade porque não tinha muito tempo pra fazer as coisas e eu gostava de fazer rápido
também. Então assim, eu lia uma vez, lia uma segunda, vamos gravar. Eu gostava de ler na
197
hora, não era daquela que ficava decorando antes. E tinha uma coisa também muito
relacionada à câmera, o meu personagem falava muito com a câmera. Tinha a relação, tinha o
diálogo, mas tinha uma triangulação que acontecia muito. Porque ela comentava coisas pra
câmera, ou ela falava diretamente pra câmera. Isso acho que também deu um conhecimento
de como é que era ultrapassar um pouco essa câmera. E, nas aulas de Física, eu dizia “pô, mas
eu não vou conseguir simplesmente decorar isso e falar um texto, porque eu quero que a
pessoa entenda o que eu estou dizendo”. Então eu pedia pro professor me mostrar a
experiência. Aí ele me mostrava a experiência, ele me explicava como é que a coisa acontecia
e eu dizia: “entendi, vamos gravar”. E aí eu tinha que contar para a câmera como é que era
aquela experiência, como é que eu tinha entendido aquilo porque eu achava que ia ser a forma
melhor pras pessoas entenderem. Se eu ficasse muito presa no texto, eu achava que eu ia ficar
um pouco recuada, no sentido até de um pouco tímida em relação a câmera, porque de repente
eu estava insegura de não saber exatamente o que eu estava dizendo. Então aconteceu uma
coisa de deixar um pouco uma liberdade, me deram uma liberdade para que eu pudesse
contar. Então algumas pessoas me perguntaram “então você sabe Física, você é professora de
Física?” e eu disse “não, eu aprendi ali na hora as experiências”. Mas eu tinha que achar uma
forma mais coloquial possível, porque esse instrumento que a gente tem – a televisão – acho
que até o cinema é um pouco mais mesmo, onde menos é mais, que foi a minha dificuldade
primeira quando eu fui fazer cinema pela primeira vez. Era uma atriz de teatro, e atriz de
teatro cheia de gestos e expressões, e movimentação, ainda mais vindo de uma escola de
improvisação, em que você tem uma liberdade de ir, então o corpo inteiro está a serviço. E aí
quando você chega no cinema, você tá ali, você vai dizer o diálogo, é rápido, e quanto menos
você fizer, você vai passar. E eu achava que aquilo não ia dar certo no começo – “não vai dar
certo isso, eu não estou fazendo nada!” – a sensação que eu tinha é que eu não tava fazendo
nada. Só que daí o que acontecia era que a câmera estava no teu olho, ele tava no teu rosto, ele
tava na tua emoção, ele não tava pegando a tua boca mas o que tu tava falando porque o olho
tava transmitindo também. E aí era ótimo porque a gente via os copiões. A gente não podia
ver na hora, como uma câmera de televisão. E na época também as câmeras não tinham um
visor, tinham um monitor mas não dava muito pra ver. Então, filmava-se muitas coisas e
depois mostravam o copião, mesmo sem som, pra gente. E isso foi uma experiência
maravilhosa, de olhar e dizer “Olha, é mesmo! Eu não tava fazendo nada mas tá parecendo
que eu estava, ali”. E eu acho que tem uma questão da presença também, muito forte. Você
tem que estar presente naquele frame, você não pode dispersar em nenhum momento porque a
câmera capta. Ela pega que você foi embora, que você pensou em outra coisa, que você não
tava olhando pra pessoa, que você não tava dizendo diretamente pra alguém. Então você
começa a lidar com outro universo. O teatro era aquele espaço cênico onde eu podia fazer o
que eu quisesse, em que meu pé ia estar interpretando também. Uma coisa bem Grotowski
isso – o pé, o joelho. Então, mas eu estou lá, estou inteira. E, de repente, não, o cinema tava
ali, ou a própria televisão assim: “eu tou pegando teu rosto só, eu não estou nem pegando teus
braços, eu não tou pegando teu gesto. Ou: “agora eu tou pegando a tua mão, agora a gente vai
fazer um da tua mão indo em direção a...” Então você vai aprendendo a ter uma
expressividade detalhista, sabe? É a expressão de um detalhe, a expressão de uma sobrancelha
que levanta, de um olho que vai pensar numa coisa e aí você começa a lidar com coisas tuas e
das pessoas também, que quando você não tá na... (por exemplo) Uma memória, quando você
quer lembrar alguma coisa, você olha pra cima ou você olha pra baixo. Pra onde vai o teu
olhar? Já que tem uma questão que é uma verdade que precisa estar muito no teu olho.
Quando eu fui fazer televisão também a sensação de uma naturalidade, de você entrar numa
coisa naturalista que, de repente, no teatro você não tem tanto, você tem uma coisa um pouco
mais formal, você é realista. Mas na televisão, na câmera que tá te pegando, você tem que ser
o mais natural possível, porque senão fica esquisito. E isso eu me lembro que se dizia muito
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na época que eu comecei a trabalhar com o teatro, de dizer “Ah, aquele ator é teatral demais”.
O ator que estava na televisão mesmo, “Ah, ele é teatral demais, tem uma impostação na voz,
na forma de falar, no gesto”. Daí como é que é você tirar isso, se é a tua escola, se você
aprendeu dessa forma, entendeu? Você é esse ator que de repente... Mas acho que traz uma
experiência muito gratificante, que eu acho que eu fui acreditando muito mais nela. E é doido,
porque eu sou professora hoje de teatro e eu acredito cada vez mais que o próprio teatro
também pode ser menos. Porque de vez em quando eu acho que existe um exagero. É claro,
depende do gênero que você está trabalhando. É óbvio que se eu for trabalhar num
melodrama, no teatro, eu vou fazer um gesto enorme, eu vou usar uma expressão e tal, mas
quando eu simplesmente quero dizer um texto, quando simplesmente eu estou numa casa que
é a minha, você não precisa fazer tanto quanto eu acho que os atores querem. Eu acho que tem
uns egos que se mostram, ou querem se mostrar, que eu vejo que a experiência com o cinema
e com o teatro me deu essa possibilidade também de chegar ao outro de uma outra forma.
Talvez um pouco mais natural, verdadeira. Apesar de que eu sempre achei que no teatro é que
eu encontrava a verdade maior. Eu ainda acredito nisso, porque é a presença, entendeu? É o
ator direto com o público ali. Então eu acho que ali está a verdade maior. Mas eu tou falando
meio de gesto mesmo, de interpretação, de formas de interpretar, sabe? Eu acho que a
experiência com a TV e o cinema me deu possibilidades, assim. Apesar de que, se você
conversar, provavelmente, que eu acho que você já conversou com muitos atores, vão falar
que são coisas completamente diferentes. São. São diferentes. Mas eu acho que, talvez, depois
da experiência com cinema e televisão, que não é muita, mas que foram muitos anos fazendo,
a minha forma de estar no teatro também mudou. Eu vi que eu podia, que a minha mão podia
trabalhar de uma forma diferente, que eu podia quase levar o público como uma câmera. Se
eu quero que eles olhem para a minha mão agora, então eu faço com que eles sejam o olhar da
câmera, que venham para a minha mão. E aí você aprende a fazer a própria triangulação
também, mais, porque você vem pra mão, você olha, você olha de novo pra pessoa para levá-
la a olhar o que eu estou olhando, ou o que eu estou percebendo, ou o que estou sentindo ali.
Eu acho que é uma questão de concentração. Eu acho que o cinema e a TV é uma coisa que se
você está na frente de uma câmera você tem que concentrar algo que você vai passar em
muito pouco tempo. E de repente no teatro não, eu tenho uma hora, uma hora e meia, eu tenho
duas horas pra passar o que eu quero passar, sabe.
CF: Você falou sobre o Telecurso 2000 . Além deste e da publicidade, em televisão você fez
mais algum programa que utilizasse ficção?
LS: No próprio Telecurso teve uma experiência também muito interessante que eram aulas de
História. E que dentro da aula de História apareciam umas cenas da época. Então é “Esta era
sua vida”. E foi muito interessante porque era só eu e outro ator, que era o José Rubens Xaxá.
Éramos nós dois apenas fazendo um casal em vários períodos da história. Então, no Egito, na
Grécia, em Roma, na Idade Média... Então, primeiro nós fazíamos uma caracterização de
personagens, que era bárbara porque era rápida, na hora pintavam o meu cabelo com corante e
tal, botavam o cabelo pra cima, pra baixo, tipo de roupa. E aí tinha o cenário específico
daquela época, e nós entrávamos e fazíamos um casal que atravessava essa história. Fazia um
casal que, vamos dizer: na Grécia, como é que era o homem e a mulher naquela época. Em
Roma já era diferente, na Idade Média, no período Romântico, como é que era. E daí foi lindo
porque foi uma ficção dentro de um programa que era o Telecurso. Foi muito legal, porque
era a criação de personagem também, e você tinha que ter uma rapidez, que você lia qual era a
cena, como é que era a situação, que mulher era aquela, que de repente era subjulgada ao
homem na Grécia, que saía pra fazer as coisas mas ela ficava lá, em casa, ou só tratando da
beleza. Então, como é que era aquela mulher, que personagem era aquele. Então rapidamente
nós dois conversávamos, a gente ensaiava uma vez a cena, já pra encontrar esses personagens,
199
e “vai, grava”. E foi interessante porque era no Telecurso, aparecia até uma cortina que se
abria, onde acontecia a cena. E teve outros momentos também. Eu fui contratada pelo SBT
durante um período porque eu ia gravar uma novela, que na época era uma novela escrita pelo
Flávio de Souza, que é um dramaturgo de São Paulo, e que ia ser uma comédia. E já
contrataram, eu me lembro que na época contrataram eu e a Beth Coelho, que é uma outra
atriz lá de São Paulo. E a história da novela era bárbara, que era a Rita Lee ia ser uma cantora
de ópera, que ia morar numa mansão, a Mariza Orth ia ser a governanta da casa e eu ia ser a
empregada atrapalhada que estava sempre em conflito com essa governanta, e apaixonada
pela cantora de ópera. Já tinha o roteiro, a história era muito interessante, e até hoje eu não sei
porque que essa novela não saiu, não aconteceu. Só que alguns atores ficaram contratados
pelo SBT. E aí eu pude gravar alguns episódios de um programa na época que se chamava
“Justiça dos Homens”. E era um programa que... era a imitação do “Você Decide”, que tinha
na Globo. E aí no SBT tinha esse Justiça dos Homens, que era uma história e essa história, no
final o público decidia qual seria a conclusão, o desfecho dele. Então a gente gravava mais de
um final, porque ia ser escolhido na hora. E isso foi interessante também, porque foi uma
experiência de eu estar com alguns atores também de televisão, de teatro e de cinema, que
eram já conhecidos, e eu tava começando. Eu sempre me senti começando alguma coisa,
sempre quando eu chegava em algum lugar novo, eu trazia um pouco essa ideia, essa coisa de
aprendiz. Eu acho que nós todos deveríamos ter mais isso, de estar mais aberto a receber e a
aprender alguma coisa. Então eu ficava vendo aquelas pessoas já, com anos de carreira. Como
é que um Othon Bastos, um Stênio Garcia, entendeu, umas figuras, como é que eles
interpretavam e simplesmente estar ali, fazendo. E aí foi muito bom, assim, fazer esse
trabalho de ficção porque era construção de personagens, eram personagens pequenos, mas
que acho que valiam como experiência. Foi bem interessante. Mas é muito diferente o
processo de criação, porque no teatro você tem meses... e eu ainda venho de uma escola, de
uma forma de trabalhar com grupo de teatro que a gente ficava nove meses ensaiando um
espetáculo, era uma gestação um espetáculo pra você fazer. E quando você vai fazer um
trabalho de ficção, esses que são personagens menores, eu nem lia antes o roteiro, eu chegava
lá, eu recebia na hora muitas vezes. Então você não tem esse tempo de construção, de
maturação de alguma coisa. A não ser que você vá gravar de repente uma novela ou um
seriado em que você tem esse mesmo personagem se colocando em situações diferentes. E aí
sim, você vai amadurecer esse personagem, você vai cada vez mais tendo conhecimento dele.
Ele faz parte de você, você conhece e você vai desenvolvendo ele através das situações em
que ele se coloca. Mas quando você vai gravar de repente um único episódio de alguma coisa,
você tem aquilo e muitas vezes você vai gravar cenas de um, dois, três dias no máximo. Claro
que no terceiro dia você sabe mais do que no primeiro dia, porque ele já se colocou em
situações diferentes, ele já dialogou com pessoas diferentes, ele já sofreu alguma coisa, ele já
teve que passar de um ponto pro outro. Aí sim, você desenvolve algo, mas é uma coisa muito
menor quando é um. Teve um episódio que eu gravei em um único dia. Então não teve nem
tempo de pensar, o personagem é esse, ela trabalha aqui nesse lugar, ok, vamo lá. E muito
plano close, muito aqui, plano americano, primeiro plano, e não tem muita coisa. Aí abre, ok,
e você tá lá fazendo alguma coisa, mas aí é tudo muito rápido. E eu não tive essa experiência,
no final das contas, de fazer uma coisa de longa duração. No cinema ainda, como no caso de
alguns filmes que foram feitos, ou nos longas que foram feitos ainda na época de Porto
Alegre, você ainda tinha vários dias de filmagem, você não filmava tudo num dia. Então você
filmava uma cena num dia, três dias depois você ia filmar a cena anterior àquela, muitas
vezes. Porque também existe isso: não existe uma sequência, muitas vezes, você filma ou
você grava as cenas que tem naquele cenário. Então, você tem que ter na cabeça a história
inteira, muitas vezes. E você tem que saber a história. E aí você tem que conversar com o
diretor, ou com quem escreveu, alguém, que você sabe pouco a história daquele
200
personagem.porque muitas vezes você gravou num cenário uma série de cenas e aí depois
você vai gravar ou filmar uma cena que foi antes, ou uma cena que foi depois. Então você tem
que ter a figura dentro da tua cabeça, o personagem dentro da tua cabeça e vai.
CF: Você falou um pouco sobre esse tempo de preparação ser muito curto nos trabalhos que
você fez. Normalmente você lia o roteiro poucas horas antes ou na hora de gravar, ensaiava
ali com seu parceiro ou com quem mais estivesse na cena com você e gravava. Não existiu
então um processo de ensaio, ou de preparação mais prolongado antes das gravações, antes do
dia de gravar?
