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KORTEN QUANDO AS CORPORAÇÕES REGEM O MUNDO

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KORTEN

QUANDO AS

CORPORAÇÕES

REGEM O

MUNDO

Page 2: Korten - Quando as Corporacoes

FICHA DE LIVRO

AUTOR : Korten, David C.

TÍTULO : Quando as corporações regem o mundo

EDITOR : Editora Futura

ANO : 1996

NÚMERO DE PÁGINAS : 417

ÁREA DE INTERESSE : Cenário econômico

David C. Korten1

Capítulo 4: Aumento do poder das corporações americanas2.

A autorização das corporações (charter) é uma invenção social criada para agregar

recursos financeiros privados a serviço de um objetivo público. Permite também a um ou

mais indivíduos alavancar maciços recursos econômicos e políticos atrás de interesses

obviamente particulares e proteger a si mesmos da responsabilidade legal pelas

consequências públicas. Menos amplamente reconhecida é a tendência das corporações

ao crescer em tamanho e poder, de desenvolver suas próprias agendas institucionais,

alinhadas com imperativos inerentes à sua natureza e estrutura, que não estão

inteiramente sob o controle nem mesmo do pessoal que as possui e dirige. Essas agendas

centralizam o aumento de seus próprios lucros protegendo a si mesmas das incertezas do

mercado. Surgem de uma combinação de competição de mercado, da demanda dos

mercados financeiros e dos esforços dos indivíduos dentro delas para promover suas

carreiras e aumentar seus ganhos. Progressivamente, mais que o interesse humano, é o

interesse das corporações que define as agendas políticas dos Estados e dos organismos

internacionais, embora esta realidade e suas implicações não tenham sido percebidas nem

tratadas pela maioria.

O documento de constituição das corporações é uma garantia de privilégios estendidos

pelo Estado a um grupo de investidores para servir um objetivo público. Sua história

remonta pelo menos ao século XVI. Naquele tempo, as dívidas de um indivíduo eram

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herdadas por seus descendentes e podiam levar o descendente à prisão, mesmo que nada

devesse. Aqueles que partiam de navio da Inglaterra para comerciar especiarias nas Índias

Orientais enfrentavam não apenas os inevitáveis perigos da perigosa viagem por mar, mas

também a perspectiva de que eles e suas famílias poderiam estar arruinados, mesmo nas

futuras gerações, se perdessem seu carregamento por causo do tempo ruim ou os piratas.

Para o comércio internacional, a corporação representou uma importante inovação

1 KORTEN, David C.: Quando as corporações regem o mundo, São Paulo, Editora Futura 1996

2 op.cit. pag.69ss

institucional a superar esta barreira. Como tantas importantes invenções, a autorização de

constituição da corporação abriu inúmeras oportunidades de promover os interesses das

sociedades humanas – contanto que as sociedades civis mantivessem sob controle os

potenciais abusos que a concentração do poder possibilitava.

Especificamente, a autorização de constituição da corporação representava uma

concessão da coroa que limitava a responsabilidade de um investidor pelas perdas da

corporação ao montante de seus investimentos – um direito que não se estende

individualmente a cidadãos. Cada autorização de constituição estabelecia os direitos e os

deveres específicos conferidos a determinada corporação – inclusive a quota de lucros que

iria para a coroa em troca do privilégio especial conferido. Tais autorizações de constituição

eram concedidas conforme a vontade da coroa e poderiam ser retiradas a qualquer

momento. Não causa surpresa que a história das relações governos-corporações desde

aquele tempo tenha sido uma história de contínuas pressões por parte dos interesses da

corporação em expandir os direitos da corporação e limitar suas obrigações.

Nos EUA, as corporações daquele tempo de colônia eram constituídas pelo rei por meio da

autorização e funcionavam como uma extensão do poder da coroa. Geralmente, tais

corporações ganhavam a outorga de poderes de monopólio sobre territórios e indústrias

que eram considerados críticos para os interesses do estado britânico. O parlamento

inglês, que durante os séculos XVII e XVIII era composto por ricos proprietários de terra,

Page 4: Korten - Quando as Corporacoes

mercadores e fabricantes, aprovou muitas leis destinadas a proteger e estender esses

interesses monopólicos. Essas práticas foram energicamente condenadas por Adam Smith

em A riqueza das nações. Smith considerava as corporações e os governos instrumentos

de supressão das forças competitivas do mercado e sua acusação era inflexível. Em sua

clássica tese, ele menciona especificamente as corporações doze vezes e em nenhuma

delas lhes atribui qualquer qualidade favorável. É típica sua observação: "É para impedir

esta diminuição de preços, e conseqüentemente dos salários e do lucro, restringindo a livre

competição que isto sem dúvida ocasionaria, que todas as corporações e a maior parte das

leis das corporações foram estabelecidas."

É digno de nota o fato de que a publicação de A riqueza das nações e a assinatura da

Declaração da Independência dos Estados Unidos acontecessem ambas em 1776. Cada

delas era, à sua maneira, um manifesto revolucionário desafiando a abusiva aliança do

poder do Estado e das corporações para estabelecer controles monopólicos sobre os

mercados e dessa forma captar lucros não-ganhos e inibir as empresas locais. Smith e os

colonos americanos partilhavam uma profunda suspeita com relação ao poder de ambos,

Estado e corporações. A Constituição dos Estados Unidos instituiu a separação dos

poderes governamentais a fim de criar um sistema de controle e de equilíbrio que foi

cuidadosamente articulado para limitar as oportunidades de abusos do poder estatal. As

corporações não são mencionadas e isso sugere que aqueles que as estruturaram não

previam ou não pretendiam que as corporações tivessem um papel decisivo nos negócios

da nova nação.

Na jovem república americana, fazia pouco sentido que as corporações fossem sempre

inevitáveis e apropriadas. As fazendas e as empresas familiares eram o esteio da

economia, dentro do ideal de Adam Smith, embora fossem também comuns as lojas na

vizinhança, as cooperativas e as empresas cujos trabalhadores eram também os donos.

Isso combinava com a crença prevalecente na importância de manter locais e democráticas

as decisões de investimento e de produção. As corporações constituídas pela autorização

Page 5: Korten - Quando as Corporacoes

eram mantidas sob o controle atento dos cidadãos e do governo: a divulgação da

autorizações ficava sob o poder de cada Estado e não do governo federal. A intenção era

conservar aquele poder o mais próximo possível do controle dos cidadãos. Os legisladores

do Estado conservavam o direito soberano de retirar a autorização de constituição de

qualquer cooperação que, em seu julgamento,deixara de servir o interesse público além de

prestarem cuidadosa atenção aos negócios da corporação.

O século XIX surgiu como um período de luta legal, ativa e aberta entre as corporações e a

sociedade civil com relação ao direito do povo de, por meio de seus governos estatais,

revogar ou corrigir as autorizações de constituição das corporações. Em 1819, os cidadãos

do New Hampshire consideraram a cassação pela Corte Suprema de uma decisão de

revogação de uma autorização estadual como uma ataque contra a soberania do Estado.

Insistiram que fosse feita uma distinção entre uma corporação e os direitos de propriedade

de um indivíduo. Argumentaram que as corporações não surgiam espontaneamente, mas

pelo desejo das legislaturas de Estado servirem a um bem público. Portanto as

corporações eram organismos públicos, não privados, e os legisladores eleitos do Estado

tinham desse modo, um direito absolutamente legal de emendar ou revogar à vontade suas

autorizações de constituição.

