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v

As ações de desenvolvimento realizadas como

conseqüência da profundidade sociopolítica de cada

orientação teórica tende a legitimar a ordem social

existente. Ao contrário, o pensamento alternativo tende a

transformá-lo. Nas páginas que se seguem (...),

independentemente do que atribuam ao campesinato um

papel histórico progressista (potencial revolucionário) ou

reacionário (saco de batatas) (...), pretendo trazer

ferramentas (...) para (colaborar com a estratégia de)

neutralizar a ofensiva neoliberal que, da academia e da

prática política, está se desenvolvendo na América Latina,

ao pretender apresentar uma inegável evolução da

agricultura familiar para o agronegócio, no contexto da

agricultura industrializada em sua atual versão

transgênica. Creio, ao contrário, que a única solução para

o problema socioambiental que atravessamos está num

manejo ecológico dos recursos naturais, em que apareça a

dimensão social e política que traz a agroecologia e que

esteja baseado na agricultura sustentável que surge do

modelo camponês em sua busca por uma (mais que

legítima) soberania alimentar (Guzmán & Molina, 2005).

A emancipação econômica dos modos de vida e produção

familiar rural brasileira não se faz simplesmente por uma

mudança técnica (ainda que por ela também), mas por meio

de uma quase utópica emancipação política, que traz medo

aos reacionários, mas esse mesmo medo, para os

revolucionários, é amor, é compaixão e é respeito a um

jeito particular de ser. Que haja um modo de ser garantido

aos povos da floresta!

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DEDICATÓRIA

Com muito carinho e respeito, dedico minha tese doutoral

aos produtores e produtoras familiares rurais amazônicos e

seus respectivos movimentos sociais, que deram exemplo

de cidadania e participação política ao desenhar algo tão

estratégico como o Proambiente para o desenvolvimento

rural da Amazônia, mas que tiveram apropriado e

deturpado seu ideal de vida coletiva pelo governo federal

que, paradoxalmente, ajudaram durante anos a construir.

Não era infundado o temor de alguns líderes populares de

que o processo de transição do Proambiente de projeto da

sociedade civil para política pública federal pudesse

eliminar dos processos políticos decisórios os seus próprios

proponentes, da mesma forma que não é sem razão o desejo

de dar continuidade à luta pela concretização desse sonho

num futuro próximo.

De igual forma, dedico este trabalho à minha querida

companheira Juliana Matoso Macedo e aos meus enteados

Tiago e Tomaz (meus xodós, meus piolhos), por tudo o que

representam em minha vida. Não foi nada fácil ficar

ausente do convívio deles por quase dez meses durante

minha experiência no exterior, pois ao lado deles ganho

força, inspiração e uma enorme alegria em viver.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Prof. Ademar Romeiro (Instituto de Economia, Unicamp), pelo

grande incentivo ao tema pesquisado, assim como pelo espaço cedido e infra-estrutura de

trabalho disponibilizada no Núcleo de Economia Agrícola (NEA). Desde um ano antes de iniciar

meu doutoramento, tive conversas e colaboração do mesmo na revisão do projeto de pesquisa

proposto. Após meu ingresso no curso, o Prof. Ademar se mostrou sempre pronto a me

incentivar, de igual forma que faz com os demais colegas da Embrapa, o que evidenciou sua

admiração e respeito por nossa instituição. O Prof. Ademar também sempre demonstrou ser uma

pessoa extremamente amiga e leal, além de deter um conhecimento maravilhoso sobre economia

agrícola, economia do meio ambiente e Amazônia. Não exponho essas palavras como algo

meramente protocolar, mas devido à profunda admiração que passei a ter por este excelente

profissional. Meu caro Mestre, eu espero que nossa parceria de trabalho não se resuma ao

Doutorado, mas que se prolongue por nossa vida profissional. Seu conhecimento sobre

desenvolvimento econômico e meio ambiente é muito importante para o Brasil.

De igual forma, agradeço ao Prof. Eduardo Brondízio (Departamento de Antropologia, Indiana

University), por me recepcionar em Bloomington (Indiana, Estados Unidos) para meu Doutorado

Sanduíche entre agosto de 2009 e maio de 2010. Não somente foi importante o espaço cedido e

infra-estrutura de trabalho disponibilizada no Anthropological Center for Training and Research

on Global Environmental Change (ACT) - Indiana University (pois não entra na minha cabeça o

péssimo hábito brasileiro de realizar o trabalho acadêmico em casa!), mas sobretudo as nossas

excelentes discussões sobre a literatura internacional quanto ao tema pesquisado. Fico grato

também a todo incentivo e articulações do Prof. Eduardo que me possibilitaram aproveitar outras

oportunidades oferecidas pela Indiana University, como a participação nos Workshops in

Political Theory and Policy Analysis, organizados pela Prof. Elinor Ostrom (Prêmio Nobel de

Economia 2009), palestra proferida no ACT, cursos de Environmental Anthropology, Culture and

Society, Academic Writing e outras atividades acadêmicas. Ademais, o Prof. Eduardo se mostrou

um grande amigo, me inserindo na comunidade brasileira. Prezado Edu, espero que nossa

parceria de trabalho também siga adiante. Só lamento ser são-paulino, um desvio de conduta!

À Tatiana Deane de Abreu Sá, Diretora-Executiva da Embrapa, quem com muito orgulho

assessorei no período 2005/06 em Brasília (DF). Desde o tempo em que residi em Belém (PA),

nutro profunda admiração por esta mulher de garra, consciência e competência, e depois de

integrar sua equipe de gestão, nossa amizade se fortaleceu. De coração, torço por você Tatiana e

agradeço a “quase exigência” ao meu doutoramento. Senti saudades de seus bombons de cupuaçu

e de seus pedidos para fazer duas filhas.

Ao Silvio Crestana, ex-Diretor-Presidente da Embrapa e meu primeiro orientador de Mestrado.

Nunca poderia supor que sete anos depois de concluir meu Mestrado reencontraria o Silvio na

posição mais importante da Embrapa, muito menos que faria parte da equipe de gestão mais

competente da história de nossa empresa. Ao Silvio, meu amigo, agradeço o incentivo ao meu

doutoramento e ao pedido de “volte logo, pois seu lugar é aqui em Brasília (DF)”. Só tenho dó

dele por ser santista, viúva do Pelé !

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Ao meu amigo e colega embrapiano Mateus Batistella, que apesar de palmeirense (!), é uma

figura sensacional. Conselheiro acadêmico pela Embrapa e Doutor pela Indiana University,

Mateus foi um dos maiores incentivadores de minha acertada ida à Bloomington, além de um

grande amigo na minha passagem por Campinas (SP). Também agradeço seu apoio na produção

do mapa dos limites municipais dos Pólos do Proambiente, além de sua participação nas bancas

de qualificação e defesa de tese. Suas dicas acadêmicas foram muito importantes.

Ao colega embrapiano João Marques, agradeço pelas suas sugestões ao trabalho e pela

participação na banca de qualificação. Ao Prof. Bastiaan Reydon (Instituto de Economia,

Unicamp), agradeço pela colaboração na elaboração do projeto de pesquisa e participação na

defesa de tese.

Ao Prof. Francisco de Assis Costa (Universidade Federal do Pará, UFPa), que desde o tempo em

que residi em Belém (PA) me ensina muito sobre Amazônia e agricultura familiar. A garra e

inteligência do meu caro amigo Chiquito não é algo comum. Agradeço suas dicas ao estudo e sua

participação na minha banca de defesa de tese.

Ao colega embrapiano Paulo Kitamura (in memoriam), meu primeiro conselheiro acadêmico e

também Doutor pelo IE/Unicamp, que com muita empolgação me incentivou a ir para Campinas

(SP) cursar o Doutorado. Foi um enorme choque a perda desse amigo brilhante somente dois

meses após minha chegada à cidade. Nossa última conversa pessoal, uma semana antes de seu

repentino falecimento, parece ter sido uma triste despedida, mas levei comigo as importantes

dicas que ali apresentou. E do Paulo levarei adiante, em minha carreira, toda lealdade profissional

que me ensinou.

À colega embrapiana Lucimar Santiago de Abreu, minha conselheira acadêmica após o

falecimento do Paulo, quem sempre se interessou pelo meu trabalho, além do apoio financeiro de

nosso projeto, na parte por ela coordenada, para minha viagem de campo. Também fico grato

pelos vinhos oferecidos em sua casa em companhia de sua filha Virginia (Vivi), quem se tornou

minha grande amiga, e de sua netinha Cloé, que nos agradava com boas risadas.

Ao Prof. José Heder Benatti (Universidade Federal do Pará, UFPa), atual presidente do Instituto

de Terras do Pará (ITERPA) e meu ex-colega no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

(IPAM), pelas dicas e dados cedidos ao estudo.

Ao Prof. Rodolfo Hoffmann (Instituto de Economia, Unicamp), também meu ex-professor de

graduação na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), pelas sucessivas

conversas e dicas sobre modelagem estatística.

Ao meu grande amigo Rodrigo Orair, doutorando do IE e pesquisador do Instituto de Pesquisa

em Economia Aplicada (IPEA), pelas diversas reuniões que voluntariamente se dedicou para me

apoiar na rodagem do modelo SPSS, além da boa companhia nas diversas cervejas, jogos de

futebol na TV e viagem de campo para entrevistas com produtores familiares amazônicos. Meu

caro mineirinho, foi um enorme prazer e orgulho ter te apresentado o bioma mais bonito do

mundo.

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Às lideranças dos movimentos sociais rurais amazônicos que compuseram o Conselho Gestor do

Proambiente (CONGEN), que muito me ensinaram sobre a sociopolítica da região, fato que sem

dúvidas ajudou demais na interpretação de meu estudo. Em especial, agradeço aos companheiros

Deputado Estadual Airton Faleiro (PT-PA, ex-secretário de política agrícola da CONTAG e ex-

presidente da Fetagri-PA), Deputado Federal Anselmo de Jesus Abreu (PT-RO e ex-presidente da

Fetagro-RO), Antonio Souza Carvalho (Cajazeira) (ex-presidente da Fetagri-PA), Manoel Carlos

Dantas (Carlinhos) (ex-presidente da Fetagro-RO), Rita da Luz Serra (ex-presidenta da Fetagri-

PA), Maria de Aquino (Leide) (ex-presidenta do GTA), José Maria Barbosa de Aquino (Boka)

(ex-secretário geral do CNS), Preto (ex-presidente do MONAPE), Alcides José Barbosa (ex-

presidente do MONAPE), Natal Ribeiro (ex-secretário de política agrícola da CONTAG) e

Alessandra da Costa Lunas (atual secretária de relações internacionais e ex-secretária de políticas

sociais da CONTAG).

Aos colegas da equipe técnica interinstitucional do Proambiente pela garra e dedicação na

construção do programa enquanto projeto da sociedade civil (2000/2002), entre eles, Cássio

Pereira (atual secretário estadual de agricultura do Estado do Pará e ex-coordenador do Programa

Floresta e Comunidades do IPAM), Letícia Tura (atual diretora da FASE e ex-integrante da

FASE Amazônia), Raul do Couto e Inocêncio Gasparim (educadores populares da FASE

Amazônia), Luiz Rodrigues (atual Gerente do Proambiente, ex-chefe de gabinete do Deputado

Anselmo e ex-assessor da CUT-RO) e Marcio Fontes Hirata (atual assessor do MDA e ex-

assessor da Fetagri-PA).

Aos colegas da Gerência do Proambiente/MMA, a qual tive o enorme prazer de coordenar. Com

essa equipe sensacional tive muito o que compartilhar, ensinar e aprender. Na ausência deles, sem

dúvida, não teria sido possível construir a parte técnica do programa dentro do MMA. À Daniela

de Paula, Gilberto Schitinni, Rodrigo Noleto, Patrícia Saraiva, Karine Narahara, Marcos Leite,

Juliana Napolitano e Carlão, meus sinceros agradecimentos e desejo de vê-los novamente na vida

profissional.

Aos colegas do MMA, que de uma forma ou de outra foram muito importantes na construção do

programa enquanto eu era Gerente do Proambiente, entre eles: Jorg Zimmermann (ex- secretário

de coordenação da Amazônia), Raimunda Monteiro (ex-diretora do FNMA) e Fabio Cidrin (ex-

gerente de projetos do FNMA). De igual forma, agradeço aos colegas do MDA que também

tiveram relevante colaboração, como Valter Bianchini (ex-secretário de agricultura familiar),

Argileu Martins (diretor de ATER), Fani Mamede (SAF) e Carla Ferreira (SDT).

Aos colegas dos Pólos do Proambiente, que com muita vontade, garra e persistência, passaram

por cima das dificuldades técnicas, políticas e administrativas e souberam construir o

Proambiente na base. Em especial, deixo meu abraço aos coordenadores Marcelo Vasconcelos

(Pólo Rio Capim – PA), Guilherme Brito (Pólo Transamazônica – PA), Ana Bellini (Pólo Marajó

– PA), Rogério Meireles (Pólo Laranjal do Jarí – AP), Jane Carla (Pólo Baixada Maranhense –

MA), Selma Yuki Ishii (Pólo Bico do Papagaio – TO), Ildamir Teixeira de Faria (Pólo Noroeste –

MT), Cesar Dutra (Polo Ouro Preto D‟Oeste –RO), Marcos Rocha e Roger Recco (Polo Alto

Acre), Marcelo Neri (Pólo Tarumã / Rio Preto da Eva – MA) e Ana Maria de Freitas (Pólo Vale

do Apiaú – RR).

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Ao técnico agrícola Edmilson Souza Oliveira (Bibil), da FVPP (Pólo Transamazônica – PA), por

me acompanhar e auxiliar nas entrevistas de campo, além de me ensinar práticas agronômicas e

contar diversas histórias vivenciadas sobre a região. Se todos os profissionais tivessem a paixão

que Bibil tem pelo seu trabalho, com certeza teríamos um Brasil rural bem melhor. Além do que,

Bibil é uma figura engraçadíssima. Também agradeço a minha querida amiga Ana Paula Sousa

(Paulinha), da FVPP, grande liderança popular da Transamazônica e Xingu, pela articulação e

apoio às minhas entrevistas de campo, assim como pelas diversas conversas que sempre travamos

sobre a dinâmica sociopolítica da Amazônia.

Ao casal de produtores familiares, Seu João Rais Neto e Dona Paulina Alpelfeler Rais, do grupo

comunitário Km 338, Pólo Transamazônica (PA), município de Pacajá (PA), por me hospedarem

em seu lote e oferecem conforto, cortesia e ótimas refeições durante as entrevistas de campo. As

peixadas e os doces de cupulate da Dona Paulina foram muito especiais para me darem

“sustância” nas andanças dos lotes visitados. Também muito agradeço ao filho do casal, Marx

Allan Alpelfeler Rais (o Pagode), agente comunitário do Proambiente, por mobilizar seus

vizinhos para as visitas e sessões de entrevistas, além de me acompanhar nos transectos dos lotes,

na divertida pescaria e nas longas conversas noturnas sobre o início da ocupação transamazônica.

Aos produtores familiares entrevistados do grupo comunitário km 338, Pólo Transamazônica

(PA), pela sua imensa colaboração com o presente estudo. Em especial, registro meus

agradecimentos ao Seu Firmiano Francisco dos Santos (coordenador da Casa Família Rural), Seu

Luiz Gonzaga Messias, Seu José Rodrigues de Oliveira, Seu Nilson dos Santos Oliveira e Marx

Allan Alpelfeler Rais (o Pagode) pelas rodas de conversas no lote de Seu João Rais Neto e Dona

Paulina Alpelfeler Rais. Também saúdo o Seu Cícero, proprietário do bar próximo à entrada do

travessão do km 338, pelas histórias repassadas sobre a região na carona que pegou comigo, Bibil

e Rodrigo no retorno de Pacajá (PA) à Altamira (PA).

Aos produtores familiares do Pólo Ouro Preto D‟Oeste (RO) que colaboraram nas discussões

sobre o presente estudo, principalmente, o líder comunitário Seu Antonio Abílio Siqueira, o

agente comunitário Seu José Aparecido Vieira, o auto denominado produtor-técnico Seu José

Carlos de Sousa (xará de meu pai e figura fantástica, um exemplo de empolgação com o

Proambiente), todos de Nova União (RO), e o agente comunitário Seu Antonio Carlos de

Oliveira, de Mirante da Serra (RO).

Aos queridos e eternos amigos (com certeza!) da Unicamp, agradeço por tornarem este momento

de nossas vidas tão especial. São eles o casal Vitarque e Letícia e seu cativante filho Ian, a dupla

dinâmica e futebolística Clara e Victoria da República Café com Leite, as amigas Glaucia,

Juliana Leite, Carol, Raquel, Andrea Leda, Erika, Camila, Andréia Marques, Lu Portilho e

Divina, os amigos André e Luis (dupla lá de casa), Regis e Marcilio (que bem cuidaram de minha

casa durante a fase Bloomington), Herrera, Peterson e os caros integrantes da República do

Apolo em suas diferentes formações, Gabriel, Rodrigo, Bruninho, Adrian, Pedro Rossi, Niema,

Niterói, Jaim e Diego, os “adotados” Lucas, Marco, Gustavo, Angeli e Dorfo, e finalmente ele,

Juanito, grande figura aglutinadora de todos nós ao organizar jantares e festas. Juan, somente a

turma desse parágrafo entenderá que não há muros que remova nossa amizade! Também deixo

menções à Saudosa Clotilde (galinha que virou jantar!) e ao Finado Apolo (cão!).

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Aos amigos do Anthropological Center for Training and Research on Global Environmental

Change (ACT) da Indiana University, Professor Emilio Moran, Diretora Administrativa Linda

Marie Day (uma pessoa super amável!) e colegas de trabalho Scott Hetrick (grande camarada

“Scottinho do Pará”), Jason Gresalfi, Kelsey Scroggins, Anthony Cak e Dengsheng Lu, pela

cordialidade na minha recepção e convites para atividades acadêmicas, gastronômicas, culturais e

passeios na região de Bloomington. E à grande comunidade brasileira da Indiana University,

Ângela, Andréia, Julia, Maira, Rodrigo, Gisele, Rogério, Leo, Paulinha, Patrick, Sara, Patrícia,

Almir(ante), Lilian, Juliana, Kennedy, Mara e Renato, que tornaram minha adaptação aos EUA

muito tranqüila. E como não poderia faltar, agradeço demais ao grande Paulo Dias (Paulão),

músico brasileiro radicado em Bloomington há muitos anos, que se tornou um grande amigo e

conselheiro para todas as demandas úteis e inúteis (risos).

Aos amigos da Embrapa Meio Ambiente Canuto, Miguel, Fagoni, Tavico, Miriam, Ladislau,

Luchiari e Chico, ao Mikio da Embrapa Informática na Agricultura, e à Fernanda (esposa do

Canuto), pela ótima convivência, apoio e estímulo durante meu Doutorado. Foi sensacional tê-los

ao meu lado nesse momento de muito desgaste emocional, pois por já terem vivenciado esse

momento acadêmico, sempre tinham boas dicas a me dar. Também agradeço aos colegas

embrapianos e doutorandos da Unicamp, Maria do Carmo, João Mangabeira (Manga), Sergio

Tosto e Vicente, pela convivência acadêmica nessa universidade de excelência.

À equipe de recursos humanos da Embrapa Meio Ambiente, Paulo Gói, Dorothea, Cris, Maria

Katy Ane, Marlene, Clovis, José Carlos e Aldemir, pelo pronto atendimento às minhas demandas

durante o Doutorado. De igual forma, agradeço à equipe da Coordenação de Educação

Corporativa (CEC) da Embrapa Sede, Magali, Neuza, Juliana e Rosana, e da Diretoria-Executiva

da Embrapa, Felipe, Minelvina, Vânia, Marília, Arielly e Leandro Santana, pelo pronto apoio à

tudo.

Ao pessoal da Diretoria Acadêmica do IE/Unicamp, Alberto (sujeito gente boa e com solução

para todas as demandas!), Cida (outra pessoa super amável!), Marinete, Alex e Regis, pelo

profissionalismo no atendimento de nossas necessidades acadêmicas. Acho que sentirei falta de

equipe tão simpática e competente.

À toda minha família, minha querida e doce mãe Celeste, meu irmão Fernando, minha cunhada

Julia, minha irmã Leticia, meu cunhado Marcelo, minha tia Márcia (fã número 1 do Ronaldo),

nossa querida Lu, meus fantásticos sobrinhos Pedrão, Rafa, Celo e à pequenina e nova integrante

Marina, que só conheci ao voltar de Bloomington, pelo apoio às minhas decisões e pela força

durante a distância deles. Além do mais, são todos corinthianos (!!!), o que é o mais importante.

E viva a página www.justin.tv e os dez megas americanos, que não me deixaram sem o Timão no

exterior!

E por fim, agradeço à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) pelo suporte

financeiro ao meu projeto de pesquisa e ao meu Doutorado Sanduíche. Dentro da Embrapa nunca

nada me faltou, por isso sou sempre muito grato e com garra e orgulho retornarei à nossa

empresa, um fantástico patrimônio público nacional!

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................01

Apresentação dos capítulos introdutórios (I, II, III, IV).......................................................... .......09

Apresentação dos capítulos analíticos (V, VII, VIII).....................................................................12

OBJETIVOS............................................................................................................... ....................15

CAPÍTULOS INTRODUTÓRIOS (I, II, III, IV)

CAPÍTULO I

MACROECONOMIA E ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO......................................17

CAPÍTULO II

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E POLÍTICAS PÚBLICAS..........................................35

CAPÍTULO III

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE...................................................49

CAPÍTULO IV

CAPITAL SOCIAL E CONTROLE SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS...............................71

CAPÍTULOS ANALÍTICOS (V, VI, VII)

CAPÍTULO V

ANÁLISE DO PROAMBIENTE COMO POLÍTICA PÚBLICA FEDERAL..............................87

5.1. Macroeconomia e políticas públicas......................................................................................107

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xvi

5.2. Ações propostas pelo Proambiente........................................................................................119

CAPÍTULO VI

METODOLOGIA DE ESTUDO E CARACTERIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES

AMAZÔNICAS SELECIONADAS PELO PROAMBIENTE....................................................143

6.1. Problema de pesquisa, pergunta e hipóteses..........................................................................143

6.2. Metodologia de pesquisa.......................................................................................................144

6.3. Caracterização das propriedades familiares rurais amazônicas selecionadas pelo

Proambiente.................................................................................................................. ................150

CAPÍTULO VII

COMPARAÇÃO ENTRE VARIÁVEIS QUE CONDICIONAM DECISÕES SOBRE USO DA

TERRA E DOS RECURSOS NATURAIS EM PROPRIEDADES AMAZÔNICAS

SELECIONADAS PELO PROAMBIENTE................................................................................173

7.1. Da economia agrícola à economia ecológica – análise de decisões econômicas e ecológicas

de uso da terra e dos recursos naturais em macro e micro escalas...............................................175

7.2. Diferenciação entre agricultura tradicional e agricultura familiar.........................................181

7.3. Variáveis que condicionam decisões sobre uso da terra e dos recursos naturais..................202

7.3.1. Tempo de ocupação do lote - variáveis referentes a trabalho, terra e capital.....................206

7.3.2. Variáveis referentes ao ativo trabalho................................................................................217

7.3.2.1. Origem do chefe de família.............................................................................................217

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xvii

7.3.2.2. Escolaridade do chefe e da chefe de família....................................................................227

7.3.2.3. Índice de geração.............................................................................................................234

7.3.2.4. Índice de gênero...............................................................................................................243

7.3.3. Variáveis referentes ao ativo terra......................................................................................251

7.3.3.1. Tamanho do lote..............................................................................................................251

7.3.3.2. Titularidade do lote..........................................................................................................260

7.3.4. Variáveis referentes ao ativo capital................................................................................. ..268

7.3.4.1. Acesso ao crédito rural....................................................................................................268

7.3.4.2. Renda familiar anual................................................................................................ ........287

7.3.4.3. Acesso à energia elétrica e ao transporte para beneficiamento e escoamento da

produção.......................................................................................................................................305

7.3.5. Tipologias – aspectos gerais da transição produtiva...........................................................331

7.4. Teste de hipóteses gerais.......................................................................................................363

7.5. Riscos inerentes à transição produtiva...................................................................................364

CONCLUSÕES............................................................................................................................369

RECOMENDAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS...........................................................383

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xviii

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................389

ANEXO I......................................................................................................................................401

Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra

ANEXO II.....................................................................................................................................419

Diagnóstico da Unidade de Produção

ANEXO III...................................................................................................................................433

Plano de Utilização da Unidade de Produção

ANEXO IV..................................................................................................................... ..............447

Acordo Comunitário de Serviços Ambientais

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Participação da produção familiar rural no VBPA regional .....................................................................94

Tabela 02 – Vantagens de se intensificar o uso da terra (US$/hectare/ano) .................................................................94

Tabela 03 – Identificação dos Pólos Pioneiros e respectivas Entidades Executoras dos Pólos ..................................141

Tabela 04 – Características Institucionais das Entidades Executoras dos Pólos do Proambiente ..............................141

Tabela 05 – Relação da Institucionalidade Local com os Resultados do Proambiente ..............................................142

Tabela 06 – Variáveis independentes, categorias e ativos de produção......................................................................148

Tabela 07 – Coeficientes para cálculo do potencial de trabalho (Equivalente-Homem).............................................149

Tabela 08 – Coeficientes para cálculo da demanda de consumo (Equivalente-Homem)............................................149

Tabela 09 – Regressão múltipla – variáveis independentes significativas nas decisões sobre uso da terra e na renda

familiar anual (R$).......................................................................................................... .............................................317

Tabela 10 – Análise de correlação entre tempo de ocupação do lote e uso da terra....................................................318

Tabela 11 – Análise de correlação entre origem do chefe de família e uso da terra....................................................319

Tabela 12 – Análise de correlação entre escolaridade do chefe de família e uso da terra...........................................320

Tabela 13 – Análise de correlação entre escolaridade da chefe de família e uso da terra...........................................321

Tabela 14 – Análise de correlação entre índice de geração e uso da terra................................................................. ..322

Tabela 15 – Análise de correlação entre índice de gênero e uso da terra....................................................................323

Tabela 16 – Análise de correlação entre tamanho do lote e uso da terra................................................................... ..324

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xx

Tabela 17 – Análise de correlação entre titularidade do lote e uso da terra.............................................................. ..325

Tabela 18 – Análise de correlação entre acesso ao crédito rural e uso da terra...........................................................326

Tabela 19 – Análise de correlação entre renda familiar anual e uso da terra..............................................................327

Tabela 20 – Análise de correlação entre acesso ao transporte e uso da terra..............................................................329

Tabela 21 – Análise de correlação entre acesso à energia elétrica e uso da terra........................................................330

Tabela 22 – Análise de correlação entre variáveis independentes e tipos de uso da terra (% lotes)...........................355

Tabela 23 – Sistematização da análise de correlação entre variáveis independentes e tipos de uso da terra

(%lotes)........................................................................................................................................................................361

ANEXO I – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra............................................................400

Tabela 24 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % culturas anuais.............................403

Tabela 25 – 2ª regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % culturas anuais..........................404

Tabela 26 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência no uso da terra para % culturas

anuais...........................................................................................................................................................................405

Tabela 27 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência no uso da terra para %

culturas anuais..............................................................................................................................................................405

Tabela 28 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % culturas perenes...........................406

Tabela 29 – 2ª regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % culturas perenes........................407

Tabela 30 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência no uso da terra para % culturas

perenes.........................................................................................................................................................................408

Tabela 31 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência no uso da terra para %

culturas perenes............................................................................................................................................................408

Tabela 32 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % campos abertos............................409

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xxi

Tabela 33 – 2ª regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % campos abertos........................410

Tabela 34 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência no uso da terra para % campos

abertos................................................................................................................................................. .........................411

Tabela 35 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência no uso da terra para %

campos abertos.............................................................................................................................................................411

Tabela 36 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % reserva legal................................412

Tabela 37 – 2ª regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % reserva legal.............................413

Tabela 38 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência no uso da terra para % reserva

legal........................................................................................................................ ......................................................414

Tabela 39 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência no uso da terra para %

reserva legal.................................................................................................................................................................414

Tabela 40 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – renda familiar anual

(R$).............................................................................................................................................................................415

Tabela 41 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência na renda familiar anual

(R$)..............................................................................................................................................................................416

Tabela 42 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência na renda familiar anual

(R$)..............................................................................................................................................................................417

Tabela 43 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência na renda familiar anual

(R$)..............................................................................................................................................................................417

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xxiii

LISTA DE FIGURAS

CAPÍTULO I

FIGURA 1 – Combinações dos três regimes financeiros internacionais.......................................28

FIGURA 2 – Taxas de juros do sistema monetário internacional da globalização........................28

CAPÍTULO III

FIGURA 3 – Sistema econômico é central (sem abordagem ecológica).......................................57

FIGURA 4 – Sistema econômico é central (com abordagem ecológica).......................................57

FIGURA 5 – Sistema econômico não é central (com abordagem ecológica)................................57

CAPÍTULO V

FIGURA 6 – Evolução da receita da União e do Ministério do Meio

Ambiente..................................................................................................................... ..................110

FIGURA 7 – Evolução da reserva de contingência e serviços da dívida externa no orçamento do

Ministério do Meio Ambiente......................................................................................................112

FIGURA 8 – Evolução da reserva de contingência, da despesa autorizada e da despesa

empenhada pelo Ministério do Meio Ambiente...........................................................................112

FIGURA 9 – Localização dos Pólos Pioneiros do Proambiente na Amazônia Legal..................134

FIGURA 10 – Origem do chefe de família..................................................................................150

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xxiv

FIGURA 11 – Tempo de ocupação do lote..................................................................................151

FIGURA 12 – Escolaridade do chefe de família..........................................................................153

FIGURA 13 – Escolaridade da chefe de família..........................................................................153

FIGURA 14 – Índice de geração..................................................................................................155

FIGURA 15 – Índice de gênero....................................................................................................156

FIGURA 16 – Tamanho do lote...................................................................................................159

FIGURA 17 – Titularidade do lote...............................................................................................162

FIGURA 18 – Acesso ao crédito rural.........................................................................................163

FIGURA 19 – Renda familiar anual.............................................................................................165

FIGURA 20 – Acesso ao transporte para escoamento de produção.............................................168

FIGURA 21 – Acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção................................170

FIGURA 22 – Estrutura conceitual: estágios da demografia familiar e estratégias de uso da

terra...............................................................................................................................................209

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xxv

LISTA DE ABREVIATURAS

AC – Acordos Comunitários de Serviços Ambientais (Proambiente)

ACT – Anthropological Center For Training And Research On Global Environmental Change –

Indiana University (Centro de Antropologia para Formação e Pesquisa em Mudanças Ambientais

Globais - Universidade de Indiana)

AJOPAM – Associação Rural Juinense Organizada para Ajuda

AMM – Autoridade Monetária Mundial

ANA – Agência Nacional de Águas

APA – Associação de Produtores Alternativos

APATO – Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins

ASMUBIP – Associação de Mulheres do Bico do Papagaio

ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural

BASA – Banco da Amazônia S/A

BCS – Banco de Compensações Internacionais

BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial)

BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CEPLAC – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira

CNM – Confederação Nacional dos Municípios

CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros

COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento

CONGEN – Conselho Gestor Nacional (Proambiente)

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xxvi

CONGEP – Conselho Gestor dos Pólos (Proambiente)

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

DAP – Diagnóstico de Aptidão ao Pronaf

DFID – Department for Internacional Development (Departamento de Desenvolvimento

Internacional – agência de cooperação inglesa)

EEP – Entidade Executora do Pólo (Proambiente)

EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FANEP – Fundação Sócio-Ambiental do Nordeste Paraense

FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

FASE – Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional

FCO – Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste

FED – Federal Reserve (equivalente ao Banco Central estadunidense)

FETACRE – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre

FETAG-RR – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Roraima

FETAGRI-PA – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará

FETAGRO – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Rondônia

FMI – Fundo Monetário Internacional

FNMA – Fundo Nacional de Meio Ambiente

FNE – Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste

FNO – Fundo Constitucional de Financiamento do Norte

FVPP – Fundação Viver, Produzir e Preservar

GATT – General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio)

GESTAR – Gestão Ambiental Rural

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xxvii

GTA – Grupo de Trabalho Amazônico

G7 – termo para designar “grupo dos sete países mais industrializados do mundo”

HLT – Household Lifecycle Theory (Teoria do Ciclo de Vida Familiar)

IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICM – Instituto Chico Mendes

IDE – Investimento Direto Estrangeiro

IESA – Instituto de Estudos Socioambientais

IGP-DI – Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna

IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo

IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

IPEA – Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada

IPI – Imposto sobre Produto Industrializado

IR – Imposto de Renda

ISA – Instituto Socioambiental

IU – Indiana University (Universidade de Indiana)

JANDAÍRA – Instituto Jandaíra

JBRJ – Jardim Botânico do Rio de Janeiro

KFW – Kreditanstalt für Wiederaufbau (banco alemão de desenvolvimento)

LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias

LOA – Lei Orçamentária Anual

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xxviii

MAB – Movimentos dos Atingidos por Barragens

MF – Ministério da Fazenda

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MIN – Ministério da Integração Nacional

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MMNEPA – Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense

MONAPE – Movimento Nacional dos Pescadores

MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG)

NAEA-UFPA – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – Universidade Federal do Pará

OMC – Organização Mundial do Comércio

PAA – Programa de Aquisição de Alimentos

PCT – Probabilidade Caudal do Teste

PCT-BH – Projeto de Cooperação Técnica Brasil-Holanda

PD – Plano de Desenvolvimento Sustentável do Pólo (Proambiente)

PDA – Subprograma Projetos Demonstrativos (MMA)

PEC – Proposta de Emenda Constitucional

PESACRE – Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre

PIB – Produto Interno Bruto

PIC – Projeto Integrado de Colonização

PLANEJA – Assessoria, Consultoria e Capacitação em Desenvolvimento Sustentável

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNATER – Política Nacional de ATER (MDA)

POF – Pesquisa de Orçamentos Familiares

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xxix

PPA – Plano Plurianual

PPG7 – Programa de Proteção às Florestas Tropicais (financiado pelo G7)

PROAMBIENTE – Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural

(MMA)

PROATER – Programa Nacional de ATER (MDA)

PRODES – Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (INPE)

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (MDA)

PRONAT – Programa Nacional de Territórios Rurais (MDA)

PRONATER – Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (MDA)

PROVAP – Programa de Valorização da Pequena Produção Rural

PSA – Pagamento de Serviços Ambientais

PT – Partido dos Trabalhadores

PU – Plano de Utilização de Unidade de Produção (Proambiente)

SAF – Secretaria de Agricultura Familiar (MDA)

SINTRULAJA – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Laranjal do Jarí

SCA – Secretaria de Coordenação da Amazônia (MMA)

SDS – Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável (MMA)

SDT – Secretaria de Desenvolvimento Territorial (MDA)

SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural

SNPA – Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária

SPRN – Subprograma de Políticas de Recursos Naturais (MMA)

SPSS – Statistical Package for the Social Sciences (Programa Estatístico para as Ciências

Sociais)

SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

VBPA – Valor Bruto de Produção Agropecuária

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xxxi

RESUMO

Os processos históricos de ocupação das novas fronteiras agrícolas brasileiras tiveram como objetivos

econômicos a ampliação da margem extensiva do desenvolvimento rural, o atendimento aos mercados

externos e a absorção de excedentes populacionais gerados pelas crises dos plantations nas velhas

fronteiras agrícolas. A construção da Belém-Brasília nos anos 60 promove aceleração de fluxos

migratórios que penetram a Amazônia. A estratégia geopolítica dos governos militares na ocupação da

Amazônia deu-se baseada em grandes projetos agropecuários patronais, sem inclusão da agricultura

familiar. No entanto, a agricultura familiar demonstrou sua força produtiva ao registrar, em meados dos

anos 90, 58,3% do VBPA da região, com 37,5% da área e 38,6% dos financiamentos rurais. A agricultura

familiar também demonstrou ser sensível às condições do meio ambiente ao alocar seus recursos mais

escassos, trabalho e capital, para melhor aproveitar as condições ecológicas e estabelecer mudanças

gradativas de uso da terra, com destaque para a transição agroecológica. Nesse contexto, os movimentos

sociais rurais amazônicos apresentaram o Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção

Familiar Rural (Proambiente), que une controle social, desenvolvimento endógeno com enfoque

territorial, planejamento econômico e ecológico das unidades de produção e remuneração de serviços

ambientais. O presente estudo objetiva analisar o desempenho do Proambiente como política pública

federal no PPA 2004-2007 e determinar as variáveis mais relevantes nas decisões sobre uso econômico

(produção) e ecológico (conservação ambiental) da terra nas propriedades familiares rurais selecionadas

pelo Proambiente. O trabalho divide-se em sete capítulos: “macroeconomia e estratégias de

desenvolvimento” (capítulo I), “desenvolvimento e políticas públicas” (capítulo II), “desenvolvimento

econômico e meio ambiente” (capítulo III) e “capital social e controle social de políticas públicas”

(capítulo IV) como base para a “análise do Proambiente como política pública federal” (capítulo V). Os

dois últimos capítulos trazem a “metodologia de estudo e caracterização das propriedades amazônicas

selecionadas pelo Proambiente” (capítulo VI) e “a “comparação entre variáveis que condicionam decisões

sobre uso da terra nas propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente” (capítulo VII). Um estudo

exploratório foi realizado mediante análise de freqüência e análise de correlação por meio de regressão

múltipla. Os resultados confirmam as hipóteses ao demonstrar que as variáveis mais relevantes nos modos

de uso econômico (decisões de produção) da terra são acesso ao crédito rural, transporte e energia elétrica,

por sua vez, as variáveis mais relevantes nos modos de uso ecológico (decisões de conservação ambiental)

da terra são origem da família, tempo de ocupação do lote e tamanho do lote.

Palavras-chaves: Proambiente, Amazônia, agricultura familiar, transição produtiva, serviços

ambientais, economia agrícola, economia ecológica.

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xxxiii

ABSTRACT

The historic processes of human occupation in the new Brazilian agricultural frontiers had three

economic objectives: to expand the extensive standard of rural development, to access the

exogenous markets, and to absorb the excessive population from the old agricultural frontiers.

The pavement of Belém-Brasília Road in the 60´ promotes acceleration of migratory fluxes to the

Amazon Basin. The geo-political strategy of military dictatorship to occupy the Amazon Basin

was centralized in big projects without inclusion of the family agriculture. However, family

agriculture demonstrated their productive relevance in the 90´ when reaches 58,3% of the Gross

Regional Agricultural Product, with 37,5% of land and 38,6% of rural loans. Family agriculture

demonstrates to be sensible to the environmental conditions when uses their little resources of

labor and capital to take the best advantages of the ecological conditions and to establish

innovative processes of agroecological transition. Based in own demands, social movements

proposed the federal policy Socio-Environmental Development of Family Agriculture Plan

(Proambiente). It units social control, endogenous development with territorial approach,

economic and ecological planning of rural family properties, and payment of environmental

services. This study objectives to analyze the performance of Proambiente as a federal policy

(2004-2007), and to determine the most relevant variables on economic decisions (production)

and ecological decisions (environmental conservation) on land use in the lots selected by

Proambiente. The chapters “macroeconomics and strategies of development” (chapter I),

“development and public policies” (chapter II), “economic development and environment”

(chapter III), and “social capital and social control of public policies” (chapter IV) work as a

based to the “analysis of Proambiente as public policy” (chapter V). The last two chapters present

the “methodology of study and the characteristics of the properties selected by Proambiente”

(chapter VI), and the “comparison among variables those drive decisions on land use” (chapter

VII). An exploratory study was done using frequency and correlation analysis based in multiple

regression. Results confirmed the hypothesis: the most relevant variables of economic decisions

(production) are access to rural loans, transportation and electricity, and of ecological decisions

(environmental conservation) are origin of the family, time of lots occupation and size of lots.

Key-words: Proambiente, Amazonia, family agriculture, productive transition, environmental

services, agricultural economics, ecological economics.

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1

INTRODUÇÃO

No século 20, os objetivos econômicos dos processos de ocupação das novas

fronteiras agrícolas brasileiras foram simplesmente garantir a ampliação da margem extensiva de

um modelo de desenvolvimento rural que priorizou grandes projetos e o atendimento ao mercado

externo, além de constituir absorvedouros de excedentes populacionais gerados pelas sucessivas

crises dos plantations nas velhas fronteiras.

Como o envelhecimento da fronteira agrícola não garante a permanência das novas

gerações, os destinos inevitáveis, em distintos momentos da história, foi a migração rural para

centros urbanos ou a ocupação de novas fronteiras agrícolas.

Quanto ao primeiro destino da migração rural, no caso brasileiro, o fenômeno se deu

mais pela falta de oportunidade de trabalho no meio rural que por oportunidades oferecidas no

meio urbano, contexto que difere dos países desenvolvidos, onde a urbanização se deu justamente

pela expansão da demanda de trabalho resultante do processo de industrialização das nações. O

segundo destino da migração rural foi a ocupação de novas fronteiras agrícolas, repetindo-se em

várias regiões os mesmos padrões sucessórios de uso da terra com conseqüências similares, como

concentração fundiária, conflitos sociais e degradação dos recursos naturais. Assim se

desenvolvera a fronteira agrícola do Rio Grande do Sul nos anos 20-30, Paraná nos anos 40-60, e

Cerrados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso nos anos 60-80. Na Amazônia, última

grande reserva de floresta tropical do planeta, desde os anos 70, os processos de ocupação da

fronteira agrícola não vem sendo muito diferentes. Guardadas suas particularidades, como a

chegada concomitante de agricultores patronais e familiares (exceto Rondônia, onde a agricultura

familiar chegou anteriormente), a expansão da fronteira amazônica fez parte da estratégia

geopolítica dos governos militares e subseqüentes de ocupação do bioma (Mattos, 2004).

A priorização da pecuária extensiva ilustra que a heterogeneidade do ecossistema

amazônico foi subordinada à meta política de resultados homogeneizadores característicos da

produção patronal, negando a tradição de polivalência e intensificação de uso da terra da

produção familiar rural e dos povos da floresta (Diegues, 1999).

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2

Dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2000) ilustram que os

estabelecimentos familiares rurais brasileiros, mesmo sem terem sido priorizados nos processos

de desenvolvimento local, são responsáveis por 37,90% do Valor Bruto de Produção

Agropecuário (VBPA) do país, com apenas 30,50% da área de cultivo e 25,30% dos

financiamentos disponibilizados. Considerando que o VBPA representa em torno de 9% do

Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB) (enquanto estima-se que a cadeia do agronegócio abrange

por volta de 30% do PIB), a agricultura familiar brasileira atinge, aproximadamente, a

significativa marca de 3,4% da produção nacional, com foco no mercado interno. No contexto

amazônico, os dados são mais contundentes, com participação da agricultura familiar e

agroextrativismo em 58,30% do VBPA da região (a maior participação familiar regional do

Brasil), mesmo detendo somente 37,50% da área de cultivo e 38,60% do crédito disponibilizado.

Nesse contexto, um fato de grande repercussão econômica e política na Amazônia foi

o acesso dos produtores familiares ao crédito rural, através do Fundo Constitucional de

Financiamento do Norte (FNO)1, promovendo uma democratização nas ações públicas

convencionais. Pode-se afirmar que esse fato constituiu-se num dos principais elementos

propulsores de mudanças no cenário rural e de pressão para alterações no modelo de

desenvolvimento regional, tendo a frente os movimentos sociais rurais amazônicos. Contudo, a

instituição do FNO não se traduziu numa proposta de revisão estrutural do modelo de

desenvolvimento, configurando-se somente como um exemplo paradigmático dos limites da

concepção modernizadora para a promoção do desenvolvimento rural sustentável da Amazônia

(Tura & Mattos, 2002).

Os projetos financiados pelo FNO foram elaborados, na sua maioria, sem a

participação das famílias rurais e de forma padronizada, conseqüentemente, não condisseram com

a experiência dessas famílias, disponibilidade de mão-de-obra, características dos recursos

naturais existentes, canais de comercialização, infra-estrutura disponível e calendário agrícola

regional, o que causou distorções técnicas e econômicas. Se por um lado ocorreram

1 Os Fundos Constitucionais foram criados pela Constituição de 1988, que estabeleceu a obrigação da União destinar 3% da

arrecadação do IR (Imposto de Renda) e IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) para serem aplicados em programas de financiamento aos setores produtivos das Regiões Norte (0,6%), Centro-Oeste (0,6%) e Nordeste (1,8%). Para a Região Norte, regulamentado pela Lei n0 7.827/89 e Lei Complementar n0 9.126/95, foi criado o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), com programas de financiamento de setores produtivos privados rurais e industriais. Os recursos do FNO são administrados pelo Banco da Amazônia (BASA), instituição financeira pública vinculada ao Ministério da Fazenda (BASA, 2000).

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3

transformações no público alvo do FNO, por outro, verificou-se a continuidade de uma política

institucional de desenvolvimento regional herdada dos governos militares.

Os sistemas agroecológicos ou de uso múltiplo da floresta enfrentaram profundas

dificuldades de acesso ao crédito rural, conseqüentemente, a falta de estímulo financeiro

compromete suas escalas de produção e suas competitividades no mercado consumidor. A

transição agroecológica do uso da terra também exige maiores custos iniciais e prazos mais

largos para retorno econômico quando comparados aos sistemas de corte e queima, ao revés,

geram benefícios para a sociedade na forma de serviços ambientais, como manutenção das

características ecossistêmicas e climáticas, qualidade do ar, conservação dos solos e da água,

preservação da biodiversidade e redução da inflamabilidade da paisagem rural. Logo, os

instrumentos econômicos de financiamento rural necessitam se adaptar ao contexto amazônico

(como carências e prazos de amortização mais largos), de modo a tornar mais atrativos, nos

estabelecimentos familiares rurais, os investimentos em sistemas agroecológicos, assim como

estimular estratégias de desenvolvimento endógeno.

Uma estratégia de estímulo à produção familiar rural agroecológica integrada à

prestação de serviços ambientais também não deve se limitar somente à disponibilidade de

instrumentos econômicos de financiamento rural, sendo necessária, em cada região, a correta

leitura (a) das particularidades territoriais (quesito imprescindível para prestação de serviços

ambientais em escala de paisagem rural), (b) das características individuais de cada propriedade

(como capacidade de mão-de-obra, demanda de consumo e viabilidade econômica dos

investimentos) e (c) dos aspectos sócio-políticos (sobretudo o poder das organizações sociais nos

processos políticos de tomadas de decisão).

Portanto, o cenário de desenvolvimento rural da Amazônia expõe para a necessidade

de mudanças qualitativas nas políticas públicas federais, de modo a articular (1) controle social

(com processos decisórios paritários entre governo federal e sociedade civil organizada), (2)

desenvolvimento endógeno e planejamento territorial (atrelado a um projeto-país), (3)

planejamento econômico e ecológico de unidades de produção familiar (harmonização entre

políticas de financiamento rural e licenciamento ambiental), (4) estratégias de prestação de

serviços ambientais em escala de paisagem rural (de modo a respeitar os laços formais e

informais de confiança no manejo de bens comuns estabelecidos nos meios rurais) e (5) política

de certificação e remuneração de serviços ambientais (a partir de uma certificação púbica de

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processos e fonte federal orçamentária permanente). Originado dessa demanda, os principais

movimentos sociais rurais da Amazônia Legal elaboraram, entre os anos 2000-2002, uma ampla

proposta de política pública denominada de Programa de Desenvolvimento Socioambiental da

Produção Familiar Rural (Proambiente).

Incluído como programa governamental piloto no Plano Plurianual 2004-2007 (sob

gestão da Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável – SDS – do Ministério do

Meio Ambiente – MMA), o Proambiente selecionou, aproximadamente, 5.000 famílias de onze

regiões amazônicas, sendo que 2.555 delas, de sete regiões com capital social mais consolidado

(isto é, com experiência na execução de projetos governamentais e não-governamentais),

conseguiram atingir o estágio final de elaboração de (a) Planos de Utilização das Unidades de

Produção (PUs), principal instrumento do programa para o planejamento econômico e ecológico

integrado de propriedades rurais familiares (e que também cumprem importante função de

embasamento no desenho de projetos técnicos de crédito aplicados às propriedades rurais – ex: na

sua planilha de custos de conversão qualitativa de uso da terra, determinam-se custos de cada

etapa dessa conversão e fontes orçamentárias, sendo que as últimas se dividem entre recursos

próprios dos produtores, fontes de crédito rural e fontes não-reembolsáveis) e de (b) Acordos

Comunitários de Serviços Ambientais (AC), que formalizam laços comunitários de confiança,

estabelecem metodologias de verificação participativa de serviços ambientais e meios coletivos

de resolução de conflitos no uso de recursos naturais e bens comuns.

Os PUs são reconhecidos pelas famílias selecionadas pelo Proambiente como o

principal resultado do programa, de modo a direcionar o planejamento econômico ecológico dos

lotes rurais num espectro temporal de quinze anos (2005-2020), mas paradoxalmente não são

reconhecidos pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) como resultado de

gestão. A justificativa oficial do MPOG é de que “planos elaborados” não podem ser

considerados indicadores de resultados, mas apenas “planos implementados”, ainda que os

mesmos encontrem-se em fase de implementação pelas famílias rurais (até 2020), e também

sejam plenamente reconhecidos pelas últimas como principal instrumento reorganizador da vida

rural.

Logo, constitui-se um problema de pesquisa as intervenções de políticas públicas de

produção familiar rural e de meio ambiente da Amazônia Legal não serem integralmente

desenhadas a partir da análise de variáveis econômicas e de obrigações ambientais legais que

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5

giram em torno dos lotes familiares rurais. Os projetos técnicos de crédito rural são reconhecidos

oficialmente como os únicos instrumentos de planejamento econômico das propriedades rurais

familiares, enquanto os Termos de Ajuste de Conduta são oficialmente reconhecidos como os

únicos instrumentos de planejamento ambiental, havendo um vazio oficial no planejamento

econômico ecológico de uso da terra e dos recursos naturais e de estratégias de desenvolvimento

econômico endógeno e sustentável.

Ao assumir o problema, a presente tese de doutoramento lança a seguinte pergunta:

quais as variáveis mais relevantes na determinação dos modos de uso econômico (decisões de

produção) e ecológico (decisões de conservação ambiental) da terra das propriedades amazônicas

selecionadas pelo Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural

(Proambiente)?

Nesse sentido, justifica-se estudar o “ponto de partida” do Proambiente, isto é, os

2.555 PUs elaborados na safra agrícola 2004/2005, no intuito de verificar as variáveis que mais

influenciam o uso econômico e ecológico da terra nas propriedades familiares rurais, de modo a

gerar informações capazes de qualificar, futuramente, a aplicação de políticas integradas de

financiamento rural e remuneração de serviços ambientais na Amazônia. Com as informações

sobre os fatores mais determinantes (variáveis independentes) nas decisões do produtor familiar

rural sobre o uso econômico e ecológico da terra (variáveis dependentes), melhores condições são

criadas para auxiliar a implementação mais efetiva dos PUs (ou instrumentos similares de

planejamento econômico ecológico) propostos pelo Proambiente, para subsidiar a transição

agroecológica e para consolidar estratégias de desenvolvimento endógeno.

Nessa perspectiva, a interpretação das variáveis que mais influenciam o uso

econômico e ecológico da terra das famílias selecionadas pelo Proambiente torna-se relevante

para diagnosticar as potencialidades de capitalização, sob baixa geração de passivos ambientais,

de produtores familiares rurais com boa organização social. É errônea a presunção de que o

agricultor familiar amazônico que usa os conhecimentos tradicionais representa uma população

estagnada e sem perspectiva de melhoria de sua condição de bem-estar e crescimento econômico,

pois são dinâmicos e abertos às inovações tecnológicas quando têm oportunidades. Nesse sentido,

são de grande relevância as políticas de financiamento rural de custeio e investimento do

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Fundo

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Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) como oportunidades de viabilização econômica

gradativa dos lotes rurais, e também do Proambiente, como base para qualificação da transição

produtiva, a partir do planejamento econômico e ecológico integrado da produção rural.

Torna-se essencial, para a inclusão em condições competitivas dos povos amazônicos

no processo de expansão da fronteira agrícola da região, o diagnóstico das variáveis que

colaboram para a superação do baixo rendimento marginal do trabalho, pois estratégias de

agregação de valor, na maioria das vezes, esbarram nesse problema. A decisão do não

investimento pela agricultura familiar amazônica, que pode parecer erroneamente com

ociosidade, significa uma correta leitura dos próprios comunitários acerca de sua baixa

produtividade do trabalho e de sua pequena taxa de retorno. Portanto, somente as diferenças

culturais não são suficientes para explicar determinado comportamento do trabalho, porque as

variáveis econômicas complementam as razões sobre os modos de uso da terra e dos recursos

naturais. Seria um erro afirmar que a agricultura amazônica é resistente às inovações, e sim que

as últimas, muitas vezes, tem uma incompatibilidade tecnológica em relação à demanda gradativa

de mudanças qualitativas de uso da terra e dos recursos naturais nos lotes familiares rurais

amazônicos.

A literatura internacional sobre as variáveis que mais determinam os modos de uso da

terra e dos recursos naturais apresenta alguns resultados, porém, há registros escassos dessas

relações dentro de um mesmo contexto espacial e temporal. Logo, o presente estudo traz um

pioneirismo em pesquisa ao examinar, simultaneamente, diversas variáveis que influenciam o uso

da terra e dos recursos naturais em lotes familiares rurais selecionados por um programa

governamental piloto em planejamento econômico e ecológico integrado. O projeto analisa o

“ponto de partida” do Proambiente (ou o “tempo zero”) do planejamento de quinze anos (2005-

2020) de transição qualitativa de uso da terra e dos recursos naturais (registrados em 2.555 PUs),

dentro de um espaço definido, isto é, sete regiões pioneiras em organização social rural no

ecossistema amazônico.

O Proambiente tem como princípios gerais o planejamento da transição agroecológica

de sistemas de produção (ex: sistemas perenes agroflorestais ou de uso múltiplo da floresta) e a

conservação do meio ambiente (ex: retenção ou recuperação de reserva legal e área de

preservação permanente), elementos fundamentais não só para conferir maior viabilidade

econômica aos lotes familiares (renda direta), como também para habilitá-los à remuneração de

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serviços ambientais (renda indireta pelo não acúmulo de passivos ambientais ou renda direta

futura pela prestação de serviços ambientais).

As variáveis independentes consideradas no presente estudo são aquelas que constam

nos PUs de cada lote, assim como entre outras presentes nos projetos técnicos de crédito rural do

Pronaf: (1) origem do chefe de família, (2) tempo de ocupação do lote, (3) escolaridade do chefe

e da chefe de família, (4) índice de geração (relação entre a somatória da quantidade de trabalho e

a somatória da demanda de consumo), (5) índice de gênero (relação entre a somatória da

quantidade de trabalho masculino e a somatória da quantidade de trabalho total), (6) tamanho do

lote, (7) titularidade do lote, (8) renda familiar anual (para a presente variável independente, há a

questão de casualidade inversa, a ser discutida na metodologia – capítulo VI), (9) acesso ao

crédito rural, (10) acesso ao transporte para escoar a produção e (11) acesso à energia elétrica

para beneficiar a produção. As variáveis dependentes de uso econômico da terra são (1) culturas

anuais, (2) culturas perenes, (3) campos abertos (ou pecuária de grande porte) e (4) renda familiar

anual, e as de uso ecológico da terra são (1) reserva legal e (2) área de preservação permanente

(topos e encostas de morros e margens de rios).

Baseado em conhecimento empírico do autor, que irá dialogar com a base teórica

sobre o tema de estudo, assume-se como hipóteses gerais que as variáveis independentes mais

relevantes nos modos de uso econômico da terra (decisões de produção) das propriedades

amazônicas selecionadas pelo Proambiente são (9) crédito rural, (10) transporte e (11) energia

elétrica. Por sua vez, as variáveis independentes mais relevantes nos modos de uso ecológico da

terra (decisões de conservação ambiental) das mesmas propriedades são (6) tamanho do lote, (1)

origem do chefe de família e (2) tempo de ocupação do lote.

Há também hipóteses específicas, variável por variável independente, sendo que suas

confirmações serão analisadas nas tabelas de análises de correlações com mais ênfase quando a

regressão múltipla dos dados acusar baixa Probabilidade Caudal de Teste (PCT) (esses passos

serão detalhados na metodologia – capítulo VI). Sendo assim, têm-se como hipóteses para as

variáveis independentes que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra

do Proambiente vem de famílias com (1) origem na Amazônia Legal (devido ao seu

conhecimento ecológico empírico do bioma), mais (2) tempo de ocupação do lote (condição

necessária para proporcionar viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental), (3)

escolaridade mais elevada (que traz maior sentido de planejamento econômico ecológico), (4)

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índice de geração maior (pois famílias com menor relação entre adultos e crianças têm menor

capacidade de trabalho entre gerações, logo, tendem a priorizar sistemas anuais de produção –

arroz, feijão, mandioca e milho –, sob prática de corte e queima, a fim de garantir a segurança

alimentar dos mais jovens), (5) índice de gênero intermediário (pois famílias com capacidade

familiar de trabalho entre gêneros mais equilibrada estabelecem melhor divisão social do trabalho

no lote; os homens centram seu trabalho fisiológico nos cultivos anuais e pecuária de grande

porte, enquanto as mulheres voltam-se aos sistemas perenes e pequenas criações), (6) tamanho de

lote maior (maior capacidade de obter renda, reter ou recuperar reserva legal e área de

preservação permanente), (7) titularidade do lote registrada em instituição fundiária oficial (que

garante segurança ao investimento), (8) renda familiar anual superior (maior capacidade de

investimento em sistemas sustentáveis; para o presente item, há a questão de casualidade inversa,

a ser discutida na metodologia – capítulo VI) e acesso ao (9) crédito rural, (10) transporte e (11)

energia elétrica (os três últimos quesitos possibilitam maior viabilidade econômica aos

investimentos sustentáveis).

Por fim, baseado em estudo de Romeiro (1998a) sobre aplicação do FNO, foram

traçadas cinco tipologias de uso econômico da terra [tipo 1: roça pura (culturas anuais); tipo 2:

roça + gado (culturas anuais + campos abertos); tipo 3: roça + perenes (culturas anuais + culturas

perenes); tipo 4: roça + gado + perenes (culturas anuais + campos abertos + culturas perenes);

tipo 5: pecuária extensiva (campos abertos sem manejo de pastagens e sujeitos a processos de

abandono)] e analisadas, por meio de análise de correlação, as variáveis independentes mais

relevantes na determinação dessas tipologias. Como o estudo de Romeiro (1998a) também

relaciona capacidade de capitalização às tipologias de uso econômico da terra, indiretamente, o

presente estudo determina as variáveis mais relevantes na capitalização das propriedades

amazônicas selecionadas pelo Proambiente, visando complementar os resultados obtidos quando

a renda familiar anual foi assumida como variável dependente. Para essa última análise assumem-

se as mesmas hipóteses gerais acima apresentadas para uso econômico da terra, isto é, em ordem

decrescente, os acessos ao (9) crédito rural, (10) transporte e (11) energia elétrica são mais

relevantes na determinação de tipologias que geram maior capacidade de capitalização dos lotes.

Porém, para que as respostas às perguntas acima cumpram um papel mais efetivo na

orientação de políticas públicas, é necessário entender, primeiramente, e de forma mais ampla, os

motivos macroeconômicos para o vazio de estratégias de desenvolvimento endógeno e de

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políticas públicas federais que auxiliam o planejamento do uso econômico ecológico da terra,

assim como os motivos para a negativa da participação paritária entre governo federal e

sociedade civil organizada nesses processos decisórios. Revisões bibliográficas nas áreas de

conhecimento de macroeconomia (capítulo I), de análise de políticas públicas (capítulo II), de

economia do meio ambiente (capítulo III) e de capital social e controle social de políticas

públicas (capítulo IV) são fundamentais, portanto, para a compreensão dos motivos da não

priorização do Proambiente como estratégia de desenvolvimento endógeno da produção familiar

da Amazônia Legal e a conseqüente não consideração dos relevantes PUs como ferramentas

oficialmente reconhecidas de gestão comunitária do uso econômico e ecológico da terra e dos

recursos naturais (capítulo V). A partir dessa leitura, as variáveis independentes mais relevantes

no uso econômico ecológico da terra serão determinadas com o intuito de balizar a formulação de

futuras políticas públicas de desenvolvimento endógeno voltadas à associação entre produção

familiar rural e prestação e remuneração de serviços ambientais (capítulos VI e VII).

Apresentação dos capítulos introdutórios (I, II, III e IV)

O capítulo I “Macroeconomia e Estratégias de Desenvolvimento” traz um resgate

histórico-econômico dos três regimes financeiros mundiais já vigentes (o último em vigência),

isto é, o “Padrão-Ouro” (economia do laissez faire), “Bretton Woods” (padrão ouro-dólar) e

“Novo Consenso Macroeconômico” (dólar financeiro), de modo a associar cada regime ao

processo de desenvolvimento econômico mundial. Em seguida, resgata o processo de

desenvolvimento econômico do Brasil nos três regimes financeiros, sobretudo, as conseqüências

da recente adesão ao “Novo Consenso Macroeconômico”, como ênfase à política monetária em

detrimento da política fiscal, com fortes restrições aos gastos de governo e prioridade ao

cumprimento de superávit primário. Na prática, a política econômica passa a se restringir

somente às taxas de juros orientadas pelas metas de inflação, sem um foco estratégico de

desenvolvimento endógeno. Os novos fundamentos macroeconômicos refutam o planejamento do

desenvolvimento pelos Estados nacionais, pois consideram que o livre mercado é suficiente para

a promoção do crescimento, o que reduz as possibilidades das nações estabelecerem um projeto-

país dinâmico de longo prazo por meio de políticas públicas estratégicas, sobretudo, no caso dos

países em desenvolvimento. Essas condicionantes se chocam fortemente com as propostas do

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Proambiente de desenvolvimento endógeno, planejamento dos territórios e das unidades de

produção por meio de políticas públicas, assim como a criação de condições mais efetivas de

desenvolvimento endógeno a partir da renda gerada pela transição agroecológica e pela

remuneração de serviços ambientais orientada pelo orçamento público federal (a partir de taxação

de atividades privadas poluentes), questões do capítulo I a serem consideradas na análise de

desempenho do Proambiente no capítulo V.

O capítulo II “Desenvolvimento e Políticas Públicas” traz uma abordagem teórica

sobre políticas públicas, além de apresentar as diferenças metodológicas entre as linhas de

pesquisa existentes na análise de políticas públicas e suas tipologias convencionais e ambientais

existentes. O capítulo também traz críticas à concepção de políticas públicas estabelecida pelo

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que por meio do Plano Plurianual

(PPA), conquanto compreenda uma parte indispensável de planejamento, traz um arranjo

programático-operacional incapaz de ocupar o vazio de reflexões sobre os rumos do

desenvolvimento nacional, como se apenas os meios devessem condicionar inexoravelmente os

fins almejados. A conseqüência mais grave na nova forma constitucional de se conceber políticas

públicas e programas governamentais dissociadas de um plano nacional de desenvolvimento é

que o exercício de elaboração do PPA vira um campo de disputa política pontual, com cada

gestor público defendendo causas setoriais, regionais ou (até comumente) pessoais, fato que

reduz não só a efetividade dos resultados futuros, mas que fecha os espaços para um debate

nacional de desenvolvimento endógeno e projeto-país. Apesar da ampliação dos espaços de

participação da sociedade civil em conselhos federais, as perspectivas de efetividade de suas

propostas de políticas públicas tornam-se limitadas com o advento do PPA. Assim, o

Proambiente, mais que uma proposta de produção agrícola associada à prestação de serviços

ambientais, é uma tentativa de qualificação de políticas setoriais e de processos de

desenvolvimento endógeno, que não obteve o êxito esperado por exigir uma grande articulação

entre ministérios, ação que pressupõe uma forte coordenação política, algo ausente na nova lógica

macroeconômica do Estado brasileiro, questões do capítulo II a serem consideradas na análise de

desempenho do Proambiente no capítulo V.

O capítulo III “Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente” confronta as visões

da “Economia Ambiental” e “Economia Ecológica” sobre desenvolvimento econômico e meio

ambiente, papel do Estado e valoração de serviços ambientais. O capítulo busca demonstrar que o

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meio ambiente não pode se limitar a uma estratégia de “econegócio”, mas servir de base de

conhecimento para a sustentabilidade e de variável para o desenvolvimento econômico. As

diferentes abordagens na valoração de serviços ambientais representam as formas práticas de se

diferenciar as linhas de pensamento da economia do meio ambiente. A maior diferença, portanto,

está na forma proposta de valoração indireta de serviços ambientais baseada nos conceitos da

Economia Ecológica, em busca da superação entre a dicotomia entre economia e meio ambiente a

partir de metas de conversão sustentável, podendo-se exercer a remuneração de serviços

ambientais de forma gradual, a partir do alcance de cada meta. Isso não só assegura a

continuidade dos empreendimentos produtivos privados e respectivos empregos gerados, como

viabiliza paulatinamente a consolidação de um fundo público de serviços ambientais. Dentro dos

conceitos da Economia Ecológica, o capítulo ainda detalha a relação entre política e meio

ambiente, ciência & tecnologia e papel do Estado na planificação do desenvolvimento

sustentável, sendo finalizado com a relevância da participação de todas as partes interessadas da

sociedade civil organizada nos processos decisórios referentes à questão ambiental. Baseada nos

princípios econômicos ecológicos, portanto, é que foi pautada a proposta do Proambiente, com

metas gradativas de transição agroecológica estabelecidas nos Planos de Utilização de Unidades

de Produção (PUs) e valoração indireta de serviços ambientais sempre associadas à produção

econômica, questões do capítulo III a serem consideradas na análise de desempenho do

Proambiente no capítulo V.

O capítulo IV “Capital Social e Controle Social de Políticas Públicas” demonstra a

importância do capital social nos processos de desenvolvimento, mas critica a noção de que o

capital social por si só pode balizá-los ao enfatizar as relações diferentes de poder político na

sociedade. O capítulo também mostra a importância do controle social na co-gestão e do capital

social na co-execução de políticas públicas, assim como valoriza a formalização de laços

comunitários informais de confiança no uso de bens comuns, salientando que esses itens são

pontos fundamentais no desenho de políticas públicas de desenvolvimento rural sustentável (no

Proambiente, por exemplo, os laços comunitários informais de confiança são formalizados pelos

Acordos Comunitários de Serviços Ambientais – ACs). O capítulo é finalizado relembrando que

o maior desafio na construção de ambientes decisórios coletivos (ou formas de controle social

que fortalecem e são fortalecidos pelo capital social) não está na capacidade de reunir um grupo

composto por representantes dos poderes públicos, de lideranças sindicais e representantes da

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esfera produtiva, e sim na capacidade de representar uma mudança real no ambiente institucional.

Como os processos de renovação institucional da sociedade, em certas circunstâncias, são mais

rápidos que do Estado, o controle social de políticas públicas também pode colaborar na

renovação do último e consolidar a democracia brasileira, questões do capítulo IV a serem

consideradas na análise de desempenho do Proambiente no capítulo V.

Apresentação dos capítulos analíticos (V, VI, VII)

O capítulo V “Análise do Proambiente como Política Pública Federal” traz uma

retrospectiva sobre o processo de expansão da fronteira agrícola brasileira que historicamente

garantiu a ampliação da margem extensiva de grandes projetos e o atendimento aos mercados

externos, além de constituir absorvedouros de excedentes populacionais gerados pelas sucessivas

crises dos plantations, não atribuindo à agricultura familiar e aos povos nativos nenhum papel

estratégico. Em seguida, o capítulo apresenta as particularidades e similaridades da expansão da

fronteira amazônica em relação às fronteiras agrícolas brasileiras, e enfatiza a força produtiva do

setor de produção familiar, que mesmo ausente dos projetos de desenvolvimento, notabilizaram-

se pela alta participação no Valor Bruto de Produção Agropecuário (VBPA) e no atendimento ao

mercado interno. Nessa perspectiva, os bons e maus resultados da institucionalização dos Fundos

Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO) são analisados, seguido das condições que

fizeram os principais movimentos sociais rurais da Amazônia propor o programa governamental

Proambiente. Por fim, é trazida uma análise de desempenho do Proambiente tanto no lado do

governo federal quanto na co-gestão e co-execução por organizações de base da agricultura

familiar e organizações não governamentais amazônicas. O mau desempenho governamental na

execução do Proambiente é explicado a partir da base teórica apresentada nos capítulos I

(macroeconomia e estratégias de desenvolvimento), II (desenvolvimento e políticas públicas) e

III (desenvolvimento econômico e meio ambiente), assim como os resultados obtidos (ou não

obtidos, caso a caso) das organizações parceiras da sociedade civil são balizados pelo capítulo IV

(capital social e controle social de políticas públicas). Ao se considerar que os PUs são

fortemente reconhecidos pelas famílias selecionadas pelo Proambiente como instrumento de

gestão, ao mesmo tempo que sua importância é ignorada pelo Estado brasileiro, surge o problema

de pesquisa, a pergunta e as hipóteses.

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O capítulo VI “Metodologia de Estudo e Caracterização das Propriedades Amazônicas

Selecionadas pelo Proambiente” resgata (6.1) a pergunta e as hipóteses do presente estudo,

apresenta a (6.2) metodologia de pesquisa e (6.3) caracteriza as unidades de produção cadastradas

no programa governamental em análise a partir das variáveis independentes presentes nos PUs.

O capítulo VII “Comparação entre Variáveis que Condicionam Decisões sobre Uso da

Terra e dos Recursos Naturais em Propriedades Amazônicas Selecionadas pelo Proambiente”,

primeiramente, traz os itens (7.1) da economia agrícola à economia ecológica – análise de

decisões econômicas e ecológicas de uso da terra e dos recursos naturais em macro e micro

escalas, e (7.2) diferenciação entre agricultura tradicional e agricultura familiar, para em seguida,

de forma geral, discutir as (7.3) variáveis que condicionam decisões sobre o uso da terra e dos

recursos naturais. Este terceiro sub-item é dividido em (7.3.1) tempo de ocupação do lote (que

simultaneamente abrange características de trabalho, terra e capital), (7.3.2) variáveis referentes

ao ativo trabalho (origem do chefe de família, escolaridade do chefe a da chefe de família, índice

de geração [relação entre potencial de trabalho e demanda de consumo no lote] e índice de gênero

[relação entre potencial de trabalho masculino e potencial de trabalho total no lote]), (7.3.3)

variáveis referentes ao ativo terra (tamanho e titularidade do lote), (7.3.4) variáveis referentes ao

ativo capital (renda familiar anual, acesso ao crédito rural, acesso ao transporte para escoamento

de produção e acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção) e (7.3.5) tipologias –

aspectos gerais da transição produtiva. O capítulo é encerrado com a (7.4) análise de hipóteses

gerais e (7.5) riscos inerentes à transição produtiva. O capítulo VII foi redigido baseado na

revisão de literatura realizada durante o Doutorado Sanduíche no Anthropological Center for

Training and Research on Global Environmental Change (ACT) - Indiana University

(Bloomington, Indiana, Estados Unidos da América), sob co-orientação do Prof. Eduardo

Brondízio, sendo que traz não somente uma identificação das principais variáveis que

condicionam as decisões sobre uso da terra e dos recursos naturais (culturas anuais, culturas

perenes, campos abertos, reserva legal) e a geração de renda familiar anual, mas também,

baseado em estudos de meu orientador, Prof. Ademar Romeiro, diagnostica quais são variáveis

mais relevantes na formação das tipologias de uso da terra (tipo 1 = roça pura; tipo 2 = roça +

gado; tipo 3 = roça + culturas perenes; tipo 4 = roça + gado + culturas perenes; tipo 5 = pecuária

extensiva) e como essas propiciam maior capacidade de capitalização aos lotes rurais.

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A interpretação das relações entre (a) as onze variáveis independentes de trabalho,

terra e capital e (b) os tipos de uso da terra e dos recursos naturais nas propriedades amazônicas

selecionadas pelo Proambiente são complementadas pelas (i) tabelas de regressão múltipla das

variáveis independentes significativas nas decisões sobre uso da terra e na renda familiar anual

(Tabela 9 e ANEXO I), (ii) tabelas de análises de correlações de cada variável independente em

relação aos usos da terra (Tabelas 10 a 21) e (iii) tabelas de análises de correlações entre variáveis

e tipos de uso da terra (Tabelas 22 e 23). Ademais, o ANEXO II traz ainda exemplos de

Diagnósticos da Unidade de Produção, o ANEXO III de Planos de Utilização da Unidade de

Produção (fonte de dados das variáveis independentes e dependentes; fonte de dados de entradas

da modelagem) e o ANEXO IV de Acordos Comunitários de Serviços Ambientais.

Por fim, as “Conclusões” apresentam os resultados gerais obtidos e as sugestões

orientadoras para operacionalização de políticas públicas integradas de crédito rural e

remuneração de serviços ambientais ao setor de produção familiar rural da Amazônia Legal,

assim como as “Recomendações para Trabalhos Futuros” propõe a continuidade de estudos a

partir da análise particularizada dos dados de cada uma das sete sub-regiões amazônicas

estudadas de modo a compará-las com os resultados agregados obtidos no presente estudo, assim

como aponta a necessidade de se estudar adequações e demandas de políticas públicas.

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OBJETIVOS

Objetivos gerais

Analisar o desempenho do Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção

Familiar Rural (Proambiente) como política pública federal;

Determinar as variáveis mais relevantes nas decisões sobre o uso da terra e dos recursos

naturais em propriedades familiares rurais amazônicas selecionadas pelo Proambiente, de modo a gerar

informações capazes de qualificar a aplicação de políticas integradas de financiamento rural e

remuneração de serviços ambientais na Amazônia Legal.

Objetivos específicos

Apresentar uma base teórica em macroeconomia e estratégias de desenvolvimento (capítulo

I), desenvolvimento econômico e políticas públicas (capítulo II) e desenvolvimento econômico e meio

ambiente (capítulo III) a fim de subsidiar a análise de desempenho do Proambiente como política pública

federal voltada para o desenvolvimento endógeno de territórios amazônicos e desenvolvimento econômico

ecológico das propriedades familiares rurais amazônicas (capítulo V);

Apresentar uma base teórica sobre capital social e controle social de políticas públicas

(capítulo IV) de modo a interpretar a capacidade de co-gestão e co-execução do Proambiente pelas

organizações de base da agricultura familiar e organizações não governamentais amazônicas (capítulo V);

Determinar quais são as variáveis socioeconômicas (divididas em ativos de produção “terra”,

“trabalho” e “capital”) mais relevantes nas decisões sobre o uso econômico e ecológico da terra e dos

recursos naturais e na geração de renda em propriedades familiares rurais amazônicas selecionadas pelo

Proambiente (capítulo VII);

Determinar quais são as variáveis socioeconômicas (divididas em ativos de produção “terra”,

“trabalho” e “capital”) mais relevantes na definição de tipologias de uso da terra que proporcionam maior

capacidade de capitalização em propriedades familiares rurais amazônicas selecionadas pelo Proambiente

(capítulo VII).

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CAPÍTULO I

MACROECONOMIA E ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

O presente capítulo demonstra a relevância macroeconômica de itens como decisões

privadas, investimentos, gastos de governo e taxas de juros, e de que forma a história econômica

das nações influenciou a evolução dos arranjos institucionais dos três regimes financeiros

internacionais ao longo da história econômica mundial desde o século 18. Essa base teórica

apoiará a compreensão da concepção de desenvolvimento econômico associado às políticas

públicas (capítulo II) e desenvolvimento econômico associado à valoração indireta de serviços

ambientais (capítulo III).

Ao analisar a gênese do capitalismo industrial, Marx (1984a) ressalta que as

descobertas do ouro e da prata na América, o extermínio e a escravização das populações

indígenas forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da conquista e da pilhagem das

Índias Ocidentais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os

acontecimentos que marcam a era da produção capitalista e que fundamentam a acumulação

primitiva. A supremacia industrial trouxe também a subordinação do capital mercantil, enquanto

no período manufatureiro (e primórdios da era industrial) essa relação era inversa.

Hobsbawm (1978) argumenta que no período da Revolução Industrial inglesa, o

comércio que enriqueceu as cidades contribuiu para a redefinição das classes médias. Nesse

processo foi decisivo o papel do Estado que detinha um sistema político em que os Reis estavam

subordinados ao Parlamento, com forte participação de proprietários de terra. Pode-se afirmar

que já existia uma visão de nação, um diferencial bastante forte para a prosperidade inglesa. No

século 18, a Inglaterra possuía mercantilização das relações sociais e expansão do mercado

interno em escala nacional. Um fator decisivo para tal fato foi a singular estrutura agrária inglesa

(em relação à Europa Ocidental), onde além da presença de agricultores, havia artesãos voltados

para os ramos de tecidos, vestuários e metais. Os camponeses e artesãos, gradativamente, se

converteram em trabalhadores assalariados, o que desencadeou processo de transformação das

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aldeias rurais em vilas industriais especializadas em determinados tipos de produção. Como

conseqüência, o país obteve uma forma de desenvolvimento industrial mais descentralizada no

bojo de seu processo de transformação econômica e social.

Em alusão a esse último processo, a base objetiva do humanismo de Marx (1984b) e

sua teoria da evolução econômica e social são os estudos do Homem como ser social. Os seres

humanos realizam trabalho e a interação entre o Homem e a natureza produz a evolução social.

Tomar ou usar algo da natureza representa uma operação de apropriação, logo, caracteriza-se

como uma forma concreta de trabalho. No contexto capitalista, o Homem, como ser social,

desenvolve a divisão social do trabalho que permite a produção de excedentes. A divisão social

do trabalho e a produção de excedentes tornam possível a apropriação da mais-valia2. As relações

entre Homens resultantes da especialização do trabalho geram processos complexos como a

acumulação de capital. Essas novas relações geram a separação do trabalho livre das condições

objetivas de sua realização no marco do processo de industrialização.

Nesse sentido, a Primeira Revolução Industrial (1750-1840) se caracteriza pela (a)

dissociação dos camponeses de seus meios de produção (terra) e sua transformação em força de

trabalho urbana remunerada, (b) substituição da matriz energética de queda d´água pela de carvão

mineral (fonte energética para indústria e navegação), (c) produção de algodão (matéria-prima

para a produção têxtil) e (d) extração de ferro (matéria-prima para construção de estradas de

ferro, vagões, navios e bens de capital). Essa fase é denominada de Capitalismo Concorrencial

(marcada por muitas pequenas empresas com escalas menores de produção), com operação do

crédito comercial.

Já a Segunda Revolução Industrial (1840-1895) se caracteriza pela (a) produção de

aço (em substituição ao ferro, não só na produção de bens de capital, mas também na navegação,

de modo a permitir a ampliação da pilhagem das colônias), (b) químicos (clareadores de tecidos),

(c) vidros (recipientes para químicos), (d) materiais elétricos (comunicação) e (e) motores de

ciclo diesel e ciclo Otto (movidos a combustíveis fósseis – diesel e gasolina, respectivamente),

além de (f) criação de patentes industriais, (g) padronização de processos produtivos e (h)

organização dos trabalhadores. Essa fase é denominada de Capitalismo Monopolista

(concentração dos mercados industriais em poucas grandes empresas), com centralização das

estruturas de capital financeiro.

2 Mais-valia é a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, base da exploração capitalista.

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A transição da Primeira para a Segunda Revolução Industrial advém de dois

processos, a crescente industrialização de outras partes do mundo (que passam a demandar bens

de capital existentes somente em território bretão) e a necessidade de acumulação de capital para

investimento em novos mercados. A crescente expansão da industrialização demandou infra-

estrutura de transportes (ex: estradas de ferro para integração territorial, navegação a vapor para

exportações britânicas), podendo-se afirmar que essa infra-estrutura passou a ser a condicionante

básica do desenvolvimento. Com o avanço da industrialização houve maior demanda por carvão

(fonte energética) e aumento de empregos, no entanto, as condições insalubres de trabalho vieram

refletir na formação do movimento trabalhista britânico, que ganha poder de influência nas

atividades e decisões do Parlamento. A crescente demanda de carvão foi acompanhada por

demanda de ferro, e mais tarde, de aço, sendo que essa última gerou novo impulso por bens de

capitais mais modernos. Já o período 1873-1896 é marcado pela superação econômica dos

Estados Unidos e Alemanha em relação à Grã-Bretanha em alguns nichos de produção, como

notadamente o de aço. Não por acaso nessa época surgiram políticas protecionistas

estadunidenses e germânicas, pois economias em industrialização tinham que se precaver da

“oficina do mundo” (Inglaterra) para garantir competitividade nos seus mercados interno e

externo (Hobsbawm, 1978).

No período compreendido entre o final do século 19 e início do século 20, época de

apogeu da ordem liberal burguesa, já se desenvolvia uma forma de capitalismo financeiro, sob as

normas do Padrão-Ouro. Conforme descreve Belluzzo (2000), o Padrão-Ouro se apresentava

como forma “adequada” (aos interesses liberais ingleses) de coordenação do arranjo internacional

que se supunha a coexistência de forças contraditórias: (1) a consolidação da hegemonia

financeira inglesa, exercida através de “acceptances houses” e dos bancos de depósitos; (2) a

exacerbação da concorrência entre a Inglaterra e as novas economias industriais de “trusts and

corporations” nascidas na Europa e Estados Unidos; (3) a exclusão das massas de trabalhadores

do processo político (inexistência de sufrágio universal); e (4) a constituição de uma “periferia

funcional” (leia-se colônias), fonte produtora de alimentos, matérias-primas e, sobretudo,

fronteira da expansão dos sistemas de crédito dos países centrais. Em outras palavras, a expansão

do comércio e das finanças internacionais vigorava somente entre a hegemônica e liberal

Inglaterra e os países de capitalismo tardio sob políticas protecionistas de industrialização,

sobretudo, Estados Unidos e Alemanha, e mais tarde, Japão.

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Nesse sentido, Belluzzo (2000) sustenta que o capitalismo financeiro não é um

fenômeno do século 20, pois as normas do regime do Padrão-Ouro do final do século 19

configuravam um sinal de outono do grande desenvolvimento capitalista que viria ocorrer no

século seguinte. O Padrão-Ouro se caracteriza por um momento de economia internacional

liberal, assentada no princípio do laissez faire, com abertura comercial e financeira, mas ao

mesmo tempo com certa rigidez nas políticas econômicas (isto é, apesar do liberalismo

econômico, o Estado inglês exercia papel estratégico de planejamento e indução de

investimentos). É importante lembrar que o período do Padrão-Ouro é tão relevante na história

econômica internacional que faz com que os economistas da atualidade constantemente se

remetam ao mesmo de forma a apreender não só as condições de expansão e de transformação

das estruturas econômicas nacionais, mas também de compreender as dimensões estratégicas e

tensões nas relações de poder no âmbito internacional.

A política monetária internacional estava atrelada ao lastro ouro, portanto, a

capacidade de expansão das economias nacionais, inevitavelmente, estava atrelada à quantidade

de suas próprias reservas auríferas ou capacidade de geração de reservas internacionais em ouro.

Os ajustes monetários eram procedidos pelo Banco da Inglaterra3 via taxa de redesconto, isto é, o

agente financeiro central da economia mundial redescontava títulos de bancos ingleses e

internacionais para lhes conferir liquidez, o que gerava situações onde os bancos ofereciam

créditos além das suas próprias reservas. Na ocorrência de aumento da taxa de redesconto,

tornava-se mais difícil obter liquidez, o que fica evidente que, em última instância, as reservas

nacionais dependiam do comportamento do Banco da Inglaterra, e este, por sua vez, ditava o

ciclo econômico internacional. Portanto, sem reservas em ouro, uma economia nacional não

funcionava sob a vigência dos ajustes requeridos pelo Padrão-Ouro. Sem liberdade de gestão e

com necessidade de reservas, os mecanismos de expansão das economias nacionais tinham que ir

além da moeda mercadoria ouro (ex: moedas de prata) ou criar papéis substitutos a essa moeda.

Em suma, o Padrão-Ouro era, na prática, uma “camisa de força”, um sistema

estruturado para atender os interesses da economia burguesa inglesa que gerava obstáculos ao

crescimento das nações que não detinham reservas em ouro. Este era o caso da maioria, exceto,

das nações européias ocidentais que comandaram os processos de colonização. Um caso

3 Mesmo que os EUA e Alemanha ultrapassassem a Inglaterra no processo de industrialização na última década do século 19, a

Inglaterra continuava a ser o centro financeiro do mundo sob o regime do Padrão-Ouro.

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emblemático e excepcional dessa conjuntura é o dos Estados Unidos, que se organizou

estrategicamente no mercado interno sem se atrelar ao Padrão-Ouro.

Desta forma, o Padrão-Ouro caracterizava-se pela necessidade de integração

internacional para acúmulo de reservas e pela manutenção da estabilidade de preços domésticos

de modo a garantir taxa de câmbio fixo e preservação do valor dos ativos financeiros. Após a

Primeira Guerra Mundial, mais especificamente, no interregno entre as duas grandes Guerras

Mundiais, deu-se a crise e a fragmentação do Padrão-Ouro devido à instabilidade da libra

esterlina. Uma das conseqüências foi o aumento da autonomia das políticas nacionais (delineadas

nos anos 30) pela implementação de mecanismos de controle de capital e cambial em oposição ao

laissez faire. Adicionalmente, políticas fiscais e monetárias expansionistas foram adotadas.

A profunda depressão econômica mundial da década de 30 pode ser explicada como

decorrência da evolução cíclica do investimento e da demanda efetiva. O ano de 1927 é marcado

com o ano pico de investimentos, sendo que em 1928/29 há desaceleração da economia, mas não

a ponto de colocar o mundo em situação de depressão econômica. Galbraith (1988) destaca a

evolução da demanda efetiva: no período anterior à quebra da bolsa, a indústria de bens de capital

crescia 6,4% a.a., enquanto a indústria de bens de consumo 2,8% a.a.. Essa situação era de

profunda insustentabilidade, pois estava evidente que a capacidade de amortização dos

investimentos em bens de capital estava comprometida e surgiriam problemas de capacidade

ociosa na indústria. Nesse contexto, a valorização dos ativos financeiros na Bolsa de Nova York

provoca a revisão nas decisões de produção e investimento das empresas do país, assim como

especulação das mesmas e atração do capital europeu ao sistema financeiro estadunidense. Cria-

se uma situação de drenagem das reservas dos países europeus, atraídos pelo “boom” do mercado

financeiro. Porém, em outubro de 1929, a situação de valorização fictícia demonstra sua

fragilidade com a quebra da Bolsa de Nova York.

om a depressão, os Estados Unidos diminuem de forma agressiva as importações de

produtos de bens de consumo, o que leva à redução de 61% do comércio exterior europeu. Por

outro lado, os europeus gastam divisas para honrar compromissos de amortização de crédito de

seus novos credores, isto é, os Estados Unidos, que com o fenômeno de diminuição de

importações e entrada de divisas européias para pagamento de dívidas assiste uma situação

superavitária em sua balança de pagamentos, apesar da forte crise interna de demanda efetiva. Na

realidade, diante das novas pressões, os países europeus são forçados a abandonar o Padrão-Ouro.

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A depressão econômica mundial acentuada pela quebra da Bolsa de Nova York

reforçou a importância dos postulados do economista britânico John Maynard Keynes. Conforme

resgata Bleaney (1985), Keynes foi um severo crítico dos ideais neoclássicos quanto à

determinação da renda nacional e do equilíbrio dos mercados para o pleno emprego dos fatores.

Crítico da idéia de que a oferta gera a demanda, da Teoria Clássica do Emprego4 e do regime do

Padrão-Ouro, Keynes (1930) se projeta com a publicação da célebre obra Teoria Geral do

Emprego, Juro e Moeda, onde seus preceitos básicos, do ponto de vista econômico e social,

sugerem a intervenção do Estado na dinâmica econômica, dado que não acreditava na ação auto-

corretiva dos mecanismos de livre mercado. Nesse sentido, no bojo da crise dos anos 1930, a

passagem do laissez-faire para o planejamento estratégico de processos endógenos de

desenvolvimento (sob protecionismo) é uma idéia central de Keynes. Assim, o autor sugere o

investimento (público e privado) e gastos de governo para aquecer a economia, estimular a

demanda efetiva e gerar renda. Dessa forma, a renda nacional (ou Produto Interno Bruto) é

resultado da soma de gastos de governo, investimentos, consumo e diferença exportações e

importações, e deve ser estimulada com a adoção de políticas fiscais e monetárias expansionistas.

Ainda sob o ponto de vista keynesiano, o capitalismo não é economia de empregos,

mas uma economia de ativos, onde a moeda não é neutra ou simplesmente meio de troca,

constituindo-se como meio de acumulação de capital (ou de reserva de valor com liquidez

imediata) que pode comprometer o investimento se dela for feito uso especulativo. Desse modo,

o objetivo do capitalismo não é criar empregos, mas acumular capital, sendo que o nível de renda

nacional não é determinado no mercado de trabalho. Já a redução de salários não necessariamente

gera mais empregos, podendo ocorrer o contrário se houver depressão econômica devido à

diminuição da renda geral decorrente da redução da demanda efetiva. Keynes (1930) rejeita a

idéia de poupança prévia para investimento e sugere a análise das condições de orçamento

equilibrado dentro de uma estratégia de crescimento de longo prazo. Com a situação de

desemprego em larga escala típica da época da depressão econômica dos anos 30, seria

interessante aumentar o déficit fiscal para gerar emprego e reaquecer a demanda efetiva.

4 Para a Teoria Clássica do Emprego não há possibilidade de desemprego de recursos desde que haja flexibilidade dos preços dos

fatores (ajuste de salário real); o desemprego é friccional (correspondente a ajustes de mercado) ou voluntário no marco da validade da Lei de Say (oferta gera demanda).

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De acordo com Belluzzo (2000), nos trabalhos elaborados para as reuniões de Bretton

Woods, John Maynard Keynes tomou posições a favor da centralização do sistema internacional

de pagamentos e de criação de liquidez de forma a minimizar a instabilidade inerente ao

capitalismo. As propostas de criação do Bancor (moeda internacional para trocas comerciais) e

da Clearing Union (um Banco Central Mundial) são, na verdade, aperfeiçoamentos da idéia de

um banco gestor de reservas internacionais de caráter supranacional. Esta instituição – um banco

central dos bancos centrais – seria encarregada de executar uma gestão de liquidez dos resultados

do comércio internacional e dos problemas de ajustamentos entre os países credores e devedores.

O ponto principal proposto, portanto, era a criação de um banco internacional que teria atuação

anti-cíclica por meio das transferências de reservas internacionais de países superavitários para os

deficitários.

Após a Segunda Guerra Mundial, as mudanças no arranjo financeiro internacional

introduzem o regime de Bretton Woods5. Porém, a versão final não encampou totalmente as

idéias defendidas por Keynes, que com a proposta do Clearing Union, na prática, propunha o fim

do capital especulativo. O novo regime de Bretton Woods se apoiava no padrão monetário dólar-

ouro, câmbio fixo (mas ajustável quando a conjuntura econômica demandar), controle de capital

(limitada mobilidade de capital), autonomia para políticas econômicas nacionais e indução do

desenvolvimento endógeno. Cabe elucidar que as moedas nacionais estavam agora atreladas ao

dólar e sob câmbios fixos, sendo o dólar a única moeda conversível em ouro. Estavam encerrados

o laissez-faire de cunho liberal e o regime do Padrão-Ouro. O período de Bretton Woods constitui

uma fase importante para a autonomia e desenvolvimento econômico das nações. Cabe ressaltar a

inserção da periferia capitalista na economia mundial por meio de processos de industrialização.

Nesse contexto, deu-se a criação do Banco Mundial (BIRD – Banco Internacional de

Reconstrução e Desenvolvimento), mecanismo multilateral de incentivo a projetos de

desenvolvimento, do Fundo Monetário Internacional (FMI), instituição focada na gestão de

5 Enquanto a Segunda Guerra Mundial ainda se desenrolava, em julho de 1944, 730 delegados das 44 nações aliadas se reuniram

no município de Bretton Woods, New Hampshire, para a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas. Após ampla negociação, os delegados assinaram o Acordo de Bretton Woods, que definiu as regras para as relações comerciais e financeiras da economia internacional. O regime de Bretton Woods foi o primeiro e único exemplo, na história mundial, de uma ordem monetária totalmente negociada com o objetivo de governar as relações econômicas entre nações independentes.

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liquidez e comportamento macroeconômico no âmbito internacional, e do GATT, gênese da

Organização Mundial do Comércio (OMC), que mais tarde volta-se a discutir o processo

progressivo de liberalização do comércio internacional.

O período de Bretton Woods se caracteriza, portanto, por políticas nacionais fechadas

com autonomia para operar políticas fiscais e monetárias expansionistas, queda nas taxas de juros

para estímulo aos investimentos privados e processos endógenos de desenvolvimento econômico,

geração de empregos e consolidação do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) regido por

fortes políticas públicas. É interessante notar que Bretton Woods foi uma exceção na evolução

histórica e econômica mundial, não sendo possível compreender a natureza do capitalismo por

esse momento de pujante avanço das políticas de criação de demanda efetiva e inclusão social.

Os chamados Golden Years (1945-1968), pós Segunda Guerra Mundial, são marcados

por significativos investimentos públicos6 e privados, que propiciaram prolongado

desenvolvimento econômico endógeno dos países capitalistas, com aumento de empregos,

expansão das políticas sociais e avanço nos direitos humanos. O forte crescimento do setor

industrial – sobretudo dos setores de metal-mecânica, química e petroquímica – foi atrelado à

extensa pauta de pesquisa e desenvolvimento. Houve crescente integração inter-setorial entre

agricultura, indústria, comércio e serviços, e avanços na diversificação estrutural, com destaque

para o setor de bens de consumo duráveis.

No final dos anos 60, com a crise no sistema financeiro internacional e o fenômeno da

estagflação (estagnação econômica com inflação) em muitos países desenvolvidos, surgem fortes

pressões, sobretudo dos Estados Unidos, para mudanças na política macroeconômica

internacional. Bancos privados dos Estados Unidos migram para a Europa a fim de evitar as

regulamentações de seu país de origem, além de expandir as operações ativas com créditos ao

Terceiro Mundo.

Enquanto o sistema financeiro internacional de Bretton Woods acompanhava a

agricultura, a indústria e o comércio exterior nos processos de desenvolvimento endógeno, a

partir de 1968 inicia-se uma nova fase onde o sistema financeiro adquire caráter profundamente

6 Os investimentos públicos foram centrados principalmente em infra-estrutura - energia, comunicação e transportes - numa

estratégia de estímulo ao investimento privado de bens de consumo leve (ex: vestuários e alimentos), bens duráveis (ex: veículos automotores e eletrodomésticos) e bens de capital (ex: máquinas e equipamentos industriais).

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especulativo com a flexibilização das finanças internacionais. Milton Friedman7 cumpre papel

importante nessa nova conjuntura com sua “revolução monetarista”. Considerado o ideólogo da

flexibilização, desregulamentação dos mercados, políticas monetárias de defesa da estabilidade

de preços e câmbio flutuante, ele lança os pilares de um novo consenso em relação à gestão

macroeconômica e funcionamento dos mercados que se tornam centrais nas décadas seguintes.

De fato, a partir dos anos 80, segundo Caporale Madi (2006), o “Novo Consenso

Macroeconômico” (também denominado de “Globalização” ou “Neoliberalismo”) ganha força ao

sustentar valores como câmbio flutuante, mobilidade de capitais, metas de inflação e superávit

fiscal, enfim, um novo consenso que não prioriza processos de desenvolvimento endógeno, ao

revés, estimula a especulação financeira nos mercados fictícios de capitais.

Nesse contexto, as novas regras de governança macroeconômica comprometem o

poder e a autonomia dos Estados nacionais na condução de políticas econômicas para estimular

processos endógenos de desenvolvimento. O funcionamento dos arranjos financeiros

internacionais fundamenta-se em condições de governança global que podem ser resumidas nos

cinco pontos centrais que caracterizam o “Novo Consenso Macroeconômico”:

(1) Não Rigidez de Preços: a rigidez de preços é considerada uma falha de mercado

que faz desviar a relação binária preço-quantidade do equilíbrio de pleno emprego. Nas

entrelinhas, a verdadeira intenção é atacar o custo do trabalho, pois ele se configura como o mais

rígido de todos os preços em função das leis trabalhistas; com a flexibilização do mercado de

trabalho (ou das leis trabalhistas), haverá redução de custos (e direitos) e obtenção de mais lucros

capitalistas.

(2) Crescimento Endógeno: defende-se a noção de que a oferta é que garante a

demanda, apoiada na Lei de Say oriunda da economia clássica. Em outras palavras, a oferta é

suficiente para regular a vida econômica, sem a necessidade de políticas de demandas ou políticas

anti-cíclicas, portanto, o Estado deve cumprir apenas papel regulador, pois o livre mercado

7 O economista Milton Friedman (1912-2006) foi um dos mais destacados e influentes teóricos do liberalismo econômico e

defensor do capitalismo laissez-faire e do livre mercado.

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garante crescimento endógeno e não precisa de intervenção. Coloca-se a valorização de políticas

de oferta, com destaque para educação e capacitação. Nas entrelinhas, o problema do desemprego

parece ser de falta de mão-de-obra escolarizada e qualificada, e não de uma conjuntura estrutural.

Vê-se aqui novamente a distância em relação ao regime de Bretton Woods, que ensejava o ideal

keynesiano de que a demanda é que gera a oferta, sob forma planejada pelo Estado dada à

insuficiência de demanda efetiva em mercados auto-regulados.

(3) Estabilidade de Preços: o “Novo Consenso Macroeconômico” aceita um mínimo

de inflação por meio de metas inflacionárias, assim como aceita o trade off emprego-inflação no

que se refere à taxa natural de desemprego. A noção de “expectativas racionais” pressupõe que os

agentes são racionais e vão buscar maximizar lucros e produtividades se tiverem credibilidade no

modelo de metas de inflação, que na verdade é um mecanismo coordenador de expectativas

formulado pelo Banco Central. Mas por detrás, as políticas deflacionárias de demanda atuam

como forte restrição ao investimento (sob o argumento defensivo de se evitar a inflação) na busca

de drenagem de capital para o sistema financeiro globalizado.

(4) Ênfase à Política Monetária em detrimento à Política Fiscal: defende-se que o

Estado não pode gastar mais do que arrecada para atingir o equilíbrio fiscal, cumprir metas de

superávit primário e honrar dívidas nacionais. Caso o Estado assim não proceda, gera-se um

clima de incerteza que pode afugentar o investimento privado (porém, “investimento” tem agora

um sentido de „investimento especulativo no sistema financeiro‟, e não mais „investimento

produtivo‟ gerador de demanda efetiva). A política monetária, por meio das regras de juros,

subordina o alcance da política fiscal. Na prática, a política econômica se restringe somente às

taxas de juros orientadas pelas metas de inflação, sem foco num processo estratégico de

desenvolvimento.

(5) Papel do Estado: defende-se a visão de que o Estado deve somente regular e

corrigir falhas de mercado, sem assumir atribuição interventora para garantir investimentos ou

políticas de demanda, mas apenas atuar em falhas de mercado ou em políticas de oferta. Em

outras palavras, o Estado deve garantir as condições de valorização do capital na esfera produtiva

ou financeira.

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Para Carneiro (2002), a “Globalização” é a resultante da interação de dois

movimentos básicos: no plano doméstico, da progressiva liberalização financeira, e no plano

internacional, da crescente mobilidade de capitais. Para o autor, está implícita a idéia de que a

globalização produtiva, embora não irrelevante, é um fenômeno subordinado à globalização

financeira, que pressupõe ganhos especulativos, isto é, a valorização do capital não precisa mais

passar, necessariamente, pela produção de bens. Vê-se aqui a diferença com o regime de Bretton

Woods, outrora associado ao Estado de Bem-Estar Social e à criação de empregos. Especulação

financeira e geração de empregos não formam, de fato, um dueto compatível.

Ainda de acordo com Carneiro (2002), o grau de liberdade do movimento de capitais é

um dos elementos centrais na definição de um sistema monetário internacional, sendo também

relevantes o regime cambial (fixo ou flutuante) e o grau de autonomia da política econômica

nacional.

A partir da Figura 01, que apresenta combinações quanto a aspectos característicos

dos arranjos financeiros internacionais, é possível analisar suas condições de sustentabilidade

econômica. Carneiro (2002) e Caporale Madi (2002) ressaltam que a tensão existente na

combinação entre a livre mobilidade de capitais, a estabilidade do regime cambial fixo e a

autonomia nas políticas econômicas nacionais é tratada como a trindade impossível. Somente a

combinação entre livre mobilidade de capitais e a taxa de câmbio flutuante parece preservar

alguma autonomia às políticas econômicas nacionais, contudo, Carneiro (2002) e Eichengreen

(2000) alertam que essa combinação não considera a hierarquia de moedas, onde o dólar é a

moeda de referência das transações internacionais. A partir do “núcleo” dólar, dada a existência

de livre mobilidade de capitais, forma-se as demais taxas de juros e câmbio do sistema. Nesse

sentido, ao considerarmos tal hierarquia, tensões quanto à instabilidade das moedas pode ser

apreendida mesmo no câmbio flutuante.

A Figura 02 também representa aspectos do funcionamento do sistema monetário

internacional considerando a interação entre três categorias: moeda reserva (dólar), moedas

conversíveis (países centrais) e moedas não conversíveis (países periféricos). A taxa de juros

doméstica determinada pelos bancos centrais nacionais será mais baixa no país detentor da moeda

nuclear dólar (Estados Unidos), pois a mesma transmite mais segurança aos detentores de

capitais. À medida que nos afastamos do núcleo, as taxas de juros se elevam, pois as demais

moedas transmitem menos confiança (setas inferiores da Figura 02). Similarmente, os detentores

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de capitais da periferia aceitam taxas de remuneração menores para investirem em moedas mais

fortes (seta superior da Figura 02). Assim configuram-se: a) taxas de juros mais baixas nos países

mais ricos que necessitam de investimentos de reposição dada a sua base produtiva já estruturada;

b) taxas de juros mais altas nos países mais pobres que necessitam de investimentos para

completar sua base produtiva. É também importante frisar que a livre mobilidade de capitais

impede os países periféricos de deprimirem substancialmente os juros, pois isso provocaria

grande fuga de capitais e comprometimento de seus equilíbrios fiscais e balanços de pagamentos

(Carneiro, 2002; Eichengreen, 2000).

Carneiro (2002) pontua uma fulcral questão acerca da “Globalização”: ela significa

fluxos de capitais descolados de fluxos reais de bens ou de Investimento Direto Estrangeiro

(IDE). Para o autor, a “Globalização” liberaliza amplos fluxos de capitais, com colossais e

simultâneas entradas e saídas de capitais dos Estados nacionais, fenômeno que permite ganhos

LIVRE MOBILIDADE DE CAPITAIS

AUTONOMIA NAS

POL Í TICAS ECONÔMICAS

ESTABILIDADE DO

REGIME CAMBIAL Bretton Woods

Padrão - Ouro Novo Consenso

Macroeconômico

FIGURA 01 – COMBINAÇÕES DOS TRÊS REGIMES FINANCEIROS INTERNACIONAIS

FIGURA 02 – TAXAS DE JUROS DO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL DA GLOBALIZAÇÃO

D Ó LAR

países de moedas conversíveis

países de moedas não conversíveis

Fonte: Carneiro (2002)

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especulativos de curto prazo com moedas e juros. Sem dizer que qualquer evento interno ou

externo pode drenar o capital de um país em minutos e comprometer seu balanço de pagamentos.

A retomada de fluxos de capitais em direção aos países periféricos, desde a

“Globalização” vigente nos anos 90, só tem paralelo quantitativo no Padrão-Ouro. Todavia, em

termos qualitativos, os fluxos dos dois regimes, que intercalam Bretton Woods, em muito

diferem, pois enquanto outrora os fluxos de capitais – baseados, principalmente, em IDE,

produção de commodities e infra-estrutura demandada pela produção de commodities – se

assemelhavam aos fluxos de comércio exterior, atualmente ganha força o fluxo especulativo não

produtivo.

Há de ressaltar a importância de alguns aspectos do processo de subdesenvolvimento

dos países periféricos para melhor entendimento das particularidades brasileiras na sua recente

adesão ao “Novo Consenso Macroeconômico”. Conforme menciona Furtado (2000), a

industrialização na Europa, a partir do século 18, modificou definitivamente a economia

internacional e condicionou decisivamente os processos de desenvolvimento de todas as regiões

do mundo. O autor expõe três linhas nesse processo evolutivo:

A primeira linha é marcada pelo desenvolvimento dentro do continente europeu, que

assume formas de desorganização da economia artesanal pré-capitalista a um nível mais alto de

produtividade. É nítida a existência de duas fases dentro dessa primeira linha, a primeira de

liberação de mão-de-obra mais rapidamente que a absorção (dando elasticidade ao ativo trabalho)

e a segunda de esgotamento da oferta da mesma. A segunda linha define-se pelo deslocamento

ultramar de suas fronteiras de mão-de-obra, capital e tecnologias para regiões desocupadas

similares à Europa e com abundância de recursos naturais, conferindo rapidamente alta

produtividade e elevado nível de vida (América do Norte e Oceania). A terceira linha envolve a

expansão da economia industrial européia em direção às regiões já ocupadas com sistemas

econômicos pré-capitalistas, com interesse na abertura do comércio exterior de matérias-primas

(América Latina, África e Ásia).

Nesse sentido, o subdesenvolvimento é um processo histórico de divisão internacional

do trabalho, e não uma etapa temporária para alcance do desenvolvimento. A empresa capitalista

que penetra na estrutura pré-capitalista não se vincula a ela, pois os processos de geração de

demanda, renda e produtividade não se integram à economia local.

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Furtado (2000) afirma que nos países centrais crescem as empresas que controlam o

comércio exterior e os processos de inovação. Por outro lado, a economia dos países periféricos

cresce baseada no sistema primário-exportador e na substituição de importações (quando ocorre a

industrialização). De forma geral, o autor evidencia que o (fraco) dinamismo dos países

subdesenvolvidos se dá apoiado no mercado externo, isto é, seus processos de decisão sobre o

desenvolvimento baseiam-se em fatores exógenos, enquanto o desenvolvimento dos países ricos

caracteriza-se por variáveis endógenas.

No caso do Brasil, tivemos várias economias regionais primário-exportadoras isoladas

até 1930 (dentro de uma estrutura de divisão internacional do trabalho montada pelo Padrão

Ouro), iniciando-se com o açúcar e algodão do Nordeste nos séculos 16 e 17, ouro de Minas

Gerais no século 18, café do Vale do Paraíba no século 19, borracha da Amazônia e café paulista

na virada dos séculos 19 para 20.

Com exceção do café paulista, todos os modelos primário-exportadores não

promoveram grandes processos de integração econômica, constituindo-se paradigmas de

desenvolvimento para fora com apogeu e decadência condicionados a fatores externos. Esses

modelos também não promoveram inversões de capitais arrecadados para mudanças estruturais

estratégicas, conforme fizeram os países desenvolvidos, pois essas economias eram meras

extensões das economias externas.

A exceção é o caso do café paulista que, diferentemente dos modelos anteriores,

trocou a mão-de-obra escrava pela de imigrantes europeus assalariados, estabeleceu relações

capitalistas de produção, constituiu mercado interno e processo de desenvolvimento econômico

endógeno. O capital arrecadado com o café paulista foi invertido em outras atividades (ex:

estradas de ferro, indústrias têxteis e de alimentos, comércio, infra-estrutura urbana) que

dinamizaram e conferiram mais autonomia à economia local frente aos preços internacionais de

commodities. Embora a economia paulista tenha sofrido grande impacto com a queda de preços

do café no mercado internacional (devido à quebra da Bolsa de Nova York em 1929 e a

depressão econômica nos anos 30), a heterogeneidade estrutural criada com inversões

estratégicas em diversificação produtiva lhe propiciou avançar em meio à crise mundial.

Cano (2000), ao explicar o retrocesso da soberania e da política econômica na

América Latina pós-1979, lembra que a crise de 1929 constitui uma importante ruptura (ainda

que parcial) no padrão de acumulação primário-exportador da região, pois no período 1929-1937,

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muitos países latino-americanos, como Brasil (sob a ditadura Vargas), Argentina e México,

optaram pela desvalorização e controle do câmbio, suspensão do pagamento da dívida externa e

elevação de tarifas de importação, tendo em vista a necessidade de se desenvolverem de forma

mais soberana e endógena face à crise externa.

No caso brasileiro, entre 1937-1945, já no Estado Novo varguista, houve grande

percepção nacional sobre as reais possibilidades no avanço da industrialização, com consolidação

da indústria de bens leves (ex: alimentos, vestuário, calçados) e crescimento de alguns segmentos

industriais mais avançados (ex: química, metalurgia e siderurgia). Com a expansão da

urbanização, do mercado interno e de estratégias endógenas de desenvolvimento, há

aprimoramentos na administração pública e apoio político aos trabalhadores (Cano, 2000).

No período 1945-1955, ao aproveitar a Guerra Fria, o Estado brasileiro imprimiu

realizações estratégicas, como (a) a criação da Petrobrás para exploração do petróleo, (b)

produção de aço e químicos básicos, (c) investimento em infra-estrutura, (d) criação de bancos

públicos, com destaque para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), no

intuito de fomentar o setor privado e obras de infra-estrutura (Cano, 2000).

O período 1955-1973, como fora exposto anteriormente, representa o auge e o

esgotamento de um longo período de crescimento dos países desenvolvidos, que passam a

exportar capital a fim de expandir suas posições estratégicas nos países periféricos. Já na América

Latina e, em especial no Brasil com o Plano de Metas de JK (1956-1960) e II Plano Nacional de

Desenvolvimento de Geisel (1974-1979), o período é de fortalecimento do ideal nacional-

desenvolvimentista e de estratégias de desenvolvimento endógeno. A administração pública

recebe novos aprimoramentos de gestão e planejamento e os sistemas nacionais de informações

são melhorados. Neste contexto, deu-se o crescimento de movimentos e lutas políticas por

reformas agrária, urbana, regional, tributária, financeira, administrativa, judiciária e política. De

fato, as mazelas sociais e os obstáculos à continuidade do processo de industrialização (inflação,

comprometimento de finanças públicas, falta de opções de financiamento e déficit no balanço de

pagamentos) fazem crescer os movimentos contestatórios brasileiros (Cano, 2000).

Finalmente, o período 1973-1979 é marcado por grande desaceleração da

industrialização, alta inflação e elevados déficits de transações correntes da balança de

pagamentos, ainda que a pauta de exportações já demonstrasse presença mais relevante (mas não

suficiente) de produtos manufaturados. A grande marca da década de 70 foi o forte

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endividamento externo brasileiro e latino-americano, e apesar dos desperdícios (corrupção entre

eles), ainda houve financiamento de importantes projetos nacionais (ex: agroindústria, insumos,

infra-estrutura e petróleo) (Cano, 2000).

Os países latino-americanos, enclausurados às condições impostas pelas suas dívidas

externas contraídas até os anos 70, foram “lançados” à globalização produtiva, comercial e

financeira ao aderir à aplicação de programas macroeconômicos de estabilização no contexto de

uma nova governança global marcada pelo “Novo Consenso Macroeconômico”. Quanto às

relações “Estado-Mercado” no Brasil, nosso processo de adesão às medidas universais, dado nos

anos 90, tardou em relação aos demais países periféricos (com algumas adesões já nos anos 70).

Carneiro (2006) frisa que dois períodos merecem destaque: o primeiro de 1990-1998

(gestões Collor, Itamar e primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso), de desmonte do

nacional-desenvolvimentismo; e o segundo desde 1998 (segundo mandato de FHC e gestões

Lula), de consolidação das reformas liberais e políticas econômicas com foco monetarista (com

políticas sociais compensatórias, sobretudo no caso das gestões Lula). A estratégia patrimonial

básica constituiu-se em criar oferta de ativos altamente rentáveis (ex: títulos da dívida pública;

ações de empresa em processo de privatização) para atrair fluxos de capitais, abandonando-se

estratégias de desenvolvimento endógeno. É importante relembrar que o Plano Real foi adotado,

em 1994, num período de alta liquidez internacional, onde os enormes fluxos de capitais

resultaram em forte apreciação da taxa de câmbio da nova moeda brasileira (relação 1:1), no

entanto, com a crise asiática, em 1997, esse ciclo reverteu-se, com ampla fuga de capital do

Brasil (e de países periféricos) devido ao ambiente especulativo de incerteza.

Farhi (2006) expõe que, em janeiro de 1999, as crises cambiais associadas à reversão

dos fluxos de capitais especulativos levaram à adoção do câmbio flutuante pelo governo FHC.

Por definição, nesse regime cambial, quanto menor for a interferência das autoridades monetárias

nas operações com divisas, maior será a influência dos mercados financeiros globalizados na

determinação da taxa de câmbio e dos preços dos ativos financeiros domésticos. Nas economias

que adotaram a livre circulação de capitais e câmbio flutuante, as súbitas mudanças de

expectativas que caracterizam a lógica dos mercados financeiros acentuaram a inter-relação entre

taxa de juro e câmbio. Desde a adoção brasileira ao regime de câmbio flutuante, houve “ataques

especulativos” que levaram o Real e os preços dos ativos nacionais a se desvalorizarem, seguido

de fases de otimismo as quais a moeda e ativos apreciaram-se acentuadamente. Esta “perigosa

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gangorra” de ganhos e perdas ocorre e acentua-se devido à subordinação das políticas cambial,

monetária e fiscal ao mercado financeiro internacional.

Farhi (2006) expõe que com a adesão brasileira (e também de outros países

periféricos) ao elevado grau de abertura financeira, a taxa de câmbio passa a ser determinada

pelos mercados financeiros globalizados, enquanto no regime de câmbio administrado, a taxa de

câmbio é resultante da correlação de forças entre a autoridade monetária nacional e os mercados

financeiros internacionais. A estrutura de formação de preços no Brasil, sob o regime de metas de

inflação, faz com que a taxa de câmbio volátil (a) ocasione choques de oferta e oscilações nos

preços de commodities amplamente produzidas e exportadas pelo país e (b) eleve os preços dos

serviços privatizados (ex: energia elétrica e telecomunicações) balizados pelo IPCA8 (sensível à

taxa de câmbio). Caso haja alta de preços acima do previsto pelas metas de inflação, o governo

eleva a taxa de juros, controla o preço e abdica de estratégias endógenas de desenvolvimento.

Prates (2006) argumenta que, se por um lado, a pauta exportadora brasileira revelou-

se funcional devido às características da expansão econômica da China, à alta dos preços de

commodities e à recuperação da economia internacional pós 2002, por outro lado, a manutenção

da importância de commodities primárias na pauta de exportação brasileira reproduz nossas

fragilidades estruturais e nosso baixo dinamismo econômico9.

Portanto, o “Novo Consenso Macroeconômico”, ao estabelecer o paradigma do livre

mercado, não questiona a divisão internacional do trabalho entre as economias centrais e

periféricas, se opõem fortemente à lógica de intervenção governamental e refuta o

desenvolvimento endógeno planejado pelos Estados nacionais, o que reduz as possibilidades das

nações estabelecerem um projeto-país dinâmico de longo prazo por meio de políticas públicas

estratégicas, sobretudo no caso dos países em desenvolvimento10

, que demandam complementar

8 O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), índice mensal do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) desde

1980, oferece a variação dos preços no comércio para o público final. 9 Ademais, Prates (2006) resgata que no biênio 2001-2002, 39% das exportações brasileiras referiam-se a produtos em decadência

no comércio mundial (variações negativas) e 18,9% a produtos em regressão (variações positivas, mas abaixo do crescimento médio desse comércio). 10 No entanto, problemas graves da adesão ao “Novo Consenso Macroeconômico” também podem ser observados nos países

desenvolvidos. Conforme frisa Pochmann (2008), após 70 anos de trajetória comum verificada na queda da desigualdade de renda, os países ricos passaram a apresentar tendências bem distintas nas duas últimas décadas. Em grande medida, as opções de políticas econômicas e sociais realizadas em cada um das economias avançadas terminaram por impactar o grau de concentração

de renda. No caso das nações em que predominaram políticas de corte neoliberal, houve, em geral, interrupção no movimento de longo prazo de redução da desigualdade de renda. Nas duas últimas décadas, a apropriação do 1% mais rico praticamente dobrou nas economias em que o uso das políticas neoliberais grassou, conforme indicam as experiências das economias dos Estados Unidos e Inglaterra. Entre os anos 1950 e 1980, o 1% mais rico dos Estados Unidos, Inglaterra, França e Suíça mantiveram um fatia de renda nacional entre 5% e 10%. Neste século, a concentração de renda do 1% mais rico inglês e estadunidense saltou para

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sua heterogeneidade estrutural e suas disparidades sociais, regionais e fundiárias. Nesse sentido, o

próximo capítulo traz considerações fundamentais sobre desenvolvimento econômico endógeno e

políticas públicas.

quase 15% e 20%, respectivamente, patamar semelhante ao primitivismo da desigualdade do início do século 20. A supremacia do “Novo Consenso Macroeconômico”, no entanto, não foi plena, uma vez que nem todos os países ricos se tornaram caudatários das políticas econômicas e sociais universais de flexibilização tributária e seletividade do gasto público. Destacam-se os exemplos da

França e Suíça, que não registram elevação da participação do 1% mais rico da população no bolo da renda desde a década de 1970, mantendo a concentração de riqueza dos super-ricos em torno de 8% da renda nacional. Nesses países, mesmo com a elevação na renda per capita no período mais recente, o grau de desigualdade pouco se modificou, mantendo-se no mesmo patamar de desigualdade distributiva do século 20. Nestas nações, não por acaso, ademais da ênfase nas políticas sociais de natureza universal, prevalecem medidas tributárias progressivas, com maior peso proporcional do fisco sobre o segmento de maior renda e patrimônio.

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CAPÍTULO II

DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

O estudo e a execução de políticas públicas são caracterizados por uma curiosa

anomalia: além das metodologias, os pesquisadores e os gestores estão divididos pela definição

mesma do objeto de investigação e gestão. Precisar quais são os elementos constitutivos de uma

política pública é, de fato, uma operação bastante complexa nos níveis teórico e prático. As

dificuldades tornam-se evidentes se considerarmos o fato de que os próprios pioneiros no estudo

de políticas públicas provêm indicações muito diferentes, ora identificando uma política como

um programa projetado com valores, fins e práticas, ora apontando que o policy making (o fazer

política) é um processo de aproximações sucessivas a algum objeto desejado, onde também o que

é desejado é continuamente submetido a reconsiderações. A ênfase no orgânico e programado

controle da intervenção pública, implícita na primeira definição, se atenua até desaparecer na

segunda, que ao revés, conduz a aspectos como o ajustamento ininterrupto aos fins e à

negociação (Regonini, 1989; Lindblom, 1995).

Os estudos baseados na formulação, adoção e implementação de políticas públicas

foram difundidos de modo heterogêneo nas diversas tradições culturais. No entanto, é notório que

a academia estadunidense possui uma clara preponderância no campo, seja pela origem dos

principais pioneiros das linhas de pensamento no assunto, no sentido cronológico ou no caráter

quantitativo, pois a imensa maioria dos estudos, publicações e periódicos continuam centrados

naquele país. Conforme frisa Regonini (1989), somente a partir dos anos 70, em países europeus

como Inglaterra, Alemanha e Suécia, foram promovidas iniciativas científicas explícitas no

campo de políticas públicas. Na Itália, o autor expõe que a análise de políticas públicas surge

como disciplina na grade curricular universitária somente em meados dos anos 80 do último

século.

Von Beyme (1986) lembra que o atraso na afirmação do estudo de políticas públicas

como setor de pesquisa autônomo nos países latinos, em comparação ao mundo anglo-saxão,

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talvez não se deva a estranhas dificuldades léxicas, sendo notório que em nosso vocabulário

latino exista somente um único termo (isto é, “política”) para identificar tanto atividades de

ampliação de consenso e poder por parte de um grupo, partido ou coalizão, quanto linhas de

intervenção dos centros decisórios públicos em um setor particular, como educação, saúde, defesa

ou meio ambiente (para ficar somente nesses exemplos, dentre outros), enquanto a língua inglesa

dispõe de duas expressões bem distintas, respectivamente, politics e policy.

Regonini (1984) bem salienta que o desenvolvimento dos estudos de políticas públicas

advém do crescimento das ciências sociais a partir dos anos 20 (século 20), imbuídas na busca de

alternativas às graves conseqüências ocasionadas à sociedade com a crise econômica da era do

laissez faire. Vinte anos depois, duas tendências nesse campo tomam seus próprios rumos, isto é,

de um lado surge uma corrente de pensamento fortemente crítica em relação ao posicionamento e

aos resultados da disciplina oficial, que é julgada demasiadamente acadêmica e que dista dos

reais problemas que afligem a sociedade, propondo o desenvolvimento de uma abordagem

multidisciplinar aos problemas sociais, e de outro lado, a corrente movida por uma finalidade

mais teórica, que suscita a necessidade de se buscar um conhecimento mais realista e

documentado de como efetivamente são tomadas decisões políticas, procurando encontrar e

reconstruir os processos concretos de busca de consenso e de gestão de poder. Se por um lado a

primeira corrente se distancia da segunda por estar mais entretida com as demandas da sociedade,

a segunda julga isso inócuo se não forem diagnosticadas as formas de tomadas de decisão para

que a sociedade possa se inserir nesses processos.

Dos interesses analíticos acima derivam as duas grandes linhas de pesquisa nas quais

se articulam os estudos sobre políticas públicas. A primeira, caracterizada pela finalidade

“prescritiva”, analisa os processos de formulação e de atuação da intervenção pública com foco

diagnóstico e propósito explícito de melhorar os resultados a partir de sugestões de mudanças e

indicações de ações. A segunda, caracterizada pela finalidade “descritiva”, predominantemente

positiva e explicativa, procura reconstruir a modalidade dos processos decisórios, as

características dos atores participantes e as relações entre as diversas fases do policy making, de

modo a formular modelos mais realistas e incisivos da maneira como foram adotadas as escolhas

sobre as alocações dos valores de uma sociedade (Regonini, 1984). Indo mais a fundo nas

diferenças pontuadas pelo autor, a linha prescritiva faz uma análise a partir de idéias ou valores

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pré-concebidos, enquanto a linha descritiva limita-se ao campo da análise. Idiossincrasias à parte,

da análise descritiva é possível se remeter à atuação prescritiva.

Além da distinção entre as linhas prescritiva e descritiva, é relevante se ater nas

diferenças entre opções metodológicas, a primeira que segue uma abordagem “indutiva”, e a

segunda, ao revés, em demonstração “dedutiva”. O método dedutivo faz deduções a partir de

experiências, com lógica argumentativa racional ou axiomática, ou em outras palavras, assume

premissa que se admite universalmente verdadeira porque dela se podem deduzir as proposições

de uma teoria ou de um sistema lógico, e desse modo, tudo aquilo ulterior não altera o ponto de

partida, pois a validade dos segmentos vem pela forma e não pelo conteúdo. Já no método

indutivo, os enunciados afetam os resultados, ou seja, a hipótese de partida é enriquecida e pode

gerar resultado final diferente da premissa básica que norteia o estudo da política pública em

questão.