LS: Em alguns filmes, até por isso, imagina, se a gente pensar década de oitenta, década de
noventa, não se existia nem uma coisa muito digital, e não existia essa possibilidade de você
fazer várias vezes. Então a gente tinha a experiência de ensaiar muito mais a marcação,
principalmente para o diretor, para a luz, para o som. Então você marcava, você ensaiava mais
de uma vez e fazia, porque no máximo você ia filmar uma vez, duas no máximo. Porque
realmente, você não tinha filme pra isso. Na televisão já era mais simples, porque você podia
gravar novamente a cena. Então, eu me lembro de ensaiar também, eu fiz um trabalho
também no, acho que era SBT, aquilo que era uma novela chamada “Carmem”, e que foi
dirigida pelo Luiz Fernando, que hoje está dirigindo “Velho Chico”. Acho que era até começo
de trabalho dele, assim. Mas ele já era muito interessante a forma como ele trabalha, porque
ele ensaiava, ele ensaiava umas duas vezes, assim pelo menos aconteceu isso comigo. Eu fiz
poucas cenas, porque eu fazia uma amiga da noiva do José, que era o personagem principal,
que era a paixão da Carmem. A Carmem era apaixonada por ele, mas ele tinha uma noiva e eu
fazia a amiga da noiva dele, que era a Júlia Lemertz que fazia, e eu fazia a amiga dela. Então
era uma cena sempre dela contando sobre ele e tal, então eram umas cenas assim na porta da
fábrica aonde trabalhavam, ou dentro de casa fazendo as unhas. E eu me lembro de uma cena
que aconteceu, que a gente ensaiou duas vezes e tava ótimo, e aí na hora de gravar eu fiz
diferente uma coisa e ele não gostou. Ele fez eu refazer do jeito que eu tinha ensaiado e eu me
dei conta que o jeito que eu tinha ensaiado era menos, era algo que eu não tinha dado uma
pausa, que eu não tinha dado um tempo de olhar pra ela e perceber algo, era uma coisa que eu
tava mais na própria função do que eu tava fazendo ali, eu tava lixando a unha, fazendo a
unha, olhando pra unha e não tava muito ligada nela e ela falando. E na hora de gravar eu
olhei pra ela, eu fiz uma relação com ela e ele “Não, você fez diferente, você fez de outra
forma, aquela outra forma tava melhor”. E só depois que eu fui pensar, e aí é uma coisa
importante também que o ator ele sempre seja consciente do que ele está fazendo, e eu acho
que o teatro nos dá muito essa possibilidade, esse aprendizado, de você ter uma consciência,
tanto que quando uma pessoa trabalha com improvisação ela faz e ela tem que saber muito o
que é que ela fez porque ela vai ter que refazer. Eu participei de um grupo de teatro que era
ótimo porque a gente tinha um escriba, que era um cara que ficava escrevendo um pouco os
textos que a gente falava e a marcação na cena, então era ótimo porque ele nos dava dicas
“você foi pra lá e tal”. Mas tiveram outros grupos de teatro que não tinha essa figura que
ficava olhando e anotando algumas coisas. Então o teatro deu essa experiência de ok, eu
improvisei mas eu sei o que eu fiz, eu sei pra onde eu olhei, o que eu falei, pra onde eu fui. E
eu acho que quando você tá no cinema, na televisão, você tem que saber o que você fez, qual
foi a tua motivação, qual foi a tua intenção ali pra que você tenha feito aquilo, porque muitas
vezes você vai ter que repetir. E aí existe a figura do diretor também, o diretor ele imprime o
que ele quer. O Luiz Fernando é um cara que é um criador, ele tá ali criando junto, dá pra ver
na forma como ele faz as novelas dele, o jeito que ele utiliza a luz, o jeito que ele utiliza a
música, o jeito que ele foca no ator, que muitas vezes vai para um close que a gente acha até
que não tava tão acostumado assim, e ele deixa, ele tem um tempo também diferente. Mas ele
tem uma coisa muito definida na cabeça dele, do que ele quer. Então, de repente, não sei
201
como ele está hoje também, porque isso faz muitos e muitos anos, essa experiência, mas eu
estou usando só ele como exemplo, mas existem muitos tipos diferentes de diretor e eu acho
que no cinema principalmente, é um trabalho muito de direção. Tem alguns diretores que são
assim, eu tenho uma amiga que é a Ana Muylaert, que faz os filmes “Que Horas Ela Volta”,
que eu acho que ela dá um pouco de liberdade, ela deixa o ator mais livre, mas tem outros que
não, tem outros que tem uma coisa tão definida dentro da cabeça que o ator não pode sair
muito daquilo. Mas eu gosto que acho que os atores tem esse poder, porque é ele que está ali
naquele momento. E eu acho bonito quando ele surpreende o próprio diretor, quando ele
surpreende porque o diretor fala assim “não, não, não, pera aí, parai, deixa, deixa, vai vai,
aproxima, vai no olho, vai lá, pega...” Porque ele tá vendo que o ator está ali potente, tá
entregue, tá com uma emoção, com uma verdade que deixa acontecer, porque é isso que vai
chegar no público, é isso que vai fazer o outro se emocionar junto também. Então eu acho que
essas relações do diretor, do cara que faz a luz, do cara que faz a fotografia no cinema, numa
televisão, tem uma relação que deve ser estabelecida de um jeito muito legal, a gente tem que
estar junto, sabe, porque senão fica uma coisa fria, fica uma coisa meio formal que muitas
vezes o cara que olha sabe que tem alguma coisa errada mas não sabe exatamente o que de
errado, mas tem alguma coisa que não prende a atenção, o olhar do espectador, sabe.
Eu acho que ele (Luiz Fernando) tem uma busca estética também muito potente, uma coisa
muito poderosa. E eu acho que essa busca estética dele acaba também tendo como é que é a
interpretação desse ator. Tinha uma novela dele, que eu acho que era “Meu Pedacinho de
Chão”, que eu acho que ele deu ali uma possibilidade muito legal dos atores de televisão
construir um personagem. Porque não era uma coisa naturalista, e é bonito de ver quando uma
coisa é diferente porque é possível fazer algo, entendeu? De construir um personagem
mesmo. Porque tem uma coisa conjunta, né. O ator está dentro de um contexto, que aquele
cenário é importante, o figurino que ele tá usando é fundamental, a luz que tá sobre ele, tudo
tá muito junto, ele tá fazendo parte daquilo. Tem um pertencimento naquilo. Como é que é
entrar no universo? Acho que tem alguns diretores que tem mais facilidade de passar pro ator
que universo é esse. Porque é um universo que tá na cabeça de uma pessoa, e que quando ele
vai transpor ele pode conseguir transpor exatamente do jeito que ele pensou mas muitas vezes
não. E aí ele também tem que adaptar junto com esse ator, junto com esse cenário, com esse
figurino, pra mostrar “é esse o universo”. E acho que tem muitos atores na televisão que não
estão nem aí pra esse tipo de coisa, sabe? É folhetim mesmo. Vai, tá lá, é a casa, o cenário das
casas e... vai. E aí eu não sei também, hoje em dia eu já não vejo mais tanto novela, acho que
antes eu via mais, até pra ver os amigos também, mas hoje eu não tenho mais muito esse
tempo pra televisão. Eu não sei também se as interpretações não estão se perdendo um pouco.
Que pode ser qualquer coisa, a não ser quando o diretor tem muito definido um universo. Mas
aí é uma opinião minha de olhar dizendo “Pô, a pessoa tá achando bom isso?” Até pra um
olhar do público, assim, de olhar (e dizer assim) “Pô, o pessoal adora esse ator, deixa eu olhar
pra ele”, daí eu disse “Pô, o que será que tá passando pra esse público que... ah, tá achando
engraçado”. Mas muitas vezes um engraçado é uma coisa meio histérica, muitas vezes,
porque é uma coisa (), uma coisa de alguém que não para de falar. Eu acho que essa relação
com o público também dá um formato de interpretação que acaba funcionando, que acaba
caindo no gosto do público e muitas vezes os atores repetem isso. É só uma reflexão sobre se
existe essa mudança numa interpretação, sabe, pra televisão, nas novelas, vamos dizer,
“normais”. Apesar de que existe uma dramaturgia que eu acho interessante, na Rede Globo
mesmo, que é a dramaturgia que eles conseguem nas minisséries deles, que eu já acho que é
diferenciada. Até acho que existe um tratamento de cinema, até pela textura, da câmera que
eles utilizam, na forma como eles colocam a luz. E aí eu acho que cabe uma interpretação dos
atores um pouco mais intensa, vou usar essa palavra, porque é um pouco mais intensa do que
202
uma coisa de novela que é muito (), que é uma coisa meio na superfície das coisas, sabe. Mas
aí é um olhar de fora, que eu tou olhando, mas eu fico refletindo se existe uma mudança, e eu
acho que essa mudança também acontece muito por um produto que é vendido pra um público
porque tá assistindo e que se identifica ou gosta muito mais de uma comédia, vamos dizer. E
aí vai gostar desses atores histriônicos, que fazem esse tipo de persona, que é a repetição de
um personagem único, que ou fala demais, ou tem uma voz gasguita xis e tal, e que cai nas
graças do público, então isso é repetido. E aí muitas vezes eu acho que se perde um ator
cômico que constrói um personagem, e que faz aquele personagem acontecer, e é pelas
situações em que o personagem se coloca que é engraçado, ou pelo tipo de voz que ele faz, o
tipo de reação que ele coloca. Eu tenho um certo receio só de que se perca um pouco, assim,
essas construções, porque eu acho muito bonito de ver construção de personagem.
() Mas é que faz muitos anos, olha só, eu comecei a fazer televisão em 1981, antes de entrar
na Universidade. Eu entrei na Universidade em 82, mas em 81 eu já comecei a gravar uns
comerciais, umas locuções e uns programas na TV Educativa. Porque eu já fazia teatro e tal.
Aí durante a universidade que começou mais. Então, a coisa de falar era coisa muito simples,
muito fácil, se me pergunta uma coisa isso já me leva a fazer outras relações e aí eu vou
acabar contando um monte.
() A TV Educativa, na década de oitenta, ela era muito interessante, era o lugar onde nós
atores tínhamos trabalho também. Porque era o lugar onde se faziam programas ou de ficção,
ou de ensinar coisas, e que os atores eram chamados pra fazer. Então, um trabalho de
contação de histórias já existia, ou muitos programas culturais, onde ia se falar sobre o que tá
acontecendo na cidade, de teatro, de dança, de música, e aí se entrevistavam as pessoas, ou as
pessoas iam pra lá. Ou tinha um tema também que ia se falar, aí convidavam um músico, um
ator, um diretor, pessoas ligadas de lugares diferentes pra falar sobre aquilo. Então a TV
Educativa era um pouco a casa da gente, na década de oitenta. E a gente podia levar ideias
também “Vamos fazer um programa que fale sobre isso, sobre aquilo. Eles aceitavam, eles
ouviam, tinha espaço, eles produziam coisas, imagina. E aí depois a TV Educativa começou a
morrer, começou a não ter mais patrocínio, subvenção, eu não sei o que acontecia. E era uma
coisa do governo, eu acho.
CF: Era essa minha pergunta, se a TV Educativa era pública.
LS: Podemos ver, eu posso saber como é que era a Tv Educativa, porque eu já não lembro.
Até porque eu me lembro que eu tinha vários amigos que eram apresentadores de programas
educativos.
CF: Eu vejo uma certa semelhança, guardadas as devidas proporções, com a nossa TV
universitária aqui, que tem um foco mais educativo e também cultural, esse espaço para
experimentações, proposições estéticas, sabe.
LS: Sim. Que é uma coisa que depois em São Paulo a TV Cultura fez. A TV Cultura ainda se
mantém, mas também na década de noventa, que foi a década que eu tava em São Paulo, era
muito forte a TV Cultura. Porque era o lugar onde a gente também podia eh... mostrar os
trabalhos da gente, onde a gente podia falar sobre, participar de programa, tinha programa de
auditório, tinha o “Castelo Rá Tim Bum”, tinha “ O Mundo da Lua”, tinha programas infantis
que eram produzidos lá, com atores de lá. Que era uma coisa que eu acho que a TV Educativa
começou a fazer, depois ela foi perdendo espaço. A TV Cultura foi super forte e foi uma
grande escola também pra muitos atores, e que hoje em dia não tem tanto esses programas, né,
acho que infantis assim. Tá passando mais desenhos e tem os programas mais... ahn...
203
“Metrópole”, e tem alguns programas, o “Roda Viva”, né... que se mantêm. Mas foi muito
forte pra nós todos dessa geração, né. ()
Eu acho que tem uma coisa muito nociva também que é quando as coisas ficam
monopolizadas. E acho que é uma coisa muito, eh..., chata que acontece, pelo menos eu vi
acontecer da década de oitenta pra agora, que existiam coisas produzidas nos seus/ nos seus
estados. Então, eu vivi o que o Rio Grande do Sul produzia. E era muito forte, era muita coisa,
era bonito,era... dava emprego e trabalho pra muita gente também. E de construção de uma
dramaturgia também, de utilização de textos do Érico Veríssimo, de autores locais também. E
no momento que, de repente, São Paulo e Rio de Janeiro eles sempre tiveram um monopólio,
assim, uma concentração de que a arte e as coisas saem de lá e que são conhecidas de lá,
porque a visibilidade é de lá, as coisas também começaram a ter menos possibilidade de você
fazer essa criação regional. Eu sei porque eu tenho amigos que continuaram e lutaram
arduamente pra que se mantivesse um polo de dramaturgia no Rio Grande do Sul, e essas
pessoas foram perdendo a luta, e foram saindo da televisão, e isso começou a se desmanchar e
as coisas voltam a ser concentradas em algo. E eu acho isso uma coisa bastante nociva,
porque vamos combinar, o Brasil é imenso, as culturas são muito ricas e diferentes. Pega um
Rio Grande do Sul, pega o Maranhão, pega o Acre, pega a Bahia, pega o Espírito Santo,
Goiás, quer dizer, tem muitas coisas interessantes pra que a gente possa ver e vivenciar. E
porque a gente só tem que olhar esse Brasil num telejornal, muitas vezes, que vai mostrar a
praia legal que fica ali, uma coisa específica pra mostrar turisticamente o que é. Não, mas qual
é o poder de um povo, a cultura dele, né, o que ele tem pra mostrar, e tem coisas riquíssimas
de manifestações culturais que são feitas e que não se fazem programas, não se fazem coisas
que, de repente, tão no cinema, na televisão, de uma forma mais contundente, que o público
possa ver. E as coisas são massificadas, ou são concentradas de novo num poder X ali. Eu
acho uma pena, de a gente não poder ver a riqueza cultural do Brasil na sua forma total, sabe.