A Guerra Civil norte-americana (1861-65)marca um ponto de rotação para o direito das

corporações. Com os enormes lucros que entravam dos contratos de aquisição militar, os

participantes das indústrias aproveitaram-se da desordem e da corrupção política em

ascensão para virtualmente comprar a legislação que lhes deu maciças concessões de

terra e financeira para expandir o sistema ocidental de estradas de ferro. Quanto maiores

eram seus lucros, mais firmemente a classe industrial emergente conseguia solidificar seu

domínio sobre o governo para obter maiores benefícios. Gradualmente, as corporações

adquiriram suficiente controle sobre organismos legislativos – chave para virtualmente

reescreverem as leis que regiam a criação delas mesmas. Em pouco tempo tiveram o

direito de operar de qualquer modo que não fosse explicitamente proibido por lei. Um

Page 6: Korten - Quando as Corporacoes

sistema judiciário conservador que era consistentemente sensível aos apelos e argumentos

dos advogados das corporações anulou com firmeza as restrições que uma coletividade de

cidadãos preocupados tinha colocado com esmero sobre o poder das corporações. Passo

a passo, o sistema judiciário inseriu novos precedentes que tornavam a proteção das

corporações e das propriedades corporativas uma peça central da lei constitucional. Juízes

favoráveis aos interesses corporativos legislaram que os operários eram responsáveis

pelos próprios danos no trabalho, limitaram a responsabilidade das corporações por danos

que pusessem causar e declaram inconstitucionais as leis sobre salários e horas

trabalhadas. Segundo a interpretação deles, o bem comum queria dizer máxima produção

– independentemente do que era produzido e de quem era prejudicado. Em 1886, a Corte

Suprema decretou que uma corporação privada, sob a Constituição dos Estados Unidos, é

uma pessoa física – embora a Constituição não mencione as corporações – e

conseqüentemente tem direito à proteção da Carta dos Direitos, inclusive o direito à

liberdade de palavra e outras proteções constitucionais proporcionadas aos indivíduos.

Desse modo as corporações finalmente exigiram os plenos direitos desfrutados

individualmente pelos cidadãos mesmo estando isentos de muitas das responsabilidades e

obrigações da cidadania. Além disso, tendo garantido o mesmo direito à liberdade de

palavra como cidadãos individuais, elas alcançaram o domínio do pensamento e do

raciocínio público. A subseqüente reivindicação das corporações aos mesmos direitos de

qualquer indivíduo de influenciar o governo em seu próprio interesse lançou os cidadãos

contra os vastos recursos financeiros e de comunicação das corporações e ridicularizou a

intenção constitucional de que todos os cidadãos tivessem importância igual nos debates

políticos acerca de importantes assuntos.

As condições de caos e violência que caracterizaram o período de explosiva expansão

industrial no livre mercado prepararam o terreno par consolidações e compromissos que

transformaram os relacionamentos sociais e institucionais. As grandes empresas chegaram

a considerar vantajoso trabalhar com grandes sindicatos moderados que negociavam

Page 7: Korten - Quando as Corporacoes

salários e padrões uniformes para todo o setor e obrigavam os trabalhadores à disciplina de

acordo com as normas combinadas. Estes arranjos aumentaram a estabilidade e a

previsibilidade dentro do sistema sem desafiar o poder dos industriais ou o sistema de

mercado. Um sistema judiciário a favor das empresas e contra os interesses da classe

operária ajudou o movimento da classe operária a tornar-se cada vez mais político,

resultando no desenvolvimento de uma agenda legislativa da classe operária e uma aliança

com o partido democrata. Novas leis remodelaram o contexto das relações sociais.

A segunda guerra mundial conduziu o governo para um papel mais central: ele estabeleceu

controles sobre o consumo, coordenou a produção industrial e decidiu como os recursos

nacionais seriam alocados a fim de apoiar o esforço de guerra.

Na década de 60 floresceu o pluralismo num período de rebelião cultural nos EUA. Uma

nova geração desafiava os pressupostos básicos do estilo de vida e dos valores

dominantes. O aspecto mais ameaçador era o abandono da cultura de consumo pelos

jovens. As agressivas políticas dos países recém-industrializados do sul militavam contra

um campo de jogo nivelado para as empresas norte-americanas.

O reaganismo entrou com 3 preocupações estratégicas: re-subordinação do sul dentro de

uma economia global dominada pelos EUA; resposta aos desafios aos interesses

norteamericanos

por partes dos países recém-industrializados e do Japão; derrubada do

contrato social do New Deal entre grande capital, grande classe operária e grande governo

que tanto Washington quanto Wall Street consideravam a restrição chave para o sucesso

das corporações da América.

A crise da dívida de 1982 forneceu a oportunidade de, via FMI e Banco Mundial, impor um

ajuste estrutural para eliminar as barreiras protecionistas e integrar mais estreitamente as

economias do sul às economias mundiais dominadas pelo Norte. O governo aliou-se às

agressivas corporações norte-americanas que procuravam tornar-se mais competitivas

globalmente quebrando o poder dos sindicatos, reduzindo os salários e os benefícios,

enxugando as forças de trabalho das corporações e deslocando as operações de

Page 8: Korten - Quando as Corporacoes

manufatura para o exterior a fim de beneficiar-se de mão-de-obra barata e de regulamentos

flexíveis.

Nas entrelinhas do discurso político sobre livres mercados e comércio, há uma mensagem

persistente: o avanço dos livres mercados é o avanço da democracia. No livre mercado, o

povo expressa sua soberania diretamente pelo modo como "vota" com seu dinheiro de

consumidor. O que ele quer comprar com seu próprio dinheiro é, em última análise, o

melhor indicador do que ele aprecia e elege e, portanto, o mercado é a maneira mais

eficiente e democrática de definir o interesse público. Esta mensagem mascara uma

realidade política importante: numa democracia, cada pessoa tem um único voto. Num

mercado, um dólar é um voto e você consegue tantos votos quantos dólares possui. Os

mercados têm a tendência de favorecer pessoas ricas e têm forte inclinação a favor das

corporações muito grandes que comandam recursos financeiros muito mais sólidos do que

o mais rico dos indivíduos. À medida que os mercados se tornam mais livres e mais

globais, o poder de governar passa, cada vez mais, do governo nacional para as

corporações globais, e os interesses daquelas corporações divergem sempre para mais

longe do interesse humano.

Por trás de sua imagem de relações públicas, o corpo de uma empresa é sua autorização

de constituição como corporação, um documento legal, e o dinheiro é seu sangue. Ela é,

em seu âmago, uma entidade estranha com uma única meta: reproduzir dinheiro para se

alimentar e expandir. Os indivíduos são dispensáveis. Ela deve uma única fidelidade: aos

mercados financeiros que são criaturas financeiras mais do que a própria corporação. O

prodígio da corporação como inovação social é sua capacidade de reunir milhares de

pessoas dentro de uma só estrutura e obrigá-las a agir harmoniosamente de acordo com o

propósito da corporação que não é necessariamente o delas. Os que se rebelam ou deixam

de obedecer são expelidos e substituídos por outros mais dóceis.

Durante muito tempo, a sociedade humana enfrentou a questão: o poder de governar é dos

ricos ou dos pobres? Agora enfrentamos uma questão diferente e ainda mais sinistra que

Page 9: Korten - Quando as Corporacoes

deveria unir igualmente os ricos e os pobres numa causa comum: o poder de governar será

das pessoas, independentemente das circunstâncias financeiras, ou da persona artificial da

corporação?

