jaimir conte & oscar federico bauchitz - o que é metafísica

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Jaimir Conte & Oscar Federico Bauchitz - O que é metafísica

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  • oleo metafs c 1

    jaimir conte oscar federico bauchwitz

    -=~ ""'#I' ., #I -j t! J

    Editora da UFRN ~=-

    organizadores

  • O QUE METAFSICA? Aras do fi! Colquio lmemtlCOJift! de Metrrfsica

  • Jaimir Conte Oscar Federko Bauchwirz

    (Organizadores)

    O QUE METAFSICA? Atas do !I! Colqttio lnremacional de Metajsim

    _,, ""42Jij .. zt! ,

    Editora da UFRN \'::.-=-.

    Naral, 2011

  • UNrvERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    REITOR Jos~ honildo do Rego

    I '/CE-RE/'10/U.rl Angda t\'laria l'ah~t Crm DIRFTOR D..J EDUFRN

    Hcrcul.uto Ricardo Campos

    C:ONSEI.HO !:DITO/UM Cipri.u1o Maia de Va~wncd

  • SUMRIO

    Apresentao ......................................................................................................... 7

    Prazer, desejo e amor-paixo no te~:to de Lucrcio ............................................... 9 A11tonio )1lio Gnrcir1 h eire

    Anaximandro: fsica, met:tfsica e direito ............................................................ 19 Celso 1\i/artins Au1r Fil/;o

    Cana a Guimares Rosa ...................................................................................... 37 Cirero Cu11hn Beurm

    Ante ens, uon ens: la primada de la negacin en el neoplatonismo medieval .... 43 Clnutli({ D'Amico

    Metafisica e neoplatonismo ................................................................................ 59 Dr11'id C. Smuos

    Movimento e tempo no pensamento de Epicuro ............................................... 81 El't!I'UJJI dn Silvr1 Ror!Jtt

    Crticas e elogios de NietlSche a Scrates ........................................................... 91 Ft'l'llttlldrt Bulhes

    Sobre a Metafsica ou a respeito do jejum ........................................................ 101 Gill'ftll Foge!

    A origem esttica da ontologia hemtenutica de Luigi Parcyson ..................... 115 J~is Frtimrr dn Silva

    A natureza da 6losolia de l-lume ....................................................................... 129 }ttimir Conre

    Logique et rntaphysique ................... ............................................................... 157 j effn-Bnptiste joinN

    Blaise Pascal: Da recusa da metafsica da raison metafsica do "estudo do hontem" ..................................................................................... 169

    jodo r.lnilinno rortaii'Zff de Aquino O niilismo no prlogo de Assim falou Zararustra ............................................ 183

    Jos Uit,lton de Sousfl

  • Prescnda/Ausenda: de Plotino a Proclo ........................................................... l93 Jos lvlaria Zamom

    A natureza do ros platnico ............................................................................. 211 }o11elina Jvlaritt Ramos de Souza

    Breve comentrio acerca da origem da Gelassenheit de Heidegger a partir da mstica de mestre &khart .............................................. 225

    Luiz Fernando Fontes- Texeim Humanismo e domesticao em Regras para o parque humano ..................... 233

    Luiz Roberto Alves dos Santos Contra a teoria de dois mundos na 6Josofla de Plato (Repblica V 476E-478E) ............................... - ............................................... 245

    Marcelo Pmenttl /Vlarques

    Sensaes, impresses, projees: as afeces do pensamento ......................... 261 Markus Figueira da SiLva

    Contribuies histria de uma metfora: Heidegger e Nicolau de Cusa. ...... 267 Oscar Federico Bauclnoitz

    Uma impossibilidade ontolgica em Schopenhauer ........................................ 279 Paulo Csar Ofilleira VasconceLos

    Ser e Fenmeno: A fenomenologia como teoria esttica da cincia ................. 293 Pedro Paulo Coroa

    Para que serve a Metafisica de Aristteles? O exemplo do movimento animal 301 Pierre-/VIarie More!,

    Contribuies para uma ontologia digital ....................................................... 321 Rafael Caproro

    O que o fim da n1eta6sica? ............................................................................. 339 Rodrigo Ribeiro Alves Neto

    A Pbysis na conformao do logos: linguagem e pensamento no corpus epicreo ....................................................................... 353

    Rodrigo Vida! do Nascimento O acontecimento de mw1do na era da informao .......................................... 363

    Soraya Guimares da Silva Apofaticismo e abstrao em Mark Rothko ..................................................... 373

    Vanessa Alves de Lacerda Santos

  • APRESENTAO

    Este livro resulrado do Colqu io Internacional de Metafsica pro-movido pelo Programa de Ps-Graduao em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norre. Em sua terceira edio o evento fo i realizado cm abril de 2009, com a presena de pesquisadores nacionais e estrangeiros em torno questo "Que a Merafsica~". Com essa quesro comemorava-se o 80 anivers;irio da prcleo de Heidegger mas, sobre-tudo, provocava-se aos participantes do evento a reAetir sobre a Metafsica a partir das diversas perspectivas c interesses assumidos por linhas de pes-quisa, pocas c aurores ao longo dn H istria da Filosofia. Congregados pela necessidade de responder a uma questo que vai alm da simples determinao de uma rea especfica da Filosofia, as reAexes apresentadas que ora se publicam, permitem acompanhar a discusso dos Grupos de Trabalho e ter acesso s pesquisas arualmeme desenvolvidas.

    Cabe agradecer a colaborao dos Coordenadores de Grupo de Tlabalho: C laudio Costa, Jaimir Come, Maria da Paz Nunes de Medeiros, Markus Figueira, Oscar Federico Bauchwirz e o apoio do PAEP/CAPES, da Pr-Reitoria de Ps-Gradua.1.o, Profa. Edna Maria da Si lva, da Oireo do Centro de Cincias Humanas, Lerras e Arres, Prof. Mrcio Valena c da Secretaria Municipal de Turismo de Natal, sem os quais o evento no teria alcanado as meras estabelecidas.

    jaimir Conte Oscar Federico Bauchwitz

  • PRAZER, DESEJO E AMOR-PAIXO NO TEXTO DE LUCRCIO

    Antonio Jlio Garcia Freire1

    Encontramos no texto de Lucrcio, mais especificamente no Livro JV, a descrio naturalisra do amor e sua relao com o desejo e a paixo. Embora para alguns comenradores o trecho cm quesro rem um rom gros-seiro, sua abordagem , por omro lado, a marca do realismo atribudo ao poeta-filsofo. Se, por um lado, cerras passagens do texto lucrcciano sobre o amor poderiam ter autorizado So Jernimo a deduzir as causas da loucura do poeta, por outro, mua-se apenas de calnias lanadas aos epicuristas, conhecidos crticos da religio. Segundo M ichel Onfray (2008, p. 249),

    0;\lmata convertido a Roma, Jcrnimo deixou Nome como cpistolciro. comenrador do evangelho de Mateus, exegeta c biblisra - ou seja, traduror e revisor do rexro brino d;t Bblia. O fato de que ra is tarefas pertenam a indivduos to pouco escrupulosos, honestos c leais, rnosrra claramente a ideia de que se pode ter da massa de escribas que fbricam o cristianismo :1 p:~rrir de um Jesus de fico, entre o fina l do quarto c o incio do q uinto sculos de nossa er:~ ... As bibocas em que fomcnra a fbula crist supem um elogio de textos bblicos ao mesmo tempo cm que a construo de um descrdiro das obras incomparveis com o cristianismo. O materialismo radical, o dio religio c a seus pad res, a desconsrrufto dos alm-mundos que enconrmmos no DC' natura rerum instalam de faro a obra e seu autor na lisra Orto dos idlatras de C risto ...

    De todo o modo, o amor em Lucrcio tem bases armicas. Para no fugir aos ensinamentos de seu mestre, Epicuro, o poeta-filsofo romano

    Professor da Universidade do Esr3do do Rio Grande do Norre - UERN.

  • descreve minuciosamente no livro IV do De remm nnlllrtt o funciona-mcmo do prazer e do desejo, alm de seu lado trgico, o amor-paixo.

    Para Lucrcio o amor traz mais malefcios que benefcios. Ficar pri-sioneiro nos seus bos algo que deve ser evitado a qualquer custo. U ma vez que ningum pode estar seguro de que, uma vez sob o poder dos seus ns- bastante apertados, segundo o poeta- ser capaz de liberrar-sc, con-vm ao sbio evitar as "redes do amor"; necessrio ter cuidado, sobrerudo, para no cair cm algumas armadilhas de Vnus, ro especializada na arre de prender seus amanres. O poera restringe normalmente a metfora das corremes c dos laos de Vnus, quer dizt:r, ao prazer conforme a narurcza, e prefere recorrer imagem mais sutil do lao, da rede- ou melhor, das redes - para evocar os sorrilgios da paixo entre os namorados.

    Uma voluptuosidade mrua liga os casais emaranhados em tais laos comuns. So as relaes forjadas por Vnus, relaes naturais que o amante quer artificialmente manr-las indefinidamente. Onde o instinto seria suficien te para quebrar esras cadeias a tempo, das relaes de outra espcie - tecidos pela sua prpria loucura- convenienremenrc, o amante o prende de tal maneira "que vem a ser um obstculo a ele mesrno"2, aumenta a sua desgraa, alienando o seu julgamenro.

    Assim, do ponto de vista de uma metriopatheirt\ o amor traz, de acordo com Lucrcio, mais dor que prazer. Invencndo o provrbio comum, no qual o prazer do orgasmo transfigurado pelo amor, o poeta-filsofo assegura que "aqueles que mantm a cabea s gozam de um prazer mais puro que os infelizes dcsvairados"4 "Dia aps dia, o furor aumenta e o sofrimento roma-se mais pesado"~. Os apaixonados fina lmente sucumbem ao sofrimenro

  • Atas do III Colquio Internacional de Metafisica

    Qual seria, ento, para Lucrcio, a maneira mais adequada de contornar essa dor? Como suportar a ausncia daquilo que se deseja? Dissociando amor c sexualidade, em ltimo caso. Agarrar-se a uma Vnus errante, negar o celibaro e a virgindade, entregar-se voluptas, mas no urna voluptas qualquer:

    Realmenre, se esr ausence aquilo que se ama, logo vem perro de ns as suas imagens, logo o seu doce nome res-soa de conrnuo aos nossos ouvidos. Mas convm fugir a essas imagens, afastar de si os alimenros do amor, pensar em outras coisas e lanar num corpo qualquer o lquido coligido: no devemos ret-lo, conven-lo a um nico amor e preparar para si prprio um cuidado e uma dor cerra. Porque a ferida se fortalece e se rorna inveterada se a ali-mentarmos. De dia para dia, cresce o fmor c se rorna mais pesada a pena, se no se apagam com feridas novas os golpes antigos, se, variando, no se confiam ainda recentes Vnus vagabunda ou se no se podem transferir a outro objero os movimentos do espriro. (Luc., IV, 1061-1071).

    O culto a uma Vnus vagabunda , de certa maneira, oposto ao culto a uma Afrodite celeste. O sbio tem a vantagem de desfrutar dos gozos de Vnus sem estar romado pelo sofrimenro que lhe serve geralmente de cortejo7.

    Pela sua natureza, o prazer sexual requer que seja compartilhado. Em qualquer caso, dois tomos individuais que se retiram provisoriamente- e aqui no h como esquecer o clinmen lucreciano - constituindo-se pro-priamente em um desvio (desvio social, mas em rodo caso, um desvio), mas tendem a conectar os indivduos um ao outro, ao ponto em que eles no vo, sem provar algum sofrimento, separar-se do abrao do seu parceiro( a) urna vez que o aco consumados.