Que essa televisão desse visibilidade a isso, às pessoas, os artistas locais.
CF: Sobre, voltando um pouquinho lá atrás, sobre os modos de produção, já que você teve
experiência na TV pública e na TV comercial, você percebe as diferenças?
LS: Eu nem se é por uma questão só disso, ou é também uma questão do tempo em que as
coisas aconteceram, assim. Mas é muito... se eu olhar, eu posso olhar dizendo “As coisas que
eu fiz que são ligadas a um... sei lá... ao poder público, vamos dizer, uma TVE, a TV Cultura
que era de uma Fundação, era uma coisa particular, mas também... existia uma liberdade de
você fazer coisas diferentes. Tanto que muitos artistas que hoje são diretores de cinema ou
diretores de TV passaram por TVs como essas e foram roteiristas, quer dizer, a própria Ana
Muyaert que eu falei era roteirista dos programas da TV Cultura. E outros tantos, o Cao
Hamburger era diretor na TV Cultura e depois vai dirigir filmes e tal. Eu acho que existia um
espaço pra poder criar coisas, construir coisas. Já na TV aberta, nessas TVs conhecidas, as
coisas são fechadas, as coisas são engessadas, muitas vezes. Você tem aquilo, são produtos.
Eu acho que no outro tipo de TV também era um produto, mas eu não sei também, por isso
que eu falo do tempo, eu acho que as coisas também foram se intensificando, eu acho que
cada vez mais é uma indústria, são empresas e que querem lucro, e que as coisas são produto
vendável ou não. Pode ver porque de repente um ator chega pra Rede Globo e vende um... eu
“quero fazer um programa, eu quero fazer”. Ele tem que ter um nome já grande e ser muito
popular pra ele receber aquele espaço pra fazer um programa X. Mas mesmo assim, se não
cair nas graças do público, só tem uma temporada, é retirado. Eu me lembro de um programa
que, eu não cheguei a ver todos mas eu vi alguns, que eu vi dali uma luzinha, assim, que era
um programa que o... eh... acho que se chamava “Os Experientes”, que era um programa que
teve, acho que às sextas-feiras, ahn... na Globo, e que era um, eu não sei se vocês viram esse
204
programa, tou tentando lembrar, mas era um programa que foi produzido pela O2, que é uma
produtora de São Paulo, do Fernando, que já tem um nome, né, porque virou diretor de
cinema, conhecido e tal, e ele fez esse programa pra... ali eu vi uma luz, eu disse “Ah, é
possível”. Mas, você vê, foi uma... uma... um número x de programas que foram feitos por
uma produtora fora de, da Rede Globo, passou e sumiu, desapareceu, ninguém fala, muitos
nem viram, nem assistiram. Eu assisti depois porque tem episódios que tem atores e
interpretações fantásticas. E aí então existe a possibilidade? Existe. Não existe muitas vezes a
vontade de, de fazer algo diferente, entendeu. Eu acho que com o trabalho das minisséries eles
também abriram essa possibilidade, de uma nova dramaturgia, diretores de cinema que foram
dirigir coisas dentro da Rede Globo. Eu acho que existe a possibilidade sim, mas eu acho que
existe a grande parcela, que é a novela das seis, das sete, das oito, que já tem um formato X,
de um jeito tal, a das seis vai ser mais romântica, a das sete vai ser mais engraçada, a das oito
vai ser mais densa, e que eles mantêm anos a fio isso. Então, eu vejo uma coisa muito mais
fechada, mas repito que eu acho nocivo uma coisa ser monopolizada assim, em ficar muito em
cima de uma história e de um lugar. Eu acho que eu me perdi um pouco nessa fala (risos). Eu
acho que eu fui... porque eu fiquei tentando lembrar se era esse mesmo o nome dos
experientes e tal...
CF: Me fala um pouco do enredo de “Os Experientes”.
LS: Eram histórias separadas. Cada história era uma coisa diferente, mas era sempre trazendo
velhos. Os personagens principais sempre era um velho. Então, tinha um que era um menino
que vai... que vai num banco pra assaltar e é uma velha que vai ajudar ele. Tem uma que é a
Selma Egrei que faz uma velha que o marido morre e ela tem dois filhos, e aí os filhos ficam
em cima dela achando que ela tinha que morrer junto, entendeu, que tinha assim que ficar de
preto e tal, e ela disse “Não, graças a Deus esse homem morreu, porque eu não aguentava
mais e eu quero viver”. E ela começa a ter um caso com a vizinha dela, que é a Joana Fon.
Assim, são bem dirigidos, bem interpretados, com umas histórias muito interessantes. Tem
um que é o Juca de Oliveira que faz. Ele pegou e deu espaço pra atores velhos fazerem. E
roteiros muito bons. E foi tudo feito em São Paulo.
CF: Algumas séries de Tv são produzidas, são co-produzidas por produtoras como a O2 e
outras, né? Eu vejo que algumas séries tem essa parceria.
LS: Eu vejo mais isso acontecer na GNT, no Multishow, eu vejo mais ainda. A Conspiração
Filmes, lugares serem contratados para fazer programas específicos pra Globo, porque a
Globo que é dona desse lugares, né. Mas na Rede Globo, vê, eu acho que nessas minisséries,
eu acho que elas tem essa coisa mais artística, eu acho que é porque elas passam por aí
também, com as parcerias.
CF: E tem uma coisa também, eu tava conversando com Luiz sobre isso, Luiz Carlos, que é...
as minisséries elas vem, assim pra o ator, né, pra construção do ator, elas vem com uma
história com começo, meio e fim, né. Dá pra se trabalhar em cima de uma coisa que você sabe
o que é. As novelas não, elas são abertas e aí elas vão mudando com o tempo. Às vezes um
personagem muda completamente de personalidade no meio da novela, né. O que era mau,
fica bonzinho, o que era bonzinho fica... enfim. Tem essa coisa aí também que eu acho que
deixa um pouco instável.
LS: Você tem toda razão. A novela tá à mercê do público. O público não gostou de um
personagem, tiram da novela. E o ator quando ele tá fazendo ele não sabe qual é o fim do seu
personagem, ele não sabe o que vai acontecer. E essas minisséries são obras que tem começo,
205
meio e fim, são muito melhor pro ator. Você sabe o que vai acontecer e não tá à mercê do
produto que vai ser mostrado, entendeu. Se vão gostar, se não vão gostar, é aquilo ali. E aí
foram produzidas coisas muito interessantes, muito bonitas.
CF: O próprio Luiz Fernando, com “Hoje é Dia de Maria”.
LS: “Hoje é dia de Maria” é lindo. Acho que ali teve um marco, uma mudança. E ali foi
permitido. Eu acho que o Luiz Fernando, a gente acaba repetindo muito ele porque ele
conseguiu um espaço dentro de um lugar muito engessado, dentro de um lugar muito
poderoso e ele conseguiu um espaço de criação. Ele pode criar e isso é ouro. E aí os atores
que trabalham com ele são felizardos também porque podem criar junto, podem fazer parte
dessa construção.
CF: Bem, Lúcia, eu acho que a gente já conseguiu contemplar tudo que eu tinha aqui de
pergunta pra você. Se você quiser colocar mais alguma coisa.
LS: Não, eu acho que a única coisa, assim, que você falou da TV UFPB, que eu ainda não
tenho contato muito com ela, mas eu fico vendo e ouvindo algumas coisas e eu vibro muito
pra que ela consiga dar um espaço, sabe, pra os artistas pras pessoas que fazem parte dessa
universidade também, que tão aprendendo e que seja um espaço de experiência pra que essas
pessoas também possam fazer coisas assim. Porque eu acho que tem muita coisa pra ser feita,
sabe, pra ser falada, pra ser dita. O que você quer passar? Sabe, eu acho que de vez em
quando também se perde um pouco isso. Se fazem uns produtos por fazer, mas tá dizendo o
que exatamente? O que você quer transmitir, sabe? A gente te um veículo muito poderoso, ou
um filme, né, até ver o sucesso que o filme “Que horas ela volta” fez, foi um sucesso
estrondoso por quê? Porque falava de uma... de um tema de uma divisão de classes no Brasil
de uma forma extremamente simples e que bateu no gosto, as pessoas se identificaram. Eu
acho que essa é uma palavra também que acaba... no teatro a gente traz muito porque tem
coisas que fazem sucesso porque existe uma identificação, e o que a gente está fazendo
também pra que a gente transmita umas coisas melhores também, sabe, um bem que tá
precisando, assim, sabe, ser transmitido pro coração das pessoas. Eu acho que a gente
precisava utilizar bem esse veículo, sabe, a televisão. E utilizar essa televisão que a gente tem
aqui também, dentro da UFPB, e realmente aproveitar pra fazer programas em que se fale
sobre cultura, se fale sobre gente, sobre ser humano, sabe. A gente coloque uns
documentários, a contação de histórias, como tá sendo colocado, e outras manifestações que
fazem parte do povo, sabe, de quem nós somos, de uma identidade nossa. Então eu vibro
muito pra que esse espaço tenha vida longa.
206
APÊNDICE G – Entrevista VI – Tiche Vianna
Entrevista com Tiche Vianna, via videoconferência, em 21 de dezembro de 2016, com 77
minutos de duração.
Cely Farias: Inicialmente, gostaria que você falasse um pouco sobre sua formação de diretora
e de preparadora.
Tiche Vianna: A minha formação é eminentemente teatral. Eu sou formada atriz, pela Escola
de Arte Dramática, a EAD, da ECA-USP. Em 1987 me formei, aí me interessei muito por um
estudo que eu fiz dentro da escola, que era relacionado à Commedia Dell‟arte, me interessou
basicamente o trabalho da autonomia do ator, que se dava no contato... máscara teatral. E eu,
como nessa época praticamente ninguém no Brasil trabalhava na prática, o conhecimento que
se tinha era muito teórico, do ponto de vista acadêmico, dentro dos estudos das teorias do
teatro. Eu durante um certo tempo trabalhei com um diretor italiano que tinha vindo no Brasil
e tinha nos apresentado esse trabalho. E aí ele foi embora pra Itália, e eu fui um pouco atrás
do curso dele. Fui pra Itália pra aprender onde é que eu achava essas coisas. Aí [] eu aprendi a
confeccionar máscaras. Aprendendo a confeccionar máscaras, eu fui utilizando as máscaras na
rua, por conta minha de investigação, conversando com pessoas que conheciam isso, as
pessoas insistiam em dizer que eu teria que experimentar, o aprendizado em sala[], então eu
teria que ousar a empreitada. Eu pesquisava por minha conta na rua, botando máscara, indo
pra rua, tentando me comunicar, fazer isso funcionar. E ao mesmo tempo eu entrei na
Universidade de Bologna. Na Universidade eu fui estudar determinadas teorias que me
ajudavam a construir um pensamento a respeito dessa pesquisa. Então, essa foi
eminentemente a minha formação do ponto de vista de uma relação direta com o trabalho do
ator, principalmente o trabalho de criação do ator, de personagem, do entendimento de que o
ator é compositor. [] Quem? Quem tá aí? [] no processo criativo, colaborativo e tal, o papel do
ator é dizer quem é ele, quem é aquela figura, aquela máscara, aquela personagem, e dizer
isso fundamentalmente através do corpo. Então, essas foram as minhas linhas de investigação
ao longo desses trinta anos, nos últimos trinta anos. Então, a base de formação era essa.
Depois eu voltei pro Brasil, pra poder trabalhar com a Commedia Dell‟arte eu tinha que
formar pessoas nessa linguagem, pra que a gente pudesse trabalhar. E eu, que já gostava
muito de direção teatral, entrei pra estudar atuação pra fazer direção na realidade, mas me
interessava a atuação porque eu queria, sempre entendi que o teatro era a arte de ator
eminentemente, como veículo da expressão. Então, me interessava conhecer a cena pela
criação do ator. Então eu fui me caracterizando nesse universo da direção. E acabei
trabalhando com esse tempo todo com o ator como criador... sempre do ponto de vista da
direção. Então também fui fazendo, paralelo a isso, um trabalho de direção de espetáculos
teatrais a partir da criação do ator. Então, por exemplo, o Barracão Teatro, esse centro de
pesquisa que eu fundei junto com o Ezio Magalhães, em 98, 1998, é um centro de pesquisa
que tem por base a máscara teatral, Commedia Dell‟arte e palhaço, tem o ator como veículo
da criação. A gente não trabalha com texto , por exemplo, a gente trabalha sempre com o
universo atoral [], então o que você quer dizer, o que você quer investigar, o que você quer
falar... e aí a gente vai trabalhando com o atorem sala até construir essa base estética. Então,
essa é, sinteticamente, a minha formação, de onde eu venho, a minha origem. E como eu fui
me aproximando do trabalho do ator.
CF: E como é que você chega nesse universo do audiovisual?
TV: Então, acontece que em 2004, eu tava inclusive fora do Brasil, tava na Itália de novo para
um encontro que tem de diretores teatrais. E aí eu recebi um recado que tinha um diretor da
207
Rede Globo que tava interessado no meu currículo pra saber o que eu fazia exatamente, pra
um projeto dentro da televisão. Eu tive pouco interesse nisso porque a linguagem televisiva
me interessava muito pouco. Então... [] mas aí eu tava voltando um mês depois, quando voltei
de novo eles me procuraram, e aí tive um encontro com o Luiz Fernando, por conta de uma
pessoa que conhecia o meu trabalho, conhecia o trabalho do Luiz Fernando e indicou pra ele o
meu trabalho. Essa pessoa entrou em contatou comigo e falou “Tiche, eu sei que você tá
fugindo da televisão, eu te conheço, mas eu queria que você ouvisse o projeto do Luiz
Fernando e, se depois de ouvir o projeto você não se interessar, eu te deixo em paz”. Eu falei
“Tá bom”. Aí eu encontrei com o Fernando pela primeira vez. E o Luiz me expôs o projeto de
Hoje é Dia de Maria. Esse foi o primeiro trabalho que nós realizamos conjuntamente. Quando
ele expôs esse projeto dentro de uma visão que é absolutamente contrária a tudo que eu
imaginava que podia existir lá dentro da televisão, um projeto que é eminentemente teatral.