Capítulo 5: A investida dos Libertários das Corporações3

Na busca do crescimento econômico, a ideologia do livre mercado tem sido abraçada com

o fervor de uma fé religiosa fundamentalista. O dinheiro é sua única medida de valor, e

essa prática está promovendo políticas que agravam em toda parte a desintegração social

e ambiental. Defende valores que degradam o espírito humano, assume um mundo

imaginário distante da realidade e está reestruturando nossas instituições governamentais

de formas a dificultar a solução de nossos problemas mais simples. Contudo questionar

sua doutrina tornou-se quase uma heresia, atraindo riscos de censura profissional e

prejuízos para a carreira na maioria de instituições empresariais, governamentais e

acadêmicas. Nas palavras do sociólogo australiano Michel Pusey, ela reduziu a economia a

"uma defesa ideológica contra a introspecção inteligente e a responsabilidade cívica".

A SANTIFICAÇÃO DA GANÂNCIA: as crenças expostas pelos ideólogos do livre mercado podem

ser assim expostas:

� O CRESCIMENTO ECONÔMICO sustentado pelo produto nacional bruto é o caminho para o

progresso humano.

� O LIVRE MERCADO, sem restrições governamentais, geralmente resulta numa distribuição

de recursos mais eficiente e socialmente mais favorável.

� A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA atingida com a remoção de barreiras ao livre fluxo de

mercadorias e de dinheiro em qualquer parte do mundo, estimula a competição,

aumenta a eficâcia econômica, cria empregos, diminui os preços ao consumidor,

aumenta as opções ao consumidor, estimula o crescimento econômico e é geralmente

benéfica para quase todos.

� A PRIVATIZAÇÃO, deslocando as funções e os ativos dos governos para o setor privado,

melhora a eficiência.

Page 10: Korten - Quando as Corporacoes

� A principal responsabilidade do governo é providenciar a infra-estrutura necessária para

promover o comércio e impor as normas da lei com relação a DIREITOS E CONTRATOS

SOBRE PROPRIEDADE.

Tais crenças se baseiam em várias suposições explícitas que se embutiam nas teorias da

economia neoclássica:

� Os seres humanos são motivados por interesses pessoais, expressos principalmente

pela busca de ganhos financeiros.

� A ação que rende maior retorno financeiro para o indivíduo ou a empresa é mais

benefíca para a sociedade.

� Para o indivíduo ou empresa, o comportamento competitivo é mais racional do que o

comportamento cooperativo; conseqüentemente, as sociedades deveriam se basear no

estímulo competitivo.

3 op.cit. pag.87ss

� A melhor medida do progresso humano são os aumentos dos valores do que os

membros da sociedade consomem, e os níveis sempre maiores dos gastos do

consumidor promovem o bem-estar da sociedade ao estimular uma produção

econômica maior.

Colocando em linguagem mais direta:

� AS PESSOAS SÃO POR NATUREZA MOTIVADAS PRINCIPALMENTE PELA GANÂNCIA.

� O IMPULSO DE ADQUIRIR É A MAIOR EXPRESSÃO DO QUE SIGNIFICA SER "HUMANO".

� A GANÂNCIA E A BUSCA IMPLACÁVEL DA AQUISIÇÃO CONDUZEM A RESULTADOS

SOCIALMENTE

MAIS FAVORÁVEIS.

� É DO MAIOR INTERESSE DAS SOCIEDADES HUMANAS ENCORAJAR, HONRAR E

RECOMPENSAR OS

VALORES ACIMA.

Uma quantidade de idéias e insights eficazes foi distorcida dentro de uma ideologia

extremista que eleva os aspectos mais abjetos da natureza humana a ideais autojustificáveis.

Page 11: Korten - Quando as Corporacoes

Embora essa ideologia denigra os valores e ideais humanos mais básicos, tem

se incrustado tão profundamente em nossos valores, instituições e cultura popular que a

aceitamos quase sem questionar. Ela nos cerca e desempenha um papel crítico na

modelagem de quase todos os aspectos da política pública.

Existe uma aliança política e ideológica entre:

� Os RACIONALISTAS ECONÔMICOS: penhoram sua fé às estruturas racionais da análise

derivadas por dedução de princípios básicos. Tal comprometimento com o racionalismo

fundamenta a alegação de que a economia é a única ciência social verdadeiramente

objetiva e livre de valores. O princípio básico da estrutura lógica da economia

neoclássica é o de que os indivíduos são motivados pelo egoísmo e, dando-lhes a

máxima liberdade sem quaisquer restrições, as escolhas individuais baseadas na busca

do próprio interesse conduzem a resultados socialmente mais satisfatórios. O

racionalismo econômico dá legitimidade intelectual à ideologia do livre mercado.

� Os LIBERAIS DE MERCADO: trazem para aliança uma filosofia moral baseada nos direitos

individuais que é muito atraente àqueles que nutrem uma desconfiança no alto escalão

governamental. Começa com uma premissa de igualdade moral definida por direitos,

não por valores. Os liberais de mercado acreditam que os indivíduos têm o direito,

contanto que respeitem os mesmos direitos nos outros, de buscar quaisquer valores

que desejem. Somente nós somos responsáveis por nós mesmos. Os direitos e a

propriedade estão inseparavelmente ligados. A propriedade é o fundamento de todos os

nossos direitos naturais. Exercendo tais direitos, respeitando os direitos de outros,

podemos buscar a felicidade como quisermos. As únicas responsabilidades ligadas a

esses direitos são: respeitar os mesmos direitos de outros, obedecer à lei e honrar os

acordos contratuais. O liberalismo de mercado dá a ideologia dominante seu cunho de

legitimidade moral.

� Os MEMBROS DA CLASSE CORPORATIVA: são gerentes de corporações, advogados,

consultores etc. Embora não estejam necessariamente interessados nos detalhes de

Page 12: Korten - Quando as Corporacoes

teorias acadêmicas ou de filosofia moral, descobrem uma causa comum na tradição

intelectual que legitima o objetivo de libertar as instituições do mercado das mãos

restritivas do governo e na filosofia que absolve a corporação da responsabilidade moral

pela maioria das conseqüências sociais e ambientais de suas ações.

Esses três grupos formam uma poderosa aliança política que combina tradição intelectual e

filosofia moral com interesse político. Porém, isto leva a contradições:

� Para os racionalistas econômicos, a aliança tem degradado gravemente a integridade e

a utilidade social da economia, reduzindo-a a um sistema de doutrinação ideológica que

transgride seus próprios fundamentos teóricos e está em profunda desigualdade com a

realidade.

� Tem engajado filósofos da moral, que defendem a liberdade individual, numa causa que

aumenta a possibilidade de as corporações votarem pelos direitos de propriedade e

suprimirem as liberdades individuais de todos, menos dos membros mais ricos da

sociedade.

� O enorme sucesso político da aliança em reestruturar as instituições econômicas

alinhadas com os interesses das corporações está criando um monstro que nem os

membros das classes corporativas podem controlar. Está criando um mundo que

dificilmente irão querer deixar como herança para seus filhos.

Em nome da liberdade individual, esta aliança promove uma doutrina ideológica descrita

com maior precisão como LIBERTARISMO DAS CORPORAÇÕES devido ao fato de que sua

conseqüência é colocar os direitos e as liberdades das corporações antes dos direitos e

das liberdades dos indivíduos. APRESENTADA COMO UMA AGENDA ECONÔMICA, É NA

REALIDADE

UMA AGENDA DE GOVERNO. QUEM TERÁ O PODER DE GOVERNAR, E PARA QUAL FIM?