    7 Luc., IV, I 074: "E aquele que evjta o amor no fica privado do fruto de Vnus, mas antes recolhe aquilo que agradvel e sem as dificuldades."

    8 Luc., IV, 1201 -1205: "E no vs que como muitas vezes aqueles que o mtltliO prazer enc.~deou ficam torturados nos laos comuns? Quantas vezes os ces, nas encruzilha-das, procurando separar-se, puxam com roda a fora, c.~da um para seu lado e ficam, no enranw, presos pelos forres vnculos de Vnus."

  • Assirn a renso que comporta originariamente o desejo sexual do amante reaparece necessariamente::, logo que este venha a ser repudiado. Porque o objero que o arraia a po uco, ainda f:"lz um esforo para dele se separar. em virtude de tal tenso, agravada pela angstia da imaginao, que os amames n;'\o conhecem o que eles prprios desejam9, ignorando a ferida secreta que os consomem w, chegam exulrao, e em seguida, reto-mam imediatamente o frenesi do desejo sensual, tal qu
  • Ata~ do III Colquio lmcrn:lcion:ll de Mcta(sica

    Ao passo que nos pacros erticos- c o exemplo da prostituio pri-mitiva prova-o abertamente - o que torna a iniciativa de saciar o desejo no necessrio- segundo a defin io epicrea, que o prprio desejo sexual-jamais saber se a parceira busca no comrcio do corpo, a sarisf:1o de um desejo semelhante ao seu. Se a paixo dos enamorados uma alienao, porque a satisf1o do desejo ertico pressupe obrigatoriamente um homem racional e civilizado, alm da aceitao, meditao e a afluncia do outro, a lm de ns mesmos. Outro, cujas intenes no podem ser conhecidas claramente.

    Para Jean Sal em 12 , enquanro alienao, o amor rem pelo menos r. rs sentidos distintos. Numa primeira abordagem, o amor bastante lembrado como pura insensatez, uma formao psquica que, cm sua fase alucinat-ria, apoia-se sobre simulacros, c nosso desejo sustenta-se cm uma simples quimera. Em segundo lugar, o apaixonado aliena a sua liberdade a amada, devido dependncia absoluta naquela a qual coloca wdo o seu desejo. No h

  • a fim de buscar nos amantes um prazer mais refinado. No entanto, para Lucrcio, as esposas no teriam necessidade de tais sortilgios: tais cpulas sofisticadas teriam, por outro lado, o objetivo de desviar o smen do seu caminho natural. Uma crena primitiva de contracepo, e que deve ter feito muito sucesso na antiguidade. Trata-se de uma explicao exclusiva-menre masculina para a atrao sexual, conforme nota Snyder, citado por Brown17 A sobriedade romana e o respeito s matronas juntam-se, sobre este ltimo ponto, extrema reserva dos epicuristas no que diz respeito a qualquer um que tente diversificar o prazer, a includo qualquer tipo de contorcionismo amoroso.

    Por ltimo, o amor uma alienao no sentido de que ral astcia requer a nossa ativa cumplicidade. Porque, para ser "cegado pela paixo" 18, ainda necessrio ter fechado os olhos pelo menos uma vez: " o pro-blema mais frequente em todos os homens cegos pela paixo, a de atribuir quelas pelas quais esto apaixonados, qualidades que elas eferivamenre no cm" 19 Quer dizer, os homens fecham os olhos para todos os defei-tos morais ou fsicos junto daquelas pelas quais suspiram. Os apaixonados "no rm olhos", isto , cegam para os defeitos de suas belas. Ora, o esp-rito - sobretudo aquele que, segundo Lucrcio, guiado pela verdadeira inspirao epicrea- , contudo extremamente "capaz de tirar a limpo"20 rodo o artifcio das belas Vnus. De fato, "ocultando os bastidores de suas vidas"21 , tais mulheres sabem o quanto instigam o desejo masculino: uma paciente dissimulao serve de combustvel s grandes paixes. Aqui, corno em qualquer ocasio, a filosofia assume uma epifania: ensina-nos que deve-mos continuar a ser vigilantes. No amor, em particular:

    f\1as num amor adverso e sem esperana so inumerveis os males (1ue se poderiam encontrar, mesmo esrando apa-gada a lu1. dos olhos; por isso que melhor esrar vela j antes, do modo que ensinei, e ter cuidado em no se deixar

    17 13RO\X'N, R. Lucretius on !ove and sex: rt commenrary on De rerum natura IV, I 030-1287. p. 123.

    18 IV, I 153.

    19 IV, 1153 - 1154. 20 IV, 1189.

    21 IV, I 186.

    14

  • Aras do III Colquio Inrernacional de Metafsic:

    prender. De fato, mais fcil evirar sermos lanados aos males do amor do que depois de presos sair daquelas redes e quebrar os fones ns de Vnus. (IV, I 141-1149)

    Novamenre, a sabedori.a cautelosa proposta por Epicuro que nos permite abrir os olhos, estabelecer o equil brio e perseguir a atamxia. Segundo Silva:

    Portanto, Epicuro preconiza que "viver de acordo com a narureza" significa dar vazo aos desejos naturais e necess-rios, entendendo que a medida de sadsfao desses desejos esr na rela:o estabelecida entre o corpo e os fenmenos de replei'to, sarisf:1o c prorco, oferecidos pelo mundo narural. (2003, p.50).

    Para Lucrcio, o amor tem as mesmas caractersticas da paixo sem limites. "Quanto mais possumos, tanto mais incendeia o nosso peito com terrveis desejos"22 No como a necessidade de beber ou comer, a qual pode ocupar lugares fixos no organismo21: a sede e a fome so f:-ceis de preencher e saciar. Em vez disso, o amor-paixo essencialmente errante, que na maior parte das vezes no encontra o ourro, irremedivel perda da reflexo causada por nico objeto: no exato momento da posse, o ardor mrbido dos amantes no chega a se fixar em lugar determinado. Como goz-aro deste momenro? Pelos olhos? Pelas mos? Pergunta Lucrcio.

    Segundo Salem, "no existe um abrao feliz para quem est apai-xonado, segundo um velho provrbio francs" (1997, p. 178). Nunca os simulacros da pessoa amada podero saciar o amante. Porque este gos-taria de fundi r-se num s corpo, o qual no pode nem mesmo abraar no sentido estrito. Lucrcio descreve a paixo como a nostalgia de uma improvvel simbiose com o out ro. Mas, como revela Lucrcio, h um com-ponente adicional - por assim dizer - no mnimo, sdico: no meio desta paixo, impera um desejo de ginofagia, ou, pelo menos, um desejo de devorar o outro: tudo se passa como se os amanres tentassem de "roubar" algo do corpo a que se entregam e abraam.

    22 IV, 1089- 1090.

    23 IV, 1091 - 1092.

  • Conraco de duas epidermes, mas ao final, apenas troca de duas fan-tasias: nenhum dos amantes rem o poder abrasivo do amor. Porque "de uma face humana e de uma linda cor nada vem ao corpo para que ele goze, seno frgeis simulacros; esperana misedvcl
  • Atas do I II Colquio lrmrnacional de ivlerafsic.l

    malogro. Na sua verso mais insid iosa, a fome da amargura; seu lugar o que impede o fl l6soro de nunca procurar uma felicidade slida c rangvel.

    Referncias

    BRO\VN, R. O. Lucretius on Lave nnd >t'x: 11 commentmy 011 Dt rerum nntum IV, 1030-1281. Ncw York: Columbia Prcss, 1987.

    LUCRECE. Dt !fi Nn111re. Paris: Les Bcllcs Lemes, 2002.

    ONFR.AY. M. Comm-hisrritt dtt fllosofifl: ns sttbedorim muigm, I. So Paulo: Manins Fomes. 2008.

    SALEM, J. Lumlce el le l'thique: lfl il/0/'/1/fSt rim pour 1/0US. r aris: J. Vri n, 1997.

    SILVA, M. F. !:iJiruro: stlbedorin e jrmJim. Rio de Janeiro: Oumad, 2003.

  • ANAXIMANDRO: FSICA, METAFSICA E DIREITO

    Celso Martins Azar Filho1

    Procurando para meus cursos de filosofia do direito um incio que me permitisse colocar tambm em tela o incio da prpria fi losofia no Ocidente, encontrei no fragmento de Anaximandro a viso de uma justia csmica que me permitia ligar a noo de ordem natural com a ordem sociopoltica examinando por meio de suas aproximaes e distncias o problema de sua constituio paralela. No mesmo passo em que podia, pois, mostrar como metclforas jurdicas serviram para construir a imagem de uma legalidade csmica, sustentando a primeira concepo filosfica da ordem universal que se tem notcia, lograva tambm, a partir da, expor a viso arcaica de uma justia divina e/ou natural como compreenso origi-m1ria do direito: uma disposio em que se irmanam seus sentidos fsicos, jurdicos, polticos, religiosos e morais, pela inrcrao do divino, natural e humano. Isto me permitia em seguida, por contraste, discutir a fmosa "lei no escrita" na tragdia, a divergncia entre conveno e natureza divisada no horizonte da crtica institucional caracterstica dos sofistas, correla-cionar socracismo, plaronismo e democracia, chegando at a questo das relaes entre direito positivo (convenes, costumes e tradies estabeleci-dos como referncia legal) e direito natural na filosofia jurdica ariswtlica e no helenismo.

    Ao longo do tempo, porm, fui notando em minhas tentativas de entender c explicar o direiro grego e seu lugar na histria, sociologia e filosofia do direito uma srie de imprecises, generalizaes apressadas e preconceiros que a aparenre coerncia histrica de minhas prclees con-feccionadas para alunos de graduao em Direito ocultava. A inteno de aperfeioar tais cursos acabou reAuindo sobre minha prpria compreenso da filosofia c de sua histria.

    Professor da U FRRJ.

  • A primeira esra.'lo em meus estudos do pensamento arcaico sobre as leis, a justia e sua operacionalizao, foi um dos primeiros rexros que me ca ram s mos, quando ainda graduando, sobre Anaximandro e a histria da filosofia grega - a Pttidein de Werner Jaeger, que muiro conrribuiu para meu interesse nas palavras do milsio. Pois o faco do hclenisra ak:mo valo-

    ri~~lr o vocabulrio jurd ico uti lizado no texto eirado por Simplfcio, fazia notar na origem da filosofia ou da cincia no sentido lato, o cotidiano, a nfama da lida de todos os d ias, a vida no que esra rem de mais pre-sente aos interesses dos homens, influenciando de maneira clererminanre a c riao dos conceicos e esquemas basilares de compreenso do mu ndo. E isro, sobretudo, imporranre no sensibilizar um alunado cujo olhar no se dirige filosofia como objerivo principal c que amit1de se questiona sobre seu valor em sua formao: o "dire iro", ou alguma espcie de saber jurdico, normalizao da vida social, mais ou menos bem organizado , muiro mais anrigo que a fi losofia, pois, bem antes de se w rnar um s:tber esrruturado -existindo somente como proced imentos auromricos, ordlias, decises auro ridrias, arbitragens, ou tribunais c ordenaes rrd boc - , j desde sempre fez parre dos bens cul rurais de roda sociedade. Mas o surgimento da filosofia signi fica a possibilidade de se pensar crtica e metodicamente os conceitos subjaccmcs ao direic:o - o que j comea a aconrccer com Anax imandro em um movirnenro que receber do pensamento socrtico sua primeira forma mais estvel c bem acabada - surgindo assim a prpria possibilidade do direico cal como o compreendemos desde os gregos, pois somente ento que dele nos apropriamos. Ou que comeamos a fzer real-mente nossas as foras que, embora talhadas por nossas arirudes, decises c relaes, anres pareciam simplesmente nos perpassar e molda r. Q uando o snber jurdico se capacitar a reAecir sobre si mesmo, romando conscincia de sua realidade c efetiviclade, marca-se a o nascimenro da fi losofia do dirciro - cuja evoluo, semelhante de rodo conhecimento, caracte riza-se por um consrame renascer a partir de si mesmo, ou de sua prpria medi-rao, c rtica, recriao.