Eu fiquei encantada e aí eu pensei “ou esse cara é um louco, ou é um gênio”. E aí eu disse
“tanto em uma situação quanto em outra, vale a pena conhecer”. Então foi aí que eu venci os
meus pré-conceitos e me aliei ao trabalho dele. Então esse primeiro trabalho eu posso dizer
que foi um pouco, pra mim, num sentido de uma escola. Porque foi a primeira vez que eu
tomei contanto com o tipo de trabalho que eu fazia pra que fosse utilizado pelo audiovisual. A
minha primeira preocupação, a primeira coisa que eu disse ao Luiz Fernando foi “Luiz, você
tá chamando uma pessoa que não tem experiência nenhuma com o universo da câmera. Eu
não conheço nada de televisão, eu não sei nada sobre o audiovisual, eu não sei nem
exatamente o que dizer a um ator do audiovisual, eu sei o que dizer a um ator de teatro”. Ele
me disse “Tiche, esse problema é meu, não é seu. Eu tou chamando você justamente porque
me interessa o que existe de teatral no seu trabalho. Principalmente, porque você parte da
máscara e constrói um corpo expressivo, me interessa a Commedia Dell‟arte”. À medida que
eu fui conversando com o Luiz Fernando, me inteirando do trabalho, aí eu fui pra lá pro Rio, e
aí eu comecei a viver o lado dele enquanto ele trabalhava. Porque tudo que ele dizia pra todo
mundo, pros outros diretores, pros câmeras, pros diretores de arte, pra figurino, pra cenário,
pra luz, pra pesquisa histórica, para os atores, tudo o que ele falava eu tava do lado pra ouvir.
Porque eu dizia “eu preciso entrar na cabeça desse cara, pra poder preparar um ator pra
trabalhar com ele”. Na realidade, o meu trabalho... eu comecei a entender que o que ele tava
querendo era isso. Ele não queria uma direção de cena, ele não queria que nós formatássemos
movimentos específicos para os atores. Eu comecei a entender, dentro do trabalho do Luiz
Fernando, que o que ele tava me pedindo era eminentemente o trabalho... preparar o ator pra
trabalhar com ele. Então eu tinha que entender que tipo de ator ele queria. Compreendi que
ele queria um ator que tivesse domínio sobre a linguagem do corpo. Que pudesse fazer com
seu corpo o que bem entendesse, um ator eu tivesse coragem de arriscar o improviso, um ator
que não se preocupasse com as questões técnicas do audiovisual, mas que se preocupasse com
as relações e com as intensidades. Então, tudo isso eu fui descobrindo ao longo dos anos de
trabalho, né. Ali naquele primeiro momento, pra mim era trabalhar o ator pra construção de
um repertório gestual. Então o trabalho que eu fiz no Hoje é Dia de Maria, mais do que dirigir
o ator na cena, era construir com ele um repertório do qual ele pudesse se servir na hora da
gravação. Então foi isso que a gente começou a fazer. Quando eu comecei a fazer esse
trabalho, eu compreendi que o Luiz Fernando, embora dissesse “me interessa a Commedia
Dell‟arte”, ele tava interessado na máscara. Porque a Commedia Dell‟arte era um monte de
outros elementos e esses outros elementos ele não queria, o que ele queria era a especificidade
do trabalho de máscara na construção desse repertório, portanto um gestual mais acentuado,
que saísse do naturalismo televisivo, que saísse daquele realismo, daquela pontuação das
pessoas de uma certa maneira decorarem os textos e gesticularem o corpo ou darem forma
sempre naturais demais ao corpo. Era ali que ele entendia a teatralidade, sair desse
naturalismo televisivo. Então foi a partir daí que eu tive contato com esse universo. E foi a
208
partir daí que a gente continuou desenvolvendo os trabalhos, aí nos mais variados temas. Toda
vez que a gente trabalha na televisão e a gente trabalha há mais de 12 anos, eu comecei com
ele em 2004 e agora em janeiro vai pro ar a última minissérie que a gente fez, até antes da
novela Velho Chico, que é Dois Irmãos. Então, de lá pra cá, a gente trabalhou junto
praticamente em todos os trabalhos que ele fez. E o trabalho de preparação está sempre
vinculado à máscara, então a base do trabalho é a máscara, o intuito não é trabalhar com a
máscara na gravação, é que a máscara seja o impulso criativo do ator, pra que ele estabeleça
com o fazer dele uma outra relação, uma relação que tire, que desloque esse ator da sua
naturalidade, do seu elemento humano, e que construa o seu elemento mítico. Então na
realidade o que interessa para o Luiz Fernando é o universo mítico do mundo, então ele quer
falar do mundo através da sua mitologia. Então é nesse lugar que a gente aliou os nossos
conhecimentos.
CF: Além desse trabalho com Luiz Fernando, você já fez algum outro trabalho no audiovisual
ou você sempre trabalha com ele?
TV: É interessante que as pessoas quando me perguntam “Ah, você trabalha na Globo?” eu
digo “não, eu trabalho com o Luiz Fernando. Como o Luiz Fernando trabalha na Globo, eu
estou sempre lá, quando eu trabalho com ele”. Na realidade, o que me chamou, mais do que
qualquer outra coisa, foi o modo como o Luiz Fernando trabalha o audiovisual, então, até
hoje, dentro da televisão eu só trabalhei com o Luiz Fernando. Eu não tenho nenhum outro
trabalho porque, de uma certa maneira, aquilo que eu faço, da maneira que me interessa
trabalhar, não vi nenhuma outra proposta lá dentro pra fazer isso. De fato é só com ele
mesmo. Isso tem a ver um pouco também com a... eu trabalho eminentemente com o teatro e
o teatro é o meu foco, eu atuo nessa área. O trabalho com o Luiz Fernando é quase um desvio
de percurso, então é uma exceção que eu abro dentro do meu percurso de trabalho pra poder
realizar [] me interessa que esse tipo de coisa aconteça na televisão. Mas no fundo, quer dizer,
eu acabo me comprometendo muito e não, nem procuro e nem tenho muito tempo disponível
pra isso. O que aconteceu recentemente que eu achei bem interessante é que eu fui procurada
por uma turma de estudantes da Multimeios aqui da UNICAMP, justamente pra que ... essas
pessoas estão estudando audiovisual e estavam interessadas no trabalho de preparação de
atores, porque eles estavam colocando era exatamente isso, que dentro da universidade, pelo
menos aqui na UNICAMP, no curso da UNICAMP, o curso era muito voltado para todas as
operações que envolvem o audiovisual e muito pouco focado na questão da relação com os
atores. Então, que eles tinham uma grande dificuldade de pensar a preparação de atores.
Então, a partir daí, eu montei pela primeira vez uma estrutura de curso para preparadores
dentro do audiovisual, a partir da vivência que eu tenho com o trabalho do Luiz Fernando, que
é uma vivência muito particular. Eu não acredito que todo audiovisual trabalhe dessa maneira.
Porque ele é um formador de equipes de criação, ele cria uma integração entre essas equipes,
as equipes trabalham todas juntas, todo mundo se envolve pelo projeto de cabo a rabo, todo
mundo participa de todos os elementos criativos. Então é uma coisa muito excepcional, isso
dentro da televisão é mais excepcional ainda. [] Esse é um trabalho muito raro de acontecer
dentro da televisão. Essa formatação de equipes e o trabalho a longo prazo, onde você passa
ali três meses se preparando pra iniciar uma gravação. Isso é uma coisa muito nova dentro da
televisão, uma coisa muito pioneira que partiu do Luiz Fernando. Então uma coisa é você
pensar a preparação de atores de um modo geral, inclusive com direção de cenas, de coisas
que eu já ouvi de outras pessoas que trabalham com isso, e uma coisa é você trabalhar o
mundo criativo e imagético do ator e da atriz, pra que eles possam no momento da gravação,
acionar o seu melhor e serem provocados pelo próprio diretor, que vai pensar tudo aquilo
dentro de um campo muito mais amplo e muito maior, que ele vai, depois, no momento da
209
edição, construir o produto final. Então, sou um fornecedor de matéria prima criativa pra esse
trabalho.
CF: Quais foram os trabalhos que você já fez no audiovisual?
TV: Nós começamos com Hoje é Dia de Maria 1 e 2, tiveram dois blocos de..., depois nós
fizemos A Pedra do Reino, que foi gravado em Taperoá, depois a gente fez Afinal, o que
pensam as mulheres, fizemos Capitu, fizemos Alexandre e outros heróis, fizemos Meu
Pedacinho de Chão, Velho Chico e Dois Irmãos, na ordem foi Dois Irmãos e Velho Chico,
mas Dois Irmãos vai agora. Se não me engano foram esses. Eu só não fiz com o Luiz
Fernando uma minissérie que ele fez, uma microssérie... não me lembro agora o nome... eu só
não fiz um trabalho que ele fez muito rapidamente no Rio de Janeiro, que era um trabalho... a
história de uma menina que vira uma empregada doméstica... eu não me lembro agora o nome
dessa minissérie. Mas acho que a partir de Hoje é dia de Maria esse foi o único trabalho do
Luiz que eu não fiz.
CF: Ele mantém essa equipe com ele permanentemente nos trabalhos, no geral, a equipe de
criação?
TV: O que acontece é que ele foi criando ao longo dos anos [] a gente foi criando uma série
de afinidades e um conhecimento cada vez maior com a linguagem e com a provocação. O
Luiz Fernando é um cara que não se repete e não... ele, de uma certa forma, a exigência que
ele tem da equipe não é que a equipe fique mostrando o que sabe fazer, é que a equipe se sirva
do que sabe fazer pra arriscar o que não sabe fazer. Então todos os trabalhos são de uma
profunda provocação. Então, à medida que ele foi encontrando pessoas que tem esse espírito e
essa vontade, que corre risco, ele foi agregando. Porque a gente que trabalha com isso, né,
com produção de espetáculo, a gente sabe que quando a gente encontra uma equipe afinada, a
gente não larga mais. E isso tudo é um facilitador imenso do percurso. É claro que isso é
muito variável, porque tem agendas, tem compromissos pra acertar, mas a partir do momento
em que a gente se afina, a gente segue junto. Então, por exemplo, o Raimundo, que é o diretor
de arte, está junto desde sempre também. A equipe de preparação, que não sou só eu a
preparadora, é uma equipe de preparação: eu, Agnes, Lucinha, a Denise Stuts, estamos juntas
há muitos anos, fazendo isso. São trabalhos pontuais e são diversos. Denise trabalha o canto,
voz como uma preparação de energia do corpo, depois um trabalho físico no corpo. Então,
essa equipe se forma, ela dá certo, aí ela vai ficando. Karnewale que integra agora essa
equipe, que é um braço direito do Luiz bastante importante. Karnewale começou com a gente
no Capitu, ele era ator, foi chamado pra fazer atuação. No trabalho seguinte, como eu não
podia estar o tempo inteiro, a gente pensou... o Luiz pensou no Karnewale e a gente trouxe o
Karnewale pra compor um primeiro momento de trabalho que eu fiz e depois seguiu e seguiu
com o Luiz até agora e trabalha como ele também na direção, que ele também trabalha com
câmera, o Karnewale. Então trabalha com a gente na preparação, depois segue com o Luiz
durante as gravações. Que também integrou essa equipe e tá com a gente desde então.
CF: Tiche, quanto tempo normalmente dura esse processo de preparação?
TV: Normalmente a gente trabalha durante três meses, a maioria dos trabalhos é mais ou
menos esse o tempo. E a gente trabalha a semana inteira, preparação de segunda a sexta,
normalmente 8 horas por dia, durante os três meses que antecedem as gravações, o início das
gravações.
210
CF: Nesse processo de preparação, você falou que está todo mundo muito integrado, o tempo
todo, mas eu queria saber se a direção a está junto, está presente nesse processo. Como é essa
relação?
TV: Bom, a relação é a seguinte: nos primeiros trabalhos é claro que a direção tava dentro da
sala o tempo todo, um pouco pra nortear também o que era o caminho da preparação. Nos
primeiros trabalhos também a preparação era muito centrada numa equipe pequena. Éramos
eu e Agnes, basicamente, então era voz e corpo e tinha a escala na composição, canto e tudo
mais. Agora, essa equipe é um pouco mais ampla, mas a gente começa juntos desde o início
do trabalho e sob a orientação do Luiz Fernando. Quer dizer, o Luiz quando nos chama ele
expõe pra equipe o que é o trabalho que a gente vai fazer... o que é o trabalho que a gente vai
fazer, veja, é qual é o sentido da linguagem, por onde ele vai... E ele faz isso conversando
com a gente, através do texto que ele nos dá e através de muitas imagens. O Luiz trabalha
com muitas imagens, muitos livros que ficam à disposição de todos, o tempo todo. Ele tem
uma biblioteca, ele tem uma sala que ele prepara pra estudo. Então ele vai nos dando todo o
referencial que ele tá convocando pra elaboração da obra. Então a gente começa um
pouquinho antes da sala. Então antes de entrarmos em sala, nós conversamos com o Luiz pra
entender a esfera desse universo. A partir daí a gente elabora que tipo de preparação. Então
como é que a gente vai iniciar essa preparação, quem vai fazer o quê, quantas horas, de que
maneira, se precisa mais isso, se precisa mais aquilo, se precisamos chamar alguma
especialização, por exemplo, “ah, talvez fosse interessante fazer um trabalho inicial de
mímica, então vamo chamar fulano pra trabalhar com isso”. De minha parte, eu começo
também a compreender que tipo de máscara é interessante trabalhar, como trabalhar com
essas máscaras. Se a gente vai trabalhar fazendo com que os atores toquem as máscaras,
construam as máscaras, ou se os atores vão utilizar máscaras que já estão feitas, se isso virá
como uma [], se isso virá como um trabalho técnico, de que maneira... então a gente começa a
ter toda a concepção de onde vai partir, qual é o disparador do processo criativo. De uma certa
maneira, como eu sou mais velha nesse processo também, tou com o Luiz desde o início, a
gente conversa muito interligado pra pensar conjuntamente quais são as diretrizes da
preparação. E agora, desde que o Karnewale integra a equipe, e como ele tá junto com o Luiz
em todo o processo de gravação, ele também faz parte desse primeiro momento onde a gente
vai entender direitinho por onde vai passar essa preparação. Aí, nós entramos em sala e
começamos a trabalhar com os atores e atrizes. Aí o Luiz vem e começa a fazer parte dessa
preparação. Quanto o Luiz entra, o Luiz costuma entrar pra improvisar, ele começa... então o
que a gente faz? É como se a gente desse uma preparada inicial nos atores e atrizes e aí o
Luiz, a partir dessa preparação inicial, começa a ter ideias, e assiste do lado também, pra
determinadas práticas que vão indicando pra ele caminhos a seguir até na questão da
elaboração de câmera, de luz, de figurino... de como é que ele tá pensando essas coisas todas.