Ao confrontar os termos politics e policy, é possível considerar que o primeiro refere-

se ao poder executivo central, às forças políticas e ao Parlamento (variável independente),

enquanto o segundo remete-se às estruturas e às ações que dizem respeito à intervenção da esfera

pública (variável dependente). Na conjugação de ambos termos é o tipo de aposta em jogo que

condiciona a ação política, ou seja, a relação entre politics e policy é uma relação dialética, onde

vezes a ação da policy até cria novos atores para a politics (ainda que o contrário seja mais

comum). Desse modo, é fulcral a sociedade bem interpretar a relação entre politics e policy para

obter noção dos limites objetivados, pois políticas públicas podem emanar não somente dos

governos nacionais, mas de igual forma, da sociedade civil organizada em sistemas democráticos

de fato.

Regonini (1989), ao remeter-se a Lowi (1972), salienta que cada uma das categorias

de policy corresponde a uma arena de poder diferente e a uma diversa rede de atores, de estrutura

de processos decisórios e de contexto constitucional. Assim, a lógica de variável independente da

politics e de variável dependente da policy pode outrora se inverter e resultar na intraduzível

situação onde a policy determines politics.

No contexto europeu ocidental e escandinavo, face à fortíssima tradição de Estado, faz

todo sentido diferenciar Governo e Estado, pois a execução de políticas públicas estratégicas não

se traduz meramente como uma ação de governos nacionais, mas como uma questão de Estado

pouco modificada por qualquer tendência ideológica de Governo temporariamente assentada no

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poder central, porém, indiscutivelmente, essa diferenciação no contexto latino-americano é pouco

nítida, comumente sendo confundidas as diferenças entre Governo e Estado. Isso ocorre pela

ainda frágil institucionalidade de nossos Estados, formados recentemente, dando margem para

que grupos políticos assentados temporariamente nos Governos nacionais confundam (ou

ignorem) suas atribuições (quando não dão o golpe e se perpetuam no poder) e façam uso da

estrutura de Estado em benefício próprio. No entanto, o avanço do processo democrático nos

países latino-americanos tende, a cada dia, a evidenciar as diferenças entre Governo e Estado,

mesmo que essa diferenciação tenha alto custo político, pois centrar a ação do Estado nas

questões estratégicas nacionais não é algo trivial ao ferir profundos interesses de grupos políticos

historicamente apegados ao poder.

Sarmento (2007), a partir de achados de Habermas, apresenta de maneira bastante

didática a diferença entre Governo e Estado quando expõe que a intervenção do Estado na vida

econômica e a provisão de serviços sociais são necessárias para manter o crescimento econômico

e o bem-estar social (idéia, como se vê, oposta à visão neoclássica, que presume que o livre

mercado tende ao equilíbrio e que a intervenção do Estado desestabiliza a vida econômica), pois

quando uma sociedade depende extensivamente de bens e serviços gerados pela produção

capitalista privada, a vida econômica tende a ser flutuante e incerta. O Governo tem de fornecer

muitos serviços os quais as companhias privadas não estão dispostas a intervir, porque não são

suficientemente rentáveis, enquanto que o Estado tem de assumir um número cada vez maior de

tarefas, por conseguinte, há resistências em fornecer receitas necessárias às ações de Estado, pois

estas provêm de impostos que incidem sobre os indivíduos e sobre as empresas privadas, que

menos delas necessitam. Assim, o Governo (de qualquer Estado nacional) dificilmente pode lidar

adequadamente com estas exigências contraditórias se não for muito comprometido com suas

causas políticas históricas ou se não souber construir (ou se não detiver) as condições políticas

para executar tais ações. Como conseqüência inevitável, num curto espaço de tempo as pressões

tornam-se mais agudas do que dantes, em virtude do âmbito dos serviços fornecidos pelo Estado

estar em constante expansão (ou em constante aumento de demandas não atendidas). Logo, a

capacidade dos partidos políticos (particularmente daqueles que advogam papel ao Estado) para

cumprir as suas promessas tem diminuído, fenômeno que provoca retração parcial do apoio

público (pelo menos de seu público histórico) e crise de legitimação.

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Existem atributos de Estado que são intransferíveis, sendo operados via políticas

públicas. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), a quem compete no

Estado brasileiro a coordenação da elaboração e avaliação do Plano Plurianual (PPA) (enquanto à

Casa Civil compete a coordenação política do Governo), define política pública como um

conjunto de formulações conceituais, de objetivos orientados para a solução de um (ou um

conjunto de) problema(s) e de diretrizes que orientam condutas, sendo que um conjunto de

programas (ou apenas um programa bastante abrangente) pode compor uma política pública.

Assim, uma política pública nacional deve consolidar uma leitura comum de um problema,

identificar uma situação objetiva e interpretar a conjuntura de onde se quer chegar, sem olvidar

que a execução desse processo se dá por ajustes constantes (como qualquer processo de

planejamento). Ao Governo compete executar os programas governamentais, dentro do propósito

ideológico o qual foi eleito, cada qual como uma unidade de gestão de ações executadas por um

ou mais atores para a resolução de um problema.

Mas quais são as conseqüências da adesão brasileira ao “Novo Consenso

Macroeconômico”, conforme apresentada no capítulo I, para o estímulo aos processos de

desenvolvimento endógeno e à execução de políticas públicas com caráter estratégico de Estado?

E quais são os limites da sociedade civil organizada brasileira na proposição de políticas públicas

estratégicas dentro dessa conjuntura? Ao se assumir, dentro dos pressupostos da Economia

Ecológica (a ser trabalhada no capítulo seguinte), que a questão ambiental é questão de Estado,

como fica a internalização do meio ambiente na pauta governamental? Antes de responder essas

três fundamentais indagações, num sentido didático, vejamos quais são as tipologias de políticas

públicas e como elas se relacionam com a questão ambiental.

Lowi (1970; 1972; 1995) cunhou quatro tipologias de políticas públicas:

“distributivas”, “redistributivas”, “reguladoras” e “constitucionais”. As políticas distributivas são

aquelas que fornecem benefícios bem precisos a grupos sociais, setoriais ou regionais, sem

nenhuma relação explícita ou direta com os respectivos custos dos benefícios, que recaem sobre

toda coletividade da sociedade por meio de medidas fiscais pré-existentes. Entram na categoria

fiscal acima os programas de transferência de renda com critérios sociais (ex: Bolsa Família), os

subsídios concedidos para culturas agrícolas ou ramos industriais específicos, as facilidades

fiscais concedidas a categorias sociais e profissionais ou áreas geográficas particulares, os

programas de obras públicas localizados em determinadas zonas. As políticas redistributivas são

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aquelas que fornecem benefícios a grandes faixas sociais, portanto, comportam custos sensíveis,

mas repartidos entre amplos grupos sociais. Exemplos destas políticas podem ser encontrados na

reforma agrária, reforma da previdência social ou em medidas progressivas de taxação do

imposto de renda e riqueza. As políticas reguladoras são aquelas que condicionam os

comportamentos de determinadas categorias ao impor respeito às leis, códigos, tetos de lucros

(conforme o ramo produtivo) e regras de vínculos da iniciativa privada. O código de trânsito, a lei

de defesa do consumidor, as regras legais de inibição de fusões de monopólios (que podem

comprometer a vida econômica do país) ou acordos internacionais de proteção da camada de

ozônio e de regulação climática são exemplos desta tipologia de política pública (no caso dos

exemplos internacionais, a classificação é condizente desde que sua aplicação esteja atrelada às

políticas públicas nacionais). E as políticas constitucionais são aquelas que estabelecem os

procedimentos para a adoção das decisões públicas e as relações entre os vários aparelhos do

Estado, tendo caráter transversal às acima citadas (Regonini, 1989).

Antes de se discutir como se relacionam as três primeiras tipologias de políticas

públicas (pois a última, como já indicado, é transversal e impõe as regras de criação das demais),

vejamos a importância da coerção e dos processos políticos que balizam essa relação. Lowi

(1970) aponta que o mais importante conceito dinâmico que amarra todas as variáveis estruturais

é a coerção, pois inevitavelmente existe um elemento intrínseco de coerção na vida coletiva. As

organizações são os meios de estabilizar as relações entre os membros da coletividade e o

Governo o meio de legitimar as coerções. O autor pondera que existem muitas formas e origens

de coerção, iniciando com formas de uso da força física entre um indivíduo e outro (ou entre

grupos de indivíduos) até a mais efetiva e sistemática delas, com forma e origem no Estado.

Lowi (1972), ao complementar seus achados da obra anterior, pondera que as formas

de coerção disponíveis ao Governo podem ser remotas, isto é, as sanções são ausentes, imediatas

ou pré-estabelecidas (a não ser que seja uma ditadura, fazendo-se desnecessárias sanções pré-

estabelecidas). Essas formas de sanções são relativamente simples de se impor estatutariamente,

porém, se forem demandadas ações ou condutas que envolvem um ambiente mais amplo, sem

dúvida crescem as complexidades.

Para Lindblom (1968), uma policy é resultado de muitos processos com

compromissos políticos envolvidos, e em complemento, para Bauer & Gergen (1968), policy é

um cenário que envolve decisões com amplas ramificações e longas perspectivas na vida de uma

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organização (e na vida coletiva), desse modo, policy é algo indissociável das decisões públicas.

Desta feita, o processo de definição da policy envolve profundos interesses econômicos, sociais e,

claramente, ideológicos, abrindo um campo de ampla disputa política. Esse conjunto de idéias

nos leva a concluir que também são indissociáveis o processo político de definição da policy e a

coerção, pois processos que envolvem interesses exigem força política.

Retornando à Lowi (1970), os processos políticos de formulação de políticas públicas

distributivas possuem probabilidades mais remotas de coerção, enquanto os processos políticos

de políticas públicas reguladoras já ferem outros interesses, sobretudo econômicos, podendo

demandar formas coercitivas mais ou menos intensas. Mas a grande complexidade política está

na definição de políticas públicas redistributivas, que demanda coerções imediatas dentro de um

ambiente de conduta bastante amplo, pois promovem profundos confrontos entre interesses de

classes.

Lowi (1972) lembra que o embate de classes não é particularidade somente da pauta

de discussões de políticas públicas redistributivas (ainda que nelas os conflitos sejam bem mais

exacerbados), podendo configurar-se, de certa forma, também na formulação de políticas

públicas distributivas, que comumente prevalecem na pauta de conselhos formados entre governo

e sociedade (por sua menor complexidade e alta visibilidade).

Dentro dos achados de Lowi (1970, 1972), Regonini (1989) menciona que, em

particular, os processos políticos de formulação de políticas públicas distributivas tendem a ativar

as organizações para objetivos precisos, bem circunscritos, que procuram pressionar as comissões

parlamentares competentes, as quais por sua vez assumem estilos decisórios marcados pela

colaboração e pela troca recíproca de favores (com flagrantes interesses eleitorais). Já os

processos análogos das políticas públicas redistributivas, ao revés, são jogados essencialmente

através de complexas negociações entre as grandes organizações dotadas de alta

representatividade (não necessariamente numérica, mas de expressivo poder político-econômico,

que incluem sindicatos de trabalhadores e patronais, federações e confederações de representação

setorial, associações de empreendedores e outras) e os responsáveis políticos do executivo (que

muitas vezes não detém a neutralidade entre as partes interessadas em conflito ou a visão de

Estado demandada). Já os processos de definição das políticas públicas reguladoras, como foram

apresentados anteriormente, podem exigir formas mais ou menos intensas de coerção, no entanto,

não contraditoriamente, tendem a fomentar processos decisórios também conflitantes devido à

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sua visibilidade mais ampla, mais próximas da imagem corrente do processo político, com

opinião pública mobilizada e polarizada (mas não necessariamente remetida às classes sociais) e

processos apertados de votação nos Parlamentos, plebiscitos ou referendos.

Especificamente nos casos das políticas públicas distributivas e redistributivas, a

primeira geralmente apenas envolve novos critérios na distribuição do orçamento já arrecadado

da esfera pública, no entanto, a segunda determina novas taxações de renda (ex: novos critérios

de alíquotas de imposto de renda pessoa física ou jurídica) e riqueza (ex: desapropriações de

latifúndios para implementação de reforma agrária) do orçamento público ainda não arrecadado

da esfera privada, o que expõe os motivos para tanta resistência política e, conseqüentemente,

demanda de coerção.

Mas como as tipologias de políticas públicas distributivas, redistributivas, reguladoras

se relacionam com o meio ambiente? O processo de construção de uma pauta ambiental que

efetivamente balize o desenvolvimento nacional em bases sustentáveis é extremamente

complexo, pois exige políticas públicas de perfil distributivo, redistributivo e regulador. Porém,

seria um grande chavão mencionar que a questão ambiental é complexa somente por essa

particularidade, pois questões sociais e econômicas, de igual forma, também trazem consigo essa

complexidade. A grande diferença que se põe em curso é que a questão ambiental exige novo

aparato de leis e de instrumentos econômicos que afetam profundamente todos os interesses

políticos e econômicos estabelecidos, pressupondo novos estilos de vida e de produção,

distribuição, circulação e consumo de mercadorias, assim como novas formas de descartes de

resíduos de produção e consumo.

Obviamente que na questão social e econômica, a exemplo da questão ambiental, as

inovações também afetam os mesmos interesses políticos e econômicos, mas geralmente de

maneira mais setorial. Tomemos como exemplo a reforma agrária. Fazê-la significa preparar as

bases sociais e econômicas para o processo de desenvolvimento de uma nação, contudo, significa

também mexer com patrimônio historicamente consolidado e com profundos interesses políticos

e econômicos do setor ruralista. Ainda que a classe alta urbana esteja dissociada do patrimônio

latifundiário, ela majoritariamente também reage contra, não propriamente por solidariedade de

classe social dominante, mas porque sente seu patrimônio urbano indiretamente ameaçado, desta

feita, se a reforma agrária tiver sucesso, fica um sentimento político de resistência das classes

médias e altas urbanas ao Governo em vigência, porém, sem alterar o modus operandis de suas

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vidas sociais e econômicas. O exemplo exposto difere do que ocorre na questão ambiental, onde

as mudanças podem até pressupor desafios mais amenos à sociedade, no entanto, que a afetam

como um todo ao quebrar tradições, hábitos ou padrões de consumo de todas as classes sociais.

Outro ponto relevante a destacar é que os problemas ambientais são mais abstratos e

menos perceptíveis no curto prazo pela sociedade que os problemas sociais, econômicos e

políticos (a não ser que ocorra um grande impacto ambiental, como o desastre nuclear de Kiev,

por exemplo), assim, a inserção da questão ambiental nos processos de desenvolvimento tornam-

se menos interessante politicamente.

De acordo com Sarmento (2007), a legitimação de políticas públicas é estudada pelo

estreito ângulo da abertura das arenas de decisão e afasta-se das dimensões cognitivas e

simbólicas da ação pública. Um dos meios ensaiados para superar esta limitação é o novo

conceito de governança, entendido por um lado como um espaço político fortemente diferenciado

em redes setoriais, e por outro, como reação a um Estado incapaz de formular e controlar as

políticas públicas isoladamente. Assim, a governança é um modo de ação em redes de políticas

públicas que mistura atores públicos e privados. A questão ambiental exige uma estratégia nesse

sentido, pois é muito ampla e inserida no cotidiano de indivíduos e instituições privadas, que

passam a ser protagonistas do processo de adaptação a um pressuposto de desenvolvimento

econômico ecológico. Falar em governança não se trata de reduzir ou menosprezar a importância

do Estado no processo de desenvolvimento, pois sem ele o mesmo processo não se estabelece,

mas de conferir co-responsabilidade à sociedade na questão ambiental.

Voltemos então à primeira das três perguntas lançadas no presente capítulo: mas quais

são as conseqüências da adesão brasileira ao “Novo Consenso Macroeconômico”, conforme

apresentada no capítulo I, para o estímulo aos processos de desenvolvimento endógeno e à

execução de políticas públicas com caráter estratégico de Estado? Galvão & Brandão (2003)

expõe que se, no âmbito da política (no sentido de politics), o impedimento do presidente

Fernando Collor de Mello, a posse de seu vice Itamar Franco e a eleições de Fernando Henrique

Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva contemplam mudanças, no âmbito da economia, ao

contrário, a mesma trajetória acena para uma linha de continuidade11

. As privatizações,

11 Salvo melhor juízo, uma importante mudança introduzida pelo Governo Itamar Franco, além, é claro, do próprio Plano Real, foi

o reconhecimento da necessidade de uma intervenção assistencial direta, em grande escala, cujas ações foram capitaneadas pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), órgão de representação da sociedade civil e governo, legitimado pelas forças que ampararam o processo de impedimento do Presidente Collor; já o Governo FCH criou o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e a Previdência Rural; e o Governo Lula ampliou os programas sociais, com

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concessões de serviços públicos, desmonte do controles estatais e outras medidas assemelhadas

continuaram seus cursos durante toda década de 90, sem serem questionadas na década seguinte.

O fato é que o planejamento governamental para estimular processos de desenvolvimento

endógeno alcançou seu auge (como fora visto no capítulo I) nos governos militares, quando

esteve associado ao autoritarismo, assim, o planejamento terminou sendo erroneamente

identificado como instrumento autoritário, típico do momento histórico nacional que se queria

superar. Mas outros fatores também contribuíram para essa rejeição, como a deterioração da

capacidade de mobilização de recursos e de investimentos do Estado e a autonomização das

instituições de execução orçamentária no interior do aparelho estatal, estimulada pela descrença

de planos, com o afastamento crescente das metas programadas aos resultados observados.

Ainda de acordo com Galvão & Brandão (2003), em contrapartida, o arranjo

programático-operacional foi tratado com afinco e relativa precisão, estabelecido na trilogia PPA-

LDO-LOA (Plano Plurianual [PPA], Lei de Diretrizes Orçamentárias [LDO] e Lei Orçamentária

Anual [LOA]), definindo-se aqueles mesmos parâmetros – prazos, critérios e executores –

ausentes no caso anterior. A LDO age como uma “camisa de força” e acopla PPA (quadrienal) e

LOA (anual) a cada ano. Conquanto compreenda uma parte relevante e indispensável das funções

de planejamento, esse arranjo programático-operacional não é capaz, por si, de ocupar a contento

o vazio e a falta de reflexões e debates mais amplos sobre estratégias de desenvolvimento

endógeno da nação. Uma boa visão do conjunto das ações de governo, ano a ano ou no horizonte

plurianual, não substitui uma visão abrangente dos destinos nacionais, nem ao menos permite que

a sociedade promova, de maneira efetiva e isenta de “tecnicalidades”, o debate sobre o futuro

almejado, capaz de criar as condições para que se pavimente o caminho necessário ao avanço do

desenvolvimento econômico escolhido. No texto constitucional de 1988, são os planos nacionais,

regionais, setoriais e de ordenamento territorial que devem se ajustar ao PPA, e não o contrário,

como se apenas os meios devessem condicionar inexoravelmente os fins almejados. Em suma, a

programação de dispêndios ao longo dos exercícios fiscais se tornou mais importante que

assegurar os melhores rumos para as ações de governo.

destaque para o “Bolsa Família”, além de criar ou ampliar programas setoriais para populações rurais mais carentes, como a criação do Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) e ampliação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

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Relembremos agora a segunda pergunta: e quais são os limites da sociedade civil

organizada brasileira na proposição de políticas públicas estratégicas dentro dessa conjuntura? A

conseqüência mais grave na nova forma constitucional de se conceber políticas públicas e

programas governamentais dissociadas de um plano nacional de desenvolvimento é que o

exercício de elaboração do PPA vira um campo de disputa política pontual, com cada gestor

público defendendo causas regionais, setoriais ou (até comumente) pessoais, fato que reduz não

só a efetividade dos resultados futuros, mas que fecha os espaços para um debate nacional de

desenvolvimento endógeno e projeto-país. Um exemplo pode ser ilustrado no caso dos programas

territoriais, tão relevantes para a questão ambiental: a falta de uma diretriz nacional gerou pelo

menos dez programas territoriais no PPA 2004/200712

(vale ressaltar que os objetivos são tão

pouco claros que pode haver outros programas passíveis de classificação como territorial),

distribuídos em quatro ministérios, sem nenhuma integração intra e entre as unidades gestoras e

com orçamentos irrisórios. Outro exemplo é do Programa de Desenvolvimento Socioambiental

da Produção Familiar Rural (Proambiente), que no seu âmago, não é somente uma proposta de

programa piloto de produção agrícola associada à prestação de serviços ambientais, mas uma

tentativa bem mais complexa de desenvolvimento endógeno e de qualificação de políticas

setoriais, mas que não obteve o êxito esperado por exigir uma grande articulação entre

ministérios, ação que pressupõe uma forte coordenação política, algo ausente na nova lógica do

Estado brasileiro. Estes achados levam a conclusão de que apesar da ampliação dos espaços de

participação da sociedade civil em conselhos federais (assunto do capítulo IV), as perspectivas de

efetividade de suas propostas de políticas públicas tornam-se limitadas com o advento do PPA.

Quanto à última questão: ao assumir, dentro dos pressupostos da Economia Ecológica,

que a questão ambiental é questão de Estado, como fica a internalização do meio ambiente na

pauta governamental? Ao contrário do que sugerem pensadores da Economia Ambiental, a

ausência ou redução do papel do Estado compromete a questão ambiental, pois externalidades

ambientais negativas exigem regulação estatal (assunto a ser aprofundado no capítulo III). Assim,

12 Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, Programas de Desenvolvimento Integrado e Sustentável de Mesorregiões

Diferenciadas (Mesorregiões), Programa de Promoção e Inserção Econômica de Sub-Regiões (Promover) e Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais (Promeso), todos do Ministério da Integração Nacional; Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), Agenda 21, Subprograma de Política de Recursos Naturais (SPRN) e Gestão Ambiental Rural (Gestar), todos do Ministério do Meio Ambiente; Arranjos Produtivos Locais (APL) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat), do Ministério do

Desenvolvimento Agrário.

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a pauta ambiental não pode ser deixada somente às relações de mercado, pois elas não tendem ao

equilíbrio, e sim às incertezas. Podem-se ter avanços pontuais nas relações de mercado, alguns

inclusive dentro dos pressupostos econômicos ecológicos, porém, a tendência é a predominância

de medidas ambientais com concepções neoclássicas que norteiam a Economia Ambiental. A

adoção prioritária dos pressupostos econômicos ecológicos exigiria também grandes mudanças

políticas econômicas, sobretudo, no que se refere a uma política de investimentos agropecuários e

industriais assentados em bases mais sustentáveis, que se choca com a atual diretriz

macroeconômica de alta de juros (que repelem investimentos) e metas de inflação e cumprimento

de superávit primário, sem foco para processos de desenvolvimento endógeno.

Atualmente, a pesquisa sobre as relações entre as políticas públicas e suas escolhas

macroeconômicas tende a distanciar-se do campo das policy studies para constituir o segmento

mais importante de uma nova área disciplinar, a new political economy. Da parte dos estudiosos

de políticas públicas surgem fortes críticas à nova abordagem, tanto ao acusá-la de demonstrar

interesse somente aparente pelas policies quanto à crítica pela omissão de aspectos essenciais,

como o efetivo grau de implementação, as modalidades concretas de aprovação ou o nível de

satisfação dos usuários (Van Dyke, 1968), além do caráter estratégico de cada policy.

Nesse sentido, os estudiosos de políticas públicas reagem e direcionam seus trabalhos

na identificação de redes de atores mais significativos e na avaliação de seus respectivos graus de

influência nos processos que precedem a adoção de algumas importantes decisões políticas.

Impulsionada por uma clara inspiração anti-sinóptica, a corrente crítica tende a valorizar a

importância das análises históricas e contextuais, assim como tomar estudos de casos como

exemplos pontuais (Regonini, 1984).

A crise financeira internacional desencadeada em setembro de 2008 resgata essas

análises históricas e econômicas quanto à importância do Estado, de estratégias de

desenvolvimento endógeno e de políticas públicas (policies) na vida econômica das nações. Após

o mundo assistir à inédita decisão de queda integrada de juros pelos países desenvolvidos em

outubro de 2008, à aprovação de um pacote econômico anti-cíclico de US$ 145 bilhões em

janeiro de 2009 pelo Governo W. Bush, e outro mais expressivo de US$ 787 bilhões no Governo

Obama no mês seguinte, além das 21 maiores economias do mundo planejarem gastos de USS

1,9 trilhão para estimularem suas economias, surge um novo debate de inspiração keynesiana

sobre a necessidade de criação uma Autoridade Monetária Mundial (AMM).

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Mesmo que a imensa operação de resgate financeiro dos Estados Unidos obtenha

sucesso, ela deveria ser seguida por algo muito mais abrangente, isto é, o estabelecimento de uma

Autoridade Monetária Mundial (AMM) para controlar mercados financeiros que não mais

respeitam fronteiras nacionais. O aparato atual de instituições internacionais é nitidamente

incapaz de controlar o sistema financeiro em franca evolução especulativa. O Fundo Monetário

Internacional (FMI) é irrelevante para a crise atual, o grupo dos sete países mais industrializados

(G7) carece de importância em um mundo no qual China, Rússia, Brasil, Índia e outros países

exercem papéis cada vez mais relevantes, o Banco de Compensações Internacionais (BCS) não

tem funções operacionais e o Federal Reserve (FED – banco central estadunidense) não possui a

legitimidade que a ação demanda. Além disso, as dimensões internacionais do mundo financeiro

se tornaram estonteantes. Os ativos mundiais cresceram de US$ 12 trilhões em 1980 para US$

200 trilhões em 2007, superando de longe o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em

qualquer nação ou setor de comércio exterior (Garten, 2008).

A conjuntura internacional de forte crise financeira aponta, portanto, para a criação de

uma nova Autoridade Monetária Mundial (AMM) que ditaria o tom para os mercados de capital

de uma maneira que seria visceralmente oposta a uma forte função de fiscalização pública, com

regras claras de intervenção governamental, de modo a devolver à formação de capital a condição

de objetivo do desenvolvimento econômico nacional, com abandono da idéia de operar por

operar do livre mercado. Nesse contexto, teríamos um profundo resgate do papel das políticas

públicas na vida econômica e no processo de desenvolvimento endógeno das nações. Vejamos no

próximo capítulo como esse novo cenário se associa à questão ambiental.

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CAPÍTULO III

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE

Para a escola clássica, a economia é o estudo do processo de produção, distribuição,

circulação e consumo dos bens e serviços; para a corrente neoclássica, a economia é definida

como a ciência das escolhas ou preferências via meios da alocação para atingir determinado fim

(qualquer que seja este último); e para a escola keynesiana, a economia é o estudo das condições

institucionais que levam à instabilidade do capitalismo e vão condicionar a ação do Estado.

Qualquer que seja a opção ideológica ou linha de pensamento econômico assumida,

Martinez Alier (1998) ressalta que a economia, sob o ponto de vista ecológico, não tem um

padrão de medida comum para valorar as externalidades e conceber políticas de desenvolvimento

econômico13

com sustentabilidade ambiental. Desse modo, no debate ambiental aliado aos

processos de desenvolvimento econômico, os economistas ficam sem teoria de valor, e

consequentemente, as avaliações das externalidades são tão arbritrárias que não podem servir de

base para políticas ambientais. Ao crescer a consciência ecológica, a avaliação econômica se

torna uma pequena ilha que apenas flutua em um mar de externalidades invaloráveis. Por outro

lado, as políticas ambientais não podem basear-se unicamente em uma pretendida razão

ecológica, já que a ecologia, sob o ponto de vista econômico, não pode explicar as diferenças de

consumo (nada irrelevantes para a questão ambiental) de energia e materiais ou interpretar a

distribuição territorial e desiguldades sociais, espaciais e temporais da espécie humana no uso dos

recursos naturais.

Um dos principais desacordos entre a economia e a ecologia deriva do fato de que a

natureza tem processos cíclicos, enquanto que nossos sistemas produtivos são pensados

linearmente, sem considerar que todo sistema tem entradas e saídas. Nossas atividades

13 O termo “desenvolvimento econômico” é assumido na presente tese doutoral como aquele que contempla o “crescimento

econômico” e o “bem-estar social”, mas ainda não necessariamente aborda a questão ambiental; consideremos o termo

“crescimento econômico” como aquele que contempla somente as “questões econômicas” (ex: aumento do PIB), mas que não obrigatoriamente considera as demandas socioambientais; vale ainda frisar que não é possível atingir o “desenvolvimento econômico” (de forma a contemplar ou não a “questão ambiental”) sem “crescimento econômico”, mas “crescimento econômico” sem “desenvolvimento econômico” é algo possível e comum; “bem-estar social” depende do “crescimento econômico” e da “distribuição de renda”, e para a Economia Ecológica, do meio ambiente.

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econômicas agropecuárias, florestais, minerais, industriais, comerciais e de serviços extraem

recursos naturais e os transformam em produtos e resíduos, em seguida transacionam (na forma

de venda) esses produtos aos consumidores, que descartam ainda mais resíduos depois do

consumo. Na lógica econômica dos sistemas produtivos lineares, o ativo “capital” se renova pela

acumulação de mais capital, o ativo “trabalho” se renova com a remuneração salarial (sob a

prática da mais-valia), mas o ativo “terra”, provedor dos recursos naturais, não se renova (ou se

renova em parte), sendo transformado em resíduo de produção e consumo, sob desfrute marginal

atual superior ao desfrute marginal futuro, isto é, a utilidade de uma unidade de terra hoje, um

hectare, por exemplo, é maior que a utilidade de uma unidade de terra no futuro. Os padrões

sustentáveis de produção e consumo precisam ser cíclicos, iguais aos processos da natureza, com

desfrute marginal atual igual ao desfrute marginal futuro.

Entretanto, deve-se não confundir a cobrança de Martinez Alier (1998), para que a

economia se converta de sistemas produtivos lineares a padrões cíclicos de produção e consumo

que imitem os processos da natureza, com as idéias estritamente econômicas (sem abordar a

questão socioambiental) expostas por Kalecki (1977), quando pertinentemente expõe que a

economia é naturalmente cíclica, isto é, os ciclos econômicos (crescimento seguido de recessão,

recessão seguida de depressão, depressão seguida de crescimento, e assim sucessivamente) no

tempo são inerentes ao capitalismo, sendo que esses ciclos estão associados às incertezas.

Portanto, para o pensamento kaleckiano, a própria expansão econômica do capitalismo cria a

semente da sua depressão, devido às fragilidades financeiras, sendo que essas estão associadas às

mudanças dos valores dos ativos14

.

Da mesma forma, a conversão de sistemas produtivos lineares a padrões cíclicos de

produção que visem garantir a capacidade do meio ambiente de prover e renovar recursos

naturais também não se resolve somente com a abordagem schumpteriana de inovações (que de

maneira perspicaz trata o capitalismo como a Destruição Criadora), pois não se deve abordar

simplesmente o “desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental” como processo

evolutivo, mas como mudança de processo. Não raramente, os economistas (de qualquer linha de

pensamento) reduzem a gravidade da dicotomia vigente entre economia e meio ambiente ao

salientar que a solução para a sustentabilidade está em processos produtivos inovadores, contudo,

para Schumpeter (1942), as inovações advêm da necessidade econômica de diminuir o custo

14 Adiante veremos que a Economia Ambiental trata o meio ambiente como mais um ativo, enquanto a Economia Ecológica como

um patrimônio nacional.

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unitário do produto com novas tecnologias, diferenciar um produto do concorrente ou criar um

novo produto, e nunca para garantir a capacidade do meio ambiente de prover ou renovar

recursos naturais, ou mesmo de assimilar resíduos.

Mas como relacionar então economia e meio ambiente? Romeiro (1999a) expõe que,

de modo geral, em contraste com a rica diversidade de proposições criativas de políticas

ambientais, poucas são as análises das condições objetivas que permitiriam a implementação

dessas políticas que viessem a contrariar o status quo criado pela tendência de pensamento

econômico dominante (mainstream). Uma determinada concepção de desenvolvimento

sustentável, para o autor, demanda mudanças institucionais profundas que se chocam com a

lógica atual do processo de acumulação de capital e com os padrões de consumo correspondentes.

Uma condição objetiva que torna essas mudanças possíveis é a aplicação do Princípio

da Precaução15

, que representa uma inovação institucional capaz de impor restrições

suficientemente severas à atual racionalidade econômica, de forma a submetê-la a uma nova

racionalidade baseada em valores culturais distintos (Romeiro, 1999a). Era o que deveria ter sido

aplicado, caso a caso, no debate político brasileiro sobre organismos geneticamente modificados,

que se reduziu à pobre polêmica do “sim” ou do “não”.

Romeiro (1999a) lembra que o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu pela

primeira vez, com o nome de Ecodesenvolvimento, no início da década de 70, e se caracterizou

como uma resposta à polarização exacerbada pela publicação do relatório “Limites do

Crescimento” do Clube de Roma16

, que opunha partidários de duas visões distintas sobre as

relações entre crescimento econômico e meio ambiente: de um lado, o que o autor denomina de

possibilitas culturais ou tecno-cêntricos radicais, para os quais os limites ambientais ao

crescimento econômico são mais que relativos diante da capacidade inventiva da humanidade

(vê-se aqui uma justificativa schumpteriana, ainda que esse autor não tenha ingressado no

contexto socioambiental), considerando o processo de crescimento econômico como uma força

positiva capaz de eliminar por si só as disparidades sociais com um custo ecológico tão inevitável

quão irrelevante diante dos benefícios obtidos; e de outro lado, os denominados de deterministas

15 Defendida pelos economistas ecológicos, mas ignorada pelos economistas ambientais. 16 Clube de Roma é um grupo de pessoas físicas que se reúne regularmente pra debater assuntos relacionados à política e

economia internacional. Foi fundado em 1968 por um industrial e acadêmico italiano e um cientista escocês, mas só se tornou conhecido em 1972 após a publicação do supracitado relatório "Limites do Crescimento", que vendeu milhões de cópias em mais de 30 idiomas, tornando-se o livro sobre meio ambiente mais vendido da história. O livro lança dúvidas em relação à capacidade do meio ambiente de prover recursos naturais e suportar impactos ambientais que nosso atual padrão de desenvolvimento demanda.

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geográficos ou ecocênticos radicais, para os quais o meio ambiente apresenta limites absolutos

ao crescimento econômico, sendo que a humanidade estaria próxima da catástrofe se mantidas as

taxas observadas de expansão da extração de recursos naturais (esgotamento) e de utilização da

capacidade de assimilação do meio (poluição).

O conceito de Ecodesenvolvimento emerge nesse contexto como uma proposição

conciliadora, onde se reconhece que o progresso técnico efetivamente relativiza os limites

ambientais, mas não os elimina, e que o crescimento econômico é condição necessária, mas não

suficiente, para a eliminação da pobreza e das disparidades sociais. Assim, a proposição de que é

necessário e possível intervir e direcionar o processo de desenvolvimento econômico de modo a

conciliar eficiência econômica, equidade social e prudência ecológica, passa a ter uma razoável

aceitação. Entretanto, de maneira previsível, as divergências continuam principalmente no que

concerne aos mecanismos de intervenção, as quais estão relacionadas, principalmente, ao

entendimento do inevitável trade off (dilema17

) entre crescimento econômico e meio ambiente,

isto é, ao entendimento de que o crescimento econômico afetará, em certa medida, o meio

ambiente, assim como o último impõe restrições ao primeiro (Romeiro, 1999a).

O presente debate sobre o trade off entre crescimento econômico e meio ambiente não

é o primeiro que questiona a lógica mundial estritamente econômica. A passagem do regime do

Padrão-Ouro, a partir do repensar do laissez-faire, para o regime de Bretton Woods, que

constituiu o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), pode ser considerado o primeiro grande

trade off posterior à Revolução Industrial, pois questiona a relação dicotômica entre o econômico

e o social. Nos tempos atuais, o trade off entre economia e meio ambiente, de igual modo, não é

algo consensual entre as linhas de pensamento econômico. Que se deve preservar e conservar o

meio ambiente todos parecem concordar, mas o consenso se encerra aí. Quando os pioneiros do

Ecodesenvolvimento cunharam o termo na década de 70, o mundo vivia a incipiente passagem do

regime de Bretton Woods para o “Novo Consenso Macroeconômico”. Logo, com o sentido

nacional-desenvolvimentista ainda presente, era possível conceber a harmonia entre o econômico,

o social e o ambiental, porém, a fortíssima orientação de livre mercado e de sistema financeiro

presentes atualmente aguça o trade off economia e meio ambiente, elimina o social desse

contexto (e expurga o papel do Estado) e subtrai a sustentabilidade ambiental a partir de seu

17 “Dilema” não é, propriamente, a tradução mais interessante para o termo trade off, bastante comum em economia; na falta de

uma palavra mais exata em português, manteve-se o termo em inglês, sem a intenção de apologia ao anglicismo. Trade off é um dilema relativo às escolhas com reconhecimento de perdas e ganhos.

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tratamento com a lógica de mercado. Essa diretriz é seguida pelos economistas ambientais,

enquanto os economistas ecológicos, entretidos no trinômio econômico, social e ambiental, têm

que inevitavelmente sugerir o repensar do papel planejador do Estado e dos padrões produtivos

privados.

As dificuldades do entendimento entre economia, sociedade e meio ambiente não se

apresentam somente nas quase intermináveis (e por vezes entediantes) definições de

desenvolvimento sustentável, mas também, e talvez de forma predominante, nas diferentes

interpretações (ou intenções nelas embutidas) de uma mesma definição. O Relatório Bruntland

(CMMAD, 1988) tem a definição mais vulgarizada (mas não necessariamente a mais clara, ao

revés, bastante superficial e dúbia18

), quando define desenvolvimento sustentável como aquele

que satisfaz as necessidades atuais sem sacrificar a habilidade do futuro satisfazer a suas.

Martinez Alier (1998) se notabiliza como um dos maiores críticos ao Relatório

Bruntland, devido à sua associação entre pobreza e meio ambiente. Para o autor, as relações entre

riqueza e degradação ambiental são diversas, segundo o indicador escolhido e, portanto, há

argumentos para todos os gostos. Por exemplo, as emissões de dióxido de enxofre aumentam com

a industrialização, porém, diminuem quando um país é mais rico e se instalam filtros (devido à

introdução de leis e sanções ambientais) nas centrais térmicas ou nas fundições de metais. Outro

exemplo, a qualidade da água é inferior nos países pobres e aumenta com a riqueza, porém, o

consumo de água também aumenta com a riqueza e, portanto, os aqüíferos se esgotam nos países

ricos, sendo que em zonas costeiras se salinizam pela intrusão de água marinha. Mais outros

exemplos a destacar são os casos das emissões de dióxido de carbono (tão em voga) e óxidos de

nitrogênio (tão grave, mas bem menos debatido que o primeiro), que aumentam com a riqueza,

como também o lixo doméstico, cuja composição é menos reciclável quanto mais alto for o nível

de vida.

Ao se selecionar alguns indicadores, há a argumentação de que a riqueza é boa para o

meio ambiente, e de fato assim tem se posicionado a Organização Mundial do Comércio (OMC)

das Nações Unidas, exposto à crítica dos economistas ecológicos contra os excessos do livre

comércio. Para a OMC, o comércio liberalizado faz crescer a economia19

e isso resolve os

18 Nos idiomas latinos, o termo “desenvolvimento sustentável” remete-se ao conceito de “capacidade de sustentação”, próprio da

ciência ecológica, mas na língua inglesa, Sustainable Development não é, a primeira vista, tão diretamente relacionado com Carryng Capacity, portanto, depende da definição atribuída ao termo Sustainability. 19 Com omissão ou não qualificação do tipo de crescimento econômico que se deseja, mesmo que seja aquele que expurga os

empregos dos países menos competitivos.

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problemas ecológicos. Cá está implícita a idéia de que as barreiras ambientais são totalmente

transponíveis pela ciência e tecnologia. A principal mensagem do Relatório Bruntland foi

precisamente que a pobreza é a causa da degradação ambiental e daí a explícita (e imprópria)

recomendação de um caminho de crescimento econômico de três por cento ao ano no Sul e no

Norte.

O crescimento econômico, meramente rebatizado de “desenvolvimento sustentável”

(ou, nos termos atuais do “Novo Consenso Macroeconômico”, de “desenvolvimento sustentado”)

é um remédio (usando o termo irônico de Martinez Alier, 1998) ao mesmo tempo contra a

pobreza e a degradação ambiental (a suposta conseqüência da pobreza). Assim, o Relatório

Bruntland relegou ao segundo plano a redistribuição de renda.

Mas o que de fato significa o desenvolvimento sustentável? Existem duas correntes

básicas de interpretação econômica, Economia Ambiental e Economia Ecológica, que podem ser

didaticamente explicadas pelas Figuras 03, 04 e 05. Cheguemos à interpretação das figuras

supracitadas traçando uma breve linha cronológica do pensamento econômico, onde é possível

constatar um ciclo que tem início nos pensamentos clássicos e marxistas (que em muito diferem)

e que retorna à origem com o surgimento de uma das correntes da economia do meio ambiente, a

Economia Ecológica, evidentemente, guardadas suas diferenças, épocas e contextos históricos.

Os economistas clássicos e marxistas, principalmente Ricardo e Malthus no caso dos primeiros,

consideravam a renda de qualquer atividade produtiva oriunda de três tipos de ativos de

produção: terra (recursos naturais), trabalho (recursos humanos) e capital (recursos monetários).

Mas os economistas neoclássicos do laissez-faire, ao tratarem a economia dentro de uma

racionalidade meramente industrial, minoraram o ativo terra de seus modelos (assumindo-a como

resultado da aplicação do capital para adquiri-la) e se concentraram somente em trabalho e

capital, como se a terra, fonte de recursos naturais, não tivesse importância para prover o

funcionamento da indústria e da própria economia20

. Com o “Novo Consenso Macroeconômico”,

os economistas neoclássicos trazem um novo enfoque, isto é, a exemplo do caso do ativo terra,

consideram o ativo trabalho também como secundário, já que a economia de ativos financeiros

não necessita, necessariamente, do trabalho para gerar acumulação capitalista (Sebillotte, 1982;

Groppo, 1991; Mattos et al, 2001).

20 Não questionamos a abordagem do ativo terra como capital, pois ela o é no sentido econômico, no entanto, a Economia

Ecológica a separa da classificação como capital, pois há outras implicações envolvidas além do capital, como a provisão de recursos naturais ao próprio processo produtivo.

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Todavia, o ciclo toma o “caminho de volta” nos últimos anos, ao rebatizar os ativos

terra, trabalho e capital como capital natural, capital social e capital monetário,

respectivamente. Primeiro veio a inserção do capital social (ou reinserção do trabalho) nas

abordagens de desenvolvimento econômico (Mattos et al, 2001). Para Abramovay (2001), a

recente incorporação do termo capital social ao vocabulário das instituições internacionais de

desenvolvimento é um sinal dos tempos, em contraposição à ênfase dominante nos anos 80

atrelada ao ideário do Consenso de Washington. O ativo capital social é o que vem sendo tratado

nas ciências sociais como um conjunto de características, entre elas, confiança, normas e

sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações

coordenadas. Para o autor, o capital social é, antes de tudo, a resposta ao ceticismo neoclássico

em relação à ação coletiva.

Não seríamos tão enfáticos em atribuir simplesmente ao capital social uma forma de

resposta aos neoclássicos, ainda que seja parte importante desse debate. Apenas conceber o

capital social como meio fundamental para o desenvolvimento sustentável seria assumir os

pressupostos que determinam o papel meramente regulador dos Estados nacionais. Dentro de

uma ordem democrática que se deseja para todas as nações são fundamentais os papéis

“planejador” e “interventor” do Estado21

, para que prioridades sejam estabelecidas e executadas

por meio de políticas públicas (e não simplesmente pela livre iniciativa privada). Isso

absolutamente não significa estabelecer prioridades “de cima pra baixo”, mas sob a coordenação

do Estado, de modo a viabilizar meios paritários entre governo e sociedade nos processos de

decisão e abrir espaços de proposição de políticas públicas de “baixo pra cima” advindas da

sociedade civil organizada e do setor privado. Com esse arcabouço institucional constituído, entra

a relevante atuação do capital social no planejamento e execução de políticas públicas como

parceiro do Estado em cada localidade.

Mattos (2006) demonstra essa relação em estudo sobre agricultura familiar e serviços

ambientais na Amazônia, ao analisar as dificuldades encontradas pelo Programa de

Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural (Proambiente) na gestão

compartilhada entre governo e sociedade. Enquanto houve boa atuação governamental (2000-

2004), na parte que lhe cabia responsabilidade na gestão compartilhada supracitada, as metas do

programa atribuídas ao “braço” da sociedade civil organizada foram satisfatoriamente atingidas

21 Sobretudo em países em desenvolvimento com disparidades sociais e que contém contingentes de populações camponesas,

tradicionais e/ou indígenas com modos de vida fora da lógica de mercado.

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em sete regiões onde havia mobilização e organização social prévia, isto é, onde estava

constituído o capital social, porém, em quatro regiões com fragilidades na formação do capital

social, mesmo com as condições governamentais oferecidas, não houve o avanço técnico-político

planejado. No entanto, quando as ações governamentais se esvaziaram (a partir de 2005), tanto as

regiões com e as sem capital social consolidados depararam-se com profundas dificuldades de

execução (embora os mais organizados tenham conseguido ainda avançar em algumas metas, mas

de maneira tímida e insuficiente para atingir suas demandas), evidenciando-se os limites que

também contém a ação coletiva da sociedade na ausência do Estado.

De acordo com Mattos et al (2001), o retorno do ativo terra, ou capital natural, vem

do reconhecimento de algumas linhas de pensamento econômico de que a evolução da economia

humana não tem como fator limitante a tecnologia, mas o fornecimento constante dos recursos

naturais. Como pondera Merico (1996), nossa relação com o ambiente natural encontrou uma

barreira intransponível: os limites da biosfera. A mudança paradigmática em curso aparece como

um elemento reorganizador dos processos econômicos, cujo eixo principal é a busca da

sustentabilidade ambiental nos processos de desenvolvimento (sem dele abdicar). A crença de

que o avanço tecnológico e o acúmulo de capital monetário são perfeitos substitutos para o

capital natural é um dos pilares do pensamento econômico conservador que baliza a Economia

Ambiental. Essa argumentação econômica não se confirma quando é inserida a questão de escala

da economia em relação à capacidade de suporte dos ecossistemas e se percebe que o próprio

crescimento econômico, além de certos limites, tem gerado custos muito elevados na reparação

das externalidades ambientais, de forma que não há, em muitos casos, dinheiro ou tecnologia

capaz de substituir os serviços ambientais proporcionados pela biodiversidade, regulação

climática, ciclo hidrológico, proteção da camada de ozônio e outros exemplos. Assim, a

orientação do crescimento econômico deve considerar a inserção dos processos econômicos nos

limites da biosfera.

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A Figura 03 ilustra a visão onde o sistema econômico não é limitado por restrições

ambientais como disponibilidade e renovabilidade de recursos naturais ou capacidade de

assimilação dos ecossistemas. Esta é a visão implícita inicialmente nos modelos de representação

da realidade econômica, onde apenas são considerados os ativos de produção capital e trabalho.

A Figura 04 ilustra a maneira como a Economia Ambiental (neoclássica) incorpora o meio

ambiente, onde o sistema econômico é apenas relativamente limitado pelas restrições do meio

ambiente, as quais seriam superáveis indefinidamente pelo progresso científico e tecnológico. A

Figura 05 ilustra a Economia Ecológica, onde o sistema econômico é visto como um subsistema

de um todo maior que o contém, o meio ambiente, o qual impõe restrições absolutas à sua

expansão (Romeiro, 1999a; Romeiro, 2001; Mattos & Cau, 2009).

Para a Economia Ambiental, a escassez crescente de recursos naturais ou serviços

ambientais se traduz em elevação dos preços, como em qualquer situação de escassez de oferta

frente à demanda (ou numa simples relação microeconômica de curva de oferta e demanda, de

relação unívoca e binária de preço-quantidade), o que induz a introdução de inovações

poupadoras ao meio ambiente.

A partir da suposição de que os mecanismos de mercado falham na valoração direta

de bens públicos não transacionáveis em mercados (como recursos naturais e serviços

ambientais), a Economia Ambiental introduz, como uma de suas ferramentas metodológicas, o

conceito de “disposição a pagar”, via enquêtes oficiais, à medida que a escassez ambiental

aumenta. No entanto, a capacidade de julgamento dos indivíduos é socialmente condicionada

pelos seus poderes econômicos e políticos e pelos interesses locais, e os preços de mercado

refletem a escassez de cada recurso em particular, e não a escassez absoluta dos recursos em

Figura 03 sistema econômico é central

(sem abordagem ecológica)

Figura 04 sistema econômico é central

(com abordagem ecológica)

Figura 05 sistema econômico não é central

(com abordagem ecológica)

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geral. Logo, a determinação de preços relativos através da “disposição a pagar” tem distorções

insuperáveis, além de não observar a relevância da distribuição de renda e do acesso aos recursos

naturais por todas as camadas da sociedade nos processos de desenvolvimento.

Assim, a Economia Ambiental parte da suposição de que toda externalidade, toda

contribuição de um recurso natural ou de um serviço ambiental pode receber uma valoração

monetária pelo mercado, ou se houver falhas, pode ter seu valor imputado pelo Estado. Para

alcançar tal valoração, além da “disposição a pagar”, os economistas ambientais propõem,

seguindo os achados do economista britânico Ronald Coase, a atribuição de “direitos de

propriedade” sobre os recursos naturais e serviços ambientais, uma vez que confiam em que seus

proprietários os troquem a preços idôneos.

A alternativa ideal para a Economia Ambiental, mas operacionalmente não factível,

seria a definição de “direitos de propriedade” sobre todos os recursos naturais de modo a criar o

necessário mercado. Justificando o argumento com base na publicação The Problem of Social

Cost22

do economista britânico Ronald Coase, a idéia é que se os problemas ambientais são

externalidades que decorrem do fato de que parte importante dos bens e serviços ambientais são

recursos públicos, a atribuição destes direitos criaria um mercado para os bens e serviços e

resolveria o problema independentemente de quem seja o proprietário (“Teorema de Coase”).

O atrativo do que se convencionou chamar Teorema de Coase é a regulação dos

conflitos ambientais pelo mercado, sem que sejam necessárias intervenções externas nem que

ninguém defina “politicamente” o valor dos recursos naturais e dos impactos ambientais

(Martínez-Alier & Roca Jusmet, 2001).

Outros economistas ambientais, como David Pearce e Kerry Turner, alegam que a

proposição coaseana é operacionalmente inviável, entre outras razões, pelos custos de transação

que implica (como o próprio Ronald Coase reconhece). A alternativa é o Estado intervir e atribuir

valores aos bens e serviços ambientais de domínio público. Esta idéia provém do economista

britânico Arthur Pigou, que na década de 1920 propôs a internalização das externalidades através

da atribuição de taxas aos bens públicos cujo uso gerava as próprias externalidades. Os

economistas ambientais recuperaram o esquema analítico “pigouviano” e o aplicaram para tratar

a problemática ambiental.

22 Publicado em outubro de 1960 no Journal of Law and Economics.

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Em resumo, para a Economia Ambiental, as soluções ideais seriam aquelas que de

algum modo criassem as condições para o livre funcionamento dos mecanismos de mercado, seja

diretamente, eliminando o caráter coletivo desses bens e serviços através da definição de “direitos

de propriedade” sobre eles (negociação coaseana), seja indiretamente através da valoração

econômica destes e da imposição desses valores pelo Estado (precificação pigouviana) (Arrow et

al, 1995; Romeiro, 1999a; Romeiro, 2001).

Sob o ponto de vista analítico, é interessante notar que o conceito de “disposição a

pagar”, que baseia a Economia Ambiental, insere o meio ambiente no sistema econômico

“posteriormente ao impacto” (ex post), ou seja, de forma mitigadora. Já a Economia Ecológica

assume reconhecimento e estímulo aos provedores de serviços ambientais à sociedade, ou seja,

internaliza a questão ambiental nos sistemas produtivos “anteriormente ao impacto” (ex ante)

(Romeiro, 2001; Mattos & Cau, 2009).

A segunda interpretação da economia do meio ambiente (Figura 05) refere-se à

Economia Ecológica, que pressupõem que o caminho para a sustentabilidade está na lógica

econômica cíclica com novos estilos de vida, produção e consumo. A ciência e tecnologia devem

promover estudos que determinem escalas locais sustentáveis de uso dos recursos naturais, a

partir de estudos integrados de conhecimento físico e de relações sociais dos territórios, sendo

que a determinação das escalas só pode ser realizada por meio de processos coletivos de tomadas

de decisão (entre entes públicos e privados) subsidiadas por informações oficiais e científicas. O

Princípio de Precaução é valorizado pela Economia Ecológica, com a adoção antecipada de

medidas contra fonte potencial de danos sem esperar certezas científicas de causa-efeito da

atividade, logo, para essa corrente, a racionalidade econômica também envolve valores culturais e

sociais, o que inevitavelmente demanda profundas mudanças institucionais, novos instrumentos

econômicos e inovadoras metodologias de valoração indireta de serviços ambientais, indo além

da microeconomia (Romeiro, 2001; Mattos, 2006).

Gligo (1987) expõe que o divórcio entre o desenvolvimento econômico e o meio

ambiente passa por confrontos entre a maximização de benefícios vis-à-vis o custo ecológico, ou

entre os benefícios econômicos imediatos vis-à-vis a sustentabilidade das transformações para

benefícios de médio e longo prazos. Desse modo, a problemática ambiental, a cada dia, torna-se

um objeto de relevante ascensão política.

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Mudar o padrão de desenvolvimento econômico, ou melhor, redefinir os indicadores

de desenvolvimento, demanda uma profunda mudança não somente política, mas

fundamentalmente cultural. Conforme demonstrado por Polanyi (1980) na sua clássica obra A

Grande Transformação, “o sistema econômico é imerso num componente de cultura humana, e a

exemplo de nossa cultura, está num constante estado de evolução (...) sistemas econômicos,

sociais e políticos, bem como avanços tecnológicos, são exemplos de adaptação cultural”. Mas

como fazer a adaptação cultural? Talvez o primeiro passo seja reconsiderar conceitos errôneos,

um deles de que a Terra é ilimitada na oferta de matéria, e outro de que fontes energéticas sempre

estarão a nossa disposição. Pois a Economia Ecológica, em contraste, visualiza a macroeconomia

como uma parte de um todo: a Terra, com sua atmosfera e seus ecossistemas.

Para Romeiro (2001), três categorias básicas de recursos merecem atenção numa nova

lógica de planejamento e desenvolvimento econômico: (1) recursos renováveis, elementos da

estrutura ecossistêmica que provém matéria-prima para os processos econômicos; (2) serviços

ecossistêmicos, definidos como as funções ecossistêmicas de valor para os seres humanos e

gerados pela interação entre elementos da estrutura ecossistêmica; (3) capacidade de absorção de

resíduos, um serviço ecossistêmico que é distinto dos outros e por isso merece tratamento em

separado.

Existem dois grupos de três quesitos que são muito relevantes para a Economia

Ecológica no sentido de diminuir os trade-offs entre crescimento econômico e meio ambiente. O

primeiro desses grupos refere-se à necessidade premente das atividades econômicas substituírem

os recursos naturais não renováveis por recursos naturais renováveis (quesito 1), de usarem os

recursos naturais renováveis dentro da capacidade do meio ambiente de renová-los (quesito 2) e

de gerarem resíduos de produção e consumo (orgânicos ou inorgânicos)23

dentro da capacidade

de assimilação do meio ambiente (quesito 3). O segundo grupo é relativo à escala sustentável

(quesito 1), distribuição justa (quesito 2) e alocação eficiente (quesito 3).

Para Merico (1996), a queda da produtividade econômica, a queda da qualidade de

vida e a degradação do capital natural possuem vínculos estreitos. Nesse sentido, Mattos et al

(2001) trazem alguns exemplos a serem seguidos, de acordo com o trade off apontado acima para

o primeiro grupo: quesito 1 – substituir o recurso não renovável petróleo não só pelo recurso

23 A Economia Ecológica trata o terceiro quesito tanto para o caso de resíduos orgânicos quanto para inorgânicos, pois os

primeiros também se apresentam como potenciais poluentes se forem descartados em excesso no meio ambiente, resultando em eutrofização artificial que supera a demanda bioquímica de oxigênio de determinado ambiente.

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renovável álcool24

, mas também por outros mais sustentáveis, como energia hidráulica, eólica e,

sobretudo, solar; também garantir que um determinado padrão de qualidade de vida não seja

reduzido pela diminuição de estoques de recursos naturais, como é o caso emblemático da

mineração25

; quesito 2 – não utilizar o recurso renovável madeira a uma taxa acima da

capacidade de regeneração florestal, adotando-se como prática a extração madeireira sob manejo

florestal cientificamente validado26

; incentivar a adoção de florestas plantadas em sistemas

consorciados ou de uso múltiplo da terra, de modo a evitar a exploração predatória de áreas

nativas; quesito 3 – na irrigação, retornar água previamente tratada ao curso d‟água.

Parece claro, portanto, que para os economistas ecológicos, as escalas em quantidades

de bens e serviços ambientais que serão usadas são tomadas como parâmetros físicos aos quais

deverão se ajustar às variáveis não físicas da tecnologia, das preferências e da distribuição de

renda. A determinação de uma escala sustentável, por sua vez, da mesma forma que uma

distribuição justa, envolve valores outros que a busca individual de maximização do bem-estar

individual, como responsabilidade intra e inter-geracional. Os preços que medem os custos de

oportunidade da realocação não estão, portanto, relacionados com aqueles referentes aos custos

de oportunidade da distribuição de renda ou da mudança de escala. Qualquer trade off entre esses

três quesitos envolve um julgamento ético sobre a qualidade das relações sociais, e não um

cálculo frio sobre as “disposições a pagar” (Romeiro, 1999a).

Conforme explicam Daly & Farley (2000), a Economia Ecológica coloca a escala

(primeiro quesito do segundo grupo) como princípio fundamental no desenho de políticas

públicas que garantam o uso sustentável dos recursos naturais. Por conseguinte, existem alguns

mecanismos que, atrelados às políticas ambientais, podem tratar ou impactar a escala, entre eles,

os mecanismos de “regulação direta”, as “licenças de comercialização” e as taxas pigouvianas.

Em relação à “regulação direta”, os instrumentos de regulação constituem-se como o

modo político mais comum e apresentam diversas formas; uma delas comumente usada é a

restrição ou proibição governamental de uso de uma substância ou recurso pela iniciativa privada

(ex: proibição de uso de um inseticida muito nocivo à biodiversidade), mas a regulação

24 Uma política de substituição do petróleo pelo álcool é algo extremamente relevante para o desenvolvimento sustentável das

nações, desde que observados critérios socioambientais e fundiários. Outra questão é considerar que não só combustíveis fósseis são recursos finitos, mas também o ativo terra, base para a produção de biocombustíveis como o etanol, o que exige grande eficiência produtiva. 25 O processo de desenvolvimento sustentável ainda não encontrou substitutos aos metais, desafiando a lógica de inovação

schumpteriana para o caso ambiental. 26 Vale a crítica ao Sistema Florestal Brasileiro (SFB), que não exige metodologias de manejo florestal cientificamente validadas.

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governamental também pode limitar a forma e o volume de emissão de um determinado poluente

por empresas de um ramo específico (ex: limites legais, dentro dos padrões internacionais de

saúde pública; impostos para despejo de determinados efluentes industriais nos leitos fluviais), ou

ainda ser permitida a exploração de um recurso em apenas uma época do ano (ex: época do

defeso, em que os pescadores devem respeitar as estações de pesca de acordo com a biologia da

reprodução de espécies de valor econômico, tendo como contrapartida o recebimento de uma

remuneração compensatória do Estado). O estabelecimento de um tipo de “regulação direta”

também pode forçar o desenvolvimento e a aquisição de tecnologias adequadas às novas formas

impostas.

Já as “licenças de comercialização” constituem-se em outro mecanismo de custo-

efetivo para obter um objetivo específico. Mais do que elevar as taxas para reduzir a demanda, as

“licenças de comercialização” exigem o estabelecimento de cotas pela sociedade (ex: quantidade

máxima de poluição ou de depleção de um recurso natural), dando um caráter preventivo e ex

ante ao impacto.

Sobre o segundo quesito do último grupo, por que a distribuição de renda e riqueza é

sempre uma questão tão controversa? Daly & Farley (2000) apontam três motivos: (1) pessoas

mais ricas consomem uma excessiva quantia de recursos finitos (e comprometem o padrão de

consumo de futuras gerações); (2) pessoas mais pobres não pensam tanto em sustentabilidade

porque necessitam pensar na sobrevivência momentânea, e não no bem-estar futuro; (3)

preocupar-se com a sustentabilidade é preocupar-se com a distante (e muitas vezes não cognitiva)

distribuição inter-geracional. Os três pontos são pertinentes, mas insuficientes, pois não entram

na questão fulcral da má distribuição de renda: divisão social do trabalho e relações capitalistas

de produção.

Mas qual deve ser a renda individual máxima compatível com a distribuição justa, por

conseguinte, com a escala sustentável de produção e consumo? Os economistas ambientais

considerariam esse tipo de questão política uma intrusão na liberdade econômica individual.

Entretanto, vivemos num planeta finito, sujeito às leis da termodinâmica, assim, se todos

consumirem excessivamente na presente geração, os recursos disponíveis serão reduzidos para as

futuras gerações. Desse modo, um imposto sobre consumo progressivo de produtos não

renováveis (ou sobre consumo de produtos renováveis com retirada de recursos superior à

capacidade de renovação do meio ambiente) pode ser uma inovação para evitar externalidades

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negativas. Ademais, políticas de distribuição de renda precisam conter também um sistema de

imposto de renda altamente progressivo (a exemplo do que ocorre nos países europeus

ocidentais), assim como políticas de distribuição de riqueza necessitam incluir um imposto

progressivo de taxação de herança (a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos).

Para Daly & Farley (2000), muitos países instituíram políticas de garantia de renda

mínima que podem auxiliar a sustentabilidade pelo alívio à pobreza, bem como reduzir a lacuna

entre sociedades ricas e pobres. Para os autores, políticas de renda mínima justificam-se, pois

auxiliam o acesso universal aos bens públicos. A visão dos autores é em parte questionável, pois

além da infeliz relação entre pobreza e meio ambiente já criticada no presente estudo a partir dos

achados de Martinez Alier (1998), numa sociedade capitalista, as políticas de renda mínima

podem aliviar sim a pobreza, mas muito provavelmente não reduzirão a lacuna entre riqueza e

pobreza se os processos produtivos estabelecidos forem concentradores de renda, como

comumente os são. Nesse caso, as políticas de renda mínima são meramente compensatórias, pois

não promovem mudanças estruturais. Não nos esqueçamos que um país pode aliviar a pobreza e

concentrar renda ao mesmo tempo, fenômeno relativamente comum. Para elevar a renda dos mais

pobres e ao mesmo tempo desconcentrá-la no âmbito nacional de forma sustentável, faz-se

necessária a oferta de crédito também às classes com menos renda, sob juros mais amenos e

critérios ambientais.

A alocação eficiente não é o primeiro mote da Economia Ecológica, pois está à frente

dela, em grau uno de importância, a escala sustentável e a distribuição justa. No entanto, a

alocação eficiente, embora defendida pela Economia Ambiental, tem relevância à Economia

Ecológica na formulação de políticas de desenvolvimento. Quando tratamos de alocação

eficiente, inevitavelmente, nos remetemos a quatro tópicos: (1) valoração de bens e serviços não

mercantis27

; (2) macro-alocação28

; (3) aspectos espaciais de bens não mercantis29

; (4) redefinição

de eficiência30

.

27 Há os seguintes problemas metodológicos para a valoração de bens públicos, serviços e externalidades ambientais (positivas ou

negativas): (a) valor de uso versus valor de troca (o valor de uso do serviço ambiental insere-se no estoque total dos recursos naturais; o valor de troca é o valor da próxima unidade marginal a ser utilizada; de maneira geral, um recurso natural ainda abundante tem um valor de troca baixo, mas sua existência tem valor de uso infinito); (b) custos de monitoramento e informação: algumas formas de uso dos recursos naturais os tornam escassos ao longo do tempo, logo, sua valoração e internalização das externalidades ambientais demandam atualizações periódicas e conhecimento suficiente para balizar o sistema de preços (algo que

exige um domínio público caro e necessário); (c) valoração a partir de situação hipotética: a valoração é baseada em situações hipotéticas (mercados criados artificialmente levantam suposições hipotéticas ou fictícias para valoração da vida). Para a Economia Ambiental, a valoração trata-se simplesmente de um problema de alocação, com solução suficiente no uso da “taxa de desconto”, isto é, qualquer produção abaixo da “curva de produção máxima sustentável” direciona ao aumento de estoque no tempo, assim como qualquer produção acima da mesma curva reduz o estoque no tempo. Desse modo, o “valor líquido presente”

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De acordo com Mattos & Hercowitz (2010), dentro dos princípios da Economia

Ecológica, é mais salutar que a valoração de serviços ambientais se dê de forma indireta, a partir

dos custos de oportunidades de mudanças qualitativas de uso da terra e dos recursos naturais, ou

seja, a produção econômica deve ser associada à prestação de serviços ambientais. Segundo os

autores, a mera atribuição direta de preços aos recursos naturais (e, conseqüentemente, aos

serviços ambientais) deve ser metodologicamente refutada pela Economia Ecológica, pois em

cada projeto, em cada caso, em cada território, é necessário estipular o custo particular de

conversão sustentável de atividades produtivas, de modo a gerar retornos econômicos e

socioambientais. Os retornos econômicos da conversão sustentável, porém, podem garantir

apenas parte do investimento, logo, essa lacuna de custo passa a ser considerado, indiretamente, o

é o valor presente de todos os custos e benefícios que se movem do presente ao futuro, não obstante, essa linha valora o “valor líquido presente” pelo uso de uma “taxa de desconto” que dá menos peso aos custos e benefícios que de fato ocorrem no futuro, o que nos traz a conclusão de que os economistas ambientais serão favoráveis a uma exploração de recursos renováveis contanto que os benefícios marginais de obtenção desses recursos sejam maiores que os custos marginais correspondentes, de maneira a cessar a atividade quando ambos se igualarem. O problema está em que ao comparar custos e benefícios presentes e futuros, os

economistas ambientais, ainda que incorporem os custos ambientais, não incorporam as taxas de renovação dos estoques de recursos renováveis. Portanto, não há uma comparação entre benefício imediato e perda futura de um recurso renovável. Para a Economia Ecológica, trata-se de uma questão ética a distribuição de recursos naturais entre gerações. A definição de métodos, portanto, também é uma questão de ética. Enfim, para a Economia Ecológica, em qualquer situação, a valoração direta de recursos naturais não é suficiente para garantir melhor alocação dos recursos, pois como esse tipo de valoração é algo ditado pelo mercado, inevitavelmente, levará ao objetivo da maximização dos lucros, que não oferece garantia de bem estar à sociedade. Para os economistas ecológicos, não basta “taxa de desconto” do meio ambiente se não houver outro padrão de desenvolvimento. 28 Supondo uma hipotética situação de confiança (ou simetria) de informações, se a população tem o desejo de consumir mais

bens e serviços não mercantis, por conseguinte, o Estado deverá coordenar a oferta direta ou indiretamente. O problema da provisão indireta refere-se às externalidades positivas que o setor privado se apropriaria, assim, é necessário implantar um

subsídio, para que parte da externalidade seja dividida com a sociedade. O financiamento do subsídio pode ser via senhoriagem governamental (ex: empréstimos sob juro zero aos prestadores dos bens e serviços não mercantis). Mas não nos esquecemos da situação sob assimetrias de informações. Na decisão entre a preservação de bens e serviços não mercantis e o crescimento da produção de bens mercantis, o marketing tem papel decisivo, pois pode direcionar negativamente as preferências dos consumidores para os bens mercantis sob modos de produção não sustentáveis (mesmo que nele esteja inserido o marketing ecológico), destarte, limites ambientais devem ser impostos pelo Estado às propagandas, visando o bem coletivo e a redução de falta de informações. Na mesma direção, a veiculação obrigatória de propagandas de bens e serviços não mercantis necessita se r veiculada. Não se trata de promover a censura, mas o bem público. 29 A distribuição espacial dos impactos ambientais pode gerar problemas locais, regionais, nacionais ou globais, ao revés, as

causas são de âmbito local e estão, muitas vezes, sob responsabilidade individual. Os entes produtivos (públicos ou privados) ,

portanto, causam externalidades negativas à sociedade, mas obtém lucros individuais. Assim, é de responsabilidade indelével do Estado a regulação dos processos econômicos produtivos, bem como da degradação ambiental e impacto social causados pelos mesmos processos. Entretanto, a regulamentação pode ir desde o âmbito local até o nacional, mas encontra limites em escala global. Para que gestões governamentais optem em atender os objetivos globais, há de se implantar formas de incentivos (ex: beneficiário do país A pagador ao provedor do país B). Os custos de transação, por sua vez, podem ser impeditivos em escala global, além da ausência de uma instituição multilateral verdadeiramente neutra para regular o funcionamento do mecanismo internacional. 30 Nos conceitos da Economia Ambiental, a eficiência é obtida quando a alocação dos recursos escassos gera o maior fluxo de

renda possível, porém, para a Economia Ecológica, a eficiência deve considerar a relação entre os serviços obtidos do capital manufaturado e os serviços sacrificados do capital natural. A melhor relação possível viria a partir da multiplicação de quatro

indicadores fracionais de eficiência: (a) eficiência dos serviços obtidos do capital manufaturado dividida pelo estoque de capital manufaturado, (b) estoque de capital manufaturado dividido pelo throughput (termo sem tradução para o português, que significa fluxo de recursos naturais do meio ambiente para a atividade econômica que retorna ao meio ambiente na forma de resíduo), (c) throughput dividido pelo estoque de capital natural e (d) estoque de capital natural dividido pelos serviços sacrificados de capital natural.

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custo do retorno socioambiental, ou de igual forma, o preço do serviço ambiental. As equações a

seguir representam a argumentação exposta:

[Equação 1]

Custo Ambiental = Custo da Produção Sustentável – Custo Padrão

[Equação 2]

Preço do Serviço Ambiental = (Preço de Mercado do Produto Sustentável – Preço Padrão) – Custo Ambiental

A equação 1 estima o custo da mudança do modo produtivo padrão para o modo

sustentável. Caso a mudança na base técnica se pague pelas opções do mercado consumidor, a

equação 2 resultará em sinal positivo, sendo desnecessária qualquer forma de remuneração de

serviços ambientais ao empreendedor, no entanto, se resultar em sinal negativo configura-se o

preço do serviço ambiental a ser recebido.

Ainda segundo Mattos & Hercowitz (2010), para operar tal mudança na base

produtiva, há de se criar um fundo público de serviços ambientais submetido a controle social,

revisão anual de metas, fontes fixas de receitas advindas de atividades produtivas privadas com

alto impacto ao meio ambiente (entrada de capital do fundo) e fomento e crédito produtivo para

atividades sustentáveis sob certificação pública (saída de capital do fundo). A cada período de

tempo, as exigências de certificação pública devem ser renovadas para taxar progressivamente os

empreendimentos responsáveis por impactos ambientais e estimular continuamente inovações

tecnológicas das iniciativas mais condizentes à legislação ambiental. Seria uma forma de girar a

economia continuamente e estimular processos produtivos inovadores e sustentáveis.

É também fundamental se estipular metas de conversão sustentável, podendo-se

exercer a remuneração indireta de serviços ambientais de forma gradual, a partir do alcance de

cada meta. Isso não só assegura a continuidade dos empreendimentos produtivos privados (e

respectivos empregos gerados), como a viabilidade paulatina de consolidação de um fundo

público de serviços ambientais. Mattos et al (2006) apresentam proposta de transição

agroecológica interna ao sistema de uso da terra e dos recursos naturais a partir da estipulação

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prévia de três grandes metas de conversão de uso da terra e dos recursos naturais em cada

contexto territorial: (1) eliminação de uso do fogo e redução e racionalização de uso de insumos

químicos; (2) substituição de insumos; (3) manejo da agrobiodiversidade e redesenho dos

sistemas produtivos agropecuários. Os autores ponderam que além de várias sub-metas atreladas

às três metas principais, deve haver uma estratégia integrada de transição agroecológica externa

ao sistema de uso da terra e dos recursos naturais, constituída pelo Estado em parceria com a

sociedade em cada território (dentro de um arcabouço estratégico nacional), como expansão da

consciência pública, organização de mercados e infra-estrutura, mudanças institucionais na

pesquisa, ensino e extensão, formulação de políticas públicas com enfoque agroecológico,

inovações na política de crédito e na legislação ambiental. Essa estratégica é aplicável para todos

os usuários da terra, desde a agricultura de grande escala com perfil exportador (que pode galgar

o alcance das metas 1 e 2 [ex: soja orgânica], e parcialmente a meta 3 [ex: integração lavoura-

pecuária]) até a agricultura familiar (com condições de pleno alcance das 3 metas, sobretudo, no

caso da valorização pelo crédito rural dos sistemas agroflorestais).

Entendidas as questões econômicas e ecológicas, entremos no rol político e de ciência

e tecnologia envolvidos nos processos de desenvolvimento sustentável. Gligo (1987) enfatiza que

qualquer ação de desenvolvimento implica numa forma de gestão ambiental onde, por um lado,

se utiliza o meio ambiente em função do desenvolvimento, noutro, se paga o custo ecológico

correspondente à intervenção. Nesse sentido, é indiscutível que através de uma maior

incorporação da dimensão ecológica, com correspondente aplicação de ciência e tecnologia,

pode-se lograr uma estratégia de desenvolvimento sustentável fisicamente, mas não

necessariamente sob o ponto de vista social (aspecto que necessita de políticas de distribuição de

renda).

Distintos grupos econômicos e classes sociais que conformam as sociedades nacionais

percebem de maneira distinta o meio ambiente, por conseguinte, os conflitos sociais e políticos, e

as estruturas dessas sociedades, se refletem na problemática ambiental. Portanto, isolar a questão

ambiental e negar seu rol político significa desconhecer a base fundamental que deve ser, de fato,

incorporada na política de desenvolvimento econômico daqui em diante. Ao assumir que a

problemática ambiental é um objeto político, será necessário confrontar os delineamentos

retóricos que freqüentemente encampam não somente os discursos políticos, mas

fundamentalmente os planos de governo, visando buscar o redirecionamento desses planos com

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estratégias, políticas públicas e programas governamentais mais contundentes no lado

socioambiental.

Ao corroborar com as idéias expostas acima, Gligo (1987) alerta que conceber a

problemática ambiental de modo a reduzi-la à simples aplicação de meras técnicas de impacto

ambiental e análise econômica desses impactos configura a intenção de encobrir as causas da

mesma problemática. Há um grande segmento da população mundial que demanda melhor nível

de segurança alimentar e oferta de empregos e salários, mas comumente, a discussão ambiental

passa à margem dessa demanda.

Para Martinez Alier (1987), a Economia Ecológica põe em dúvida boa parte do

ortodoxo instrumental da Economia Ambiental, pois a fundo, é uma linha de pensamento

econômico que incorpora a ecologia humana, e por isso, assume que existem profundas

diferenças de percepções no uso e degradação de energia e materiais entre pessoas e territórios.

Em ambos os casos, o fator renda é relevante na relação com o meio ambiente, pois comumente

pessoas e territórios mais capitalizados têm maior uso econômico dos recursos naturais. Nesse

sentido, o autor defende que a geografia econômica tem que incorporar a geografia política, e cita

a Amazônia como exemplo: no território amazônico não existe uma estrutura sociopolítica que

permita fazer frente às inserções destrutivas, nem ao menos uma estrutura capaz, pelo menos, de

cobrar um preço elevado pelo crime do desmatamento, assim, a desestruturação sociopolítica é

causa e conseqüência da degradação ambiental, que deve ser estudada não só com o referencial

econômico, mas também ecológico.

Para Romeiro (1999a) existe uma relação íntima entre a dinâmica das representações

científicas do meio ambiente, a seleção das bases tecnológicas e a estruturação dos espaços

econômicos do mercado. Esta articulação resulta em convenções ambientais que, por sua vez, dão

origem a regimes de regulação e a estruturas de incitações econômicas que vão ter um impacto

decisivo sobre a dinâmica empresarial e tecnológica.

Em termos gerais, dentro das instituições públicas, existem manifestas carências no

domínio de metodologias de análise ambiental, de ferramentas estatísticas e de indicadores

sociais, econômicos e ambientais que poderiam facilitar a gestão governamental do meio

ambiente.

Conforme ressalta Gligo (1987), o potencial de uso de um recurso natural é uma

função de suas características intrínsecas. Sua acessibilidade (e também sua situação de acordo

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com os recursos complementares) é função da demanda, da tecnologia e dos investimentos

necessários para sua exploração. Para se estabelecer um adequado sistema de análise de recursos

naturais, é necessário planejar o processo de desenvolvimento e o aporte de recursos naturais

demandados para esse fim. Existe a errônea concepção de que os sistemas de análise de manejo

integrado de recursos naturais devem basear-se em estudos clássicos de solos, água, vegetação,

biodiversidade e clima. Não se discute a importância desses estudos, mas um sistema de análise

que parte de um diagnóstico que não contempla as interações entre os elementos bióticos e

abióticos cai no vazio e subestima ou superestima as formas de uso do meio ambiente.

Na América Latina, por exemplo, a análise está dirigida para determinados recursos

que compõem a pauta de demanda dos mercados internacionais, onde em muitos casos as

empresas privadas nacionais e transnacionais detêm mais informações estratégicas que os

próprios Estados nacionais, assim como há o problema de falta de tecnologias adequadas para o

ambiente tropical, dentro dum quadro nítido de divisão internacional do trabalho em ambos os

casos. Outro sério problema advém do deficiente planejamento de ciência e tecnologia (e do

processo de desenvolvimento em si) sobre o uso de recursos naturais, com uma série de

instituições públicas e privadas que exercem responsabilidades específicas e parciais, com

notórias duplicações de resultados e perda de recursos financeiros públicos em certos casos, e

vazio de informações noutros.

Baseado nos princípios da Economia Ecológica, Gligo (1987) salienta que o

levantamento do patrimônio ambiental de uma nação é algo indispensável para gerar uma

contabilidade ambiental que condicione o planejamento de processos de desenvolvimento

endógeno, ressaltando-se que tal contabilidade não deve se restringir à atribuição de valores

monetários, mas também às unidades físicas e energéticas.

Portanto, o alcance do desenvolvimento econômico endógeno e sustentável não pode

prescindir de alguns desafios prévios a serem assumidos pela ciência e tecnologia no uso dos

recursos naturais, sendo eles: (1) conhecimento do patrimônio ambiental da nação e das

particularidades patrimoniais ambientais de cada território, por meio de (a) análises quantitativas

de determinem estoques e capacidade de renovação dos recursos bióticos e abióticos, (b) análises

qualitativas das relações entre recursos bióticos e abióticos e (c) estudos de interação entre

biodiversidade, complexidade, estabilidade e resiliência de ecossistemas; (2) determinação de

escalas sustentáveis de uso dos recursos naturais, pela definição de (a) taxas de exploração de

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recursos naturais renováveis dentro da capacidade de renovação do meio ambiente e (b) taxas de

exploração dos recursos naturais não renováveis dentro de prazo compatível para sua substituição

por alternativas renováveis; (3) determinação de taxas de emissão de resíduos dentro da

capacidade de assimilação do meio ambiente. Assim, a pauta científica e tecnológica gerará

demandas no campo político-econômico por mudanças institucionais e criação de instrumentos

econômicos que garantam a prestação dos serviços ambientais.

A integração da ciência e tecnologia ao processo planejado de desenvolvimento

endógeno e sustentável nos faz retornar, agora com mais elementos, ao “Princípio da Precaução”,

tão valorizado pela Economia Ecológica, e igualmente refutada pela Economia Ambiental. De

acordo com os achados de Romeiro (2001), o “Princípio da Precaução” se situa na articulação de

duas lógicas opostas: de um lado, se encontra reafirmada a busca do enraizamento da inovação

tecnológica e da ação econômica no conhecimento científico dos riscos, de modo que as decisões

públicas sejam tomadas em todo conhecimento de causa; de outro lado, se reconhece a

incapacidade freqüente do conhecimento científico em fornecer em tempo hábil as bases

adequadas para uma decisão pública positiva ou substancialmente racional, fundada sobre provas

científicas. Pelas duas razões, o “Princípio de Precaução” é freqüentemente interpretado como

um meio de restaurar a primazia do político na definição dos problemas e na oportunidade de

engajar uma ação pública.

Ainda de acordo com Romeiro (2001), a primeira das duas lógicas leva ao aumento da

necessidade de informações científicas para as decisões coletivas e, por conseguinte, a maior

responsabilidade e capacidade de influência dos cientistas. A segunda à necessidade de maior

participação da sociedade nos assuntos científicos, o que torna a ciência submetida, de modo

intenso, às estratégias de influência. Portanto, para o autor, a única maneira de evitar um impasse

entre as duas lógicas opostas é buscar soluções de compromissos que envolvam todas as partes

interessadas. Para concretizar tal estratégia, sobretudo na questão ambiental (que embute forte

contexto territorial), há de se estruturar o controle social de políticas públicas, com efetiva

participação da sociedade civil organizada em processos paritários de tomadas políticas de

decisão entre governo e sociedade. Não basta a mera proliferação de conselhos consultivos, mas a

real mudança no ambiente institucional com formas mais democráticas de decisão estratégicas,

tema a ser tratado no capítulo IV.

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CAPÍTULO IV

CAPITAL SOCIAL E CONTROLE SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Para Martinez Alier et al (1998), a exclusiva consideração dos aspectos econômicos

reduz a provisão de elementos essenciais para a análise de sustentabilidade dos processos de

desenvolvimento, assim, a consideração de interdependência entre economia e meio ambiente

exige igual atenção aos sistemas sociais, culturais, políticos e institucionais.

Sendo assim, o presente capítulo traz uma discussão sobre capital social e controle

social para pontuar a importância desses elementos nos processos de desenvolvimento econômico

com sustentabilidade ambiental. Vale ressaltar que o conceito de capital social aqui assumido

refere-se ao reconhecimento das instituições de produtores familiares rurais da Amazônia e

aglutina abordagens de comportamentos individuais, ações coletivas e interface desses

comportamentos e ações com políticas públicas. Portanto, o capítulo traz inicialmente diversas

definições sobre capital social, não propriamente com o objetivo de contrapô-las, mas

principalmente com o intuito de complementar as abordagens acima mencionadas. E no seu

fechamento, o capítulo resgata questões importantes de controle social de políticas públicas, que

obviamente se torna mais efetivo quanto melhor formado o capital social de cada instância de

participação política.

A partir da Revolução Industrial foi formada uma noção que atribui papel

fundamental à produtividade de trabalho humano e do capital, mas que se torna parcial e

incompleta ao se desinteressar pelo papel da produtividade dos sistemas naturais. Nesse sentido,

o estudo de sociedades com alto nível de consciência do nexo entre política e ecologia no-los

oferecem importantes contrapontos. São os casos de inúmeros estudos de sociedades indígenas e

tradicionais com alta organização política, como as dos povos Incas, Maias e Astecas, ou como

frisa Bobbio et al (2004), dos antigos impérios fluviais da Mesopotâmia e do Egito. Dado que a

possibilidade de convivência dessas últimas comunidades dependia da capacidade de uma

resposta comportamental às variações dos volumes dos rios, o poder político delas possuía uma

forte conotação ecológica: estava ligado a capacidade de prever as inundações, de descrever e

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medir as conseqüências dos fatos ambientais (avaliação das terras fertilizadas pelo limo) e de

intervir (regulação das águas, escrituração dos cadastros). Se os antigos impérios fluviais podem

constituir exemplo de sociedades fortemente conscientes da relação entre política e ecologia,

havemos de incluir entre os menos conscientes as sociedades industriais, seja de economia livre

ou de economia planejada.

Por isso Martinez Alier et al (1998) levantam que cenários de desenvolvimento

endógeno e sustentável, dentro da racionalidade da economia industrial, sugerem a introdução de

novas instituições sociais e econômicas. Dentro de uma alta complexidade que envolve o

entendimento das variáveis ambientais nos processos endógenos de desenvolvimento econômico,

torna-se fundamental a participação do capital social acumulado na sociedade em diferentes

instâncias de controle social. Somente com um conjunto plural de experiências e

representatividade é possível conhecer a implicação do ecológico no econômico.

Brondízio et al (2009a) definem capital natural, capital físico e capital humano, para

em seguida definirem capital social. Para os autores, capital natural é a herança a qual os seres

humanos recebem da natureza em forma de recursos naturais terrestres, oceânicos e atmosféricos

que geram fluxos de funções e serviços ecossistêmicos de extremo valor para a humanidade.

Capital físico é o estoque de recursos materiais e capital manufaturado que podem ser usados

para produzir um fluxo futuro de renda monetária. Capital físico existe em uma grande variedade

de formas, como edifícios, rodovias, ferrovias, hidrovias, veículos automotores, tratores,

máquinas e implementos agrícolas, ferramentas, manejo de paisagem, criações animais e tantas

outras formas. A origem do capital físico se dá em processos produtivos que demandam tempo e

outros recursos materiais destinados a gerarem renda monetária futura. No entanto, em

determinadas circunstâncias, o capital físico pode gerar mais danos que benefícios. Investimentos

em armamentos, por exemplo, colaboram para o aumento de capital físico e fluxos monetários

num ponto de vista particular, no entanto, representam uma ameaça ao bem-estar da humanidade.

Capital humano é o conhecimento e habilidade adquiridos que cada indivíduo traz de sua

atividade. Formas de capital humano também diferem entre si. O aprendizado no ambiente

universitário, por exemplo, é um tipo diferente de capital humano em relação aquele aprendizado

empírico que um agricultor adquire na sua prática cotidiana. Assim como o capital físico, o

capital humano também pode ser usado com propósitos destrutivos ou construtivos. Um

indivíduo com conhecimento em linguagem computacional pode usar sua habilidade para a

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criação de programas de auxiliem na solução de problemas coletivos futuros ou para a geração de

programas lidos como vírus virtuais que destroem memórias de outros usuários com o simples

propósito de obter beneficio financeiro individual futuro.

Já o termo capital social é tratado nas ciências sociais como um conjunto de

características, entre elas, confiança, normas de reciprocidade, redes de engajamento cívico,

regras e leis que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade nos processos de

desenvolvimento. Quando os seres humanos se deparam com dilemas sociais ou situações de

ação coletiva, como aquelas que envolvem regulação ecossistema, eles podem maximizar

estratégias que os deixam em situação pior que outras opções disponíveis ou traçar acordos que

podem balizar aprendizado mútuo de como trabalhar conjuntamente de forma melhor (Brondízio

et al, 2009a; Abramovay, 2001).

Também no caso de capital social, conforme os exemplos apresentados de capital

físico e capital humano, pode ocorrer o direcionamento para um uso inadequado. A formação de

gangs, máfias e cartéis representam formas de capital social que emanam violência física e/ou

moral contra a sociedade e controlam fluxos de capitais em beneficio próprio.

É válido esclarecer que o sentido de “confiança” (trust) trazido por Brondízio et al

(2009a) e Abramovay (2001) e que se deseja imprimir no presente capítulo refere-se aos acordos

comunitários formais ou informais característicos dos modos de vida rural e o nível de confiança

que suportam esses acordos que, entre outros objetivos, asseguram a prestação de serviços

ambientais em escala de paisagem rural (de modo a perpassar várias propriedades rurais

individuais e áreas de uso comum), algo que dista do conceito de “confiança” da economia

neoclássica para tentar eliminar as assimetrias de informações do mercado financeiro.

Brondízio et al (2009a) apresentam relevantes diferenças entre o capital físico e o

capital social: (a) o capital social não é fácil de ser visto ou mensurado; (b) o capital social não se

esgota pelo uso contínuo, apenas aprimora-se gradativamente com uso adequado e deteriora-se

rapidamente com o não uso; (c) o capital social é difícil de ser construído através de intervenções

externas; (d) o capital social opera mais efetivamente quando é organizado sob escalas múltiplas,

pois a ação da sociedade civil potencializa a ação governamental, afinal, usuários locais de

recursos naturais possuem um entendimento mais aprimorado de seu sistema sócio-ecológico que

gestores governamentais federais. Em acréscimos aos quatro itens, aponto uma quinta diferença:

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(e) os mecanismos de produção física são padronizados, enquanto os processos de formação do

capital social são plurais.

Berkes & Folke (1994) usam o termo capital social para se referirem às características

das organizações sociais, enquanto Ostrom (2000) opta pelo uso do termo capital institucional

para se referir ao suprimento de estrutura e habilidade organizacional que a sociedade tem a sua

disposição, classificando-o como subgrupo do capital social. A última autora também frisa que o

capital humano é o estoque de educação, cultura e conhecimento acumulado nos seres humanos e

capital cultural é a interface entre capital natural e capital manufaturado. O capital natural e

suas relações com o capital humano são pontos de fundamental interesse na Economia Ecológica

para a concepção de políticas públicas.

Para North (2000), indivíduos com diferentes experiências têm distintas explicações

de mundo e, conseqüentemente, tomam decisões distintas para resolverem problemas idênticos,

logo, o processo de desenvolvimento endógeno e sustentável exige que a sociedade desenvolva

instituições que permitam intercâmbios anônimos e impessoais no tempo e no espaço. O mesmo

autor também argumenta que a chave do desempenho da sociedade é o tipo de aprendizagem que

se adquire e se emprega para resolver problemas. Porém, não se pode perder de vista que as

questões colocadas pelo autor são pertinentes desde que resguardados os papéis planificador e

interventor dos Estados nacionais nos processos de desenvolvimento endógeno e sustentável,

pontos que Douglass North falha ao ressaltar de forma insuficiente.

Em busca de complemento aos achados do autor, a chave de desempenho do processo

de desenvolvimento endógeno e sustentável está na capacidade coordenadora dos Estados

nacionais, com disposição de instrumentos econômicos que estimulem o investimento público e

privado, o gasto público, o consumo e a relação superavitária entre exportação e importação,

enfim, que estimulem a criação de demanda efetiva. De forma complementar, a organização da

sociedade, em diferentes formas de capital social, potencializa a ação do Estado.

Para Hutchins & Hazlehurst (1991), a cultura consiste na transferência de normas,

valores e idéias entre gerações, onde o aprendizado das gerações anteriores tenha efeito direto no

aprendizado das gerações posteriores. Uma população conformada por muitas gerações pode

descobrir coisas que nenhum indivíduo pode aprender em toda sua vida.

Conforme os modos de vida, os modos de transferência de conhecimento diferem

entre gerações. No caso dos produtores familiares rurais amazônicos, os processos de diálogo dos

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saberes e transferência dos conhecimentos são predominantemente empíricos, baseados nas

experiências de vida, sem caráter científico, e os registros estão na memória de seus indivíduos.

Já nas sociedades urbano-industriais, os processos de transferência de conhecimentos são menos

empíricos e mais científicos, quanto mais urbana e industrial for a sociedade, com os registros na

forma escrita e (mais recentemente) eletrônica, com aplicações científicas ou burocráticas.

Os modos de vida econômica31

são aprendidos pelos produtores familiares rurais

amazônicos desde a infância, enquanto das sociedades urbano-industriais isto se dá na infância,

nas universidades e no dia-a-dia da vida profissional. Isso cria situações polêmicas quando as

sociedades urbano-industriais reproduzem seus valores culturais para definir a regulamentação

dos modos de vida econômica da sociedade como um todo. Para exemplificar, o trabalho infantil

é algo facilmente definível no caso das sociedades urbano-industriais, mas como defini-lo para os

produtores familiares rurais amazônicos? Se simplesmente unificar-se a regulamentação, os

modos de diálogo dos saberes e transferência de conhecimentos são rompidos, pois os mesmos

não aprendem a ser agricultores nos bancos universitários ou nos escritórios da atividade pública

e privada, mas desde a infância, ao observarem e praticarem (dentro de seus limites físicos) com

seus pais e pares sociais os seus modos particulares de vida econômica. Outro ponto a destacar é

que entre os produtores familiares rurais amazônicos não existem informações confidenciais entre

os membros de uma mesma comunidade no que se refere à vida econômica, realidade bastante

distinta da vida econômica das sociedades urbano-industriais, competitivas na sua essência, com

empreendimentos protegidos por patentes.

Nos argumentos de Hobbes citados por Granovetter (1985), transações sociais e

econômicas dependem de confiança e ausência de atos ilegítimos. O mesmo autor ainda enfatiza

que instituições são afetadas pelas relações sociais, configurando-se como uma questão clássica

da teoria social. A eliminação das relações sociais nas análises econômicas remove o problema na

ordem de agenda intelectual restrita à esfera econômica. A análise de relações sociais expostas

por Granovetter (1985) é fundamental para a boa interpretação dos processos de desenvolvimento

rural, pois evita suceder nos erros apontados por Martins (2000), quando expõe que, por muito

tempo, a sociologia rural foi mais uma ciência que abordou os problemas sociais da expansão da

31

O termo “vida econômica” não deve ser associado apenas àquelas atividades produtivas que acessam mercados consumidores,

mas a qualquer atividade produtiva, inclusive de subsistência, que envolva trabalho. O ser humano é um ser social e na sua relação com a natureza define atribuições entre os indivíduos de sua coletividade (a divisão social do trabalho) que realizam trabalho para manejar a natureza e permitir a subsistência coletiva.

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fronteira agropecuária como efeitos da modernidade do que uma ciência aberta à compreensão

dos efeitos destrutivos e perversos que não raro a modernização postiça acarreta.

Outro passo importante para entender o desenvolvimento rural é considerar que os

produtores familiares rurais amazônicos não se organizam sobre a base da extração e apropriação

do trabalho alheio, ao contrário, têm na família ou comunidade a maior parte da fonte do trabalho

que aciona o capital envolvido no processo de produção (Wanderley, 1998), assim como a

estrutura agrária não é apenas um elemento do sistema de produção, mas também dado básico de

toda a organização social (Furtado, 1969). Diferentemente de uma empresa rural patronal, o

critério de maximização do trabalho numa área de uso coletivo ou num estabelecimento familiar

rural não é a obtenção da maior lucratividade, mas o atendimento das necessidades comunitárias

e familiares, respectivamente, ou seja, não são as características de uso da terra e dos recursos

naturais que explicam a existência dos produtores familiares rurais amazônicos, e sim, a

existência deles que explica a maneira como está moldada a estrutura social rural (Abramovay,

1998).

Logo, estudos de desenvolvimento rural, como adoção de uma política pública de

serviços ambientais, não podem se restringir aos aspectos econômicos e agronômicos dos

sistemas de produção, mas também considerar as relações e contextos sociais dos povos rurais.

Conforme salienta Mattei et al. (2005), no contexto atual, não pode ser atribuída aos

produtores familiares rurais amazônicos somente o papel produtivo, mas também compreender e

valorizar suas multifuncionalidades, pois as mesmas cumprem atribuições de (i) reprodução

socioeconômica das comunidades e famílias rurais, (ii) promoção de segurança alimentar da

sociedade como um todo, (iii) manutenção do tecido social e cultural e (iv) conservação do meio

ambiente, dos recursos naturais e da paisagem rural. De igual forma, um novo olhar para o rural

deve negar o viés exclusivamente produtivo (sem deixar de contemplá-lo, obviamente) e exigir a

interação entre os produtores familiares rurais amazônicos e seus territórios (que são ocupados

também por outros atores sociais, como grandes produtores rurais, agroindústrias e sociedades

urbano-industriais, que geralmente dominam os processos de decisão), a provisão de serviços

públicos e a contestação entre as dimensões mercantis e não mercantis das atividades produtivas.

Para Maillot (1996) apud Abramovay (2000), o passado dos territórios, sua

organização e seus comportamentos coletivos são componentes que não podem ficar ausentes na

montagem de políticas públicas inovadoras de desenvolvimento rural, pois os comportamentos

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inovadores não são somente nacionais, mas podem depender de variáveis definidas no plano local

ou regional. Assim, políticas públicas destinadas à promoção do desenvolvimento rural endógeno

não podem deixar de incorporar o conceito territorial. Para Abramovay (2003) e Beduschi Filho

& Abramovay (2004), territórios não são definidos como conjuntos neutros de fatores naturais e

de dotações humanas, mas, antes de tudo, pela maneira como organizam grupos sociais, laços

formais e informais de confiança e modalidades não mercantis de interação ao longo do tempo.

Nesse sentido, territórios devem ser considerados pois têm dimensões simbólicas, culturais,

ecológicas, econômicas e sócio-políticas que diferenciam a formação do capital social.

Dediquemos mais algumas linhas às relações de confiança e sua interface com a

questão de bens comuns e serviços ambientais em escala de paisagem rural. Para Hardin (1968),

dentro de sua clássica obra A Tragédia dos Comuns, os indivíduos tendem a aumentar seu

comportamento egoísta quando enfrentam situações de escassez na exploração de qualquer

recurso natural ou bem comum, de tal maneira que se envolvem em circunstâncias não

cooperativas, e que por si mesmo aceleram a degradação do bem que se encontra em risco.

Contudo, Ostrom (2000), em outra obra clássica, O Governo dos Bens Comuns, sugere que esta

idéia não é toda certa, já que as restrições que se consideram imutáveis nem sempre as são,

propondo um jogo onde é possível estabelecer vínculos entre todos os jogadores, que lhes

obrigam a cumprir os acordos iniciais, submetidos a estratégias de cooperação formadas por eles

mesmos.

Mas como um grupo de causadores de degradação dos recursos naturais que se

encontra em uma situação de interdependência pode se organizar para obter benefícios conjuntos

ininterruptos, apesar da interferência dos não cumpridores? Na visão de Ostrom (2000), a

resposta está condicionada aos seguintes elementos: (i) consideração dos custos e benefícios das

ações dos indivíduos e sua vinculação com os resultados esperados, (ii) redução da incerteza

causada pela falta de conhecimento sobre o sistema de recursos exportáveis (por meio de um

processo de aprendizado de ensaio e erro)32

e (iii) sentido de provisão e apropriação dos recursos

de uso comum.

Desse modo, Ostrom (2000) ressalta a idéia de “governar a si mesmo”, que sem

dúvida é relevante no meio rural, sobretudo, no estabelecimento de laços formais e informais de

confiança, porém, que ainda não são totalmente suficientes para desencadear processos de

32 Conforme demonstrado no capítulo III, é imprescindível também uma estratégia pública de ciência e tecnologia para

conhecimento do meio; a etnoecológica também deve ser item essencial dessa estratégia.

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desenvolvimento endógeno num dado território, sendo imprescindível a presença do Estado como

mediador das relações de poder existentes, conforme exposto por Oliveira (2007).

De acordo com Bobbio et al (2004), em seu significado mais geral, a palavra “poder”

designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a

indivíduos e a grupos humanos como a objetos e fenômenos naturais. Se o entendermos em

sentido especificamente social, o poder torna-se mais preciso, desde a capacidade geral de agir

até a capacidade do ser humano em determinar o comportamento do ser humano. Todavia, o

campo que o poder ganha seu papel mais crucial é na política. As estruturas hierárquicas

políticas, por exemplo, colocam em primeiro plano o fenômeno do poder. Para Weber, as

relações de mando e de obediência, mais ou menos confirmadas no tempo, e que se encontram

tipicamente na política, tendem a se basear não somente em fundamentos materiais ou no mero

hábito de obediência dos súditos, mas também e principalmente num específico fundamento de

legitimidade. Nesse sentido é que entra a importância do controle social na busca de legitimidade

aos processos políticos de decisão.

Outra pergunta ainda mais desafiadora que surge no debate é: como mudar uma

situação em que os que se apropriam atuam de maneira independente para outra em que adotam

estratégias coordenadas para obter melhores benefícios comuns?

Segundo Ostrom (2000), a solução não está, necessariamente, na criação de uma

organização, partindo-se da premissa que os problemas a resolver demandam métodos de

provisão incorporados por um novo conjunto de instituições, estabelecimento de compromissos

aplicáveis e supervisão mútua do que se estabelece, sem perder de vista a natureza incremental e

auto-transformadora da mudança institucional, a importância da característica dos regimes

políticos externos e a necessidade de incluir os custos de informação e transação. Em sua análise,

Ostrom (2000) também ressalta que sistemas de governança à longo prazo precisam ter limites

claramente definidos, coerência entre as regras de provisão e apropriação, arranjos de decisão

coletiva, supervisão, sanções graduadas, mecanismos de resolução de conflitos e reconhecimento

mínimo de direitos da organização e entidades participantes. Outro dado importante é que os

custos da transformação institucional são menores quando participam líderes hábeis no processo.

Mais uma vez vale observar que as idéias da autora são fundamentais no meio rural

(principalmente no ambiente social de produtores familiares), mas se estratégias sociais não

forem atreladas às políticas públicas, de acordo com os achados do capítulo II, no sentido de

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qualificar o próprio processo social e o poder de colaboração do capital social, os resultados

podem se resumir a benefícios apenas temporários.

Os diversos exemplos internacionais de acordos coletivos em torno de recursos de uso

comum revelam que (i) quando não há uma boa estratégia de comunicação entre os usuários de

bens comuns, a tendência é de haver exploração acima da capacidade de renovação dos recursos

comuns, num patamar que se aproxima da teoria da Tragédia dos Comuns de Hardin (1968); (ii)

quando há uma boa estratégia de comunicação entre os usuários de bens comuns, são obtidos

benefícios conjuntos substancialmente maiores; (iii) quando os valores de pagamentos de

serviços ambientais são relativamente baixos (em relação ao custo de oportunidade – grifo

nosso), a comunicação cara a cara permite aos usuários alcançar e manter acordos próximos ao

nível ótimo de apropriação de recursos; (iv) quando os valores de pagamentos de serviços

ambientais são muito altos (novamente tendo como parâmetro os custo de oportunidade – grifo

nosso), alguns participantes ficam tentados a não cumprir ou burlar os acordos coletivos, logo, os

resultados conjuntos melhorados são inferiores que nas situações em que os valores de

pagamentos de serviços ambientais são atrativos, mas não tão altos; (v) se é oferecida

oportunidade de participar de um monitoramento com alto custo de transação e a efetiva

aplicação de sanções, os usuários tornam-se dispostos a punir os que exploram o recurso comum;

(vi) quando os usuários discutem abertamente e acordam seus próprios níveis de uso e seus

sistemas de sanções, o não cumprimento dos acordos se mantém a níveis muito baixos e os

resultados se aproximam do nível ótimo (Ostrom, 2000).

Para Beduschi Filho (2003), de acordo com os achados de Ostrom (2000), em

situações de risco de uso dos recursos naturais, a cooperação entre indivíduos e diversos tipos de

ação coletiva podem acontecer e produzir bens coletivos em níveis ótimos. E para Folke et al.

(1994), para obter a sustentabilidade, a comunidade global precisa lidar com novos tipos de

problemas ameaçadores do bem-estar futuro e da existência humana. Somente ao vivenciar

situações de escassez na exploração de recursos naturais é que as sociedades passam por

processos de aprendizagem e estabelecem acordos coletivos.

Junqueira & Abramovay (2005) expõem que políticas de desenvolvimento rural que

envolvem serviços ambientais em escala de paisagem rural e recursos de uso comum exigem

formação de redes sociais e estabelecimento de relações de confiança, reciprocidade e reputação.

Os autores definem redes sociais como grupos de indivíduos entre os quais a freqüência de

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interações econômicas e a densidade de relações sociais permitem reduzir a incerteza ligada ao

risco moral e discernir precisamente os membros compromissados dos não compromissados com

a ação coletiva.

O compromisso numa ação coletiva, porém, pode esbarrar nas relações de poder

intrínsecas da sociedade, que não podem ser omitidas. Oliveira (2007) lembra que a ausência de

qualquer discussão que levem em conta as relações de poder e dê maior conseqüência à relação

entre indivíduo e sociedade são questionáveis desde o plano internacional ao local. Dessa

constatação deriva outra observação que se refere a sua acentuada crença na capacidade de

transformação que está nas mãos do agente. Para o autor, resume-se a uma inverdade que o

agente pode ser “dono de seu destino”.

O que não pode ser ignorado, portanto, é que a realidade é um efeito de lutas sociais, e

ao mesmo tempo, “é o lugar de uma luta permanente para definir a própria realidade” (Bourdieu,

1998), onde a conquista da liberdade sempre será, no máximo, uma possibilidade relativa. O

conceito de agente social conforme a definição do autor, ou seja, como aqueles indivíduos que

tanto estão expostos à ação do interior (mental) e do exterior (social), quanto, da mesma forma,

são produtores de ação, parece mais adequado, uma vez que é mais conseqüente com a

construção social do indivíduo pautado pelas dimensões diacrônica e sincrônica.

Para Oliveira (2007), da mesma forma, no contexto atual, em que a realidade de um

país está diretamente influenciada pela configuração de poder geopolítico-econômico, não é

possível acreditar que a transformação social ou individual dependa somente da condição de

agente do indivíduo. Foucault (1999) expõe que “não existe um único poder em uma sociedade, e

sim relações de poder que se opõem uma às outras”. Nesse contexto entra a importância do

capital social, ou da organização coletiva de grupos de representação da sociedade, na

participação efetiva dos processos políticos de tomadas de decisão, isto é, o controle social de

políticas públicas estratégicas para desencadear processos endógeno de desenvolvimento.

Para Bobbio et al (2004), dentro da definição de Marx, Durkheim e Weber, os

movimentos sociais (que considero um tipo de capital social) detêm modo peculiar de ação

social, variavelmente inserida ou capaz de se inserir na estrutura global da sua reflexão, quer eles

denotem transição para formas de solidariedade mais complexa, a transição do tradicionalismo

para o tipo legal-burocrático, quer o início da explosão revolucionária. Os autores percebem

elementos comuns na análise de comportamentos coletivos e dos movimentos sociais: o acento

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sobre a existência de tensões na sociedade, a identificação de uma mudança, a comprovação da

passagem de um estádio de integração a outro através de transformações de algum modo

induzidas pelos comportamentos coletivos. Comportamentos coletivos e movimentos sociais se

distinguem pelo grau e pelo tipo de mudança que pretendem provocar no sistema, e pelos valores

e nível de integração que lhes são intrínsecos. Movimentos sociais, com foco mais amplo,

pertencem ao processos pelos quais uma sociedade cria a sua organização a partir do seu sistema

de ação histórica, através dos conflitos de classe e dos acordos políticos.

Berkes & Folke (1994) enfatizam que muitas sociedades desenvolvem instituições

para conciliarem interesses individuais e coletivos. Já Ostrom (2000) demonstra que exemplos

bem sucedidos de uso de bens comuns foram possíveis porque o processo de mudança

institucional se apresentou como um processo incremental e seqüencial, com benefícios de curto

prazo que facilitaram as inversões futuras, contando com a cooperação das comunidades

envolvidas, do Estado e da iniciativa privada.

Para Martinez Alier (1998), em geral, em problemas multicriteriais não há solução

ótima para todos os critérios ao mesmo tempo, logo, os tomadores públicos de decisão precisam

encontrar meios para estabelecimento de soluções via acordos. Métodos multicriteriais,

geralmente usados para políticas ambientais, precisam oferecer uma estrutura consistente para

lidar com os problemas e evoluir nos processos de decisão. Já Bittencourt et al. (1999) apontam

que as características centrais das experiências problemáticas estão na precária capacidade de

articulação com atores da região e sua dependência dos poderes públicos federais. E para

Guanziroli (2005), é evidente a relevância das relações sociais no desenvolvimento dos territórios

rurais, sendo fundamental a presença de vários segmentos para firmar pactos sociais e territoriais,

avançando para além de políticas setoriais.

No debate sobre desenvolvimento rural, além da questão territorial, Leite (2005)

mostra a importância de integração de políticas distributivas (ex: transferência de renda, crédito

rural e programa de equivalência-produto), reguladoras (ex: preços mínimos, direitos

compensatórios, tributações, comércio exterior), redistributivas (ex: reforma agrária) e

institucionais (conselhos nacionais, estaduais e municipais de desenvolvimento rural sustentável,

ministérios, autarquias, secretarias estaduais e municipais). Porém, as políticas públicas

comumente desenhadas para o meio rural brasileiro, especialmente aquelas voltadas aos

produtores familiares rurais amazônicos, não conseguem atender demandas de desenvolvimento

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endógeno ou cobrir as especificidades relativas à condição de ocupação do território,

impregnando-se do absoluto viés assistencialista ou restritamente agrícola.

Um ponto preocupante para o avanço de políticas de desenvolvimento endógeno e

sustentável com abordagens territoriais rurais (e no caso de uma política nacional de serviços

ambientais, o contexto territorial rural é relevante para conferir a prestação dos mesmos serviços

em escala de paisagem rural) é a elevada autonomia dos municípios, que impõe dificuldades para

a formulação e execução de planos microrregionais. Cientes do problema, Beduschi Filho &

Abramovay (2004) e Brondízio et al (2009a) levantam a necessária existência de organizações

intermediárias, além dos limites municipais, mas aquém dos próprios Estados, para a promoção

da sustentabilidade nos territórios. A existência de instâncias formais que assegurem processos

participativos de tomadas de decisão e controle social de políticas públicas também constitui

elemento-chave do desenvolvimento territorial.

Flores & Cazella (2005) apontam a inexperiência de agentes governamentais e a falta

de mecanismos de resolução de conflitos como pontos de estrangulamento para o

desenvolvimento territorial endógeno. Portanto, instituições públicas de ensino, pesquisa e

extensão e organizações sindicais e privadas locais devem apoiar o Estado na elaboração de

planos de desenvolvimento territorial endógenos (atrelados a um plano nacional de

desenvolvimento, que deve inclusive servir de base de partida), no desenho de políticas públicas

e execução de programas complementares de desenvolvimento rural (ex: política e programas

associados de remuneração de serviços ambientais).

Segundo Beduschi Filho & Abramovay (2004), as políticas territoriais brasileiras têm

se limitado à distribuição de incentivos e concessão de isenções como formas de estímulo à

produção em regiões deprimidas, sem foco estratégico. Mesmo na produção rural (sobretudo

agrícola), caracteristicamente conformada por atividades tão fortemente territoriais, o Estado é,

antes de tudo, um gestor de excedentes e de rendas, ao se responsabilizar, fundamentalmente,

pela redistribuição de recursos para as localidades, baseado em tomadas de decisões

centralizadas. O Estado ainda não possui estrutura e mecanismos de incentivo para lidar com

dinâmicas locais, tendo profundas dificuldades (ou resistência política, conforme o contexto) para

relacionar-se com organizações em rede e desencadear processos endógenos.

Mattei et al (2005) expõe que alguns princípios de políticas públicas de

desenvolvimento territorial endógeno da Europa e dos Estados Unidos podem servir para nosso

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país, menos como exemplo a ser imitado, mais como uma referência para se compreender a

multiplicidade de fatores envolvidos no processo de promoção do desenvolvimento rural. Dois

bons exemplos internacionais podem ser citados, sendo eles, o Programa LEADER (Ligações

Entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural), implantado no início da década de 90 pela

União Européia, e o Programa EZ/EC (Empowerment Zones and Enterprise Communities),

desenvolvido nos Estados Unidos desde 1993.

O Programa LEADER, desenvolvido com uma abordagem territorial para enfrentar as

crises de áreas rurais européias, enfoca seu planejamento na competitividade dos territórios,

incorporando de forma inovadora os aspectos econômicos, ambientais, sociais e culturais nas

suas ações. Lançado no ano de 1991, o programa tem uma abordagem “de baixo para cima”, de

caráter participativo e multissetorial, elementos fundamentais no enfoque de desenvolvimento

territorial endógeno de áreas rurais. Os projetos de desenvolvimento incorporam os diferentes

atores sociais, por meio dos “Grupos de Ação Local”, responsáveis pela animação do processo de

mobilização comunitária para o planejamento a médio e longo prazo. Portanto, as políticas são

estabelecidas por demandas de desenvolvimento, e não mais por demandas administrativas

(Beduschi Filho & Abramovay, 2004).

Por sua vez, a orientação do Programa EZ/EC é de conseguir o comprometimento dos

cidadãos para uma ação de planejamento estratégico no longo prazo, que seja permanentemente

monitorado e envolva os diferentes atores das comunidades, transformando as estruturas políticas

e institucionais. O programa trabalha a elaboração de planos comunitários pautados na busca de

desenvolvimento endógeno e sustentável, oportunidades econômicas, cooperações locais e visão

estratégica de mudança (Beduschi Filho & Abramovay, 2004).

Similarmente ao Programa LEADER, o Programa EZ/EC prima pela participação da

comunidade na elaboração dos projetos de desenvolvimento endógeno, sendo que os recursos não

são entendidos como uma simples doação, mas como um instrumento de construção das

comunidades. A diferença fundamental entre o Programa LEADER e o Programa EZ/EC é que o

primeiro não prioriza territórios, enquanto o segundo elege comunidades com índices altos de

pobreza. Guardadas as diferenças, a garantia de sucesso de ambos os programas está na criação

de novas instituições e na forte presença da sociedade civil organizada e do Estado de forma

conjunta (Beduschi Filho & Abramovay, 2004).

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Outra boa referência de política pública integrada de desenvolvimento rural é o Le

Contrat Territorial D´Explotation (CTE), programa desenvolvido pelo governo francês na década

passada. O programa estimulava a produção econômica sustentável, dentro de uma estratégia

integrada de desenvolvimento territorial endógeno que também assegurava a geração de emprego

e renda, segurança alimentar, conservação do meio ambiente e beleza cênica em escala de

paisagem rural. Nos anos 90, o CTE sofreu modificações na transição dos governos Mitterrand

para Chirac, sendo então renomeado para Contrat de Agriculture Durable (CAD), com redução

da abordagem territorial endógena e maior foco na propriedade rural.

No Brasil, o debate sobre desenvolvimento territorial endógeno começa a ganhar

força, mas ainda carece de maior coordenação governamental, pois como fora demonstrado no

capítulo II, há uma profusão de programas repetidos em diversos ministérios, muitos pautados em

Arranjos Produtivos Locais (APLs). Para Martin & Sunley (2001), o uso irrestrito do conceito de

APL como parâmetro de política pública traz consigo o risco de sobrevalorizar demandas

exógenas esporádicas, ignorar estratégias endógenas de desenvolvimento econômico e promover

ou ampliar o uso não sustentável dos recursos naturais.

Os esforços para a promoção do desenvolvimento territorial endógeno exigem tanto o

papel interventor do Estado quanto a participação formal e qualificada da sociedade civil

organizada, além de obedecer a uma bandeira histórica dos movimentos sociais rurais de controle

social de políticas públicas. Para Bobbio et al. (2004), o conceito de política, entendida como

forma de atividade, está estreitamente ligado ao poder, mas não apresenta relação somente com

as entidades e processos que se orientam pelo Estado. A idéia da política como algo que

extravasa o Estado é crucial justamente por apreciar as dificuldades que surgem com respeito à

acomodação dos conflitos e à busca de objetivos comuns, o que supõe a construção de uma

aparelhagem institucional para equilibrar o exercício do poder de uns cidadãos sobre outros.

A profusão de conselhos gestores se constitui como uma importante inovação

institucional de políticas públicas no Brasil democrático. Embora as experiências anteriores à

Constituição de 1988 devam ser lembradas, a recente expansão da prática de gestão por conselhos

traz inovações políticas que não podem ser ignoradas. Do ponto de vista da gestão das políticas

públicas e da democracia participativa, os conselhos trazem uma complementação necessária a

outras formas de representação política. Entretanto, não são raros os estudos sobre o tema que

enfatize a precariedade da participação social destes conselhos e sua tão freqüente submissão a

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poderes locais dominantes. Por outro lado, é praticamente unânime o reconhecimento do

potencial de transformação política que os conselhos representam. A existência de conselhos

gestores, ainda que em muitas situações operem sob amplas dificuldades, abre o caminho para

que se amplie o círculo social em que se operam as discussões sobre o controle social das

políticas públicas, constituindo espaços públicos de composição heterogênea, de natureza plural

e, fundamentalmente, como espaços de negociação de conflitos em torno de iniciativas e projetos

que expressam interesses políticos diversos (Junqueira, 2004). Pois o maior desafio na construção

dos conselhos não está na capacidade de reunir um grupo composto por representantes dos

poderes públicos, de lideranças sindicais e representantes da esfera produtiva, e sim na

capacidade de representar uma mudança real no ambiente institucional (North, 1991).

Para Mattei et al (2005) é crucial que os gestores de políticas públicas percebam seu

papel enquanto agentes, e não como definidores exclusivos dos rumos do desenvolvimento. A

proposição de políticas públicas deve também partir de experiências que reconheçam a percepção

dos atores sociais locais e espelhem a dinâmica de forças sociais existentes no território (além,

obviamente, das estratégias políticas nacionais; as ações locais podem também servir de

complemento, mas não só, para a atuação nacional).

Sachs (1976) e Romeiro (1998b) expõem que as relações comunitárias cumprem papel

decisivo na concepção de políticas públicas de desenvolvimento rural ao eliminar contradições

entre critérios microeconômicos de escolha tecnológica pertinentes a cada unidade produtiva e

critérios macroeconômicos e sociais definidos pelo conjunto da comunidade rural.

Um ponto importante a se considerar é que os processos de renovação institucional da

sociedade, em certas circunstâncias, são mais rápidos que do Estado, desta feita, o exercício do

controle social de políticas públicas também pode colaborar na renovação do último. Apesar dos

avanços dos processos de renovação institucional da sociedade, não é fato incomum, pelo

contrário, bastante corriqueiro, que o funcionamento de conselhos federais com composição da

sociedade civil organizada, em muitas situações, ainda não adquiriu plenamente o pressuposto

fundamental de controle social de políticas públicas, que é o de avaliar resultados e propor

aprimoramentos às próprias políticas públicas (aprimoramentos que surgem como demanda não

só provinda do processo endógeno de avaliação, mas também de aspectos exógenos da

conjuntura regional, nacional e internacional), limitando-se ou reduzindo-se a um fórum de

protestos de demandas não atendidas, demandas estas que muitas vezes até distam do objetivo da

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política pública em questão. Assim, não só demandamos processos de renovação do Estado, mas

de igual forma, a continuidade dos processos de renovação da sociedade, para justificar e

qualificar o tão relevante controle social de políticas públicas, que avaliza e consolida a

democracia.

Mattos & Pereira (2006) e Little (2005) destacam a concepção do Programa de

Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural (Proambiente), classificando-o

como uma das propostas brasileiras mais inovadoras de desenvolvimento rural sustentável que

une, num mesmo programa governamental “controle social”, “estratégias de desenvolvimento

territorial endógeno”, “manejo integrado de unidades de produção” e “acordos comunitários de

serviços ambientais”. O Proambiente possui também uma relevante particularidade: foi

concebido como projeto da sociedade civil organizada da Amazônia (2000-2002), passando por

um processo de transição (2003) até se tornar um programa federal inserido no Plano Plurianual

(PPA) 2004/2007. O processo de construção do Proambiente é um exemplo significativo do

fortalecimento da democracia brasileira, envolvendo mais de 20 mil pessoas em diversos eventos

realizados no ano de 2002. Sua constituição como programa governamental, ainda que pouco

priorizada pelo Governo Federal, demonstra a natureza propositiva da sociedade civil da

Amazônia durante a década de 90. Também podemos considerar que o surgimento dessa proposta

tão plural é resultado de uma reação da sociedade à ausência do Estado na região amazônica.

Essa conclusão corrobora Martin (2001) quando alega que a diminuição do papel do Estado

provoca a organização da sociedade civil e a gestão comunitária dos recursos naturais.

Logo, adiante, o presente estudo traz uma análise do Proambiente como política

pública federal (capítulo V), a metodologia de estudo e caracterização das propriedades

amazônicas selecionadas pelo Proambiente (capítulo VI) e a comparação entre variáveis que

condicionam decisões sobre uso da terra e dos recursos naturais em propriedades amazônicas

selecionadas pelo Proambiente (capítulo VII).

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CAPÍTULO V

ANÁLISE DO PROAMBIENTE COMO POLÍTICA PÚBLICA FEDERAL

Várias características singulares do funcionamento da produção rural atropelam o

senso comum formado pela racionalidade industrial. Em contraste com o que ocorre no processo

industrial, onde o trabalho é desenvolvido com o propósito de transformar a matéria-prima, no

processo de produção rural o trabalho humano tem a necessidade de se adequar às condições

ambientais específicas sob as quais as plantas e os animais crescem e se reproduzem. Logo, os

processos de trabalho e produção rural exigem uma abordagem específica e independente (Veiga,

1991; Costa, 2000a).

Durante muito tempo foi suscitada a idéia de que a produção rural nos países

desenvolvidos caminharia, a exemplo da indústria, no sentido de fortalecimento da forma

patronal em detrimento da familiar, mas foi fundamentalmente sobre a base de unidades de

produção familiares que se constituiu a prosperidade que marca a produção primária de alimentos

e fibras das nações mais desenvolvidas (Abramovay, 1998). Entretanto, esse fenômeno não

ocorreu por acaso, mas através de políticas governamentais de apoio efetivo à produção familiar,

a partir do momento que foi percebido seu papel social e econômico estratégico no processo de

desenvolvimento dos países capitalistas.

Antes de resgatar o processo histórico que levou a produção familiar a adquirir seu

posicionamento de destaque na economia rural dos países desenvolvidos, assim como demonstrar

de que modo se deu o processo de expansão da fronteira agrícola brasileira e amazônica, faz-se

necessário distinguir duas diferentes classificações usadas para as propriedades rurais. A primeira

classificação é mais usual, limitando-se à simples diferenciação entre tamanho das propriedades

(pequenos e grandes produtores). O segundo tipo de classificação se baseia na distinção das

propriedades rurais quanto à mão-de-obra empregada, dividindo-as em propriedade familiar (com

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mão-de-obra predominantemente familiar) e propriedade patronal (com mão-de-obra

predominantemente assalariada).

Não é na oposição entre pequena e grande produção que se encontra a principal

diferença entre as formas de produção que coexistem no setor agropecuário e extrativista

florestal. Ao examinarmos mais a fundo os tipos de propriedade rural, não é difícil perceber que o

tamanho da unidade produtiva não é a questão mais relevante, pois não é a dimensão entre grande

e pequena propriedade que estabelece a principal diferença entre as formas de produção no setor

rural, mas basicamente as relações sociais que costumam ser escondidas pelas formas econômicas

(Veiga, 1991).

Como levanta Abramovay (1998), o lote familiar rural opera em moldes diferentes da

empresa moderna no que se refere à racionalidade econômica, pois sua lógica econômica não é a

busca do lucro, mas a segurança alimentar da família residente no lote rural. Inspirado nas teorias

de Chayanov (1923; 1974) e Tepicht (1993), Costa (2000a) reforça que a unidade de produção

familiar é, indistintamente, unidade de produção e consumo, isto é, as necessidades de consumo e

segurança alimentar dos seus membros são referências primordiais das decisões, as quais, por seu

turno, sempre resultam de um balanço entre o peso das suas necessidades e o custo do esforço

físico de seu atendimento. Logo, não é somente a base técnica e operacional da produção que

distingue o produtor familiar do patronal, mas a maneira como socializa o produto de seu

trabalho é que define a produção familiar enquanto categoria específica.

Se observarmos o desenvolvimento rural no mundo durante os últimos duzentos anos,

o que surge com clareza é a constante coexistência entre as formas de produção familiar (mais

voltada ao mercado interno) e patronal (mais voltado ao mercado externo), mas o sentido geral do

movimento histórico e econômico fez com que a produção familiar tenha predominado

economicamente de forma nítida em todos os países desenvolvidos. Não coincidentemente, todos

os países desenvolvidos passaram por um efetivo processo de reforma agrária e agrícola (séculos

18 e 19 na Europa; início do século 20 nos EUA; pós-segunda guerra mundial no Sudeste

Asiático) que fizeram prosperar o modo de produção familiar. Além de garantir a segurança

social através da distribuição de terra e oportunidades de produção para todos com políticas

agrárias e agrícolas contínuas, outro resultado esperado foi atingido: distribuir a produção de

alimentos em várias propriedades de maneira a evitar a formação de lobbies de preços. Com

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segurança alimentar e alimentos a preços baixos, estava garantido um ponto estratégico do

desenvolvimento industrial, ou seja, a oferta de alimentação farta e barata às crescentes

populações urbanas, que com capital economizado poderiam despender maiores quantias em

produtos industrializados. Isso fez com que a própria comunidade rural dos países desenvolvidos

pudesse também ter acesso facilitado aos produtos industrializados e infra-estrutura básica.

