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bom [Gut] ver também AGRADÁVEL; DEVER; FILOSOFIA PRÁTICA; FORMALISMO; MAL; SUMO BEM; VONTADE BOA Em CJ §4, Kant define o bom como "aquilo que apraz por intermédio da razão, pelo mero conceito" e distingue entre "bom para algo" e "bom em si". Distingue também entre o agradável e o bom em termos da presença ou não de um fim: o agradável diz respeito à relação entre um objeto e o sentido, o bom à relação subentendida em "um conceito de

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bom [Gut] ver também AGRADÁVEL; D E V E R ; FILOSOFIA PRÁTICA; FORMALISMO; MAL;

SUMO BEM; VONTADE BOA Em CJ §4, Kant define o bom como "aquilo que apraz por intermédio da razão, pelo mero conceito" e distingue entre "bom para algo" e "bom em si". Distingue também entre o agradável e o bom em termos da presença ou não de um fim: o agradável diz respeito à relação entre um objeto e o sentido, o bom à relação subentendida em "um conceito de

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um fim... como um objeto de vontade". Em outra ocasião, em TP, Kant desenvolve esses pensamentos numa rigorosa distinção entre bom absoluto e bom relativo; ou seja, entre "algo absolutamente bom em si, oposto ao que é mau em si" e algo "relativamente bom oposto a algo mais ou menos bom do que ele mesmo" (TP p.278, p.67). Ele distingue en­tre bom absoluto ou "obediência a uma lei categoricamente imperativa do livre arbítrio (isto é, do dever) sem referência a qualquer fim ulterior", o que é "bom em si", e o bom relativo da busca de felicidade em que "nenhuma lei é absolutamente imperativa mas sempre relativa ao fim adotado" (TP p.278, p.67). 0 bom absoluto despreza quaisquer fins particulares ou substantivos e é puramente formal. Isso significa que a determinante do bom "não é o conteúdo da vontade (isto é, um objeto básico determinado) mas a pura forma de legalidade universal consubstanciada em sua máxima" (TP p.27a, p.68). Esta posição fez com que a explicação de Kant do bom e, na verdade, a sua filosofia prática como um todo acabassem por ser criticadas como formalistas.

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mal [kakon, malum, Bóse, Ubel\ também BOM; DISPOSIÇÃO; L I B E R D A D E ; MÁXIMA; VONTADE

A discussão do mal por Kant foi herdeira de uma longa e internamente complexa tradi­ção filosófica e religiosa, fora da qual muitas de suas distinções e ênfases críticas são quase incompreensíveis. Essa tradição, que combinou ideias filosóficas judaicas, cristãs e gregas, estava interessada, sobretudo, em (a) o lugar e (b) a origem ou causa do mal. Quanto a (a), o mal era invariavelmente colocado numa oposição dualista com o bem, quer este fosse concebido filosoficamente como austeridade ou excelência, quer religio­samente como virtude ou temor a Deus. A natureza do bem era, por sua vez, determinada de modos diversos, quer em termos da ideia do bem como a vontade de Deus, ou como a vida boa ou agradável. A definição do bem determinou em grande medida a definição do mal. Se o bem era considerado uma ideia, como em Platão, então isso acarretava consi­derar o mal também como uma ideia — ou era para ser identificado com o oposto da ideia, isto é, matéria, ou era um princípio por direito próprio, em conflito com o bem? Platão argumenta em vários lugares a favor de cada uma dessas posições como, de fato, Kant faria mais tarde. Também a concepção da instituição divina do bem suscitou pro­blemas a respeito do status do mal; tal como o bem, teve igualmente sua origem em Deus, ou num adversário de Deus, ou era apenas uma ilusão causada pela falta de discer­nimento humano sobre os desígnios de Deus? Esses problemas foram evitados nas expli­cações aristotélicas e epicuristas do mal, considerando-o os primeiros um desvio extremo da média, os segundos tudo o que causasse dor, mas essas posições deixaram elas próprias em herança à posteridade uma série de problemas adicionais.

A definição de mal foi ainda mais complicada por diferenças a respeito do foco apropriado de discussões do mal. Deveria o mal ser considerado de um ponto de vista so­brenatural, com referência à teologia do mal, ou natural, com referência aos aconteci­mentos malévolos do mundo, ou mesmo psicológico, com referência às disposições e ações humanas maldosas? A maioria dos autores combinou aspectos de todas as três ver­tentes, em particular Platão e os estóicos em filosofia, o autor do livro de Jó na tradição judaica, e os autores do cânone cristão. Os cristãos realçaram cada vez mais a dimensão psicológica do mal — uma ênfase derivada da doutrina teológica e naturalmente funda­mentada do pecado original — e destacaram, por sua vez, o papel da vontade sobre a ra­zão. Essa orientação atingiu o seu apogeu teológico nos escritos de Santo Agostinho, os quais serviram para focalizar a subsequente reflexão cristã sobre o problema da vontade

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boa e má (ver Santo Agostinho, Confissões, Livro Vil, 1960). A subsequente especulação cristã medieval acerca do mal dividiu-se, de um modo geral, em termos da ênfase natu­ral/sobrenatural de Santo Tomás de Aquino e a orientação mais sobrenatural/voluntaris­ta adotada por agostinianos como São Boaventura e, muito mais tarde, Lutero.