    Este caminho de desenvolvimento da cincia um caminho de abs-nao, como mostraram Hegel ou Nietzsche ao esrud:u os pr-socrricos2: a ~gua de Tales represenra a unidade de rodas as coisas alm de nossa per-

    2 Nici1.Sche, Die Pbilosophie in Tmgiscbm Zeiralter der Griec!Jm; I lcgd. Vorlmmgen ber rlil' Grscbicbre der Pbilosopbil'.

    20

  • Ara> do III Colquio lmc:rnacional de Mcrafisica

    cep:io sensvel, acima do mundo da experincia cotidiana em cujas rela-es aparenremenrc imediatas encontra-se submersa a conscincia comum. Na esteira deste feiro inrelecrual segue a histria do que chamamos filosofia em seu sentido rigoroso. E, deste ponro de vista, filosofia e mcrafsica con-fundem-se em sua origem. No se trara de concluir a partir da observao pura e simples da realidade apenas- embora seja claro que isco tambm est presente: a ideia de que onde no h gua, onde as coisas esto secas, no h vida-, mas da criao de uma imagem lgica do mundo em que uma espcie de mergulho cm si mesmo realizado pari passu. com a elevao acima da viso que a observao rasteira aprisiona na poeira dos caminhos percorridos pelos homens. Uma compreenso d o mundo em que o filsofo coma como matria as referncias c representaes culturais de sua poca para ir alm delas. A parrir dos valores e maneiras de ver o mundo de sua poca c sociedade, mas nunca preso ou limirado a estas, disrancia-se do senso comum confiando no seu prprio raciocnio. Pois se para Homero o Oceano a origem de rodas as coisas, e os gregos foram em grande parte "povos do mar", assim rambm ou rros farorcs presentes na he rana ou ambincia cultural grega podem ou poderiam ter influenciado Tales. Mas sua viso, tanto quanw chega ao nosso conhecimentO, difere de rudo o que havia anrcs, c sua gua permite pela primeira vez perceber o liame c a dis-tino enrre o que chamamos fsica e metafsica: ao pensar a unidade do ser a partir de seu princpio fundamenral , o primeiro rcpresenranre da escola que se convencionou chamar jnia abre o cam inho para a percepo da relao de interdependncia ran ro estrutural quanro gentica entre o um e o mtdriplo e entre o mesmo e o ourro. E a obra de Anaximandro parece rer sido o primeiro grande resultado desre movimento (e que se marque a conremporaneidade de mesrre e aluno aqui : suas vises praticamenre se completam uma n;uur;~lmenre se seguindo e como que exigindo a outra) . Passo inicial em direo a criao de uma linguagem conceituai que no mais apenas cantar o ser, mas pode comear a compreender o jogo da represcnra:io, da criao culrural, pretendendo estar fora dele ou abarc-lo com o olhar do intclecro - compreend-lo: o que chamamos ntosofla ou cincia depende de ral pretenso cujo nome merafsica, e por isso suas origens se confundem.

    Abstendo-me de dissertar cxrensamenrc sobre o f.uo provvel das in fluncias externas sobre a filosofia grega - questo que, no caso de Anaximandro, especialmente imporranre hoje enrre os especialistas

  • (Hahn 200 l; Couprie, Hahn c Naddaf2003) - c sobre a questo contgua acerca da definio estrira enrre o que se poderia chamar de pensamenro em um sentido geral - pensamento oriental, democrtico ou arcaico, por exemplo - e a filosofia propriamente dita, importa aqui norar que a capa-cidade crrica enquanto disranciamenro dos dados culturais percebidos ingenuamente como naturais, de um lado, consrirui o que basicamente chamamos razio - algo que sempre esteve conosco; porm, de outro, recebe dos sbios gregos fora e disposio singulares. Com relao hist-ria preciso sempre evitar sua hipstasc cm uma entidade existindo fora de nossa relao com as coisas: possuindo as rupturas e continuidades que ns lhe emprestamos segundo o ponto de vista de nossa narrativa - o qual no poderia deixar de ser aquele de nossa condio virai - , a histria sempre nossa. E isco longe de rorn-la uma fico, jusramcnrc nos convoca para conscientemente assumir as suas consequncias e assim alterar seu curso: cm uma histria da filosofia crara-sc no apenas de conrar a verdade, mas de co nrar a histria da verdade - e uma coisa no impede nem dispensa a oucra. Contar a histria da verdade rememorar a construiio histrica dos mtodos de sua busca e, portanto, de sua constante recriao. Uma histria intelecrual dos mtodos da cincia que no perdesse de vista seu cadrer, no arbirrrio, mas certamente ideolgico, para o ultrapassar. O que significa realizar plenamente, compreender em rodas as possibilida-des as disposies prerriras, originais, assim como as presentes, aruais, no mesmo movimento - in cio, evoluo e resulrado descritos cm uma pes-quisa do verdadeiro ser que um historiar da natureza das co isas em seu vir-a-ser- uma histria peri physeos. Faamos um jogo de palavras com esta denominao da qual se serviu a ftlosofla pr-socrtica para agora tentar um novo caminho. Fazer a histria do universo deste ponro de vista examinar a physis como arch c cosmos, tornando o gcsco de observar o reAexo do gesto que continua a acenar no desenvolver-se de rodo e cada ser. A verdade da pesquisa assim empreendida experimenta encontrar-se cm um empenho acorde com a dinmica de estruturao da realidade, com a possibilidade mesma de real izao das coisas. A cosmologia sempre tambm cosmogonia- e at hoje. Narrar a histria da narurcza explicar seu fundamento , pois mostrar a o rdem que sustenta a si mesma em seu sustentar-se, s possvel porque o pensar rraz em si a mesma fora que susrenta o mundo. A cincia um esforo de reduo e generalizao: busca da razo das coisas para aplic-la no raciocinar sobre as coisas. A razo precisa se projetar nas coisas, pois das coisas que ela surge para

    22

  • Aras do llJ Colquio Internacional de Mecafsica

    sem cessar retornar como possibilidade de sua compreenso e expresso: ao investigar o sentido do ser a cincia nada descobre, mas cria a si mesma ao estabelecer relaes nas quais homem e mundo possuem e devem possuir uma histria comum, pois vem-a-ser segundo uma mesma natureza que se projeta racional no horizonre histrico de sua constituio.

    Assim, se no mais tomamos Scrates como criador da razo ocidemal, relegando os pr-socrticos a uma espcie de esrado de infncia imelectual da humanidade, isro no nos impede de reco-nhecer no socratismo um evenro fundamental no desenvolvimento desta mesma razo: o claro reconhecimento e exposio da imbrica-o dos problemas epistemolgicos e ticos (esta inextrincab ilidade se revelando a partir no de pesquisas independentes sobre questes polticas, psicolgicas ou fisio lgicas, embora estas sejam divisadas a postaiori, mas como resultado de um esforo de conhecimento di reco da realidade ltima que nos envolve; empreendimen to que j rra7. no seu bojo, como pressuposto de nossa atividadc vita l, a cone-xo entre aquelas questes, pois percebe conhecimen to do mundo e auroconhecirnento corno sempre ligados e interdependentes); e isto mesmo se recuar a histria da razo signi fique garantir a sobrevida do miro, no apenas como coadjuvante, mas como cemio fluido do qual sem cessar emerge para vol tar a mergulhar a capacidade de criar universais e exper iment-los, pano de fundo tecido de crenas, valo-res, hbitos, necessidades etc., que absrrao e crtica continuamente dobram e desdobram, a um s rempo reforando e esgarando sua trama . Aqui, contudo, trata-se novamente de entender como o cole-tivo "pr-socr

  • de rudo, e assim, alm do impulso que vai continuar a se espraiar, a fonte e as condies m esmas da ecloso a qual no s marca de maneira definitiva os desenvolvim entos , mas que define sua possi-bilidade mesma.

    Logo, as continuidades e rupruras que algum pode observar nesta histria da razo ou da filosofia ocidentais, permanecem em rela-o csrreira com o observador e suas condies parriculares de observao. Consequentemente, vrias hipteses foram proposras para determinar os motivos, e da as ocasies e as formas, do florescimento da filosofia pr--socrtica, desde uma situao sociopolrica singular a parrir do final do sculo VII e durante boa parre do Yl- guerras, crises, a criao da pLis, a formao de governos populares-, c rescimento econm ico e incremcnro do comrcio, ar influncia estrangeira, passando por desenvolvimentos tecnolgicos (como o calend;irio ou o dinheiro) e chegando inveno do alfabeto. Mas importante notar como rais explicaes esto em relao direra com o fenmeno que remam explicar encontrando neste na verdade sua possibilidade canto quanto se poderia dizer que tal evento rem a suas causas: c mais ainda porque, como foi dito, no caso da histria do tipo de saber com que nos ocupamos aqui, sua explicao j se faz desde sempre no horizomc de senrido aberro por esre saber. Buscar o sentido racional do universo j

  • A1a~ do III Colquio lmcrnacion:tl d(' Mcmfsica

    (mas fsicos e cosmlogos) . Como dil.er, todavia, que tal gnero de defi-nio rerroariva da filosofia a par da fsica seria anacrnico, mesmo se permanece difcil ver na fsica pr-socrtica um paremesco to firme c claro a pomo de assegurar qut: o desenvolvimenro se daria na direo da fsica moderna? E como no fi1z-lo se sempre se tratar de acomodar a fome foz? Uma ve'l.. que o dclineamenco histrico dos conceitos cientficos esta-belece o balizamento a parrir do qual sero modebdos c comunicados, rodo esforo de contar a histria da c incia trata de remodel-la nos termos do presente; e muiro mais isto verdade no caso da histria da filosofia, em c1ue serrara sempre de pensar o si.gnifleado do prprio filosofar. Po is a filo-sofia no rem simplesmente uma histria, mas uma disciplina histrica como qualquer omra, embora sua relao com a histria seja singular- ou seja, cm si mesma filosfica. Por isso apesar dos critrios com os quais se julga sua evoluo ou siruao serem sempre apenas possveis, uma vez escolhidos - o que j: se chi sempre desde uma escolha anrcrior - passam a determinar a possibilidade de escolha. Assim, temos interpretaes que, descartando Tales por falta de provas escritas, colocam Anaximandro no papel de primeiro fllsofo (Nadaff 2008: 99-1 00). Porm, remos tam-bm quem pense que no h;1 sequer uma palavra de Anaximandro em Simplcio, mmando o fragmento como uma fico elaborada por mos muito mais rardias (Havelock 1978: 264). Decidir entre uma coisa e omra no depende apenas da histria das palavras e de uma compreenso apu-rada do uso das fomes, mas de escolhas e reses a respeito, por exemplo, do sentido e da forma da passagem da oralidade para a escrita e da poesia para a prosa, ou das relaes enrre teoria e prrica neste contexro de rransforma-es- algo que imporranrc para decidir, no apenas sobre a autenticidade ou qualidade de determinado texto ou informao, mas sobre a origem da prpria filosofia . Permanece, no obsranre, como apa1gio desta, c por este cam inho mesmo, no apenas criticar a si mesma, o que a cincia ou as tcnicas tambm podem c fazem, mas considerar os prprios processos crticos cm sua possibilidade, desenvolvimento c eficcia, jusramcnre em funo de uma ambivalncia fundamental que a coloca a par, diante e adiante de suas razes culturais por meio da especulao sobre suas bases, funes e finalidades: o que j o fragmento de Anaximandro nos mostra.