Contraditoriamente aos exemplos históricos bem sucedidos de valorização da

produção familiar dos países desenvolvidos, o modelo de desenvolvimento rural preconizado no

Brasil priorizou e incentivou grandes projetos de caráter patronal, com uma trajetória marcada

por atendimento às demandas exógenas e baixa eficiência econômica que não desencadearam

processos endógenos, o alcance da equidade social e a utilização adequada dos recursos naturais.

Os objetivos econômicos dos processos de ocupação das novas fronteiras agrícolas

brasileiras foram simplesmente garantir a ampliação da chamada margem extensiva desse tipo de

desenvolvimento rural e o atendimento ao mercado externo, além de constituir absorvedouros de

excedentes populacionais gerados pelas sucessivas crises dos plantations (plantações

homogêneas extensivas características da produção patronal) nas velhas fronteiras. Com o

envelhecimento da fronteira agrícola, baseada em formas homogêneas e extensivas de uso da

terra, não há como garantir a permanência das novas gerações na mesma região, sendo assim, os

destinos inevitáveis, em distintos momentos da história, foi a migração de jovens rurais para os

centros urbanos ou ocupação de uma nova fronteira agrícola, repetindo-se os mesmos padrões

não sustentáveis de uso da terra. Assim se desenvolvera a fronteira agrícola no Rio Grande do Sul

nos anos 20-30, Paraná nos anos 40-60, e Cerrados de Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso

nos anos 60-80.

No processo de modernização e inovação tecnológica da agricultura brasileira, o

financiamento rural subsidiado emerge com o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), criado

junto às reformas institucionais promovida pelo governo militar (Lei Federal no 4.829, de 1965).

Segundo Delgado (1985), até o final dos anos 70, o volume de crédito concedido sob taxas reais

negativas, além outras condições favoráveis de financiamento, como carências e prazos elásticos,

constituem-se no principal mecanismo de articulação pelo Estado dos interesses agroindustriais,

sendo ponto fundamental para a expansão da fronteira agrícola brasileira (sobretudo dos

Cerrados). O Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA) e a assistência técnica e

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extensão rural (ATER) pública foram estruturados para atender o setor industrial de insumos

modernos químicos e mecânicos. Nesse pacote tecnológico, poucos foram as opções para a

agricultura familiar consolidar-se como fornecedora estratégica do mercado interno.

Não por menos, os padrões sucessórios de uso da terra ocorridos no Brasil são

marcados por conseqüências como adensamento populacional, conflitos fundiários e degradação

dos recursos naturais, que põem em risco a segurança social e a viabilidade econômica das

propriedades rurais familiares. À produção familiar seguira-se, após décadas, a chegada dos

proprietários rurais patronais de grande escala, onde os primeiros cumpriram o papel de

“amansar” a terra para a introdução de pastagens e monoculturas exportáveis pelos últimos.

A expansão da fronteira agrícola amazônica apresenta semelhanças e diferenças em

relação ao padrão brasileiro exposto acima. Até o inicio da década de 60, a ocupação humana nas

áreas florestais amazônicas praticamente se restringia às suas populações tradicionais, que

sobreviviam de atividades como a agricultura de subsistência baseada no sistema de corte e

queima e o extrativismo florestal e pesqueiro, num quadro de estagnação econômica e

estabilidade social sob baixos impactos ambientais. A própria exploração madeireira, que nas

últimas décadas adquiriu caráter empresarial e se transformou, junto à pecuária, numa das duas

mais significativas atividades econômicas rurais da Amazônia, até a década de 60 era restrita às

áreas de floresta de várzea distribuídas ao longo dos principais rios da região devido à dificuldade

de acesso à floresta de terra firme (Mattos et al, 2000).

Nos anos 60, houve a convergência de dois movimentos de formação das estruturas

sócio-econômicas. De um lado, o crescimento e consolidação de um campesinato caboclo,

extrativo, nas áreas mais antigas de colonização regional e em áreas mais recentes dominadas

pelos seringais, e de outro lado, a consolidação e expansão de um campesinato agrícola, em parte

também originado na decomposição dos seringais, fundamentalmente, entretanto, formado pelo

processo contínuo de absorção de novas levas de migrantes diretamente advindos de outras áreas

amazônicas (Costa, 2000b).

A construção da Belém-Brasília vem constituir um marco na aceleração desses e de

outros fluxos migratórios que, provindos do Centro-Oeste e Nordeste, penetram a Amazônia.

Tem-se assim, a partir dos anos 60, o definitivo estabelecimento da expansão da fronteira

agrícola amazônica (Velho, 1972; Hébette & Marin, 1979). A estratégia geopolítica dos governos

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militares deu-se pelo estabelecimento de propriedades patronais com grandes porções de terra,

numa tentativa de transformação das mesmas em empresas capitalistas modernas e tecnificadas.

O que se verificou foi a intensificação da produção agrícola nas áreas amazônicas de povoamento

sem ter que se efetuar um processo politicamente mais complexo e socialmente mais justo de

reforma agrária (Silva, 1981; Costa, 2000b). Os instrumentos acionados nesse processo foram,

novamente (a exemplo dos Cerrados), o crédito subsidiado, articulado com a pesquisa pública e a

assistência técnica estatal.

A expansão da fronteira amazônica se estabelece, portanto, de dois modos distintos.

Em algumas de suas regiões, conforme ocorrera décadas antes em outros biomas brasileiros, os

proprietários patronais se instalam em terras já “amansadas” pelo trabalho camponês (que é,

notadamente, o caso de Rondônia), enquanto noutras regiões, a partir dos anos 60, esses

proprietários de grande escala chegam antes ou junto aos camponeses rurais, negando o padrão

sucessório de uso da terra comumente ocorrido nas demais fronteiras agrícolas brasileiras. Além

dos agricultores familiares e patronais, a região assiste a chegada de outros agentes como

empresas industriais, bancárias, comerciais para atuar na fronteira, num encontro das oligarquias

agrárias das velhas fronteiras com novos setores de ponta do desenvolvimento nacional.

Esse segundo processo de chegada concomitante entre proprietários patronais e

familiares, porém, não redunda em menos problemas fundiários, mas num constante estado de

conflito. Portanto, a mudança teve a ação orientada do Estado que Graziano da Silva (2001)

denomina de modernização conservadora, baseada num projeto de modernização rural do país

que de várias formas desfuncionaliza, para grandes empresas, a fronteira agrícola antes baseada

em esparsas estruturas tradicionais e na chegada da agricultura familiar. Embutida na

concentração de capital fez-se a concentração fundiária.

Vale lembrar que os projetos de colonização típicos da agricultura familiar,

simultâneos aos processos incentivados de expansão da fronteira agrícola amazônica dado pelos

grandes capitais, não estavam nos planos iniciais da ditadura militar, porém, a grave seca do

Nordeste incitou a inclusão de mais esse elemento. No entanto, isso não significa que tenha

ocorrida uma mudança de prioridades no processo de desenvolvimento da Amazônia.

Costa (1987) expõe que até 1985, a Superintendência de Desenvolvimento da

Amazônia (SUDAM) aprovou incentivos fiscais na ordem de US$ 3,9 bilhões para 959

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empreendimentos, sendo 584 para propriedades rurais agropecuárias e 44 para agroindústrias, o

que soma 628 contratos ou 65,5% do total de mutuários. Em relação aos montantes totais

financiados, o setor agropecuário deteve US$ 632,2 milhões (16,1% do total), o que representa,

em média, US$ 1,1 milhão por projeto, e o setor agroindustrial US$ 215,4 milhões (5,5% dos

incentivos), o que abrange a média de US$ 4,9 milhões por projeto. Basicamente, os projetos

agropecuários se voltaram à pecuária extensiva, praticada por meio de corte e queima da floresta

nativa e plantio de forrageiras exóticas, causando desperdício de recursos naturais e colocando

em risco de fogo acidental as propriedades familiares adjacentes (fato que desestimula a

intensificação dos sistemas produtivos com retorno em médio e longo prazos – ex: introdução de

sistemas agroflorestais – em função dos riscos de prejuízos econômicos ocasionados pelo fogo

acidental). Após 20 anos, um balanço da política institucional de financiamento da SUDAM

revela que 87,7% dos projetos não conseguiram se estruturar produtivamente ou apresentaram

prejuízos sistemáticos, sendo que o movimento de expansão da fronteira amazônica denunciou

estreita relação entre desmatamento, introdução de pastagens e conflitos fundiários.

Da mesma forma, Yokomizo (1989) estudou os incentivos criados na Amazônia, entre

1986 e 1989, demonstrando que os 581 projetos aprovados na área de agricultura e pecuária

ocupavam uma área de 9 milhões de hectares, com média de área beneficiada por projeto de 16

mil hectares no Pará e 31 mil hectares no Mato Grosso. Estudos complementares do IPEA

(1986), citados pelo autor, concluíram que de 92 projetos analisados, somente 3 eram rentáveis!

A política dos governos militares também ignorou, no seu projeto amazônico, as

oligarquias regionais rurais ao privilegiar, por meio de medidas fiscais, empresas agroindustriais

e proprietários rurais patronais de outras regiões do país, com destaque para São Paulo. Numa

amostragem de 106 projetos alocados no estado do Pará, somente seis deles eram liderados por

empreendedores paraenses, quatro por pessoas físicas e jurídicas de outros estados, e os 94

restantes comandados por capital paulista (Costa, 2000b).

A opção pelos grandes projetos na Amazônia deu-se baseado em dois princípios da

economia neoclássica: (1) o desenvolvimento econômico seria potencializado baseado em

características próprias do bioma, ou seja, abundância de terra e escassez de capital e trabalho; (2)

a modernização agropecuária se estabeleceria por meio de dependência de sua margem extensiva,

isto é, quanto mais elevada for a produção primária total, menor será sua necessidade de

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aumentar a produtividade do trabalho e da própria produção por área. Esses princípios indicam a

desnecessária intensificação do uso da terra e de processos de inovação tecnológica, afinal, há

abundância suficiente de terras para abertura de novas áreas extensivas. Nesse sentido, a pecuária

passa a ser o tipo de uso predominante da terra.

O que fica claro é que o projeto de desenvolvimento rural da Amazônia não atribuiu à

agricultura familiar qualquer papel estratégico, ignorando seu papel imprescindível para

consolidar mercados internos e processos endógenos de desenvolvimento. Como frisa Diegues

(1999), a priorização do uso da terra para uso pecuário extensivo bem ilustra que a

heterogeneidade do ecossistema amazônico foi subordinada à meta política de resultados

homogeneizadores característicos da produção patronal, negando a tradição da produção familiar

de polivalência e intensificação de uso da terra33

.

No processo de expansão da fronteira amazônica, a política agrícola não apresentou

estratégia de inclusão da agricultura familiar na vida produtiva da região, que ficou à margem dos

benefícios oferecidos, sobretudo, nos itens relativos ao crédito rural, preços mínimos e seguro da

produção. Entretanto, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, a agricultura familiar

amazônica conseguiu demonstrar sua força produtiva numa região de forte expansão agrícola.

Dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2000), gerados a partir do Censo

Agropecuário 95/96 e do Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO, ilustram que os

estabelecimentos familiares da Amazônia, apesar de não terem sido alvos prioritários no processo

de desenvolvimento local, são responsáveis por 58,3% do Valor Bruto de Produção Agropecuário

(VBPA) da Região Norte, a maior participação familiar regional em VBPA do Brasil, com

somente 37,5% da área de cultivo e 38,6% dos financiamentos disponibilizados (Tabela 01).

Outra vantagem comparativa da produção familiar é a sua elevada capacidade de

geração de empregos e arrecadação de impostos. Em estudo elaborado no nordeste paraense,

Toniolo & Uhl (1996) demonstram que os sistemas diversificados da agricultura familiar exigem

4 hectares para empregar uma pessoa/ano e geram uma quantidade de impostos estimada em US$

14,00/ha/ano, enquanto que sistemas extensivos de pecuária de corte característicos da produção

patronal exigem 44 hectares para empregar uma pessoa/ano e geram US$ 3,51/ha/ano.

33 É relevante frisar que intensificar não significa fazer plantios homogêneos com altos níveis de uso de insumos artificiais, mas

aumentar a eficiência produtiva (menor área com maior produtividade e uso de insumos renováveis), que pode ser obtida na forma de cultivo de sistemas perenes agroflorestais.

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Em estudo sobre planejamento de uso do solo na Amazônia, Almeida & Uhl (1996)

também trazem as vantagens econômicas de se investir em intensificação do uso da terra (Tabela

02). Ao comparar agricultura em sistema extensivo (agricultura anual de corte e queima) e

intensivo (agricultura com cultura perene), pecuária extensiva (pastos não reformados) e

intensiva (pastos reformados), exploração madeireira em sistema convencional (ciclo de 90 anos)

e sob manejo florestal (ciclo de 30 anos), os autores verificaram que o investimento inicial mais

alto em intensificação de sistemas de produção tem recompensa econômica (lucro), sócio-cultural

(valorização das práticas tradicionais) e ambiental (renovação dos recursos naturais). Com

exceção da exploração madeireira, o início de um processo de intensificação da agricultura e

pecuária já representa a realidade prática da maioria das comunidades de produção familiar rural

da Amazônia.

Tabela 01 – Participação da produção familiar rural no VBPA regional

Região % do VBPA no total da

região

% de área de cultivo % de crédito

disponibilizado

Brasil 37,90 30,50 25,30

Sul 57,10 43,80 43,30

Sudeste 24,20 29,20 12,60

Centro-Oeste 16,20 12,62 12,70

Nordeste 42,90 43,50 26,80

Norte 58,30 37,50 38,60

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário (2000).

Tabela 02 – Vantagens de se intensificar o uso da terra (US$/hectare/ano)

Uso da Terra

e Benefícios

Agricultura Pecuária Exploração Madeireira

Extensivo Intensivo Extensivo Intensivo Extensivo Intensivo

Renda 90,00 2.366,00 31,00 104,00 31,00 92,00

Lucro 33,00 802,00 6,00 55,00 11,00 28,00

Impostos 15,00 367,00 5,00 18,00 4,00 11,00

Capital Inicial 292,00 2.695,00 307,00 539,00 2.391,00 2.503,00

Ha/Emprego 16 1,4 29 29 540 154

Fonte: Almeida & Uhl (1996)

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Apesar do processo histórico de expansão da fronteira agrícola brasileira evidenciar a

ausência de propostas de desenvolvimento rural que atribua protagonismo à produção familiar

rural, na última década, o seu papel estratégico vem ganhando força impulsionado pelos

sucessivos debates sobre desenvolvimento sustentável, geração de emprego e renda, segurança

alimentar e desenvolvimento local endógeno. Nesse contexto, a Amazônia, com suas

características ecossistêmicas específicas e predomínio da forma de produção familiar rural,

aparece como tema central desse debate.

O fortalecimento da produção familiar da Amazônia apresenta grande potencial de

redirecionar o bioma no rumo do desenvolvimento sustentável e reverter os impactos gerados

pelos grandes projetos que balizaram o (contra) desenvolvimento econômico da região. Do ponto

de vista sócio-ambiental, a produção familiar se diferencia do segmento patronal devido ao

grande interesse na conservação dos recursos naturais, motivada pela sua característica de

aproveitamento diversificado dos produtos da floresta, dos recursos hídricos e do solo e a

importância desses produtos para a segurança alimentar e renda das famílias (Pereira & Vieira,

2001; Mattos et al, 2001).

Neste contexto, um fato de grande repercussão social e política na Amazônia foi o

acesso dos produtores familiares ao crédito rural, através do Fundo Constitucional de

Financiamento do Norte (FNO), ao promover uma democratização nas tradicionais ações

públicas. Pode-se afirmar que este fato constituiu-se num dos principais elementos propulsores de

mudanças no cenário rural e de pressão para alterações no modelo de desenvolvimento regional,

tendo a frente os movimentos sociais de produtores familiares rurais. Contudo, a instituição do

FNO não se traduziu numa proposta de revisão estrutural do modelo de desenvolvimento

exógeno, configurando-se somente como um exemplo paradigmático dos limites da concepção

modernizadora para a promoção do desenvolvimento rural sustentável da Amazônia (Tura &

Mattos, 2002).

Dados da pesquisa FASE/FETAGRI-PA/NAEA-UFPA/IMAZON, levantados entre os

anos de 1997 e 1999 e organizados por Tura & Costa (2002), identificam diversos problemas na

aplicação do FNO para o setor de produção familiar da Amazônia, situando-se entre os oito

principais: 1) padronização dos projetos técnicos (praticamente quatro tipos de projetos de

financiamento foram verificados no campo, dentro de uma realidade extremamente heterogênea

na Amazônia); 2) valor do financiamento baseado em cálculos médios (para projetar e orçar uma

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política pública é aceitável o uso de cálculos médios, mas isso não significa que todas as

propriedades tenham que ser atendidas pelo mesmo valor de crédito rural); 3) investimentos em

sistemas pouco diversificados (negando a tradição de cultivos integrados dos povos da região); 4)

crédito vinculado (grande parte dos recursos financeiros foi disponibilizada na forma de insumos,

muitos deles desconhecidos pelos produtores, além de propiciar acordos ilícitos entre técnicos

responsáveis pelos projetos de crédito rural e donos de revenda de insumos); 5) recurso de mão-

de-obra insuficiente (projetos mal dimensionados que superestimaram a capacidade de mão-de-

obra das propriedades familiares); 6) atraso na liberação das parcelas de crédito rural (em

diversas ocasiões, as parcelas foram liberadas após a época de plantio, sem que houvesse

previsão de recompensa adequada aos produtores atingidos pelo atraso); 7) baixa capacidade de

pagamento do crédito (muitos projetos apresentaram erros de cálculo, sendo comumente

verificado que projetos de implantação de sistemas perenes só apresentaram viabilidade

econômica após o período de carência estipulado de 3 anos); 8) assistência técnica e extensão

rural (ATER) insuficiente e de má qualidade (geralmente, os produtores só receberam uma visita

técnica, anteriormente à liberação do crédito).

Ao analisar a capacidade de pagamento e a viabilidade técnica do FNO, Solyno

Sobrinho (2000) demonstra que, no final de 1998, havia um índice acumulado de 31,65% de

inadimplência, na forma de créditos vencidos, atrasados, em liquidação ou compensados, mas é

preciso esclarecer que apenas 6,87% do total de inadimplência devem-se aos projetos de

produção familiar, restando o montante de 24,67% sob responsabilidade dos produtores patronais

e 0,11% a cargo das cooperativas. Além disso, vale ressaltar que a categoria de produção familiar

detinha, ao final de 1998, um total acumulado de 37,09% das aplicações do FNO, o que indica

uma proporção bem menor de inadimplência se comparado aos produtores patronais. Entretanto,

a pequena participação da produção familiar no total de inadimplência do FNO também está

relacionada com os baixos valores médios dos projetos da categoria, pois sua taxa de

inadimplência se traduz em 22.785 famílias, isto é, mais de um terço dos produtores familiares

financiados na Amazônia. Logo, esses resultados demonstram a necessidade de se repensar

modalidades de financiamento à produção familiar, que ao mesmo tempo atendam às

necessidades sócio-econômicas e ambientais dos lotes e garantam o retorno da verba pública de

crédito rural.

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Face aos problemas verificados, Costa (2000c) demonstra que o caminho para o

sucesso da aplicação do FNO ao setor de produção familiar rural passa pela intensificação do uso

da terra. Ao analisar dados do FNO operados entre 1991-1999, o autor expõe que a maior

rentabilidade média observada por unidade de área utilizada foi a da agricultura com base em

culturas perenes (R$ 354,87/ha) nos estabelecimentos familiares, seguido à da agricultura com

base em lavouras anuais (R$ 294,33/ha) também entre produtores familiares. A pecuária da

produção familiar (R$ 64,44/ha) apresenta um rendimento por área abaixo de um quinto das

culturas perenes, mas mesmo assim, é o dobro do valor obtido pela pecuária nas propriedades

patronais (R$ 23,22/ha) e mais de nove vezes o do valor por hectare verificado para a pecuária

nas propriedades com mais de 5.000 hectares (R$ 7,04/ha). Assim, as culturas perenes

confirmam-se, em qualquer dos casos, como a melhor forma de intensificação do uso da terra nas

propriedades familiares.

De forma oposta ao que demonstram os resultados, o agente financiador responsável

pelo FNO somente concebeu financiamentos de projetos desenhados com sistemas perenes se os

mesmos estivessem atrelados a outros “projetos âncoras” de lavouras anuais em monocultivo

e/ou criação de animais de grande porte. Aqui está explícito que as práticas familiares

amazônicas de uso diversificado da terra encontram resistência nos herméticos mecanismos

econômicos oficiais de fomento à produção rural.

Ademais, os projetos financiados pelo FNO foram elaborados, na sua maioria, sem a

participação dos produtores e de forma padronizada, conseqüentemente, não condiziam com a

experiência que o produtor possuía, com a disponibilidade de mão-de-obra, com os recursos

naturais existentes, com os canais de comercialização e infra-estrutura disponíveis e com o

calendário agrícola regional, causando distorções técnicas e econômicas. Enfim, se por um lado

ocorreram transformações no público alvo da política do FNO, por outro verificou-se a

continuidade de uma política institucional de desenvolvimento regional exógeno herdada dos

governos militares. Portanto, há a necessidade de se propor mudanças qualitativas na política de

financiamento rural, articuladas ao campo da pesquisa e extensão rural, que permitam um diálogo

com as práticas tradicionais, além da ruptura de uma concepção fragmentada para uma

perspectiva de manejo integrado das propriedades familiares (Tura & Mattos, 2002) de forma a

consolidar mercados internos e processos endógenos de desenvolvimento. Concatenar economia

e ecologia nas estratégias de desenvolvimento rural também se constitui uma demanda presente.

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Nesse sentido, a tomada de consciência dos desequilíbrios ambientais que se traduzem

em desequilíbrios sociais e econômicos, por parte de segmentos crescentes da população e, em

especial, por parte dos produtores familiares rurais da Amazônia, apela para a definição e a

implantação de alternativas regionais de desenvolvimento rural. Logo, há a necessidade de se

pensar em mudanças qualitativas, baseadas em formas mais adequadas de uso múltiplo da

floresta e manejo de recursos naturais, obedecendo a uma alternativa de aproveitamento social e

econômico da terra com baixos riscos de degradação ambiental.

Práticas agroecológicas e de uso múltiplo da floresta não significam uma volta ao

passado, ao revés, são mais complexas que as convencionais, logo, exigem maior capacidade de

gerenciamento, mão-de-obra qualificada e, principalmente, mais conhecimentos técnicos e

pesquisas sobre as inter-relações dos diferentes componentes ecossistêmicos.

Contudo, os sistemas agroecológicos e de uso múltiplo da floresta, que apresentam as

melhores características de conservação dos recursos naturais, geralmente, enfrentam

dificuldades de competição no mercado com outras formas de produção convencional, pois

exigem maiores custos e tempo para retorno econômico (deve-se aqui considerar o baixo capital

de giro e frágil capacidade de investimento dos produtores familiares, que ficam sem “ponto de

partida” para estabelecimento de sistemas perenes caso não haja opções de financiamento rural

e/ou incentivos oficiais adaptados a essa realidade). Por outro lado, sistemas de produção mais

equilibrados geram benefícios para toda a sociedade, tais como a manutenção dos ecossistemas

florestais, a melhoria da qualidade do ar, água, solos e da biodiversidade. Esses benefícios são

denominados de “serviços ambientais” na literatura internacional, mas em quase todas as

circunstâncias não são considerados pelos mercados brasileiros ou valorados por políticas

públicas de desenvolvimento rural, não sendo possível internalizar os custos ambientais

adicionais no preço final do produto.

Sendo assim, o atual cenário de desenvolvimento rural da Amazônia expõe para a

demanda de uma política pública federal que disponibilize incentivos econômicos capazes de

tornarem atrativos os investimentos em sistemas sustentáveis de produção primária. É a mudança

de paradigma em curso, ao submeter o “ônus” da conversão de sistemas não só ao agricultor, mas

à toda sociedade, que leva o “bônus” na forma de serviços ambientais.

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Dentro de uma nova concepção mundial de desenvolvimento rural, os produtores

familiares da Amazônia adquirem outros papéis na sociedade, pois deixam de ser apenas

fornecedores de produtos primários ao adquirir um caráter multifuncional que associa produção

econômica, preservação dos valores sócio-culturais, conservação do meio ambiente e prestação

de serviços ambientais. Baseado nesses princípios, os principais movimentos sociais rurais da

Amazônia construíram, entre 2000-2002, a proposta de política pública denominada “Programa

de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural” (Proambiente).

Fruto de discussão da sociedade civil organizada para a promoção do

desenvolvimento rural sustentável da Amazônia, o Proambiente surge como proposta no Grito da

Amazônia 2000 (evento anual que cumpre espaço de reivindicação dos movimentos sociais rurais

amazônicos), porém, as condições para sua concepção geral começam a ser dadas bem antes

desse momento. Resgatemos então alguns aspectos sobre o perfil dos movimentos sociais

proponentes do Proambiente, para posteriormente apresentarmos as propostas do programa e

analisarmos seu desempenho como programa governamental no Plano Plurianual 2004-2007.

Mattos et al (2001), Monteiro (2004) e Hébette & Moreira (2004a) traçam uma

evolução dos movimentos sociais rurais amazônicos. Na década de 70, a principal marca era a

oposição ao regime militar, tendo como bandeira o embate ideológico, face aos conflitos

resultantes da expansão da fronteira agrícola. Com a Nova República, os movimentos passaram

anos para redirecionar suas reivindicações, e no início dos anos 90, a maior parte das

organizações havia se recomposto, voltando-se para a (i) unificação das reivindicações de

interesse geral (ex: Grito da Terra, Grito da Amazônia), (ii) criação de novas formas de

organização para atender a diversidade de problemas das populações rurais (ex: Conselho

Nacional dos Seringueiros – CNS, Grupo de Trabalho Amazônico – GTA, Movimentos dos

Atingidos por Barragens – MAB), (iii) negociação de políticas públicas de financiamento rural

(ex: Fundo Constitucional de Financiamento do Norte – FNO, Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF) e (iv) elaboração de projetos de

desenvolvimento regional sustentável, que passaram a servir de base para a negociação de novos

modelos de políticas públicas (ex: Programa de Proteção às Florestas Tropicais – PPG7;

Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural – Proambiente).

Apesar das dificuldades inerentes, os esforços dessa nova geração de movimentos sociais

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sintetizam seu caráter propositivo e a busca da emancipação social, econômica e política dos

povos amazônicos, assim como a preocupação com a preservação do meio ambiente.

Para Hébette & Moreira (2004b), o movimento gerado pela convergência das lutas

sociais amadureceu as organizações camponesas, que passaram a dar maior atenção ao

“econômico”, em contraste ao “político”. E para Mattos (2006), mais recentemente, a pauta

“sustentabilidade” fez emergir a dimensão ecológica nesses movimentos.

Offe (1985) diferencia velhos e novos movimentos sociais e enfatiza suas gêneses em

períodos distintos. Os velhos movimentos sociais, formados durante a vigência do Estado de

Bem-Estar Social (1945-1973), caracterizam-se por atores socioeconômicos que agem como

grupos de interesses, pautam-se em temas como crescimento econômico, distribuição de renda,

segurança social e controle social, apóiam-se em valores como liberdade, consumo privado e

progresso material, e têm modos de atuação política interno (organização formal, entidades

representativas de grande escala) e externo (intermediação pluralista ou corporativista de

interesses, competência entre partidos políticos, regras para as maiorias). Já os novos movimentos

sociais, oriundos de tempos mais recentes de descentralização política e liberalização econômica

dos Estados nacionais, notabilizam-se por atores socioeconômicos que não agem propriamente

como grupos (mas em nome de uma coletividade atribuída), orientam-se em questões como

proteção ao meio ambiente, direitos humanos e das minorias, manutenção da paz e formas não

alienadas de trabalho, baseiam-se em valores como autonomia pessoal e identidade, e têm prática

política interna (informalidade, espontaneidade, baixo grau de diferenciação horizontal e vertical)

e externa (formas de protestos baseadas em exigências formuladas em fins predominantemente

negativos).

Em relação aos novos movimentos sociais, considerando somente os voltados à

questão ambiental, é bastante salutar diferenciá-los entre os que nascem da abundância e que

provém da pobreza, não com o intuito de contrapor renda, mas para o entendimento das causas

que fizeram constituir essas diferenças. Os movimentos ecológicos das regiões mais

desenvolvidas do Brasil (a exemplo do mundo desenvolvido), na sua maioria, são centrados na

busca da melhoria da qualidade de vida, já que os problemas de eqüidade social já estão

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101

razoavelmente atendidos34

. Essas ações se traduzem de várias maneiras, como a preocupação

com a conservação dos grandes mamíferos ou protestos contra a perda de paisagem natural. Já

nas regiões mais economicamente deprimidas do país, a exemplo de outros casos latino-

americanos, há também outro tipo de movimento ecológico, o ecologismo popular, onde a

questão central é a sobrevivência no bioma. Esse novo tipo de movimento social havia sido

pouco percebido no mundo, até que o assassinato de Chico Mendes, em dezembro de 1988, o fez

entrar pelas vias de comunicação de todo o globo. Os povos amazônicos há muitos anos lutam

pelo reconhecimento de suas áreas de produção por temer que a pressão da pecuária extensiva e a

expansão da agricultura de grande escala venham por em risco sua própria existência. A causa de

manter a floresta em pé, para esse grupo social, se deve mais ao seu modo particular de

existência, onde a diversidade biológica amazônica está intimamente associada à diversidade

sócio-cultural e à vida econômica dos povos da floresta (Mattos, 2006). Logo, podemos até

chamar esse movimento de ecológico, mas é, sobretudo, um movimento social com perfil que o

caracteriza, ao mesmo tempo, de novo e velho movimento social, pois se volta para a defesa da

renda produtiva sob base ecológica.

Os movimentos sociais rurais proponentes do Proambiente, Federações dos

Trabalhadores na Agricultura da Amazônia Legal (FETAGs da Amazônia - ligadas à

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG), Grupo de Trabalho

Amazônico (GTA), Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Movimento Nacional dos

Pescadores (MONAPE) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

(COIAB), contém simultaneamente, uns mais, outros menos, características dos velhos e novos

movimentos sociais, transitando entre o político e o econômico, e pautados numa revisão dos

processos produtivos em busca de maior sustentabilidade ecológica.

Ainda que a gênese do Proambiente esteja ligada à articulação de vários movimentos

sociais amazônicos, é maior o protagonismo de duas entidades no processo de construção do

programa: as FETAGs da Amazônia e o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).

As primeiras têm um perfil mais característico dos velhos movimentos sociais, pois a

confederação que as congrega (CONTAG) historicamente pautou-se (desde sua fundação, em

1963) em reivindicações como (1) previdência social, (2) direito trabalhista, (3) reforma agrária,

34 Vale frisar que as regiões mais desenvolvidas do Brasil, como zonas metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro, contêm

grandes contingentes de pobreza urbana e profundos problemas de equidade social, porém, ao mesmo tempo, têm grande parcela da população com alta renda que estrutura movimentos ecológicos semelhantes aos dos países desenvolvidos.

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(4) política agrícola e (5) educação no campo, sendo que a questão ambiental emerge como pauta

somente em 1998, e ganha status de secretaria apenas no recente ano de 2007. Segundo

depoimentos levantados com dirigentes da CONTAG, desde os anos 70 houve resistências desse

movimento para se articular com o movimento ambiental devido ao perfil punitivo do último,

onde a proibição encontrava mais espaço que a valorização dos modos de vida rural e o

entendimento das dificuldades produtivas que levam aos impactos ambientais e ao

desmatamento. O debate agroecológico, porém, surge como solução de independência produtiva

frente ao pacote da Revolução Verde e valoriza o meio ambiente como pauta desse movimento

social. Ainda assim, é notório que as pautas econômicas ecológicas são mais avivadas nas

práticas políticas das FETAGs da Amazônia do que propriamente da CONTAG.

Dentro da rede de federações amazônicas vinculadas à confederação, a Federação dos

Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI-PA) e a Federação dos

Trabalhadores na Agricultura do Estado de Rondônia (FETAGRO) foram mais ativas no

processo de construção do Proambiente (2000-2002), não por acaso, seus ex-presidentes na época

ocupam hoje seus segundos mandatos de deputado estadual no Pará e deputado federal por

Rondônia, respectivamente. Resgatando conceitos dos capítulos II e IV, temos aqui o caso de

processos de renovação da sociedade civil organizada mais rápidos que do Estado, onde a policy

cria lideranças políticas para a politics, invertendo a lógica política comumente assistida.

Já o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) surge após a Rio-92, a partir da união de

quatro centenas de entidades populares e técnicas da Amazônia numa rede criada para promover

a participação das comunidades da floresta nas políticas de desenvolvimento sustentável. A Rede

GTA é formada por dezesseis coletivos regionais localizados nos nove estados amazônicos do

país, envolvendo agricultores familiares, seringueiros, indígenas, quilombolas, quebradeiras de

côco de babaçu, pescadores artesanais, ribeirinhos e entidades ambientalistas, de assessoria

técnica, de comunicação comunitária e de direitos humanos. Portanto, o perfil simultâneo de

velho e novo movimento social do GTA vem de sua origem, enquanto no caso da CONTAG

advém de uma adaptação conjuntural.

As diferenças institucionais entre as principais protagonistas do processo de

construção do Proambiente (2000-2002) condicionaram a concepção plural do programa. Nos

dois primeiros anos (2000-2001) do processo de construção do Proambiente, por influência das

FETAGs da Amazônia, pautada na dimensão sócio-econômica (característica dos velhos

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movimentos sociais), o crédito rural era seu elemento central, sendo a remuneração de serviços

ambientais sugerida pelo desconto na amortização do crédito. Após o entendimento dos

diferentes conceitos de crédito rural e serviços ambientais, durante eventos estaduais realizados

no ano eleitoral de 2002, o primeiro passa a ser opcional e desvinculado do segundo, tornando

elegível todo agricultor familiar, mutuário ou não de financiamento rural, ao recebimento da

remuneração de serviços ambientais prestados à sociedade. Essa diferenciação teve papel

decisivo do GTA, pautado na dimensão sócio-ambiental (característica dos novos movimentos

sociais). A união dos velhos e novos movimentos sociais foi estratégica na inovação econômica

ecológica do programa.

O Proambiente possui outra relevante particularidade: foi concebido como projeto da

sociedade civil organizada da Amazônia Legal (2000-2002), passou por um período de transição

entre projeto e programa governamental em 2003, sendo provisoriamente alocado no

Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA) da Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA)

do Ministério do Meio Ambiente (MMA), até se tornar um programa governamental piloto

inserido no Plano Plurianual 2004-2007, sob responsabilidade da Secretaria de Políticas para o

Desenvolvimento Sustentável (SDS) do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O processo de

construção do Proambiente é um exemplo do fortalecimento da democracia brasileira,

envolvendo mais de 20 mil pessoas em diversos eventos ao longo dos anos 2000-2002.

Sua constituição como programa governamental (ainda que executado de forma

piloto) demonstra a natureza propositiva da sociedade civil organizada da Amazônia. Também

podemos considerar que seu surgimento é resultado de uma reação da sociedade à ausência de

institucionalidade da União na região, idéia análoga exposta por Martin (2001), quando alega que

a diminuição do papel regulador do Estado resulta em peso maior às formas de organização da

sociedade civil e à gestão comunitária dos recursos naturais.

O Proambiente foi proposto pelos movimentos sociais rurais amazônicos para operar

em sub-regiões amazônicas que apresentavam capital social com experiência na execução de

projetos governamentais e não-governamentais pilotos (sub-regiões denominadas de “Pólos do

Proambiente”, cada qual formado por, aproximadamente, 500 famílias – distribuídas em torno de

quinze grupos comunitários – e com base municipal de um a seis municípios). A proposta do

Proambiente apresentou o desafio de unir, num mesmo programa governamental, seis ações:

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Controle Social – proposta de estruturação de Conselho Gestor Nacional (CONGEN)

deliberativo e paritário entre governo federal e movimentos sociais rurais, além de Conselhos

Gestores dos Pólos (CONGEPs), submetidos às deliberações do CONGEN, com participação de

organizações de produtores do Pólo, organizações não-governamentais parceiras, prefeituras

municipais e órgãos públicos federal, estaduais e municipais (da base do Pólo) de atuação local.

Planejamento Territorial – proposta de elaboração participativa do Plano de

Desenvolvimento Sustentável do Pólo (PD), com identificação de estratégias para o

desenvolvimento endógeno atrelado ao contexto territorial e de consolidação de mercado interno

local, levantamento de demandas de infra-estrutura local, estratégias de integração institucional,

beneficiamento, escoamento e comercialização da produção; a implementação foi proposta por

meio de parcerias com prefeituras municipais da base territorial do Pólo.

Planejamento e Manejo Econômico e Ecológico Integrado das Unidades de

Produção – proposta de elaboração participativa do Plano de Utilização das Unidades de

Produção (PUs). Nos PUs constam informações cadastrais da família residente e do lote, histórico

de crédito rural, composição familiar por geração e gênero (que resulta na leitura da capacidade

de trabalho e demanda de consumo do lote), objetivos do manejo da produção econômica e

conservação ambiental, planilha e mapa de uso da terra atual (2005) e futuro (2020) (com

inserção de algumas oportunidades produtivas levantadas nos PDs), planejamento da transição

agroecológica do mapa atual para futuro (com prazos, período e fontes de recursos financeiros –

próprios, de crédito rural ou não-reembolsáveis – para cada meta de transição), identificação de

serviços ambientais prestados à sociedade e memória de cálculo. Os PUs conferem um relevante

sentido de planejamento de longo prazo às famílias rurais, logo, não são somente importantes

para operar o Proambiente, mas para garantir autonomia e protagonismo aos usuários da terra nos

processos de decisão sobre o futuro de seus lotes ou áreas de uso coletivo. Os PUs também

servem como base para projetos técnicos de crédito rural (ao inverter a convencional lógica de

estruturação dos mesmos “de cima para baixo”, a partir da leitura restrita do técnico da entidade

de assessoria técnica e extensão rural ou do banco operador) e licenciamento ambiental. A

estruturação de projetos de crédito rural sem a participação dos futuros mutuários gera

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conseqüências graves como a indevida consideração das características agronômicas, da

capacidade de mão-de-obra, das demandas de investimento produtivo e da capacidade de

amortização das parcelas de financiamento de cada unidade de produção.

Assessoria Técnica e Extensão Rural – proposta de estruturação de equipe técnica

em organização privada local indicada pelo Conselho Gestor do Pólo como “Entidade Executora

do Pólo” (EEP), que deve estabelecer convênio com o Programa Nacional de Assistência Técnica

e Extensão Rural (Pronater) da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA). Foi proposto que cada equipe técnica fosse formada por um

técnico de nível superior (coordenador), cinco técnicos de nível médio (técnicos agrícolas ou

florestais) e quinze agentes comunitários (produtores selecionados pelo Proambiente, com

liderança técnica na comunidade e papel de potencializar o trabalho de ATER; o modelo foi

inspirado na experiência bem sucedida das agentes comunitárias de saúde do Ministério da

Saúde). O procedimento de indicação pelos CONGEPs inverte a lógica impositiva da ATER

brasileira, por isso, na proposta do Proambiente o termo “assistência” foi trocado por “assessoria”

técnica e extensão rural.

Certificação Mista de Serviços Ambientais – proposta por meio de dois processos, o

primeiro interno e o segundo externo às comunidades contempladas pelo Proambiente. No

processo interno, cada grupo comunitário, com apoio da equipe de ATER, deve formular seu

Acordo Comunitário de Serviços Ambientais (ACs), onde são formalizados os laços comunitários

informais de confiança no manejo de bens comuns, estabelecidas metodologias de verificação

participativa de serviços ambientais, identificados os cumpridores e não cumpridores dos ACs, e

firmados os meios coletivos de resolução de conflitos no uso de recursos naturais e bens comuns.

O processo externo proposto constitui-se numa estratégia de normalização oficial da

“Certificação de Serviços Ambientais” pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e

Qualidade Industrial (InMetro). A nova modalidade se caracteriza por uma certificação de

processos (e não de produtos), sendo que sua obtenção por uma unidade de produção familiar

ocorre através de auditorias externas realizadas por entidades com perfil estatutário em

certificação e cadastradas pelo InMetro (a partir de licitação de certificadoras pelo Ministério do

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Meio Ambiente), dando direito à remuneração de serviços ambientais. Portanto, os ACs se

notabilizam como uma certificação participativa e cumprem uma etapa inicial de identificação

comunitária de cumpridores e não cumpridores da Certificação de Serviços Ambientais, com a

certificadora externa apenas ratificando (ou negando), por amostragem, o direito à remuneração

de serviços ambientais de cada lote.

Remuneração de Serviços Ambientais – proposta de transferência de renda sob

critérios ecológicos, por meio de constituição de fundo governamental alimentado por ecotaxas

de (1) empresas exploradoras de petróleo e fabricantes de veículos automotores (compensação de

emissão de carbono provinda da queima de combustíveis), (2) empresas exploradoras de carvão

mineral (co-responsabilidade na emissão de carbono industrial), (3) empresas de exploração

madeireira de espécies nativas da Amazônia (pela contribuição à redução de estoque de carbono

na vegetação e nos solos), (4) usinas hidrelétricas (responsabilidade em impactos físico-químicos

e à biota aquática), (5) empresas químicas (impactos nocivos à água, solos, biodiversidade e meio

ambiente em geral), (6) empresas de produção de papel e celulose (devido ao risco de fogo

acidental e aumento da inflamabilidade da paisagem rural), (7) redistribuição do Imposto

Territorial Rural (ITR) (para auxiliar o cumprimento da função social da terra). A valoração de

serviços ambientais do Proambiente foi proposta inspirada nos conceitos de Economia Ecológica

e nas equações 1 e 2 expostas no capítulo III. Primeiramente, se estipulou a necessidade de se

atingir a meta “eliminação do uso do fogo”, de modo a superar o sistema de cultivos anuais de

corte e queima e propiciar confiança comunitária para investimentos mais rentáveis (e com

retorno no médio e longo prazos) em sistemas perenes. Considerando a demanda de 120 diárias

de trabalho por hectare para preparo da área de plantio com fogo de um ciclo produtivo de

cultivos anuais, e 150 diárias para preparo e cultivo da mesma área sem fogo, o custo ambiental

resulta em 30 diárias de trabalho por hectare para eliminação do fogo (equação 1). Como o preço

do produto sustentável (sem fogo) é o mesmo que o obtido pelo produto padrão (com fogo) no

mercado consumidor, o preço do serviço ambiental gerado é de 30 diárias por hectare (equação

2), que equivale a R$ 660,00 (R$ 22,00 / diária) no ano de 2009. O valor de 30 diárias, na época

da entrega da proposta do Proambiente pelos movimentos sociais rurais ao Governo Federal

(2003), devido a um erro de cálculo, correspondia a ½ salário mínimo, quantia que passou a

basear PSA mensal por família selecionada pelo programa.

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Finalmente, analisemos o desempenho do Proambiente no PPA 2004-2007 e as

conseqüências no PPA 2008-2011. A partir de conceitos de Regonini (1989) apresentados no

capítulo II, procede-se uma análise pela finalidade descritiva, predominantemente explicativa,

para reconstruir a modalidade dos processos decisórios, as características dos atores participantes

e as relações entre as diversas fases do policy making, de modo a formular modelos mais realistas

e incisivos da maneira como foram adotadas as escolhas sobre as alocações dos valores de uma

sociedade. Optou-se também pelo método indutivo, onde os enunciados afetam os resultados. A

análise foi dividida em duas partes, a primeira referente à (5.1) macroeconomia e políticas

públicas, e a segunda às (5.2) ações propostas pelo Proambiente acima apresentadas: (a) controle

social, (b) planejamento territorial, (c) planejamento e manejo econômico e ecológico integrado

das unidades de produção, (d) assessoria técnica e extensão rural, (e) certificação mista de

serviços ambientais e (f) remuneração de serviços ambientais.

5.1. Macroeconomia e políticas públicas

Remetendo-se aos achados do capítulo I, a adesão brasileira ao “Novo Consenso

Macroeconômico” encampada pela política econômica das duas gestões do ex-presidente

Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002), e continuada pelos dois mandatos do

presidente Lula (2003-2006; 2007-2010), sustentou valores neoclássicos como câmbio flutuante

(desde 1999, com a quebra da paridade dólar-real na política cambial), alta mobilidade de

capitais, metas de inflação e superávit fiscal. Na prática, as políticas econômicas de ambos se

restringem somente às taxas de juros orientadas pelas metas de inflação e ao alcance de

significativos superávits primários para permitir o pagamento de juros e amortizações da dívida,

sem foco num processo estratégico de desenvolvimento endógeno ou num projeto-país, que torna

desimportante a concepção de políticas públicas estruturantes.

No mundo inteiro, em especial nos países desenvolvidos, a taxa de juros é baixa e a

inflação média gira em torno de 2,5% ao ano. No Brasil ocorre o contrário, pois ao longo dos

últimos 14 anos (mandatos FHC e Lula), nossas autoridades têm insistido em defender a

necessidade dos juros altos como mecanismo de controle da inflação.

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Nesse sentido, Mendes & Anjos (2009) realizaram um estudo hipotético simulando

uma taxa de juros básica de 50% acima da inflação (medida pelo IPCA) para cada ano, no

período de 1995 a 2008. O que se procurou analisar e medir foi o valor que o governo brasileiro

pagou a mais de juros, caso ele tivesse adotado como política monetária uma taxa básica de

“apenas” uma vez e meia a inflação registrada no período. Em outras palavras, o estudo mostra

o excesso de juros no país. Cabe destacar que são poucos os países com taxa de juros, sobre os

seus títulos públicos, acima de 50% sobre a inflação.

Os dados dos autores evidenciam que nos últimos 14 anos, o Brasil pagou R$ 757

bilhões de juros em excesso, dos quais R$ 306 bilhões no governo FHC (8 anos) e R$ 451

bilhões no governo Lula (6 primeiros anos). A crítica que se pode ser feita é que nem toda a

dívida interna está sujeita à taxa básica de juros, o que é verdade. Porém, nesse mesmo período,

o governo federal pagou quase R$ 1,5 trilhão de juros, isto é, metade de todo o juro pago foi

excessiva.

Em todo o período, o superávit primário ficou ao redor de R$ 700 bilhões, numa

realidade onde a inflação brasileira (em ascensão desde 2008) não é de demanda agregada, mas

de problemas ligados à produção-oferta, tais como juros altos que inibem investimentos e infra-

estrutura deficiente. A conseqüência do esforço fiscal desproporcional é a carência de recursos

financeiros para investir em áreas sociais prioritárias (ex: saúde, educação, saneamento,

habitação) e infra-estrutura para viabilizar a produção industrial e agropecuária. Dados do

Sistema Access da Câmara dos Deputados (Orçamento Geral da União – OGU) demonstram

que os gastos com juros, no ano de 2005, equivalem a 25 vezes o orçamento do programa Bolsa

Família, linha de frente da política social do governo Lula, ou a 36 vezes os recursos destinados

ao setor de transportes, que significa investimento em infra-estrutura.

O Sistema Access da Câmara dos Deputados (Orçamento Geral da União – OGU)

também aponta que no PPA 2004-2007, o pagamento de juros e amortizações da dívida

consumiu 30,59% dos recursos públicos (figurando como o gasto líder, seguido da previdência

com 27,50% e transferências a Estados e Municípios com 12,80%), enquanto áreas sociais

fundamentais receberam quantias muito inferiores, como 5,17% para saúde e 2,58% para

educação, 0,01% para saneamento e 0,00% para habitação. Na infra-estrutura, apenas 0,71%

foram gastos para transportes, 0,06% para comunicação e 0,05% para energia. Para o

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desenvolvimento rural, dentro de um propósito econômico ecológico a se construir para a

produção familiar, vê-se que muito pouco foi destinado, ou seja, apenas 0,46% para a

organização agrária (com maior parte dos recursos destinados especificamente para a Reforma

Agrária, que não contempla o público selecionado pelo Proambiente) e 0,17% para gestão

ambiental.

Se for levado em conta o refinanciamento (ou seja, o pagamento de amortização com

a emissão de mais títulos), o Sistema Access da Câmara dos Deputados (Orçamento Geral da

União – OGU) aponta situação mais grave na execução do PPA 2004-2007, onde o pagamento

de juros e amortizações da dívida consumiu 53,21% dos recursos públicos (figurando

novamente como o gasto líder, seguido da previdência com 18,54% e transferências a Estados e

Municípios com 8,63%), enquanto áreas sociais fundamentais receberam quantias também

muito inferiores, como 3,49% para saúde e 1,74% para educação, 0,00% para saneamento e

habitação. Na infra-estrutura, o gasto cai para apenas 0,48% nos transportes, e 0,04% na

comunicação e energia. Para o desenvolvimento rural, somente 0,31% destinam-se à

organização agrária e 0,12% à gestão ambiental.

Uma análise mais minuciosa do orçamento público ambiental elaborada por Dutra et

al (2006) também revela a falta de rumo do país na constituição de políticas públicas e

programas governamentais estratégicas na área de meio ambiente. A receita primária da União

para o período compreendido entre 2001 e 2005 evoluiu de R$ 272,58 bilhões para R$ 490,73

bilhões ao ano. As despesas nesse período de seis anos, excetuando-se as direcionadas para

refinanciamento da dívida pública federal, reserva de contingência, operações oficiais de crédito

e encargos financeiros da União, concentraram-se nos Ministérios da Previdência Social (R$

667,4 bilhões), da Saúde (R$ 193,0 bilhões) e da Defesa (R$ 170,8 bilhões). Da mesma forma

que o ocorrido após 2006, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) insere-se dentre os que

historicamente recebem menos recursos financeiros para a execução de seus programas

governamentais (apenas R$ 8,9 bilhões nos mesmos seis anos).

Deve-se notar também que, a priori, não há uma relação estreita entre o aumento da

receita primária da União e o crescimento dos recursos destinados ao MMA. O orçamento anual

da União, por exemplo, apresentou crescimento constante (em valores atualizados pelo IGP-DI) a

partir de 2003, enquanto o orçamento do MMA teve uma queda acentuada entre os anos de 2003

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e 2004, e crescimento proporcionalmente inferior em 2005 (Dutra et al, 2006). No entanto, se

analisarmos o período de 2000-2005, é possível perceber que a Receita da União cresceu de R$

451,55 para R$ 498,57 bilhões (+10,41%), enquanto a receita do MMA evoluiu em proporção

bem maior, de R$ 1,62 para R$ 2,28 bilhões (+40,74%) (Figura 6).

Figura 6 – Evolução da receita da União e do Ministério do Meio Ambiente

Fonte: Dutra et al (2006)

Apesar da evolução do orçamento do MMA em seis anos, parte significativa dos

recursos (35,08%), desde 2003, vem sendo destinada para a reserva de contingência e a dívida

externa (Figura 7) (Dutra et al, 2006). Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM,

2008) (www.cnm.org.br) também demonstram que a receita prevista de royalties (petróleo,

minerais e recursos hídricos) vinculados ao MMA foi de R$ 4,3 bilhões entre 2002-2007, a

arrecadação vinculada chegou a R$ 3,81 bilhões e o efetivamente aplicado foi de apenas R$ 606

milhões, ou seja, 83,90% de royalties do meio ambiente foram retidos pelo governo federal para

cumprimento de metas de superávit primário e pagamento de juros da dívida. Se não bastasse o

problema de falta de verbas ocasionado pelo novo contexto macroeconômico, o MMA também

não empenha a totalidade dos recursos autorizados. Na administração pública federal, o

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contingenciamento e o corte orçamentário (para cumprimento de metas de superávit primário e

pagamento de dívida externa) são priorizados nas unidades de gestão que apresentam problemas

de execução da verba pública, logo, o MMA sofre não só com a política econômica restritiva e

falta de prioridade do governo federal em executar políticas ambientais estratégicas, mas

também com sérios problemas de competência administrativa (Figura 8).

Como à estrutura administrativa do MMA estão vinculados o Instituto Brasileiro de

Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Instituto Chico Mendes (ICM), o

Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Jardim

Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), resta ao próprio por volta de 40% dos recursos

disponibilizados pela União (em torno de ínfimos R$ 600 milhões ao ano).

A análise do PPA 2004-2007, no entanto, demonstra que apesar do irrisório

orçamento disponibilizado e do baixo percentual finalístico (pulverizado pelos seus entes

federais), o MMA encerra o período do primeiro mandato do governo Lula detendo 19

programas governamentais, o que o coloca entre os cinco ministérios com mais programas,

sendo que entre os demais figuram dois dos três primeiros líderes em orçamento, isto é, o

Ministério da Defesa (com 27 programas e 19,2 vezes o orçamento do MMA) e o Ministério da

Saúde (24 programas; 21,7 vezes), além do Ministério das Minas e Energia (25 programas; 1,74

vezes) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (23 programas; 3,9 vezes).

Por conseguinte, não somente o governo federal não demonstra prioridade à questão

ambiental, mas também o MMA não consegue estruturar uma administração competente no

sentido de priorizar poucos programas estratégicos, o que resulta numa fraca institucionalidade,

fadada à execução de dispersas ações pilotos incapazes de balizar futuros processos de

desenvolvimento endógeno e sustentável, seja para o meio urbano ou rural. Conforme lembram

Mattos et al (2010), no contexto brasileiro, conhecimentos de gestão ambiental necessitam ser

assimilados por todos os gestores públicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

(MPOG) para que a construção do Plano Plurianual (PPA) já contemple os critérios ambientais

na concepção e avaliação de resultados de todos os programas governamentais, ficando sob a

responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA) o apoio à execução de políticas

públicas aos demais ministérios, estratégia esta que garante os quesitos ambientais previamente

nos processos de desenvolvimento endógeno.

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Figura 7 – Evolução da reserva de contingência e serviços da dívida externa no orçamento do

Ministério do Meio Ambiente

Fonte: Dutra et al (2006)

Figura 8 – Evolução da reserva de contingência, da despesa autorizada e da despesa empenhada

pelo Ministério do Meio Ambiente

Fonte: Dutra et al (2006)

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Ainda dentro do processo de renovação institucional, Mattos et al (2010) defendem

que os gestores públicos do Ministério do Meio Ambiente (MMA) (e órgãos estaduais e

municipais ambientais) também demandam assimilar conhecimentos de gestão pública de

processos estratégicos de desenvolvimento endógeno. Uma das grandes dificuldades que se

assiste no Brasil é que a gestão ambiental é atribuição restrita dos órgãos ambientais, que não

têm orçamento, staff competente e força política para balizar com critérios ambientais a

execução de políticas públicas, tampouco atribuição legal para conceber e analisar os

resultados, no âmbito ambiental, das políticas públicas dos demais ministérios e secretarias

estaduais e municipais. O papel conjunto de planejamento e meio ambiente deve ser o de

qualificar todas as políticas públicas de modo a não reduzir a questão ambiental a algo setorial e

oposto à diretriz nacional de desenvolvimento econômico.

Com a atual estrutura estabelecida, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) torna-se

um “quase-governo” ou um “ministério-síntese” ao cumprir o (fraco) dever de criar uma grande

quantidade de programas inócuos para todos os setores da sociedade. Sem apoio político dentro

do próprio Estado brasileiro, resta ao MMA buscar sustentação na sociedade civil organizada,

lhes oferecendo em troca co-execução (por meio de convênios) em frágeis programas

governamentais devido à exígua disponibilidade orçamentária.

Porém, a estratégia do MMA para se fortalecer perante a sociedade civil organizada

é também conseqüente de conceitos mais amplos apresentados no capítulo II. A partir de

achados de Galvão & Brandão (2003), podemos considerar que o problema de multiplicidade de

ações e programas praticamente sem resultados do MMA vincula-se à lógica de arranjo

programático-operacional estabelecido na trilogia PPA-LDO-LOA, o que evidencia a

incapacidade do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) de coordenar

estratégias mais amplas de políticas ambientais e desenvolvimento sustentável, ou mais grave,

de se mostrar capaz de liderar a montagem de um projeto-país. Como a programação de

dispêndios ao longo dos exercícios fiscais se tornou mais importante que assegurar os melhores

rumos para as ações de governo, permite-se a aberração de desperdício de verba pública por

meio da pulverização da mesma em 19 programas sem poder orçamentário de gerar resultados

efetivos e duradouros.

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Não por menos, novamente tendo como referência os conceitos do capítulo II, o

Proambiente se insere dentro do PPA 2004-2007 não como prioridade de governo ou como

oportunidade de se estabelecer uma política nacional de serviços ambientais (com foco

prioritário às populações do bioma amazônico), mas como sobrevivente de um campo de

disputa política pontual no momento de elaboração do próprio PPA 2004-2007 (durante o ano

de 2003, primeiro da gestão Lula), fato que reduz não só a efetividade dos seus resultados

futuros, mas que também fecha os espaços para um projeto-país de desenvolvimento endógeno.

A primeira previsão orçamentária do Proambiente no PPA 2004-2007 registrava a

quantia R$ 25,6 milhões, a ser executada em 11 Pólos durante quatro anos, o que representava

uma condição satisfatória para assegurar pagamento de salários da equipe de seis analistas

ambientais concursados e lotados na Gerência do Proambiente/SDS/MMA (Brasília-DF), arcar

com custos de ATER (por meio de repasse ao MDA) e efetuar o pagamento de serviços

ambientais para as 5.000 famílias selecionadas pelo programa. Devido aos imediatos cortes e

contingenciamentos orçamentários para cumprimento de metas de superávit primário operados

pela gestão Antônio Palocci à frente do Ministério da Fazenda (MF), o orçamento do

Proambiente reduziu-se à R$ 17,4 milhões, isto é, houve perda de 32,03% de sua previsão

inicial no primeiro ano do PPA 2004-2007. Desse último montante, estima-se que não mais que

R$ 6 milhões foram utilizados efetivamente ao programa, sendo que em torno de R$ 4 milhões

representam despesas diretas de salários da Gerência do Proambiente/SDS/MMA.

O jogo político desencadeado na formalização do Proambiente como programa

governamental representa sua própria vida e morte dentro do PPA 2004-2007. Enquanto projeto

da sociedade civil organizada (2000-2002), o Proambiente encontrou na Secretaria de

Coordenação da Amazônia (SCA) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) seu espaço de

articulação política e integração técnica com o PDA/SCA/MMA. Na gestão da Ministra Marina

Silva (2003-2006) ocorre a extinção da SCA e a alocação do Proambiente na Secretaria de

Políticas para o Desenvolvimento Sustentável (SDS) do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Com isso, o Proambiente perde seu antigo espaço de articulação política e integração técnica e

vincula-se a uma nova unidade de gestão que não o tinha como prioridade, o que resulta na

(legal operação de) transferência de seus recursos financeiros do PPA 2004-2007 para a ação

governamental “Gestão Ambiental Rural” (GESTAR), tida como prioritária pela SDS.

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O mais duro golpe sofrido pelos movimentos sociais rurais proponentes do programa

foi justamente conceder o GESTAR como ação governamental do Proambiente. Como um

programa governamental é formado por várias ações, a coordenação do mesmo cabe àquela

unidade de gestão que detém sua ação administrativa, no caso do Proambiente, a SDS. O não

aceite pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) do GESTAR como

programa governamental resulta na articulação política para pô-lo como ação governamental

(também alocada na SDS) do Proambiente. Estruturado o PPA 2004-2007 desta forma, os

ordenadores de despesas da SDS (1º e 2º escalões governamentais) tinham autonomia

administrativa para drenar os recursos financeiros do Proambiente ao GESTAR, sem que a

Gerência do Proambiente/SDS/MMA (3º escalão) pudesse agir. Como os movimentos sociais

rurais proponentes do Proambiente detiveram o poder de apenas indicar o responsável técnico

pela Gerência do Proambiente/SDS/MMA, as amarras orçamentárias construídas pela

SDS/MMA impediram que o programa detivesse autonomia no uso da verba pública a si

orçada, o que esvaziou sua capacidade de firmar compromissos e convênios com as Entidades

Executoras dos Pólos (EEPs), isto é, as organizações responsáveis pela co-execução do

programa indicadas pelos Conselhos Gestores dos Pólos (CONGEPs).

A sobrevida do Proambiente se deu com a ida de uma das principais protagonistas

do processo de construção do Proambiente (2000-2002) para a Diretoria do Fundo Nacional do

Meio Ambiente (FNMA) no ano de 2003. O programa, com sua desafiadora e pioneira proposta

de unir produção agroecológica e serviços ambientais no bioma amazônico, via FNMA/MMA,

consegue sensibilizar e captar recursos financeiros não-reembolsáveis de três órgãos

internacionais para as seguintes finalidades:

(1) R$ 2,0 milhões do Kreditanstalt für Wiederaufbau (KFW) (banco alemão de

desenvolvimento) para lançamento do Edital FNMA 05/2003 (Chamada II – Estruturação e

Fortalecimento do Sistema Municipal de Meio Ambiente dos Municípios Integrantes dos Pólos

do Proambiente), com o objetivo de implementação, por 32 prefeituras municipais elegíveis,

entre 2004-2006, dos Planos de Desenvolvimento dos Pólos (PDs) elaborados durante o

processo de construção do Proambiente (2000-2002);

(2) R$ 4,0 milhões da Embaixada dos Países Baixos (Projeto de Cooperação Técnica

Brasil-Holanda – PCT-BH), para formação das equipes técnicas de ATER, e elaboração dos

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Planos de Utilização das Unidades de Produção (PUs) e dos Acordos Comunitários de Serviços

Ambientais (ACs), entre os anos 2004-2005, pelas Entidades Executoras dos Pólos indicadas

pelos Conselhos Gestores dos Pólos (CONGEPs);

(3) R$ 500 mil do Department for Internacional Development (DFID), órgão de

cooperação internacional do Reino Unido, para contratação de consultorias em “Políticas

Públicas do Governo Federal com interfaces aos PDs dos Pólos do Proambiente”, “Gestão e

Controle Social do Proambiente”, “Fortalecimento de Organizações Sociais e Comunicação do

Proambiente” e “Fundo de Serviços Ambientais”.

Com novas contrapartidas a oferecer, a Gerência do Proambiente/SDS/MMA também

obtém sucesso na articulação entre a Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável

(SDS) do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e firma acordo de R$ 500 mil ao ano (para

2003-2004-2005) com o Programa Pronaf Capacitação (SAF/MDA), no intuito de capacitar as

equipes técnicas de ATER para a execução dos projetos firmados no PCT-BH.

A última ação da Gerência do Proambiente/SDS/MMA indicada pelos movimentos

sociais rurais amazônicos foi uma parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(Embrapa), na ordem de R$ 3 milhões, executado entre 2005-2008, para formação de rede de

pesquisadores e estruturação de projetos de pesquisa em rede para apoiar a viabilização do

Proambiente como programa governamental.

No ano de 2005, com o esgotamento dos recursos financeiros de doação internacional,

e sem a abertura política para uso da verba pública orçada no PPA 2004-2007, ocorre um

processo de ruptura política entre a Gerência do Proambiente/SDS/MMA e os dois primeiros

escalões da SDS/MMA. Desta feita, o gerente indicado pelos movimentos sociais rurais

amazônicos proponentes do Proambiente, a partir do consentimento dos últimos, se desliga da

Gerência do Proambiente/SDS/MMA. Paradoxalmente, num primeiro momento, os altos escalões

da SDS/MMA, agora desguarnecidos de uma cômoda “proteção política” do 3º escalão que se

responsabiliza em justificar a morosidade na consolidação do programa, tentam partir para a

ofensiva e organizam, três meses após o processo de ruptura política, o II Encontro do

Proambiente, no intuito de se interar da iniciativa que praticamente desconheciam e firmar

(tardios) compromissos: (a) formalização do controle social do programa, (b) renovação dos

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contratos de ATER com o MDA e (c) efetivação da remuneração de serviços ambientais.

Guardadas as devidas proporções, esse fato político se assemelha ao ocorrido três anos depois,

quando a demissão voluntária da Ministra Marina Silva abre um espaço de debate na mídia para a

questão do desmatamento ilegal da Amazônia e do aquecimento global. Mas a falta de prioridade

dada ao programa pela SDS/MMA pode ser evidenciada no fato da Gerência do

Proambiente/SDS/MMA ter ficado vaga (apenas sob a responsabilidade de um consultor

provisório) por quase um ano, sendo alocado um novo quadro da própria SDS/MMA somente no

ano de 2006, sem a consulta prévia aos movimentos sociais proponentes.

Membros do Conselho Gestor Nacional do Proambiente (CONGEN), nunca

formalizado como instância deliberativa (apenas consultiva, em janeiro de 2006; pauta a ser

discutida no próximo tópico), quando consultados sobre os motivos da não consolidação do

Proambiente como programa governamental, manifestaram opiniões abaixo sistematizadas.

O primeiro ponto citado foi a não prioridade do governo federal, MMA e SDS/MMA

ao programa. Não falta somente entendimento na esfera federal do que significa serviços

ambientais (o que leva a não interpretação do significado do Proambiente), como falta prioridade

à agricultura familiar e inexiste uma leitura clara sobre os processos de desenvolvimento

sustentável que demandam a região amazônica. No caso do MMA, suas pautas principais ainda

se remetem ao comando e controle, crimes ambientais, mitigação de impactos ambientais de

obras de infra-estrutura na Amazônia, gestão de florestas públicas e reforma administrativa

(como esvaziamento do IBAMA e criação do ICM), logo, o Proambiente deparou-se com uma

situação pouco propícia para efetivar agendas de desenvolvimento endógeno, além de chocar-se

com os descompromissos dos altos escalões da SDS/MMA ao seu processo histórico de

construção social e com a agricultura familiar da Amazônia. Somente tinham espaço político na

SDS/MMA a ação governamental GESTAR ou àquelas que eventualmente viessem a contemplar

a base política de seus gestores (que em parte, também é o caso do GESTAR).

Apesar de o Proambiente constar no plano de governo do então candidato Lula em

2002, de ter sido o único programa citado no discurso de posse da Ministra Marina Silva e de ser

proposto por movimentos sociais rurais da base de sustentação política do Partido dos

Trabalhadores (PT), mesmo com a indicação de quadros de gestores do último para administrar a

SDS/MMA, ele não encontrou condições de se consolidar.

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Recuperadas do capítulo II, as considerações de Lindblom (1968) e Bauer & Gergen

(1968) ajudam na interpretação da conjuntura acima. De fato, uma policy é resultado de muitos

processos com compromissos políticos envolvidos, dentro de um cenário que envolve decisões

com amplas ramificações e profundos interesses políticos e econômicos, o que abre um campo de

ampla disputa política. Logo, a capacidade dos partidos políticos (particularmente daqueles que

advogam papel ao Estado) para cumprir as suas promessas tem diminuído, fenômeno que

provoca retração parcial do apoio público (pelo menos de seu público histórico) e crise de

legitimação.

Este claramente é o cenário do processo de construção (2000-2002) e desconstrução

(PPA 2004-2007) do Proambiente. Apesar de seu forte apelo inicial, após a ruptura política

supracitada (2005), a não priorização pelo governo federal causou uma crise de legitimidade que

fez os próprios movimentos sociais proponentes retrocederem e não o terem mais como pauta

prioritária, devido ao risco político às lideranças de se apoiar em algo sem perspectivas de

sucesso. Os principais líderes do processo de construção do Proambiente subiram politicamente

(assumindo mandatos parlamentares ou cargos na gestão pública federal) e passaram a priorizar

pautas mais amplas, enquanto as novas lideranças que os substituíram nos cargos de comando dos

movimentos de base não detinham a experiência política e o domínio das proposições

apresentadas. Assim, temos o segundo ponto da não consolidação do Proambiente apontados

pelos membros do CONGEN: falta de articulação política governo-sociedade, em parte,

conseqüente da leitura clara sobre a não priorização do Proambiente como programa

governamental. O Proambiente, enquanto bandeira do GTA, não é mais pautado nas

reivindicações da CONTAG, apesar do forte apelo de suas federações filiadas na Amazônia.

O terceiro ponto lembrado foi a complexidade do Proambiente, dentro de uma lógica

setorial de Estado na execução de políticas públicas. Pelas conclusões dos movimentos sociais, o

Proambiente foi entregue ao governo federal prematuramente, no início de 2003, antes que o

último definisse suas linhas de atuação política prioritárias, o que dificultou a adaptação da

proposta à estrutura de gestão governamental montada, afinal, já existia um compromisso resulto

da articulação com a base de construção do Proambiente sobre as formas de consolidá-lo. Um dos

principais erros mencionados foi apontar os serviços ambientais, e não a transição agroecológica

estabelecida nos Planos de Utilização das Unidades de Produção (PUs), como o elemento central

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do programa, fato que causou grande expectativa para recebimento da remuneração, sem a devida

base legal e institucional estruturada para procedê-la.

A complexidade exigida pelo Proambiente e seus viés econômico e ecológico

demandaria uma grande articulação entre Ministério da Integração Nacional (MIN) (para

implementação de planos de desenvolvimento – PDs), MDA (crédito rural para implementação

de PUs e ATER para constituir equipes técnicas nas EEPs) e MMA (reconhecimentos dos ACs,

normalização de certificação de serviços ambientais e constituição de fundo para remuneração de

serviços ambientais), desafio não encampado pela SDS e MMA. Conforme apresentado no

capítulo II, uma política pública se constitui como um conjunto de formulações conceituais, de

objetivos orientados para solução de problemas e de diretrizes que orientam condutas, sendo que

sua execução pode ser composta por um ou (geralmente) mais programas governamentais.

Assim, o Proambiente, na sua essência, surgiu com um formato mais afeito a uma proposta de

política pública do que propriamente de um programa governamental, ou como um conjunto de

políticas num mesmo local, e a partir da reorientação de políticas públicas pelo governo federal,

não encontrou mais espaço para se efetivar como proposta de desenvolvimento endógeno.

O Proambiente é o “fato inovador” proposto pela sociedade civil organizada sendo

operado pelas “velhas estruturas” do Estado. Sua concepção plural exige uma inexistente (ou

perdida) ação integrada na esfera pública federal, visto que os vários elementos do programa

estão submetidos a instâncias governamentais com diferentes atribuições legais e prioridades

políticas. Portanto, além de uma política agrícola e ambiental integrada, o Proambiente é uma

tentativa bem mais complexa de desenvolvimento endógeno territorial e qualificação de políticas

setoriais, mas que não obteve êxito por exigir articulação entre ministérios, ação que pressupõe

uma coordenação política, algo ausente na nova lógica macroeconômica do Estado brasileiro,

pautado num arranjo programático-operacional estabelecido pela trilogia PPA-LDO-LOA.

5.2. Ações propostas pelo Proambiente

Na análise de desempenho das ações propostas pelo Proambiente, é possível perceber

que o programa possui características tanto de uma política pública federal quanto de um projeto

da sociedade civil organizada, pois sua execução se dá em via dupla, parte por órgãos públicos

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(gestão sob responsabilidade do MMA; parceira de ATER com o MDA; parceria de pesquisa

com a Embrapa; longos trâmites burocráticos do MMA e MDA para fechamento de convênios

com as EEPs; riscos de cortes e contingenciamento do orçamento do MMA e MDA procedidos

pelo Ministério da Fazenda) e parte por segmentos da sociedade civil organizada (prestação de

assessoria técnica e extensão rural por organizações de base locais; fechamento de parcerias

locais independentes do MMA). Logo, para uma completa avaliação de desempenho dos

resultados obtidos pelo Proambiente no PPA 2004-2007, inevitavelmente, faz-se necessário

analisar essas características em via dupla, de modo a interpretar, primeiramente, as ações

governamentais, e em seguida, as ações da sociedade como co-executora do programa.

A concepção plural do Proambiente exige ação coordenada e integrada da esfera

pública, visto que os vários elementos do programa estão submetidos a instâncias governamentais

com diferentes atribuições legais. Vejamos, pois, como se deu esse desafio governamental em

cada ação proposta ao Proambiente:

Controle Social – Embora a proposta original do Proambiente, apresentada pelos

movimentos sociais no ano de 2003 durante a elaboração do PPA 2004-2007, requeresse um

conselho deliberativo e paritário entre governo e sociedade no âmbito federal, além de conselhos

de atuação local, o controle social do Proambiente foi somente formalizado por Portaria do MMA

em janeiro de 2006 e restrito ao Conselho Gestor Nacional (CONGEN) como instância

consultiva, sem nada prever sobre o funcionamento dos conselhos locais.

O controle social do Proambiente encontrou diversas dificuldades na sua

operacionalização. Do lado do Ministério do Meio Ambiente, houve forte oposição política da

SDS e do conselho jurídico para a formalização do Conselho Gestor Nacional como instância

deliberativa, além de sua atuação como fórum consultivo ter sido comumente ignorada pelos

altos níveis de tomadas de decisão. Quando analisadas as memórias das últimas reuniões do

CONGEN observa-se uma recorrência na identificação de problemas e soluções para o

Proambiente, o que indica que as questões são levantadas e refletidas, mas não têm

encaminhamento prático posterior. Isso é um indicador não só da falta de interesse ou da

ineficiência da gestão da SDS/MMA 2003-2006 em assumir soluções democráticas, mas também

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dos movimentos sociais em pressionar e contribuir com o governo para que haja prioridade no

que foi identificado como relevante para que o programa tenha sucesso.

Ao analisarmos de forma mais ampla, há uma profusão de programas governamentais

dentro do MMA, o que resulta em oposição à participação oficial da sociedade civil organizada

nas tomadas de decisão pelo receio de perda de controle do processo político. Assim, o governo

federal assumiu o Proambiente dentro de um quadro de resistência política ao controle social, o

que demonstra a complexidade de se superar a cultura política do clientelismo pela renovação do

ambiente institucional. A participação da sociedade é vista como uma ameaça política, e não

como um capital político estratégico de apoio aos processos de desenvolvimento endógeno.

Mesmo orientada a não ceder seu poder decisório frente à formalização deliberativa do controle

social, a SDS/MMA poderia ter pautado o Proambiente em outros conselhos, como Conselho

Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) ligado ao MMA, e Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF) vinculado ao MDA, sendo que a não ação

positiva nesse sentido demonstra, uma vez mais, sua não prioridade ao programa.

Já os Conselhos Gestores Locais, a despeito de seu contínuo e informal

funcionamento, a partir de iniciativas de organizações locais, nunca foram formalizados na

estrutura de gestão administrativa do programa, nem ao menos como consultivos. Depoimentos

de conselheiros locais demonstram suas insatisfações com o controle social do Proambiente, isto

é, de forma geral há uma reclamação nos Pólos de que os representantes do CONGEN não

consultam previamente e não repassam aos representantes dos CONGEPs o conteúdo das

discussões estabelecidas com a SDS/MMA.

Para Habermas (1981), a relação clientelista de poder deve ser quebrada e

reestruturada de acordo com os modelos participativos de auto-organização da sociedade. Há de

se frisar que a descentralização dos processos decisórios, sob certas condições, não é

incompatível com o planejamento estratégico do desenvolvimento endógeno. Já o clientelismo

político e assistencialista, ao certo, o é. Por conseguinte, a não formalização do controle social do

Proambiente, sobretudo, no âmbito local, foi um indicador do não reconhecimento político dos

modos particulares de mobilização da sociedade amazônica e de proposição de processos

endógenos de desenvolvimento. Ao optar pelo não aproveitamento da pluralidade de propostas da

produção familiar amazônica sob bases sustentáveis, o governo federal bloqueou um importante

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processo de mudança estratégica do ambiente institucional, imprescindível para o

desenvolvimento econômico ecológico, conforme visto no capítulo III. A continuidade das

tomadas de decisão sob responsabilidade da esfera pública federal corroborou o centralismo de

poder e as práticas clientelistas, tendo como exemplo principal as remunerações de serviços

ambientais não baseadas em verificações participativas de indicadores de sustentabilidade.

Em grande parte, as experiências inovadoras desencadeadas pelos movimentos sociais

rurais, desde os anos 80, foram catapultadas às esferas governamentais sem se traduzir em co-

gestão de poder, via controle social, com seus próprios proponentes. Tal constatação não se

confunde com cooptação das experiências, mas com o que podemos denominar de “estatização”

dos representantes partidários, isto é, um tipo específico de parceria que tende a institucionalizar

alguns representantes partidários, com problemas de legitimidade, numa dimensão oficial. O que

merece destaque é a relação direta entre algumas falsas lideranças e governos (superior àquelas

entre movimentos sociais e Estado), consolidando uma relação política, mas não necessariamente

uma nova institucionalidade pública. Inevitavelmente, há problemas de representatividade, como

visto no conflito entre SDS, CONGEN e CONGEPs.

No caso geral, e o Proambiente reflete isso, as comunidades rurais também vivenciam

um momento de deslocamento de representações em virtude da flexibilidade da ordem social

contemporânea. Nada mais natural, portanto, que sugerirmos um importante momento de

demanda de reflexões e mudanças para superar uma crise de representação também dos

movimentos sociais e partidos políticos. O Estado, por sua vez, necessita abrir espaços políticos

de tomadas paritárias de decisão com a sociedade. A capacidade de formulação de políticas

públicas e o controle social, que envolvem tanto fiéis representações partidárias e de movimentos

sociais quanto abertura governamental para repartição de decisões políticas sobre os rumos do

desenvolvimento rural, representam a possibilidade afirmativa dos movimentos sociais rurais,

indo para além do Estado, para transformá-lo radicalmente (Melo Neto, 2005; Mattos, 2006).

Planejamento Territorial – Os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Pólos

(PDs) foram elaborados em 2002, durante o processo de construção do Proambiente, por meio de

recursos financeiros não reembolsáveis do Subprograma de Políticas de Recursos Naturais

(SPRN) da SCA/MMA (R$ 500 mil) e Pronaf Capacitação da SAF/MDA (R$ 500 mil).

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Devido ao ano eleitoral de 2002, as instituições de representação dos movimentos

sociais e suas entidades parceiras locais, fechadas em si num momento de intensas disputas

políticas locais, elaboraram os PDs somente com o envolvimento, contexto e demanda da

agricultura familiar amazônica. Se por um lado, os documentos refletiram o anseio da base

agrícola familiar e serviram para o aumento da geração de conhecimento das lideranças sobre as

diferentes realidades locais, por outro, foram elaborados dentro de uma realidade parcial dos

territórios, sem fomentar um processo de articulação entre os diversos atores sociais e interesses

presentes em cada sub-região amazônica, e sem envolver os órgãos públicos locais, sobretudo, a

maioria das 41 prefeituras da base municipal de atuação do Proambiente (com algumas exceções,

como nos casos do Acre e Mato Grosso). Ademais, os PDs eram tecnicamente fracos, sem

priorização de atividades e designação de prazos, responsáveis e fontes financeiras.

Assim, após a oportunidade lançada pelo edital FNMA 05/2003 para implementação

dos PDs, apenas prefeituras municipais de quatro Pólos [Alto Acre (AC) e Noroeste (MT), onde

elas tinham os movimentos sociais como aliados políticos; Transamazônica (PA) e Manaus / RP

Eva (AM), onde prefeituras municipais e movimentos sociais se constituíam como históricos

adversários políticos] foram contempladas com recursos financeiros.

Porém, nesses quatro casos, muitas ações propostas foram totalmente modificadas,

não só pela troca de gestores da situação pela oposição aos movimentos sociais (nos casos do

Acre e Mato Grosso), mas também porque o não envolvimento prévio das prefeituras municipais

no processo de concepção e elaboração dos PDs os inviabilizou posteriormente.

Outro ponto a destacar é que a profusão de programas governamentais territoriais no

PPA 2004-2007 também colaborou para inviabilizá-los, pois os mesmos deveriam ter sido

pautados dentro desses novos fóruns reorganizados pelo governo federal ao invés da busca pela

sua implementação na concepção original. As reorientações de políticas públicas territoriais

estabelecidas pelo governo federal, portanto, inutilizam a existência dos PDs.

Planejamento e Manejo Econômico e Ecológico Integrado das Unidades de

Produção – Os Planos de Utilização das Unidades de Produção se constituem como relevantes

instrumentos de planejamento de uso da terra e dos recursos naturais propostos por cada família.

Alguns depoimentos levantados com técnicos e famílias rurais atestam o resultado:

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Técnico do Pólo Transamazônica (PA): A capacitação sobre diagnósticos de unidades

de produção para elaborar os PUs foi muito boa. Já a elaboração dos PUs foi mais difícil devido

a falta de hábito das famílias em fazer planejamentos, mas conseguimos chegar nos resultados,

pois a metodologia ajudou na forma de abordar as famílias.

Agricultor de Juína (MT): Foi bom fazer os PUs, pois as decisões para o futuro

envolveram toda a família, as mulheres, as crianças, todo mundo debateu e decidiu junto.

Agricultora do Pólo Transamazônica (PA): A participação das mulheres nos

diagnósticos e PUs foi muito grande. Aqui a organização das mulheres já era grande, mas só o

Proambiente até hoje entendeu e valorizou isso.

Agricultor do Pólo Rio Capim (PA): Os PUs forma feitos de forma coletiva, com

grupos de famílias, cada uma conhecendo a realidade da outra.

Técnico do Bico do Papagaio (TO): Os diagnósticos foram feitos por família, e o PUs

em grupos de famílias, o que foi mais interessante porque as famílias tiveram a oportunidade de

trocar idéias para definir o seu planejamento de futuro.

Técnico do Bico do Papagaio (TO): Os diagnósticos e os PUs ajudaram a valorizar o

lote e as famílias a terem um plano de curto, médio e longo prazos.

Técnica do Pólo Baixada Maranhense (MA): Os mapas atuais e futuros construídos

pelas famílias são as principais referências utilizadas para decidir sobre o que fazer nos lotes.

Técnico do Pólo Alto Acre (AC) – Os PUs são revistos anualmente para readequar o

planejamento de quinze anos, sendo que existe o planejamento atual e o planejamento para

quinze anos.

Agricultor do Pólo Bico do Papagaio (TO): As trocas de experiências pra montagem

dos PUs ajudaram a gente a aprender com os outros e desenvolver coisas boas nos nossos lotes.

No Tocantins já existia muita organização, mas o Proambiente ajudou a reunir as pessoas. Antes

tinha mutirão de oito pessoas. Hoje conseguimos fazer com o grupo inteiro.

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Porém, apesar de exaltado pelos comunitários, os PUs encontraram as seguintes

dificuldades para se viabilizarem oficialmente: (a) crédito rural – falta de renovação das regras de

operação dos bancos públicos (atrelados ao Ministério da Fazenda), que praticamente só

concedem financiamentos a partir da lógica de produtos, e não de sistemas produtivos

agroecológicos integrados ao contexto da propriedade e à prestação de serviços ambientais em

escala de paisagem rural; (b) licenciamento ambiental – não reconhecimento oficial dos PUs,

pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) como

documento base para o licenciamento ambiental das propriedades familiares amazônicas; (c)

critérios para avaliação de resultados de programas governamentais – o Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), responsável pela análise de desempenho dos

programas governamentais, não reconhece os Planos de Utilização das Unidades de Produção

(PUs) como indicadores de resultado do Proambiente, enquanto no campo, as famílias rurais os

enaltecem com principal ganho econômico ecológico pela reestruturação da vida produtiva

atrelada aos seus valores sócio-culturais e contexto ambiental local.

A partir do ano de 2008, já no segundo ano do segundo mandato do governo Lula, a

Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA),

baseada na concepção dos PUs, decide pelo desenho do “Pronaf Sistêmico”, um programa

computacional para georreferenciar e catalogar propriedades rurais familiares, que insere

informações cadastrais das famílias e do lote, além de dados dos sistemas de produção

estabelecidos pelos camponeses.

Ainda em montagem durante a vigência do ano de 2009, o “Pronaf Sistêmico”

objetiva futuramente (1) se constituir como ferramenta base para a oferta de crédito rural aos

sistemas de produção de uso múltiplo dos recursos naturais e (2) servir de base para o

licenciamento ambiental, dentro de um acordo MDA e IBAMA. Vê-se que o PU, apesar de não

encontrar meios oficiais para ser implementado (a não ser pelo voluntarismo das famílias),

cumpriu o importante papel de balizar uma nova concepção de financiamento rural do MDA e de

licenciamento ambiental do IBAMA. Novamente, portanto, as reorientações de políticas públicas

de crédito rural estabelecidas pelo governo federal inutilizam a existência dos PUs, ainda que

nesse caso específico, os mesmos possam ser adaptados ao “Pronaf Sistêmico” e plenamente

implementados.

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Assessoria Técnica e Extensão Rural – A metodologia do Proambiente prevê as

seguintes etapas para consolidação de um Pólo: etapa 1 – elaboração do Plano de

Desenvolvimento Sustentável do Pólo (PD); etapa 2 – elaboração dos Diagnósticos de Unidades

de Produção (DIAG PU); etapa 3 – elaboração do Plano de Utilização da Unidade de Produção

(PU) e do Acordo Comunitário de Serviços Ambientais (AC); etapa 4 – Assessoria Técnica e

Extensão Rural (ATER); etapa 5 – Pagamento de Serviços Ambientais (PSA).

Entre os anos de 2003-2005, as equipes técnicas de ATER, vinculadas às EEPs do

Proambiente, foram constituídas com verba de doação do PCT-BH, sendo destinada uma verba

complementar do Pronaf Capacitação para preparo das equipes no cumprimento das etapas 1, 2 e

3 do programa. Finalizada as três primeiras etapas de preparação do Pólo em 2005, iniciaram-se

as duas etapas finais de consolidação dos Pólos (2006), quando há modificação do papel da

ATER, que passa a ter a atribuição específica de assessoria e extensão, enquanto na fase

preparatória cumpria atribuição de planejamento. Assim, as etapas 4 e 5 passam a ser financiadas

pelo Programa Nacional de ATER (PROATER), vinculada à Política Nacional de ATER

(PNATER), a partir de parceria MMA-MDA.

A Política Nacional de ATER estabelece a destinação de seus recursos financeiros

para duas finalidades: (a) repasse de verba de custeio e investimento aos órgãos estaduais oficiais

de ATER, que entram com a contrapartida de pagamento de salários de seus técnicos

concursados; (b) repasse de verba de custeio e investimento para organizações da sociedade civil

cadastradas no PROATER (para o cadastramento, a entidade privada tem que ter atribuição

estatutária em ATER ou reconhecimento público na função), por meio de editais públicos

competitivos.

A grande dificuldade inicial do Proambiente se deu pelo fato de ser um programa

governamental com co-execução de ATER por entidades privadas ligadas à produção familiar.

Logo, o programa não podia captar recursos dentro da primeira finalidade, e para a segunda,

somente por concorrência com demais entidades, estratégia que poderia inviabilizá-lo como

programa governamental. Assim, MMA e MDA firmaram acordo para que R$ 500 mil ao ano

fossem destinados especificamente para editais do Proambiente durante a vigência do PPA 2004-

2007.

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Porém, um dos princípios inovadores de ATER do programa, que estabelece a

presença de agentes comunitários na equipe técnica, esbarra nas regras do Ministério da

Previdência Social, pois os trabalhadores rurais que obtém rendas extras à atividade agropecuária

perdem o direito à aposentadoria rural. Assim, as EEPs tiveram que estabelecer sub-contratos

com pessoas jurídicas (sindicatos de trabalhadores rurais, associação de produtores, associação de

moradores, cooperativas, etc.) para adequar a proposta de ATER do Proambiente às regras da

PNATER e da Previdência Social.

Um segundo ponto crítico foi a descontinuidade de contratos de ATER. Enquanto os

contratos com verba pública (em qualquer programa governamental) devem ser fechados dentro

do ano fiscal (janeiro a dezembro), o ano agrícola se desenrola em período diferente (setembro a

março para safra de verão; março a setembro para safra de inverno). No início de cada ano, havia

a demanda do PROATER para lançamento de editais, montagem de câmaras técnicas para

avaliação de propostas de projetos, aprovação e contratação das entidades executoras dos

projetos. Mesmo com uma rubrica garantida no orçamento, o trâmite para as EEPs do

Proambiente era o mesmo das demais instituições, fato que gerou sérios problemas, como a

captação do recurso de ATER somente em abril (após a safra de verão) e demanda de prestação

de contas e entrega dos produtos até dezembro (em plena safra de verão). Logo, a

descontinuidade de contratos de ATER foi uma grave constante.

O terceiro ponto crítico para efetivar a proposta de ATER do Proambiente é que a

legislação federal permite a contratação de consultorias com verba pública somente por três

meses, e para renová-las com o mesmo consultor, há de se resguardar um período de iguais três

meses. Como a verba de ATER para entidades privadas não pode ser utilizada para pagamento de

salários de pessoas físicas, da mesma forma que no caso dos agentes comunitários, os técnicos

tiveram que firmar contratos de pessoa jurídica com as EEPs, de modo a evitar descontinuidade

de equipes técnicas. Mas mesmo com essa estratégia pouco propícia para consolidar um

programa governamental, um dos problemas mais críticos do Proambiente foi a descontinuidades

de contratos de ATER, e dentro deles, a rotatividade de equipes, que causa perda de memória

institucional, rompimento de processos coletivos de capacitação técnica e enfraquecimento das

relações de confiança (necessária para um programa de serviços ambientais). Com uma

metodologia inovadora, mas com uma estratégia frágil de ATER, a partir da finalização de um

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contrato e falta de perspectiva de fechamento de um novo (também sem garantias trabalhistas),

inevitavelmente, os bons técnicos do Proambiente eram contratados por outras entidades locais.

Sem dúvida que as novas concepções metodológicas do Proambiente cumpriram

importante papel no desenho da nova Política Nacional de ATER (PNATER) e do novo

Programa Nacional de ATER (PROATER) do governo Lula. Gestores do MDA reconhecem que

o Proambiente veio balizar as propostas de seu ministério, sobretudo, na forma de ATER para a

Amazônia, região onde existia grande dificuldade de se conceber regras e medidas inovadoras, no

entanto, a execução da ATER no Proambiente ainda esbarra não só nos problemas mencionados

acima, mas também na resistência do MDA de rubricar uma verba expressiva para um programa

governamental específico. Se por um lado compreende-se a lógica do MDA de que a priorização

de um público específico de um programa pode trazer problemas futuros na negociação de

direitos com público de outros programas, por outro, evidencia-se que o Proambiente não é

reconhecido também pelo MDA (assim como pelo MMA) como programa piloto capaz de

harmonizar uma proposta de produção familiar econômica ecológica. A exemplo dos casos de PD

e PU, as reorientações da política de ATER estabelecidas pelo governo federal inviabilizam a

existência das equipes de ATER do Proambiente, mesmo com o programa proposto pelos

movimentos sociais servindo de base para a concepção da própria política nacional de ATER

(PNATER).

Certificação Mista de Serviços Ambientais – primeiramente, a certificação mista de

serviços ambientais proposta pelo Proambiente encontrou entraves para ser colocada em prática

devido à não existência de base legal no país que defina o significado do termo “serviços

ambientais”, conseqüentemente, o MMA ainda não pode operar nenhum instrumento econômico

(mas apenas alternativas temporárias) para proceder a remuneração de serviços ambientais

(problema a ser discutido no próximo tópico). Os Acordos Comunitários de Serviços Ambientais

(AC), firmados nos vários grupos comunitários que compõem cada Pólo do Proambiente,

cumprem importante atribuição de estabelecimento de redes sociais de confiança, a partir de

compromissos locais formalmente renovados a cada ano e com o objetivo de balizar a verificação

participativa de indicadores de sustentabilidade ambiental. Essa iniciativa empírica e popular do

Proambiente encontra explicação na literatura internacional sobre o uso de bens comuns.

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Destacadamente, Acordos Comunitários de Serviços Ambientais (AC) reforçam a

capacidade comunitária (a) de conhecimento do meio, (b) de leitura dos custos e benefícios das

ações de transição produtiva agroecológica, (c) de apropriação e provisão dos bens comuns e (d)

de manutenção dos acordos pelas sanções, conforme base teórica de Ostrom (2000). De forma

paradoxal, a exemplo dos Planos de Utilização de Unidades de Produção (PUs), os Acordos

Comunitários de Serviços Ambientais (AC), não são reconhecidos pelo Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) como resultado de um programa governamental.

Com relação às negociações entre MMA e InMetro para normalização da certificação

de serviços ambientais, após o processo de ruptura entre a Gerência do Proambiente/SDS/MMA

indicada pelos movimentos sociais com os altos escalões da SDS/MMA (em 2005), não houve

prosseguimento do processo de formalização da ação.

Sendo assim, atualmente, os ACs cumprem apenas papel informal, ainda que muito

relevantes, para complementar em escala territorial o planejamento de uso da terra e dos recursos

naturais entre os comunitários. Em muitos Pólos, mesmo não fazendo parte de um processo

formal de certificação, como outrora proposto, os ACs são renovados anualmente, disciplinando

as ações coletivas e resguardando as sub-regiões de impactos ecológicos potenciais. Os ACs

também poderiam cumprir um importante papel de redução do custo de transação de um processo

de auditoria externa na eventual normalização da certificação de serviços ambientais.

Considerando que o Proambiente se propõe a exercer a remuneração de serviços ambientais com

verba pública, isto é, na prática se caracteriza com uma programa de transferência de renda sob

critérios ecológicos, os ACs não são ferramentas plenamente suficientes para indicar os

comunitários elegíveis, sendo necessário um segundo processo externo de verificação, que se

daria pela formalização desse processo misto de certificação.

Remuneração de Serviços Ambientais – Após o fechamento das etapas 1, 2 e 3

(elaboração de PDs, PUs e ACs entre 2003-2005) e início da etapa 4 (fechamento de novos

contratos de ATER com o MDA – 2006) nos Pólos do Proambiente, faltava perspectiva para

consolidar a etapa 5 (remuneração de serviços ambientais). A transição entre as etapas 1, 2 e 3 e a

etapa 4 se dá em pleno processo de ruptura política entre a Gerência do Proambiente/SDS/MMA

e os altos escalões da SDS/MMA.

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Sendo assim, a SDS/MMA se prontifica a realizar o II Encontro do Proambiente

(2005) e, entre outros já expostos, firma o compromisso político de efetuar a remuneração de

serviços ambientais até o final de sua gestão (2006). Daí em diante, o que se vê é mais uma

preocupação em honrar o compromisso político que propriamente analisar as etapas do programa

e diagnosticar os Pólos cumpridores de todas as etapas, e dentro deles, as famílias cumpridoras e

não cumpridoras dos PUs e ACs.

Na falta de um marco legal sobre serviços ambientais e de indicadores de

sustentabilidade oficialmente aceitos (sejam eles comunitários ou cientificamente comprovados)

para atestar os comunitários com direito à remuneração, o MMA recorreu a uma alternativa

temporária. Nos primeiros seis meses do ano eleitoral de 2006, as entidades executoras de ATER

de cinco Pólos do Proambiente (Alto Acre – AC; Ouro Preto D´Oeste – RO; Noroeste – MT;

Transamazônica – PA; Bico do Papagaio – TO) firmaram convênios com o Programa

Agroextrativismo ou PDA (ambos da SDS/MMA), que oficialmente estabeleciam “projetos de

implementação dos Planos de Utilização das Unidades de Produção”, no entanto, esse projetos

objetivavam transferir renda para pessoas físicas selecionadas pelo programa, por meio das

entidades privadas executoras de ATER, como forma de honrar o compromisso político de

remuneração de serviços ambientais.

A estratégia causou ampla divergência entre os membros do CONGEN. Por um lado,

conselheiros desaprovaram a estratégia da SDS/MMA por dois motivos: (1) a forma não

oficializada de remuneração de serviços ambientais foi julgada como a mais clara falta de

compromisso governamental com a iniciativa popular do Proambiente, pois todos os inscritos no

programa dos cinco Pólos citados foram contemplados, sem ser observada a discriminação de

“cumpridores e não cumpridores” estabelecida nos Acordos Comunitários de Serviços

Ambientais (ACs); esse tipo de procedimento quebra os laços de confiança estabelecidos entre os

próprios comunitários ao igualar cumpridores e não cumpridores dentro dos mesmos direitos; (2)

o repasse do recurso se deu em “dinheiro vivo”, de técnicos das entidades privadas executoras de

ATER diretamente aos comunitários, o que personaliza a ação, ao invés de institucionalizá-la

como um direito econômico ecológico, por meio de um cartão de um banco público, a exemplo

do que ocorre no mais notável programa de transferência de renda do país, o Bolsa Família; a

distribuição pura e simples de dinheiro também abre a arriscada possibilidade de uso político da

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verba pública (em ano eleitoral), descaracteriza a função da entidade prestadora de ATER e

ratifica a prática assistencialista (e não estruturante) dentro do Proambiente.

Outros conselheiros julgam que a remuneração de serviços ambientais foi pertinente,

mesmo de forma deturpada à inicialmente proposta, pois sem ela o Proambiente poderia perder

ainda mais credibilidade como programa governamental junto às suas famílias selecionadas. Não

é o que se assiste em alguns Pólos. No Pólo de Ouro Preto D´Oeste (RO), uma das duas regiões

donde emerge a discussão e proposição do Proambiente (junto ao Pólo da Transamazônica – PA),

a forma de remuneração foi questionada por alguns produtores líderes, que argumentaram que o

mais importante é preservar a concepção de transição agroecológica do Proambiente, com a

remuneração de serviços ambientais devendo cumprir, de forma complementar, parte dessa

estratégia. Já no Pólo do Rio Capim (PA), o maior exemplo foi dado, pois o CONGEP vetou a

forma proposta de remuneração (julgando como um ato arriscado à prestadora de ATER), mas

captou o recurso e o utilizou para outras finalidades coletivas (ex: viveiros), todas dentro de uma

estratégia de transição agroecológica dos lotes associada à prestação de serviços ambientais. Não

por isso, os comunitários deixaram de implementar seus PUs ou de renovar seus ACs

anualmente.

A nova Gerência do Proambiente/SDS/MMA que assume em 2006, por meio de

realocação de quadros de confiança internos, apesar de não trabalhar a constituição de uma base

legal de serviços ambientais, apresenta uma nova proposta de remuneração de serviços

ambientais para o Proambiente. De acordo com a mesma, os lotes deveriam ser monitorados por

imagens de satélites, e aqueles que demonstrassem capacidade de reduzir a média histórica anual

de desmatamento teriam direito à remuneração correspondente em toneladas de carbono evitada

de emissão. O indicador proposto para conversão de toneladas de carbono em reais foi o valor

atribuído às ações especulativas de carbono nos mercados financeiros, dentro da linha de

pensamento da Economia Ambiental, conforme crítica do capítulo III. A proposta foi refutada

pelos conselheiros do Proambiente não só por desvincular o custo da transição agroecológica de

seu preço no “chão”, mas sobretudo, por descaracterizar completamente a proposta advinda da

linha de pensamento da Economia Ecológica que balizou a concepção do Proambiente. Estavam

em jogo os riscos apontados no capítulo III da presente tese se encampada a nova proposta do

MMA.

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Enquanto na sua gênese o Proambiente foi construído dentro de um processo social

amplamente democrático e inovador, propondo dois instrumentos de planejamento produtivo no

longo prazo, como os PUs (individuais e relativos às propriedades) e os ACs (coletivos e

relativos à paisagem rural), de forma a associar transição produtiva e serviços ambientais, agora a

nova proposta apresentava uma descaracterização de uma das funções sociais mais dignas de um

agricultor familiar do Proambiente: a transição agroecológica.

A nova gestão da SDS (2007-2010), totalmente independente da anterior, se

prontificou a resgatar os valores conceituais originais do Proambiente quanto à associação entre

produção econômica e prestação de serviços ambientais, a partir da proposição de um projeto de

lei entregue pelo MMA para apreciação da Casa Civil. Se por um lado, o projeto de lei,

acertadamente, é bem mais amplo que o Proambiente, e trata o tema serviços ambientais de forma

que os beneficiários do programa também possam ser contemplados, por outro, não se vê

nenhuma ação mais efetiva de curto prazo que possa tirar o programa da estagnação a qual se

encontra. A parceria MMA-MDA para convênios de ATER foi mantida, mas não há perspectivas

efetivas de nenhuma nova ação que possa reorientar os Pólos do Proambiente a superar seu perfil

de projetos pontuais pouco estruturantes.

A análise de desempenho acima traz a um dilema: o Proambiente ainda tem sentido

em existir como programa governamental? Foi correto o seu rebaixamento de programa

governamental no PPA 2004-2007 para ação do programa governamental Agrobiodiversidade

(SDS/MMA) no PPA 2008-2011? As amplas reorientações de políticas públicas estabelecidas

pelo governo federal, sem dúvida, inutilizam a existência Proambiente como programa

governamental, pois ele se constitui como um conjunto de propostas que já estão sendo

planejadas ou operadas em outras instâncias governamentais. Os PDs não têm mais razão de

existir, pois ganha prioridade o Programa Nacional de Territórios Rurais (PRONAT) da

Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do MDA, além dos Territórios da Cidadania

(coordenado pela Casa Civil), sendo que as antigas demandas dos PDs devem ser inseridas nos

Planos Territoriais; os PUs podem ser adaptados dentro do Pronaf Sistêmico e implementados a

partir da tomada de crédito rural do Pronaf, ainda que haja limitações nesse sentido para a

transição agroecológica; os ACs, a normalização de certificação de serviços ambientais e a

constituição de um fundo de remuneração de serviços ambientais dependem da aprovação do

projeto de lei proposto pelo MMA. Nesse sentido, a primeira vista, pode-se concluir que o

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Proambiente, de fato, não tem mais razão de existir. Entretanto, as ações propostas pelo

programa, ainda que em parte incorporadas em políticas públicas do MMA e outros ministérios,

não são trabalhadas de forma integrada, logo, o Proambiente necessita continuar, talvez não como

um programa governamental finalístico, mas como um programa governamental meio de modo a

promover uma ampla articulação entre as instâncias de governo, identificar estratégias de

desenvolvimento territorial endógeno, buscar fomento um setor de produção imprescindível para

a região e coordenar a constituição de uma política nacional de serviços ambientais. Para tal, sua

coordenação deve sair do MMA e migrar para a Casa Civil ou Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão (MPOG), pois um ministério com o mesmo nível político dos demais não

tem a legitimidade para integrar ações estratégicas de desenvolvimento endógeno.

A contextualização acima sobre as inúmeras dificuldades para operar o programa de

maneira sistêmica devido aos obstáculos políticos, administrativos e legais encontrados no Estado

brasileiro é fundamental para não reduzir a discussão final a seguir sobre a relação entre a

institucionalidade local (variável 1) e os resultados dos Pólos do Proambiente (variável 2)

somente a essas duas próprias variáveis. É notório que todos os Pólos do Proambiente vêm

enfrentando dificuldades para se consolidarem devido à falta de ação mais ativa do Governo

Federal, no entanto, os primeiros resultados do Proambiente também demonstram que os

diferentes perfis institucionais das Entidades Executoras dos Pólos (entidades da sociedade civil

organizada indicadas pelo Conselho Gestor do Pólo como prestadoras de assessoria técnica e

extensão rural) são fatores capitais para a consolidação do programa.

A Tabela 03 e a Figura 09 identificam a localização dos 10 Pólos Pioneiros do

Proambiente de agricultura familiar e agroextrativismo (o décimo primeiro Pólo, de pesca

artesanal, não foi analisado na presente tese; e o décimo segundo Pólo, indígena, não se

estabeleceu por divergências internas entre dirigentes da COIAB com diferenças étnicas) e suas

respectivas Entidades Executoras dos Pólos. A Tabela 04 classifica as Entidades Executoras dos

Pólos do Proambiente em três categorias: Categoria “A”: instituições técnicas de ação local

originadas de produtores familiares rurais locais; Categoria “B”: instituições técnicas de ação

local originadas de técnicos ligados aos produtores familiares rurais locais; Categoria “C”:

instituições políticas de ação estadual originadas de representantes de produtores familiares

rurais. Já a Tabela 05 traça a relação da institucionalidade local com os resultados do

Proambiente.

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Figura 9 – Localização dos Pólos Pioneiros do Proambiente na Amazônia Legal

Fonte: Proambiente / Ministério do Meio Ambiente (MMA)

Os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Pólos (PDs) (etapa 1) foram

elaborados em 2002, durante o processo de construção do Proambiente, por meio de recursos

financeiros não reembolsáveis do Subprograma de Políticas de Recursos Naturais (SPRN) da

SCA/MMA (R$ 500 mil) e Pronaf Capacitação da SAF/MDA (R$ 500 mil). De nove Pólos de

agricultura familiar e agroextrativismo que captaram esses recursos financeiros, apenas seis deles

conseguiram gerar os PDs no prazo contratual [Pólo Transamazônica (PA), Pólo Rio Capim

(PA), Pólo Ouro Preto D´Oeste (RO), Pólo Noroeste (MT), Pólo Bico do Papagaio (TO) e Pólo

Alto Acre (AC)], e dois fora do prazo (e com baixa qualidade), mas sob intervenção do MMA e

auxílio de entidades locais [Pólo Vale do Apiaú (RR) e Pólo Manaus / RP Eva (AM)]. O Pólo do

Laranjal do Jarí (AP) não conseguiu finalizar o produto, e o Pólo Baixada Maranhense (MA)

ainda não havia se constituído (Tabela 05).

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Em 2003, período de transição do Proambiente de projeto da sociedade (2000-2002)

para programa governamental (PPA 2004-2007), os recursos financeiros do Projeto de

Cooperação Técnica Brasil Holanda (PCT BH), captados pelo Fundo Nacional do Meio

Ambiente (FNMA), propiciaram o desenvolvimento, nos dois anos seguintes, dos diagnósticos

das unidades de produção (etapa 2 – 2004) e elaboração dos Planos de Utilização das Unidades

de Produção (PUs) e Acordos Comunitários de Serviços Ambientais (ACs) (etapa 3 – 2005).

Vale ressaltar que em 2004, um novo Pólo foi instituído, o que resultou em 08 Pólos

na etapa 2 (diagnósticos das unidades de produção) e 02 Pólos na etapa 1 (elaboração de PDs),

sendo eles, o novo Pólo Baixada Maranhense (MA) e o Pólo Laranjal do Jarí (AP). O último

Pólo, como teve seus produtos reprovados pelo CONGEN no ano de 2002, repetiu a etapa 1; a

EEP Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Laranjal do Jarí (SINTRULAJA), com características

institucionais da Categoria C, foi substituída, em 2004 (etapa 1 para 2), pelo Instituto de Estudos

Socioambientais (IESA), classificado na Categoria B. Da mesma forma, o Pólo Alto Acre (AC),

com problemas na qualidade técnica dos serviços prestados, substitui a Federação dos

Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre (FETACRE), também com características

institucionais da Categoria C, pelo Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do

Acre (PESACRE), da Categoria B, e só não teve seu produto reprovado pelo CONGEN, pois um

arranjo interinstitucional local, fortemente apoiado pelo Governo Estadual do Acre, foi

constituído para revisar e ajustar o produto elaborado durante a etapa 1 (PD).

O fechamento da etapa 1 começava a demonstrar os primeiros sinais entre o perfil

institucional local e os respectivos resultados dos Pólos do Proambiente. Enquanto os Pólos

categorizados como A e B constituíram Conselhos Gestores dos Pólos (CONGEPs) relativamente

organizados e ativos (tendo a maioria articulado apoio financeiro e logístico de governos

estaduais ou municipais), e elegeram Entidades Executoras dos Pólos (EEPs) dentro de uma

relação de confiança mútua e boa divisão de atribuições entre deliberação política e execução

técnica, os Pólos categorizados como C misturaram essas atribuições, não avançaram na relação

de confiança entre CONGEP e EEP e se retraíram na articulação local com órgãos públicos e

entidades do terceiro setor.

Essa determinante institucional nos resultados do programa fica mais clara no final da

etapa 2, no ano de 2004. Conforme a Tabela 05, os 05 Pólos da Categoria A [Pólo

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Transamazônica (PA), Pólo Rio Capim (PA), Pólo Ouro Preto D´Oeste (RO), Pólo Noroeste

(MT), Pólo Bico do Papagaio (TO)] e 02 entre 03 Pólos da Categoria B [Pólo Alto Acre (AC),

Pólo Baixada Maranhense (MA)] concluíram os seus respectivos produtos. Portanto, somente o

Pólo Laranjal do Jarí, entre os Pólos classificados nas Categorias A ou B, apesar da mudança de

sua instituição, não consegue fechar a etapa 1 (pela segunda vez consecutiva) no prazo planejado,

além de entregar produtos de baixa qualidade meio ano após os demais. Já os Pólos Vale do

Apiaú (RR) e Manaus – RP Eva (AM), com EEPs classificadas na Categoria C, a exemplo do

caso do Amapá, também atrasaram a entrega de seus produtos, que não detinham a qualidade

esperada, numa estratégia que demonstra claramente que o atendimento às demandas

administrativas da Gerência do Proambiente/SDS/MMA forma priorizadas em detrimento ao

processo de construção coletiva de diagnósticos das características socioeconômicas e de

levantamento de demandas das famílias e dos lotes selecionados pelo Proambiente.

Em 2005, os 05 Pólos da Categoria A e 02 Pólos da Categoria B finalizam com

sucesso a etapa 3 ao entregar os correspondentes produtos (PUs + ACs) no prazo previsto e com a

qualidade esperada. Já o Pólo Baixada Maranhense (MA), na Categoria B, apesar de seu início

mais tardio, demonstra uma grande capacidade institucional, e dentro de somente um ano, avança

na finalização dos produtos da etapa 2 (diagnóstico das unidades de produção) e parte da etapa 3

(PUs). Nesse último caso, é necessário considerar que a Gerência do Proambiente/SDS/MMA,

facilitadora da construção coletiva da metodologia do programa, já possuía mais experiência para

gerenciar a execução dos produtos, sendo um fator importante para o avanço rápido do Pólo

Baixada Maranhense (MA), contudo, o perfil institucional da EEP PLANEJA parece mais

determinante na boa execução dos produtos.

Novamente, os Pólos Laranjal do Jarí (AP) (único da Categoria B), Vale do Apiaú

(RR) e Manaus RP Eva (AM) (ambos na Categoria C) demonstravam sinais de fragilidade

institucional, não obtendo aprovação de seu produtos, em 2004, na etapa 1 [Pólo Laranjal do Jarí

(AP)] e etapa 2 [Pólos Vale do Apiaú (RR) e Manaus RP Eva (AM)], tornando-se inadimplentes,

portanto, inelegíveis para renovarem os convênios para, respectivamente, as etapas 2 e 3, a partir

do ano de 2005.

Pela metodologia do Proambiente, um Pólo é considerado implantado a partir da

finalização da etapa 3 (PUs + ACs), partindo para um processo de consolidação desde a etapa 4

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(ATER) até a etapa 5 (remuneração de serviços ambientais). Ressalta-se que durante as etapas 1 a

3, as EEPs organizam o processo de implantação dos Pólos, e somente a partir da etapa 4, suas

atribuições ganham características efetivas de ATER, visando a consolidação dos Pólos, por meio

de operacionalização dos PDs, PUs e ACs.

A Tabela 05 ilustra que os Pólos Transamazônica (PA), Ouro Preto D´Oeste (RO),

Rio Capim (PA), Noroeste (MT) e Bico do Papagaio (TO) (Categoria A), e Alto Acre (AC)

(Categoria B) fecham a etapa 3 em 2005, e adentram o ano de 2006 na etapa 4, podendo ser

considerados implantados, logo, passam a receber apoio do MDA para constituição de equipes

efetivas de ATER. Já o Pólo Baixada Maranhense (MA) (Categoria B) também obtém o apoio do

MDA para constituir equipes de ATER, embora tivesse pendente o fechamento de parte do

produto da etapa 3 (ACs). Todavia, contraditoriamente aos pressupostos estabelecidos na

metodologia do Proambiente construída coletivamente, a EEP do Pólo Laranjal do Jarí (AP)

(Categoria B) também acessou os recursos financeiros de ATER do MDA, embora não tenha

concluído as etapas anteriores. De igual forma, a oportunidade para acessar esses recursos

também foi aberta aos Pólos Vale do Apiaú (RR) e Manaus RP Eva (Categoria C), contudo, esses

Pólos mais uma vez evidenciaram sua fragilidade institucional e não apresentaram projeto.

Talvez fosse mais estratégico estruturar alternativas de fortalecimento desses Pólos a queimar

etapas não concluídas.

A situação acima e os dados da Tabela 05 demonstram não só falta de ação

governamental integrada na transferência de responsabilidades das etapas 1 a 3 (implantação dos

Pólos), sob gestão do Ministério do Meio Ambiente (MMA), à etapa 4 (processo de consolidação

dos Pólos), sob gestão do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), mas também

novamente ratificam a relação entre o avanço da implantação e consolidação dos Pólos frente ao

perfil institucional das EEPs categorizadas em A, B e C. A constatação é de que o recebimento

dos produtos, pelo lado governamental, mais obedece demandas administrativas do que,

objetivamente, uma base para o conhecimento de demandas sociais e para o cumprimento de

critérios de execução dos Pólos do Proambiente. Os resultados não obtidos dos Pólos da

Categoria C também evidenciam a necessidade de criação de estratégias diferenciadas para cada

perfil institucional local.

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Portanto, nos casos das EEPs categorizados em A e B (exceto o Pólo Laranjal do Jarí

– AP), o Proambiente tem potencial de avanço que depende mais da ação governamental

integrada e prioritária em relação ao Proambiente do que propriamente das entidades da

sociedade civil organizada desses Pólos, pois as mesmas já demonstraram grande capacidade

institucional e vontade coletiva de consolidar o programa. Já no caso das EEPs categorizados

como C, além da EEP do Pólo Laranjal do Jarí (AP) categorizada como B, a melhor estratégia

seria frear a tentativa ineficiente de avançar na consolidação desses Pólos e partir para um amplo

processo de formação e fortalecimento do capital social e institucional local. Ao que parece, na

falta dessa estratégia, a SDS/MMA optou em não assumir um passivo político de encerrar esses

Pólos, dando continuidade à disponibilização de oportunidades que nunca gerarão resultados

efetivos.

A última interpretação dos resultados apresentados na Tabela 05 referem-se à etapa 5:

cinco entre seis 6 Pólos com direito ao pagamento de serviços ambientais exerceram este direito,

exceto o Pólo Rio Capim, que optou em estabelecer outra estratégia, conforme já mencionado

acima.

Considerando os diferentes perfis institucionais dos Pólos do Proambiente, podemos

lançar a seguinte pergunta: o Proambiente é simplesmente um programa de remuneração de

serviços ambientais ou é um programa de desenvolvimento territorial atrelado a uma estratégia de

redesenho de sistemas produtivos para manejo integrado das unidades de produção e prestação de

serviços ambientais em escala de paisagem rural, tendo a remuneração de serviços ambientais

como um reconhecimento ao movimento organizado para a mudança?

A interpretação dos resultados da Tabela 05 leva às seguintes respostas: os Pólos

classificados nas Categorias A e B, exceto Pólo Laranjal do Jarí (AP), apresentam processos

históricos de construção social que visam encontrar soluções tecnológicas alternativas para a

viabilização econômica e ecológica das unidades de produção, tais como a eliminação ou uso

controlado do fogo nos sistemas de produção, o enriquecimento de capoeiras com espécies de

valor econômico e alimentar, a diversificação de sistemas produtivos por meio da implementação

de sistemas agroflorestais (de modo a simular a sucessão ecológica de espécies na produção

econômica), o desenho e redesenho de sistemas produtivos cíclicos que imitam os processos da

natureza e outras várias soluções inovadoras e criativas. Esse perfil social induziu a formação de

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instituições de base de atuação local (FVPP, APA, FANEP, AJOPAM, APATO, PESACRE e

PLANEJA), sendo que os conceitos econômicos ecológicos do Proambiente e a prestação de

serviços ambientais em escala de paisagem rural foram colocados em práticas antes mesmo da

concepção do programa e do uso do termo “serviços ambientais”.

Logo, para as realidades dos Pólos das Categorias A e B, o Proambiente se constitui

como um programa de desenvolvimento territorial atrelado a uma estratégia de redesenho de

sistemas produtivos para manejo integrado das unidades de produção e prestação de serviços

ambientais em escala de paisagem rural, tendo a remuneração de serviços ambientais como um

reconhecimento ao movimento organizado para a mudança.

Já os Pólos classificados na Categoria C possuem EEPs com origens institucionais

distintas, isto é, entidade sindical de representação política estadual (FETAG-RR) ou organização

não governamental criada estritamente para abrir espaços para esse tipo de ação política

(JANDAÍRA-AM), que embora cumpram papel relevante na sociedade, devido aos seus perfis

institucionais não estão presentes nas discussões locais sobre alternativas tecnológicas para a

sustentabilidade do uso da terra e dos recursos naturais. Além disso, estão em regiões geográficas

com fragilidades institucionais e que não aderiram ao Proambiente a partir de uma movimentação

social local com histórico em ensaios de práticas sustentáveis, mas por oferta do CONGEP e da

EEP às famílias dos Pólos, numa estratégia política de contemplar todas as unidades federativas

amazônicas com o Proambiente. Nesses casos, o debate sobre remuneração de serviços

ambientais é ponto de partida, e não resultado final, do processo de construção social dos Pólos, o

que resulta num olhar ao Proambiente mais como chance de obtenção de renda do que

compensação dos custos de oportunidade para conversão qualitativa de uso da terra e dos

recursos naturais. Logo, para as realidades dos Pólos da Categoria C, o Proambiente se constitui

simplesmente em um programa de remuneração de serviços ambientais.

O Pólo Laranjal do Jarí, classificado na Categoria B, tem característica mista,

localizado numa região que ainda não conseguiu consolidar capital social suficiente para

enfrentar os desafios do Proambiente, mas que tem uma EEP com origem e perfil institucional

similar aos Pólos que avançam nos pressupostos do programa.

Por fim, o que pode ser constatado no capítulo V é que há sete Pólos do Proambiente

[Pólos Transamazônica (PA), Ouro Preto D´Oeste (RO), Rio Capim (PA), Noroeste (MT), Bico

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140

do Papagaio (TO), Alto Acre (AC) e Baixada Maranhense (MA)] que conseguiram consolidar as

ações que lhes cabiam atribuições, e que continuam ativos no exercício dos conceitos do

Proambiente, apesar das dificuldades encontradas na parte que lhes deveria servir o governo

federal (sobretudo processos contínuos de ATER e remuneração de serviços ambientais). Ainda

que não haja uma estratégia governamental clara, no curto prazo, para implementação dos Planos

de Utilização das Unidades de Produção (PUs), assim como os Acordos Comunitários de

Serviços Ambientais (ACs) permanecem sem reconhecimento oficial, ambos continuam a ser

anualmente revisados e cumpridos pelas famílias selecionadas pelo programa, mesmo dentro de

uma situação de enorme dificuldade operacional. Esse fenômeno é uma forte demonstração da

importância e das limitações que o capital social possui na implementação de processos de

desenvolvimento endógeno e na execução de políticas públicas e programas governamentais

federais, estaduais ou municipais.

Enquanto houve forte ação governamental (2002-2005), o capital social dos Pólos do

Proambiente classificados nas categorias A e B potencializou os resultados do programa, no

entanto, a partir do esvaziamento de participação do governo federal (no momento em que

findam os recursos financeiros de doação internacional), mesmo com capital social bem

consolidado, os Pólos do Proambiente categorizados como A e B enfrentaram grandes

dificuldades para dar continuidade aos trabalhos. No caso dos Pólos do Proambiente classificados

na categoria C, com fraco ou inexistente capital social, nem mesmo durante o período de forte

ação governamental (2002-2005), os resultados obtidos foram satisfatórios. Assim, a existência

do capital social deve ser considerada como uma forma de potencializar políticas públicas ou

programas governamentais, numa parceria de confiança, co-gestão e co-execução entre Estado e

sociedade, e não como uma forma de substituir a ação estatal.

De maneira geral, na sua essência, o Proambiente se traduz numa proposta de

desenvolvimento endógeno sob controle social, com enfoque territorial mais amplo e articulado a

um contexto mais específico no âmbito de cada propriedade privada familiar. Esse perfil,

proposto por um setor produtivo imprescindível para o desenvolvimento econômico da

Amazônia, se choca com a lógica de Estado mínimo presente no “Novo Contexto

Macroeconômico”, que se ausenta das estratégias de desenvolvimento endógeno e das ações para

superação do clientelismo político e assistencialismo social.

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141

Tabela 03 – Identificação dos Pólos Pioneiros e respectivas Entidades Executoras dos Pólos

UF POLOS ENTIDADE EXECUTORA DO PÓLO (EEP)

PA TRANSAMAZÔNICA FUNDAÇÃO VIVER PRODUZIR E PRESERVAR (FVPP)

RO OURO PRETO D´OESTE ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES ALTERNATIVOS (APA)

PA RIO CAPIM FUNDAÇÃO SOCIO AMBIENTAL DO NORDESTE PARAENSE (FANEP)

MT NOROESTE ASSOCIAÇÃO RURAL JUINENSE ORGANIZADA PARA AJUDA MÚTUA (AJOPAM)

TO BICO DO PAPAGAIO ALTERNATIVAS PARA A PEQUENA AGRICULTURA NO TOCANTINS (APATO)

AC ALTO ACRE GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM SISTEMAS AGROFLORESTAIS DO ACRE (PESACRE)

MA BAIXADA ASSESSORIA, CONSULTORIA E CAPACITAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (PLANEJA)

AP LARANJAL DO JARÍ INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOAMBIENTAIS (IESA)

RR VALE DO APIAÚ FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS NA AGRICULTURA DE RORAIMA (FETAG-RR)

AM MANAUS / RP EVA INSTITUTO JANDAÍRA (JANDAÍRA)

Fonte: Mattos (2008)

Tabela 04 – Características Institucionais das Entidades Executoras dos Pólos do Proambiente

UF POLOS EEP CATEGORIA CARACTERÍSITCAS INSTITUCIONAIS

PA TRANSAMAZÔNICA FVPP

A

INSTITUIÇÕES TÉCNICAS DE AÇÃO LOCAL ORIGINADAS DE PRODUTORES FAMILIARES RURAIS LOCAIS

PA RIO CAPIM FANEP

PA OURO PRETO D´OESTE APA

MT NOROESTE AJOPAM

TO BICO DO PAPAGAIO APATO

AC ALTO ACRE PESACRE

B

INSTITUIÇÕES TÉCNICAS DE AÇÃO LOCAL ORIGINADAS DE TÉCNICOS LIGADOS AOS PRODUTORES FAMILIARES RURAIS LOCAIS

MA BAIXADA PLANEJA

AP LARANJAL DO JARÍ IESA

RR VALE DO APIAÚ FETAG-RR C INSTITUIÇÕES POLÍTICAS DE AÇÃO ESTADUAL ORIGINADAS DE REPRESENTANTES DE PRODUTORES FAMILIARES RURAIS

AM MANAUS / RP EVA JANDAÍRA

Fonte: Mattos (2008)

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Tabela 05 – Relação da Institucionalidade Local com os Resultados do Proambiente

ANO 2002 / 2003 2004 2005 2006

CONDIÇÃO DE EXECUÇÃO DO PROAMBIENTE Projeto Sociedade Programa Governamental

FINANCIADORES SPRN/MMA; SAF/MDA FNMA - PCT BH 01 FNMA - PCT BH 02 SAF/MDA SDS/MMA

APOIO PARA CAPACITAÇÃO DAS EQUIPES DAS EEPs PRONAF CAPACITAÇÃO / MDA

FINALIDADE DO FINANCIAMENTO PD DIAG PU PU + AC ATER PSA

ETAPA 1 2 3 4 5

COORDENAÇÃO EXECUTIVA PDA / SCA / MMA Gerência do Proambiente / SDS / MMA

UF POLOS CAT EEP 2002 / 2003 2004 2005 2006

PA Transamazônica A FVPP PD DIAG PU PU + AC ATER PSA

PA Rio Capim A FANEP PD DIAG PU PU + AC ATER -

RO Ouro Preto D´Oeste A APA PD DIAG PU PU + AC ATER PSA

MT Noroeste A AJOPAM PD DIAG PU PU + AC ATER PSA

TO Bico do Papagaio A APATO PD DIAG PU PU + AC ATER PSA

AC Alto Acre B PESACRE PD DIAG PU PU + AC ATER PSA

MA Baixada B Planeja - PD DIAG PU + PU AC+ATER -

AP Laranjal do Jarí B IESA PD PD - ATER -

RR Vale do Apiaú C FETAG-RR PD DIAG PU - - -

AM Manaus / RP Eva C JANDAÍRA PD DIAG PU - - -

Fonte: Mattos (2008)

LEGENDA DOS FINANCIADORES:

SPRN – Subprograma de Políticas de Recursos Naturais;

MMA – Ministério do Meio Ambiente.