O foco específico da discussão de Kant variou em diferentes etapas de sua carreira» embora o seu interesse pela conexão entre o mal e a vontade humana se mantivesse cons­tante. Na Proposição IX de ND, por exemplo, ele passa de uma discussão teológica da co­existência do bem e do mal na mais perfeita criação de Deus para uma etiologia do maL a qual encontra sua origem não em Deus mas em "um princípio interior de autodetermina­ção" próprio dos seres humanos. Esse princípio, fica depois esclarecido, não se baseia, como tinha argumentado o racionalista Wolff, em nosso conhecimento defeituoso do bem; trata-se, com efeito, de um princípio radicalmente malévolo, inerente à vontade hu­mana. Nos termos da distinção oferecida em ND, o mal humano é um mal negativo de de­feito (malum defecius) da vontade, não da razão; não é um mal positivo de privação (malum privationis); o primeiro envolve uma negação do bem, enquanto o segundo pro­põe fundamentos positivos para suplantar o bem.

Nos anos de seus escritos maduros, Kant concentrou sua explicação do mal quase exclusivamente no problema da vontade humana. Embora se mostre familiarizado con os argumentos a favor e contra a compatibilidade da existência de Deus e do mal no mun­do, afirma claramente em FTF que a questão do mal formulada desse modo não pode ser tratada pelo conhecimento. O que, entretanto, pode ser tratado pelo conhecimento é o mal discernível na vontade humana, e isso é levado em consideração por Kant em CRPr e RI_

No contexto de uma discussão dos objetos da razão prática em CRPr, Kant desen­volve uma distinção entre duas formas de mal. Os únicos objetos possíveis da razão prá­tica são o bem e o mal, termos que Kant diz serem usados para traduzir bonum e malum. Sublinha depois que "o idioma alemão tem a ventura de possuir expressões exatas" (CRfr p.61, p.59) que permitem fazer uma distinção entre duas formas de bem e de mal. Kaat traduz bonum como das Gute ou o bem e das Wohl ou o bem-estar, e traduz malum como das Bõse ou o mal e das Ubel ou mal-estar. A oposição de bem-estar e mal-estar vale a respeito da "sensibilidade e do sentimento de prazer ou desprazer que produz" (CRflr p.60, p.62). Repete assim o alinhamento epicurista de bem e mal com prazer e dor, e é distinguido por Kant do bom e do mau propriamente ditos. Estes não se referem ao "esta­do sensível da pessoa", mas indicam "uma relação com a vontade", que "não é uma coisa porém apenas um modo de agir... somente a máxima da vontade ..." (CRPr p.60, p.62).

A localização do mal dentro das máximas da vontade será mais explorada em RL» onde Kant desenvolve a tese do mal radical. A origem do mal não reside num objeto de­terminante da vontade, nem numa inclinação ou impulso natural, mas tão-somente em "uma regra produzida pela vontade para o uso de sua liberdade, isto é, numa máxima" (RL p.21, p. 17). O fundamento para optar entre uma máxima boa ou má não pode ser en­contrado na experiência; é um ato livre que não se baseia nem em inclinações sensíveã nem em alguma outra máxima da vontade. Os seres humanos escolhem entre máximas que determinam a vontade de acordo com incentivos decorrentes ou da lei moral ou de suas naturezas sensoriais. A distinção entre uma vontade boa ou má depende de "qual dos dois incentivos [é feito] a condição do outro" (RL p.36, p.31). Kant continua dizendo que esse predicamento de escolha é inevitável por causa do caráter radical do mal, queé

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«scrito como uma "propensão natural, inextirpável por poderes humanos" (RL p.37, p32). Mas embora a natureza humana seja frágil, ela não é diabólica — não converte o próprio mal num incentivo da vontade; antes, a natureza humana carece de solidez para arguir princípios e de suficiente capacidade de discriminação para distinguir entre incen-tnos. Não obstante, por causa da mesma liberdade que leva ao malum defectus do mal otiical, é possível ao ser humano superar, senão extirpar, a propensão para preferir os in­centivos de suas naturezas sensoriais à lei moral. Assim, embora as propensões para o fcem e o mal se guerreiem para dirigir as máximas da vontade, "a semente da bondade [é impedida] de se desenvolver como de outro modo ocorreria", embora isso não impeça a pantade de ser cultivada e possuir uma história. Com isso não se pretende sugerir que «esta um meio-termo quase aristotélico entre bem e mal — Kant rechaça expressamente «ssa ideia numa nota de rodapé em RL p.39, p.34 — mas, antes, que bem e mal estão con-•Biamente lutando pela supremacia (RL p.82, p.77).

A noção kantiana de mal radical é exemplo de um malum defectus e não de um ma-hir. privationis: nega o bem ou a lei moral como incentivo para máximas da vontade, •25 não o substitui por um incentivo para preferir a máxima do mal. Esse conceito de mal permitiu a Kant manter a possibilidade de uma história humana progressiva em que • -xm é alcançado através do cultivo da vontade. As sutilezas dessa posição passaram éespercebidas a muitos de seus críticos, que consideraram a sua doutrina do mal radical •ca restrição à sua defesa da liberdade humana e, assim, nas palavras de Goethe, "eno-«fcendo seu manto filosófico". Não obstante, a versão de Kant da relação entre liberdade «mal inspirou algumas das grandes meditações filosóficas do século XIX sobre o mal, em pmcular a Filosofia do direito (1821, § § 139-40), de Hegel, A essência da liberdade hu-m^r.a (1809), de Schelling, O conceito de angústia (1844), de Kierkegaard, e A genealo-gxz ia moral (1887), de Nietzsche. A luz dos eventos políticos do século XX, a noção fcrriana de mal radical como um malum defectus parece, aos olhos de muitos críticos, ser insuficiente. O Holocausto judaico na II Guerra Mundial foi considerado por alguns ••cores um diabólico malum privationis envolvendo a escolha de um princípio maligno; •urros, em particular Hannah Arendt (1964), falaram num espírito mais kantiano, sobre a "iKnalidade do mal" resultante de uma vontade informada não por incentivos diabólicos K mesmo sensoriais, mas de uma obediência irrefletida, burocrática, ao "dever".

