indecifrÁvel poesia reunidade de alberto cohen
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10 poemas de alberto Cohen para o Ver-O-PoemaTRANSCRIPT
INDECIFRÁVELPoemas reunidos de Alberto Cohen
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Olhar desperto
Desejo ser ladrão ou justiceiro,de algum jeito total, definitivo,
de bom, de mau, mas que me faça inteiro,um monstro, um santo, que inda está bem vivo.
E ver as coisas que podem ser minhas,e as minhas coisas que há muito não vejo,
todas aquelas coisas que sozinhasesperam ser roubadas para um beijo,
ou apenas notadas tão vizinhas.Desejo ser a vida observando
tudo, tudo que o mundo nos oferta.Um ladrão que somente vai roubando,
ou santo cujo olhar enfim desperta.
Rosa vermelha
Às vezes,da janela me derramopela madrugada afora,misturado com sereno,quase parceiro da lua,
quase cunhado de estrelas,quase irmão de vaga-lumes,
e voo por entre a relva,corro por cima do mar,
até a rosa vermelhaque espera, morta de sede,a hora em que vou chegar
com meu cantil de quimeras,montado no lusco-fusco,soprado pelo horizonte,
vice-rei e vagabundode um reino fora da lei,trajando fidalgamente
as roupas que arrebanheinos varais de estender roupas
dos quintais onde passei,vento vestido de gente
que venho, urgente, orvalharaquela rosa vermelha,última rosa vermelha,
de tantas rosas vermelhasque colhi sem semear.
Buscador de um bem perdido
Bem sei que ainda vou te procurarpor todos os caminhos que escondeste,
em todas as histórias que apagaste,no riso que levaste e em meus desejos.
Inventarei teus passos nas calçadase com grafite escreverei teu nomeem paredes e muros que separam
o real do somente presumido.E não me cansarei de ir perguntando,
através do silêncio, ou da galhofa,onde perdeste o bem que me querias
e o que fazer do bem que ainda te quero?Ai, meu amor, se eu te dissesse, agora,
como estou só, mais só do que era outrora,quando meus sonhos vinham de tão antes,
nas ilusões que não te conheciam...Eu era triste e só, porém sabia
que, estando só e triste, na poesiaquase existia o bem que me faltava.
Depois foi grande a confusão de temas,e, tentando misturar-te com poemas,
não fui amante e me perdi poeta.E o que me resta além de procurar-teentre milhões de jeitos e perfumes,abrindo portas com medo e ciúmes,
fechando versos com rimas pequenas?
Imitação de vida
Quem prendeu os meus sonhos em coleiras,como se fossem cães domesticados
que não pudessem nunca mais ser livrese uivar para o céu na lua cheia?
Quem brincou de perder a ingenuidadepara depois buscá-la, inutilmente,num olhar, num sorriso de criança,num ato de bondade inexistente?
Quem fez de mim esta entidade à toaque sufoca gemidos com poemas,
na ilusão de alcançar, tropegamente,minha alma ferida que inda voa?
Indecifrável
Havia uma roseira na sacada ou tão somente o desejar que rosas fizessem aquela casa perfumada? Um passarinho cantava, de fato, ou era a liberdade que entoava
o chamamento nas manhãs nascentes? O riso passeava docemente ou o rancor fingia-se de riso,
para disfarce de um rilhar de dentes?
Em lembranças antigas e confusas quem pode distinguir farsa ou verdade?
Onde termina o sonho e o pesadelo torna-se adulto, de maioridade?
Reinados e Rosas
Foi lá que deixei meu nomee é lá que não mais tereia promessa de uma rosa
que, jamais, sequer plantei.Nos bares dos meus encantos,
nos cantos que mais cantei,quem bebe um trago lembrando
cantigas que já nem sei?E as mulheres que amei tanto
qual agora a que amarei?Sou do mundo, não sou nada,
não tenho pátria nem lei,rasgo apenas madrugadas,
busco meu trono de reido tempo em que minha rosa,
que não colhi nem plantei,inda podia ser rosa
e eu, sem saber, era um rei.
Grumete
Capitão, meu capitão,em que mar nosso veleiro
vai agora navegar?Quem sabe por entre nuvens
que são as ilhas do céu,quem sabe nos muitos sonhos
que transformados em tintarespingaram no papel.
Talvez em olhos perdidosno horizonte de um voltar,talvez pelas tempestades,
pelo vento, maresias,que precedem calmarias
naqueles que vão se amar.Capitão, meu capitão,
em que porto, ribanceira,fim do mundo ou corredeira,
vai nosso barco aportar?Quem sabe dentro de quadros
que Van Gogh não pintou,quem sabe depois da lua,
nas surpresas e esperançasque um astronauta deixou.
Talvez num laço de fitanos cabelos bem cuidadosde uma menina a brincar,
talvez numa palafitade uma gente tão aflitaque desistiu de sonhar.
Capitão, meu capitão!Terra à vista, capitão!
Quem sabe é feita de rimas,quem sabe é feita de versos,
talvez um novo universo,talvez o nosso lugar.