FNMA – Fundo Nacional do Meio Ambiente

PCT BH 01 – Projeto de Cooperação Técnica Brasil / Holanda – Termo de Referência 01/2003 (executado em 2004);

PCT BH 02 – Projeto de Cooperação Técnica Brasil / Holanda – Termo de Referência 01/2004 (executado em 2005);

SAF – Secretaria de Agricultura Familiar;

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário;

SDS – Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável

PDA – Subprograma de Projetos Demonstrativos

SCA – Secretaria de Coordenação da Amazônia

MMA – Ministério do Meio Ambiente.

LEGENDA DA FINALIDADE DO FINANCIAMENTO E DO APOIO PARA CAPACITAÇÃO DAS EQUIPES DAS EEPs:

PD: Plano de Desenvolvimento Sustentável do Pólo (ETAPA 1);

DIAG PU: Diagnóstico de Unidade de Produção (ETAPA 2);

PU + AC: Plano de Utilização de Unidade de Produção + Acordos Comunitários de Serviços Ambientais (ETAPA 3);

ATER: Assessoria Técnica e Extensão Rural (ETAPA 4);

PSA: Pagamento de Serviços Ambientais (ETAPA 5).

PRONAF CAPACITAÇÃO: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar / modalidade de fomento para capacitação técnica.

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143

CAPÍTULO VI

METODOLOGIA DE ESTUDO E CARACTERIZAÇÃO DAS

PROPRIEDADES AMAZÔNICAS SELECIONADAS PELO

PROAMBIENTE

6.1 Problema de pesquisa, pergunta e hipóteses

Constitui-se um problema de pesquisa as intervenções de políticas públicas de

produção familiar rural e de meio ambiente na Amazônia não serem integralmente

desenhadas a partir da análise de variáveis econômicas e de obrigações ambientais legais

que giram em torno dos lotes familiares rurais. Os projetos de crédito rural são

reconhecidos oficialmente como os únicos instrumentos de planejamento econômico das

propriedades rurais familiares, enquanto os Termos de Ajuste de Conduta são oficialmente

reconhecidos como os únicos instrumentos de planejamento ambiental, havendo um vazio

oficial no planejamento econômico ecológico de uso da terra e dos recursos naturais. Ao

assumir o problema, a presente tese lança a seguinte pergunta: quais as variáveis mais

relevantes na determinação dos modos de uso econômico (decisões de produção) e

ecológico (decisões de conservação ambiental) da terra das propriedades amazônicas

selecionadas pelo Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar

Rural (Proambiente)?

Assume-se como hipóteses gerais que as variáveis independentes mais

relevantes no uso econômico da terra são (i) o acesso ao crédito rural para permitir a

intensificação do uso da terra, (ii) o acesso à energia elétrica para beneficiamento da

produção e (iii) o acesso ao transporte para escoamento de produção. Por sua vez, as

variáveis independentes mais relevantes no uso ecológico dos recursos naturais são (i) o

tamanho do lote (quanto maior o lote, maior a capacidade de conter reserva legal), (ii) a

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origem do chefe da família (nativos amazônicos dominam os modos de uso econômico da

floresta e trazem nessas práticas valores culturais) e (iii) o tempo de ocupação do lote (o

desmatamento é intenso no início da ocupação, mas tende a cair e estabilizar com a

intensificação do uso da terra proporcionada pela introdução de cultivos perenes). A seguir,

o presente capítulo apresenta a metodologia de pesquisa e a caracterização das propriedades

amazônicas selecionadas pelo Proambiente, para no próximo capítulo apresentar e discutir

as relações (i) entre as variáveis independentes e o uso da terra e dos recursos naturais e (ii)

entre as variáveis independentes e a renda familiar anual.

6.2 Metodologia de pesquisa

Apoiado na base de dados do “ponto de partida” do Proambiente, isto é, o

“tempo zero” dos PUs (ano de 2005), a presente tese de doutoramento traz um estudo que

dialoga o conhecimento empírico do autor sobre a produção familiar rural da Amazônia

com a literatura nacional e internacional sobre as variáveis que determinam as mudanças de

uso da terra, dentro do propósito de contribuir com o entendimento das decisões tomadas

nas propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente. A partir do conhecimento das

variáveis mais relevantes na determinação dos modos de uso econômico (decisões de

produção) e ecológico (decisões de conservação ambiental) da terra das propriedades

amazônicas selecionadas pelo Proambiente, pretende-se gerar sugestões orientadoras para

operacionalizar políticas públicas e programas governamentais integrados de crédito rural e

remuneração de serviços ambientais ao setor de produção familiar rural da Amazônia

Legal. A metodologia da presente tese de doutoramento divide-se nas seguintes etapas:

Etapa 1 – análise dos documentos oficiais de gestão do Proambiente, ou seja, (i)

Relatório Analítico (RA), (ii) Parecer Técnico (PT), (iii) Parecer Financeiro (PF) e (iv)

Relatório de Cumprimento do Objeto (RCO), além do (v) Relatório de Execução Física do

Proambiente (que analisa os resultados gerais do programa);

Etapa 2 – modelagem dos dados no Statistical Package for the Social Sciences

(SPSS) para regressão múltipla de cada variável dependente em relação às onze variáveis

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independentes, a partir dos dados de 2.064 (entre 2.555) Planos de Utilização de Unidades

de Produção (PUs) elaborados pelo Proambiente (amostra Proambiente: 81%; amostra

Amazônia Legal: 0,43%) nos Pólos classificados como Categorias A e B. Primeiramente, a

regressão múltipla foi rodada para cada variável dependente e eliminadas as variáveis

independentes com Probabilidade Caudal de Teste (margem de segurança) acima de 0,20.

Posteriormente, nova modelagem de dados foi procedida para cada variável dependente e

eliminadas as variáveis independentes com Probabilidade Caudal de Teste (margem de

segurança) acima de 0,10. A variável (4) renda familiar anual foi rodada como variável

independente das variáveis dependentes (1) culturas anuais, (2) culturas perenes, (3)

campos abertos e (5) reserva legal, e como variável dependente das outras dez variáveis

independentes (ver resultados da modelagem na Tabela 09 e ANEXO I).

São consideradas variáveis independentes: (1) origem do chefe de família, (2)

tempo de ocupação do lote, (3) escolaridade do chefe e da chefe de família, (4) índice de

geração (relação entre a somatória da quantidade de trabalho e a somatória da demanda de

consumo do lote), (5) índice de gênero (relação entre a somatória da quantidade de trabalho

masculino e a somatória da quantidade de trabalho total do lote), (6) tamanho do lote, (7)

titularidade do lote, (8) renda familiar anual (no caso desta variável há a questão de

casualidade inversa: em certas circunstâncias, a renda familiar anual pode determinar o tipo

de uso da terra, comportando-se como variável independente, e noutras circunstâncias, pode

ser determinada pelo tipo de uso da terra, apresentando-se como variável dependente), (9)

acesso ao crédito rural, (10) acesso ao transporte para escoar a produção e (11) acesso à

energia elétrica para beneficiar a produção.

A Tabela 06 apresenta as variáveis independentes, suas categorias e sua

classificação como ativo de produção (terra, trabalho ou capital). As Tabelas 07 e 08

apresentam os coeficientes de Chayanov (1923) para cálculo do potencial de trabalho e

demanda de consumo, por faixa etária e gênero dos componentes humanos de cada lote, de

modo a obter os valores das variáveis independentes (5) “índice de geração” e (6) “índice

de gênero”.

São consideradas variáveis dependentes de uso econômico da terra: (1) culturas

anuais, (2) culturas perenes, (3) campos abertos (ou pecuária de grande porte) e (4) renda

familiar anual (nos casos 1, 2 e 3, a renda familiar anual é tomada como variável

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independente). São consideradas variáveis dependentes de uso ecológico da terra: (5)

reserva legal e (6) área de preservação permanente (topos e encostas de morros e margens

de rios). A sexta variável dependente foi descartada da análise, pois constam nos PUs

somente suas áreas absolutas, sendo que de acordo com a legislação ambiental, a área

obrigatória das mesmas varia conforme a disposição dos recursos hídricos e topografia das

propriedades, dados inexistentes para a pesquisa.

Etapa 3 – modelagem dos dados no Statistical Package for the Social Sciences

(SPSS) para análise de correlação entre as variáveis independentes e classes de

porcentagem de cada variável dependente. A discussão dos resultados de cada variável

dependente, baseada na análise de correlação, foi procedida somente em relação às

variáveis independentes que demonstraram, na regressão múltipla, Probabilidade Caudal de

Teste (margem de segurança) abaixo de 0,10, isto é, com significância estatística (ver

resultados da modelagem nas Tabelas 10 a 21).

Etapa 4 – modelagem dos dados no Statistical Package for the Social Sciences

(SPSS) para regressão múltipla de cada tipo de uso da terra (variável dependente) em

relação às onze variáveis independentes, a partir dos dados de 2.064 (entre 2.555) Planos de

Utilização de Unidades de Produção (PUs) elaborados pelo Proambiente (amostra

Proambiente: 81%; amostra Amazônia Legal: 0,43%) nos Pólos classificados como

Categorias A e B. A exemplo da etapa 2, na primeira modelagem, para cada tipo de uso da

terra (variável dependente) foram eliminadas as variáveis independentes com Probabilidade

Caudal de Teste (margem de segurança) acima de 0,20, e na segunda modelagem, aquelas

acima de 0,10. São considerados os seguintes tipos de uso da terra: tipo 1: [roça pura] =

lotes somente com culturas anuais; tipo 2: [roça + gado]: = lotes com culturas anuais e

campos abertos; tipo 3: [roça + culturas perenes] = lotes com culturas anuais e perenes; tipo

4: [roça + gado + culturas perenes] = lotes com culturas anuais, culturas perenes e campos

abertos; tipo 5: [pecuária extensiva] = lotes somente com campos abertos. Na presente

etapa, a variável (4) renda familiar anual foi rodada somente como variável independente

dos tipos de uso da terra. Como esperado, os resultados não apresentaram significância

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estatística, pois os tipos de uso da terra derivam das próprias variáveis dependentes das

etapas 2 e 3, sendo assim, os resultados da presente etapa 4 foram eliminados.

Etapa 5 – modelagem dos dados no Statistical Package for the Social Sciences

(SPSS) para análise de correlação entre as variáveis independentes e cada tipo de usos da

terra (ver resultados da modelagem nas Tabelas 22 e 23).

Etapa 6 – caracterização das propriedades amazônicas selecionadas pelo

Proambiente e revisão bibliográfica sobre variáveis que condicionam decisões sobre

mudanças de uso e cobertura da terra e discussão dos resultados obtidos no programa SPSS

(capítulo VII). A presente etapa foi desenvolvida durante o Doutorado Sanduíche realizado

no Anthropological Center For Training And Research On Global Environmental Change

(ACT), Indiana University (IU), Estados Unidos da América.

A escolha de qualquer modelo econométrico, evidentemente, deve ser

condizente aos objetivos do estudo em questão. O presente estudo tem como objetivos

(além de analisar o desempenho do Proambiente como política pública federal) determinar

as variáveis mais relevantes (a) nas decisões sobre uso econômico (produção) e ecológico

(conservação ambiental) da terra e (b) nas definições de tipologias de uso da terra que

proporcionam maior capacidade de capitalização em propriedades familiares rurais

amazônicas selecionadas pelo Proambiente.

Um estudo exploratório foi realizado mediante uma análise de freqüência e uma

análise de correlação, sendo que a última análise foi procedida por meio de regressão

múltipla, de forma que esses fenômenos sejam interpretados pela influência de um conjunto

de variáveis na sua ocorrência. Trata-se de uma primeira aproximação estatística para

interpretar as decisões de investimentos de um setor econômico fundamental para

desencadear processos de desenvolvimento endógeno em contextos territoriais específicos

da Amazônia brasileira. Para trabalhos futuros, o banco de dados disponível do

Proambiente permite o uso de análise multivariada para elaborar agrupamentos e proceder

análise comprobatória dos resultados alcançados no presente estudo, com o intuito de

aprimorar e disponibilizar informações para aplicação em políticas públicas.

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148

Tabela 06 – Variáveis independentes, categorias e classificação como ativo de produção Variáveis independentes Categorias Ativo de produção

(1) Origem do chefe da família

(variável binária; variável de

referência: Norte)

Região de origem do chefe de

família (Norte, Nordeste, Centro-

Oeste, Sudeste, Sul)

Trabalho

(2) Tempo de ocupação do lote

(variável contínua: anos)

Anos (tempo zero é o ano de

chegada da família no lote)

Terra, Trabalho e Capital

(3) Escolaridade

(variável binária; variável de

referência: analfabeto)

Analfabeto; 1a-4a série; 5a-8a série;

2o grau; superior

Trabalho

(4) Índice de geração

(variável contínua: 0,1)

I geração = (potencial de trabalho no

lote / demanda de consumo no lote)

Trabalho

(5) Índice de gênero

(variável contínua: 0,1)

I gênero = (potencial de trabalho

masculino no lote / potencial de

trabalho total no lote)

Trabalho

(6) Tamanho do lote

(variável contínua: hectares)

Hectares Terra

(7) Titularidade do lote

(variável binária; variável de

referência: lote não regularizado)

Lote regularizado; lote não

regularizado

Terra

(8) Renda familiar anual

(variável contínua: R$ 1,00)

Reais (R$) Capital (observação: este é um caso

de “casualidade inversa”, onde a

variável se manifesta, a depender da

circunstância, como independente

ou dependente).

(9) Acesso ao crédito rural

(variável binária; variável de

referência: sem acesso ao crédito)

Sem acesso; acesso ao crédito rural

Pronaf; acesso ao crédito rural FNO;

acesso a outros tipos de crédito rural

Capital

(10) Acesso ao transporte

(variável binária; variável de

referência: sem acesso ao transporte)

Sim; não Capital

(11) Acesso a energia elétrica

(variável binária; variável de

referência: sem acesso a energia)

Sim; não Capital

Fonte: Elaboração própria

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Tabela 07 – Coeficientes para cálculo do potencial de trabalho (Equivalente-Homem)

Faixa Etária Sexo

Masculino Feminino

Até 10 anos 0,01 0,01

De 10 a 14 anos 0,6 0,4

De 15 a 19 anos 0,8 0,6

De 20 a 55 anos 1,0 0,8

De 55 a 60 anos 0,8 0,0

Acima de 60 anos 0,01 0,01 Fonte: Chayanov (1923)

Tabela 08 – Coeficientes para cálculo da demanda de consumo (Equivalente-Homem)

Faixa Etária Sexo

Masculino Feminino

Até 1 ano 0,1 0,1

De 2 a 7 anos 0,3 0,3

De 8 a 13 anos 0,6 0,4

De 14 a 18 anos 0,8 0,6

Acima de 18 anos 1,0 0,8 Fonte: Chayanov (1923)

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6.3 – Caracterização das propriedades familiares rurais amazônicas selecionadas pelo

Proambiente

Quase ¾ das propriedades (73,3%) têm como (a) origem dos seus chefes de

família as regiões Norte (38,9%) e Nordeste (34,4%), sendo ainda significativos lotes

chefiados por agricultores provindos do Sudeste (12,3%) e Sul (10,3%), restando apenas

4,1% dos lotes chefiados por produtores do Centro-Oeste (Figura 10). Assim, percebe-se

alto percentual de lotes de migrantes não amazônicos (61,1%) nas propriedades, além da

maior parte entre os nortistas também terem migrado internamente na região amazônica,

não residindo atualmente no local de nascimento. A princípio, intencionou-se também

estimar a origem das chefes de família (a exemplo do que foi procedido com a

escolaridade), no entanto, devido à ausência desses dados em muitos em PUs de alguns

Pólos, decidiu-se eliminar a variável da análise. Os dados também ilustram que o

Proambiente é majoritariamente composto por agricultores das duas regiões mais pobres do

país, vítimas de processos de migração rural ocasionados por concentração fundiária e falta

de condições produtivas e sociais de vida.

Figura 10 – Origem do chefe de família

38,9

34,4

4,1

12,310,3

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

%

Região

Origem do chefe de família

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul

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Os dados sobre (2) tempo de ocupação do lote demonstram que apenas 25,8%

das famílias amostradas residem nos lotes a mais de 20 anos, ou seja, houve significativa

rotatividade de proprietários nas unidades de produção desde o início da expansão da

fronteira amazônica, nas décadas de 60-70. Em torno de 32,7% dos lotes apresentam entre

10-20 anos de ocupação, 25,8% entre 5-10%, e 15,7% são de ocupação recente, isto é, com

famílias migradas a menos de meia década (Figura 11). A passagem de várias famílias

numa mesma unidade de produção prejudica a análise de correlação da variável. Como será

visto adiante, a literatura e os depoimentos levantados junto aos produtores familiares do

Pólo Transamazônica atestam a grande importância do tempo de ocupação do lote na

mudança de uso da terra e, sobretudo, no aumento da renda familiar anual, porém, os

resultados do presente estudo não demonstraram grande significância para esta variável (ou

baixa Probabilidade Caudal de Teste - PCT) porque a rotatividade na posse da terra a torna

menos relevante.

Figura 11 – Tempo de ocupação do lote

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Os dados sobre (3) escolaridade do chefe e da chefe de família demonstram

mais alta escolaridade feminina, seguindo a tendência do Brasil rural. A grande maioria dos

lotes tem chefes homens (69,5%) e chefes mulheres (68,6%) com escolaridade entre 1ª a 4ª

série, seguidos de lotes com líderes sem escolaridade (analfabetos em 17,2% dos casos;

analfabetas em 14,5% dos casos). Portanto, há as significativas marcas de 86,7% dos chefes

e 83,1% das chefes de família que não detêm nenhuma escolaridade ou se limitam a 1ª a 4ª

série, fase escolar de grau mais alto comumente oferecida nas sub-regiões rurais da

Amazônia. Aproximadamente 8,2% dos chefes e 9,4% das chefes de famílias atingiram

escolaridade entre 5ª a 8ª série, 4,6% dos chefes e 6,5% das chefes de família finalizaram o

1º grau e cursaram parte ou integralmente o 2º grau, e apenas 0,5% dos chefes e 1,0% das

chefes de família detêm nível de escolaridade superior (Figuras 12 e13).

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) demonstram

que a escolaridade média dos brasileiros, entre 2000-2005 (toma-se como base esse

período, pois os dados dos PUs dos Pólos do Proambiente foram levantados nos anos de

2004-2005) era de 7,09 anos, sendo que no Brasil rural este valor cai para 4,46 anos. Ao

considerarmos somente a região Norte como base de análise de correlação, a escolaridade

média situa-se em 6,44 anos, patamar inferior à média nacional, porém, no meio rural, a

média gira em torno de 4,47 anos, marca estatisticamente similar ao do Brasil rural. Assim,

a expressiva marca de 86,7% dos chefes de família e 83,1% das chefes de família que

lideram propriedades rurais selecionadas pelo Proambiente têm escolaridade média abaixo

das médias nacional e regional, 8,2% dos chefes e 9,4% das chefes de famílias têm

escolaridade média similar às médias nacional e regional e somente 5,1% dos chefes e 6,5%

das chefes de famílias possuem escolaridade acima das médias nacional e regional (ambas

para os casos geral e rural). Considerando que os Pólos do Proambiente são localizados em

regiões de maior organização social (tendo como indicador o número executado de projetos

pilotos de políticas públicas), os dados do PNAD e Proambiente cruzados não demonstram

relação direta entre escolaridade média e capital social, a não ser que haja problemas de

amostragem do PNAD nas regiões rurais da Amazônia Legal.

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153

Figura 12 – Escolaridade do chefe de família

Figura 13 – Escolaridade da chefe de família

14,5

68,6

9,4 6,5

1,0 0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

%

Escolaridade

Escolaridade da chefe de família

Analfabeta 1.a a 4.a série 5.a a 8.a série 2.o grau Superior

17,2

69,5

8,2 4,6

0,5 0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

%

Escolaridade

Escolaridade do chefe de família

Analfabeto 1.a a 4.a série 5.a a 8.a série 2.o grau Superior

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154

Os dados sobre (4) índice de geração (relação entre a somatória da quantidade

de trabalho e a somatória da demanda de consumo do lote) ilustram que a grande maioria

das propriedades amazônicas selecionados pelo Proambiente possui maior capacidade de

trabalho em relação às necessidades de consumo, isto é, tem uma proporção maior de

adultos em idade economicamente ativa que dependentes. Lotes com índices de geração

entre 0,4-0,8 situam-se entre os que detêm equilíbrio entre capacidade de trabalho e

demanda de consumo (ou entre adultos versus crianças/idosos) e representam 32,9% das

propriedades selecionadas, sendo que apenas 4,3% delas situam-se abaixo da situação de

equilíbrio (2,0% dos lotes com índice de geração de até 0,2; 2,3% dos lotes com índice de

geração entre 0,2-0,4) e expressivos 62,8% acima (35,9% dos lotes com índice de geração

entre 0,8-1,0; 26,9% dos lotes com índice de geração acima de 1,0) (Figura 14).

Os dados sobre índice de geração elucidam a relevância da capacidade de mão-

de-obra num processo de transição agroecológica estabelecido de forma pioneira nos lotes

do Proambiente. Depoimentos levantados junto a produtores familiares cadastrados no Pólo

Transamazônica (PA) confirmam que propriedades amazônicas com relação favorável entre

o número de adultos sobre o número de crianças e idosos detêm maior capacidade de

trabalho para organizar seu capital social e efetivar mudanças qualitativas de uso da terra,

sobretudo, baseadas na opção por sistemas perenes consorciados ou sistemas agroflorestais.

A manifesta capacidade de trabalho dos lotes do Proambiente foi um dos itens

que permitiu um bom processo de formação de capital social e mobilização coletiva para

mudanças qualitativas de uso da terra. Por empirismo, é possível observar que lotes com

relação desequilibrada entre adultos e crianças/idosos, com maior presença dos últimos,

apresentam substanciais dificuldades de desencadear processos de diversificação de uso da

terra, limitando-se ao cultivo de anuais por sistema de corte e queima em áreas pequenas

(máximo de ½ hectare) e criação de poucas cabeças de gado (máximo até 10 unidades

animais) e/ou animais de pequeno porte (galinhas, porcos, patos, etc.). Ao revés,

propriedades com alta relação entre adultos e crianças/idosos apresentam capacidade de

diversificar a produção por meio de técnicas de manejo e uso múltiplo da floresta

(exploração madeireira de baixo impacto e coleta de produtos florestais não madeireiros),

introdução de sistemas perenes e de pecuária bovina.

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155

Figura 14 – Índice de geração

Os dados sobre (5) índice de gênero (relação entre a somatória da quantidade de

trabalho masculino e a somatória da quantidade de trabalho total do lote) atestam que a

maioria massiva dos lotes selecionados pelo Proambiente (72,8%) tem equilíbrio entre

trabalho masculino e feminino (com índice de gênero entre 0,4-0,8). Em torno de 16,1%

dos lotes detêm maior quantidade de trabalho masculino (9,1% com índice de gênero entre

0,8-1,0; 7,0% com índice de gênero acima de 1,0), enquanto somente 11,1% dos lotes

apresentam maior presença de trabalho feminino (6,8% com índice de gênero entre 0,2-0,4;

4,3% com índice de gênero até 0,2) (Figura 15).

De acordo com os depoimentos levantados junto aos produtores familiares do

Pólo Transamazônica (PA), não existe distinção entre trabalho masculino e feminino e tipos

de uso da terra nos lotes, pois pessoas de ambos os gêneros trabalham de forma integrada

no cultivo da terra, com divisão social do trabalho apenas dentro do próprio sistema de

produção, isto é, ambos se organizam e despendem formas integradas de trabalho

fisiológico nos cultivos anuais, perenes e campos abertos, assim como nas diversas formas

de retirada, uso sustentável e recomposição de reserva legal, com diferenciação de

Índice de geração

2,0 2,3

32,9

35,9

26,9

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

Potencial de trabalho por demanda de consumo

%

Até 0,2 0,2 a 0,4 0,4 a 0,8 0,8 a 1,0 Mais de 1,0

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156

atribuições somente dentro de cada tipo de uso da terra. Esses depoimentos confirmam os

dados obtidos na modelagem pelo programa SPSS (a ser discutido adiante), sendo que os

dados da Figura 15 atestem que a formação do capital social estabelecida nas sub-regiões

de execução do Proambiente tenha se consolidado majoritariamente a partir de

propriedades familiares rurais com equilíbrio entre trabalho masculino e feminino.

Portanto, não há contradição aparente nas exposições acima e no perfil do índice de gênero

da Figura 15, isto é, foi justamente o perfil integrado de trabalho masculino-feminino que

possibilitou melhores condições de formação do capital social e de transição agroecológica.

Depoimentos de produtores também atestam que propriedades rurais com

ausência de trabalho de um dos gêneros enfrentam dificuldades na transição agroecológica,

o que denota a relevância dos índices de geração e de gênero, ainda que os entrevistados

também salientem que na ausência de trabalho masculino (geralmente decorrente de

falecimento ou separação do casal), as mulheres tendem a arrendar sua terra e migrarem

para áreas urbanas, enquanto no caso inverso (geralmente decorrente de falecimento ou

migração das mulheres ao meio urbano em busca de escolaridade), os homens se

mantenham no lote, apesar da dificuldade na defasagem de mão-de-obra outrora disponível.

Figura 15 – Índice de gênero

4,36,8

72,8

9,17,0

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

%

Relação trabalho-gênero

Índice de gênero

Até 0,2 0,2 a 0,4 0,4 a 0,8 0,8 a 1,0 Mais de 1,0

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157

Quase metade das propriedades do Proambiente (47,8%) detém porções

intermediárias de (6) tamanho de lote para a realidade da agricultura familiar do programa,

isto é, entre 10-50 hectares, enquanto 41,4% estão em patamares acima desse valor (18,6%

entre 50-100 hectares; 22,8% acima de 100 hectares) e somente 10,9% abaixo, com porções

muito reduzidas de terra (6,5% entre 5-10 hectares; 4,4% até 5 hectares) (Figura 16).

As regiões de velhas fronteiras agrícolas, com terras a preços mais valorizados

devido à infra-estrutura estabelecida, apresentam módulos rurais mais reduzidos, e de

forma oposta, novas fronteiras podem congregar até 100 hectares para cada módulo rural,

fato que impacta fortemente o perfil sub-regional de cada propriedade familiar.

Comparando-se os dados do Proambiente referente ao tamanho do lote, esse fenômeno

pode ser observado. Os únicos dois Pólos localizados em regiões de nova fronteira são

justamente aqueles que detêm tamanhos maiores de lote, isto é, o Pólo Alto Acre (AC),

com tamanho médio de 281 hectares por unidade de produção, e o Pólo Transamazônica

(PA), com média de 94 hectares por lote. No primeiro caso, vale a ressalva de que parte

dele abrange propriedades familiares, enquanto outra parte agrupa famílias locadas em

colocações, seringais e reservas para uso extrativo da terra (principalmente, exploração de

borracha natural e castanha do Pará), o que configura uma situação de tamanhos médios

mais elevados. Pólos localizados em velhas fronteiras agrícolas apresentam lotes familiares

inferiores, com média de 19 hectares no Pólo Baixada Maranhense (MA) (o estado com

maior percentual de minifúndios do país), 33 hectares no Pólo Noroeste (MT), 35 hectares

no Pólo Ouro Preto D´Oeste (RO) e 38 hectares no Pólo Bico do Papagaio (TO).

A exceção fica para o Pólo Rio Capim (PA), que detém propriedades com

médias de 43 hectares, embora esteja localizado na área de fronteira agrícola mais velha da

Amazônia. O fato se explica pelo seu histórico e localização, isto é, com ocupação provinda

de migrantes nordestinos no final do século 19 e início do século 20, à época a sub-região

se consolidou como produtora de alimentos para a frente de exploração da borracha

amazônica, um dos dois produtos de exportação mais importantes do país junto ao café

paulista naquele momento. Desta feita, a sub-região se consolidou pelo perfil produtivo

familiar, sustentando-se também devido à localização próxima (300 km) da área

metropolitana de Belém (PA), um mercado consumidor cativo.

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158

Produtores familiares do Pólo Transamazônica (PA) argumentaram em seus

depoimentos prestados que o tamanho do lote não é um problema restritivo à vida

econômica se houver condições objetivas de produção. Porém, no caso da presente sub-

região, o depoimento deve ser tomado com cuidados, afinal, ela vem se consolidando como

uma área pecuária que demanda porções maiores de terra. Isso ficará claro na discussão dos

resultados adiante, que demonstram que propriedades familiares com menores porções de

terras apresentam dificuldades maiores para deter reserva legal e cumprir a legislação

ambiental em comparação às propriedades maiores, porém, no caso transamazônico, ocorre

o inverso, ou seja, como a sub-região vem se fortalecendo na pecuária, a infra-estrutura de

mercado atrai produtores familiares para a atividade, resultando em compra de lotes

vizinhos até a propriedade atingir quatro módulos rurais (que na sub-região representa 400

hectares e mantém o produtor na condição de mutuário do Pronaf, com condições de obter

crédito rural a condições mais atrativas de carência, amortização e taxas de juros). Desse

modo, são justamente as maiores propriedades, que adquirem perfil de pecuária familiar,

que apresentam os impactos mais significativos na reserva legal. Portanto, em geral, os

lotes selecionados pelo Proambiente, em geral, apresentam tamanhos intermediários (10-50

hectares) e grandes (mais de 50 hectares e dentro de limite sub-regional de quatro módulos

rurais, que na nova fronteira agrícola pode representar até 400 hectares).

Dados do Censo Agropecuário 1995-1996 demonstram que as propriedades

familiares com até 5 hectares representam 23,6% dos estabelecimentos rurais da Amazônia,

entre 5-10 hectares somam 8,6%, entre 10-50 hectares totalizam 36,4%, entre 50-100

hectares abrangem 15,5%, e acima de 100 hectares giram em torno de 15,9%. Ao

cruzarmos os dados de tamanho de lotes do Proambiente com o Censo Agropecuário 1995-

1996, fica claro que os lotes do programa piloto apresentam tamanhos médios (89,54

hectares) superiores aos da média da região (57,00 hectares). Nos casos de lotes menores

(0-5 e 5-10 hectares), há 1/3 dos lotes na região que se agrupa nesta categoria, enquanto no

Proambiente eles representam pouco mais de 1/10. A análise sobre a influência do tamanho

do lote no uso da terra torna-se relevante para diagnosticar os limites de área para produção

e cumprimento da legislação ambiental na Amazônia Legal, afinal, as dificuldades

enfrentadas por beneficiários do Proambiente tendem a se potencializar na região

amazônica.

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159

Figura 16 – Tamanho do lote

As propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente, em geral, não

detêm o título definitivo da terra. Em torno de 69,1% das mesmas não são tituladas,

enquanto somente 30,9% estão em situação fundiária regularizada (Figura 17).

Derivi (2009) lembra que a equação fundiária no Norte do país atingiu enorme

complexidade a ponto de apresentar demanda urgente de simplificação (sob critérios claros

que não criem mais problemas que soluções) dos processos de regularização. É o que pode

ser visto na complexa situação fundiária dos Pólos do Proambiente analisados no presente

estudo. A categorização entre “lotes regularizados” e “lotes não regularizados” advém do

agrupamento de treze opções de situação fundiária presentes nos Planos de Utilização das

Unidades de Produção (PUs). São considerados “lotes regularizados” aqueles classificados

entre “título definitivo”, “direitos tradicionais adquiridos” e “cadastro no INCRA”; já os

“lotes não regularizados” agrupam os classificados entre “título provisório”, ”registro em

cartório”, “recibo de compra e venda”, “contrato de arrendamento”, “cartão de

assentamento”, “protocolado no INCRA”, “direito de posse”, “posse mansa e pacífica”,

“licença de ocupação” e “sem documento”.

Tamanho do lote

4,46,5

47,8

18,6

22,8

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

Hectares

%

Até 5 hectares 5 a 10 hectares 10 a 50 hectares 50 a 100 hectares Mais de 100 hectares

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160

Vale destacar que algumas propriedades amazônicas selecionadas pelo

Proambiente classificadas como “lotes não regularizados” poderiam ser enquadradas num

terceiro grupo de “lotes em regularização” (ex: “título provisório”, “protocolado no

INCRA”, “licença de ocupação”), mas como muitas delas aguardam há décadas o processo

de formalização do título da terra, assumiu-se que o comportamento da família rural quanto

ao uso da terra tende a se assemelhar aos produtores de “lotes não regularizados”.

O cruzamento dos dados do Censo Agropecuário 1995-1996 aos do Proambiente

não permite uma conclusiva análise comparativa do programa com a situação fundiária da

Amazônia. Segundo Benatti (2003), pela metodologia do IBGE, a condição legal da terra

foi investigada a partir da classificação dos “estabelecimentos agropecuários” em

“próprios” (inclusive por usufruto, foro e enfiteuse), “arrendados” (mediante pagamento em

quantia fixa em dinheiro ou cota-parte da produção), “parcerias” (mediante pagamento de

parte da produção obtida - meia, terça, quarta, etc.) e “ocupados” (ocupados a título

gratuito, com ou sem consentimento do proprietário). Foi considerado “estabelecimento

agropecuário” todo terreno de área contínua, independente do tamanho ou situação urbana

ou rural, formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único “produtor”, onde se

processasse uma exploração agropecuária, ou seja, o cultivo do solo com culturas anuais e

perenes, inclusive hortaliças e flores, a criação, recriação ou engorda de animais de grande

e médio porte, a criação de pequenos animais, a silvicultura ou o reflorestamento e a

extração de produtos vegetais. Já a denominação de “produtor” foi aplicada para a pessoa

física ou jurídica que detivesse a responsabilidade da exploração do estabelecimento, fosse

o mesmo constituído de terras próprias ou de propriedade de terceiros.

Assim, o simples depoimento do responsável pela terra bastou para o

estabelecimento agropecuário ser computado nas estatísticas oficiais como próprio (79,8%),

arrendado (0,7%), em parceria (1,3%) ou ocupado (18,2%). Em comparação ao número de

propriedades, a divisão percentual em área revela concentração fundiária bem mais

acentuada na região Norte, respectivamente, 93,4%, 0,3%, 94,2% e 5,8%. Portanto, a soma

dos três primeiros tipos de estabelecimentos agropecuários (81,8% do número de

propriedades e 94,2% da área fundiária) não representa fielmente a situação de

regularização fundiária da região, pois os depoimentos não atestam titulação.

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161

Segundo Derivi (2009), baseada em dados de órgãos fundiários oficiais

(nacional e estaduais), apenas 4% da Amazônia Legal é composta de terras privadas com

título regular e definitivo, 43% correspondem a áreas públicas protegidas (unidades de

conservação), restando mais da metade da região (53%) sem definição de propriedade (a

autora estima que dentre esses 53%, 32% sejam terras privadas ainda sem validação e 21%

terras públicas ainda não destinadas para nenhum tipo de uso). Os dados acima são

controversos e rivalizam com os apresentados em estudos do Instituto Socioambiental

(ISA) por Ricardo & Capobianco (2001), que baseados em dados cadastrais do INCRA

(entre outros), alegam que, aproximadamente, 25% da Amazônia Legal é composta por

imóveis rurais privados, 20,66% por terras indígenas e 12,22% por unidades de

conservação (conforme os autores, a somatória dos três tipos acima não resulta em 100%,

pois não foi contabilizada área urbana, estradas, terras devolutas). Desta feita, a situação

dos Pólos do Proambiente, mesmo com apenas 30,9% dos lotes com titulação, apresenta-se

de forma bem mais segura que a realidade amazônica, com estimativas pouco precisas, mas

que ao certo detém patamar substancialmente inferior de titulação de terras privadas.

Para Benatti (2003), a propriedade rural, também denominada de propriedade

agroambiental, tem a incumbência constitucional de produzir alimentos, matérias-primas e

de proteger os bens ambientais. Portanto, a função social e ambiental da propriedade é

efetivada quando os serviços ambientais do ecossistema estão assegurados e o

desenvolvimento econômico das atividades agrárias mantém um grau satisfatório das

funções ecológicas. O autor levanta a hipótese de que o funcionamento do direito de

propriedade em relação ao homem e a seus usos da natureza é importante para se

implementar uma efetiva proteção dos recursos naturais. Ainda que produtores rurais do

Pólo Transamazônica (PA), em seus depoimentos, revelem que a titulação não implica em

mudanças significativas no uso da terra, mas somente garanta maior valor na transação de

compra e venda, além de conferir direito à aposentadoria rural, o presente estudo investiga

hipótese parcialmente similar à apresentada por Benatti (2003) de que os lotes

regularizados são mais propícios para atender os princípios de uso econômico (devido à

maior segurança ao investimento de longo prazo em sistemas perenes agroecológicos) e

ecológico (devido às exigências legais que passam a ser submetidos com a regularização

fundiária) da terra preconizados pelo Proambiente.

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162

Figura 17 – Titularidade do lote

Entre as propriedades selecionadas pelo Proambiente, 39,8% nunca tiveram

acesso ao crédito rural, 31,8% já acessaram ou acessam o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), 14,5% já foram ou são mutuários do

crédito rural do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) e 14,0% já

contrataram outras tipos de crédito rural (Figura 18). Como os dados do Censo

Agropecuário 1995-1996 apenas apontam que 38,60% do crédito rural disponibilizado na

região Norte direcionam-se à produção familiar rural, não é possível estabelecer uma base

de comparação entre Proambiente e Amazônia. No entanto, considerando-se que em torno

de 11,1 mil contratos de financiamento rural à agricultura familiar são firmados ao ano na

Amazônia, dentro de um total de 400 mil propriedades rurais familiares (Costa, 2000c),

temos que 2,8% dos lotes ao ano tornam-se mutuários. Com a extrapolação dos dados,

desde o início de operação do FNO (1991) e Pronaf (1996) até a conclusão dos PUs do

Proambiente (2005), chega-se à participação máxima de 41,7% dos lotes familiares rurais

amazônicos no acesso ao crédito rural (a contabilização não considera a hipótese de um

mesmo mutuário tomar crédito por duas ou mais vezes, por isso foi denominado acima

“participação máxima”, que pode ser substancialmente inferior).

Titularidade do lote

69,1

30,9

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

1

Titulação

%

Não regularizado Regularizado

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163

Logo, ao se somar os dados de acesso ao Pronaf, FNO e outros tipos de crédito

rural, é possível concluir que 60,2% das propriedades do Proambiente acessam ou já

acessaram o financiamento rural, o que posiciona os participantes do programa numa

situação mais favorável que a realidade amazônica de no máximo 41,7% de acesso ao

crédito rural. Vê-se aqui a fundamental contribuição do capital social na capacidade de

acesso aos instrumentos econômicos públicos, de modo a proporcionar aos mutuários

socialmente organizados maiores possibilidades de ascensão social e consolidação de

sistemas produtivos. Os depoimentos das famílias participantes do Proambiente atestam a

relevância do acesso ao crédito rural para a introdução de sistemas perenes, que conferem

maior renda familiar anual por hectare. Assim, a expectativa das famílias é para a aplicação

do crédito rural em sistemas estruturados conforme as oportunidades econômicas locais, de

modo a consolidar mercados internos e processos endógenos de desenvolvimento.

Figura 18 – Acesso ao crédito rural

Os dados de renda familiar anual das propriedades familiares rurais selecionadas

pelo Proambiente referem-se apenas à renda monetária, inexistindo a informação quanto à

renda não monetária (Figura 19). Em estudo sobre determinação da elasticidade-renda do

Acesso ao crédito rural

39,8

31,8

14,5 14,0

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

45,0

Opções de crédito rural

%

Não tem acesso Pronaf FNO Outros tipos

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164

consumo físico e da despesa com vários tipos de alimentos, utilizando os dados da Pesquisa

de Orçamentos Familiares (POF) de 2002-2003, do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), Hoffmann (2003) explica que a parcela de renda monetária inclui os

rendimentos do trabalho, transferências, rendimentos de aluguel e outros rendimentos da

família, enquanto a parcela de renda não monetária abrange o consumo obtido por produção

própria, retirada do negócio, troca, doações e pagamentos em espécie. Pode-se assumir que

os rendimentos não-monetários representam 14,6% do rendimento familiar.

Segundo Hoffmann (2003), 17% da população brasileira reside em áreas rurais,

sendo que o tamanho médio da família é maior nelas (4,05 pessoas/família) do que nas

áreas urbanas (3,55 pessoas/família). No país, a renda per capita média mensal é

praticamente o dobro da renda mediana (R$ 500,6 versus R$ 250,7), sendo que a renda

média mensal rural corresponde a 38,8% da renda média mensal urbana e a renda mediana

rural traduz-se em 45,0% da renda mediana urbana. Ao regionalizar os dados de renda

familiar, o autor demonstra que na região Norte, a renda média mensal corresponde a R$

292,3 per capita. Tomando-se por base a média rural de 4,05 pessoas/família, a relação de

38,8% da renda média rural em relação à média urbana e a participação de 14,6% do

rendimento familiar na renda familiar não monetária, é possível concluir que a renda média

monetária anual em áreas rurais amazônicas gira em torno de R$ 4.707,11/família.

Os dados das propriedades selecionadas pelo Proambiente, afora 1,3% dos lotes

sem informação, demonstram que 0,4% dos lotes detém até R$ 100,00 de renda familiar

anual monetária, 0,3% entre R$ 100,00 e R$ 200,00, 1,4% entre R$ 200,00 e R$ 500,00,

3,6% entre 500,00 e R$ 1.000,00, 10,3% entre R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00, 33,0% entre

2.000,00 e 6.000,00, 21,9% entre R$ 6.000,00 e R$ 10.000,00, 19,9% entre R$ 10.000,00 e

R$ 20.000,00 e 7,9% acima de R$ 20.000,00. A comparação dos dados do Proambiente aos

do artigo de Hoffmann (2003) demonstra que 49,7% dos lotes do programa encontram-se

com renda familiar anual acima da média regional, 33,0% com renda similar e 16,0% com

renda abaixo (e 1,3% sem informação). Assim, mais uma vez, os dados ilustram que sub-

regiões amazônicas com destacada formação de capital social apresentam maior capacidade

de obtenção de renda. Considerando que novas modalidades de crédito rural (ex: crédito

solidário) e novas formas de aval (ex: aval grupal) tendem a se institucionalizar no país e na

região amazônica, sobretudo no meio rural, a organização social dos Pólos do Proambiente

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165

passa a ser de fundamental importância não somente para tornar os beneficiários do

programa elegíveis nessas oportunidades, mas, sobretudo, para melhorar seus desempenhos

e capacidades de agregação de renda nos processos de transição agroecológica propostos

nos Planos de Utilização de Unidades de Produção (PUs). Os Acordos Comunitários de

Serviços Ambientais (ACs) firmados nos Pólos do Proambiente também indicam não só a

capacidade de organização social local, mas também uma base técnica fundamental para

potencializar essas oportunidades e aumentar a renda monetária.

Figura 19 – Renda familiar anual

Os dados das propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente atestam

que 58,6% delas têm acesso intermitente ou parcial ao transporte para escoamento de

produção (no último caso, durante os seis meses de menor pluviosidade regional, isto é, de

abril a setembro, após a colheita da safra agrícola no mês de março), enquanto expressiva

marca de 41,4% dos lotes ainda não acessa nenhuma forma de circulação de suas

mercadorias (Figura 20).

1,3 0,4 0,31,4

3,6

10,3

33,0

21,919,9

7,9

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

%

Classes de renda

Renda familiar anual

Sem informação Até R$ 100,00 R$ 100,00 a R$ 200,00

R$ 200,00 a R$ 500,00 R$ 500,00 a R$ 1.000,00 R$ 1.000,00 a R$ 2.000,00

R$ 2.000,00 a R$ 6.000,00 R$ 6.000,00 a R$ 10.000,00 R$ 10.000,00 a R$ 20.000,00

Mais de R$ 20.000,00

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166

Não obstante, são poucos os estudos que lograram avaliar o impacto do acesso e

dos custos do transporte no desenvolvimento, conseqüentemente, há pouco conhecimento

sobre a importância dessa variável independente na determinação do processo de produção

e expansão econômica regional. No setor agrícola, há concordância de que um nível básico

de infra-estrutura econômica é necessário à produção privada. Além desse nível básico, a

importância do acesso ao transporte ainda não está determinada com precisão no tocante ao

seu papel no processo de crescimento (Looney, 1994). Nesse sentido, é importante

distinguir os impactos dos investimentos em regiões desenvolvidas e em regiões com infra-

estrutura precária, tanto em termos de mudanças nas variáveis econômicas (preços e níveis

de produção), como também na estrutura espacial da economia (Cherene et al, 1983).

Cabe ainda observar que, no caso brasileiro, os custos logísticos constituem um

componente relevante dos preços dos produtos, tendo em vista a dispersão espacial do

mercado interno e das longas distâncias envolvidas no comércio intra e inter-regional. Por

outro lado, uma redução de custos de transporte pode contribuir para o aumento da

concentração espacial da indústria e as desigualdades inter-regionais de emprego e renda

(Combes e Lafourcade, 2001), assim como economias de escala podem acentuar essas

forças concentradoras (Krugman, 1991).

Castro (2002) apresenta estudo sobre infra-estrutura de transporte que tem como

um de seus objetivos específicos desenvolver estimativa da evolução temporal dos custos

de transporte rodoviário por município (período 1970-1996) e utilizar tais estimativas para

avaliar o impacto desses custos na expansão da agropecuária. A metodologia de trabalho do

autor segue linha analítico-quantitativa, possibilitada pela disponibilidade de dados

censitários de produção agropecuária e de estimativas de acesso e custo de transporte. A

abordagem procura enfatizar a forte interdependência entre acesso ao transporte e

produção. Os resultados permitem Castro (2002) concluir que os fluxos mais afetados são

aqueles entre estados com uma maior participação do setor agrícola nos seus Produtos

Internos Brutos (PIBs), bem como os fluxos de comércio que percorrem distâncias mais

longas. Em contrapartida, fluxos entre estados mais industrializados ou mais concentrados

na produção de serviços são relativamente menos afetados. Há de se adicionar aos

argumentos do autor que o acesso ao transporte viabiliza e permite dar escala à produção

agropecuária, porém, como há valorização do preço da terra, não necessariamente serão os

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167

mesmos atores sociais que desencadearão esse processo produtivo, podendo haver

processos sucessivos e interligados de expansão da fronteira agrícola e concentração

fundiária, a partir da aquisição de terras por produtores de outras regiões e também

daqueles mais capitalizados da própria região.

No estudo de Castro (2002), de maneira geral, pode-se observar expressiva

tendência, ao longo do período considerado, de deslocamento dos saltos de crescimento no

sentido norte e oeste. Inicialmente, no qüinqüênio 1970-1975, as regiões de destaque

situam-se no RS, oeste do PR, Triângulo Mineiro, sul do MS e região de Campo Grande,

além do sul e do sudoeste de GO. No período seguinte, 1975-1980, diminui a intensidade

do crescimento nos municípios do sul e aumenta nos municípios do MS, sul e no sudeste do

MT, região de Porto Velho, RO, sul do AM, noroeste do PA, sul do MA, sub-médio São

Francisco e oeste da BA. No qüinqüênio 1980-1985, os destaques vão para a BR-163

(Cuiabá – Santarém), oeste e noroeste do MT (Parecis, Sapezal e Aripuanã), DF e entorno,

GO e MG. No período de 1985-1996, apesar das dificuldades mencionadas de comparação

de dados entre esse último censo e os demais, voltam a se destacar os municípios centrais

do MS e do oeste do MT, do noroeste do AM, do norte de RR e do oeste da BA.

No que concerne aos resultados das variáveis indicativas do impacto do acesso e

custo de transporte, nota-se a maior importância relativa para a região Centro-Oeste. No

mesmo sentido, ambos os parâmetros são os mais significativos entre as regiões.

Apresentam esperados sinais negativos os parâmetros das regiões Sul e Sudeste, pela

própria especificação dessa variável como custo de transporte para a capital paulista, uma

vez que há outros centros sub-regionais para parte dos municípios da região.

Teoricamente, os modelos de localização e equilíbrio de preços nos mercados

agrícolas sempre deram destaque aos custos de transporte. Trabalhos mais recentes

contribuíram significativamente para o entendimento das relações entre os investimentos

públicos e o desenvolvimento do setor agrícola. Empiricamente, porém, ainda estamos

distantes de possuir relações e medidas confiáveis sobre o impacto dos custos de transporte

na atividade econômica, especialmente a agrícola. Essa carência coloca em questão os

resultados das avaliações de custo-benefício de investimentos em infra-estrutura de

transporte, principalmente em áreas de fronteira agrícola, ainda que seja claro que há essa

relação positiva.

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168

Por sua vez, os parâmetros das variáveis que expressam a oferta de serviços de

transporte sugerem efeitos diferenciados por regiões. Assim, se confirma a importância da

distinção dos impactos dos investimentos em transporte nas regiões desenvolvidas em

relação aos investimentos em regiões com infra-estrutura precária, tanto em termos de

mudanças nas variáveis econômicas (preços e níveis de produção) como na estrutura

espacial da economia. Os resultados de vários estudos indicam a maior importância relativa

dos custos de transporte inter-regional para regiões mais distantes dos centros

consumidores e geradores de excedentes exportáveis.

Na expansão da fronteira agrícola brasileira, reconhece-se que parte da dinâmica

foi e é explicada por diversos fatores e políticas governamentais. No mesmo sentido, há de

se considerar a circularidade dessa relação: o crescimento das atividades econômicas

justifica novos investimentos em transporte que possibilitam novos investimentos para

expansão produtiva. Apesar das dificuldades inerentes, há clara interdependência entre

acesso ao transporte e produção agropecuária, que será evidenciada na discussão dos

resultados. Porém, nesse caso específico, a força do capital social apresenta-se com menor

preponderância que nas variáveis apresentadas anteriormente.

Figura 20 – Acesso ao transporte para escoamento de produção

Transporte para escoamento de produção

41,4

58,6

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

1

Acesso ao transporte

%

Sem acesso a transporte Com acesso a transporte

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169

Os dados das propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente

apresentam que somente 31,9% têm acesso à energia elétrica para beneficiamento e

armazenamento da produção agrícola, contra 68,1% sem acesso (Figura 21), logo, sem

possibilidades de agregação de valor em packing houses familiares ou de detenção dos

produtos para comercialização com os mercados consumidores em épocas de entressafras

(de forma a obter melhor preço por unidade transacionada).

De acordo com Guanziroli et al (2001), enquanto apenas 36,6% dos

estabelecimentos rurais familiares brasileiros têm acesso à energia elétrica, os percentuais

variam, respectivamente, de 9,3% e 18,7% nas regiões Norte e Nordeste, a 73,5% na região

Sul, o que demonstra que o acesso ao serviço na Amazônia é ainda bastante restrito.

Dentre os estabelecimentos rurais brasileiros (patronais e familiares) que detêm

energia elétrica, 96,1% compram o serviço, 2,8% tem geração própria e 2,7% obtém por

cessão (vale a observação de que os dados não necessitam somar 100%, pois algumas

propriedades têm duas ou mais formas de acesso à energia elétrica). Ao estratificarmos os

dados regionalmente, é possível perceber que a participação de energia comprada na região

Norte cai para 71,1%, ao mesmo tempo em que se eleva a importância da geração própria

de energia para 27,1% e obtenção por cessão para 5,6%. Numa estratificação intra-regional,

a relação entre desenvolvimento e energia elétrica novamente se evidencia, com liderança

de Rondônia (primeira grande frente da expansão da fronteira agrícola amazônica) com

83,4% de serviço de energia comprada, seguido do Acre (na “linha” da expansão agrícola)

com 75,4%, e depois dos três estados mais desenvolvidos, Pará com 65,7%, Tocantins com

62,7% e Amazonas com 59,5% (Censo Agropecuário 1995-1996).

Mesmo considerando que os dados trazidos por Guanziroli et al (2001)

(compilados a partir do IBGE - Censo Agropecuário 1995-1996) não contabilizam o acesso

à energia elétrica posteriormente à criação do Programa Luz para Todos (PPA 2004-2007;

PPA 2008-2011), é possível evidenciar que as propriedades selecionadas pelo Proambiente,

com restritos 31,9% de acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção,

encontram-se em condições muito mais privilegiadas do que a realidade familiar amazônica

(com participação de somente 9,3% dos lotes) e similares a realidade brasileira conjunta da

agricultura patronal e familiar (36,6% das unidades de produção).

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De forma mais intensa que a relação entre capital social e infra-estrutura para o

caso do acesso ao transporte, nesse caso específico, a força do primeiro apresenta-se com

relevância para permitir o acesso aos serviços de energia elétrica.

Figura 21 – Acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção

Por fim, na busca de uma categorização geral das propriedades amazônicas

selecionadas pelo Proambiente, podemos mencionar que o programa é predominantemente

composto por unidades de produção com famílias oriundas das regiões Norte e Nordeste

(73,3%), com dez ou mais anos de ocupação do lote (58,5%), com escolaridade dos líderes

até 4ª série (86,7% dos homens e 83,1% das mulheres), com capacidade de trabalho

equilibrada ou mais elevada em relação à demanda de consumo (95,7% com índice de

geração entre 0,4 e mais de 1,0), com equilíbrio entre trabalho masculino e feminino em

idade economicamente ativa (72,8% com índice de geração entre 0,4-0,8), com tamanho de

lote superior a 10 hectares (89,2%), sem título da terra (69,1%), com acesso ao crédito rural

(60,3%), com acesso parcial ou integral ao transporte (58,6%), sem acesso à energia

elétrica (68,1%) e com renda monetária média anual de praticamente metade das famílias

Energia elétrica

68,1

31,9

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

80,0

Acesso a energia elétrica

%

Sem energia Com energia

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171

(49,7%) superior a R$ 6.000,00. Se considerarmos a média de 4,05 pessoas por

estabelecimento rural na região Norte (Hoffmann, 2003), é possível extrapolar a renda

monetária média anual para R$ 123,46 per capita (em 2005) para quase metade dos lotes

com renda mais elevada, o que torna apenas 16,0% do público do Proambiente elegível ao

Programa Bolsa Família (principal política de transferência de renda do governo federal,

com limite de até R$ 120,00 per capita em 2005), 33,0% possivelmente elegível e 49,7%

não elegível (além de 1,3% sem informação).

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173

CAPÍTULO VII

COMPARAÇÃO ENTRE VARIÁVEIS QUE CONDICIONAM

DECISÕES SOBRE USO DA TERRA E DOS RECURSOS NATURAIS

EM PROPRIEDADES AMAZÔNICAS SELECIONADAS PELO

PROAMBIENTE

O presente capítulo, que encerra o estudo, é dividido em cinco sub-itens. O

primeiro “(7.1) da economia agrícola à economia ecológica – análise de decisões

econômicas e ecológicas de uso da terra e dos recursos naturais em macro e micro escalas”

traz uma discussão sobre a importância de se planejar o uso da terra e dos recursos naturais

considerando os aspectos econômicos e ecológicos. O sub-item enfatiza que a economia

agrícola trata de como o poder público disponibiliza os instrumentos econômicos e de como

os seres humanos decidem usar o conhecimento técnico e os ativos de produção, traz uma

crítica aos pressupostos da Revolução Verde e apresenta a economia ecológica como

disciplina complementar à economia agrícola para planejar e avaliar as decisões sobre uso

da terra e dos recursos naturais. O sub-item também pontua que na análise sobre decisões

de uso da terra e dos recursos naturais é fundamental considerar a interação entre variáveis

internas e externas aos estabelecimentos rurais.

Em seguida, o item “(7.2) diferenciação entre agricultura tradicional e

agricultura familiar” demonstra que ambas categorias têm suas características e lógicas

econômicas e ecológicas próprias e que não serão substituídas por formas patronais e/ou

capitalistas de produção. O sub-item também critica o fato da ambigüidade dos termos

trazer definições e projeções errôneas para essas categorias, o que induz o foco somente

para políticas sociais às mesmas ao invés de serem parte integrante de políticas estratégicas

de desenvolvimento econômico da nação. O sub-item também demonstra que um processo

de planejamento econômico e ecológico de uso da terra e dos recursos naturais passa pela

valorização dessas categorias.

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174

O sub-item “(7.3) variáveis que condicionam decisões sobre uso da terra e dos

recursos naturais” traz os resultados gerais da análise de correlação e da regressão múltipla

para cada variável independente (cultura anual, cultura perene, campos abertos, reserva

legal e renda familiar anual) e para as tipologias (tipos 1 a 5) de uso da terra, para em

seguida, variável por variável independente, apresentar (a) a revisão de literatura, (b) as

hipóteses específicas, (c) a apresentação dos resultados e (d) o teste de hipóteses

específicas, assim como trazer uma análise geral para cada variável independente. O sub-

item é dividido em cinco partes: o “(7.3.1) tempo de ocupação do lote - variáveis referentes

a trabalho, terra e capital” traz uma contextualização sobre a influência do período de

migração da família nas mudanças de uso da terra, o que abrange aspectos gerais de

trabalho, terra e capital; as “(7.3.2) variáveis referentes ao ativo trabalho” abordam as

relações entre „origem do chefe de família‟, „escolaridade do chefe e da chefe de família‟,

„índice de geração‟ (ponderação entre potencial de trabalho e demanda de consumo no lote)

e „índice de gênero‟ (ponderação entre potencial de trabalho masculino e potencial de

trabalho total no lote) e mudanças de uso da terra; as “(7.3.3) variáveis referentes ao ativo

terra” apresentam as relações entre „tamanho do lote„ e „titularidade do lote‟ e mudanças de

uso da terra; as “(7.3.4) variáveis referentes ao ativo capital” relacionam „renda familiar

anual‟, „acesso ao crédito rural‟, „acesso ao transporte para escoamento da produção‟ e

„acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção‟ às mudanças de uso da terra; as

“(7.3.5) tipologias – aspectos gerais da transição produtiva” expõem os elementos

fundamentais que condicionam a mudança de uso e cobertura da terra, discutindo as

implicações de todas as variáveis independentes numa mesma abordagem

O sub-item “(7.4) teste de hipóteses gerais” traz uma comparação e análise dos

resultados gerais obtidos no capítulo VII às hipóteses gerais apresentadas no capítulo VI. A

análise centra-se não somente nas variáveis independentes mais relevantes para uso

econômico e ecológico da terra e dos recursos naturais, mas também para os processos de

capitalização dos lotes selecionados pelo Proambiente.

O sub-item “(7.5) riscos inerentes à transição produtiva” fecha o estudo ao

demonstrar que a agricultura familiar amazônica não é resistente às inovações, e sim que há

uma incompatibilidade tecnológica em relação à demanda gradativa de mudanças

qualitativas de uso da terra e dos recursos naturais nos lotes familiares. Isso se torna salutar

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para que processos de transição produtiva considerem o domínio técnico de informações

por tradição verbal e experiências empíricas da produção familiar, assim como seus

processos gradativos de diversificação de uso da terra que representam a melhor estratégia

contra riscos econômicos e ecológicos. A aparente situação de estabilidade da agricultura

familiar esconde uma luta incessante para superar as baixas disponibilidades de trabalho e

capital e avançar na transição produtiva, assim, as implicações no ambiente

socioeconômico sobre as condições sociais reprodutivas desperta internamente a decisão de

mudar, e para catalisar tais condições, há a necessidade de integração de políticas

macroeconômica, agrícola, agrária e ambiental.

7.1. Da economia agrícola à economia ecológica – análise de decisões econômicas e

ecológicas de uso da terra e dos recursos naturais em macro e micro escalas

A economia agrícola pode ser definida por uma disciplina aplicada que trata da

maneira como o poder público disponibiliza instrumentos econômicos, como o ser humano

decide usar o conhecimento técnico e os ativos de produção disponíveis (notadamente terra,

trabalho e capital) e como se desenvolve a capacidade para produzir alimentos e fibras e

distribuí-los para o consumo da sociedade. Nesse sentido, esse ramo da economia fornece o

instrumental necessário para avaliar os problemas relativos à administração da propriedade

rural, principalmente no que tange às decisões sobre tipos de uso econômico da terra e ao

planejamento de uso dos recursos naturais.

A dependência tecnológica (ou a perda de autonomia produtiva) cada vez maior

da proposta da Revolução Verde tem acarretado conseqüências negativas, que vão desde a

orientação de políticas públicas na direção do interesse do capital privado transnacional,

que configura um processo crescente de exclusão social e econômica de grande parte da

população rural, até as repercussões ambientais negativas, tais como esgotamento da terra,

contaminação química da água e do solo e perda da biodiversidade e da resiliência dos

ecossistemas, que causam comprometimento do potencial produtivo econômico e da

qualidade ambiental dos recursos naturais (Campos, 2001). Ademais, esse pacote

tecnológico mina as decisões regionais de produção e alimentação da sociedade ao unificar

o padrão de consumo mundial em direção a uma qualidade duvidosa.

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Como lembra Reis (1995), cada homo-consumistis (uma classe dominante do

planeta que se alimenta de gadgets, bits, pets, Mac´s e Hut´s), diferentemente do homo-

miserabilis (habitante, predominantemente, que segue tentando), representa uma enorme

pressão sobre o ecossistema, pois demanda mais energia, mais recursos naturais e mais

processos produtivos excludentes.

Para Van Wey et al (2009), a entrada de países em desenvolvimento nos

mercados globais causa a conversão de áreas de florestas da agricultura tradicional e da

agricultura familiar em agricultura comercial devido ao aumento do valor da terra e à

introdução de métodos intensivos em capital característicos da Revolução Verde. A

transição de formas tradicionais e familiares para a agricultura comercial leva também a

mudanças nas formas de geração de trabalho e emprego e nos modos de vida. Parte dessa

população de agricultores deslocados é muito móvel, contribuindo por sua vez para

mudanças ambientais em áreas de fronteira agrícola e de outros destinos migratórios. Mas

uma simples relação entre agricultura tradicional e familiar, crescimento populacional e

degradação ambiental é incompleta, pois esses tipos de mudanças de uso da terra resultam

da penetração do capitalismo em países menos desenvolvidos e da natureza desigual do

sistema econômico globalizado.

Vale lembrar que as idéias expostas acima não intencionam atribuir aos países

periféricos a responsabilidade quanto aos impactos ambientais globais, ao revés,

determinam o poder do capital nas interferências aos ecossistemas naturais ou amenamente

modificados. Portanto, faz-se claro que essas críticas corroboram o capítulo III, que

condena a relação entre pobreza e meio ambiente ao elucidar o poder de impacto ambiental

das nações mais desenvolvidas, seja em seus limites territoriais nacionais ou por meio de

transferência de capital para desencadear atividades produtivas nos países do terceiro

mundo. Porém, esse não é um processo passivo, mas também direcionado pelos governos

dos últimos.

O papel integrado da economia ecológica nos estudos de economia agrícola,

portanto, demonstra-se cada vez mais relevante. O planejamento econômico e ecológico

das unidades de produção familiar rural é de fundamental importância, pois as mesmas

representam grande importância para o desenvolvimento de inúmeras regiões

economicamente deprimidas. No caso amazônico, os estabelecimentos familiares rurais

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ativam grande parte dos municípios, ou seja, parte da riqueza econômica gerada em

algumas localidades tem como base a participação significativa da agricultura familiar.

Nesse sentido, é preciso considerar a importância do planejamento dessas unidades, além

da infra-estrutura local e dos incentivos econômicos, de modo a levar em consideração a

problemática integrada do econômico e do ecológico nelas implicada.

Uma das formas de viabilizar políticas públicas que priorizem a questão

agroecológica traduz-se pelo desenvolvimento de uma nova prática de assistência técnica e

extensão rural (ATER), que se estabeleça contrapondo-se às práticas impostas pela

agricultura da Revolução Verde, cujos danos ambientais já são evidentes (Campos, 2001).

Nesse sentido, a interpretação das variáveis que mais condicionam as decisões sobre

mudança de uso e cobertura da terra é de fundamental importância para subsidiar uma nova

ATER brasileira. E o sistema de ATER desenvolvido pelo Proambiente pode ser tomado

como um bom piloto para subsidiar o aprimoramento do sistema nacional, sobretudo,

quanto à participação dos agentes comunitários, que devido aos seus conhecimentos

empíricos, dominam as demandas gradativas de mudanças de uso e cobertura da terra,

conforme o perfil de cada unidade de produção. A presença desses agentes qualifica o

desempenho de técnicos de nível médio e superior.

Mas a tarefa acima não parece trivial, afinal, profissionais de ciências agrárias,

comumente em contato com a agricultura familiar, carecem de formação social e

sensibilidade para a questão ambiental, com um viés produtivista restrito. Ademais, os

profissionais com formação na área social demandam uma formação mais completa nos

aspectos que unem sociedade, produção econômica e meio ambiente, sendo alta a

responsabilidade em atribuir esse papel de atuação aos agentes comunitários.

Moran et al (1996) relembram que foram as ciências físicas que reconheceram o

papel das ações humanas e que sentiram a necessidade de encorajar a comunidade de

cientistas sociais (economistas, entre eles) para integrar-se no esforço de entender as

mudanças ambientais globais. Assim, a agenda de pesquisa em dimensões humanas desafia

a maioria das ciências sociais (exceto a geografia, que já é sensível a isso) para desenvolver

novas formas de análises espaciais e temporais, assim como selecionar casos para análise

de correlação, a fim de definir quais as variáveis mais importantes nos processos de decisão

sobre mudanças de uso da terra. Isso é verdade tanto para as ciências sociais quanto para a

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ecologia, que só agora também está desenvolvendo o modo como os ecólogos pensam em

ecologia de populações e comunidades.

Pesquisas comparativas sobre mudanças de uso da terra têm sido amplamente

consideradas como uma das metas importantes das ciências sociais, mas há poucos estudos

que puderam empreender uma coleção sistemática de dados em uma variedade de fronteiras

nacionais utilizando protocolos comuns. O contexto é importante, onde as pesquisas

comparativas podem ser realizadas, mas requerem grande disciplina na execução, devido às

diferenças significativas em ecossistemas, sociedades, culturas, instituições (Moran et al,

1996) e contextos econômicos.

De forma complementar, outros aspectos devem ser levados em conta na

pesquisa e no planejamento do desenvolvimento rural local, entre eles, indubitavelmente,

(a) o planejamento ambiental dos municípios a ponto de garantir prestação de serviços

ambientais em escala de paisagem rural e qualidade de vida aos seus munícipes, (b) o

planejamento econômico desses mesmos municípios a ponto de encampar oportunidades

econômicas e desencadear processos endógenos de desenvolvimento, (c) a consideração da

vocação ecológica natural e a aptidão agrícola dos estabelecimentos rurais nas tomadas de

decisões sobre uso da terra e dos recursos naturais (que devem também levar em conta os

aspectos botânicos e biogeográficos das espécies envolvidas no planejamento econômico

ecológico dos lotes) e, conseqüentemente, na criação e disponibilização de instrumentos

econômicos públicos e na estruturação de políticas públicas, (d) a adaptação tecnológica

aplicada às atividades agropecuárias, tais como preparo de solos, fertilização orgânica,

controle alternativo de pragas e doenças, irrigação, mecanização, tratos culturais, técnicas

de colheita e estruturação de estratégias de pós-colheita, todas dentro de um novo padrão de

desenvolvimento rural que tenha por base uma agricultura agroecológica (Campos, 2001;

Mattos et al, 2006).

Por esse motivo é que Mattos et al (2006) chamam a atenção para a necessidade

de se considerar não somente aspectos de transição interna ao sistema produtivo

agroecológico (ex: redução e racionalização de insumos químicos, substituição de insumos,

redesenho de sistemas produtivos e manejo da biodiversidade), mas de igual forma, de

aspectos externos ao sistema produtivo, tais como expansão da consciência pública,

organização dos mercados, infra-estrutura, mudanças institucionais na pesquisa, ensino e

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extensão, formulação de políticas com enfoque agroecológico (ex: crédito rural

agroecológico), inovações na legislação ambiental e ampla reforma agrária, todos quesitos

fundamentais para avançar à sustentabilidade plena e duradoura.

Como visto no capítulo IV, essas ações referentes aos aspectos de transição

externa ao sistema produtivo também devem contar com estratégias diferenciadas conforme

o grau de organização da comunidade local, pois onde há capital social consolidado, sua

presença potencializa o desempenho de políticas públicas, no entanto, onde não há passa a

ser notória a necessidade de uma estratégia específica de organização social comunitária

balizadora dos processos vindouros. É o caso, novamente, de se remeter ao exemplo do

Proambiente, pois onde havia capital social consolidado, os Planos de Utilização de

Unidades de Produção (PUs) – ou simplesmente planos de manejo para um contexto mais

geral – e os Acordos Comunitários de Serviços Ambientais (ACs) foram construídos com

pleno sucesso a ponto de potencializar o desempenho do programa governamental.

Para Van Wey et al (2007), a análise da relação entre mudança de população e

mudança ambiental (ou de uso da terra e dos recursos naturais) deve prioritariamente ser

focada nas macro-tendências e macro-correlações, e não nas características individuais, de

núcleos familiares ou de estabelecimentos rurais. Ao mesmo tempo, as micro-análises

demonstram que os lotes e as famílias rurais não são homogêneos nas suas reações às

forças econômicas externas, como preços agrícolas e acesso ao crédito rural. Logo,

processos externos maiores necessitam ser entendidos para a correta interpretação das

potencialidades e oportunidades de cada contexto local.

Por conseguinte, as mudanças numa macro-escala são mais relevantes, mas

como ocorre para um conjunto maior da sociedade, se supõe que as mudanças numa micro-

escala passam a ser igualmente relevantes para qualificar oportunidades macroeconômicas.

Van Wey et al (2007), em estudo que relaciona mudanças demográficas

familiares e mudanças de uso da terra, procedeu entrevistas por amostragens com chefes de

famílias amazônicas. Foram consideradas apenas propriedades com mais de 10 anos de

ocupação, menos de 10% de nuvens nas imagens de satélite e maiores que 5 hectares. Os

autores tomaram quatro variáveis dependentes [culturas anuais; culturas perenes; pastagens;

floresta primária] e quatro variáveis independentes [área do lote (= tamanho do lote); idade

do proprietário na época de chegada no lote (= tempo de ocupação do lote); localização do

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lote; composição familiar demográfica (crianças de 0-11 anos; adolescentes femininas de

12-18 anos; adolescentes masculinos de 12-18 anos; adultas femininas de 19-49 anos;

adultos masculinos de 19-49 anos; idosas femininas com mais de 50 anos; idosos

masculinos como mais de 50 anos)] em cada área de estudo.

Os autores assumiram como hipótese do estudo que o número de crianças,

mulheres adultas e idosos/as pode exercer efeito positivo na produção, mas que o número

de homens adultos pode resultar em efeito mais pronunciado. Porém, na modelagem de

efeitos da mudança de composição familiar no uso da terra, os resultados demonstraram

que houve maiores mudanças na cobertura florestal com efeitos em macro-períodos (ex:

época de oportunidades em programas de crédito rural, condições econômicas nacional,

local e familiar), ainda que tenham aparecido não insignificantes influências da composição

familiar ou ciclo de vida da família no uso da terra. Um exemplo nessa escala micro é que o

aumento do número de crianças (pela evolução cronológica das famílias) acresce o

montante de pastagens, decresce a porção de área com culturas perenes e inaltera a área de

culturas anuais (desenho que pressiona a reserva legal).

Num segundo momento, o clico de vida familiar demonstra que quando as

crianças (de ambos os gêneros) tornam-se adolescentes, a família torna-se apta a planejar o

futuro e, dessa forma, investe em uso da terra com retornos de longos prazos, como cultivos

perenes (principalmente sistemas agroflorestais) e pastagens. A maior presença de

adolescentes femininas faz indiretamente decrescer a área de floresta primária e tem uma

significância marginal no efeito positivo na área de pastagens. Entretanto, o adolescente

masculino é peça chave para o aumento mais significativo de cultivos anuais e pastagens

(por esse motivo a relação entre adolescentes femininas e pastagens é indireta). Idosos/as

também demonstram efeitos significativos no uso da terra, afetando negativamente cultivos

perenes e florestas primárias.

E em geral, há firme declínio de floresta primária ao longo do tempo e uma

quase imperceptível mudança em áreas de culturas anuais até a implantação de perenes via

crédito rural. Os autores concluem que eventos externos (ex: crédito rural, trabalho não-

agrícola, programas assistenciais e aposentadoria rural) são relevantes na entrada de capital

para investimentos produtivos, sendo que proprietários familiares agem estrategicamente

para acessar esse capital e investir em usos econômicos da terra além da subsistência.

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7.2. Diferenciação entre agricultura tradicional e agricultura familiar

Antes de entrarmos na revisão bibliográfica e na discussão dos resultados

obtidos na presente tese quanto à influência de variáveis socioeconômicas nos processos

decisórios sobre uso da terra e dos recursos naturais (item 7.3), faz-se necessário elucidar

tanto as distintas características que classificam os camponeses entre agricultura tradicional

e agricultura familiar (pois o presente estudo assume o segundo termo para ambas as

categorias), assim como os motivos que determinam processos, conforme definidos por

Romeiro (1998a), de itinerância interna e externa de ambas as categorias.

O presente tópico se torna até mais relevante após a recente publicação, no ano

de 2009, dos resultados parciais do Censo Agropecuário 2006, que traz luzes para

compreensão da importância da agricultura familiar brasileira (que também considera os

agricultores tradicionais e familiares como uma única categoria), com seus contornos e

nuanças. O aprimoramento de seu dimensionamento, apontado suas potencialidades e

limitações, é fundamental para a eficácia de políticas públicas. No Censo Agropecuário

2006 foram identificados 4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar, o que

representa 80,25 milhões de hectares, 84,4% do número e 24,3% da área dos

estabelecimentos rurais brasileiros. Os resultados demonstram, paradoxalmente, uma

estrutura agrária ainda em concentração no país (pois há dez anos antes, no Censo

Agropecuário 1995/1996, a categoria representava 30,5% da área de plantio) e ao mesmo

tempo uma melhoria da eficiência da agricultura familiar frente à patronal, pois a primeira

registra 38,0% de participação do Valor Bruto de Produção Agropecuário em 2006 frente a

similares 37,9% em 1996. Mesmo perdendo 6,2% do contingente de terras, a agricultura

familiar manteve sua participação produtiva nacional, o que denota sua enorme capacidade

de se manter ativa e estratégica na economia rural do país.

Com somente 24,3% das terras, a agricultura familiar brasileira participa com

87% da produção de mandioca, 70% do feijão (84% do feijão-fradinho, caupi, de corda e

macáçar e 54% do feijão de cor), 67% do leite de cabra, 59% da carne suína, 58% do leite

de vaca, 50% da carne de aves, 46% do milho (fonte de alimentação animal), 38% do café

(55% do café robusta e conilon e 34% do arábica), 34% do arroz e 30% da carne bovina,

sendo que ainda contabiliza 21% do trigo e 16% da soja, ambas culturas anuais que se

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caracterizarem pelo perfil produtivo com demanda de grande quantidade de terra devido

sua baixa produção por área em termos monetários e baixo potencial de valor agregado (o

que explica sua baixa participação no contexto familiar). Um outro dado muito ilustrativo

da importância estratégica da categoria remete-se à sua participação na geração de

empregos no campo, pois entre os 16,5 milhões de pessoas empregadas, a agricultura

familiar encampa 12,3 milhões (74,4%), com média de 2,6 pessoas com mais de 14 anos

por estabelecimento rural (IBGE, 2009).

Dessa forma, o presente item objetiva demonstrar: (a) que a agricultura

tradicional e familiar não será substituída pela agricultura patronal, ao revés, tende a se

fortalecer ao longo do tempo, ainda que haja um processo de concentração fundiária e

urbanização do país; (b) que a ambigüidade dos termos “agricultura tradicional” e

“agricultura familiar” direciona a uma errônea associação com a “agricultura de

subsistência” (especialmente o primeiro termo), o que induz um restrito foco de políticas

sociais às categorias, ignorando-se seus potenciais produtivos e seu foco prioritário numa

estratégia de desenvolvimento econômico e ecológico da nação; (c) que existem processos

de itinerância interna e externa aos lotes tradicionais e familiares que podem ser superados

com a intensificação dos sistemas produtivos, sendo que esse processo pode ser catalisado

por políticas públicas adequadas ao perfil produtivo do setor .

Lênin (1969), em seus estudos sobre o capitalismo na antiga Rússia (século

XIX), previu a tendência de desaparecimento do campesinato com o desenvolvimento do

capitalismo e levantou a tese da “diferenciação social” do campesinato, em que distingue

três grupos básicos de camponeses: pobres, médios e ricos. Segundo o autor, com o

desenvolvimento capitalista no campo, tido como processo de transformação, ou

desintegração, uma parcela do campesinato se transformaria em capitalista e outra, em

assalariada, gerando um processo de proletarização.

No mesmo século, a idéia desenvolvida por Kautsky (1980), em seu estudo

sobre o campesinato alemão, é a da inferioridade econômica da agricultura tradicional e

familiar. O autor supõe a incompatibilidade entre o progresso técnico e a produção

camponesa, sendo que tais estruturas de produção constituiriam um problema para o

desenvolvimento da agricultura. Sua tese apresenta elementos que expressam a

superioridade da grande exploração agrícola sobre a agricultura tradicional e familiar, estas

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com tendência a um processo gradativo de extinção em função de sua baixa capacidade de

investir e de concorrer com a grande exploração. Desse modo, a existência da agricultura

camponesa no capitalismo se caracterizaria como transitória, onde o excesso de trabalho na

unidade de produção compensaria o seu atraso técnico.

Portanto, para Lênin (1969), o campesinato seria extinto pela sua própria

dinâmica de diferenciação interna, e para Kautsky (1980), pela sua incapacidade de resistir

à concorrência com os grandes empreendimentos agrícolas, em virtude da baixa capacidade

de investimento.

A principal contribuição de Chayanov (1974) para o debate sobre o campesinato

foi a construção de uma teoria do comportamento camponês, a qual mostra que a economia

camponesa deve ser tratada como um sistema econômico com lógica própria. Assim,

contrariamente às teses de Lênin e Kautsky, Chayanov considera a economia camponesa

dentro de sua especificidade e lógica própria, com motivações diferentes daquelas de um

empreendimento capitalista. A família é considerada o elemento fundamental da estrutura

camponesa, operando como unidade de produção e consumo, com o principal objetivo de

assegurar as necessidades básicas de seus membros. O modelo de análise chayanoviano

utiliza o fator demográfico como variável determinante e independente para explicar a

dinâmica social camponesa e o fenômeno da mobilidade.

Na concepção de Chayanov, entretanto, a dinâmica de desenvolvimento do

campesinato e a mobilidade das famílias camponesas são um reflexo de ciclo biológico de

vida das unidades familiares e não das determinações gerais da totalidade em que se

inserem. Nesse sentido, a dinâmica interna da unidade de produção é determinada pelo

número de membros aptos para o trabalho e pelo número de consumidores no lote, pela

relação entre consumidores e trabalhadores. A composição da família é considerada,

portanto, o fator determinante dos processos de decisões da unidade de produção no que diz

respeito aos investimentos, ao grau de auto-exploração ou aos diferentes tipos de

mobilidade. Porém, como alertam Brondízio et al (2002), além das características

chayanovianas da composição familiar, oportunidades macroeconômicas e de políticas

públicas também determinam processos de mudança de uso e cobertura da terra.

Cancian (1989) resume a existência de três tipos de teóricos (ou teorias) quanto

à questão camponesa. O primeiro tipo refere-se à teoria da homogeneidade, que abrange

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teóricos que vêem os camponeses como detentores de um sistema sociocultural especial o

qual os diferenciam de outros povos e os torna resistentes a integração com povos não

camponeses ou a propostas de mudanças econômicas. Para esses teóricos, as interpretações

trazidas por Chayanov (isolamento camponês), Wolf (configuração cultural em

comunidades corporativas) e Foster (orientação cognitiva comum não verbalizada) são

emblemáticas. O segundo diz respeito à teoria da heterogeneidade, que engloba os teóricos

que assumem os camponeses como similares aos outros povos e acreditam que eles

geralmente estão muito ansiosos por mudanças, as quais ocorrem quando genuínas

oportunidades aparecem e proporcionam a própria mudança. O autor não destaca, como no

grupo anterior, autores de referência, apoiando-se mais em estudos de caso de comunidades

rurais do México (Zinacantan) e Costa Rica (Paso). O terceiro grupo, de teóricos da

diferenciação, se volta mais para as relações históricas dos camponeses com o sistema

socioeconômico maior, isto é, como se dá ao longo do tempo a transformação dos

camponeses de relativa independência produtiva de sua subsistência para a condição de

residentes rurais que necessitam vender seus produtos e/ou sua força de trabalho para

sobreviver. Esses teóricos apóiam-se nas interpretações defendidas por Lênin. Porém, o

autor também traz a crítica aos achados de Lênin quanto à inevitável diferenciação dos

camponeses em capitalistas (entre os produtores rurais bem sucedidos) e classe proletária

(entre os produtores rurais mal sucedidos, que viram exército de reserva da agricultura

capitalista ou do desenvolvimento industrial), afinal, grande parte não somente continua na

condição de camponês, assim como seu perfil produtivo independente é mais eficiente que

a própria produção capitalista.

Dessa forma, as idéias de Lênin e Kautsky não são totalmente compatíveis com

o perfil socioeconômico rural. De forma mais pertinente e menos absoluta que os autores

antes discutidos, Cancian (1989) diferencia a população rural em três distintos perfis: (a) a

elite, composta pela classe capitalista no sentido trazido por Lênin, a qual depende do

capital e das conexões com a classe capitalista nacional e internacional; (b) o proletariado,

composto pela classe proletária também no sentido trazido por Lênin, a qual apresenta

poucas chances exceto a venda de sua força de trabalho em troca de salários; (c) a maioria

camponesa, a qual detém alta capacidade de produzir seu próprio alimento e que se

diferencia em três subclasses: camponeses (peaseants) – pessoas que produzem uma parte

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substancial de sua alimentação; pequenos produtores de commodity (petty commodity

producers) – pessoas que produzem para mercados locais, com baixo investimento de

capital e pouco ou nenhum trabalho contratado, além de continuarem a produzir parte de

sua alimentação; semi-proletários (semiproletarians) – pessoas que trabalham por salários,

mas também dependem da produção própria de alimentos e/ou de pequenas produções

próprias de commodities. Vale lembrar que o autor pontua que essas subclasses não são

estáticas, isto é, dependendo de seu contexto externo, o lote rural transita entre as

classificações.

E de acordo com Cancian (1989) e Netting (1989), apoiados em dados da FAO,

a maioria camponesa caracteriza-se por uma distinta situação econômica: abrange por volta

de um quarto da população total mundial, representa em torno de 80% da população rural

mundial e vive em propriedades rurais entre 1-5 hectares, portanto, está longe de

desaparecer como categoria social específica. No mesmo sentido, Roseberry (1993),

também valendo-se de informações geradas pela FAO, ilustra a grande concentração

fundiária da América Latina, onde 2% da população regional controlam 80% das terras,

realidade que no Brasil pouco se modifica, onde 1% dos proprietários rurais detêm a posse

de 50% dos estabelecimentos rurais (IBGE, 2009). Mesmo com todas essas dificuldades

(que ilustram também relações de poder), a maioria camponesa existe, resiste e faz valer

seus modos econômicos de vida rural, além de contribuir, decisivamente, para a segurança

alimentar regional, nacional e internacional.

Desta feita, a presente obra agrega na análise tanto os dados de composição

familiar defendidos por Chayanov (1974), quanto as informações de acesso ao capital

(renda familiar anual e acesso ao crédito rural) e à infra-estrutura (acesso a transporte para

escoamento de produção e acesso à energia elétrica para beneficiamento de produção)

valorizados por Brondízio et al (2002), além de outras variáveis classificadas dentre os

ativos de produção “terra”, “ trabalho” e “capital” (Tabela 06). Logo, não se pode assumir,

como defende Chayanov (1974), que decisões de investimentos se dão restritamente

apoiados na composição familiar (ainda que nela também), pois quesitos internos como

renda familiar e externos como acesso ao crédito rural e à infra-estrutura são determinantes

para viabilizar inversões de capital em qualquer processo produtivo.

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Esclarecido o perfil geral da maioria camponesa, vejamos adiante como ela é

diferenciada entre agricultura tradicional e agricultura familiar.

Para Schneider (2006) e Abramovay (1998), há uma distinção fundamental entre

agricultores tradicionais e agricultores familiares. Segundo os autores, enquanto os

agricultores tradicionais poder ser entendidos como sociedades parciais com uma cultura

parcial, integrados de modo incompleto a mercados imperfeitos, que representam um modo

de vida caracterizado pela personalização dos vínculos sociais e pela ausência de uma

contabilidade nas operações produtivas, a agricultura familiar seria integrada ao mercado,

capaz de incorporar avanços técnicos e responder às políticas governamentais. Aquilo que

era antes de tudo um modo de vida converteu-se numa profissão, numa forma de trabalho.

Até aqui, a diferenciação dos autores entre agricultores tradicionais e familiares é mais

analítica que propriamente empírica.

Segundo Van Der Plog (2006), na pequena produção mercantil, o resultado da

produção é (ao menos em parte) comercializado e, conseqüentemente, visto como um

conjunto de mercadorias, entretanto, neste modo de produção agrícola é essencial que a

força de trabalho e outros recursos (ex: terra e recursos naturais) não entrem no processo de

trabalho como mercadorias, pois detém valores de uso com diferentes biografias, além do

valor de troca. Na produção simples de mercadoria há uma mudança decisiva em relação à

pequena produção mercantil: com exceção do trabalho, todos os demais recursos materiais

e sociais entram no processo produtivo como mercadorias, portanto, elas introduzem não

apenas as relações mercantis reinantes com todos seus efeitos imediatos, mas também a

“lógica de mercado” no processo de trabalho. A produção capitalista de mercadorias

representa uma mercantilização completa: a força de trabalho e os demais recursos entram

no processo como mercadorias e todos os produtos obtidos assim circulam. Baseado nesses

conceitos, de modo geral, a produção tradicional se caracteriza como pequena produção

mercantil, enquanto a produção familiar se assemelha mais à produção simples de

mercadoria. Portanto, os agricultores tradicionais são apenas parcialmente integrados aos

mercados imperfeitos, que avança nessa relação para as formas mais integradas da

agricultura familiar. A noção de intensificação das relações mercantis pode ajudar a

distinguir as formas e os graus em que as produções camponesas e familiares são

constituídas enquanto relação mercantil.

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No entanto, os processos de pequena produção mercantil e de produção simples

de mercadoria também detém certas características comuns: (a) são fundados sobre e

internalizam a natureza; (b) a co-produção e a co-evolução são centrais; (c) o

distanciamento em relação ao mercado de insumos se faz presente; (d) há diferenciação em

relação ao mercado de produtos e reduzido grau de mercantilização (sendo mais aguçado na

agricultura familiar, como já exposto); (e) há centralidade de tecnologias artesanais e de

trabalho qualificado no sentido de conhecimento empírico (e não necessariamente de

tecnologia científica); (f) há intensificação contínua baseada na quantidade e qualidade do

trabalho; (g) apóia-se numa riqueza social crescente; (h) existe continuidade entre passado,

presente e futuro. A produção capitalista de mercadorias característica do modo de

produção empresarial se difere, pois apresenta: (a) desconexão em relação à natureza; (b)

artificialização; (c) elevada dependência em relação ao mercado de insumos e produtos; (d)

elevado grau de mercantilização; (e) centralidade de empreendedorismo e de tecnologias

químicas e mecânicas; (f) aumento de escala é a trajetória dominante de desenvolvimento, e

a intensidade é obtida através de tecnologias adquiridas, compradas; (g) contenção e

redistribuição da riqueza social; (h) criação de rupturas entre passado, presente e futuro

(Van Der Plog, 2006).

Como pode ser percebido acima, enquanto Van Der Plog (2006), Schneider

(2006) e Abramovay (1998) procuram diferenciar a agricultura tradicional da agricultura

familiar, Wanderley (2001) enfatiza que a agricultura tradicional e a agricultura familiar

vêm a ser formas sociais do campesinato, uma vez que se fundam sobre a relação entre

propriedade, família e trabalho. A agricultura tradicional e a agricultura familiar têm

particularidades que dizem respeito aos objetivos particulares da atividade econômica, à

sustentabilidade em relação ao uso da terra e dos recursos naturais, às experiências de

sociabilidade e à forma de sua inserção na sociedade global.

Brondízio & Siqueira (1997), Netting (1993) e Cancian (1989) também são mais

sutis na distinção entre agricultores tradicionais e familiares. Para os autores, a produção

camponesa em geral (sem se preocupar com a separação entre tradicional ou familiar) se

notabiliza como um tipo de população rural que produz para si mesma, mas que também se

volta para o mercado consumidor, com mais intensidade entre um ou outro foco conforme

as oportunidades externas às propriedades rurais se configuram. Sua economia de vida

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depende de trabalho familiar, porém, em determinadas circunstâncias, se necessário,

empregam trabalho externo remunerado para conferir maior escala à produção e acessar o

mercado consumidor. A categoria também não é especifica de um momento da história ou

de uma área geográfica, pois existe antes do sistema capitalista e irá existir depois em

diferentes partes do mundo. Como categoria social, não está fadada a desaparecer, além de

não se constituir como um grupo homogêneo. Logo, a diversidade social, cultural e

ecológica dessa categoria precisa ser reconhecida, especialmente, pelas autoridades que

controlam políticas públicas de desenvolvimento econômico de áreas rurais. Em oposição

ao demonstrado acima, aqui a diferenciação dos autores entre agricultores tradicionais e

familiares é mais empírica que analítica.

A autonomia da sociedade camponesa é econômica, social e demográfica. No

lado econômico, ela se expressa pela capacidade de prover a subsistência do grupo familiar

em dois níveis complementares: a subsistência imediata, isto é, o atendimento às

necessidades do grupo doméstico, assim como a reprodução da família pelas gerações

subseqüentes. Da conjugação desses dois objetivos resultam suas características

fundamentais: as especificidades de seus sistemas de produção e a centralidade do

patrimônio familiar. O campesinato, mesmo que tenha perdido a significação e a

importância que tinha nas sociedades tradicionais, continua a se reproduzir nas sociedades

atuais integradas ao mundo moderno. No Brasil, a construção de um espaço camponês se

efetuou, na maioria dos casos, sob o signo da precariedade estrutural, que o torna incapaz

de desenvolver todas as potencialidades do próprio sistema clássico de produção e de vida

social e cultural (Wanderley, 2001). Nesse propósito, o Proambiente é um exemplo donde

emerge uma proposta de procura de espaço na vida produtiva do país, manifesta por meio

dos Planos de Utilização das Unidades de Produção (PUs) e Acordos Comunitários de

Serviços Ambientais (ACs).

Portanto, vimos em Van Der Plog (2006), Schneider (2006) e Abramovay

(1998) distinções entre agricultura tradicional e agricultura familiar, ao passo que

Wanderley (2001), Brondízio & Siqueira (1997), Netting (1993) e Cancian (1989) centram-

se mais nas suas semelhanças. Contudo, essas diferentes abordagens não se apresentam

como contraditórias, mas complementares, afinal, qualificam suas similaridades e

diferenças. Tradicional ou familiar, o camponês evidencia sua relevância social.

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É preciso considerar, antes de tudo, que o modelo original do campesinato

brasileiro reflete as particularidades dos processos sociais mais gerais, da própria história

da agricultura brasileira, especialmente o seu quadro colonial, que se perpetuou como uma

herança após a independência nacional: a dominação econômica, social e política da grande

propriedade, a marca cruel da escravidão e a existência de uma enorme fronteira de terras

livres ou passíveis de serem ocupadas pela simples ocupação e posse. Na sociedade

brasileira, a grande propriedade, dominante em toda sua história, se impôs como modelo

socialmente reconhecido, e as agriculturas tradicional e familiar sempre ocuparam um lugar

secundário e subalterno. Quando comparado ao campesinato de países desenvolvidos, o

nosso foi um setor historicamente bloqueado e impossibilitado de desenvolver suas

propriedades rurais enquanto forma social específica de produção. Assim, a história do

campesinato no Brasil pode ser definida como o registro das lutas para conseguir espaço

próprio na economia e na sociedade. De novo, a proposta de inserção produtiva do

Proambiente, assim como a pauta de reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (MST), podem ser tomados como exemplos de reação a esse cenário de

exclusão cultural, social, política e econômica.

Para Roseberry (1993), estamos apenas começando a entender as várias

maneiras pelas quais a produção camponesa tem continuamente se engajado no seu mundo

político. O problema agrário tem que ser entendido como um reflexo da grande estrutura da

sociedade, sendo o controle sobre a terra, o trabalho e o capital os elementos centrais.

Corroborando o parágrafo anterior, o autor lembra que na América Latina, especificamente,

a concepção do regime de terras tem sido caracterizada pela oposição entre o grande e o

pequeno proprietário, entre o latifúndio e o minifúndio, postura que advêm do período

colonial. Assim, essa visão econômica dual, com separação analítica entre “tradicional” e

“moderno”, se confunde com a errônea visão entre rural ou agrícola como atrasado e

urbano ou industrial como moderno. Ademais, os grandes latifundiários que controlam a

terra por séculos, dominam também o poder político dos estados nacionais e bloqueiam

qualquer possibilidade de desenvolvimento rural.

Baseado em Wanderley (2003), é possível entender o campesinato em uma

dimensão distinta, que se constitui historicamente como uma civilização ou como uma

cultura própria. Mendras (1984) se refere a uma civilização camponesa, cujas dimensões

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culturais, sociais, políticas e econômicas são de tal forma entrelaçadas que mudanças

introduzidas em uma delas afetam, como num jogo de cartas, o conjunto do tecido social. O

campesinato está associado a sociedades camponesas, não se reduzindo apenas a uma

forma social de produção ou a um tipo de integração mercantil.

É preciso insistir que, pela própria natureza, o campesinato tradicional não

constitui um mundo à parte, isolado do conjunto da sociedade. Pelo contrário, as sociedades

camponesas se definem, precisamente, pelo fato de manterem com a chamada “sociedade

englobante” laços de integração, dentre os quais são fundamentais os vínculos mercantis.

Dessa forma, o processo de transformação do campesinato não pode ser entendido como a

passagem de uma situação de isolamento social e de exclusão do mercado consumidor, para

outra de integração econômica e social no conjunto da sociedade. Resta saber, em cada

momento, de que sociedade englobante e de campesinato se trata e como este se integra

àquela.

Mais do que propriamente uma passagem irreversível e absoluta da condição de

camponês tradicional para a de agricultor familiar moderno, teríamos que considerar,

simultaneamente, pontos de ruptura e elementos de continuidade entre as duas categorias

sociais. Não é mais possível explicar a presença de agricultores familiares na sociedade

atual como uma simples reprodução do campesinato tradicional, tal como foi analisado

pelos “clássicos”. Esteve e está em curso, inegavelmente, um processo de mudanças

profundas que afetam precisamente a forma de produzir e a vida social dos agricultores e,

em muitos casos, a própria natureza da lógica familiar. Porém, parece evidente, como já foi

dito, que a “modernização” dessa agricultura não reproduz o modelo clássico (refiro-me

aqui aos outros “clássicos”) da empresa capitalista, e sim o modelo familiar. Mesmo

integrado ao mercado consumidor e respondendo às suas exigências, o fato de permanecer

familiar não é anódino e tem como conseqüência o reconhecimento de que a lógica

familiar, cuja origem está na tradição camponesa, não é abolida totalmente.

Wanderley (2003), assim como Netting (2003), faz uma crítica à suposição de

que os camponeses se recusariam a produzir, além da satisfação de suas necessidades

básicas. Ora, os mecanismos de subordinação e de enquadramento dos agricultores

familiares provaram, pelo seu sucesso em todos os países desenvolvidos, que eles podem

demonstrar uma importante capacidade de investimento, tanto maior quanto mais

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efetivamente estiverem integrados aos mercados consumidores. Isto não impede, no

entanto, que a subsistência familiar (inclusive sob a forma de auto-consumo) e a

diversificação das atividades permaneçam como objetivos constantemente renovados.

Enquanto o camponês tradicional enfatiza o “passado e suas tradições”, a agricultura

moderna, ao introduzir a noção de progresso, transfere o primado ao futuro.

Para alguns autores, como Maluf (2003), a pluriatividade corresponde a um

processo gradual, cujo desfecho é o abandono das atividades agrícolas e a passagem,

também gradual, do meio rural para o meio urbano. Equivoca-se o autor, pois tal desfecho

não é inexorável e o processo pode ser entendido num sentido inverso: a pluriatividade

seria, neste caso, uma estratégia da família, com a finalidade de – ao diversificar suas

atividades, fora do estabelecimento – assegurar a reprodução da propriedade rural e sua

permanência como ponto de referência central e de convergência para todos os membros da

família. Se o chefe do estabelecimento trabalha fora, seu desempenho lhe assegura um

tempo livre ou, ao revés, o estabelecimento não é capaz de absorver plenamente sua força

de trabalho, por isso ele busca novas alternativas, com a intenção de inverter o capital

obtido no próprio lote familiar. O trabalho dos filhos adultos pode significar algo diferente,

como a busca de autonomia sob o ponto de vista financeiro. No caso das mulheres, certas

vezes, o trabalho externo traduz-se na busca de maior capacidade de participação nos

ganhos da família (que pode ser investido em trabalho agrícola) ou também na procura, à

semelhança do caso dos jovens, de uma própria autonomia que a enquadre num processo de

emancipação profissional feminina.

Já a agricultura familiar, diferida na sua essência da agricultura tradicional, não

é uma categoria social recente, nem a ela corresponde uma categoria analítica nova na

economia agrícola e na sociologia rural. No entanto, a utilização do termo, com o

significado e a abrangência que lhes têm sido atribuído nos últimos anos no Brasil, assume

ares de novidade e renovação. Fala-se de uma agricultura familiar como uma nova

personagem, que diferente do camponês tradicional, teria assumido sua condição de

produtor moderno. Propõem-se políticas públicas para estimulá-la, fundadas em tipologias

que se baseiam em uma viabilidade econômica e social diferenciada. Mas, afinal, o que

vem a ser a agricultura familiar? Em que ela é diferente do campesinato, do agricultor de

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subsistência, do pequeno produtor, categorias que, até então, circulavam com mais

freqüência nos estudos especializados?

A agricultura familiar é um conceito genérico, que incorpora uma diversidade de

situações específicas e particulares. A agricultura familiar que se reproduz nas sociedades

modernas deve adaptar-se a um contexto socioeconômico próprio dessas sociedades, as

quais as obrigam a realizar modificações importantes em sua forma de produzir e em sua

vida social tradicional. Essas transformações da agricultura familiar moderna, no entanto,

não produzem uma ruptura total e definitiva com as formas anteriores, gestando, antes, um

agricultor portador de uma tradição camponesa, o que lhe permite, precisamente, adaptar-se

às novas exigências da sociedade. O campesinato brasileiro tem características particulares

– em relação ao conceito clássico de camponês – que são o resultado do enfrentamento de

situações próprias da história social do país e que servem hoje de fundamento a esse

patrimônio sociocultural, com o qual se deve adaptar-se às exigências e condicionamentos

da sociedade brasileira moderna.

O ponto de partida é o conceito de agricultura familiar entendida como aquela

em que a família, ao mesmo tempo em que é a proprietária dos meios de produção, assume

o trabalho no estabelecimento produtivo. É importante insistir que esse caráter familiar não

é um mero detalhe superficial e descritivo, ou seja, o fato de uma estrutura produtiva

associar família, produção e trabalho têm conseqüências fundamentais para a forma com

ela age econômica e socialmente (Lamarche, 1994), o que demanda estratégias

diferenciadas na estruturação de políticas públicas para este setor produtivo.

Nas sociedades modernas, multiplicam-se outras formas da agricultura familiar

não-camponesas. São aquelas que, sob o impacto das transformações de caráter mais geral

(importância das cidades e da cultura urbana, centralidade do mercado consumidor, e mais

recentemente, globalização da economia) tentem adaptar-se a esses novos contextos e

externamente em um agente da agricultura moderna (Wanderley, 2001).

As mudanças causadas pelo processo de modernização conservadora da

agricultura (Graziano da Silva, 1999) sobre as coletividades rurais são dadas pela perda

crescente da autonomia tradicional, como conseqüência da integração e subordinação à

sociedade em seu entorno, e pelo esvaziamento das sociedades locais, provocada pelo

êxodo rural. Podem-se analisar as mudanças em curso como uma passagem do modelo de

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comunidade de inter-conhecimento tradicional para uma coletividade mais diferenciada,

próxima do modelo urbano, onde a dimensão espacial permanece, no entanto, mais

determinante que na cidade. A coletividade rural permanece como um dos espaços onde se

organiza a vida do indivíduo (Jollivet & Mendras, 1971).

A presença dos agricultores familiares modernos tem sido percebida por alguns

estudiosos como o resultado de uma ruptura profunda e definitiva em relação ao passado. A

agricultura assume atualmente uma racionalidade moderna, o agricultor se profissionaliza,

o mundo rural perde seus contornos de sociedade parcial e se integra plenamente à

sociedade nacional. Essas novas personagens, ou pelo menos uma parte significativa dessa

categoria social, quando comparados aos camponeses e outros tipos tradicionais, são

também o resultado de uma continuidade (Wanderley, 2001).

Suas estratégias de reprodução, nas condições modernas de produção, em

grande parte ainda se baseiam na valorização dos recursos de que ela dispõe internamente

no estabelecimento familiar e se destinam a assegurar a sobrevivência da família no

presente e no futuro. De certa forma, os agricultores familiares modernos enfrentam os

novos desafios com as armas que possuem e que aprenderam a usar ao longo do tempo.

À atividade mercantil se soma o auto-consumo, segurança alimentar e

reprodução social do núcleo familiar, e nisso é importante insistir, pois diferencia

definitivamente a produção simples de mercadorias da agricultura familiar da produção

capitalista de mercadorias do agroexportador. É natural que dispondo de meios de

produção mesmo em condições precárias e insuficientes, o casal de agricultores familiares

procure assegurar o consumo alimentar da família. A integração ao mercado consumidor e

a garantia de consumo são preocupações fundamentais para a constituição do que estamos

aqui chamando de patrimônio sociocultural da agricultura familiar brasileira. A esse

respeito, parece claro que a referência a uma agricultura de subsistência, tão freqüente na

literatura especializada, pode esconder os propósitos mais profundos dos agricultores

familiares. Nada indica que se restrinjam, em seus objetivos, à simples obtenção direta da

alimentação familiar, o que só acontece quando as portas do mercado consumidor estão

efetivamente fechadas para eles. Esse contexto é indissociável e conseqüente de um

processo histórico que estruturou a agricultura brasileira em grandes propriedades patronais

sempre mais ineficientes na geração de trabalho e produção, restando à agricultura familiar,

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na inócua proposição dos detentores do capital e de inúmeras políticas nacionais, apenas a

atribuição de "amansar a terra" nas fronteiras agrícolas. Entretanto, quando os instrumentos

econômicos públicos e as oportunidades de mercado se voltam para a agricultura familiar,

seus potenciais de elevação da produtividade da terra e do trabalho se evidenciam mais

rapidamente. Particularmente na Amazônia, com a chegada concomitante de agricultores

familiares e patronais, como visto no capítulo V, se confere aos primeiros (ou deveria se

conferir, antes do Estado brasileiro esquecê-los) um papel mais nobre além de

simplesmente “amansar a terra”, mas de fazer valê-la como um ativo de produção

fundamental para a segurança alimentar e abastecimento do mercado interno local,

regional, nacional, e por que não, internacional.

Isso quer dizer que, apesar de sua vinculação com o mercado consumidor e de

sua preocupação com os preços agrícolas e lucros produtivos, o produtor familiar não é um

capitalista, mas um proprietário da terra na qual produz. A família não vive

fundamentalmente do trabalho doutros, ao revés, trabalha no próprio estabelecimento rural,

independentemente das oportunidades do mercado consumidor, podendo esse modificar a

forma de trabalho, mas não eliminá-lo na sua ausência, pois de qualquer modo, haverá

demanda de trabalho interno, seja para subsistência ou para o mercado consumidor. Essa é

uma forma muito diferente de como lida o capitalista com o capital, pois não havendo

opções de mercado, não há desencadeamento de exploração do trabalho alheio, mas apenas

especulação financeira de modo a multiplicar o próprio capital (Alentejano, 2001; Brumer,

2001).

Conforme frisa Guanziroli et al (2001), com técnicas modernas e uso

relativamente mais intenso do ativo de produção “trabalho” quando comparado à

agricultura patronal, a agricultura familiar é capaz de gerar uma renda líquida superior ao

custo de oportunidade de seu trabalho. Daí vem a pertinência da abordagem de Schultz

(1965) quanto a necessidade de se estabelecer processos gradativos de mudança de uso da

terra, com tecnologias adaptadas ao contexto de escassez do ativo trabalho.

Técnica e economicamente é possível, portanto, inserir a agricultura familiar em

um processo de acumulação baseado na elevação da produtividade, que aumente aos

poucos o custo de oportunidade do trabalho, dilua no tempo o processo de migração para

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meios urbanos ou novas fronteiras agrícolas. Mas para isso o país necessita assumi-la como

estratégica, como alvo de política econômica, e não meramente como de política social.

Novamente apoiado nas idéias de Guanziroli et al (2001), em todas as regiões

brasileiras a agricultura familiar explora de forma intensiva os recursos escassos

disponíveis e gera níveis de renda agropecuária superior ao nível de reprodução da família.

Similarmente, Wanderley (2003) expõe que o desenvolvimento das forças produtivas criou

um novo patamar para a agricultura e o meio rural, definido pela modernização das suas

atividades e pela integração socioeconômica global. No entanto, parece evidente que a

imposição desse patamar não significou a implantação de uma força social de produção

única representada pelo modelo empresarial e do tipo industrial. Se hoje discutimos o

significado da agricultura familiar neste novo contexto da integração da agricultura e do

meio rural é porque outra forma social plural de produção ocupa um lugar importante no

cenário atual da economia e da sociedade brasileira. Assim, é impertinente a presunção

cronológica de extinção da agricultura tradicional e familiar para oferecer espaço a margem

extensiva da agricultura capitalista.

A agricultura familiar é também particularmente sensível às condições do meio

ambiente, algo praticamente inexistente no contexto do capital. Os agricultores familiares,

ao dispor de poucos recursos externos que possibilitem a transformação radical do meio

ambiente e sua adaptação às exigências do mercado consumidor, como ocorreu em todas as

regiões monocultoras, são obrigados a conviver de forma mais intensa com as restrições

associadas ao meio ambiente. Neste sentido, enquanto a agricultura capitalista tende a

transformar o meio ambiente para adequá-lo às condições de produção capitalista (como se

o desenvolvimento tecnológico fosse a solução para todos os danos ambientais, conforme

crítica do capítulo III), a agricultura familiar tende a alocar seus recursos mais escassos

(trabalho e capital) para melhor aproveitar as determinantes derivadas das condições

ambientais. Assim, de maneira geral, os sistemas familiares de produção não foram

absorvidos pelas estruturas capitalistas de produção, o que os possibilita obter certa

sustentabilidade. Mas isso não significa que as respostas sejam sempre sustentáveis. É o

caso do sistema de corte e queima, cuja sustentabilidade exige rotação longa para permitir a

recomposição florestal e a fertilização do solo pela incorporação de matéria orgânica

produzida pelas capoeiras. O encurtamento do tempo de pousio, em razão da escassez de

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terra, produz a degradação ambiental, decadência e inviabilidade desse sistema de produção

tradicional (Guanziroli et al, 2001).

Uma das dimensões mais importantes das lutas dos agricultores familiares

brasileiros está centrada no esforço para constituir um território familiar, um lugar de vida e

de trabalho, capaz de guardar a memória da família e de reproduzi-la para as gerações

posteriores. Paradoxalmente, a perseguição desse objetivo supõe, certas vezes, a mobilidade

do agricultor, que se submete a longos e sucessivos deslocamentos espaciais. Justamente

para evitar tal situação de mobilidade forçada, os propositores do Proambiente apresentam

também, como demanda complementar aos PUs, os Planos de Desenvolvimento dos Pólos

(PDs) e os Acordos Comunitários de Serviços Ambientais (ACs), o primeiro para

identificar oportunidades econômicas aos PUs (e aumentar a relação ente Valor Bruto de

Produção Agropecuário e valor da terra) e o segunda para garantir a prestação de serviços

ambientais em escala de paisagem rural.

Cabral (2000) compreende a mobilidade como um fenômeno com diferentes

significados, que decorre de inúmeros fatores: (a) como um fator inerente à agricultura

extensiva e itinerante, onde predomina o instinto nômade das populações rurais; (b) como

uma estratégia de sobrevivência das famílias camponesas em um ambiente físico e social

hostil à pequena agricultura, em que os freqüentes deslocamentos para a fronteira agrícola,

característicos de grande parte da história da agricultura brasileira, não devem ser

considerados um processo voluntário, mas um processo decorrente da falta de capital e

técnicas capazes de proporcionar ao solo um maior rendimento; (c) como um fenômeno

decorrente do esgotamento natural do solo, dado o caráter predatório da técnica de

queimadas, fortemente utilizada na agricultura brasileira; (d) como um fenômeno

decorrente da expansão das culturas para a exportação com a conseqüente expulsão da

pequena agricultura.

O autor acima, em parte, se equivoca nos pontos (a) e (c), afinal, não existe (a)

“instinto nômade”, mas sim um processo de mobilidade por exclusão social advinda de

carência de políticas públicas que assumam definitivamente a agricultura familiar como

setor estratégico para o país, o que, inevitavelmente, os fazem recorrer às técnicas de

cultivo em sistema de corte e queima, que se configura, nesse cenário excludente, não como

algo de (c) “caráter predatório”, mas como a melhor opção econômica dentro de uma

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ponderação empírica e pertinente de custo-benefício, afinal, lidam diariamente com

absoluta escassez de capital e trabalho. Basta analisar o resultado da entrada do crédito

rural no contexto familiar, que elimina o sistema de corte e queima e alavanca a produção

de perenes e da pecuária de carne e leite. Nesse sentido, os pontos (b) e (d) configuram-se

como inevitáveis conseqüências desse contexto que se apresenta nas fronteiras agrícolas

brasileiras, que privilegia somente o produto exportável, dentro de uma fraca diretriz de

atendimento às demandas exógenas que causam inesgotáveis padrões de dependência

econômica internacional, modelo já criticado no capítulo I da presente tese. Assim, a

itinerância não pode ser vista como opção, mas causada por falta dela, ou como reflexo de

uma suposta instabilidade inerente à condição econômica e às condições de trabalho de

determinadas categorias ocupacionais agrícolas.

Romeiro (1998a) expõe que a dinâmica de uso da terra dos agricultores

familiares nortistas é marcada pela lógica produtiva duplamente itinerante: itinerância

interna e itinerância externa. Itinerância interna porque a grande maioria dos produtores

tem a floresta como fonte principal de nutrientes para as culturas de ciclo curto. O processo

de “derruba e queima” é o mecanismo pelo qual o agricultor obtém os nutrientes que

precisa por dois ou três anos de lavouras de subsistência numa área que raramente

ultrapassa os 4 hectares. Considerando uma área média disponível de 40 hectares de

floresta, um agricultor levaria, nestas condições, entre 20 a 30 anos para fazer a rotação

completa do terreno, o que seria sustentável do ponto de vista ecológico, pois 25-30 anos é

o período necessário para a regeneração necessária da biomassa florestal. No entanto, o

processo de pecuarização em curso nos últimos anos e o conseqüente aumento da área de

pastagens (em áreas de regeneração natural pós corte e queima), vem tornando cada vez

menos sustentável esta prática. O encurtamento do período de “pousio” para a recuperação

da biomassa florestal é um fato generalizado. Nas regiões de colonização mais “antiga” a

maioria esmagadora dos agricultores obtém os fertilizantes necessários queimando não

mais florestas maduras, mas capoeiras resultantes de um período de pousio que em algumas

localidades já se reduziu a 3 ou 4 anos (cerca de um décimo do tempo que seria necessário

para manter a sustentabilidade). A crescente insustentabilidade destas práticas agrícolas na

região leva estes agricultores familiares a se juntarem com o afluxo de migrantes de outras

regiões em busca de novas terras, que resulta na itinerância externa. Nessa situação, a

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criação de gado é um objetivo primordial da estratégia de acumulação destes produtores

familiares. De modo geral, o gado resulta em uma produtividade do trabalho mais estável e

superior às proporcionadas pelas lavouras "brancas" (arroz, milho, feijão).

Guanziroli et al (2001) confirma as argumentações de Romeiro (1998a) quando

menciona que a agricultura amazônica é marcada pelas características ecossistêmicas

locais. Sua lógica produtiva é duplamente itinerante. Há itinerância interna porque a

maioria dos produtores tem a floresta como fonte principal de nutrientes para as culturas

anuais. O sistema de corte e queima disponibiliza os nutrientes da parte aérea da floresta

durante um período de dois a três anos, numa parcela de terra que comumente abrange de

um a quatro hectares. Para completar a rotação completa do terreno pode-se levar uma

quantidade de anos suficiente para a restauração da biomassa florestal, no entanto, o

processo de pecuarização (plantio de pastagens em áreas que deveriam entrar em pousio

para restabelecer a capoeira) torna o sistema de corte e queima cada vez menos sustentável

ao longo dos anos. O encurtamento do período de pousio vem se configurando como uma

prática corriqueira que resulta em esgotamento do potencial produtivo e,

conseqüentemente, na itinerância externa, que se caracteriza como o processo de migração

das famílias para outra fronteira agrícola.

A adaptação da agricultura familiar ao contexto rural passa por quatro fases:

adaptação, expansão, seleção e regressão. Essa última, fase de declínio, ocorre quando os

solos se esgotam e a terra disponível não é mais suficiente, do que resulta, freqüentemente,

o deslocamento progressivo para outras áreas, onde recomeçará novo ciclo. Como lembra

Guanziroli et al (2001), muitas vezes o esgotamento do potencial produtivo da terra não

ocorre devido ao sistema de corte e queima em si, que se tiver áreas suficientes de

regeneração causa impactos mínimos em comparação à agricultura química e mecanizada,

mas devido ao adensamento populacional ou uso sucessivo que pressionam para utilização

de áreas de pousio (capoeiras), sobretudo, com a introdução da pecuária extensiva, minando

a capacidade dos solos de restabelecer seu potencial produtivo.

Como salienta Moran (2009), quando praticado a baixas densidades

populacionais, o método de corte e queima para a preparação da terra representa um modo

sensato e barato para obter produtos vitais em regiões de baixo rendimento agrícola.

Florestas de quase todas as regiões do mundo sofreram ciclos de corte e queima que só se

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tornaram destrutivos e improdutivos quando as terras em pousio diminuíram devido à

pressão populacional, e a restauração natural não era suficiente para completar um ciclo

adequado de crescimento da vegetação secundária.

Netting (1993) vai de acordo com as idéias de Moran (2009) ao expor que a

prática de corte e queima não pode ser considerada um regresso evolucionário, mas uma

razoável reação à abundância de terra e ao desafio de tornar o trabalho mais produtivo.

Outro ponto destacado pelo autor é que um dos mitos mais tenazes e difundidos sobre a

produção camponesa refere-se ao seu isolamento físico em áreas rurais, sua simplicidade

tecnológica e sua alta suficiência que a remove das relações com o mercado consumidor.

Como ilustra o autor, se houver oportunidade, a produção camponesa imprime processos de

intensificação de uso da terra, como eliminação do uso do fogo e introdução de sistemas

perenes, para assumir o desafio de acessar o mercado consumidor. Portanto, essas

sociedades não vivem isoladas de redes mais abrangentes condicionadas por mudanças

econômicas ou contextos políticos.

Denevan & Padoch (1987), citados por Brondízio & Siqueira (1997), também

corroboram Moran (2009) quando reelaboraram a falsa idéia do período longo de pousio

como algo necessariamente improdutivo. Conforme os autores, se os sistemas fertilizados

artificialmente com insumos químicos limitarem a capacidade produtiva da terra no longo

prazo, podem ser considerados mais extensivos que intensivos e temporalmente

insustentáveis em relação ao sistema de corte e queima, que rotaciona o uso da terra

visando recuperar sua capacidade produtiva e suas propriedades naturais. Ademais, outro

tipo intensivo característico de uso da terra tradicional e familiar refere-se aos sistemas

agroflorestais, que na suas diferentes composições simulam as funções das florestas

nativas, mas têm sido “invisíveis” para muitos pesquisadores que empregam parâmetros

analíticos convencionais.

Com pertinência, Netting (1993) lamenta o fato de que o termo “intensificação”

tem sido usado como um conceito elusivo, com errada associação à modernização,

produtividade, eficiência e adaptabilidade de sistemas produtivos. Na mesma direção,

Brondízio & Siqueira (1997) expõem que a intensificação agrícola tornou-se um

equivocado sinônimo de desmatamento, onde o seu clássico cálculo tende a quantificar a

mesma como diretamente proporcional ao aumento de energia, tecnologia e entrada de

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capital em uma determinada área, assim como variáveis ecológicas e de subsistência não

são incorporadas para melhor acurar a definição de intensificação agrícola.

Netting (1993) não somente redefine intensificação à luz da sustentabilidade e

produtividade, mas também critica o mito de que a agricultura camponesa (tradicional ou

familiar) é improdutiva e atrasada. E como ponderam Brondízio & Siqueira (1997), a

intensificação não é um processo linear e dependente de um fator (ex: crescimento

populacional ou alta demanda de mercado consumidor), mas um processo que reflete as

condições entre as condições presentes da interação planta-solo, eventos socioeconômicos

passados e desenvolvimento de práticas de manejo que motivam a mudança de uso da terra

do presente ao futuro.

Como lembra Netting (1989), a agricultura intensiva é erroneamente assumida

como aquela que gera alta produção anual de mono ou policultivos exportáveis advindos de

campos de usos ininterruptos, com práticas de rotação de culturas, criação animal,

terraceamento, aplicação de insumos químicos, irrigação e drenagem. Ao revés, no

contexto da agricultura familiar, onde a terra é um recurso escasso, a produção agrícola por

unidade de área é relativamente alta e permanente. Assim, o conhecimento e as técnicas de

intensificação precisam ser complexos e altamente integrados, e não dependentes da ciência

moderna no que se refere ao pacote agroquímico da Revolução Verde ou de fontes de

energia fósseis não renováveis. Desse modo, a grande agricultura capitalista,

equivocadamente associada à intensificação do uso da terra, somente se adéqua em

situações de abundância de terra, trabalho sob mais-valia e energia barata, situação inversa

a realidade da agricultura familiar de intensificação do uso da terra proporcionado pela

escassez de terra, trabalho autônomo e uso energético sustentável.

Para a superação desse quadro, chamaria a atenção especialmente para as

dificuldades encontradas na implantação de um sistema produtivo diversificado e

permanente. O projeto para o futuro, pelo qual as gerações atuais se comprometem com as

gerações que as sucedem, pode ser assegurado graças às possibilidades de mobilidade

espacial abertas pela prática da agricultura itinerante e, sobretudo, pelo sistema de posse

precária da terra, caso não haja políticas públicas de incentivo à mudança de cenário

agronômico.

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O público do Proambiente pode ser tomado como exemplo. Dentre os lotes dos

Pólos categorizados como A e B (capítulo V) ocorre um processo de transição produtiva,

sobretudo, com o advento do crédito rural (FNO no início e Pronaf nos meados dos anos

90) e com a premente necessidade de elevar a relação entre Valor Bruto da Produção

Agropecuária e preço da terra nas regiões de expansão da fronteira agrícola (pois esse

processo eleva o preço da terra e inviabiliza a detenção da mesma, salvo se houver elevação

da produtividade da terra e do trabalho). Logo, os Planos de Utilização das Unidades de

Produção (PUs) e os Acordos Comunitários de Serviços Ambientais (ACs) vêm cumprir

importante papel nesse processo de transição para superar a itinerância interna nos lotes e

estabelecer um ambiente coletivo com maior capacidade de prover os recursos naturais, e

desse modo, também colaborar na superação da itinerância externa.

A declaração de um agricultor familiar do Pólo Ouro Preto D‟Oeste traduz esse

desejo:

Sou mineiro e tive que sair de minha terra nos anos 70, pois segui

recomendações técnicas erradas de só por lavoura branca e minha terra se esgotou.

Migrei para o Mato Grosso com os projetos de colonização do governo e isso aconteceu de

novo. Quando cheguei em Rondônia, alguns se conheciam e outros não, mas a gente se

uniu e decidiu planejar juntos, de um jeito diferente, senão o lote ia esgotar de novo e

depois disso, pra onde vamos? Aqui a gente é produtor-técnico, aprendemos um com o

outro. Minha vida mudou quando decidi tirar o fogo para produzir mel, usar os sistemas

agroflorestais e pecuária em consórcio, e proteger a floresta, os animais e a água. Os PUs

e os ACs vieram depois, com o Proambiente, mas a gente já tinha isso na cabeça, pois tem

que planejar o futuro. Isso aqui não é pra mim, é para as minhas filhas e para os filhos dos

outros. Se deixar, os fazendeiros arrastam a gente daqui de novo. Mas não vou deixar, vou

agir, vou fazer junto com a comunidade.

Mas como estabelecer a transição do sistema produtivo impactante e itinerante

para o sustentável e permanente? E quais as variáveis mais determinantes nos processos

decisórios sobre uso da terra e dos recursos naturais? Van Wey et al (2009) sustenta que

quase todos os modelos que postulam apenas uns poucos fatores determinantes das

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mudanças de uso e cobertura da terra têm sido rejeitados por pesquisas empíricas bem

fundamentadas. As autoras dividem as teorias sobre o tema em dois grupos: o primeiro

daqueles que postulam uma relação unidirecional e determinística entre um conjunto de

variáveis independentes e o uso da terra, e o segundo dos que atribuem expediente aos

atores individuais à medida que esses causam mudanças no uso da terra. A partir da

abordagem desses grupos, duas conclusões foram obtidas: a escala é importante, assim

como o contexto local, pois as relações que existem em uma escala freqüentemente

inexistem em outras, além de algumas teorias funcionarem em escalas múltiplas. Um

exemplo emblemático do contexto é, sem dúvida, a institucionalidade presente em cada

local, que pode direcionar o uso da terra e dos recursos naturais em diferentes níveis

economicamente produtivos e de qualidade ambiental.