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sumo bem [summum bonum, hõchstes Gut] ver também ABSOLUTO; AUTONOMIA; ESPE­RANÇA; FELICIDADE; VONTADE; VONTADE BOA O sumo bem é descrito em CRP como a combinação de felicidade e do mérito para ser fe­liz. A filosofia prática de Kant separou rigorosamente a heteronomia da felicidade e sua

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doutrina da eudaimonia da de autonomia da liberdade e sua doutrina da eleutheronomia (MM p.378, p. 183). Entretanto, quando considera o sumo bem em função das respostas às perguntas dos três interesses da razão (O que posso saber? O que devo fazer? O que pos­so esperar?), Kant afirma que tanto a felicidade quanto a liberdade moral per se não são adequadas para servir como sumo bem. Deve ser uma combinação de ambas que reúne a moralidade ou o "mérito de ser feliz" com a esperança de felicidade real: "A felicidade per se está longe de ser para a nossa razão o bem perfeito. A razão não a aprova (por mais que a inclinação a possa desejar) se não estiver ligada com o mérito de ser feliz, isto é, com a boa conduta moral. Por outro lado, a moralidade por si só e com ela o simples mé­rito para ser feliz também não é ainda o bem perfeito" (CRP A 81 37B 841). A resposta à se­gunda pergunta do interesse da razão — "O que devo fazer?" — é "fazer-se digno de ser feliz", e à terceira pergunta — "O que posso esperar?" — é "esperar sua participação na felicidade". Kant conclui que "a felicidade... na sua exata proporção com a moralidade dos seres racionais, pela qual estes se tornam dignos dela, constitui sozinha o bem supre­mo do mundo" (CRP A 81 4/B 842) e vê a realidade dessa unidade como baseada no "pos­tulado" de um inteligível "bem supremo originário".

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Com a doutrina de Kant, o conceito de B. foi conhecido numa esfera específica, tomou-se

um valor, ou melhor, uma classe de valores, fundamental. Juntamente com o Verdadeiro e com o Bem, entrou na constituição de uma nova espécie de trindade ideal, correspondente às três formas de atividade reconhecidas como próprias do homem: intelecto, sentimento e TOntade. Embora essa tripartição tenha sido considerada durante muito tempo como um dado de fato originário, testemunhado pela 'consciência" ou pela "experiência interior", na íealidade é uma noção historicamente derivada,

i«pie. na segunda metade do séc. XVIII, nasceu da inserção da "faculdade do sentimento" entre as outras faculdades (reconhecidas desde o tem­po de Aristóteles): a teorética e a prática (v. GOSTO; SENTIMENTO).

Como perfeição expressiva ou comple-I Aude da expressão, o B. é, implícita ou explici-nrnente, definido por todas as teorias que con­sideram a arte como expressão (v. ESTÉTICA, 3). Croce disse: "Parece-nos lícito e oportuno defi-

• a beleza como expressão bem-sucedida, ou hor, como expressão pura e simples, pois a

expressão, quando não é bem-sucedida, não é expressão" (Estética, 4 a ed., 1912, p. 92). E, conquanto, na obra de Croce, a teoria da arte como expressão se combine ou se confunda com a de arte como conhecimento, a definição

! beleza dada por Croce pode ser adotada em quer teoria da arte como expressão.

BEM (gr. àyocOóv; lat. Bonum; in. Good; fr. al. Gut; it. Benê). Em geral, tudo o que

ú valor, preço, dignidade, a qualquer títu-a verdade, B. é a palavra tradicional para

licar o que, na linguagem moderna, se cha-i valor (v.). Um B. é um livro, um cavalo, um

[^mento, qualquer coisa que se possa vender i comprar; um B. também é beleza, dignida-! ou virtude humana, bem como uma ação

Bbbosa, um comportamento aprovável. Em cor-qpondência com essa extrema variedade de

fcjpnficados, o adjetivo bom tem uma idêntica ^BÉedade de aplicações. Podemos lalar de "uma

i chave de fenda" ou de "um bom automó-como também de "uma boa ação" ou de i pessoa boa". Dizemos também "um bom

• D " , para indicar algo que corresponde ao > paladar, ou "um bom quadro", para indi-

um quadro bem-feito. Dessa esfera do significado geral, pela qual

Ipalavra se refere a tudo o que tem um valor quer, pode-se recortar a esfera do significado

específico, em que a palavra se refere parti­cularmente ao domínio da moralidade, isto é, dos mores, da conduta, dos comportamentos humanos intersubjetivos, designando, assim, o valor específico de tais comportamentos. Nesse segundo significado, isto é, como B. moral, o B. é objeto da ética e o registro dos seus diferentes significados históricos é encontrado no verbete Ética (v). Por ora, deveremos tratar da noção de B. só no primeiro sentido, isto é, na sua acepção mais geral. Podemos, então, distinguir dois pontos de vista fundamentais, que apre­sentam intersecção na história da filosofia: l e a teoria metafísica, segundo a qual o B. é a rea­lidade, mais precisamente a realidade perfeita ou suprema, e é desejado como tal; 2 2 a teoria subjetívista, segundo a qual o B. é o que é de­sejado ou o que agrada, e é tal só nesse aspecto.