    O aluno de llcs foi o autor de um dos primeiros livros cm prosa de que se rem notcia, alm de ter sido o primeiro a escrever filosofia em prosa (Naddaf 2008: 99- 1 00; Kahn 1964: 240). Mas para que se enrcnda

  • melhor porque se pode dizer que ele foi o autor do primeiro livro de filoso-fia, preciso conrempbr sua obra a partir de um ngulo mais moderno de definio da filosofia (por exemplo, como criao e anlise de conceitos), porque desde a que o fragmento d e Anaximandro nos parece tanto incio quanto fonte do que hoje sabemos sobre ele. E nisro a inveno do alfabeto (a menos de um scu lo c meio de distncia de Ana.ximandro) consrirui um dos fato res decisivos: a reduo dos elementos da linguagem a um sis-tema atm ico de representao, tentando estabelecer uma correspondncia direra enrre signo e fonema. permi t iu reduzir a ambiguidade de scnrido ao mnimo distinguindo claramente os sons e sua funo represenrariva na notao. Diferenre de hierglifos buscando reaprescntar a realidade, ou dos sistemas silbicos anteriores tentando imitar a palavra, o alf.1bero grego liberta-se da servido realidade emprica e, por meio de um esforo de abstrao1 intrnseco sua construo, eleva-se ao conceiro.

    Do ponto de visra da for ma, tambm j se quis ver na passagem da poesia prosa uma inteno deliberada de expresso direra e simples da realidade com fins operatrios (como se sabe, Anaximandro tornou--se famoso tambm por seus esforos como cangrafo etc.). A passagem ao conceito uma passagem da contemplao ao - mais uma ve-l, a elevao uma queda, a generalizao reduo. Abarcar com o olhar sig-nifica fa7,er que o horizonte de minhas intenes coincida com o horizonte perceptvel, e vice-versa. Mas isto no implica apenas o que chamamos de cincia desde a modernidade, mas ainda o que desde sempre se chamou de filosofia. De onde- para lembrar mais um autor decisivo na formao de rodos ns: Jean-Pierre Vernant -, surge uma ambiguidade que, marcando a filosofia desde o seu nascimento, contin ua provavelmente a defini-la, entre palavra inspi rada e tomada de deciso pblica, a conremplao da verdade e sua operacionalizao, o segredo c o debate, a .seita e a democracia, a

    3 Conchc J 99 I: 48-50. A :tbsrra5o consiste em criar unidades fon!ic.as mnimas, das ttuais a imensa maioria praticamente inaudvel (as consoanres. que devem 'so:1r com'). O alfubew fuz da linguagem escrita uma representao das relaes entre F.tla c realidade, uma espcie de represen ta:o da rep resentao. basranre semelhante cm seu princpio c espri ro ao relgio (e n5o vamos esquecer que Anaximandro passou por ser o inventor do relgio dt sol), ao calendrio ou ao dinheiro - rormas de n:prcscnrar idci!lS ou conceitos que de ro ligadas f{':llidadc: que busc:wam rcprcscnr:tr - ou lidar com - .com esta pareciam se: confundir. A mmcmrica grega cuja origem comempo-rnca da filosofia milsia um sistema com inrcn:o semclh:uHc.

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  • A1:1S do III Colquio I nu.:rnacional de Me1afsica

    ascese e a tigom. E precisamenre porque esta capaz de criricar a si mesma, niio apenas como tcnica, mas como fora ou expresso culrural que visa o aprimoramento da vida humana (ralvez bastasse dizer "culrura" j que esra embure a ideia de cul rivar ou aperfeioar), algo que a cincia (no sen-rido moderno) s pode f.-tzer com seu auxlio, ou seja, quando se desvia de suas necessidades irnediaras para considerar seus princpios c meios, isto , se percebe mediada pela existncia humana da qual resultado ao mesmo tempo em que insrrumemo. Isto supe uma espcie de afas-ramemo, de disranciamenro terico, capaz de expor e colocar em causa seus prprios pressupostos (o que a poesia evidenremenre no permite) e exige uma linguagem que servindo como meio neurro de expresso per-mire tambm uma comunicao de qualidade bem diference. Assim , j o faro de Anaximandm rer sido o primeiro a escrever filosofia cm prosa pode denorar uma tentativa deliberada de se liberar do enquadramento potico, rradicionalmente veculo da mitologia c cuja formatao caminhava a par com seu conredo, em favor de llma linguagem especulativa (Nadaff2008: I 00). E no por acaso rambm os publicou (Jaeger 1989: 2 1 I ), ral como o legislador far com as leis. Esta publicidade das leis, que a rradio costuma associar a Slon (menos de uma gerao ames de Anaximandro), tambm mosrra um caminho em direo ao pensamento absrraro acerca do correto ou do justo, fazendo com que a fo rma geral de uma condura possa emergir da massa indiferenciada dos cos tumes, e

  • de Hesodo como "pensamento racional em forma mtica" (Jaeger 1960: 322). Mas tudo isro no seria exaramenre conrar uma histria e depois remar fazer com que os f.1ros nela se encaixem? De rodo modo, como se v, isto o que fazemos, e j desde os gregos.

    Mesmo se abandonamos a pe rspectiva evolucionria, ou a noo ele um progresso na histria universal, a inda restaria exam inar se alguma pers-pectiva teleolgica, anres de um preconcei to naruralisra, no rcpresenraria uma categoria tico-jurdica necessria afirmando-se em um paralelismo enrre uma legalidade natural e outrll, social, mesmo se tal conexo devesse ser provida, consrrucla, pelo prprio agente humano. E o agente aqui rambm o substrato, sujeiro e predicado unindo-se na cpula existencial: o fenmeno revela a estrunuao comum de senso e sentido, outro e mesmo, como oU1o e viso formam e possibilitam um ao ourro. Por isso colocar em perspectiva no observar de fora, mas apenas uma metfora para explicar como o que se revela na verdade sempre o f:rz. corno gnese em que, ao se perceber, percebe o mundo. A culwra como inrenro de aper-feioamento da vida humana ou d o homem, sendo a um tempo meio c finalidade seria sempre tautolgica ou presa da famosa falcia naturalista se j no fosse determinada ameriormenre por si mesma, em si mesma. Liberrar-se do constrangimemo das representaes culturais trad icionais a partir delas mesmas: uma a ri rude que brota j desde a poesia jnia Uaeger 1989: 2 12) como ousada afirmao da independncia de sua prpria viso; por seu movimento mesmo esre in dividualismo desassombrado se supera pela busca de uma verdade de vai idade universal q ue em meio ao fluir fenomnico aspira compreend-lo de forma racional, ou seja, logicameme consisteme. E quem diz consisrncia lgica fala de acordo poltico, ou do incerior de uma pertinncia culrura l que se revela "relacional mente", e por isso para alm do meramente relativo.

    Para os pensadores naruralistas do sculo VI pensar a origem da physis era pensar sua essncia, sua disposio fundamem al c assim sua sus-tentao, seu contnuo esrrururar-se em suas razes de ser, ponanro em suas causas c possibilidades, seu porque e semido- e assim para ns hoje eles n~o praticaram a fsica, mas o q ue chamamos mcrafsica (Jaeger ibid.). Mas aqui- surpreendentemente, mas sem nenhum paradoxo- que nasce o que chamamos de c incia naturat

    Tales pensa o universo; Anaximandro mostra o que o torna uno: a ordem. Assim n::solve o problema da passagem da pluralidade unidade

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  • A1as do III Colquio lmernacional de Me1afs ica

    e vice-versa, bem como o problema da sustenra.'o do ser no ser. Ora, a ordem o conceito bsico de toda cincia ainda que a csra se possa chegar po r caminhos bem diferentes: o mundo das ideias de Piaro encontra-se para alm da experincia; o mundo-verdade da cincia moderna, atravs da experincia- mas seria preciso mostrar (o que de certa forma ranto Plato como a fsica moderna fazem) que estes caminhos de alguma forma no s se encontram, mas dependem um do outro. Uma histria da narurcza tcnraria precisamente entender c descrever o padro de desenvolvimemo de nossa compreenso de mundo cm sua estruturao, ou seja, compreen-dendo como a experincia no se d no hiato entre sujeiras c objcws, mas no seu vir-a-ser comum. Nossas leis e concepes de mundo so em geral vistas como general izaes a partir da experincia, ou seja, de um historiar que se pretenderia absoluto; ora, a lei nunca poderia ser pura e simples-mente deduzida da experincia porque a prpria ideia de lei (ou de ordem) no o apenas.

    Se, no caso especfko de Anaximandro, ao que parece, a observa-o direra dos fenmenos no fo i a base de sua compreenso do cosmos, uma percepo aguda da realidade sua volta, um pensar que se mostr-a naruralmenre conectado realidade cuhural de sua poca, o que define melhor sua arirude'1 Claro que a ideia do infiniro ou ilimitado no advm de nenhuma empiria: nem cnriio e nem hoje podemos encontrar instru-menros que nos assegurem da infinidade ou no do ser. O imporrame aqui no a demonstrao, porm a concepo em si mesma - moldura ine-fvel de contornos imperccprveis que constitui o fundo c o vu sob cujo comrasre o ser se revela, solo Autuame e fluido, contudo em equilbrio inabalvel por represenrar a fronre ira pela qual a prpria realidade adquire seus contornos - cosmos, cuja prpria diaJrica de produo c funciona-mento produz a si mesma. Novamcnre, o que une rodas as coisas a ordem que as produz c as sustenta. Fora d a ordem no o caos q ue encontramos, mas o que, no sendo limirado, escapa a apreenso do inrelecro cuja pos-sibilidade de comprecnso cnconcra-se na ordem que o gesrou. O limire a justia, e a lei que a cnu,ncia. A filosofia de Anaximandro geomtrica

    4 Nadalf2008: 126: "[ ... 1 n:io se pode compreendera estrutura do modelo cosmolgico de Anaximandro,

  • porque polrica (Nadaff 2008: 124 c seg.) O pensamemo pr-socrrico, se quisermos conservar esra denominao, representa uma nova viso de mundo e do lugar do homem nesre; espcie de rcsposra a uma situao sociopoltica crtica, que:: s poderia se dar, como roda cincia, na forma de uma nova conexo enrre a descrio da namreza e da sua relao com o humano, enrre o mundo dos fros e dos valores.

    Se considerarmos o fragmento ele mesmo, o f:1t0 que, como j se mencionou aqui, os especialistas no concordam sobre os limites rex-wais do fragmenro ou sobre sua terminologia (Naddaf 2008: 135, nora 80; Conche 1991: 157-190; Kahn 1964: 166 e seg.). Nos limires estri-tos do que mais probabilidade possui de comer a palavra genuna de Anaximandro, o que se encontra o que parece ser a descrio de um pro-cesso fsico- o texro de Simplcio que envolve o fragmenro deixa poucas dvidas a respeito- segundo o qual se susrenca e perpetua a ordem das coi-sas. Esta ordem consrirui-se como uma espcie de disposio reariva que se equilibra opondo aes conrr;rias. Tal lei csmica de ao c rcao no se rea liza sobre princpios adversos andinos ou neutros, foras que se contra-riassem apenas por cer seu si nal oposto, mas por causas descritas em termos claramente morais: casrigo, expiao, injustia. Note-se, entreta nto, que este processo no presidido ou dirigido de fora por nenhuma entidade reguladora, sendo inerente ao desenvolvimento do processo ele mesmo.