Porque o diretor do audiovisual é um pouco diferente do diretor de teatro. O diretor do
audiovisual ele tem equipes infinitas ali, ele tem que fazer uma interligação entre todas...
todos os elementos que compõem o audiovisual, que trabalham inclusive em momentos
diferentes e se preparam de formas diferentes. Dentro do teatro você tem uma coisa que
normalmente ela segue junta que é simultaneamente, então eu acho uma coisa mais simples.
Acho o audiovisual bastante complexo nesse lugar. Então, o Luiz vai acompanhar o trabalho
de preparação em dois sentidos: um, quando ele, em algum momento do trabalho, da parte
que toca ele, ele sente que ele precisa ter o convívio com o trabalho dos atores pra poder se
estimular, pra poder entender percursos ou pra poder dizer pra gente o que tá acontecendo
com os outros elementos. Esse é um dos fatores que leva o Luiz pra dentro da sala. A outra
coisa é quando ele quer simplesmente saber o que está sendo encaminhado a partir daí pra
saber se tá tudo em ordem. E um outro lugar é quando nós precisamos de uma referência, né.
211
Às vezes a gente vai levando o trabalho e chega num determinado momento e eu digo “Luiz,
quero que você dê uma olhada naquilo que tá sendo feito pra que eu tenha a dimensão de se a
gente tá indo junto”. Então esses são os momentos que colocam o Luiz dentro da sala. O que é
importante saber é que não existe nada que aconteça dentro da sala de preparação que não seja
do conhecimento do Luiz, que não passe de uma certa maneira também uma coisa muito clara
de referencial que a gente [] por ele. Porque ele é o ponto de ligação entre todas as equipes. E
é ele que vai dar a cara final desse trabalho. Então é natural que todos nós tenhamos que estar
ligados por um trilho comum, quem dá esse trilho é o Luiz Fernando.
CF: Existe alguma diferença, por exemplo, se a gente for comparar Hoje é dia de Maria e
Velho Chico, embora os dois tratem, como você falou, com essa construção do elemento... a
gente perceba o elemento mítico nos dois trabalhos, mas Hoje é dia de Maria eu acho que tem
uma característica mais teatral, vamos dizer assim, enquanto que Velho Chico já se aproxima
um pouco mais no naturalismo que a gente é acostumado na televisão. Claro, que é diferente,
não é como o naturalismo que a gente é acostumado, mas se aproxima mais, se a gente for
comparar com Hoje é dia de Maria. A minha questão é, como é que, pra chegar nesses dois
lugares diferentes, quais as diferenças nos procedimentos? Se existem essas diferenças e quais
seriam.
TV: Então, existe uma diferença básica entre esses dois trabalhos. Em primeiro lugar porque
Hoje é dia de Maria trabalha a mitologia dentro do universo da fábula. E como a fábula é
muito mais expressiva do ponto de vista estético, para figuras exóticas, a gente trabalhou
muito mais o corpo do ponto de vista da exacerbação. Então, eu parto da máscara no Hoje é
dia de Maria e brinco com os corpos constituindo as máscaras externamente. Então,
movimentos, posições, jogos de cabeça, olhares, coluna, tudo isso... quer dizer, o corpo se
compõe de uma forma mais coreografada, digamos assim. Não significa que há uma
coreografia marcada, mas significa que todo o trabalho de preparação estabelece o
aprendizado do ator para o domínio do corpo dele em movimentos maiores, mais amplos,
mais espaçosos. Então ele vai construindo esse repertório e esse modo de tratar seus próprios
movimentos. Quando a gente trabalha Velho Chico, eu posso te dizer que isso acontece na
primeira fase. Toda a primeira fase, por mais que fossem personagens mais naturalizados...
então eu acho um pouco equivocado a gente dizer que é naturalista, mas eu entendo o que
você diz e concordo, a gente tá na esfera mais naturalizada do ser que se apresenta ali... é uma
mulher, é uma mulher chamada fulana, é um homem, é um homem chamado fulano, então,
assim, não é... em Hoje é dia de Maria você trabalha o demônio, demônio é uma figura
arquetípica. No Velho Chico você trabalha também a ideia do coronel, que é uma figura
arquetípica, mas você vai aproximando ele mais do mito daquele coronel Afrânio, por
exemplo. Então não é o coronel de uma forma mais genérica, é o coronel Afrânio. Então ele já
começa a assumir uma personalidade mais específica, mais humanizada. Nesse caso, o que a
gente trabalha diferente? A gente constrói num primeiro momento todo esse corpo externo,
como no Hoje é dia de Maria. Coloco o corpo todo pra fora, através de mecanismos um
pouquinho diferenciados, isso é uma coisa que eu vou percebendo à medida que a gente vai
trabalhando, no modo como o ator vai elaborando a informação, como é que ele vai tratando
aquilo que a gente vai dando a ele. E aí eu vou dosando nele o tipo de utilização que ele vai
fazer desse material. No caso do Velho Chico, este elemento é trabalhado externamente e
depois ele passa por um processo de internalização. Então é como se ele fosse engolindo o
lado exterior do corpo e passando isso pra musculatura interna, como se ele trabalhasse o
músculo esculpindo a musculatura. Então aquilo que ele fez por fora ele começa a esculpir
por dentro, então isso provoca nele uma determinada sensação. É através dessa sensação que
ele vai trabalhar. Então ele passa por um processo que eu digo “por dentro, cem por cento
dessa sensação, por fora, dez por cento da sensação”. Então, isso é claro que é um mecanismo,
212
a gente usa uma série de técnicas pra fazer isso, mas a grosso modo, a diferença entre esses
dois processos é um pouco essa. Você tem por dentro a mesma qualidade de intensidade de
um determinado movimento, mas por fora você controla o tamanho dele no espaço. Então
essa é uma diferença fundamental.
CF: E sempre parte desse seu trabalho com a máscara?
TV: Sim. Eu acho que, desde o primeiro trabalho que a gente fez, eu vejo que o Luiz
Fernando tenha compreendido de uma forma bastante evidente, mas porque também eu me
surpreendi quando ele me chamou pra fazer um trabalho como Capitu, que ele disse “Aqui
nós vamos trabalhar num outro tipo de universo”. Acho que foi o primeiro porque eu fiz Hoje
é dia de Maria e depois eu fiz A Pedra do Reino. E tanto um quanto outro a gente tava num
universo mitológico bastante forte, arquetípico bastante forte, mitologias diferentes, né.
Mitologia nordestina porém ela é também uma fábula, quer dizer, quando você pega A Pedra
do Reino, você tá falando aí de um universo muito... de figuras muito exóticas também. E
corpos nordestinos, que são corpos muito desenhados no espaço. Diferente do corpo da região
Sudeste, do corpo da metrópole como São Paulo ou Rio de Janeiro. Por mais que você tenha
no Rio de Janeiro um corpo bastante diferente de São Paulo, no Nordeste você tem um corpo
quase dançado no espaço, né, com movimentos quase coreografados, isso já no cotidiano.
Então, a gente tava trabalhando dentro de duas esferas muito parecidas, tanto no Hoje é dia de
Maria quanto A Pedra do Reino. Quando a gente vai pra Capitu, o Luiz quer manter a mesma
quebra no modo como ele vai contar essa história. Então a proposição toda, a estética da
minissérie, ela vai passar por esse lugar. Tanto que ele bota uma cenografia e tá sempre no
mesmo espaço, mas ele vai brincando com figurinos do século XIX, né, e vai brincando com
o cenário em si que é bastante natural, que é meio fantasioso, que é cenográfico mesmo. Ele
põe toda a naturalidade na roupa mas coloca um cenário que não é nada naturalista. E, ao
mesmo tempo, é preciso relacionar este corpo... figurino não é roupa, né, é corpo... então, este
corpo está dentro, pertence ao naturalismo naquele século, com um espaço que é atemporal.
Então como é que você vai fazer esse jogo e tudo mais? Então como é que você vai construir
esse corpo que é naturalista mas que ao mesmo tempo tem que ter uma pitada arquetípica. Ele
não pode ser uma pessoa comum que se encontra no dia a dia na rua como... ele tem que ter
uma coisa excêntrica do ponto de vista teatral, ele tem que tá teatralizado. Então a partir daí,
eu começo a elaborar um modo diferente de trabalhar a máscara. Mas isso me surpreendeu
porque quando o diz “a gente vai puxar mais pra uma ideia que se aproxima do realismo, não
é o naturalismo, mas é uma coisa mais realista”, eu imaginei que ele fosse chamar, talvez,
outro tipo de preparação. Mas ele disse “não, nós vamos fazer isso com a máscara porque
agora eu entendi que a gente tem que trabalhar máscara”. Então eu fui criando e produzindo
também máscaras específicas pra esse tipo de trabalho. E o modo de conduzir a máscara
também vai se modificando de acordo com a necessidade do trabalho. O que mais se
aproxima de uma coisa naturalista talvez seja essa minissérie que vai pro ar agora, que é Dois
Irmãos. E que ali eu trabalhei eminentemente com a máscara neutra, e máscara neutra não é
personagem, não é figura, não é... ela é um estado, ela é um estado de corpo e um estado de
ânimo, que eu digo. Então é um estado de calma fundamentalmente. Então era fundamental
trabalhar animosidade, uma intensidade que tá pra além da intensidade cotidiana. Mas um
corpo que é absolutamente um corpo realista, um corpo real, um corpo que não vai passar
pelo [] da fábula, que não vai passar pelas figuras mitológicas, digamos assim. No entanto, o
Luiz compreende que qualquer personagem surge a partir do seu arquétipo, acho que essa é a
grande diferença. E por mais naturalista que ele vá ser, ele tá dentro de uma linguagem
artística, então ele não pode ser uma mera imitação dele mesmo, ele tem que passar por uma
transformação. Inclusive, pro lançamento dessa minissérie tem o lançamento de um livro
também, de fotografias, e ali tem alguns textos e pela primeira vez a gente escreveu sobre o
213
processo. Então, tem ali um material também, se você tiver acesso a esse material... ele tá pra
ser lançado, então eu acredito que você vai encontrar ali também um pouco desse material
falando do processo de preparação de atores e especificamente sobre o Dois Irmãos.
CF: Como você vê esse trabalho de preparação do ator dentro do audiovisual, que
importância, que relevância você acha que isso tem, que reverberação no trabalho do ator em
si como é que isso modifica, de repente, essa relação do ator dentro desse universo, desse
contexto do audiovisual e da televisão.
TV: Eu acho que é fundamental, né. De uma certa maneira, quando você trabalha qualquer
expressão artística a partir do elemento humano, não tem como você não tratar o elemento
humano... diante de um percurso de preparação. Senão você corre o risco sempre de uma
imitação de uma repetição. Eu acho que a gente teve um problema sério no entendimento do
audiovisual quando a televisão foi entrando nas casas, então ficando muito perto do
espectador, e muito cotidiano, numa produção em massa, em série, botando pra escanteio de
uma certa forma o elemento artístico e reproduzindo uma imitação da vida procurando ser
criativo com as histórias. Então você... é como se você fragmentasse um sistema que quando
integrado ele repercute muito mais, ele gera resultados muito mais intensos, que afetam muito
mais o espectador. Então eu acho que quando o Luiz Fernando compreende isso dentro da
televisão, e ele é um cara que trabalhou com a televisão muito tempo, que sempre cavocou
esse lugar, e olha, ele lutou lá dentro, lutou doze anos até conseguir fazer o Hoje é dia de
Maria, lutou vinte anos pra conseguir fazer A Pedra do Reino. E hoje, nós começamos isso
tudo em 2004, nós estamos em 2016, hoje ele conseguiu por uma questão também de uma
compreensão da equipe estruturante da televisão, então dos caras que roteirizam e montam a
televisão como um sistema inteiro... sei lá... esses diretores que estão lá agora compreenderam
que fazer dessa maneira provocava na televisão um diferencial. Ainda mais num momento em
que a gente tá começando a ter outras formas de comunicação, como o celular, por exemplo.
Então, o que vai acontecer com a televisão? Quer dizer, se ela não, de uma certa maneira, não
compreender outro tipo de relação, se ela não propuser alguma coisa diferenciada na sua
relação com o espectador, ela vai perder esse campo de atuação. E aí eu acho que ela
compreendeu isso a partir do momento que ela viu o efeito de certas coisas que começaram a
acontecer em relação à procura do espectador pra um tipo de programa na televisão, e isso se
deu a partir de determinados momentos. Então, ela reconhece hoje que é preciso constituir
dentro dela uma outra forma de relação criativa. E nesse sentido o Luiz Fernando, eu acho que
sim, acho que foi pioneiro, um modelo que vem sendo seguido. Mas ele vem sendo seguido
nos últimos anos, né. Isso tem muito a ver também com quem tá na direção da Rede Globo,
não tem a ver só com o trabalho dele, porque ele sempre fez isso lá dentro. Agora, a televisão
como um todo abrir espaço pra que outros também possam fazer, isso é bastante... é bem
recente. Então tem a ver com a organização dessa indústria que é a televisão. Agora, é
fundamental porque nós estamos falando de relações que são sensíveis. E o elemento sensível,
primeiro, por mais equipamentos que se tenha, são os seres humanos. E aí eu não tou falando
só da relação do ator com aquilo que ele faz, eu tou falando da percepção do câmera quando
tá filmando, da percepção daquela sala que tá repleta de gente, cada um fazendo o melhor do
seu trabalho ao mesmo tempo que o ator tá gravando um momento, por exemplo, super
intenso de uma relação, né. Quer dizer, como é que você cria essa atmosfera, como é que você
faz todo mundo compreender que o artístico não é só o que tá sendo mostrado ao espectador,
que artístico é o processo de criação. Que quando você põe a mão artística num processo de
criação e o transforma num processo artístico, o resultado é muito mais interessante pra quem
vê, e isso faz com que mais pessoas queiram ver e queiram se ligar a ele. Então eu acho que
utilizar esse sistema, que nesse momento é desse jeito que é feito e o modelo vem um pouco
da experiência que o Luiz Fernando trouxe. Mas a partir do momento que mais pessoas fazem
214
isso, vão se encontrar outros caminhos também, né. Então isso vai se ampliar, isso vai poder
se tornar uma coisa maior. Outras metodologias, outros modos de trabalho, outros tipos de
realizações. E isso tudo faz a gente crescer e se desenvolver, né. Agora, pensar o ator, eu acho
que para os atores, eu vejo pela própria televisão, a quantidade de atores e atrizes que querem
trabalhar com o Luiz Fernando é imensa, que quer passar por esse aprendizado, por esse
processo de formação, de preparação é imensa. Muitas vezes, atores e atrizes vem conversar
com a gente dizendo “Tiche, independentemente de fazer o trabalho final ou não, só esse
tempo de trabalho aqui já é pra nós uma realização artística e um aprendizado imenso”. Então
isso é muito legal. Porque algumas vezes o Luiz trabalha com pessoas que ele não sabe ainda
se serão essas pessoas que farão. Às vezes a pessoa tá participando do processo, porque se ela
for fazer ela tem que tá dentro dessa linguagem, mas ele ainda tem dúvidas, ele tá montando a
equipe inteira, ele ainda tá montando o elenco todo. Então tudo isso... agora, pras pessoas que
tão fazendo, o que poderia ser frustrante, você trabalhar durante todo o processo e depois não
estar no produto final, não é, porque a própria vivência disso o artista entende que ele se
prepara para outras experiências também, né. Então eu acho isso um aspecto fundamental e
mostra que [] tem que entender que criar não é saber fazer, criar é você se servir dos recursos
que você tem, de tudo aquilo que você sabe para arriscar o inédito em você. Pra fazer isso
você tem que se preparar, não tem como você fazer isso sem preparar, ação nenhuma.