l s O modelo de todas as teorias metafísicas é a teoria de Platão, segundo a qual o B. é o que confere verdade aos objetos cognoscí-veis, que confere ao homem o poder de conhecê-los, que confere luz e beleza às coisas, etc; em uma palavra, é fonte de todo ser, no homem e fora do homem (Rep., VI, 508 e 509 b). Platão compara o B. ao Sol, que dá aos objetos não só a possibilidade de serem vistos como também a de serem gerados, de crescerem e de nutrir-se; e, assim como o Sol que, mesmo sendo a causa dessas coisas, não é nenhuma delas, tam­bém o B. como fonte da verdade, do belo, da cognoscibilidade, etc. e, em geral, do ser, não é nenhuma dessas coisas e está além delas (ibid., 509 b). Analogamente, Plotino vê no B. a pri­meira Hipóstase, isto é, a origem da realidade, o próprio Deus, considerando-o como causa, ao mesmo tempo, do ser, da ciência (Enn., VI, 7, 16) e, em geral, de tudo o que é ou vale um titulo qualquer (ibid., V, 4, 1). Essas noções tornaram-se correntes na filosofia medieval, que identificou, segundo o exemplo neopla-tônico, o B. com Deus mesmo, de modo que só pode ser considerado "bom" o que é, de algum modo, semelhante a Deus (S. TOMÁS. 5. 31»., I . q. 6, a. 4).

O teorema característico dessa concepção de B. é o que afirma a identidade do que é B. com o que existe. "Bonum e ens são a mesma coisa na realidade", diz S. Tomás, "embora pos­sam distinguir-se um do outro racionalmente. O B., com efeito, é o ente como objeto de desejo, o que não é o ente" (S. Th., 1, q. 5, a. 1). Por isso, "todo ente, como ente, é bom" (ibid., I , q. 5, a. 3). De fato, todo ente como tal está em

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ato e enquanto está em ato é perfeito: mas o que é perfeito é também apetecível e é bom. Esse teorema revela a natureza da concepção metafísica do B., cujo princípio é que o B. é apetecível só como realidade perfeita ou per­feição real. Pode-se, por isso, reconhecer uma teoria metafísica do B. precisamente por essa característica, que subordina a apetecibilidade à realidade e, por fim, considera o próprio B. como a realidade suprema. Assim faz Hegel, p. ex., quando afirma que "a realidade efetiva coincide em si com o B." (PhilosophischePropã-deutik, I I I , § 83) , ou que o B. é "a liberdade realizada, o objetivo final absoluto do mundo" (Fil. do dir., § 129). Todas as formas de idealis­mo e de espiritualismo constituem outras tan­tas doutrinas metafísicas do B., já que todas identificam o B. com a realidade e, em última instância, com a realidade suprema; é o que fazem, p. ex., Rosmini, que identifica ser e bem (Principi dela scienza morale, ed. nac, p. 78) , e Gentile, que identifica o B. com o espírito em ato: "O B. ou valor moral outra coisa não é senão a realidade espiritual em sua idealidade, como produção de si mesma ou liberdade" (Ló­gica, 1 , p. 110). Algumas filosofias contemporâ­neas que preferem falar de valor em vez de B., considerando o valor como uma realidade ab­soluta e última, inscrevem-se na mesma con­cepção tradicional de bem.

2 O Por outro lado, a teoria subjetivista do B. é o inverso simétrico da teoria metafísica. Para ela, o B. não é desejado por ser perfeição e realidade, mas é perfeição e realidade por ser desejado. Ser desejado ou apetecido é o que define o B. Foi assim que Aristóteles o definiu várias vezes (Et. nic, I , 1 , 1.094 a 3) . Todavia, nesse autor, a doutrina não deixa de ter cone­xões ou misturas com a doutrina oposta. Quan­do precisa determinar os critérios de preferên­cia entre os vários bens, recorre à noção metafísica de perfeição, isto é, à noção que fundamenta a teoria oposta de B. Assim, p. ex., ele diz que o que é B. em absoluto é mais desejável do que aquilo que é um B. para al­guém, como p. ex. curar-se é preferível a sofrer uma operação cirúrgica; que o que é um B. por natureza (p. ex., a justiça) é preferível ao que é um B. por aquisição (p. ex., o homem justo). Além disso, "mais desejável é o que pertence a um objeto melhor e mais digno, de tal modo que o que pertence à divindade é preferível ao que pertence ao homem, e o que tange à alma é preferível ao que tange ao corpo" (Top., I I I , 1 ,

1 1 6 b 17). Assim, Aristóteles delineia um siste­ma de preferências que parece orientar-se para o caráter de perfeição que os bens possuem objetivamente e que, portanto, mal se concilia com a definição do B. como objeto de desejo.