    Isto no significa de forma nenhuma que se tenha ultrapassado a religio: a crer em Arisrceles (Fisicn III 203b6-15), o dpeiron, princpio animado que engloba e dirige rodas as coisas, ele mesmo divino para Anaximandro. Mas encontramos aqu i uma distino basra nre importante que o prprio Aristteles marcou enrre os "antigos poetas" e os primeiros filsofos: para estes a ordem universal inereme substncia primordial e no comandada por Zeus5. Se mantivermos em mente que seria difcil at mesmo identificar um rermo no grego antigo significando "religio" oposto ao que chamaramos hoje de "secular" - isro , um sistema orga-nizado de crenas e riruais distinto dos aspectos sociais c polticos da vida

    5 Ml!ltrftsim XIV 1091 b2-6; cf. N~ti

  • Atas do III Colquio Jnrernacional de Memfsica

    cotidiana -, podemos, alm de evitar levar ao anacronismo esta e outras distines aristotlicas do mesmo gnero(', fazer um uso prudente de certas expresses. Assim, o crucial para ns neste ponto notar como na descri-o desta ordem que se realiza de maneira inerente ao devir, seu aspecto fsico se expressa atravs de uma imagem religiosa ligada a uma imagem jurdica. Ou seja, o prprio processo pelo qual as coisas nascem e so descrudas descrito como um processo legal em que culpas so punidas atravs de compensaes - e o juiz deste tribunal, mais uma vez o prprio acontecer, isro , o tempo que determina e ordena as formas pelas quais a necessidade que sustenta rodas as coisas mostra-se como perptua gerao e destruio.

    Para seguir, novamenre, a Paideia Qaeger 1989: 220), conceitos cen-trais do fragmento - dke, tsis, e, mais importante, o de cosmos - foram transportados "da vida jurdica ao acontecer natural". Alm disso, a pala-vra txis sugere a imagem do tempo como um juiz impondo penalidades ou tributos, um juiz cujo tribunal o universo e segundo o qual uma justia csmica, resultante do prprio acontecer, se realiza; tal legalidade que j;i Slon vira como inerenre ordem humana agora estendida por Anaximandro totalidade da na cu reza (Kirk e Ravcn 1977: 1 1 9; Jaeger 1960: 328; 1989: 218). Mas no nos apressemos cm tirar concluses pre-cipitadas com relao ao lugar do saber jurdico no desenvolvimento da filosofia. Se efetivamente o que remos a parece ser uma projeo da plis no universo, no se trata apenas de moldar a ordem universal segundo a ordem jurdico-poltica, mas das razes que a filosofia grega lanava pro-fundamente no solo culrural do qual emergiu - e porque neste solo a perspectiva jurdico-poltica e ra percebida pelo homem grego como funda-mental na definio de sua idendade, este aspecro fortemente realado nas palavras de A11aximandro. Aqui, fsica e metafsica encontram-se no liame jurdico que explica e jusriflca a ambas. Mas no h aqui uma mera prevalncia de um dos aspectos da vida cultural sobre os outros. O que se nora mais uma espcie de fecundao cruzada (Jaeger 1960: 330) entre as diversas faces daquele complexo cultural : do direico ou da religio com

    6 Por exemplo, a sua distncia do pomo de vista dos primeiros filsofos como Anaximandro que divinizavam as substncias primeiras: esw mirologia tinha na ver-dade, nos conta Aristteles, uma uril idade poltica de persuaso popular, por exemplo, com relao ao di reito (ibid. XII I 074b3-8).

  • a arquitetura, a astronomia, a lngua, a geografia, a geometria, o comrcio, a meteorologia, a medicina ou a biologia. Pois as noes ele compensao c reciprocidade consideradas desde um equilbrio que ramo mantido por elas como as sustenta (VIastos 1993: 82), representam a lgo que vai ligar cincia, tica, esttica e poltica de forma seminal na cu ltura grega j antes de Anaximandro, mas, a partir dele, cada vez mais.

    O presente texto no pretende arriscar uma interpretao de con-jumo do pensamento de Anaxim.andro - inteno que, alis, creio deva ser reservada ao especialista na rea - , mas tenta (como j deixei entrever) aproveitar a imagem jurdica contida na sua cosmologia para descrever sua importncia na histria da fi losofia - e da tentar esclarecer seu sentido. No se trata de coloc-lo no papel ele filsofo do dirciro- que ele no foi, nem poderia ser - , porm de aproveitar o escudo dos motivos jurdicos no primeiro texto ela filosofia ocidental para pr em questo o conceito mesmo de filosofia a partir ele sua origem. E da abrir caminho para o escudo da origem e funo da filosofia do d ire ito.

    To difcil quanto estabelecer critrios de evoluo ela filosofia com base em critrios acerca ela evoluo da religio ou da literatura gregas-por exemplo, como vimos, da rnitopoiesis razo filosfica - seria faz-lo com relao histria do direito ou ela ideia de jusria. Voltando-nos momentaneamente para a histria do direito, o direito grego apresenta um desenvolvimento que dificilmenre se deixa descrever de maneira unvoca. Se para os "archaioi poetai" ele Aristteles (1 091 b4) a justia depende de autoridades divinas para se realizar, deduzir da que antes o direito aplicado aurorntica ou autOcraticamente e assim "irracionalmenre" um erro. Tais distines no so suficientemente cortantes: se examinarmos Homero ou Hesodo veremos que obviamente a razo sempre l esteve, e como critrio preferencial. E que mesmo em um poeta-jurista como Slon a justia imanente ao acontecer sem que nenhum deus ex machna tenha q ue necessariamente intervir para que esta se realize. E justamente isto que a imagem do tempo, portanto da prpria sequncia dos eventos como motor de tal justia, em geral ento sign ifica.

    No entanto, h uma histria aqui que deve ser contada, a qual pode nos auxiliar na compreenso do ripo de evoluo que o fragmento de Anaximandro sinaliza; uma histria que pode ser percebida em pri-meiro lugar nos diversos sentidos que algu ns dos vocbulos do fragmento tomaram ao longo do tempo. Assim se Anaximandro vai aproveitar termos

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  • Aras do III Colquio lnrernacional de Mera fsica

    e noes jurdicas oriundas da esfera da ordem social ou polrica para, abs-traindo-as de seu concexco original, aplic-las nawreza como um todo, generalizando e ampliando seu sentido, a prpria histria de alguns desces vocbulos de que se serve o milsio parece caminhar em uma direo seme-lhante. Pois alguns dos principais termos em rorno dos quais a imagem do ser se anicula no fragmenro vo caminhar em sua evoluo, por um lado, do humano para o natural, e por outro, do concreto para o abstraro. Este desenvolvimento parece refletir aquele que possibilita o nascimento da filosofia na forma e senrido do movimento intelectual para o qual o fragmento de Anaximandro o primeiro e excelente exemplo. Alm disso, tal parece reconrar a histria mesma da cincia em seu desenvolvimento.

    Dik, como se sabe, um ccrmo cuja feio jurdica bastante evi-denre (embora sua etimologia ind ique que no se tratava originalmente de um termo jurdico: Chantraine 1990: 283-284) e que ser aplicado por Anaximandro ao acontecer na rural; assim como tsis (ibid. 1121 ), palavra importante que lembra como no direiro a ideia original a de retribui-o no sentido de vingana evoluindo para a noo de compensao. O termo ksmos ele mesmo vem da esfera humana para a na rural: se lermos os exemplos das ocorrncias do termo desde Homero, e mesmo considerando a epigrafia (Kahn 1964: 219-230; Liddell e Scott, 1996: 985; Raauflaub e Wallace 2007: 23) veremos que a ideia de arranjo refere-se na imensa maioria esfera humana ou cu ltural (refeies, arrumao de armas, cargos polticos etc.) . Outro termo fundamental para a cincia grega- txis- vai receber seu sentido mais amplo de ordem em geral aps uma noo mais ariva e concreta de prescrio c atribuio de alguma ordenao, princi-palmente nos vocabulrios militar e administrativo (Chanrraine 1990: 1096); por exemplo, um imposto (Kirk e Raven 1977: 120); e por isso que h quem traduza este termo no fragmento por decreto ou veredicto. Kron tem o sentido primeiro, homrico, de obrigao e logo em seguida principalmente de dvida (Chantraine 1990: 1272 e seg; Liddd e Scott 1996: 2003). Alm destes termos contidos no fragmento, outras palavras cen trais em todo discurso cientfico possuem histria semelhante: Jacger (1989: 160) chama ateno para a ideia de causa, cujo sentido primeiro designado por aitios ("responsvel, causa de") frequentemente cm um sentido jurdico, tanto cm Homero, como em jnio-rico, para no subs-tantivo feminino aitia significar "responsabilidade, culpa", no vocabulrio jurdico "acusao", no filosfico "causa", no mdico "doena" (Chantraine

  • 1990: 41), c cujo desenvolvimento exerceu uma influncia decisiva sobre causa no latim (e a tambm clireiro, medicina, gramtica e sentido militar esto ligados: Ernour e Meillet 1994: 108). Finalmente, com relao ao rermo apdron, tambm este caminho de absrrao confirmado: o grego possui a capacidade de substantivar abstraes; trata-se da transformao de uma qualidade adventcia em essncia, suscetvel de um conhecimento substancial, graas ao artigo definido neutro. "E pela primeira vez, uma propriedade, que ademais negat iva- o in-finito -, elevada ao conceito, e por este ngulo, e ta lvez cm virtude mesmo de sua negatividade, elevada ao nvel de princpio, de arch' (Aubenque 2008: 448).

    crise iniciada no sculo anterior soma-se, no incio do sculo V, a destruio de Mileto pelos persas: seria esta necessidade premente de ordem, restaurao, reordenao, e de um ordenamento legal condizente, o estmulo para se pensar a lei como princpio de funcionamenco do cos-mos? Seja como for, a necessidade de agir ou tomar decises sempre crucial: um olhar crtico sobre o mundo surgindo de um lidar com as coisas que no simplesmente est nelas imerso, mas que delas toma posse no visar a vida melhor- este um impulso determinante para a cincia; a qual tendo aparente e indevidamente se descolado da filosofia na moderni-dade, perde de vista sua prpria razo de ser. Para reenconrr-la era preciso lembrar que pergumar corrcramente pelo melhor perguntar o que o melhor, e notar que esta perguma no se faz s s coisas, mas tambm a ns mesmos, tanto como indivduos, quanto como coletividade. Uma das charneiras mais importantes entre estes caminhos paralelos e imbricados pelos quais a filosofia acontece, a investigao do conceito de justia: a se ligam o bem e o bem comum, pois definem um ao outro.

    A histria pr-socrtica da physis um historiar da gnese do cosmos por meio da narrao da dinmica lgica de constiwio do mundo; neste sentido, a investigao da natureza uma investigao do fundamento tanto corno da fundamentao das narrativas; uma histria da razo na medida em que esta trata da evoluo de nossa compreenso de mundo que comea a caminhar ao pr em questo suas bases. A razo no apenas se refaz, mas recria a si mesma, ao se tomar como objeto. Se isro se faz ao se reexaminar os princpios e os fins de nosso conhecimento das coisas- o que em geral acontece principalmente quando as circunstncias a tanto nos foram - , tudo se passa como se o que chamamos metafsica (e principal-mente quando nos referimos aos gregos) fosse um contnuo problematizar

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    de seu prprio fundamenro cu I rural (Aubenque 2008: 450). E disto a cin-cia se aproveita (conscientemente ou no) para por sua vez reestruturar-se no encontro com uma realidade que sempre culruralrnente construda. Concluso que nada tem a ver com a negao, seja da verdade, seja da possibilidade de busd-la por si mesma, mas que recorda a muito anriga metfora da caverna: a caverna somos ns ou o mundo; inconsciente e alienao funcionando corno rnerforas da nossa relao com as coisas, que o que a cincia, qualquer cincia, trata de investigar - precisamente a tarefa da mcrafsica ao investigar o ser.

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    36

  • CARTA A GUIMARES ROSA' Ccero Cunha Bezerra2

    Caro Joo,

    Finalmente sua carta chegou-me s mos. Estive, nesses ltimos meses, lendo-a atentamente e confesso que ainda permaneo um pouco em dvida com relao sua pergunta sobre como somos no visvel. Concordo que no podemos recorrer simplesmente s fotografias nem s experin-cias puramente sensveis dos nossos olhos que se entrecruzarn nos v;irios espelhos que nos cercam. Tambm sou obrigado a confessar que, embora tenha estudado, como o senhor mesmo observa em sua carta, no sei de t1to o que venha a ser um espelho, a no ser tomando-o conforme descreve o nosso Aurlio, segundo o qual espelho : "Superfcie refletora constitu-da por uma pelcula metlica depositada sobre um dieltrico (geralmenre vidro) polido, ou pela superfcie de um corpo metlico polido." Isso um espelho ou no? Na verdade nunca experimentei algo prximo disco que o senhor chama de "experincia transcendente". Por certo no algo de pouca monra j que envolve "raciocnios, intuies c muito esforo". Quem sabe, talvez o senhor esteja certo quando afirma que o motivo de no percebemos as "coisas mais importanrcs" porque permanecemos "distrados".

    De faro a descrio disto que o senhor chama de "experincia" me fez lembrar de uma passagem da Enada VI, 9,7 de Plotino na qual lemos: " necessrio prescindir de todo exterior e voltar-se totalmente para o interior:

    Uma primeira verso deste artigo foi apresentada no I Colquio de Filosolla c Liceratur:l na Universidade Federal de Sergipe em dezembro de 2008.

    2 Proli:ssor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe e Colaborador nos Programas de Ps-Graduao cm Hlosotla/UFRN e Ps-G raduao em Lerras/UFS.

  • nao estando inclinado a nada externo, mas ao contrrio, ignorando-o comple-tamente; primero com a disposio do animo e fogo com a liberao de toda forma, e ignorando-se a si mesmo".

    O senhor a conhece? Tenho certeza que sim. Lendo seus rexros e alguns trabalhos dos seus crticos, estou convencido das razes neoplatni-cas e crists da sua obra. Cristianismo na sua frmula mais originria, isto , aquele que aparece em Grande Serto: Veredas como "sede de Deus" ou como mistrio, afinal, como o senhor mesmo observa, Deus existe, mesmo quando no hd. urgncia sem pressa. Aquele cristianismo que, neoplatoni-camente, descreve o mal como privao e ausncia de ser e, principalmente, aquela vertente helenizada que pensa o diabo (di-bolos) , como o que divide e o que caracteriza a prpria natureza transitria do homem enquanto "tra-vessia" enrre o ser e o nada. Somos nonada, ou seja, trnsito. Sobre isso, muito j foi dito e o senhor mesmo j em cana ao seu traduror Eduardo Bizzarri, ressaltou seu espanto ao perceber como as novelas, a posteriori, desenvolvem remas que remontam as Eneadas de Plotino.

    De maneira que o que farei aqui ser somente aproximar sua expe-rincia de uma outra que li tempos aus e que parece-me convergir para o que o senhor chama de "nascimento abissal". Trata-se na verdade de um poema de um mstico medieval, neoplatnico do sculo Xlll chamado Mestre Eckhart. O drulo do pequenino texto Granum sinapis (o gro de mostarda). Neste poema o autor faz referncia a uma escalada da alma que o mesmo descreve como "escalada sem ao". curioso, o senhor deve saber, que rodas estas exper:incias sejam descritas sob o signo da negao. A sua descrio mesma fala de um aprender a "no-ver", cm um "olhar no-vendo". Realmente um aprender, posto que um exerccio. Exerccio que ser descrito por muitos msticos medievais como um ver-dadeiro desasir-se de todas as coisas, inclusive de si mesmo (abnegare se ipsum) . Permita-me citar uma passagem do poema de M . Eckhart que diz: "seja como uma criana, seja surdo e cego! Teu prprio eu h de ser nonada". Como se pode ver, trata-se de uma supresso de roda imagem que seguramente passa, como o senhor mesmo observa, pelo modus de focar as coisas. Um modo, que nas palavras de Eckhart, sem modo, dado que quem busca compreender a real natureza das coisas segundo um modo, toma o modo como imagem e perde o que se oculta no modo.

    Nesta perspectiva, o anuLamento perceptivo, descrito em sua carta, me pareceu exrremamenre prximo da metfora plotiniana do escultor,

    38

  • Atas do III Colquio lmernacional de tv.letafsica

    fonte da obra de Eckharr, que foi retomada pela tradio mstica medie-val, graas a TeoLogia mstica de D ionsio, o Pseudo-arcopagita, como uma experincia de nadificao que conduz ao que ele nomeia de fundo-sem--fundo da alma humana, diz Dionsio: "dedica-te contnua exercitao nas maravilhas msticas e renuncia s percepes sensoriais e s atividades intelec-tivcts, deixa tudo o que pertence ao sensvel e ao inteligvel e todas as coisas que n!io so e as que so".

    Ser que estou exagerando nas aproximaes ou realmente isto o que ocorre quando o senhor diz que realizou, ao buscar sua vera forma, uma supresso de todos os componentes, excluindo-os, a ponro de sentir dores de cabea e abandonar sua experinc ia por covardia em um primeiro momento? Perdoe-me se estou fazendo uma interpretao fo ra dos limites, mas confesso que ao ler sua descrio de imediato me veio mente, como j ressaltei, esta ima-gem do "escultor" utilizada por Plato e pela tradio neoplarnica para descrever o caminho que conduz a beleza; ah! rem urna outra passagem de Pio tino significativa, diz ele: "Retire todo o supafial, alinha todo o retorcido, limpe e abrilhante todo o escuro e no cesse de "esculpir" tua prpria esttua (. . .) se chegaste a ser isto, se viste isto, se te uniste limpo contigo mesmo sem ter nada que te estorve .. te veras transformado nisto(. . .)". Minha pergunta : sentiste trans-formado? Se no estou equivocado o senhor diz que viu algo como uma " luzinha", uma dbil cintilao e radincia comovedora que lhe sobreveio logo aps alguns minuros de "nada enxergar". Pois bem, Mestre Eckharr tambm fala no seu Sermo 48 desta "luzinha" que est na alma, incriada e incrivel. Segundo ele, atravs desta centelha ele luz que brilha no fundo da alma, que Deus se mani-festa despido como ele em si mesmo, por essa razo , descrita como "nascimento interior" . Um nascimento que no se satisfaz, paradoxalmente, com o ser divino, mas que quer penetrar no mais ntimo, no deserto silente, H onde nenhuma diferenciao jamais penetrou. Por falar nisro o senhor conhece aquela distino que rem suas razes tambm em Plato, mas que ganha forma, de maneira mais especfica em Agostinho c Avicena, que divid e a alma em duas faces? Uma inferior voltada para os sentidos e outra superior para a eternidade? Pois bem, Eckharc reroma esra distino e diz que a face da alma superior como uma luz brilhante que resplandece rodo o

  • tempo, como uma brasa incandccenre. L estamos ns fug indo do silncio que cabe as coisas que ntio se devem entrever. Mas so tantas imagens ...

    O faro que o estado descrito pelo senhor como" o sem evidncia fsica" ou "o brilhante e polido nada" que no espelhava nem mesmo os seus olhos, algo ro recorrente na tradio mstica medieval que mesmo correndo o risco de ser acusado d e falta de rigor filosfico, algo que se espera de um douro, botarei tambm "os bois arrs dos carros e os chi-fres depois dos bois" e lhe direi tambm, em segredo, que nenhuma ourra imagem me sobreveio para expressar este brilhante e polido nada que a do seno da minha in fncia, no simplesmenre do serto que espelha a morre e as pedras, mas daquele que est em rudo, como o senhor mesmo diz. Que espelha tudo na mais profunda ausncia. Que rudo e que reduz wdo a esperana c memria. Serro deserto que no rem lugar nem tempo. a estreita senda para aqueles que ousam abandonar o caminho e, como nos diz Eckharr, atravessa rodo ser e rodo nada. Bom, mas vamos deixar isso para l, porque coisa de sertanejo. Quero pensar sua experincia a partir de uma ourra idia que me parece mais prpria para falarmos do que chamaste de "nascimento abissal": o amor. O senhor conclui sua carra dizendo que quando se viu em sua forma mais prpria, j amava. Era um novo rosro, um "ainda-nem-rosco", um "rosrinho de menino", de "menos--que-menino". Diria Eckhan de "no-nascido", ou melhor, de eterno. O que sou segundo o que natividade h de ser aniquilado, pois como nos diz ele: "segundo o modo de meu ser no-nascido, fui erernamente e sou agora e permanecerei eternamente".

    O rema do nascimento decisivo na mstica rena na. Eckharr encon-rra na prpria imagem de Cristo a expresso da inocncia que rem como fim a alegria3:

    Cristo disse: "Quem quiser me seguir, tem que negar a si mesmo, romar de sua cruz me seguir" (Mar. 16:24, Me. 8:34). Isto , atirar fora wda lamentao, para que a alegria perptua reine cm seu corao. desra forma que a criana nasce.

    Em outra passagem lemos:

    3 Videte Qualem ...

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  • Aras do III Colquio Inrernacional de Merafsica

    "Assim, se a criana nasceu em voc, ento voc rem uma ral alegria cm roda boa ao que seja feita no mundo, que esra alegria se tomar permanente, c nunca mais mudar. Assim Ele diz: "Ningum te tirar tua alegria" Qoo 16:22) .

    Como o senhor pode ver, c como j disse algum por ai, "a alegria a prova dos nove". A alegria que rem nas crianas o smbolo de uma com-preenso do mundo como abertura e entrega. Semelhante quele Menino que o senhor narra no seu conto As margens da alegria, que sorrir para si, conforravelzinho, com um "jeito de folhar a cair". Este senrimento de esperana: ao no-sabido, ao mais, deste menino que se entrega as satisfa-es antes da conscincia das necessidades, o que me parece servir para pensar esta sua experincia de nascimento abissal. Creio que, do mesmo modo que aquele Menino olhava o mvel mundo pela janela do avio, no seu conto As margens da alegria, e tinha tudo de uma vez, e nada, ante a mente, o senhor tambm contemplou aquele espelho e nele viu o mundo, suas certezas c eternidade, se desfazerem no gro nulo de um minuto, res-tando somente o misro de comoo e alegria, como aquele Menino que frente s trevas da negra mata contemplou a luzinha verde do vagalume e recuperou a Alegria dos seus sonhos.

    O senhor conhece a estria do encontro de Mestre Eckharr com um menino nu? Pois bem, durante muito tempo se contou que Mestre Eckharr teria encontrado um garoto e desenvolvido a seguinre conversa:

    De onde vens? Perguntou Eckharr Venho de Deus, disse ele. E onde o deix:asre? Nos coraes vinuosos. Para onde vais? Para Deus! Onde o encontras? Onde larguei rodas as criawras. Quem es tu? Sou um rei! Onde est o reu reino? No meu corao. Toma cuidado que ningum o compartilhe conrigo! o que fao.

  • Ento Mestre Eckhart teria conduzido o menino ar sua cela c dito: toma a veste que queiras! E ele respondeu: deixaria de ser rei. E desapare-ceu. Segundo os que comavam esta escria, teria sido o prprio Deus que viera diverrir-se com ele. Finalmente, com relao a sua ltima pergunra, se a vida consiste em experincia sria, confesso que depois de ler sua cana diria que uma questo de nutica, isto , de navegao. Implica tcnica e sabedoria, no destas planificadoras que "reduzem as coisas a cilindros", mas sabedoria de criana que conrempla a apario anglica dos papagaios e as pitangas e seu pingar e sabe que nunca estamos preparados diante do impondervel fluxo das coisas, que ocorrem de modo inesperado, ou por-que trazem consigo sempre, lado a lado o sofrimento e a morre. O senhor est certo, elas sempre so rodas pelas horas, so desmanchadas ...

    Perdoe-me pelo tom, talvez nostlgico, mas no rem nada de nos-talgia principalmente se pensada como um saudosismo estril. No fundo o que estou tentando expressar um tipo particular de ver o mundo mar-cado pela liberdade frente ao prprio mundo. Liberdade entendida, como um cerco filsofo, cujo nome no me recordo, descreveu com a palavra serenidade (Gelassenheit) para com as coisas. Isto quer dizer, deixar que as coisas repousem, descansem em si, corno algo que no mais ntimo e prprio de ns mesmos no nos concerne. meu amigo, o senhor tem razo ao afirmar que as coisas vo sempre ficando mais pesadas, mais coisas quando olhadas sem precauo. como olhar-se no espelho e ser incapaz de encarar o que no se mostra, a no forma. pa! Nada de pessimismo, de alegria que estou falando. Alegria de menino ao ver o "tucano comer frurinhas na dourada copa", s aquilo. S tudo. No sei se com isco des-trumos a iluso de vivermos em agradvel acaso, sem razo alguma, mas com certeza assumir a tica do "sem porqu" to bem descrita por Mestre Eckharr no seu Sermo ln hoc apparuit caritas dei in nobis (deus se manifes-tou, por amor, em ns) quando diz que a vida vive do seu prprio fundo e de hi brota. Neste sentido, viver sem "porque" amar sem "porque". neste amor incondicional vida que rodas as coisas se tornam inesquec-veis e podemos salrar, como Menino, do "caos pr-inicial vida". Ser que compreendo bem? Estaria cometendo um erro se interpretara este caos como o nada que nos acossa? Sem mais, agradeo sua carta e as belas ima-gens das suas estrias.

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  • ANTE ENS, NON ENS: LA PRIMACA DE LA NEGACIN EN EL NEOPLATONISMO MEDIEVAL

    Claudia D'Amico1

    I. Como wdos sabemos esta nueva edicin Jel Coloquio de Metafsica nos rene en torno a la celebracin de los 80 anos de la Conferencia Inaugural de Heidegger en la Un iversidad de Friburgo bajo el tema (Qu es JV!etafsica? Quisi era romar el comienzo de esta conferencia como una suerte de "pre-texro" para lo que habr de desarrollar.

    Heidegger afirma que la ciencia considera que "lo que hay que inves-tigares s lo lo ente ... y nada ms"2 y en consecuencia, la ciencia "no q uiere saber nada con la nada"3 El propsito de Heidegger es instalar la prcgunta

  • Para esto, resulta imprescindible considerar cules fueron las vas de penetracin dei pensamienro neoplatnico, el resultado de su encuentro con el pensamienro crisriano y cmo se incluye all el tratamienco dei rema dei no-ser. La revisin no ser exhausriva pcro pretende ser paradigmtica.

    11. E! primer desarrollo sistemanco lo encontramos en ei pen-samiento de Mario Vicrorino, pensador africano-romano dei siglo IV convertido ai cristianismo a edad muy avanzada. En una fmosa Epstola dirigida al arriano Cndido, Victorino se pregunta qu es posible predicar acerca de Dios, que "es" o que "no es". La inrencin de Vicrorino riene un sentido porftriano: as como Porfirio habra mostrado, comentando ei Parrnnides, que es posible predicar de lo uno tanto "que no es" cuanro "que es"; Victorino lo hace con la Trinidad cristiana. El mcd io en que se desarrolla el pensamienro de Mario Victorino, Roma en la primera mitad dei siglo IV, exige que sea justificado en qu sentido preciso es posible pre-dicarei "no-ser" de Oios. Para esclarecerlo Vicrorino expresa:

    Por ranro debe ser definido aqucllo que no es. Lo que, cier-ramenre, es entendido y llamado de cuarro modos: segn la negacin, compleramenre de un modo roral en cuanro es privacin de lo existente; segn la naturaleza de uno respecro de otro; segn el ser que todava no es, lo que es fu turo y puede ser; segn el ser que es por sobre rodo lo que es'1

    Si simplificramos los cuatro sentidos diramos que e! "no-ser" puede ser entendido como ( 1) privacin absoluta o carencia de ser, (2) alreridad (3) posibilidad absoluta d e ser, o (4) exceso de ser.

    La argumenracin de Victorino conduce a esrablecer una doble pre-dicacin acerca de la divinidad: por una parte, la que predica cl ser, en cuanro es la causa del ser; pero, por la misma razn de que es causa dei ser,

    4 Ad Cand, n. 4: "Definiendum igitur id quod non est. Quod quidem inte!Legitur et I!Ota-mr qurtttor modis: iuxttt negtttionem, 1mmitto omnimodis ut privrttio sit t'Xsisrentis, iuxttt alterius rtd aliud natumm, ittXta nond11m esse, quod Juturum est et potest esse, ittXtll quod supra omnitt quae su!lf, est esse"

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  • Aras do III Colquio Internacional de Metafsica

    puede serle predicado e! no- ser en l.os sentidos (3) y (4), pues lo divino es la posibilidad pura ele ser que est ms ali de cualquier ser cognoscible o nombrable.

    Unas dcadas m;s tarde, el pensamicnto de Agusrn de Hipona, cominuaclor en algunos aspectos dei de Vicrorino, optar sin embargo por la metafsica dei ser por sobre la metafsica de la unidad o henologa. A pesar ele que pueden leerse algunas afirmaciones agustinianas en ei sentido de que "a Dios se lo conoce m;.\s bien ignorndolo", la metafsica agusti-niana excluir por complero la predicacin negativa y fundar para roda una larga rradicin latina medieval, una metafsica inspirada en Exodo 3, 14 donde Dios dice de s mismo, en la versin latina de la Vulgata: "ego sum qui sum"

    Sin em bargo, la prioridad de la negacin no desaparecera de la reflexin cristiana, una nueva etapa en la recepcin dei neoplatonismo ren-dr lugar: la de la recepcin dei neoplatonismo ateniense, sobre rodo el de Prodo, en el pensarnienco de Dionsio Areopagita. Este pretendido autor dei siglo l que es en verdad un misterioso pensador cuya obra escrita en griego puede situarse entre fines dei siglo V y comienzos dei VI, es cono-cido en cl occidente latino a travs de la rraduccin de Escoro Erigena en el siglo IX.

    Las diferencias enne el neoplatonismo cristi.ano dei Obispo de Hipona y del Pseudo Areopagita han sido puesras en evidencia desde hace varias dcadas en el clebre trabajo de Josef Koch.5 Desde entonces, los esrudios sobre e! pensamienco clel desconocido autor dei fines del siglo V se profundizaron en el senrido de mostrar cada vez con mayor evidencia su dependencia dei pensamienco de Proclo, hasta el punto que rrabajos recientes de W. Beierwaltes y A.M. Rittcr se preguntan si es Dionsio un "Prodo Cristiano". 6

    5 J. Koch: "Augusrinischer und Dionysischcr Ncuplaronismus und das Minelalter'', cn Kantstttdien, B. 48,2 (1956/57), p. 11 7-133.

    6 \VBcicrwalres: "Dionysius Areopagires- ein chrisdicher Proklos?" en Plaronismus im Christentum, Frankf'urr am Main, 1998, pp, 44-84; A.M. Ritter, "Dionysius Pseudo-Areopagita und der Ncuplaronismus" cn R- G . Kl10ury- J. HaiF.vassen (hrsg.) Pltttonismw im Oritmt wul Okzident, Heidclberg, 2005, p.87 -1 O I. Cf. tambin cl cl:sico rrabajo de E. von Iv:nka: "ln wieweir ist Ps.-Dionysius neupla-roniker?" cn Scho!rtstik, 31 ( 1956) , p. 384-403

  • Esra dependencia es sumamente sign ificativa para nuesrro rema pues quiz sea Proclo quien entre los neoplatnicos ha profundizado ms el sentido de la negacin, volvindola ms radical. Quiero decir: es claro que cn el pensamiento procleano la negacin no es enrcndida meramente como una posibilidad predicativa sino que riene un sentido metafsico fundamental: lo Uno no es y, cn cuanro permanece en s mismo (mon) sin procesin (prodos) es la anrerioridad absoluta: lo mismo-uno que es ante-uno.

    El uso de las frmulas aut-theos )' autothetes de Dionsio cstn uti-lizadas en el mismo sentido dei auto-hn procleano: Oios- en un caso-, o lo uno mismo - en el otro - , es lo uno por sobre lo uno. La intencionada inclusin de alfl privativa ante rodo tipo de predicado que haga referencia a Di os y e! uso casi obsesivo dei prefljo "hyper" ("ms que", "supra" o "por sobre") que encontramos en el Areopagita - traducido por "super" por Escoro Erigena revela esta prceminencia de la negacin.7 El hyper es en s mismo un prefljo negativo.

    En De divinis nominibus Icemos que Dios es uno por sobre lo uno (hyper t hn)8, puesro que es ames de rodo uno y pluralidad. En tal sentido es: sobre codas las cosas supra-divinidad, supra-existente, supra-esencialmenre (hyper pnta hyperthetos hyperousos hypeross).9 El trmino "hyperosios"- romado de Procloul - aparece slo en esta obra dei Areopagita alrededor de 30 veces: es claro que Dionsio quierc poner en evidencia que la realidad divina est ms ali dei ser. Tal rcalidad divina m;is ali dei ser, es asimismo supra-divina (hyperthee)l 1

    El uso de prefijo superlativo ante sustamivos, adjetivos y adverbies, alcanza su punto ms extremo cuando se antcpone an a vocablos negati-

    7 Cf. P. Cavallcro: "lntroduccin" a Dionsio Areopagita, Los nombres ditJinos, Buenos Aires, 2007, p. 26 ss.;P. Scauoso: "Valore dei superlativo nellenguaggio pseudos-d io-nisiano", en Aevum 32 (I 958) p. 434-446.

    8 Cf. De div.nomin. II, l I

    9 De div. nomin. Xlll, 3 [229: 13] I O Cf. Por ejernplo lnst. Theol. 1. 68 I I De div.nom. 639 b; De myst.theol. l (997 A)

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  • ,\las do III Colquio I nrcrnacional de Me1afsica

    vos. As Icemos en la Teologn Mstica que las msticas escriruras no son slo incognoscibles sino que son supra-in-cognoscibles (byperrgnston)1!