Vide o exposto no capítulo V do presente trabalho, donde se destacam e geram

os produtos do Proambiente somente os sete Pólos que possuem institucionalidade na forma

de capital social consolidado para promover práticas produtivas alternativas como controle

e eliminação do fogo (denominado de roça sem queima), exploração de mel, introdução de

sistemas agroflorestais, manejo de sistemas agrosilvipastoris, exploração de produtos

florestais não madeireiros e elaboração de planos de manejo florestal. Mas dentro de um

cenário similar de institucionalidade comum aos sete Pólos do Proambiente analisados,

quais são as variáveis mais determinantes para os processos de decisão sobre mudança de

uso e cobertura da terra? Cruzemos adiante dados de literatura com os resultados do

Proambiente para obtermos as respostas desejadas no presente estudo.

7.3. Variáveis que condicionam decisões sobre uso da terra e dos recursos naturais

Poucos lugares na Terra têm sido tão diretamente afetados política e

economicamente pelas mudanças de uso e cobertura da terra como a região Amazônica. O

desafio de incorporar a diversidade intra-regional quando se considera a Bacia Amazônica

como uma entidade única não é novo, mas no contexto atual assume grande relevância

política, econômica e ecológica. Com o ambiente global em foco, a pesquisa sobre

população e o ambiente conduz às vezes à negligência sobre as diferenças locais, com base

na dificuldade em seu entendimento ou em sua irrelevância. Nesse contexto, o principal

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paradoxo das pesquisas sobre mudanças de uso e cobertura da terra é que as generalizações

necessárias para obter uma perspectiva global negligenciam detalhes importantes às formas

de vida das populações locais. Estudar as interligações causais, subjacentes à mudança de

uso da terra na região, coloca diferentes grupos sociais no centro das atenções dos

formuladores de futuras políticas regionais. Embora os macro-processos continuem

extremamente importantes, a expansão da mudança não pode ser generalizada em função

da diversidade de variações sócio-culturais inter e intra-regionais, da história sócio-cultural

de cada local, da posse legal da terra, da dinâmica demográfica, das formas de superação da

baixa produtividade marginal do trabalho, dos arranjos econômicos e das características

ambientais de paisagens rurais subjacentes ao uso da terra e dos recursos naturais. Destacar

os fatores que mediam esses níveis tem contribuído para a compreensão do

desenvolvimento rural da Amazônia, incluindo a produção de mercadorias e os ciclos

econômicos, os arranjos de trabalho e o controle de capital. Essas circunstâncias

condicionam dinâmicas diferenciadas de uso da terra que vão desde o boom extrativista,

passam pela expansão da pecuária extensiva e chegam na intensificação agrícola no âmbito

dos domicílios rurais (Brondízio, 2009).

Basicamente, seis tipos de variáveis independentes influenciam as decisões

sobre uso da terra: político-institucionais estratégicos (projetos de colonização, migração

espontânea, restrições legais e direito agrário quanto à titularidade da terra), demográficos

relativos à dinâmica interna da reprodução familiar (tempo de migração, diferenças no ciclo

de vida familiar, na capacidade de trabalho e na demanda de consumo do lote), fatores

socioeconômicos externos (acesso ao crédito rural, incentivos fiscais, subsídios, programas

governamentais de transferência de renda, aposentadoria rural, renda familiar monetária e

de consumo, trabalho não agrícola fora do lote, preços dos produtos agrícolas), infra-

estrutura (acesso ao transporte, energia elétrica e aos mercados consumidores urbanos),

características ambientais (solos, topografia e disponibilidade de água) (McCracken et al,

1999; Brondízio et al, 2002) e características socioculturais (origem da família e influência

do meio ambiente na formação cultural).

Para Perz (2001), de maneira geral, cada tipo de uso da terra implica numa

demanda específica de terra, trabalho e capital, além de diferentes riscos econômicos. Uma

atividade de subsistência, baseada no cultivo de anuais, tem baixa demanda de terra e

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capital, portanto, representa uma atividade de baixo risco econômico e como tipo ideal para

famílias jovens, com poucos adultos e muitas crianças, ou seja, com baixa capacidade de

trabalho em relação à demanda de consumo. Com o desenvolvimento do ciclo familiar, há a

entrada dos filhos na adolescência, logo, o lote ganha em capacidade de trabalho e melhor

se adéqua ao cultivo de perenes, que demandam baixa quantidade de terra e alta capacidade

de trabalho, porém, alta demanda de capital e riscos econômicos substancialmente maiores.

A atividade pecuária se assemelha ao cultivo de perenes quanto ao momento (timing) do

ciclo de vida familiar, mas difere por demandar alta quantidade de terra e baixa quantidade

de trabalho e capital. O processo de reflorestamento, que pode ser empregado em ciclos

familiares mais avançados, mas que raramente se verifica, exige limitada quantidade de

terra, trabalho e capital.

Dimensão mais concreta para a análise da dinâmica da reprodução das

condições sociais, o espaço pode ser também a dimensão mais decisiva da regulação das

contradições existentes numa formação social (Becker, 1982). Pois o presente estudo busca

entender como se dá a mudança o uso da terra e dos recursos naturais ao longo do tempo, o

que, inevitavelmente, torna a noção de espaço bastante salutar.

A escala é utilizada freqüentemente no contexto de mudança espacial de uso da

terra, no entanto, é um termo um tanto confuso em abordagens multidisciplinares.

Notavelmente, a geografia de um lado e a economia e outras ciências sociais doutro usam a

escala para inferir significados opostos. Geógrafos definem escala como a razão do

comprimento da unidade de distância (barra de escala) em um mapa de papel pelo

comprimento daquela mesma unidade de distância do terreno. Assim, um mapa em grande

escala normalmente mostra mais detalhe, mas cobre menos área. Na economia e nas

ciências sociais, ao contrário, um estudo de grande escala significa uma ampla extensão

espacial, ou seja, um estudo em pequena escala é um estudo mais detalhado (Green et al,

2009). O presente estudo, no sentido econômico e antropológico, possui uma pequena

escala, pois abrange uma análise local detalhada de 100% (portanto, não amostral) dos

Planos de Utilização das Unidades de Produção (PUs) selecionadas pelo Proambiente, que

devido aos missings ocasionais de informação, comumente presente numa investigação

científica, reduz a análise para uma significativa amostra de 83% do programa, patamar

que, por sua vez, representa significativos 0,43% da Amazônia Legal.

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A seguir, dividida em cinco sub-itens, é apresentada a discussão dos resultados

embasados na literatura científica internacional. O primeiro sub-item 7.3.1. “tempo de

ocupação do lote – variáveis referentes a trabalho, terra e capital” traz uma

contextualização sobre a influência do período de migração da família nas mudanças de uso

da terra, o que inevitavelmente abrange aspectos gerais de trabalho, terra e capital. O sub-

item 7..2. “variáveis referentes ao ativo trabalho” aborda as relações entre as variáveis

„origem do chefe de família‟, „escolaridade do chefe e da chefe de família‟, „índice de

geração‟ (ponderação entre potencial de trabalho e demanda de consumo no lote) e „índice

de gênero‟ (ponderação entre potencial de trabalho masculino e potencial de trabalho total

no lote) e as mudanças de uso da terra. O sub-item 7.3.3. “variáveis referentes ao terra”

apresenta as relações entre as variáveis „tamanho do lote‟ e „titularidade do lote‟ e as

mudanças de uso da terra. O sub-item 7.3.4. “variáveis referentes ao ativo capital” relaciona

as variáveis „renda familiar anual‟, „acesso ao crédito rural‟, „acesso ao transporte para

escoamento da produção‟ e „acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção‟ às

mudanças de uso da terra. Por fim, o sub-item 7.3.5. “tipologias – aspectos gerais da

transição produtiva” expõe os elementos fundamentais que condicionam a mudança de uso

e cobertura da terra, discutindo as implicações de todas as variáveis independentes

estudadas numa mesma abordagem.

Resgatando uma passagem da Introdução, o Proambiente tem como princípios

gerais o planejamento da transição agroecológica de sistemas de produção (ex: sistemas

perenes agroflorestais ou de uso múltiplo da floresta) e a conservação do meio ambiente

(ex: retenção ou recuperação de reserva legal e área de preservação permanente), elementos

fundamentais não só para conferir maior viabilidade econômica aos lotes familiares (renda

direta), como também para habilitá-los à remuneração de serviços ambientais (renda

indireta pelo não acúmulo de passivos ambientais ou renda direta futura pela prestação de

serviços ambientais). Sendo assim, entre os sub-itens 7.3.1. a 7.3.4., cada variável

independente, caso a caso, teve sua hipótese específica construída com base nos princípios

gerais do Proambiente e comparada com os resultados obtidos. De igual forma, no sub-item

7.3.5. foram testadas as hipóteses específicas para as cinco tipologias de uso da terra. No

item 7.4 “teste de hipóteses gerais” são resgatadas as hipóteses gerais do presente estudo e

comparadas aos resultados obtidos, assim como identificadas as variáveis independentes

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206

mais relevantes para os processos de capitalização dos lotes familiares. Enfim, no item 7.5.

“riscos inerentes à transição produtiva” é discutido como a percepção de riscos econômicos

e ecológicos afetam as decisões sobre mudança de uso e cobertura da terra.

7.3.1. Tempo de ocupação do lote – variáveis referentes a trabalho, terra e capital

De acordo com Van Wey et al (2007), pesquisas sobre os efeitos demográficos

das famílias no uso e mudança de uso da terra focam-se no ciclo de vida do lote. Walker

(2003) e Walker & Homma (1996) desenvolveram princípios teóricos para formar a base da

modelagem sobre demografia doméstica rural e outros efeitos pela combinação de

abordagens de Chayanov (1923). De modo geral, o estudo do último assume que as

propriedades familiares rurais não têm acesso ao capital ou ao trabalho contratado, tendo

foco na produção de subsistência. E para os autores supracitados, quando as famílias

ingressam em uma fronteira agrícola, onde a terra é abundante e o trabalho e o capital

escassos, as decisões sobre o uso da terra são determinadas pela demografia do lote em três

dimensões: (1) as decisões representam as necessidades de subsistência da família,

dimensão baseada nas formulações de Chayanov (1923) de que os camponeses vivem

externamente à economia monetária ou de trocas; (2) a demografia familiar determina a

soma de trabalho disponível no estabelecimento rural, onde a ausência de capital, trabalho e

tecnologia balizam o montante de terra que poderá ser usado; (3) como os proprietários de

terras e seus filhos (ao longo de gerações) mudam para outras propriedades rurais (muitas

vezes de regiões distantes, face às conseqüências da concentração demográfica da fronteira

agrícola envelhecida) ou para o meio urbano, o horizonte de tempo dos proprietários

também muda, ou seja, famílias com muitas crianças têm horizontes de tempo menores, e

somente quando as crianças entram em idade economicamente ativa, com o decorrer dos

anos de ocupação, é que o lote obtém aumento da disponibilidade de trabalho além do

mínimo necessário para subsistência da família e consegue firmar investimentos em

culturas perenes e pecuária de grande porte.

Para Brondízio et al (2009b), Van Wey et al (2009) e McCracken et al (1999),

as unidades domésticas evoluem a partir de unidades nucleares com crianças pequenas para

unidades que tem filhos crescidos e que deixam a casa dos pais para unidades de segunda

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207

ou de múltiplas gerações. À medida que ocorrem as mudanças, as necessidades de consumo

(determinadas pelo número de membros da unidade, particularmente, pelo número de

dependentes) e a força de trabalho nela disponível (determinada pelo número de membros

em idade economicamente ativa) também mudam. Correspondendo a essas mudanças, a

unidade primeiramente se concentra na derrubada da mata e no cultivo de culturas anuais,

para nos estágios seguintes se dedicar a usos da terra que oferecem dividendos menores de

curto prazo e maiores de longo prazo. Essa perspectiva teórica propõe que o uso da terra e

dos recursos naturais (particularmente a extensão desmatada) varia entre as unidades

(dentro de uma comunidade) basicamente em função do tempo de ocupação e da

composição familiar das unidades produtivas (Figura 22).

Brondízio (2009) também ressalta que as áreas de colonização na Amazônia são

paisagens dinâmicas, pois as famílias chegam em diferentes momentos e os lotes coexistem

em diferentes estágios de formação. No início da ocupação, um sistema agrícola baseado

em culturas anuais de arroz, feijão, milho e mandioca (o último com excedentes

econômicos) e caracterizado por longos ciclos de pousio é dominante nessas comunidades.

Nesse momento, a influência de fatores externos (como contexto macroeconômico

favorável, concessão de incentivos fiscais, infra-estrutura de transporte, energia elétrica e

comunicação e/ou acesso ao crédito rural e mercado consumidor) é relativamente ausente.

Quesitos ecológicos, como a formação de solos, são relevantes nessas decisões iniciais,

formatando padrões espaciais muito diferentes para sistemas similares de uso da terra.

Nesse sentido, Smith (1982) expõe que três tipos de solos foram escolhidos

como um dos critérios na seleção de três comunidades amazônicas. Com essa estratégia,

tornou-se possível determinar se a produção agrícola foi afetada pela fertilidade natural e

capacidade de recuperação dos solos ou se outras variáveis foram mais importantes. Outro

fator na escolha da área de estudo foi o grau de modificação antrópica da área florestal.

Entre as áreas amostradas, duas sofreram baixo impacto no seu componente florestal,

enquanto a terceira foi drasticamente alterada pela agricultura familiar devido sua

localização em solos pozdólicos, que não responderam bem à introdução de sistemas

perenes (que trazem maior capitalização), sobretudo, a lavoura cacaueira, que por sua vez,

apresentou importante resposta produtiva nos dois primeiros casos assentados na eutrófica

terra roxa estruturada. Assim, vê-se que não há uma necessária relação linear entre tempo

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de ocupação do lote e contingentes de cultivos perenes (+) e de reserva legal (-), podendo a

última ser recomposta pela intensificação de uso da terra com os próprios sistemas perenes.

Perz (2001) obtêm resultado semelhante quando frisa que o tempo de ocupação do lote

demonstra relação com a ampliação do cultivo de perenes de forma não linear.

Perz (2001) observou que lotes familiares de Uruará (PA) com mais adultos,

menos crianças e maior contingente de trabalho contratado detém área mais abrangente

destinada à atividade pecuária. Já segundo Walker et al (2000), grandes produtores,

geralmente não residentes na Amazônia, trazem recursos externos, não aplicam (ou aplicam

uma reduzida parte) os recursos obtidos com o lucro do investimento na região e contam

com opções financeiras, gerenciais e administrativas profissionalizadas, enquanto os

agricultores familiares fincam residência no lote ou circunvizinhança, inicialmente

estabelecem processos endógenos de conversão de áreas de floresta para pecuária e são

condicionados aos diferentes perfis demográficos familiares rurais e às oportunidades

exógenas paulatinas que surgem ao longo dos anos. Como frisam os autores, o tempo de

ocupação do lote foi usado como uma das variáveis independentes no estudo de

desmatamento, sendo que a regressão múltipla demonstrou forte responsabilidade dessa

variável no processo de retirada de floresta primária. Para os autores, Y = fy (A, t), onde Y

refere-se à estimativa de produção pecuária, A à área de terra (ou extensão de floresta

primária) e t ao tempo de ocupação do lote. Noutra equação, os autores apontam que A =

(K, L, F), onde K representa a quantidade de capital disponível, L a capacidade de trabalho

do lote e F o ciclo de vida familiar. Assim, ainda que o tempo de ocupação do lote seja uma

variável relevante, fatores endógenos e exógenos, como acesso a trabalho e capital, além do

perfil familiar, implicam em diferentes ritmos de desmatamento.

Walker et al (2000) mencionam que os produtores patronais da Amazônia (salvo

nas regiões de produtoras paraenses de grãos, como Santarém e Paragominas) são

especializados na atividade pecuária, mas os produtores familiares guardam uma relação

mais diversificada com a terra, embora o processo de pecuarização já faça parte de suas

realidades. Por sua vez, Moran (1981) explica que os agricultores familiares que se fixam

mais tempo na terra obtêm mais sucesso agronômico e econômico que aqueles que

sucessivamente migram para outros locais, e um dos quesitos desse “sucesso” deve-se à

introdução da pecuária nos lotes, que cumprem importante papel de poupança viva.

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209

20 anos

ANOS

Tempo de Ocupação do Lote

5 anos

10 anos

OSAN

OS

15 anos

E

S

T

A

G

I

O

D

E

M

O

G

R

A

F

I

C

O

I

II

III

IV

V

estágio I estágio II estágio III estágio IV

estágio V

Figura 22 – Estrutura conceitual: estágios da demografia familiar e estratégias de uso da terra

[Adaptado de McCracken et al (1999)]

Desmatamento:

Floresta secundária:

Cultivos anuais:

Frutíferas: Agrofloresta:

Estrato amostral

COMPOSICAO

FAMILIAR Nuclear Jovens adultos / crianças pequenas

Nuclear Adultos / crianças mais velhas

Nuclear

Adultos / pré-adolescentes

Nuclear

Adultos mais velhos

Pré-adolescents e

adolescentes Multi-geracional Segunda geração

Pecuária:

::

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210

Van Wey et al (2007) enaltece que as áreas de cultivos perenes e pastagens

aumentam em função do tipo de composição familiar, enquanto as áreas de cultivos anuais

apresenta pouca relação com o perfil de trabalho e consumo da família. A maior presença

de crianças (de ambos os gêneros) impacta negativamente o cultivo de perenes e

positivamente o cultivo de anuais (ainda que de forma mais amena no segundo caso),

enquanto há efeito positivo em cultivos perenes e negativo em reserva legal com maior

presença de mão-de-obra masculina adulta. Desse modo, as relações permitem afirmar que

o tempo é uma variável independente relevante no uso da terra para o contexto de

propriedades familiares, pois modifica a composição familiar e a escassez de mão-de-obra

tipicamente presente no início de ocupação dos lotes.

As taxas de desmatamento são relacionadas não somente com os diferentes

tempos de ocupação do lote, mas também com as mudanças na composição familiar, com a

disponibilidade de capital e tecnologia e com as estratégias de uso da terra que são

amadurecidas na fronteira agrícola.

Pan et al (2007) e Brondízio et al (2002) notaram que a relação positiva entre o

tempo de ocupação do lote e o desmatamento não é estritamente casual no espaço e no

tempo de diferentes grupos de colonos migrantes. Famílias com mais tempo nos lotes

apresentam, em geral, maiores porções de áreas desmatadas, contudo, o tipo de floresta

usada varia ao longo do tempo, isto é, núcleos familiares a mais tempo assentados tendem a

usar espacialmente, de forma mais significativa, as florestas secundárias quando

comparadas com núcleos familiares recém egressos de seu local de origem, os quais

direcionam seus esforços na abertura de florestas primárias.

Em estudos similares, Brondízio et al (2009b), Brondízio et al (2002), Perz &

Walker (2002) e Perz (2001) observaram que significativas porções de áreas desmatadas

geralmente ocorrem em propriedades rurais compostas por famílias com substancial

capacidade de trabalho, incluindo trabalho familiar próprio, contratado temporário ou trocas

de diárias. O desmatamento em lotes de colonos migrantes também está relacionado com o

tempo de ocupação do lote, escolaridade e idade do chefe de família. Famílias com maior

tempo de ocupação do lote têm maiores porções de áreas desmatadas, ao passo que o tipo

de floresta utilizada (ex: primária, secundária de capoeira, secundária de juquira, etc.)

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também variam conforme o tempo, sendo que famílias migradas a mais tempo tendem a

utilizar capoeiras em detrimento da floresta primária em eminente esgotamento.

Para Walker & Homma (1996), a perda de floresta primária – e os associados

impactos em biodiversidade – geralmente ocorre nos estágios iniciais de ocupação dos

lotes, onde pode ser visto também crescente estoque de florestas secundárias (capoeiras).

Em estudo de campo na rodovia Transamazônica (PA), os autores diagnosticaram, por

amostragem, 23% de mudança direta de uso da terra de capoeira para pastagens, enquanto a

conversão de áreas para perenes situa-se em torno de 6%, sendo que o restante 71%

compõe o percentual de floresta em regeneração.

Agricultores familiares assentados na Transamazônica no início dos anos 70

detinham, aproximadamente, 55% de taxa de desmatamento em seus lotes em 1985, sendo

esta área coberta com solo nu (para o plantio de cultivos anuais), pastagens ou florestas

secundárias em vários estágios sucessionais (com menos de 20% de ocupação dos lotes no

caso da última, além de no máximo 12 anos de regeneração). Em 1988, um adicional médio

de 4% da área havia sido desmatado, enquanto a área de solo nu e pastagens havia

levemente regredido e a área de florestas secundária avançado para em torno de 40% do

lote (McCracken et al, 2002). Essa passagem de solo nu e pastagens para florestas

secundárias sinaliza mudanças nas atividades agrícolas. Isso é motivado por condições de

mercado consumidor e acesso ao crédito rural em determinado período ou significa um

reflexo naturalmente ocorrido nos lotes associado aos processos de desenvolvimento

agrícola? Os autores assumem que o uso da terra é formado, mas não determinado, pelas

políticas públicas, mercado consumidor e tendências econômicas. Isso significa que a

paisagem rural depende de um mosaico de propriedades rurais em diferentes estágios que

reagem num mesmo momento conforme suas condições estruturais. Além do acesso ao

crédito rural, respostas do mercado consumidor, origem (que baliza os modos culturais de

uso da terra), experiência agrícola, composição familiar e capital inicial, o tempo de

ocupação do lote aparece como variável relevante.

Brondízio et al (2002) encontram dados similares aos expostos acima. Para o

autor, há uma forte relação entre tempo de ocupação do lote e cobertura florestal. Grupos

de lotes ocupados em 1970 apresentavam, em 1996, médias similares de cobertura florestal,

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por volta de 40% da área, entretanto, áreas de floresta secundária e destinadas à produção

apresentaram menos correlação com o tempo de ocupação do lote.

Estimativas mais recentes de Brondízio et al (2002), em estudo de sete grupos

de colonos migrados em diferentes momentos, entre 1970 e 1991, demonstram que em

torno de metade da área desmatada no período 1970-1996 permaneciam em produção no

ano de 1996, enquanto outra metade apresentava-se em diferentes estágios de regeneração

de floresta secundária.

Brondízio et al (2002) e McCracken et al (1999) usaram sensoriamento remoto

para mensurar a relação entre o tempo de ocupação do lote (desde o tempo zero ou

momento de abertura das propriedades) e a cobertura florestal, relacionando esses

fenômenos ao ciclo de vida familiar. Os autores encontraram evidências de mudanças nas

taxas de desmatamento ao longo do ciclo de vida familiar, com taxas amenas no início da

ocupação, seguido de um primeiro pico de desmatamento entre 3-5 anos e segundo pico

entre 10-15 anos.

Para Moran et al (2009), depois de cerca de cinco anos (em média), enquanto os

agricultores familiares consolidam e usam áreas já desmatadas, ocorre um segundo

aumento do desmatamento, dado por uma nova fase de expansão das atividades nos lotes, a

qual pode dar origem a novas áreas de cultivos anuais e perenes e de pastagens,

dependendo da relação capital-trabalho e da disponibilidade de terra e água.

No entanto, Ludewigs (2006) comparou o desmatamento em percentual médio

por lotes de nativos, colonos migrados e investidores externos de terras em assentamento no

estado do Acre, e demonstrou que houve aumento no período 1987-1992, diminuição no

período seguinte de 1993-1996, e nova elevação, desta feita mais leve, entre 1997-1999 e

2000-2003, o que denota que fatores macroeconômicos foram mais preponderantes que,

propriamente, os tempos diferentes de ocupação do lote por cada categoria social.

Em estudo de Futemma & Brondízio (2003), houve redução de áreas de floresta

primária e floresta em regeneração tardia (capoeiras grossas) e aumento de áreas com

espécies anuais, pastagens e floresta em regeneração inicial (capoeiras finas), o que atesta o

desmatamento em direção ao uso agrícola da terra ao longo do tempo.

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Segundo McCracken et al (1999), o espaço de tempo entre a ocupação do lote e

a consolidação dos sistemas de produção apresenta uma curva inicial crescente seguida de

uma curva estável de desmatamento. Portanto, o tempo de ocupação do lote é uma variável

relevante para o processo de desmatamento e regeneração de áreas de capoeira.

Brondízio et al (2002) traz resultados semelhantes ao autor acima quando expõe

que o processo de desmatamento tende a ser mais intenso nos cinco primeiros anos de

assentamento, devido a necessidade de se estabelecer os sistemas produtivos anuais, mas

depois de alguns anos, a taxa tende a decrescer, mas volta a subir adiante com a introdução

da atividade pecuária e a se estabilizar ou decrescer levemente com a consolidação de

sistemas perenes em áreas de floresta secundária.

Batistella et al (2003) analisa que mudanças na paisagem rural significam

alterações de estrutura e função ecológicas dos mosaicos ao longo do tempo, sendo que em

regiões com florestas comunitários, como em estudo de caso analisado no município de

Machadinho (RO), a capacidade de manutenção de cobertura florestal primária é

percentualmente maior, o que também corrobora o estudo de Ostrom (2000).

Adentro das relações entre tempo de ocupação do lote e uso da terra para fins

econômicos e ecológicos, há de se observar também a relação do tempo de ocupação com o

abandono do lote.

Em meados dos anos 70, muitos agricultores familiares, que reclamavam o título

da terra dos projetos oficiais de colonização da ditadura militar, abandonaram seus lotes já

em parte desmatados, devido à falta de condições econômicas de produção e de segurança

pública (Schmink & Wood, 2002)

A rápida rotatividade na posse dos lotes, fenômeno de difícil quantificação,

demonstrou-se como um bom indicador do insucesso da estratégia geopolítica do governo

militar de criar um ambiente produtivo favorável aos agricultores familiares amazônicos.

Smith (1982) demonstra, a partir de dados do INCRA, que em 1978, apenas oito anos após

o início da ocupação amazônica, 19% dos lotes em Marabá e 30% em Altamira já tinham

sido abandonados pelos proprietários originais. Oficialmente, os colonos não podiam

negociar suas terras, no entanto, a situação desesperadora dos mutuários de crédito rural

desencadeou o processo de compra e venda dos lotes. Novos colonos espontâneos ou, mais

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comumente, colonos com relativo sucesso e demanda de terra aos filhos desembolsavam

uma quantia equivalente ao débito de empréstimos, benfeitorias e valor dos cultivos dos

antigos colonos e legalizavam as terras em nome de esposas e/ou filhos, pois legalmente

não podiam deter mais do que um lote.

Apesar dos incentivos oficiais, Romeiro (1998a) também observou uma

rotatividade elevada de donos de lotes ao longo do tempo de ocupação. Essa rotatividade é

característica das regiões de fronteiras agrícolas e varia conforme as diferentes épocas e

zonas, sem que suas numerosas causas estejam claramente identificadas e hierarquizadas.

Na amostragem de entrevistados na pesquisa do autor, os colonos beneficiários do PIC já

representavam a minoria dos lotes ocupados.

Ludewigs et al (2008) e Moran et al (2002) lembram que as taxas de abandono

de lotes ao longo da Transamazônica, por exemplo, foram diagnosticadas em torno de 30%

apenas na primeira década dos assentamentos (anos 70), e continuaram a subir na década

seguinte. Evidências do estudo de Moran et al (2002) demonstram que a taxa de abandono

está negativamente relacionada com a qualidade de solos e tempo de ocupação dos lotes.

Os nativos amazônicos e colonos imigrados que chegaram nessa fronteira agrícola até 1975

selecionaram lotes mais férteis com solos de terra roxa estruturada e obtiveram produções

agrícolas maiores, o que se tornou um fator relevante para a estabilidade na terra, enquanto

os colonos imigrados posteriormente, assentados em terras de pior qualidade, encontraram

grandes dificuldades e, conseqüentemente, desencadearam processos mais significativos de

rotatividade de lotes. Para Ludewigs (2006), enquanto a rotatividade da terra pode

interromper a relação entre ciclo de vida familiar e uso da terra, ela não necessariamente

interrompe o ciclo de uso da terra em si do lote, ao revés, tende a mantê-lo. Por esse motivo

que esse fenômeno é de complexa mensuração, vide o caso do estudo de Pan & Bilsborrow

(2005), onde não foi encontrada relação significante entre tempo de ocupação do lote e uso

da terra.

Guanziroli et al (2001) alerta que é notório observar também os diferentes tipos

de abandono de lote, que podem ser total ou parcial. O tamanho das famílias e,

logicamente, sua capacidade de mão-de-obra tendem a aumentar e depois diminuir

conforme o transcorrer do tempo de ocupação do lote. Nas áreas de fronteira agrícola mais

consolidada, o esvaziamento é associado às novas e melhores oportunidades oferecidas aos

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jovens rurais nos meios urbanos, ou à falta de desenvolvimento local, em particular, no

meio rural. No extrato de produtores mais capitalizados, é comum os filhos e filhas serem

enviados às cidades para estudar (sobretudo as mulheres), contribuindo para reduzir a

disponibilidade de mão-de-obra. Nas áreas de nova fronteira agrícola menos dinâmicas,

entretanto, a redução da mão-de-obra e o abandono total dos lotes estão associadas aos

convencionais motivos de expulsão mencionados acima. O fator tempo de ocupação do

lote, portanto, tem diferentes implicações no abandono, conforme o estágio cronológico e

de desenvolvimento da fronteira investigada.

Para a variável independente “tempo de ocupação do lote” foi assumido como

hipótese específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra

do Proambiente vem de famílias com mais tempo de ocupação do lote, devido a essa

condição necessária para proporcionar viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental

à unidade de produção. Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I,

os cultivos perenes têm relação positiva e a reserva legal tem relação negativa ao longo

do tempo de ocupação do lote, sendo que as demais formas de uso da terra não

demonstraram significância estatística.

De acordo com a análise de correlação da Tabela 10, a grande maioria dos lotes

destina somente 0-5% da área para culturas perenes, seguido de 5-10%. Devido à baixa

capacidade de trabalho fisiológico e pouca disposição de maquinários para elevar a

produtividade do trabalho da agricultura familiar, os números absolutos de lotes com mais

de 10% da área sob cultivo perene é menos significativo (em torno de um quarto dos lotes

até 20 anos de ocupação, e aproximadamente um quinto após 20 anos). Na classe de

porcentagem entre 0-5%, até 20 anos ocupação, há estabilidade no percentual de lotes com

cultivos perenes (62,66% entre 0-5 anos; 63,80% entre 5-10 anos; 63,15% entre 10-20

anos), porém, após 20 anos, há elevação para 68,69% dos lotes. Entre 0-10% de área com

cultivos de perenes há oscilação de 74,69%, 74,94% e 73,91% dos lotes, com respectivos

tempos de ocupação de 0-5, 5-10 e 10-20 anos, elevando-se para 78,54% dos lotes após 20

anos. Por conseguinte, os lotes cadastrados no Proambiente tiveram estabilidade no

cultivo de perenes até 20 anos de ocupação, com elevação em torno de 10% da área

após esse período. E o que alavanca o crescimento do cultivo de perenes são as áreas

menores, entre 0-5% do lote.

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Na classe de porcentagem de 0-20%, há leve queda de reserva legal ao longo do

tempo de ocupação do lote (39,00% para 0-5 anos, 37,12% para 5-10 anos, 37,25% para

10-20 anos, 33,08% para mais de 20 anos). Entretanto, se forem somadas as duas primeiras

classes (0-20 e 20-40 anos) há estabilidade em torno de 15%, mas nas duas últimas classes

somadas, isto é, acima de 60% de reserva legal, há queda ao longo do tempo de ocupação

de 37,34% para 34,85%, depois 32,87%, e enfim 28,79%, sendo que dentro do que

estabelece a legislação ambiental (mínimo de 80% de reserva legal no bioma amazônico), a

queda é bem mais acentuada, de 23,65% para 13,35% ao longo de 20 anos, e para somente

10,61% para mais de 20 anos de ocupação do lote. Logo, há relação inversa entre tempo

de ocupação do lote e área de reserva legal.

De modo geral, os cultivos anuais deixam de ser uma estratégia de uso

econômico da terra ao longo do tempo, dando lugar às culturas perenes e campos abertos.

Há impactos na reserva legal durante todo o tempo de ocupação do lote, porém, esses

impactos são em parte compensados nos lotes mais velhos devido à introdução de culturas

perenes no longo prazo (mais de 20 anos). Dessa forma, para cultivos perenes a hipótese

se confirma, enquanto para reserva legal, se confirma parcialmente, sobretudo, devido

ao papel dos cultivos perenes, que podem ser averbados como reserva legal.

Por fim, o resultado obtido nos lotes cadastrados no Proambiente quanto à

estabilidade no cultivo de perenes até 20 anos de ocupação, com elevação em torno de 10%

da área após esse período, são confirmados pela literatura, enquanto a relação inversa entre

tempo de ocupação do lote e área de reserva legal é em parte confirmada, não se

observando no estudo a estabilização do desmatamento nos estágios mais avançados devido

à rotatividade de lotes que desencadeia novos processos de desmatamento. O tempo de

ocupação do lote não se demonstrou significativo para a geração de renda familiar anual

devido à rotatividade, embora seja claro na literatura que a capitalização depende da

superação do déficit inicial de capital para investimento produtivo e da elevação da

produtividade marginal do trabalho, quesitos dificilmente superáveis no início da ocupação

devido à ausência de eventos macroeconômicos externos ao lote.

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7.3.2. Variáveis referentes ao ativo trabalho

7.3.2.1. – Origem do chefe de família

Conforme resgata Carvalho (2000), a base cultural (que em parte se atrela à

origem), aliada a condições objetivas de disponibilidade de recursos naturais, pode

constituir-se numa vantagem/desvantagem a fundamentar, no contexto dado, dinâmicas de

mudanças em busca de maior eficiência. A faixa etária do chefe de família (e do conjunto

familiar) também pode informar sobre a disposição em assumir novos esforços, abandonar

ou fixar padrões e inovar. O nível de interação da família com formas associativas aponta

para a respectiva abertura no que se refere às trocas de experiências e à busca de teias de

solidariedade. O grau de escolaridade também influi de forma importante na capacidade de

mudar. Quanto às formas coletivas de organização do trabalho, como os mutirões, elas

podem se constituir em formas de suprir ativos econômicos escassos (ex: trabalho) na

formação de condições para a transição produtiva de uso da terra.

As racionalidades produtivas e as diferentes identidades de colono, que podem

ser definidas como ethos de colono, tencionam esferas relacionais ao mesmo tempo em que

acomodam situações internas e externas conforme a tradição cultural. Quando falamos em

ethos, estamos falando de representações culturais inseridas, produzidas e emitidas sobre o

vivido e a realidade social na qual o indivíduo está inserido, socializado, e que também

define o seu comportamento sobre o uso da terra (Tedesco, 2001).

O ethos, pois, diz respeito a uma sabedoria implícita ao domínio de informações

sociais e mentais, que são operacionais e adquiridas ao longo da experiência de vida. O

ethos orienta não apenas a gestão da vida cotidiana, mas igualmente a relação frente aos

acontecimentos incomuns ou perante as tomadas de decisões incertas (ex: realizar ou não

um determinado tipo de investimento na terra). Embora não se constitua como sistema

explícito e necessariamente unificado, essa disposição possibilita aos indivíduos agir

espontaneamente em qualquer situação, de forma que lhes pareça razoável, relativamente

coerente e com chances de êxito. Quando falamos de um ethos de colono, não estamos

querendo apresentar um modo coerente e estanque de uma lógica tradicional e de

reprodução local, apoiada em uma produção de subsistência ausente de vínculos mercantis.

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A noção de ethos de colono está envolto numa economia moral que não exclui uma

racionalidade econômica interna a seu ambiente vivido e concebido, com características

objetivas, pragmáticas e racionais do universo econômico mais amplo (Woortmann, 1990).

Por isso é necessário dar ênfase aos aspectos socioculturais imbricados com as dinâmicas

econômicas e com o espaço da família.

Muitos estudos têm caracterizado as diferenças culturais pela maneira como as

pessoas concebem e relacionam-se com o meio ambiente, isto é, encampam modos de

identificação e de interação entre seres humanos e natureza (Brondízio et al, 2009c).

Portanto, estudar a influência da variável origem torna-se relevante não para comparar tipos

mais viáveis de uso da terra, aptidão agrícola ou capacidade de trabalho conforme a região

nativa da família rural, mas para construir uma leitura de como as raízes culturais

(influenciadas pela origem) são relevantes (ou não) nas decisões sobre uso da terra. Esse

tipo de resposta é importante para subsidiar a construção de políticas públicas que façam

valer as opções de uso da terra em harmonia com os aspectos sócio-culturais de cada povo,

afinal, o uso da terra não está condicionado somente às razões econômicas. Não somente o

valor de troca oriundo do trabalho produtivo deve ser levado em consideração nas políticas

públicas, mas também o valor de uso da matéria e energia ofertadas pelos ecossistemas,

pois valores de troca e uso emergem de processos sociais, e não simplesmente pela

disposição a pagar, conforme crítica do capítulo III.

Para Brondízio (2009), no processo de expansão da fronteira agrícola, pode-se

destacar três efeitos temporais principais, que são eles efeitos de corte associados com a

chegada e a ocupação dos lotes por grupos de famílias, efeitos de idade associados com a

transformação sobre o tempo dos domicílios (os dois primeiros já discutidos anteriormente)

e migrações humanas egressas de diferentes origens (muitas atraídas por condições

especiais, como o crédito rural subsidiado, porém, que carecem de infra-estrutura

compatível ao processo produtivo, itens a serem discutidos adiante).

O sistema de produção é entendido como o conjunto coerente de combinações

de culturas e criações dentro de uma unidade de produção. A agricultura familiar

desenvolve, em geral, sistemas complexos de produção, combinando várias culturas,

criações animais e transformações primárias tanto para o consumo da família como para o

mercado consumidor. Os sistemas de produção podem ser mais ou menos complexos,

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sendo resultado de lentas e laboriosas implicações sociais, econômicas, ecológicas e

também culturais. Um sistema de produção reflete não somente as potencialidades e

restrições socioambientais e agronômicas particulares de cada local, mas também a história

local e das famílias que o adotam. A compreensão de sua lógica e dinâmica requer a

reconstrução de sua origem, seu itinerário histórico, das encruzilhadas, restrições e

oportunidades enfrentadas por cada família (Guanziroli et al, 2001).

Segundo Van Der Plog (2006), os recursos sociais e materiais disponíveis

representam uma unidade orgânica e são possuídos e controlados por aqueles diretamente

envolvidos no processo de trabalho. As regras que governam as inter-relações entre os

atores envolvidos (e que definem suas relações com os recursos mobilizados) são

tipicamente derivadas de (e vinculadas a) repertórios culturais locais e relações de gênero.

Cada ciclo de produção é construído a partir dos recursos produzidos e reproduzidos nos

ciclos anteriores. Assim, entram no processo de produção como valores de uso, como

instrumentos e objetos de trabalho, que são utilizados para produzir mercadorias e, ao

mesmo tempo, para reproduzir a unidade de produção.

Pan & Bilsborrow (2005) identificam três perspectivas no entendimento da

interação entre ser humano e meio ambiente: (a) interpretação histórica e cultural de cada

povo, (b) leitura do comportamento individual quanto às tomadas de decisão sobre uso da

terra e (c) entendimento das regras que circulam em torno de organizações e instituições e

que estabelecem as oportunidades e restrições quanto às tomadas de decisão.

Já Brondízio et al (2009c), apoiado nas idéias apresentadas por Gisli Palssoon,

distinguem outros três tipos de paradigmas que representam formas particulares de

interação ser humano e meio ambiente: orientalismo, paternalismo e comunalismo.

Enquanto as duas primeiras formas são baseadas em diferentes graus de separação do ser

humano da natureza, o último rejeita a separação radical de natureza e sociedade, objeto e

sujeito, enfatizando a noção de diálogo.

E para Moran (2009), três temas principais podem ser observados na história

intelectual ocidental, até meados dos anos 1950, que tentaram explicar as interações

humanas com a natureza: determinismo ambiental, possibilismo e adaptacionismo. A

primeira visão superestimou a influência da natureza, enquanto a segunda visão

superestimou o papel da cultura. A terceira visão construiu uma ponte entre as duas

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abordagens e enfatizou as interações recíprocas das pessoas com a natureza, favorecendo

sua co-adaptação.

Brondízio (2009) lembra que variações de interpretações etnobotânicas do

ambiente regional distinguem os nativos da Amazônia dos colonos recentes por meio de

sua interpretação do potencial econômico das florestas perante sua conversão via

desmatamento. Por outro lado, a criatividade dos colonos para desenvolver novos sistemas

de uso da terra – tal como tipos de sistemas agroflorestais – geram oportunidades para

conciliar o manejo da floresta e o uso da terra em programas de desenvolvimento rural. Os

dados do autor elucidam o motivo pelo qual os resultados do presente trabalho demonstram

a maior quantidade de reserva legal e a menor de cultivos perenes em lotes de produtores

familiares amazônicos. O resultado também ajuda a interpretar o resultado inferior em

renda dos produtores nortistas e nordestinos, que no caso dos primeiros significa cultura e

domínio econômico diferentes sobre os modos extrativos de uso dos recursos naturais que

não encontram políticas de incentivo ou mercados consumidores consolidados.

De acordo com depoimentos levantados com agricultores familiares da

Transamazônica (PA), ano início do processo de ocupação da fronteira agrícola, a

influência da origem da família ficava nítida na forma de uso da terra:

Depoimento de produtor mineiro – No começo todo mundo punha sua roça, o

paraense menos, mas punha. Mas também tinha diferenças. O gaúcho punha o gado, o

mineiro e o capixaba o café, o baiano o cacau, o maranhense, ah, o maranhense era só

arroz, e o paraense sabia melhor sobre terra boa, açaí e madeira. Depois, com o tempo, os

lotes foram ficando mais parecidos por causa dos projetos que apareceram e das nossas

conversas e visitas nos lotes dos outros.

Depoimento de produtor paraense – O paraense acaba aprendendo com o

cearense a plantar e a colher, e o cearense aprende com o paraense a fazer farinha de

mandioca.

No início da expansão amazônica, os nortistas tendiam a explorar o ambiente

florestal em preferência aos modos agrícolas, que embora não tenham viabilidade

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econômica como os cultivos agrícolas, representam para os mesmos um alto valor cultural

com uma grande variedade de frutas e produtos florestais não madeireiros (Ludewigs,

2006). Já os nordestinos demonstraram o mais baixo nível tecnológico e os movimentos

menos dinâmicos de uso da terra, e os sulistas se enquadravam mais proximamente aos

planos oficiais de colonização agrícola baseado em monoculturas anuais. Como

conseqüência, os sulistas tiveram mais acesso ao crédito rural subsidiado, como será

demonstrado adiante. No entanto, isso não quer dizer que um agricultor originário de uma

ou outra região possua mais ou menos habilidades agronômicas do que outros, mas apenas

ilustra os vários modos particulares de uso da terra e dos recursos naturais (Moran, 1981).

O governo militar, contudo, não demonstrou capacidade para fazer essa leitura, o que

representou o direcionamento da exploração da fronteira agrícola aos modos extensivos

pecuários baseados nos grandes (e ineficientes) empreendedores rurais.

Para Ludewigs (2006), a chegada de assentados advindos de diversas partes do

Brasil para a colonização da Amazônia nos anos 70 foi marcada por uma rica interação

entre migrantes e povos nativos, um processo explorado em detalhes por Moran (1981).

Como as oportunidades e desafios de uma nova fronteira agrícola foram vivenciados em

quase todos os aspectos, dia-a-dia, migrantes aprenderam importantes estratégias

adaptativas da cultura local com os nativos amazônicos. E apesar das diferenças culturais,

do histórico ocupacional, da posição social e da condição estrutural que afeta as condições

de uso da terra, os diferentes grupos sociais respondem de modo similar às forças e

oportunidades do mercado consumidor nas suas opções de uso da terra.

Siqueira et al (2003) levanta que na nova fronteira agrícola, a presença de

agricultores originados das regiões Sudeste e Sul foi considerada essencial na “quebra de

hábitos produtivos culturais”, assim como o planejamento governamental (ainda que muito

frágil) foi relevante em alguns processos de inovação tecnológica.

Para Perz (2001), o diagnóstico de origem é um dos pontos que permite estimar

as diferenças culturais dos produtores familiares no que se refere ao uso da terra. O autor

encontrou (a) relação positiva entre agricultores familiares migrados do Sul do país com a

alta quantidade de cultivos de anuais, (b) correlação de origem e renda inicial fraca para o

caso de perenes, sendo o crédito rural uma variável independente mais significativa

(também para a pecuária), como será demonstrado adiante, e (c) proprietários sulistas com

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mais cobertura da terra com pastagens. Esses resultados, de novo, em muito se assemelham

aos obtidos no presente trabalho, sobretudo, o forte viés de cultivos anuais dos sulistas,

seguido dos nordestinos.

Carvalho (2000), numa comparação entre 53 famílias de nordestinos, 33

famílias de paraenses e 15 famílias de paraenses filhos de nordestinos, o último perfil se

sobressai nos processos inovadores de diversificação de uso da terra, seguidos dos

nordestinos, havendo menos mudanças e mais influência de tradições culturais nas famílias

de paraenses. Assim, as condições culturais, seguramente, deram o sentido e o ritmo da

mudança:

Depoimento de produtor paraense – Cearense bota mais roça que o paraense.

Bota o máximo que puder.

De acordo com dados de Moran (1981), após três anos de ocupação, os sulistas

eram os que detinham a maior porção desmatada e um forte direcionamento para o uso

pecuário da terra, seguidos dos agricultores originários do Centro-Oeste. Já os nortistas se

enquadravam entre os agricultores com menor tradição pecuária devido aos seus modos

particulares de uso da terra e dos recursos naturais. Esses resultados são corroborados pelo

presente estudo, que nitidamente aponta o viés pecuário aos produtores do Sudeste, Sul e

Centro-Oeste, e de conservação de reserva legal dos produtores do Norte.

Depoimento de produtor cearense: Sim, o paraense gosta de ficar mais perto

das matas, mas quando casa com cearense aprende com ela também. Cearense gosta de

roça.

A forma de sustento diversificada dos povos indígenas baseada em ambientes

naturais pode contribuir para o aumento da resiliência de sistemas de produção e

potencializar a equilíbrio ecológico contra espécies arbustivas invasoras e nocivas ao

processo de regeneração natural. Dessa forma, sistemas múltiplos apresentam não somente

potencial econômico, mas também ecológico, sendo inclusive possível integrá-los na

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averbação de reserva legal (Walker et al, 2002). Sem dúvida esse aspecto sócio-cultural

também demarca as influências nos modos de uso da terra dos povos amazônicos não

indígenas.

Para Moran et al (2009), as diferenças socioeconômicas afetam as dinâmicas

regionais do desmatamento. Se os migrantes são nativos da região, a probabilidade deles

manterem padrões de desmatamento e uso da terra mais amenos (apoiando-se em práticas

extrativistas mais sustentáveis, de modo a complementar a segurança alimentar da família)

será maior que a dos migrantes de regiões distantes, com outros sistemas de produção e

outras tradições de manejo de recursos naturais.

Ludewigs (2006) encontrou que, em assentamento rural localizado em Humaitá

(AC), os lotes de nativos amazônicos mantém maior percentual de terras com cobertura

florestal, florestas secundárias e cultivos anuais, enquanto cultivos perenes e atividade

pecuária são mais significativos em lotes de colonos de fora da região amazônica. Na

comparação entre lotes de nativos amazônicos, colonos migrados e investidores externos de

terras, os primeiros demonstraram proporções mais baixas de solos sob ciclos de corte raso,

fato conectado à menor alocação de terra dos mesmos para a atividade pecuária. Já os

colonos migrados demonstraram proporções mais altas de terras recentemente abandonadas

quando comparados com as duas demais categorias sociais, o que pode indicar sua maior

dificuldade em manter pastos limpos. Lotes de nativos amazônicos apresentaram proporção

média de cobertura florestal, em 2003, em torno de 14% acima das médias verificadas em

lotes de colonos migrados e 9,5% acima das cifras obtidas em lotes de investidores externos

de terra.

Apesar da preferência de grupos migratórios pela pecuária (originários de todas

as regiões que não o Norte) e cultivos anuais (especialmente os sulistas), tem-se observado

que a escolha do uso da terra depende também do capital inicial, capacidade de trabalho da

família e, principalmente, de condições e oportunidades do mercado consumidor e de

acesso ao crédito rural (Moran et al, 2009), aspectos que serão discutidos adiante, mas que

torna pertinente citá-los dentro da análise de origem para não transparecer que essa variável

independente tenha na presente obra um enfoque determinista como o trazido por Ramos

(2001), quando alega que a cultura é que define como as pessoas se relacionam com a terra,

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com a natureza, com o meio ambiente físico e como expressam suas atitudes e suas

opiniões sobre as formas de vida animal e vegetal.

Para Perz & Walker (2002), o contexto socioeconômico refere-se ao capital

cultural e financeiro que os produtores migrados trouxeram para a Amazônia. Os autores

incluíram em seus modelos a região de nascimento do chefe de família (capital cultural) e

um índice de capital inicial para cultivo agrícola (capital financeiro). Quanto às regiões de

origem, os autores dividiram os colonos migrantes entre aqueles oriundos de regiões mais

industrializadas (Sul e Sudeste) e aqueles advindos de regiões mais carentes em tecnologias

agrícolas (Centro-Oeste, Nordeste e Norte). Como hipótese, os autores apresentaram que o

último grupo caracteriza-se pela prática da agricultura de corte e queima e não tradição de

uso de instrumentos e insumos agrícolas externos à unidade de produção, o que determina

uma quantidade substancialmente maior de áreas de regeneração de capoeiras e,

conseqüentemente, resulta em contingente maior de reserva legal. Os resultados

encontrados confirmaram suas hipóteses.

Ludewigs (2006) expõe que lotes com rendas mais inferiores são de nativos

amazônicos que se dedicam à economia florestal extrativista (castanha-do-pará, borracha,

madeira, frutas tropicais não comerciais, palmitos, pesca, caça) e à agricultura de

subsistência. Já as rendas intermediárias advêm de colonos migrados que se dedicam aos

cultivos de anuais para comercialização, aos cultivos perenes e aos sistemas diversificados,

ao passo que as rendas mais substanciais provêm dos lotes de colonos migrados e

investidores externos de terras dedicados à pecuária de corte. Esse resultado demonstra a

demanda para a valorização econômica das atividades florestais no âmbito de políticas

públicas, além de corroborar os resultados obtidos no presente estudo ilustrados na Tabela

09, que apontam renda familiar anual superior de lotes com chefes de família Sul, seguido

de Sudeste. Já os lotes de família Centro-Oeste têm renda familiar anual estatisticamente

similar aos do Norte, e ambos são superiores aos do Nordeste.

Para a variável independente “origem do chefe de família” foi assumido como

hipótese específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra

do Proambiente vem de famílias com origem na Amazônia Legal devido ao seu

conhecimento ecológico empírico do bioma.

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Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, tomando a

origem do chefe de família Norte como variável de referência, os cultivos anuais têm

relação positiva com origem do chefe de família Sul e Nordeste, os cultivos perenes têm

relação positiva com origem do chefe de família Sudeste, Sul, Centro-Oeste e

Nordeste, os campos abertos têm relação positiva com origem do chefe de família

Sudeste, Centro-Oeste, Sul e Nordeste, a reserva legal tem relação negativa com

origem do chefe de família Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste e a renda familiar

anual tem relação positiva com origem do chefe de família Sul e Sudeste e relação

negativa com chefe de família Nordeste, sendo que as demais formas de uso da terra não

demonstraram significância estatística.

De acordo com a análise de correlação da Tabela 11, em 78,24% dos lotes com

chefes de família originários do Sudeste são detidas culturas anuais na classe de

porcentagem de 0-5%, seguidos de segundo bloco de lotes chefiados por produtores do

Norte (68,12%) e Sul (66,17%), e terceiro bloco de produtores do Centro-Oeste (58,75%) e

Nordeste (56,59%). Somadas as duas primeiras classes, 88,28% e 87,56%, respectivamente,

dos lotes chefiados por produtores oriundos do Sudeste e Norte detêm até 10% de cultivos

anuais nos lotes, seguidos de segundo bloco de produtores do Centro-Oeste (83,75%) e

Nordeste (81,74%), e terceiro bloco do Sul (79,11%). Entre 10-15% da área, lotes de

produtores do Nordeste e Centro-Oeste são mais freqüentes, mas a partir de 15%, são os

lotes de produtores oriundos do Sul que abrangem as maiores áreas de culturas anuais.

Praticamente inexistem casos de lotes chefiados por produtores do Norte, Nordeste e

Centro-Oeste com mais de 40% da área destinada às culturas anuais, e entre 60-80% há

quatro casos isolados de produtores do Sudeste. De modo geral, pode-se concluir que os

lotes liderados por chefes de família originários do Sul detêm áreas maiores

destinadas aos cultivos anuais, conforme a tradição de grãos de sua região de origem,

seguidos de lotes compostos por chefes de famílias com origem Nordeste, mas com

intensidade bem menos significativa.

De maneira geral, com exceção dos lotes chefiados por produtores originários

do Sul, a área com cultivos perenes tende a decrescer conforme o aumento das quatro

primeiras classes de porcentagem (0-5%; 5-10%; 10-15%; 15-20%), crescer na classe de

porcentagem entre 20-40%, e novamente decrescer e oscilar em percentuais muito baixos

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acima de 40% (sobretudo nos lotes de produtores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste). No

caso específico dos sulistas, há decréscimo de área da primeira classe percentual (0-5%) à

segunda (5-10%) de 39,80% para 9,95%, seguido de acréscimo na terceira classe (10-15%)

para 12,94%, decréscimo na quarta classe (15-20%) para 5,47% e novo acréscimo, como os

demais, para 18,91% na classe de porcentagem de 20-40%. Áreas sob cultivos de perenes

acima de 20% do lote só são relevantes em propriedades de chefes de família oriundos

do Sul e, principalmente, Sudeste. Lotes chefiados por produtores do Sudeste e Sul têm

32,63% e 31,85%, respectivamente, de seus cultivos perenes em classes de porcentagem

acima de 20%, seguidos apenas de 16,25% de produtores do Centro-Oeste, 5,5% do

Nordeste e 2,11% do Norte, sendo que nos três últimos, a quantidade absoluta de lotes é

praticamente irrelevante. Portanto, destacadamente, os lotes chefiados por produtores

originários do Sudeste têm maior predomínio de cultivos perenes, com queda mais

suave em relação aos demais lotes conforme o aumento da classe de porcentagem, seguido

dos lotes chefiados por produtores do Sul, Centro-Oeste e Nordeste. O resultado deve-se à

tradição de cultivo de café e frutíferas da região Sudeste, sobretudo, mineiros e

capixabas que compõe o percentual mais significativo de migrantes.

Respectivamente, 42,68%, 42,79% e 46,25% dos lotes de produtores originários

do Sudeste, Sul e Centro-Oeste são ocupados com campos abertos nas classes de

porcentagem de 0-20% e 20-40%, seguidos de produtores do Nordeste com 64,07%, e

Norte com 87,56%, sendo que os originários da última região têm 75,66% da área de

campos abertos concentrada somente na primeira classe de porcentagem (0-20%), valor

substancialmente superior aos demais lotes. Entre as duas últimas classes (60-80%; mais de

80%), 5,43% dos lotes originários de produtores do Norte concentram campos abertos,

seguidos de 16,32% para lotes de produtores do Nordeste, e 33,34%, 35,0% e 36,82% para

produtores do Sul, Centro-Oeste e Sudeste, respectivamente. Assim, os dados são muito

nítidos em ilustrar que os lotes chefiados por produtores do Sudeste, Centro-Oeste e Sul

detêm áreas substancialmente maiores utilizadas para a pecuária em campos abertos,

além da atividade ser mais uniformemente distribuída entre as diversas classes de

porcentagens. Os lotes chefiados por produtores do Nordeste tem 50% de campos

abertos a menos que os demais acima, porém, sua quantidade ainda está muito acima

desse tipo de atividade desencadeada em lotes chefiados por produtores do Norte.

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Os lotes chefiados por produtores originários do Norte claramente

sobressaem-se pela maior quantidade de reserva legal em relação aos demais lotes.

Nas duas primeiras classes de porcentagem (0-20%; 20-40%) há somente 16,53% dos lotes

de produtores do Norte, contra 55,84% de produtores do Nordeste, e valores

substancialmente altos, 70,0%, 74,48% e 82,59%, respectivamente, de produtores do

Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Ao revés, nas duas classes de porcentagens mais altas (60-

80%; mais de 80%), 69,97% dos lotes de produtores do Norte concentram reserva legal,

contra apenas 26,64% dos produtores do Nordeste, e irrisórios 13,39% de produtores do

Sudeste, 11,25% do Centro-Oeste e 8,46% do Sul. Ao se fechar mais a análise para o que

estabelece a legislação ambiental no bioma amazônico, ou seja, destinação de 80% da

área para reserva legal, é possível constatar que 44,84% dos lotes de nativos do bioma

amazônico estão na legalidade, contra somente 8,23% para o caso dos produtores do

Nordeste, 3,35% do Sudeste, 2,50% do Centro-Oeste e 2,49% do Sul. Há uma clara

relação entre origem e presença de reserva legal, explicável pela tradição

agroextrativista dos amazônicas e pela tradição agropecuária dos produtores das

demais regiões, sem o conhecimento sobre formas de uso econômico e ecológico

múltiplo da floresta.

Para a origem do chefe de família, a hipótese se confirma parcialmente. No

caso da reserva legal, a hipótese se confirma totalmente, com contundente capacidade

dos produtores amazônicos em detê-las, entretanto, ao revés, a hipótese não se

confirma para o caso dos cultivos perenes, alocados principalmente nos sistemas de

produção de lotes com chefes de família Sudeste, seguidos dos lotes com chefes de

família Sul, Centro-Oeste e Nordeste.

7.3.2.2. Escolaridade do chefe e da chefe de família

Castro (2001) levanta que o debate ambiental desenrolado em fins do século XX

associou, por diversas vertentes, o papel das mulheres aos processos de desenvolvimento

rural e ao melhor aproveitamento dos recursos naturais, independentemente de seus níveis

de escolaridade. Suas práticas são fundadas em um saber sobre a floresta e sobre as

riquezas provenientes da fauna, da flora, de seus cursos d‟água, numa permanente

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reinvenção de seus conhecimentos ecológicos, do saber cuidar da vida, da saúde e da

existência cultural do grupo.

Como aponta Simonian (2001), na Amazônia merece destaque o aumento da

participação das mulheres na exploração dos castanhais, do látex de seringueiras e dos

lagos de pesca, assim como sua organização para transformar suas matérias-primas em

produtos artesanais, como o óleo e doce de castanha e babaçu e os tecidos emborrachados,

além de estruturação de estratégias de comercialização. A venda desses produtos lhes

permitiu aumentar a renda familiar, inclusive organizando feiras em meios urbanos locais e

regionais. É muito importante ressaltar também que a procura por uma integração em

projetos educativos continua crescendo, sendo a maior preocupação destas mulheres a

educação escolar de seus filhos. Na Amazônia Oriental, as mulheres experimentam um

processo organizativo em que não só planejam sua produção, mas também demandam

melhores condições sociais de vida. São os casos de instituições como o Movimento de

Mulheres do Nordeste Paraense (MMNEPA) e a Associação de Mulheres do Bico do

Papagaio (ASMUBIP), ambas ligadas, respectivamente, ao Pólo Rio Capim (PA) e Pólo

Bico do Papagaio (TO) do Proambiente.

O fato de uma comunidade rural não ser escolarizada não significa que seja, por

isso, insensível aos padrões estabelecidos pelos custos e retornos marginais na distribuição

de ativos de produção que tem a sua disposição. A falta de escolaridade indica apenas que o

agente humano tem menores capacidades cognitivas para esse tipo de interpretação do que

se tivesse adquirido instrução formal.

Assim, os novos conhecimentos e as novas habilitações podem ser adquiridos de

três maneiras diferentes. Primeiramente, há o processo consagrado pelo tempo, com

métodos empíricos de tentativa e erro e de troca de experiências, ensinado pela experiência

crua; o segundo processo de aprendizado dá-se através de orientações de órgãos oficiais de

assistência técnica e extensão rural, que muitas vezes desconhecem profundamente as

particularidades socioculturais e as razões econômicas dos processos comunitários e

individuais de tomadas de decisão sobre inovações; o terceiro é a instrução formal, a

formação escolar, que colabora na capacidade cognitiva para obtenção de informações e

acesso às inovações (Schultz, 1965)

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Ladejinsky (1970), em estudo sobre o estado indiano de Andra Pradesh,

demonstra que o valor dos ativos, o tamanho do estabelecimento rural e a escolaridade dos

chefes de famílias se correlacionam com a atividade produtiva inovadora. A pesquisa sobre

quatro cultivos anuais (arroz, trigo, milho e sorgo) em nove áreas diferentes indicou que o

tamanho médio dos lotes rurais dos agricultores inovadores era cerca de 90% maior que o

dos lotes rurais estagnados (variável a ser discutida adiante), e entre os chefes de família

classificados como “inovadores”, a escolaridade média girava em torno de nove anos de

estudo, entre os denominados “imitadores” ao redor de quatro anos, e entre os “estagnados”

com média de apenas dois anos de freqüência escolar.

Em estudo com escala reduzida, Carvalho (2000) não verifica diferença

significativa entre uso da terra em grupo de analfabetos (28 casos) quando comparado a

grupo com escolaridade de até 3 anos (69 casos), porém, num nível de escolaridade mais

elevado (de 4 ou mais anos), onde aparece um único caso com 10 anos de escolaridade, o

uso da terra na Amazônia demonstra uma inflexão importante nesta variável.

Arima (2000) estratificou o nível de escolaridade de uma comunidade rural

amazônica em analfabetos (16%), 1ª a 4ª série (64%), 5ª a 8ª série (15%), 2º grau (4%) e

sem informação (1%), perfil bem parecido com os ocorridos no Proambiente. O autor

encontrou que baixos níveis de escolaridade comprometem a capacidade de gerenciamento

e administração do crédito rural e a adoção de novas tecnologias, conseqüentemente, a

geração de renda familiar.

Entretanto, a trajetória observada dos jovens coloca um aparente “dilema” para

o futuro das famílias rurais, pois o acesso à educação, visto pelos pais como um

instrumento de ascensão social, termina por reforçar o movimento de saída dos jovens do

campo. A propósito, chama a atenção o fato de a educação dos integrantes das famílias

rurais aparecer como recurso para o êxito fora da agricultura, mas não na própria atividade

(Maluf, 2003). Esses fatos podem ser atestados por dois depoimentos conflitantes de

agricultores selecionados pelo Proambiente:

Agricultora do Pólo Bico do Papagaio (TO), num sentido crítico à educação: A

escola aqui só serve pra tirar os filhos da gente. Depois de estudar, os filhos não querem

mais voltar pro lote.

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Agricultor do Pólo Transamazônica (PA), num sentido não crítico à educação:

As meninas geralmente saem pra estudar e depois “ficam na rua” (leia-se “estabelecem-se

na cidade”), pois lá arranjam um empreguinho melhor e ajudam a família.

Romeiro (1999b) alerta que o acesso à educação é considerado como um dos

fatores fundamentais para o sucesso do empreendimento familiar. Logo, a emergência de

um novo paradigma tecnológico na agricultura, baseado na sustentabilidade, especialmente

importante na região amazônica, exige uma mudança no atual padrão de ensino rural. Neste

sentido, o autor recomenda a parceria governamental com as estruturas sindicais e

cooperativas de modo a repensar o atual modelo tendo em vista uma série de experiências

bem sucedidas em curso, como o projeto Casa Familiar Rural.

A escolha profissional dos jovens agricultores é determinada por um conjunto

de fatores, dos quais os mais relevantes são suas expectativas de geração de renda na

unidade paterna comparadas com o que imaginam ser possível alcançar inserindo-se em

mercado de trabalho assalariado (Abramovay et al, 2001). A educação é um elemento

decisivo no horizonte profissional de qualquer jovem: para os menos escolarizados, a

renda agrícola representa o patamar máximo possível, enquanto para os mais

escolarizados, oportunidades no meio urbano apresentam-se como mais oportunas em

comparação a renda esperada na atividade herdada no meio rural.

A escolaridade constitui-se como um dos mais importantes mecanismos na

provisão de oportunidades de ascensão social, seja pela possibilidade de obter renda

assalariada fora do lote ou pela maior capacidade de dominar tecnologias inovadoras

(Ludewigs, 2006).

No entanto, dentro dos limites das propriedades rurais, Pan & Bilsborrow (2005)

encontram que a maior escolaridade do chefe de família é associada com menor quantidade

de terra sob cobertura florestal primária e maior de terra convertida em pastagens. Esse

efeito ocorre, pois com maior escolaridade, o chefe de família apresenta aspirações

crescentes quanto à acumulação de renda e aumenta os impactos ambientais.

No mesmo sentido, Ludewigs (2006) observa que entre os agricultores

familiares analfabetos há menos mutuários de crédito rural em comparação aos com

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escolaridade fundamental e média, o que indiretamente traz a suposição de relação direta

entre anos de estudos e renda familiar anual (dados que corroboram os resultados de acesso

ao crédito rural dos lotes selecionados pelo Proambiente, como será evidenciado adiante).

Fora dos limites da propriedade, Thapa et al (1996) demonstra que a maior

escolaridade feminina tende a direcionar o papel da mulher ao trabalho não agrícola em

meios urbanos próximos. Os autores encontraram uma relação a qual um ano a mais de

escolaridade reduz em 15% a participação do trabalho agrícola feminino.

Van Wey et al (2007), em estudo na Amazônia equatoriana, puderam verificar

que as mulheres, em todas as faixas etárias, detêm maior escolaridade que os homens, o que

leva a um quadro onde as mesmas têm mais acesso a trabalhos não agrícolas em áreas

urbanas adjacentes aos seus lotes (ex: prestação de serviços domésticos, comerciárias,

professoras em escolas da rede públicas de ensino fundamental), situação social que gera

capital para investimento em expansão de áreas agrícolas e emprego de novas tecnologias,

sobretudo, no cultivo de perenes e implantação de pastagens. O mesmo ocorre com a

presença de idosos (de qualquer gênero) devido aos seus benefícios previdenciários. Os

autores também enfatizam que a inversão de capital via crédito rural configura-se como a

terceira “porta” de entrada para intensificação de sistemas produtivos para além da

subsistência. Portanto, escolaridade, forças econômicas e institucionais são fundamentais

para o processo de mudanças de uso da terra.

Mulheres que exercem trabalho não agrícola fora do lote participam mais das

decisões econômicas sobre o uso da terra do que aquelas que se restringem ao trabalho

agrícola (Siqueira et al, 2003). Para obter um trabalho com tais características, há de se

ter maior escolaridade, que fornece maior captação de renda e possibilidade de inversão

produtiva no lote, o que resulta em ganho de poder de decisão das mulheres. Assim, a

opção pela pecuária se explica por demandar menos trabalho (essencialmente

masculino), escasso no lote devido ao êxodo rural feminino.

Enquanto no Brasil rural os rapazes manifestaram um forte desejo de

continuidade na profissão paterna, as moças têm uma visão bastante negativa a respeito

deste horizonte profissional. Em estudo de Abramovay et al (2001), mais de dois terços

dos rapazes querem permanecer na atividade que aprenderam com os pais, ao passo que

essa margem não supera um terço entre as moças. Pois o nível educacional de muitos

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rapazes é tão baixo que reduz fortemente suas chances de inserção no mercado de

trabalho urbano.

Isso se configura num problema, pois se nos anos 50-70 já era difícil a

inserção do migrante rural no mercado de trabalho urbano, mesmo num momento de

boom econômico vigente durante o regime de Bretton Woods, agora a situação é mais

complexa numa conjuntura de escassez de trabalhos e/ou de funções cada vez mais

especializadas que marcam a era do Novo Consenso Macroeconômico. No presente

momento, com a expansão da agroenergia e a assinatura da Medida Provisória 458/2009

(que permite legalização de terras griladas e desmatadas ilegalmente na Amazônia), o

Brasil arrisca-se a ter um novo êxodo rural, não tão marcante em números absolutos

como outrora, é verdade, mas novamente por ausência de oportunidades de trabalho

rural, e não por abertura de novos postos urbanos.

Para a variável independente “escolaridade do chefe e da chefe de família”, foi

assumido como hipótese específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e

ecológico da terra do Proambiente vem de famílias com escolaridade mais elevada por

trazer maior sentido de planejamento econômico ecológico.

Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, tomando a

escolaridade do chefe e da chefe de família analfabeto/a como variável de referência, os

campos abertos têm relação positiva com a escolaridade do chefe e da chefe de família

superior, e a renda familiar anual tem relação positiva com a escolaridade da chefe de

família 2º grau e superior, sendo que as demais formas de uso da terra não se

demonstraram significância estatística.

De acordo com as análises de correlações das Tabelas 12 e 13, conforme

avançam as quatro primeiras classes de porcentagens, aumenta a participação de campos

abertos nos lotes com escolaridade masculina mais alta. No caso de escolaridade feminina,

há uma quebra dessa seqüência na classe de porcentagem 40-60%, mas na classe seguinte,

de igual forma, lideram em campos abertos os lotes chefiados por mulheres com

escolaridade “2º grau”. No entanto, na última classe de porcentagem (80-100% da área dos

lotes), quanto menor é a escolaridade, maior é a quantidade de campos abertos para o caso

dos homens, com oscilação linear no caso dos homens e não linear para as mulheres, ainda

que a maior priorização de campos abertos também ocorra em lotes de “analfabetas”. A

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análise desconsidera os dados de lotes com chefes de famílias de nível “superior”, pois sua

quantidade é bem pouco representativa, ainda que os resultados demonstrem forte relação

entre escolaridade mais elevada e priorização da pecuária. Assim, quanto maior é a

escolaridade masculina e feminina dos líderes de propriedades familiares, maior é a

tendência para abertura de campos abertos, sendo que no caso das mulheres, essa

tendência é menos acentuada, evidenciando a influência da divisão social do trabalho

nos lotes, pois a pecuária é um tipo de atividade mais caracteristicamente masculina,

enquanto as mulheres lideram a criação de pequenos animais (suínos e aves). Na

última classe de porcentagem (80-100% da área dos lotes com campos abertos),

porém, há mais lotes de “analfabetos” e “analfabetas” comparados às escolaridades

mais avançadas, o que também indica o perfil extensivo do agricultor ou agricultora

familiar sem escolaridade.

Para a escolaridade do chefe e da chefe de família, a hipótese não se

confirma. Se considerarmos os resultados de cultivos anuais, perenes e reserva legal, a

hipótese é levemente mais condizente para os casos das mulheres com escolaridade mais

alta, mas não confirmada para o caso dos homens na mesma situação escolar no caso

específico de reserva legal. Percebe-se, entretanto, que os campos abertos têm maior

abrangência com mais altos níveis de escolaridade de homens e mulheres, fato que direta

ou indiretamente impacta a reserva legal e não permite o cumprimento dos princípios de

uso da terra e dos recursos naturais do Proambiente. Há uma ligação direta entre

escolaridade masculina e feminina e atividade pecuária, assim como escolaridade feminina

e geração de renda familiar anual, o que induz a relação direta entre alta escolaridade,

atividade pecuária, renda familiar anual e retirada de reserva legal.

A revisão de literatura acima confirma os dados encontrados que relacionam,

positivamente, escolaridade, pecuária e renda familiar anual. O êxodo rural feminino em

busca de escolaridade exerce um papel fundamental na capitalização dos lotes, que

aderem a atividade pecuária devido a predominância de trabalho com perfil

essencialmente masculino. A seguir, os aspectos quanto a gênero e geração trarão mais

luz quanto ao uso da terra na presença da mão-de-obra feminina no lote,

conseqüentemente, com melhor divisão social do trabalho.

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7.3.2.3. Índice de geração

Pode-se perguntar de que maneira mudanças nas condições agrícolas afetam a

situação demográfica. Inversamente, podem-se investigar os efeitos de mudanças

populacionais sobre a agricultura. Formular a primeira dessas questões é adotar a

abordagem malthusiana, onde o raciocínio desenvolvido pelo autor baseia-se na cresça de

que a oferta de alimentos é inerentemente inelástica, sendo essa falta de elasticidade o

principal fator determinante da taxa de crescimento da população. Assim, o crescimento

populacional é visto como uma variável dependente, determinada por mudanças na

produtividade agrícola que, por sua vez, resultariam de fatores exógenos como, para

exemplificar, um fortuito fator de invenção ou imitação técnica. De modo contrário,

Boserup (1987) toma a segunda questão onde o crescimento populacional é considerado

variável independente e o principal fator determinante de mudanças na agricultura.

Portanto, a explosão demográfica é uma mudança autônoma das condições básicas, não

explicada por determinantes como melhoria da produção de alimentos, mas sim nos

avanços na medicina e outros quesitos considerados como variáveis independentes no

conceito malthusiano. Nesse sentido, o presente estudo assume o crescimento demográfico

do lote como variável independente e o uso da terra como dependente.

Pichón (1996) alerta que modelos sobre decisão de uso da terra de agricultores

familiares comumente caracterizam-se pela incorporação de cenários de alta densidade

populacional e escassez de terras, condições exatamente opostas quanto as que prevalecem

em ambientes de fronteira agrícola da Panamazônia como um todo, onde se observa

extrema abundância de terras e escassez de trabalho e capital. Com a ampla possibilidade

de abertura de novas áreas, inovações ou adaptações para uso sustentável de recursos

naturais não evoluem naturalmente em resposta à pressão populacional, conforme previsto

por Boserup (1987).

Para além da sobrevivência no presente, as relações no interior da família

camponesa têm como referência o horizonte de gerações, isto é, um projeto para o futuro.

Um dos eixos centrais da associação camponesa entre família, produção e trabalho é a

expectativa de que todo investimento em recursos materiais e de trabalho fisiológico

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despendido na unidade de produção pela geração atual seja transmitido à geração seguinte,

garantindo-lhes a sobrevivência (Wanderley, 2001)

A agricultura familiar apresenta algumas particularidades: (a) são os mesmos

indivíduos que investem (sobretudo trabalho fisiológico) e consomem, não ocorrendo uma

divisão estrutural entre lucro e salários; (b) a produção é organizada através de relações de

parentesco, havendo uma correspondência entre propriedade e trabalho; (c) há uma tensão

entre investimento e consumo, entre as necessidades básicas nutricionais da família e a da

propriedade; (d) a base da desigualdade entre membros da família está na divisão social de

trabalho conforme composição etária e de gênero (Friedmann, 1986).

Ludewigs (2006) argumenta que os pressupostos de Chayanov (1974), pautados

na Household Lifecycle Theory (HLT), estabelecem relação entre extensão do cultivo

agrícola e ciclo de vida familiar. E para Pan & Bilsborrow (2005), Pan et al (2004),

McCracken et al (2002), Walker et al (2002), Perz & Walker (2002), Perz (2001) e Pichón

(1996), famílias que ocupam a fronteira agrícola na condição de novos assentados,

predominantemente, são formadas por casais novos, com idade entre 20-30 anos e poucas

crianças fora de idade de trabalho. As atividades agrícolas iniciais envolvem abertura de

pequenas porções de floresta primária para cultivos de anuais (arroz, feijão, milho e

mandioca) em sistema de corte e queima, meramente para subsistência, devido à baixa

disponibilidade de trabalho. Nos estágios mais avançados do ciclo família, quando os

adolescentes agregam-se à população economicamente ativa do lote e surgem reservas

monetárias (ex: aposentadoria rural, acesso ao crédito rural), é possível expandir a área para

uso agrícola e diversificar o tipo de uso da terra. A mudança para a atividade pecuária e

cultivos de perenes caracteriza-se por um processo lento que envolve grande intensidade de

trabalho e demanda de capital. Como os cultivos perenes demandam de 3-5 anos para

retorno econômico, a atividade pecuária passa a ser fundamental como ponto de partida

para giro rápido do capital. Cultivos perenes podem arregimentar o trabalho de duas a cinco

famílias com relação inter-geracional que habitam o mesmo lote, enquanto a pecuária pode

demandar apenas um ou dois adultos do sexo masculino. Logo, nos estágios intermediários

do ciclo familiar a pecuária aparece como atividade estratégica, como um passo decisivo

para a introdução de cultivos perenes em estágios mais avançados do ciclo familiar. O

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trabalho familiar representa 84% da entrada de mão-de-obra em lotes mais consolidados,

enquanto esse patamar gira em torno de 93% nos lotes mais recentes.

Van Wey et al (2009) expõe também que as unidades domésticas passam por

um estágio de expansão (quando as taxas de natalidade são altas) para um estágio de

dispersão (quando os filhos deixam a unidade) e depois para um estágio de decomposição

(quando os chefes de família são substituídos por herdeiros). Assim, a extensão de terra

cultivada por unidade individual depende de suas características demográficas. A força de

trabalho da unidade é um fator limitante, sendo que suas necessidades de consumo também

determinam seu comportamento, logo, população e ambiente modelam o uso da terra como

uma função do estágio do ciclo de vida.

Porém, Van Wey et al (2007) e Siqueira et al (2003) enfatizam que a análise da

relação entre mudanças da população e mudanças no uso da terra deve prioritariamente ser

focada nas macro-tendências e macro-correlações, e não nas características individuais, de

núcleos familiares ou de estabelecimentos rurais. Ao mesmo tempo, as micro-análises

demonstram que os lotes e as famílias rurais não são homogêneos nas suas reações às

forças econômicas externas, como preços de mercado consumidor e acesso ao crédito rural.

Baseados em suas próprias análises e em revisão de literatura, as autoras encontraram

fracas evidências dos efeitos dos ciclos de vida de famílias rurais no uso da terra, a partir da

utilização de uma grande variedade de dados e métodos.

Já Walker et al (2002) encontrou efeitos mistos de composição demográfica

familiar no uso da terra. Estimativas como tempo de ocupação do lote, número de homens,

mulheres e crianças, faixa etária dos chefes de famílias e composição familiar, segundo os

autores, têm geralmente manifestado poucos efeitos no percentual de áreas de culturas

anuais, culturas perenes, pastagens e florestas primárias frente à análise de oportunidades

macroeconômicas. Muitas vezes, essas oportunidades geram semelhanças mudanças no uso

da terra em lotes com perfis familiares distintos.

Walker & Homma (1996) completam a idéia dos autores acima quando expõem

que o estudo microeconômico do contexto familiar rural também sugere a importância das

condições externas nas decisões sobre o uso da terra. O movimento de preços do mercado

consumidor e a qualidade dos serviços públicos de infra-estrutura são condicionantes que

não poder se ausentar de qualquer análise sobre decisões familiares. McCracken et al

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(1999) vão na mesma direção quando lembram que unidades de produção que acumularam

menos capital ou que não tiveram acesso a fontes de capital (ex: crédito rural) não

procedem investimentos como introdução de pastagens ou produção de cultivos perenes,

restringindo-se ao cultivo de anuais para subsistência.

Mas Brumer (2001) salienta que apesar do índice de geração não se manifestar

como variável fundamental para a determinação nos tipos de uso da terra, sua influência

mostra-se decisiva na geração de renda familiar anual. Assim, no conjunto do trabalho

fisiológico despendido no lote, ter uma equação favorável entre trabalho e consumo

significa ampliar as possibilidades de mudanças no uso da terra e, conseqüentemente,

proporcionar maior capacidade de capitalização. Esses achados do autor corroboram os

resultados obtidos no presente trabalho, onde o índice de geração não demonstrou grande

relevância estatística no percentual dos lotes ocupados com cultivos anuais, perenes,

campos abertos e reserva legal, no entanto, demonstrou-se decisivo na capacidade de

geração de renda familiar anual (Tabela 09).

Os dados de literatura demonstram que áreas destinadas para cultivos anuais

variam pouco conforme o ciclo demográfico familiar, isto é, nos estágios iniciais os lotes

limitam-se a elas, e nos estágios intermediários e avançados são incorporados outros tipos

de uso da terra, mas com manutenção dos mesmos patamares de cultivos anuais, salvo no

caso que os mesmos são praticados em escala de monocultivo para acessar mercado

consumidor, padrão pouco corriqueiro no perfil produtivo familiar amazônico.

Thapa et al (1996) & Pichón (1996) usaram observações de campo para refinar

modelagem que assume situação de escassez de terra e abundância de trabalho em

propriedades familiares da Amazônia equatoriana, portanto, num cenário tipicamente

inverso ao comumente ocorrido nas fronteiras agrícolas da Amazônia brasileira. Em análise

empírica que utilizou dados levantados por amostragem, Thapa et al (1996) encontraram

que mulheres com filhos/as abaixo de 12 anos se envolvem mais no trabalho agrícola

(seguramente devido à maior demanda de consumo), enquanto Pichón (1996) demonstrou

que as áreas de culturas perenes e pastos aumentaram em função do tipo de estabelecimento

rural, ao mesmo tempo em que a composição familiar não provocou alterações

significativas na área de culturas anuais.

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Para Perz & Walker (2002), muitos estudo focam-se sobre mudança de uso,

cobertura da terra e desmatamento, mas pouca atenção tem sido dedicada às florestas

secundárias (capoeiras), que cumprem relevante papel de provisão de serviços ambientais

como prevenção de erosão, absorção de carbono atmosférico por espécies vegetais e

renovação de habitats para espécies animais. Análises por sensoriamento remoto atestam

que a extensão de crescimento de capoeiras na Amazônia vem crescendo dramaticamente

nos anos recentes, o que indica crescente uso agrícola da terra.

Ainda de acordo com Perz & Walker (2002), no âmbito de uma unidade de

produção amazônica, um fator chave na decisão sobre uso da terra refere-se ao momento

em que se encontra o ciclo de vida familiar, sendo a quantidade de floresta secundária um

bom indicador de intensificação de uso da terra.

A definição usual de intensificação é mais estreita que a comumente sugerida.

Ela se refere somente ao emprego de trabalho adicional por hectare de área cultivada,

enquanto um ritmo mais freqüente dos cultivos em uma dada área não é considerado como

uma forma de intensificação (Boserup, 1987). É o caso dos sistemas agroflorestais que,

concomitantemente, intensificam substancialmente o uso da terra e fertilizam os solos por

reciclagem de nutrientes, além de poderem ser averbados como reserva legal. O

subemprego estacional, uma característica própria das comunidades rurais baseadas no

sistema de pousio curto, pode ser bastante reduzido se o crescimento da população torna

necessária a passagem para formas mais intensas de uso do solo, seja para o manejo

intensivo de forragens ou para a introdução de sistemas agroflorestais.

Na incorporação de variáveis demográficas para explicar o desmatamento

amazônico, nota-se que a composição familiar, o número de adultos masculinos e o número

de dependentes no lote são um dos pontos a se considerar para a área de cultivo ou porção

espacial desmatada (Brondízio et al, 2009b). Nesse sentido, os sistemas agroflorestais

também cumprem importante papel ecológico. McCracken et al (1999), na comparação

entre lotes de famílias com a mesma composição familiar, encontraram que aquelas que

optaram pelos cultivos perenes (que baseiam os sistemas agroflorestais) apresentaram as

mais baixas taxas de desmatamento total, ao mesmo tempo em que os lotes que se voltaram

à atividade pecuária avançaram para as taxas mais altas, porém, apresentam taxas inferiores

aos que introduziram cultivos anuais em larga escala comercial.

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Myers (1984), suscitou durante anos que a maior força que direciona o

desmatamento é o crescimento populacional. Segundo o autor, nas regiões tropicais da Ásia

e África, o desmatamento é geralmente associado com altas taxas de aumento natural da

população, e na Amazônia, esse pressuposto é assumido devido às altas taxas de migração

seguido de subseqüente aumento natural de taxas populacionais inter-geracionais.

McCracken et al (1999) questionam essa relação binária ao alertar que nas últimas três

décadas, vários trabalhos acadêmicos (Moran, 1981; Smith, 1982; Schmink & Wood, 1992;

Pichón & Bilsborrow, 1992) observaram uma diferente dinâmica no contexto do

desmatamento relacionado ao crescimento populacional. Para os autores, no início do

processo de colonização de uma nova área há um processo intenso de desmatamento, com

aumento de conversão de áreas de floresta para cultivos anuais, destas para regeneração, e

parte das últimas para pastagens, além de ocorrer a conversão direta de áreas de floresta

para a pecuária. Mas com o passar do tempo, o crescimento de filhos agrega capacidade de

trabalho ao lote, que tende a diversificar o sistema produtivo, principalmente, para cultivos

perenes, e diminuir ou estabilizar o patamar histórico de desmatamento. Assim, os

pesquisadores observam que é possível perceber grandes diferenças nas trajetórias

familiares de desmatamento em unidades de produção adjacentes com características físicas

semelhantes. Essa situação sugere que as diferentes taxas de desmatamento podem ser

associadas com as diferentes composições familiares e seus acessos às fontes de capital

(próprios, via repasse de programas governamentais, por aposentadoria rural, trabalho não

agrícola, ou tomado via empréstimo em políticas de crédito, por exemplo).

Para Moran (2009), a estrutura de idade-gênero de populações humanas é uma

das características de sua experiência histórica e pode criar formas consistentes para

examinar eventos ambientais como o desmatamento, levando em conta a estrutura variável

das unidades domésticas. Mas o próprio autor enfatiza que o crescimento da população não

é necessariamente relacionado com a perda de floresta em condições locais. Em muitos

casos, é possível perceber que a densidade populacional é associada com uma melhoria no

manejo das florestas e na restauração de cobertura florestal. Em áreas com baixa densidade

populacional, há uma percepção comum de que as florestas são ilimitadas em recursos. Isso

tende a resultar na difusão do desmatamento e na falta de instituições para regular o acesso

aos recursos florestais. Avanços em teorias sobre populações e ambiente podem auxiliar na

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identificação do papel do tamanho e distribuição da população. Processos de mudanças da

floresta variam conforme a escala de análise. Mudanças dramáticas em uma localidade

podem não ser notadas em escalas menos detalhadas e podem ser invisíveis em escalas

regionais e globais.

Para Pichón (1996) e Schmink & Wood (1992), a pressão populacional não

pode explicar sozinha, de forma adequada, os padrões destrutivos de uso da terra

geralmente observados nas regiões de fronteira agrícola. As correlações simplificadas

malthusianas, por exemplo, não se aprofundam nas relações de causa e efeito. O

crescimento populacional caracteriza-se apenas como um dos fatores entre tantos que

ocasionam a pressão sobre os recursos naturais, degradação de ecossistemas e processos de

desmatamento. A visão malthusiana, na relação entre população e desmatamento tropical,

tem sido questionada como uma tentativa de atribuir a responsabilidade aos agricultores

familiares sobre um processo bem mais complexo do ambiente social e econômico dos

processos migratórios, que se estabelecem devido a exclusão social proporcionada pela

concentração de terras, mecanização agrícola, desigualdade de distribuição de renda e

desemprego estrutural nas fronteiras agrícolas consolidadas.

Pichón (1996) alerta que Boserup (1987) mudou a suposição ricardiana-

malthusiana de tecnologia constante ao postular que as terras rurais tornam-se escassas com

o crescimento populacional, logo, será utilizada com maior intensidade para obter

produções mais abrangentes. Desta feita, a autora vê a intensificação da agricultura como

um imperativo ecológico baseado numa nova relação entre ser humano e terra agrícola:

quanto maior o contingente populacional de uma determinada localidade, ou quanto mais

expressiva a queda de terra disponível para um constante contingente populacional, maior

será a necessidade de investimentos no uso da terra. Nesse sentido, a população torna-se

uma variável independente, enquanto as tecnologias agrícolas formatam-se como variáveis

dependentes, sendo possível desenvolver opções tecnológicas alternativas que não se

vinculem ao desmatamento de novas áreas.

Embora os agricultores familiares possam aumentar sua produtividade de

trabalho por área, se não houver formas de incentivos econômicos, infra-estrutura e

tecnologias apropriadas, é mais racional economicamente continuar o processo de abertura

de novas áreas florestais que intensificar investimentos em áreas já degradadas. Sob

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condições restritas, portanto, o custo de oportunidade para promoção de mudanças no uso

da terra é muito alto. Assim, a necessidade de inovações tecnológicas é maior na fronteira

agrícola, caso contrário, a queda de produtividade é compensada pela abertura de novas

áreas, com a inevitável conseqüência de degradação dos recursos naturais e de áreas

florestais ainda remanescentes (Pichón, 1996).

Há de se ter cuidado também na análise entre índice de geração e renda, pois a

presença na unidade familiar de um número de consumidores superior ao de produtores

dificulta cada vez mais a manutenção da agricultura strictu sensu, levando ao

desenvolvimento da pluriatividade, além do êxodo rural (Alentejano, 2001). Portanto, a

partir da escassez de mão-de-obra agrícola, a pluriatividade pode alavancar renda extra que

não se liga, necessariamente, ao uso da terra. No entanto, é mais presente a relação direta

entre diversificação produtiva e elevação de renda, fenômeno que pode também gerar

pluriatividade devido ao esgotamento do potencial de trabalho ocasionado pela

intensificação do uso da terra.

Para Schneider (2006), um maior número de membros nas famílias é um fator

de explicação da pluriatividade conjugado com variáveis como área total e superfície

explorada, indicando uma relação entre a pluriatividade e o ciclo demográfico da família, e

conseqüentemente, com a renda familiar anual. A maior pluriatividade, sem dúvida, impõe

condições mais propícias de aumento de renda não somente de origem não-agrícola, mas

também agrícola, devido a maior possibilidade de alavancar novos investimentos

produtivos.

Van Wey et al (2007) demonstra que agricultores familiares estrategicamente

acessam recursos financeiros em atividades externas às propriedades, sobretudo,

advindas do trabalho feminino não-agrícola e de programas governamentais de

transferência de renda (onde, prioritariamente, o cadastro familiar é firmado em nome da

mulher, que passa a ser a responsável pelo recebimento da verba pública), resultando em

investimentos produtivos. Pichón (1996) complementa essa linha de pensamento quando

levanta que trabalhos não agrícolas podem prover recursos financeiros para a produção e

investimentos no lote, embora muitas vezes o custo de oportunidade da ausência de mão-

de-obra temporária na terra possa ser muito alto.

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Essa relação é de grande relevância, porque não se trata, simplesmente, de

demonstrar que os estabelecimentos familiares não conseguem gerar renda suficiente para

manter a família, ao contrário, trata-se de compreender os mecanismos desse equilíbrio

precário e instável pelos quais o estabelecimento familiar se reproduz a despeito do

trabalho externo e, em muitos casos, em estreita dependência deste mesmo trabalho

externo. O recurso ao trabalho alugado de terceiros se inscreve na lógica interna da

reprodução familiar, através de mecanismos tradicionais e do envolvimento de pessoas da

própria comunidade camponesa ou próxima dela (Wanderley, 2001).

A utilização de trabalho de terceiros decorre da necessidade de diminuir a auto-

exploração da força de trabalho do grupo doméstico. A substituição dos últimos pelos

alugados não é algo feito de uma vez para sempre, ao revés, há uma avaliação constante e

renovada a cada ciclo agrícola. Fica claro também que a composição familiar por faixa

etária e gênero afeta diretamente este cálculo (Garcia, 1990).

No entanto, isso não significa o desenvolvimento do capital enquanto relação

social entre as pessoas envolvidas no processo de trabalho do lote rural, ao contrário, a

forma de salário ocorre no interior da produção em função do ciclo de existência da família.

Nesse sentido, a soma de dinheiro gasta no pagamento de salários pode aparecer como

redução do rendimento familiar (Santos, 1978).

Assim, a existência de contratação temporária ou de trocas de diárias não

permite ou não é suficiente para configurar a transmutação da função monetária numa

função de capital. Uma dos indicadores dessa não adesão a forma capitalista de produção

manifesta-se na relação desigual de troca, que ocasiona uma situação a qual o produtor

familiar, ao vender mercadorias a preços baixos e ao adquirir produtos de alto valor,

submete-se a uma acentuada transferência de parte de seu excedente (Neves, 1995).

Para a variável independente “índice de geração”, foi assumido como hipótese

específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra do

Proambiente vem de famílias com maior índice de geração, pois famílias com menor

relação entre adultos e crianças têm menor capacidade de trabalho entre gerações, logo,

tendem a priorizar sistemas anuais de produção, sob prática corte e queima, a fim de

garantir somente a subsistência doméstica.

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243

Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, a renda

familiar anual tem relação positiva com o índice de geração, sendo que as demais

formas de uso da terra não se demonstraram significância estatística.

Para o índice de geração, a hipótese se confirma parcialmente. Os dados

demonstram que lotes com maior capacidade familiar de trabalho fisiológico, isto é, com

mais alto potencial de trabalho em relação à demanda de consumo, têm melhores condições

de introduzirem sistemas perenes, enquanto lotes com perfil oposto apresentam

dificuldades operacionais para superar a estagnação econômica e subsistência familiar

baseada em cultivos anuais. Essa situação é condizente à hipótese. A pecuária, manifesta

em campos abertos, oscila em maiores quantidades entre situações de baixo e alto índice de

geração, dado não previsto na hipótese, mas que ainda não a desautoriza. Por sua vez, a

maior quantidade de mão-de-obra é inversamente proporcional à de reserva legal, dado que

não corrobora a hipótese sob o ponto de visto dos princípios do Proambiente. Entretanto,

todos esses resultados têm baixa significância estatística. O que é possível afirmar é que

lotes com maior índice de geração obtém maior renda familiar anual, mas somente o

cruzamento de dados (cross section) e a revisão de literatura adiante podem esclarecer a

ocorrência desse fenômeno.

A revisão de literatura acima confirma os dados encontrados que não

relacionam decisivamente (mas apenas em parte) o índice de geração (potencial de

trabalho em relação a demanda de consumo) ao uso da terra, assim como demonstra

relação positiva entre a elevação do mesmo índice e a elevação de renda familiar anual.

7.3.2.4. Índice de gênero

Os estudos sobre a participação das mulheres nos processos produtivos e nas

relações de trabalho são antigos, sendo que do ponto de vista conceitual têm em Marx

(1984a) e Engels (1974) alguns do que primeiro abordaram a questão. A discussão inicial

esteve muito voltada para a divisão social do trabalho, em que o papel do homem sempre se

sobressaía. Como frisa Simonian (2001), pesquisas junto às sociedades igualitárias

demonstraram, no entanto, que muitas vezes o trabalho das mulheres tem mais

proeminência que o dos homens, ou no mínimo importância igual. Outros estudos revisados

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pela autora também vêm mostrando que, na agricultura, a mulher participa com relevância,

com uma carga total de trabalho maior que a dos homens, pois com o trabalho doméstico,

além do agrícola, acumula uma dupla jornada.

Não há somente uma percepção feminina dos recursos naturais aproveitáveis

para sua sobrevivência, mas também uma racionalidade que direciona questões como o uso

de certos recursos – para fins alimentares, medicinais ou financeiros – como estratégia de

satisfação de necessidades. A partir da identificação desse cotidiano, tecido pelos seus

modos de vida, é possível entender aspectos fundamentais da compreensão singular das

mulheres no território. Daí porque compreender que sua concepção de territorialidade só

pode ser percebida no interior das relações que estruturam e organizam sua própria vida

coletiva, e da reprodução social do grupo, no âmbito das quais as mulheres têm

desempenhado historicamente papel fundamental (Castro, 2001).

A propósito do discurso sobre desenvolvimento sustentável, trazendo à

visibilidade formas tradicionais de trabalho, fundadas numa economia de recursos naturais,

as mulheres cumprem papel fundamental com seus conhecimentos empíricos. A

continuidade e existência desses grupos estão condicionadas à capacidade de reprodução, o

que significa a elaboração de formas de sustentação econômica. A análise da divisão social

do trabalho e das formas complexas de cumprir um calendário agrícola e extrativista, em

que está fortemente incluída o cultivo de mandioca, de outras raízes, de frutos e cereais, a

pesca, a caça, a fabricação de instrumentos, a domesticação animal, o manejo alternativo de

espécies cultiváveis e extrativistas, demonstram a superficialidade das interpretações sobre

esse tipo de economia. As formas de produção e de organização da produção interna são

complexas e também singulares, do ponto de vista social e cultural. A simples comparação

das atividades de homens e de mulheres é seguramente insuficiente para compreender os

fundamentos das diferenças entre práticas masculinas e femininas, em especial no âmbito

da família e do trabalho. As diferenças de gênero nas práticas de trabalho são bem visíveis

no meio dos grupos de mulheres na Amazônia, pois elas revelam distintas atividades, na

busca de estratégias coletivas, articulando espaços múltiplos, da produção à reprodução,

com importantes diferenças quanto à constituição de identidades. Ainda que as lutas das

mulheres recubram diversas reivindicações sociais, elas centram-se na construção de

processos que conduzem à cidadania, à democracia (Castro, 2001).

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O debate ambiental, associado com os problemas de desenvolvimento e melhor

uso dos recursos naturais, trouxe um argumento a mais a esses processos identitários,

abrindo pistas para novas formas de inserção das mulheres camponesas no debate sobre o

trabalho, a preservação da vida e do meio ambiente. A noção de trabalho coloca-se como

exemplo na direção, em especial, do trabalho artesanal e tradicional, do esforço nem

sempre possível de ser contabilizado por indivíduo, pois é despendido coletivamente pelo

grupo familiar. Essa percepção de trabalho tem escapado das teorias econômicas e ciências

sociais, ambas incapazes de nomeá-lo fora de um contexto do avanço das relações de

trabalho assalariadas, agasalhadas no espaço econômico da modernidade (Castro, 2001)

conservadora, assim como também não podem ser captados nos índices de geração

propostos a partir dos valores atribuídos por Chayanov (1923).

O fato do índice de geração não se manifestar no tipo de uso da terra no presente

trabalho não representa, definitivamente, um indicativo de desimportância do trabalho

feminino, pois a essência do mesmo é dificilmente diagnosticável a partir de números ou

índices. Outro ponto a destacar é que os dados do Proambiente apontam que 72,8% dos

lotes detém equilíbrio entre homens e mulheres em idade economicamente ativa, sendo que

esse representa o maior valor entre todas as categorias de variáveis independentes

analisadas, inclusive entre aquelas que somente possuem duas categorias, como titularidade

do lote, acesso ao transporte para escoamento da produção e acesso a energia elétrica para

beneficiamento da produção. Esse dado ilustra, portanto, a inviabilidade ecológica e

econômica de lotes sem a presença feminina.

Boserup (1970) também apontou a ausência das mulheres nas preocupações do

Estado e/ou agências multilaterais de desenvolvimento (sic), quando da elaboração de

planos econômicos e implementação de projetos. Dos programas e projetos analisados por

Simonian (2001), por exemplo, para o período entre 1990-1997, nenhum privilegiou os

interesses das mulheres. Em estudo sobre aplicação do crédito rural na agricultura familiar

da Amazônia, Arima (2000) destaca que em torno de 80% dos contratos foram

estabelecidos em nome de homens entre 40-60 anos, restando apenas 7% dos contratos em

nome de mulheres. Simonian (2001) também levanta nos processos de desenvolvimento, de

fato, além de sua colaboração fundamental na reprodução social e biológica, a contribuição

das mulheres nos processos de produção agrícola, extrativista e artesanal tem sido

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largamente revelada, ainda que não tenha resultado em direitos e benefícios específicos,

como acesso suficiente ao crédito rural e às tecnologias que possam facilitar seu viver

cotidiano. Após o estudo da autora, tímidas iniciativas avançaram, como a criação do

Pronaf Mulher (embora com quantidade ínfima de contratos em nome de mutuárias e

montantes financeiros em relação ao total do programa), e outras de grande relevância,

como a titulação da terra em nome das mulheres (a ser discutido adiante).

Dentro desse quadro crítico de falta de reconhecimento oficial do papel da

mulher na vida econômica das famílias rurais, o Proambiente trouxe como inovação a

participação da família na elaboração dos Planos de Utilização das Unidades de Produção

(PUs) e Acordos Comunitários de Serviços Ambientais (ACs), e nesse sentido, se notabiliza

como uma exceção, ainda que o programa nunca tenha apresentado uma ação estratégica

específica de gênero, somente contemplando a importância da família.

Independentemente das atividades que realizam, as mulheres seguem sendo um

suporte econômico indispensável para suas famílias e comunidades. As experiências das

mulheres que vivem em contextos produtivos agrícolas amazônicos revelam que elas

podem ser algo mais que mera força de trabalho. De fato, do que se conhece sobre sua

participação nas atividades agrícolas, as mulheres estão ausentes apenas nas que estão

relacionadas com as tarefas de derrubada das florestas, pois desde a queimada elas

participam e a partir de então, praticamente realizam todo trabalho conjuntamente com os

homens (Simonian, 2001). Essa divisão social do trabalho pôde ser tambem comprovada

em depoimentos levantados com produtores e produtoras familiares rurais cadastrados no

Pólo Transamazônica (PA) do Proambiente.

Conforme Siqueira et al (2003), a fronteira agrícola não é apenas um novo

ambiente biofísico, mas um novo contexto socioeconômico que se desenha, o qual todos os

indivíduos tornam-se parte de uma comunidade que surge com suas particularidades, como

novas redes sociais, parcerias e conflitos. A fronteira agrícola também tende a se constituir

como uma área onde existe uma distribuição demográfica desbalanceada, geralmente com

maior contingente masculino, além de caracterizada pela abundância de terra e escassez de

trabalho e capital. Desse modo, a migração para a fronteira agrícola pode trazer novas

regras na relação de gênero, com uma variedade de aspectos socioeconômicos e culturais

interagindo junto à composição familiar e suas experiências prévias. Em estudo de campo

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na Amazônia, os autores levantaram informações de 402 estabelecimentos rurais para

examinar as relações de gênero dentro dos padrões familiares de alocação de trabalho e uso

da terra. Mais especificamente, foram estabelecidas relações entre as características

femininas (faixa etária, escolaridade, renda advinda de trabalho não agrícola) e os processos

de tomadas de decisão sobre o uso econômico da terra (dividido entre culturas anuais,

culturas perenes e pecuária).

Nesse sentido, Thapa et al (1996) demonstra que maior presença de crianças

num lote demanda maior participação do trabalho feminino em cultivos anuais de

subsistência. O cuidado doméstico materno, pois, não é algo incompatível com o trabalho

feminino, pois as mulheres são acompanhadas pelos seus filhos no trabalho da lavoura

branca. Conforme depoimentos dos produtores do Pólo Transamazônica (PA) do

Proambiente, nessa situação, a principal variável para definir a área de alocação dos

cultivos anuais não é o tipo de solo, mas a proximidade ao lar, para poder atender

necessidades básicas de alimentação, saúde e higiene dos filhos/as abaixo de cinco anos.

Siqueira et al (2003) e McCracken et al (2002) complementam os dados anteriores ao

atestar que lotes com alta presença de adolescentes femininas tendem a diminuir a

participação da líder da família em tarefas domésticas, enquanto forte presença de jovens

masculinos tende a decrescer a quantidade de horas trabalhadas da líder da família em

atividades agrícolas e aumentar a atividade pecuária, embora Thapa et al (1996)

demonstrem que esses efeitos são pouco significativos. Outro ponto destacada é que

mulheres idosas tendem a reduzir, substancialmente, sua participação no trabalho

doméstico e agrícola do lote.

Siqueira et al (2003) levantam ainda que áreas mais significativas de cultivos

perenes aumentam a dupla jornada de trabalho agrícola e doméstico da mulher quando

comparado ao uso pecuário da terra, afinal, atividades econômicas como o café, o cacau e

outras frutíferas exigem uma quantia de trabalho familiar bem mais contundente que não

pode prescindir da mão-de-obra feminina. A expansão de pastagens, embora demande alto

emprego de trabalho familiar no desmatamento em corte raso, reduz a participação do

trabalho agrícola das mulheres, mais voltadas aos pequenos animais.

Na Amazônia também merece destaque o aumento da participação das mulheres

na exploração dos castanhais, do látex de seringueiras e dos lagos de pesca, assim como sua

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organização para transformar suas matérias-primas em produtos artesanais, como o óleo e

doce de castanha e babaçu e tecidos emborrachados, além de estruturação de estratégias de

comercialização. A venda desses produtos lhes permitiu aumentar a renda familiar,

inclusive organizando feiras em cidades próximas ou participando em feiras regionais. É

muito importante ressaltar que a procura por uma integração em projetos educativos

continua crescendo, sendo a maior preocupação destas mulheres a educação escolar de seus

filhos. Na Amazônia Oriental, faz algum tempo que as mulheres experimentam um

processo organizativo, em que não só planejam sua produção, mas também demandam

melhores condições de vida. São os casos de instituições como o Movimento de Mulheres

do Nordeste Paraense (MMNEPA) e a Associação de Mulheres do Bico do Papagaio

(ASMUBIP), ambas ligadas, respectivamente, ao Pólo Rio Capim (PA) e Pólo Bico do

Papagaio (TO) do Proambiente.

Por esses motivos é que Thapa et al (1996) e Planchenault (1991) afirmam que,

em áreas rurais, as mulheres suportam uma não dupla, mas quádrupla carga horária de

trabalho, que se compõe pelo labor reprodutivo doméstico, produtivo agrícola, de

organização de atividades comunitárias e de tarefas administrativas do lote. De fato, não é a

toa que os programas governamentais de transferência de renda priorizam o cadastramento

de mulheres para recebimento dos vencimentos familiares mensais.

Siqueira et al (2003) encontrou que a escolaridade feminina tem um efeito

significativamente negativo na capacidade de trabalho do lote, isto é, cada ano a mais de

estudo representa redução de 12% na força de trabalho familiar. Por outro lado, esse

fenômeno representa maior capacidade de investimento, entre eles, contratação de mão-

de-obra temporária.

Thapa et al (1996) encontram resultado semelhante. Para os autores, uma

importante variável que afeta negativamente o trabalho agrícola feminino é a quantidade de

trabalho temporário contratado para o lote, algo possível somente para lotes mais

capitalizados. Quanto maior a área com cultivos anuais e pastagens, maior será a

necessidade de contratação de mão-de-obra temporária, o que indiretamente reduz a carga

de trabalho agrícola feminino. Rendas extras agrícolas e não agrícolas também demandam

trabalho contratado, o que diminui a presença feminina no trabalho agrícola do lote. Casais

jovens e com filhos pequenos, característicos do início de um assentamento, não detêm

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condições de contratar trabalho externo, sendo assim, à mulher é colocada a necessidade de

se agregar fortemente ao trabalho agrícola junto ao homem.

Para Brumer (2001), o maior engajamento proporcional dos homens no trabalho

agrícola em tempo integral e a maior proporção de mulheres em trabalhos domésticos e fora

do estabelecimento rural podem ser explicados pela divisão social do trabalho entre os

gêneros, onde as mulheres, além de serem responsáveis pelos trabalhos domésticos,

assumem as tarefas mais rotineiras e os homens as mais especializadas da atividade

agropecuária. Quando há desenvolvimento tecnológico que substitui trabalho humano pela

máquina, as mulheres, ao lado das crianças, são poupadas do processo produtivo,

caracterizando o que Denardi (1995) denomina de força marginal. Essa teorização se

aplica, plenamente, no contexto da casa de farinha da produção familiar rural amazônica.

Enquanto não há mecanização, o árduo trabalho manual de descascamento e moagem da

mandioca é executado, predominantemente, por mulheres e crianças, até os mesmos serem

substituídos por máquinas que elevam, substancialmente, a produtividade marginal do

trabalho.

Portanto, os fatores que determinam a quantidade de trabalho necessária num

estabelecimento rural são de ordem econômica (sistema de produção, tecnologia utilizada e

vinculação com o mercado consumidor) e cultural dadas pela divisão social do trabalho.

Outro aspecto da explicação das diferenças no trabalho agrícola e não-agrícola de homens e

mulheres resulta das mudanças nas aspirações das mulheres provocadas pelos movimentos

feministas. Trabalhar fora de casa converte-se num sinal claro de relevante emancipação

feminina como ser humano livre (Brumer, 2001).

Para a variável independente “índice de gênero”, foi assumido como hipótese

específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra do

Proambiente vem de famílias com intermediário índice de gênero, pois famílias com

capacidade de trabalho masculino e feminino equilibrada estabelecem melhor divisão social

do trabalho no lote e consolidam mais facilmente a diversificação produtiva.

Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, as formas

de uso da terra para cultivos anuais, perenes, campos abertos e reserva legal não

demonstraram significância estatística com o índice de gênero.

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Para o índice de gênero, a hipótese não se confirma, mas ao mesmo tempo

não é desautorizada. A princípio, a relação mais equilibrada entre trabalho masculino

e feminino no lote não manifestou diferença significativa no modo de uso da terra nas

propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente. Portanto, os dados

encontrados não confirmem a hipótese, embora os depoimentos levantados junto às famílias

rurais cadastradas no grupo “km 338 Norte”, município de Pacajá (PA), Pólo

Transamazônica, tenham baseado a formulação da mesma hipótese. Conforme as famílias

rurais entrevistadas, homens e mulheres desenvolvem trabalho fisiológico conjunto em

todos os tipos de uso da terra, ainda que haja uma divisão social do trabalho entre os

gêneros, com os homens dedicando mais tempo de trabalho nos cultivos anuais (ainda que

seja representativo o trabalho feminino também nesse tipo de uso da terra, exceto no ato de

corte e queima para preparo do plantio) e campos abertos (trabalho quase exclusivamente

masculino), e as mulheres nos quintais agrícolas (parte da classificação dos sistemas

perenes) e criação de pequenos animais (dado não analisado no presente estudo), enquanto

ambos trabalham integrados nos cultivos perenes e na casa de farinha. Vê-se aqui que a

variável índice de gênero não refletiu diferenças significativas de uso da terra, conforme a

divisão social do trabalho no lote poderia supor, porém, vale lembrar que a última não é

desimportante, vide os resultados já apresentados quanto à influência da variável

escolaridade masculina e feminina no uso da terra para campos abertos. Ademais, vê-se que

apenas 4,3% dos lotes possuem índice de gênero até 0,2, 6,8% entre 0,2-0,4, 7,0% com

mais de 1,0% e 9,1% entre 0,8-1,0, isto é, 72,8% dos lotes possuem equilíbrio entre

quantidade de mão-de-obra masculina e feminina (com índice de gênero entre 0,4-0,8),

o que demonstra a importância do trabalho integrado de gêneros e da divisão social

do trabalho para a viabilidade da propriedade rural, dado que desautoriza o descarte

da hipótese, ainda que os dados não confirmem a mesma.

A revisão de literatura acima confirma os dados encontrados que não

relacionam o índice de gênero ao uso da terra e à renda familiar anual. Ainda que exista

nítida divisão social do trabalho entre homens e mulheres nos lotes, ela não se manifesta

nos tipos de uso da terra de forma significativamente estatística pelo fato de a grande

maioria dos lotes possuir índice de gênero equilibrado (72,8%) ou levemente

desequilibrado (15,9%), o que denota a inviabilidade de lotes sem ou com escassa

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presença feminina (4,3%) ou masculina (7,0%). Os lotes também não demonstram

relação entre renda e gênero, pois se por um lado a presença feminina traz oportunidades

de capitalização em trabalhos não agrícolas (devido a sua maior escolaridade média), a

presença masculina tende a equilibrar esse fenômeno com a renda advinda da atividade

pecuária, tipicamente manejada pelos homens. Adiante, na discussão sobre ativos de

capital, essas relações ficarão mais claras.

7.3.3. Variáveis referentes ao ativo terra

7.3.3.1. Tamanho do lote

Desde a década passada, em uma variedade de revistas científicas, a atenção

tem-se voltado para a modelagem e análise de causas e conseqüências do desmatamento da

Amazônia, e esses artigos têm uma característica em comum: eles fazem uma análise da

Bacia Amazônica ou da Amazônia Legal como um todo. Essa perspectiva oferece algumas

vantagens e importantes conclusões, tais como a conexão entre a construção de estradas e

desmatamento. Mas esse enfoque regional esconde importantes processos, tais como

diferenças inter-regionais e intra-regionais, que desaparecem estatisticamente quando os

dados são agregados (Moran et al, 2009).

Dados de Guanziroli et al (2001), trabalhados a partir do Censo Agropecuário

1995/96, demonstram que os lotes da agricultura familiar na região Norte detém o segundo

maior tamanho médio nacional, em torno de 57 hectares, abaixo apenas da região Centro-

Oeste com 84 hectares (contra 1324 hectares da agricultura patronal – maior média

nacional), e acima das regiões Sudeste com 30 hectares (contra 223 hectares da agricultura

patronal – menor média nacional), Sul com 21 hectares e Nordeste com 17 hectares. No

Brasil como um todo, o tamanho médio do lote familiar gira por volta de 26 hectares,

menos da metade da média amazônica.

Mas como alerta Arima (2000), o tamanho dos lotes é bastante variado entre as

localidades amazônicas, sendo menor nas áreas de fronteira antiga e maior nas fronteiras

mais recentes. Três características do uso da terra merecem ser destacadas: (1) a quantidade

proporcional de capoeira fina e grossa (crescimento secundário de vegetação que sinaliza

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desmatamento) é muito grande nos lotes de ocupação mais antiga, (2) a quantidade de

matas (virgens e exploradas) nas áreas de ocupação recente é maior, (3) a expansão da

pecuária em áreas de ocupação mais recentes é notável, pois a disponibilidade de área,

aliada às condições de infra-estrutura precária, faz da pecuária uma opção econômica mais

interessante.

Ao cruzar três variáveis, Carvalho (2000) conclui que a quantidade de trabalho,

relacionada com o tamanho da área cultivada em lotes amazônicos, determina a intensidade

do sistema produtivo. Com mais terra e menos trabalho, mais extensivo será o sistema

produtivo, ao passo que na situação oposta, com menos terra e mais trabalho, mais

intensivo será o sistema produtivo. Guanziroli et al (2001) vai na mesma direção ao apontar

que quanto maior é a disponibilidade de área, maior é a participação de sistemas extensivos.

Em alguns casos, a disponibilidade de área por trabalhador é tão grande que não justifica a

introdução de cultivos mais intensivos, sendo priorizada a introdução de sistemas que

garantam uma boa produtividade do trabalho, mesmo que com baixa rentabilidade por

unidade de área. Ao revés, quanto menor a disponibilidade de área, maior a importância

relativa de cultivos altamente exigentes em mão-de-obra e altamente intensivos no uso da

terra e dos recursos naturais.

Em estudo comparativo entre Santarém (PA), Altamira (PA) e Porto Acre (AC),

Ludewigs et al (2008) demonstram que lotes menores (principalmente localizados na região

da Santarém, enquanto Porto Acre detém os lotes mais amplos entre os três municípios)

apresentam maiores taxas proporcionais de desmatamento, devido as seguintes razões: (1)

lotes familiares em Santarém são cultivados a mais tempo (fronteira agrícola mais antiga),

desse modo, passaram por maior fragmentação, que torna os agricultores familiares da

região detentores de lotes significativamente menores do que em Porto Acre (fronteira

agrícola mais nova); (2) lotes menores apresentam uma porção relativa bem mais reduzida

de cobertura florestal devido a demanda familiar uniforme em área para cultivo agrícola;

(3) a maioria dos lotes de Porto Acre são caracterizados por porções relativas maiores de

floresta, pois seus proprietários caracterizam-se pela atividade extrativa de borracha.

Na escala de propriedades, Moran et al (2009) demonstra que as condições

iniciais do lote que favorecem ou não a produtividade e o uso de tecnologias explicam o

padrão espacial do desmatamento, enquanto a intensidade temporal é definida pelo tamanho

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da unidade, composição de mão-de-obra doméstica e acesso a fontes de capital, assim como

a objetivos de curto e longo prazo de seus residentes.

Análises de Pan et al (2004) indicam alta divisão de terras de colonização

espontânea entre 1990 e 1999. Inicialmente alocados em lotes com média de 50 hectares, a

área da Amazônia equatoriana estudada pelos autores passou por processo de subdivisão de

lotes devido à chegada de novos colonos atraídos pela economia do petróleo alavancada na

região. Assim, os antigos proprietários rurais negociaram parte de suas terras com os novos

colonos recém-egressos de outras partes do país, fenômeno que elevou a densidade

demográfica local e causou aumento do desmatamento e da área de pastagens, além do

aumento concomitante da área com cultivos anuais e perenes.

Como as unidades de produção são muito pequenas, o início do processo de

ocupação da fronteira equatoriana fugiu do padrão de “cultivos anuais + pecuária” para

“cultivos anuais + cultivos perenes + pecuária”, não somente porque com novas famílias há

a necessidade de ampliação da área para subsistência alimentar, mas também porque torna-

se mais viável economicamente, em detrimento da atividade pecuária expansiva,

estabelecer sistemas perenes em propriedades de tamanho substancialmente reduzidos.

Já os lotes estudados por Pan & Bilsborrow (2005) que não passaram por

subdivisão, desde o assentamento estabelecido em 1990 na Amazônia equatoriana, ainda

detinham 56,1% da cobertura florestal no ano de 1999, enquanto lotes que passaram por

uma ou duas subdivisões tinham 47,0% e 32,0%, respectivamente, de floresta primária.

McCracken et al (1999) encontraram a seguinte relação entre tamanho do lote e

desmatamento dentro do contexto familiar: cada hectare adicional de cobertura florestal é

positivamente relacionado com 0,05 hectares a mais de desmatamento anual, ou seja, um

lote com 20 hectares a mais de floresta deverá desmatar, aproximadamente, um hectare a

mais que a unidade de produção correspondentemente menor. Porém, há uma limitada

capacidade de trabalho em sistemas de cultivos anuais, entre 3-5 hectares, o que significa

dizer que a partir de certo patamar, o desmatamento será proporcionalmente menor em lotes

com maior tamanho, salvo se o lote se caracterizar estritamente pela atividade pecuária, que

demanda mais espaço e mais desmatamento.

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Brondízio et al (2009b), em estudo na região de Santarém (PA), detectaram que

a maioria do agricultores familiares com lotes até 10 hectares mantém, no mínimo, 25% de

suas terras com cobertura florestal, enquanto aqueles que detém lotes entre 10-20 hectares

mantém, aproximadamente, 40% ou mais, e os posicionados entre 20-50 hectares mantém

mais de 50%. Assim, de modo geral, conforme expõe Moran et al (2009), o tamanho da

propriedade tem uma relação inversa com a taxa de desmatamento: pequenas propriedades

têm uma maior porcentagem da propriedade desmatada, enquanto as grandes propriedades

têm maior área absoluta desmatada, apesar de representarem uma porção menor do

estabelecimento.

Entretanto, há de ter atenção para a correta interpretação dos dados de Moran et

al (2009) acima, tanto ao comparar essa conclusão geral no contexto interno da agricultura

familiar, quanto dela contra a agricultura patronal. Com relação ao primeiro caso, há

exceções, como o caso do Pólo Transamazônica (PA) do Proambiente, onde lotes maiores

apresentam maior contingente de desmatamento devido ao perfil pecuário particular restrito

de algumas famílias. Com a necessidade de ampliar a margem extensiva da atividade

pecuária, típica de lotes com maiores porções de terra, a área proporcional e absoluta de

reserva legal tende a ser mais significativamente impactada. Como explicam Brondízio et

al (2009b), a expansão da pecuária familiar naquela região também foi favorecida pela alta

de preços da carne e baixa de preços do cacau nos anos 90, enquanto, por outro lado,

produtores familiares do estuário amazônico com lotes menores cessaram o processo de

desmatamento e de cultivo de anuais durante as últimas duas décadas em favor do manejo

florestal e da adoção de sistemas agroflorestais (baseados no açaí como produto alavanca)

devido à demanda crescente de mercados regional, nacional e internacional.

Com relação ao segundo caso, Brondízio et al (2009b) comparam os índices

estaduais de desmatamento no Brasil em 2003, remetendo-se aos dados do INPE-PRODES

(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Projeto de Monitoramento do

Desflorestamento na Amazônia Legal), e constatam que para os estados do Pará, Acre e

Rondônia, os pequenos desmatamentos (até 20 hectares) são os tipos mais freqüentes,

correspondendo a, aproximadamente, 88,1% do número total de abertura de florestas no

Acre, 74,0% no Pará e 73,2% em Rondônia. Entretanto, quando considerada a área

desmatada, as mesmas representam somente 7,6%, 3,2% e 2,1%, respectivamente, do total

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de desmatamento desses estados. Por sua vez, os grandes desmatamentos (maiores que

2.000 hectares) abrangem, aproximadamente, 0,10%, 0,47% e 0,40% do total de eventos no

Acre, Pará e Rondônia, respectivamente, mas contabilizam correspondentes 86,0%, 91,2%

e 94,5% do total de área desmatada. Enquanto a porcentagem de eventos de desmatamento

corresponde negativamente ao tipo de propriedade, isto é, maiores propriedades têm

proporcionalmente menores eventos, a quantidade absoluta desmatada por evento é

positivamente correlata ao tipo de propriedade, evidenciando-se assim a maior

responsabilidade do desmatamento da Amazônia às grandes propriedades rurais.

Mas é relevante o contraponto de Batistella (2001) e Batistella et al (2003) de

que o alto número de eventos de desmatamentos advindos da agricultura familiar, embora

relativamente pequenos na área total, trazem importantes implicações para as mudanças

ambientais e para a própria sustentabilidade de seus sistemas produtivos, dependendo do

contexto de cada paisagem local. Em áreas de agricultura familiar, o desenho de projetos de

colonização e os arranjos institucionais contribuem para o padrão espacial do

desmatamento que ocasiona depleção dos recursos naturais e erosão de solos, além de uma

gama importante de incêndios florestais acidentais.

A unidade de produção familiar sofre também redefinições constantes em

virtude, sobretudo em fronteiras agrícolas consolidadas, de problemas de insuficiência de

terras em relação tanto à força de trabalho disponível como à acumulação em termos

mecânicos e técnicos de produção (Tedesco, 2001). Portanto, o tamanho do lote é uma

variável dependente frente à capacidade de trabalho da propriedade familiar. Quando há

baixa capacidade de trabalho, o tamanho do lote não é uma restrição, mas somente passa a

sê-la quando o aumento de potencial laborioso, ao longo do tempo de ocupação do lote

(devido ao envelhecimento das novas gerações), ultrapassa os limites geográficos do lote a

ponto de torná-lo inviável economicamente para, nessa nova situação, atender à demanda

de consumo de não mais uma, mas diversas famílias oriundas do núcleo familiar original.

Aumenta-se o potencial de trabalho de tal forma, ao longo do tempo de ocupação do lote,

que é colocada em risco a própria reprodução social das famílias, restando às mesmas

apenas três opções: aumentar o tamanho do lote, dar vazão ao êxodo rural (em busca de

empregos urbanos ou empregos não agrícolas regionais) ou migrar para uma nova fronteira

agrícola. Em determinadas situações, nem uma eventual quarta opção, de intensificar a

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produção e aumentar a produtividade da terra e do trabalho, é suficiente para manter o

núcleo familiar unido dentro de um mesmo espaço.

Outro ponto a destacar é que em certas circunstâncias inexiste a associação

positiva entre o tamanho da propriedade e rendimento por área, o que eleva a importância

da desconcentração fundiária (Ramos, 2001). Os dados dos estabelecimentos rurais

brasileiros demonstram, inclusive, uma relação inversa entre tamanho e renda, onde

destacadamente são os empreendimentos familiares rurais os mais rentáveis na relação

entre Valor Bruto de Produção Agropecuária e unidade de área. Porém, é fundamental ter

em mente que dentro do recorte restritamente familiar (até quatro módulos rurais, entre

outros critérios) essa relação se torna direta, com o tamanho do lote sendo relevante na

geração de renda. Minifúndios ou porções muito reduzidas de terra demandam alta

intensificação de sistemas produtivos (pois a pecuária, que alavanca capitalização, necessita

de áreas mais abrangentes) para se tornarem economicamente viáveis, cenário que

comumente diverge da realidade do contexto produtivo familiar amazônico e põe em risco

o próprio processo de reprodução social da família.