Essa definição é validada pela primeira vez, em todo o seu rigor, pelos estóicos. Estes consi­deraram o B. exclusivamente como objeto de escolha obrigatória ou preferencial; portanto, foram também os primeiros a introduzir na éti­ca a noção de valor (v.). "Assim como é pró­prio do calor aquecer, e não esfriar, também é próprio do B. ajudar, e não prejudicar", diziam eles (DIÓG. L., V I I , 103). B., em sentido absolu­to, é somente o que se conforma à razão, que tem, por isso, um valor em si; mas são também B., embora de modo subordinado ou mediato, as coisas que fazem apelo à escolha e enquan­to tais têm valor, como o talento, a arte, a vida, a saúde, a força, a beleza, etc. (ibid., 104-5; cf. CÍCERO, De finibus, I I I , 6, 20) . Essa tábua de valores prescindia completamente da perfei­ção objetiva a que se referiam as tábuas de valores da concepção clássica grega.

Obliterada durante toda a Idade Média, a concepção subjetivista de B. volta, no Renas­cimento, com as alusões à ética do móbil, que se repetem nesse período (v. ÉTICA), mas foi afirmada na sua forma mais nítida por Hobbes. "O homem chama de bom o objeto de seu ape­tite ou de seu desejo, de mau o objeto de seu ódio ou de sua aversão, de vil o objeto de seu despre­zo. As palavras 'bom', 'mau', 'vil ' são sempre entendidas em relação a quem as emprega, porque nada há de absoluto e simplesmente tal, e não há nenhuma norma comum para o B. e para o mal que derive da natureza das coisas" (Leviath., I , 6 ) . Spinoza aceitou com entusias­mo esse ponto de vista. "Nós não nos propo­mos, não queremos, não desejamos, não ansia­mos por uma coisa porque a julguemos boa, mas, ao contrário, julgamo-la boa pelo fato de a propormos, querermos, desejarmos e ansiar­mos" (Et., I I I , 9, escol.). E, no prefácio ao IV Livro, reitera: "O B. e o mal não indicam nada positivo que esteja nas coisas consideradas em si, mas são nada mais do que modos de pensar ou noções que formamos, ao confrontar as coi­sas. Realmente, uma mesma coisa pode ser, ao mesmo tempo, boa, má e até indiferente". Por sua vez, Locke afirmou que "chamamos de B. o que é capaz de produzir prazer em nós e de mal o que é capaz de produzir sofrimento" (Ensaio, I I , 2 1 , 43) ; definições que encontram

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concordância em Leibniz: "O B. divide-se em honesto, agradável e útil, mas, no fundo, creio que deve ser agradável por si mesmo ou servir a algo que nos dê sentimento de prazer: o B. é agradável Ou útil e mesmo a honestidade con-áste em um prazer do espírito" (Nouv. ess., I I , 20, 2). Kant aceitou essas observações, acres-centando-lhes um elemento importante, isto é, a exigência de uma referência conceituai. "O B." diz ele, "é o que, por intermédio da razão, agrada pelo seu conceito puro. Dizemos que alguma coisa é boa para (útil) quando ela agra­da só como um meio; aquela que, ao contrário, agrada por si mesma, dizemos que é boa em Si. Em ambas, estão sempre contidos o conceito de finalidade e a relação entre razão e vontade (pelo menos possível); consequentemente, o prazer está ligado à existência de um objeto ou de uma ação, vale dizer, a um interesse" (Çrít. doJuízo, § 4). A presença do conceito, isto é, do fim a que a coisa tende ou da norma a que deve adequar-se, é o que distingue o bom do agra­dável. Kant nota que um alimento agradável, para ser considerado "bom", deve agradar tam­bém à razão, isto é, deve ser considerado bom em relação ao objetivo da nutrição, da saúde fisica. Todavia, o agradável e o bom estão liga­dos pelo fato de dependerem ambos do inte­resse pelo seu objeto; além disso, "o que é B absolutamente sob todos os aspectos, o B. mo­fa, inclui o mais alto interesse, pois o B. é o «bjeto da vontade, isto é, de uma faculdade de desejar determinada pela razão. Mas querer alguma coisa e ter prazer por sua existência, H b é, sentir interesse por ela, são a mesma coisa' (ibid., fim). Nesse sentido, o B. é aquilo que se aprecia, que se aprova e a que se atribui "Mm valor objetivo" (ibid., § 5). Assim, no seio fdk própria teoria subjetivista, Kant valida a exi-i«jpncia objetivista que constituía a força da teo-téa metafísica. O B., para Kant, só é B. em re-jlação ao homem, isto é, em face do interesse «fue o homem tem por sua existência. Mas isso Hpb o torna exclusivamente subjetivo, isto é, mão o identifica pura e simplesmente com o Ipazer porque ao reconhecimento do B. está nãoculada a valorização conceituai de sua efi-taõência em relação a certos fins e é isto que cocsritui o B. como "um valor objetivo".

Depois de Kant, a noção de valor tende a paapíantar a de B. nas discussões morais, e pode per considerada como sucessora do conceito ppifoietivo de B., dotada que é de suas mesmas pcmexões sistemáticas. Em seu lugar, porém,

renascerá, com forma pouco alterada, a alterna­tiva entre uma concepção objetivista e uma con­cepção subjetivista: alternativa que ainda hoje constitui um dos temas fundamentais da dis­cussão moral (v. VALOR).