Principalmente quando a gente fala de equipe. Uma coisa que me chamou muita atenção, é
que quando eu cheguei pra trabalhar era muito difícil você ter um ator trabalhando com o
outro, a partir do outro. Normalmente o ator preparava seu material isolado, todo mundo
preparava seu material e depois chegava na hora da gravação, todo mundo juntava ali e fazia.
Quando a gente começou a trabalhar do ponto de vista das equipes o que significava que: eu
estou trabalhando com dois atores que vão fazer uma determinada cena, então eu tou
trabalhando com ele um material pra aquele momento, dentro da sala tem outro grupo
trabalhando outra coisa ali do lado, outro grupo trabalhando outra coisa mais ali à frente,
outro num outro espaço. Então eu vou transitando entre esses grupos e num determinado
momento eu coloco todos os grupos juntos pra trabalharem relações, percepções, caminhadas,
mas enfim... milhares de coisas, mas com que eles saibam que mesmo que eles não
contracenem, todos eles fazem parte de um único trabalho, que vai ser mostrado ao longo de
meses, semanas, dias... não importa. Mas eles fazem parte de um coletivo. Então um dos
retornos mais interessantes que a gente teve aqui no Velho Chico, foi um comentário da crítica
que disse exatamente isso, né, “Velho Chico mostra, se prepara como um grupo de teatro.
Então Velho Chico é uma criação de um grupo de teatro, o elenco é um grupo de teatro”.
Então isso era uma coisa muito interessante perceber porque a relação é exatamente essa, não
é indiferente. Quer dizer, eu posso vir pro ensaio hoje e eu vou trabalhar só daqui a duas horas
com a equipe, mas eu estou ali assistindo o meu companheiro trabalhar, porque a partir do que
ele está fazendo e daquilo que está sendo dito eu também estou elaborando meu trabalho.
Então isso faz com que o trabalho como um todo seja uma unidade, ele não é uma
fragmentação de talentos. Isso faz, é uma que também chama muita atenção, isso faz com que
um ator mais experiente, ao trabalhar com um ator menos experiente, se sinta contemplado
com a sua potência, quer dizer, possa evocar o que ele tem de mais potente nele, não precisa
diminuir a sua potência, e faz com que o ator menos experiente, também evocando a sua
melhor potência, não se sinta inferior ao ator mais experiente. Isso faz com que os dois
caminhem na direção do seu melhor. Então essa relação faz toda a diferença no momento que
eles estão lá gravando uma cena, imprimindo no material que vai depois pro ar, imprimindo
todas as suas emoções, sentimentos, sensações. Isso faz... esse material... isso faz o filme se
tornar uma coisa viva e presente, né. Eu acho que faz toda a diferença.
215
CF: Eu gostaria de saber se esse trabalho na televisão, de alguma maneira, te fez despertar ou
perceber questões novas que você pode levar para o teatro. Se houve e de que maneira houve
essa reverberação do seu trabalho da tv no seu trabalho no teatro, esse caminho de volta,
como acontece.
TV: A influência é total. Os atores que trabalham comigo no nosso grupo, no Barracão
Teatro, toda vez que eu saio pra fazer um trabalho com o Luiz Fernando eu fico ausente do
trabalho aqui, né. Então [], num primeiro momento era uma coisa [] “como é que nós vamos
fazer”, mas eles trabalham também de uma maneira que os atores tem muita autonomia. Eu
sempre me preocupei em criar trabalhos que possam dar independência aos artistas como
coautores de toda obra e como criadores, né. Mas, é claro, que você tem o trabalho de direção,
você dá os trilhos e tá ali pra assegurar que ninguém vá sair do trilho, pra que a gente tenha
um trabalho []. Quando eu volto eles todos me comentavam, eles falam “oba, agora, agora a
gente vai até o fim, agora nós vamos ficar no centro nervoso do nosso trabalho”. Porque eles
dizem que eu volto absolutamente potencializada. O que eu acho que se deve a algumas
coisas. A primeira coisa é que é muito difícil a gente ter a provocação do diretor,
normalmente o diretor é provocador. É difícil você ver aquele olhar sobre a direção, a direção
é que é olhar sobre a atuação. Então, trabalhar neste processo de preparação, pra mim é
exatamente esta possibilidade, é trabalhar ao lado de um diretor que provoca meu olhar
externo sobre o ator, né. Então é um treinamento que é fundamental com o trabalho em sala e
com o trabalho de teatro, no campo da direção, porque é como se eu fosse o tempo todo
provocada a olhar diferente aquilo que o ator e a atriz produz. A primeira coisa que eu
identifiquei foi uma coisa que a gente de teatro costuma dizer das pessoas de televisão “fazer
televisão é uma coisa muito simples, né, porque no fundo você tá ali, a coisa tá sendo gravada,
se você errar para, grava de novo, o espectador não tá diante de você e você não está ao vivo.
Essa dificuldade, essa tarefa no teatro faz com que o ator ali tenha uma responsabilidade
infinitamente maior porque ele tá diante do espectador criando. Enquanto quando você tá
diante da câmera, você tem a possibilidade que a tua criação, não dando certo, você pode
parar, voltar atrás e recuperar do lugar que você quer”. Eu cheguei a conclusão que não, não
tem nada a ver isso. Muito pelo contrário. O teatro, quando a gente tá no teatro, você tem o
tempo todo da temporada, o tempo todo que você tá em apresentação, você tem a
possibilidade de criar, recriar, aprimorar, ressignificar. Você tá vasculhando um material e ele
pode ir se tornando infinitamente mais potente à medida que você vai fazendo. Tanto que nós
no Barracão brincamos que um espetáculo tá pronto depois de um ano que ele estreou, depois
de um ano que ele tá girando aí ele tá pronto. Por isso a gente escolhe trabalhar com
repertório. Tem espetáculos aqui que a gente faz há dez anos e eles são sempre novos e
criativos porque você tá em contato com o público e isso tá te motivando o tempo todo. O que
eu percebi é que o momento da gravação ele é único. Pra esse artista que tá ali diante da
câmera, ele só vai ter aquele momento pra fazer o melhor dele, aquilo vai ser registrado pra
sempre e nunca mais ele vai poder mudar aquilo. Então isso me deu uma subvertida absoluta,
esse pensamento. Porque eu digo: nós artistas de teatro temos que compreender que o mundo
do espectador ele tem a mesma função de uma câmera. A partir do momento que ele olhou
aquele momento pra ele é único. Você pode fazer cem vezes aquilo e pode fazer cem vezes
pra ele, nunca será igual. Aquele momento é um momento único, exclusivo e nunca mais vai
se repetir. Ficou cravado, só que ao invés de ficar gravado num filme, tá lá registrado num
programa, ele ficou gravado no filme humano do receptor. Então esse já foi o primeiro
paralelo que eu estabeleci. E o segundo é: não é bem assim “estamos aqui diante da câmera e
você... se errar, ou se não der certo, você pode...” Primeiro porque o custo disso é
descomunal. Então você não tem essa coisa, quer dizer, perder tempo numa gravação é uma
coisa seríssima. O tempo é um dos maiores opressores do audiovisual. E a gente precisa tomar
216
cuidado com ele pra não cair numa armadilha e ser refém dele. Ao mesmo tempo, eu percebia
o estado dos artistas quando entravam em gravação. Que era justamente “meu Deus!”, é como
se estivesse diante de uma estreia, mas eu só tenho AGORA, eu só vou fazer essa cena
AGORA, nunca mais vou fazer essa cena. E isso criava também uma ansiedade, um
nervosismo e um estado que precisava ser trabalhado. Pra que não pusesse a perder a
possibilidade de você explorar o teu melhor naquele momento, e nem te comprometesse o dia
seguinte da gravação. A outra coisa é que você às vezes trabalha fragmentado. Vai gravar uma
sequência que não te dá uma linearidade. Então isso fazia... me faz compreender o instante
presente da arte do ator. Então isso muda completamente a nossa relação. Porque atuar
significa estar aqui agora, e o que se passa não é o que será visto. É exatamente o que se passa
entre nós agora no ato do nosso encontro. E pra mim não importa mais se é câmera ou se é
palco. O que importa é que de qualquer maneira haverá um encontro. Quando você trabalha
no universo do audiovisual, o artista precisa colocar uma energia tamanha no seu fazer que ela
tem que ultrapassar as lentes pra ser impressa no filme. O ator de teatro precisa de uma
intensidade tamanha que ultrapasse a quarta parede e atravesse o espectador que tá sentado
diante dele. Reconhecer isso muda pra mim uma relação com a arte do ator,
independentemente do lugar onde ele tá. Somado a isso, toda vez que eu estou em trabalho
criativo no Barracão Teatro e já me aconteceu de tá dentro de um trabalho de criação num
impasse cênico e coincidir com o trabalho de preparação, a resolução da cena se dava muito a
partir da experiência que eu tinha no audiovisual, dentro da sala de trabalho com aqueles
atores sendo preparados por mim. Várias vezes isso aconteceu, de eu solucionar questões da
cena teatral estando em sala de trabalho com atores do audiovisual. Porque no fundo eu acho
que todas essas coisas tão muito relacionadas, né. São muito diretas porque em todas elas nós
estamos lidando com a relação humana, com a criação a partir da relação humana. E no meu
modo de entender, como eu trabalho, tanto num lugar quanto no outro, eu trabalho a partir do
ator e da atriz, o que me interessa de material, o que constitui o meu repertório não é... É
exatamente a criação do ator e da atriz. Não é de uma forma ampla a gente falar “eu tou
dirigindo atores”, eu estou criando a partir da criação do outro. Então, tá preparando um ator
para construir um repertório, é um material o qual ele vai se servir pra criar, num único
segundo que ele vai ter pra fazer isso, é muito potencializador eu olhar da minha
sensibilidade, da minha percepção. Então isso se reflete imediatamente em qualquer trabalho
onde eu tou [] pra poder criar. Não sei se eu consigo ser clara o bastante te falando isso, mas é
uma coisa que interfere diretamente.
CF: Tiche, terminei com as perguntas que eu tinha a fazer, se você quiser colocar alguma
coisa que ache interessante.
TV: Não, não tenho a sensação, não acho que tá faltando nada não. Acho que tocamos nos
pontos todos principais. Talvez o que seja importante a gente... eu acrescentar é que por mais
que isso tenha se ampliado dentro da televisão e que agora comece a se tratar os trabalhos
com a preparação, isso foi uma coisa inclusive que foi colocada pro Luiz Fernando pela
própria direção da Globo, pra ele entender isso. Quer dizer “você deu início a um trabalho
aqui que a gente percebe que tem um resultado diferenciado e a gente quer fazer isso”. A
gente não pode esquecer que o que gerou isso tudo, de uma certa maneira, é uma postura ética
ligada à estética que vem do Luiz Fernando, quer dizer, o Luiz tem essa posição como artista.
Não é uma fórmula, não é pressuposto que vai dar certo você colocar qualquer preparação. Há
de se entende que nós trabalhamos com um universo que é um universo de risco, de
vulnerabilidade. Tratar esse universo, e principalmente porque nós estamos trabalhando com
pessoas em estado de criação, trabalhar esse universo requer da parte de quem trabalha não
uma postura mecânica, quer dizer, não é um entendimento que isso é um mecanismo que é
posto em funcionamento e se você tiver todas as coordenadas e os equipamentos perfeitos isso
217
vai acontecer. Existe o elemento de risco, que é o elemento humano. Então ele depende de
quem são os elementos humanos que estão na coordenação e na projeção dessa configuração
de uma equipe de preparação, de criação, essa soma. Que qualidade de equipe você tá
montando. Quando eu digo isso eu não tou falando de pessoas especiais, mas eu tou dizendo
que você precisa criar uma afinidade, né. Não uma disputa, não uma competição. Você
precisa criar um afeto entre todos aqueles que estão ali. É maravilhoso transitar, antes de
entrar numa sala de trabalho, você transitar ali pela equipe de figurino, e você vê um... você
vê pedaços de coisas sendo colocado. Depois você entrar numa sala de trabalho e
compreender que ali também tão sendo postos pedaços de coisas. Então, o que eu tou
querendo dizer com tudo isso é que preparar não significa criar um laboratório exato de
equipamentos que vão gerar, necessariamente, um bom resultado. Preparar é fundamental, é
essencial, mas ele não é necessariamente um resultado se você não tiver, nessa preparação,
um entendimento de que estas pessoas que fazem parte desse pré-ação-artística, pré-
finalização, pré-resultado, sei lá o que a gente vai chamar, pré-obra-de-arte, se a gente não
entender que essas pessoas entre si tem que estar atravessadas umas pelas outras, num respeito
profundo pela criação um do outro, num desejo profundo de conhecer o que o outro faz, de
interesse profundo pelo outro. Acho que é isso.
É muito legal essa oportunidade de poder falar e poder espalhar mesmo essa experiência que a
gente tem pra que outras pessoas possam desdobrar nos seus fazeres. Porque eu acho que cada
um vai encontrar os seus procedimentos técnicos e metodológicos a partir de uma coisa
fundamental que é “onde há gente tem que haver coração”. Não tem como. Você pode ter a
máscara que você quiser, se não tiver por trás dela o coração, o elemento humano como
essencial para que tudo isso funcione bem, a arte fica fria, ela fica num outro lugar. Isso que é
o mais essencial. Então, eu acho que a gente tem batalhar... é quase uma militância artística
poder colaborar com o teu trabalho, e eu fico feliz que estão querendo também abrir outras
fronteiras, avançar, ir além. Acho que é isso mesmo.