Os produtores patronais que dispõem de mais capital e de áreas mais amplas têm

rendas maiores do que os agricultores familiares, porém, seria errôneo concluir que foram

aumentos de escala que garantiram rendas superior e, portanto, maior capacidade de

acumulação (Guanziroli et al, 2001). Dado que a produção pecuária varia em proporção

direta à área de pastagens, o processo de concentração de terras por grandes fazendeiros é

estratégico para expandir sua produção extensiva (Walker et al, 2000). Doutro lado, a maior

parte das estratégias de acumulação e de aumento de produtividade dos agricultores

familiares está baseada em pequenos volumes de capital, que podem ser acumulados de

forma gradativa por meio de cabeças de gado, cultivos perenes, maquinários e infra-

estrutura rural (Guanziroli et al, 2001).

Para a variável independente “tamanho do lote”, foi assumido como hipótese

específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra do

Proambiente vem de famílias com maior tamanho de lote, pois essa característica oferece

maior capacidade de se obter renda familiar anual e de se reter reserva legal.

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Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, os cultivos

anuais, cultivos perenes e campos abertos têm relação negativa e a reserva legal e a

renda familiar anual têm relação positiva com o tamanho do lote.

De acordo com a análise de correlação da Tabela 16, em torno de 92,02% dos

lotes com mais de 100 hectares concentram culturas anuais somente até 5% de seu espaço,

e praticamente 100% deles têm culturas anuais somente até 10% de sua área. No caso de

lotes entre 50-100 hectares, os respectivos valores giram entre 70,95% e 93,83%. Logo,

quanto maior o lote, menor é a importância relativa das culturas anuais,

conseqüentemente, há mais espaço físico para diversificação da produção (ex:

introdução de culturas perenes e campos abertos), um fator relevante para elevação

de renda familiar anual. Não há crescimento proporcional da área plantada com

cultivos anuais conforme o aumento do tamanho do lote, que se concentra sempre em

quantias absolutas e reduzidas de terra.

De acordo com a tendência dos cultivos anuais, mas de forma ainda mais

acentuada e linear, cultivos perenes têm menor importância em lotes maiores.

Somadas as duas primeiras classes de porcentagem (0-5% e 5-10%), 25,00% dos lotes de

até 5 hectares tem cultivos perenes, subindo para 50,37% entre 5-10 hectares, 75,25% entre

10-50 hectares, 90,49% entre 50-100 hectares e 97,26% para lotes com mais de 100

hectares. Nos lotes maiores (50-100 hectares e mais de 100 hectares) praticamente não

há casos (counts muito baixos) com mais de 10% dos lotes com cultivos perenes, o que

evidencia o limite da variável trabalho na intensificação dos sistemas produtivos. Em

classes de porcentagem acima de 15% com cultivos perenes, vê-se claramente que a maior

concentração recai em lotes menores, e em lotes com até 5 hectares, 18,48% deles têm mais

de 80% de cultivos perenes, fato raro ou ausente conforme o aumento do tamanho do lote.

Lotes maiores, portanto, apresentam limitada capacidade de trabalho para ampliar

suas áreas percentuais com cultivos perenes, mas por outro lado, têm mais área

disponível para diversificação do uso da terra e contenção de reserva legal.

Propriedades familiares com tamanhos intermediários (5-10, 10-50 e 50-100

hectares) apresentam perfil pecuarista mais acentuado que as propriedades menores

(até 5 hectares) e maiores (mais de 100 hectares). Na classe de porcentagem 0-20% de

campos abertos, há 68,48% dos lotes com até 5 hectares e 67,02% com mais de 100

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hectares, enquanto os lotes com tamanhos intermediários representam 45,19%, 34,17% e

40,62%, respectivamente. Somadas as classes de porcentagem com 0-20% e 20-40% de

campos abertos, conforme aumenta o tamanho do lote, há 83,70%, 63,71%, 55,71%,

69,15% e 86,35% dos lotes com atividade pecuária. Portanto, não somente maiores

percentuais de propriedades intermediárias destinam áreas maiores para campos abertos,

como dentre elas, aquelas com 10-50 hectares (portanto, com tamanho entre 05-10 e 50-100

hectares) também tem maior foco pecuário. As propriedades de tamanho intermediário

representam parcela significativa nas classes de porcentagem 40-60% (21,48%, 18,94% e

15,94%, respectivamente) e 60-80% (9,63%, 17,33% e 10,80%, respectivamente), e no

caso de 10-50 hectares, também há uma quantia expressiva de 8,02% dos lotes com 80-

100% de campos abertos. Os dados demonstram que há relação entre os resultados de

tamanho e tempo de ocupação do lote, isto é, ao longo do tempo, a área de pecuária

aumenta até o limite de 60% do lote, depois se estabiliza, sendo que esse aumento se

dá de maneira mais acentuada nos lotes de tamanhos intermediários.

Os dados são muito emblemáticos ao ilustrar a relação direta entre

tamanho do lote e capacidade de retenção de reserva legal. Nos lotes com até 5

hectares, 86,96% deles conserva apenas 0-20% de reserva legal, sendo que os percentuais

caem para 80,74%, 42,69%, 13,37% e 4,83% das propriedades conforme aumenta seu

tamanho (5-10, 10-50, 50-100 e mais de 100 hectares, respectivamente). Ao revés, estão

dentro da legislação ambiental (mais de 80% de reserva legal) 48,95% dos lotes com

mais de 100 hectares, 23,39% entre 50-100 hectares, 10,72% entre 10-50 hectares,

apenas 1,48% entre 5-10 hectares e nenhum deles abaixo de 5 hectares, o que

demonstra a relevância da discussão dos movimentos sociais rurais sobre diminuição

dos limites ambientais legais para propriedades inferiores a 100 hectares. Igualmente

à análise de campos abertos, novamente há similaridade dos resultados de tamanho e

tempo de ocupação do lote para reserva legal, ou seja, no decorrer dos anos, há

retirada de reserva legal, sendo que esta se dá se forma mais expressiva nos lotes

menores. Por fim, vale frisar que há algumas exceções, como o caso diagnosticado no

Pólo Transamazônica (PA) do Proambiente, onde os lotes maiores detém menor

percentual de reserva legal, pois devido à tradição pecuária local, torna-se comum

pecuaristas familiares que possuem apenas um módulo rural (que representa 100

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hectares na região) comprarem até três lotes de seus vizinhos para ampliarem sua

área pecuária e ao mesmo tempo não perderem sua condição de proprietários

familiares (até quatro módulos rurais, entre outros critérios), pois esse limite de

propriedade lhes conferem direitos, como o acesso às modalidades de crédito rural do

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). É a

substituição praticamente direta que se dá de reserva legal para campos abertos.

Para o tamanho do lote, a hipótese se confirma. Lotes maiores

demonstraram, claramente, capacidade superior de reter reserva legal. Entre os lotes

acima de 100 hectares, praticamente 50% cumprem a legislação ambiental, percentual

que cai para próximo de um quarto entre lotes de 50-100 hectares, 1/10 entre 10-50

hectares, quase nenhum entre 05-10 hectares e nenhum abaixo de 05 hectares.

Considerando que quase metade dos lotes (47,8%) tem entre 10-50 hectares, e

significativos 77,20% dos lotes tem entre 0-100 hectares, restam menos da metade dos

22,8% dos lotes em concordância com a legislação ambiental, em torno de 11,0%, que em

área certamente representa montante mais expressivo, mas que não deixa de chamar a

atenção para a dupla necessidade de se criar alternativas para a economia florestal e de se

revisar, com critérios técnicos, a pertinência da atual legislação ambiental, sem deixar de

registrar que esse percentual desmatado ainda representa parcela mínima em relação ao

contexto geral amazônico. Outro ponto a se observar é que apenas 38,9% dos lotes detém

nortista como proprietários que notadamente, como já visto anteriormente, possuam mais

habilidades para o manejo econômico de produtos florestais madeireiros e não madeireiros.

Essa situação crítica põe em evidência a demanda para políticas públicas urgentes que

harmonizem produção agrícola e conservação ambiental.

A revisão de literatura confirma os dados encontrados que relacionam

positivamente tamanho do lote com reserva legal, campos abertos e renda familiar anual.

Quanto ao primeiro resultado, é bastante clara a dificuldade de lotes muito reduzidos

deterem reserva legal, enquanto lotes maiores podem destinar áreas mais expressivas sem

comprometer sua viabilidade econômica. Obviamente há exceções, como no caso da

pecuária familiar transamazônica e nos lotes estuários produtores de açaí. Em relação as

duas últimas variáveis, lotes reduzidos podem se viabilizar economicamente se forem

baseados em cultivos perenes, no entanto, de maneira geral, dentro do recorte familiar,

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quanto maior o lote, maior será seu processo de capitalização, muito em função da

atividade pecuária, relação que se inverte na produção por área se forem comparadas as

realidades familiares e patronais. Por fim, os cultivos anuais e cultivos perenes

correlacionaram-se inversamente ao tamanho do lote por uma mera questão de

proporcionalidade matemática não relevante a ser levada a cabo. Há uma limite de área

para esses tipos de cultivos em função da disponibilidade de trabalho, sobretudo no

segundo caso, que também demanda alta monta de capital.

7.3.3.2. Titularidade do lote

É fundamental considerar que nas relações entre a propriedade e a utilização dos

elementos da produção há alguns dos últimos que são reprodutíveis e outros não. Polanyi

(1980) aborda tal problemática, partido do reconhecimento de que a função econômica é

apenas uma entre as muitas funções vitais da terra, que dá estabilidade à vida dos seres

humanos, é o local da sua habitação, assim como é a condição da sua segurança física, é a

paisagem rural e as estações do ano. Na análise histórica que fez, o autor constatou que o

caso do dinheiro revelou uma analogia muito real à do trabalho e à da terra. A aplicação da

ficção da mercadoria a cada um deles levou à sua inclusão efetiva no sistema de mercado.

Contudo, frisa Ramos (2001), como elementos fundamentais da produção, um sistema de

mercado auto-regulável de terras somente existiria na hipótese de uma forma de

funcionamento que não ameaçasse a sociedade. Como esta ameaça é inegável, fica

caracterizado o credo da economia liberal. A estrutura fundiária sempre guardou relação

com o trabalho, da mesma forma que se reconhece que as atividades agropecuárias têm

especificidades que demandam a criação e a sustentação de políticas que regulem as

relações entre o capital, o trabalho e a terra, exatamente porque a última é um recurso não

reprodutível.

Para Abramovay et al (2001), a questão agrária no Brasil é relegada a plano

secundário, e não raro, completamente ignorada. Os impasses sociais da sucessão

hereditária na agricultura familiar constituem uma das conseqüências da dinâmica

concentradora do nosso sistema fundiário ausente de política própria. O regime de

propriedade constituído a partir do latifúndio priva a família rural de terras e de meios de

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sobrevivência e produção. Desde a vigência do regime de propriedade da terra, em 1850, o

Estado brasileiro procura assegurar o grande latifúndio, sem que haja espaço para a

agricultura tradicional ou comercial de famílias que trabalham por conta própria. A

centralidade da agricultura de exportação dominou o sistema econômico e político,

transformando a agricultura familiar numa economia residual condenada a gravitar em

torno de seus interesses ou, notadamente, no interesse do status quo para “amansar” a terra

à posterior criação de vultuoso mercado imobiliário, seja ele legal ou, comumente,

clandestino, grilado. Assim se explica também o problema de itinerância externa.

Portanto, o mercado de terras não contabiliza o valor do tecido social, da rede de

relações existentes no meio rural que se extingue quando os agricultores familiares são

substituídos por unidades pertencentes a grandes proprietários, que ali não residem, mas

apenas reproduzem a margem extensiva do desenvolvimento (Abramovay et al, 2001).

A expansão da fronteira agrícola no interior do país foi, paradoxalmente, a

condição que permitiu à agricultura familiar garantir a autonomia do seu modo de vida,

especialmente pela existência de terras livres acessíveis através do sistema de posses. Nessa

trajetória em busca de novas terras, além de ter que enfrentar as dificuldades inerentes ao

próprio deslocamento e à instalação em um local desconhecido, o grande desafio consiste

em vencer as mesmas condições que se tentava escapar na fronteira antiga (Wanderley,

2001). Por esse motivo é que Cabral (2000) expõe que a condição de acesso à terra não

pode ser considerada uma variável determinante para a mobilidade camponesa.

Assim, o título da terra não apresenta grande relevância no modo de uso da

terra. Também por essa conjuntura é que os PUs, propostos pelo Proambiente, cumprem

papel fundamental para posicionar melhor as decisões econômicas sobre uso da terra, que

se refletem em menor prioridade aos cultivos anuais e maior aos cultivos perenes e

pecuária, de modo a proporcionar geração de renda familiar anual mais efetiva, mas não

necessariamente para auxiliar no processo de titulação dos lotes.

Para Benatti (2003), a dicotomia premente a ser superada pela doutrina e pela

legislação reside, de um lado, nas relações recíprocas entre o direito fundamental e a

garantia institucional da propriedade, e de outro, na garantia da proteção do meio ambiente.

Desse modo, o direito de propriedade em relação aos seres humanos e a seus usos da

natureza é importante para se implementar uma efetiva proteção dos recursos naturais. É

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preciso ampliar a compreensão da função social da propriedade para que se possa incluir

nesse conceito a função de proteção ambiental, a fim de favorecer uma utilização mais

responsável dos recursos naturais, que permita obter tanto os benefícios econômicos que o

imóvel pode produzir, como também os ambientais. Somente a criação de reserva legal e da

área de preservação permanente não foram suficientes para assegurar a proteção do

contingente florestal.

Ainda de acordo com Benatti (2003), a compreensão restrita de que a

propriedade cumpre a função social quando produz alimentos, sem colimar outros

interesses, parece não ser suficiente para abranger as novas necessidades sociais e

ambientais surgidas na contemporaneidade. É preciso ampliar a compreensão da função

social da propriedade para que se possa incluir em sua definição uma interpretação da

proteção ambiental, que favoreça uma utilização mais responsável dos recursos naturais,

com a busca tanto dos benefícios econômicos que o imóvel pode produzir, como também

os ambientais. Incorporando o principio da sustentabilidade ambiental, a Constituição de

1988 é categórica ao definir, no artigo 186, que a função social é cumprida quando a

propriedade rural atender, simultaneamente, os seguintes requisitos: (a) aproveitamento

racional e adequado; (b) utilização racional dos recursos naturais disponíveis e preservação

do meio ambiente; (c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; (d)

exploração que favoreça o bem estar do proprietário e trabalhadores.

Em conseqüência, a propriedade rural não tem somente a função de produzir,

mas também a função pública da gestão ambiental, pois a dúvida entre ter que produzir ou

ter que proteger o meio ambiente só existe para a propriedade liberal, que privilegia mais o

uso convencional da terra do que outras formas de utilização do solo e dos recursos

renováveis. Novamente aparece a importância dos PUs do Proambiente que propõem um

planejamento econômico e ecológico integrado. Assim, o novo contexto legal de

propriedade tem a incumbência constitucional de produção econômica, proteção ecológica

e respeito social ao trabalhador, sendo que a função ecológica é efetivada quando os

serviços ecológicos ou ecossistêmicos estão assegurados dentro do processo de destinação

econômica e social à terra.

Para Benatti (2003), os efeitos do direito de propriedade rural na relação entre o

sujeito e o objeto, e entre o sujeito e o mundo exterior, podem ser observados em dois

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níveis que se influenciam mutuamente: (a) relação interna – consiste na vinculação entre o

titular e a coisa, é a relação entre sujeito e uma res corporalis, é a esfera da manifestação

individual, do exercício da propriedade – que se associa com os PUs do Proambiente; (b)

relação externa – consiste na vinculação social e jurídica entre os distintos sujeitos de

diferentes interesses, é a relação recíproca sujeito-sujeito, o direito de ter o bem e de ver

respeitados o uso e o gozo do bem, como também a garantia que a propriedade cumprirá

sua função ambiental – que se associa aos ACs do Proambiente.

O reconhecimento do direito de propriedade foi fundamental para assegurar a

apropriação privada e justificar o uso predatório da natureza. Logo, boa parte dos

problemas ambientais contemporâneos está diretamente ligada às regras liberais que

legitimaram a apropriação privada dos recursos naturais. A estrutura e o regime jurídico da

propriedade podem ser instrumentos jurídicos importantes para a sustentabilidade

ambiental, desde que os pressupostos da propriedade liberal sejam superados e desde que os

novos instrumentos jurídicos sejam interpretados com base nos mandamentos

constitucionais, que asseguram a função socioambiental da propriedade.

Para Castro (2001), diversos grupos de mulheres camponesas têm assumido uma

identidade política e apresentam-se à esfera pública nas negociações relacionadas à terra,

nos processos de ocupação, posse e demarcação, pleiteando titulação da terra em caráter de

apropriação privada ou sob modalidades de terra comunal. Isso representa um avanço que

encontra eco na crítica de Siqueira et al (2003) ao apontar que o título da terra

historicamente foi conferido aos homens. No presente momento do Estado brasileiro, desde

a gestão Lula, a titulação da terra em nome das mulheres representa um avanço, não

somente por uma questão de gênero, mas pela relevante proteção às crianças e adolescentes

que habitam o meio rural em caso de separação dos pais.

A luta contra a pobreza rural não é somente uma questão de técnicas de

produção e de inversão de capitais, mas é uma pauta eminentemente política, que engloba

quesitos relativos à atual distribuição da riqueza (sendo a terra uma delas) e de poder (que a

terra também confere) dentro das nações e entre elas (Ramos, 2001). Mesmo não sendo a

titulação, necessariamente, uma determinante do investimento agronômico, ela confere

estabilidade social, preserva os laços culturais e garante a segurança alimentar. Um bom

exemplo pode ser tomado pelo trabalho de Hoffmann (2003), que estudou cuidadosamente

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a associação entre mortalidade infantil e estrutura agrária no Rio Grande do Sul e

demonstrou que há uma relação muito forte entre as variáveis indicadoras do

desenvolvimento humano (saúde, educação e esperança de vida) e a desigualdade da

distribuição da posse da terra.

Para Boserup (1987), um problema essencial no estudo da economia das

mudanças populacionais é o de estabelecer de que maneira elas afetam o investimento,

ressaltando que o grau de segurança da posse e uso da terra é, para o agricultor, um dos

importantes determinantes do investimento. Também para Brondízio (2009), algumas

variáveis que condicionam a produção influenciaram diferencialmente as decisões dos

usuários da terra no que diz respeito à intensificação, como a demanda, a proximidade e as

condições de acesso aos mercados consumidores, o acesso aos recursos da própria área e a

condição de posse da terra.

Van Wey et al (2009) corrobora Benatti (2003) quando menciona que se não

existem (ou são escassas e não prioritárias) políticas governamentais relacionadas a

mudanças de uso da terra agropecuário para florestal, uma forma ineficiente ocorrerá, já

que às florestas em pé e aos serviços ambientais produzidos por elas não é atribuído

nenhum valor. Adicionalmente, quando direitos de propriedade são incertos, as taxas de

desmatamento são mais elevadas.

Ludewigs et al (2008) e Campari (2002) levantam que a venda da terra pode ser

a melhor opção econômica empregada pelos agricultores familiares quando enfrentam

profundas dificuldades em projetos de assentamentos na Amazônia, salvo se partirem para

a consolidação do lote por meio de desmatamento e introdução da atividade pecuária

extensiva. Portanto, como as condições econômicas ideais raramente são oferecidas pelos

órgãos governamentais, o processo de desmatamento seguido de pecuarização é,

principalmente, desencadeado pelas primeiras famílias que ocupam os lotes quando

comparadas àquelas que as sucedem, sendo que essa prática também se justifica como

estratégia para garantir a posse da terra em condições não tituladas.

Ludewigs et al (2008) também discutem que a falta de titulação na região de

Santarém (PA) parece uma estratégica velada para facilitar a concentração de terra e

expansão de atividade agroexportadora de soja, enquanto em Porto Acre (AC), devido a

postura mais responsável do governo local, a titulação é maior, mesmo caracterizando-se

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como área de nova fronteira. O título da terra em Altamira (PA), por sua vez, apresenta

relação positiva com o desmatamento, o que contradiz as presunções e verificações de Van

Wey et al (2009), Benatti (2003) e Alston (1999), de que a legalização de terras auxilia no

controle do desmatamento, ainda que essa relação seja mais intensa em áreas de ocupação

espontânea quando comparadas aos projetos oficiais de colonização. Pan & Bilsborrow

(2005) corroboram Ludewigs et al (2008) quando indicam que terra titulada indica status

socioeconômico e apresentam relação positiva com a pecuária.

Portanto, a segurança na posse da terra na Amazônia, numa conjuntura de

ausência de institucionalidade oficial de jurisdição agrária, somente é obtida com a prática

do desmatamento e introdução da atividade pecuária. Neste contexto amazônico particular

se pode tomar como corretos os achados de Boserup (1987) e Brondízio (2009) expostos

acima. Porém, conforme mencionam Ludewigs et al (2008), não há relação inversa entre

titulação e reserva legal, o que não só destoa de Van Wey et al (2009), Benatti (2003) e

Alston (1999), como não confirma totalmente a hipótese apresentada no presente estudo.

Os resultados encontrados por Pan & Bilsborrow (2005) se assemelham mais aos aqui

encontrados, que apresentam relação positiva entre título e pecuária, isto é, a atividade

cumpre papel de garantir a posse informal da terra antes da titulação, e após ela, intensifica-

se, mas não de forma tão significativa como serão demonstradas pelas variáveis de capital.

Os cultivos perenes, portanto, não se ligam a titulação, sobretudo, porque somente são

alavancados pelo acesso ao crédito rural, que como demonstrado, não mais exige o título da

terra para ser obtido.

Moran (2009) evidencia que as regras em uso associadas ao manejo de recursos

moldam as condições das florestas independentemente se o regime de posse é privado,

comum ou governamental. Na mesma direção, Futemma & Brondízio (2003) demonstram

em estudo que o direito legal de posse da terra não é suficiente para garantir a

intensificação agrícola e a conservação florestal. Perz (2001) reforça esses argumentos ao

apontar a não linearidade entre título da terra e transição de sistemas de cultivo anual para

outros sistemas mais complexos. Somente se condicionados a obtenção do crédito rural,

segundo o autor, os títulos podem contribuir, particularmente, para a expansão pecuária.

Por fim, Romeiro (1998a) registra que a situação fundiária e o tempo de

ocupação explicam as variações de preços da terra. O título da terra e a implantação de

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pastagens elevam o preço do lote, permitindo um ganho patrimonial superior à renda obtida

no mesmo período com a produção das lavouras anuais. Esses argumentos corroboram as

entrevistas com produtores familiares do Pólo Transamazônica (PA), que atestam que o

título pouco altera o uso da terra, mas eleva o preço de troca do imóvel, que tem sua posse

garantida como a introdução de pastagens. Já as variáveis de capital apresentam-se como

muito relevantes, segundo os depoimentos, para a transição produtiva.

Para a variável independente “titularidade do lote”, foi assumido como hipótese

específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra do

Proambiente vem de famílias com titularidade do lote registrada em instituição fundiária

oficial, o que garante maior segurança em investimentos sustentáveis.

Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, os cultivos

anuais têm relação negativa e os campos abertos e a renda familiar anual têm relação

positiva com a titularidade do lote, sendo que as demais formas de uso da terra não

demonstraram significância estatística.

De acordo com a análise de correlação da Tabela 17, na classe de porcentagem

0-5%, 62,40% dos lotes não regularizados têm cultivos anuais, enquanto esse percentual

eleva-se para 72,60% dos lotes regularizados. Em situação oposta, nas quatro classes de

porcentagem seguintes, os cultivos anuais compõem maior percentual de lotes não

regularizados: 20,10% entre 5-10% (contra 17,64% dos lotes regularizados), 9,07% entre

10-15% (contra 4,41%), 3,30% entre 15-20% (contra 2,52%) e 3,37% entre 20-40% (contra

2,20%). O número absoluto de lotes em classes de porcentagem acima de 40% de cultivos

anuais é irrelevante. Portanto, há relação entre titulação dos lotes e cultivos anuais, ou

seja, uma parcela maior de lotes regularizados destina áreas proporcionalmente

menores para cultivos anuais, porém, a relação ainda é muito amena para corroborar

a hipótese de que o título da terra assegura maior segurança para o investimento em

sistemas sustentáveis, que requerem prazos mais longos para se viabilizarem

economicamente.

Na classe de porcentagem 0-20%, 48,28% dos lotes não regularizados têm

campos abertos, ao mesmo tempo em que esse percentual cai para 38,90% dos lotes

regularizados. Não obstante, nas três classes de porcentagem seguintes, os campos abertos

são mais relevantes em lotes regularizados: 22,05% na classe 20-40% (contra 21,64% dos

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lotes não regularizados), 18,11% na classe 40-60% (contra 14,13%) e 15,43% na classe 60-

80% (contra 10,19%). O número absoluto de lotes na última classe de porcentagem (80-

100%) de campos abertos não é desprezível como nos casos de cultivos anuais e perenes

vistos acima, porém, os valores se assemelham (5,76% para lotes não regularizados contra

5,51% para lotes regularizados). Por conseguinte, de forma oposta à situação dos

cultivos anuais, uma parcela maior de lotes regularizados destina áreas

proporcionalmente mais abrangentes para pecuária. No entanto, como foi

demonstrado na revisão de literatura, esse cenário ainda não é suficiente para

confirmar que o título da terra assegura maior segurança para o investimento de

médio prazo como a produção pecuária. O histórico de políticas de crédito rural

voltadas para a pecuária extensiva, que anteriormente exigiam o título da terra,

caracteriza-se como uma variável mais relevante. Por isso que mesmo sendo a

formação de pastagens uma forma de garantir a posse da terra não regularizada, a

análise conjunta dos resultados de cultivos anuais, perenes e campos abertos

demonstra que há priorização de áreas mais abrangentes para a atividade pecuária

em maior número relativo de lotes regularizados.

Não há relação entre titulação dos lotes e uso da terra para reserva legal. Em

cada classe de porcentagem de reserva legal subseqüente predomina um percentual maior

ou menor de lotes regularizados. Na classe 0-20% de reserva legal há mais lotes titulados

(33,59% contra 31,34% de não titulados), invertendo-se essa relação sucessivamente na

classe 20-40% (12,72% versus 16,85%), 40-60% (14,62% versus 14,33%), 60-80%

(17,29% versus 18,58%) e, finalmente, 80-100% (21,78% versus 18,90%). A distribuição

também é mais uniforme entre as classes de porcentagem de reserva legal de lotes titulados

e não titulados, se comparados à distribuição nos uso da terra para cultivos anuais, perenes

e campos abertos de lotes titulados e não titulados. Assim, conforme demonstrado na

revisão de literatura, o título da terra por si só não assegura proteção ao recursos naturais

como se apregoa no direito ambiental.

Para a titularidade do lote, a hipótese se confirma parcialmente. Lotes não

titulados tendem a priorizar cultivos anuais, característicos de subsistência, enquanto

lotes titulados partem, prioritariamente, para investimentos em campos abertos, e não

para investimentos mais longos em sistemas perenes, como se previa. Chama a

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atenção a não relação negativa ou positiva entre titularidade do lote e uso da terra

para reserva legal, porém, esse resultado não desautoriza a hipótese. A regularização

fundiária, portanto, não é muito relevante para a tomada de decisões estratégicas como

investimentos de longo prazo ou tão pouco se caracteriza como uma estratégia pública de

proteção ambiental.

7.3.4. Variáveis referentes ao ativo capital

7.3.4.1. Acesso ao crédito rural

Para Walker & Homma (1996) e Mattos & Uhl (1994), as distorções do acesso

ao crédito rural, do acesso ao transporte e do mercado consumidor, geralmente, impõem

séria carga financeira aos agricultores familiares, que podem entrar em bancarrota e terem

como destino inevitável a migração para uma nova fronteira agrícola. Porém, agricultores

familiares podem persistir na fronteira agrícola sob condições apropriadas, sendo a

atividade pecuária uma das mais importantes para diminuição de riscos financeiros. Embora

as pastagens sejam comumente associadas com grandes corporações agropecuárias,

evidências científicas demonstram que reduzidas operações de conversão da terra para uso

pecuário são viáveis devido aos seus baixos custos de oportunidades de trabalho e capital.

Agricultores familiares, entretanto, mantêm altos níveis de sistemas diversificados

compostos também por cultivos anuais e perenes.

Assim, é errônea a presunção de que o agricultor familiar que se limita aos

conhecimentos tradicionais atinge um ponto além do qual praticamente nenhuma

contribuição pode fazer para a melhoria de sua condição de bem-estar ou para seu

crescimento econômico (Schultz, 1965). E o reconhecimento da importância estratégica da

produção familiar rural não seria suficiente para justificar as políticas de apoio financeiro

implementadas não fosse sua capacidade de produzir de maneira eficiente do ponto de vista

econômico, de absorver progresso técnico e atender à demanda por fibras e alimentos

baratos do setor urbano-industrial (Veiga, 1991).

Nesse sentido, Guanziroli et al (2001) expõe que parte significativa de

produtores familiares brasileiros, dentre eles os mais descapitalizados, que receberam

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algum tipo de apoio financeiro, sobretudo acesso ao crédito rural sob condições especiais

de carência, prazo de amortização e taxas de juros, conseguiu inovar além da pecuária e

diversificar seus sistemas produtivos e dar curso a trajetórias bem sucedidas de

capitalização.

A família também pode responder pelo advento das oportunidades do mercado

de trabalho fora das unidades de produção, afinal, trabalhos não agrícolas geralmente

provêm ganhos salariais que podem ser usados para mecanizar a produção, e dessa forma,

substituir trabalho por capital (Walker et al, 2002).

Contudo, quando são implementadas políticas agrícolas de apoio à produção

familiar, tornando disponível crédito rural de custeio e/ou investimento, se acelera o

processo de consolidação dos sistemas produtivos, assim, as demais atividades fora da

unidade produtiva tendem a ser deixadas de lado, pois não entram mais na lógica do

processo de acumulação, além de não restar mais tempo disponível (Guanziroli et al, 2001).

A agricultura familiar, em todos os seus sistemas de produção, enfrenta

problemas associados à disponibilidade de capital de giro e recursos para investimentos, ao

mesmo tempo em que maneja sistemas produtivos com a maior intensidade possível, cada

vez mais conforme as condições produtivas e de infra-estrutura lhes forem dispostas.

Portanto, é equivocada a visão da produção familiar como auto-suficiente e totalmente

avessa ao risco envolvido nas operações financeiras. Na prática, a grande maioria dos

produtores necessita de recursos externos para operar suas unidades de maneira mais eficaz,

rentável e sustentável. A ausência destes recursos, seja pela insuficiência da oferta de

crédito adaptado aos modos de uso diversificado da terra da agricultura familiar, seja pelas

condições contratuais inadequadas, impõem sérias restrições à reprodução social,

competitividade econômica e uso diversificado dos recursos naturais da agricultura familiar

(Mattos, 2008; Mattos & Pereira, 2006; Mattos, 2006; Mattos, 2004; Mattos et al, 2001;

Mattos, 2001; Guanziroli et al, 2001).

Como lembra Norder (2006), a demanda por crédito rural de investimentos

sustentáveis tende a ser altamente heterogênea num processo de diversificação produtiva. O

acesso às linhas de financiamento rural pode proporcionar maior autonomia na produção e

uma redução na dependência com determinadas relações de mercado, assim como as

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limitações e a inflexibilidade no sistema de crédito rural de investimento podem representar

um obstáculo adicional à reativação e diversificação das economias locais.

Griffin (1982) alerta que as políticas governamentais discriminatórias a favor da

produção patronal, como crédito rural altamente subsidiado para a pecuária expansiva,

aumenta o rendimento da terra na fronteira agrícola e aporta um poderoso incentivo para

que os lotes em posse da agricultura familiar possam ser adquiridos num futuro próximo,

face à inacessibilidade dos últimos aos processos tecnológicos inovadores e adaptados às

suas realidades econômicas e culturais.

Dessa forma, Mattos (2008) expõe que é fundamental haver forte política de

crédito rural para cultivos perenes e sistemas agroflorestais adaptados à realidade da

agricultura familiar, de modo a gerar processos de inovação específicos desse setor de

produção, caso contrário, os mesmos só poderão se desencadear lentamente, em situações

de baixíssimas condições de ativos líquidos. Ademais, há de se ter atenção para a constante

necessidade de se aumentar a relação entre o Valor Bruto de Produção Agropecuário

(VBPA) e o valor da terra, como meio de garantia de posse da terra de forma

economicamente viável pela agricultura familiar, sobretudo, numa fronteira agrícola, que é

marcada pela constante valorização e especulação imobiliária.

Nesse sentido, conforme exposto no capítulo V, um fato de grande repercussão

social e política na Amazônia veio com a nova Constituição Federal do Brasil de 1988, ao

criar os Fundos Constitucionais, que estabeleceu a obrigação da União destinar 3% da

arrecadação nacional do IR (Imposto de Renda) e IPI (Imposto sobre Produto

Industrializado) para serem aplicados em programas de financiamento aos setores

produtivos das Regiões Norte (0,6%), Centro-Oeste (0,6%) e Nordeste (1,8%). Para a

Região Norte, regulamentado pela Lei n0 7.827/89 e Lei Complementar n

0 9.126/95, foi

criado o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), com programas de

financiamento de setores produtivos privados rurais e industriais. Os recursos do FNO são

administrados pelo Banco da Amazônia (BASA), Instituição Financeira Pública vinculada

ao Ministério da Fazenda (Tura & Costa, 2000; BASA, 2000).

Mattos (2008) e Mattei (2007) também registram que, a partir de 1994, outra

importante mudança institucional foi desencadeada para atender os interesses da agricultura

familiar. Primeiramente, o governo Itamar Franco criou o Programa de Valorização da

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Pequena Produção Rural (Provap), que tinha como objetivo destinar um volume de crédito

rural com taxas de juros mais acessíveis aos agricultores familiares, definindo-os como uma

categoria única a partir da renda bruta. Embora os resultados do Provap sejam

insignificantes, ele cumpriu relevante papel de transição para futura diferenciação de

políticas por categorias familiares. Em 1995, já no governo Fernando Henrique Cardoso, o

Provap foi totalmente reformulado, dando origem, em 1996, ao Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Era o início de uma iniciativa que tem se

firmado, ao longo dos anos, como o principal programa governamental destinado à

agricultura familiar (Mattei, 2007; Mattei, 2001). A partir de 1999, com o início do segundo

mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Pronaf passou por mudanças institucionais,

entre elas, a estratificação dos beneficiários do programa em cinco categorias de renda

bruta (Pronaf A, B, A/C, C e D), permitindo melhor adequação das regras de financiamento

às distintas realidades que compõem a agricultura familiar.

Em 2003, ano de posse do governo Luiz Inácio Lula da Silva, novas mudanças

institucionais são tomadas, como aumento de mais uma categoria de renda bruta (Pronaf E),

queda das taxas de juros, aumento do período de carência e dos prazos de amortização,

medidas importantes para permitir o desencadeamento de processos gradativos de transição

produtiva (Mattos, 2008). De acordo com Buainain & González (2007), os cinco grupos os

quais foram segmentados o público elegível no Pronaf são agricultores familiares

estabilizados economicamente (grupos D e E), com exploração intermediária e bom

potencial de resposta produtiva (grupo C), com baixa produção e pouco potencial de

resposta produtiva (grupo B) e assentados da reforma agrária (grupo A). Também há o

grupo A/C, constituído por assentados da reforma agrária que já contrataram

financiamentos no grupo A e que estão em processo de fortalecimento econômico de sua

produção. Mais recentemente, em 2008, já no segundo mandato do governo Lula, foram

mantidas as categorias de renda bruta A e B e unificadas as categorias C, D e E numa

mesma denominada “agricultura familiar”, com taxas de juros maiores conforme a renda

anual de cada mutuário pessoa física ou jurídica.

Ainda em relação ao Pronaf, Mattos (2008) demonstra que a região Norte está

numa situação desfavorável em relação às demais regiões do país (exceto Nordeste), pois

detinha, em 1996, número de contratos (2,67%) abaixo do percentual de estabelecimentos

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rurais familiares do país (9,20%), enquanto os montantes (10,15%) estavam relativamente

adequados, mas até 1999, houve involução de contratos (2,67% para 2,51%) e,

principalmente, de montantes (10,15% para 3,12%). No período seguinte analisado, entre

2000-2004, no Norte sucede-se movimento progressivo do número de contratos (4,17% em

2000; 7,68% em 2004) e montantes (6,27% em 2000; 12,05% em 2004), no entanto, o

primeiro ainda abaixo e o segundo acima da importância nacional de seus estabelecimentos

familiares (9,20%).

E Mattei (2007) demonstra que ao mesmo tempo em que está havendo uma

maior capilaridade do programa em todas as regiões do país em número de contratos, com

diminuição no Sul, estagnação no Sudeste e Centro-Oeste, e aumento no Norte e Nordeste,

o que, indiretamente, pressupõe uma transferência de contratos do Sul agrícola para as duas

regiões economicamente mais deprimidas, nota-se que em montantes há insuficientes

mudanças estratégicas, com estagnação no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, aumento no Norte

e diminuição no Nordeste, isto é, há somente realocação de recursos da primeira para a

segunda região mais desfavorecida em renda. Nesse sentido, apesar de sua grande

importância como elemento agregador de renda para a agricultura familiar, o Pronaf ainda

encontra sérias dificuldades e carece de estratégias para avançar como política de

amenização das desigualdades inter-regionais e de integração nacional. A evolução

quantitativa do programa é clara, ao revés, o problema estratégico e qualitativo regional se

torna manifesto. Se pelo lado dos contratos as alterações são eminentes, com aumento de

capilaridade no grupo B, justamente aquele com baixa produção e pouco potencial de

resposta produtiva, no caso dos montantes operados as modificações são pouco abruptas,

com manutenção da predominância dos grupos C (21,96% em 2000 para 25,73% em 2004)

e D (47,58% em 2000 para 38,26% em 2004), além do novo grupo E abocanhar 11,81% do

total. Percebe-se assim a oscilação positiva dos grupos mais capitalizados (C, D, E) de

69,54% para 75,17% em quatro anos fiscais, uma marca expressiva que registra não só a

força do Pronaf na consolidação dos mais capitalizados (quando se analisa os montantes),

como capilaridade aos de menores rendas familiares (forte elevação de contratos no grupo

B).

É relevante agora analisar a relação entre categorias e modalidades de crédito

rural. No crédito de custeio, em 1999, havia predomínio dos grupos D (52,80%) e C

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(34,29%) em contratos, o que corresponde aos respectivos montantes de 67,94% e 18,24%

(total de 86,18%). Em 2004, há relativa equivalência na redução de contratos do grupo D

(28,37%) e elevação do grupo C (55,95%), ainda que em montantes, o primeiro estabeleça

patamar de 39,72% e o segundo de 30,33%. Aos mesmos soma-se o novo grupo E, com

4,35% dos contratos e 15,15% dos montantes, portanto, se contabilizados os três grupos, o

volume total de recursos por eles detido atinge 85,20%, valor muito semelhante à safra

agrícola do ano 2000. No caso do crédito de investimento, em 1999, a predominância em

contratos fica com os grupos A (65,13%) e D (28,31%), com correspondente montante em

45,75% e 49,83%, uma acachapante marca de 95,58% do volume total. Em 2004, o grupo

B já respondia por 71,51% dos contratos, mas apenas 18,29% dos investimentos, o que bem

caracteriza o perfil de investimento em baixa monta dessa categoria. Porém, em montante,

os grupos C (18,29%), D (35,91%) e E (6,38%) representam 60,58%, o que corrobora a

conclusão já exposta anteriormente de que o crédito de investimento também se direciona

às categorias mais capitalizadas da agricultura familiar. Logo, ao mesmo tempo em que o

Pronaf promove elevação de renda dos menos capitalizados (ex: grupo B), ele dá maior

oportunidade de acessar recursos financeiros aos mais consolidados (grupos C, D, E), o

que, paradoxalmente, melhora em geral a vida no campo e concentra renda dentro da

agricultura familiar. Outro problema empiricamente detectado na modalidade de

investimentos voltada aos estabelecimentos rurais familiares é que os bancos operadores

exigem garantias nem sempre compatíveis à realidade do agricultor familiar menos

capitalizado, tendo como conseqüência a concentração de recursos financeiros aplicados

em regiões específicas e negligência nas questões estruturais das áreas economicamente

mais deprimidas. Assim, esse fenômeno se assemelha à história econômica das nações,

como visto no capítulo I, que comumente elevam o nível geral de vida de suas populações

sob concomitante processo de concentração de renda (Mattos, 2008).

Para Mattos (2008), Buainain & González (2007) e Mattei (2007; 2001), ainda

que apresente falhas na sua concepção e execução, o Pronaf se notabiliza como um

programa de grande importância para o país, pois oferece oportunidades gradativas à

agricultura familiar de superar processos de estagnação econômica e elevar a relação entre

valor da produção e preço da terra, pois caso isso não ocorra, é inevitável a concentração

fundiária. E as diferentes concepções entre as gestões federais passadas, presentes e futuras,

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sobretudo quanto às fontes financeiras do programa, parecem estar em grau reduzido se

comparadas à relevância da consolidação do Pronaf não como ação de governo, mas como

política de Estado, algo similar ao advento do FNO. Parece não haver espaço, portanto,

para “aventuras políticas” de se encerrar as relevantes medidas que criaram e consolidaram

o Pronaf e o FNO como instrumentos econômicos voltados à agricultura familiar (vale

reforçar que o FNO atende demandas industriais e agrícolas de empreendimentos de

grande, médio e pequeno porte – o último, principalmente, a partir de 1995, com o FNO-

especial – da região Norte, enquanto o Pronaf é exclusivamente voltado para a agricultura

familiar de todo o Brasil). Logo, assim como o Pronaf e o FNO, com suas diversas linhas e

modalidades, oferecem oportunidades de financiamento rural de custeio e investimento

para a transição produtiva da agricultura familiar, o Proambiente aparece como importante

meio para qualificar essa transição produtiva (e as próprias operações do Pronaf e FNO) a

partir do planejamento econômico e ecológico integrado advindos com os PUs e da

verificação participativa de serviços ambientais dos ACs.

Apesar da fundamental importância do surgimento do empréstimo rural à

agricultura familiar a partir de 1995 (FNO- Especial e Pronaf), Costa (2000d) demonstra

que a base de investimentos de agricultores familiares do município de Capitão Poço (PA),

durante os anos 80 e 90, foram os recursos próprios das unidades familiares, exceto no caso

de situações de restrição de trabalho e abundância de terras, onde há um percentual mais

significativo de financiamento rural, precisamente aplicado na pecuária (que no presente

estudo é classificado como “outros tipos” de crédito rural). Os investimentos para todos os

demais grupos (restrição de trabalho e terras, abundância de trabalho e terras, abundância

de trabalho e restrição de terras) fizeram-se com menos de 10% de financiamento de outros

tipos. No total, nada menos que 93% da área com culturas perenes e 82% com pastagens

foram implantadas com recursos próprios. A agricultura familiar paraense, portanto, viveu

um processo profundo de transformação ao longo de duas décadas, com a reorientação do

setor tipicamente itinerante para sistemas mistos que unem culturas anuais, culturas perenes

e pecuária. Na base do seu desenvolvimento esteve uma inusitada capacidade de

arregimentação de reservas próprias em força de trabalho e capital, dispondo-se só

eventualmente, em 12% dos investimentos, de alguma participação externa de recursos. O

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Estado, portanto, não esteve presente como provedor de meios para as mudanças que se

desenrolaram na economia familiar local.

Para Vilar (2000), as restrições historicamente impostas pelas políticas oficiais

de crédito rural e a necessidade de mudar para sobreviver colocaram os produtores

familiares no centro de um grande dilema: como transformar a base produtiva de sua

propriedade – diversificando os tradicionais sistemas de produção, fundamentados no corte

e queima, através da introdução de culturas perenes e/ou pecuária – se dispõe apenas dos

ativos terra e trabalho para realização da tarefa? Assim, as evidências demonstraram que os

produtores familiares não permaneceram estáticos diante desse dilema, ao contrário, foram

capazes de reagir, buscando através de seus próprios recursos os meios necessários para

mudar e evoluir enquanto foram negligenciados das políticas nacionais e regionais de

financiamento rural.

Frente às dificuldades passadas e à ausência de políticas efetivas de apoio à

agricultura familiar, a lógica do processo de formação de capital, através da utilização da

força de trabalho como investimento, assumiu grande importância, ao permitir, em um

primeiro momento, a geração de uma base inicial de capital no interior da unidade de

produção, cujo efeito germinativo viabilizou, em um segundo momento, a expansão desses

investimentos, inclusive, com apoio, então mais fácil, do crédito rural (Vilar, 2000).

Outro ponto relevante foi que a organização social para o trabalho (muitas vezes

coletiva, lote a lote) tornou-os mais elegíveis ao crédito rural de forma a agregar ainda mais

valor aos investimentos anteriormente iniciados. Portanto, seria errôneo concluir que

somente o crédito rural alavancou a evolução produtiva, ainda que seu advento tenha sido

de fundamental importância para dar continuidade aos processos inovadores.

Enquanto nos grupos com restrições de terra e trabalho, a eficiência reprodutiva

associou momentos de relativa estabilidade a momentos de quedas bruscas, exigindo rápida

recuperação por ameaçar mais de perto a sobrevivência familiar, no outro grupo, com

abundância de terra e trabalho, o declínio da eficiência reprodutiva aconteceu de forma

discreta ao longo do tempo, não chegando a exercer fortes pressões sobre a reprodução

familiar. A utilização da força de trabalho adicional, portanto, é a base do reordenamento

da base produtiva da agricultura familiar, que quando alcança seu limite, necessita

complemento de outras formas de investimento, notadamente, as linhas de crédito rural

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disponíveis para esse setor produtivo (Costa, 2000d; Vilar, 2000). Os adventos do FNO e

Pronaf, portanto, foram fundamentais para garantir a ampliação intermitente de sua

eficiência reprodutiva.

Análises econômicas de desmatamento efetuadas por Moran (1993), antes da

vigência do FNO-especial e Pronaf, sugerem passos para reduzir o desmatamento, sendo o

mais efetivo dado pela eliminação de incentivos fiscais à pecuária. Conforme o autor, a

prática pecuária é uma tradição ibérica que desfruta de considerável preferência cultural,

sendo que os agentes financeiros ainda apresentam clara preferência para o financiamento

da mesma em comparação às práticas culturais anuais e agroflorestais, estas últimas com

mais dificuldades para serem encampadas por incentivos públicos federais ao longo do

processo de expansão da fronteira amazônica. Incentivos à pecuária podem limitar

processos de diálogo dos saberes populares e científicos, especialmente nos casos de

métodos de intensificação produtiva demandados por estabelecimentos rurais familiares. Na

outra ponta, praticamente inexistiam incentivos fiscais para desencadear atividades

econômicas florestais ou agroextrativistas.

Para Ludewigs (2006), recentemente, a agricultura tornou-se prioritária em

relação à atividade pecuária na política de financiamento do FNO devido aos mais

reduzidos impactos ecológicos que a primeira causa quando comparada com a segunda

atividade econômica. Conforme entrevistas realizadas pelo autor com representantes do

Banco da Amazônia (BASA), o agente financeiro assumiu uma política de restrição à

pecuária para evitar a conversão de áreas florestais nativas em pastagens plantadas, sendo

que uma das estratégias utilizadas funda-se na exigência de compra de animais com

certificação de origem, os quais possuem um preço de mercado mais elevado e,

conseqüentemente, desencorajam a tomada do financiamento para tal fim.

As relações entre mudanças de uso da terra e tomada de crédito rural são

extremamente complexas de se tratar, não somente por implicar uma gama ampla de

condicionantes, mas também porque as linhas de crédito rural variam conforme a política

de financiamento do agente financeiro. Mas de forma geral, Perz (2001) demonstra que

uma propriedade titulada e que adquire crédito rural tende a ter menos foco em cultivos

anuais, conforme demonstram os resultados do presente trabalho para o acesso ao Pronaf,

FNO ou outros tipos de crédito rural. No entanto, Futemma & Brondízio (2003)

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encontraram que proprietários com acesso ao crédito rural, em comparação aos sem acesso,

destinaram mais área para cultivos anuais (média de 5,4% contra 2,4% dos lotes,

respectivamente). Provavelmente, no primeiro caso, os financiamentos induziram inversões

mais lucrativas que cultivos anuais, enquanto no segundo caso alavancaram sistemas

produtivos anuais dedicados além da subsistência, isto é, aos mercados locais.

Embora os avanços sejam nítidos no financiamento para alavancar sistemas

produtivos familiares, Tura & Costa (2000) expõem que programas de crédito rural ainda

favorecem os proprietários patronais e a expansão de commodities para a exportação em

detrimento aos produtores familiares, que recebem crédito rural e assistência técnica

limitados. Para os autores, mesmo programas como o FNO têm oferecido poucas

oportunidades para a intensificação da produção e acesso aos mercados consumidores. A

trajetória de aplicação do FNO, ainda que tenha alavancado sistemas perenes (que exigem

alto capital de giro, inexistente nos lotes familiares), também são responsáveis pelo avanço

da pecuária no contexto das unidades de produção familiares.

Siqueira et al (2003), em levantamento na região da rodovia Transamazônica

(PA), detectou que em torno de 30% das famílias migradas na década de 70

permaneciam nos seus lotes no início dos anos 90, patamar semelhante ao do

Proambiente, que gira por volta de ¼ dos lotes. Entre os anos de 1972-78 predominou o

uso da terra com culturas anuais de subsistência (arroz, feijão, milho e mandioca), nos

dez anos seguintes, dentro do intervalo de 1978-1988, destaca-se a introdução de cultivos

perenes como o cacau e a pimenta preta, e desde o final dos anos 80 assiste-se à expansão

da pecuária e co-existência de outras atividades produtivas, característica que se reforça,

sobretudo no caso de cultivos perenes, em meados dos anos 90 com o acesso ao crédito

rural do FNO.

Ludewigs (2006) expõe uma importante relação econômica e cultural. Conforme

seus dados, colonos migrados de outras regiões brasileiras tomam mais empréstimos

bancários quando comparados com nativos amazônicos. Este fenômeno pode ser explicado

pela menor tradição dos últimos com os mercados consumidores. Já os colonos, além da

tradição de uso de financiamentos, caracterizam-se pela adoção de sistemas mistos, muitos

pautados em cultivos perenes, que demandam uma entrada de capital mais substancial, com

tempo maior para viabilidade econômica, combinação que caracteriza a demanda por

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crédito rural. Os resultados do autor são similares aos encontrados no presente estudo, onde

observa-se, indiretamente, que produtores de fora da região estruturam áreas mais amplas

de cultivos perenes, sendo que esses dependem em parte do crédito rural no longo prazo

para ser continuado, em especial, o FNO.

Para Smith (1982), cultivos perenes são os mais racionais meios de produção em

terras firmes amazônicas, desde que providos de bons solos, enquanto os cultivos anuais

trazem respostas melhores em solos fracos. Por meio de crédito rural, os colonos da rodovia

Transamazônica (PA) se encorajaram a optar por cultivos perenes com retornos de longo

prazo, sobretudo o cacau, direcionado preferencialmente aos lotes com terra roxa

estruturada.

Pan & Bilsborrow (2005) afirmam que o título da terra na Amazônia

equatoriana é fortemente relacionado com a obtenção de crédito rural, que por sua vez,

incentiva a aquisição de animais e a conversão de terras para pastagens, contexto que se

diferencia na política de desenvolvimento da Amazônia brasileira que, desde o advento do

FNO e Pronaf, não exige mais a titulação oficial como condição para a tomada de

empréstimos, restando efeitos residuais das antigas regras na relação entre titulação, crédito

rural de outros tipos e pecuária, conforme pode ser percebido cruzando-se os dados da

tabela 41.

Walker et al (2000) argumenta que a segurança na posse da terra ainda é um

facilitador para a formação de pastagens que, conseqüentemente, também foi um

facilitador, durante muitos anos, para a tomada de crédito rural. Futemma & Brondízio

(2003) confirmam a idéia do autor quando lembram que proprietários com acesso ao

crédito rural, em comparação aos sem acesso, destinam mais área para pecuária (média de

3,1% contra 0,3%, respectivamente), assim como aqueles que detém recebimento de

previdência rural, em comparação aos sem acesso a esse tipo de direito legal, destinam mais

área para pecuária (média de 1,4% contra 1,1%, respectivamente). Assim, os dados

demonstram não somente a importância de fontes externas de capital, como que entre elas,

a variável crédito rural apresenta maior significância que a renda extra de aposentadoria

rural para determinar processos de pecuarização. Não só os valores máximos com crédito

(3,1%) são maiores que os valores com aposentadoria (1,4%), mas também os valores

mínimos sem crédito (0,3%) são menores que os valores sem aposentadoria (1,1%), o que

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indica um intervalo maior entre as variáveis e prova a relevância do crédito rural na

abertura de áreas para uso pecuário em relação a outros tipos de entradas de capital.

Para Romeiro (1998a), uma outra forma de notar a diferenciação entre os grupos

com gado e sem gado pode ser feita a partir da relação entre o acesso ao crédito rural pelas

famílias e seus projetos futuros. Ao comparar famílias rurais recém-assentadas em lotes

com má localização quanto ao acesso à água com outras famílias com boa localização em

relação ao mesmo recurso natural, o autor pode observar que as primeiras não

intencionavam tomar empréstimos bancários, a não ser a modalidade de crédito custeio

para roças de mandioca. Já os grupos mais bem localizados obtiveram acesso ao

financiamento rural e investiram principalmente em roça e gado, e dentro de uma

perspectiva futura, pretendem continuar tomando empréstimos para aumentar as áreas de

pastagens e o tamanho do rebanho.

Quando incentivos são introduzidos, os resultados econômicos e ecológicos

podem ser melhores ou piores, dependendo dos padrões particulares de taxação e subsídios

do governo. Alguns países adotam políticas que têm o efeito de reduzir os lucros globais da

produção agrícola, mas em outros países a resultante líquida de políticas governamentais

vai para o lado oposto e subsidiam a produção agrícola. O exemplo do sistema de

financiamento rural, isenções fiscais e empréstimos subsidiados criado pelo governo militar

brasileiro para a pecuária extensiva da Amazônia configurou uma relação direta entre

elevação do acesso ao crédito rural e diminuição da reserva legal (Van Wey et al, 2009). Já

o FNO inverte essa relação, conforme demonstrado adiante.

Estudo comparativo de Angelsen & Kaimovitz (2001) corroboram as idéias

trazidas por Van Wey et al (2009) ao demonstrar que políticas de crédito rural têm efeitos

positivos e negativos, dependendo das características da mesma, no desmatamento da

floresta tropical. A entrada de capital pode suportar a difusão de tecnologias e cultivos com

potencial de reduzir a pressão em áreas florestais tropicais, como observado em casos no

Equador, Costa do Marfim e Indonésia, ou de trazer mais desmatamento nessas áreas, como

experiências mapeadas no Brasil, Bolívia e Equador. E conforme demonstra Brondízio

(2004), dados etnográficos têm demonstrado que a alocação de crédito rural para

agricultores familiares e suas estratégias de uso da terra também em muito diferem dos

produtores de larga escala, que têm comportamento mais uniforme.

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Futemma & Brondízio (2003) comparam agricultores familiares com renda

extra de aposentadoria rural aos sem acesso a esse tipo de direito legal e constatam que os

primeiros detém menos áreas com floresta primária que os segundos (média de 69,0%

contra 78,0%, respectivamente), e mais áreas com floresta secundária tardia (capoeira

grossa) (média de 11,9% contra 7,8%, respectivamente) e floresta secundária precoce

(capoeira fina) (média de 11,7% contra 9,1%, respectivamente), resultados que indicam a

conversão florestal para uso agrícola. Numa segunda análise, os autores encontram que

proprietários com acesso ao crédito rural, em comparação aos sem acesso, detém menos

áreas com floresta primária (média de 64,3% contra 83,7%, respectivamente), e mais áreas

com floresta secundária tardia (capoeira grossa) (média de 13,7% contra 5,5%,

respectivamente) e floresta secundária precoce (capoeira fina) (média de 12,6% contra

7,8%, respectivamente). Ou seja, os dados demonstram que a variável crédito rural

apresenta significância maior que a renda extra de aposentadoria rural no lote para

determinar desmatamento. Não só os valores mínimos com crédito rural (64,3%) são

menores que os valores com aposentadoria (69,0%), mas também os valores máximos sem

crédito (83,7%) são menores que os valores sem aposentadoria rural (78,0%), o que indica

um intervalo maior entre as variáveis e prova a relevância do crédito rural no

desmatamento. O mesmo ocorre em áreas de floresta secundária tardia e precoce.

Para Brondízio (2009), o aumento significativo do desmatamento observado em

1996 pode ser associado com a estabilização econômica e o retorno de incentivos de crédito

rural. No nível de corte, as trajetórias de desmatamento apresentam um padrão claro para

lotes ocupados em diferentes períodos. Pulsos de desmatamento associados com as culturas

anuais, pastagens e manejo de florestas secundárias (inclusive enriquecimento de capoeiras

com espécies perenes madeireiras e frutíferas, que compõem consórcios agrícolas ou

sistemas agroflorestais mais complexos) marcam esses ciclos de formação dos lotes. A

magnitude desses pulsos de desmatamento relaciona-se à interação entre decisões dos

agricultores (no sentido domiciliar) e efeitos periódicos, tais como mudanças

macroeconômicas, das condições institucionais e de infra-estrutura.

Brondízio et al (2002), em estudo de sete grupos de colonos migrados para a

Amazônia em diferentes momentos, entre 1970 e 1991, demonstram que as taxas iniciais de

desmatamento decrescem após a retirada de suporte governamental a partir de 1974, mas

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retornam após 1991. As flutuações das taxas iniciais de desmatamento coincidem como

indicadores macroeconômicos nacionais. A depressão econômica, as altas taxas de inflação

e o fim dos incentivos fiscais (sobretudo para a pecuária) nos anos 80 explicam a queda das

taxas iniciais de desmatamento (assim como ao longo do tempo de ocupação dos lotes

como um todo), no entanto, a criação de linhas de crédito rural para a agricultura familiar e

a instituição do Plano Real (que estabilizou a economia nacional) figuram como variáveis

determinantes no aumento do desmatamento.

Moran et al (2009) segue a mesma linha de raciocínio de Brondízio (2009) e

Brondízio et al (2002) ao expor que na escala da Amazônia Legal, o padrão espacial do

desmatamento explica-se pela rede de estradas, expansão da pecuária patronal e projetos de

colonização criados por agendas de desenvolvimento que promoveram grandes migrações

inter-regionais. A influência de processos macroeconômicos são mais visíveis nesta escala,

tais como o pico do desmatamento decorrente da estabilização econômica após a instituição

do Plano Real, em 1994, que inclui maior acesso ao crédito rural com o controle da

inflação.

Essa relação entre tempo de ocupação do lote, crédito rural e desmatamento, no

entanto, não é linear. McCracken et al (1999) lembra que uma série de hipóteses vem sendo

desenvolvida para a compreensão de como os agricultores familiares, distintamente,

respondem as políticas de crédito rural nas suas estratégias agrícolas.

Para Ludewigs et al (2008), um das mudanças fundamentais que asseguram

maior equidade na distribuição do crédito rural, prioridade à integração regional e

responsabilidade ambiental ocorre com a estruturação do FNO na Constituição Brasileira

de 1988. As análises dos dados oficiais do Banco da Amazônia efetuadas por Arima (2000),

no entanto, mostram que o FNO não tem mudado o macro-perfil do setor agropecuário nos

municípios paraenses e, conseqüentemente, não tem estimulado mudanças nos desníveis

intra-regionais rurais no estado do Pará, ainda que contenha grande relevância na questão

inter-regional. Municípios com poucas culturas perenes, por exemplo, continuam recebendo

pouco financiamento, proporcionalmente à média geral, para essa mesma atividade

produtiva. Se por um lado, deveria ser priorizada a aplicação de recursos em municípios

mais carentes, onde a agricultura ainda não é economicamente expressiva no contexto

regional, por outro lado, os impactos ambientais são minimizados com essa estratégia, pois

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os municípios com maior tradição agrícola são aqueles que possuem índices mais

expressivos de desmatamento.

Oportunidades no mercado de cacau, fomentados pelo crédito rural do FNO, por

exemplo, vem colaborando para a redução do desmatamento devido ao aproveitamento de

áreas de capoeira, alteradas e degradadas, além de promover a estabilização (ou

eventualmente até redução) da área de pastagens. Assim, diferentemente do foco pecuário

do Pronaf e outros tipos de crédito rural, que indiretamente impactam as áreas naturais, o

FNO apresenta a inovação de induzir sistemas produtivos agroflorestais, como o cacau

sombreado por espécies nativas, e ao mesmo tempo expandir a reserva legal, que pode ser

averbada contemplando esse tipo de sistema.

Similarmente ao caso anterior, Brondízio et al (2009b) mencionam que áreas do

estuário amazônico demonstram que o desmatamento zero e o reflorestamento podem

ocorrer simultaneamente com aumento de população ou maior tempo de ocupação do lote,

devido à expansão de sistemas agroflorestais baseados em açaí ou no estabelecimento de

produções que envolvem uma variedade de produtos florestais madeireiros e não-

madeireiros, especialmente após o acesso ao crédito rural do FNO.

Para a variável independente “acesso ao crédito rural”, foi assumido como

hipótese específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra

do Proambiente vem de famílias com acesso ao crédito rural, pois este último quesito

possibilita maior viabilidade econômica aos investimentos sustentáveis. Vale ressaltar que

na análise dos resultados não se objetiva traçar relações de causa e efeito entre a variável

independente “acesso ao crédito rural” e as variáveis dependentes de “usos da terra”, pois

os dados dos PUs somente informam o tipo de crédito rural tomado pelos mutuários, sem

especificar se a vigência do empréstimo encontra-se no prazo de carência, amortização ou

quitação, ou seja, a influência do acesso ao agente financeiro pode já ter ou não se

manifestado no uso da terra. O que se propõe é apenas buscar relações entre “acesso ao

crédito rural” e perfis dos lotes.

Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, os cultivos

anuais têm relação negativa com o acesso ao crédito rural do Pronaf, FNO e outros

tipos de crédito, cultivos perenes têm relação negativa com o acesso ao crédito rural do

Pronaf e relação positiva com o acesso ao crédito rural do FNO, os campos abertos

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têm relação positiva com o acesso ao crédito rural do Pronaf, FNO e outros tipos de

crédito, a reserva legal tem relação negativa com o acesso ao crédito rural do Pronaf e

outros tipos de crédito e relação positiva com o acesso ao crédito rural do FNO, a

renda familiar anual tem relação positiva com o acesso ao crédito rural do FNO, sendo

que as demais formas de uso da terra não se demonstraram significância estatística.

De acordo com a análise de correlação da Tabela 18, em todas as situações de

acesso ao crédito rural analisadas, é irrelevante o percentual de lotes com mais de 40% da

área sob cultivos anuais. Lotes com acesso ao crédito do FNO ou outros tipos de crédito

apresentam áreas menores de culturas anuais, enquanto este tipo de cultivo amplia-se

em propriedades com acesso ao crédito do Pronaf ou sem acesso ao crédito rural. Na

classe de porcentagem 0-5% de culturas anuais situam-se 79,43% dos lotes com acesso ao

crédito do FNO e 74,26% com acesso a outros tipos de crédito, sendo que se reduzem a

62,50% os lotes que não têm acesso ao crédito rural e a 55,74% aqueles com acesso ao

crédito do Pronaf. Nas duas classes de porcentagem seguintes, inverte-se a relação, ou seja,

25,04% dos lotes com acesso ao crédito do Pronaf e 18,69% sem acesso ao crédito rural

detém entre 5-10% de culturas anuais, contra 15,81% entre os que acessam outros tipos de

crédito e 13,83% daqueles com acesso ao crédito do FNO. Na classe de porcentagem 10-

15% de culturas anuais mantém-se situação semelhante, com 11,63% (Pronaf), 7,99% (sem

acesso), 4,41% (outros tipos) e 3,55% (FNO) dos lotes. A classe de porcentagem 15-20%

apresenta baixo número absoluto entre aqueles que acessam crédito (Pronaf, FNO ou outros

tipos), sendo apenas significativo para os lotes sem acesso, que abrangem ainda 5,03%

deles. Os resultados corroboram a análise de desempenho do Pronaf nos anos 9035

elaborada por Mattei (2007), que demonstra que 54% do total de contratos de crédito

rural para custeio encampavam apenas três cultivos anuais (fumo - 32%, milho - 14%

e soja - 8%), o que indica alto grau de concentração dos recursos do programa em

produtos típicos das cadeias agroindustriais do país mais competitivas no mercado

internacional, em grande medida controlada pelas empresas agroindustriais dos

setores de carne e fumo. Ainda que a concentração de cultivos anuais seja a mais alta

entre os lotes que não acessam o crédito rural, os resultados demonstram que o Pronaf

35 Vale frisar que as propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente que tiveram oportunidade de acesso ao

crédito rural a formalizaram a partir dos anos 90.

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não promove a diversificação produtiva como se poderia supor, tendo mais relevância

nesse sentido o FNO e outros tipos de crédito rural.

Os dados demonstram que o acesso aos diferentes tipos e modalidades de

crédito rural influenciam o uso da terra para cultivos perenes de maneira inversa aos

cultivos anuais, porém, no presente caso, essa relação se manifesta de forma mais

amena. O maior percentual de lotes na classe de porcentagem 0-5% com cultivos perenes

ocorre entre aqueles que acessam o crédito rural do Pronaf (70,92%), seguidos dos lotes

sem acesso ao crédito rural (68,30%), com acesso ao crédito rural do FNO (66,31%) ou a

outros tipos de crédito (65,31%). Somadas as duas primeiras classes (0-10%) de cultivos

perenes, os lotes com adesão ao Pronaf se mantém entre os majoritários com 82,71%,

seguidos daqueles com FNO (77,3%), sem acesso (76,16%) e com acesso a outros tipos de

crédito rural (74,14%). Na classe de porcentagem 10-15% destaca-se a presença de 9,22%

dos lotes com acesso ao FNO. Na classe 15-20% lideram aqueles com acesso a outros tipos

(5,17%), sendo que entre 20-40% há relevante presença de lotes com outros tipos (9,23%),

FNO (8,51%) e sem acesso (7,60%), restando apenas 4,52% deles com Pronaf. Os números

absolutos de lotes com áreas superiores a 40% são muito baixos para análises de correlação,

exceto na classe 40-60% para propriedades sem acesso ao crédito rural, que ainda

representam 3,48% deles. De modo geral, os dados demonstram que os lotes com acesso

ao Pronaf destinam porções menores de área aos cultivos perenes. Assim, é possível

concluir que o Pronaf, apesar de sua grande relevância ao longo dos últimos anos para

a inclusão da agricultura familiar na pauta produtiva agropecuária brasileira, com

crescimento expressivo de número de contratos e montantes girados, assim como

democratização nos processos de decisão a partir da abertura de espaços para a

sociedade civil intervir concretamente na formulação, implementação e avaliação do

programa, ainda apresenta muitos percalços quanto ao estímulo à diversificação

produtiva. Neste contexto, como demonstrado no capítulo V, um fato de grande

repercussão social e política na Amazônia foi o acesso de produtores familiares rurais

ao crédito rural, através do FNO, que possibilitou avanços nos cultivos de perenes,

sendo que esses podem ser averbados como reserva legal, assim, também colaboram

com a questão ambiental. O acesso ao FNO também demonstra relevância para a

expansão pecuária, pois desde sua concepção, há resistência do banco operador para

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financiar projetos técnicos de crédito rural que estabeleçam somente sistemas

agroflorestais, sendo condicionada a presença de cultivos anuais ou pecuária, ou

ambos, aos sistemas perenes, apesar do último apresentar maior capacidade de

geração de renda e qualidade ambiental, conforme apontado no capítulo V.

A relação entre o acesso ao crédito rural e o uso da terra para campos

abertos se demonstra mais contundente que para uso da terra para cultivos anuais e

perenes. Na classe de porcentagem 0-20% de campos abertos concentram-se 61,25% dos

lotes sem acesso ao crédito rural, seguido de 45,96% dos lotes com acesso a outros tipos de

crédito rural, 36,52% dos lotes com acesso ao crédito do Pronaf e 25,85% dos lotes com

acesso ao crédito do FNO. Assim, num primeiro olhar, os dados indicam que o acesso

às duas principais linhas de crédito rural para a agricultura familiar, Pronaf e FNO,

induzem proporções maiores de terra à pecuária. Ao analisarmos as classes de

porcentagens seguintes, esse cenário de crédito rural que estimula a pecuária se

confirma. Na classe 20-40% posicionam-se 28,72% dos lotes com FNO e 27,46% com

Pronaf, restando apenas 16,91% dos lotes com outros tipos de crédito rural e 15,98 %

daqueles sem crédito rural. O Pronaf demonstra sua importância em áreas maiores, tendo

21,32% dos lotes com 40-60% de campos abertos (18,09% com FNO, 16,54% com outros

tipos e 9,54% sem acesso), 16,32% com 60-80% (perante 13,48% com FNO, 12,13% com

outros tipos e 9,66% sem acesso) e ainda 9,05% com 80-100% (e ainda significativos

8,46% com outros tipos, 3,61% sem acesso e apenas 3,19% com FNO). Portanto, a relação

entre tomada de crédito rural e pecuarização demonstra a não harmonização entre

instrumentos econômicos e legislação ambiental, que seria de se supor numa proposta

de desenvolvimento dentro da linha de pensamento da Economia Ecológica. De modo

similar ao comportamento do crédito rural, o impacto positivo da infra-estrutura na

renda, mas negativo na questão ambiental, que será evidenciado adiante, apela para a

urgente necessidade de planejamento estratégico do desenvolvimento sob bases mais

limpas.

Os dados de uso da terra para reserva legal confirmam a relação negativa

existente entre Pronaf e legislação ambiental. Dentre os lotes que acessam o crédito do

Pronaf, apenas 8,24% deles estão de acordo com a legislação ambiental (mínimo de

80% de reserva legal), contra patamares similares de 20,57%, 22,43% e 26,55¨%,

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respectivamente, daqueles com acesso ao crédito do FNO, outros tipos de crédito rural

ou sem acesso ao crédito. No outro extremo, na classe de porcentagem de 0-20% de

reserva legal situam-se 41,36% dos lotes com Pronaf, 37,13% com acesso a outros tipos,

35,57% sem acesso e somente 17,02% com FNO, seguindo mesma tendência na soma das

duas primeiras classes (0-40%), com 60,91% (Pronaf), 50,00% (outros tipos), 46,39% (sem

acesso) e 32,27% (FNO). Nos patamares intermediários, entre 40-60% e 60-80% de reserva

legal, predominam os lotes com acesso ao FNO. Assim, o FNO é uma política de crédito

rural mais congruente à legalidade ambiental que o Pronaf, certamente pela sua

decisão de financiar sistemas agroflorestais, ainda que condicionados à presença de

cultivos anuais, pecuária ou ambos. O Pronaf induz a pecuarização das áreas de

reserva legal de maneira mais agressiva que o FNO, que apesar de também expandir a

pecuária, demonstra ao mesmo tempo maior capacidade de promover diversificação

dos sistemas de produção e propiciar sua averbação como reserva legal.

Para o acesso ao crédito rural, a hipótese se confirma no contexto do FNO e

não se confirma para os casos do Pronaf e para outros tipos de crédito rural. Vale

ressaltar novamente que especificamente nesta análise de financiamento rural é

possível apenas traçar a comparação entre acesso ao crédito rural e perfil de uso da

terra nos lotes, sem necessariamente confirmar a relação de causa e efeito entre as

variáveis independentes e dependente, pois os dados dos PUs somente informam o tipo

de crédito rural tomada pelos mutuários, sem especificar se a vigência do empréstimo

encontra-se no prazo de carência, amortização ou quitação, ou seja, a influência do

acesso ao financiamento rural pode já ter ou não se manifestado no uso da terra.

Contudo, como o recorte é bastante abrangente, foi possível perceber relações muito

próximas às que constam na literatura sobre o perfil de cada tipo de financiamento

rural. Lotes com acesso ao crédito rural Pronaf tendem à forte pecuarização, que em

meia parte ocupa áreas de reserva legal, além de apresentar decréscimo de cultivo

perenes em relação aos não mutuários. Lotes com acesso a outros tipos de crédito

rural não apresentam diferenças em cultivos perenes em relação aos não mutuários,

mas também induzem pecuarização, embora de forma mais amena que os mutuários

de Pronaf. Lotes com acesso ao crédito rural FNO avançam na pecuarização dos lotes,

mas em terça parte em relação ao Pronaf e em torno de metade da intensidade em

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relação aos outros tipos de crédito rural, no entanto, é visível que também induzem os

cultivo perenes e, sobretudo, a contenção de reserva legal em comparação aos não

mutuários de crédito rural. Portanto, apesar da importância do crédito rural para a

geração de renda familiar anual, como será discutido adiante, o mesmo ainda não se

configura como uma opção sustentável, exceto no caso do FNO, havendo oposição

entre financiamento rural e cumprimento da legislação ambiental. Outro ponto a

destacar é que o FNO deveria estimular de forma mais intensa o estabelecimento de

sistemas perenes desvinculados de cultivos anuais ou atividade pecuária.

Por fim, ainda que o recorte sobre acesso ao crédito rural seja bastante

abrangente, foi possível perceber relações muito próximas às que constam na literatura

entre cada tipo de financiamento rural e perfis de lotes. Conforme o tipo de acesso ao

crédito rural, FNO, Pronaf ou outros tipos, há variação no uso da terra e dos recursos

naturais, com o FNO se notabilizando como a opção mais próxima para auxiliar o alcance

dos princípios do Proambiente.

7.3.4.2. Renda familiar anual

Os dados disponíveis na literatura referentes à renda média monetária anual por

estabelecimento familiar rural brasileiro, que não considera o auto-consumo das famílias e

o consumo intermediário para alimentação de animais, são um tanto quanto controverso. De

acordo com Hoffmann (2003), conforme demonstrado no capítulo VI (item 6.3 –

caracterização das propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente), a renda média

monetária anual em áreas rurais amazônicas é de R$ 4.707,11 por estabelecimento familiar

rural, enquanto Guanziroli et al (2002), apoiado em dados do Censo Agropecuário 95/96,

registra um valor bem inferior, de R$ 2.904,00 por estabelecimento familiar rural

amazônico. Os dados do IBGE também demonstram que a renda média monetária da

agricultura familiar varia desde o mínimo de R$ 1.159,00 ao ano no Nordeste até o máximo

de R$ 5.152,00 ao ano no Sul, aparecendo em patamares intermediários, o Centro-Oeste

(R$ 4.074,00 ao ano), Sudeste (R$ 3.824,00 ao ano) e Norte (R$ 2.904,00 ao ano), sendo

que na média nacional esses valores giram em torno de R$ 2.717,00 ao ano. Como registra

Mattos (2008), somente a região Nordeste está abaixo dos valores médios nacionais, e isso

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ocorre devido a dois motivos, primeiro por deter uma baixa produtividade, e segundo por

representar quase a metade (49,5%) dos estabelecimentos familiares rurais do país. Seja

apoiado nos dados de Hoffmann (2003) ou Guanziroli et al (2002), percebe-se que a

maioria das propriedades amazônicas selecionadas pelo Proambiente está num patamar

equivalente (33%) ou superior (49,7%) de renda familiar anual em relação à média regional

e nacional.

Os dados do IBGE ainda ilustram que a renda média monetária anual no extrato

nacional é bem mais elevada nos estabelecimentos patronais rurais em comparação aos

familiares, respectivamente, R$ 19.085,00/ano contra R$ 2.717,00/ano. Porém, ao se

analisar o recorte por produtividade, os estabelecimentos familiares rurais detém uma

média nacional de R$ 104,00 por hectare ao ano, ao passo que nos estabelecimentos

patronais rurais o valor gira em torno de somente R$ 44,00 por hectare ao ano, o que denota

a maior eficiência da agricultura familiar no uso da terra. Essa desproporção apresenta-se

de forma mais aguçada na região Norte em relação à média nacional, onde os

estabelecimentos familiares rurais têm produtividade de R$ 51,00 por hectare ao ano contra

R$ 12,00 por hectare ao ano dos estabelecimentos patronais rurais.

Maluf (2003) alerta para um decréscimo da renda oriunda de atividade agrícola

própria na composição de renda monetária das famílias rurais, fenômeno que se deve a dois

fatores: primeiro, pela tendência de queda de preços reais dos produtos agrícolas, um

fenômeno mais geral, que no Brasil foi acentuado, na última década, devido ao papel da

contenção dos preços agrícolas na política antiinflacionária, a chamada âncora verde do

Plano Real; segundo, pela ausência de condições para que as famílias aperfeiçoem o

processo produtivo e agreguem valor nos produtos agrícolas, devido à insuficiências

relacionadas com disponibilidade de área, suporte técnico-comercial e recursos financeiros.

No entanto, apesar da coerente análise do autor, não se vê desde o início da presente década

a continuidade dessa conjuntura, tanto devido a elevação da renda e dos preços agrícolas

ancorados pelo crescimento econômico global desde 2003, quanto pelo maior acesso da

agricultura familiar ao crédito rural do FNO e, principalmente, Pronaf, além da operação do

Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) pela Companhia Nacional de Abastecimento

(CONAB) desde o início do governo Lula.

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289

Nos anos 90, os fatos novos são as informações da PNAD sobre a redução

relativa do crescimento do emprego rural estritamente agrícola em contraposição ao

aumento do emprego rural não-agrícola. De modo errôneo, esses fatos têm sido

interpretados como indicadores de uma tendência estrutural de transformação do espaço

rural análoga à que ocorrera nos países capitalistas avançados e que, portanto, caberia ao

Estado reforçá-la, deixando de insistir no desenvolvimento agrícola como estratégia para a

solução do emprego e da pobreza rural (Graziano da Silva, 1999). Vistos à luz das

transformações ocorridas na agricultura brasileira nos últimos trinta anos, e comparadas

com aquelas ocorridas nos países desenvolvidos, estes dados da PNAD não autorizam este

tipo de conclusão um tanto apressada.

Maluf (2003) também alega que informações obtidas em pesquisa de campo

praticamente permitem estabelecer uma correlação inversa entre o nível de renda monetária

das famílias rurais pesquisadas e o peso econômico da sua produção agrícola mercantil.

Para o autor, quanto mais elevado o nível de renda familiar, menor a participação relativa

dos ingressos monetários provenientes da atividade agrícola.

A conclusão de Maluf (2003) é precipitada para ser extrapolada para um

contexto geral, sendo assim, apenas pode valer para uma situação local muito específica. O

que se pode observar na Amazônia, de forma geral, é que a diversificação dos sistemas de

produção agrícola gera renda familiar de forma significativa e permite fincar raízes na

fronteira em expansão e em valorização imobiliária. As conclusões do autor talvez valham

para alguns contextos locais do Sul do país, onde foi desenvolvido seu estudo, de forma que

o trabalho não agrícola possa gerar renda extra numa situação em que a maturidade

produtiva agrícola já foi atingida. O próprio Maluf (2003) reconhece o suposto equívoco

quando menciona que, nesse enfoque, a correlação observada levaria a não priorização do

fomento à produção agrícola familiar, já que a agricultura não estaria incrementando a

renda familiar. Não é o que ocorre com a vultuosa expansão do Pronaf nos últimos oito

anos, sobretudo no Sul, conforme demonstram Mattos (2008) e Mattei (2007), ainda que a

demanda por crédito rural persista na agricultura familiar.

Logo, os dados sobre ocupações da PNAD por si só não permitem aferir a

importância deste processo de redução relativa do crescimento do emprego rural

estritamente agrícola para a dinâmica de reprodução da produção familiar. Para tanto seria

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preciso contar com os dados relativos à evolução das rendas agrícolas e não-agrícolas

desses produtores. Contudo, nem a PNAD, tão pouco o Censo Agropecuário, que só calcula

a renda agropecuária, permitem saber a proporção de rendas não-agrícolas sobre as rendas

totais, e em economia, a variável renda normalmente é usada com variável dependente de

outras variáveis explicativas.

Os empregos não-agrícolas no espaço rural podem configurar, portanto, muito

mais um reforço às estratégias convencionais dos agricultores familiares ante a histórica

falta de crédito rural de custeio ou de investimento suficiente para financiar a safra

seguinte, do que um êxodo da atividade agrícola. Muitos agricultores recorrem a outras

atividades para reforçar seu capital de giro na entressafra com o objetivo principal de

plantar na safra de verão e consolidar seus sistemas produtivos. Nas pesquisas sobre

sistemas de produção do convênio INCRA/FAO, por exemplo, fica claro que, à medida que

os agricultores consolidam seus sistemas produtivos, eles abandonam progressivamente as

outras atividades rurais não-agrícolas, que foram as que de alguma forma lhes permitiram

sobreviver à adversidade e também gerar seu capital de giro. Guanziroli et al (2001),

Romeiro (1999b) e Romeiro (1998a) diferenciam os produtores familiar rurais em três

categorias básicas de renda ou de estágio de capitalização:

Produtores familiares rurais capitalizados – possuem renda agrícola

superior ao custo de oportunidade do trabalho; a produção é, principalmente, voltada para

o mercado consumidor, embora dedique uma parte para consumo próprio; têm

acumulação de capital em maquinários, benfeitorias e/ou terra, e dispõem de recursos

suficientes para a produção agrícola; possuem renda agrícola confortável, que os mantém

relativamente afastados do risco de descapitalização e de eliminação do processo

produtivo.

Produtores familiares com perspectiva ou em via de capitalização –

possuem renda agrícola entre o nível de subsistência e o custo de oportunidade do

trabalho; a produção é, principalmente, voltada para a subsistência, mas com parcela em

ascensão para o mercado consumidor; têm acumulação de capital, mas essa renda

monetária não é ainda suficiente para oferecer segurança às unidades produtivas a ponto

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de mantê-las afastadas do risco de descapitalização e de eliminação do processo

produtivo; em situações favoráveis, parte dos produtores nesta categoria pode

eventualmente complementar a implantação de sistemas mais capitalizados e gerar níveis

mais elevados de renda, enquanto em condições adversas, outros podem seguir a direção

contrária de descapitalização.

Produtores familiares descapitalizados – possuem renda agrícola, incluindo

o auto-consumo, inferior ao nível de subsistência, ou seja, abaixo do custo de

oportunidade do trabalho; a produção é apenas voltada para o consumo próprio; não têm

acumulação de capital, sendo a renda insuficiente para assegurar a plena reprodução da

unidade de produção e permanência da família na atividade, ou seja, estão sob risco de

eliminação do processo produtivo; também classificam-se nesta categoria os produtores

tradicionais descapitalizados e os produtores que recorrem a rendas externas ao

estabelecimento para sobreviverem (atividades complementares permanentes, trabalho

assalariado temporário, trabalho urbano de alguns membros da família, sobrevivência

exclusivamente das aposentadorias rurais e programas governamentais de transferência

de renda).

Como pode ser observado, as classificações propostas por Guanziroli et al

(2001), Romeiro (1999b) e Romeiro (1998a) divergem, substancialmente, dos dados de

Maluf (2003), que elenca produtores com renda não agrícolas como os mais capitalizados.

Apesar das dificuldades institucionais impostas, a maioria dos sistemas

produtivos examinados por Guanziroli et al (2001) gera renda agrícola líquida superior por

ativo empregado ao custo de oportunidade do trabalho, mas também é claro que parte deste

sucesso da agricultura familiar assenta-se no baixo nível de desenvolvimento do capital

humano brasileiro e na falta de oportunidades adequadas para absorver condignamente as

populações rurais que, em determinadas situações, são obrigadas a abandonar suas terras e

locais de origem. No entanto, a elevação do custo de oportunidade dos membros da família

não leva, necessariamente, à eliminação da agricultura familiar, a qual dispõe de

alternativas tecnológicas que permitem elevar a produtividade do trabalho e o nível de

renda dos estabelecimentos agropecuários pari passu à elevação do custo de oportunidade e

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à desejável criação de novas oportunidades de trabalho e vida para os agricultores jovens e

suas famílias. Esta ressalva é importante, sobretudo quando se analisa o grupo de

produtores descapitalizados. Além dos produtores tradicionais, muitos dos quais em

situação realmente precária, este grupo inclui muitos jovens produtores e assentados rurais

em início de atividade, com sistemas de produção viáveis e em expansão, apesar de ainda

deprimidos economicamente. Estes produtores familiares rurais, mesmo com um nível de

renda pouco elevado, podem realizar progressivamente alguns investimentos, recorrendo a

um esforço de trabalho, a escassas economias próprias, a fontes externas de renda e de

financiamento rural subsidiados.

Para Schultz (1965), em sua clássica obra A transformação da agricultura

tradicional, o processo descrito no parágrafo acima depende de investimentos. O autor

considera a agricultura uma fonte de crescimento econômico, onde a tarefa analítica

consiste em determinar quão baixos podem ser os custos de oportunidades do trabalho e

quanto de crescimento pode ser obtido, ao transformar-se a agricultura familiar, por meio

de investimento, em um setor mais produtivo. O que se deve ter em mente, portanto, é que

a agricultura familiar apresenta demandas gradativas de crescimento, pois a taxa de giro do

investimento em quesitos inovadores pode ser alta se comparada com os padrões antigos de

crescimento. Nesse sentido, é de fundamental importância interpretar as variáveis que

viabilizam, de forma gradativa, seus modos de uso da terra.

Como lembra Schultz (1965), equivocadamente, os economistas clássicos

montaram uma dinâmica econômica baseada na acumulação de capital, no princípio

malthusiano da população e na lei de projeção de lucros decrescentes da agricultura. Nos

seus tratamentos, a agricultura depende da existência fixa de terra, e como cresce a procura

de alimentos, a renda da terra cresce, absorvendo alguns dos frutos do progresso econômico

e enriquecendo os proprietários de terra. O que os autores clássicos se olvidaram é que a

suposta estagnação econômica da agricultura familiar (devido à falta de tecnologias

inovadoras que possam ser empregadas sob baixos custos e de forma gradativa), em uma

área de expansão da fronteira e elevação do preço da terra, pode resultar num forte processo

de concentração fundiária, exclusão social e êxodo rural, denotando que o mundo não se

limita somente ao interesse do capital.

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Em estudo de caso de propriedades familiares com abundância de terra e

trabalho, Vilar (2000) demonstra que os investimentos, com diferentes intensidades,

ocorreram em todos os anos pesquisados (1976-1993), fato associado ao equilíbrio na

disponibilidade dos ativos de produção “terra” e “trabalho” acima da média geral.

Boserup (1987) alerta que no caso onde se observa resistência à mudança

técnica, os economistas não deveriam abandonar a explicação oferecida pelos antropólogos

e sociólogos antes de investigar se têm diante de si um caso onde a mudança técnica estaria

associada a rendimentos decrescentes do trabalho, de forma que a resistência à mudanças

não necessitaria ser explicada em termos de ausências de respostas a incentivos econômicos

genuínos, e sim a inapropriada forma das mesmas frente a demanda de processos gradativos

de inovação tecnológica da agricultura familiar.

A viabilidade econômica da transição produtiva da agricultura familiar fica

evidente, a partir de uma outra abordagem, no estudo de Abramovay et al (2001), quando o

mesmo aponta que existem, basicamente, quatro tipos de rendas vindas de fora do

estabelecimento: aposentadoria rural, programas governamentais de transferência de renda,

envio do dinheiro por parte dos filhos que deixaram a propriedade rural (trabalho não

agrícola) e trabalho assalariado na própria agricultura. As rendas provenientes de fontes

exteriores ao estabelecimento agropecuário são tanto mais importantes quanto maior a

pobreza das famílias. Tanto é assim que nos estabelecimentos mais prósperos, a renda não

agrícola tem participação bem reduzida.

As oportunidades de trabalho fora dos estabelecimentos rurais estão associadas

ao que Dirven (2000) denomina de “ocupação refúgio”. Sob a perspectiva de distribuição

mais equânime das oportunidades de renda e da criação de possibilidades concretas para

que os jovens possam construir seu futuro profissional no meio rural, o desafio que se

coloca é superar o que Reardon et al (1998) chamam de “paradoxo das ocupações rurais

não agrícolas”. No nível micro, os autores consideram que são os estabelecimentos mais

pobres os que mais necessitam de fontes de renda adicionais àquelas que são geradas pela

agricultura, porém, são justamente estes que enfrentam as maiores limitações de capital

humano e capital produtivo, dificuldades para oferecer garantias de crédito rural e

capacidade administrativa, além de geralmente serem os que se encontram mais distantes

dos centros consumidores. Por outro lado, são os estabelecimentos mais ricos os que têm

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menos necessidades (exceto em situações de demandas por inovações do sistema produtivo

em vigência), porém maiores possibilidades, de ganhos com as rendas não agrícolas.

Os agricultores familiares identificam as oportunidades e utilizam, de forma

intensiva, os recursos disponíveis, e quando encontram dificuldades, elas são mais de

caráter externo, como dificuldades de acesso aos instrumentos econômicos públicos (ex:

crédito rural para custeio e investimento), infra-estrutura (ex: energia para beneficiamento e

armazenamento da produção; transporte e comunicação para escoamento da produção) e

políticas sociais (ex: educação, saúde, previdência social e justiça), e não pelo fato de

erroneamente serem considerados atrasados ou resistentes às inovações, estereótipos

politicamente utilizados para justificar e defender a infundada e reacionária bandeira da

inviabilidade econômica da produção familiar brasileira.

Para Mattos et al (2010), a terra agrícola tem dois componentes: um

componente de “qualidades naturais” e outro de “estrutura de capital”. O primeiro é

determinante de aptidão agrícola, enquanto o último é conseqüente de investimentos

passados. Por conseguinte, as diferenças entre terras constituem variáveis capazes de

explicar as tendências de produção agrícola, e de igual forma, a dessemelhança na

quantidade do capital material do tipo convencional empregado na agricultura também

exerce influência no perfil do setor primário. No entanto, a qualidade da estrutura de capital

empregado na agricultura tem importância significativa, pois incorpora o conhecimento

acumulado das ciências agrícolas, que se bem dialogado com as qualidades naturais da terra

e com o conhecimento empírico tradicional, potencializa a produção sustentável.

Para Guanziroli et al (2001), o modelo de modernização agrícola deve ser

gerado e difundido como uma resposta às necessidades dos agricultores familiares em

elevar o rendimento da terra e a produtividade do trabalho, dadas as restrições ecológicas e

os condicionantes socioeconômicos a que estão submetidos. Se em dada situação o custo de

oportunidade do trabalho for elevado, deve-se investir em políticas de inovações mecânicas

adaptadas ao contexto familiar e poupadoras de trabalho humano fisiológico, como por

exemplo, pequenos tratores e implementos agrícolas, assim como máquinas estacionárias

de descascamento de mandioca e arroz. Se o empecilho for a escassez de terra, um esforço

maior deve ser feito no intuito de aumentar seu rendimento por meio de conhecimentos

científicos e tecnológicos adaptados às demandas da agricultura familiar. Mattos &

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Hercowitz (2010) alertam, porém, que essa harmonização entre estrutura de capital e

qualidades naturais da terra ainda se apresenta como uma realidade distante do

planejamento de políticas públicas, apesar dos avanços recentes. Nesse sentido, regras

inovadoras de crédito rural constituem-se como o caminho mais efetivo para permitir o

acesso às novas formas de estrutura de capital harmonizadas às demandas de

sustentabilidade ambiental.

Para Griffin (1982), o problema reside no fato de que as interconexões entre

crédito rural e mercado de commodities agrícolas intensificam o controle dos grandes

proprietários sobre os recursos disponíveis e lhes permitem apropriar-se de uma porção

maior do excedente econômico. Essas interconexões se associam com mercados

“personalizados” e com a ausência de um comércio impessoal, assim, aumentam a

capacidade de manobra dos grandes proprietários no controle de impostos, taxas de juros e

alíquotas de taxação de rendas. Apesar da coerência de seus argumentos, é notório que nos

últimos anos, conforme demonstrado no item anterior (7.2.4.1. acesso ao crédito rural),

devido ao protagonismo dos movimentos sociais, houve avanços na política de crédito rural

voltada ao setor de produção familiar, embora seu percentual ainda esteja abaixo de sua

participação no VBPA em comparação ao setor patronal.

A aplicação do crédito rural do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) por categorias diferenciadas de renda é uma estratégia

bastante salutar por propiciar a capitalização gradativa e amortizável das famílias rurais

brasileiras, que apresenta uma realidade bastante plural (Mattei, 2007). A região Sul, por

exemplo, notabiliza-se pela agricultura familiar capitalizada, enquanto nas regiões Norte e

Nordeste há contingentes majoritários de agricultura familiar de subsistência ou

descapitalizada, mas com potencial de transição para categorias superiores de renda

familiar se houver acesso ao crédito rural, infra-estrutura e capacidade de trabalho.

Para Van Wey (2007) et al, a expansão dos programas governamentais de

transferência de renda e previdência rural podem levar a maior intensificação agrícola

devido a maior disponibilidade de capital para investimento, assim como a expansão do

crédito rural pode permitir investimentos sem a necessidade de se acessar trabalho não

agrícola.

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Romeiro (1998a) expõe que a especificidade ambiental da região amazônica,

maior reserva de biodiversidade do planeta, exige uma estratégia de desenvolvimento

agrícola particular, compatível com o objetivo geral de preservar a maior área possível do

bioma com sua cobertura natural original. Mais concretamente, as razões para reivindicar a

preservação quase integral da atual cobertura florestal da região são, fundamentalmente,

devido ao valor crescente da floresta tropical face ao valor limitado da produção

agropecuária, valor que se deve, por um lado, à dramática redução das reservas mundiais de

recursos naturais nas ultimas décadas e, por outro, ao avanço dos conhecimentos científicos

que descortinam novas possibilidades de seu uso sustentado da floresta (madeira e outros

produtos naturais não madeireiros) e apontam para a sua importância como fonte de

biodiversidade e como base de sustentação de processos naturais considerados como

fundamentais (regulação climática, ciclo de carbono, reciclagem de nutrientes, etc.).

Esta análise de custo-benefício, com todas suas limitações em termos de

capacidade de avaliação plena de todos os elementos envolvidos, indica que o valor

presente de qualquer projeto de desenvolvimento agropecuário compense a substituição da

floresta. Mas mesmo sem considerar os possíveis benefícios associados à biodiversidade, o

desmatamento implica consideráveis perdas econômicas futuras do valor das espécies

madeireiras e dos principais produtos não madeiráveis (látex, castanha, babaçu, palmito,

carnaúba e frutíferas tropicais), cuja produção poderia ser manejada de modo sustentável

(Romeiro, 1998a). O problema básico é que os benefícios da preservação e manejo são

ainda apenas potenciais, não entrando no calculo econômico dos agentes que detém, na

prática, o poder de decisão de preservar ou não. Do ponto de vista da racionalidade

microeconômica a decisão correta é pela não preservação. Portanto, a preservação dos

recursos naturais amazônicos só será possível através de uma ação que imponha uma visão

política estratégica à sociedade como um todo quanto à importância de sua preservação.

Baseado nessa demanda, entra a relevância da prestação de serviços ambientais em escala

de paisagem rural, que podem ser garantidos com a consolidação econômica da agricultura

familiar na região através da intensificação de seus sistemas produtivos com cultivos

perenes, sobretudo, dentro de um desenho produtivo baseado em sistemas agroflorestais.

Assim, o risco do processo de pecuarização pode ser evitado com políticas

públicas de reordenamento do crédito rural (entrada do sistema econômico) para apoiar a

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intensificação dos sistemas agroflorestais de produção e sistemas extrativos baseados em

produtos florestais não madeireiros, além de políticas públicas de remuneração de serviços

ambientais (saída do sistema econômico) prestados em escala de paisagem rural (a partir da

harmonização de várias propriedades familiares rurais integradas com sistemas

agroflorestais). Pecuária extensiva é incompatível com pequenas áreas, conferindo baixa

rentabilidade da terra, o que impõem a responsabilidade estratégica do país de criar

demanda efetiva e incentivar sistemas perenes, como forma de estabilizar as famílias rurais

no campo por meio de renda que assegure sua qualidade de vida. É preciso reorientar a

sistemática de concessão de crédito rural de modo a contemplar as necessidades do

estabelecimento agrícola como um todo, e não somente pautar-se em produtos isolados.

Nesse sentido, o Pronaf dista destes valores, enquanto o FNO apresenta importantes passos,

ainda que longe do ideal sustentável.

Futemma & Brondízio (2003) encontraram que proprietários com renda extra de

aposentadoria rural, em comparação aos sem acesso a esse tipo de direito legal, destinam

mais área para cultivos anuais (média de 5,0% contra 3,2%, respectivamente). Mas como

demonstrado pelos autores, o contingente de recursos financeiros advindos da previdência

rural são bem menos expressivos que o de crédito rural. Mattos (2008) complementa ao

demonstrar que a tomada de crédito rural diminui o cultivo de anuais e redireciona o foco

produtivo para sistemas mais intensivos de uso da terra. Conforme expõe Garcia Jr. (1990),

exceção é o caso da mandioca que têm a marca da alternatividade entre serem consumidos

diretamente e assim atender às necessidades domésticas nutricionais, e serem vendidas

quando a renda monetária que permite a aquisição de outros produtos também de consumo

doméstico, mas que não podem ser produzidos pelo próprio grupo familiar, como sal,

açúcar, querosene e óleo diesel. E a exemplo da pecuária, a farinha da mandioca, como

produto estocável, também cumpre papel de poupança para pequenos investimentos ou

emergências familiares de saúde.

Segundo Boserup (1987), uma população rural em crescimento não produz mais

alimento aumentando o número de operações agrícolas. O trabalho adicional será usado,

muito provavelmente, para provocar uma mudança radical do sistema de cultivo em parte

da área, enquanto nenhuma mudança se processará em outras partes. À medida que a

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população aumenta, mais superfície passa para o sistema intensivo de uso da terra, e com

ela vem o processo de capitalização.

Enquanto a fertilidade do solo é particularmente importante para explicar as

diferenças inter-regionais nas taxas de regeneração florestal, a intensidade do uso da terra e

a diversidade de paisagem rural são mais importantes na análise intra-regional. Sistemas

agroflorestais compostos por espécies madeireiras, frutíferas, medicinais e fibrosas se

constituem como importantes alternativas econômicas aos produtores familiares, pois os

retira da sazonalidade típica do setor primário e das instabilidades dos mercados exógenos

de commodities agrícolas (Moran et al, 2000), além de intensificarem o uso da terra e de

diversificar a paisagem rural.

Para Norder (2006), por um lado, o desenvolvimento das atividades agrícolas é

concebido a partir da especialização da economia de escala (as que permitem a redução do

custo unitário de determinada mercadoria pelo aumento da dimensão operacional, em sua

produção e/ou distribuição) e, por outro, da diversificação das economias de escopo (um

mesmo esquema operacional passa a produzir ou distribuir mais mercadorias). As

oscilações nos níveis de emprego e renda na agricultura estariam associadas às formas de

inserção de cada região nestes diferentes circuitos econômicos. Nas áreas mais favoráveis

às grandes plantações especializadas quase não existe a mobilidade e a articulação social

que engendram a criação de redes de pequenas e médias empresas. Este diagnóstico atribui

a reduzida diversificação em certos territórios à predominância da produção especializada

em grande escala, assim, as áreas mais empobrecidas seriam aquelas onde estaria ocorrendo

uma retração da diversificação e da economia de escala. Com isso, há uma reafirmação da

agricultura familiar, pois os seus sistemas diversificados, assentados em cultivos perenes,

catalisam processos de capitalização. A distinção entre especialização das economias de

escala e diversificação das economias de escopo pode ser uma porta de entrada para uma

análise da diversidade do trabalho agrícola amazônico contemporâneo, e a partir disso, para

uma compreensão das variações na geração de emprego e renda na agricultura, bem como

de seu potencial para a reativação das economias locais.

As construções e instalações rurais, por exemplo, resultam da conversão de

matérias-primas em meios de produção, por meio da aplicação de trabalho familiar. O

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mesmo ocorre com o desenvolvimento de plantios perenes, notadamente, com os sistemas

agroflorestais e sistemas de uso múltiplo da floresta (Norder, 2006).

Brondízio et al (2009b) e Guanziroli et al (2001), em seus estudos sobre a

Amazônia, argumentam que a despeito do limitado acesso ao crédito rural, tecnologias,

assistência técnica e extensão rural, os agricultores familiares possuem uma renda média

anual por hectare quase cinco vezes superior a dos grandes proprietários, devido ao foco

dos primeiros em sistemas múltiplos de cultivos anuais, cultivos perenes e atividade

pecuária, contra o foco estritamente pecuário extensivo dos últimos. Diferentes exemplos

de altas produtividades existem em pequenas escalas, de modo a explicar essa relação no

bioma amazônico, tais como introdução de sistemas agroflorestais, cultivo de perenes como

cacau, plantio de açaí em áreas de estuários, cultivo de mandioca em áreas as quais se

utilizam espécies múltiplas ou cultivo de hortaliças no entorno de centros urbanos.

Para Guanziroli et al (2001), programas para promover sistemas agroecológicos

de cultivos voltados para a preservação e recuperação do meio ambiente são necessários em

muitas áreas do país. Qualquer iniciativa nesse campo deve ser atrelada a outros objetivos,

entre os quais a diminuição dos custos, melhoria da qualidade dos produtos e redução dos

impactos negativos sobre o meio ambiente. As áreas de reserva legal e de preservação

permanente deveriam ser destinadas à regeneração natural da vegetação e a introdução de

sistemas agroflorestais (no caso restrito da reserva legal), porém, devido à falta de políticas

específicas, em alguns assentamentos rurais, estas áreas estão sendo utilizadas de forma

extensivas para criação de gado. O reflorestamento puro e simples tem poucas chances de

sucesso se os produtores não puderem retirar alguma renda das áreas recuperadas. Assim, é

fundamental que se experimentem e divulguem sistemas agroflorestais adaptados a

ecossistemas locais e aos sistemas de produção dos assentados e dos agricultores familiares

em geral.

Perz & Walker (2002) demonstram que sistemas agroflorestais advindos de

enriquecimento de capoeiras cumprem um papel muito relevante ao unir agregação de

renda e capacidade de restabelecimento da reserva legal. No mesmo sentido, Walker et al

(2002) diferenciam cultivos de renda (income crops) dos cultivos de investimentos

(investment crops). Para os autores, essas categorias são análogas aos termos subsistência e

cultivos comerciais, mas necessitam de uma distinção específica na teoria do capital.

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Diversificação baseada em cultivos de renda reflete esforços para complementação

nutricional sob riscos ambientais, enquanto cultivos de investimentos podem ser

diversificados em vários tipos de cultivos perenes, sendo que os agricultores que possuem

sistemas com ambos os tipos de cultivos de renda e investimentos, particularmente os que

demonstram transição do primeiro para o segundo tipo de cultivo, são os que necessitam

um especial interesse da investigação científica, de modo a diagnosticar as condicionantes

que viabilizam a mudança e que podem basear a construção ou aprimoramento de políticas

públicas.

Novamente remetendo-se ao autores, agora para outro tipo de uso da terra,

Futemma & Brondízio (2003) encontraram que proprietários com renda extra de

aposentadoria rural, em comparação aos sem acesso a esse tipo de direito legal, também

destinam mais área para a atividade pecuária (média de 1,4% contra 1,1%,

respectivamente). E para Romeiro (1998a), o patamar de 8 a 10 cabeças de gado representa

um ponto em que o produtor familiar já é capaz de gerar o capital necessário para expandir

sua criação e investir nas instalações necessárias. Todavia, a queda no rendimento das

pastagens se faz sentir já no quinto ano de uso da área devido à queda na fertilidade física e

química do solo e da concorrência de plantas invasoras. Em função da gestão do tempo de

pousio do pasto e da carga, a vida útil das pastagens varia entre 8 a 15 anos. E cabe notar

que esta "crise das pastagens" vai ocorrer somente no caso do processo de acumulação ter

sido bem sucedido. Becker (1982) complementa salientando que quanto menos capital

detiver o agricultor familiar, mais dedicado será à lavoura branca, e quanto mais capital,

mais se voltará para a pecuária.

Van Wey et al (2009) sustentam que pesquisas substanciais consideram que a

renda das populações humanas é o fator mais importante que afeta as condições ambientais.

O teste repetido dessa relação presumida tem mostrado que as instituições são um fator

contextual importante que intervém nos efeitos do tamanho, taxa de crescimento e pobreza

de uma população sobre mudanças de uso e cobertura da terra. É o que pode ser visto no

Proambiente, conforme demonstrado no capítulo V da presente tese, onde a

institucionalidade mais forte propiciou melhor organização para o planejamento do uso

sustentável da terra e dos recursos naturais. Mas mesmo onde há forte institucionalidade, a

variável renda mais alta é determinante na promoção do desmatamento, o que desautoriza a

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301

equivocada e sucinta relação entre pobreza e meio ambiente, conforme crítica procedida no

capítulo III.

Para Brondízio et al (2009b), vários atributos são importantes para diagnosticar

os motivos quanto a decisão de desmatamento, como o nível de capitalização, o tempo de

ocupação do lote e a quantidade de residentes das unidades de produção. Mas McCracken

et al (1999) alerta que não há necessariamente relação positiva entre renda familiar e

desmatamento, pois a entrada de cultivos perenes mitiga o processo de desmatamento,

desde que o lote apresente, como condição, alta disponibilidade de trabalho e capital,

enquanto a pecuária demanda apenas alta disponibilidade de terra.

Moran (1975, 1976), citado por Smith (1982), relacionou o conhecimento

ecológico dos nortistas com o dos colonos migrantes ao longo da Transamazônica (PA).

Embora os nativos amazônicos sejam, ao certo, altamente capazes de sustentar a

alimentação de suas famílias no ambiente florestal, eles não eram considerados pelos

órgãos oficiais como os produtores rurais mais prósperos. Apesar de imprimirem uma taxa

de desmatamento para sistema de corte e queima similar aos nordestinos e sulistas,

geralmente situavam-se em desvantagens na produção agrícola e em sistemas orientados

para o mercado consumidor localizado às margens da nova rodovia federal, o que resultava

em taxas de rendas familiares correspondentes à metade dos colonos provindos das demais

regiões brasileiras. A castanha-do-pará caracterizava-se como um dos produtos mais

importantes na obtenção de renda dos nativos amazônicos (mais importante inclusive que a

extração madeireira, que gerava renda familiar quatro vezes inferior), especialmente no

trecho compreendido entre Marabá (PA) e Altamira (PA), no entanto, aos poucos os

colonos migrados foram aprendendo a coletar as cuias de castanhas caídas no chão entre os

meses de dezembro a abril (especialmente fevereiro). A exploração dos produtos florestais

não madeireiros, contudo, era uma atividade refutada pelas agências financeiras públicas

responsáveis pelos empréstimos rurais, fato que impediu a estruturação da atividade

econômica típica dos nortistas. Nesse sentido, Pichón (1996) expõe que sem o

direcionamento de ciência e tecnologia, infra-estrutura e políticas de indução de demanda

efetiva para a economia florestal, a conversão de florestas em áreas agrícolas e pecuária

envolve um substancial custo de oportunidade que opõe renda familiar e floresta primária.

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302

Para a variável independente “renda familiar anual”, foi assumido como

hipótese específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra

do Proambiente vem de famílias com renda familiar anual superior, pois isso determina

maior capacidade de investimento em sistemas sustentáveis.

Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, os cultivos

anuais e a reserva legal têm relação negativa e os cultivos perenes e campos abertos

têm relação positiva com a renda familiar anual.

De acordo com a análise de correlação da Tabela 19, há crescimento de

cultivos anuais entre níveis mais baixos e intermediários de renda familiar anual, e

decréscimo de níveis intermediários para mais altos. Primeiramente, desconsideremos

os dois primeiros níveis mais baixos de renda familiar anual da análise por contarem com

número absoluto de lotes muito baixos (somente sete lotes com renda até R$ 100,00 e cinco

lotes com renda entre R$ 100,00 a R$ 200,00). Nas famílias com renda anual entre R$

200,00 a R$ 2.000,00, 49,21% a 56,00% de seus lotes ocupam de 0-5% de suas áreas com

cultivos anuais, participação que sobe de forma contínua, de 62,83% para 80,64% dos lotes,

em famílias com rendas anuais entre R$ 2.000,00 a R$ 20.000,00, estabilizando-se em

80,29% dos lotes com rendas acima de R$ 20.000,00. Assim, lotes com renda familiar

anual mais alta destinam menor porção de área para cultivos anuais. Na classe de

porcentagem de 5-10% de cultivos anuais, há oscilação de 24,00%, 22,22% e 27,37% dos

lotes com rendas entre R$ 200,00 a R$ 500,00, R$ 500,00 a R$ 1.000,00 e R$ 1.000,00 a

R$ 2.000,00, respectivamente. A partir do intervalo entre R$ R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00,

até o intervalo entre R$ 10.000,00 e R$ 20.000,00, há queda continua de lotes com cultivos

anuais de 27,37% para 9,54%, e estabilização para 10,22% dos lotes acima de R$ 20.000,00

anuais. Nas classes de porcentagens acima de 10% de cultivos anuais constam lotes em

percentuais mais significativos (acima de 5% deles) apenas em níveis intermediários de

renda, praticamente inexistindo casos com mais de 40% da área com cultivos anuais. Logo,

o aumento da área de cultivos anuais é relevante na geração de vencimentos entre

lotes com níveis baixos à intermediários de renda, porém, para superar rendas

familiares anuais de R$ 2.000,00, há de partir para outros tipos de uso da terra.

Quanto maior o nível de renda, maior é a ocupação do lote com culturas

perenes, configurando-se uma situação inversa à manifestada para culturas anuais.

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Desconsideremos os dois primeiros níveis mais baixos de renda familiar anual da análise

por contarem com número absoluto de lotes muito baixos (somente sete lotes com renda até

R$ 100,00 e cinco lotes com renda entre R$ 100,00 a R$ 200,00). Nas famílias com renda

anual abaixo de R$ 6.000,00, 76,92% a 84,00% de seus lotes ocupam de 0-5% de suas

áreas com cultivos perenes, participação que decresce, de forma contínua, de 60,37% para

43,80% dos lotes, em famílias com rendas anuais acima de R$ 6.000,00. Após a classe de

porcentagem 0-5%, em lotes com renda familiar anual até R$ 6.000,00, a ocupação da terra

mais representativa com culturas perenes ocorre na classe entre 5-10%, com 8,00% a

12,70% dos lotes, enquanto que para renda familiar anual acima de R$ 6.000,00, a maior

freqüência aparece em classe de 20-40% de culturas perenes, com 11,27% a 16,79% dos

lotes, sendo que na classe 5-10% ainda há de 10,24% a 13,14% dos lotes, na classe 10-

15%, de 6,82% a 10,40% dos lotes, e na classe 15-20%, de 3,94% a 5,11% dos lotes. Vale

observar que, dentre os lotes que detém mais renda (acima de R$ 6.000,00), quanto

maior a mesma, melhor é a distribuição das classes de porcentagem para cultivos

perenes, logo, lotes com renda mais altas destinam maior porção de área para culturas

perenes.

Quanto maior a renda, maior é a ocupação do lote com campos abertos,

situação inversa às culturas anuais e direta às culturas perenes. Em famílias com renda

anual até R$ 10.000,00, 58,73% a 69,27% dos lotes detém até 40% de pecuária, enquanto

em famílias com renda anual superior a R$ 10.000,00, o percentual de lotes nessa classe 0-

40% decresce de forma contínua de 54,91% para 48,18%. Ao revés, nas classes de

porcentagem acima de 60% de pecuária, famílias com renda anual até R$ 10.000,00

representam apenas de 4,28% a 19,16% dos lotes, ao passo que aquelas famílias com renda

anual acima de R$ 10.000,00 elevam-se a expressivos 28,03% a 35,04% dos lotes. A

análise de correlação entre renda familiar anual e pecuária demonstra que a atividade

agrupa menos lotes com rendas mais elevadas em relação aos cultivos perenes, fato

que evidencia a força da criação de gado, o motivo de seu status social e sua maior

capacidade de concentração de renda.

Quanto maior a renda familiar anual, menor é a ocupação do lote com

reserva legal, dado que ilustra a situação inversa (e incompatibilidade) entre reserva

legal e campos abertos. Famílias com renda anual até R$ 20.000,00 agrupam de 47,47% a

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59,54% dos lotes com até 40% de reserva legal, enquanto esse percentual sobe para 71,53%

dos lotes acima de R$ 20.000,00 de renda familiar ao ano. Em situação inversa, em famílias

com renda familiar anual até R$ 20.000,00, 29,77% a 35,95% dos lotes concentram mais de

60% de reserva legal, percentual que cai para apenas 16,79% dos lotes com renda familiar

anual acima de R$ 20.000,00. O quadro torna-se mais crítico ao se analisar a legalidade

ambiental (mais de 80% de reserva legal), onde somente 12,29% a 18,11% dos lotes com

renda até R$ 20.000,00 as cumprem, patamar que baixa para 9,49% dos lotes com renda

familiar anual superior a R$ 20.000,00. Enquanto a atividade pecuária discrimina

similarmente famílias com mais ou menos de R$ 10.000,00 anuais de renda, o

cumprimento da legalidade ambiental opõe mais fortemente grupos mais altos de

renda, acima de R$ 20.000,00, em relação aos demais, ainda que aquelas famílias com

mais baixas rendas também demonstrem incapacidade de reter reserva legal.

Para a renda familiar anual, a hipótese se confirma parcialmente. Se por um

lado, famílias com rendas anuais mais elevadas demonstram maior capacidade de

investimento em sistemas perenes, os quais garantem maior sustentabilidade ambiental e

atendem em parte aos princípios do Proambiente, por outro, também adquirem maior

potencial econômico para estabelecer campos abertos e ampliar as atividades pecuárias,

justamente concorrendo com o uso da terra para reserva legal. Categorias de renda familiar

anual acima e abaixo de R$ 6.000,00 diferenciam produtores com mais ou menos cultivos

perenes, acima e abaixo de R$ 10.000,00 diferenciam produtores com mais ou menos

pecuária, e acima ou abaixo de R$ 20.000,00 diferenciam produtores dentro ou fora da

legalidade ambiental, o que demonstra um quadro crítico da relação entre viabilidade

econômica e sustentabilidade. Portanto, o que os dados ilustram é que os instrumentos

econômicos de estímulo à produção rural necessitam ser repensados para também

contemplar as exigências da legislação ambiental.

Os dados da Tabela 09 evidenciam os achados da literatura internacional

expostos acima, quando apresentam relação indireta entre cultivos anuais e reserva legal, e

relação direta entre cultivos perenes e atividade pecuária, com a renda familiar anual. As

áreas de cultivos anuais variam de forma decrescente e amena conforme o perfil de lotes

capitalizados, com perspectivas ou em via de capitalização e descapitalizados, no entanto,

nos demais casos a variação é mais efetiva e correspondente. Conforme eleva-se a renda

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familiar anual, eleva-se o contingente de cultivos perenes e de pecuária de forma

equivalente, sendo que a soma das duas áreas também se equivalem na retirada de reserva

legal. De fato, famílias rurais mais capitalizadas investem mais em sistemas perenes, que

garantem maior sustentabilidade ambiental, mas ao mesmo tempo estabelecem campos

abertos com mais força, atividade que concorre com a reserva legal. Dessa forma, os

instrumentos econômicos da produção rural necessitam ser aprimorados e integrados à

legislação ambiental, aparecendo como opções os sistemas agroflorestais e os sistemas

agrosilvipastoris, de modo a elevar a renda dos cultivos perenes e adaptar a da atividade

pecuária aos quesitos ambientais legais.

7.3.4.3. Acesso à energia elétrica e ao transporte para beneficiamento e escoamento da

produção

Na condição de variáveis de capital que se referem a infra-estrutura, o acesso à

energia elétrica para beneficiamento da produção e ao transporte para escoamento da

produção são conjuntamente discutidas e analisadas a seguir, embora a interpretação dos

resultados apresente-se de forma separada após a revisão de literatura.

A história da agricultura nos países capitalistas mostra que, em geral, as

vantagens competitivas das empresas familiares sobre as empresas capitalistas foram

maiores dentro dos seus respectivos sistemas produtivos. As vantagens que podem ter as

últimas em relação às primeiras se situam fora do processo produtivo agropecuário, ou seja,

na transformação industrial e na comercialização da produção. Este é o caso,

especialmente, das empresas agroalimentares, que investem diretamente na produção

agrícola em grande escala, mas cuja rentabilidade é principalmente assegurada pela

industrialização de produtos alimentares (Guanziroli et al, 2001).

Dessa forma, esse processo vertical e integrado de produção, escoamento,

beneficiamento e comercialização das empresas agroalimentares desencadeia outros, como

por exemplo, maior facilidade para obtenção de crédito rural e maior influência política

para acesso a infra-estrutura básica de transporte, energia e comunicação, algo ausente ou

raro nas políticas públicas brasileiras em torno da agricultura familiar, que contém baixo

planejamento público estratégico.

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Inhetvin (2000) complementa a idéia acima ao expor que altas barreiras

tecnológicas (como inadequação do pacote da Revolução Verde para a agricultura familiar),

comerciais (falta de mercados internos com poder aquisitivo) e de infra-estrutura

(indisponibilidade de redes de transporte, de acesso à energia elétrica e comunicação),

assim como uma grande dependência econômica de relativamente poucos produtos, com

preços incertos, implicam em uma base instável tanto para o resultado econômico dos

estabelecimentos familiares rurais como para sua reprodução social.

Moran et al (2005) expõe que nas últimas quatro décadas, muitas coisas

permanecem iguais e outras mudaram radicalmente. A qualidade dos eixos rodoviários

permanece como exemplo de restrição para o aumento da produtividade de agricultores

familiares.

A distância de uma estrada que permita o escoamento da produção, mesmo que

seja de pequenos excedentes comercializados em feiras livres dos núcleos urbanos

adjacentes, pode determinar maior capacidade de acumulação aos lotes familiares que

exploram o mesmo sistema de produção e que detém níveis semelhantes de produtividade

que lotes familiares sem acesso a esse tipo de vantagem competitiva. Há casos também em

que o capital e o trabalho disponíveis são tão baixos nos lotes que produtores familiares

confiam sua safra agrícola a um comerciante ambulante (popularmente denominado de

“atravessador”), o qual finaliza a transação financeira somente após consumar a

comercialização em núcleos urbanos regionais. Ainda que esses atravessadores retirem a

maior parte do lucro que deveria retornar aos lotes familiares, eles cumprem papel

estratégico numa realidade de depressão econômica, sendo que sua ausência dificulta ainda

mais a capitalização dos lotes. Todavia, num processo de desenvolvimento de políticas

públicas estratégicas para a comercialização familiar, como o caso do Programa de

Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), os

atravessadores são os primeiros a serem eliminados, o que eleva, substancialmente, a

capitalização dos lotes familiares (Mattos, 2008; Mattei, 2007).

Portanto, o acesso à infra-estrutura de transporte, energia e comunicação, que

possibilita conexão com os mercados consumidores urbanos e potencializa a viabilidade

econômica do crédito rural, torna o lote agrícola mais propício aos investimentos

produtivos em categorias de uso da terra mais intensivas em capital e, conseqüentemente,

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viabiliza o conjunto de possibilidades técnicas, comerciais e sociais (Norder, 2006; Walker

et al, 2002; Perz & Walker, 2002).

O valor econômico da terra é uma função direta da distância do mercado

consumidor (Walker et al, 2000). Não se pode perder de vista o preço do ativo terra, pois

sua elevação torna o investimento produtivo extremamente necessário para poder mantê-la

de forma economicamente viável, nesse sentido, o acesso ao transporte não só valoriza o

ativo terra como viabiliza a produção agrícola. No entanto, junto às obras de infra-estrutura,

os agricultores familiares demandam serviços públicos adicionais, como acesso ao crédito

rural, assistência técnica e extensão rural, caso contrário, pode ser desencadeado um

processo de concentração e perda de terra ao invés de viabilização da produção agrícola.

Mattos (2008) corrobora as idéias de Walker et al (2000) ao esclarecer que

algumas comunidades familiares rurais são excluídas do processo produtivo agrícola

justamente por terem experimentado transformações estruturais sem o adequado

planejamento público estratégico. O melhor exemplo vem do problema causado por novas

obras de infra-estrutura desintegradas de estratégias de titulação da terra e de oferta de

políticas públicas de crédito rural, garantia de preços mínimos e comercialização de

produtos agrícolas. Os casos mais comuns são de novas rodovias construídas ou antigas

pavimentadas, onde transcorrem alguns anos para que parte da comunidade afetada se

adapte ao novo contexto, enquanto outra parte perde a posse da terra por não resistir à

relação desigual entre (a) estagnação ou amena elevação do valor da produção e (b)

elevação muito rápida do preço da terra, devido a outras condições de produção que não são

garantidas além da infra-estrutura, que consigo traz um forte mercado imobiliário e um

processo de intensificação demográfica.

Ludewigs (2006), na discussão entre acesso ao transporte para escoamento da

produção e consolidação econômica de lotes familiares, demonstra que os lotes muito

próximos de rodovias pavimentadas ou de rodovias com condições mínimas de

trafegabilidade sofreram forte processo de especulação imobiliária, enquanto lotes muito

distantes não apresentaram condições de se inserirem num mercado de forma competitiva,

logo, os lotes familiares com distâncias intermediárias demonstraram maior capacidade de

se consolidarem economicamente. Geralmente, os lotes de nativos amazônicos próximos

dos eixos foram comprados por colonos migrados, enquanto os mais distantes por

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investidores externos de terra, afinal, os últimos intencionam adquirir maiores e mais

baratas porções de terras para desenvolverem a atividade pecuária extensiva, enquanto os

colonos migrados tendem a voltar-se para usos da terra mais diversificados.

Pan et al (2004) demonstra que o aumento das operações de crédito rural e da

oferta de energia elétrica expandiu de 21% para 73% em lotes da Amazônia equatoriana

próximos de rodovias, o que evidencia a importância de processos logísticos integrados.

Como o acesso ao transporte e à energia elétrica elevam o preço da terra, três variáveis

adicionais são importantes para viabilizar o valor da produção e deter a posse da terra:

acesso ao crédito rural (Mattei, 2007), regularização fundiária (Benatti, 2003) e o tempo de

ocupação do lote (Romeiro, 1999b), que asseguraram investimentos de longo prazo.

É salutar também refletir sobre a influência da infra-estrutura nos tipos de uso

da terra e dos recursos naturais. Pan & Bilsborrow (2005) levantam que os resultados

encontrados em estudo de campo identificam a importância de variáveis de infra-estrutura

no uso da terra, bem como a relevância do uso de modelos multivariados para prever tais

relações. Nesse sentido, o presente estudo, por meio do programa SPSS, identificou a

importância do acesso ao transporte e energia elétrica para a diversificação produtiva em

cultivos perenes e geração de renda familiar anual, assim como a relevância do transporte

para a atividade pecuária e da energia elétrica para retirada de reserva legal.

Para Van Wey (2009), a topografia também afeta a maneira como as

comunidades fazem o uso da terra, assim como determina a localização de estradas e de

redes de transportes aquáticos. Essas condicionantes topográficas afetam não somente o

tipo e a lucratividade do uso da terra, mas também o custo de escoamento dos produtos aos

mercados consumidores para as comunidades alijadas das redes de transportes.

Complementado a contribuição das autora, esse conjunto que une relevo recortado e não

acesso ao transporte é inibidora da diversificação produtiva.