BEM-AVENTURANÇA (gr. pccKOcpíct; lat. Beatitudo; in. Beatitude-, fr. Beatitude; al. Seligheit; it. Beatitudinê). O significado desse termo pode distinguir-se do de felicidade (v.), de que é sinónimo, porque designa um estado de satisfação completa, perfeitamente inde­pendente das vicissitudes do mundo. Aristóte­les, que às vezes usa esse termo e o termo felicidade indiferentemente, vincula a B. à con­templação e comensura-a com o grau da ativi-dade contemplativa nos vários seres vivos. As­sim, a vida dos deuses é bem-aventurada porque contemplativa. Aos homens cabe uma espécie de semelhança com essa vida porque se ele­vam só vez por outra à contemplação; os ani­mais não são absolutamente bem-aventurados porque carecem de atividade contemplativa (Et. nic, X, 8, 1.178 b 9 ss.). Entre os homens, naturalmente, o sábio é o mais bem-aventura-do (ibid., I , 11, 1.101 b 24). Na filosofia pós-aristotélica e sobretudo na estóica, a B. do sá­bio tornou-se tema comum de exercício (cf. De vita beata de Séneca), e no neoplatonismo de Plotino a crítica da felicidade, como é entendi­da por estóicos e aristotélicos (Enn., I , 4), é acompanhada pelo conceito de que a B. é inati-va porque indiferente a toda realidade externa. "Os seres bem-aventurados estão imóveis em si e basta-lhes ser o que são: não se arriscam a ocupar-se com nada, pois isso os faria sair do seu estado; mas essa é a felicidade deles, pois, sem agir, realizam grandes coisas e não fazem pouco permanecendo imóveis em si mesmos" (ibid., I I , 2,1). A partir do neoplatonismo, pode-se dizer que o conceito de B. se foi distinguin­do cada vez mais do de felicidade, ligando-se estreitamente à vida contemplativa, ao aban­dono da ação e à atitude de reflexão interior e de retorno para si mesmo. A tradição cristã agiu no mesmo sentido, vinculando a B. a uma condição ou estado, tão independente das l i ­des mundanas quanto dependente da disposi­ção interna da alma. A doutrina aristotélica da felicidade, própria da vida contemplativa, ser­viu de modelo aos escolásticos para a elabora­ção do conceito de beatitude. S. Tomás diz que a B. é "a última perfeição do homem", isto é, a atividade da sua faculdade mais elevada, o in­telecto na contemplação da realidade superior,

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M., que é a parte do valor produzido pelo traba­lho assalariado da qual o capitalista se apodera (cf. Das Kapital, I , seç. 3) .

MAIS-VIDA, MAIS Ql F VIDA (al. Mehr-Leben, Mehr-als-Leben). Expressões cunhadas por G . Simmel para indicar, respectivamente, o processo da vida e as formas às quais ele dá lu­gar. Como "M.-vida", a vida é o processo que supera continuamente os limites que impõe a si mesma. Como "M.-que-vida", a vida é o conjunto das formas finitas que emergem do processo vital e a ele se contrapõem (Lebens-anschauung, 1918, pp. 22-23).

MAL (gr. to KCtKÓV; lat. Malun; in. Evil; fr. Mal; al. Bõse, it. Malé). Este termo tem uma va­riedade de significados tão extensa quanto a do termo bem (v.), do qual é correlativo. Do ponto de vista filosófico, entretanto, é possível resumir essa variedade em duas interpretações fundamentais dadas a essa noção ao longo da história da filosofia: I A noção metafísica do M., segundo a qual este é a) o não-ser, ou b) uma dualidade no ser; 2 A noção subjetivista, segun­do a qual o M. é o objeto de aptidão negativa ou de um juízo negativo.

\- A concepção metafísica do M. consiste em considerá-lo como o não-ser diante do ser, que é o bem, ou em considerá-lo como uma dualidade do ser, como uma dissensão ou um conflito interno do próprio ser.

d) A concepção do M. como não apare­ce nos estóicos e é claramente formulada pelos neoplatônicos. Por considerarem que a existên­cia dos males condiciona a dos bens, de tal modo que, p. ex., não haveria justiça se não houvesse ofensas, não haveria trabalho se não houvesse indolência, não haveria verdade se não houvesse mentira, etc, os estóicos, em particular Crisipo, achavam que os chamados males não são realmente males, porque neces­sários à ordem e à economia do universo (AULO GÉLIO, Noct. Att., 1). Marco Aurélio ex­primia perfeitamente este ponto de vista dizen­do: "Toda vez que arrancas uma partícula qual­quer da ordem e da continuidade do inverso a integridade do todo fica mutilada e comprome­tida. (...) E realmente extirpas, na medida do teu poder, alguma coisa do universo toda vez que te queixas do que aconteceu; em um certo sentido, em assim fazendo, estás condenando à morte o universo inteiro em teu desejo" (Ric., V , 8 ) . Uma vez que não se pode amar uma coi­sa e considerá-la má, o ponto de vista estóico equivale a considerar bom tudo o que existe e

a reduzir o M. ao não-ser. Essa se explícita no neoplatonismo. PI: tais são os entes e se tal é o que entes [isto é, Deus], então o M. naqueles nem neste, já que tanto | outro são bem. Conclui-se, por existir, existe no que não é, e que < cie de não-ser, encontrando-se, mescladas de não-ser ou participei (Enn., I , 8, 3) . Nesse sentido, Plc o M. com a matéria: a matéria é i M. não consiste na deficiência ] deficiência total: o que carece pa bem não é mau e pode até ser j género. Mas quando há deficiência na matéria, tem-se o verdadeiro tem parte alguma de bem. A sequer o ser que lhe possibilitaria bem: pode-se dizer que ela é a" tido equívoco; na verdade, a mat: prio não-ser" (Ibid., I , 8, 5).