218
APÊNDICE H – Entrevista dos estudantes/atores participantes da Primeira Temporada
do Programa Ciência Aberta
Estudante/ator: Sandro Régio
1. Você já havia trabalhado com audiovisual antes? Quais foram as suas experiências na
televisão e no cinema?
Sim, antes de começar a gravar os programas do Ciência Aberta, tive duas experiências,
consegui gravar um curta metragem com o titulo “Petála” para a disciplina diretor e câmera
do curso de Teatro da UFPB, nesse projeto fiz o roteiro e a direção. Outra experiência foi
participar como ator de um curta chamado “Oracúlo” dirigido por Manásses Diego.
2. Você acredita que sua experiência na TV UFPB contribuiu com sua formação
enquanto ator/atriz? Por quê?
Sim claro, contribuiu muito, ainda contribuí, pois, aprendi coisas que vou levar para adiante
da minha carreira, porque as interpretações para o Teatro e para TV são bem diferentes e
poder aprender sobre ambas faz de mim um ator mais completo, creio eu.
3. Quais os pontos positivos nas experiências que teve na TV UFPB?
Com certeza foi ter trabalhado ao lado de ótimos profissionais, de ter conhecido um monte de
gente, me senti muito à vontade no processo, porque fizeram-me sentir isso, pude beber de
várias fontes que não era só a TV, mas que estava totalmente ligado a TV e que pode nos
ajudar em outros trabalhos, como: As oficinas que fizemos, os temas que foram abordados no
programa, aprendi coisas que nem imaginava aprender com esse tipo de trabalho, então a
experiência em geral é um ponto que considero positivo.
4. Quais os pontos negativos nas experiências que teve na TV UFPB?
Com certeza foi ter trabalhado ao lado de ótimos profissionais, de ter conhecido um monte de
gente, me senti muito à vontade no processo, porque fizeram-me sentir isso, pude beber de
várias fontes que não era só a TV, mas que estava totalmente ligado a TV e que pode nos
ajudar em outros trabalhos, como: As oficinas que fizemos, os temas que foram abordados no
programa, aprendi coisas que nem imaginava aprender com esse tipo de trabalho, então a
experiência em geral é um ponto que considero positivo.
5. Você utilizou os conhecimentos adquiridos no curso de Teatro nas experiências na TV
UFPB de que forma?
Sim, usando exercícios de concentração, respiração, percepção, paciência, escuta e também
aproveitei bastante da preparação vocal e corporal.
6. Como você acha que a experiência na TV UFPB poderia ser melhor para sua
formação?
Acho que se tivesse uma ligação maior com o curso de Teatro, não só buscando atores de lá,
mas criando possibilidades de apresentações do projeto, nos eventos da universidade ou em
outros, possibilitar demonstrações visuais e práticas em sala de aula, tendo como condutor o
aluno bolsista/voluntário no projeto e lógico divulgar os programas em toda Universidade
usando pontos estratégicos.
7. Você poderia destacar procedimentos/atividades realizados na produção da qual
participou na TV UFPB que ajudaram no seu desempenho?
219
Sim, fizemos várias oficinas que contribuíram para um bom desempenho no processo, como:
Ator e câmera, áudio descrição, direção de arte, além dos exercícios dinâmicos que fizemos
durante os ensaios, proposto pela diretora e as vezes pelo o elenco
8. Você acha que o processo de preparação dos atores é importante para um bom
resultado em produções televisivas?
Claro que sim, contribuí muito, principalmente a sua própria preparação interior, o ator tem
que está sempre preparado e aperfeiçoando sua atenção com exercícios que possam ajudar na
construção da personagem.
Estudante/atriz: Raquel Ferreira
1. Você já havia trabalhado com audiovisual antes? Quais foram as suas experiências na
televisão e no cinema?
Sim. Havia trabalhado em uma série promovida pelo Governo do Estado da Paraíba,
intitulada “Gente como a gente”, veiculada em TV aberta durante três meses. Trabalhei
também em um curta metragem chamado “O vendedor de coisas” e em algumas campanhas
publicitárias para TV.
2. Você acredita que sua experiência na TV UFPB contribuiu com sua formação
enquanto ator/atriz? Por quê?
Contribuiu significativamente. Tanto pela oportunidade de ser parte ativa em outras áreas que
compunham o programa, como o pensar na cena, estruturar o cenário, criar tabelas das
necessidades relacionadas à produção das gravações, assim como das leituras e oficinas
teóricas ligadas ao audiovisual que participamos e da construção dos personagens e cenas nos
processos de ensaio e gravação.
3. Quais os pontos positivos nas experiências que teve na TV UFPB?
O principal ponto positivo foi a harmonia que permeou todo o processo que nos fez fazer
parte do programa, desde a seleção, as reuniões, os ensaios e as gravações. Ponto esse que a
meu ver é essencial para que se reflita em um resultado positivo, assim como o estímulo
constante que recebíamos em buscar conhecer mais sobre o universo da TV, quer seja
teoricamente, quer seja na prática, vivenciando também experiências além do programa.
4. Quais os pontos negativos nas experiências que teve na TV UFPB?
Sem dúvida as dificuldades financeiras foram uma grande barreira a ser vencida por toda a
equipe. Como dependíamos da verba destinada ao programa para realizar inúmeras questões
ligadas à produção principalmente, as gravações precisaram ser adiadas com frequência,
agendas pessoais e consequentemente, a agenda do programa também teve quer ser
realinhada. Vivenciar essas dificuldades e ainda assim não perder o foco e a vontade de
permanecer naquela ação, foram mantidas pelo vínculo de união criado entre a equipe e pela
crença em que estávamos em um trabalho que acreditávamos.
5. Você utilizou os conhecimentos adquiridos no curso de Teatro nas experiências na TV
UFPB de que forma?
Muito. Nos episódios que participei havia uma estética de metateatro, onde de fato
interpretávamos estudantes do curso de teatro. Mas nos momentos que exigia uma
interpretação mais espontânea e próxima do natural, o curso de Teatro também serviu, já que
no próprio curso também há disciplinas de interpretação voltadas para a TV.
220
6. Como você acha que a experiência na TV UFPB poderia ser melhor para sua
formação?
Acredito muito na ideia de ensaios abertos, o olhar de fora, com observações construtivas e
sinceras sempre contribuem muito. Uma sugestão que pode vir a ser interessante no futuro
pode vir daí: ensaios filmados e comentados não só por quem veio assisti-los pra oferecer seus
apontamentos, quanto do próprio ator se vendo, pode funcionar bem.
7. Você poderia destacar procedimentos/atividades realizados na produção da qual
participou na TV UFPB que ajudaram no seu desempenho?
As rodas de conversa após as leituras dos nossos roteiros, as ricas oficinas que participamos
em equipe promovidas pelo SESC João Pessoa, a oportunidade de produzirmos juntos e ao
mesmo tempo participar do programa e da oficina de interpretação para a TV, junto a
profissionais de outros núcleos da TV UFPB, além do próprio exercício prático de estar em
set.
8. Você acha que o processo de preparação dos atores é importante para um bom
resultado em produções televisivas?
Muito. Tudo o quanto puder ser usado como alimento criativo para o ator, para a construção
do seu personagem e conhecimentos a cerca do universo técnico e lúdico a ser trabalhado só
vem a enriquecer o trabalhado em seus diversos segmentos. E a harmonia, a união e amizade
em equipe é parte fundamental no processo, ela também imprime na tela, é força motora para
a equipe, e nos momentos de cansaço, de horas de estúdio, é combustível ao ânimo.
Estudante/ator: David Muniz
1. Você já havia trabalhado com audiovisual antes? Quais foram as suas experiências na
televisão e no cinema?
Já havia trabalhado, sim. Já havia trabalhado bastante como ator de publicidade, algumas
poucas experiências com cinema (“por trinta dinheiros, dir. De vânia perazzo; “três”, dir. De
thomas freitas) e teledramaturgia com a minissérie “geração saúde 2” produzido pela tv
escola.
2. Você acredita que sua experiência na TV UFPB contribuiu com sua formação enquanto
ator/atriz? Por quê?
Acredito que sim, pois houveram momentos de ensaio com bastante ênfase na preparação de
ator.
3. Quais os pontos positivos nas experiências que teve na TV UFPB?
Acredito que a experiência do programa de tv em si é um ponto bem positivo. Além disso, o
projeto me parece ser bastante pertinente.
4. Quais os pontos negativos nas experiências que teve na TV UFPB?
A demora para realização do projeto com certeza foi o ponto negativo.
5. Você utilizou os conhecimentos adquiridos no curso de Teatro nas experiências na TV
UFPB de que forma?
221
Com certeza o bacharelado de teatro que fiz na ufpb colaborou bastante para meu
desempenho como ator, não somente neste trabalho, como em qualquer outro trabalho que
faça como ator profissional.
6. Como você acha que a experiência na TV UFPB poderia ser melhor para sua formação?
Acredito que, com o tempo, a tv se torne mais profissional a possa ter em sua grade de
programação mais espaço para programas de teledranaturgia.
7. Você poderia destacar procedimentos/atividades realizados na produção da qual participou
na TV UFPB que ajudaram no seu desempenho?
Os ensaios foram muito importantes.
8. Você acha que o processo de preparação dos atores é importante para um bom resultado em
produções televisivas?
Acredito que foi a melhor parte dessa produção. Colaborou bastante para diminuir o tempo de
estúdio.
Estudante/ator: Natan Pedoni
1. Você já havia trabalhado com audiovisual antes? Quais foram as suas experiências na
televisão e no cinema?
Sim, já tinha participado de um documentário paraibano, e também tenho outras participações
em uma pegadinha feita pela TV local.
2. Você acredita que sua experiência na TV UFPB contribuiu com sua formação enquanto
ator/atriz? Por quê?
Pra mim foi uma experiência nova participar de um programa, coisa que não tinha feito até o
momento, e toda experiência boa é valida. E contribuiu para o meu crescimento como ator.
3. Quais os pontos positivos nas experiências que teve na TV UFPB?
Poder participar de um programa de TV, a oportunidade de aprendizagem de como funciona
uma TV, entre outras.
4. Quais os pontos negativos nas experiências que teve na TV UFPB?
Acredito que ouve poucos pontos negativos, mas acho que por ter sido o primeiro programa,
algumas coisas tiveram que improvisar.
5. Você utilizou os conhecimentos adquiridos no curso de Teatro nas experiências na TV
UFPB de que forma?
Sim, como interpretar diante de uma câmera. Pós-produção e produção.
6. Como você acha que a experiência na TV UFPB poderia ser melhor para sua formação?
Foi bom, porém acho que a TV poderia usar mais os alunos os seus projetos, como
programas, vídeos, etc.
7. Você poderia destacar procedimentos/atividades realizados na produção da qual participou
na TV UFPB que ajudaram no seu desempenho?
Oficina de ator e câmera, produção do cenário, produção de alguns episódios.
222
ANEXOS
ANEXO A – Folder digital da Oficina de Atuação para o Audiovisual
223
ANEXO B – Ficha de construção de personagem
ASPECTOS FÍSICOS
01. Raça
02. Sexo
03. Idade
04. Altura
05. Peso
06. Aparência geral
07. Cor do cabelo
08. Olhos
09. Pele
10. Voz
11. Saúde
12. Cores preferidas
13. Caminhar
14. Postura habitual
15. Gestos
ASPECTOS SOCIAIS
01. Nacionalidade
02. Onde vive (cidade, país, lugar, região)
03. Classe social
04. Lugar que ocupa no meio
05. Se está de acordo com o meio
06. Educação
07. Vida familiar (os pais, os filhos, se vivem, relacionamento, antepassados que interfiram)
08. Estado civil
09. Relacionamento com a pessoa amada
10. Vida econômica
11. Religião
12. Idéias políticas
13. Passatempos
14. Onde vive (como é a casa)
ASPECTOS PSICOLÓGICOS
01. Vida sexual
02. Normas morais
03. Correspondem à religião?
04. Atitude frente à vida (filosofia pessoal)
05. Ambição – o que espera conseguir?
224
06. Qual o maior objetivo na vida?
07. Pelo que se interessa profundamente?
08. Contratempos e desenganos
09. Temperamento
10. Complexos e inibições.
11. Qualidades e faculdades intelectuais.
12. Tem alguma psicopatia? (fobia, alucinação, mania, etc.)
ASPECTOS LITERÁRIOS
01. Em que parte da obra aparece?
02. O que faz dentro da obra? (ações físicas)
03. No começo da obra, o que sente pelos outros personagens?
04. O que sentem os demais em relação a ele?
05. O que dizem a respeito dele?
06. Qual a sua relação com o protagonista?
07. Que tipo de relacionamento tem com os demais personagens?
08. Qual o seu objetivo máximo, na obra?
09. Consegue atingir seu objetivo máximo?
10. Para alcançar seu grande objetivo que gradação de objetivos menores tem que enfrentar?
11. Que obstáculos se antepõem a cada um de seus objetivos?
12. Qual a reação frente às dificuldades?
13. Causa dano ou benefício a alguém?
14. No decorrer da obra, mudam seus sentimentos em relação aos outros?
15. Mudam os sentimentos dos outros em relação a ele? Por quê?
225
ANEXO C – Roteiro do Programa Piloto Ciência Aberta - 2ª temporada
Apresento a seguir os três roteiros desenvolvidos a partir das improvisações dos atores
durante a gravação do episódio piloto da segunda temporada do programa televisivo Ciência
Aberta, da TV UFPB.
ROTEIRO 1 – FESTA DE FORMATURA
CENA 1
INT – SALA DE ESTAR DA FAMÍLIA BARBOSA - NOITE
Enquanto é ouvida a narração, José Carlos penteia os cabelos,
guarda o pente no bolso, ajeita a gravata e senta no sofá.
Priscylla calça os sapatos e se perfuma. Ana Maria compara
roupas nos cabides.
NARRADOR - A família Barbosa é composta por três
membros: O senhor José Carlos Barbosa, a senhora Ana
Maria Barbosa e a filha única do casal, Priscylla
Kelly Barbosa. Na família Barbosa todos são cegos de
nascença e como em toda casa, na hora de se preparar
para sair, há aqueles que demoram séculos para se
arrumar e aqueles que esperam impacientemente.
(O senhor José Carlos que já está pronto para sair, chama sua
esposa e filha)
JOSÉ CARLOS – Ana Maria, querida! Vamo logo!
INT – QUARTO - NOITE
(A senhora Ana Maria que está procurando uma roupa para
vestir, ajudada pela filha, grita avisando que já está quase
pronta, a fim de acalmar o marido)
ANA MARIA – Tou indo, Zé Carlos! Tou quase pronta.