    Esta propiedad de la naruraleza divina riene su conrrapartida para cl conocimiento humano: Oios es conocido en todo pero cambin fuera de todo, es conocido y, a la vez., ignorado. Leemos en Los no11lbres divinos:

  • Este sentido radical de la negacin es rescatado cn cl sisrema dei propio Escoro Erigena. Basre mencionar su clebre inrerpreracin del r pico crisriano ''creatio ex uibilo" como ''creatio de nihilo ". En ellibro ter-cero dei Periphyseou, a propsito de esra frmula, el discpulo planrea al macsrro la pregunta por la nada:

    Ahom bien, rc pido que me expliques qu quiere signiflcar la santa reolog:l por esc nombn:: 'nada

    El maestro responde:

    Yo creera que por esc nombre se significa la claridad ine-fable e incomprcnsiblc de la bondad divina c inaccesible e ignora para rodo imclecco, ya humano, ya :mglico- pues es supra-csencial y supra-natural; la cual, cn r:mro se la piensa por s misma, ni cs ni fue ni ser - pucs no cs intclegida en nada de lo que ex iste, ya que rodo lo supcra. 1'1

    Segn la versin eriugeniana, "nada" es Oios mismo dei cual rodo procede. El seres entendido como revelacin reofnca de la nada. Conrina

    el maestro: ''Ahora bien, ai comenzar a aparecer en sus teofanias se dice que procede como de la nada hacia algo, y la que es estimada propamenre como por sobre roda esencia es conocida rambin en roda csencia"15

    La insrancia negativa es la fundanrc: antes dei ser, el no ser; anres de la diferencia, la idenridad negativa, antes de la palabra, cl silencio ... 16 En palabras dei Erittgena:

    14 Periphys. 680 C-D: .. A. Quid autcm eo nomine, quod esr nihilum. sanct:l significar lhcologia, explanari a te pero.N. lneflbilem ct incomprehensibilcm diuinae boni-tatis inaccrssibilcmquc dariratcm omnibus intellcctibus $im: humanis siue angelicis incognit:tm- superesscntialis cst cnim er supernatural is-co nomine signiflc:uam cre-didcrim, quac, dum per se ipsam. cogirarur, neque cst, ncquc crat, ncquc cri r. ln nullo cnim imclligitur cxisrcnriurn, quia superar omnia"

    15 J>criphys. 68 1 A: "Ar ucro in suis theophaniis incipicns apparere, \ICimi ex nihilo in a liquid dicitur procedere; ct quac proprie supc.: r omnem essentiam cxistintatllr, propric.: quoque in omni cssemia cognoscilllr"

    I(, Cf. Bauchwirz, O. F., A mminbo rio silencio. A filosofin de Escoro Eriugt'nfl, Rio de j.lllciro. 2003.

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  • Atas do III Colquio lmcrnacion3l de Metafsica

    En efecro, rodo lo que cs imeligido y sentido no cs orra cosa sino la aparicin de lo no aparcme, la manifcsracin de lo oculto, la afirmacin de la negacin, la comprensin de lo incomprensiblc, la profesin de lo inef.1blc, cl acceso de lo inaccesible, cl inrelecro de lo inimeligiblc ... 1"

    La lista de las aflrmaciones que procedcn de las negaciones conti-m'tcl. .. Una vez ms podra creerse que hay dos insrancias opuesras cmre s: la negacin fundanrc y su manifesracin positiva; sin embargo Erigena rarnbin se ocupa cn poner de maniflesro que la negacin que cs funda-mcnro no es aqueUa que se opone a la afirmacin, sino aquella que est por encima de la disyu ncin de los opuesros aflrmacin-negacin; enren-diendo ese par de opucsros co mo aflrmacin-privacin (sca absoluta o seg(m el modo de la alreridacl).

    Por lo tamo, l:a bondad divina que cs llamada "nada" -por-que, fuera de wdo lo que es }' lo que no cs. no es cnconrrada en ninguna cscncia- dcsciende desde la negacin de rodas las escncias hacia la aflrmacin de roda la roralidad de la escncia, dcsdc s misma hacia s misma, como de la nada hacia algo. dt: la inesencialidad hacia la cscncialidad, de la informidad bacia un sin nmero de formas y cspccies. 1 ~

    C urioso destino tuvieron la o bra de Dionsio y la de Escoro Erit'1gena. El Areopagita que, como ha dicho . Jeauneau, ha sido c l aurnrico pro-motor dei neoplatonismo en occidente, fue traducido y comentado a lo largo de la Edad Media en muy diversos senridos.''1 Slo muy pocos de esos comcnradores han podido advcrrir en roda su profundidad el senrido

    17 Pcriphys. 632 0: "Omne enim quod imclligitur ct senrimr nihil aliud c:st ni si non apparcnris apparirio. occulli mani fcsr:nio, nega ri affirm:u io, incnrm:prchcnsibilis com-pn:hcnsio, ineffilbi lis f.1ws, inacccssihilis accesus, ininrelligib il is itHcllccw s ... "

    18 Pcriphys. 681 13-C: "Diuina igiwr bonitas, quac proprcrca nihi lum diciwr quoni:1111 ul rra omnia quae sum cL quac non SLim in nulla esscnt ia inucnitur. ex ncg:nione omnium csscntiarum in afflrm:uionem lOtiu.s uniuersitaris csscmi:IC a se ipsa in se ipsam dc:scendt, uduri e:< n ihilo in :t liquid, c:x inessentialirmc in csscmialiratcm, ex informitarc in formas innumcr.1bilc..' ct species"

    19 d. Jo.:auneau: ~Denys I' Art.''Opagitc, promoreur du noplaronismc cn Occidcnr" cn Noplmonisme eF Philosop/Jir Mitlifvale, Brcpols. 1997, p. 1-23.

  • radical de la negacin que su obra presenra. El Erigena por su parte, con algunos continuadores en e1 siglo XJI - entre los cua.les se encuenrra el redacror de esa enorme parfrasis de Periphyseon q uc cs la Clavis Physicae -, carg con la condena que sele impuso a comienzos dei siglo XIII, en razn de lo cual su obra no fuc considerada cn los grandes desarrollos escols-ricos. El rcingreso de Arisrrcles nl occidenre larino, aunque rrajo consigo algunas piezas dei neoplatonismo arabizado como el Liber de Causis o la llamada Theofogia Aristotelis, instal en los grandes cenrros de saber una meraCsica dei ser por sobre una metafsica dei uno o bicn.20

    111. Si n embargo, en pleno siglo Xllf, desde el corazn de la escolstica, se gesra lo que ser una de las expresiones ms acabadas del neoplatonismo medievaL Esra vercienre debe ubicarse en lo que podramos denominar con Alain de Libera, la W'hkungsgesc/;icbte de la filosofia de Alberto Magno.

    Es difcil comprender porqu el arisrorelismo seguido por sus dis-cpulos parisinos- enrrc los cua.les se desraca sin duda Toms de Aquino-, fue cnrre los dominicanos de Colonia platonismo, o ms bien neoplato-nismo. La subordinacin de Arisrreles a Plarn, ral como esros aurores lo planrea n, es ai mismo riempo la subord inacin J el ser a lo uno, de la metafsica enrendida como la docrrina dei ser-en-tanro-ser a la henologa. La explicacin reside en que ambas lnea convivcn cn el mismo AJbeno. 21

    Su propia lecrura de la docrrina de los rrascendcntales que afirma que "uno" y "ser" son converribles (unum et esse convertuntur) recupera para lo uno la negacin radical. Precisamente en su Comentaria a la obra de Dionsio Areopagira De divinis nominibus considera que la negacin es lo m

  • Aras do III Colquio lmernacional de Mer:1fsica

    He aqu una idea imeresame que ya se encomraba en el pensamienro neoplatonismo tardo-anriguo: lo uno en cuanro negacin de lo rnlriplc. Ese aspecto es valorizado ahora corno una doble negacin.

    Esta nocin aparecer en varios pensadores de la escuda dominicana de Colonia muy especialmente en Meisrer Eckharr. Ha sido profusamente esrudiado el sentido de la negacin presente en muchos de los Sermones alcmanes dei maestro Turingio. Baste mencionar cl Scrmn en el cual ofrece la exgesis dei pasaje en e! que se relata la conversin de J>ablo quien ai caer al suelo "nada vea". Despus de evaluar cuarro distintos sentidos de la locucin "ver nada", concluye Ecld1an que cuando Pablo vea nada, vea a Oios: la nada era Oios mismo. Afirma, pues, que "a Dios hay que romarlo como modo sin modo y como ser sin ser, en wnro el no tiene nin-gn modo"13 Sj atendemos a la obra latina, aparecen all con gran fuerza especulativa frmulas que, excluyendo de Dios toda oposicin y toda alre-ridad , refieren la negacin de la ncgacin . En el Comentaria ai Libra de la Sabidur!a dice: "Dios es un indisrinto que se distingue por su indistincin" (Deus rtutem indistinctwn quoddam est quodma indistinctione distinguitur)l-1 o bien como afirma en un Sermn latino titulado, precisamente, "Dios es uno" (Deus unus est) "en Dios no es lo otro" (in deo enirn non est alud). Lo otro, como negacin de la unidad, debe ser negado de lo divino.21

    La peculiar manera en que Eckharr trata el ser que Di os es- i nvir-riendo la frmula "Deus est esse" por "Esse est deus" revela que s lo el ser en su puridad negativa, puede atribuirse a l. 21; As, a propsito dei anlisis de la frmula dei xodo 3,14 -Ego sum qui surn- muestra Eckharr que lejos de estar frente a una identificacin de Oios y el ente supremo, la f

  • no carece de lo enfermo. Carecer de lo enfermo, no poseer la enfermedad es la salud perfecta. Carecer de la nada, por lo tanto, corresponde a la suma perfeccin, es ser plensimo y pursimo"!7 . La negacin de la negacin se vuelve para Eckhart, afirmacin pura y plensima: "negatio vero negationis purissima et plenissima est affirmatio''?.~

    Este sentido dei ser puro que debe ser enrendido en un sentido doblemente negativo, se profundizad con la presencia de la obra de Proclo en la Edad Media., ya no por va indirecta - a rravs de Dionsio o la va rabe - , sino leda directamente. Si bien debernos a Guillermo de Moerbeke la versin latina de algunas de sus obras, la asimilacin ser algo posterior. Entre 1268 - 1286 se ponen en circulacin las siguienres traducciones: Elementatio physica (que contaba con una craduccin annima de 1160); Elernentatio theologica; ln Parmenidem; lm Timaeum (breve extracto) . En este mismo siglo, slo tiene relevancia y difusin en la Universidad de Paris la Elementatio Theologica por su descubierta vinculacin con el ya muy difund ido Liber de Causis. La presencia directa de Proclo en la obra de Eckhart es hasta hoy discutida.. Con rodo, debe ser destacado que recin en la escuda de Colonia post-eckhartiana, se realizar por primera vez un Comentaria. La rrascendencia para el pensamienro cristiano reside en que a parrir de este contacto directo con la obra procleana, se resignifi-car; la figura y la obra dei considerado como el "mximo de los telogos", Dionisio Areopagita.

    El comenta rio a .la Elementato Theologica de Berro Ido de Moosburgo, en la segunda mirad dei siglo XIV, no slo representa el primcr crabajo directo sobre una obra de Proclo sino, como ha afirmado Alain de Libera, la verdadera " invencin" dei neoplatOnismo cristiano. 29 Para Bertoldo, Proclo y Dionisio, correspondeu ambos a la tradicin de los "pfatonici philosophie". Este platonismo se opone a la metafsi