A identificação do M. com o se tradicional na filosofia cristã. É i Clemente de Alexandria (Strom.. Orígenes (Deprinc, I , 109) e porSJ que a difunde no mundo ocidental í nho diz: "Nenhuma natureza é M indica apenas a privação do bem" X I , 22). Portanto, "todas as coisas í M. não é substância porque se cia seria bem" (Conf., V I I , 12). va: "O mal é nada, porque não Aquele que pode todas as coisas" I I I , 12). A Escolástica é igualme nesse aspecto. S. Anselmo reitero»! do M. como não-ser nos mesmos i Agostinho (De casu diaboli, Maimônides, a escolástica hebr mesma tese (Guia dos perplexos. escolástica cristã, é repetida por ; como Alexandre de Hales (S. Tb., por aristotélicos, como Alberto M q. 27, 1), e por S. Tomás. Este últj vez que bem é tudo o que é ap vez que a cada natureza apetece | perfeição, cumpre dizer que o ser < de qualquer natureza são essenc Portanto, não pode acontecer i que algum ser, alguma forma ou i clui-se, pois, significa apenas a má bem" (5". Th., I , q. 48, a. 1 ) O ve: referir-se ao M. somente no sennc: aM( de da proposição", como quando se JaÉJ cegueira é do olho", sentido que x ã a f l

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algum a realidade (entitas rei) (Ibid., 12) . as observações cépticas de Pierre

rjre a compatibilidade do M. (em todas formas) com a onipotência divina e erfeição do universo, a teodicéia de stá fundamentada na doutrina tradi-> M. como negação do bem. "Os pla-S. Agostinho e os escolásticos", diz Tiveram razão em dizer que Deus é a irerial do M., que consiste em sua par­ra, e não da forma dele, que consiste pão, assim como se pode dizer que a é a causa material do atraso na velo-e um barco, sem ser a causa da forma k> atraso, ou seja, dos limites desta ve-' (Théod., I , 30). Essas considerações iz fundamentaram todas as tentativas ! de teodicéia (v.). Por outro lado, a do M. continuou sendo a tese adotada utrinas que identificam o ser com o

em termos modernos, com a racio-ou o dever-ser; isso acontece em

ira quem o M., entendido como vonta-rola, é "a nulidade absoluta" dessa 'Ene, § 512). Do ponto de vista dos 36 absolutos, como o de Hegel e de

>la. apresenta-se novamente o proble-cional da teodicéia: o da possibilidade

; a única solução disponível é ainda a tra-: a nulidade do M. Gentile dizia: "Não é

peidade, mas erro na verdade, como •eúdo que se resolve na forma; nem M. tmas M. do qual o bem se nutre no seu •o formalismo" (Teoria generale dello i XVI. 10). Croce por sua vez afirmava: .quando real, não existe senão no bem, ;Ihe opõe e o vence; portanto, não exis-D fato positivo: quando, porém, existe tiro positivo, já não é um M., mas um C por sua vez tem como sombra o M., o qual luta e vence)" (Fil. delia pratica,

|#. 139). Não-ser, nulidade ou irrealidade i . é tese redescoberta toda vez que, de Iper forma, se propõe a identidade entre

segunda concepção metafísica do M. ra-o como um conflito interno do ser, lura entre dois princípios. Segundo es-epçào, o domínio do ser divide-se em IDOS opostos, dominados por dois prin-iragônicos. O modelo dessa concepção são persa, de Zarathustra ou Zoroastro, •rrapunha à divindade (Ahura Mazda

ou Ormazd) uma antidivindade (Ahriman), que é o princípio do M. (cf. PETTAZZONI, La religione di Zaratustra, Bolonha, 1921; Du-CHESNE-GUILLEMIN, Ormazd et Ahriman, Paris, 1953). Essa doutrina constitui uma solução ex­tremamente simples para o problema do M., pois, ao mesmo em que limita o poder das divindades, não trai o monoteísmo porque con­cebe a potência limitante como antidivindade. Segundo essa solução, o M. é real tanto quanto o bem, e, como tal, tem causa própria, antitética à do bem. Essa doutrina evita a redução do M. ao nada, tão pouco convincente para o homem comum, e decorre do mesmo tipo de justifica­ção de que lança mão a negação metafísica da realidade do M. O dualismo persa retornou no culto de Mitra: personagem que, segundo rela­to de Plutarco, ocupava posição intermediária entre o domínio da luz, pertencente a Ahura Mazda, e o domínio das trevas, pertencente a Ahriman (De Iside et Osiride, 46-47; cf. F. CUMONT, The Mysteries of Mithra, cap. I ) . Retornou também, com algumas atenuações, em algumas seitas gnósticas dos primeiros sé­culos da era vulgar, especialmente na de Basilides (cf. BUONAIUTI, Frammentignostici, 1923, pp. 42 ss.), bem como na seita dos maniqueus, contra os quais S. Agostinho assenta uma de suas principais polémicas (v. MANIQUEÍSMO). Mas a filosofia nunca aceitou essa solução para o problema do M. na forma simples como foi originariamente formulada pela religião persa; nunca admitiu a separação dos dois princípios. Quando aceitou essa solução, modificou-a no sentido de incluir ambos os princípios em Deus, considerando o princípio do bem e o do M. unidos em Deus, justamente em virtude de seu conflito. No séc. XVII, Jacob Bõhme, insistindo na presença, em todos os aspectos da realida­de, de dois princípios em luta, que são o bem e o M., atribuía a causa dessa luta à presença em Deus dos dois princípios antagonistas, que ele indicava com vários nomes: espírito e natu­reza, amor e ira, ser e fundamento, etc. Em Deus, esses dois princípios estariam fortemen­te ligados, numa espécie de luta amorosa. Bõhme dizia: "A divindade não repousa tranquila, mas suas potências trabalham sem trégua e lutam amorosamente; movem-se e combatem: como acontece com duas criaturas que brincam uma com a outra, com amor abraçam-se e estrei-tam-se; ora uma é vencida, ora a outra, mas o vencedor logo se detém e deixa que a outra retome seu jogo" (Aurora oder die Morgenróte