PRISCYLLA – Eita, mãe! Tá dando pra mentir agora, é?
(tateia o roupão) A senhora ainda tá de roupão e diz
que tá pronta?
ANA MARIA – É para acalmar teu pai, Priscylla. Tu não
sabe como ele é agoniado?
PRISCYLLA – Ah tá... Pensei que a senhora ia só de
calcinha e sutiã pra chegar sensualizando na festa.
226
ANA MARIA – Me respeite, menina! Tá me estranhando,
é? Por falar em sensualizar, tenho que ter cuidado
pra não ir com aquela blusa transparente, que teu pai
me deu de presente de aniversário.
PRISCILLA – Verdade, mãe. A última vez que a senhora
usou, no velório de seu Gregório, o povo ficou
comentando. Disseram até que o morto quase
ressuscitou. (ri)
ANA MARIA – Misericórdia! Nem me fale! Pense na
vergonha que eu passei!
PRISCILLA – Que nada, mãe! A senhora arrasou!
ANA MARIA – Sei não! Mas vamo deixar de conversa que
seu pai já já vai embora sem a gente. Me ajuda aqui a
escolher uma roupa.
INT – SALA DE ESTAR DA FAMÍLIA BARBOSA - NOITE
JOSÉ CARLOS – Vamo logo, pessoal. A gente vai acabar
se atrasando. Deixa eu ver aqui que horas são. (Seu
José Carlos aciona o relógio de voz)
SOM DO RELÓGIO DE VOZ - Vinte horas, quarenta minutos
e seis segundos
JOSÉ CARLOS – Esse povo vaidoso! Passa duas horas pra
se arrumar! Por mim eu ia era de pijama e chinelo,
mas como é formatura... E eu faço questão de
prestigiar o formando! Esse meu sobrinho é como um
filho! E por falar em filho... Priscylla Kelly! Quem
vai se formar é seu primo! Vamo logo embora!
(Priscylla que ainda está ajudando sua mãe, grita do quarto)
PRISCYLLA – Eu já tou pronta, pai! Tou só ajudando
mãe!
JOSÉ CARLOS – Sei... A conversinha é essa! Imagino
quando for o casamento de Priscylla Kelly. Vai passar
pelo menos uma semana se arrumando.
CENA 2
227
INT – SALA DE ESTAR DA FAMÍLIA BARBOSA - NOITE
NARRADOR – Uma hora depois, dona Ana Maria finalmente
sai do quarto, mas quando chega na sala, percebe que
seu marido estava dormindo.
SOM DO RONCO DE SEU JOSÉ CARLOS
ANA MARIA – Querido, já tou pronta! Vamos? (percebe
que José Carlos está dormindo) O que? Tá dormindo?
Acorda Zé! Vamo que a gente já tá atrasado!
JOSÉ CARLOS – Ah? Como? O quê?
ANA MARIA – Isso mesmo que você ouviu! Estamos
atrasados! E o táxi tá lá fora esperando a gente!
JOSÉ CARLOS – É fogo mesmo! A pessoa se apronta
primeiro e ainda leva a culpa!
(Priscylla lembra de uma informação importante que havia no
convite)
PRISCILLA – Eita! A gente esqueceu de um detalhe
importante!
ANA MARIA – Se for as senhas, já tão na minha bolsa!
PRISCILLA – Não, não é isso não! É que no convite
dizia, que azul é a cor exclusiva dos formandos. E se
a gente tiver usando azul?
JOSÉ Carlos – Agora é tarde. Não dá nem para
perguntar a dona Creuza, porque ela tá viajando e a
gente já está muito atrasado. Vamo assim mesmo.
ANA MARIA – É filha. Se algum de nós tiver de azul,
eles terão que desculpar e depois seu pai tem
razão...
JOSÉ CARLOS – Eu tenho razão? Que milagre é esse? Eu
nunca tenho razão nessa casa!
ANA MARIA – Deixa eu terminar de falar. Como eu ia
dizendo, seu pai tem razão, por causa da soneca dele,
estamos atrasadíssimos!
(Seu José Carlos e dona Ana Maria saem discutindo enquanto
Priscylla se diverte com as meninices do pai)
228
NARRADOR – E foi assim que a família Barbosa saiu
para a festa de formatura do sobrinho do seu José
Carlos, de azul e discutindo felizes para sempre!
PROGRAMA CIÊNCIA ABERTA – TELEDRAMATURGIA
ROTEIRO 2 – LOJA DE ROUPAS
CENA 1
INT – LOJA DE ROUPAS - DIA
NARRADOR – Clarisse é uma jovem vaidosa. Apesar de
ter perdido a visão ainda criança, ela faz questão de
se vestir bem. Está ansiosa para ir à formatura de
seu melhor amigo e para isso, vai a uma loja de
roupas à procura de um vestido de festa.
(Cláudio, atendente da loja de roupas, arruma a arara de
exposição. Laura, cliente frequente, entra na loja).
CLÁUDIO – Laura, minha querida! Quanto tempo! Nunca
mais apareceu por aqui. Vai levar o quê, hoje?
LAURA – Oi, Cláudio. Eu vim olhar as novidades. O que
você tem aí?
CLÁUDIO – Você está com sorte, viu? Chegou uma
coleção nova que tenho certeza que você vai adorar.
LAURA – Ai, que ótimo. Quero ver tudo!
CLÁUDIO – Só um minutinho que já te mostro. Vou só
atender aquela moça, rapidinho, tá?
(Clarisse entra na loja, de bengala na mão. Cláudio se
aproxima).
CLÁUDIO – Boa tarde. Em que posso ajudar?
CLARISSE – Boa tarde. Eu tou procurando um vestido de
festa.
CLÁUDIO – Claro. Os vestidos ficam aqui nessa arara.
Deixa eu pegar aqui uns pra você.
CLARISSE – Não precisa. Só me indica onde é e pode
deixar que eu mesma procuro.
229
CLÁUDIO – Tudo bem, fique à vontade. Os vestidos
estão nessa parte de cima.
CLARISSE - (Pondo a mão nos vestidos) Aqui?
CLÁUDIO - Isso. Se precisar de alguma coisa pode me
chamar, tá? (volta a atender Laura)
CLARISSE – Obrigada.
(Clarisse continua tateando as peças)
CLÁUDIO – (mostrando alguns vestidos a Laura) Olha
só, Laura, esses aqui. Tem um caimento ótimo. Sente
esse tecido.
LAURA – (tocando o tecido) Hum, realmente é bem
gostoso. Mas eu não gostei muito dessa cor.
CLÁUDIO – Olha só esse. Combina bem com seu tom de
pele.
CLARISSE – (se aproximando) Com licença. Por acaso
tem a descrição em braile na etiqueta dessas peças?
CLÁUDIO – Eh... infelizmente nossa loja ainda não
dispõe de etiqueta em braile. Mas se quiser alguma
ajuda pode me chamar, ok?
CLARISSE – Certo, obrigada. (volta para a arara de
roupas)
CLÁUDIO – Sim, Laura, tem esse floral aqui, o que
você acha?
LAURA – Eh... acho que tá meio simples, sem detalhe
nenhum. Eu gosto de roupa que chama atenção, Cláudio,
você sabe. Você não tem algum assim, bem chique, com
brilho e tal?
CLÁUDIO – Já sei! Eu vou pegar um ali no estoque que
é a sua cara!
(Cláudio sai e volta com um vestido preto na mão).
CLÁUDIO – Olha esse aqui, o que você acha?
LAURA – Que lindo! Qual o número?
CLÁUDIO - 36.
230
LAURA – Meu número.
CLÁUDIO - Peça única, viu?
LAURA - Vou levar!
CLÁUDIO – Ótimo. Você vai ficar linda nele. Quer ver
mais algum?
LAURA – Agora não. Depois eu volto aqui com mais
tempo. Obrigada, querido.
CLÁUDIO – Então, pode ir direto no caixa. Muito
obrigada, querida. Volte sempre.
(Clarisse continua tateando as roupas, o vendedor se aproxima)
CLÁUDIO – Então, posso ajudar em alguma coisa?
CLARISSE – (com uma roupa estampada nas mãos) Ah,
sim, por favor. Esse vestido aqui tem estampa?
CLÁUDIO – (com ar de espanto) É sim, todo estampado.
CLARISSE – (pega uma roupa listrada) E esse aqui é
listrado?
CLÁUDIO – (ainda mais impressionado) Listras
coloridas.
CLARISSE – (pega um rendado, interessada) Esse
vestido rendado, parece bem bonito. É tamanho P?
CLÁUDIO – (olha a etiqueta) É sim. Cabe direitinho em
você. Quer provar?
CLARISSE – Ele é azul?
CLÁUDIO – Não, não. Ele é bege com dourado. Mas eu
tenho um azul belíssimo ali dentro. Deixa eu ir
buscar pra você. Tenho certeza que você vai gostar. É
um tom de azul celeste, com degradê até o marinho,
sabe? E azul é uma cor leve, né? Dá com tudo. Você
pode colocar um sapato prateado ou preto, com pedras.
Vai ficar lindo. Eu sou suspeito pra falar, porque eu
adoro azul. Lembra o céu, o mar, né? Você tem muito
bom gosto, viu? Vou lá buscar o vestido pra você. Seu
tamanho é P, certo? Só um minuto.
231
CLARISSE – Não, espera. Se for azul eu não quero,
porque é a cor dos formandos. Eu vou levar esse
mesmo.
CLÁUDIO – (sem graça) Ah... claro. Então... deseja
mais alguma coisa?
CLARISSE – Não, só isso mesmo. Obrigada.
CLÁUDIO – Está bem. Eu te levo até o caixa.
CLARISSE – Não precisa. Só me diz a direção que eu
vou só.
CLÁDIO - Pode seguir em frente, no balcão à direita.
Muito obrigada, viu. Boa festa pra você.
(Clarisse sai. Cláudio volta a arrumar a arara)
PROGRAMA CIÊNCIA ABERTA – TELEDRAMATURGIA
ROTEIRO 3 – NA PARADA DE ÔNIBUS
CENA 1
EXT – PARADA DE ÔNIBUS - NOITE
NARRADOR – Alberto Luiz é cego de nascença, mas desde
muito cedo tornou-se independente. Como mora sozinho,
costuma usar o transporte coletivo como seu principal
meio de locomoção.
(Alberto Luiz chega ao ponto do ônibus onde encontra uma
mendiga pedindo esmolas)
MENDIGA – (canta)
ALBERTO LUIZ – Boa noite, senhora. Você sabe dizer se
o 5600 já passou?
MENDIGA – Assim, moço, eu nem sei ler nem conheço os
números, mas se for o ônibus verde já passou.
ALBERTO LUIZ – E agora? Como eu faço pra saber?
MENDIGA – É melhor o senhor esperar. Quando vier um
ônibus eu lhe aviso. O senhor dá com a mão e quando
ele parar aí o senhor pergunta ao motorista.
232
ALBERTO LUIZ – Sabe o que é, moça? É que o 5600 só
passa de meia em meia hora e se ele já passou eu não
vou poder esperar. É que hoje é minha festa de
formatura e já tou em cima da hora.
MENDIGA – Olha, vem chegando uma moça aí que sabe a
hora dos ônibus tudinho. É só perguntar a ela. É
aquela com fone de ouvido.
ALBERTO LUIZ – Obrigado.
(vem chegando uma moça com fones de ouvido, cantando e
dançando)
ALBERTO LUIZ – Moça, você sabe se o 5600 já passou?
MOÇA – (tirando um dos fones de ouvido) O quê?
ALBERTO LUIZ – Eu queria saber se o 5600 já passou.
MOÇA – (olha a hora no celular) Ah, com certeza! Deve
ter passado faz uns 5 minutos. Você está indo pra
onde?
ALBERTO LUIZ – Eu estou indo para o salão de festas
Classic. É que hoje é a minha formatura.
MOÇA – Ah, sei qual é. Não tenho certeza qual é o
número, mas tem um ônibus amarelo que passa por lá
também. Aí você presta atenção: depois que passar por
um prédio branco bem alto, você pede parada. O salão
de festas fica quase em frente a um casarão antigo
cor de rosa. Eita! Tenho que ir, lá vem meu ônibus.
Boa sorte! (pega o ônibus)
MENDIGA – Olha, moço, eu sei que o doutor aqui é o
senhor, mas eu vou lhe dar um conselho: se não quiser
perder a sua festa, é melhor ir de táxi. Tem um ponto
direto aqui nessa calçada, logo ali na frente.
ALBERTO LUIZ – Você tem razão. Vou pegar um táxi
agora mesmo.
MENDIGA – Vá com Deus! (segue cantando)
233
ANEXO D – Lista de Links dos Vídeos
1. Playlist com todos os vídeos:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLDygBi1nDNKsCTPdQT1j3CMI6uBQIA6_
7
2. Trechos - Entrevistas atores e diretores: https://youtu.be/hBR-vL-_xQ0
3. Entrevista - TITINA MEDEIROS: https://youtu.be/REESQ_VCP0U
4. Entrevista - LUIZ CARLOS VASCONCELOS: https://youtu.be/t4lDdFTa4bM
5. Entrevista - LÚCIA SERPA: https://youtu.be/Zjubz5ZR3qo
6. Entrevista - VALESKA PICADO: https://youtu.be/2ZjR9nv4_M8
7. Entrevista - DAVID MUNIZ: https://youtu.be/7R41NpU-DrUOficina de Atuação para
o Audiovisual - EXERCÍCIOS E JOGOS: https://youtu.be/Xn4IeVTbQC8
8. Oficina de Atuação para o Audiovisual: Atividade MONÓLOGOS -
https://youtu.be/N2rFGhUeZqM
9. Oficina de Atuação para o Audiovisual - Atividade MONÓLOGOS - Parte 2:
https://youtu.be/zV3t7PTgB5Q
10. Oficina de Atuação para o Audiovisual - Atividade IMPROVISAÇÃO:
https://youtu.be/0JqGpNx_JA0
11. Oficina de Atuação para o Audiovisual - Atividade prática DIÁLOGOS:
https://youtu.be/OSCkcgPjXas
12. Oficina de Atuação para o Audiovisual - DEPOIMENTOS DOS PARTICIPANTES:
https://youtu.be/pI97IxtPzJM
13. CIÊNCIA ABERTA - Programa Piloto - 2ª Temporada:
https://youtu.be/w4oudpyU7eQ
14. CIÊNCIA ABERTA – Primeira Temporada:
https://www.youtube.com/watch?v=770aH9q7AlM&list=PLGshD_YWCkUTJqNpp
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