Num estudo aplicado, Arima (2000) demonstra que entre todos os municípios

paraenses, apenas cinco foram considerados com sistemas diversificados, quatro deles

localizados na Zona Metropolitana de Belém, capital e maior mercado consumidor do

estado, além de Santarém, segunda cidade em população do Pará. O financiamento rural de

sistemas diversificados parece estar ligado à possibilidade de comercialização e, em

particular, aos custos de transporte entre o local financiado e o mercado consumidor. Os

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municípios da região paraense da rodovia Transamazônica (com duas cidades de porte

intermediário, Itaituba com aproximadamente 100 mil habitantes, e Altamira com por volta

de 80 mil) foram, em geral, classificados com sistemas medianamente diversificados (com

forte presença de cacau, café e seringueira), e os demais municípios do estado

enquadraram-se na classificação de especializados ou medianamente especializados em

poucas culturas agrícolas anuais.

Além do acesso ao transporte identificado por Arima (2000), Pan et al (2004)

encontrou que o acesso à energia elétrica afeta positivamente, e de forma significativa, a

diversificação agrícola. A congruir esses resultados, Perz (2001) observa que a intensidade

de cultivos perenes cai substancialmente com distâncias mais longas do mercado

consumidor, o que representa diminuição das oportunidades de renda familiar.

Para Ludewigs (2006), de modo geral, enquanto extrativismo florestal,

agricultura anual de subsistência e pecuária são normalmente associados com baixos custos

de transporte, o cultivo de anuais e perenes em escala de comercialização são dependentes

de boas condições de trafegabilidade e altos custos de transportes. O mesmo pode ser

verificado para o acesso à energia elétrica, que se torna uma variável independente

extremamente relevante para o cultivo de sistemas perenes, com possibilidade de

beneficiamento da produção em packing houses em lotes individuais ou em áreas coletivas

como cooperativas e associação de moradores. Ademais, complementado os resultados do

autor, o beneficiamento da produção viabilizado pela energia elétrica garante uma margem

temporal de negociação mais ampla ao lote familiar rural, pois diminui a perecibilidade de

cultivos perenes, principais responsáveis pela geração de renda familiar anual ao lado da

atividade pecuária. Portanto, o estudo de Ludewigs (2006) identifica e integra os resultados

encontrados por Arima (2000) e Pan et al (2004).

Para Pan & Bilsborrow (2005), as variáveis geográficas, em particular,

distâncias a pé ou acesso ao transporte, tendem a impactar positivamente a área total com

cultivos anuais e perenes, resultado similar ao verificado por Ludewigs (2006), sendo que

no caso de cultivos anuais, somente para sistemas voltados aos mercados locais, excluindo-

se portanto sistemas de subsistência. O presente estudo encontra relação positiva entre

acesso ao transporte e energia elétrica com cultivos perenes, mas não identifica relação

estatisticamente significativa para cultivos anuais para ambas as variáveis independentes.

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Os resultados da invariabilidade das áreas de cultivos anuais frente ao acesso ou não acesso

ao transporte e energia elétrica se explica, pois as propriedades amazônicas selecionadas

pelo Proambiente fazem uso dos cultivos anuais prioritariamente para subsistência, sendo

que o planejamento da transição produtiva dos lotes manifestado nos PUs voltam-se para a

introdução de cultivos perenes, sobretudo no redesenho produtivo baseado em sistemas

agroflorestais em áreas de capoeiras, no manejo de pastagens para evitar abandono de áreas

e formação de juquiras, e na proteção ou restabelecimento de reserva legal e áreas de

preservação permanente.

De acordo com Brondízio et al (2009b) e Hecht (1993), por mais de duas

décadas, a atividade pecuária vem sendo amplamente adotada por agricultores familiares na

Amazônia como uma estratégia para facilitar a cooperação de vizinhança (ex: aluguel de

pastos, compra e venda de animais), assegurar retornos rápidos e minimizar os riscos

associados com estoque e dependência de transportes de produtos perecíveis.

Romeiro (1998a) expõe idéias similares a Brondízio et al (2009b) e Hecht

(1993) ao argumentar que a pecuária é uma opção viável, pois as variações de preço da

carne são pouco significativas e o produto têm alta liquidez, além do gado ter como

características o fato de se "auto-transportar", de poder se constituir como “estoque vivo” e

de proporcionar melhor distribuição da mão de obra familiar ao longo do calendário

agrícola. Assim, para o autor, o acesso ao FNO foi importante no processo de consolidação

na fronteira agrícola, cabendo ainda acrescentar que a importância da pecuária guarda uma

relação inversa com a facilidade de inserção ao mercado consumidor: nas zonas de acesso

mais difícil, a implantação de pastos e a compra de gado são mais importantes para a

geração de renda familiar.

E para Ludewigs (2006), problemas como falta de acesso ao transporte para

escoamento e de energia elétrica para beneficiamento da produção, escassez de mão-de-

obra e baixos preços no mercado consumidor induzem a introdução da pecuária, que se

sobressai como melhor opção econômica, enquanto a presença desses quesitos estimula as

famílias rurais a adotarem sistemas diversificados baseados em cultivos perenes

direcionados para os mercados locais.

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No entanto, Walker et al (2002) alerta que pode haver a presunção de que a

atividade pecuária se viabiliza de forma mais independente à infra-estrutura local devido a

particularidade do gado poder se auto-transportar, no entanto, os autores observaram uma

maior disposição de abertura de pastagens em regiões mais acessíveis da Amazônia

brasileira. Embora capaz de auto-transportar, o gado geralmente é transportado em

caminhões especializados para tal finalidade, o que reduz consideravelmente o tempo e o

custo do pecuarista familiar.

Assim, não se trata de opor os achados de Brondízio et al (2009b), Ludewigs

(2006), Romeiro (1998a) e Hecht (1993) aos de Walker et al (2002), mas sim de concatená-

los de forma a melhor compreendê-los. Numa região de difícil acesso ao transporte, energia

elétrica e outras condições de infra-estrutura e logística, a pecuária figura como a melhor

alternativa, mesmo porque nessas situações também é necessário delimitar visualmente os

limites do estabelecimento familiar rural. Dessa forma, a idéia de “estoque vivo” e “auto-

transporte” é correta. Com a intensificação da heterogeneidade estrutural da fronteira

agrícola, além da expansão da atividade, os lotes familiares passam por um processo de

intensificação do uso da terra e diversificação dos sistemas produtivos em cultivos anuais,

cultivos perenes e atividade pecuária. Nessas novas condições, o transporte em caminhões

especializados para ser estratégico para reduzir o tempo e o custo da atividade produtiva.

Pan et al (2004) demonstra que a complexidade e a fragmentação dos biomas

são duas importantes medidas dentro do estudo de paisagens ecológicas, sendo que ambas

têm implicações no fluxo ecossistêmico de matéria e energia e são associadas com o acesso

ao transporte e à energia elétrica, além da composição familiar.

Ao lado do tempo de ocupação do lote e da composição familiar, a distância dos

mercados consumidores representa uma das mais importantes variáveis que explicam o

desmatamento em propriedades familiares. Vários estudos demonstram a relação inversa

entre distância dos mercados consumidores e desmatamento (Brondízio et al, 2009b;

Walker et al, 2002; Pichón, 1996; Pichón & Bilsborrow, 1992).

Para Pichón (1996), melhorias no sistema de transportes e energia elétrica

agrega valor à terra e torna a produção agrícola mais viável, porém, atrai novos colonos,

investidores agropecuários de grande escala e especuladores imobiliários à fronteira

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agrícola e desencadeia forte processo de compra e venda de lotes e de desmatamento. E

para McCracken et al (1999), o desmatamento é significativamente maior em lotes

próximos e com acesso às áreas urbanas.

Para Alves (2002), o desmatamento tende a ser mais intenso em áreas próximas

aos eixos rodoviários e com disponibilidade de energia elétrica, logo, essa relação de causa

e efeito deve ser tomada com particular interesse para a redefinição de políticas públicas de

desenvolvimento regional.

Pichón (1996) e Mattos & Hercowitz (2010) expõem que rodovias e energia

elétrica caracterizam-se como uma determinante fundamental em fronteiras agrícolas. A

melhoria nas condições de infra-estrutura estimula produtores rurais (de qualquer porte) a

converter áreas florestais para uso agrícola, assim como os colonos se sentem encorajados a

comercializar sua produção sob condições mais favoráveis que os mercados consumidores

passam a lhe oferecerem, devido à substancial redução do custo do frete e da possibilidade

de beneficiamento do produto agrícola.

Portanto, ao mesmo tempo em que a pavimentação de rodovias e a eletrificação

rural podem intensificar o processo de desmatamento, elas também podem viabilizar a

introdução de sistemas mais intensivos, diversificados e sustentáveis de uso da terra, como

aqueles que fazem uso de espécies perenes. Nesse sentido, para mitigar o processo de

desmatamento advindo com obras de infra-estrutura, faz-se necessário recorrer a

mecanismos complementares, como aprimoramento de legislação ambiental, criação de

unidades de conservação e reservas extrativistas, homologação de terras indígenas,

zoneamento econômico ecológico, restrição a certos tipos de cultivo (ex: proibição de

plantio de soja no Amapá estabelecido pelo governo estadual entre os anos de 1994-2000) e

aprimoramento da capacidade de gestão e fiscalização pública.

Para as variáveis independentes “acesso à energia elétrica para beneficiamento

da produção” e “acesso ao transporte para escoamento da produção” foi assumido como

hipótese específica que o atendimento aos princípios de uso econômico e ecológico da terra

do Proambiente vem de famílias com acesso às ambas infra-estruturas, pois este quesito

possibilita maior viabilidade econômica aos investimentos sustentáveis.

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313

Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, os cultivos

perenes, os campos abertos e a renda familiar anual têm relação positiva com o acesso

ao transporte para escoamento da produção, sendo que as demais formas de uso da terra

não demonstraram significância estatística.

De acordo com a análise de correlação da Tabela 20, o cultivo de perenes é mais

relevante nas três primeiras classes de porcentagens (0-5%; 5-10%; 10-15%). Lotes com

acesso ao transporte são mais freqüentes nessas três classes, com participação de 72,68%,

13,66% e 6,58%, frente a respectivos 72,55%, 11,93% e 4,30% dos lotes sem acesso.

Assim, lotes com acesso ao transporte apresentam melhores condições para consolidar

sistemas perenes de produção, porém, essa relação é mais amena que se supunha na

hipótese.

A influência do acesso ao transporte nos cultivos perenes é também mais

amena se comparada aos campos abertos. Lotes sem acesso ao transporte destinam

porções de terra bem escassas para a pecuária, predominando apenas na classe de

porcentagem 0-20%, com 64,20% dos lotes versus 27,82% daqueles com transporte. Nas

classes seguintes, sempre há maior participação de lotes com acesso ao transporte, isto é,

entre 20-40% de campos abertos há 30,69% de lotes com transporte (e 16,23% sem

transporte), entre 40-60% há 23,10% (versus 10,02%), entre 60-80% há 12,31% (versus

7,88%) e entre 80-100% há 6,07% (versus somente 1,67%). No geral, 64,20% dos lotes

sem acesso ao transporte destinam somente até 20% da área para uso pecuário da

terra, enquanto 72,18% dos lotes com acesso ao transporte têm áreas maiores de 20%

de campos abertos. Portanto, há forte relação entre transporte e pecuária, com o

primeiro viabilizando a segunda, situação que corrobora o padrão de expansão da

fronteira amazônica. No caso da agricultura familiar, como o processo de expansão da

fronteira amazônica pressiona a posse de suas terras no longo prazo (pois há elevação

do preço da terra no território frente a uma situação de estagnação ou elevação mais

amena do Valor Bruto de Produção familiar em comparação ao próprio preço local

da terra, relação que pode inviabilizar a posse da terra se não forem encontradas

alternativas econômicas que agreguem mais valor à produção familiar e que elevem a

produtividade do trabalho familiar), a introdução de campos abertos não somente é

uma forma de garantia legal, como também um modo de estabelecer poupança e

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314

viabilizar economicamente a posse da terra. Em resumo, o acesso ao transporte

viabiliza a prática pecuária familiar, que cumpre o triplo papel de demarcação dos

limites da propriedade, de poupança para custeio de emergências familiares (ex:

tratamento de saúde) e investimentos em sistemas mais produtivos em conjunto com o

acesso ao crédito rural.

Para o acesso ao transporte para escoamento de produção, a hipótese se

confirma. Há relação positiva entre acesso ao transporte e introdução de cultivos perenes,

ainda que de forma mais amena do que se supunha. A variável independente também

demonstra-se relevante para estimular a expansão pecuária e, principalmente, para elevar a

renda familiar anual, sem que isso represente impactos significativos na reserva legal em

relação aos lotes sem acesso ao transporte para escoamento de produção.

Conforme os dados de regressão múltipla da Tabela 09 e ANEXO I, os cultivos

perenes e a renda familiar anual têm relação positiva e a reserva legal tem relação

negativa com o acesso a energia elétrica para beneficiamento da produção, sendo que

as demais formas de uso da terra não demonstraram significância estatística.

De acordo com a análise de correlação da Tabela 21, no caso dos lotes sem

acesso à energia elétrica, 90,50% deles estabelece cultivos perenes somente até 10% da

área do lote (77,84% entre 0-5% e 12,66% entre 5-10%), contra 73,02% daqueles com

acesso à energia elétrica. Assim, restam 26,98% de lotes com acesso à energia elétrica que

destinam mais de 10% de sua área para cultivos perenes (8,33% dos lotes entre 10-15%,

4,37% entre 15-20%, 7,14% entre 20-40%, 2,78% entre 40-60%, 2,78% entre 60-80% e

1,59% entre 80-100%), percentual que cai para 9,5% entre aqueles sem energia (3,91% dos

lotes entre 10-15%, 1,86% entre 15-20%, 2,05% entre 20-40%, 1,30% entre 40-60%,

0,37% entre 60-80% e nenhum acima de 80%). Portanto, lotes com acesso à energia

elétrica apresentam melhores condições de investir em áreas maiores de sistemas

perenes. Nesse caso específico, os resultados comparativos entre abrangência de

culturas perenes e acesso à energia elétrica para beneficiar a produção se mostram

mais intimamente relacionados que os resultados comparativos apresentados entre

abrangência de culturas perenes e acesso ao transporte para escoar a produção, assim,

a energia elétrica é uma variável mais significativa que o transporte para elevar a

importância do uso da terra com cultivos perenes.

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315

Lotes sem acesso à energia elétrica apresentam maior capacidade de reter

reserva legal acima de 80% da área, conforme estabelece a legislação ambiental.

Ademais, o acesso a energia elétrica demonstra-se como uma variável mais

determinante que o acesso ao transporte para o não cumprimento da legislação

ambiental. Nas classes de porcentagem 0-20%, 20-40% e 40-60% há, respectivamente,

45,63%, 22,62% e 21,83% dos lotes com acesso à energia elétrica (contra 20,86%, 11,55%

e 16,20% dos lotes sem acesso à energia elétrica). No entanto, na última classe de

porcentagem, 80-100% de reserva legal, 25,33% dos lotes sem acesso à energia

elétrica apresentam-se em conformidade à legislação ambiental, contra somente

2,38% daqueles com energia elétrica. Ainda restam 26,07% de lotes sem acesso à

energia elétrica que detém entre 60-80% de reserva legal e se aproximam da

legalidade ambiental ou têm condições mais facilmente atingíveis numa eventual

retirada de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), percentual que cai para

apenas 7,54% dos lotes com acesso à energia elétrica. Assim, 90,50% dos lotes que

acessam energia elétrica detêm menos de 60% de reserva legal, patamar que se eleva

para 97,62% dos lotes se for considerada a faixa 0-80%, isto é, a variável energia

elétrica se mostra como uma das mais determinantes, junto ao tamanho do lote (no

caso de lotes até 0-5 e 5-10 hectares), na retirada de reserva legal e no não

cumprimento da legislação ambiental. O não acesso à energia elétrica, como no caso

do transporte, também é um indicador de depressão econômica, e de igual forma, sua

presença torna a reserva legal vulnerável, o que de novo demonstra a necessidade de

adequação dos instrumentos econômicos (ex: crédito rural e políticas de compra de

alimentos regionais) à infra-estrutura e legislação ambiental.

Para o acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção, a

hipótese se confirma parcialmente. Há relação entre acesso a energia elétrica e introdução

de cultivos perenes, inclusive de modo mais contundente que no caso do acesso ao

transporte, assim como essa variável independente é mais importante que a anterior para a

geração de renda familiar anual. Os lotes com acesso à energia elétrica não apresentaram

mudanças significativas na atividade pecuária em relação ao lotes sem acesso, porém é

clara a relação com a destruição de reserva legal. Se por um lado o acesso à energia elétrica

para beneficiamento da produção demonstra-se como uma variável independente muito

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316

relevante para viabilizar economicamente a produção e os investimentos sustentáveis de

longo prazo (ex: sistemas perenes), por outro, estimula o desmatamento ilegal, o que

evidencia a demanda para a harmonização entre instrumentos econômicos, infra-estrutura e

legislação ambiental.

Por fim, em consonância com os dados de literatura, os resultados do presente

estudo demonstram que o acesso ao transporte e à energia elétrica são muito relevantes para

a geração de renda familiar anual, principalmente, o segundo tipo de infra-estrutura, que

colabora na formação de capital na importância de 1/3 a mais que o primeiro tipo. Ambos

são relevantes para a expansão de cultivos perenes, sobretudo energia elétrica, enquanto a

pecuária responde em maiores proporções somente para o acesso ao transporte. Um

resultado importante é que a expansão da área de pecuária é bem mais significativa com o

acesso ao transporte em comparação à expansão da área de cultivos perenes com acesso ao

transporte e energia elétrica conjuntamente. No entanto, ao mesmo tempo em que

proporcionam renda, o acesso à infra-estrutura impacta fortemente áreas de reserva legal,

quase o dobro da área com pecuária e transporte, e mais que o triplo da área com cultivos

perenes, pecuária, transporte e energia.

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Tabela 09 – Regressão múltipla – variáveis independentes significativas nas decisões sobre uso da

terra e na renda familiar anual (R$) Variáveis dependentes Variáveis independentes

Culturas anuais

Culturas perenes

Campos abertos

Reserva legal Renda familiar anual

(Constante)

Origem do homem (Nordeste) +0,766 +2,745 +13,774 -18,488 -2.145

Origem do homem

Centro-Oeste) +8,043 +26,827 -26,739

Origem do homem (Sudeste)

+15,565 +26,840 -27,535 +3.404

Origem do homem (Sul)

+1,997 +11,908 +25,759 -29,419 +4.531

Titularidade (lote regularizado) -1,075 +4,564

+2.501

Tempo de ocupação do lote (variável contínua – anos)

+2,446 a +0,611

-2,839 a -0,710

Escolaridade do chefe de família (1ª - 4ª série)

Escolaridade do chefe de família (5ª – 8ª série)

Escolaridade do chefe de família (2º grau)

Escolaridade do chefe de família (superior)

+10,699

Escolaridade da chefe de família (1ª – 4ª série)

Escolaridade da chefe de

família (5ª – 8ª série)

Escolaridade da chefe de

família (2º grau) +2.767

Escolaridade da chefe de família (superior)

+8,253 +9.679

Tamanho do lote (variável contínua – hectares)

-0,848 a -0,042

-1,150 a -0,057

-1,890 a -0,095

+10,118 a +0,506

+369 a +18

Renda familiar anual (variável contínua – R$ mil)

-1,193 a -0,006

+3,197 a +0,016

+3,247 a +0,016

-6,929 a -0,035

Acesso ao crédito rural (Pronaf) -0,900 -2,242 +13,866 -6,286

Acesso ao crédito rural (FNO) -2,342 +1,244 +4,295 +7,122

+1.512

Acesso ao crédito rural (outros tipos)

-1,222 +7,806 -4,481

Acesso ao transporte (sim) +1,786 +7,494 +760

Acesso a energia (sim) +2,840 -13,693 +1.061

Índice de geração (variável

contínua – valor do índice) +12.010 a

+2.402 Índice de gênero (variável contínua – valor do índice)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs; sistematização das tabelas do ANEXO I

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Tabela 10 – Análise de correlação entre tempo de ocupação do lote e uso da terra

Tempo de ocupação do lote

Todos os pólos Até 5 anos 5 a 10 anos 10 a 20 anos Mais de 20 Total

% % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 148 61,41 239 60,35 344 68,53 244 61,62 975 63,52

De 5 a 10% 44 18,26 75 18,94 108 21,51 92 23,23 319 20,78

De 10 a 15% 19 7,88 49 12,37 25 4,98 24 6,06 117 7,62

De 15 a 20% 11 4,56 11 2,78 12 2,39 13 3,28 47 3,06

De 20 a 40% 8 3,32 15 3,79 10 1,99 17 4,29 50 3,26

De 40 a 60% 6 2,49 4 1,01 0 0,00 4 1,01 14 0,91

De 60 a 80% 1 0,41 1 0,25 2 0,40 1 0,25 5 0,33

Mais de 80% 4 1,66 2 0,51 1 0,20 1 0,25 8 0,52

Total 241 100,00 396 100,00 502 100,00 396 100,00 1535 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 151 62,66 252 63,80 317 63,15 272 68,69 992 64,67

De 5 a 10% 29 12,03 44 11,14 54 10,76 39 9,85 166 10,82

De 10 a 15% 16 6,64 19 4,81 34 6,77 37 9,34 106 6,91

De 15 a 20% 10 4,15 13 3,29 15 2,99 15 3,79 53 3,46

De 20 a 40% 16 6,64 37 9,37 39 7,77 26 6,57 118 7,69

De 40 a 60% 10 4,15 12 3,04 25 4,98 5 1,26 52 3,39

De 60 a 80% 5 2,07 8 2,03 10 1,99 0 0,00 23 1,50

Mais de 80% 4 1,66 10 2,53 8 1,59 2 0,51 24 1,56

Total 241 100,00 395 100,00 502 100,00 396 100,00 1534 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 110 45,64 151 38,13 173 34,46 129 32,58 563 36,68

De 20 a 40% 39 16,18 83 20,96 130 25,90 115 29,04 367 23,91

De 40 a 60% 32 13,28 69 17,42 100 19,92 83 20,96 284 18,50

De 60 a 80% 34 14,11 54 13,64 76 15,14 48 12,12 212 13,81

Mais de 80% 26 10,79 39 9,85 23 4,58 21 5,30 109 7,10

Total 241 100,00 396 100,00 502 100,00 396 100,00 1535 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 94 39,00 147 37,12 187 37,25 131 33,08 559 36,42

De 20 a 40% 34 14,11 50 12,63 81 16,14 67 16,92 232 15,11

De 40 a 60% 23 9,54 61 15,40 69 13,75 84 21,21 237 15,44

De 60 a 80% 33 13,69 70 17,68 98 19,52 72 18,18 273 17,79

Mais de 80% 57 23,65 68 17,17 67 13,35 42 10,61 234 15,24

Total 241 100,00 396 100,00 502 100,00 396 100,00 1535 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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Tabela 11 – Análise de correlação entre origem do chefe de família e uso da terra

Origem do chefe de família

Todos os pólos Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Total

% % % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 515 68,12 378 56,59 47 58,75 187 78,24 133 66,17 1260 64,81

De 5 a 10% 147 19,44 168 25,15 20 25,00 24 10,04 26 12,94 385 19,80

De 10 a 15% 58 7,67 61 9,13 8 10,00 9 3,77 14 6,97 150 7,72

De 15 a 20% 16 2,12 31 4,64 1 1,25 5 2,09 10 4,98 63 3,24

De 20 a 40% 19 2,51 23 3,44 3 3,75 7 2,93 8 3,98 60 3,09

De 40 a 60% 1 0,13 6 0,90 0 0,00 1 0,42 7 3,48 15 0,77

De 60 a 80% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 4 1,67 1 0,50 5 0,26

Mais de 80% 0 0,00 1 0,15 1 1,25 2 0,84 2 1,00 6 0,31

Total 756 100,00 668 100,00 80 100,00 239 100,00 201 100,00 1944 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 659 87,17 518 77,66 41 51,25 72 30,13 80 39,80 1370 70,51

De 5 a 10% 55 7,28 65 9,75 12 15,00 36 15,06 20 9,95 188 9,68

De 10 a 15% 21 2,78 33 4,95 9 11,25 28 11,72 26 12,94 117 6,02

De 15 a 20% 5 0,66 14 2,10 5 6,25 25 10,46 11 5,47 60 3,09

De 20 a 40% 13 1,72 23 3,45 6 7,50 35 14,64 38 18,91 115 5,92

De 40 a 60% 1 0,13 8 1,20 3 3,75 22 9,21 13 6,47 47 2,42

De 60 a 80% 2 0,26 6 0,90 1 1,25 11 4,60 4 1,99 24 1,24

Mais de 80% 0 0,00 0 0,00 3 3,75 10 4,18 9 4,48 22 1,13

Total 756 100,00 667 100,00 80 100,00 239 100,00 201 100,00 1943 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 572 75,66 205 30,69 17 21,25 49 20,50 45 22,39 888 45,68

De 20 a 40% 93 12,30 223 33,38 20 25,00 53 22,18 41 20,40 430 22,12

De 40 a 60% 50 6,61 131 19,61 15 18,75 49 20,50 48 23,88 293 15,07

De 60 a 80% 25 3,31 74 11,08 16 20,00 63 26,36 46 22,89 224 11,52

Mais de 80% 16 2,12 35 5,24 12 15,00 25 10,46 21 10,45 109 5,61

Total 756 100,00 668 100,00 80 100,00 239 100,00 201 100,00 1944 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 66 8,73 265 39,67 44 55,00 134 56,07 124 61,69 633 32,56

De 20 a 40% 59 7,80 108 16,17 12 15,00 44 18,41 42 20,90 265 13,63

De 40 a 60% 102 13,49 117 17,51 15 18,75 29 12,13 18 8,96 281 14,45

De 60 a 80% 190 25,13 123 18,41 7 8,75 24 10,04 12 5,97 356 18,31

Mais de 80% 339 44,84 55 8,23 2 2,50 8 3,35 5 2,49 409 21,04

Total 756 100,00 668 100,00 80 100,00 239 100,00 201 100,00 1944 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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320

Tabela 12 – Análise de correlação entre escolaridade do chefe de família e uso da terra

Escolaridade do chefe de família (homem)

Todos os pólos Analfabeto 1a a 4a série 5a a 8a série 2o grau Superior Total

% % % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 210 62,50 872 64,12 119 73,91 59 66,29 8 80,00 1268 64,83

De 5 a 10% 78 23,21 274 20,15 20 12,42 11 12,36 1 10,00 384 19,63

De 10 a 15% 24 7,14 112 8,24 11 6,83 8 8,99 0 0,00 155 7,92

De 15 a 20% 12 3,57 44 3,24 3 1,86 3 3,37 0 0,00 62 3,17

De 20 a 40% 8 2,38 40 2,94 5 3,11 5 5,62 0 0,00 58 2,97

De 40 a 60% 2 0,60 7 0,51 2 1,24 3 3,37 1 10,00 15 0,77

De 60 a 80% 0 0,00 5 0,37 0 0,00 0 0,00 0 0,00 5 0,26

Mais de 80% 2 0,60 6 0,44 1 0,62 0 0,00 0 0,00 9 0,46

Total 336 100,00 1360 100,00 161 100,00 89 100,00 10 100,00 1956 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 262 77,98 921 67,72 112 70,00 57 64,04 6 60,00 1358 69,46

De 5 a 10% 23 6,85 139 10,22 18 11,25 9 10,11 2 20,00 191 9,77

De 10 a 15% 22 6,55 82 6,03 8 5,00 6 6,74 0 0,00 118 6,04

De 15 a 20% 7 2,08 46 3,38 3 1,88 1 1,12 2 20,00 59 3,02

De 20 a 40% 12 3,57 100 7,35 9 5,63 9 10,11 0 0,00 130 6,65

De 40 a 60% 8 2,38 34 2,50 6 3,75 4 4,49 0 0,00 52 2,66

De 60 a 80% 1 0,30 19 1,40 1 0,63 2 2,25 0 0,00 23 1,18

Mais de 80% 1 0,30 19 1,40 3 1,88 1 1,12 0 0,00 24 1,23

Total 336 100,00 1360 100,00 160 100,00 89 100,00 10 100,00 1955 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 143 42,56 644 47,35 69 42,86 35 39,33 2 20,00 893 45,65

De 20 a 40% 75 22,32 278 20,44 47 29,19 21 23,60 2 20,00 423 21,63

De 40 a 60% 50 14,88 208 15,29 24 14,91 17 19,10 2 20,00 301 15,39

De 60 a 80% 45 13,39 152 11,18 16 9,94 15 16,85 3 30,00 231 11,81

Mais de 80% 23 6,85 78 5,74 5 3,11 1 1,12 1 10,00 108 5,52

Total 336 100,00 1360 100,00 161 100,00 89 100,00 10 100,00 1956 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 115 34,23 456 33,53 41 25,47 31 34,83 3 30,00 646 33,03

De 20 a 40% 47 13,99 183 13,46 29 18,01 14 15,73 5 50,00 278 14,21

De 40 a 60% 50 14,88 190 13,97 25 15,53 18 20,22 1 10,00 284 14,52

De 60 a 80% 63 18,75 230 16,91 38 23,60 9 10,11 1 10,00 341 17,43

Mais de 80% 61 18,15 301 22,13 28 17,39 17 19,10 0 0,00 407 20,81

Total 336 100,00 1360 100,00 161 100,00 89 100,00 10 100,00 1956 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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321

Tabela 13 – Análise de correlação entre escolaridade da chefe de família e uso da terra

Escolaridade da chefe de família (mulher)

Todos os pólos Analfabeto 1a a 4a série 5a a 8a série 2o grau Superior Total

% % % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 172 64,18 815 64,38 113 65,32 84 70,00 11 61,11 1195 64,77

De 5 a 10% 59 22,01 237 18,72 39 22,54 22 18,33 4 22,22 361 19,57

De 10 a 15% 17 6,34 106 8,37 9 5,20 8 6,67 1 5,56 141 7,64

De 15 a 20% 7 2,61 46 3,63 7 4,05 2 1,67 1 5,56 63 3,41

De 20 a 40% 10 3,73 43 3,40 4 2,31 1 0,83 0 0,00 58 3,14

De 40 a 60% 1 0,37 10 0,79 0 0,00 2 1,67 1 5,56 14 0,76

De 60 a 80% 0 0,00 4 0,32 0 0,00 0 0,00 0 0,00 4 0,22

Mais de 80% 2 0,75 5 0,39 1 0,58 1 0,83 0 0,00 9 0,49

Total 268 100,00 1266 100,00 173 100,00 120 100,00 18 100,00 1845 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 199 74,25 865 68,33 131 76,16 79 65,83 10 55,56 1284 69,63

De 5 a 10% 22 8,21 136 10,74 11 6,40 12 10,00 2 11,11 183 9,92

De 10 a 15% 17 6,34 73 5,77 11 6,40 5 4,17 2 11,11 108 5,86

De 15 a 20% 7 2,61 38 3,00 7 4,07 2 1,67 1 5,56 55 2,98

De 20 a 40% 13 4,85 89 7,03 4 2,33 11 9,17 1 5,56 118 6,40

De 40 a 60% 5 1,87 29 2,29 6 3,49 7 5,83 2 11,11 49 2,66

De 60 a 80% 3 1,12 18 1,42 1 0,58 2 1,67 0 0,00 24 1,30

Mais de 80% 2 0,75 18 1,42 1 0,58 2 1,67 0 0,00 23 1,25

Total 268 100,00 1266 100,00 172 100,00 120 100,00 18 100,00 1844 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 115 42,91 592 46,76 74 42,77 51 42,50 3 16,67 835 45,26

De 20 a 40% 53 19,78 262 20,70 52 30,06 26 21,67 5 27,78 398 21,57

De 40 a 60% 47 17,54 190 15,01 22 12,72 18 15,00 3 16,67 280 15,18

De 60 a 80% 28 10,45 149 11,77 19 10,98 18 15,00 4 22,22 218 11,82

Mais de 80% 25 9,33 73 5,77 6 3,47 7 5,83 3 16,67 114 6,18

Total 268 100,00 1266 100,00 173 100,00 120 100,00 18 100,00 1845 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 91 33,96 431 34,04 54 31,21 38 31,67 9 50,00 623 33,77

De 20 a 40% 36 13,43 185 14,61 16 9,25 15 12,50 7 38,89 259 14,04

De 40 a 60% 44 16,42 175 13,82 29 16,76 21 17,50 0 0,00 269 14,58

De 60 a 80% 51 19,03 207 16,35 37 21,39 20 16,67 1 5,56 316 17,13

Mais de 80% 46 17,16 268 21,17 37 21,39 26 21,67 1 5,56 378 20,49

Total 268 100,00 1266 100,00 173 100,00 120 100,00 18 100,00 1845 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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322

Tabela 14 – Análise de correlação entre índice de geração e uso da terra

Composição familiar (índice de geração)

Todos os pólos Até 0,2 0,2 a 0,4 0,4 a 0,8 0,8 a 1,0 Mais de 1,0 Total

% % % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 28 68,29 34 70,83 444 65,58 472 64,04 361 65,40 1339 65,16

De 5 a 10% 6 14,63 9 18,75 141 20,83 149 20,22 98 17,75 403 19,61

De 10 a 15% 4 9,76 3 6,25 43 6,35 65 8,82 44 7,97 159 7,74

De 15 a 20% 1 2,44 2 4,17 21 3,10 25 3,39 15 2,72 64 3,11

De 20 a 40% 2 4,88 0 0,00 19 2,81 18 2,44 23 4,17 62 3,02

De 40 a 60% 0 0,00 0 0,00 5 0,74 4 0,54 7 1,27 16 0,78

De 60 a 80% 0 0,00 0 0,00 2 0,30 2 0,27 1 0,18 5 0,24

Mais de 80% 0 0,00 0 0,00 2 0,30 2 0,27 3 0,54 7 0,34

Total 41 100,00 48 100,00 677 100,00 737 100,00 552 100,00 2055 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 22 53,66 29 60,42 500 73,86 537 72,86 338 61,34 1426 69,43

De 5 a 10% 5 12,20 8 16,67 63 9,31 69 9,36 59 10,71 204 9,93

De 10 a 15% 5 12,20 6 12,50 35 5,17 37 5,02 41 7,44 124 6,04

De 15 a 20% 4 9,76 1 2,08 15 2,22 21 2,85 22 3,99 63 3,07

De 20 a 40% 2 4,88 2 4,17 43 6,35 39 5,29 45 8,17 131 6,38

De 40 a 60% 1 2,44 0 0,00 14 2,07 16 2,17 25 4,54 56 2,73

De 60 a 80% 1 2,44 1 2,08 6 0,89 9 1,22 8 1,45 25 1,22

Mais de 80% 1 2,44 1 2,08 1 0,15 9 1,22 13 2,36 25 1,22

Total 41 100,00 48 100,00 677 100,00 737 100,00 551 100,00 2054 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 14 34,15 20 41,67 348 51,40 336 45,59 209 37,86 927 45,11

De 20 a 40% 10 24,39 12 25,00 131 19,35 172 23,34 126 22,83 451 21,95

De 40 a 60% 6 14,63 8 16,67 96 14,18 110 14,93 97 17,57 317 15,43

De 60 a 80% 7 17,07 4 8,33 63 9,31 82 11,13 86 15,58 242 11,78

Mais de 80% 4 9,76 4 8,33 39 5,76 37 5,02 34 6,16 118 5,74

Total 41 100,00 48 100,00 677 100,00 737 100,00 552 100,00 2055 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 18 43,90 17 35,42 204 30,13 219 29,72 220 39,86 678 32,99

De 20 a 40% 9 21,95 8 16,67 81 11,96 110 14,93 78 14,13 286 13,92

De 40 a 60% 6 14,63 8 16,67 86 12,70 111 15,06 91 16,49 302 14,70

De 60 a 80% 4 9,76 6 12,50 125 18,46 145 19,67 86 15,58 366 17,81

Mais de 80% 4 9,76 9 18,75 181 26,74 152 20,62 77 13,95 423 20,58

Total 41 100,00 48 100,00 677 100,00 737 100,00 552 100,00 2055 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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323

Tabela 15 – Análise de correlação entre índice de gênero e uso da terra

Composição familiar (índice de gênero)

Todos os pólos Até 0,2 0,2 a 0,4 0,4 a 0,8 0,8 a 1,0 Mais de 1,0 Total

% % % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 61 69,32 91 65,47 969 64,69 120 63,83 99 68,75 1340 65,14

De 5 a 10% 14 15,91 27 19,42 293 19,56 38 20,21 31 21,53 403 19,59

De 10 a 15% 6 6,82 10 7,19 115 7,68 19 10,11 9 6,25 159 7,73

De 15 a 20% 4 4,55 5 3,60 51 3,40 4 2,13 0 0,00 64 3,11

De 20 a 40% 2 2,27 5 3,60 50 3,34 4 2,13 2 1,39 63 3,06

De 40 a 60% 1 1,14 1 0,72 10 0,67 2 1,06 2 1,39 16 0,78

De 60 a 80% 0 0,00 0 0,00 3 0,20 1 0,53 1 0,69 5 0,24

Mais de 80% 0 0,00 0 0,00 7 0,47 0 0,00 0 0,00 7 0,34

Total 88 100,00 139 100,00 1498 100,00 188 100,00 144 100,00 2057 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 60 68,18 101 72,66 1037 69,23 135 71,81 94 65,28 1427 69,37

De 5 a 10% 9 10,23 16 11,51 147 9,81 17 9,04 17 11,81 206 10,01

De 10 a 15% 5 5,68 8 5,76 88 5,87 10 5,32 12 8,33 123 5,98

De 15 a 20% 4 4,55 3 2,16 45 3,00 4 2,13 7 4,86 63 3,06

De 20 a 40% 8 9,09 7 5,04 94 6,28 15 7,98 8 5,56 132 6,42

De 40 a 60% 0 0,00 2 1,44 45 3,00 4 2,13 5 3,47 56 2,72

De 60 a 80% 1 1,14 2 1,44 20 1,34 2 1,06 0 0,00 25 1,22

Mais de 80% 1 1,14 0 0,00 22 1,47 1 0,53 1 0,69 25 1,22

Total 88 100,00 139 100,00 1498 100,00 188 100,00 144 100,00 2057 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 40 45,45 51 36,69 694 46,33 82 43,62 59 40,97 926 45,02

De 20 a 40% 19 21,59 34 24,46 329 21,96 37 19,68 34 23,61 453 22,02

De 40 a 60% 13 14,77 23 16,55 214 14,29 38 20,21 28 19,44 316 15,36

De 60 a 80% 8 9,09 25 17,99 175 11,68 17 9,04 18 12,50 243 11,81

Mais de 80% 8 9,09 6 4,32 86 5,74 14 7,45 5 3,47 119 5,79

Total 88 100,00 139 100,00 1498 100,00 188 100,00 144 100,00 2057 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 42 47,73 46 33,09 496 33,11 55 29,26 40 27,78 679 33,01

De 20 a 40% 8 9,09 30 21,58 203 13,55 29 15,43 16 11,11 286 13,90

De 40 a 60% 7 7,95 22 15,83 214 14,29 30 15,96 28 19,44 301 14,63

De 60 a 80% 10 11,36 23 16,55 262 17,49 44 23,40 26 18,06 365 17,74

Mais de 80% 21 23,86 18 12,95 323 21,56 30 15,96 34 23,61 426 20,71

Total 88 100,00 139 100,00 1498 100,00 188 100,00 144 100,00 2057 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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324

Tabela 16 – Análise de correlação entre tamanho do lote e uso da terra

Tamanho do lote

Todos os pólos Até 5 ha 5 a 10 ha 10 a 50 ha 50 a 100 ha Mais 100 ha Total

% % % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 58 63,04 73 54,07 522 52,30 276 70,95 438 92,02 1367 65,41

De 5 a 10% 2 2,17 18 13,33 260 26,05 89 22,88 37 7,77 406 19,43

De 10 a 15% 3 3,26 17 12,59 121 12,12 18 4,63 1 0,21 160 7,66

De 15 a 20% 5 5,43 9 6,67 47 4,71 3 0,77 0 0,00 64 3,06

De 20 a 40% 6 6,52 13 9,63 43 4,31 1 0,26 0 0,00 63 3,01

De 40 a 60% 6 6,52 5 3,70 4 0,40 1 0,26 0 0,00 16 0,77

De 60 a 80% 4 4,35 0 0,00 0 0,00 1 0,26 0 0,00 5 0,24

Mais de 80% 8 8,70 0 0,00 1 0,10 0 0,00 0 0,00 9 0,43

Total 92 100,00 135 100,00 998 100,00 389 100,00 476 100,00 2090 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 18 19,57 55 40,74 647 64,83 295 75,84 434 91,37 1449 69,36

De 5 a 10% 5 5,43 13 9,63 104 10,42 57 14,65 28 5,89 207 9,91

De 10 a 15% 8 8,70 15 11,11 70 7,01 23 5,91 9 1,89 125 5,98

De 15 a 20% 7 7,61 4 2,96 45 4,51 7 1,80 2 0,42 65 3,11

De 20 a 40% 15 16,30 25 18,52 88 8,82 6 1,54 2 0,42 136 6,51

De 40 a 60% 13 14,13 12 8,89 30 3,01 1 0,26 0 0,00 56 2,68

De 60 a 80% 9 9,78 7 5,19 10 1,00 0 0,00 0 0,00 26 1,24

Mais de 80% 17 18,48 4 2,96 4 0,40 0 0,00 0 0,00 25 1,20

Total 92 100,00 135 100,00 998 100,00 389 100,00 475 100,00 2089 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 63 68,48 61 45,19 341 34,17 158 40,62 319 67,02 942 45,07

De 20 a 40% 14 15,22 25 18,52 215 21,54 111 28,53 92 19,33 457 21,87

De 40 a 60% 4 4,35 29 21,48 189 18,94 62 15,94 39 8,19 323 15,45

De 60 a 80% 5 5,43 13 9,63 173 17,33 42 10,80 15 3,15 248 11,87

Mais de 80% 6 6,52 7 5,19 80 8,02 16 4,11 11 2,31 120 5,74

Total 92 100,00 135 100,00 998 100,00 389 100,00 476 100,00 2090 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 80 86,96 109 80,74 426 42,69 52 13,37 23 4,83 690 33,01

De 20 a 40% 7 7,61 12 8,89 177 17,74 61 15,68 34 7,14 291 13,92

De 40 a 60% 4 4,35 8 5,93 172 17,23 74 19,02 49 10,29 307 14,69

De 60 a 80% 1 1,09 4 2,96 116 11,62 111 28,53 137 28,78 369 17,66

Mais de 80% 0 0,00 2 1,48 107 10,72 91 23,39 233 48,95 433 20,72

Total 92 100,00 135 100,00 998 100,00 389 100,00 476 100,00 2090 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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325

Tabela 17 – Análise de correlação entre titularidade do lote e uso da terra

Titularidade do lote

Todos os pólos Não regularizado Regularizado Total

% % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 888 62,40 461 72,60 1349 65,55

De 5 a 10% 286 20,10 112 17,64 398 19,34

De 10 a 15% 129 9,07 28 4,41 157 7,63

De 15 a 20% 47 3,30 16 2,52 63 3,06

De 20 a 40% 48 3,37 14 2,20 62 3,01

De 40 a 60% 14 0,98 1 0,16 15 0,73

De 60 a 80% 3 0,21 2 0,31 5 0,24

Mais de 80% 8 0,56 1 0,16 9 0,44

Total 1423 100,00 635 100,00 2058 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 1023 71,94 406 63,94 1429 69,47

De 5 a 10% 136 9,56 66 10,39 202 9,82

De 10 a 15% 75 5,27 48 7,56 123 5,98

De 15 a 20% 38 2,67 26 4,09 64 3,11

De 20 a 40% 74 5,20 59 9,29 133 6,47

De 40 a 60% 36 2,53 19 2,99 55 2,67

De 60 a 80% 23 1,62 3 0,47 26 1,26

Mais de 80% 17 1,20 8 1,26 25 1,22

Total 1422 100,00 635 100,00 2057 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 687 48,28 247 38,90 934 45,38

De 20 a 40% 308 21,64 140 22,05 448 21,77

De 40 a 60% 201 14,13 115 18,11 316 15,35

De 60 a 80% 145 10,19 98 15,43 243 11,81

Mais de 80% 82 5,76 35 5,51 117 5,69

Total 1423 100,00 635 100,00 2058 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 478 33,59 199 31,34 677 32,90

De 20 a 40% 181 12,72 107 16,85 288 13,99

De 40 a 60% 208 14,62 91 14,33 299 14,53

De 60 a 80% 246 17,29 118 18,58 364 17,69

Mais de 80% 310 21,78 120 18,90 430 20,89

Total 1423 100,00 635 100,00 2058 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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326

Tabela 18 – Análise de correlação entre acesso ao crédito rural e uso da terra

Acesso ao crédito rural

Todos os pólos Sem acesso Pronaf FNO Outros tipos Total

% % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 485 62,50 345 55,74 224 79,43 202 74,26 1256 64,44

De 5 a 10% 145 18,69 155 25,04 39 13,83 43 15,81 382 19,60

De 10 a 15% 62 7,99 72 11,63 10 3,55 12 4,41 156 8,00

De 15 a 20% 28 3,61 27 4,36 4 1,42 3 1,10 62 3,18

De 20 a 40% 39 5,03 13 2,10 4 1,42 7 2,57 63 3,23

De 40 a 60% 8 1,03 4 0,65 0 0,00 4 1,47 16 0,82

De 60 a 80% 5 0,64 0 0,00 0 0,00 0 0,00 5 0,26

Mais de 80% 4 0,52 3 0,48 1 0,35 1 0,37 9 0,46

Total 776 100,00 619 100,00 282 100,00 272 100,00 1949 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 530 68,30 439 70,92 187 66,31 177 65,31 1333 68,43

De 5 a 10% 61 7,86 73 11,79 31 10,99 24 8,86 189 9,70

De 10 a 15% 46 5,93 37 5,98 26 9,22 10 3,69 119 6,11

De 15 a 20% 26 3,35 20 3,23 5 1,77 14 5,17 65 3,34

De 20 a 40% 59 7,60 28 4,52 24 8,51 25 9,23 136 6,98

De 40 a 60% 27 3,48 14 2,26 5 1,77 9 3,32 55 2,82

De 60 a 80% 11 1,42 5 0,81 2 0,71 8 2,95 26 1,33

Mais de 80% 16 2,06 3 0,48 2 0,71 4 1,48 25 1,28

Total 776 100,00 619 100,00 282 100,00 271 100,00 1948 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 475 61,21 160 25,85 103 36,52 125 45,96 863 44,28

De 20 a 40% 124 15,98 170 27,46 81 28,72 46 16,91 421 21,60

De 40 a 60% 74 9,54 132 21,32 51 18,09 45 16,54 302 15,50

De 60 a 80% 75 9,66 101 16,32 38 13,48 33 12,13 247 12,67

Mais de 80% 28 3,61 56 9,05 9 3,19 23 8,46 116 5,95

Total 776 100,00 619 100,00 282 100,00 272 100,00 1949 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 276 35,57 256 41,36 48 17,02 101 37,13 681 34,94

De 20 a 40% 84 10,82 121 19,55 43 15,25 35 12,87 283 14,52

De 40 a 60% 80 10,31 113 18,26 52 18,44 37 13,60 282 14,47

De 60 a 80% 130 16,75 78 12,60 81 28,72 38 13,97 327 16,78

Mais de 80% 206 26,55 51 8,24 58 20,57 61 22,43 376 19,29

Total 776 100,00 619 100,00 282 100,00 272 100,00 1949 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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327

Tabela 19 – Análise de correlação entre renda familiar anual e uso da terra

Renda monetária familiar anual

Todos os Pólos

(exceto Rio Capim)

Sem informação Até R$ 100,00 De R$ 100,00 a

R$ 200,00

De 200,00 a

R$ 500,00

De R$ 500 a

R$ 1.000,00

De R$ 1.000,00

a R$ 2.000,00

% % % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005) Até 5% 17 77,27 7 100,0 2 40,00 14 56,00 31 49,21 17 77,27

De 5 a 10% 3 13,64 0 0,00 3 60,00 6 24,00 14 22,22 3 13,64

De 10 a 15% 2 9,09 0 0,00 0 0,00 3 12,00 10 15,87 2 9,09

De 15 a 20% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 4,00 4 6,35 0 0,00

De 20 a 40% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 4,00 4 6,35 0 0,00

De 40 a 60% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00

De 60 a 80% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00

Mais de 80% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00

Total 22 100,0 7 100,0 5 100,0 25 100,0 63 100,0 22 100,0

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005) Até 5% 16 72,73 6 85,71 5 100,0 21 84,00 50 79,37 16 72,73

De 5 a 10% 3 13,64 1 14,29 0 0,00 2 8,00 8 12,70 3 13,64

De 10 a 15% 1 4,55 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 1,59 1 4,55

De 15 a 20% 1 4,55 0 0,00 0 0,00 0 0,00 2 3,17 1 4,55

De 20 a 40% 1 4,55 0 0,00 0 0,00 1 4,00 1 1,59 1 4,55

De 40 a 60% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 1,59 0 0,00

De 60 a 80% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 4,00 0 0,00 0 0,00

Mais de 80% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00

Total 22 100,0 7 100,0 5 100,0 25 100,0 63 100,0 22 100,0

Classes de porcentagem de campos abertos (2005) Até 20% 9 40,91 4 57,14 1 20,00 8 32,00 18 28,57 9 40,91

De 20 a 40% 5 22,73 1 14,29 4 80,00 5 20,00 19 30,16 5 22,73

De 40 a 60% 6 27,27 2 28,57 0 0,00 4 16,00 17 26,98 6 27,27

De 60 a 80% 2 9,09 0 0,00 0 0,00 3 12,00 7 11,11 2 9,09

Mais de 80% 0 0,00 0 0,00 0 0,00 5 20,00 2 3,17 0 0,00

Total 22 100,0 7 100,0 5 100,0 25 100,0 63 100,0 22 100,0

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 5 22,73 0 0,00 1 20,00 13 52,00 23 36,51 5 22,73

De 20 a 40% 3 13,64 1 14,29 1 20,00 0 0,00 10 15,87 3 13,64

De 40 a 60% 7 31,82 2 28,57 0 0,00 5 20,00 11 17,46 7 31,82

De 60 a 80% 2 9,09 1 14,29 2 40,00 4 16,00 9 14,29 2 9,09

Mais de 80% 5 22,73 3 42,86 1 20,00 3 12,00 10 15,87 5 22,73

Total 22 100,0 7 100,0 5 100,0 25 100,0 63 100,0 22 100,0

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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328

Tabela 19 – Análise de correlação entre renda familiar anual e uso da terra (continuação)

Renda familiar anual

Todos os Pólos

(exceto Rio Capim)

De R$ 2.000,00

a R$ 6.000,00

De 6.000,00 a

R$ 10.000,00

De R$ 10.000,00

a R$ 20.000,00

Mais de

R$ 20.000,00

Total

% % % % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005) Até 5% 360 62,83 278 72,97 279 80,64 110 80,29 1189 68,41

De 5 a 10% 131 22,86 51 13,39 33 9,54 14 10,22 304 17,49

De 10 a 15% 47 8,20 24 6,30 13 3,76 3 2,19 114 6,56

De 15 a 20% 15 2,62 10 2,62 6 1,73 4 2,92 53 3,05

De 20 a 40% 9 1,57 13 3,41 9 2,60 3 2,19 48 2,76

De 40 a 60% 5 0,87 2 0,52 4 1,16 1 0,73 16 0,92

De 60 a 80% 1 0,17 0 0,00 2 0,58 2 1,46 5 0,29

Mais de 80% 5 0,87 3 0,79 0 0,00 0 0,00 9 0,52

Total 573 100,0 381 100,0 346 100,0 137 100,0 1738 100,0

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005) Até 5% 440 76,92 230 60,37 184 53,18 60 43,80 1161 66,84

De 5 a 10% 52 9,09 39 10,24 36 10,40 18 13,14 173 9,96

De 10 a 15% 26 4,55 26 6,82 36 10,40 11 8,03 109 6,28

De 15 a 20% 18 3,15 15 3,94 15 4,34 7 5,11 62 3,57

De 20 a 40% 16 2,80 44 11,55 39 11,27 23 16,79 126 7,25

De 40 a 60% 11 1,92 14 3,67 21 6,07 8 5,84 56 3,22

De 60 a 80% 2 0,35 9 2,36 7 2,02 4 2,92 25 1,44

Mais de 80% 7 1,22 4 1,05 8 2,31 6 4,38 25 1,44

Total 572 100,0 381 100,0 346 100,0 137 100,0 1737 100,0

Classes de porcentagem de campos abertos (2005) Até 20% 225 39,27 157 41,21 119 34,39 41 29,93 647 37,23

De 20 a 40% 148 25,83 87 22,83 71 20,52 25 18,25 424 24,40

De 40 a 60% 103 17,98 64 16,80 59 17,05 23 16,79 306 17,61

De 60 a 80% 56 9,77 51 13,39 69 19,94 34 24,82 242 13,92

Mais de 80% 41 7,16 22 5,77 28 8,09 14 10,22 119 6,85

Total 573 100,0 381 100,0 346 100,0 137 100,0 1738 100,0

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 194 33,86 155 40,68 147 42,49 74 54,01 669 38,49

De 20 a 40% 78 13,61 58 15,22 59 17,05 24 17,52 265 15,25

De 40 a 60% 95 16,58 37 9,71 37 10,69 16 11,68 239 13,75

De 60 a 80% 96 16,75 62 16,27 42 12,14 10 7,30 268 15,42

Mais de 80% 110 19,20 69 18,11 61 17,63 13 9,49 297 17,09

Total 573 100,0 381 100,0 346 100,0 137 100,0 1738 100,0

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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329

Tabela 20 – Análise de correlação entre acesso ao transporte e uso da terra

Acesso ao transporte para escoar a produção

Todos os pólos Não tem Tem Total

% % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 225 53,70 356 60,03 581 57,41

De 5 a 10% 113 26,97 141 23,78 254 25,10

De 10 a 15% 47 11,22 52 8,77 99 9,78

De 15 a 20% 13 3,10 24 4,05 37 3,66

De 20 a 40% 16 3,82 16 2,70 32 3,16

De 40 a 60% 4 0,95 3 0,51 7 0,69

De 60 a 80% 1 0,24 1 0,17 2 0,20

Total 419 100,00 593 100,00 1012 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 304 72,55 431 72,68 735 72,63

De 5 a 10% 50 11,93 81 13,66 131 12,94

De 10 a 15% 18 4,30 39 6,58 57 5,63

De 15 a 20% 14 3,34 9 1,52 23 2,27

De 20 a 40% 20 4,77 18 3,04 38 3,75

De 40 a 60% 5 1,19 9 1,52 14 1,38

De 60 a 80% 6 1,43 4 0,67 10 0,99

Mais de 80% 2 0,48 2 0,34 4 0,40

Total 419 100,00 593 100,00 1012 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 269 64,20 165 27,82 434 42,89

De 20 a 40% 68 16,23 182 30,69 250 24,70

De 40 a 60% 42 10,02 137 23,10 179 17,69

De 60 a 80% 33 7,88 73 12,31 106 10,47

Mais de 80% 7 1,67 36 6,07 43 4,25

Total 419 100,00 593 100,00 1012 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 84 20,05 158 26,64 242 23,91

De 20 a 40% 46 10,98 89 15,01 135 13,34

De 40 a 60% 75 17,90 127 21,42 202 19,96

De 60 a 80% 93 22,20 139 23,44 232 22,92

Mais de 80% 121 28,88 80 13,49 201 19,86

Total 419 100,00 593 100,00 1012 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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330

Tabela 21 – Análise de correlação entre acesso à energia elétrica e uso da terra

Acesso à energia elétrica para beneficiar a produção

Todos os pólos Não tem Tem Total

% % %

Classes de porcentagem de culturas anuais (2005)

Até 5% 297 55,31 145 57,54 442 56,02

De 5 a 10% 138 25,70 62 24,60 200 25,35

De 10 a 15% 61 11,36 22 8,73 83 10,52

De 15 a 20% 16 2,98 15 5,95 31 3,93

De 20 a 40% 18 3,35 6 2,38 24 3,04

De 40 a 60% 5 0,93 2 0,79 7 0,89

De 60 a 80% 2 0,37 0 0,00 2 0,25

Total 537 100,00 252 100,00 789 100,00

Classes de porcentagem de culturas perenes (2005)

Até 5% 418 77,84 155 61,51 573 72,62

De 5 a 10% 68 12,66 29 11,51 97 12,29

De 10 a 15% 21 3,91 21 8,33 42 5,32

De 15 a 20% 10 1,86 11 4,37 21 2,66

De 20 a 40% 11 2,05 18 7,14 29 3,68

De 40 a 60% 7 1,30 7 2,78 14 1,77

De 60 a 80% 2 0,37 7 2,78 9 1,14

Mais de 80% 0 0,00 4 1,59 4 0,51

Total 537 100,00 252 100,00 789 100,00

Classes de porcentagem de campos abertos (2005)

Até 20% 248 46,18 54 21,43 302 38,28

De 20 a 40% 129 24,02 71 28,17 200 25,35

De 40 a 60% 88 16,39 60 23,81 148 18,76

De 60 a 80% 44 8,19 55 21,83 99 12,55

Mais de 80% 28 5,21 12 4,76 40 5,07

Total 537 100,00 252 100,00 789 100,00

Classes de porcentagem de reserva legal (2005)

Até 20% 112 20,86 115 45,63 227 28,77

De 20 a 40% 62 11,55 57 22,62 119 15,08

De 40 a 60% 87 16,20 55 21,83 142 18,00

De 60 a 80% 140 26,07 19 7,54 159 20,15

Mais de 80% 136 25,33 6 2,38 142 18,00

Total 537 100,00 252 100,00 789 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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331

7.3.5. Tipologias – aspectos gerais da transição produtiva

A elaboração de tipologias é pertinente para a compreensão das distintas formas

e condições de diversificação produtiva desenvolvidas pela agricultura familiar, garantindo-

se a compatibilidade entre a análise histórica e a análise de tipologias ideais nos sentidos

econômico e cultural.

Costa (2000d) critica a noção de que a agricultura familiar apenas “amansa” a

terra e prepara o terreno para as fazendas de gado e os plantios de commodities exportáveis

de grande escala que se seguem na fronteira agrícola. Nessa perspectiva, são reproduzidas

as formas de evolução da fronteira agrícola em que as frentes da agricultura familiar em

sistema de corte e queima esgotam suas possibilidades em uma área para, em seguida, se

reproduzir em outra, sendo substituída nas áreas antigas por formas capitalistas de

produção, as quais, ao assimilar o trabalho ali incorporado, procede uma nova “acumulação

primitiva”. Nessa lógica, no entanto, os limites na formação de capital mostram-se

absolutos ao bloquear processos de mudanças e inovações que rompem com os padrões da

agricultura familiar itinerante de pousio longo.

Para Neves (1995), as análises da agricultura familiar que se fundamentam

somente em processos de descontinuidade seguidos de processos de estabelecimento da

agricultura patronal são submissas a uma perspectiva de raciocínio dualista, simplista e

insuficiente para o entendimento da complexidade do desenvolvimento rural. A

contraposição, por vezes, dos modelos de produção familiar e patronal é tão acentuada que

o conhecimento de um tipo pressupõe a caricatura do outro, ou o completo

desconhecimento da agricultura familiar como forma específica de organização da

produção.

Se houver crescimento da quantidade de trabalho (pelo amadurecimento dos

filhos à idade economicamente ativa) e de demanda de consumo numa proporção superior à

rentabilidade da terra, pode ocorrer a migração da família (ou parte dela, geralmente as

gerações mais novas) para uma nova fronteira agrícola. Mas a saída da família do lote não

significa um fracasso, e sim parte de uma estratégia de acumulação. Outra condição é dada

pelo preço da terra, que se ultrapassarem os custos de oportunidade do trabalho pode ser

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332

vendida para produtores patronais ou familiares capitalizados, configurando uma dinâmica

de concentração de ativos de qualquer economia capitalista.

Mas como demonstra Carvalho (2000), em correta oposição à idéia de que a

agricultura familiar apenas cumpre papel de “amansar” a terra, desde a década de 80,

processos alternativos de inovação tecnológica e de mudanças qualitativas de uso da terra

vem ocorrendo na agricultura familiar da Amazônia brasileira. Há um esforço claro do setor

de produção familiar rural de romper o padrão de itinerância interna e externa por meio de

reordenação de sua base produtiva. Os dados da autora ainda revelam que aos sistemas de

produção mais complexos correspondem os níveis de renda mais elevados.

Mas o que explica o fato das famílias rurais terem empreendido esforços de

mudanças, contrariando as previsões de itinerância externa da agricultura familiar ou de

colapso inevitável das estruturas familiares e sua absorção por estruturas capitalistas? A

crise gerada pelos limites na combinação dos ativos de terra, trabalho e capital levou as

famílias rurais a buscarem saídas em novas atividades além do sistema de corte e queima,

como cultivos perenes e abertura de campos para introdução de pastagens. Ademais, outras

variáveis econômicas e não econômicas também tiveram importância e distinguiram as

famílias rurais na disposição para as mudanças no uso da terra, sendo que elas se dividem

em grupos de variáveis internas e externas (Carvalho, 2000).

As variáveis internas que fundamentam as mudanças de uso da terra das famílias

rurais referem-se às suas origens culturais (que advém, de certo modo, de suas diferentes

origens geográficas), às suas trajetórias de vida, às suas faixas etárias, às suas capacidades

internas de trabalho, às suas formas de organização para o trabalho e aos níveis de

escolaridade dos componentes das famílias (que, caracteristicamente, potencializam a

organização do trabalho e o planejamento da transição produtiva). As variáveis externas são

aquelas desencadeadas por instituições públicas, de classe e comunitárias, e que envolvem

acesso às técnicas e tecnologias agrícolas, ao crédito rural, à infra-estrutura, aos serviços

públicos básicos e às formas coletivas de organização do trabalho, além de condicionantes

locacionais e ambientais.

A seqüência típica de consolidação da agricultura familiar se consistiu numa

passagem gradual – mais rápida em algumas regiões do que em outras – de métodos

extensivos para métodos intensivos de uso da terra. Quando o pousio é encurtado, ou

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333

mesmo eliminado, em um dado território, outros métodos de preservação ou recuperação da

fertilidade do solo têm de ser introduzidos, sendo a implementação de sistemas

agroflorestais um exemplo bastante representativo da agricultura familiar amazônica.

Existe, portanto, relação íntima entre sistema de pousio e técnicas para fertilização, pois no

sistema de pousio longo, as cinzas deixadas pela queimada da floresta são suficientes para

assegurar boas colheitas, enquanto no sistema de pousio curto, a fertilização ocorre,

principal ou totalmente, à base de excrementos animais, dejetos domésticos, adubação

verde, aplicação de compostos e reciclagem de nutrientes na parte aérea de sistemas

agroflorestais. Portanto, a passagem de um sistema de pousio para outro permanente é parte

de um padrão complexo de mudanças ao envolver também alterações das proporções de

variáveis, substituição de instrumentos e novos métodos.

Em geral, os agricultores familiares que subsistem no sistema de pousio são

mais primitivos em seus modos de vida do que aqueles que usam métodos de produção

intensivos. Fica-se pois tentado a concluir que o produto por homem-hora é

necessariamente reduzido sob o sistema de pousio longo, mas a realidade, entretanto,

demonstra que quando os períodos de pousio encurtam, vegetação arbustiva, e não mais

floresta primária, tem de ser derrubada para a implantação de culturas anuais, o que

demanda árduo trabalho fisiológico para revolvimento de terra com enxada e capinas

periódicas. Assim, o trabalho adicional decorrente dessas operações é maior do que o

trabalho poupado em virtude de que arbustos, e não árvores, estão sendo derrubados. É

notório que os agricultores familiares preferem recorrer à derrubada da mata virgem – uma

tarefa muito mais fácil do que a abertura da floresta secundária – a ter de limpar campos

cerrados. Além disso, é provável que a produção inicial por hectares decline

consideravelmente. Existem, portanto, fortes indicações a favor da suposição de que a

transição do sistema de pousio longo para o de pousio curto acompanha-se do declínio

inicial da produtividade do trabalho e da produtividade da terra (pelo menos no início da

transição), afinal, há cada vez menos cinzas para fertilizar os novos ciclos produtivos.

O sistema de produção familiar caracterizado por cultivos diversificados de

espécies anuais e perenes somados à pecuária, uma sábia combinação de diferentes

técnicas, foi aperfeiçoado ao longo do tempo até atingir um equilíbrio numa relação

específica entre um grande número de atividades agrícolas e de criação animal. Os estudos

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334

sobre sociedades rurais camponesas tradicionais mostram que a evolução desses sistemas

pode ser percebida através do esforço de aperfeiçoar a diversidade produtiva, seja pela

introdução de novas culturas até a supressão do pousio, seja pelo aprofundamento da

relação entre as culturas agrícolas e as atividades pecuárias efetuadas no estabelecimento

(Wanderley, 2001). De forma adicional, Futemma & Brondízio (2003) registram que nos

primeiros anos de um projeto de colonização, os agricultores familiares priorizam

investimentos em cultivos anuais e pastagens no lugar de cultivos perenes, dada a

necessidade de rápidos retornos econômicos, riscos no direito de posse da terra, baixa

disponibilidade de capital e restrição de trabalho. Ademais, os cultivos anuais preparam a

terra para futura introdução de novas pastagens e cultivos perenes.

O presente estudo segue a classificação tipológica traçada por Romeiro (1998a).

No início da ocupação do lote, as lavouras anuais de subsistência (tipo 1: roça pura) têm o

papel de preparar o terreno para a abertura e ampliação futura das áreas de pastagens e

criação de animais de grande porte (tipo 2: roça + gado), o que resulta num processo

contínuo de desvalorização da floresta primária (diminuição da reserva legal; substituição

da caça como fonte de proteína animal pela pecuária domesticada). A criação de gado

também cumpre papel fundamental na estratégia de acumulação, pois proporciona

rendimento mais estável e superior às culturas anuais, e além disso, com sua alta liquidez e

relativa facilidade de transporte em curtas distâncias (pois o gado se transporta),

transforma-se numa “poupança viva”. Anos depois, a alternativa deve ser o investimento

em culturas perenes (tipo 4: roça + gado + culturas perenes), porém, o alto investimento

necessário, a quantidade de horas demandadas e o longo prazo para viabilização econômica

esbarram no baixo capital de giro disponível e na baixa capacidade de trabalho dos lotes.

Assim, a passagem do tipo 2 para o tipo 4 se viabiliza mais facilmente se houver aporte de

recursos externos originados de políticas de crédito rural sob condições adequadas de

carência, prazos de amortização e taxas de juros, caso contrário, a família permanece no

tipo 2 ou estabelece processos mais gradativos para o tipo 4. Trajetória diferente pode

ocorrer em lotes de tamanho muito reduzido, que como têm na pecuária familiar uma

atividade economicamente inviável, transitam diretamente do tipo 1 ao tipo 3 (roça +

culturas perenes) por meio de complementação do sistema de cultivos anuais com cultivos

perenes. E se houver esgotamento das capoeiras e impossibilidade de convivência entre

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335

culturas anuais e gado (tipo 2), a família pode optar pelo tipo 5 (pecuária extensiva),

enquanto outras aderem diretamente ao tipo 5 em pouco tempo de ocupação do lote (0-5

anos) devido ao seu perfil pecuário familiar.

Ainda conforme Romeiro (1998a), em regiões de fronteira agrícola, o gado é

parte indispensável de um sistema de produção minimamente viável, pois não é possível

contar com a venda regular e a preços estáveis da “lavouras brancas” (culturas anuais).

Dessa forma, o agricultor familiar introduz a roça (tipo 1) dimensionada de acordo com a

disponibilidade de mão-de-obra da família, para em seguida iniciar o trabalho de

implantação de pastagens (tipo 2). As demandas da pecuária distribuem-se melhor ao longo

do calendário agrícola, o que pode dispensar a venda externa da força de trabalho, antes

compensada pela baixa lucratividade dos cultivos anuais. Durante os primeiros anos, no

entanto, os pastos implantados podem não ser utilizados, pois inexiste disponibilidade

monetária para a montagem de cercas, o que pode resultar no aluguel de pastos ou na

prática da “meia” para a capitalização gradativa do lote. O pasto é instalado na área da

mandioca recém-colhida (1 a 4 hectares, que dentro de uma proposta de manejo sustentável

deveria ser posteriormente abandonada para a regeneração da capoeira), sendo usados o

capim quicuio (Brachiaria humidicola) e/ou braquiarão (Brachiaria brizantha), aptos para

condições de inverno e verão, respectivamente.

O segundo processo de capitalização vem com a introdução de culturas perenes

facilitada pela disponibilidade de financiamento rural, ainda que não apareça em todos os

casos como condição sine qua non. Mas de modo geral, os sistemas mais diversificados

(tipo 4) são implantados por produtores familiares com trajetória de acumulação

relativamente bem sucedida à base de lavouras de ciclo curto (tipo 1) ou da composição

lavoura e pecuária (tipo 2), que somados ao seus sucessos individuais, podem aproveitar a

oportunidade oferecida pelo acesso ao crédito rural e à infra-estrutura de transporte e

energia elétrica e introduzirem, simultaneamente, gado e culturas perenes. Já em zonas de

acesso difícil, a pecuária extensiva (tipo 5) aparece praticamente como a única alternativa

de obtenção de renda monetária, sendo os meses de inverno (entressafra) dedicados a

trabalhos como implantação e reforma de cercas e melhoria da qualidade das pastagens.

Outra alternativa em regiões com condições precárias de infra-estrutura, como não acesso

ao transporte e à energia elétrica, e com lotes de dimensões reduzidas, é a introdução de

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336

cultivos perenes nas áreas de capoeiras abandonadas para o ciclo de cultivo de anuais em

sistema de corte e queima (tipo 3). Vale a ressalva que, em geral, as culturas perenes nos

tipos 3 e 4 se diferenciam, sendo no primeiro caso mais voltada para subsistência e no

segundo com fins comerciais.

Para a transição tipológica de uso da terra e dos recursos naturais que conferem

processos de capitalização, foi assumido como hipótese específica que o atendimento aos

princípios de uso econômico e ecológico da terra do Proambiente vem de famílias com

acesso ao crédito rural e acesso às infra-estruturas de transporte para escoamento e energia

elétrica para beneficiamento da produção.

Pichón (1996) observou em seu estudo, apoiado nos índices de Chayanov

(1923), que muitos colonos praticavam sistema misto de plantas anuais, perenes e pecuária

(tipo 4) como forma de intensificar o uso da terra. Primeiramente, mais terras eram

convertidas em pastagens, para em seguida serem introduzidas espécies frutíferas, ao passo

que a área destinada ao cultivo de plantas anuais mantinha-se relativamente estável.

Assim, o maior equilíbrio e estabilidade convergem para propriedades

diversificadas em culturas anuais, culturas perenes e criações de animais, com manejo de

pastagens na última atividade, isto é, estruturadas de modo a findar a ocupação de

pastagens em áreas de pousio, que devem ser destinadas, de fato, para o crescimento de

capoeira que, posteriormente, cumpram em parte a função de adubação natural do solo para

plantio de culturas anuais, e noutra parte para serem enriquecidas com espécies perenes de

valor econômico, numa harmonia entre os três tipos de uso da terra que configura o tipo 4.

Com esse processo, há a viabilização econômica da produção de forma integrada à

preservação de reservas florestais primárias.

Nesse sentido, ao se cruzar tempo de ocupação do lote, tipologias de uso de

terra e processos de capitalização familiar, de forma geral (sem desconsiderar as

exceções), é possível traçar a seguinte associação: o tipo 1 encampa agricultores

descapitalizados, locados em nova fronteira agrícola e que têm a mandioca como principal

fonte de renda monetária, sendo que o perfil estocável do produto o faz também cumprir

papel de poupança; o tipo 2 abrange agricultores descapitalizados e agricultores com

perspectivas ou em via de capitalização, lotados em nova fronteira agrícola e que têm o

gado de corte como principal fonte de renda monetária, sendo que onde há acesso ao

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337

transporte para escoamento de produção, a introdução do gado também pode incrementar o

sistema de produção de culturas anuais; o tipo 3 é caracterizado por agricultores com

perspectivas ou em via de capitalização, assentados tanto em nova fronteira agrícola como

em regiões mais consolidadas, e que têm os cultivos perenes como principal fonte de renda

monetária, sendo que sua introdução se dá em áreas de pousio anteriormente cultivadas

com culturas anuais, numa estratégia de enriquecimento de capoeiras; o tipo 4 apresenta

agricultores capitalizados, de fronteiras mais consolidadas e que não tem um produto

específico como principal fonte de renda monetária devido à adesão aos sistemas

diversificados (ou se tiver, este varia regionalmente), sendo que a capacidade de trabalho

do lote e os incentivos fiscais, principalmente associados ao crédito rural, cumprem papel

importante na introdução da pecuária e cultivos perenes; o tipo 5 notabiliza-se por

agricultores capitalizados e agricultores com perspectivas ou em via de capitalização,

localizados em nova fronteira agrícola ou em regiões mais consolidadas, e com maiores

extensões de terra (Romeiro, 1998a; Brondízio et al, 2009b; figura 22).

Os dados do presente estudo são similares aos encontrados por Romeiro (1998a)

e Brondízio et al (2009b). O tipo 1 registra lotes principalmente com tempo de ocupação de

0-5 anos e rendas baixas, o tipo 3 sobretudo com tempo de ocupação de 0-5 anos (embora

não sejam desprezíveis tempos mais longos) e rendas intermediárias, e o tipo 5 mais

comumente com tempo de ocupação de 0-5 anos e rendas intermediárias. Já o tipo 2

apresenta evolução crescente do número de lotes ao longo do tempo e rendas intermediárias

para altas, enquanto o tipo 4 se notabiliza em lotes com tempo de ocupação entre 5-10 e 10-

20 anos e rendas mais altas (Tabelas 42 e 43).

Portanto, o tempo de ocupação do lote é uma variável independente importante

para a tipologia de uso da terra, não somente devido a evolução da composição familiar e

aumento de sua capacidade de trabalho, mas também porque consolida, gradativamente, o

processo de capitalização conforme se desencadeia a diversificação produtiva, processo

mesmo que se catalisa profundamente quando há acesso a fontes externas de capital (ex:

crédito rural, infra-estrutura de transporte e energia, programas governamentais de

transferência de renda, previdência rural e renda extra não agrícola).

O que determina se os agricultores familiares aceitarão ou não uma inovação se

relaciona com variações culturais e com a rentabilidade econômica (medida também pela

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338

capacidade de trabalho da unidade de produção). A despeito da idéia de que os agricultores

familiares estão sujeitos a várias formas de restrições culturais que os tornam incapazes de

responder aos incentivos econômicos, em estudos com leitura social mais acurada há a

aceitação de que essas populações rurais têm perfeita cognição sobre a rentabilidade

econômica (ou custo-benefício) do que se propõe de novo para o uso da terra. Portanto, o

problema da aceitação (ou a base da decisão) também é econômica, e não somente cultural,

pois com baixa produtividade marginal do trabalho, muitas vezes um novo investimento ou

uma inovação podem não ser economicamente compensados ou exigir a tomada de capital

tão alto que gera incerteza no investimento. O que na aparência pode aparentar valores

culturais, na essência é uma correta leitura econômica da baixa produtividade marginal do

trabalho.

Como frisa Schultz (1965), o conceito de agricultura tradicional ou familiar

implica rotinas há muito estabelecidas, portanto, a introdução de uma inovação significa um

rompimento com o passado e incertezas futuras até então desconhecidos no presente. Por

esta razão, não basta somente a adoção das inovações, mas também o aprendizado com as

experiências dentro de cada contexto cultural. Logo, a aceitação de um agricultor ao

processo inovador, cada qual dentro de sua realidade sociocultural e anseios futuros, irá

também depender do custo-benefício da mudança de uso da terra.

Tax (1963), no estudo Penny Capitalism, ao abordar a região agrícola de

Panajachel, Guatemala, simplifica demasiadamente sua interpretação sobre as variáveis de

uso da terra quando considera aquela sociedade como capitalista em escala microscópica,

onde “não há máquinas, nem fábricas, nem cooperativas, nem empresas; cada homem

constitui seu próprio empreendimento e trabalha duramente para si mesmo; dinheiro existe,

em pequenas quantidades; existe também comércio, com o que cada homem pode carregar

em suas costas; empresários independentes, mercado impessoal, competição, tudo existe na

economia rural”. Com essa abordagem, o autor negligencia um ponto extremamente

característico da vida comunitária rural, que são os laços informais de confiança (com

mercado nem sempre impessoal), trocas de diárias e ajuda mútua em processos de

conhecimento, que descaracterizam a típica competição capitalista e que se formam dentro

de cada contexto sócio-cultural específico.

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Hopper (1957), ao estudar o povoado agrícola de Senapur, Índia, discute a

maneira como os comunitários usam a terra, os recursos naturais e os materiais. As técnicas

seculares foram refinadas e apuradas por incontáveis anos de experiência, e cada geração

parece ter tido os seus experimentadores, os quais acrescentaram práticas e materiais

inovadores, desenvolvendo assim os conhecimentos da comunidade. Modos de lavrar,

rotação de culturas, cruzamentos genéticos, técnicas de irrigação e habilidades para

adaptação às desvantagens da energia deficiente e dos materiais de qualidade inferior, tudo

atesta uma herança cultural ricamente dotada de sabedoria empírica. Esse comportamento

leva o autor concluir que o povo de Senapur compreende em toda a sua extensão o

potencial econômico dos seus recursos naturais, o que resulta em modos de uso da terra e

de escolha compatível dos recursos materiais. Ademais, é comum o intercâmbio para

conhecimento coletivo do meio, algo desconsiderado por Tax (1963).

A análise dos resultados do presente estudo quanto a relação entre origem do

chefe de família e tipologias de uso da terra toma o devido cuidado para não dar um

enfoque determinista, mas ao contrário, demonstra que existe uma forte associação entre

ambos, e sendo assim, sugere que avaliações além das econômicas, sobretudo com enfoque

socioculturais, necessitam ser realizadas de modo a respeitar e valorizar as diferentes

formas que agricultores familiares de diferentes origens fazem uso da terra e dos recursos

naturais. Os resultados demonstram, de forma estatisticamente representativa, que somente

agricultores familiares originados do Norte e Nordeste permanecem nos tipos 1, 2, 3 e 5. O

tipo 1 gira em torno de um décimo dos lotes de nordestinos (10,40%) e nortistas (8,81%), o

tipo 2 é o segundo mais freqüente para ambas origens (27,52% e 26,922%,

respectivamente), o tipo 3 tem presença significativamente maior, quase o quíntuplo do

percentual de lotes, de famílias amazônicas (20,37% versus 4,40%), e o tipo 5 tem quase o

dobro de nordestinos (3,42% versus 6,06%). No entanto, o tipo 4 é o mais freqüente para os

originários do Norte e Nordeste, mas em percentual inferior de lotes, 38,89% e 53,21%,

respectivamente, aos agricultores familiares oriundos do Centro-Oeste (71,93%), Sudeste

(72,03%) e Sul (84,50%). Assim, os processos de capitalização demonstram-se mais lentos

nos lotes de produtores familiares originários de regiões de maior depressão econômica. Os

dados também evidenciam que o perfil produtivo dos nordestinos se assemelha mais ao dos

produtores familiares do Centro-Oeste, Sudeste e Sul, mas com trajetória entre tipologias e

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processos de capitalização mais lentos, enquanto os lotes dos amazônicos são mais voltados

para o extrativismo de produtos florestais madeireiros e não madeireiros (Tabelas 42 e 43).

Os resultados revelam, portanto, a necessidade de se estimular a intensificação produtiva

nos lotes de nordestinos e de se reconhecer oficialmente e incentivar modos particulares de

uso da terra nos lotes dos amazônicos.

Perz & Walker (2002) traçam uma seqüência entre tempo de ocupação do lote,

índice de geração e uso da terra. Os autores classificam como estágio I (tempo de

ocupação do lote inferior a 5 anos) aquele que envolve pais jovens, crianças pequenas,

baixa demanda de consumo e baixa capacidade de trabalho, o que determina o cultivo de

anuais e ausência de áreas de regeneração de capoeiras; o estágio II (tempo de ocupação do

lote em torno de cinco anos) demonstra pais jovens com crianças em crescimento, o que

gera cultivo de anuais, cultivo de perenes jovens, início da formação de pastagens e poucas

áreas de regeneração de capoeiras; o estágio III (tempo de ocupação do lote por volta de

dez anos) testemunha pais mais velhos e adolescentes, com declínio na ênfase aos cultivos

anuais, prioridade à atividade pecuária e aumento de área de regeneração de capoeiras; o

estágio IV (tempo de ocupação do lote de aproximadamente quinze anos) evidencia pais

mais velhos, jovens adultos e predominância de cultivos perenes e atividade pecuária, com

estabilização da área de regeneração de capoeiras; o estágio V (tempo de ocupação do lote

após 20 anos) traz uma situação em que muitos componentes da família já deixaram o lote

(os mais velhos por falecimento e os mais novos por migração para meios urbanos,

casamentos ou abertura de novas fronteiras agrícolas), com perfil produtivo altamente

voltado para os cultivos perenes e diminuição de áreas de regeneração de capoeiras. Desse

modo, é possível perceber que as áreas de regeneração de capoeiras advêm do abandono de

áreas de cultivo anual, sendo que os cultivos perenes e as pastagens ocupam seu espaço ao

longo do tempo, as primeiras de forma a enriquecê-las e as segundas usurpando-as do uso

da terra no estabelecimento.

Em estudo de Van Wey et al (2007), o ciclo de vida familiar demonstra que

quando as crianças tornam-se adolescentes, a família torna-se apta a planejar o futuro e,

dessa forma, irá investir em uso da terra com retornos de longos prazos, como cultivos

perenes (principalmente sistemas agroflorestais) e pastagens. Entretanto, o adolescente

masculino é peça chave para o aumento mais significativo de cultivos anuais e pastagens,

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enquanto as adolescentes femininas associam-se mais ao trabalho doméstico, cultivos

perenes e pequenos animais. A presença de idosos masculinos também afeta

negativamente, de forma significativa, o uso da terra para cultivos perenes e florestas

primárias. Nas duas regiões estudadas (Altamira/PA e Santarém/PA) há firme declínio de

floresta primária ao longo do tempo. Os autores também encontram uma quase

imperceptível mudança ao longo do tempo em áreas de cultivos anuais e cultivos perenes

até a implantação de cacau via programas de crédito rural.

Para Pan et al (2004), a idade mais avançada do chefe de família resulta em

maior complexidade na paisagem rural, e a maior presença feminina, por sua vez, reduz

significativamente a área de pastagens e aumenta a de cultivos anuais e perenes.

Os resultados de Pan et al (2004) são similares aos encontrados por Van Wey et

al (2007), a não ser na invariabilidade de cultivos anuais e cultivos perenes para Van Wey

et al (2007) até a entrada do crédito rural, enquanto Pan et al (2004) aponta relação anterior

positiva face à maior presença feminina.

Numa abordagem preliminar, Brumer (2001) verificou que os estabelecimentos

familiares rurais, cujas atividades principais são as culturas anuais e a pecuária, ocupam

uma quantidade relativamente pequena de trabalho humano por unidade de área. Já a

diversificação produtiva (que passa pela introdução de cultivos perenes) contribui para o

emprego em tempo integral de um número relativamente maior de membros da família,

tendo em vista que o trabalho é mais bem distribuído durante todo a safra agrícola e a

produção mais atrativa aos mercado consumidores.

Logo, à diversificação produtiva em culturas anuais, perenes e pecuária, que

demarca o tipo 4 (o último estágio da evolução gradativa de mudança de uso da terra),

acompanha-se um melhor aproveitamento da mão-obra disponível e uma maior

possibilidade de colocação de seus produtos nos mercados consumidores (essencialmente

urbanos) em expansão. Nesse sentido, o calendário de trabalho anual dos PUs, elaborados

no Proambiente, é de fundamental importância, pois harmoniza o ritmo de mudanças

qualitativas de uso da terra à disponibilidade de mão-de-obra da família (ANEXO III).

Indiretamente, Costa (2000d) corrobora a idéia de planejamento de uso da mão-

de-obra disponível no lote ao longo do processo de intensificação de uso da terra quando

expõe que apenas no sistema produtivo que conjuga culturas anuais, culturas perenes e

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pecuária (tipo 4), a força de trabalho total supera em 1% a força de trabalho familiar

disponível. Ainda de acordo com o autor, os lotes que produzem somente culturas anuais

(tipo 1) utilizam em torno de 33%, os que plantam anuais e perenes por volta de 42% (tipo

3), os que se especializam-se em culturas perenes aproximadamente 76% e os que

conjugam perenes e pecuária giram em 81% das respectivas forças de trabalho familiar. A

alocação média é de 3,85 hectares de culturas anuais (8% da área), 5,28 hectares de culturas

perenes (10%) e 8,46 hectares de pastagens (17%). Verifica-se, igualmente, uma forte

presença de 14,52 hectares de terras em pousio (28%) e de 18,69 hectares de áreas de

matas, alagadas ou não aptas à prática agrícola e pecuária (37%). A agricultura de

itinerância interna tornou-se exceção, seguindo a tendência regional de tipologias com

composições mais complexas de uso da terra, com muitas transformações decorrentes das

experimentações próprias da agricultura familiar.

Os dados obtidos no presente estudo demonstram que lotes com índice de

geração intermediário (equilíbrio entre potencial de trabalho e demanda de consumo) ainda

têm presença significativa de cultivos anuais (tipo 1) ou cultivos anuais e perenes (tipo 3),

mas quando há elevação do índice de geração (maior potencial de trabalho em relação à

demanda de consumo) também eleva-se a participação de lotes com cultivos anuais e

pecuária (tipo 2) e, principalmente, com sistemas mistos de culturas anuais, perenes e

pecuária (tipo 4) (Tabelas 42 e 43). Vale ainda lembrar, conforme a figura 14, que lotes

com baixos índices de geração (menor potencial de trabalho em relação à demanda de

consumo) representam somente 4,3% do Proambiente, o que demonstra que a viabilização

produtiva pela diversificação do uso da terra (um dos princípios do programa

governamental) apenas pode ser obtida, entre outras condições, com intermediária a alta

disponibilidade de trabalho. Os dados encontrados se assemelham aos apresentados por

Brumer (2001) quanto à relação entre pequena quantidade de trabalho empregado e

sistemas menos complexos, assim como aos estágios produtivos propostos por Pan et al

(2004), Perz & Walker (2002) e Costa (2000d), que demandam mais mão-de-obra familiar

conforme os sistemas produtivos se tornam mais complexos. Os resultados comparados

autorizam a preocupação de Van Wey et al (2007) quanto a necessidade e condições de

planejar o futuro a partir da agregação de trabalho, algo desencadeado pelos lotes

amazônicos selecionados pelo Proambiente por meio dos PUs.

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Os dados também evidenciam a importância do índice de gênero (relação ente

trabalho masculino e de trabalho total) na diversificação produtiva dos lotes. Lotes com

baixo índice de gênero (mais trabalho masculino em relação ao trabalho total) possuem

contingentes expressivos de cultivos anuais e pecuária (tipo 2), ao passo que lotes com

índice de gênero intermediários (trabalho masculino equilibrado ao trabalho feminino)

desencadeiam diversificação de sistemas produtivos menos (tipo 3) ou mais (tipo 4)

intensos (Tabelas 42 e 43), processo que irá depender também do tamanho do lote (a ser

discutido adiante). Observa-se que existe forte relação entre (a) trabalho masculino e pasto

e (b) trabalho feminino e perenes, resultados similares aos encontrados por Van Wey et al

(2007) e Pan et al (2004). Vale também relembrar, conforme a figura 15, que lotes com

desequilíbrio entre trabalho masculino e feminino não se viabilizam ou se viabilizam com

mais dificuldades, sendo que expressivos 72,8% deles encontram-se em patamares

intermediários de índice de gênero.

De novo apoiado nas Tabelas 42 e 43, é possível perceber também que as

escolaridades masculina e feminina mais baixas (analfabetos/as ou 1ª a 4ª série) tendem a

puxar o uso da terra para o tipo 1, sendo que a elevação da mesma impõe condições mais

propícias para se alcançar o tipo 2 e, principalmente, o tipo 4, que gera processos mais

intensos de capitalização. Não por acaso, na análise de correlação de variáveis

independentes foi obtida a relação positiva entre escolaridade e renda familiar anual.

Perz (2001) traça uma interessante relação entre (a) evolução do ciclo produtivo,

(b) demanda de capital e trabalho e (c) tamanho do lote. Conforme registra o autor, no

início da ocupação do lote, os jovens pais empregam culturas anuais, as quais demandam

considerável quantidade de trabalho para corte da floresta primária, coivara, queima,

plantio, cultivo e colheita, mas por outro lado, requerem baixa quantidade de terra e capital,

além representarem uma estratégia de baixo risco econômico. Ao longo do tempo de

ocupação do lote, um estoque de terras desmatadas se acumula a tal ponto que se tornam

inadequadas para a produção de cultivos anuais, desta feita, entra a importância do crédito

rural e da renda familiar, assim como da diversificação de oportunidades do mercado

consumidor, para orientar a introdução de cultivos perenes e da atividade pecuária. O

cultivo de perenes envolve já substancial entrada de trabalho e capital, mas não

necessariamente um alto contingente de terra. Já a introdução de pastagens e animais de

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criação caracteriza-se como reserva de capital (ou uma “poupança viva”) e demanda altas

quantidades de terra e baixa intensidade de capital e trabalho. O reflorestamento do lote

pode ser uma alternativa advinda do processo de ocupação que, a exemplo do cultivo de

perenes, demanda alta quantidade de capital e trabalho, e dependendo da intensidade da

atividade pecuária, também de terra para ser sustentavelmente viável.

Nessa relação entre campos abertos e reserva legal, Hecht (1993) lembra que a

pecuária extensiva pode ocupar vastas áreas de terra com baixa disponibilidade de trabalho

e capital, sendo que o leque de benefícios institucionais associado com a atividade expande

o uso da terra para um fim que gera baixa caloria, baixa proteína e baixos retornos

financeiros quando comparados com outras formas de uso da terra, além de contribuir para

a maximização da degradação ambiental.

De forma a complementar as idéias de Perz (2001) e Hecht (1993), apesar de

gerar baixos retornos em relação a outras atividades mais rentáveis, a pecuária extensiva

demanda baixo capital inicial em relação àquelas que oferecem maiores possibilidades de

capitalização, por isso se torna tão importante na abertura da fronteira. A questão maior a se

ressaltar na relação campos abertos e reserva legal, no entanto, deve-se ao fato que a

primeira demanda baixa quantidade de capital e trabalho e alta de terra, enquanto a segunda

demanda alta quantidade de capital e trabalho e uma proporção de terra equivalente àquela

aberta pela primeira (excluindo-se a parcela de terra que for destinada para o cultivo de

anuais, implantação de sistemas perenes e infra-estrutura doméstica). A situação acima

evidencia a oposição entre pecuária e meio ambiente, ou então entre meio ambiente e

processos de capitalização, o que denota a necessidade de se estabelecer incentivos oficiais

para as atividades econômicas florestais.

Em estudo de Costa (2000d), quatro combinações são exibidas quanto a

abundância ou restrição de trabalho e terra: lotes com (a) restrição de trabalho e abundância

de terra (nova fronteira agrícola), (b) abundância de trabalho e terra, (c) restrição de

trabalho e terra e (d) abundância de trabalho e restrição de terra (velha fronteira agrícola).

Segundo o autor, os lotes sem restrição de terra (a, b) chegaram mais facilmente aos

sistemas de produção diversificados em cultivos anuais, perenes e pecuária (tipo 4). No

caso dos lotes com (a) restrição de trabalho e abundância de terra, a diversificação

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produtiva se estabelece de forma extremamente gradual, por meio de baixa disponibilidade

de capital e de esforços de trabalho fisiológico da própria família, enquanto na situação

seguinte, em lotes com (b) abundância de trabalho e terra, a diversificação produtiva é

apoiada pela entrada de capital de crédito rural, evolução demográfica da família e,

eventualmente, contratação de trabalho temporário e investimento em bens de capital.

Embora Costa (2000d) tenha também verificado que por parte do grupo com

abundância de terra há maior empenho em implantar áreas mais significativas de pastagens,

o fato não revela que aqueles com restrição de terra não tenham optado pela atividade

pecuária, ainda que de forma menos freqüente. No entanto, o rendimento líquido da

pecuária apresenta sinal positivo somente nos grupos com abundância de terra, sendo uma

atividade incipiente para os grupos com restrições de terra. E em ambos os casos, as

culturas perenes seguem-se a esforços anteriores de implantação de pasto, com maior

consolidação de ambos os tipos naqueles lotes com maior abundância de terras.

Costa (2000d) também demonstra que o grupo com (a) restrição de trabalho e

abundância de terra (nova fronteira agrícola) empreendeu esforços alternados entre

introdução de pastagens e culturas perenes, isto é, na suas trajetórias, há períodos em que se

faz intenso esforço de implantação de pastagens com redução no incremento das áreas com

culturas perenes, e períodos em que, inversamente, as taxas de crescimento das pastagens

caem e as de formação de plantios com culturas perenes sobem. Nesse sentido, a pecuária

cumpre papel na capitalização para a posterior introdução de sistemas perenes, além do

advento do crédito rural, a partir da institucionalização do FNO nos anos 90. Já o grupo (b)

abundância de trabalho e terra conduziu, durante sua trajetória, processos concomitantes de

implantação de culturas perenes e pastagens. Portanto, a diferença de comportamento dos

grupos (a) e (b) está fortemente associada à disponibilidade de trabalho.

De forma similar, McCracken et al (2002) expõe que uma primeira trajetória da

agricultura familiar na nova fronteira agrícola (abundância de terra) se dá pela

diversificação do sistema de corte e queima com a introdução de pastagens, que

proporciona capitalização a fim de avançar, adiante, no estabelecimento de cultivos

perenes. Uma segunda trajetória se dá pela concomitância na introdução de ambos os

sistemas de pecuária e de perenes.

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Já os dados de Ludewigs (2006), em assentamento no estado do Acre,

demonstram que lotes menores dedicam-se a agricultura de subsistência, lotes

intermediários a cultivos anuais e perenes comerciais e lotes maiores à atividade pecuária.

Ludewigs (2006) também constata que lotes compostos por sistemas mais

diversificados têm mais consistentes oportunidades de melhorar sua situação econômica no

longo prazo que aqueles destinados somente à atividade pecuária. Entretanto, a

diversificação de sistemas demanda alta quantidade de trabalho, que pode ser de difícil

acesso em lotes com restrição de capital.

Para Griffin (1982), a medida que a terra se torna mais escassa (no caso dos

lotes amazônicos, isso ocorre com o encurtamento do período de pousio devido à conversão

das áreas de capoeiras para pastagens; ou por subdivisão dos lotes no processo de

envelhecimento da fronteira) e/ou que a capacidade de trabalho da família aumenta, a fonte

de crescimento agrícola se translada da expansão de área cultivada ao aumento dos

rendimentos, sendo que isto pode ser proporcionado pela diversificação de sistemas

produtivos nos lotes, sobretudo, introdução de cultivos perenes e sistemas agroflorestais.

Assim, a combinação “terra abundante e mão-de-obra escassa” não fomenta a

intensificação produtiva, mas a situação inversa cria a necessidade de aumentar a relação

entre valor da produção e valor da terra para que a mesma possa continuar em posse de seu

proprietário. Processos como esse criam tensões sociais que podem ser exacerbados se a

expansão agrícola (ou diminuição da abundância de terras) for menor que a taxa de

crescimento demográfico (ou aumento da mão-de-obra), de modo que a desigualdade e a

pobreza aumentem, respectivamente, em termos relativos e absolutos, ou se a tecnologia

nova, devido às características peculiares de sua introdução, gerar um aumento da

diferenciação social.

Os dados do Proambiente demonstram semelhanças aos registrados por Perz

(2001), Hecht (1993), Costa (2000d) e McCracken et al (2002) quanto à relação positiva

entre tamanho do lote e introdução da atividade pecuária. Os tipos 4 e 5 são mais presentes

em lotes com tamanho entre 50-100 hectares, enquanto o tipo 2 se destaca mais em lotes

com tamanho superior a 100 hectares. Os dados do Proambiente, no entanto, corroboram

em parte a relação encontrada por Ludewigs (2006) de que lotes menores dedicam-se a

agricultura de subsistência, lotes intermediários a cultivos anuais e perenes comerciais e

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lotes maiores à atividade pecuária. Embora o tipo 2 apareça com mais freqüência em lotes

com tamanho superior a 100 hectares, e o tipo 3 em lotes entre 5-10 hectares, o tipo 4

também se apresenta de forma freqüente nos lotes menores do Proambiente, ainda que com

menos relevância que nos lotes maiores. Quanto à novidade trazida por Costa (2000d) sobre

os esforços alternados (em lotes com restrição de trabalho e abundância de terra) ou

concomitantes (em lotes com abundância de trabalho e terra) na introdução de pastagens e

culturas perenes, os dados do Proambiente não permitem fazer essa dedução, ou negá-la,

mas apenas apontar que uma terceira trajetória menos usual, mas não insignificante, ocorre

em unidades de produção com tamanhos reduzidos (5-10 hectares), onde a diversificação

limita-se a introdução de sistemas perenes, além dos cultivos anuais (tipo 3), devido a falta

de espaço físico para impor escala econômica na criação de animais (Tabelas 42 e 43).

Mas o progresso da produção agrícola não se expressa através do crescimento da

superfície total cultivada, e sim pelo crescimento das inversões de capital na terra ou seu

volume de exploração (Lênin, 1980). Não por acaso, regiões menos desenvolvidas de um

país focam sua produção primária em cultivos anuais de cereais e/ou pecuária de corte,

enquanto regiões mais desenvolvidas intensificam o uso da terra com sistemas perenes e/ou

pecuária leiteira. Nesse sentido, a típica produção patronal de soja constitui-se uma

vanguarda do atraso frente ao potencial econômico de frutíferas tropicais e produtos

florestais madeireiro e não madeireiro, que podem ser desencadeados em pequenas escalas

pela produção familiar rural amazônica. A relação inversa entre tamanho da propriedade

rural e geração de emprego e renda é clássica no contexto brasileiro e desafiadora no

sentido de se rever a política fundiária adotada no país, no entanto, como demonstrado

anteriormente (item 7.2.3.1. tamanho do lote), somente dentro do recorte da agricultura

familiar amazônica, há relação direta entre tamanho de propriedade rural e geração de

emprego e renda, pois lotes rurais mais extensos enfrentam menos dificuldades para

ampliar a diversificação agrícola baseada em cultivos anuais, perenes e pecuária (tipo 4),

que conferem maior rentabilidade e ocupações, sobretudo, se obtiverem acesso ao crédito

rural para fomentar, transporte para escoar e energia elétrica para beneficiar a produção.

A titularidade do lote, outra característica do ativo terra ao lado do tamanho do

lote, não demonstrou efeito significativo para tipologias de uso da terra no presente estudo.

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Já o conceito de rentabilidade econômica não pode ficar somente restrito ao

acesso ao crédito rural para fomentar, transporte para escoar e energia elétrica para

beneficiar a produção, ou às transações com o mercado consumidor. Os aumentos de

rendimento de um importante produto de subsistência podem ser rentáveis, entretanto, as

possibilidades de lucro são menos atrativas para os agricultores auto-suficientes do que para

os que produzem ao mercado consumidor. Os efeitos da produção adicional sobre o preço

do produto também não devem ser desprezados, pois quando o mercado consumidor é

pequeno e a elasticidade do preço demanda é nula, a rentabilidade da inovação pode

diminuir com o tempo ou mesmo desaparecer, ao revés, quando o mercado consumidor é

grande, com demanda altamente elástica, obviamente tem-se uma situação mais favorável

para efetivação dos investimentos de qualquer tipo de produtor familiar, inclusive os menos

capitalizados e/ou de subsistência.

A presença de agroindústrias e de grupos financeiros fortes pode ser interpretada

como a intensificação do capitalismo no campo, entretanto, à medida que a produção

agrícola passar a ser controlada pela indústria compradora de matérias-primas e a depender

fortemente do capital comercial e bancário, as possibilidades dos agricultores familiares se

firmarem como proprietários rurais lucrativos se restringem. A produção familiar rural se

tecnifica, mas não se capitaliza, ainda que o técnico se aproxime da agricultura, a detenção

do capital dela se afasta (Castro, 1979).

Assim, novas opções de trajetórias produtivas sustentáveis, como a

diversificação e a transição agroecológica, necessitam ser apoiadas pela presença renovada

do Estado brasileiro (Martine, 1989). O acesso ao crédito rural para fomentar a transição

produtiva sustentável, ao transporte para escoamento e à energia elétrica para

beneficiamento da produção são exemplos de trajetórias mais autônomas. Aumentar a

relação entre Valor Bruto da Produção Agropecuário (VPBA) e valor da terra também é

algo vital ao planejamento gradativo de uso da terra, que pode decorrer pela passagem do

tipo 1 ao 4.

Os dados das Tabelas 42 e 43 demonstram relação positiva entre o tipo 4

(cultivos anuais, cultivos perenes e atividade pecuária – aquele que apresenta maior

diversificação produtiva e sustentabilidade ambiental) e a geração de renda familiar

anual, o acesso ao crédito rural, ao transporte e à energia elétrica.

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Em torno de 70,73% dos lotes com renda familiar anual superior a R$

20.000,00 detém sistemas produtivos baseados no tipo 4 (cultivos anuais, cultivos perenes e

atividade pecuária), percentual que decresce linearmente à queda de renda familiar anual

(62,40% entre R$ 10.000,00 e R$ 20.000,00; 58,63% entre R$ 6.000,00 e R$ 10.000,00;

52,37% entre R$ 2.000,00 e R$ 6.000,00; 51,59% entre R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00;

46,43% entre R$ 500,00 e R$ 1.000,00). Abaixo de patamares de renda familiar anual de

R$ 500,00 não há lotes de forma estatisticamente relevante. Em torno de 30% dos lotes

com nível intermediário de renda familiar anual transitam no tipo 2 (cultivos anuais e

atividade pecuária) (30,36% entre R$ 500,00 e R$ 1.000,00; 29,94% entre R$ 1.000,00 e

R$ 2.000,00; 33,62% entre R$ 2.000,00 e R$ 6.000,00), percentual que decresce em

intervalos de renda familiar anual mais elevados (24,82% entre R$ 6.000,00 e R$

10.000,00; 23,55% entre R$ 10.000,00 e R$ 20.000,00). No patamar mais elevado (acima

de R$ 20.000,00) e entre os intervalos inferiores de renda familiar anual (abaixo de R$

500,00) não há casos estatisticamente significativos no tipo 2. Casos isolados com

representatividade estatística aparecem para os tipos 1 (cultivos anuais), 3 (cultivos anuais e

cultivos perenes) e 5 (pecuária extensiva) em níveis intermediários de renda familiar anual

(Tabelas 42 e 43).

A análise das Tabelas 42 e 43 deixa evidente a importância do crédito rural

para alavancar sistemas mais rentáveis e sustentáveis. Expressivos 16,09% dos lotes com

tipo 1 (cultivos anuais) ainda aparecem entre os “sem acesso ao crédito rural”, sendo que

lotes com demais tipos de uso da terra não figuram nessa categoria de forma

estatisticamente representativa, o que denota que o acesso ao crédito rural é relevante para

superar o estágio de produção de subsistência ou de depressão econômica. Os acessos aos

créditos rurais do FNO e Pronaf significam alavanca econômica para o tipo 4 (cultivos

anuais, cultivos perenes e atividade pecuária), onde figuram em torno de 62,00% dos lotes

(61,91% com FNO; 61,57% com Pronaf), e ainda 54,44% dos lotes com “outros tipos de

crédito rural”, restando 36,32% dos lotes “sem acesso ao crédito rural”. Portanto, os dados

demonstram que o crédito rural alavanca a diversificação produtiva sustentável e a geração

de renda familiar anual, embora um pouco mais da metade deles, que não possuem acesso

ao crédito rural, também tenham estabelecido estratégias semelhantes, o que corrobora os

achados de Costa (2000d) de que esforços próprios das famílias rurais, em situações de

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350

escassez de trabalho e capital, também podem resultar em sistemas diversificados e

lucrativos, embora de forma mais lenta.

As diferenças qualitativas entre o FNO e o Pronaf aparecem na análise do tipo 2

(cultivos anuais e atividade pecuária) e tipo 3 (cultivos anuais e cultivos perenes). Enquanto

27,18% dos lotes com acesso ao crédito rural do Pronaf figuram no tipo 2, esse percentual

se limita a apenas 11,11% dos lotes com acesso ao crédito rural do FNO. Vale a ressalva

que lotes com outros tipos de crédito rural detém expressiva marca de 34,45%, enquanto os

sem acesso ao crédito rural giram em torno de 21,89% com o tipo 2. Ou seja, os lotes sem

acesso ao crédito rural alavancam o tipo 2, ainda que de forma mais lenta, a partir da

própria reprodução da atividade pecuária, sendo que o acesso ao crédito rural do Pronaf e,

principalmente, a outros tipos de crédito rural induzem processos de pecuarização mais

rápidos, ao passo que mutuários do crédito rural do FNO inserem-se em outros sistemas

produtivos. Isso fica claro na análise do tipo 3, onde figuram 20,40% dos lotes sem acesso

ao crédito rural e 17,13% dos lotes com acesso ao crédito rural do FNO, valor que cai a

3,97% entre os lotes com acesso ao crédito rural do Pronaf e nenhum de forma

estatisticamente representativa entre aqueles lotes com acesso a outros tipos de crédito

rural. Novamente os dados corroboram os achados de Costa (2000d), onde a introdução de

sistemas perenes pode ser feita com ou sem o acesso ao crédito rural, no entanto, de forma

mais intensa com a alavanca de capital externo, desde que qualificado na forma do FNO.

No tipo 5, somente há 5,31% dos lotes sem acesso ao crédito rural ou 4,96% com acesso ao

crédito rural do Pronaf, o que mais uma vez apresenta o perfil mais voltado para produtos

do Pronaf, enquanto o FNO detém uma estratégia mais condizente para estimular sistemas

mais diversificados, economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis (Tabelas 42 e

43).

A análise das Tabelas 42 e 43 demonstra que os lotes sem acesso ao transporte,

em comparação aos com acesso, ainda transitam em expressiva importância no tipo 1

(14,63% versus 2,65%) e tipo 3 (27,91% versus 8,76%), enquanto o acesso aumenta a

participação de lotes com tipo 2 (13,28% para 19,14%) e, principalmente, tipo 4 (40,38%

para 64,97%), sendo pouco relevante a mudança no tipo 5 (3,79% para 4,48%). Os dados

demonstram também que o acesso ao transporte aumenta o contingente pecuário dos lotes

(o que em parte desautoriza a idéia de que o gado se auto-transporta), ou seja, é uma

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351

alternativa viável para os lotes sem acesso rodoviário para escoamento da produção,

entretanto, o acesso potencializa a atividade. Sem dúvida que a particularidade de se auto-

transportar configura uma vantagem em relação a outros tipos de uso da terra, mas isso

somente em situações de depressão econômica e falta de acesso à infra-estrutura, pois

quando se tem acesso à mesma, a pecuária se viabiliza ainda mais e concorre com sistemas

produtivos sustentáveis.

A análise das Tabelas 42 e 43, de forma parecida ao acesso ao transporte (exceto

para o tipo 5), evidencia os efeitos do acesso à energia elétrica. Os lotes sem acesso à

energia elétrica, em comparação aos com acesso, transitam com mais importância no tipo 1

(7,64% versus 5,74%), tipo 3 (21,02% versus zero) e tipo 5 (4,67% para zero), enquanto o

acesso aumenta a participação de lotes com tipo 2 (14,01% para 24,88%) e tipo 4 (52,65%

para 65,55%). Assim, o acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção aumenta

os contingentes pecuários mais tecnificados (tipo 2 e tipo 4) em comparação aos menos

intensivos em capital (tipo 5), assim como o não acesso direciona para o cultivo de

subsistência (tipo 1) ou para o cultivos de perenes menos tecnificados (tipo 3) em relação

aos sistemas diversificados mais tecnificados (tipo 4).

De forma geral, as Tabelas 42 e 43 elucidam que o acesso ao transporte para

escoamento e à energia elétrica para beneficiamento da produção alavancam a rentabilidade

econômica dos estabelecimentos familiares rurais (também porque elevam a produtividade

marginal do trabalho), mas não com a mesma sustentabilidade ambiental que confere o

acesso ao crédito rural do FNO. Logo, os resultados põem em xeque algumas políticas

atuais de uso da terra quanto à superação de dicotomia entre produção econômica e meio

ambiente e traz à tona a relevante discussão sobre valoração de serviços ambientais

integrados à produção agrícola.

Para Moreira (1999), um dos processos mais marcantes do progresso

tecnológico aplicado à produção é a elevação da produtividade marginal do trabalho. A

sociedade, com o progresso técnico, passa a dispensar menos tempo de trabalho para

produzir a mesma quantidade de mercadorias. Ou dito de outra forma, a sociedade pode,

com o progresso técnico, utilizar a mesma quantidade de trabalho e ampliar a quantidade

total de mercadorias produzidas. Mesmo nesse processo clássico de competição inter-

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352

capitalista, a direção do progresso técnico visando reduzir os custos não elimina a

emergência de efeitos prejudiciais sobre o meio ambiente e a qualidade de vida.

Hall (2008) expõem que os agricultores familiares amazônicos tendem a

valorizar os benefícios ambientais que lhes rendem, como por exemplo, o progresso

tecnológico aplicado à mudança de sistemas de corte e queima para sistemas agroflorestais.

Eles também têm plena compreensão que, no longo prazo, os retornos econômicos da

exploração de espécies perenes podem ser mais sustentáveis que os sistemas de

subsistência, entretanto, devido aos custos de oportunidade iniciais para erigir tal modelo

produtivo, somente é possível atingir esse cenário com algum suporte externo que dure

vários anos. Esse exemplo traz linearidade entre progresso tecnológico e sustentabilidade

da produção, de forma a suavizar a relação de Moreira (1999) entre progresso técnico e

efeitos prejudiciais sobre o meio ambiente e a qualidade de vida.

Crises de (super)produção na agricultura familiar européia, em diversos

momentos de sua história econômica, levaram muitos agricultores familiares a inverterem o

processo de especialização, buscando diversificar não apenas culturas, mas também

atividades. Fatores como busca de uma maior estabilidade, ou uma menor dependência do

mercado consumidor e do Estado, somam-se à perspectiva de preservação ambiental, à

busca de rendas complementares ou à realização de prazeres pessoais (Alentejano, 2001).

A visão integrada entre diversificação da produção, rentabilidade econômica e

sustentabilidade ambiental pode ser visto no processo de evolução gradativa de uso da terra

desencadeado no diversificado lote (tipo 4) do Sr. João Rais Neto, Pólo Transamazônica

(PA), a partir de depoimento de seu filho mais velho, Marx Allan Alpelfeler Rais:

A gente tem no lote lavoura branca, casa de farinha com maquinário, gado,

tanque de peixe, madeira de lei e frutas. Até maquina de lavar roupa a gente já tem, assim

a mamãe não precisa mais descer até o rio pra lavar roupa. Mas o que me dá prazer

mesmo de trabalhar é no cacau. O lugar é fresco, tem sombra pro trabalho, que rende

mais, dá uma boa renda e não agride a natureza. Assim que tem que ser, com a natureza

em nosso favor pra gerar mais renda. Não adianta brigar contra a natureza. Trabalhar no

roçado, com sol e fogo, dá muito trabalho e rende muito pouco. E acaba com tudo, com a

capoeira, com as matas.

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353

A necessidade de harmonizar a transição produtiva (ex: tipo 1 ao tipo 4) à

questão ambiental corrobora um dos pressupostos da Economia Ecológica demonstrados no

capítulo III, onde a valoração dos serviços ambientais devem estar ligados aos próprios

custos de oportunidades de cada etapa da transição produtiva, e não numa estratégia da

Economia Ambiental de, meramente, valorar a biodiversidade e/ou os recursos naturais e

transformá-los em commodities ambientais transacionais em mercados financeiros. Atrelar

a vida econômica familiar rural aos mercados financeiros especulativos significa, no

mínimo, falta de responsabilidade e de sensibilidade social.

Ehrenfeld (1997) é da mesma opinião de que não faz sentido valorar a

biodiversidade como um meio de assegurar sua proteção ambiental. Para o autor, a

estratégia de proteção ambiental a partir do valor econômico da biodiversidade pode ser

inócua, pois os critérios econômicos de valor mudam conforme a utilidade do bem. Se o

processo de desenvolvimento resultar no fato de que determinada diversidade biológica não

é mais economicamente viável, ou se essa diversidade biológica perder importância devido

a um correspondente artificial, nada valerá o esforço para chegar a um preço de equilíbrio.

Longe da (falta de) lógica restrita do mercado financeiro, a existência em si da diversidade

biológica é sua própria garantia de sobrevivência, ou seja, o valor é intrínseco à

biodiversidade e não depende das propriedades econômicas das espécies em questão, dos

usos que se farão ou não da espécie em particular ou do seu alegado papel no equilíbrio dos

ecossistemas globais. Para a biodiversidade o valor existe por si só.

Para Benatti (2003) e Lacayo (2001), um incentivo econômico pode ser um bom

mecanismo de política pública para estimular os agentes econômicos a desenvolver

determinadas ações e comportamentos e alcançar metas e objetivos pré-determinados.

Quando a atividade ou agente econômico geram externalidades positivas (ex: benefícios

socioambientais), deve se aplicar um incentivo financeiro para reconhecer esses benefícios

(ex: pagamento de serviços ambientais), pelo contrário, quando uma atividade gera

externalidade negativa (custos sociais) deve se aplicar um desincentivo fiscal que puna ou

desestimule o agente econômico (ex: multa ambiental, com respectiva arrecadação fiscal

voltada para a mitigação de tais impactos ambientais).

Dessa forma, os incentivos econômicos podem ser uma forte ferramenta para

estimular a proteção dos recursos naturais no imóvel rural, pois possibilitam corrigir

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354

tendências do mercado consumidor ou financeiro que podem encorajar ações contrárias à

conservação da natureza. Outro aspecto a se destacar nos incentivos econômicos é o seu

papel como instrumento público complementar ao de comando e controle. Atualmente os

instrumentos de comando e controle são os principais mecanismos que o poder público

utiliza para obter a conduta desejada e têm sido empregados como técnica de gestão

ambiental. Contudo, esses instrumentos têm-se mostrado insuficientes para alcançar os

objetivos desejados, por isso, além dos instrumentos punitivos é necessário abrir espaços

para mecanismos que laureiam comportamentos individuais e coletivos de proteção

ambiental.

Sem dúvida que políticas de remuneração de serviços ambientais aparecem

como um dos principais mecanismos inovadores para harmonizar a relação entre produção

econômica e meio ambiente. Junto a elas, devem ser integradas políticas de infra-estrutura e

de crédito rural que fomentem a transição produtiva, de forma que os efeitos positivos do

crédito rural e da remuneração de serviços ambientais para a produção sustentável superem

os eventuais efeitos negativos das obras de infra-estrutura, que são indispensáveis para a

geração de renda familiar anual, mas que fora de um contexto de planejamento estratégico

do desenvolvimento, podem opor renda familiar anual à qualidade ambiental dos

agroecossistemas.

Por fim, para a transição tipológica de uso da terra e processos de

capitalização, a hipótese se confirma. Ainda que a transição produtiva possa prescindir do

acesso ao crédito rural e à infra-estrutura de transporte para escoamento e energia elétrica

para beneficiamento da produção, ela se dá de forma mais lenta ao longo do tempo, o que

induz processos de capitalização familiar paulatinos. No entanto, com acesso ao crédito

rural e à infra-estrutura de transporte e energia elétrica, a transição tipológica para sistemas

mais complexos é catalisada e gera processos mais rápidos de capitalização familiar.

Enquanto sem acesso a fontes externas de capital, em geral, a diversificação de sistemas

produtivos necessita ser realizada de forma alternada entre pecuária e cultivos perenes (com

a primeira alavancando capital para o segundo), o acesso a essas fontes externas permite

desencadear processos concomitantes. Vale a ressalva que tempo de ocupação do lote,

escolaridade, composição familiar e tamanho do lote também manifestam-se como

variáveis independentes importantes nos processos de capitalização familiar.