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im Aufgang, 1634, cap. X I , § 49). Em outras palavras, o dualismo do bem e do M. está em Deus mesmo e nele os dois princípios travam um combate "amoroso", no qual nenhum é de­finitivamente derrotado. A subcorrente do pen­samento filosófico chamada teosofia (v.) sem­pre adotou essa solução para o problema do M.: no período romântico, retornou em Indaga­ções sobre a essência da liberdade humana (1809), de Schelling, em que este sustentava, assim como Bõhme, que em Deus está não só o ser, mas, como fundamento desse ser, há um substrato ou natureza que se distingue dele e é um anseio obscuro, um desejo inconsciente de ser, de sair da escuridão e alcançar a luz divina (Werke, I , V I I I , p. 359). No entanto, Schelling afirmava que, estando esses dois princípios estreitamente unidos em Deus, não há nele distinção entre bem e M.; com a separação desses princípios no homem, nasce a possibi­lidade do bem e do M., e de seu conflito (Ibid., p. 364). Ainda em tempos relativamente recen­tes, em relação mais direta com a religião persa, solução semelhante para esse problema foi pro­posta por G. T. Fechner, que admitia haver em Deus a mesma dualidade entre vontade racio­nal e instintos obscuros encontrada no homem (Zend Avesta, 5a ed., 1922, pp. 244-45). É possível entrever soluções análogas, porém me­nos explicitas, em algumas formas de espi­ritualismo e na psicanálise (v.), mas trata-se, muitas vezes, de soluções de caráter religioso ou teosófico, que dificilmente podem ser con­sideradas explicações filosóficas propriamente ditas.

2 a A segunda concepção fundamental do M. não o considera realidade ou irrealidade, mas objeto negativo do desejo ou, em geral, do juízo de valores. Essa concepção é admitida por todos os que defendem a chamada teoria subjetivista do bem. Hobbes, Spinoza e Locke compartilham essa teoria (para os relativos tex­tos, v. BEM), à qual Kant deu forma mais geral. Segundo Kant, "os únicos objetos da razão prá­tica são o bem e o M. Pelo primeiro entende-se um objeto necessário da faculdade de dese­jar; pelo segundo, um objeto necessário da faculdade de repelir; mas ambos somente se­gundo o princípio da razão" (Crít. R. Prática, cap. 2). Kant insistia sobretudo em retirar as determinações de bem e M. (em alemão, Gut e Bõsê) "da esfera da faculdade inferior de dese­jar", à qual pertencem o agradável e o doloroso

(em alemão, Wohl e Ubel). " O que dev chamar de bem" — dizia ele — "é o objeto faculdade de desejar segundo o juízo dos j mens dotados de razão; o M . deve ser objetc aversão aos olhos de todos, de tal modo < para tais juízos, além dos sentidos, tambén: necessidade da razão" (Ibid.). Contudo S concordava com a teoria subjetivista, ao juJ que o bem e o M . não podem ser determinai!^ independentemente da faculdade de de do homem, o que significa que eles nãc realidade ou irrealidade por si mesmos. A sofia moderna e contemporânea comparti essa visão. Para ela, M. é simplesmente um < valor, objeto de um juízo negativo de vai implica, portanto, referência à regra ou noa na qual se fundamenta o juízo de valor (v. 1 LOR). Assim, p. ex., o terremoto é um M. qu do destrói vidas humanas ou fontes de subi tência e bem-estar humano, mas não é quando não provoca esse tipo de dest pois nesse caso não contraria o desejo ou ar gência humana de sobrevivência e bemn Seja qual for o ponto de vista de que se < dere essa exigência, ela se expressa em rep ou normas que podem entrar em conflitc acontecimentos naturais ou com compor tos humanos. Esses acontecimentos ou c portamentos são chamados de males, comi nesse conflito, e não porque tenham um s* metafísico especial.

Era desse ponto de vista que Kant int! tava o " M . radical" da natureza humana cc um princípio que alicerça o comportamefli todos os seres racionais finitos: afastar-se. < sionalmente, da lei moral (Religion, I , 3)-l princípio nada mais expressa que a possibâ de de transgredir as normas morais própriaaj homem, definindo-se, então, o M . radical ao a possibilidade geral de desvalor na coei do homem.

MAL RADICAL. V . MAL. MALTHUSIANISMO (in. Malthusimá\

fr. Malthusianisme, al. Malthusianismn Malthusianesimó). 1. Doutrina econômkau Thomas Robert Malthus (1766-1834), exp em Ensaio sobre a população (1798), que pe do princípio de que a população e os mciuaj subsistência crescem em proporções d tes, passando-se a considerar os meie evitar o desequilíbrio entre ambos. Malthusl seava-se no desenvolvimento da América JflH Norte, observando que ali a população tenálH crescer em progressão geométrica, duplir