A corporação econômica existe cada vez mais como uma entidade à parte – até das

pessoas que a compõem. Cada membro da classe corporativa, não importa quão poderosa

seja sua posição dentro da corporação, tem se tornado sacrificável – como está

aprendendo um número crescente de grandes executivos. À medida que as corporações

Page 13: Korten - Quando as Corporacoes

conquistam poder institucional autônomo e mais se desvencilham de pessoas e lugares,

mais divergem o interesse humano e o interesse corporativo. É quase como se

sofrêssemos a invasão de seres alienígenas que tencionam colonizar nosso planeta, nos

reduzir a servos e depois excluir tantos de nós quanto possível.

A DENÚNCIA DE ADAM SMITH E DE DAVID RICARDO:

A riqueza das nações, publicado pela primeira vez em 1776, apresenta uma condenação

radical aos monopólios empresariais sustentados e protegidos pelo Estado.

1). O ideal de Adam Smith era um mercado composto unicamente por pequenos

compradores e vendedores. Smith era rigorosamente contrário qualquer espécie de poder

monopólico. Além do mais, Smith nunca advogou uma filosofia moral em defesa da

ganância irrestrita. Falava de pequenos fazendeiros e artesãos tentando obter o melhor

preço por seus produtos para o proveito de si mesmos e suas famílias. Isto é interesse

pessoal – não ganância. Ganância é quando um executivo de uma corporação com alto

salário demite dez mil empregados e depois recompensa a si mesmo com uma bonificação

de muitos milhões de dólares como gratificação por ter poupado tanto dinheiro à

companhia. Smith tinha aversão tanto pelos governos como pelas corporações.

Considerava o governo principalmente um instrumento para extrair impostos a fim de

subsidiar elites e interferir no mercado para proteger monopólios. A teoria da economia de

mercado, em contraste com a ideologia do livre mercado, especifica várias condições

básicas para um mercado estabelecer eficientemente os preços de acordo com o interesse

público. Quanto maior a violação dessas condições, menos eficiente será o sistema de

mercado. Mais básica é a condição de que o mercado deve ser competitivo.

No mundo real dos mercados não regulamentados, os jogadores de sucesso engrandecem

e, em muitos casos, usam o resultante poderio para pressionar ou comprar barato

jogadores mais fracos. Em outros casos, os "competidores" conspiram por meio de cartéis

ou alianças estratégicas a fim de aumentar os lucros estabelecendo preços de mercado

acima do nível de eficiência.

Page 14: Korten - Quando as Corporacoes

2). Para a alocação eficiente do mercado, outra condição básica é que o total dos custos de

produção recaia sobre o produtor e seja incluído no preço de venda do produtor. Os

economistas chamam isto de internalização de custo. Quando alguma parcela do custo de

produção de um produto recai sobre terceiros, que de nenhuma forma participam de

transação ou dela se beneficiam, então os economistas dizem que os custos foram

exteriorizados e o preço do produto é deturpado por esse motivo. OS BENEFÍCIOS DE UM

CUSTO EXTERIORIZADO RETIDOS PELO VENDEDOR REPRESENTAM UM LUCRO NÃO MERECIDO

– UMA

IMPORTANTE FONTE DA INEFICIÊNCIA DO MERCADO POR RECOMPENSAR

COMPORTAMENTOS DE

EXTERIORIZAÇÃO DE CUSTOS. A transferência dos benefícios para o comprador na forma de

preço menor cria ainda uma outra fonte de ineficiência, pois encoraja formas de consumo

que usam ineficientemente recursos finitos.

3). Uma outra condição básica é que o capital deve ser enraizado local ou nacionalmente e

seus donos devem estar diretamente envolvidos em sua administração. Smith deixou

explícito sua convicção de que o capital deveria estar enraizado na localidade em que seu

dono vive, e esta condição é essencial para permitir que a mão invisível do mercado

transforme a busca do interesse pessoal em benefício público satisfatório. Portanto, em sua

visão, um mercado eficiente seria um mercado composto por pequenas empresas

gerenciadas pelo proprietário e localizadas nas comunidades onde os proprietários

residissem. Tais proprietários partilhariam os valores da comunidade e teriam interesse

pessoal pelo futuro dela. É um mercado que tem pouco em comum com a economia

globalizada e dominada por corporações esmagadoras sem fidelidades locais ou nacionais,

administradas por profissionais distantes dos verdadeiros proprietários, por advogados de

instituições de investimento e companhias acionistas.

A TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS articulada por DAVID RICARDO em 1817 oferece

uma

excelente demonstração de que, sob determinadas condições, o livre comércio entre dois

países funciona em benefício de ambos. Três condições são necessárias:

Page 15: Korten - Quando as Corporacoes

1. NÃO DEVE SER PERMITIDO QUE O CAPITAL CRUZE AS FRONTEIRAS DE UM PAÍS DE ALTOS

SALÁRIOS PARA UM PAÍS DE BAIXOS SALÁRIOS.

2. O COMÉRCIO ENTRE OS PAÍSES PARTICIPANTES DEVE SER EQUILIBRADO.

3. CADA UM DOS PAÍSES DEVER TER PLENO EMPREGO.

Hoje, uma proporção crescente do comércio internacional é intra-industrial o que significa

que os países estão intercambiando o mesmo produto tornando difícil argumentar que está

envolvida a vantagem comparativa natural e tornando irrelevante a teoria de mercado na

avaliação dos conseqüentes custos e benefícios. Quando o capital permanece dentro das

fronteiras nacionais dos sócios comerciais, deve fluir para aquelas indústrias nas quais seu

país de origem tem vantagem comparativa. Se as economias se fundem, o capital pode fluir

para qualquer localidade que ofereça a máxima oportunidade para a exteriorização dos

custos. A CONSEQÜÊNCIA BÁSICA É O DESLOCAMENTO DOS CUSTOS DOS INVESTIDORES PARA

A

COMUNIDADE.

Adam Smith era ciente das questões do poder e das classes quanto da dinâmica dos

mercados competitivos. Entretanto , os economistas neoclássicos e neomarxistas

bifurcaram sua perspectiva holística sobre a política econômica, uns assumindo as partes

da análise que favoreciam os donos de propriedade e outros assumindo as que favoreciam

os vendedores de mão de obra. Ambos promoveram em escala maciça experimentos

sociais que incorporavam uma visão parcial da sociedade, com conseqüências

desastrosas.

A integração econômoca global que está sendo implementada pela OMC está promovendo

condições em total desacordo com os mais básicos princípios da economia de mercado e

está fazendo funcionar um sistema econômico destinado à auto-destruição – com um custo

enorme para a sociedade humana. Seria possível perguntar-se como os racionalistas

econômicos podem defender a integração econômica se esta promove condições que não

coincidem com as requeridas para o funcionamento eficiente do mercado. Uma parte

importante da resposta está em sua lendária capacidade de desconsiderar a realidade.

Page 16: Korten - Quando as Corporacoes

Quando o mundo real diverge das condições necessárias para apoiar suas opções políticas

preferidas, os racionalistas econômicos tendem a resolver o conflito imaginando condições

que sustentariam suas recomendações. O modelo deles elimina a existência do ambiente.

A CRENÇA NA POSSIBILIDADE DO CRESCIMENTO ILIMITADO É O VERDADEIRO FUNDAMENTO

DA

DOUTRINA IDEOLÓGICA DO LIBERTARISMO CORPORATIVO, PORQUE ACEITAR A REALIDADE DE

LIMITES

FÍSICOS É ACEITAR A NECESSIDADE DE LIMITAR A GANÂNCIA E A AQUISIÇÃO EM FAVOR DA

JUSTIÇA

ECONÔMICA E DA SUFICIÊNCIA. O crescimento teria de abrir caminho para a redistribuição dos

recursos ambientais como o foco da política econômica.

A JUSTIFICATIVA MORAL DA INJUSTIÇA:

Os filósofos da moral do liberalismo de mercado perpetram distorções semelhantes ao

negligenciar a distinção entre os direitos do dinheiro e o direito das pessoas. De fato,

equipararam a liberdade e os direitos dos indivíduos à liberdade de mercado e os direitos à

propriedade. A liberdade de mercado é a liberdade do dinheiro, e quando os direitos são

uma função da propriedade e não dos indivíduos, somente os proprietários têm direitos.

Além do mais, sustentando que a única obrigação dos indivíduos é honrar os contratos e os

direitos de propriedade dos outros, a filosofia "moral" do liberalismo de mercado

efetivamente liberta aqueles que têm propriedades de uma obrigação para com aqueles

que nada têm. Ela ignora a realidade de que os contratos entre o fraco e o poderoso raras

vezes são iguais e que a instituição do contrato, assim como a instituição da propriedade,

tende a reforçar e até a aumentar a desigualdade em sociedades desiguais. Ela legitima e

reforça sistemas que institucionalizam a pobreza, chegando a considerá-la conseqüência

da indolência e do defeito de caráter inerente ao pobre. A premissa mais básica da

democracia é que cada indivíduo tem direitos iguais perante a lei e voz igual nas questões

políticas – uma pessoa, um voto. Podemos legitimamente considerar o mercado como

árbitro democrático dos direitos e das preferências somente enquanto os direitos de

propriedade forem igualmente distribuídos.

Page 17: Korten - Quando as Corporacoes

Capítulo 6: Declínio do Pluralismo Democrático4

Contrariamente às reivindicações ostensivas dos libertaristas corporativos, o Ocidente não

prosperou no período pós-Segunda Guerra Mundial rejeitando o Estado para favorecer o

mercado. Em vez disso, prosperou rejeitando as ideologias extremistas tanto de direita

como de esquerda em favor do pluralismo democrático: um sistema de governo baseado

num equilíbrio pragmático e institucional entre as forças do governo, do mercado e da

sociedade civil.

Em contraste, o sistema soviético adotou um extremismo ideológico tão fortemente estatal

que o mercado e a propriedade privada foram virtualmente eliminadas. A mesma ideologia

resultou na eliminação do papel da sociedade civil no governo, permitindo que o estado

dominasse sem se responsabilizar.

Agora, o Ocidente está se enveredando por um caminho ideológico extremista similar; a

diferença é que estamos nos tornando dependentes de corporações isoladas e

irresponsáveis e não de um Estado isolado e irresponsável. Ironicamente, quanto mais os

libertaristas corporativos nos aproximam de seu ideal ideológico de capitalismo de livre

mercado, maior o malogro dos regimes de mercado – pelo mesmo motivo pelo qual o

regime marxista malogrou:

� Os dois levam à concentração do poder econômico em instituições irresponsáveis

centralizadas – o Estado no caso do marxismo e empresa transnacional no caso do

capitalismo.

4 op.cit. pag.107ss

� Ambos criam sistemas econômicos que destroem os sistemas que sustentam a vida na

terra em nome do progresso econômico.

� Ambos produzem uma enfraquecedora dependência a megainstituições que corroem o

capital social do qual depende a eficiência das funções de mercado, governo e

progresso econômico.

� Ambos assumem quanto às necessidades humanas, uma restrita visão econômica que

Page 18: Korten - Quando as Corporacoes

solapa o sentido da conexão espiritual com a terra e a comunidade de vida essenciais

para conservar a estrutura moral da sociedade.

Um sistema econômico pode permanecer viável somente enquanto a sociedade possui

mecanismos para coibir os abusos, seja do Estado, seja do mercado, e a erosão do capital

natural e moral que tais abusos comumente exacerbam. O pluralismo democrático não é

uma resposta perfeita para o problema do governo, mas parece ser a melhor que temos em

nosso mundo imperfeito.

MANTENDO OS MERCADOS COMPETITIVOS:

O funcionamento eficiente das economias de mercado depende de governos fortes. Segue

uma lista de condições das quais o mercado depende para seu eficiente funcionamento,

mas que não pode proporcionar a si mesmo: seriam os critérios éticos de sustentabilidade

do mercado.

1. Competição honesta: quanto maiores os vencedores, mais difícil para os recémchegados

conquistarem uma posição segura, e cada vez mais o mercado se tornará

monopólico. Os maiores jogadores têm a vantagem adicional de serem hábeis em usar

seu poder financeiro para influenciar os legisladores a reescreverem as regras do jogo

para lhes dar ainda mais vantagens.

2. Capital moral: um mercado no qual os particpantes são impelidos unicamente pela

ganância e pelo desejo de obter por qualquer meio uma vantagem competitiva

momentânea – um mercado sem confiança, cooperação, compaixão e integridade

individual – seria não apenas um desagradável para se fazer negócios, mas também

altamente ineficiente, exigindo custos descomedidos com advogados, seguranças e

outras medidas defensivas. Nem uma sociedade, nem uma economia de mercado

podem funcionar eficientemente sem uma base moral.

3. Bens públicos: muitos investimentos e serviços essenciais para o bem público

(investimentos em pesquisas científicas básicas, segurança e justiça públicas, educação

pública, estradas e defesa nacional) não são supridos pelo mercado porque, uma vez

Page 19: Korten - Quando as Corporacoes

produzidos, estão disponíveis para o uso de todos.

4. Formação do preço de pleno custo: o mercado distribui satisfatoriamente os recursos

apenas quando vendedores e compradores arcam com o custo total dos produtos por

eles produzidos, comprados e consumidos. Raramente, se isso acontece, os custos

totais serão internalizados num mercado irregular, porque a pressão competitiva exige a

exteriorização dos custos sempre que possível. Um produtor que tenha êxito em

exteriorizar os custos sociais e ambientais terá lucros mais altos, atrairá mais

investidores, poderá oferecer um preço menor e obter uma parcela maior de mercado.

Enquanto seu poder econômico aumenta, também aumenta sua influência política, que

comunemente se traduz em novos subsídios. É maravilhoso quando uma companhia

descobre que existem inerentes vantagens econômicas em reduzir seu desperdício e

pagar um salário honesto aos trabalhadores, mas a experiência mostra que não há

nada inerente nas atividades do mercado para garantir tal comportamento sem a

intervenção ativa do governo.

5. Distribuição justa: num sistema de mercado, existe uma forta tendência especialmente

durante os períodos de expansão econômica, de os proprietários de capitais

aumentarem sua riqueza e seus rendimentos, enquanto os rendimentos daqueles que

vendem mão-de-obra se atrasam ou declinam. Mas um mercado onde o poder

econômico é distribuído injustamente alocará os recursos de forma injusta e

socialmente ineficiente. A eficiência do mercado e a legitimidade institucional dependem

da intervenção do governo a fim de restaurar constantemente a eqüidade que as forças

do mercado corroem de forma inexorável.

6. Sustentabilidade ecológica: à medida que a economia humana cresce para preencher

seu espaço ecológico, torna-se necessária para a sobrevivência da espécie a limitação

da escala do subsistema econômico para conservar um perfeito equilíbrio com a

natureza. Infelizmente, o livre mercado está cego a muitas dessas restrições. O governo

deve estabelecer os limites e garantir que os avisos adequados sejam enviados ao

Page 20: Korten - Quando as Corporacoes

mercado.

O mercado produz resultados socialmente satisfatórios somente quando o governo e a

sociedade civil estão autorizados a agir para manter essas seis condições para sua

eficiência. Não deveriamos nos preocupar quando a intervenção do governo em defesa do

interesse público encarece o consumo de artigos não essenciais, diminui os excessivos

lucros das corporações e dá menor liberdade às corporações do que às pessoas.

O pluralismo democrático reúne as forças do mercado, governo e sociedade civil para

manter um equilíbrio dinâmico entre as necessidades societárias competitivas, pela ordem

e eqüidade essenciais, produção eficiente de mercadorias e serviços, responsabilidade do

poder, proteção da liberdade humana e contínua inovação institucional. ESSE EQUILÍBRIO

ENCONTRA EXPRESSÃO NO MERCADO REGULAMENTADO, NÃO NO MERCADO LIVRE, E NAS

POLÍTICAS

DE COMÉRCIO QUE LIGAM AS ECONOMIAS NACIONAIS ENTRE SI DENTRO DE UMA ESTRUTURA

DE

REGRAS QUE MANTÊM A COMPETIÇÃO INTERNA E FAVORECEM AS EMPRESAS NACIONAIS

QUE

EMPREGAM TRABALHADORES LOCAIS, SATISFAZEM OS PADRÕES LOCAIS, PAGAM OS

IMPOSTOS

LOCAIS E FUNCIONAM DE ACORDO COM O SISTEMA DE GOVERNO DEMOCRÁTICO.

A ORDEM DE PRECEDÊNCIA ENTRE OS TRÊS SETORES PRIMÁRIOS É FUNDAMENTAL PARA UM

FUNCIONAMENTO SAUDÁVEL E EQUILIBRADO DA SOCIEDADE. UM SETOR CIVIL SEM GOVERNO

E SEM

MERCADO ORGANIZADO É ANÁRQUICO. É PARA ISSO QUE AS SOCIEDADES CIVIS CRIAM OS

GOVERNOS

E OS MERCADOS ORGANIZADOS. CONTUDO, A SOCIEDADE CIVIL É O PRIMEIRO SETOR. DELA

FLUEM A

AUTORIDADE E A LEGITIMIDADE DE TODAS AS OUTRAS INSTITUIÇÕES HUMANAS. SENDO O

GOVERNO

O ORGANISMO PELO QUAL OS CIDADÃOS ESTABELECEM E MANTÊM AS REGRAS DENTRO DAS

QUAIS O

Page 21: Korten - Quando as Corporacoes

MERCADO FUNCIONARÁ DE ACORDO COM O INTERESSE HUMANO, O GOVERNO É

APROPRIADAMENTE

CONSIDERADO O SEGUNDO SETOR. AS INSTITUIÇÕES DO MERCADO FUNCIONAM,

JUSTAMENTE, COMO

TERCEIRO SETOR.

É durante os períodos de mudança que as sociedades mais necessitam do potencial

inteiramente criativo dos seus cidadãos, que somente o pluralismo democrático pode

despertar. Contudo, parece menos adequado e mais suscetível a certos apelos simplistas

dos demagogos ideológicos. Em vez de oferecer orientação, o pluralismo democrático

convoca as pessoas a encontrarem seu próprio caminho, tendo em vista o bem de todos.

Em lugar de certeza, alimenta a variedade a ponto de aparentar o caos. Essas são suas

fraquezas, mas também sua genialidade. Gradativamente, por um processo de

aprendizado social difuso e caótico, as lições das inúmeras inovações são destiladas

dentro das mudanças em instituições e políticas locais, nacionais e finalmente globais.

Capítulo 16: Canibalismo das corporações5

5 op.cit. pag.238ss

Nem sempre é fácil encontrar meios para criar novos valores numa moderna economia

sofisticada. Encontrar meios para criar um novo valor que produza retornos na quantia e

com a velocidade exigidas por um sistema predatório muitas vezes maior que a economia

produtiva é virtualmente impossível.

Quando os gerentes responsáveis não estão dispostos a canibalizar sua própria

companhia, o sistema financeiro espera ansiosamente para financiar aqueles que irão

liquidá-los. Em conseqüência disso, um sistema financeiro predatório associa-se a um

mercado predatório para declarar ineficientes os gerentes responsáveis e expelí-los do

sistema. Ele transforma a corporação responsável em espécie em extinção.

DEPURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL:

Com os mercados financeiros exigindo máximos ganhos a curto prazo e os atacantes das

corporações com disposição para sucatear qualquer companhia que não esteja

Page 22: Korten - Quando as Corporacoes

exteriorizando todos os custos possíveis, os esforços para consertar o problema levantando

a consciência dos gerentes definem erradamente o problema. Existem milhões de gerentes

socialmente cônscios. O problema é um sistema predatório que lhes dificulta a

sobrevivência. Isso cria um dilema terrível para gerentes com uma verdadeira visão social

da função das corporações dentro da sociedade. Eles devem acomodar sua visão ou correr

o grande risco de serem expulsos do sistema.

Os gerentes empresariais vivem e trabalham dentro de um sistema que virtualmente

alimenta-se dos socialmente responsáveis. Aquele sistema está transformando-se numa

estrutura em duas camadas, criando um mundo profundamente dividido entre os

privilegiados e os desvalidos, entre os que têm o poder de colocar-se além das forças

predominantes do mercado e aqueles que se oferecem como sacrifício no altar da

competição global.

Capítulo 17: Competição Gerenciada6

Embora com algumas variações regionais, as corporações transnacionais estão

empenhadas num processo de transformar-se a si mesmas e às estruturas do capitalismo

global a fim de consolidar ainda mais seu poder usando complexas formações reticulares

de organização. Quatro elementos dessa transformação têm uma importância especial para

nossa análise:

1. Downsizing. O esquema maior é podar as operações internas da empresa até chegar às

"competências centrais" – geralmente as funções de finanças, marketing e tecnologias

patenteadas que representam as principais fontes de poder econômico da empresa. As

equipes destas funções são reduzidas ao mínimo e consolidadas dentro dos escritórios

centrais da corporação. As funções periféricas, incluindo grande parte da atividade de

fabricação, são terceirizadas para empresas relativamente pequenas – sempre que

possível em países de baixos salários. Este processo envolve o deslocamento de

empgregos do núcleo da corporação para as organizações de terceirização que formam

parte de uma rede de firmas de produção que dependem dos mercados e da tecnologia

Page 23: Korten - Quando as Corporacoes

controlada pelo núcleo da corporação.

2. Informática e automação. A corporação central leva a plena capacidade da informática e

da automação a executar quaisquer funções de fabricação que possa e os sistemas de

gestão informatizados com os quais ela coordena flexivelmente as extensas atividades

da rede de produção.

6 op.cit. pag.248ss

3. Fusões, aquisições e alianças estratégicas. As corporações que ocupam o núcleo das

principais redes dedicam-se a uma variedade de estratégias para gerenciar a

competição potencialmente destruidora entre si.

4. Corporação e moral dos escritórios centrais. É dada uma atenção substancial à

manutenção de condições que conduzam ao alto moral e ao eficiente trabalho em

equipe entre o pessoal do núcleo.

Esta reestruturação cria um sistema de empregos em duas camadas ou dualístico. Os

empregados engajados em funções no núcleo dos escritórios centrais são bem

remunerados, com plenos benefícios e agradáveis condições de trabalho. As funções

periféricas – terceirizadas ou em unidades subordinadas dentro da corporação ou em

fornecedores externos dependentes dos negócios da empresa – são realizadas por

empregados "contingentes" com baixa remuneração, freqüentemente temporários ou de

meio período que recebem pouco ou nenhum benefício e com os quais a corporação não

tem qualquer vínculo.

As duas camadas diferem significativamente com relação à pressão competitiva. Há

considerável, embora não fácil, cooperação entre as corporações que controlam os núcleos

das principais redes para conservar seu controle monopólico coletivo sobre os mercados e

a tecnologia. As unidades periféricas, mesmo aquelas que permanecem dentro da

empresa, funcionam como pequenos contratadores independentes lançados em intensas

competições entre si para a continuação pessoal nos negócios da empresa.

É o enxugamento estratégico das grandes empresas que é responsável por diminuir o

Page 24: Korten - Quando as Corporacoes

tamanho médio das organizações empresariais na época atual, não algum crescimento

espetacular do setor das pequenas empresas por si só. O processo de terceirização cria

novas oportunidades para as empresas menores, mas o poder permanece onde sempre

esteve: com as grandes corporações. Na falta de acesso independente ao mercado, as

empresas menores que orbitam o núcleo das corporações funcionam mais como apêndices

dependentes que como empresas independentes.

O CRESCIMENTO DAS ECONOMIAS GERENCIADAS CENTRALMENTE:

A concentração do poder econômico em relativamente poucas corporações levanta uma

interessante contradiçã. Os libertários das corporações alegam regularmente que o

planejamento central da economia não funciona e é contrário aos interesses mais amplos

do público. Contudo, corporações de sucesso conservam um controle mais rígido sobre as

economias definidas por suas redes de produtos do que os planejadores centrais de

Moscou jamais fizeram sobre a economia soviética.

Está longe de ser uma consideração acidental o pensamento de que em sua estrutura de

governo interno, a corporação está entre as organizações mais autoritárias e pode ser tão

repressiva quanto qualquer estado totalitário. As pessoas que trabalham para as

corporações gastam a melhor parte de suas horas acordadas vivendo sob regras

autoritárias que ditam suas roupas, suas falas, seus valores, seu comportamento e seus

níveis de renda – com escassas oportunidades para argumentar. Com poucas exceções,

seus submissos empregados podem ser despedidos sem recurso e sem aviso prévio. A

transformação em curso em uma corporação "enxuta e média" está a fim de estender sua

regra autoritária para além dos limites da própria organização sobre as redes maiores da

organização de forma a permitir ao núcleo consolidar seus controles reduzindo ao mesmo

tempo sua responsabilidade para com o bem-estar de qualquer membro da rede.

Ao equacionar o sistema de mercado com liberdade, raras vezes pergunta-se se a

liberdade é conivente com a mão-de-obra contratada num mundo em que corporações

gigantescas controlam a maior parte dos empregos. Muitos reformadores sociais aceitam

Page 25: Korten - Quando as Corporacoes

um sistema de salários dominado pela corporação e preferem buscar as políticas sociais

que oferecem segurança do emprego, condições de trabalho toleráveis, salários eqüitativos

e o direito de organizar sindicatos trabalhistas dentro do contexto daquele sistema. Se

encarássemos seriamente a liberdade humana e a democracia, teríamos de reabrir a

questão se tais ajustes são adequados ou até possíveis dentro do sistema existente das

empresas.

Capítulo 18: Corrida para o fundo7

A competição enquanto está sendo enfraquecida no núcleo, está intensificando entre as

empresas menores, os trabalhadores e as localidades periféricas que são lançados uns

contra os outros na arena de uma luta desesperada pela sobrevivência. Os que os

libertários das corporações chamam "tornar-se globalmente competitivos" é descrito com

maior precisão como uma "corrida para o fundo". A cada dia que passa, fica mais difícil

obter contratos com um dos megavarejistas sem contratar mão-de-obra infantil, ludibriar

trabalhadores no pagamento das horas extras, impor cotas impiedosas e operar em

instalações inseguras. Se um contratante não fizer isso, seus preços serão mais altos que

de outros que o fazem.

Não devemos nos enganar. A responsabilidade social é ineficiente num livre mercado

global, e o mercado não tolerará mais aqueles que não aproveitarem a oportunidade de

dispensar os ineficientes. E temos de ser claros quanto ao significado da eficiência. Para a

economia global, as pessoas não são apenas cada vez mais desnecessárias, mas elas e

suas exigências de salários de subsistência são a principal fonte da ineficiência econômica.

As corporações globais estão agindo para purgar-se deste peso indesejável. Estamos

criando um sistema que tem menos lugar para as pessoas.

Capítulo 19: O Fim da Ineficiência8

A segunda revolução industrial está explorando os principais avanços na tecnologia da

informação, que usa os computadores e os sensores eletrônicos para dar às máquinas

olhos, ouvidos e cérebro para ver e ouvir, interpretar e agir. Estas tecnologias ainda estão

Page 26: Korten - Quando as Corporacoes

em sua primeira infância, e não sabemos até onde podem chegar. A segunda revolução

industrial se baseia num processo de colonização definido mais por classes do que pela

geografia e está forçando uma parte ainda maior da população mundial ingressar no rol dos

colonizados.

A eficiência está em produzir melhores resultados com menores esforços. Quando

aumentamos o resultado da produção por hora de trabalho, falamos em aumento da

produtividade. Um fazendeiro que compra um pequeno trator pode cultivar mais acres para

prover mais alimentos e rendimentos para sua família ou dedicar menos horas ao trabalho

nos campos. Nos dois casos o fazendeiro ganha, ninguém perde, e a sociedade é

enriquecida de várias formas. O gerente, o proprietário e o operário são a mesma pessoa –

ele toma a decisão, paga o custo e decide se o ganho em produtividade irá para o aumento

da produção ou para a diminuição do tempo de trabalho. No mundo real, a decisão

provavelmente é tomada por uma corporação agroindustrial unicamente voltada para o

lucro. Uns poucos trabalhadores favorecidos serão necessários para aumentar sua

produção; os restantes perderão seu emprego, com poucas perspectivas.

7 op.cit. pag.265ss

8 op.cit. pag.276ss

Parece que somente certos beneficiários do aumento da produtividade, num mundo não

sindicalizado e com excedente de mão-de-obra são os proprietários do capital. Porém,

como sugere William Dugger, podemos estar prestes a deslocá-los também: uma

corporação poderia dispensar totalmente o elemento humano, não apenas os proprietários,

mas também os funcionários e administradores? O que ela seria então? Existiria

fisicamente como uma rede de máquinas que compram, processam e vendem

mercadorias, monitoradas por uma rede de computadores. Seus objetivos seriam crescer

sempre mais pela aquisição de mais máquinas e tornar-se ainda mais poderosa adquirindo

mais computadores para monitorar as novas máquinas. Não teria responsabilidades

perante ninguém a não ser a si mesma em seu impulso mecânico rumo ao poder e ao

Page 27: Korten - Quando as Corporacoes

lucro. Representaria o capitalismo em sua verdadeira pureza, completamente indiferente a

qualquer coisa além do lucro e do poder.

Talvez um dia, se lhe for permitida bastante liberdade para seguir suas tendências

desenfreadas, uma corporação global alcançará o máximo de sua eficiência produtiva, uma

entidade composta somente por computadores e máquinas ativamente empenhadas na

multiplicação do dinheiro. Poderíamos chamá-la então de corporação perfeitamente

eficiente. Embora certamente não seja isso o que qualquer um pretende, estamos agindo

como se este fosse o mundo que estamos procurando criar.

DOR NA CÚPULA:

Muitos gerentes enfrentam conflitos crescentes entre seus valores pessoais e aquilo que

suas funções na corporação lhes exigem. É uma afirmação extraordinária a de que os

profissionais mais privilegiados e mais bem pagos do mundo necessitem de bônus de

milhões de dólares para sentirem-se motivados a fazer seu trabalho. Na realidade devem

recebe tais somas ultrajantes para se ter certeza de que colocarão os interesses de curto

prazo dos acionistas acima de todos os outros interesses que eles poderiam sentir-se

tentados a levar em conta – como os dos funcionários, da comunidade e até da viabilidade

da própria corporação a longo prazo.

"Os gerentes que haviam sido treinados para construir agora são pagos para destruir. Eles

não contratam; eles demitem. Não gostam de suas novas funções, mas a maioria chegou a

compreender que isso não vai mudar. Essa conscientização torna diferente a rotina: o

trabalho não mais revigora; ele esgota. Nessas circunstâncias parece até imoral considerar

o trabalho prazeroso. Assim eles se tornam mal humorados e cautelosos, temendo ser

varridos para longe na próxima onda de demissões. Entretanto, eles trabalham mais

arduamente e por mais tempo para compensar a labuta daqueles que partiram. A fadiga e o

ressentimento começam a acumular-se.”9

Ao contrário dos especuladores financeiros que transferem bilhões de dólares por todo o

mundo usando terminais de computadores alheios à realidade humana, os gerentes de

Page 28: Korten - Quando as Corporacoes

companhias que produzem coisas reais lidam diariamente com seres humanos. Cabe a

eles responder à exigência de maior "eficiência" dos que gerenciam o dinheiro impondo a

seus antigos amigos e colegas uma experiência quase tão devastadora quanto a perda de

um ente querido.

O jovem profissional é insistentemente aconselhado a planejar o curso da carreira sem

vínculos com sua empresa, a elaborar seu currículo e seus contatos externos de forma a

estar pronto a mudar-se quando surgir uma nova oportunidade ou quando a empresa o

abandonar. Conselho para os jovens em início de carreira: trate cada emprego como se

você fosse autônomo.

No presente mercado de empregos, a distinção entre trabalhadores de escritório e

operários significa menos que ter emprego e não ter emprego. O sistema nos estimula a

9 "Os chefes exaustos", em Fortune 24 julho 1994, citado por Korten

tentar obter dele o que pudemos enquanto for possível. Cuide-se, porque ninguém mais o

fará. Assim como a última década foi definida como dos Yuppies, esta será dos Dumpies.

Numa economia que mede o desempenho em termos de criação de dinheiro, as pessoas

tornam-se a principal fonte de ineficiência – e a economia está livrando-se delas mais que

depressa. Quando as instituições monetárias governam o mundo, talvez seja inevitável que

os interesses do dinheiro tenham prioridade sobre os interesses das pessoas. O que

estamos experimentando poderia ser descrito satisfatoriamente como um caso do dinheiro

colonizando a vida. Aceitar esta distorção absurda das instituições e dos objetivos humanos

deveria ser considerado nada menos do que uma ato coletivo e suicida de insanidade.

Entretanto, não é um fenômeno inteiramente novo. Poderíamos entender melhor sua

natureza e suas conseqüências considerando experiências mais tradicionais de

colonização.

Capítulo 21: A Revolução Ecológica10

Continuamos colocando em perigo a civilização humana e até a sobrevivência de nossa

espécie principalmente para permitir a aproximadamente um milhão de pessoas acumular

Page 29: Korten - Quando as Corporacoes

dinheiro além de qualquer necessidade concebível. Continuamos indo corajosamente para

onde ninguém quer ir.

Em nome da modernidade estamos criando sociedades disfuncionais que estão gerando

comportamentos patológicos – violência, competitividade extrema, suicídio, abuso de

drogas, ganância e degradação ambiental – a todo momento. Tal comportamento é uma

conseqüência inevitável quando a sociedade deixa de satisfazer as necessidades de seus

membros de vínculos sociais, confiança, afeto e de um significado religiosamente

compartilhado. A tríplice crise do agravamento da pobreza, da destruição ambiental e da

desintegração social é uma manifestação dessa disfunção.

Para corrigir esta profunda distinção, devemos perder as ilusões de nosso inconsciente

cultural coletivo, reinvindicar o poder que entregamos às instituições fracassadas, trazer de

volta a responsabilidade por nossas vidas e elaborar novamente o tecido básico do cuidado

com as famílias e as comunidades a fim de criar espaço para pessoas e outras formas de

vida. Está dentro de nossas possibilidades, mas exigirá a transformação dos sistemas de

crenças, de valores dominantes e das instituições de nossas sociedades – uma revolução

ecológica comparável à revolução de Copérnico, que nos introduziu na era científico

industrial11.

O monism material (a crença de que a matéria dá origem à consciência ou ao espírito)

tornou-se a imagem da realidade abraçada pela ciência e desencadeou o que os

historiadores chamam de revolução de Copérnico. Thomas Hobbes levou ao extremo o

monismo materialista. Ele afirmava que não existe absolutamente nada além da matéria.

Na sua opinião, bom é simplesmente o que dá prazer, mau é o que causa dor, e o único

objetivo que dá sentido à vida é a busca do prazer – um sistema de valores que se tornou a

premissa moral implícita do racionalismo econômico.

Adotando a satisfação como nosso objetivo, um apelo para limitarmos a indulgência a favor

de uma justiça econômica torna-se um chamado a sacrificarmos a única coisa que dá

sentido à vida. Assim sendo, é mais racional quem têm os meios financeiros continuar

Page 30: Korten - Quando as Corporacoes

aproveitando a festa até o fim. Se nós sacrificarmos esses prazeres e os ambientalistas

afinal estiverem errados, nós teremos sacrificado nossa razão de vida sem nemhum

10 op.cit. pag.299ss

11 op.cit. pag.300

objetivo. Se for demonstrado que os ambientalistas estão certos e a festa terminar com

nossa autodestruição, então teremos aproveitado a vida enquanto podíamos.

O monismo materialista preparou também o caminho para uma economia que, no intuito de

alcançar seu status de verdadeira ciência, adotou os preços de mercado, que podem ser

observados e medidos, como os únicos árbitros do valor humano. É portanto impossível

compreender ou explicar os comportamentos humanos mais simples e habituais sem

considerar os valores, as lealdades, as aspirações, o amor, os conflitos psicológicos, a

espiritualidade, a consciência e até as crenças metafísicas que os instruem – e que são

realmente muito difíceis de ser observadas e medidas. Portanto, o modo que a ciência se

define, o termo ciência social é uma contradição. O cientista social deve redefinir os

conceitos de ciência ou redefinir o ser humano de acordo com tais conceitos. Os

economistas escolheram o segundo caminho, imaginando o homem econômico

mecanicista hipotético que só procura seu próprio prazer – que depois foi definido em

termos puramente financeiros. Sempre que um modelo exige um ser humano que toma

decisões – independentemente do gênero – o economista substitui o homem econômico

imaginário, decididamente não humano, que avalia cada escolha com base em seu retorno

econômico. Tendo eliminado o humano, o economista elimina então o comportamento.

Considerando as interações entre as pessoas extremamente complexas e difíceis de serem

medidas, o economista prefere observar o comportamento dos mercados em vez do

comportamento das pessoas. O comportamento dos mercados envolve preços e fluxos de

dinheiro, que são facilmente observados e medidos. Os economistas sabem o preço de

tudo e o valor de nada12. Definindo-nos em termos de dinheiro, caímos numa armadilha

descendente de progressiva alienação da existência, da nossa própria natureza espiritual.

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12 op.cit. pag.302 e 303