Magia
Aquela noite de estrelas brilhando para encantaro amor que ainda existia, dois versos em sintonia
no fundo de nosso olhar,tinha um jeito de magia, a mais bela sinfonia
que anjos pudessem cantar.Teus cabelos onde a lua brincava de se esconderde sereno recendiam, em minhas mãos acendiam
mil formas de te aquecer.E tua pele macia, como numa profecia,
jurava não me esquecer.Mas o tempo irresponsável, na pressa de caminhar
arrastou o bem que havia, envileceu dia a diao brilho de nosso olhar.
E o desamor carecia tanto daquela poesiaque uma noite fez luar...
EsperaVocê estará esperando,num aeroporto ou cais,aquele das madrugadasde mil sonhos e desejos,
de palpitações e arquejos,dos prazeres mais ocultos.
Você estará esperando,no mato, na ribanceira,
aquele, ainda sem rosto,que fará você rainha,
donzela, vulgar, rameira,tudo o que inventou sozinha.
Você estará esperandoaquele que chegará
em traje de sol e anseios,boto, querubim, demônio,dos carinhos delicados,
dos machucados nos seios.Você estará esperando,
vindo na brisa, ou da rua,aquele herói, cafajeste,senhor das intimidades,o dono mais inconteste
por quem você dorme nua.
Único Poema
Meu único poema está dentro de mim.Sei que é definitivo e possui a magia
das coisas que não foram ditas ou sonhadas,mas aguardam apenas sonhos e palavras
que tenham o condão de, enfim, desencantá-las.
Muito maior que eu, meu único poemaé doce e feroz como um beijo e uma facada,
tem aquele recato do primeiro amore a devassidão dos ímpios lupanares.
Arcanjo protetor, demônio às gargalhadas.
Não será meu, jamais, meu único poema.Mora no coração e a mente é tão pequena
que não pode abrigar a sua infinitude.Impaciente, ele espera o fim do tempopara afinal voar, liberto da clausura.
Alberto Cohen Eu sou... Um ser humano a indagar qual o seu papel no teatro mambembe da vida. Algumas vezes feliz, em muitas outras sofrido. Acredito em gente, sentimentos e, eventualmente, pago um preço alto por isso. Nasci, cresci e grisalhei em Belém do Pará, cidade onde ainda vivo. Sou escritor e advogado.
Como surgiu o seu interesse pela poesia e pela literatura? Não houve um momento, um estalo. A literatura sempre esteve presente em minha vida. Meus pais possuíam
uma enorme e variada biblioteca e a leitura era uma coisa natural, quase obrigatória. Todos liam e escreviam. Meus irmãos, até hoje, ainda escrevem. Aos oito anos de idade fiz meus primeiros “versos”. Também, naquele tempo não existiam televisão e internet; somente rádio, vitrola e cinema nos fins de semana. Não acredito nesse dom, nesse milagre de nascer escritor. Acho que se nasce com inúmeras vocações, tendências; a vida, os caminhos, os acontecimentos, fazem predominar uma, ou algumas delas, sobre as outras. Depois da descoberta, do encontro, aí sim, a coisa se torna irremediável, vital, resposta, vício.
ArteArte para mim é beleza. Alegre, triste, nova ou antiga, mas que seja bela no sentido mais amplo da beleza que, absurdamente, pode compreender o feio.
Que é a relação entre a sua vida e a sua obra? Uma relação eventual. Entendo que o escritor tem que viver mil vidas e não se prender a uma obra direcionada. O fortuito, o inesperado, são as melhores matérias-primas para a criação, claro que submetidos a todo um processo de alquimia literária. A verdade é uma mentira em que acreditamos. A fronteira entre as duas é muito estreita. A fantasia, ela sim, está presente em quase tudo que escrevo. O autor deve ser totalmente descompromissado, até mesmo com o escrever como arte.
Autores preferidosQuintana (especialmente), Florbela Espanca, Lorca, Neruda, Sartre, Jorge Amado, Haroldo Maranhão, João Ubaldo Ribeiro, Nelson Rodrigues, Ruy Barata, Elisa Lucinda, Drummond, Vinícius, ... São tantos... “O velho e o mar” do Hemingway. Uma novela que é praticamente um monólogo. Quem escreve sabe como é difícil fazer isso. Sei que vão rir... A poesia, ingênua e pura, contida nO Pequeno Príncipe do Exupery, da primeira à última linha.
Que conselho você daria aos novos autores, àqueles que estão começando?O mesmo que dei numa outra entrevista ao site do amigo-irmão Francisco Simões, paraense como eu: - Acreditem no que fazem e continuem fazendo. Ouçam a voz dos outros poetas, troquem experiências com eles, mantendo, porém, a identidade poética. Não se importem com os críticos de carteira assinada. Afinal, o que seria dos curiós se o céu fosse só dos gaviões? ...Uma longa caminhada, essa de escrever. Não tem fim nem meio, só recomeços e a ânsia de falar o quase intraduzível idioma da alma. É pouco? É a demasia de quem mede o tempo em verso ou prosa, sem saber, jamais, o que resultará da escolha. Noites de desespero, madrugadas de aflição, manhãs de breves sorrisos, e a vida a escorrer lá fora como um rio sem volta.
Trecho da entrevista concedida à Câmara Brasileira de Jovens Escritores