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355

Tabela 22 – Análise de correlação entre variáveis independentes e tipos de uso da terra (% lotes)

Tipologias de uso da terra

Todos os pólos

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V

Total Roça pura Roça e gado

Roça e culturas

perenes

Roça, gado e

culturas perenes Pecuária extensiva

% % % % % %

Variável independente (1) – origem do chefe de família (homem)

Norte 73 10,40 189 26,92 143 20,37 273 38,89 24 3,42 702 100,00

Nordeste 48 8,81 150 27,52 24 4,40 290 53,21 33 6,06 545 100,00

Centro-Oeste 1 1,75 10 17,54 3 5,26 41 71,93 2 3,51 57 100,00

Sudeste 0 0,00 11 9,32 11 9,32 85 72,03 11 9,32 118 100,00

Sul 2 1,55 3 2,33 8 6,20 109 84,50 7 5,43 129 100,00

Total 124 7,99 363 23,40 189 12,19 798 51,45 77 4,96 1551 100,00

Variável independente (2) – tempo de ocupação do lote

Até 5 anos 17 9,83 25 14,45 27 15,61 85 49,13 19 10,98 173 100,00

De 5 a 10 anos 15 5,03 55 18,46 38 12,75 179 60,07 11 3,69 298 100,00

De 10 a 20 anos 21 5,50 84 21,99 28 7,33 226 59,16 23 6,02 382 100,00

Mais de 20 anos 21 6,80 75 24,27 31 10,03 168 54,37 14 4,53 309 100,00

Total 74 6,37 239 20,57 124 10,67 658 56,63 67 5,77 1162 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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356

Tabela 22 – Análise de correlação entre variáveis independentes e tipos de uso da terra (% lotes) (continuação)

Tipologias de uso da terra

Todos os pólos

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V

Total Roça pura Roça e gado

Roça e culturas

perenes

Roça, gado e

culturas perenes Pecuária extensiva

% % % % % %

Variável independente (3.1) – escolaridade do chefe de família (homem)

Analfabeto 23 8,42 83 30,40 22 8,06 132 48,35 13 4,76 273 100,00

1a a 4a série 92 8,53 252 23,38 149 13,82 537 49,81 48 4,45 1078 100,00

5a a 8a série 4 3,25 30 24,39 9 7,32 74 60,16 6 4,88 123 100,00

2o grau 7 10,61 11 16,67 5 7,58 38 57,58 5 7,58 66 100,00

Superior 0 0,00 3 37,50 1 12,50 2 25,00 2 25,00 8 100,00

Total 126 8,14 379 24,48 186 12,02 783 50,58 74 4,78 1548 100,00

Variável independente (3.2) – escolaridade da chefe de família (mulher)

Analfabeto 20 9,66 51 24,64 21 10,14 111 53,62 4 1,93 207 100,00

1a a 4a série 84 8,30 238 23,52 123 12,15 518 51,19 49 4,84 1012 100,00

5a a 8a série 8 5,71 47 33,57 15 10,71 63 45,00 7 5,00 140 100,00

2o grau 5 5,56 21 23,33 8 8,89 51 56,67 5 5,56 90 100,00

Superior 1 7,14 3 21,43 1 7,14 9 64,29 0 0,00 14 100,00

Total 118 8,07 360 24,61 168 11,48 752 51,40 65 4,44 1463 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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Tabela 22 – Análise de correlação entre variáveis independentes e tipos de uso da terra (% lotes) (continuação)

Tipologias de uso da terra

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V

Todos os pólos Roça pura Roça e gado

Roça e culturas

perenes

Roça, gado e

culturas perenes Pecuária extensiva Total

% % % % % %

Variável independente (4) – Índice de geração (relação entre potencial de trabalho e demanda de consumo)

Até 0,2 4 14,81 5 18,52 3 11,11 14 51,85 1 3,70 27 100,00

De 0,2 a 0,4 1 2,56 7 17,95 3 7,69 25 64,10 3 7,69 39 100,00

De 0,4 a 0,8 54 9,91 129 23,67 80 14,68 260 47,71 22 4,04 545 100,00

De 0,8 a 1,0 40 6,64 168 27,91 60 9,97 307 51,00 27 4,49 602 100,00

Mais de 1,0 30 7,39 91 22,41 45 11,08 213 52,46 27 6,65 406 100,00

Total 129 7,97 400 24,71 191 11,80 819 50,59 80 4,94 1619 100,00

Variável independente (5) – Índice de gênero (relação entre trabalho masculino e feminino)

Até 0,2 6 9,38 23 35,94 3 4,69 28 43,75 4 6,25 64 100,00

De 0,2 a 0,4 7 6,36 30 27,27 8 7,27 60 54,55 5 4,55 110 100,00

De 0,4 a 0,8 100 8,41 282 23,72 153 12,87 599 50,38 55 4,63 1189 100,00

De 0,8 a 1,0 12 8,00 35 23,33 15 10,00 83 55,33 5 3,33 150 100,00

Mais de 1,0 5 4,63 30 27,78 12 11,11 52 48,15 9 8,33 108 100,00

Total 130 8,02 400 24,68 191 11,78 822 50,71 78 4,81 1621 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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Tabela 22 – Análise de correlação entre variáveis independentes e tipos de uso da terra (% lotes) (continuação)

Tipologias de uso da terra

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V

Todos os pólos Roça pura Roça e gado

Roça e culturas

perenes

Roça, gado e

culturas perenes Pecuária extensiva Total

% % % % % %

Variável independente (6) – tamanho do lote

Até 5 ha 8 18,18 1 2,27 16 36,36 18 40,91 1 2,27 44 100,00

De 5 a 10 ha 12 14,29 13 15,48 23 27,38 30 35,71 6 7,14 84 100,00

De 10 a 50 ha 89 11,68 173 22,70 97 12,73 362 47,51 41 5,38 762 100,00

De 50 a 100 ha 12 3,67 41 12,54 40 12,23 214 65,44 20 6,12 327 100,00

Mais de 100 ha 9 2,10 176 41,03 16 3,73 211 49,18 17 3,96 429 100,00

Total 130 7,90 404 24,54 192 11,66 835 50,73 85 5,16 1646 100,00

Variável independente (7) – titularidade do lote

Não regularizada 94 8,17 281 24,43 134 11,65 575 50,00 66 5,74 1150 100,00

Regularizada 35 7,40 115 24,31 57 12,05 250 52,85 16 3,38 473 100,00

Total 129 7,95 396 24,40 191 11,77 825 50,83 82 5,05 1623 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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359

Tabela 22 – Análise de correlação entre variáveis independentes e tipos de uso da terra (% lotes) (continuação)

Tipologias de uso da terra

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V

Todos os pólos Roça pura Roça e gado

Roça e culturas

perenes

Roça, gado e

culturas perenes Pecuária extensiva Total

% % % % % %

Variável independente (8) – acesso ao crédito rural

Não tem acesso ao crédito 97 16,09 132 21,89 123 20,40 219 36,32 32 5,31 603 100,00

Pronaf 15 2,98 137 27,18 20 3,97 307 60,91 25 4,96 504 100,00

FNO 8 3,70 24 11,11 37 17,13 133 61,57 14 6,48 216 100,00

Outros tipos de crédito 8 3,83 72 34,45 8 3,83 114 54,55 7 3,35 209 100,00

Total 128 8,36 365 23,83 188 12,27 773 50,46 78 5,09 1532 100,00

Variável independente (9) – renda familiar anual

Sem informação 61 17,99 37 10,91 131 38,64 100 29,50 10 2,95 339 100,00

Até R$100 1 33,33 1 33,33 0 0,00 1 33,33 0 0,00 3 100,00

De R$100 a R$200 1 20,00 2 40,00 0 0,00 1 20,00 1 20,00 5 100,00

De R$200 a R$500 1 5,00 4 20,00 2 10,00 11 55,00 2 10,00 20 100,00

De R$500 a R$1.000 6 10,71 17 30,36 2 3,57 26 46,43 5 8,93 56 100,00

De R$1.000 a R$2.000 12 7,64 47 29,94 10 6,37 81 51,59 7 4,46 157 100,00

De R$2.000 a R$6.000 23 4,96 156 33,62 18 3,88 243 52,37 24 5,17 464 100,00

De R$6.000 a R$10.000 21 7,55 69 24,82 8 2,88 163 58,63 17 6,12 278 100,00

De R$10.000 a R$20.000 2 0,83 57 23,55 18 7,44 151 62,40 14 5,79 242 100,00

Mais de R$20.000 2 2,44 14 17,07 3 3,66 58 70,73 5 6,10 82 100,00

Total 130 7,90 404 24,54 192 11,66 835 50,73 85 5,16 1646 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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360

Tabela 22 – Análise de correlação entre variáveis independentes e tipos de uso da terra (% lotes) (continuação)

Tipologias de uso da terra

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV Tipo V

Todos os pólos Roça pura Roça e gado

Roça e culturas

perenes

Roça, gado e

culturas perenes Pecuária extensiva Total

% % % % % %

Variável independente (10) – transporte para escoar a produção

Não tem 54 14,63 49 13,28 103 27,91 149 40,38 14 3,79 369 100,00

Tem 13 2,65 94 19,14 43 8,76 319 64,97 22 4,48 491 100,00

Total 67 7,79 143 16,63 146 16,98 468 54,42 36 4,19 860 100,00

Variável independente (11) – energia elétrica

Não tem 36 7,64 66 14,01 99 21,02 248 52,65 22 4,67 471 100,00

Tem 12 5,74 52 24,88 6 2,87 137 65,55 2 0,96 209 100,00

Total 48 7,06 118 17,35 105 15,44 385 56,62 24 3,53 680 100,00

Variável independente (12) – mão-de-obra externa

Não troca e não contrata 18 2,89 142 22,83 22 3,54 398 63,99 42 6,75 622 100,00

Contrata e não troca 9 3,28 58 21,17 15 5,47 172 62,77 20 7,30 274 100,00

Troca e não contrata 92 14,18 167 25,73 153 23,57 219 33,74 18 2,77 649 100,00

Troca e contrata 9 14,29 23 36,51 1 1,59 28 44,44 2 3,17 63 100,00

Total 128 7,96 390 24,25 191 11,88 817 50,81 82 5,10 1608 100,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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Tabela 23 – Sistematização da análise de correlação entre variáveis independentes e tipos

de uso da terra (%lotes) Variáveis dependentes Variáveis independentes

Tipo 1 roça pura

Tipo 2 roça + gado

Tipo 3 roça +

perenes

Tipo 4 roça + gado +

perenes

Tipo 5 pecuária extensiva

Origem do homem (Norte)

10,40 26,92 20,37 38,89 3,42

Origem do homem (Nordeste)

8,81 27,52 4,40 53,21 6,06

Origem do homem

Centro-Oeste) 71,93

Origem do homem (Sudeste)

72,03

Origem do homem (Sul)

84,50

Tempo de ocupação do lote

(até 5 anos) 9,83 14,45 15,61 49,13 10,98

Tempo de ocupação do lote (5-10 anos)

5,03 18,46 12,75 60,07

Tempo de ocupação do lote (10-20 anos)

5,50 21,99 7,33 59,16 6,02

Tempo de ocupação do lote

(+ 20 anos) 6,80 24,27 10,03 54,37 4,53

Escolaridade do chefe de família (analfabeto)

8,42 30,40 8,06 48,35

Escolaridade do chefe de família (1ª – 4ª série)

8,53 23,38 13,82 49,81 4,45

Escolaridade do chefe de

família (5ª – 8ª série) 24,39 60,16

Escolaridade do chefe de família (2º grau)

57,58

Escolaridade do chefe de família (superior)

Escolaridade da chefe de

família (analfabeta) 9,66 24,64 10,14 53,62

Escolaridade da chefe de família (1ª – 4ª série)

8,30 23,52 12,15 51,19 4,84

Escolaridade da chefe de família (5ª – 8ª série)

33,57 10,71 45,00

Escolaridade da chefe de

família (2º grau)

Escolaridade da chefe de família (superior)

Índice de geração (0,0-0,2)

Índice de geração (0,2-0,4) 64,10

Índice de geração (0,4-0,8) 9,91 23,67 14,68 47,71 4,04

Índice de geração (0,8-1,0) 6,64 27,91 9,97 51,00 4,49

Índice de geração (+ 1,0) 7,39 22,41 11,08 52,46 6,65

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs; sistematização dos dados da Tabela 22

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Tabela 23 – Sistematização da análise de correlação entre variáveis independentes e tipos

de uso da terra (%lotes) (continuação) Variáveis dependentes Variáveis independentes

Tipo1

roça pura

Tipo 2

roça + gado

Tipo 3 roça +

perenes

Tipo 4 roça + gado +

perenes

Tipo 5

pecuária extensiva

Índice de gênero (0,0-0,2)

35,94

43,75

Índice de gênero (0,2-0,4) 27,27 54,55

Índice de gênero (0,4-0,8) 8,41 23,72 12,87 50,38 4,63

Índice de gênero (0,8-1,0) 23,33 55,33

Índice de gênero (+ 1,0) 27,78 48,15

Tamanho do lote (0-5 ha) 40,91

Tamanho do lote (5-10 ha) 27,38 35,71

Tamanho do lote (10-50 ha) 11,68 22,70 12,73 47,51 5,38

Tamanho do lote (50-100 ha) 12,54 12,23 65,44 6,12

Tamanho do lote (+ 100 ha) 41,03 49,18 3,96

Título (lote não regularizado) 8,17 24,43 11,65 50,00 5,74

Título (lote regularizado) 7,40 24,31 12,05 52,85

Acesso ao crédito (sem acesso)

16,09 21,89 20,40 36,32 5,31

Acesso ao crédito (Pronaf)

27,18 3,97 61,91 4,96

Acesso ao crédito

(FNO) 11,11 17,13 61,57

Acesso ao crédito (Outros tipos)

34,45 54,55

Renda familiar anual (até R$ 100)

Renda familiar anual

(R$ 100-200)

Renda familiar anual (R$ 200-500)

Renda familiar anual (R$ 500-1000)

30,36 46,43

Renda familiar anual

(R$ 1000-2000) 29,94 51,59

Renda familiar anual (R$ 2000-6000) 4,96 33,62 3,88 52,37 5

Renda familiar anual (R$ 6000-10000)

7,55 24,82 58,63 6

Renda familiar anual

(R$ 10000-20000) 23,55 7,44 62,40

Renda familiar anual (+ R$ 20000) 70,73

Acesso ao transporte (não)

14,63 13,28 27,91 40,38 3,79

Acesso ao transporte (sim) 2,65 19,14 8,76 64,97 4,48

Acesso a energia (não) 7,64 14,01 21,02 52,65 4,67

Acesso a energia (sim) 5,74 24,88 65,55

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs; sistematização dos dados da Tabela 22

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363

7.4. Teste de hipóteses gerais

Foram assumidas como hipóteses gerais que as variáveis independentes mais

relevantes no uso econômico da terra são (i) o acesso ao crédito rural para permitir a

intensificação do uso da terra, (ii) o acesso à energia elétrica para beneficiamento da

produção e (iii) o acesso ao transporte para escoamento de produção, enquanto no uso

ecológico da terra são (i) o tamanho do lote (quanto maior o lote, maior a capacidade de

conter reserva legal), (ii) a origem do chefe da família (nativos amazônicos dominam os

modos de uso econômico da floresta e trazem nessas práticas valores culturais) e (iii) o

tempo de ocupação do lote (o desmatamento é intenso no início da ocupação, mas tende

a cair e estabilizar com a intensificação do uso da terra).

Os resultados quanto às variáveis independentes mais relevantes no uso

econômico da terra confirmam a hipótese geral, ainda que outras variáveis

independentes tenham também se mostrado relevantes, o que não desautoriza a hipótese

geral. Origem do chefe de família no Sul e Sudeste, escolaridade da chefe de família

superior e de 2º grau, índice de geração altos (maior potencial de trabalho em relação à

demanda de consumo do lote) e tamanho do lote em patamares mais abrangentes são

variáveis independentes relevantes na viabilidade econômica do lote, assim como aquelas

referentes às hipóteses gerais, isto é, acesso ao crédito rural (principalmente FNO),

transporte para escoamento e energia elétrica para beneficiamento da produção.

Os resultados quanto às variáveis independentes mais relevantes no uso

ecológico da terra confirmam a hipótese geral, ainda que outras variáveis independentes

tenham também se mostrado relevantes, o que de novo não desautoriza a hipótese geral. A

renda familiar anual, o acesso ao crédito rural do Pronaf e outros tipos de crédito, e o

acesso à energia elétrica demonstraram relação inversa com a retenção de reserva legal,

porém, um fato extremamente relevante para o desenvolvimento sustentável da Amazônia

é que o acesso ao crédito rural do FNO evidenciou relação direta com a retenção de

reserva legal. E todas as variáveis independentes da hipótese geral se confirmaram, ou

seja, a origem amazônica do chefe de família e o tamanho do lote guardam relação direta e

o tempo de ocupação do lote relação inversa com a retenção de reserva legal.

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364

7.5. Riscos inerentes à transição produtiva

O domínio sobre a terra e os recursos naturais passado entre gerações, através

da tradição verbal e das demonstrações, absolutamente não significa que o conteúdo

transmitido não seja conhecimento autêntico. Em geral, os agricultores que se limitam às

variáveis tradicionais estão mais seguros do que sabem e usam em relação às novas

variáveis que possam adotar. Esse pode ser considerado um exemplo de incertezas geradas

por um novo tipo de investimento, uma real preocupação dos produtores amazônicos

inerentes ao avanço do conhecimento. Portanto, seria um erro afirmar que a agricultura

amazônica é resistente às inovações, e sim que essas últimas, muitas vezes, tem uma

incompatibilidade tecnológica em relação à demanda gradativa de mudanças qualitativas

de uso da terra e dos recursos naturais nos lotes familiares e tradicionais. Isso, na visão do

produtor familiar, representa riscos, como em qualquer processo de tomada de decisão

quanto a novos investimentos. E nesse ponto, pequenos e grandes empreendedores,

agrícolas ou industriais, se assemelham. O que os diferem é que ao setor industrial as

preocupações centram-se nos riscos econômicos, enquanto o setor agrícola encampa os

riscos econômicos e ecológicos.

Para Tucker et al (2009), riscos podem ser definidos como a probabilidade de

uma decisão ou de um evento causar danos, sendo esses riscos influenciados por normas

sociais e culturais sobre o que é danoso. Portanto, a percepção de riscos tem um certo grau

de subjetividade, bem como a tolerância individual de um dano pode ser antecipada

baseado em algum conhecimento ou condição prévia. Em levantamento de campo dos

autores na Guatemala e México, 89,3% e 81,7% das respostas de cafeicultores familiares

referentes à percepção de riscos, respectivamente, são associadas com preços baixos pagos

pelo mercado consumidor. Em Honduras, mais da metade (56,8%) das respostas dizem

respeito aos preços baixos do mercado de café, enquanto quase dois terços (65,7%)

preocupam-se com riscos quanto à saúde familiar. De maneira geral, portanto, a percepção

de riscos econômicos se sobrepõe a de riscos ecológicos, o que confirma os resultados dos

próprios autores em relação a outros estudos. Ademais, mudanças no uso da terra

representam a estratégia mais comum para a redução de riscos econômicos e ecológicos.

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365

Portanto, se paira dúvida sobre os motivos que levam os produtores familiares

rurais a adotarem sistemas possivelmente insustentáveis e aparentemente incompatíveis

com a dotação de recursos naturais que dispõem, no geral, a resposta está no fato deles

adotarem sistemas possíveis e viáveis (nas condições reais que se deparam) que melhor

respondem ao conjunto de restrições enfrentadas em cada momento (sobretudo, de

escassez de trabalho e capital), não havendo nenhuma garantia de que qualquer sistema

produtivo seja eficiente do ponto de vista macro nem sustentável no longo prazo.

Para Guanziroli et al (2001), a intensificação do uso da terra se baseia, por um

lado, no trabalho familiar disponível e, por outro, na diversificação do sistema produtivo.

Esta última resulta também na busca de segurança. A diversificação do sistema produtivo

pode elevar o rendimento total por unidade de área agrícola, uma vez que seja projetado

para obter as sinergias que surgem na integração da agricultura com a pecuária

(reciclagem de nutrientes), das rotações de cultura (controle de doenças e pragas) e outras

técnicas. E esta maior complexidade do ecossistema agrícola dificilmente é manejável

com base no trabalho assalariado, o que demanda estratégia gradativa.

Vilar (2000) é mais completo ao expor que uma aparente situação de

estabilidade esconde uma luta constante das unidades de produção para superar o grave

problema de déficit de mão-de-obra. Existe o desejo expresso de investir, mas ele se

efetiva aquém da capacidade de trabalho disponível, embora a realização do investimento

não se defina apenas com base na disponibilidade de um determinado ativo de produção,

mas pela interação entre diferentes meios e ativos, além da percepção e capacidade de

adaptação aos riscos econômicos e ecológicos. A disponibilidade interna de trabalho,

ainda que fundamental, não se define por si só a realização e o nível de investimento, na

medida em que pode ser condicionada pela carência ou abundância de outros meios e

ativos, como saber, opções econômicas, políticas públicas e quantidade de terra.

Por isso entra a importância dos PUs propostos pelo Proambiente para o

planejamento da unidade de produção familiar rural com restrições de terra, trabalho e/ou

capital, ação que diminui riscos econômicos e ecológicos quanto aos processos de tomada

de decisão sobre mudanças qualitativas de uso da terra. Esta situação clara no depoimento

de um produtor familiar rural do Pólo do Proambiente de Ouro Preto D‟Oeste (RO):

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366

Planejar a gente pode, conseguir fazer é diferente. Se os filhos ficarem acho

que dá pra fazer tudo e tirar um bom sustento, mas se for melhor pra eles irem pra cidade,

a gente planta o que der. Mas se ficar todo mundo no lote, o sustento não é fácil, e

também precisa abrir mais a floresta e aumentar o nosso problema com o meio ambiente.

O governo também precisa ajudar e oferecer coisas boas.

Mas o que move efetivamente as unidades familiares ao novo investimento? A

tensão gerada pelas expectativas resultantes das implicações do ambiente socioeconômico

sobre as condições sociais reprodutivas desperta internamente a decisão de mudar, isto é, a

disposição para promover mudanças no padrão reprodutivo, tornando-o mais eficiente

econômica e ecologicamente. Entretanto, a materialização dessa decisão é determinada

pela existência de condições apropriadas e que se expressam na forma de disponibilidade

de terra, de estoque extra de trabalho, disponibilidade de alternativas econômicas já

validadas localmente e capazes de promover melhoria de renda, assim como confiança em

poder superar os possíveis riscos econômicos e ecológicos.

Em um primeiro momento, o investimento enquanto dispêndio adicional de

trabalho, voltado para a complexificação do sistema de produção, encontra seu limite na

disponibilidade total da força de trabalho da família. Entretanto, é viável supor que os

efeitos desse investimento inicial – limitado à potência de trabalho familiar – permitam a

construção de uma base de capital no interior da unidade. Em um segundo momento, a

renda gerada pela venda de mercadorias, em conseqüência do processo de

complexificação, pode viabilizar a ampliação e o fortalecimento da estratégia de

diversificação, através da introdução de novos produtos, novos sistemas de consórcios e

aperfeiçoamento da tecnologia de produção. Aqui, entende-se que os investimentos

requeridos, dependendo das condições conjunturais, já podem contar com o apoio do

crédito rural público, haja vista a capitalização inicial da unidade produtiva. A infra-

estrutura externa ao lote, portanto, permanece como a segunda condição para relativizar os

riscos econômicos e ecológicos da nova inversão.

Para Norder (2006), o fortalecimento da agricultura familiar em bases

endógenas representa um distanciamento em relação ao modelo de produção agrícola

especializado, exógeno e em grande escala que predomina no Brasil. Desse modo,

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valorizar a transição gradativa de uso da terra, em busca da diversificação produtiva,

representa a melhor estratégia para afugentar riscos econômicos e ecológicos. O exemplo

do FNO é o que mais se assemelha a esse paradigma. Mas a operacionalização do sistema

de crédito rural necessita atribuir prioridade aos financiamentos rurais com investimentos

de médio e longo prazos, em lugar da ênfase ao crédito de custeio coerente com o modelo

de produção vinculado à aquisição mercantil de grande quantidade de recursos externos e

de ciclo de curto prazo. Outro ponto vem da necessidade de harmonizar políticas de

crédito rural sustentável com infra-estrutura e remuneração de serviços ambientais.

Com o fim de criar as condições para a agricultura familiar e o

desenvolvimento rural sustentável é preciso reajustar e integrar, consideravelmente, as

políticas agrária, agrícola, ambiental e macroeconômica no âmbito nacional. O principal

objetivo da agricultura familiar e do desenvolvimento rural sustentável é aumentar a

produção de alimentos e fibras de maneira sustentável, gerar emprego e renda, e melhorar

a segurança alimentar da nação. Isto requererá a adoção de iniciativas de educação, de

utilização de incentivos econômicos, de infra-estrutura e o desenvolvimento de tecnologias

novas, limpas e apropriadas, para assim garantir estoques estáveis de alimentos

nutricionalmente adequados, o acesso de grupos vulneráveis a esses estoques e a produção

para os mercados consumidores locais, o emprego e a geração de renda para aliviar a

pobreza, a ordenação dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente. É preciso dar

prioridade à conservação e ao melhoramento da capacidade das terras agrícolas com

maiores possibilidades para responder à expansão demográfica. Contudo, também é

necessário conservar e recuperar os recursos naturais das terras com menores

possibilidades com o fim de manter uma relação ser humano e terra sustentável.

Esse conjunto de demandas são complexas de se harmonizar, mas ao certo, são

muito mais relevantes para derrubar o verdadeiro “risco país” (que não deve ser tomado

simplesmente como indexador homônimo do mercado financeiro de forma a avaliar a

possibilidade de valorização fictícia do capital) e viabilizar processos endógenos de

desenvolvimento econômico e ecológico.

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CONCLUSÕES

Quanto à análise de desempenho do Programa de Desenvolvimento

Socioambiental da Produção Familiar Rural (Proambiente) como política pública federal,

o presente estudo traz as seguintes conclusões:

A adesão brasileira ao “Novo Consenso Macroeconômico”, encampada pela

política econômica das gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

(1995-1998; 1999-2002), e continuada pelos mandatos do presidente Luiz Inácio

Lula da Silva (2003-2006; 2007-2010), sustenta valores como câmbio flutuante

(desde 1999, com a quebra da paridade dólar-real), mobilidade de capitais, metas

de inflação e superávit fiscal. Na prática, as políticas econômicas de ambos os

governos se restringem às taxas de juros orientadas pelas metas de inflação e ao

alcance de significativos superávits primários para permitir o pagamento de juros e

amortizações da dívida externa [gastos que equivalem a 30,59% (sem

refinanciamento) ou 53,21% (com refinanciamento - pagamento de amortização

com a emissão de títulos públicos) dos recursos financeiros do Orçamento Geral da

União - OGU], sem foco num processo estratégico de desenvolvimento endógeno

econômico e ecológico ou num projeto-país (que sugere coordenação de políticas

públicas e visão de desenvolvimento integrado com inclusão social), o que torna

desimportante a concepção de desenvolvimento endógeno e de políticas públicas

estruturantes como a proposta pelo Proambiente.

Apesar da evolução do orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) entre

as gestões FHC e Lula, em média, 35,08% ao ano dos recursos financeiros

provindos do OGU foi destinado para a reserva de contingência ou cortes

orçamentários. Como à estrutura administrativa do MMA estão vinculados o

Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA), o Instituto Chico Mendes (ICM), o Fundo Nacional de Meio

Ambiente (FNMA), a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Jardim Botânico do

Rio de Janeiro (JBRJ), resta ao próprio 40% dos recursos líquidos

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disponibilizados (em torno de ínfimos R$ 600 milhões ao ano), o que

impossibilita a execução de políticas públicas ambientais estratégicas.

Nas gestões FHC e Lula, a receita média anual prevista de R$ 4,3 bilhões na

arrecadação de royalties ambientais (petróleo, minerais e recursos hídricos)

vinculados ao MMA somou R$ 3,81 bilhões, sendo efetivamente aplicado apenas

R$ 606 milhões, ou seja, 83,90% do montante financeiro proveniente de royalties

destinado para a questão ambiental foi retido pelo governo federal para

cumprimento de metas de superávit primário, pagamento de juros e amortizações

da dívida externa, o que impossibilita o desenvolvimento endógeno e a execução

de políticas públicas ambientais estratégicas.

Se não bastasse o problema de falta de verbas ocasionado pelo novo contexto

macroeconômico, o MMA também não empenha a totalidade de recursos

financeiros autorizados pelo OGU ou provenientes de royalties ambientais. Na

administração pública federal, o contingenciamento e o corte orçamentário (para

cumprimento de metas de superávit primário, pagamento de juros e amortizações

da dívida externa) são priorizados nas unidades de gestão que apresentam

problemas de execução da verba pública, logo, o MMA sofreu não só com a

política econômica restritiva e falta de prioridade do governo federal em executar

políticas ambientais estratégicas, mas também com problemas de competência

administrativa para executar gastos governamentais e operacionalizar suas

políticas públicas.

O problema de competência administrativa também pode ser verificado na falta

de foco estratégico dos programas governamentais executados pelo MMA nos

PPAs das gestões FHC e Lula. Apesar do baixo orçamento, o MMA detém em

torno de 20 programas governamentais ao ano nos PPAs, o que o coloca entre os

cinco ministérios com mais programas governamentais, sendo que os demais

dêem orçamentos substancialmente superiores. Por conseguinte, não somente o

governo federal não demonstra prioridade ao desenvolvimento endógeno e à

questão ambiental, mas também o MMA não consegue estruturar uma

administração competente no sentido de priorizar poucos programas

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governamentais estratégicos, o que resulta numa fraca institucionalidade, fadada

à execução de dispersas ações pilotos incapazes de balizar futuros processos de

desenvolvimento endógeno econômico e ecológico.

O problema de multiplicidade de ações e programas similares e praticamente sem

resultados do MMA vincula-se à nova lógica macroeconômica de arranjo

programático-operacional estabelecido na trilogia PPA-LDO-LOA, o que

evidencia a incapacidade do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

(MPOG) de coordenar estratégias mais amplas de políticas ambientais e

desenvolvimento econômico ecológico, ou mais grave, de se mostrar capaz de

liderar a montagem de um projeto-país. Como a programação de dispêndios ao

longo dos exercícios fiscais se tornou mais importante que assegurar os melhores

rumos para as ações de governo, permite-se a aberração de desperdício de verba

pública por meio da pulverização da mesma em dezenas de programas

governamentais ambientais sem poder orçamentário para gerar resultados

efetivos e duradouros.

Devido à lógica de arranjo programático-operacional, o Proambiente se insere

dentro do PPA 2004-2007 não como prioridade de governo ou como

oportunidade de se estabelecer um processo endógeno de desenvolvimento

voltado ao setor de produção familiar e a uma política nacional de serviços

ambientais, mas como sobrevivente de um campo de disputa política pontual no

momento de elaboração do próprio PPA 2004-2007 (durante o ano de 2003,

primeiro da gestão Lula), fato que reduz não só a efetividade dos seus resultados

futuros, mas que também fecha os espaços para um projeto-país.

Não houve prioridade do governo federal, MMA e SDS/MMA ao Proambiente.

No âmbito governamental, faltou entendimento sobre o significado de serviços

ambientais (o que leva a não interpretação plena do Proambiente), sobre a

relevância estratégica da agricultura familiar e da Amazônia Legal, assim como

não houve uma leitura clara quanto às demandas de um processo de

desenvolvimento endógeno econômico e ecológico para a região. No caso do

MMA, suas pautas principais ainda se remetem ao comando e controle, crimes

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ambientais, mitigação de impactos ambientais de obras de infra-estrutura na

Amazônia Legal, gestão de florestas públicas e reforma administrativa. Enquanto

projeto da sociedade civil organizada (2000-2002), o Proambiente encontrou na

Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA) do Ministério do Meio Ambiente

(MMA) seu espaço de articulação política e integração técnica com o

PDA/SCA/MMA. Na gestão da Ministra Marina Silva (2003-2006) ocorre a

extinção da SCA e a alocação do Proambiente na SDS/MMA, com isso, o

programa perdeu seu antigo espaço de articulação política e integração técnica e

vinculou-se a uma nova unidade de gestão que não o tinha como prioridade, o

que resulta na transferência de seus recursos financeiros do PPA 2004-2007 para

a ação governamental “Gestão Ambiental Rural” (GESTAR), prioritária para a

SDS/MMA.

A não consolidação do Proambiente também advêm da falta de articulação política

entre governo-sociedade, em parte, conseqüente da leitura clara dos movimentos

sociais sobre sua não priorização pelo governo federal como política pública

estratégica de desenvolvimento endógeno. Insistir na pauta Proambiente passou a

representar um risco político às lideranças dos movimentos sociais envolvidas com

a proposição do programa.

Dentro de uma lógica setorial de Estado na execução de políticas públicas, o

Proambiente foi entregue ao governo federal, no início de 2003, antes que o último

definisse suas linhas de atuação política prioritárias, o que dificultou a adaptação

da proposta à estrutura de gestão governamental montada, afinal, já existia um

compromisso resulto da articulação com a base de construção do Proambiente

sobre as formas de consolidá-lo. E o principal erro foi considerar os serviços

ambientais, e não a transição agroecológica estabelecida nos Planos de Utilização

das Unidades de Produção (PUs), como o elemento central do programa, fato que

causou grande expectativa para recebimento da remuneração, sem a devida base

legal e institucional estruturada para procedê-la.

As reorientações de políticas públicas estabelecidas pelo governo federal, portanto,

inutilizam a existência Proambiente como programa governamental. Os PDs não

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têm mais razão de existir, pois ganha prioridade o Programa Nacional de

Territórios Rurais (PRONAT) e os Territórios da Cidadania, sendo que as

demandas dos PDs podem ser inseridas nos Planos Territoriais; os PUs podem ser

adaptados dentro do Pronaf Sistêmico e implementados a partir da tomada de

crédito rural do Pronaf, ainda que haja limitações para a transição agroecológica; a

Política Nacional de ATER (PNATER) e do Programa Nacional de ATER

(PROATER) inviabilizam a existência das equipes de ATER do Proambiente

devido ao risco político ao MDA de um programa governamental ser priorizado

frente a outros programas ou projetos.

O reconhecimento formal dos ACs, a normalização de certificação de serviços

ambientais e a constituição de um fundo de remuneração de serviços ambientais

encontraram entraves devido à não existência de uma base legal no país que defina

o termo “serviços ambientais”, o que faz a efetividade das ações dependerem da

aprovação do projeto de lei proposto pelo MMA. Ademais, a SDS/MMA

evidenciou sua preocupação maior em honrar o compromisso político de proceder

uma provisória remuneração de serviços ambientais a todos os participantes à,

propriamente, analisar as etapas do Proambiente e diagnosticar os Pólos e famílias

cumpridores e não cumpridores de todas essas etapas. A remuneração de serviços

ambientais indiscriminada colaborou para quebrar laços comunitários informais de

confiança formalizados nos ACs, além do repasse em “dinheiro vivo” personalizar

e politizar a ação no lugar de institucionalizá-la como um direito econômico

ecológico via banco público.

As ações propostas pelo Proambiente, ainda que incorporadas em políticas públicas

do MMA e outros ministérios, não são trabalhadas de forma integrada, logo,

persiste a demanda por sua continuidade não como um programa governamental

finalístico, mas como um programa governamental meio de modo a estimular

processos de desenvolvimento endógeno territorial, promover articulação entre as

instâncias de governo e balizar a constituição de uma política nacional de serviços

ambientais. Para tal, sua coordenação deve sair do MMA e migrar para a Casa

Civil ou Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), pois um

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ministério com o mesmo nível político dos demais não tem legitimidade para

impor a integração ministerial propostas no Proambiente.

Nos Pólos caracterizados como A e B (Tabelas 4 e 5), o Proambiente tem potencial

de avanço que depende mais da ação governamental integrada e prioritária em

relação ao programa do que propriamente das entidades da sociedade civil

organizada local, pois as mesmas já demonstraram grande capacidade institucional

e vontade coletiva de consolidar o programa. Nos Pólos categorizados como C

(Tabelas 4 e 5), a melhor estratégia seria frear a tentativa ineficiente de avançar nas

suas consolidações e partir para um amplo processo de formação e fortalecimento

do capital social e institucional local. Logo, para as realidades dos Pólos das

categorias A e B, o Proambiente se constitui como um programa de

desenvolvimento territorial atrelado a uma estratégia de redesenho de sistemas

produtivos para manejo integrado das unidades de produção e prestação de

serviços ambientais em escala de paisagem rural, tendo a remuneração de serviços

ambientais como um reconhecimento ao movimento organizado para a mudança.

Já os Pólos da categoria C, o debate sobre remuneração de serviços ambientais é

ponto de partida e não resultado final do processo de construção social, o que

resulta num olhar ao Proambiente mais como chance de obtenção de renda do que

compensação dos custos de oportunidade para conversão qualitativa de uso da terra

e dos recursos naturais. Assim, a existência do capital social e institucional deve

ser considerada como uma forma de potencializar políticas públicas ou programas

governamentais, numa parceria de confiança, co-gestão e co-execução entre Estado

e sociedade, e não como uma forma de substituir a ação estatal.

Quanto à determinação das variáveis mais relevantes nas decisões sobre o uso

da terra e dos recursos naturais em propriedades familiares rurais amazônicas selecionadas

pelo Proambiente, de modo a gerar informações capazes de qualificar a aplicação de

políticas integradas de financiamento rural e remuneração de serviços ambientais na

Amazônia Legal, o presente estudo traz as seguintes conclusões:

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Variável tempo de ocupação do lote: os cultivos anuais deixam de ser uma

estratégia exclusiva de uso econômico da terra ao longo do tempo, sendo

acrescidos de culturas perenes e campos abertos (pastagens); há impactos na

reserva legal durante o tempo de ocupação do lote, porém, são em parte

compensados nos lotes mais velhos devido à introdução de culturas perenes no

longo prazo, sobretudo, após 20 anos de ocupação do lote; a estabilização do

desmatamento nos estágios mais avançados não se demonstrou possível devido à

rotatividade de proprietários nos lotes; a variável também não se demonstrou

significativa para a geração de renda familiar anual devido à rotatividade de

proprietários, embora a capitalização dependa da superação do déficit inicial de

capital e da elevação da produtividade marginal do trabalho, quesitos ausentes no

início da ocupação devido à ausência de eventos macroeconômicos (ex: crédito

rural, infra-estrutura, oportunidades no mercado consumidor, programas

governamentais de transferência de renda, aposentadoria rural) externos ao lote.

Variável origem do chefe de família: significativamente, lotes liderados por

sulistas detêm áreas maiores destinadas aos cultivos anuais, conforme a tradição de

grãos da região; lotes chefiados por produtores do Sudeste têm maior predomínio

de cultivos perenes, seguido dos lotes chefiados por produtores do Sul, Centro-

Oeste e Nordeste, sendo que o resultado se explica devido à tradição de cultivo de

café e frutíferas da região Sudeste, sobretudo, mineiros e capixabas que compõe o

percentual mais significativo de migrantes dessa região; lotes chefiados por

produtores do Sudeste, Centro-Oeste e Sul detêm áreas substancialmente maiores

utilizadas para a pecuária, além da atividade ser mais uniformemente distribuída

entre as diversas classes de porcentagens; quanto ao que se estabelece na legislação

ambiental para o bioma amazônico (destinação de 80% da área do lote para reserva

legal), 44,84% dos lotes de famílias amazônicas estão na legalidade, contra

somente 8,23% dos lotes chefiados por produtores familiares do Nordeste, 3,35%

do Sudeste, 2,50% do Centro-Oeste e 2,49% do Sul, assim, há uma clara relação

entre origem e presença de reserva legal, explicável pela tradição agroextrativista

dos amazônicas e pela tradição agropecuária dos produtores das demais regiões,

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sem o conhecimento sobre formas de uso econômico e ecológico múltiplo da

floresta; produtores familiares do Sul e Sudeste têm rendas familiares anuais mais

elevadas, pois se adaptaram melhor ao padrão de cultivo do Centro-Sul brasileiro

imposto pelos projetos de colonização, enquanto os produtores familiares do

Nordeste detêm as menores rendas familiares anuais ao priorizarem os sistemas de

subsistência.

Variável escolaridade do chefe e da chefe de família: quanto maior é a

escolaridade dos líderes de propriedades, maior é a tendência para abertura de

campos abertos, sendo que no caso das mulheres, essa tendência é menos

acentuada, evidenciando a influência da divisão social do trabalho nos lotes, pois a

pecuária é um tipo de atividade mais caracteristicamente masculina, enquanto as

mulheres lideram a criação de pequenos animais (suínos e aves); quanto maior a

escolaridade feminina (2º grau e superior), maior é a renda familiar anual. A

escolaridade não se demonstrou uma variável relevante para cultivos anuais,

cultivos perenes e reserva legal.

Variável índice de geração: lotes com maior capacidade familiar de trabalho

fisiológico (mais alto potencial de trabalho em relação à demanda de consumo)

têm melhores condições de introduzirem sistemas perenes, enquanto lotes com

perfil oposto apresentam dificuldades operacionais para superar a estagnação

econômica e subsistência familiar baseada em cultivos anuais; a pecuária oscila em

maiores quantidades entre situações de baixo e alto índice de geração; a maior

quantidade de mão-de-obra é inversamente proporcional à de reserva legal;

entretanto, os resultados somente têm significância estatística para reserva legal e

renda familiar anual; portanto, os lotes com maior índice de geração obtém maior

renda familiar anual (com mais desmatamento), pois a capacidade de trabalho é

relevante para desencadear processos produtivos diversificados.

Variável índice de gênero: a variável não demonstra significância estatística no

modo de uso da terra, porém, homens e mulheres desenvolvem trabalho fisiológico

conjunto em todos os tipos de uso da terra, ainda que haja uma divisão social do

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trabalho entre os gêneros, com os homens dedicando mais tempo de trabalho nos

cultivos anuais (ainda que seja representativo o trabalho feminino também nesse

tipo de uso da terra, exceto no ato de corte e queima para preparo do plantio) e

campos abertos (trabalho quase exclusivamente masculino), e as mulheres nos

quintais agrícolas (parte da classificação dos sistemas perenes) e criação de

pequenos animais (dado não analisado no presente estudo), enquanto ambos

trabalham integrados nos cultivos perenes e nas casas de farinha; embora haja clara

divisão social de trabalho nos lotes, a variável não induziu diferenças significativas

pois 72,8% dos lotes possuem equilíbrio entre quantidade de mão-de-obra

masculina e feminina, o que demonstra a importância do trabalho integrado de

gêneros para a viabilidade da propriedade rural.

Variável tamanho do lote: quanto maior o lote, menor é a importância relativa das

culturas anuais e perenes, pois esses tipos de uso da terra ocupam quantias

reduzidas de terra; portanto, lotes maiores apresentam limites de capacidade de

trabalho para ampliar suas áreas percentuais com cultivos anuais e perenes, mas

por outro lado, têm mais área disponível para diversificação do uso da terra; lotes

com tamanhos intermediários apresentam perfil pecuarista mais acentuado, ou seja,

ao longo do tempo, a área de pecuária aumenta até o limite de 60% do lote, depois

se estabiliza, sendo que esse aumento se dá de maneira mais acentuada nos lotes de

tamanhos intermediários; há relação direta entre tamanho do lote e capacidade de

retenção de reserva legal, exceto em regiões com perfil pecuário, onde a depleção

de reserva legal é maior quanto mais área houver disponível para imprimir a

atividade econômica; quanto maior o lote, maior é a capacidade de geração de

renda familiar anual, pois lotes muito reduzidos têm menos possibilidades de

diversificação produtiva.

Variável titularidade do lote: há relação entre titulação dos lotes e cultivos anuais;

uma parcela maior de lotes regularizados destina áreas proporcionalmente menores

para cultivos anuais, porém, a relação é muito amena; de forma oposta, uma

parcela maior de lotes regularizados destina áreas proporcionalmente mais

abrangentes para pecuária, no entanto, novamente de forma sutil, pois o histórico

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de políticas de crédito rural voltadas para a pecuária extensiva, que anteriormente

exigiam o título da terra, caracteriza-se como uma variável mais relevante; ainda

que a formação de pastagens caracterize-se como um modo de garantir a posse da

terra não regularizada, a análise conjunta dos resultados demonstra que há

priorização de áreas mais abrangentes para a atividade pecuária em maior número

relativo de lotes regularizados; não há relação entre titulação dos lotes e cultivos

perenes ou reserva legal, assim, o título da terra por si só não assegura proteção ao

recursos naturais como se apregoa na literatura de direito ambiental; a renda

familiar anual é levemente superior em lotes regularizados, mas o maior impacto

da regularização não se dá no uso na terra, mas no valor de revenda do imóvel

rural.

Variável acesso ao crédito rural: lotes com acesso ao crédito rural do FNO ou

outros tipos de crédito rural apresentam áreas menores de culturas anuais, enquanto

este tipo de cultivo amplia-se em propriedades com acesso ao crédito rural do

Pronaf ou sem acesso ao crédito rural; os dados demonstram que o acesso aos

diferentes tipos de modalidade de crédito rural influencia o uso da terra para

cultivos perenes de maneira inversa aos cultivos anuais, isto é, lotes com acesso ao

crédito rural do FNO e outros tipos de crédito rural estimulam e com acesso ao

crédito rural do Pronaf e sem acesso ao crédito rural desestimulam a introdução de

cultivos perenes, porém, no presente caso, essa relação se manifesta de forma mais

amena que para os cultivos anuais; é possível concluir que o Pronaf, apesar de sua

grande relevância ao longo dos últimos anos para a inclusão da agricultura familiar

na pauta produtiva agropecuária brasileira, ainda apresenta muitos percalços

quanto ao estímulo à diversificação produtiva, ao revés, o FNO possibilita avanços

no cultivo de perenes; a relação entre o acesso ao crédito rural e o uso da terra para

a pecuária se demonstra mais contundente que para cultivos anuais e perenes,

principalmente, para as duas principais linhas de crédito rural para a agricultura

familiar, o Pronaf e o FNO, o que evidencia a demanda de harmonização entre

instrumentos econômicos e legislação ambiental; o acesso ao crédito rural do FNO

é menos agressivo à legalidade ambiental sobre reserva legal que o acesso ao

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crédito rural do Pronaf, certamente pela sua decisão de financiar sistemas

agroflorestais, ainda que condicionado à presença de cultivos anuais, pecuária ou

ambos; o Pronaf induz a pecuarização das áreas de reserva legal de maneira mais

agressiva que o FNO, que apesar de também expandir a pecuária, demonstra ao

mesmo tempo maior capacidade de promover diversificação dos sistemas de

produção perenes e propiciar sua averbação como reserva legal; de maneira geral,

como se subentende, há relação direta entre acesso ao crédito rural e renda familiar

anual.

Variável renda familiar anual: há crescimento de cultivos anuais entre níveis

mais baixos e intermediários de renda familiar anual, e decréscimo em níveis

intermediários para mais altos, assim, lotes com renda familiar anual mais alta

destinam menor porção de área para cultivos anuais, atividade que se caracteriza

por gerar baixo valor, portanto, é mais direcionada para a segurança alimentar da

família; por sua vez, quanto maior o nível de renda familiar anual, maior é a

ocupação do lote com culturas perenes e pecuária, configurando-se uma situação

inversa à manifestada para culturas anuais; a análise de correlação dos dados

também demonstra que a pecuária agrupa menos lotes com rendas mais elevadas

em relação aos cultivos perenes, fato que evidencia tanto a força da criação de

gado, o motivo de seu status social e sua maior capacidade de concentração de

renda, quanto a relevância dos cultivos perenes de gerar renda; quanto maior a

renda familiar anual, menor é a ocupação do lote com reserva legal, dado que

ilustra a situação inversa entre reserva legal e campos abertos; enquanto a atividade

pecuária não discrimina famílias com mais ou menos de R$ 10.000,00 anuais de

renda, o cumprimento da legalidade ambiental quanto à reserva legal opõe mais

fortemente grupos mais altos de renda, acima de R$ 20.000,00, em relação aos

demais, ainda que aquelas famílias com mais baixas rendas também demonstrem

incapacidade de reter reserva legal; esse dado final expõe a grande necessidade,

novamente, de se desenvolver opções de políticas produtivas com sustentabilidade

ambiental, pois o cumprimento da legislação ambiental quanto à reserva legal

demonstra comprometimento na geração de renda familiar anual.

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Variável acesso ao transporte: lotes com acesso ao transporte para escoamento de

produção apresentam melhores condições para consolidar sistemas perenes, porém,

essa relação é mais amena se comparada à pecuária, pois comparativamente, lotes

sem acesso ao transporte destinam porções de terra mais escassas para a criação de

gado; portanto, o acesso ao transporte viabiliza a prática pecuária familiar, que

cumpre o triplo papel de demarcação dos limites da propriedade, de poupança para

custeio de emergências familiares (ex: tratamento de saúde) e investimentos em

sistemas mais produtivos em conjunto com o acesso ao crédito rural; dessa forma,

há relação direta entre acesso ao transporte e renda familiar anual, em grande parte

advinda da atividade pecuária e do cultivo de perenes; o uso da terra para cultivos

anuais e a reserva legal não sofreram mudanças estatística com o acesso ou não

acesso ao transporte.

Variável acesso à energia elétrica: lotes com acesso à energia elétrica apresentam

melhores condições de investir em áreas maiores de sistemas perenes; nesse caso

específico, os resultados comparativos entre abrangência de culturas perenes e

acesso à energia elétrica para beneficiar a produção se mostram mais intimamente

relacionados que os resultados comparativos apresentados entre abrangência de

culturas perenes e acesso ao transporte para escoar a produção, assim, energia

elétrica é uma variável mais forte que o transporte para elevar a importância do uso

da terra com cultivos perenes, conseqüentemente, há relação direta entre acesso à

energia elétrica e renda familiar anual; lotes sem acesso à energia elétrica

apresentam maior capacidade de cumprir a legislação ambiental quanto à reserva

legal, enquanto o acesso à energia elétrica demonstra-se como uma variável mais

determinante que o acesso ao transporte para o não cumprimento deste item da

legislação ambiental.

Comparação entre as variáveis de infra-estrutura: o acesso ao transporte e à energia

elétrica são muito relevantes para a geração de renda familiar anual,

principalmente, o segundo tipo de infra-estrutura, que colabora na formação de

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capital na importância de 1/3 a mais que o primeiro tipo; ambos são relevantes para

a expansão de cultivos perenes, sobretudo energia elétrica, enquanto a pecuária

responde em maiores proporções somente para o acesso ao transporte; a expansão

da área de pecuária é bem mais significativa com o acesso ao transporte em

comparação à expansão da área de cultivos perenes com acesso ao transporte e

energia elétrica conjuntamente, no entanto, ao mesmo tempo em que proporcionam

renda, o acesso à infra-estrutura impacta fortemente áreas de reserva legal, quase o

dobro da área com pecuária e transporte, e mais que o triplo da área com cultivos

perenes, pecuária, transporte e energia; mais uma vez fica evidente a demanda de

se harmonizar políticas de infra-estrutura para induzir demanda efetiva do

desenvolvimento econômico e políticas ambientais.

Portanto, de modo geral, para as hipóteses específicas das onze variáveis

independentes, sete se confirmam parcialmente (tempo de ocupação do lote, origem do

chefe de família, índice de geração, titularidade do lote, acesso ao crédito rural, renda

familiar anual, acesso à energia elétrica para beneficiamento da produção – com a

particularidade que para acesso ao crédito rural, as hipóteses se confirmam para algumas

linhas e não se confirmam para outras), duas se confirmam totalmente (tamanho do lote e

acesso ao transporte para escoamento de produção) e duas não se confirmam (escolaridade

do chefe e da chefe de família e índice de gênero – sendo que para a última, a hipótese não

se confirma, mas ao mesmo tempo não é desautorizada).

Para a transição tipológica de uso da terra e processos de capitalização, a

hipótese específica se confirma. Ainda que a transição produtiva possa prescindir do

acesso ao crédito rural e à infra-estrutura de transporte para escoamento e energia elétrica

para beneficiamento da produção, ela se dá de forma substancialmente mais lenta ao longo

do tempo, o que induz processos de capitalização familiar mais paulatinos. No entanto,

com acesso ao crédito rural e à infra-estrutura de transporte e energia elétrica, a transição

tipológica para sistemas mais complexos é catalisada e, conseqüentemente, gera processos

mais rápidos de capitalização familiar. Enquanto sem acesso a fontes externas de capital,

em geral, a diversificação de sistemas produtivos necessita ser realizada de forma

alternada entre pecuária e cultivos perenes (com a primeira alavancando capital para o

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segundo), o acesso a essas fontes externas permite desencadear processos concomitantes.

Vale a ressalva que tempo de ocupação do lote, escolaridade, composição familiar e

tamanho do lote também manifestam-se como variáveis independentes importantes nos

processos de capitalização familiar.

Os resultados quanto às variáveis independentes mais relevantes no uso

econômico da terra confirmam a hipótese geral, isto é, acesso ao crédito rural

(principalmente FNO), transporte para escoamento e energia elétrica para beneficiamento

da produção são muito relevantes para desencadear capitalização, ainda que também

tenham se demonstrado relevantes a origem do chefe de família no Sul e Sudeste, a

escolaridade da chefe de família superior e de 2º grau, o índice de geração alto (maior

potencial de trabalho em relação à demanda de consumo do lote) e o tamanho do lote em

patamares mais abrangentes.

Os resultados quanto às variáveis independentes mais relevantes no uso

ecológico da terra também confirmam a hipótese geral, ou seja, a origem amazônica do

chefe de família e o tamanho do lote guardam relação direta e o tempo de ocupação do lote

relação inversa com a retenção de reserva legal. As variáveis independentes renda familiar

anual, acesso ao crédito rural do Pronaf, acesso a outros tipos de crédito rural e o acesso à

energia elétrica para beneficiamento da produção demonstraram relação inversa com a

retenção de reserva legal. Por fim, um fato extremamente relevante para o

desenvolvimento sustentável da Amazônia foi o acesso ao crédito rural do FNO evidenciar

relação direta com a retenção de reserva legal ao mesmo tempo em que estimula processos

produtivos de forma gradativa.

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RECOMENDAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS

A presente tese de doutoramento demonstra a complexidade de se consolidar o

Proambiente como uma proposta dos movimentos sociais rurais amazônicos que une (a)

controle social para superação do clientelismo político e assistencialismo social ainda

fortemente presente na realidade política brasileira, (b) desenvolvimento endógeno

atrelado a uma estratégia territorial que se choca com as diretrizes do “Novo Consenso

Macroeconômico”, (c) planejamento econômico (decisões de produção) e ecológico

(decisões de conservação ambiental) das unidades familiares de produção de modo a

superar o vazio de políticas públicas agrícolas e ambientais integradas e (d) remuneração

de serviços ambientais na escala de paisagem rural como forma de reconhecer o papel

econômico e ecológico da agricultura familiar como setor produtivo imprescindível para o

desenvolvimento rural brasileiro.

Nesse sentido, recomenda-se novos estudos que analisem a execução de

políticas públicas vigentes e que proponham a elaboração de novas políticas públicas que

se aproximam das propostas pelo Proambiente. A elaboração de novos conceitos teóricos

sobre controle social de políticas públicas pode ser um primeiro passo para aprimorar

formas de participação política da sociedade civil organizada no debate sobre

desenvolvimento econômico e inclusão social. Uma segunda demanda é a de investigar a

capacidade dos espaços democráticos de tomadas de decisão de renovar a ação estatal e

resgatar o estímulo aos processos endógenos de desenvolvimento com enfoque territorial.

Outro ponto a destacar refere-se à necessidade de se estudar estratégias de políticas

públicas para apoiar a produção familiar rural no atendimento e fortalecimento de

mercados internos e processos endógenos de desenvolvimento local. Apresentar uma base

teórica em direito ambiental também se constitui como uma relevante estratégia para

subsidiar a consolidação de um fundo de serviços ambientais, a estruturação de uma

política nacional de serviços ambientais e a execução de um programa governamental de

remuneração de serviços ambientais integrado como uma política agrícola de fomento à

transição agroecológica de uso da terra. Por fim, o aprimoramento de estudos que

interpretam quais as variáveis que influenciam as decisões sobre uso da terra e dos

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recursos naturais são fundamentais para qualificar políticas de financiamento rural e

remuneração de serviços ambientais à produção familiar rural amazônica.

Com relação à última recomendação, as análises das influências das variáveis

independentes nas decisões sobre uso da terra do presente estudo foram realizadas com os

dados agrupados de sete regiões amazônicas inseridas no Programa Proambiente. Para

trabalhos futuros, recomenda-se estratificar a análise regionalmente, de modo a

diagnosticar e discutir as particularidades de cada Pólo do Proambiente, assim como

propor estratégias complementares e diferenciadas de políticas públicas de transição

produtiva e remuneração de serviços ambientais para cada contexto local.

Uma análise preliminar dos dados estratificados indica algumas

particularidades:

Os Pólos do Proambiente se assemelham quanto ao tempo de ocupação do lote,

exceto a Baixada Maranhense (MA), onde 60,0% das famílias estão a mais de 20

anos no lote e 24,6% entre 10-20 anos, o que caracteriza uma situação de posse

mansa e pacífica da terra bem mais antiga que a média do programa

governamental.

Os Pólos do Proambiente do Noroeste (MT) e Ouro Preto D‟Oeste (RO) têm forte

presença de colonos com origem no Sul e Sudeste do país (situação típica de

expansão das fronteiras agrícolas do Centro-Sul do país que expulsam os

agricultores familiares para o Arco do Desmatamento da Amazônia), o Alto Acre

(AC) e o Rio Capim (PA) praticamente são compostos por nortistas (o primeiro

pelo fato de ser uma fronteira agrícola ainda pouco explorada; o segundo pela

colonização muito antiga de nordestinos para produção de alimentos para a frente

de exploração de borracha natural no início do século XX, logo, os atuais colonos

já são netos e bisnetos desses pioneiros) e a Baixada Maranhense (MA) e Bico do

Papagaio (TO) praticamente encampam nordestinos (pela proximidade regional

com a região mais pobre do país, que colabora com migração para áreas

adjacentes).

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Os Pólos do Proambiente se assemelham quanto à predominância de 1ª a 4ª série

de escolaridade dos chefes e das chefes de família, sendo que no Bico do

Papagaio (TO) e Transamazônica (PA) ambas as situações de analfabetismo e de

formação em 2º grau são bem mais elevadas que a média do programa.

Os Pólos do Proambiente se assemelham quanto ao índice de geração, exceto

Noroeste (MT) e Ouro Preto D‟Oeste (RO), onde é possível observar presença

mais aguçada de adultos em relação à crianças se comparado à média do

programa, situação típica de áreas de expansão de fronteiras agrícolas.

Não há variação estatisticamente significativa de índice de gênero entre os Pólos

do Proambiente, com todos se situando em valores intermediários, o que evidencia

a importância da divisão social do trabalho masculino e feminino para viabilizar a

transição produtiva e a prestação de serviços ambientais.

Os Pólos do Proambiente apresentam grande variação quanto ao tamanho do lote,

porém, esses resultados são plenamente explicáveis. O Alto Acre (AC) e a

Transamazônica (PA) detêm os lotes maiores por se caracterizarem por fronteiras

agrícolas pouco exploradas (sendo que no primeiro caso também há a

particularidade de agrupar famílias locadas em reservas extrativistas), enquanto a

Baixada Maranhense (MA), Bico do Papagaio (TO), Noroeste (MT) e Ouro Preto

D‟Oeste (RO) detêm os lotes menores por serem fronteiras agrícolas em

consolidação (sobretudo as duas primeiras). A única exceção observada é a do

caso do Rio Capim (PA), com propriedades familiares com tamanhos

intermediários, apesar de ser a região de fronteira agrícola mais velha. Isso ocorre,

provavelmente, por processos de reconcentração fundiária.

Os Pólos do Proambiente do Noroeste (MT) e Ouro Preto D‟Oeste (RO)

apresentam titularidade dos lotes mais elevada em relação à média do programa,

enquanto praticamente nenhuma família detém o título da terra na Baixada

Maranhense (MA). O primeiro caso se explica pela forte tradição agrícola e

formação de capital social dos produtores do Sul e Sudeste que fazem valer seus

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direitos, além de corresponder aos projetos de colonização oficiais da década de

70, enquanto o último caso evidencia a negligência do Estado brasileiro no

reconhecimento oficial de áreas alagadas de uso comum.

Os Pólos do Proambiente se diferenciam bastante quanto ao acesso ao crédito

rural. O Noroeste (MT) e a Baixada Maranhense (MA), ainda que dentro da

Amazônia Legal, não têm acesso ao crédito rural do FNO por não se localizarem

na Região Norte, devendo acessar, respectivamente, o Fundo Constitucional de

Financiamento do Centro-Oeste (FCO) e o Fundo Constitucional de

Financiamento do Nordeste (FNE). Essa situação coloca em xeque a coerência

econômica ecológica da legislação vigente, pois FCO e FNE detém estratégias

mais adaptadas aos biomas dos Cerrados e Semi-Árido, respectivamente, enquanto

esses Pólos estão locados no bioma amazônico. Obviamente, uma Proposta de

Emenda Constitucional (PEC) para corrigir tal falha legal é de enorme

complexidade política, pois fere interesses dos sete estados da Região Norte (que

terão que abrir mão de parte de seus recursos financeiros de financiamento rural

para mais duas sub-regiões) e de agricultores patronais localizados na Amazônia

Legal do Mato Grosso e Maranhão (que terão de se adaptar aos modos produtivos

mais condizentes com o seu bioma). O Bico do Papagaio (TO), ainda que

localizado na Região Norte, também não tem operações de crédito rural do FNO,

provavelmente, devido a falta de capilaridade do Banco da Amazônia no estado,

fato que explica o seu maior percentual de acesso ao crédito rural do Pronaf.

Noroeste (MT), Baixada Maranhense (MA) e Rio Capim (PA) são os únicos que

apresentam mais da metade dos lotes rurais sem acesso ao crédito rural. Os dois

primeiros casos se explicam pelo reflexo da falta do FNO, sendo que no segundo

ainda há a falta de reconhecimento oficial de seus modos de uso coletivo de uso de

áreas alagadas. E no segundo e terceiro casos, a forte pobreza das regiões também

resulta da falta de acesso a instrumentos econômicos para fomentar processos

produtivos. A Transamazônica (PA) é a única região com mais da metade dos

lotes com acesso ao crédito rural do FNO, e não por acaso se destaca pela forte

composição de sistemas múltiplos de uso da terra, sobretudo, alavancados pela

alta de preço do mercado de cacau e pela tradição pecuária local.

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Os Pólos do Proambiente do Noroeste (MT) e Ouro Preto D‟Oeste (RO)

apresentam os maiores níveis de renda familiar anual, resultado condizente com

a forte tradição agropecuária dos agricultores familiares advindos do Sul e Sudeste

que, predominantemente, compõem as regiões. Ao revés, a Baixada Maranhense

(MA) situa-se como o mais pobre, o que corrobora a situação de estado mais

pobre do Brasil. Surpreende o resultado intermediário da Transamazônica (PA),

apesar da alta de preço do cacau e da carne bovina, o que pode ser explicado tanto

pelo levantamento de dados anteriormente a própria condição do mercado

cacaueiro e de carne, quanto à falta de acesso à energia elétrica na região para

propiciar beneficiamento e agregação de valor à produção agroecológica .

Os Planos de Utilização das Unidades de Produção (PUs) dos Pólos do

Proambiente carecem de informações mais precisas de acesso à infra-estrutura. A

Transamazônica (PA) e o Bico do Papagaio (TO) têm uma situação de acesso ao

transporte para escoar produção mais elevada que a média, mas ainda

temporária (apenas na época de baixa estação chuvosa, entre abril e setembro) e

em precárias condições. Já o Rio Capim (PA), devido a sua proximidade com a

capital do estado, tem mais de três quartos de seus lotes com acesso ao transporte,

embora novamente intransitável em metade do ano. O acesso à energia elétrica

para beneficiar a produção encontra-se em níveis muito baixos no Rio Capim

(PA) e, sobretudo, Transamazônica (PA), apesar da proximidade do primeiro com

a capital do estado e de ambas com a Usina Hidrelétrica do Tucuruí, o que

demonstra a falta de estratégias de desenvolvimento econômico para os povos

locais quanto às obras de infra-estrutura. Por outro lado, o Noroeste (MT)

apresenta o maior índice entre as regiões estudadas (e que dispõem desses dados),

no entanto, ao compararmos sua situação com as áreas urbanas do país, ela

continua evidenciando um amplo processo de exclusão de acesso à infra-estrutura

aos povos rurais.

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Portanto, trabalhos futuros de diagnóstico, interpretação e discussão das

semelhanças e diferenças entre as sete regiões estudadas deve tanto (a) lançar as mesmas

perguntas e hipóteses gerais propostas na presente obra para verificar se os resultados de

cada contexto territorial corroboram os resultados e hipóteses aqui encontrados quanto (b)

buscar perguntas e hipóteses específicas conforme as particularidades de cada contexto

territorial. Esses resultados futuros devem balizar a estruturação de políticas públicas de

desenvolvimento endógeno de cada território.

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401

ANEXO I

Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra

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403

Tabela 24 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % culturas anuais (passo 1 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,20 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

T PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +5,862 1,214 +4,827 0,000

Origem do homem (Nordeste) +1,104 0,504 +0,054 +2,189 0,029

Origem do homem

Centro-Oeste) +1,769 1,007 +0,036 +1,756 0,079

Origem do homem (Sudeste)

+0,740 0,656 +0,025 +1,128 0,259

Origem do homem (Sul)

+2,411 0,710 +0,077 +3,394 0,001

Titularidade

(lote regularizado) -1,207 0,425 -0,060 -2,839 0,005

Tempo de ocupação do lote (variável contínua – anos)

+0,020 0,022 +0,019 +0,934 0,350

Escolaridade do chefe de família (1ª - 4ª série)

+0,019 0,551 +0,001 +0,034 0,973

Escolaridade do chefe de família (5ª – 8ª série)

-0,296 0,838 -0,009 -0,353 0,724

Escolaridade do chefe de família (2º grau)

+0,736 1,048 +0,016 +0,702 0,483

Escolaridade do chefe de família (superior)

+0,039 2,715 +0,000 +0,014 0,988

Escolaridade da chefe de família (1ª – 4ª série)

-0,348 0,605 -0,016 -0,575 0,565

Escolaridade da chefe de família (5ª – 8ª série)

-0,388 0,854 -0,011 -0,454 0,650

Escolaridade da chefe de

família (2º grau) -0,819 0,967 -0,021 -0,847 0,397

Escolaridade da chefe de família (superior)

+1,045 2,030 +0,011 +0,514 0,607

Tamanho do lote (variável contínua – hectares)

-0,008 0,001 -0,124 -5,755 0,000

Renda familiar anual (variável

contínua – R$ mil) -0,062 0,000 -0,055 -2,587 0,010

Acesso ao crédito rural (Pronaf)

-0,748 0,452 -0,037 -1,655 0,098

Acesso ao crédito rural (FNO) -2,320 0,554 -0,090 -4,187 0,000

Acesso ao crédito rural (outros tipos)

-1,075 0,605 -0,039 -1,775 0,076

Acesso ao transporte (sim) -0,926 0,575 -0,035 -1,611 0,107

Acesso a energia (sim) -0,783 0,664 -0,024 -1,180 0,238

Índice de geração (variável contínua – valor do índice)

+1,153 0,942 +0,025 +1,224 0,221

Índice de gênero (variável

contínua – valor do índice) -0,038 0,863 -0,001 -0,044 0,965

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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404

Tabela 25 – 2ª regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % culturas anuais (passo 2 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,10 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +6,286 0,418 +15,047 0,000

Origem do homem (Nordeste) +0,766 0,443 +0,038 +1,728 0,084

Origem do homem (Centro-

Oeste) +1,432 0,984 +0,029 +1,455 0,146

Origem do homem (Sul)

+1,997 0,661 +0,064 +3,022 0,003

Titularidade (lote regularizado)

-1,075 0,410 -0,053 -2,620 0,009

Tamanho do lote (variável

contínua – hectares) -0,008 0,001 -0,130 -6,316 0,000

Renda familiar anual (variável contínua –R$ mil) -0,060 0,000 -0,053 -2,569 0,010

Acesso ao crédito rural (Pronaf) -0,900 0,444 -0,045 -2,027 0,043

Acesso ao crédito rural (FNO) -2,342 0,544 -0,091 -4,301 0,000

Acesso ao crédito rural (outros tipos)

-1,222 0,597 -0,044 -2,048 0,041

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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405

Tabela 26 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência no uso da

terra para % culturas anuais Posição Variável independente – influência positiva Probabilidade caudal do teste

(PCT)

1º Tamanho do lote (variável contínua; hectares) 0,000

Acesso ao crédito rural (FNO)

3º Origem do chefe de família (Sul) 0,003

4º Titularidade (lote regularizado) 0,005

5º Renda familiar anual (variável contínua – reais R$) 0,010

6º Acesso ao crédito rural (outros tipos) 0,041

7º Acesso ao crédito rural (Pronaf) 0,043

8º Origem do chefe de família (Nordeste) 0,084

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

Tabela 27 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência no uso da

terra para % culturas anuais Posição Variável independente –

influência positiva Beta Posição Variável independente –

influência negativa Beta

1º Acesso ao crédito rural (FNO)

-2,342

2º Origem do chefe de família (Sul)

+1,997

3º Renda familiar anual (até R$ 20.000,00)

-1,193

4º Acesso ao crédito rural (outros tipos)

-1,222

5º Titularidade (lote regularizado)

-1,075

6º Acesso ao crédito rural (Pronaf)

-0,900

7º Tamanho do lote (até 100 hectares)

-0,848

8º Origem do chefe de família (Nordeste)

+0,766

9º Renda familiar anual (até R$ 10.000,00)

-0,596

10º Tamanho do lote (até 50 hectares)

-0,424

11º Renda familiar anual (até R$ 6.000,00)

-0,358

12º Renda familiar anual (até R$ 2.000,00)

-0,119

13º Tamanho do lote (até 10 hectares)

-0,085

14º Renda familiar anual (até R$ 1.000,00)

-0,060

15º Tamanho do lote (até 5 hectares)

-0,042

16º Renda familiar anual (até R$ 500,00)

-0,030

17º Renda familiar anual (até R$ 200,00)

-0,012

18º Renda familiar anual (até R$ 100,00)

-0,006

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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406

Tabela 28 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra - % culturas perenes (passo 1 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,20 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +2,888 1,853 +1,559 0,119

Origem do homem (Nordeste) +2,786 0,769 +0,083 +3,621 0,000

Origem do homem

Centro-Oeste) +7,954 1,537 +0,098 +5,174 0,000

Origem do homem (Sudeste)

+15,679 1,002 +0,321 +15,654 0,000

Origem do homem (Sul)

+11,613 1,084 +0,223 +10,712 0,000

Titularidade

(lote regularizado) -0,733 0,648 -0,022 -1,131 0,258

Tempo de ocupação do lote (variável contínua – anos) +0,105 0,033 +0,061 +3,166 0,002

Escolaridade do chefe de família (1ª - 4ª série) +0,967 0,841 +0,028 +1,150 0,250

Escolaridade do chefe de família (5ª – 8ª série) +0,190 1,278 +0,003 +0,149 0,882

Escolaridade do chefe de família (2º grau) +1,449 1,599 +0,019 +0,907 0,365

Escolaridade do chefe de família (superior) -5,230 4,143 -0,024 -1,262 0,207

Escolaridade da chefe de família (1ª – 4ª série)

-0,676 0,924 -0,019 -0,732 0,464

Escolaridade da chefe de família (5ª – 8ª série)

-0,876 1,304 -0,016 -0,672 0,502

Escolaridade da chefe de

família (2º grau) +0,823 1,476 +0,013 +0,558 0,577

Escolaridade da chefe de família (superior)

-1,391 3,098 -0,009 -0,449 0,653

Tamanho do lote (variável contínua – hectares)

-0,012 0,002 -0,110 -5,535 0,000

Renda familiar anual (variável

contínua – R$ mil) +0,168

0,000 +0,091 +4,629 0,000

Acesso ao crédito rural (Pronaf) -2,360 0,689 -0,071 -3,425 0,001

Acesso ao crédito rural (FNO) +1,211 0,845 +0,028 +1,433 0,052

Acesso ao crédito rural (outros tipos) +0,801 0,924 +0,017 +0,867 0,386

Acesso ao transporte (sim) +1,753 0,877 +0,039 +1,998 0,046

Acesso a energia (sim) +2,630 1,013 +0,049 +2,597 0,009

Índice de geração (variável

contínua – valor do índice) +1,559 1,437 +0,020 +1,085 0,278

Índice de gênero (variável contínua – valor do índice)

-0,083 1,317 -0,001 -0,063 0,950

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

Page 427: ii - Biblioteca Digital da Questão Agrária Brasileira · x Ao meu amigo e colega embrapiano Mateus Batistella, que apesar de palmeirense (!), é uma figura sensacional. Conselheiro

407

Tabela 29 – 2ª regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % culturas perenes (passo 2 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,10 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +4,210 0,844 +4,989 0,000

Origem do homem (Nordeste) +2,745 0,759 +0,082 +3,615 0,000

Origem do homem

(Centro-Oeste) +8,043 1,532 +0,099 +5,250 0,000

Origem do homem (Sudeste)

+15,565 0,997 +0,318 +15,617 0,000

Origem do homem (Sul)

+11,908 1,067 +0,229 +11,162 0,000

Tempo de ocupação do lote

(variável contínua – anos) +0,122 0,032 +0,070 +3,810 0,000

Tamanho do lote (variável

contínua – hectares) -0,011 0,002 -0,107 -5,491 0,000

Renda familiar anual (variável contínua – R$ mil)

+0,160 0,000 +0,086 +4,516 0,000

Acesso ao crédito rural (Pronaf) -2,242 0,630 -0,067 -3,561 0,000

Acesso ao crédito rural (FNO) +1,244 0,833 +0,031 +1,493 0,048

Acesso ao transporte (sim)

+1,786 0,863 +0,040 +2,070 0,039

Acesso a energia

(sim) +2,840 0,998 +0,053 +2,845 0,004

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

Page 428: ii - Biblioteca Digital da Questão Agrária Brasileira · x Ao meu amigo e colega embrapiano Mateus Batistella, que apesar de palmeirense (!), é uma figura sensacional. Conselheiro

408

Tabela 30 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência no uso da

terra para % culturas perenes Posição Variável independente – influência positiva Probabilidade caudal do

teste

Origem do chefe de família (Nordeste)

0,000

Origem do chefe de família (Centro-Oeste)

Origem do chefe de família (Sudeste)

Origem do chefe de família (Sul)

Tamanho do lote (variável contínua – hectares)

Renda familiar anual (variável contínua – reais R$)

Acesso ao crédito rural (Pronaf)

Tempo de ocupação do lote (variável contínua – anos)

9º Acesso a energia (com acesso) 0,004

10º Acesso ao transporte (com acesso) 0,039

11º Acesso ao crédito rural (FNO) 0,048

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos Pus

Tabela 31 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência no uso da

terra para % culturas perenes Posição Variável independente –

influência positiva Beta Posição Variável independente –

influência negativa Beta

1º Origem do chefe de família (Sudeste) +15,565

2º Origem do chefe de família (Sul)

+11,908

3º Origem do chefe de família (Centro-Oeste)

+8,043

4º Renda familiar anual

(até R$ 20.000,00)

+3,197

5º Origem do chefe de família (Nordeste)

+2,745

6º Acesso a energia (sim)

+2,840

7º Tempo de ocupação do lote (até 20 anos)

+2,446

8º Acesso ao crédito rural (Pronaf)

-2,242

9º Acesso ao transporte

(sim)

+1,786

10º Renda familiar anual (até R$ 10.000,00)

+1,598

11º Acesso ao crédito rural (FNO)

+1,244

12º Tempo de ocupação do lote (até 10 anos)

+1,223

13º Tamanho do lote (até 100 hectares)

-1,150

14º Renda familiar anual

(até R$ 6.000,00)

+0,959

15º Tempo de ocupação do lote (até 5 anos)

+0,611

16º Tamanho do lote (até 50 hectares)

-0,575

17º Renda familiar anual (até R$ 2.000,00)

+0,320

18º Renda familiar anual (até R$ 1.000,00)

+0,160

19º Tamanho do lote (até 10 hectares)

-0,115

20º Renda familiar anual (até R$ 500,00)

+0,080

21º Tamanho do lote (até 5 hectares)

-0,057

22º Renda familiar anual (até R$ 200,00)

+0,032

23º Renda familiar anual (até R$ 100,00)

+0,016

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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409

Tabela 32 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % campos abertos (passo 1 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,20 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +4,511 3,376 +1,336 0,182

Origem do homem (Nordeste) +13,615 1,402 +0,215 +9,711 0,000

Origem do homem

Centro-Oeste) +26,628 2,801 +0,174 +9,506 0,000

Origem do homem (Sudeste)

+26,463 1,825 +0,287 +14,500 0,000

Origem do homem (Sul)

+25,448 1,975 +0,259 +12,884 0,000

Titularidade

(lote regularizado) +4,790 1,182 +0,076 +4,054 0,000

Tempo de ocupação do lote (variável contínua – anos) -0,070 0,061 -0,021 -1,152 0,249

Escolaridade do chefe de família (1ª - 4ª série) -1,991 1,532 -0,031 -1,300 0,194

Escolaridade do chefe de família (5ª – 8ª série) -7,708 2,329 -0,072 -3,310 0,101

Escolaridade do chefe de família (2º grau) -2,496 2,913 -0,018 -0,857 0,392

Escolaridade do chefe de família (superior) +10,909 7,549 +0,026 +1,445 0,049

Escolaridade da chefe de família (1ª – 4ª série)

-2,922 1,683 -0,044 -1,736 0,183

Escolaridade da chefe de família (5ª – 8ª série)

-1,121 2,375 -0,011 -0,472 0,637

Escolaridade da chefe de

família (2º grau) -1,921 2,689 -0,016 -0,714 0,475

Escolaridade da chefe de família (superior)

+8,155 5,645 +0,027 +1,445 0,049

Tamanho do lote (variável contínua – hectares)

-0,018 0,004 -0,090 -4,719 0,000

Renda familiar anual (variável

contínua – R$ mil) +0,152

0,000 +0,043 +2,290 0,022

Acesso ao crédito rural (Pronaf) +13,667 1,256 +0,217 +10,883 0,000

Acesso ao crédito rural (FNO) +4,728 1,541 +0,059 +3,069 0,002

Acesso ao crédito rural (outros tipos) +7,468 1,683 +0,086 +4,436 0,000

Acesso ao transporte (sim) +7,260 1,598 +0,087 +4,543 0,000

Acesso a energia (sim) +2,948 1,845 +0,029 +1,597 0,110

Índice de geração (variável

contínua – valor do índice) +0,462 2,619 +0,003 +0,176 0,860

U8Índice de gênero (variável contínua – valor do índice)

+0,677 2,399 +0,005 +0,282 0,778

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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410

Tabela 33 – 2ª regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % campos abertos (passo 2 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,10 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +3,266 1,633 +2,000 0,046

Origem do homem (Nordeste) +13,774 1,376 +0,217 +10,011 0,000

Origem do homem

(Centro-Oeste) +26,827 2,794 +0,176 +9,602 0,000

Origem do homem (Sudeste)

+26,840 1,816 +0,291 +14,779 0,000

Origem do homem (Sul)

+25,759 1,939 +0,263 +13,283 0,000

Titularidade

(lote regularizado) +4,564 1,147 +0,072 +3,980 0,000

Escolaridade do chefe de família (superior) +10,699 7,439 +0,029 +1,438 0,046

Escolaridade da chefe de família (superior)

+8,253 5,551 +0,031 +1,487 0,046

Tamanho do lote (variável contínua – hectares)

-0,019 0,004 -0,093 -4,896 0,000

Renda familiar anual (variável

contínua – R$ mil) +0,000 0,000 +0,046 +2,484 0,013

Acesso ao crédito rural (Pronaf) +13,866 1,251 +0,221 +11,082 0,000

Acesso ao crédito rural (FNO) +4,295 1,528 +0,053 +2,810 0,005

Acesso ao crédito rural (outros tipos) +7,806 1,679 +0,090 +4,648 0,000

Acesso ao transporte (sim)

+7,494 1,593 +0,090 +4,706 0,000

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

Page 431: ii - Biblioteca Digital da Questão Agrária Brasileira · x Ao meu amigo e colega embrapiano Mateus Batistella, que apesar de palmeirense (!), é uma figura sensacional. Conselheiro

411

Tabela 34 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência no uso da

terra para % campos abertos Posição Variável independente – influência positiva Probabilidade caudal do

teste (PCT)

Origem do chefe de família (Nordeste)

0,000

Origem do chefe de família (Centro-Oeste)

Origem do chefe de família (Sudeste)

Origem do chefe de família (Sul)

Tamanho do lote (variável contínua - hectares)

Titularidade (lote regularizado)

Acesso ao crédito rural (Pronaf)

Acesso ao crédito rural (outros tipos)

Acesso ao transporte (sim)

10º Acesso ao crédito rural (FNO) 0,005

11º Renda familiar anual (variável contínua – reais R$) 0,013

12º

Escolaridade do chefe de família (superior) 0,046 Escolaridade da chefe de família (superior)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs Tabela 35 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência no uso da

terra para % campos abertos Posição Variável independente –

influência positiva Beta Posição Variável independente –

influência negativa Beta

1º Origem do chefe de família (Sudeste)

+26,840

2º Origem do chefe de família (Centro-Oeste)

+26,827

3º Origem do chefe de família (Sul)

+25,759

4º Acesso ao crédito rural (Pronaf)

+13,866

5º Origem do chefe de família (Nordeste)

+13,774

6º Escolaridade do chefe de família (superior)

+10,699

7º Escolaridade da chefe de família (superior)

+8,253

8º Acesso ao crédito rural (outros tipos)

+7,806

9º Acesso ao transporte (sim)

+7,494

10º Titularidade (lote regularizado)

+4,564

11º Acesso ao crédito rural (FNO)

+4,295

12º Renda familiar anual (até R$ 20.000,00)

+3,247

13º Tamanho do lote (até 100 hectares)

-1,890

14º Renda familiar anual (até R$ 10.000,00)

+1,624

15º Renda familiar anual (até R$ 6.000,00)

+0,974

16º Tamanho do lote (até 50 hectares)

-0,945

17º Renda familiar anual (até R$ 2.000,00)

+0,325

18º Tamanho do lote (até 10 hectares)

-0,189

19º Renda familiar anual (até R$ 1.000,00)

+0,162

20º Tamanho do lote (até 5 hectares)

-0,095

21º Renda familiar anual (até R$ 500,00)

+0,081

22º Renda familiar anual (até R$ 200,00)

+0,032

23º Renda familiar anual

(até R$ 100,00)

+0,016

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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412

Tabela 36 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % reserva legal (passo 1 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,20 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +52,797 4,102 +12,872 0,000

Origem do homem (Nordeste) -17,994 1,703 -0,216 -10,565 0,000

Origem do homem

Centro-Oeste) -26,677 3,403 -0,133 -7,840 0,000

Origem do homem (Sudeste)

-27,372 2,217 -0,226 -12,346 0,000

Origem do homem (Sul)

-29,507 2,399 -0,229 -12,298 0,000

Titularidade

(lote regularizado) -0,609 1,435 -0,007 -0,425 0,671

Tempo de ocupação do lote (variável contínua – anos) -0,136 0,074 -0,032 -1,842 0,066

Escolaridade do chefe de família (1ª - 4ª série) +0,665 1,861 +0,008 +0,357 0,721

Escolaridade do chefe de família (5ª – 8ª série) +4,211 2,829 +0,030 +1,489 0,137

Escolaridade do chefe de família (2º grau) +0,174 3,538 +0,001 +0,049 0,961

Escolaridade do chefe de família (superior) -3,786 9,170 -0,007 -0,413 0,680

Escolaridade da chefe de família (1ª – 4ª série)

+1,058 2,045 +0,012 +0,517 0,605

Escolaridade da chefe de família (5ª – 8ª série)

+0,338 2,886 +0,002 +0,117 0,907

Escolaridade da chefe de

família (2º grau) +2,850 3,267 +0,018 +0,872 0,383

Escolaridade da chefe de família (superior)

-10,788 6,857 -0,027 -1,573 0,116

Tamanho do lote (variável contínua – hectares)

+0,101 0,005 +0,380 +21,469 0,000

Renda familiar anual (variável

contínua – R$ mil) -0,340 0,000 -0,074 -4,245 0,000

Acesso ao crédito rural (Pronaf) -6,395 1,526 -0,077 -4,192 0,000

Acesso ao crédito rural (FNO) +7,117 1,871 +0,067 +3,803 0,000

Acesso ao crédito rural (outros tipos) -4,198 2,045 -0,037 -2,053 0,040

Acesso ao transporte (sim) -1,231 1,941 -0,011 -0,634 0,526

Acesso a energia (sim) -13,264 2,241 -0,100 -5,918 0,000

Índice de geração (variável contínua – valor do índice)

-1,617 3,181 -0,008 -0,508 0,611

Índice de gênero (variável

contínua – valor do índice) +2,205 2,915 +0,012 +0,756 0,449

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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413

Tabela 37 – 2ª regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – % reserva legal (eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,10 para aumento da probabilidade caudal de teste)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +54,010 1,764 +30,626 0,000

Origem do homem (Nordeste) -18,488 1,601 -0,222 -11,548 0,000

Origem do homem

(Centro-Oeste) -26,739 3,385 -0,133 -7,900 0,000

Origem do homem (Sudeste)

-27,535 2,178 -0,227 -12,645 0,000

Origem do homem (Sul)

-29,419 2,345 -0,228 -12,544 0,000

Tempo de ocupação do lote

(variável contínua – anos) -0,142 0,071 -0,033 -1,992 0,046

Tamanho do lote (variável

contínua – hectares) +0,101 0,005 +0,379 +21,730 0,000

Renda familiar anual (variável contínua – R$ mil)

-0,000 0,000 -0,075 -4,414 0,000

Acesso ao crédito rural (Pronaf) -6,286 1,502 -0,076 -4,186 0,000

Acesso ao crédito rural (FNO) +7,122 1,848 +0,067 +3,853 0,000

Acesso ao crédito rural (outros tipos) -4,481 2,025 -0,039 -2,213 0,027

Acesso a energia (sim)

-13,693 2,223 -0,103 -6,161 0,000

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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414

Tabela 38 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência no uso da

terra para % reserva legal Posição Variável independente – influência positiva Probabilidade caudal do

teste (PCT)

Origem do chefe de família (Nordeste)

0,000

Origem do chefe de família (Centro-Oeste)

Origem do chefe de família (Sudeste)

Origem do chefe de família (Sul)

Tamanho do lote (variável contínua - hectares)

Renda familiar anual (variável contínua – reais R$)

Acesso ao crédito rural (Pronaf)

Acesso ao crédito rural (FNO)

Acesso a energia (sim)

10º Acesso ao crédito rural (outros tipos) 0,027

11º Tempo de ocupação do lote (variável contínua – anos) 0,046

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

Tabela 39 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência no uso da terra para % reserva legal Posição Variável independente –

influência positiva Beta Posição Variável independente –

influência negativa Beta

1º Origem do chefe de família (Sul)

-29,419

2º Origem do chefe de família (Sudeste)

-27,535

3º Origem do chefe de família (Centro-Oeste)

-26,739

4º Origem do chefe de família (Nordeste)

-18,488

5º Acesso a energia (sim)

-13,693

6º Tamanho do lote (até 100 hectares)

+10,118

7º Acesso ao crédito rural (FNO)

+7,122

8º Renda familiar anual (até R$ 20.000,00)

-6,929

9º Acesso ao crédito rural (Pronaf)

-6,286

10º Tamanho do lote (até 50 hectares)

+5,059

11º Acesso ao crédito rural (outros tipos)

-4,481

12º Renda familiar anual (até R$ 10.000,00)

-3,465

13º Tempo de ocupação do lote (até 20 anos)

-2,839

14º Renda familiar anual

(até R$ 6.000,00) -2,079

15º Tempo de ocupação do lote (até 10 anos)

-1,420

16º Tamanho do lote (até 10 hectares)

+1,012

17º Tempo de ocupação do lote (até 5 anos)

-0,710

18º Renda familiar anual (até R$ 2.000,00)

-0,693

19º Tamanho do lote

(até 5 hectares)

+0,506

20º Renda familiar anual (até R$ 1.000,00)

-0,346

21º Renda familiar anual (até R$ 500,00)

-0,173

22º Renda familiar anual (até R$ 200,00)

-0,069

23º Renda familiar anual (até R$ 100,00)

-0,035

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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415

Tabela 40 – Regressão múltipla das variáveis independentes de uso da terra – renda familiar anual (R$) (passo 1 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,20 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +6.327 1.020 +6,205 0,000

Origem do homem (Nordeste) -1.773 425 -0,098 -4,170 0,000

Origem do homem

Centro-Oeste) +936 852 +0,021 +1,099 0,272

Origem do homem (Sudeste)

+3.671 550 +0,139 +6,669 0,000

Origem do homem (Sul)

+4.798 593 +0,171 +8,087 0,000

Titularidade

(lote regularizado) +2.401 356 +0,133 +6,738 0,000

Tempo de ocupação do lote (variável contínua – anos) +25 18 +0,027 +1,376 0,169

Escolaridade do chefe de família (1ª - 4ª série) +575 466 +0,031 +1,233 0,218

Escolaridade do chefe de família (5ª – 8ª série) +2.151 707 +0,070 +3,040 0,112

Escolaridade do chefe de família (2º grau) +897 886 +0,022 +1,012 0,312

Escolaridade do chefe de família (superior) +754 2.297 +0,006 +0,328 0,743

Escolaridade da chefe de família (1ª – 4ª série)

+683 512 +0,036 +1,335 0,182

Escolaridade da chefe de família (5ª – 8ª série)

-579 723 -0,019 -0,801 0,423

Escolaridade da chefe de

família (2º grau) +3.208 816 +0,091 +3,933 0,000

Escolaridade da chefe de família (superior)

+10.228 1.705 +0,119 +5,997 0,000

Tamanho do lote (variável contínua – hectares)

+4 1 +0,073 +3,611 0,000

Acesso ao crédito rural

(Pronaf) +172 382 +0,010 +0,450 0,653

Acesso ao crédito rural (FNO) +1.540 468 +0,067 +3,292 0,001

Acesso ao crédito rural (outros

tipos) +27 512 +0,001 +0,053 0,958

Acesso ao transporte (sim) +796 486 +0,033 +1,638 0,102

Acesso a energia (sim) +990 561 +0,034 +1,765 0,078

Índice de geração (variável contínua – valor do índice)

+1.269 796 +0,030 +1,593 0,100

Índice de gênero (variável contínua – valor do índice)

-211 730 -0,005 -0,289 0,772

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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416

Tabela 41 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência na renda

familiar anual (R$) (passo 2 – eliminação das variáveis independentes abaixo de 0,10 para aumento da probabilidade caudal de teste - PCT)

Coeficientes não padronizados

Coeficientes padronizados

t PCT

B Erro

Padrão B

(Constante) +6.294 336 +18,717 0,000

Origem do homem (Nordeste) -2.145 381 -0,118 -5,626 0,000

Origem do homem (Sudeste)

+3.404 534 +0,129 +6,379 0,000

Origem do homem (Sul)

+4.531 571 +0,162 +7,933 0,000

Titularidade

(lote regularizado) +2.501 344 +0,139 +7,267 0,000

Escolaridade da chefe de família (2º grau)

+2.767 664 +0,078 +4,166 0,000

Escolaridade da chefe de família (superior)

+9.679 1.610 +0,113 +6,013 0,000

Tamanho do lote (variável

contínua – hectares) +4 1 +0,064 +3,259 0,001

Acesso ao crédito rural (FNO) +1.512 436 +0,066 +3,464 0,001

Acesso ao transporte (sim)

+760 472 +0,031 +1,610 0,098

Acesso a energia (sim)

+1.061 555 +0,037 +1,910 0,056

Índice de geração (variável

contínua – valor do índice) +1.201 788 +0,028 +1,524 0,100

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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417

Tabela 42 – Análise comparativa entre variáveis independentes (PCT) com influência na renda

familiar anual (R$) Posição Variável independente – influência positiva Probabilidade caudal do

teste

Origem do chefe de família (Nordeste)

0,000

Origem do chefe de família (Sudeste)

Origem do chefe de família (Sul)

Titularidade (lote regularizado)

Escolaridade da chefe de família (superior)

Escolaridade da chefe de família (2º grau)

Tamanho do lote (variável contínua - hectares) 0,001

Acesso ao crédito rural (FNO)

9º Acesso a energia (sim) 0,056

10º Acesso ao transporte (sim) 0,098

11º Índice de geração (variável contínua – valor do índice) 0,100

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

Tabela 43 – 2ª análise comparativa entre variáveis independentes (beta) com influência na renda

familiar anual (R$) Posição Variável independente –

influência positiva Beta Posição Variável independente –

influência negativa Beta

1º Índice de geração (até 1,0)

+12.010

2º Escolaridade da chefe de família (superior)

+9.679

3º Índice de geração (até 0,8)

+9.608

4º Índice de geração (até 0,4)

+4.804

5º Origem do chefe de família (Sul)

+4.531

Origem do chefe de família (Sudeste) +3.404

7º Escolaridade da chefe de família (2º grau)

+2.767

8º Índice de geração (até 0,2)

+2.402

9º Titularidade

(lote regularizado) +2.501

10º Origem do chefe de família (Nordeste)

-2,145

11º Acesso ao crédito rural (FNO)

+1.512

12º Acesso a energia (sim)

+1.061

13º Acesso ao transporte (sim)

+760

14º Tamanho do lote

(até 100 hectares)

+369

15º Tamanho do lote (até 50 hectares)

+184

16º Tamanho do lote (até 10 hectares)

+37

17º Tamanho do lote (até 5 hectares)

+18

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de entrado dos PUs

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419

ANEXO II

Diagnóstico Individual de Unidade de Produção Familiar

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421

Diagnóstico Individual da Unidade de

Produção Familiar do Pólo Rio Capim,

Visando a Construção Participativa do

Plano de Utilização da Propriedade.

Realização:

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422

Nome – FRANCISCO DE ASSIS SOUZA

Nome do Proprietário – Francisco de Assis Souza.

Nome da Propriedade – Sítio São Francisco.

Ramal – Estrada do Taperuçu.

Comunidade –Taperuçu.

Município – São Domingos.

Tipologia – Propriedade Agroextrativista.

Solo –Areno Argiloso.

Situação da terra – Cadastro no INCRA.

Tamanho do Lote – 25 ha

Já teve acesso a Crédito Rural

(x ) Sim ( ) Não

Caso sim, qual linha de crédito:

Especificar – PRONAF C (custeio de mandioca)

Dados da Família

Nome Origem Sexo Idade Ocup.* Escolar** Renda

extra

Francisco de Assis Souza Ceará M 50 1 2 -

Raimunda M. Mota Souza Ceará

F 49 7/10 2 R$ 260,00

Maria do Socorro Mota Souza Bujaru

F 18 9/10 2 -

* 1- Produtor, 2- Meeiro, 3- Arrendatário; 4- Aposentado, 5- Comerciante, 6- Professor, 7- Agente de Saúde, 8- Agente do Proambiente; 9- Estudante; 10- Dona de Casa.

** 1- Sem escolaridade; 2- 10 grau incompleto; 3- 10 grau completo; 4- 20 grau incompleto; 5- 20 grau completo; 6 -3º grau incompleto.

Histórico da Vida Familiar

O Sr. Francisco de Assis Souza e dona Raimunda Mesquita Mota Souza, ambos nascidos no Ceará, ele na

cidade de Itapipoca e ela em Iralçuba, casaram-se em1977, vieram do Ceará para a cidade de Bujaru em 1981,

chegaram no município de São Domingos do Capim em1988, adquiriram o lote em 1998, o primeiro filho

nasceu em 1978 e o último em 1986. O casal tem filhos casados que detém seus próprios lotes.

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423

Identificação dos Subsistemas de Produção

Roça

Quintal

Cultura Permanente Extrativismo

Casa de farinha

Descrição dos sub-sistemas de Produção

Descrição dos Sub-sistemas

Sub-sistema Descrição Produção Consumo Venda

Roça (12 ta) Mandioca (12 ta)

Milho (12 ta)

Arroz (4 ta)

Feijão (2 ta)

420 Sc

36 Sc

24 Sc

6Sc

5%

100%

100%

33%

95%

-

-

67

Quintal Bicos

Frutos

20

1500 Kg

100%

100%

-

-

Extrativismo Açaí 3 Sc 100% -

Cultura Permanente Urucum, açaí, caju,

cupuaçu, ingá e pupunha (4

ta) consorciados.

70 Kg - 100%

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424

Trajetória dos Recursos Naturais

Recursos Naturais Como Era

Como Está

Porque Mudou

Vegetação/ Animais

Mata

Acapu, ipê, freijó, sucupira,

maçaranduba, cedro,

sapucaia, samaúma, marupá

etc.

Animais:

Preguiça, paca, tatu, veado,

caititu, capivara, quati,

muitos pássaros, nambu,

uru.

Capoeira

Vegetais:

Samauma, andiroba,

morotóto, virola, arapari,

sapucaia.

Animais:

Tatu, paca e cutia, quase todos

em extinção.

- Exploração madeireira.

- Necessidade de

produzir. - Falta de apoio para

agricultura local.

- Utilização

indiscriminada de fogo no

preparo da área.

- Caça predatória.

Água/ Animais e

Vegetais

- Existiam várias espécies

de peixes nos igarapés

como:

- Jeju, acara, traíra, acari,

camarão etc..

-Hoje os igarapés apresentam

características semelhantes

como:

-Baixo fluxo de água

-Assoreamento

-Devastação das matas ciliares

-Poucos peixes

- Exploração madeireira.

- Utilização

indiscriminada de fogo no

preparo da área

-Pesca predatória na

época de piracema

- Aumento da população

existente na comunidade e

proximidades

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425

Croqui do Lote (sistema atual)

VÁRZEA 1TA

QUINTAL 1TA

PASTO 3TA

RETIRO 2TA

ESTRADA DO TAPERUSSU

ROÇA 4TA

*CAPOEIRA 27,25TA

*

CULT. PERMANENTE

ROÇA NOVA 8TA

MATA 32TA

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426

Calendário de Atividades

Atividade/Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Roça/Broca ♂

Derruba ♂

Aceiro ♂ Queima/Coivara ♂

Plantio/ Maniva ♂ Milho ♂ Arroz ♂

Feijão ♂

Capinas ♂ ♂ ♂

Colheita/ Maniva ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ Milho ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂

Arroz ♂

Feijão ♂ Extrativismo / Açaí

Colheita ♂ ♂ ♂ ♂

Quintal

Roçagem ♂ ♂

Plantio ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ Colheita ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ ♀♂ Cultura Permanente

Plantio ♂

Colheita ♂

Roçagem ♂ ♂ ♂

Legenda:

♀ - Mulher

♂ - Homem

♀♂ - Família

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427

Matriz de Alimentos/SEGURANÇA ALIMENTAR

ALIMENTOS Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Farinha

Feijão

Arroz

Açaí

Milho verde

Coco

Galinha/ ovos

Macaxeira

Galinha / ovos

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428

Fluxo de Matéria Energia e Insumos

LEGENDA:

1 = Mão - de - obra

2 = Milho verde, macaxeira,

arroz feijão.

3 = Frutos.

4 = Frutas, Galinhas

5 = Farinha, Beiju, Tucupi

6 = Mandioca , lenha

7 = Açaí

8 = Renda e utensílios em

geral

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429

Percentuais de Participação de cada Sub-Sistema na Renda do Agricultor Familiar

+ Consumo

-10%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Seqüência1 69,96% -1,08% 2,36% 0,11% 26,47%

Roça QuintalExtrativis

mo

Cult.perm

anenteConsumo

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430

Análise do Sistema de Produção

A unidade de produção familiar do Sr. Francisco de Assis Souza caracteriza-se como agricultura

de subsistência, uma vez que a produção é destinada para consumo da família e o excedente para

comercialização, sendo convertida em necessidades básicas da família. O sistema de produção da UPF

é feito pela exploração dos recursos naturais com base na mão-de-obra familiar, onde é composto por

cinco subsistemas.

O subsistema de roça representa 69,96% na renda familiar e é feito através do cultivo

itinerante de tradições regionais e culturais, práticas estas herdadas de gerações a gerações que visa o

preparo de área (broca, derruba e queima). Após um ciclo de produção essa área é abandonada para

um período de pousio de (3 a 4 anos) para um novo cultivo de roça. Essas práticas vêm tornando cada

vez mais o solo fraco (degradado), reduzindo a área verde, produção e aumentando o esforço físico nas

atividades de cultivo. As culturas utilizadas no plantio das roças geralmente são as de ciclos anuais

como: maniva, milho, arroz, feijão, macaxeira e algumas verduras sempre cultivadas consorciadas.

O subsistema de quintal representa 1,08% na renda familiar, se dá através da criação de

pequenos animais (galinhas). A criação de aves é feita de forma tradicional, onde as aves são soltas

pela manhã e presas pela parte da tarde em um galinheiro feito de varas e coberto por palhas, onde se

utiliza o próprio milho produzido na roça para alimentação das mesmas. O subsistema vem se

apresentando de forma negativa devido o alto custo com alimentação.

Cultura Permanente representa 2,36 % na renda familiar e é composta pelo cultivo de urucum,

açaí, caju, cupuaçu, ingá e pupunha. A mesma apresenta baixa produção, estando apenas o urucum em

produção. O agricultor usou seus próprios recursos na implantação das culturas.

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431

Subsistema de Extrativismo – representa 0,11% na renda familiar, se dá através da coleta de

açaí nas áreas de várzeas e igapós encontrados dentro ou fora da unidade de produção familiar.

Consumo representa 26,47% de todos os sub-sistemas da UPF, consumo feito pela família

durante o ano.

O subsistema casa de farinha, responsável no processo de transformação da mandioca

(beneficiamento), está construído em madeira com cobertura de cavaco, piso de chão, um forno de

ferro, tipitis, masseiras de madeira e motor.

Uma parte da mandioca é depositada no leito do igarapé para o processo de fermentação

(amolecimento), após isso é descascada e conduzida para casa de farinha onde todo o processo de

transformação é feito de forma manual, outra parte é levada direto à casa de farinha onde é raspada

(trabalho este que na maioria das vezes é feito pela mulher) e em seguida sevada junto com a que vem

mole do igarapé. Como esse sub-sistema exige maior esforço físico nas atividades de beneficiamento,

geralmente ficam encarregados todos os membros da família.

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432

Análise da unidade de produção

Variáveis Potencialidades Restrições

Solo, relevo

- O solo apresenta boas

características para agricultura.

-

Reserva legal e APP

-A área apresenta boas condições

para recuperação dos recursos naturais.

-

Recursos hídricos

-A propriedade dispõe de um

igarapé.

- O rio que está em frente a

propriedade não serve para o consumo humano.

Mão-de-obra - Só utiliza mão de obra familiar. - Insuficiência de mão-de-obra

Práticas de manejo

- Uso reduzido agrotóxico na propriedade.

- Desenvolve algumas práticas de

preservação. - Costuma fazer aceiro.

- Utiliza fogo no preparo de área das roças.

Cenário Externo

Oportunidades Ameaças

- Envolvimentos com movimentos sociais:

- Participa da Associação Agrícola dos Produtores Rurais do Taperuçu como associado e tesoureiro;

- Estrada em boas condições;

- Existe transporte para o escoamento da produção até a sede do Município Irituia;

- Barco para transporte de carga e passageiros;

- Uma delegacia Sindical na comunidade santa Catarina;

- Duas Igrejas Católica e uma Protestante;

- Um barco para estudantes de segunda a sexta.

- Não existe abastecimento de água;

- Não existe posto de saúde; - Transporte escolar, uma vez ou outra;

- Não existe eletrificação;

- Agente de Saúde não freqüenta regularmente.

Expectativas da família

- Criação de caprinos

- Aumentar o plantio de frutíferas

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433

ANEXO III

Plano de Utilização de Unidade de Produção Familiar

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435

PLANO DE UTILIZAÇÃO

DA UNIDADE DE PRODUÇÃO

Identificação do Pólo: Pólo Rio Capim

Identificação do Grupo Comunitário: Novo Taperussu

Identificação do Agente Comunitário: Salomão Marques Filho

1 – DADOS CADASTRAIS

Nome do(a) Produtor(a) Francisco de Assis Sousa

Apelido:

CPF: INFORMAÇÃO NÃO PÚBLICA

Data de Nascimento: 1.954 Sexo: ( x ) M / ( ) F

Estado Civil:

( ) solteiro; ( x ) casado; ( ) viúvo; ( ) divorciado; ( ) união estável

Escolaridade:

( ) sem escolaridade; ( x ) fundamental incompleto; ( ) fundamental completo; ( ) médio

incompleto;

( ) médio completo; ( ) superior incompleto; ( ) superior completo.

Informações gerais sobre a família:

Nome Origem Sexo Idade Escolar R. extra

Francisco de Assis Souza Ceará M 50 2 -

Raimunda Mesquita Mota

Souza

Ceará F 49

2 R$ 260,00

Maria do Socorro Mota Souza Bujaru F 18 2 -

* 1- Sem escolaridade; 2- 10 grau incompleto; 3- 1

0 grau completo; 4- 2

0 grau incompleto; 5- 2

0 grau completo; 6 -3º grau incompleto.

O Sr. Francisco de Assis Souza e dona Raimunda Mesquita Mota Souza, ambos nascidos no

Ceará, ele na cidade de Itapipoca e ela em Iralçuba, casaram-se em1977, vieram do Ceará

para a cidade de Bujaru em 1981, chegaram no município de São Domingos do Capim

em1988, adquiriram o lote em 1998, o primeiro filho nasceu em 1978 e o último em 1986. O

casal tem filhos casados que detém seus próprios lotes.

Nome da Unidade de Produção: Sítio São Francisco

Endereço: Comunidade Taperussu

CEP: 68.635-000 Município: São Domingos do Capim UF: PA

Coordenada geográfica da sede do estabelecimento:

Latitude: Longitude:

Pertence a alguma Organização Social:

( ) Não; ( x ) Sim – Identifique: Associação Produtores Rural Vale de Taperussu

Condição de posse e uso da terra:

( ) título definitivo; ( ) título provisório; ( ) direitos de posses; ( ) licença de ocupação;

( ) posse mansa e pacífica; ( ) recibo de compra e venda; ( ) registro em cartório;

( ) direitos tradicionais adquiridos; ( x ) cadastro no INCRA; ( ) contratos de arrendamento;

( ) outros – identifique:

Área do estabelecimento (hectares): 25

Módulo rural da região (hectares):

25

Módulos do estabelecimento: 1

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436

Produtos rurais principais na renda familiar anual

Descrição dos Sub-sistemas Sub-sistema Descrição Produção Consumo Venda

Roça (12 ta) Mandioca (12 ta)

Milho (12 ta)

Arroz (4 ta)

Feijão (2 ta)

420 Sc

36 Sc

24 Sc

6Sc

5%

100%

100%

33%

95%

-

-

67

Quintal Bicos

Frutos

20

1500 Kg

100%

100%

-

-

Extrativismo Açaí 3 Sc 100% -

Cultura Permanente Urucum, açaí, caju,

cupuaçu, ingá e

pupunha (4 ta)

consorciado.

70 Kg - 100%

Força de trabalho utilizada além da familiar:

( x ) não contrata; ( ) contrata empregados eventuais: quantidade de diárias/ano _____

( ) contrata empregados permanentes: ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ou mais

( x ) troca de diárias; ( ) mutirão entre famílias.

2 – HISTÓRICO DO CRÉDITO RURAL

A Unidade de Produção acessa crédito rural ?

SIM ( x ) NÃO ( )

Caso SIM, especifique a modalidade:

PRONAF A (

)

PRONAF B (

)

PRONAF C ( x

)

PRONAF D ( ) PRONAF E ( )

FNO ( ) FNE ( ) FCO ( ) PRODEX ( ) PROCERA ( )

Crédito Estadual ( ) – Especifique: custeio de mandioca

Outro Crédito ( ) – Especifique:

Custeio: Investimento:

Projetos de Fomento / Fundo Perdido ( ) – Especifique:

Qual a situação do crédito rural em vigência?

( ) Em período de carência

( x ) Em período de amortização, com adimplência

( ) Em período de amortização, com inadimplência

A Unidade de Produção já acessou crédito rural anteriormente ?

SIM, já acessou ( ) Quantas vezes ? ( ) NÃO, nunca acessou (x )

Caso já tenha acessado, especifique a(s) modalidade(s):

A Unidade de Produção pretende acessar crédito rural para implementar o PU ?

SIM ( x ) NÃO ( )

Caso SIM, especifique a modalidade:

PRONAF A (

)

PRONAF B ( ) PRONAF C ( x ) PRONAF D (

)

PRONAF E ( )

Crédito Estadual ( ) – Especifique:

Outro Crédito ( ) – Especifique:

Custeio: Investimento: R$ 18.000,00

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437

3 – MAPA DE USO DA TERRA ATUAL

VÁRZEA 0,5HA

QUINTAL 0,75HA

IGARAPÉ 0,25HA

PASTO 1HA

RETIRO

ESTRADA DO TAPERUSSU

ROÇA IHA

*CAPOEIRA 9HA

*

ROÇA NOVA 2,5HA

MATA 10 ha

CONSÓRCIO 1HA

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438

4 – MAPA DE USO DA TERRA FUTURO

VÁRZEA 0,5HA

QUINTAL 0,5HA

IGARAPÉ 0,25HA

PASTO 1HA

RETIRO

ESTRADA DO TAPERUSSU

ROÇA 0,25HA

*CAPOEIRA 9HA

*

MATA 10 ha

CONSÓRCIO 1HA

SAF‟s 2,5ha

Apicultura 1ha

Melhoramento da

casa de farinha

Roça s/ queima

4ha

Manejo de açaizal

0,5ha

Suinocultura

0,25ha

Galinheiro

agroecológico

0,25ha

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439

5 – TIPOS DE USO DA TERRA

Tipos de Uso da Terra Atual HÁ

CULTURAS ANUAIS 3,5

Roça com Queima (Lavoura Branca) 3,5

Roça sem Queima (Lavoura Branca) 0

Horta 0

CULTURAS PERENES EXTRA RESERVA LEAL 1,5

Sistemas Diversificados (Consórcios, Sistemas Agroflorestais, etc...) 0

Pomar e Quintal 0,5

Sistemas Homogêneos Perenes 1

Sistemas Homogêneos Semi-Perenes 0

CAMPOS ABERTOS 1

Campos Naturais 0

Pastagens Degradadas 1

Pastagens Manejadas 0

Sistema Agrosilvipastoril 0

RESERVA LEGAL 18

Floresta Primária Terra Firme 10

Floresta Primária Alagada 0

Capoeira 8

Sistemas Diversificados (Consórcios, Sistemas Agroflorestais, etc...) 0

Sistemas fora das especificações legais 0

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE 0,5

Floresta Primária Terra Firme 0

Floresta Primária Alagada (Igapó) 0,5

Capoeiras 0

Sistemas fora das especificações legais 0

FLORESTA EXTRA RESERVA LEGAL E APPs 0

Florestas Primárias Terra Firme 0

Florestas Primárias Alagada 0

Capoeiras 0

RECURSOS HÍDRICOS 0,5

Reservatórios Naturais 0

Reservatórios Artificiais 0

Rios, Córregos e Igarapés 0,5

SOLO NU 0

INSTALAÇÕES (Residências + Infra-Estrutura) 0

ÁREA TOTAL 25

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440

Tipos de Uso da Terra Futuro HA

CULTURAS ANUAIS 4,25

Roça com Queima (Lavoura Branca) 0,25

Roça sem Queima (Lavoura Branca) 4

Horta 0

CULTURAS PERENES EXTRA RESERVA LEGAL 1,5

Sistemas Diversificados (Consórcios, Sistemas Agroflorestais, etc...) 0

Pomar e Quintal 0,25

Galinheiro agroecológico 0,25

Sistemas Homogêneos Perenes 1

Sistemas Homogêneos Semi-Perenes 0

CAMPOS ABERTOS 1

Campos Naturais 0

Pastagens Degradadas 1

Pastagens Manejadas 0

Sistema Agrosilvipastoril 0

RESERVA LEGAL 17,5

Floresta Primária Terra Firme 10

Floresta Primária Alagada 0

Capoeira 6,5

SAF‟s 1

Sistemas Diversificados (Consórcios, Sistemas Agroflorestais, etc...) 0

Sistemas fora das especificações legais 0

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE 0,5

Floresta Primária Terra Firme 0

Floresta Primária Alagada 0

Manejo de açaizal 0,5

Capoeiras 0

Sistemas fora das especificações legais 0

FLORESTA EXTRA RESERVA LEGAL E APPs 0

Florestas Primárias Terra Firme 0

Florestas Primárias Alagada 0

Capoeiras 0

RECURSOS HÍDRICOS 0,25

Reservatórios Naturais 0

Reservatórios Artificiais 0

Rios, Córregos e Igarapés 0,25

SOLO NU 0

INSTALAÇÕES (Residências + Infra-Estrutura) 0

ÁREA TOTAL 25

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441

6 – OBJETIVOS DO MANEJO DA PRODUÇÃO E CONSERVAÇÃO AMBIENTAL (RESERVA LEGAL E APP)

PLURIANUAL Priori

dade

Pontos de Convenção Tipo de Uso Atual da

Terra

Unidade Método de

Conversão

Tipo de Uso da Terra

Futuro

Unidade Serviços Ambientais e

sociais

Prazo Período Origem Recurso

1

Preparo de área com uso do fogo

Culturas alimentares (milho, arroz, mandioca e outros)

1 há

Trituração/

Tritucap

Culturas alimentares

1,5 ha

- Evitar a emissão de Carbono - Mantém a fertilidade do solo

- Evitar fogos acidentais e etc..

6 anos

2006

a 2011

Próprio, PADEQ, Floagri, PRONAF Agroecologia e Florestal

Observação:. Será implantado roça sem queima através da trituração da capoeira (TRITUCAP – Pesquisa da EMBRAPA AMAZONIA ORIENTAL) ou preparo manual, o mesmo será implantado

de forma rotativa para melhor aproveitamento da área, sendo que ao final dos 6 anos teremos uma área de 4 há, melhorada e enriquecida com essências florestais, frutíferas, leguminosas.

2

Roça sem perspectiva para SAF”s

Culturas alimentares ha SAF”s Culturas alimentares, fruteiras e essências florestais

0,5 ha - Recuperação da RL - Redução do desmatamento

- Recuperação da biodiversidade - Diversificação da produção e - Segurança alimentar

5 anos 2009 a

2013

Próprio, PADEQ, Floagri, PRONAF Agroecologia e

Florestal

Observação

3 Inexistência e/ou “manejo inadequado” de açaizais

Extrativismo de açaí sem manejo

1 ha Treinamentos e práticos e manejos de açaizais

Açaizal manejado para consumo e vendas de frutos

1 ha - Segurança alimentar - Renda - Recuperação e manutenção da

biodiversidade

3 anos 2007 a

2009

Próprio, PADEQ, Floagri, PRONAF Agroecologia e Florestal

Observação:

4

Quintal com baixa produção e manejo inadequado

Aves criadas soltas, escarificação das raízes das plantas e fezes nos alimentos.

0,25 ha Galinheiro agroecológico preconiza por Ernest Goot

Criação de galinha caipira semi

confinado e sistema de pastejo rotativo

0,25 há - Segurança alimentar, - Fertilização do solo (adubo orgânico)

2 anos 2006 a

2007

Próprio, PADEQ, Floagri, PRONAF Agroecologia e Florestal

Observação

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442

5

Contaminação dos

igarapés pela raiz es da mandioca (cascas e liberação de ácidos)

Beneficiamento da

mandioca (farinha)

0,125 ha Melhoramento da

casa de farinha

Beneficiamento da

mandioca

0,125 - Qualidade água 8 anos 2006

a 2013

Próprio, PADEQ,

Floagri, PRONAF Agroecologia e Florestal

Recuperação da

vegetação ciliar dos igarapés

Vegetação desmatada

0,125

Recuperação da

vegetação ciliar

Fruteiras e essências

florestais

0,125

- Recuperação da

biodiversidade - Recuperação de APP

3 anos

2006

a 2013

Próprio, PADEQ,

Floagri, PRONAF Agroecologia e Florestal

Observação

6

Criação de suínos

conflituosos na própria UPF e nas vizinhas

Criação de suínos

extensivas

1 ha

Agra-floresta para

suíno em semi-confinamento

Criação de suíno semi

-confinado

0,25 ha

- Redução de

conflitos - Segurança alimentar

3 anos

2009

a 2011

Próprio, PADEQ,

Floagri, PRONAF Agroecologia e Florestal

Observação

7

Capoeira em via de

desmatamento pousio precosse e baixa fertilidade

Capoeira em via de

desmatamento

1 ha Introdução de

apicultura (apicultura ou melipolinicultura)

Capoeira enriquecida

com apicultura

10

caixas/ 1 ha

- Desmatamento

evitado - Segurança alimentar - Mantem a biodiversidade e - Recuperação de R.L

3 anos

2007 a

2009

Próprio, PADEQ, Floagri, PRONAF Agroecologia e Florestal

Observação

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443

7 – MEMÓRIA DE CÁLCULO DOS PONTOS DE CONVERSÃO

Prioridade 1:

Pontos de Conversão: Preparo de área com o uso do fogo

Método 1 – Trituração – TRITUCAP – (EMBRAPA AMAZONIA ORIENTAL)

Especificação: Quantidade Unidade Valor Unitário (R$) Valor Total (R$)

Trituração 5 H/T 100,00 500,00

Plantio 8 H/D 12,00 96,00

Manejo (capina) 16 H/D 12,00 192,00

TOTAL GERAL - - - 788,00

Prioridade: 2

Pontos de Conversão: Roça sem perspectiva para SAF”s

Método– SAF”s partindo da roça

Especificação: Quantidade Unidade Valor Unitário (R$) Valor Total (R$)

Demarcação e piquetiamento 2 H/D 12,00 24,00

Coveamento 15 H/D 12,00 180,00

Mudas diversas 1.000 Mudas 2,50 2.500,00

Adubo orgânico 1 Carrada 200,00 200,00

Leguminosas 200 Kg 3,50 700,00

Plantio 15 H/D 12,00 180,00

Manejo diversos 30 H/D 12,00 360,00

TOTAL GERAL - - - 4.144,00

Prioridade 3:

Pontos de Conversão: Inexistência e /ou “manejo inadequado” dos açaizais

Método – Treinamentos práticos e manejos dos açaizais

Especificação: Quantidade Unidade Valor Unitário (R$) Valor Total (R$)

Instrutoria 5 Hora aula 200,00 1.000,00

Aplicação de técnicas 100 H/D 12,00 1.200,00

Alimentação 100 Refeição 10,00 1.000,00

Acompanhamento técnico 50 H/D 12,00 600,00

Ferramentas VB Diversas 500,00 500,00

TOTAL GERAL - - - 4.300,00

Prioridade 4:

Pontos de Conversão: Quintal com baixa produção e manejo inadequado

Método - Galinheiro Agroecológico

Especificação: Quantidade Unidade Valor Unitário (R$) Valor Total (R$)

Pintos 50 Bicos 3,00 150,00

Ração inicial 2 Sacas 50,00 100,00

Ração crescimento 3 Sacas 40,00 120,00

Mão de obra (carpinteiro) 10 Dias 20,00 200,00

Forrageira 1 900,00 930,00

TOTAL - - - 1.500,00

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444

Prioridade 5:

Pontos de Conversão: Contaminações dos igarapés pelas raízes da mandioca (cascas e liberação de ácidos)

Método 5.1 - Melhoramento de casa de farinha

Especificação: Quantidade Unidade Valor Unitário (R$) Valor Total (R$)

Perfuração de poço 1 Poço 1.500,00 1.500,00

Tijolos 2 Milheiro 220,00 440,00

Cimento 20 Sacos 17,00 340,00

Areia 1 Carrada 80,00 80,00

Canos diversos VB Diversos 700,00 700,00

Torneiras 5 Unidade 7,00 35,00

Moto bomba 1 Unidade 1.000,00 1.000,00

Prensa de ferro 1 Unidade 1.000,00 1.000,00

Moto caititu 1 Unidade 500,00 500,00

Forno de cobre 1 Unidade 1.500,00 1.500,00

Pedreiro 20 H/D 25,00 500,00

Servente 20 H/D 15,00 300,00

Vasilhames VB Diversos 800,00 800,00

Sub Total 1 - - - 8.695,00

Método 5.2 – Recuperação da vegetação ciliar dos igarapés

Demarcação e piquetiamento 2 H/D 12,00 24,00

Mudas diversas 1.000 Mudas 2,50 2.500,00

Plantio 5 H/D 12,00 60,00

Manejo 30 H/D 12,00 360,00

Sub Total 2 - - - 2.944,00

TOTAL GERAL (SUB 1 + SUB2) - - - 13.139,00

Prioridade 6:

Pontos de Conversão: Criação de suínos conflituosos na UPF e nas vizinhanças

Método - Agrofloresta para suínos

Especificação: Quantidade Unidade Valor Unitário (R$) Valor Total (R$)

Demarcação e piquetiamento 1 H/D 12,00 12,00

Coveamento 5 H/D 12,00 60,00

Mudas frutíferas 250 Mudas 2,00 500,00

Mudas de espécies florestais 250 Mudas 2,50 625,00

Cerca viva 200 Kg 3,50 700,00

Madeirame Diversos VB 500,00 500,00

Tijolos 2 Milheiro 220,00 440,00

Cimento 20 Sacos 17,00 340,00

Areia 1 Carrada 80,00 80,00

Seixo 1 Carrada 130,00 130,00

Arame 8 Rolo 120,00 960,00

Telhas brasilite 40 Telhas 25,00 1.000,00

Pedreiro 20 H/D 25,00 500,00

Servente 20 H/D 15,00 300,00

TOTAL GERAL - - - 6.147,00

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445

Prioridade 7:

Pontos de Conversão: Capoeira em via de desmatamento – Pousio precoce e baixa fertilidade

Método – Introdução da criação de abelhas (apicultura ou melipolinicultura) (10 caixa)

Centrifuga (16 quadro) 1 Unidade 1.370,00 1.370,00

Decantador 1 Unidade 630,00 630,00

Mesa desoperculadora 1 Unidade 800,00 800,00

Garfo desoperculador 3 Unidade 18,00 54,00

Carretilha 2 Unidade 40,00 80,00

Luva 3 Pares 14,00 42,00

Bota 3 Pares 30,00 90,00

Baldes 3 Unidade 3,00 9,00

Potes plásticos /vasilhame 2000 Unidade 0,20 400,00

Macacão 3 Unidades 80,00 240,00

Fumegador 1 Unidade 60,00 60,00

Cera alveolada 10 Unidade 40,00 400,00

Caixa com melgueira 10 Unidade 80,00 800,00

Capitura de enxame 10 H/D 12,00 120,00

Formão do apicultor 2 Unidade 40,00 80,00

Tela excluidora 10 Unidade 25,00 250,00

Telha Casa de (4 x 4 ) 1,5 Milheiro 240,00 360,00

Cimento 25 Sacos 17,00 425,00

Tijolo 2,5 Milheiro 220,00 550,00

Areia 1 Carrada 80,00 80,00

Pedra 1 Carrada 130,00 130,00

Madeira Vb Vb 250,00 250,00

Lajota 16 M² 15,00 240,00

Pia 1 Unidade 60,00 60,00

Torneira 2 Unidade 7,00 14,00

Tela mosquiteiro 6 M² 5,00 30,00

Forro PVC 16 M² 17,00 272,00

TOTAL - - - 7.836,00

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446

CALENDÁRIO PLURIANUAL (2006-2020)

Prioridade ANO

2006

ANO

2007

ANO

2008

ANO

2009

ANO

2010

ANO

2011

ANO

2012

ANO

2013

ANO

2014

ANO

2015

ANO

2016

ANO

2017

ANO

2018

ANO

2019

ANO

2020

1 X X X X X X

2 X X X X X

3 X X X

4 X X X X X

5 X X X X X X X X

6 X X X

CALENDÁRIO ANUAL

Prioridade JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

1 X X X X X X

2 X X X X

3 X X X

4 X X X

5 X X X

6 X X X X

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447

ANEXO IV

Acordo Comunitário de Serviços Ambientais

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449

ACORDO COMUNITÁRIO DE

SERVIÇOS AMBENTAIS

IDENTIFICAÇÃO DO GRUPO COMUNITÁRIO

Identificação do Pólo: RIO CAPIM UF: PA

Identificação do Grupo Comunitário: Grupo Novo Taperussu

Município: São Domingos do Capim

Número de famílias que compõem o Grupo Comunitário: 24 UPFs

Nome do Agente Comunitário responsável: Salomão Marques Filho

CPF: 286.333.694-00

Endereço: Comunidade Taperussu – São Domingos do Capim

Nome da Associação que envolve o Grupo Comunitário: Associação dos Produtores rurais

do vale de Taperussu

CNPJ: 03.332.752.0001-48

Endereço:São Domingos do Capim – Comunidade Taperussu

Período de Vigência do Acordo Comunitário: 01/01/06 a 31/12/06.

METOLOGIA DE VERIFICAÇÃO

Serão realizadas reuniões trimestrais entre o grupo comunitário, com participação da equipe

técnica, agentes comunitários e UPFs cadastradas. A seqüência metodológica terá os

seguintes passos :

a) Verificação dos Acordos Comunitários (AC) firmados no grupo e análise dos PUs

elaborados;

b) Visita às UPFs escolhidas aleatoriamente;

c) Debate e discussão a cerca dos acordos e relatório das visitas em UPFs;

d) Sugestões, ajuste e relatório final.

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450

COMPROMISSOS E METODOLOGIA DE VERIFICAÇÃO PARTICIPATIVA DE

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AMBIENTAIS.

Preservar e recuperar (plantar) as áreas de preservação permanente – APP (nascente e

margem de igarapés, lagos, grotas, rios, áreas de “baixão”, morro acima, mangues, igapós e

outras)

Redução gradativa para o preparo de área com o uso do fogo (a cada ano reduzir 2

tarefas), além de cada UPFs definir uma área de PROTEÇÃO entre as UPFs que participam

ou não do PROAMBIENTE;

Toda e qualquer UPFs deverá de forma gradativa formar os Sistemas Agroflorestais (1

tarefa/ano) a partir da roça e/ou FNO, de forma a abandonar e/ou Pimentais e outros

agrossistemas existentes nas UPFs

A recomposição de 80% reserva legal (RL) é obrigatória e será desenvolvida

gradativamente (2 tarefas/ano) por cada UPFs e acompanhada pela equipe técnica;

É importante que os membros da UPFs estejam associados e/ou sindicalizados, além de

manter a sua documentação em ordem;

A decisão referente aos PUs deverá ser tomada e compartilhada entre o casal (homens e

mulheres);

Fica estabelecido que o beneficiamento da mandioca (amolecer a casca) não deverá ser

feito nos igarapés e que os membros das UPFs buscarão junto com a equipe técnica

alternativas no prazo máximo de 1 ano a contar da data de assinatura desse acordo;

Não será permitida a caça e a pesca de forma predatória e que tenha caráter puramente

econômico;

Fica estabelecido que as UPFs que se utilizarão do uso do fogo (período de transição)

para preparo de área de plantio deverão avisar, antecipadamente, as UPFs vizinhas, sendo

que a atividade deverá ser feita de forma comunitária e com acompanhamento de técnicas

de aceiros;

As UPFs que ocasionaram a prática do fogo acidental e/ou proposital estarão sujeito às

penalidades previstas em lei. As UPFs afetadas terão direito à indenização.

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451

ESTRATÉGIAS DE VERIFICAÇÃO

COMPOSIÇÃO E AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOS/AS PRODUTORES/AS

Nome do/da Produtor/ora: Adilson Bispo da Silva

CPF: 459.665.082-91 Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Aluísio Maciel Assunção

CPF: 764.760.492-91

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Antonio Carlos Furtado de Araújo

CPF: 736.108.602-00 Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Antonio Crispim Mendes

CPF: 179.432.052-00

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

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452

Nome do/da Produtor/ora: Arlete Maria Maciel

CPF: 730.781.152-91

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Cristina Furtado da Silva

CPF: 729.374.162-68

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Edno José Oliveira Costa

CPF: 755.132.422-49

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Elzo Antonio Cerqueira

CPF: 306.684.412-91 Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

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453

Nome do/da Produtor/ora: Evanildo Nazareno Costa Macedo

CPF: 374.151.312-16

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Francisco de Assis de Sousa

CPF: 695.517.902-00 Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: : Hosana Furtado da Silva

CPF: 883.227.002-10

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Izidio Maciel Assunção CPF: 576.922.382-00

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

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454

Nome do/da Produtor/ora: José Antonio de Alcântara Medeiros

CPF: 694.554.222-04

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: José Ernesto Miguel

CPF: não tem Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: José Maria Amaral Pereira

CPF: 845.803.992-34

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: José Mario dos Santos Soares CPF: 211.510.672-53

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

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455

Nome do/da Produtor/ora: Lazaro Matos da Silva CPF: 822.614.822-72

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Luis Carlos Cunha Barral

CPF: 374.270.162-20 Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Luis Carlos Cunha Barral

CPF: 374.270.162-20 Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Manoel Raimundo dos Santos Fonseca

CPF: 306.679.922-00

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

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456

Nome do/da Produtor/ora: Marcilene Marques dos Santos

CPF: 762.623.672-68

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: : Maria do Socorro Amaral CPF: 728.386.982-49

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Maria Lúcia Marques Gonçalves

CPF: 561.488.792-04 Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

Nome do/da Produtor/ora: Rosa Pereira da Silva

CPF: 722.915.832-04

Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

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457

Nome do/da Produtor/ora: Valdilene Maria Rodrigues Barral

CPF: 748.344.102-00 Histórico de desempenho:

Ano 1 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 2 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 3 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 4 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

Ano 5 ( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor dos compromissos

O Produtor/ora concorda com a avaliação do Grupo Comunitário? ( ) Sim ( ) Não

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458

RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Caso exista algum conflito na avaliação de desempenho de algum produtor, deve-se

apresentar abaixo os motivos.

Nome do/da Produtor/ora:

Avaliação de desempenho de acordo com o Grupo Comunitário:

( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor

Declaração de acordo com o/a produtor/ora

( ) cumpridor dos compromissos ( ) não cumpridor

Justificativa: