histria da istoriograia n. 26 anabri ano 2018 ssn 19839928

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1 História da Historiografia, n. 26, jan-abri, ano 2018, ISSN 1983-9928

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1 História da Historiografia, n. 26, jan-abri, ano 2018, ISSN 1983-9928

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

3

Ouro Preto / MG - Brasil

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, ISSN 1983-9928

Alejandro Eujanian (UNR . Rosário . Argentina)

Arthur Lima de Àvila (UFRGS . Porto Alegre . RS. Brasil)

Fábio Franzini (UNIFESP . Guarulhos . SP . Brasil)

Mateus Henrique Faria Pereira (UFOP . Mariana. MG . Brasil)

Valdei Lopes de Araujo (UFOP . Mariana. MG . Brasil)

Arthur Alfaix Assis (UnB . Brasília . DF . Brasil)

Claudia Beltrão (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Durval Muniz de Albuquerque (UFRN . Natal . RN . Brasil)

Fabio Wasserman (UBA . Buenos Aires . Argentina)

Fernando Nicolazzi (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)

Helena Mollo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

Julio Bentivoglio (UFES . Vitória . ES . Brasil)

Lucia Maria Paschoal Guimarães (UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Pedro Meira Monteiro (Princeton University . Princeton . Estados Unidos)

Pedro Spinola Pereira Caldas (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Raquel Glezer (USP . São Paulo . SP . Brasil)

Rebeca Gontijo (UFRRJ . Seropédica . RJ . Brasil)

Ricardo Salles (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Rodrigo Turin (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Sérgio da Mata (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

Temístocles Cezar (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)

Tiago C. P. dos Reis Miranda (Universidade de Évora . Évora . Portugal)

Valdei Lopes de Araujo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

EXPEDIENTE

CONSELHO EXECUTIVO

CONSELHO EDITORIAL

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4

Expediente

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, ISSN 1983-9928

Astor Diehl (UPF . Passo Fundo . RS . Brasil)

Carlos Fico (UFRJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Carlos Oiti (UFG . Goiás . GO . Brasil)

Cássio Fernandes (UNIFESP . Guarulhos . SP . Brasil)

Chris Lorenz (VU University Amsterdam . Amsterdã . Holanda)

Denis Bernardes - in memoriam (UFPE . Recife . PE . Brasil)

Edgar De Decca - in memoriam (UNICAMP . Campinas . SP . Brasil)

Eliana Dutra (UFMG . Belo Horizonte . MG . Brasil)

Estevão de Rezende Martins (UnB . Brasília . DF . Brasil)

Ewa Domanska (Adam Mickiewicz University . Poznañ . Polônia)

Fernando Catroga (Universidade de Coimbra . Coimbra . Portugal)

Francisco Murari Pires (USP . São Paulo . SP . Brasil)

François Hartog (EHESS . Paris . França)

Frederico de Castro Neves (UFC . Fortaleza . CE . Brasil)

Guillermo Zermeño Padilla (Colegio del México . Cidade do México . México)

Hans Ulrich Gumbrecht (Stanford University . Stanford . Estados Unidos)

Hayden White - in memoriam(Stanford University . Stanford . Estados Unidos)

Iris Kantor (USP . São Paulo . SP . Brasil)

José Carlos Reis (UFMG . Belo Horizonte . MG . Brasil)

Jörn Rüsen (KI/ UWH . Witten . Alemanha)

Jurandir Malerba (PUC-RS . Porto Alegre . RS . Brasil)

Keila Grinberg (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Luiz Costa Lima (PUC-Rio . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Manoel Salgado Guimarães - in memoriam (UFRJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Marco Morel (UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)

Marlon Salomon (UFG . Goiânia . GO . Brasil)

Pascal Payen (Université de Toulouse II - Le Mirail . Toulouse . França)

Sanjay Seth (University of London . Londres . Reino Unido)

Sérgio Campos Matos (Universidade de Lisboa . Lisboa . Portugal)

Silvia Petersen (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)

CONSELHO CONSULTIVO

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5

Expediente

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, ISSN 1983-9928

Guilherme Bianchi (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

Marianna Andrade Melo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

Rodrigo Machado (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

Augusto Martins Ramires (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

Luiz Antônio dos Prazeres

Equipe de Revisores da História da Historiografia

Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH)

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)

EDITORES COLABORADORES

SECRETÁRIO

REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA

REVISÃO DE LÍNGUA INGLESA E ESPANHOLA

REALIZAÇÃO

APOIO

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6

Expediente

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, ISSN 1983-9928

Rua do Seminário, s/n - Centro Mariana - MG

35420-000| Brasil

http://www.historiadahistoriografia.com.br

[email protected]

Telefone: (31) 3557-9400

História da Historiografia. Ouro Preto / Edufop, 2018, número 27, Mai-Ago, 2018, 233 p.

Quadrimestral ISSN 1983-9928

1. História - Periódicos CDU 930(05)

História da Historiografia publica artigos, resenhas, entrevistas, textos e documentos historiográficos de interesse para os campos da história da historiografia, teoria da história e áreas afins. Tem por missões divulgar textos de teoria da história e história da historiografia, e promover o intercâmbio de ideias e resultados de pesquisas entre investigadores dessas duas áreas correlatas. Num momento em que, no cenário brasileiro, o crescimento do número de periódicos científicos apenas espelha (se bem que de forma algo distorcida) a ampliação dos programas de pós-graduação, é consenso que o próximo passo a ser dado é o da verticalização e especialização do perfil das publicações. HH foi fundada em 2008 exatamente a partir desse diagnóstico, e é hoje um periódico de referência para os especialistas das áreas de teoria da história e história da historiografia no mundo de língua portuguesa e espanhola. O periódico é uma publicação da Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto.

CONTATO

FICHA CATALOGRÁFICA

MISSÃO

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7

Expediente

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, ISSN 1983-9928

Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el CaribeFabio Wasserman, Jurandir MalerbaEl tópico de “los orígenes ideológicos” de las revoluciones de independencia como problema Elías Palti

A história intelectual e a história da historiografia latino-americana: internalismo, externalismo e mediação nas análises de FacundoFabiula Sevilha

Varnhagen, Santarém e Avezac: um episódio da polêmica vespuciana (1842-1858)Daniel Estudante Protásio

De historiadores y de los posibles usos de su saber. La contribución de los Congresos Internacionales de Historia de América en la conformación de una identidad americana (1930-1960)Martha RodríguezUma poética da relação: a conversa infinita entre Édouard Glissant e Michel LeirisGabriela Mitidieri Theophilo

Tiempo, historia y política. Una reflexión comparativa sobre las conmemoraciones bicentenarias en México y ArgentinaCamila Perochena

EDITORIAL EDITORIAL

12

09

37

64

91

118

142

20

DOSSIÊ DOSSIER

Sistemas narrativos historiográficos: La realidad de la ficción en “Pedro Bohórquez, el Inca de Tucumán”Nicolás Lavagnino 174

ARTIGOS LIVRES FREE ARTICLES

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8

Expediente

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, ISSN 1983-9928

Los refugios del pasado: Usos políticos del concepto de “imparcialidad” y su función en la construcción de la historia de AméricaNuria Muñoz 202

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NORMAS DE PUBLICAÇÃO EDITORIAL GUIDELINES

DIRETRIZES PARA AUTORES GUIDELINES FOR AUTHORS

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

10

Ouro Preto / MG - Brasil

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, 09-10- DOI: 10.15848/hh.v0i27.1383

Com este novo número, no qual é publicado um dossiê inteiramente à América Latina, a revista História da Historiografia une-se às comemorações que marcam a realização do XIII Encontro Internacional da Anphlac – Associação Nacional de Pesquisadores e Professores de História das Américas. A associação foi fundada em janeiro de 1993 no Campus da UFOP em Mariana por iniciativa de pesquisadores de diversos estados brasileiros. Entre 24 e 27 de julho deste ano a cidade volta a abrigar um evento da Anphlac.

Sejam bem-vindos.

Boa leitura!

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

12

Ouro Preto / MG - Brasil

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, 12-19- DOI: 10.15848/hh.v0i27.1385

Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el Caribe

Fabio Wasserman (Instituto Ravignani, Universidad de Buenos Aires – Conicet)

Jurandir Malerba (PPG História UFRGS)

Coordinadores:

La constitución de la historia como disciplina en América Latina y el Caribe durante los siglos XIX y XX coincidió con el proceso de emergencia y consolidación de los Estados nacionales a los que proveyó de relatos e interpretaciones sobre sus orígenes, su evolución, sus rasgos particulares y su identidad. De ese modo, las narrativas históricas tomaron a la nación como principal escala de análisis y, mucho más importante aún, como sujeto protagónico de los procesos históricos.

Hasta mediados del siglo XX, y aunque con importantes diferencias regionales, la historiografía de los países latinoamericanos se desarrolló en buena medida por fuera de los sistemas universitarios. Los historiadores eran en general políticos, funcionarios, escritores, médicos o abogados, que podían estar ligados o no a instituciones como las academias de historia, los institutos históricos o las sociedades de estudios históricos. Después de la Segunda Guerra Mundial, y sobre todo a partir de la década de 1960, las universidades comenzaron a concentrar la producción de conocimiento histórico. Tributaria de una tradición local de ensayismo crítico, y enriquecida por el contacto con la historia social marxista y annaliste -contacto que en parte se debió al exilio provocado por las dictaduras militares-, la historiografía latinoamericana fue entonces objeto de una notable renovación teórico-metodológica que promovió la incorporación de nuevos temas, problemas y abordajes. En

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Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el CaribeHISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

ese sentido se destaca la consideración de América Latina y el Caribe como un espacio con una historia común que era pensada con categorías como dependencia, desarrollo, modernización o formación económico-social. Sin embargo, y a diferencia de lo sucedido con otras disciplinas como la filosofía, la sociología o la economía, esta caracterización no fue una condición suficiente para que la historiografía produjera interpretaciones y narraciones de conjunto capaces de trascender la suma de casos nacionales.

A partir de la década de 1980 comenzó a producirse un proceso de expansión y de diversificación temática en la historiografía de los países latinoamericanos. Una de las razones de estos cambios fue la progresiva internacionalización de la vida académica, favorecida por la estandarización de la formación en el grado y el posgrado, y por la circulación de investigadores, docentes y estudiantes, tanto a nivel continental como internacional. En ese marco se fue produciendo una creciente especialización y se hicieran más frecuentes los estudios que utilizan escalas de análisis subnacionales, ya sean regiones, provincias o ciudades. Durante la década de 1990, por su parte, los procesos de globalización pusieron en cuestión a las historias nacionales como marco interpretativo de los procesos históricos. De ese modo, y a pesar de que aún siguen teniendo un peso significativo las instituciones y las tradiciones intelectuales nacionales, y de que el formato historia nacional continúa siendo el predominante, se advierte un importante movimiento de renovación teórica que, con diversa presencia en todo el continente, dio un nuevo aire al debate y a la producción de conocimiento histórico al incorporar sujetos, perspectivas y formas narrativas que cuestionan el nacionalismo historiográfico.

Esta descripción breve y esquemática no implica desconocer que los autores de las historias nacionales de los países latinoamericanos entendían -y entienden- que las mismas forman parte de procesos más amplios de alcance regional, continental, occidental o global. Lo cierto, sin embargo, es que

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Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el Caribe

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, 12-19- DOI: 10.15848/hh.v0i27.1385

cuando se procura realizar empresas que toman a América Latina y el Caribe como objeto, lo que suele ocurrir es que se reúnen trabajos de distintos autores sobre casos nacionales, evidenciando así que los historiadores latinoamericanos somos, ante todo, historiadores nacionales. No sucede lo mismo en el sistema académico europeo y norteamericano, en los que durante el siglo XX se fue conformando una tradición de estudios latinoamericanistas. De este contraste resulta ilustrativa la intervención de Hilda Sabato al clausurar el XVII Congreso Internacional de Ahila –Asociación de Historiadores Latinoamericanistas Europeos–realizado en Berlín en septiembre de 2014. En una conferencia dedicada a reflexionar sobre las distintas formas en las que se abordó la historia de América Latina, la historiadora argentina recordaba que al llegar a Londres a mediados de la década de 1970 para realizar un doctorado, descubrió con sorpresa que era considerada por sus colegas como una “latinoamericanista”, categoría que hasta entonces desconocía por completo (SABATO 2015, p. 138).

La historia de la historiografía de los países latinoamericanos acompañó el movimiento general de la disciplina al enfocarse en documentar y examinar el proceso de constitución de cada historiografía nacional. Los estudios sobre teoría de la historia, por su parte, suelen tener un carácter general o procuran examinar la recepción de corrientes o teorías y su aporte en la conformación de un campo disciplinar e institucional nacional. De ahí la escasez de una tradición de indagaciones en el campo de la teoría e historia de la historiografía que consideren en conjunto a América Latina y el Caribe, y que entre esos escasos estudios se destaquen los realizados por investigadores europeos y estadounidenses (STEIN 1964; MÖRNER 1973). Este estado de cosas comenzó a cambiar en las últimas dos décadas con la publicación de estudios comparativos y visiones de conjunto (GUERRA VILABOY 2003; MALERBA 2010; SOSA y CONNAUGHTON 1999). Una novedad en ese sentido es la inclusión de la historia de la historiografía latinoamericana en algunas colecciones de historia de la historiografía mundial (MACINTYRE; MAIGUASHCA; PÓK 2011) o de historia de

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Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el Caribe

América Latina (REZENDE MARTINS; PÉREZ BRIGNOLI 2006). Además de estas aproximaciones generales, también puede advertirse una creciente proliferación de balances, estados de la cuestión y estudios historiográficos sobre temas y problemas que, ya sea por la acumulación de conocimiento o por la escala de análisis utilizada por los investigadores, trascienden las historias nacionales, tal como sucede con la historiografía de los procesos revolucionarios e independentistas (CHUST; SERRANO 2007). No parece casual que uno de los temas en los que más se haya avanzado en ese sentido, sea el examen de los procesos de creación de las historias nacionales a lo largo del siglo XIX, movimiento que puede considerarse como un intento por repensar las bases a partir de la cual se constituyeron las historiografías nacionales (COLMENARES 1986; DEVOTO 2008; MEJÍA 2009; PALACIOS 2009; SANSÓN CORBO, 2015).

Este Dossier fue concebido como un aporte al establecimiento de una agenda para la Teoría de la Historia y la Historia de la Historiografía en América Latina y el Caribe. En ese sentido, y dado que el estado actual del conocimiento en este campo es fragmentario, parcial y con importantes vacíos, más que ofrecer interpretaciones totales o acabadas, nos propusimos dar lugar a estudios que trasciendan los casos nacionales o que sólo sean un agregado de los mismos, ya sea que reflexionen o se interroguen sobre los fundamentos de nuestras historiografías, ofrezcan una mirada de conjunto, utilicen un enfoque comparativo, o realicen un examen sobre circulación, vínculos y contactos.

El Dossier se inicia con un ensayo de Elías Palti, El tópico de “los orígenes ideológicos” de las revoluciones de independencia como problema, que durante mucho tiempo constituyó uno de los temas centrales en la historia de las ideas y del pensamiento latinoamericano. En ese sentido destaca la ruptura que implicó el libro Tradición política española e ideología revolucionaria de Mayo publicado en 1961 por el historiador argentino Tulio Halperin Donghi, ya que puso en cuestión la forma en la que se planteaba el análisis del discurso revolucionario a partir de

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Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el Caribe

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la filiación de las ideas que lo informaban. A través de una relectura de este clásico de la historiografía latinoamericana, Palti propone un esbozo de las torsiones que sufrieron algunos conceptos clave del pensamiento tradicional hispano y cómo a partir de estos pudo emerger el discurso revolucionario hispanoamericano.

En el siguiente texto, A história intelectual e a história da historiografia latino-americana: internalismo, externalismo e mediação nas análises de Facundo, Fabiula Sevilha propone un diálogo entre la historia de la historiografía y una renovada historia intelectual. En ese sentido plantea la necesidad de desarrollar una estrategia de análisis crítico que articule tanto un abordaje “internalista” como uno “externalista”, vale decir, que sea capaz de considerar tanto la estructura y composición de las obras como sus condiciones de producción. Para explorar las posibilidades de esta articulación, analiza la forma en la que Oscar Terán y Carlos Altamirano abordaron un texto clásico del siglo XIX iberoamericano, el Facundo (1845) de Domingo F. Sarmiento.

En Varnhagen, Santarém e Avezac: um episódio da polêmica vespuciana (1842-1858), Daniel Estudante Protásio trata un problema que cruza la historiografía europea y la americana desde el siglo XVI hasta el presente: las discusiones sobre la autenticidad de los relatos de los viajes realizados por Américo Vespucio. El trabajo se centra en la obra, la correspondencia y la pertenencia institucional de tres historiadores y geógrafos de mediados del siglo XIX, Santarém, Varnhagen y Avezac, haciendo foco en las discusiones que sostuvieron y en los planteos metodológicos utilizados para determinar la autenticidad de los textos vespucianos.

Martha Rodríguez, por su parte, nos presenta en De historiadores y de los posibles usos de su saber. La contribución de los Congresos Internacionales de Historia de América en la conformación de una identidad americana (1930-1960), un fenómeno poco tratado a pesar de su gran interés: los congresos internacionales de historia de América. El trabajo

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Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el Caribe

se centra en los congresos realizados en Buenos Aires en las décadas centrales del siglo XX. Además de reconstruir cómo se realizaron, quiénes participaron y los temas tratados, la autora llama la atención sobre su impacto más allá del campo académico al contribuir a establecer algunos sentidos sobre la identidad americana, sobre el pasado y el futuro del continente y sobre su papel en las relaciones internacionales.

En Uma poética da relação: a conversa infinita entre Édouard Glissant e Michel Leiris, Gabriela Theophilo nos recuerda algo que muchas veces solemos olvidar: cuando nos referimos a América Latina también lo estamos haciendo al Caribe. Asimismo plantea el problema de si es posible entender el desarrollo de la historiografía y de las ciencias sociales latinoamericanas y caribeñas sin tener en cuenta su relación con Europa y la construcción de categorías de análisis específicas. En ese sentido, el trabajo examina cómo el etnógrafo antillano Édouard Glissant elaboró y utilizó algunas categorías de análisis como “créolisation” y “relation” a partir del diálogo que mantuvo con la obra del escritor y etnólogo francés Michel Leiris, que a mediados del siglo XX había sido enviado por la Unesco a las Antillas para estudiar las relaciones interétnicas.

El Dossier se cierra con Tiempo, historia y política. Una reflexión comparativa sobre las conmemoraciones bicentenarias en México y Argentina, un trabajo en el que Camila Perochena examina comparativamente las recientes conmemoraciones oficiales de los procesos revolucionarios e independentistas en países gobernados por fuerzas políticas de distinto signo ideológico. El trabajo muestra que mientras que en México primó la intención de construir una memoria conciliatoria del pasado y del presente, en Argentina se remarcaron las rupturas y las divergencias. De ese modo, se habrían constituido dos representaciones diferentes de la idea de revolución, pero también de las relaciones entre pasado, presente y futuro.

Como podrá advertirse, estos textos, al igual que los de Nicolás Lavagnino y Nuria Muñoz que también se publican en este número de História da Historiografia, proponen diversos

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Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el Caribe

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temas, abordajes, periodizaciones y escalas de análisis. Esta diversidad es tan sólo una muestra del potencial que tiene la ampliación de la indagación historiográfica más allá de las historias nacionales. Que este potencial se transforme en una realidad dependerá de nuestra capacidad para dar forma a una historiografía y a una teoría e historia de la historiografía de América Latina y el Caribe que, interesada en el pasado, presente y futuro de la región, logre estar a la altura de los desafíos que ésta debe enfrentar.

COLMENARES, Germán. Las convenciones contra la cultura. Ensayos sobre historiografía hispanoamericana del siglo XIX. Bogotá: Tercer Mundo Editores, 1986.

CHUST, Manuel; SERRANO, José Antonio (eds.). Debates sobre las independencias iberoamericanas. Madrid/Iberoamerica Editorial Vervuert, 2007.

DEVOTO, Fernando. La construcción del relato de los orígenes en Argentina, Brasil y Uruguay: las historias de Varnhagen, Mitre y Bauzá. In: ALTAMIRANO, Carlos (dir.) Historia de los intelectuales en América Latina. vol I. MYERS, Jorge (ed.) La ciudad letrada, de la conquista al modernismo. Buenos Aires: Katz editores, 2008, p. 269-289.

GUERRA VILABOY. Las grandes corrientes de la historiografía latinoamericana. Clío, n 166, p. 145-182, 2003.

MACINTYRE, Stuart; MAIGUASHCA, Juan; PÓK, Attila (eds.). The Oxford History of Historical Writing. Vol. 4: 1800-1945. New York y Oxford: Oxford University Press, 2011.

MALERBA, Jurandir. La historia en América Latina. Ensayo de crítica historiográfica. Rosario: Prohistoria ediciones, 2010.

BIBLIOGRAFIA

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Dossier: Teoría de la Historia e Historia de la Historiografía en América Latina y el Caribe

MEJÍA MACÍA, Sergio. La noción de historicismo americano y el estudio de las culturas escritas americanas. Historia Crítica, n 39, p. 246-260, 2009.

MÖRNER, Magnus. The study of Latin American History today. Latin American Research Review, 8 (2), p. 75-93, 1973.

PALACIOS, Guillermo (coord.). La nación y su historia. Independencias, relato historiográfico y debates sobre la nación en América Latina. México: El Colegio de México, 2009.

REZENDE MARTINS, Estevão de; PÉREZ BRIGNOLI, Héctor (dirs.). Historia general de América Latina. Teoría y metodología de la Historia de América Latina. Vol. IX. Madrid: UNESCO, 2006.

SABATO, Hilda. Historia latinoamericana, historia de América Latina, Latinoamérica en la historia. Prismas, Revista de historia intelectual, n 19, p. 135-145, 2015.

SANSÓN CORBO, Tomás. Introducción. Notas para una historia de la historiografía latinoamericana en el siglo XIX. Anuario del Instituto de Historia Argentina, n 15, p. 1-5, 2015.

SOSA, Ignacio; CONNAUGHTON, Brian F. (coords.). Historiografía Latinoamericana Contemporánea. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1999.

STEIN, Stanley. Historiografía latinoamericana. Balances y perspectivas. Historia Mexicana, 14 (1), p. 1-41, 1964

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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RESUMEN

ABSTRACT

KEYWORDS

PALABRAS CLAVE

Ouro Preto / MG - Brasil

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, 20-36- DOI: 10.15848/hh.v0i27.1369

El tópico de “los orígenes ideológicos” de las revoluciones de independencia como problema. Una relectura a partir de Tradición política española e ideología revolucionaria de Mayo, de Tulio Halperin DonghiThe question of “the ideological origins” of independence revolutions as an issue. A rereading through Tradición política española e ideología revolucionaria de mayo, by Tulio Halperin Donghi

Uno de los temas centrales en la historia de ideas en América Latina es el de los orígenes ideológicos de las revoluciones de independencia. La cuestión ha dado lugar a largas disputas en cuanto a la filiación de las ideas que permitieron la emergencia del discurso revolucionario. Según se intenta mostrar en este ensayo a partir de una relectura de Tradición política española e ideología revolucionaria de Mayo, de Tulio Halperin Donghi, ese afán por determinar cuáles fueron las ideas precursoras del discurso revolucionario resulta inconducente, dado que no hay forma de establecer cuál es el origen preciso de una idea particular. Y aun en caso de poder hacerlo, resulta irrelevante para comprender la naturaleza de ese discurso. De lo que se trata, en cambio, es de entender cómo esas ideas, sea cual fuere su origen, se rearticularon en función de problemáticas ya completamente diversas de aquellas a partir de las cuales surgieron. En el presente trabajo se hace un esbozo de la serie de torsiones que fueron experimentando los conceptos clave del pensamiento tradicional hispano y de cómo ésas terminarían abriendo las puertas a la emergencia de un tipo de discurso que escaparía ya de sus marcos.

Historia intelectual; Revoluciones de independencia; América Latina.

One of the central topics in the Latin American history of ideas is that of the ideological origins of the independence revolutions. This issue has led to a series of disputes regarding the filiation of the ideas that supported the emergence of the revolutionary discourse. Through a rereading of Halperin Donghi’s Tradición política española e ideología revolucionaria de Mayo, this paper intends to show that the urge to establish the precursory ideas of the revolutionary discourse is misleading since there is no way of knowing the precise origin of a particular idea. Furthermore, in case it were possible, it would be irrelevant to understand the nature of that discourse. Instead, the point is to understand how those ideas, whatever their origin, became rearticulated in connection with problems that were completely different to those from which the ideas at stake emerged. The present paper outlines the series of transformations that the key concepts of traditional Hispanic thinking went through and how they opened the doors for the unfolding of a type of discourse that distanced itself from the frameworks of that thinking.

Intellectual history; Independence revolutions; Latin America.

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

La cuestión de los orígenes ideológicos de las revoluciones de independencia latinoamericanas recorre centralmente la vieja tradición historiográfica liberal-nacionalista. Ésta interpreta dichas revoluciones como el resultado del arribo de los ideales ilustrados de libertad, provenientes mayormente de Francia, los cuales habrían despertado en la población criolla el afán de independencia, dando así, finalmente, lugar a la manifestación de una voluntad nacional por largo tiempo silenciada y sometida a un poder extraño.

En realidad, esa interpretación tradicional sólo habrá de recoger, en lo esencial, el punto de vista de los propios actores de la revolución, que imaginaban que su revuelta establecía un corte radical respecto de la tradición precedente, una aurora de la libertad que, para ser tal, debía estar libre de toda mácula colonial. La exploración de los lazos que unían las ideas que sirvieron de fundamento ideológico a la revolución a la tradición política hispana quedaría así como una tarea reservada, casi por definición, a las corrientes hispanófilas de raíces católicas. Contrariamente a lo que sostiene la perspectiva liberal-nacionalista, los fundamentos ideológicos de las revoluciones de independencia le deberían menos a las doctrinas ilustradas francesas que a un ideal pactista de larga tradición en el pensamiento hispano, cuyos orígenes se remontarían a las filosofías neoescolásticas del siglo XVII, cuyo principal representante fue el jesuita Francisco Suárez.

En el Río de la Plata, quien propugnó más enfáticamente esa tesis en el siglo XX fue un historiador, también jesuita, Guillermo Furlong (1952). En su momento, la tesis no tuvo mayor aceptación más allá de los estrechos círculos de pensamiento histórico vinculados a la Iglesia católica. Sin embargo, las tendencias más recientes, llamadas “revisionistas” y surgidas en torno del Bicentenario, retomarían ese motivo, reabriendo el debate en torno del tópico.

Según afirman los autores enrolados en esa corriente “revisionista” reciente, cuyo principal representante es François-Xavier Guerra, en las colonias hispanoamericanas, los patrones

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coloniales permanecerían inconmovibles a las perturbaciones de orden puramente político traídas por la revolución de independencia. Aun luego de producida ésta, los patrones mentales y las matrices de pensamiento tradicional heredados seguirían siendo los dominantes (GUERRA 1992). Las colonias ultramarinas no recibirían el impulso renovador, en el plano ideológico, que sí conmovió a la península durante el proceso abierto por la vacancia real tras las abdicaciones de Bayona y que llevaría a la sanción, en 1812, de la constitución liberal, la llamada “Constitución de Cádiz”.

Esa corriente revisionista reciente, si bien retoma un motivo propio de la antigua tradición de pensamiento histórico de matriz católico-conservadora, se aparta de esta en un punto crucial: ya no habrá de enfatizar los vínculos entre los movimientos revolucionarios en América Latina y la tradición de pensamiento católico, sino que verá dichos movimientos como resultado de un proceso revolucionario más general que abarcó de conjunto al imperio hispano y que tuvo su epicentro en la propia península. Pero, contrariamente a lo afirmado por las visiones liberales-nacionalistas, ese proceso revolucionario más general, al inscribirse en las colonias en una matriz de pensamiento tradicional, generó contradicciones insalvables que determinarían — y explicarían — el fenómeno de fragmentación territorial y crisis políticas que atravesaría la región a lo largo del siglo posterior a las independencias.

Con ello, esa interpretación termina invirtiendo la perspectiva liberal-nacionalista. Mientras que ésta giró en torno a la oposición entre los ideales liberales de las colonias, que adoptaron las doctrinas ilustradas francesas, y un centro imperial aferrado a su tradición escolástica-feudal, de matriz católica, para las corrientes revisionistas recientes, la oposición se establecerá entre, por un lado, un centro imperial sacudido por el proceso revolucionario iniciado con las abdicaciones de Bayona y la vacancia real, que difunde allí las ideas liberales modernas, y, por otro lado, la persistencia en el mundo colonial de imaginarios tradicionales que permanecerían imperturbables ante ese

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movimiento renovador en el plano ideológico, que abrazaría el centro imperial, pero que no se expandiría más allá de él.

Lo cierto, sin embargo, es que, de ese modo, las interpretaciones revisionistas recientes, si bien sirven para dislocar cierta imagen uniforme del pensamiento hispano que es propia de la perspectiva tradicional liberal-nacionalista (que tiende a ver ese pensamiento como una tradición que se mantiene inmutable a lo largo de los tres siglos que suceden a la Conquista), la inversión de las perspectivas que producen, instalando una nueva antinomia entre el liberalismo hispano y el tradicionalismo de las colonias, lleva a perder de vista aquello que constituye la problemática fundamental que plantea este tipo de fenómenos de ruptura y de la que se ocupa centralmente Halperin Donghi en su obra Tradición política española e ideología revolucionaria de Mayo, publicada originalmente en 1961: cómo nuevos horizontes políticos se desplegarían necesariamente a partir de torsiones producidas en el interior de los marcos conceptuales e instituciones preexistentes, siendo, sin embargo, incompatibles con ellos (HALPERIN DONGHI 2010, p. 25).

En definitiva, la inversión de las perspectivas que produce la escuela revisionista refiere a los contenidos de las perspectivas liberales-nacionalistas tradicionales en América Latina, pero preserva, en lo esencial, la misma metodología, fundada en la antinomia entre “tradición” y “modernidad”. Frente a esta visión hoy difundida, más atenta a las continuidades observadas luego de la independencia en el plano de los imaginarios e instituciones, cabe aún el señalamiento con que cierra Halperin Donghi el libro mencionado, el de que la revolución de independencia fue efectivamente una revolución. Como dice el autor:

[buscando la continuidad en el plano de las ideas] corren el peligro de subrayar la afinidad entre el mundo de las ideas revolucionarias y el vigente antes de la revolución, olvidando un hecho más esencial que esa afinidad misma: que —como se ha señalado ya— con esas ideas se estructura una ideología revolucionaria, un instrumento ideológico para negar y condenar todo un pasado (HALPERIN DONGHI 2010, p. 12).

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La eventual persistencia de imaginarios tradicionales no puede oscurecer aún ese hecho abrumador o llevar a desconocer la naturaleza de tal acontecimiento, el quiebre histórico fundamental que entonces tuvo lugar, lo que, a su vez, no supone necesariamente ignorar el hecho de que esa ruptura encontró raíces en ese mismo pasado con el que se quiso romper. Esto nos lleva a la paradoja a partir de la cual se despliega la mencionada obra: el hecho de que “esas ideas [las revolucionarias], que no se justifican por su historia, tienen sin embargo una historia: los principios en cuyo nombre se condena a la realidad prerrevolucionaria han surgido dentro de esa realidad misma” (HALPERIN DONGHI 2010, p. 25). Halperín Donghi se propone así reconstruir cómo fue que se produjo dicha torsión ideológica, cómo horizontes tradicionales de ideas pudieron haber dado lugar a aquello que constituía su misma negación: la ideología revolucionaria.

La definición de esa problemática no sólo lo llevaría a replantear la problemática específica, sino que, para hacerlo, debería apartarse de los marcos propios de la historia de ideas en general. En un artículo recientemente publicado en la revista Prismas, Fernando Devoto señala la distancia que separa ese libro de Halperin Donghi respecto de su anterior obra, dedicada al pensamiento de Esteban Echeverría (HALPERIN DONGHI 1951; DEVOTO 2015, p. 27). Mientras que en ésta se enfoca, básicamente, en tratar de filiar el origen de las ideas de Echeverría, es decir, establecer si eran de matriz iluminista o historicista, en el otro de los libros descubrirá ya hasta qué punto esa empresa genealógica de las ideas resulta totalmente inconducente. La pregunta será ahora no por el origen de las ideas sino por cómo éstas se vieron resignificadas a partir de su reinserción en nuevos campos discursivos ordenados en torno de nuevas problemáticas. Lo que cambiarían, entonces, no serían las ideas sino la lógica de su articulación. Según afirma el este autor:

Si, tal como se ha visto, la originalidad de un pensamiento político reside sólo excepcionalmente en cada una de las ideas que en él se coordinan, buscar la fuente de cada una de ellas parece el camino menos fructífero (a la vez que el menos seguro) para reconstruir la historia de ese pensamiento (HALPERIN DONGHI 2010, p. 35).

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En última instancia, para Halperin Donghi, ambas posturas opuestas respecto de los orígenes ideológicos de la independencia, es decir, tanto aquellas que enfatizan sus raíces tradicionales como las que señalan la modernidad de sus referencias conceptuales, trasuntan un problema menos específico a cada una de ellas que a un tipo de procedimiento intelectual que es propio de toda historia de ideas: el de descomponer las formaciones ideológicas en sus elementos primitivos para luego trazar sus filiaciones intelectuales. Dicho procedimiento lleva, de manera inevitable, a obliterar aquello que identifica a cada una de dichas formaciones ideológicas, que no radica tanto en la naturaleza o el origen de los componentes que recogen como en el modo en que lo van a rearticular en los diversos contextos históricos, sirviendo a propósitos y funciones ya muy diversos a los originarios. La comprensión del proceso ideológico que proveyó el marco conceptual a las revoluciones lleva a Halperín Donghi a elaborar un esquema interpretativo que atraviesa la antinomia entre “ruptura” y “continuidad”, entre “tradición” y “modernidad”, haciendo manifiestas las graves distorsiones históricas a las que unas y otras tendencias historiográficas opuestas conducen.

Según señala Halperin Donghi, quienes insisten en la continuidad entre las ideas pactistas neoescolásticas y aquellas que el discurso revolucionario adopta pierden de vista una diferencia crucial: para el pensamiento absolutista del siglo XVII, resultaba inconcebible la idea de la existencia de una comunidad desprendida de la figura real. Es en el monarca que viene a encarnarse el cuerpo místico de la república. Para el pensamiento del siglo XVII, ninguna comunidad podría constituirse sin un centro de autoridad en torno al cual articularse. Como decía Francisco Suárez (1971, cap. VIII, § 9), “un cuerpo sin cabeza es mutilado y monstruoso”. Según señala Halperin Donghi:

La matriz conceptual del absolutismo monárquico

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[Para Suárez] la muchedumbre puede ser considerada desde dos puntos de vista diferentes: como un mero agregado, sin orden ni unión física y moral, o como cuerpo político. Ahora bien —y volvemos a hallar aquí el postulado derivado de una concepción autoritaria de la relación política—, el cuerpo político exige, como una de sus condiciones esenciales, la presencia del poder político (HALPERIN DONGHI 2010, p. 33).

En definitiva, lo que esas interpretaciones pierden de vista es que el pactismo neoescolástico, lejos de ser una ideología precursora de las ideas revolucionarias, era “una pura política del poder” (HALPERIN DONGHI 2010, p. 37).

Lo anteriormente señalado se relaciona, a su vez, con otra diferencia importante que tales interpretaciones necesariamente deben ignorar. Sin bien el concepto pactista neoescolástico imponía ciertos límites al poder real, éstos no estaban relacionados con la necesidad de respetar la voluntad popular, sino con los fines que se encontrarían adheridos a su investidura. La voluntad no tenía fuerza normativa en los marcos del pensamiento del Antiguo Régimen, sólo eran legítimas aquellas normas que resultaban compatibles con los principios eternos de justicia, establecidos por Dios mismo en el plan de la creación. Estas no eran materia de opinión ni se encontraban subordinadas a la voluntad de los sujetos.

La idea de un “contrato social”, de hecho, no designaba el carácter voluntarista de la génesis de la sociedad, sino todo lo contrario. En el pensamiento del siglo XVII, contrato y voluntad se excluían mutuamente: si es necesario establecer un contrato es, precisamente, para obligar a los contrayentes a hacer algo que no harían voluntariamente. De lo contrario, el contrato no tendría sentido alguno.

Según la definición entonces utilizada, el contrato social era el recordatorio de que la soberanía le había sido otorgada al monarca no para beneficio propio sino para beneficio de la comunidad. Se ligaba así a la existencia de límites metapositivos a la autoridad real que el propio monarca no podía violar sin convertirse en un tirano. Tales límites estaban dados por lo fines

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adheridos a su función. Es aquí, sin embargo, que encontramos el punto sobre el que pivotaría la primera de las series de torsiones producidas en el interior del universo conceptual del absolutismo monárquico y que, llegado el momento, terminarían abriendo las puertas a la articulación del discurso de la emancipación.

La afirmación de un sistema de Estados en el continente tras la Paz de Westfalia (1648) trae aparejadas reformulaciones político-conceptuales fundamentales que introducirán una serie de torsiones en las categorías en cuestión. En primer lugar, la pérdida de los ideales universalistas de los antiguos imperios se traducirá en la redefinición de los fines respecto de la tradición cristiana-medieval, los cuales pierden su carácter trascendente (la realización del reino de Dios en la tierra) y pasan a ser interpretados en un sentido crecientemente profano. “El bien común es ahora definido como la felicitas civitatis y la de los ciudadanos en cuanto tales” (HALPERIN DONGHI 2010, p. 36). La llegada del pensamiento ilustrado habrá, de hecho, de profundizar ese proceso de redefinición político-conceptual; “lo esencial del cambio —dice Halperin Donghi (2010, p. 45) — reside en una revalorización de los datos de la experiencia”.

La secularización de los fines a los cuales se orienta la comunidad política, lejos de ser un movimiento contradictorio con la monarquía católica, según suele interpretarse, tendía más bien a reforzar el carácter esotérico del poder. Desde el momento en que los principios que regulan la convivencia colectiva pierden su carácter trascendente, la posibilidad de acceder a ellos por parte de los sujetos ya no se reduce a una cuestión puramente ética sino que involucra ciertas capacidades racionales. Ya no se considera que esa ley natural sea algo grabado por Dios mismo en el corazón de los sujetos (que es lo que expresaba el principio de synderesis: la inteligibilidad natural de los principios eternos de justicia), sino algo que

La primera torsión: la secularización de los fines

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debe ser adquirido. Dada la naturaleza convencional de esa normatividad positiva, ella escaparía del plano doxológico; su acceso se volvería algo privativo de aquellos que se encontraban en posesión de un cierto saber específico.

Sin embargo, por otro lado, en la península hispana, tal fenómeno se conjugará con una creciente conciencia respecto de la decadencia del sistema imperial, lo que llevará, a su vez, a redescubrir las antiguas libertades. La declinación del orden monárquico se atribuirá, entonces, al apartamiento de la “constitución tradicional” española, lo que dará lugar, a su vez, al surgimiento de la corriente constitucionalista histórica, cuyo principal representante fue Melchor Gaspar de Jovellanos. Tal corriente se dedicará a hurgar en el pasado en busca de esa supuesta constitución tradicional hispana de la que el despotismo se habría apartado. Y ello marca, ahora sí, un quiebre fundamental respecto del pensamiento político absolutista. Encontramos aquí la segunda torsión producida en los marcos del pensamiento absolutista.

La definición de cuál era esa supuesta constitución tradicional española resultará siempre problemática, puesto que dará lugar a controversias entre las distintas regiones (cada una creerá encontrarla en el momento en que su región particular adquiere mayor preeminencia).1 De todos modos, y más allá de las disputas que generó, el surgimiento de la corriente constitucionalista histórica señalaría la emergencia de un nuevo sujeto. La tratadística política se apartará entonces del género tradicional de los espejos del príncipe para orientar su mirada hacia un nuevo objeto: la nación y su pasado, desprendiéndose finalmente del cuerpo del monarca. Como señala, nuevamente, Halperin Donghi (2010, p. 97), “la figura del Rey no se identifica ya para él con la nación toda: ésta se sitúa en una esfera más alta y abarcadora”. Y ello quiebra, de hecho, la lógica de la política del Antiguo Régimen, visto que

1 - Uno de los líde-res del partido libe-ral, Agustín Argüelles, señalaría esto duran-te las sesiones en las Cortes de Cádiz: “No era posible adoptar ninguna regla en este punto sin promover un cisma entre las ca-tegorías nobiliarias de León y Castilla. Unas presumían tener pre-ferencia sobre las que sólo eran conocidas por privanza y favor, mientras ellas alega-ban siglos de distinci-ón y renombre, recla-mando otras contra las que fundasen su derecho gracias a mercedes concedidas por asientos y empre-sas de ganancia y lu-cro en épocas de apu-ro del erario. Si antes de la insurrección ha-bían dormido sus de-seos y sus pretensio-nes, a la par con los del resto de la nación, no se podía prever, después de conmo-vidos los ánimos, a dónde llegarían sus rivalidades, sus que-jas y sus resentimien-tos, ofendidas con clasificaciones aristo-cráticas, hechas ar-bitrariamente ahora, no para arreglar el ceremonial y etiqueta de palacio, sino con el fin de negar o conce-der derechos políticos exclusivos, de resta-blecer una institución extinguida de tres si-glos [las Cortes], que si había de resucitar era preciso que rena-ciese bajo otra forma y con diversos atribu-tos de los que tenía al expirar en el siglo XVI

La segunda torsión: la distinción de la nación del cuerpo del monarca

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“Patria y nación son nociones que innovan radicalmente sobre el pensamiento político tradicional, en la medida en que se ven de modo cada vez más decidido como entidades que son capaces de subsistir al margen de las organizaciones estatales” (HALPERIN DONGHI 2010, p. 100).

Lo cierto es que esa nación, desprendida ya del cuerpo del monarca, pronto encontrará también sus órganos de expresión colocados al margen del aparato del Estado absolutista. En efecto, en su lucha contra los intentos de centralización política por parte de los Borbones, las corporaciones urbanas comenzarán a invocar la autoridad del pueblo y de la nación, erigiéndose, así, en sus voceros. La paradoja aquí es que la propia monarquía invocaría también a la nación y al pueblo tanto en luchas contra enemigos externos como en su enfrentamiento con las oligarquías urbanas. Llegado el momento, esa nación, ya desgajada del aparato de Estado real y politizada por propia acción de la monarquía, se enfrontará a ese mismo Estado al que habrá de declarar artificial. Y es aquí que encontramos la tercera de las series de torsiones producidas en el interior de los marcos conceptuales del Antiguo Régimen que observa Halperin Donghi.

La estructura del discurso del primer liberalismo español se apoyará en el propio concepto pactista tradicional, pero introducirá en él un elemento que le era heterogéneo y que alterará profundamente su sentido. Dicho discurso instala una antinomia antes inexistente: todo él se sostiene en la oposición entre, por un lado, la nación, que, en tanto fundamento natural, desplaza de ese sitial al poder real, y, por otro lado, el Estado, postulado como un armazón político artificial. Así, se vuelve imaginable, para ellos, la oposición entre una sociedad natural que existe con independencia de la investidura real y esta última, la cual encarnaría un tipo de autoridad puramente convencional. Llegado a este punto, Francisco Martínez Marina podrá afirmar:

para que se asimilase al espíritu y carácter de la era coetánea” (ARGÜELLES 1970, p. 121).

La tercera torsión: el surgimiento del poder constituyente

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La autoridad paterna y el gobierno patriarcal, el primero sin duda y único que por espacio de muchos siglos existió entre los hombres, no tiene semejanza ni conexión con la autoridad política, ni con la monarquía absoluta, ni con alguna de las formas legítimas de gobierno adoptadas por las naciones en diferentes edades y tiempos. […] La autoridad paterna bajo la primera consideración proviene de la naturaleza, precede a toda convención, es independiente de todo pacto, invariable, incomunicable, imprescriptible: circunstancias que de ninguna manera convienen ni son aplicables á la autoridad política, y menos la monarquía absoluta. Este género de gobierno le introdujo el tiempo, la necesidad y el libre consentimiento de los hombres: es variable en sus formas y sujeto á mil vicisitudes (MARTÍNEZ MARINA 1988, p. 92-93).

Esto, como vimos, disloca la lógica del poder del Antiguo Régimen en la medida en que instala la presencia de dos soberanías contradictorias (la real y la nacional) en un mismo plano de realidad. Su confrontación resultaba ya inevitable, pues ambas no podían coexistir en un mismo plano; una necesariamente debería subordinar a la otra.

Sin embargo, la definición de ese nuevo sujeto - la nación soberana - daría lugar a la emergencia de una serie de interrogantes acerca de su entidad y su origen ya nada sencillos de resolver. Básicamente, perdida la idea de un agente trascendente que le sirviera de fundamento - como lo era la autoridad real -, la pregunta que surgiría sería la de cómo la nación podría constituirse a sí misma. Sin embargo, llegados a este punto, encontramos aquel límite inherente a ese primer liberalismo hispano: esa cuestión aún no habrá de plantearse en él como un problema. La vacancia real producida tras las abdicaciones de Bayona y la ocupación de la península por parte de una fuerza militar extranjera hacen que emerja la cuestión nacional. Sin embargo, la existencia de la nación hispana se la daría simplemente por supuesta y el propio alzamiento espontáneo de la población local contra el ocupante extranjero parecía dar prueba de ello.

En efecto, según entendían los propios diputados, si bien lo que emerge entonces ya no tiene nada en común con la antiguas

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Cortes, pues se trata, en realidad, de un poder constituyente,2

éste, en realidad, tenía por misión instituir únicamente un nuevo régimen de gobierno. Y ello presuponía ya la existencia de ese sujeto que pudiera hacerlo.

Una nación —decía el diputado Juan Nicasio Gallego—, antes de establecer sus leyes constitucionales y adoptar una forma de gobierno es ya una nación, es decir, una asociación de hombres libres que han convenido voluntariamente en componer un cuerpo moral, el cual ha de regirse por leyes que sean el resultado de la voluntad de los individuos que lo forman y cuyo único objeto es el bien y la utilidad de toda la sociedad (ARTOLA 1959, p. 409, cursivas nuestras).

Sólo en las colonias habría de producirse la última torsión en la serie de desplazamientos en los marcos conceptuales propios del absolutismo monárquico que analiza Halperín Donghi.

En las posesiones ultramarinas de España habrá de plantearse un problema ya muy distinto. El postulado de que la vacancia real hacía que la soberanía recayera sobre el pueblo no aclaraba aún a qué pueblo se hacía referencia. El gran interrogante que emergería entonces era el relativo a cómo delimitar qué grupos sociales podrían reclamar para sí la posesión de derechos soberanos. Según los defensores del orden colonial, dicho principio se refería al conjunto de los súbditos de la corona y ninguna sección particular podía arrogarse exclusividad. Las poblaciones criollas, en cambio, impugnarían ese criterio, reivindicando el derecho a su autodeterminación. Ahora, el problema que planteaba ese postulado era el de que, en caso de generalizarse, si cada sección de la población proclamara el derecho a su autodeterminación invocando la posesión de una voluntad soberana, eso daría lugar a un proceso de fragmentación política y territorial que no parecía tener un límite posible. De hecho, el principio pactista presuponía un cierto criterio de demarcación (quiénes podrían pactar entre sí y reclamar para sí la posesión derechos soberanos, siendo

2 - Era ya clara, se-gún decía en una se-sión el diputado Be-nito Ramón Hermida, “la esencialísima di-ferencia de las Cortes pasadas y presentes: aquéllas, limitadas a la esfera de un Con-greso Nacional del Soberano, y éstas, elevadas a las de un Soberano Congreso, cuyo nombre corres-ponde más bien que el equívoco de Cortes” (FERNÁNDEZ MARTÍN 1885, p. 703).

La cuarta torsión: el problema de la constitución de la nación

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que está claro que no cualquier grupo humano puede hacerlo) sin nunca poder proveer uno dada la naturaleza abstracta y genérica del sujeto en cuestión.

Más grave aún, sin embargo, sería el hecho de que pronto habría de descubrirse en las colonias que esa nación capaz de reasumir su soberanía en realidad no existía allí. En definitiva, en esas tierras se plantearía la paradoja de tener que constituir, junto con el poder político, al propio sujeto que debía constituir dicho poder. El discurso político insurgente asume entonces un sentido de refundación radical desconocido en la península.

Más allá de contenido de ideas, se impone , en los hechos, una cierta lógica jacobina. La idea revolucionaria se convertiría en algo más que una doctrina política: se volvería el mito fundacional de la nueva entidad que entonces emerge. La revolución se colocaría de ese modo en el lugar de aquel pasado con el que se querría cortar tan brutalmente. Pero éste es también el punto en el que toda esa forma de discursividad política encuentra aquello que constituye su límite último, aquello que resulta necesario postular pero, al mismo tiempo, se revela impensable dentro de sus marcos: cómo la nación puede representarse y constituirse a sí misma.

En efecto, como vimos, todo el discurso emancipador se sostiene en la oposición entre una nación natural, a la que se supone como preexistente, y un poder al que se postula como artificial. Quebrada esa antinomia, perdido ese sustento de un fundamento natural, resultando tanto uno como otro (la nación y el poder político) de arreglos puramente convencionales, el propio discurso revolucionario se verá enfrentado a una serie de aporías insolubles dentro de sus marcos. Esto se expresa en la paradoja contenida en el propio concepto de un congreso constituyente, el cual debe presuponer, [se repiten los adverbios terminados en “mente”] la existencia de aquello que viene, precisamente, a constituir. En efecto, todo congreso constituyente comienza proclamando ser la representación de la nación, puesto que es ella la que les ha conferido a los diputados su mandato, siendo de ella que deriva, así, la

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autoridad del congreso. Ahora bien, si de hecho fuera así, dicho congreso carecería de objeto. En definitiva, éste debe afirmar y negar sus mismos presupuestos.

En todo caso, la función de ese congreso constituyente se reduciría a constituir el Estado, pero la idea de que hubiera que “constituir la nación” o, más precisamente, la problemática de cómo es que la nación puede constituirse a sí misma, permanecerá como algo inabordable. Llegado a este punto, todo el discurso político deberá reconfigurarse sobre otras bases ya alejadas de los marcos del concepto pactista. Entramos, entonces sí, en lo que Koselleck llamara Sattelzeit. El concepto de Historia vendrá entonces a llenar esa laguna en el modelo pactista, aportará una respuesta a aquello que dicho modelo presuponía sin nunca poder alcanzar a responder: cómo es que se constituye el propio poder constituyente. La conformación de ese sujeto (la nación) ya no será un acto subjetivo, el resultado de una acción política, sino que se lo confiará a la propia Historia. La nación aparecerá así como el producto de un largo proceso evolutivo objetivo que opera a espaldas de los propios sujetos. Ello marcará, en fin, el tránsito hacia otro momento ya muy distinto en la historia político-conceptual.

La reconstrucción que realiza Halperin Donghi, según vimos, se aparta ya del tópico de los orígenes ideológicos de las revoluciones de independencia. Como señala dicho autor, tal tópico impide la comprensión de procesos ideológicos complejos. En última instancia, no habría forma de determinar si la idea pactista a la que los revolucionarios apelaron tenía raíces neoescolásticas o ilustradas. Aún más grave, sin embargo, es que, en caso de poder hacerlo, ello igualmente sería del todo irrelevante para comprender cuál fue el marco conceptual dentro del cual se inscribió el proceso revolucionario. En fin, no nos ayuda a entender, más allá de cuál es la procedencia de las ideas, qué hicieron los insurgentes con ellas y, en definitiva,

Conclusión: Hacia una nueva historia político-conceptual de las revoluciones de independencia

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cómo fue posible para aquellos concebir la idea misma de su autodeterminación.

El foco de la obra de Halperin Donghi ya no se colocará, pues, en las ideas o los modelos de pensamiento, sino en tratar de reconstruir un proceso ideológico, esto es, cómo se reconfiguró sucesivamente el campo discursivo; las alteraciones producidas en el plano de las condiciones de posibilidad de las ideas. Y esto tiene implícito un supuesto que lleva a ese autor a apartarse aún más tajantemente de la tradición de historia de ideas, puesto que quiebra con los marcos dentro de los que toda esa tradición se inscribe.

Esos desplazamientos o torsiones de orden simbólico que aquí se analizan son, no obstante, de naturaleza objetiva, independientes de la conciencia o la voluntad de los sujetos. No se relacionan con las ideas de los sujetos, que son atributos subjetivos, sino con el tipo de problemas frente a los cuales en cada momento los sujetos se ven confrontados (por ejemplo, cómo constituir la nación), los cuales son de naturaleza objetiva. Esto no es algo por lo que los sujetos puedan optar a voluntad, como sí pueden cambiar sus ideas y volverse, por ejemplo, más liberales o más conservadores.

Por tomar un ejemplo, el desprendimiento de la nación de la figura real no es algo que alguien haya imaginado o propuesto y que, luego, se haya difundido en la sociedad, como la historia de ideas imagina que ocurren los cambios conceptuales. Su origen no se sitúa en la mente de algún autor a quien se le hubiese eventualmente ocurrido “¿por qué no pensar la nación como algo separado del Estado?”. Se trató de un fenómeno que se produjo en la propia realidad y que indicaría, a su vez, una alteración en los regímenes de ejercicio del poder (lo cual alteraría, objetivamente, las coordenadas en función de las cuales se articularía el debate político).

Encontramos aquí la reformulación fundamental que aporta este texto de Halperin Donghi. Su análisis nos remite a un plano de realidad simbólica que no circula en la mente de los

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sujetos sino que se encuentra inscripto en los propios sistemas de prácticas políticas. De ese modo, quiebra ya el supuesto de base sobre el que se funda toda la historia de ideas: la oposición entre “ideas” y “realidades” (es decir, el supuesto de que lo simbólico es algo que se coloca del lado del sujeto, algo que circula exclusivamente en la mente de los sujetos, mientras que las prácticas políticas y sociales serían realidades objetivas, crudamente materiales, desprovistas de toda dimensión simbólica). En definitiva, el apartamiento del tópico de los orígenes ideológicos de la independencia que produce Halperin Donghi conllevó una redefinición radical de su objeto, su reorientación del plano de las ideas al de la dimensión conceptual incorporada en las propias prácticas políticas y sociales, quebrando la premisa de base, de orden epistemológico, sobre la que se funda toda la historia de ideas. De ese modo, tal autor nos abre un horizonte nuevo y aún inexplorado; en fin, nos brinda un modelo para lo que podemos llamar una historia político-conceptual de las revoluciones de independencia.

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RECIBIDO EL: 12/06/2018 | ACEPTADO EL: 14/06/2018

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Elías J. [email protected]. Phd. in History. UBA / UNQ / CONICET. Santos Dumont 2355 1 A, (1426) CABA, Argentina

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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RESUMO

ABSTRACT

KEYWORDS

PALAVRAS-CHAVE

Ouro Preto / MG - Brasil

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Pontes, Prismas e Percursos: a escrita da história intelectual argentina pós giro linguístico à luz das análises de FacundoBridges, Prismas and Paths: the writing of argentine intellectual history after linguistic turn in Facundo’s analyzes

As décadas de 1960 e 1970, com o chamado giro linguístico e a crise de paradigmas das ciências sociais, trouxeram consigo novas abordagens, métodos e desafios ao campo historiográfico. A história dos intelectuais passou a se interessar não só pelas trajetórias, mas também por uma história propriamente intelectual, isto é, pela dinâmica plural e multidisciplinar de construção das ideias; e pelas relações do autor com a obra, com o seu tempo e com outras obras. Neste artigo, analisamos como essas questões foram mobilizadas por Carlos Altamirano e Oscar Terán no exame de Facundo: civilización y barbarie (1845), de Domingo Faustino Sarmiento, por meio da relação dialética entre texto, contexto e conectores. A hipótese central é de que as “categorias mediadoras” foram operacionais no programa de história intelectual argentina. Tal recurso permitiu evidenciar o discurso histórico como prática social, direcionamento caro ao grupo Prismas e ao contexto pós-giro linguístico.

História intelectual; História da historiografia; Domingo Faustino Sarmiento.

In the decades of 1960 and 1970, the so-called linguistic turn and the crisis of the social sciences paradigms brought along new approaches, methods and challenges into the historiographic field. The history of the intellectuals started to become interested in not only the trajectories per se, but also in a properly intellectual history, that is, the plural, multidisciplinary dynamics of building ideas, the relations between the author and the piece, their time and other works. In this paper, we analyzed how these issues were moved by Carlos Altamirano and Oscar Terán by looking into Facundo: civilización y barbárie (1845), by Domingo Faustino Sarmiento, through the dialectical relationship among text, context and connectors. Our main hypothesis is that the connectors were operational in the argentine intellectual history program. This tool made it possible to highlight the historical discourse as a social practice, aimed by the Prismas group and the after linguistic turn context.

Intellectual history; History of historiography; Domingo Faustino Sarmiento

Fabíula Sevilha

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As décadas de 1960 e 1970, com o chamado giro linguístico e a crise dos paradigmas das ciências sociais, trouxeram consigo novas abordagens, novos métodos e desafios ao campo historiográfico. Nesse contexto, a simples busca de uma correlação entre ideias e biografias de nomes de relevo não mais atendia aos anseios da história intelectual. Habilitada com nova roupagem – no cruzamento da clássica história das ideias com a filosofia da história, a história das mentalidades e a história cultural (SIRINELLI 2003) – ela passou a se interessar não só pelas trajetórias. A uma história dos intelectuais somou-se uma história propriamente intelectual, isto é, atenta às formas de transmissão da informação (BURKE 2007, p. 162); à relação do autor com a obra, do autor com o seu tempo e do autor com outras obras. Em suma, a uma história cultural das ideias (CHARTIER 2002, p. 30).

Para Heloisa Pontes (1997), é possível sistematizar as bases da história intelectual recente em “internalista” e “externalista”. A primeira, tributária da linguística estrutural, da semiologia e da história da arte, tem como enfoque a análise da composição interna de obras e produtos culturais, similar à abordagem metodológica estruturalista de Claude Lévi-Strauss. A segunda, que tem entre seus adeptos Norbert Elias e Pierre Bourdieu, interessa-se pelas condições sociais da produção cultural e intelectual das ideias e das obras, o que engloba desde o perfil dos produtores até as representações, ideologias, práticas sociais e o mapeamento do campo no qual a produção está inserida. Na raiz da divisão entre essas duas abordagens, Quentin Skinner (1969) identificou “ortodoxias” – o “textualismo” e o “contextualismo sociológico” – que compartilhariam da mesma inadequação: a insuficiência para a correta compreensão de qualquer obra. No lugar, propunha um contextualismo linguístico, atento à intencionalidade do autor no contexto imediato da produção do texto, abordagem que foi duramente criticada na década de 1980.

A partir de então, ainda que seja possível identificar clivagens, a perspectiva integrada da diacronia com a sincronia,

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tão presente em análises de autores da história dos conceitos, como Reinhart Koselleck (2006), ganhou espaço entre os estudiosos da área. Para Carl Schorske (1998), a história intelectual deve ter em mente duas linhas de força: a vertical, diacrônica, que relê um texto ou um sistema de pensamento à luz de seus precedentes e sob um mesmo ramo da atividade cultural; e a horizontal, sincrônica, que possibilita ao historiador estabelecer uma relação entre o objeto intelectual e o que foi feito em outras áreas no mesmo período.

Os defensores de renome, no entanto, não isentam a proposta de críticas. Para François Dosse (2003), enxergar como necessário o entrelaçamento da lógica exógena com a endógena é naturalizá-las, criar uma falsa alternativa. Há, entre ambas, um espaço que denomina como “indeterminação epistemológica”, próprio da história intelectual, e cumpre ao historiador encontrar categorias que sirvam de mediação entre uma dimensão e outra. Alguns caminhos para o autor seriam a utilização dos dois conectores elencados por Jean-François Sirinelli, isto é, o de “geração” e o de “sociabilidade intelectual”; bem como a noção de “apropriação” de Roger Chartier; e a distinção fundamental que Michel de Certeau faz entre escrita e leitura.

Em verdade, há inúmeros conectores possíveis e não excludentes. Pode-se, por exemplo, trabalhar em uma mesma obra a presença das ideias de uma geração, as estratégias narrativas e argumentativas do autor, para tentar controlar a recepção de sua obra, e as leituras plurais que se fizeram dela de acordo com o contexto. Acreditamos que isso implica considerar uma relação dialética entre texto, contexto e conectores, e mesmo lançar mão da análise paratextual. Neste artigo, examinamos como esses fatores foram mobilizados por Oscar Terán e Carlos Altamirano em duas análises de Facundo: civilización y barbarie, do intelectual liberal argentino Domingo Faustino Sarmiento.

Esse livro foi publicado em 1845, no Chile, enquanto Sarmiento estava no exílio, em razão da oposição declarada a Juan Manuel de Rosas, governador de Buenos Aires. O

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personagem principal em torno do qual o enredo foi construído é Juan Facundo Quiroga, um caudilho de La Rioja, a um só tempo adversário e correligionário de Rosas. Muito embora o desfecho do livro atribua a Rosas a autoria da emboscada que matou Quiroga em 1835, o objetivo de Sarmiento vai além de uma simples oposição ao regime vigente. Uma das grandes contribuições de Facundo é trazer em sua narrativa uma configuração sociocultural que expressa a “eterna luta entre civilização e barbárie”, que está na gênese da formação nacional argentina e do pensamento latino-americano oitocentista (WASSERMAN 2008).

As abordagens de Altamirano (2005) e Terán (2007) nos permitem não apenas conhecer melhor essa obra fundacional, mas problematizar as metodologias de trabalho da história intelectual, conforme propostas pelo grupo Prismas, no contexto pós giro linguístico. Para tanto, dividimos o artigo em três partes. A primeira esmiúça os métodos, metodologias e problemáticas presentes no trabalho de Terán. A segunda traz Altamirano para o debate e contraponto. E a terceira, por fim, pontua algumas zonas de contato como forma de identificar problemas e desafios que perpassam as abordagens e são comuns à historiografia intelectual.

Oscar Terán, filósofo e historiador argentino, elabora o que poderíamos chamar de biografia de uma obra, uma tentativa mais focada no padrão geral de produção do que propriamente de consumo (DARNTON 2008). Por acreditar que nem todo o arcabouço necessário para compreender Facundo está no texto, Terán atribuiu papel fundamental ao contexto material. Seu livro Para leer el Facundo (2007) inicia-se com a contextualização da obra de Sarmiento ou, em outras palavras, com o mapeamento de seu “lugar social” (CERTEAU 2008). Politicamente, o marco foi a ascensão de Juan Manuel de Rosas ao poder, em 1829, e o conflito entre unitaristas e federalistas. Defensor do projeto político desse último grupo, Rosas estabeleceu uma série de

Cercando a obra: a história do livro

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pactos com governadores e governou “com mão de ferro” a Argentina, de forma intervalada, até 1852 (PRADO 2004, p. 155).

Culturalmente, Terán identifica um marco estético. Ainda que tardiamente, Sarmiento entrou em contato com a chamada Geração de 37, grupo formado no Salão Literário de Buenos Aires. Influenciados pelo Romantismo francês, essa nova geração de intelectuais se colocava como responsável pelo desenvolvimento do Estado e pela transformação moral da sociedade (GOLDMAN; PASINO 2008, p. 110). O grupo se opunha a Rosas por ver nele a “encarnação do absolutismo, da arbitrariedade e da barbárie”. Dada a repressão ditatorial rosista, esse grupo se exilou no Chile e no Uruguai, de onde produziu escritos de oposição ao governador e de defesa de um Estado guiado “pelas luzes da razão”. Sarmiento somente tomou contato com os escritos da Geração em 1838, mas eles se tornaram fundamentais em sua formação (TERÁN 2007; PRADO 2004, p. 155).

A fim de delinear as nuances da recepção seletiva que a Geração de 37 fez da tradição intelectual e literária francesa, Terán faz uma breve descrição do Romantismo, mais precisamente dos contornos que assumiu na Argentina e como se desdobrou em Sarmiento. A racionalidade anterior da Ilustração foi o contraste central para os românticos, adeptos do fluir dos sentimentos e da imaginação. Um dos principais expoentes da vertente argentina foi Esteban Echeverría, de quem a Geração de 37 foi tributária. Quando de seu retorno da França em 1830, Echeverría trouxe consigo as novidades do Romantismo: a exaltação do grande homem como herói e de um passado épico; o fascínio pela natureza sublime e desafiadora; e a valorização do original de cada cultura, dos usos e costumes que identificam uma nação. Recompondo esta “topografia de interesses” (CERTEAU 2008) a fim de entendermos melhor o enredo arquitetado por Sarmiento, Terán mostra que os temas são lugar comum em Facundo.1

Ciente de que a dinâmica de produção de uma obra não

1 - Em que pese esta constatação, é pre-ciso abrir um parên-tese. Como nos aler-ta Fábio Wasserman (2008), as preocu-pações de Sarmiento em Facundo não se enquadram no que seria a tessitura de uma história nacional como pregavam os românticos france-ses. Devido à própria singularidade que o Romantismo assumiu na região do Rio da Prata, havia uma de-marcada preocupação com o presente. Na-ção e nacionalidade eram interpretadas como projetos mais dependentes de um futuro do que de um passado histórico.

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se restringe ao contexto material e à recepção das ideias que a embasaram, Terán estreita o cerco. Um pouco por conta da própria característica de Facundo, um pouco pelas preocupações que caracterizam o grupo Prismas, de que trataremos adiante, há todo um cuidado de análise sobre o gênero do livro. Segundo o autor, cada finalidade guarda um tipo de escrita e isso é ainda mais contundente em Sarmiento. Facundo foi publicado na forma de diversos folhetins, durante o exílio de Sarmiento no Chile, como defesa aos ataques de um enviado de Rosas. Estaria aí a razão do tom político e panegírico, a procura por construir uma versão verossímil do relato, a busca pelo convencimento, bem como a dificuldade de alocar o texto em um único gênero. Para Terán, essa diversidade é antes de tudo parte da própria estratégia argumentativa de Sarmiento e da finalidade que atribuiu ao seu texto. O objetivo sarmientiano é revelar o “enigma argentino”, entender o porquê da Revolução de Maio, libertária em essência, ter culminado no despotismo rosista. Para atingir tal propósito e conferir estatuto de verdade ao que diz, Sarmiento lançou mão de argumentações científicas, analógicas, simbólicas, religiosas e literárias. Não à toa, explica Terán, elementos próprios ao ensaio, novela e biografia histórica são identificáveis no livro.

Em um movimento que nos leva, enfim, a adentrar Facundo, Terán elabora quatro perguntas: quem fala? O que diz? Como diz? Para quem? À procura de tais respostas, o autor vai ao encontro da proposta de Antoine Compagnon (1996, p. 71), para quem as portas de entrada de um livro são o título e o subtítulo, cuja função primeira é a evocação “de todo o texto por um signo que o compreende”. Terán parte, então, do título para analisar a construção da figura de Quiroga e do subtítulo para compreender como dois conceitos centrais aparecem na obra. A análise, acertadamente, esmiúça e mostra o lugar do conceito na construção narrativa. Como nos lembra Koselleck (2006, p. 101), é no nível linguístico que se apreendem as polêmicas do presente, entrelaçadas com elementos de longa duração, e os componentes acionados para o estabelecimento de um programa de futuro. Nesse sentido, Terán conclui que o

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fato de “civilização” e “barbárie” aparecerem ora juntas, como no subtítulo, ora separadas, é um indicativo de que a Argentina vista por Sarmiento é o lugar do hibridismo, do encontro, da interpenetração, da fricção.

Com efeito, Rosas ilustrava a mudança ocasionada pela politização da população rural argentina. Como representante político desse “perigoso setor popular que os unitários cometeram o erro de ignorar”, o seu projeto era elevar ao máximo as tensões entre diferentes facções até o triunfo das massas e o estabelecimento da paz nacional. A morte de Quiroga teria facilitado a transformação autoritária do regime provincial (HALPERIN DONGHI 1993, p. 302). Portanto, conclui Terán, Quiroga não é apenas um caudilho, mas um modelo que condensa a barbárie como resultado de causas estruturais e conjunturais profundas. A civilização argentina, segundo o caminho traçado por Sarmiento, dependeria da superação desses limites.

Conquanto Terán não tenha citado, é possível identificar na análise o esquema proposto por Gérard Genette (1997) de divisão de título, título secundário e subtítulo, cabendo a cada um deles funções próprias. As do título podem ser divididas em três: designar o tema, indicar o objeto a ser tratado e seduzir o público. Há ainda títulos formais, genéricos e temáticos. Quando os títulos são literais – eles podem ser metafóricos ou irônicos –, apontam diretamente para o tema ou o objeto central do livro. As indicações de gênero – história, romance, novela – são geralmente seguidas do título. No caso do livro de Sarmiento, temos Facundo - Civilización y Barbarie - Vida de Juan Facundo Quiroga. Podemos pontuar que o tema é exposto literalmente, seguido do problema e do que seria o seu gênero. Nesse último quesito, a análise teraniana nos leva a concluir que Facundo foi vítima da armadilha sinalizada por Genette, qual seja, a de um título que mascara um gênero inovador, que em Sarmiento está precisamente no “acúmulo de tipos argumentativos”, para utilizar os termos de Terán.

Se o título dá as boas-vindas, a epígrafe é um dos pilares

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sobre os quais o texto está assentado (COMPAGNON 1996). Dado o seu caráter de citação, ela ressoa na obra e Terán parece ser muito sensível a essa percepção. Segundo ele, Sarmiento traduz a epígrafe “Nós não matamos as ideias” do francês para o espanhol como “Aos homens se degüella; às ideias, não”. A substituição da palavra “matam” por degüella, do léxico gaucho, explica, é um ato de nacionalização, de tradução da língua civilizada para os termos locais, somente assim compreensível aos “bárbaros”. Com tal análise, Terán responde a algumas perguntas centrais: quem fala e assume o papel de epigrafista é Sarmiento, o civilizado. O narrador da história é encarnado pela mesma pessoa, uma figura dotada de um argumento de autoridade “civilizacional”. Este, como mostra Terán, é reforçado pela sua vinculação institucional a qual não aparecia na publicação em folhetim, mas que está presente no livro, logo abaixo da epígrafe. A credibilidade do testemunho, garantida pela autoria e filiação institucional (GENETTE 1997, p. 41), algo característico do Romantismo, foi intencionalmente perseguida por Sarmiento.

Da epígrafe, Terán nos conduz à Introdução e para cada um dos capítulos, incluindo os dois que Sarmiento manteve e excluiu de algumas edições, conforme a conjuntura política da época. No caminho, Terán chega a conclusões que valem ser mencionadas. A primeira diz respeito ao Pampa argentino como vazio de civilização, um local que produziria tipos, motivo pelo qual Sarmiento descreve o cenário antes de apresentar-nos a biografia de Quiroga. A segunda – não explicitada, mas perceptível nas entrelinhas –, é que a dicotomia cidade/campo ou civilização/barbárie não está apenas em Facundo; ela está no povo argentino e, portanto, no próprio narrador. Nas palavras de Terán (2007, p. 75), a alma romântica de Sarmiento simpatiza com Quiroga, ao passo que a sua alma “moderna” e “civilizada” é atraída por Rosas. Modernidade e civilização até certo ponto, pois o próprio Sarmiento, nascido na cidade de San Juan, só conheceu Buenos Aires após o exílio e a publicação de Facundo.

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Feita a imersão profunda, o movimento final de Terán é deixar novamente o interior do livro para responder à pergunta: como leram Facundo? Era presumível uma análise mais densa e aprofundada, o que não se concretiza. A preocupação de Terán é com o leitor virtual, aquele que o escritor supõe. Ainda que aponte que, para esses casos, o historiador deve estar atento aos elementos do léxico, as marcas, estilos, citações, pactos de leitura e comunidade de sentido, Terán recorre a testemunhos e comentários de época. A conclusão a que o autor chega é a de que a recepção positiva de Facundo veio do exterior, de uma crítica consagratória de autoria de Charles de Mazade, publicada pela Revue des Deux Mondes. Para Beired (2003), o próprio Sarmiento percebeu intuitivamente que as suas ideias não se restringiam às fronteiras argentinas, e que Facundo ia ao encontro dos anseios de uma legião de leitores latino-americanos preocupados em explicar os “enigmas políticos” de seus respectivos países. Essa afirmação nos leva ao percurso contrário de Terán: da obra ao autor.

Cercar o autor é, precisamente, o caminho escolhido pelo historiador e sociólogo argentino Carlos Altamirano. Em Introducción al Facundo (2005), a perspectiva da trajetória intelectual ainda é forte. Contudo, a nosso ver, Altamirano consegue ampliar as perspectivas de análise, ao entender Sarmiento como “momento histórico” (FOUCAULT 1992) e, sobretudo, como um historiador, sujeito aos procedimentos de uma operação historiográfica. O percurso definido atende à preocupação de examinar a escrita da história de Facundo (e da nação argentina) a partir das relações entre o lugar, os procedimentos de análise e o texto (CERTEAU 2008). Assim, o texto é dividido em quatro partes, e a análise iniciada pela vida de Sarmiento. Vemos a sua infância de penúria e o quanto lamentava que isso o tivesse impedido de estudar; a experiência nas vicissitudes das lutas civis argentinas como fornecedoras dos objetos e temas do seu projeto civilizador; e o papel fundamental do exílio na construção da noção sarmientiana de cultura como geradora de costumes ordenadores de impulsos

Cercando o autor: o escritor como “momento histórico”

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e paixões.

Trata-se, de um lado, de montar o “espaço de experiência” para a compreensão do “horizonte de expectativa”, de outro, de precisar a “função do autor”, de indagar de onde o texto vem, quem o escreveu, quando ou em quais circunstâncias, a partir de qual projeto? (CERTEAU 2008; KOSELLECK 2006; FOUCAULT 1992). Tal como Terán, Altamirano coloca Sarmiento como um herdeiro da Ilustração rivadaviana. As ideias do Romantismo francês lhe foram apresentadas por um jovem ilustrado, Manuel Quiroga Rosas, com quem fez um curso. Dessas leituras extraiu a concepção de história como um vasto drama, em que cada segmento da vida social compunha as partes de um todo. Homem de ação política, Sarmiento encontrou na imprensa a vocação como escritor e assumiu cargos públicos, inclusive no Chile durante o exílio. Na breve descrição que faz da carreira de Sarmiento, Altamirano conclui que o projeto civilizador sarmientiano se transformou em seu programa de governo à frente da Presidência da Argentina (1868-1874), uma vez que suas políticas no terreno das comunicações e da educação conferiram ao país uma feição moderna.

Na segunda parte do texto, Altamirano, de certa maneira, relativiza e desmistifica o domínio de Sarmiento sobre a escrita e recepção da obra, tangenciando um ponto essencial do círculo hermenêutico ricoeuriano – a Mimese 3, a partir da qual o leitor se torna também um coautor da obra, o responsável pela refiguração da intriga que lhe foi apresentada (RICOEUR 1994, p. 118). Altamirano discute as dificuldades de definir Facundo em termos de gênero e estilo, mas, ao contrário de Terán, não atribui isso a uma estratégia argumentativa, e sim ao fato de que a obra é de tal maneira fundacional que, após a morte de Sarmiento, ganhou vida independente. Não obstante ser alçado à condição de clássico em dois campos da cultura argentina, a do pensamento e da literatura, o livro tornou-se objeto das mais diferentes leituras da história intelectual argentina.

Na terceira parte de Introducción, somos levados aos meandros da Mimese 2, isto é, à configuração textual da intriga sarmientiana. Altamirano utiliza as palavras do próprio Sarmiento

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para adentrar a discussão sobre o livro em si e identificar como estratégia narrativa o movimento entre passado e presente. É pelo desvendar do solo, dos costumes, das tradições populares, bem como da vida de Quiroga, que Sarmiento busca revelar o enigma argentino. Pode-se dizer, muito embora o próprio crítico não faça, que esse vaivém atualiza constantemente o enigma argentino, ao mesmo tempo em que o localiza em uma tradição (RICOEUR 1994). Na concepção de Altamirano, a estratégia de Sarmiento ultrapassa o convencimento dos pares. Ele reivindica, e talvez esteja aí a força de seu discurso, o lugar dos hispano-americanos no debate sobre a luta de seus povos, e se coloca como pessoa autorizada a falar disso, transformando o que vê como desvantagem (ser um escritor argentino) em vantagem.

A quarta e última parte de Introducción dedica-se à divisão do livro. Segundo Altamirano, a divisão é feita conforme a visão romântica de história sarmientiana, que vê entre o personagem e o meio uma unidade orgânica. Posto que Sarmiento considera Quiroga não só um caudilho, mas uma manifestação da vida argentina, Facundo é dividido com base na explicação do meio físico e histórico em que se desenha a vida de seu personagem. A campaña argentina aparece como lugar de primitividade, onde a figura do gaucho foi moldada. A dicotomia cidade x campaña dá a tônica do discurso. Altamirano explica que ambas são produto da ação conjugada do meio físico americano com a colonização espanhola. Explicitaríamos essa questão ainda mais: não estariam, portanto, simbolizando a própria tensão existente entre colonos e colonizados, estopim da Revolução de Maio? Para Altamirano, é na formulação desse esquema das duas sociedades que Sarmiento guarda a chave para desvendar o segredo das convulsões argentinas: a dupla luta ativada pelo processo revolucionário, ao colocar em contato a civilização e a barbárie.

À descrição do cenário segue-se o relato da vida de Quiroga e é nesse momento que Altamirano realiza mais detidamente a sua análise metodológica. Sarmiento nos leva a crer que a composição do meio criou as condições para a trajetória do caudilho, a qual permite agregar os elementos dispersos e descontínuos de uma

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história coletiva, a do povo argentino. Assim, dá o tom sarmientiano ao Romantismo francês que o teria inspirado. A preocupação não é a busca na cultura rural dos elementos da cultura de um povo autóctone, original. O que o autor de Facundo valoriza, a partir da ideia de civilização, não são hábitos e instituições, mas a associação urbana no espaço público que a cidade engendra e que a campaña impossibilita. O Pampa, em sua imensidão, isolaria as pessoas e, ao contrário da cidade, não permitiria a interação regular entre os homens, que é moderadora dos impulsos do homem e geradora do sentido e do interesse pela noção de “público”.

Merece destaque em Altamirano a análise de um conceito de Facundo que foge do lugar comum “civilização” e “barbárie”, ainda que ligado a eles, que é a ideia de despotismo. Para Altamirano, essa “pieza central de la doctrina del caudillismo bárbaro” foi buscada na associação que Montesquieu (1669-1755) faz entre meio e a configuração dos regimes despóticos. Sarmiento transpõe a concepção para o caso argentino. O Pampa aparece (tal qual a planície asiática montesquiana) como o lócus de engendramento da barbárie e do domínio dos caudilhos.

No exame dos recursos narrativos sarmientianos, Altamirano afirma que o autor de Facundo alterna a inteligibilidade da verdade com a eloquência da oratória e a sensibilidade. Utilizando-se de uma metáfora clássica do teatro, Sarmiento associa cena, personagem e ações com representação, drama e espetáculo. O sentido mais acionado é o da visão, o único capaz de dar conta das sutilezas da verdade. Altamirano acredita que o discurso vai nessa direção, porque sensibilizar é fazer ver; e tornar visível é instruir. Aqui se torna evidente o seu projeto civilizador pelas vias da educação, posteriormente materializado quando se tornou presidente da Argentina. Sarmiento já estaria preocupado com a recepção do texto desde a concepção da obra. Ao leitor, explica Altamirano, estariam destinadas as estratégias de doutrinamento, digressão e polêmica. A morte de Quiroga era também o recomeço que Sarmiento esperava para a Argentina: uma nação una e indivisa, livre da barbárie

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dos caudilhos e de Rosas. Como uma tragédia que “resolve poeticamente as aporias da alma” (REIS 2012, p. 153), a narrativa histórica sarmientiana teria a função de trazer o povo argentino às luzes interrompidas pelo governo rosista e tornar o seu “enigma” inteligível.

As análises de Oscar Terán e Carlos Altamirano são dois exemplos de abordagens que desnaturalizam a oposição entre internalismo e externalismo. Nossa hipótese é de que os autores adotam, de maneira amplificada, a estratégia postulada por François Dosse (2003): os conectores. Os contextos endógenos e exógenos das obras são apenas o ponto de partida. Não há entre eles uma ligação direta e inexorável, mas eles se tocam a todo momento. O que permite vê-los de maneira dialética são os mediadores: a trajetória, a questão geracional, os paratextos, a recepção, entre outros. Não obstante elucidar aspectos de uma obra essencial para o pensamento latino-americano, essas questões são fundamentais para a problematização da própria escrita da história intelectual, razão de nosso interesse.

De todos os conectores elencados anteriormente, o da trajetória talvez seja o que mais desperta desconfiança entre os pesquisadores da área. Jean-François Sirinelli (2003, p. 247) é enfático, ao afirmar que os itinerários possuem problemas tão sérios de constituição quanto de interpretação. O historiador deve estar consciente das armadilhas, bem como evitar generalizações e aproximações duvidosas, pois muitas vezes a extrema diversidade impede que se chegue a explicações globalizantes. É preciso ter em mente uma característica para a qual Roger Chartier (2012, p. 7) nos chama a atenção: os livros são sempre resultado de múltiplas operações e intervenções.

Carlos Altamirano tem essa precaução. As fontes para traçar um esboço biográfico do autor de Facundo são as memórias do próprio Sarmiento. Entretanto, não há uma

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apreensão ingênua; as informações são submetidas a um filtro por considerá-las excessivamente ideologizadas. Nos apontamentos de Altamirano, o que poderia ser uma fragilidade acaba convertido em ferramenta para problematizar a própria construção da vida e da narrativa sarmientiana. Dessa maneira, Altamirano indica uma perspectiva que tende a ser produtiva aos historiadores intelectuais.

É também Sirinelli (2003, p. 254) quem nos alerta sobre os perigos da abordagem geracional, já enunciados pelos pais fundadores dos Annales. Conquanto seja uma ferramenta sedutora, Sirinelli explica que a questão geracional é duplamente perigosa: pode levar à falsa esperança de “chave-mestra” para entender os intelectuais e suas relações com a política e enunciar truísmos. Os trabalhos aqui analisados mais uma vez escapam a essa visão reducionista. A noção de geração é antes um suporte na tentativa de adensamento analítico de Facundo.

Terán acredita que foi a Geração de 37 quem elaborou o topos do pensamento hispano-americano do período e investe nesse ponto, para entender como Sarmiento formulou suas ideias ora em aproximação ora em oposição aos autores desse grupo. Da mesma forma Altamirano, que enxerga na obra tanto uma saudação de reconhecimento à Geração de 37 quanto as possibilidades de julgamento de quem a considera um capítulo superado – estratégia de aceitação e legitimação, talvez. O contrapeso aos riscos de um determinismo geracional emerge com a inserção de outros dados do “lugar social”, pinçados da biografia de Sarmiento, do meio físico e do cenário político. Estes são fundamentais para compreendermos a “linguagem do fazer”, a “tradição cultural”, o sistema simbólico a partir do qual a intriga se constrói e ganha legibilidade para a ação (RICOEUR 1994, p. 91-93). Isso pressupõe lembrar que a significação de uma obra não só depende de regras de interpretação como ela própria tem uma mobilidade instável e variável no tempo (CHARTIER 2012).

Portanto, a zona de intersecção entre diacronia e sincronia é complexa. A fim de enfrentar o desafio de desvendar as suas

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idiossincrasias, os historiadores incorporaram dos estudos literários e linguísticos ferramentas analíticas importantes. Conforme Gérard Genette (1997), uma obra pode ser dividida em três partes: o peritexto, que é o próprio livro (ou artigo); o epitexto, relativo ao que está fora dele; e o paratexto, correspondente à fronteira entre o interior e o exterior do livro, ao espaço de influência sobre os grupos heterogêneos de práticas e discursos (o público). A questão paratextual carrega uma historicidade perceptível nas suas características espaciais, temporais, substanciais, pragmáticas e funcionais, e defini-las implica responder “onde, quando, como, quem, para quem e por quê?”. Ora, não são essas as questões que Terán e Altamirano se colocam? Há, nos dois, um esforço de entender a historicidade do autor, da obra e da leitura (CHARTIER 2012; FOUCAULT 1992). Cada qual a sua maneira, Terán e Altamirano esforçaram-se por cumprir os seis níveis de análise que, segundo Dominick Lacapra (1983, p. 254-269), cabem ao historiador da história intelectual: as relações entre as intenções do autor e o texto; a vida do autor e texto; a sociedade e o texto; a cultura e o texto; o texto e outros textos (da mesma autoria e de autorias diferentes); e o modo do discurso e o texto.

As perguntas “quem diz, quando, onde, como e por quê?”, muito embora sejam comuns, têm funções diferentes nas duas análises. Para Terán, importa pensar como Facundo ajuda a compreender Sarmiento e a sociedade argentina/latino-americana, ao passo que, para Altamirano, o ponto central é a função do autor na representação de uma narrativa, de um contexto. Em comum, a ambos interessa o produto final, o discurso histórico como uma prática social (CERTEAU 2008). Da epígrafe à divisão do livro, tudo foi meticulosamente pensado, revelando muito de Sarmiento, da sociedade em que ele se fez e do que pretendia com sua obra, isto é, qual a finalidade de seu texto como fator de ação política. Terán e Altamirano foram unânimes em afirmar que Sarmiento tinha uma preocupação com o leitor já nos primeiros momentos da escrita, o que nos coloca diante de um importante problema para a história intelectual: a recepção.

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Em defesa de sua hipótese, Terán diferencia o leitor imaginário, que o escritor supõe; e o leitor real, o que efetivamente lê a obra. Sua definição diverge da de Antoine Compagnon (1996, p. 90-91), para quem, alinhado a uma ideia freudiana, há uma diferença entre o autor e o sujeito da enunciação. O primeiro é, na fantasia da escrita, o leitor imaginário, “o eu ideal onde esse se satisfaz ou o ideal do eu onde ele deseja se satisfazer”. A escrita é a atualização do projeto, a reescrita da fantasia que produz “ao mesmo tempo o texto e o sujeito de sua enunciação”. À criatura imaginária (leitor, autor, ideal do eu) resta “sancionar a criação”.

Ao considerar que a única liberdade que um texto concede ao leitor é o de acomodação, a interpretação de Compagnon (1996) oscila entre a liberdade criativa do leitor e o protagonismo do autor, e suscita a pergunta feita por Roger Chartier (2012, p. 18): afinal, quem domina o sentido do texto? Há, na topografia paratextual, “falhas geológicas” provenientes da questão de que o autor não detém o controle sobre a recepção e de que não há uma relação linear entre as intenções dos produtores intelectuais e de seus produtos. Em razão disso, a resposta está no entendimento do peritexto como um centro de relações variadas. No âmbito da proposta ricoeuriana, a peça central é o leitor, é ele quem articula prefiguração, configuração e refiguração do tempo; que termina a obra, que dá sentido às palavras recebidas do autor (RICOEUR 1994; REIS 2012, p. 159). Nesse sentido, a questão essencial, defende Chartier (2002), é o processo pelo qual o leitor dá sentido ao texto. Talvez esteja aqui um “fio solto” nas tramas de Carlos Altamirano e Oscar Terán. Muito embora tangenciada, essa questão não foi melhor explorada, o que lhes permitiria passear com mais desenvoltura pela internalidade e a externalidade do texto, e mesmo pelos seus elementos mediadores.

Não estaria aqui exatamente uma omissão, mas uma opção. É preciso considerar que as análises de Altamirano e Terán têm também uma historicidade, ligada à história da história intelectual na América Latina. Cumpre pensá-los a partir de um chamado

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“mal-estar”, para usar as palavras de Elías Palti (2003, p. 235) acerca da forma que a “história das ideias tradicional” assumiu entre os historiadores latino-americanos. O representante máximo da “velha tradição” e figura chave na instituição da história das ideias como uma disciplina particular no continente na década de 1940, o mexicano Leopoldo Zea, coloriu-a com tons excessivamente ideológicos e dicotômicos. Descrente de que a história dos pensadores latino-americanos pudesse contribuir com uma história das ideias universal, Zea defendeu uma história baseada na relação entre “modelos” e “desvios”. Mais do que o “remetente”, interessava-lhe o “destinatário”. O objetivo era compreender, no processo de transplantação, as “distorções” em relação às circunstâncias do lugar de recepção e, assim, acessar a história local das ideias (EZCURRA 2010).

Os críticos encontraram sintetizados na proposta de filosofia da história de Zea alguns dos principais problemas não só da história intelectual, mas da historiografia latino-americana de uma maneira geral. Em primeiro lugar, por essa perspectiva insuflar o polêmico princípio de “ideias fora do lugar”, a partir da qual se constataria uma assimetria entre Europa e América Latina (PALTI 2006). Como bem demonstrou Maria Sylvia de Carvalho Franco (1976), em interessante debate sobre a obra de Roberto Schwarz, a concepção está intrinsecamente ligada à teoria da dependência e à divisão entre centro e periferia. A ela está subjacente uma interpretação da história das ideias que reduz a linguagem a uma função exclusivamente referencial e uma noção de “cópia local”, associada à busca de um “ser nacional”, que se resume à luta entre modernidade e tradição, centro e periferia (PALTI 2007).

Contra um possível exotismo das ideias, ergueram-se os adeptos da continuidade, de um ethos passado da cultura hispânica para a latino-americana, encabeçados por Charles Hale. Mas foi com François-Xavier Guerra, a partir da década de 1960, que a crítica à “velha história das ideias” tomou fôlego na América Latina. O revisionismo é parte de uma “transição paradigmática” que abalou a historiografia ocidental

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com um renovado interesse pelos variados elementos da existência humana e a incorporação de novos temas e objetos que colocaram em pauta a multiplicidade de discursos e jogos de linguagem em detrimento das metanarrativas (MALERBA 2009). Influenciado pelos giros linguístico e cultural, Guerra colocou no centro do debate da história político-intelectual latino-americana a questão da linguagem, da sociabilidade, das condições de produção, apropriação e circulação, e do contexto como um aspecto inerente aos discursos (EZCURRA 2010; PALTI 2007).

A renovação historiográfica foi retardada por quase vinte anos na Argentina, graças à ditadura e à repressão generalizada a professores, intelectuais e estudantes. De acordo com Paula Bruno (2010, p. 119-121), foi preciso esperar pelo retorno da vida democrática, em 1983, para o “renascimento” da vida historiográfica na Argentina. Em uma justaposição do contexto nacional com o internacional, o momento coincidiu com o ápice da crise dos paradigmas das ciências sociais que marcou a década de 1970. Emergiram novos projetos, cátedras e programas de pesquisa; historiadores como José Carlos Chiaramonte, Hilda Sabato e Beatriz Sarlo, que nas décadas anteriores seguiram caminhos solitários, ganharam notoriedade. Ainda que sejam vistos como os responsáveis por firmar as bases da “nova história intelectual” argentina, os trabalhos desses autores sofriam a limitação de ainda estarem muito preocupados com as “raízes nacionais” do passado argentino.

O autor desse diagnóstico, publicado em 1990 na revista Espacios de Critica y producción, foi justamente Oscar Terán. Desde pelo menos a segunda metade da década de 1980, Terán havia tomado para si o desafio de pensar a questão nacional argentina, do ponto de vista das “fronteiras móveis da história das ideias”, combatendo o risco essencialista. Além de seus trabalhos, os esforços foram concentrados nos debates do Seminario de Historia de las Ideas, los Intelectuales y la Cultura iniciado no Instituto “Dr. Emilio Ravignani”, em 1987 (e que continuaram mesmo após a morte de Terán, em 2008).

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Como exaltação a esse clima de fortalecimento da história das ideias na Argentina, nosso segundo autor, Carlos Altamirano, publicou também em 1990, na mesma revista, um ensaio programático, no qual ressaltava a importância de trabalhos recentes, dentre eles o de Terán, e advogava em favor de uma história intelectual livre da influência da “velha” história das ideias, ligada à afirmação da consciência nacional (BRUNO 2010) – como propalada por Zea.

A aproximação maior de nossos dois autores se deu em torno do Programa de Historia y Análisis Cultural, organizado por Terán em 1994 e sob sua direção até 2005, quando passou às mãos de Altamirano e foi por ele conduzido até 2009. Foi também em torno desse programa que se deu o marco da consolidação de espaços, grupos e centros de produção da história intelectual latino-americana: a fundação do periódico Prismas. Revista de historia intelectual, em 1997 (BRUNO 2010, p. 125). Em sua carta editorial de apresentação, a revista colocou-se como resultado de uma demanda premente diante do renovado interesse pelo âmbito teórico internacional da “história das ideias” e das múltiplas abordagens deste objeto de estudo. O plano de ação pautava-se na interdisciplinaridade e na importância atribuída ao “simbólico” pelas ciências sociais. Em essência, fica evidente o diálogo com os objetivos do programa, atualmente convertido em Centro de Historia Intelectual, de estudar o “papel y el trabajo de las representaciones en la vida histórica, incluidas esas representaciones meditadas y teorizadas que son características de las élites culturales”.

Compulsando os objetivos do programa com os da revista, é possível estender ao grupo Prismas, ao menos até 2009, os desafios que Bruno (2010, p. 126) pinçou dos ensaios programáticos de Terán e Altamirano na Espacios de Critica: 1) separar a história intelectual da agenda imposta pela busca/consolidação de uma identidade nacional; e 2) ensejar uma história intelectual conectada às variadas contribuições disciplinares e aos debates historiográficos em construção. Em suas Ideias para um Programa de História Intelectual,

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Altamirano (2007, p. 11-13) detalha melhor a proposta. A história intelectual deve privilegiar o discurso, pois são eles que “dão acesso a uma decifração da história”, em dois movimentos: “desentranhando” dele o significado oculto, o “encadeamento de sentido que conduz das ‘entranhas’ da sociedade” de volta à obra. Neste vaivém, os conectores, como procuramos demonstrar, desempenham papel fundamental.

A explicação para a identificação da historiografia latino-americana com as ideias do giro linguístico estaria numa tradição cultural ibero-americana da força da retórica como chave de leitura para a história intelectual (CARVALHO 2000). A questão fulcral, afirma Aguilar Rivera (2008, p. 131), é que o enfoque, há mais de três décadas, em uma história desse tipo trouxe problemas constitutivos, não intencionados. Os historiadores intelectuais da América Latina teriam permanecido à margem da efetiva revolução linguística do mundo anglo-saxão, com uma história dos discursos que tende a apagar o sujeito histórico, a deixar as ideias de lado e a interromper o diálogo com as ideias políticas (EZCURRA 2010). Para nós, Para leer el Facundo e Introducción a Facundo são bons exemplos para questionar a generalidade de tal afirmação, que, em muitos aspectos, segue reproduzindo a máxima de “ideias fora do lugar”.

Se o enfoque nos preceitos do giro linguístico pode ser constatado com uma forte – quase inescapável? – tendência da historiografia na América Latina nas décadas de 1980 e 1990, ainda hoje identificável (MALERBA 2009), é preciso não perder de vista que ele não se resume a um essencialismo linguístico como dos anos 1970. A retórica é apenas um dentre muitos componentes. Em linhas gerais, a recente história intelectual latino-americana advém do cruzamento de duas correntes de interpretação. De um lado, a chamada Escola de Cambridge, cujos maiores representantes, Quentin Skinner e John Pocock, determinaram os rumos da história intelectual nos anos 1960

Considerações finais: uma história intelectual à margem?

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e 1970, em direção à importância das formas narrativas e das estratégias retóricas (AGUILAR RIVERA 2008). De outro, a Begrisffsgeschichte de Koselleck, segundo a qual o conceito traz uma consciência histórica. A combinação das duas vertentes sintetizaria os aspectos cruciais sobre os quais a “nova” se distinguiria da “velha” história intelectual na América Latina (PALTI 2007).

Ora, Oscar Terán e Carlos Altamirano não passam ao largo do próprio desenrolar dessa história da história intelectual não só argentina e latino-americana, mas ocidental. Mais do que desejado, o debate historiográfico era previsto no programa da Prismas. Nesse sentido, os autores sinalizam percursos que posteriormente desembocaram no que Gabrielle Spiegel (2005) identificou como Practice History. Como explica a autora, o sucesso do giro linguístico entre um número considerável de importantes historiadores foi de tal monta que gerou uma espécie de reação, tanto entre os seus críticos quanto entre os seus seguidores. Uma das respostas foi o deslocamento epistemológico do enfoque das estruturas semióticas dadas para a construção individual e social dos signos; da cultura como discurso para a cultura como prática e performance. Isso trouxe de volta o sujeito histórico, não mais o governado por códigos semióticos impessoais, e sim o agente histórico engajado em flexionar os agentes semióticos.

O ponto de partida de Terán e Altamirano é a história intelectual, mas a preocupação central gravita em torno da ideia de discurso histórico como prática social. A esse respeito, o diálogo que realizam com autores fundamentais da historiografia anglo-saxã e francesa recente, como Darnton, Chartier e Burke, mesmo indiretamente, foi constante, e embasou a escolha de muitos dos mediadores utilizados nas duas análises. Ainda que o espaço não tenha permitido avançar na questão, ensaiamos uma esclarecedora história da recepção dos modelos culturais franco-anglo-saxões na historiografia argentina. Especificamente, de como os conceitos de simbólico e representação, provenientes do giro

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linguístico e cultural, foram operacionais nas análises de Terán e Altamirano, constituindo-se na pedra de toque do programa de história intelectual do grupo Prismas. Se algum senão pode ser sinalizado, é sobre uma possível “dependência cultural” em relação aos cânones produzidos nos países centrais da economia capitalista (MALERBA 2009; REIS 2012), mas essa problemática, dada a sua complexidade, requereria um esforço de análise que foge aos nossos propósitos.

Por ora, importa destacar que os ensaios analisados são altamente significativos do ponto de vista de uma elaboração programática. O Para ler el Facundo parece sintetizar a proposta de Oscar Terán. Cremos não incorrer em equívoco, ao afirmar que o livro de Terán converte-se em uma espécie de laboratório onde aplica as questões debatidas nas páginas da Prismas. Trata-se de ler Facundo com os instrumentos da história intelectual para, assim, pensar a história da Argentina para além da afirmação da consciência nacional, tão cara à “velha” história das ideias. Quanto ao texto de Carlos Altamirano, o próprio fato de escolher o ensaio, cuja primeira versão é de 1993, para incluir em um livro intitulado Para un Programa de Historia intelectual já é autoexplicativo. A análise contém o que ele considera mais significativo em termos de direcionamento teórico-metodológico aos historiadores intelectuais.

No momento em que identificamos as categorias de mediação como um recurso constante de nossos autores, ressaltamos a importância que elas assumem no programa de história intelectual argentina. Oscar Terán e Carlos Altamirano evidenciam com elas a construção de uma ponte de mediação para atuar no espaço de “indeterminação epistemológica” da história intelectual, ou seja, entre a superfície textual dos discursos (ideias) e sua estrutura conceitual mais complexa (PALTI 2007). Para nós, os conectores forneceram os subsídios para escapar das armadilhas de uma história intelectual desencarnada, pautada em uma análise tecnicista do discurso ou, mais precisamente, da historiografia.

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AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Fabíula [email protected] em HistóriaUniversidade Federal de Minas GeraisAvenida Monteiro da Franca, 661 – Apto 1302 – Manaíra58038-320 – João Pessoa – ParaíbaBrasil

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RECEBIDO EM: 01/10/2017 | APROVADO EM: 13/04/2018

Agradeço à Profa. Eliana Dutra (UFMG) pelo estímulo à muitas das reflexões aqui apresentadas a partir de conversas, aulas e dos debates no grupo de estudos Brasiliana. Agradeço também à CAPES (PROEX) a bolsa usufruída no período em que esta pesquisa foi realizada.

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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RESUMO

ABSTRACT

KEYWORDS

PALAVRAS-CHAVE

Ouro Preto / MG - Brasil

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, 64-90- DOI: 10.15848/hh.v0i27.1256

Varnhagen, Santarém e Avezac: um episódio da polêmica vespuciana (1842-1858)Varnhagen, Santarém and Avezac: an episode of the vespuccian controversy (1842-1858)

Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), o visconde de Santarém (1791-1856) e Marie-Armand d’Avezac de Castera-Macaya (1799-1875) foram três historiadores e geógrafos que, no século XIX, escreveram acerca de Américo Vespúcio e suas viagens, sobre as quais hoje ainda imperam mais dúvidas que certezas (quais as que narrou e em quais participou). Com base nos escritos e alguma correspondência daqueles autores, bem como de interpretações posteriores das suas intervenções, procurarei contribuir para um maior conhecimento da polêmica vespuciana, a qual pode ser caracterizada pela teoria do eterno retorno.

Francisco Adolfo de Varnhagen; Geografia; Historiografia do século XIX.

Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), the viscount of Santarém (1791-1856) and Marie-Armand d’Avezac de Castera-Macaya (1799-1875) were three historians and geographers who, in the 19th Century, wrote about Amerigo Vespucci and his voyages, about which there are more doubts than certainties up to this day (Which did he narrate and which did he actually take part in). Based on their writings and on some of their correspondence, as well as on later interpretations of their interventions, I will try to contribute to a better knowledge of the vespuciccian controversy, which can be characterized by the theory of eternal recurrence.

Francisco Adolfo de Varnhagen; Geography; 19th century historiography.

Daniel Estudante Protásio

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

A chamada questão vespuciana consiste no debate sobre a autenticidade de parte ou da totalidade dos relatos de Américo Vespúcio (1454-1512) das viagens de navegação ao Novo Mundo em que afirmou ter participado, enquanto chefe de expedições de descobrimento ou piloto. É uma polémica tão antiga quanto a época dos relatos de Vespúcio, isto é, início do século XVI. Las Casas (1552), Herrera (1601), Randini (1745), Bartolazzi (1789) e Canovai (1817), todos intervieram, ciclicamente, na questão, isto é, sem se alcançar uma série de argumentos e conclusões documentalmente irrefutáveis (ZEWIG 1942, p. 99-100 e seg). Os autores espanhóis denunciaram a existência de uma falsificação de dados. Os italianos, em contrapartida, defenderam a verosimilhança da narrativa vespuciana. Segundo o visconde de Santarém, até 1825 viveu-se uma fase de interesse erudito e, a partir dessa época, uma outra, de análise científica, bibliográfica e documental, de toda a produção anterior sobre Américo Vespúcio. Fase essa que culmina, na opinião do autor português, com a sua obra de 1842, Recherches historiques, critiques et bibliographiques sur Améric Vespuce et ses voyages… Em aparência, o assunto do papel de Vespúcio na história dos descobrimentos fica esclarecido com esse volume, que se baseava na utilização da metodologia e da interpretação de Navarrete e Washington Irving das viagens e prioridade a Cristovão Colombo.

Porém, após a morte de Santarém, em 1856, dois autores, Varnhagen e Avezac, no contexto de uma disputa diplomática dos limites fronteiriços entre o Brasil e a Guiana Francesa, insistem em argumentos até então aparentemente refutados e silenciados, mas ainda hoje reproduzidos. A saber: que as viagens e relatos de Vespúcio são, em parte ou no todo, autênticos e credíveis, apesar dos erros de localização geográfica, silêncios documentais e anacronismos cronológicos evidenciados. O que o jornalista italiano Canali comenta: “Vignaud, Varnhagen, Humboldt, conseguiram ver à distância de séculos o que jamais enxergaram os observadores que estavam no Cais da Ribeira, no instante das naus se fazerem ao mar!” (CANALI 1940, p. 31).

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Enquadramento prévio (1840-1841)

É aplicável a esta matéria a interpretação de Vitorino Magalhães Godinho, quando fala no “eterno retorno” da história dos descobrimentos portugueses e invoca, a esse propósito, a imagem de “sempre as mesmas fontes ruminadas com invejável paciência de bovídeo: tudo isto ferrugento de séculos” (GODINHO 1962, p. 1).

Também Stefan Zweig afirma que as teorias mais incompatíveis sobre Vespúcio são defendidas sem aparente contradição ou incoerência. Afirma: “E assim encontramo-nos hoje, de novo, como há trezentos anos, precisamente perante a velha interrogação: ‘Quem era Américo Vespúcio? Que fez ele? Que não fez ele?’” (ZWEIG 1942, p. 130-131).

Aliás, a atualidade da questão vespuciana mantém-se: de 1940 a 2005, o diálogo intercontinental sobre a polêmica vespuciana envolve ataques pessoais a vivos e mortos e pouca delicadeza académica (LEVILLIER 1954, p. 407; ALMEIDA 1955, p. 6). Em anos mais recentes, a historiografia brasileira tem trazido ao debate Varnhagen-Avezac distanciamento crítico e contextualização abrangente (OLIVEIRA 2007, p. 135-170; RIBEIRO 2009, p. 207 e 250; MEDEIROS 2011, p. 98).

Pretende-se, com o presente artigo, apresentar uma visão sistemática do que entre 1842 e 1858 foi afirmado pelo visconde de Santarém, por Francisco Adolfo de Varnhagen e por Avezac a propósito dos relatos e viagens de Américo Vespúcio. E de como os séculos XX e XXI encaram tais disputas metodológicas.

Francisco Adolfo de Varnhagen e o visconde de Santarém entraram, com poucos meses de diferença, como sócios correspondente e honorário no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), respetivamente a 25 de janeiro e a 8 de julho de 1840 (LESSA 1961, 100; REVISTA TRIMESTRAL 1858). Na 43ª sessão do Instituto, a 18 de julho, estando Varnhagen presente, surge a informação de que “Foram

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aprovados membros honorários os seguintes senhores: D. Martín Fernández de Navarrete, residente em Madrid; Visconde de Santarém, ora residente em Paris; […] e Barão Walckenaer; propostos pelo Sr. F. A. de Varnhagen” (REVISTA TRIMESTRAL 1858, p. 397).

Dado o histórico anterior de quezílias entre ambos, não deixa de ser surpreendente a proposta, por Varnhagen, do visconde de Santarém para o IHGB (PROTÁSIO 2014). A ser correta a leitura de que o visconde1 foi proposto, por Varnhagen, como sócio honorário do IHGB, essa é uma atitude muito mais nobre e louvável do que a que o próprio Santarém teve no seio da Sociedade de Geografia de Paris (SGP), ao não introduzir o jovem sócio correspondente do IHGB e da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) no seio daquela agremiação, na qual entrou em 1835, ocupando cargos de responsabilidade de 1838 até à sua morte, dezoito anos depois. Mais antiga sociedade geográfica do mundo, fundada em 1821, a instituição parisiense albergou importante conjunto de polémicas históricas, geográficas e diplomáticas internacionais do século XIX.

Seria por Santarém não o ajudar a ser admitido na SGP que Francisco de Varnhagen o qualifica de “meu rival Visconde”, a 6 de janeiro de 1841? Sim, mas não só, dado o pano de fundo da questão vespuciana: “É por isso que por enquanto cingir-me-ei a escrever para Paris uma carta meio geográfica por via do Visconde de Santarém. Nisto mesmo estou ainda irresoluto. Já aí chegaria o Boletim em que vem a notícia das minhas publicações? – Como serão feitas pelo meu rival Visconde não espero nelas muito favor” (LESSA 1961, p. 61). Desconhece-se que publicações seriam essas: para além da comunicação feita em fevereiro de 1840, a outra obra de Varnhagen publicada – as Reflexões críticas… – é rececionada nesse mesmo mês em Paris; mas, inserida num volume coletivo da ACL, fica por analisar (BOLETIM 1840, t. XIII, p. 124 e segs.; BOLETIM 1841, ts. XIV e XV).

Varnhagen, regressado a Portugal a 22 de Junho de 1841, é um cidadão, académico e intelectual português2 que, maior

1 - Sendo Francisco Adolfo de Varnhagen nomeado barão e vis-conde de Porto San-to em 1872 e 1874, todas as referências feitas, no presente texto, a um visconde dizem respeito a San-tarém, agraciado com esse título em 1818.

2 - Nessa época, ain-da não obtivera a ci-dadania brasileira: tal sucede, relembre--se, a 24 de Julho de 1841.

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de idade (nascera a 17 de fevereiro de 1816), demonstra um notável à-vontade entre os seus pares (LESSA 1954, p. 133; LESSA 1961, p. 63-64 e 72-73). Não deixa, aliás, de continuar a revelar uma certa irreverência de caráter, própria da idade e da sua personalidade, ao confidenciar ao amigo Cunha Rivara, falando de um terceiro, que “ontem mesmo lhe entreguei o exemplar da [Vida] de D. João de Castro do nosso patusco e pai velho São Luís” (o futuro Cardeal Saraiva. Itálico meu). E pode perguntar, com toda a inocência, ao mesmo confidente: “Garrett não lhe mandou um exemplar do Alfageme [de Santarém]?” (LESSA 1961, p. 74-75, itálico meu).

Quanto ao visconde de Santarém, não anda muito longe das preocupações e pensamentos de Varnhagen. Em carta de mês indeterminado de 1842 (maio a julho) para o eterno Cunha Rivara, refere-se-lhe a propósito de Vespúcio. Esse ano seria um momento decisivo para um futuro episódio da polêmica vespuciana, entre Avezac e Varnhagen, em 1857-1858. Pois enquanto Santarém foi vivo e ativo na SGP, nem o autor brasileiro é admitido, nem publica qualquer texto no Boletim da instituição, o que apenas se pode explicar pelo veto informal do sábio português. Daí que Francisco de Varnhagen, quer a propósito, quer não, do livro de Santarém sobre Vespúcio, escrevendo as seguintes palavras, remeta apenas para o passado e não para o presente:

Quanto à pergunta que faz sobre as edições de Américo, de Vicência e Milão, devo responder-lhe que há já a tal respeito uma análise [minha] no Exame crítico [sic – por “Reflexões críticas…”] – creio no Tomo 5º [da Colecção de notícias para a história e geografia das nações ultramarinas…], que o Visconde de Santarém repetiu naquela[s] memória[s] a que eu me oponho [de 1835-1837], em opiniões de Américo. Para fazer trabalho em correcção ao que diz Trigoso bastava hoje ser simples rapsodista do que sobre as edições têm dito Humboldt e Navarrete. No Roteiro de Vasco da Gama diz o [Diogo] Kopke também alguma coisa nas notas a [esse] respeito (LESSA 1961, p. 77-78, itálico meu).

De novo a polêmica sobre Américo Vespúcio (1842)

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Varnhagen, já então nomeado adido à legação brasileira em Lisboa, a 19 de maio de 1842 e encarregue de recolher documentos portugueses relativos ao Brasil (LESSA 1954, p. 134; LESSA 1961, p. 86), secundariza a questão das edições de Vespúcio. Fala rapidamente em Trigoso,3 Santarém, Humboldt, Navarrete e Kopke, não parecendo dedicar muita atenção à matéria. De um modo geral, os anos de 1842-1843 foram, para o autor brasileiro, considerados de recolha de documentos e não de análise e apresentação de um “corpo homogéneo” (LESSA 1954, p. 137). Elenca, pois, Francisco de Varnhagen aqueles autores sem outros comentários senão que para corrigir Trigoso (na introdução às Cartas de Américo Vespúcio a Pedro Soderini…, 1812), bastaria fazer uma mera rapsódia do que Humboldt e Navarrete afirmaram sobre o assunto (LESSA 1961, p. 78; ACADEMIA 1812, p. III-VII). Trabalho que não fez nessa época. E que, recorrendo a uma metáfora musical, não considera ser uma composição nobre, antes menor.

Por essa altura, o visconde de Santarém renova os seus estudos sobre Vespúcio, interrompidos desde 1837. Depois de, nos anos de 1840-1842, se ter dedicado à questão da prioridade dos descobrimentos em África, retoma a sua veia de americanista, aparentemente devido às pressões, nesse sentido, do barão de Walckenaer, que qualifica como “um dos maiores especialistas neste ramo da ciência [geográfica], […] nosso sábio amigo e consócio” (SANTARÉM 1842, p. VIII-IX).Vai concluir o trabalho iniciado em 1826 e continuado em 1835-1837: provar que Colombo chegou à Terra Firme antes de Vespúcio e que este não seria mais do que um efabulador. Fê-lo sem deixar dúvidas suficientes para que alguém lhe disputasse os argumentos, condensados em livro, em 1842. Durante catorze anos, nenhum autor conhecido contrariou as teses sobre Vespúcio. O próprio Varnhagen vai construir uma História Geral do Brasil (HGB) e só depois elaborar “as primeiras monografias sobre Colombo e Vespucci”, a propósito do que “apresentou opiniões novas de História Geográfica” (LESSA 1961, p. 84).

3 - Sebastião Francis-co de Mendo Trigoso (1773-1821), sócio e secretário da ACL.

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As dezasseis páginas de introdução ilustram as ideias do visconde de Santarém acerca de Colombo e Vespúcio. Termina o opúsculo de 1842 com duas conclusões-chave: os méritos náuticos e científicos de Cristovão Colombo e de Pedro Álvares Cabral na chegada às Américas Central e do Sul (SANTARÉM 1910, p. 473). Inicia a edição do texto completo em livro, demonstrando como o feito de Colombo marcou indelevelmente a história do espírito humano, afirmando que a astronomia, a física, a botânica, a mineralogia e as ciências morais se transformaram, em consequência da massa de conhecimentos que aquele dado geográfico permitiu que se acumulasse.

Tudo é sereno e aparentemente imparcial na primeira parte da obra, cristalino, nos argumentos de Santarém.4 O visconde assegura, com uma autoridade que pretende demonstrar o seu vasto domínio de tais matérias, que foram produzidos três mil títulos sobre as expedições às Américas realizadas entre 1492 e 1540. E, glorificando o seu tempo, considera que, apesar de tal quantidade de tratados, inéditos e impressos (e materiais cartográficos), até ao início do século XIX não era nem claro, nem seguro, o conhecimento positivo dos fatos.

Declara que os sábios não conseguiram, até então, elucidar uma série de problemas científicos e metodológicos, acabando por criar um corpo de conhecimento que classifica como incerto e opaco, ao questionarem se o Novo Mundo seria conhecido dos Antigos. Tais autores, segundo a introdução, estariam motivados por três ordens de razões, das quais a que mais aqui nos interessa é a de prejudicar (nuire) a glória de Colombo (SANTARÉM 1842, p. I-VI).

Por outro lado, quando indica o ano de 1825 como decisivo para o conhecimento da geografia do Novo Mundo, vai entroncar o seu próprio contributo num conjunto de sábios seus contemporâneos e consócios que escrevem sobre prioridade da chegada e descoberta ao que então era designado por Novo

4 - O que já não su-cede na segunda par-te do livro (SANTA-RÉM 1842, sobretudo p. 122-208).

Recherches historiques, critiques et bibliographiques sur Améric Vespuce et ses voyages… (1842)

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Continente (isto é, as três Américas). Citemos o visconde, primeiro remetendo para o autor espanhol Navarrete, depois parafraseando Humboldt, as duas figuras intelectuais que despoletaram em Santarém uma nova vocação, a de americanista (PROTÁSIO 2014, p. 33):

Antes do ano de 1825 essas discussões sobre a história do Novo Continente haviam interessado sobretudo à erudição, mais do que à história positiva dos factos, quando um dos monumentos históricos mais importantes dos tempos modernos veio lançar uma nova luz sobre vários pontos do mais alto interesse; trazendo documentos preciosos e inéditos sobre o primeiro período da descoberta do Novo Continente. Nós queremos aqui falar da obra do nosso sábio amigo, M. de Navarrete. Obra que veio fornecer aos sábios grande massa de documentos e de noções novas, no meio das quais os críticos podem refazer uma grande parte da história do Novo Continente, tal como a conhecíamos antes desta importante publicação (SANTARÉM 1842, p. VI-VII).5

O visconde refere-se à obra de Martín Férnandez de Navarrete, Colección de los Viajes y descubrimientos, que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV…, começada a publicar em 1825 (em dois tomos). Cita a consulta que no ano seguinte Navarrete lhe fez, enquanto guarda-mor da Torre do Tombo (arquivo central de Portugal) e cuja resposta, sob a forma de carta, é publicada no tomo III da mesma colecção, em 1829. Com tal resposta, em 1835, tem início uma série de artigos de Santarém sobre Vespúcio. Em breve ocorrem a entrada do sábio português na SGP e o reencontro com Humboldt em Paris. O visconde, no seu livro de 1842, refere as obras do barão de Humboldt (Examen critique… 1836-1839) e de Washington Irving (Life of Columbus 1828).

Em termos metodológicos, explica que tratou de incluir no seu livro as fontes coevas de Colombo e de Vespúcio (de 1492 a 1540), mas igualmente os autores que desde então trataram dessa questão, com as respetivas citações bibliográficas infrapaginais e um índice remissivo de temas e escritores.5 Afirma que esse método poderá não ser coincidente com o da crítica histórica,6 mas considera-o indispensável para o apuramento da verdade e lamenta ter que se envolver nesta polémica. O volume de 1842,

5 - No qual, significa-tivamente, não apa-rece o nome de Fran-cisco de Varnhagen.

6 - Isto é, da necessi-dade de as fontes se-rem contemporâneas dos eventos relacio-nados com Vespúcio (SANTARÉM 1842, p. 233). Sem validação coeva dos fatos não existiria história posi-tiva.

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Varnhagen, Santarém e Avezac: um episódio da polêmica vespuciana (1842-1858)

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no entanto, permitiria ao leitor acesso fácil, num único tomo, aos argumentos e dados decisivos para estabelecer uma opinião imparcial sobre o papel de Vespúcio na ciência geográfica mundial.

Relembra que não é movido por pretensão patriótica ou nacionalista, anti-italiana, pois quer defender os direitos incontestáveis de prioridade, na chegada ao Novo Mundo, não só de Colombo, mas também de Hojeda, de Lepe, de Cabral e de Pinzón, face aos de Vespúcio (SANTARÉM 1842, p. VII-XIV). Passada a introdução, o livro tem início com a carta de 15 de julho de 1826 dirigida a Navarrete, que se estende por treze páginas e que resume o essencial do pensamento de Santarém sobre Vespúcio: este não deve ser considerado um descobridor ou navegante, apenas relator de viagens em que supostamente participou e cuja glória, náutica e geográfica, reivindicou para si. De modo que é considerado um falsário, por não ter documentos, cronistas ou fontes coevas a fundamentarem o que narra. O visconde refere o trabalho do editor Trigoso na Colecção de notícias para a história e geografia das nações ultramarinas…, refutando as suas afirmações sobre as quatro viagens ibéricas do florentino (ACADEMIA 1812, p. III-VI; SANTARÉM 1842, p. 6-7).

Para o visconde de Santarém, o peso institucional da sua passagem pela direção do arquivo central da Torre do Tombo, de 1824 a 1833; o consequente silêncio de cerca de cem mil documentos daquele depósito sobre Vespúcio, bem como do humanista e guarda-mor do mesmo arquivo, Damião de Góis (1502-1574); e os mais de duzentos autores analisados, eram suficientes para deixar concluída a questão: Vespúcio teria falsificado a natureza da sua participação na viagem espanhola de 14997 e a sua presença nas portuguesas de 1501 e 1503, que não capitaneou. Assenhoreando-se do nome de um continente ao qual não tinha direito, por melhor cosmógrafo e navegante que pudesse ser. Santarém recorre ainda ao terceiro volume, inédito em França, da obra de Navarrete, transcrevendo extensas passagens do mesmo (SANTARÉM 1842, p. 6 e segs.).

7 - Trata-se da única viagem em que ad-mite a participação de Vespúcio, embora não como navegador ou comandante (SAN-TARÉM 1842, p. 115 e seg; DUVIOLS 2005, p. 238).

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A 15 de dezembro de 1842, o IHGB aprovou a impressão da obra de Varnhagen As primeiras negociações diplomáticas respectivas ao Brasil. Lida naquela instituição a 19 de janeiro seguinte, a sua receção foi acusada por portaria do ministro das Relações Exteriores do Império, segundo carta de 2 de junho de 1843 (LESSA 1954, p. 138; LESSA 1961, p. 91 e segs.). O visconde crisma-a de Primeiras relações diplomáticas do Brasil – um hábito que mantém, o de parafrasear alguns títulos de memória – e refere-se-lhe de forma altamente negativa: texto “que me envergonhou pelo autor” e “este título é o mais tolo que alguma vez foi dado a uma produção desse género” (SANTARÉM 1919, p. 375 e seg). O livro refere de passagem Vespúcio, mas menciona apenas Ayres de Casal e Navarrete, não Santarém (VARNHAGEN 1839a; VARNHAGEN 1842, p. 122 e segs.).

A 10 de Janeiro de 1844, na introdução à edição (“livraison”) desse ano do seu Atlas…, o visconde de Santarém agradece a Marie-Armand d’Avezac de Castera-Macaya, “nosso sábio amigo”, a revisão de provas para tal publicação (SANTARÉM 1989, e segs.). Apesar da afirmação de Santarém, em 1840-1842, como inquestionavelmente portuguesa a prioridade na chegada à Guiné, Avezac volta à carga com oito textos lidos e publicados em 1845-1846. O visconde responde com igual número de intervenções, na SGP e em vários periódicos científicos.

De 1845 data a publicação (anónima), por Varnhagen, dos “Fragmentos que existem na Torre do Tombo das instruções dadas por El-Rei D. Manuel a Pedro Álvares Cabral, quando chefe da armada, que indo à Índia descobriu casualmente o Brasil” e do “Regulamento (incompleto) dado ao chefe de uma das primeiras armadas que foram à Índia, depois de Pedro Álvares Cabral”. São documentos localizados pelo jovem investigador e impressos, mas não comentados, excetuando numa única nota infrapaginal (ANAIS MARÍTIMOS E COLONIAIS 1845, p. 208 e segs.; REVISTA TRIMESTRAL, 1867, p. 99-115).8

8 - ANAIS MARÍTIMOS E COLONIAIS 1845, p. 279, n.: “Referimo--nos [a] Cabral, por-que no próprio Regu-lamento fala El-Rei na Ilha da Cruz, queren-do aludir à Terra do Brasil, descoberta por aquele capitão e ao princípio julgada ilha, com o nome de Vera Cruz. A própria ideia tão minguada dessa região dá a entender que o Regimento deve ser anterior às explo-rações de Vespúcio e por isso dos primeiros dois ou três anos do século 16º. O chefe pode, pois, ter sido João da Nova, Vasco da Gama (da segunda vez) ou Afonso de Al-buquerque. (F. A. de V.)”.

O triângulo Santarém-Avezac-Varnhagen em vida do primeiro (1842-1851)

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Sucede que o visconde de Santarém redige uma recensão sobre o assunto, sob o título sugestivo de Note sur la veritable date des instructions donnés à un des premiers capitaines qui sont allés dans l’Inde après Cabral, publicado em setembro de 1846 no Boletim da SGP. O fato parece ter passado despercebido a Clado Ribeiro de Lessa na sua análise biográfica de Varnhagen, não sendo, inclusive, mencionado na Correspondência Ativa do historiador (LESSA 1954; LESSA 1961). Pode afirmar-se que, referindo somente uma vez Varnhagen (embora o apelide de “M. Warnhagen”), o visconde é muito acutilante, crítico e contraria frontalmente as interpretações do autor brasileiro, tanto em termos da verdadeira data, quanto do capitão/comandante da dita armada. Só se percebe que fala de “Fragmentos que existem na Torre do Tombo…” quando se consultam os referidos periódicos português e brasileiro.

Ao contrário do que comentara em Analyse du journal de la navigation…, de março de 1840, seis anos depois Santarém louva a importância da publicação de inéditos para o conhecimento geográfico. Atribui, todavia, esse papel aos Anais Marítimos e Coloniais e destaca o fato de Fragmentos que existem na Torre do Tombo das instruções… (cujo título oculta do público leitor) não estar datado. Daí, aliás, a designação da recensão, que se foi conhecida de Varnhagen, não deixou de lhe desagradar.

São quatro as teses do visconde de Santarém:

- erro de datação (viagem não anterior a 1503, mas provavelmente de 1509-1512);

- erro de localização da ilha da Cruz (também designada por Penedo das Fontes, não no Brasil, antes ao largo do Cabo da Boa Esperança);

- que durante muitos anos o Brasil continuou a ser perspetivado como uma ilha, conforme aprofundará em 1847;

- e que o destinatário das instruções era Lopo Soares de Alvarenga, em 15049 [sic] e não João da Nova, Vasco da Gama ou

9 - O importante, para o visconde de Santarém, era que se tratava de uma via-gem sempre posterior à suposta segunda expedição portugue-sa de Vespúcio (de 1503).

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Afonso de Albuquerque (SANTARÉM 1910, p. 153-158).

Em 1847 o visconde, na “Mémoire sur la question de savoir à quelle époque l’Amérique Méridionale a cessé d’être representée dans les cartes géographiques comme une île d’une grande étendue”, lida na SGP a 18 de junho, afirma ter provado, pelo recurso à cartografia, que até 1520 a prioridade do descobrimento do Novo Mundo por Colombo foi incontestada; e que apenas a partir de 1548 o Brasil passou a ser representado como um continente e não como uma ilha. Tal trabalho insere-se como continuação da recensão sobre Varnhagen do ano anterior e no âmbito de uma outra polêmica, agora com o cartólogo Edme-François Jomard (1777-1862), sobre a prioridade da publicação de um Atlas (SANTARÉM 1910, p. 249-252). Continua, em toda essa defesa da prioridade de Colombo e de Cabral e de repúdio dos relatos de Vespúcio, a ser ignorado o contributo de Francisco de Varnhagen.

Por seu lado, Varnhagen prossegue a carreira diplomática – a 4 de janeiro de 1847 é “removido” para a legação de Madrid (LESSA 1954, p. 144) – e académica: de 23 de maio a início de dezembro de 1851, permanecendo no Brasil, é Primeiro Secretário do IHGB (LESSA 1954, p. 154 e segs.).

Santarém, Avezac e Varnhagen têm claras semelhanças socioculturais e socioprofissionais. O visconde estudou até aos 16 anos no Colégio dos Nobres, Varnhagen até aos 17 no Real Colégio Militar, ambos de Lisboa. Avezac publica o seu primeiro livro em 1823; atribuem-se-lhe sérios estudos geográficos, provavelmente autodidáticos. Ingressa no ministério da Marinha, onde se mantém durante toda a vida. A Varnhagen sucede o mesmo no ministério das Relações Exteriores. A carreira diplomática do visconde de Santarém é curta; porém, o ministério dos Negócios Estrangeiros subvenciona-lhe a impressão de boa parte das obras parisienses e pede-lhe pareceres repetidamente.

Em 1854, Francisco de Varnhagen publica o primeiro

Da HGB (1854-1857) às respostas de Avezac e às tréplicas de Varnhagen (1857-1858)

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volume da sua HGB, ainda em vida do visconde de Santarém. As reacções internacionais são positivas, a julgar pela carta de 8 de agosto de 1855, enviada por Alexander von Humboldt, e pelos elogios de Von Martius e de Ferdinand Denis, bem como pela admissão na Academia das Ciências de Munique (LESSA 1954, p. 170-173).

Entretanto, a 17 de janeiro de 1856 morre o visconde de Santarém, então com pouco mais de 64 anos. Desaparece, assim, do mundo dos vivos o autor que Clado Ribeiro de Lessa considerou como o “maior adversário de Américo Vespucci, e Varnhagen o paladino da sua reabilitação, apoiado integralmente nos últimos tempos por Vignaud” (LESSA 1954, p. 127; VIGNAUD 1917, p. 86-99, itálicos meus). A polêmica vespuciana só surge de novo com a resposta de Avezac a uma passagem do primeiro volume da HGB, criticado na dita obra. O próprio Varnhagen define o francês, em carta de 20 de junho de 1857, como membro da SGP, “empregado no ministério das Colónias e [um] dos partidários de que a Guiana Francesa deve chegar ao Amazonas”. A propósito da questão fronteiriça entre os territórios francês e brasileiro, Varnhagen sugere a inclusão, no segundo volume da sua obra (“quase pronto para sair à luz”), de um desenvolvimento e esclarecimento sobre o assunto, mas também a publicação de “argumentos em francês […] em folheto separado” (LESSA 1961, p. 240-241). As disputas de delimitação de fronteiras, tanto na América do Sul, como na Índia e África portuguesas, eram muitas vezes razão para que geógrafos como Avezac e Santarém e diplomatas como o conde do Lavradio e o visconde do Uruguai cruzassem informações e colaborassem no esclarecimento de tais matérias. Diplomata e historiador, Varnhagen aborda, em As primeiras negociações diplomáticas… (VARNHAGEN 1842) e nas duas edições do HGB (1854-1857 e 1877), as lutas seiscentistas contra os holandeses e o tratado de Santo Ildefonso (1777), sob contexto de disputas fronteiriças do império por causa do Paraguai e do Uruguai (RIBEIRO 2009, p. 192-196).

Em sessões da Sociedade de Geografia e em textos

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publicados no Boletim (AVEZAC 1857, p. 89 e seg), Avezac comunica e publica um estudo, intitulado Considérations géographiques sur l’histoire critique du Brésil. Examen critique d’une nouvelle histoire générale du Brésil… (LESSA 1961, p. 248-249). Nessa resposta ao primeiro volume da HGB, de 1854, Avezac refere largamente Vespúcio (AVEZAC 1857, p. 102 e segs.). Persiste na utilização de um texto de difícil leitura, recheado de notas infrapaginais extensas e complexas e no tipo de discurso e de estratégia já empregues em 1845-1846 com o visconde de Santarém. A saber: não se referir de forma sistemática às críticas e construções teóricas, sobre Vespúcio, por parte de autores anteriores; escolher apenas ramalhetes de argumentos históricos; ironizar sobre o polemista visado – neste caso, Varnhagen, a quem compara ao sonhador Homero, sobre a presença de Hojeda na costa brasileira (AVEZAC 1857, p. 157). E, sobretudo, não desistindo de uma abordagem um tanto quanto mitológica e pouca credível sobre hipóteses de descobertas do Brasil, tal como sucedera com as ilhas atlânticas e com a costa africana, sempre pela mão dos omnipresentes normandos (AVEZAC 1857, p. 172-177).

Varnhagen queixa-se de críticas que lhe são dirigidas do seguinte modo, em carta datada de 20 de novembro de 1857:

Acresce que o Sr. D’Avezac, como adversário antigo do defunto Visconde de Santarém em questões de descobrimentos, está apaixonadamente prevenido contra o[s] dos Portugueses, e por conseguinte contra os nossos {direitos}. Assim, longe de me dar por imparcial, quando devia lembrar-me [sic, por lembrar-se] como fui contrário ao dito Visconde nas suas exageradas pretensões em desfavor de Américo10 e quanto na minha obra defendo tanto estrangeiros tais como Bagnuolo [Bagnolo] e outros que prestaram serviços reais ao país, lembra-se de me levar a mal que eu na minha História deixasse para segundo plano as expedições espanholas, e em terceiro as dos Franceses [AVEZAC 1857, p. 98 e segs.]; para as quais quase pretende o Sr. D’Avezac reclamar os direitos de prioridade, ou pelo menos, de grande precedência (LESSA 1961, p. 250 - colchete original, itálicos meus).

Para Francisco de Varnhagen poder responder a Avezac,

10 - Varnhagen 1839a e Varnhagen 1839b. Varnhagen sempre foi totalmente contrário às ideias de Manuel Ayres de Ca-sal (1754-1821) e de Santarém acerca do que este último con-siderava ser o silên-cio dos documentos (e do cronista Damião de Góis) a propósito das supostas viagens de Vespúcio (veja-se VARNHAGEN 1839b, p. 75; PROTÁSIO 2014, p. 34).

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havia que preparar as condições académicas apropriadas. Em outubro seguinte, informa que o sábio francês o propusera – a 7 de agosto – para membro da SGP. Varnhagen pede, a 20 de novembro, que o mesmo suceda a Avezac, para “nosso consócio correspondente” no IHGB (LESSA 1961, p. 249). Será no Boletim da SGP e em livros que a disputa franco-brasileira irá ter lugar.

Logo em inícios de 1858 surge um primeiro texto de Varnhagen (LESSA 1961, p. 258). Algo impossível na SGP antes da morte de Santarém. Trata-se de Vespuce et son premier voyage ou notice d’une découverte et exploration primitive du golfe du Mexique et des côtes des États-Unis en 1497 et 1498. Não é, claramente, uma resposta a Avezac. Dedicada a Humboldt, a obra tem a vantagem de ser concisa.

A resposta ao sábio francês é deixada para um segundo título (AVEZAC 1858, p. 2): Examen de quelques points de l’histoire géographique du Brésil... ou analyse critique du rapport de M. d’Avezac sur la récente histoire générale du Brésil. É pela análise desse livro que prosseguirei, invertendo a ordem de publicação, indicada, dos textos de Varnhagen. No seu Examen…, o sábio brasileiro, que sabemos estar em Paris logo a 1 de janeiro de 1858 (LESSA 1961, p. 258), afirma ter conhecido pessoalmente Avezac. E promete que não vai deixar de responder às acusações de falta de sinceridade e de justiça dos argumentos contidos no primeiro volume da HGB (VARNHAGEN 1858b, p. 6-8).

Francisco de Varnhagen começa por qualificar os seus próprios trabalhos, de 1839 e 1842, como uma clarificação indispensável do “verdadeiro caos” em que estaria a história do Brasil do século XVI.11 Menciona a questão de supostamente Hojeda ter precedido Cabral na chegada ao Brasil, baseado nos relatos de Vespúcio sobre as viagens ao serviço de Espanha (sobretudo a de 1499), mas também na narrativa da primeira viagem de Hojeda (1499). Não considera relevantes as discrepâncias factuais existentes entre ambos os documentos. Ao mesmo tempo analisa a matéria da viagem de Pinzón (1499-

11 - “Reflexões críti-cas…”, Diário da na-vegação… e As pri-meiras negociações diplomáticas…. (VAR-NHAGEN 1839a; VAR-NHAGEN 1839b; VAR-NHAGEN 1842).

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1500), dedicando-se a estudá-la, tendo em conta a sinonímia geográfica e tentando esclarecer contradições de distâncias percorridas, insuficientes, na sua opinião, para deitar por terra tal teoria (VARNHAGEN 1858b, p. 7 e segs.).

Assim, Varnhagen discorda das leis da Diplomática invocadas por Santarém, segundo as quais um erro de cronologia destrói toda a credibilidade hermenêutica de um texto, sobretudo no século XVI, rico em falsários (SANTARÉM 1842, p. 66 e segs.).

Quanto a Navarrete, Varnhagen não se coíbe de criticá-lo enquanto fonte, classificando o trabalho realizado como um “fraco resumo dos documentos que se encontram na coleção de Muñoz”, depositada, manuscrita, na Academia de la Historia de Madrid. Acrescenta existirem vários erros na Coléccion… e defende que Navarrete confunde ou sobrepõe as viagens de Vespúcio e de Hojeda (de 1499), legitimando o historiador brasileiro, involuntariamente, a interpretação de tratar-se de uma única expedição (VARNHAGEN 1858b, p. 24-27).

De novo Varnhagen demonstra uma certa audácia e espontaneidade em apontar o dedo a autores consagrados, tal como fizera com Santarém (Navarrete falecera em 1844). Prestando atenção especial a pormenores como os graus de latitude atingidos, refere-se mais demoradamente à questão das duas viagens portuguesas de 1501 e 1503, secundarizando quem as chefiava, o que levara Avezac a criticá-lo, acusando-o de ser parcial em benefício dos portugueses. Ao que Francisco de Varnhagen responde informando que ele mesmo publicou documentos que provam as viagens de franceses à costa brasileira (VARNHAGEN 1858b, p. 48-53). Há, percebe-se, certa tensão de cunho nacional ou nacionalista nessa troca de impressões, mesmo que em plano secundário.

Passemos agora ao livro que Varnhagen dedica inteiramente a Vespúcio, Vespuce et son premier voyage… en 1497 et 1498, publicado em 1858. Nele, dividindo em aceitáveis pelos críticos as duas viagens portuguesas do florentino12 e em duvidosas as feitas ao serviço de Espanha, mesmo assim o autor brasileiro

12 - As quais Santa-rém recusava, base-ado no silêncio dos documentos portu-gueses e nos seus textos analíticos de 1826-1842.

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não aceita considerar que a figura que deu o nome a um continente inteiro possa ser apelidada de falsário, ainda que em apenas parte dos seus relatos. Francisco de Varnhagen centra-se, de novo, em questões de sinonímia geográfica, como por exemplo quando escreve que sábios como Humboldt, Navarrete e Washington Irving deixaram-se levar (entrainer) pela lição da palavra Parias (golfo de Pária), que Hylacomylus (Martin Waldseemüller) consagrou. Não se trata de um caso isolado de secundarização das leituras desses três autores, falando mesmo no que considera, quase triunfalmente, serem as “objecções [por si] destruídas” (VARNHAGEN 1858a, p. 7 e segs.).

Afirma, inclusive, que convém seguir o conselho de Descartes e reler as fontes, não os comentaristas do que Vespúcio escreveu. Com Varnhagen, a irredutibilidade dos argumentos exprime a força da convicção. Deduz-se que nenhum sábio poderia alguma vez colocar em causa, como um todo, a autenticidade dos relatos e das viagens de Vespúcio, porque há sempre visões, pormenores, a rever, à luz da releitura dos documentos, de interpretações inovadoras. Não se perturba ao entrar em desacordo com boa parte do que se lia nas histórias da descoberta do Novo Mundo: pois quando se acredita na veracidade narrativa de Vespúcio, descobrem-se sempre novas provas (VARNHAGEN 1858a, p. 10 e 16). Uma forma de estar na ciência que, veremos, fez e faz escola.

Nisso, Varnhagen e Avezac são similarmente incansáveis, personalidades que não desistem das suas teses, por mais celebrizados que sejam os nomes e o saber de homens seus contemporâneos como Navarrete, Santarém e Humboldt. Se o sábio prussiano admitiu o erro quanto à ciência náutica portuguesa e às viagens de Jaime Ferrer, por exemplo, embora não se tenha retractado, conforme prometido, no volume quarto do Examen critique… (nunca publicado), o mesmo não poderia, por questões psicológicas, suceder com Varnhagen, relativamente a Vespúcio, a quem reconhece o mérito de ter sido o primeiro navegador a entender que chegara a um Novo Continente e não à Àsia, como acreditou Colombo (SANTARÉM

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1919, p. 291; VARNHAGEN 1858a, p. 23-24).

Aliás, a polêmica vespuciana é paradigmática de como há questões, relativas à chamada proto-história dos descobrimentos americanos, que dificilmente chegarão a um momento de certezas científicas, isto é, validadas pela maioria da comunidade académica. Por isso ainda hoje, em sites de divulgação como a wikipédia espanhola,13 se fala não em quatro, mas em seis viagens de Vespúcio, reais ou imaginárias. Mas já voltaremos às leituras que a posteridade faz do papel de Varnhagen neste infindável debate científico.

Nas páginas que dedica a responder aos dois opúsculos de Varnhagen, em Les voyages de Améric Vespuce au compte de l’Espagne… Avezac, que considerara Santarém, em vida, “Um estadista tão distinto pela sua erudição quanto pela sua cortesia”, confrontava Varnhagen com o sentimento de ter sido injustamente criticado e incompreendido; mas ciente de que “armas corteses não poderiam causar feridas”. Avezac acusa o seu adversário de, no opúsculo sobre a primeira viagem espanhola de Vespúcio (1497), não utilizar os argumentos de Humboldt que faziam coincidir as duas viagens espanholas do florentino (1497 e 1499) com as de Hojeda e Pinzón (BROC 1981, p. 82; AVEZAC 1858, p. 3 e segs.). Coloca em causa a data de 1497 daquela expedição de Vespúcio ao sul dos Estados Unidos e ao golfo do Iucatão, afirmando que “Certamente tudo é possível no campo da fantasia; mas a crítica é mais exigente”. Depois de ter encadeado fatos, fontes e argumentos referentes a Colombo e Vespúcio, Avezac indica que a viagem que o autor brasileiro menciona ser de 1497 ocorreu em 1506 (AVEZAC 1858, p. 18-37, itálico meu).

Avezac abandona, pois, a metodologia de refutação empregue, em 1845-1846 e 1857, do que o visconde de Santarém e Francisco de Varnhagen escreviam. A estratégia de abordagem é serena, pausada, em nada confundível com a metodologia de defesa da mitologia das ilhas fantasmagóricas e imaginárias do Atlântico medieval (BROC 1981, p. 82). Vai, paulatinamente, deitando por terra várias teses referentes à

13 - Disponível em: https://goo.gl/bEJ-v7q. Acesso em 14 mai. 2018.

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pretensa viagem de Vespúcio de 1497, agora com recurso à cartografia consagrada, conforme Santarém e Jomard haviam realizado no passado: o mapamundo de Juan de la Cosa de 1500 e a carta de Ruysch de 1507 (AVEZAC 1858, p. 42 e 45). Uma das suas conclusões finais sobre a viagem de 1497 é a de que apenas a inversão singular das leis da razão a poderia legitimar enquanto fato histórico incontestado (AVEZAC 1858, p. 73-74, itálico meu).

Por essa amostra, podemos constatar que Avezac respondeu de modo firme e inequívoco a Varnhagen, em relação ao qual era mais velho quase duas décadas (tinham então, respetivamente, cinquenta e nove e quarenta e dois anos). O sábio francês adotou uma postura institucional, despersonalizou a polêmica, a qual termina com o seu texto, também porque o diplomata brasileiro é colocado em 1859 na América do Sul (LESSA 1961, p. 261). Ambos, em 1857-1858, praticamente ignoram o visconde de Santarém.

De 1839 a 1858, durante quase vinte anos, as referências que Francisco de Varnhagen fez ao visconde de Santarém sobre Américo Vespúcio contam-se pelos dedos de uma mão. De modo anónimo ou mencionando-lhe o nome, refuta a importância da ausência de informações sobre as viagens de Vespúcio, de 1501 e 1503, no arquivo central português (a Torre do Tombo) e na crónica de Damião de Góis dedicada ao reinado de D. Manuel I. Algo que o alemão Stefan Zweig, no século XX, vai corroborar, quando defende que “um dos mais ferozes adversários de Vespúcio [Santarém] imediatamente interpreta esta falta [silêncio documental] como prova concludente de que Américo inventara, portanto, as suas duas viagens realizadas […] com o apoio e auxílio financeiro de Portugal” (PROTÁSIO 2014, p. 34 ; ZWEIG 1942, p. 117-118, itálico meu).

É compreensível o esvaziar do contributo de Santarém na polêmica mantida entre Varnhagen e Avezac, quanto o historiador brasileiro foi

Breve roteiro da polêmica vespuciana, séculos XIX-XXI

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sistematicamente ignorado ou criticado pelo autor português. O silêncio do geógrafo francês, que foi seu colega na SGP, durante quase vinte anos, é mais difícil de entender. A intervenção do sábio português no estudo da polêmica vespuciana foi ignorada pela história da Geografia posterior. E quando não ignorada, criticada de forma violenta.

É o que se constata, quando se vê listada a bibliografia de Varnhagen (1865, 1869 e 1874), designada por “reabilitação rigorosa”; a de Henry Harrisse (1892 e 1900) e John Fiske (1892). E quando se consulta, em parte, a de Henry Vignaud (1917); de Alfredo Magnaghi (1924 e 1945); de Stefan Zewig (1942 na edição portuguesa); de Roberto Levillier (1948 e 1951) e de Jean-Paul Duviols (2005).

Esta lista de autores, compilada com quase um século de diferença (VIGNAUD 1917, p. 102; DUVIOLS 2005, p. 242-251), tem o grande defeito de ignorar autores portugueses conceituados das décadas de 1920-1940, como Carlos Malheiro Dias, Duarte Leite, Jaime e Armando Cortesão, Damião Peres (PERES 1949, p. 7-29) e Carlos Viegas Gago Coutinho (COUTINHO 1948, p. 7 e segs.).

O que mais sobressai desse confronto bibliográfico é a formação de um grupo de autores que, fundamentados em conhecimentos técnicos de náutica, geografia e cartografia, como Duarte Leite, os irmãos Cortesão, Damião Peres e Gago Coutinho, em Portugal e no Brasil, rejeitaram a possibilidade de grande parte dos relatos e viagens de Vespúcio serem verídicos e credíveis. Podemos designá-los como tecnicistas.

Pelo contrário, quem se centra em analisar os textos e as fontes e não os comentaristas dos mesmos (perspetiva partilhada por Varnhagen, Vignaud, Magnaghi e Levillier) constitui o grupo dos editorialistas. Não apresentam qualquer aparente dificuldade em afirmar como verosímeis cinco viagens de Vespúcio, tomando à letra o que o florentino escreveu.

Vivemos, na atualidade, a mesma diametria de parâmetros e de metodologias de abordagem que em 1520 era mantida a

Conclusões Finais

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propósito de Vespúcio, apesar de meio milénio passado. O que nos faz regressar às imagens de Vitorino Magalhães Godinho (“eterno retorno”) e de Stefan Zweig (“a velha interrogação”), citadas no início.

Dos três autores envolvidos no episódio dessa polémica de 1839-1858, Santarém, Varnhagen e Avezac, apenas o historiador brasileiro é considerado positivamente por autores como Vignaud (1917) e Duviols (2005): pela sua abordagem da história da literatura de viagens, bem como secundarização de silêncios documentais coevos, incongruências geográficas e erros técnicos evidenciados por Américo Vespúcio nos seus escritos. Varnhagen surge quase sempre como um precursor, citado antes de nomes como os de Harrisse, Fiske e Vignaud (LEVILLIER 1954, p. 408).

Pelo contrário, o visconde, que se centrou, sobretudo, na história da ciência, é classificado de forma sumária por Jean-Paul Duviols, sem se atender às suas convicções e percurso intelectual: “perseguidor de Vespúcio” e um dos “seus detratores ferozes”. Duviols cita Vignaud quando este último qualifica de “monomania” a intervenção “pré-conceituosa” do português na questão vespuciana (VIGNAUD 1917, p. 88). E transcreve as palavras de John Fiske (1892): “os seus escritos eram uma curiosidade literária de psicologia mórbida” (DUVIOLS 2005, p. 237-239).

O ceticismo metodológico de Santarém e de Avezac, quanto a uma ou a três das viagens de Vespúcio14 e a qualidade profissional em que as integrou, são olvidadas perante um discurso de Vespúcio, homem novo, obscuro, cujo nome merece muito mais designar a democracia norte-americana do que o de um rei ou conquistador (DUVIOLS 2005, p. 250, citando ZWEIG 1942, p. 166). A emoção e o nacionalismo parecem, assim, superar a racionalidade e procura transnacional por imparcialidade. Tal poderia decorrer dos contextos em que viveram o visconde de Santarém (1791-1856), Marie-Armand d’Avezac de Castera-Macaya (1799-1875) e Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) e das respetivas personalidades, cosmovisões e instituições científicas em que se integraram

14 - Três delas, no caso do português (1497, 1501 e 1503), uma, no caso do fran-cês (1497). Datam a suposta primeira viagem espanhola (1497), respetiva-mente, de 1504 e 1506.

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(ACL, IHGB, SGP). Mas, de algum modo, as suas diferenças e distâncias quanto às viagens de Vespúcio, em vez de se esbatarem e diminuírem com o tempo, aumentaram e solidificaram-se. De forma que a posteridade científica parece ainda não ter conseguido colmatar visões profundamente desavindas e, aparentemente, inconciliáveis, numa síntese integradora e enriquecedora.

ACADEMIA das Ciências de Lisboa. Cartas de Américo Vespúcio a Pedro Soderini…. Colecção de notícias para a história e geografia das nações ultramarinas que vivem nos domínios portugueses.... Tomo II, “Artigo extraído das atas da Academia das Ciências de Lisboa”. Número IV. Lisboa: na tipografia da mesma Academia. 1812; p. III-VII (Sebastião Francisco de Mendo Trigoso); p. 141-158.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ZWEIG, Stefan, Américo Vespúcio. Porto: Livraria Civilização, 1942. Disponível em: https://goo.gl/tk3uAg

RECEBIDO EM: 25/08/2017 | APROVADO EM: 13/04/2018

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Daniel Estudante Protá[email protected]ós-DoutoradoCentro de História da Universidade de LisboaAlameda da Universidade 1600-214, LisboaPortugal

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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RESUMO

ABSTRACT

KEYWORDS

PALAVRAS-CHAVE

Ouro Preto / MG - Brasil

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De historiadores y de los posibles usos de su saber: la contribución de los Congresos Internacionales de Historia de América en la conformación de una identidad americana (décadas de 1930 a 1960)Historians and the possible uses of their knowledge: The contribution of the International Congresses of the History of America in the conformation of an American identity (decades of 1930-1960)

El objetivo de este artículo es reflexionar sobre los sentidos e interpretaciones del pasado construidas y enunciadas desde el campo historiográfico, pero cuyo impacto trasciende las fronteras del mundo académico para reverberar en otros ámbitos. Un objeto privilegiado para aproximarse a esas dimensiones historiográficas son los congresos y reuniones científicas, especialmente aquellos donde la dimensión cognitiva, científica o pedagógica del saber se conjuga con la intervención pública, la política o la diplomacia. Analizaremos los Congresos Internacionales de Historia de América celebrados en Buenos Aires entre las décadas de 1930 y 1960. En ellos, los historiadores, apoyados en la legitimidad de su saber, diseñaron intervenciones en las que la historia ocupó un lugar central, contribuyendo, con argumentos y motivos historiográficos, a establecer algunos sentidos sobre la identidad americana, sobre el pasado y el futuro del continente y sobre su papel en el concierto internacional.

Historiografía; Historia de América; Congresos científicos.

The objective of this article is to reflect on the meanings and interpretations of the past built and enunciated in the historiographical field, but whose impact transcends the boundaries of the academic world to reverberate in other spaces. Congresses and scientific meetings are privileged means to approach these historiographical dimensions, especially those where the cognitive, scientific and pedagogical dimension of knowledge are conjugated with public intervention, politics or diplomacy. We will analyze the International Congresses of the History of America held in Buenos Aires between the decades of 1930-1960. In these congresses, historians, supported by the legitimacy of their knowledge, designed interventions in which history had a central place, contributing with historiographical arguments and reasons to establish some meanings about the American identity, about the past and the future of the continent and about its role in the international context.

Historiography; History of America; Scientific congresses.

Martha Rodriguez

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Martha Rodriguez

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En las últimas décadas, la historia de la historiografía ha asistido a una dilatación de su campo temático, superando las limitaciones contenidas en el énfasis por las constelaciones de ideas de los cultores de la historia. Reivindica como objetos territorios más vastos: las diferentes formas de gestión del conocimiento histórico, los modos de construcción y circulación de los relatos históricos, los complejos vínculos entre la historiografía profesional y otras construcciones sobre el pasado y sus usos públicos.

Este artículo se inscribe en esos desplazamientos, pues nos proponemos reflexionar desde una perspectiva historiográfica sobre los vínculos entre la actividad académica y profesional de los historiadores y el mundo extrahistoriográfico. Nos detendremos en particular sobre sentidos, interpretaciones e imágenes del pasado construidas y enunciadas desde el campo historiográfico, pero cuyo impacto trasciende las fronteras del mundo académico para reverberar en otros ámbitos.

Durante buena parte del siglo XX fueron habituales los eventos donde la producción y circulación de conocimiento histórico construido por reconocidos profesionales de la disciplina fueron más allá de la dimensión cognitiva o pedagógica. Congresos y reuniones académicas desbordaron en varias ocasiones los ámbitos en los que fueron diseñados y la estricta función científica para impactar en la opinión pública, la política nacional o la diplomacia internacional.1

Desde las últimas décadas del siglo XIX, los congresos adquirieron una centralidad hasta entonces desconocida en el mundo científico. Alentados por el proceso de profesionalización disciplinar que estaba teniendo lugar en los distintos campos del saber — y al que contribuirían en forma directa —, en su seno se desplegaron simultáneamente las variadas aristas del campo científico: tanto el debate colectivo, la investigación y los avances científicos, como las disputas por el reconocimiento, la consagración y el poder e, incluso, la voluntad de exhibir ante

1 - Citamos aquí sólo dos ejemplos referidos al ámbito americano. En el III Congreso Científico Panamericano, reali-zado en Lima en 1924, el historiador argen-tino Ricardo Levene presentó un proyecto para la redacción de un manual de histo-ria americana desti-nado a la enseñanza media. Aprobado en la sesión plenaria, se creó una comisión de cinco historiadores encargados de la re-dacción de la obra en el plazo de tres años para su uso en las escuelas de todos los países americanos. Aunque el proyec-to nunca se concretó plenamente, su sola propuesta refuerza la hipótesis plantea-da. En el I Congreso de Historia Nacional y en la VII Conferencia Internacional Ameri-cana, organizados en Montevideo en 1928 y 1933, respectivamen-te, los historiadores participantes reco-mendaron a los Es-tados americanos es-trechar las relaciones por medio de tratados que contemplaran la revisión de los libros de texto de historia y geografía. Algunos se materializaron en la década siguiente, como se verá más adelante.

Los congresos científicos como objeto de estudio

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los poderes públicos — y ante la opinión pública en general — lo producido puertas adentro de la academia. Pensados generalmente con una lógica ecuménica — como la ciencia misma —, la escala internacional reforzó la idea de un campo científico reunido en torno de un mismo propósito que excedía — y minimizaba — la adscripción nacional de sus integrantes. Aunque limitaciones y restricciones formales e informales operen en la práctica para poner en cuestión ese ecumenismo, tensionado entre intereses — y rivalidades — nacionales y el ideal de una ciencia universal, tal como lo demuestran varios de los estudios sobre los Congresos Internacionales de Historia (BLÄNSDORF 2010; HÜBINGER; PICHT; DABROWSKA 2010; ERDMANNT 2005), es innegable que constituyeron una de las expresiones de la internacionalización del campo científico desde fines del siglo XIX (GINGRAS 2002).

Hasta hace un par de décadas, las investigaciones históricas repararon en los congresos científicos fundamentalmente por la información que ofrecen sobre las áreas del saber a las que se aplican y los aportes científicos que estimulan. Sin embargo, en los últimos años se profundizó y amplio el interés por ese objeto no solo cuantitativamente, sino atendiendo al valor que encierran en sí mismos como instancias de formalización a partir de las cuales aprehender formas y mecanismos de la vida intelectual, de los campos profesionales y de las disciplinas académicas (PROCHASSON 1989).

En tanto organizaciones dotadas de continuidad institucional, expresada generalmente en un órgano permanente con estatus jurídico, autoridades y regularidad en sus ediciones, los congresos científicos, tomados como objeto de estudio, permiten analizar cuestiones tan variadas como prácticas sociales, redes científicas nacionales e internacionales, vectores de transferencia de saberes o la importancia relativa de cada comunidad científica nacional en las distintas áreas del conocimiento (FEUERHAHN; RABAULT-FEUERHAHN 2010).2

Ha sido largamente estudiado el rol de los historiadores y de la historia en la construcción de tradiciones identitarias en los

2 - Según señalan Feuerhahn y Rabault--Feuerhahn (2010), las investigaciones desde esas nuevas perspec-tivas fueron práctica-mente inexistentes hasta la última década del siglo XX y relativa-mente poco exploradas hasta hace unos 10 años. Entre las exis-tentes, pueden citarse los trabajos reunidos en: “Les congrès lieux de l’échange intellec-tuel 1850-1914”, Mil Neuf Cent, 1989; “Les congrès scientifiques internationaux”, en Relations internatio-nales sur, 1990; “La fabrique internationale de la science”, Revue Germanique interna-tionale, 2010. Tambi-én hay algunas obras dedicadas al estudio de congresos con cen-tralidad en los campos disciplinares. Para el campo historiográfico, los Congresos Inter-nacionales de Historia, organizados por el Co-mité Internacional de Ciencias Históricas, y los Congresos Inter-nacionales de Ame-ricanistas concitaron alguna atención (LÓ-PEZ-OCÓN 2002; ERD-MANNT 2005; LAURIE-RE 2010).

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orígenes de los Estados nacionales. Y la forma en que, en ese contexto, la historia se convirtió en una disciplina profesional, en un saber científico al que se le adjudicó capacidad para reconstruir con objetividad el pasado. Los Estados nacionales apoyaron y se valieron del estatus alcanzado por la historia, demandándole a sus cultores colaboración en la tarea de nacionalización de las masas y, más tarde, en la de fortalecer otros sentimientos de pertenencia o bien determinados valores. Esas demandas estatales y la dimensión bifronte — científica y pedagógica — que los historiadores le asignaron a su profesión, contribuyeron a potenciar el prestigio social y el impacto extracadémico de la ciencia histórica. En ese sentido, los congresos de historia se destacan entre sus pares de otros campos por su riqueza y valor para el análisis de los vínculos entre el mundo académico y otros ámbitos.

En este artículo nos concentraremos en el análisis de tres ediciones de los Congresos Internacionales de Historia de América celebrados en Argentina: el Segundo Congreso Internacional de Historia de América (el primero organizado en la Argentina), planificado como parte de los actos oficiales por el IV Centenario de la primera fundación de Buenos Aires en 1937 (aunque la conmemoración fue en 1936, las actividades conmemorativas se extendieron más allá de ese año); el Tercer Congreso, desarrollado como parte de la conmemoración del sesquicentenario de la Revolución de Mayo en 1960; y el Cuarto, organizado como parte de los festejos por el sesquicentenario de la independencia en 1966.3

En ellos, los historiadores, apoyados en la legitimidad de su saber, diseñaron intervenciones en las que la historia ocupó un lugar central. Y aunque los sentidos conferidos al pasado no los imponen solamente — y ni siquiera centralmente — los historiadores, esa gestión de la historia contribuyó con argumentos y motivos historiográficos a establecer algunos principios sobre la identidad americana, sobre el pasado y el futuro del continente y sobre su papel en el concierto internacional. En ese marco se desplegó un conjunto de

3 - En total, se reali-zaron seis ediciones: una en Brasil, una en Perú y cuatro en Bue-nos Aires. En artículos anteriores hemos re-flexionado sobre los vínculos entre este tipo de eventos, las conmemoraciones y la historiografía, a la vez que desarrolla-mos un análisis por-menorizado de cada uno de los congresos (RODRIGUEZ 2016; 2017; 2018). Para un estudio de los víncu-los entre conmemo-raciones, política y diplomacia, ver OR-TEMBERG (2014).

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propuestas que dieron pie al debate sobre los usos que la historia podía tener para dichos fines.

Atentos a esos objetivos, y aun a riesgo de opacar matices, priorizaremos aquí la reflexión de conjunto y las comparaciones por sobre el estudio exhaustivo de cada uno de los tres congresos. Aunque exploraremos las distintas coyunturas y los desplazamientos de sentido entre uno y otro, especialmente en lo referido a la identidad americana, privilegiaremos una aproximación general por sobre las diferencias.

Hacia fines de la década de 1910 comenzó a emerger un horizonte caracterizado por nuevas sensibilidades en el mundo cultural e intelectual americano. El fin de la Primera Guerra Mundial generalizó ciertas imágenes asociadas al suicidio de la civilización o al fin del progreso y, especialmente, a la decadencia de la vieja Europa, conmovida en sus cimientos por la guerra. Frente a ese panorama, América emergía, por contraste, como un continente joven, repleto de promesas de futuro. El fracaso europeo de la Gran Guerra abría para algunos intelectuales la oportunidad para América de asumir un liderazgo civilizatorio ante el mundo, presentado en variantes que pasaban por el latinoamericanismo, hispanoamericanismo, indoamericanismo o panamericanismo.

En ese contexto, desde los años 1920, Estados Unidos desplegaba su política de “buena vecindad” dirigida a reestablecer los vínculos con los países del continente. Trataba con ese cambio de disminuir la animosidad generada por su política exterior de intervención en la región y su afán de liderazgo continental. Esta política suponía defender los intereses norteamericanos por medios más sutiles que los empleados hasta el momento y estimular, al mismo tiempo, un panamericanismo que descansaba en la idea de una comunidad

Políticas culturales de cooperación internacional entre la primera posguerra y la guerra fría

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de intereses compartidos y un pasado común.4

También en las primeras décadas del siglo XX, en algunos sectores intelectuales y políticos españoles había ido cobrando forma una propuesta “regeneracionista” destinada a recuperar el sentido nacional y el prestigio internacional perdido a partir de la revalorización de los lazos tejidos con los territorios americanos a lo largo de los cuatro siglos de vínculo colonial. Sus ejes eran el rescate de la comunidad cultural de origen, el valor del idioma común, la reivindicación de la civilización latina frente a la anglosajona y la recuperación de la obra realizada por España durante la colonia, lo que implicaba rectificar la leyenda negra (DEL ARENAL 1994; PEREZ HERRERO; TABANERA 1993; PRADO 2010).

Lo cierto es que, al amparo de las reflexiones abiertas por la Primera Guerra Mundial, pero también por aquellas estimuladas por el ascenso de los fascismos, la exaltación desmesurada del nacionalismo y la rivalidad entre naciones, comenzaron a ser objeto de atención creciente en el mundo intelectual, en el diseño de políticas públicas y en las relaciones internacionales las investigaciones sobre la creación y difusión de esas ideas y sobre cómo contrarrestarlas. El despliegue de políticas culturales de cooperación y tolerancia destinadas a diluir rivalidades entre naciones se materializó, por ejemplo, en la creación de comisiones nacionales para estudiar los contenidos transmitidos por la escuela o en la firma de acuerdos bilaterales o conjuntos de trabajo sobre esos tópicos. Este movimiento también es perceptible en la importancia concedida por algunos gobiernos a las recomendaciones de congresos y conferencias internacionales. La construcción de esa diplomacia cultural se desplegó a partir de la década de 1920 con particular intensidad.5

A instancias de Argentina, se firmó en 1933 un convenio con la República de Brasil que disponía la revisión periódica de los textos de Historia y Geografía utilizados en el sistema educativo. El mecanismo para materializar ese acuerdo fue la creación de comisiones revisoras de la enseñanza de la Historia

4 - Esta política no bastó para superar las reticencias lati-noamericanas hacia Estados Unidos. Aun-que la “buena vecin-dad” y el ascenso de los fascismos dismi-nuyeron la animosi-dad, desde mediados de los años 1920, el antiyanquismo fue una dimensión visible en algunos sectores de la cultura latino-americana (BERGEL 2011). Con el tiempo, sin embargo, tanto los gobiernos lati-noamericanos como amplios sectores de esas sociedades se fueron involucrando en intercambios cada vez más profundos con EEUU, sobre todo a partir de mediados de la década de 1930 (PERNET 2007). So-bre la constitución de un temprano latino-americanismo cultu-ralista en el contexto de la emergencia de los EEUU como una potencia hegemóni-ca, puede consultar-se SCARFI; PREUSS (2013); PITA GON-ZALEZ; MARICHAL (2012) y el clásico trabajo de NINKOVI-CH (1981).

5 - Para un análisis de las relaciones político--culturales entre Eu-ropa y América Latina en este período, ver PERNET (2007); y, entre EEUU y América Latina, PITA GONZA-LEZ (2017).

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y de la Geografía americanas en ambos países.6

Las tareas desarrolladas por la comisión argentina en sus dos primeros años de existencia y la aceptación de sus propuestas en el seno del gobierno nacional estimularon a sus miembros a emprender tareas más ambiciosas. En julio de 1936, su presidente, el historiador Ricardo Levene, le propuso al ministro de Relaciones Exteriores aprovechar la Conferencia Interamericana de Consolidación de la Paz, que se realizaría unos meses más tarde en Buenos Aires, para organizar una reunión de delegados de los Ministerios de Instrucción Pública de los países americanos.7 El temario propuesto giraba alrededor del establecimiento de acuerdos para realizar una revisión de libros de texto de Historia y Geografía en toda América y para difundir las obras de autores americanos por medio de las escuelas (LEVENE 1942).

En la sesión de clausura de la Conferencia, el delegado de Venezuela, el Dr. Zèrega Fombona, propuso que se incluyera en actas la recomendación a los gobiernos de América de designar a la brevedad representantes para el II Congreso Internacional de Historia de América, que se realizaría en Buenos Aires al año siguiente. Sostenía que varias de las resoluciones votadas en esa conferencia tenían su base material, técnica y moral en dicho congreso y que, por lo tanto, su buen funcionamiento haría más visibles los proyectos de la Conferencia.

Esas y otras iniciativas de similar tenor confirman la firme política de intervención de los historiadores argentinos en eventos internacionales — especialmente los vinculados al mundo americano — y la importancia que tuvo esa participación en algunos aspectos de la política exterior. Esa diplomacia cultural descansaba sobre la convicción de la importancia de estimular la conciencia histórica.

En el ámbito local, el papel desempeñado por los historiadores en la esfera internacional y en instancias político-diplomáticas fue posible gracias a la consolidación del proceso de profesionalización y al entramado de un sistema de

6 - La comisión ar-gentina estaba for-mada por R. Levene, F. Outes, F. Daus, C. Correa Luna y E. Ra-vignani. La de Brasil la integraban A. Tau-nay, J. Serrano, R. Gabaglia, S. Docca, O. Rosa, P. Calmon, Moniz de Bittencourt, F. Hermes y R. Men-doça.

7 - La Conferencia ha-bía sido propuesta por el presidente nortea-mericano F. D. Roose-velt, quien inauguró las sesiones junto al presidente Agustín P. Justo el 1º de diciem-bre de 1936. Para el gobierno argentino, decidido a reforzar su política de reinserci-ón internacional, ese evento revistió una gran centralidad.

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relaciones académicas, personales e institucionales controladas por historiadores de la denominada Nueva Escuela Histórica (DEVOTO; PAGANO 2009; CATTARUZZA; EUJANIAN 2003). Sus miembros habían logrado, para la década de 1930, el control de buena parte de las instituciones y empresas historiográficas y compartían una serie de premisas sobre la historia. En primer lugar, consideraban que la historia era una ciencia que, practicada según un canon metodológico riguroso, podía producir un relato objetivo — y por lo tanto verdadero — sobre el pasado. En segundo lugar, que la investigación histórica tenía un costado científico pero también uno pedagógico, cuyas virtudes cívicas y patrióticas hacían imprescindible la intervención de los historiadores en todas aquellas instancias e instituciones vinculadas a la construcción y difusión de una conciencia histórica.

El II Congreso Internacional de Historia de América y, luego, sus siguientes ediciones a lo largo del siglo XX constituyeron uno de los ámbitos en los que se desplegó con visibilidad y amplitud lo que denominamos embajada historiográfica, gestada por historiadores argentinos, pero compartida ampliamente por el conjunto de los representantes americanos.

A diferencia de la situación descrita, el contexto político-cultural en el que se desarrollaron el III y IV Congreso Internacional de Historia de América fue completamente diferente al de 1937. Desde mediados de siglo XX, la situación política se había transformado profundamente en Argentina, en América y en el mundo. El huracán de la modernización y la radicalización del cambio avanzaban en Occidente, expandiéndose a universos variados. El clima mundial enfatizaba el pasaje a la acción y la violencia política como el recurso posible — cuando no la ultima ratio — para la transformación social. El éxito de la Revolución cubana en 1959 mostraba que esas opciones no eran solo utopías para América. La salida revolucionaria, más allá de sus formas concretas, ganaba adeptos pero también generaba reacciones a gran escala (TERAN 2008). En el contexto del enfrentamiento ideológico característico de la guerra fría, la creación de la Alianza para el Progreso, la difusión de la doctrina de la seguridad nacional

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y el creciente predominio de las fuerzas armadas en Latinoamérica convergían como respuestas ante ese escenario inquietante.

Esa tensión creciente estimuló también el trabajo de nóveles organismos internacionales, centros académicos y fundaciones en pos de investigaciones, instrumentos y materiales que permitieran avanzar en la creación de consensos y en la colaboración entre naciones, aunque esos se pensaran desde la retícula intelectual provista por el mundo occidental. En ese marco, el interés por el estudio de los sistemas educativos y todas aquellas instituciones vinculadas a la construcción de una cultura histórica y cívica cobraron un nuevo impulso. La UNESCO, la OEA, la OEI, el Consejo de Europa fueron promotores importantes de esas investigaciones y, bajo su influencia, fueron retomadas por gobiernos, universidades y academias (UNESCO 1950).

La Argentina también transitaba en esos años por un convulsionado escenario político. El golpe de Estado contra el gobierno de Juan Perón, producido en 1955, había profundizado el creciente predominio de las fuerzas armadas y sellado la proscripción del peronismo, dos elementos que condicionarían los procesos políticos y sociales de los años siguientes. A mediados de la década siguiente, el desprestigio del sistema de partidos, la inestabilidad política, el avance de concepciones que sustituían la política por administración y legitimaban la intervención militar con el argumento del peligro que enfrentaban los valores occidentales y cristianos, decantaron en un generalizado apoyo a propuestas de modernización autoritaria del país.8

Los Congresos Internacionales de Historia de América estuvieron, desde sus inicios, asociados a actos conmemorativos. El primero de la serie se había celebrado en Río de Janeiro en septiembre de 1922 con motivo del centenario de la Emancipación de Brasil (PASCHOAL GUIMARÃES 2005). Su organización había quedado en manos del Instituto Histórico

8 - El gobierno ema-nado de la Revoluci-ón argentina en 1966 procedió a la interven-ción de las universi-dades nacionales para limpiarlas “de toda ideología marxista”. El hecho más difundi-do de esa política, la “Noche de los Basto-nes Largos”, abrió un proceso de renuncia en masa —especial-mente significativo en la Universidad de Buenos Aires— de una parte importante de los planteles de do-centes e investigado-res, afectando parti-cularmente a aquellos vinculados a las expe-riencias de renovaci-ón y modernización del campo científico y cultural abiertas en 1955 y que habían te-nido notable impacto en las ciencias socia-les.

Los Congresos Internacionales de Historia de América

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y Geográfico Brasileño, una de las primeras instituciones latinoamericanas dedicadas al estudio del pasado nacional a partir de una labor erudita y heurística. Atento a los lazos que unían esa institución a la Junta de Historia y Numismática Americana y a los historiadores argentinos en pleno proceso de profesionalización, su comisión organizadora invitó al historiador argentino R. Levene a incorporarse al evento en calidad de vicepresidente.

A instancia suya, en las sesiones plenarias se decidió que el congreso funcionase con carácter permanente y se designó a Buenos Aires como anfitriona-organizadora del siguiente. La fecha prevista era el 25 de mayo de 1923. Sin embargo, problemas de diversa índole conspiraron contra la realización en esa fecha. Quince años más tarde la coyuntura era bien diferente. A la consolidación del campo profesional y al ascenso de sus figuras centrales a posiciones expectables, se sumaba la afinidad de la Junta de Historia y Numismática Americana con los gobiernos conservadores, especialmente la del presidente de la institución, R. Levene, con el presidente de la Nación, el General Agustín P. Justo. Por eso, no fue sorprendente que un congreso de historia fuera uno de los eventos centrales entre los organizados para conmemorar el IV centenario de la primera fundación de la ciudad de Buenos Aires.

El II Congreso Internacional de Historia de América se gestó, así, como iniciativa de la Junta de Historia y Numismática Americana, elevada al año siguiente al rango de Academia Nacional de la Historia (ANH), pero con el carácter poliédrico que le confería su condición simultánea de reunión científica, acto conmemorativo y gestión diplomática. Esta impronta marcará el desarrollo de dicho congreso y de las siguientes ediciones, que oscilarán intermitentemente entre historiografía, conmemoración y política.

El presidente Justo emitió un decreto, el 14 de enero de 1937, que oficializaba el II Congreso sobre la base de su trascendencia como acto conmemorativo, empresa cultural e historiográfica y estímulo para la consolidación de la solidaridad continental.

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Esa normativa establecía la convocatoria, por intermedio del Ministerio de Relaciones Exteriores, a las universidades y academias de historia de todos los Estados americanos y España e invitaba a las escuelas dependientes del Ministerio de Justicia e Instrucción Pública a designar profesores de historia para participar de la sección “Metodología de la enseñanza de la historia americana y revisión de textos”. La comisión organizadora del congreso fue presidida por Levene, mientras que las vicepresidencias quedaron a cargo de reconocidos historiadores de todo el continente.9

La convocatoria tuvo gran acogida en el país y en toda América a juzgar por la amplitud de instituciones que respondieron a la invitación. Buena parte de los gobiernos provinciales, universidades y academias nacionales, filiales provinciales de la Junta de Historia y Numismática Americana, archivos, bibliotecas y museos provinciales y nacionales, la Comisión Nacional de Cooperación Intelectual y la Escuela Superior de Guerra enviaron representantes. A ellos se sumaron los representantes oficiales y de universidades de Estados Unidos, México, Guatemala, El Salvador, Colombia, Venezuela, República Dominicana, Cuba, Nicaragua, Costa Rica, Panamá, Brasil, Ecuador, Perú, Bolivia, Paraguay, Chile, Uruguay y España.

El evento se desarrolló entre el 5 y el 14 de julio de 1937. En la apertura estuvieron presentes el presidente Justo, el ministro de Justicia e Instrucción Pública, Jorge de la Torre, el de Interior, Manuel Alvarado, el de Agricultura, Miguel A. Cárcano, el intendente municipal, M. de Vedia y Mitre, el cardenal primado, monseñor Copello, una cantidad importante de diputados y senadores, miembros del cuerpo diplomático argentino y embajadores de países americanos.

En el caso del III Congreso Internacional de Historia de América, la Comisión Nacional Ejecutiva de Homenaje al 150º aniversario de la Revolución de Mayo promovió la iniciativa propuesta originalmente por Levene en 1958, poco antes de que falleciera, oficializando el evento como parte central de

9 - Clarence Haring y Percy Alvin (EEUU), Alfonso Reyes y Tou-ssaint (México), José Rodríguez (Vene-zuela), Max Fleiuss y Pedro Calmon (Bra-sil), Antonio Pons y José Navarro (Ecua-dor), Felipe Barreda Laos y Horacio Urte-aga (Perú), Alcides Arguedas (Bolivia), Luis Barros Borgoño y Domingo Amunáte-gui Solar (Chile), Fe-lipe Ferreiro y Mario Espalter (Uruguay), Rómulo Carbia y Emi-lio Ravignani (Argen-tina).

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los festejos y sosteniéndolo económicamente. La convocatoria formal invitaba a archivos, museos, juntas de estudios históricos, bibliotecas nacionales y provinciales, comisiones nacionales con jurisdicción sobre museos y patrimonio, universidades, institutos de investigaciones históricas, revistas de historia, centros y círculos de las FFAA, así como a las áreas de cultura y educación de los gobiernos nacional y de la provincia de Buenos Aires. También se participó a instituciones americanas y españolas vinculadas al quehacer historiográfico, a las que se sumaba, como una novedad de esta edición, la invitación a otras de origen francés vinculadas a la investigación y la enseñanza de la historia americana.

Las sesiones del III Congreso se llevaron a cabo entre el 12 y el 17 de octubre de 1960. La inauguración se produjo con la presencia de autoridades del gobierno nacional y del poder ejecutivo y legislativo de la Municipalidad de la Ciudad de Buenos Aires, funcionarios de las áreas de cultura y educación, más de sesenta historiadores provenientes de Brasil, Colombia, Chile, Perú, Ecuador, España, EEUU, Francia, Haití, México, Paraguay, Perú, Uruguay, Venezuela y centenares de historiadores locales. Las autoridades nacionales intervinieron activamente mediante los discursos de Luis Mc Kay, ministro de Educación, en la inauguración, y de Alfredo Vìtolo, ministro de Interior y presidente de la Comisión Nacional Ejecutiva de Homenaje al 150º aniversario de la Revolución de Mayo, en la clausura.

El IV Congreso, que contó con el auspicio y el apoyo de la Comisión Nacional Ejecutiva del Sesquicentenario del Congreso de Tucumán y de la Declaración de la Independencia, sesionó entre el 5 y el 12 de octubre de 1966. Aunque entre los preparativos iniciales del evento y su concreción mediaron una serie de acontecimientos políticos imprevistos, ni el golpe de estado que derrocó a Arturo Illia ni la intervención a las universidades nacionales alteraron las actividades previstas por los organizadores. La inauguración se produjo con la presencia de autoridades del gobierno nacional — entre ellas, el general Onganía, a cargo de la presidencia luego del golpe —, y, como

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ya era habitual en estos congresos, con la participación de funcionarios de las áreas de cultura y educación, miembros de la ANH, del resto de las academias nacionales, representantes de un conjunto de universidades, institutos de investigaciones históricas, archivos, museos, bibliotecas, revistas de historia e instituciones de las fuerzas armadas. A ellos se sumaban casi un centenar de historiadores vinculados a entidades dedicadas a los estudios americanistas de Alemania, Bolivia, Brasil, Canadá, Costa Rica, Colombia, Chile, República Dominicana, Ecuador, España, Estados Unidos, Francia, Inglaterra, México, Panamá, Paraguay, Perú, Puerto Rico, Suecia, Uruguay y Venezuela.

Es significativo el estímulo creciente a extender invitaciones y fomentar la participación de países no pertenecientes al mundo iberoamericano. Esto rompía con la tradición inaugurada en la I y II edición, que restringía — no formalmente, pero sí en la práctica, por medio de las invitaciones oficiales — la participación a ese universo. El cambio, perceptible ya en el III Congreso pero profundizado en el IV es, como veremos, atribuible en gran medida a las transformaciones mundiales operadas desde mediados del siglo XX, especialmente la consolidación de un mundo bipolar y, consecuentemente, el realineamiento de la historia americana — y, en particular, de la herencia hispánica — en la genealogía del mundo occidental.

Tanto en el congreso de 1937 como en los de 1960 y 1966, es sintomático el vínculo entre el sector hegemónico del campo historiográfico local, representado institucionalmente por la ANH, y los poderes públicos, aunque el signo político de éstos últimos variara notablemente entre una y otra edición, incluyendo gobiernos democráticos y dictaduras. Los congresos contaron, en las actividades de apertura y cierre — y, en algunos casos, también en las sesiones —, con la presencia de altas autoridades del poder ejecutivo nacional, embajadores y funcionarios provinciales y locales. Varios de ellos intervinieron activamente con discursos y participaron en las actividades extraacadémicas.10 Más allá de afanes conmemorativos y de consensos interpretativos y pedagógicos, a ello sin duda

10 - El programa de los congresos no sólo incluía actividades académicas: visitas culturales, banquetes y reuniones sociales con autoridades y ex-cursiones turísticas se sucedían a lo largo de los días que dura-ba el evento — nun-ca menos de ocho —, contribuyendo a la so-ciabilidad de la comu-nidad internacional de historiadores.

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contribuyó el que varios historiadores, a la vez conspicuas autoridades de la ANH, integraran también las respectivas comisiones nacionales de homenaje o fueran funcionarios públicos. Casos como los de Carlos Pueyrredon y Ricardo Levene, en el II Congreso, o el de Roberto Etchepareborda y Ricardo Caillet Bois, en el III, son algunos ejemplos en ese sentido.11

Sin embargo, quizá lo más significativo de las continuidades encontradas entre las distintas ediciones del Congreso Internacional de Historia de América esté dado por el énfasis puesto en explotar los alcances de las reflexiones e investigaciones científicas más allá de los límites de la academia. Los congresos fueron pensados por sus organizadores y vistos por el mundo político y académico como espacios de convergencia de una multiplicidad de objetivos. A la reflexión histórica, el estímulo a las investigaciones originales sobre la historia americana y la sociabilidad académica que caracterizan cualquier congreso científico de este tenor, se le sumaba la faceta identitaria y diplomática, expresada en la defensa de la cooperación internacional y la solidaridad entre los Estados americanos.

La condición de posibilidad para la convergencia de esos objetivos descansaba en la convicción de que verdad histórica e interés nacional/regional podían conciliarse. Y en la de que el ejercicio de la profesión tenía un costado científico y otro pedagógico y que, por lo tanto, la búsqueda de la “verdad histórica” era perfectamente compatible con el amor a la patria y éste, bien entendido, maridaba sin dificultades con ideales de factura americana. La pertenencia a un colectivo americano no competía con las identidades nacionales, sino que se apoyaba sobre ellas y su historia. Era el desconocimiento o, en todo caso, el mal conocimiento, el que fomentaba las rivalidades y recelos, y no las diferencias ideológicas, los proyectos políticos o las voluntades de liderazgo. La búsqueda de la objetividad conducía a un mismo tiempo al desarrollo de un trabajo científico y a la solidificación de una identidad nacional y americana. Investigación, docencia, patriotismo y espíritu americano se entramaban sin dificultad.

El caso de Roberto Et-chepareborda es pa-radigmático de esta situación. Era miem-bro de la Comisión Nacional de Homena-je y de la ANH, pero, además, diplomático, ministro, concejal y presidente del Con-cejo Deliberante de la Ciudad de Buenos Aires y mantenía vín-culos estrechos con políticos e intelectu-ales cercanos al pre-sidente Arturo Frodizi. En 1960, su decidida labor garantizó el es-pacio del Concejo Deliberante para el Desarrollo del Con-greso y la organiza-ción de una variedad de actividades cultu-rales y sociales para los invitados. Aunque excede los objetivos de este trabajo, nos permitimos hipote-tizar que ese víncu-lo entre los sectores más significativos del campo historiográfico y el poder político y la consecuente inter-vención de los histo-riadores profesionales en el ámbito público, político o diplomáti-co, es un fenómeno en franco retroceso a partir de la déca-da de 1970, por lo menos en Argentina. Es probable que al-gunas de las causas estén vinculadas con las transformaciones operadas en el cam-po historiográfico a partir de la reapertura democrática en 1983, especialmente con la forma de concebir el trabajo del historia-

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En lo que resta del artículo nos concentraremos en las características de esa identidad americana y en sus deslizamientos, reconfiguraciones y reelaboraciones historiográficas a lo largo de los tres congresos.

Durante la apertura del II Congreso en 1937, su presidente, el historiador R. Levene, destacaba con satisfacción la superación de una etapa en la que la historia del continente era escrita a partir de la tensión y el conflicto entre los países: “Era en parte la historia de la América inglesa contra la América latina o viceversa; la historia de la América hispánica contra la portuguesa y chocaban entre ellos la mayoría de los historiadores de pueblos de habla castellana […]” (LEVENE 1938, p. 29).

La razón de esa transformación la relacionaba con el despliegue de una nueva concepción histórica, difundida gracias a la profesionalización disciplinar que se estaba llevando adelante en toda América. Apoyada en la aplicación de los métodos eruditos de investigación y crítica, permitía elaborar una historia de las unidades americanas en su diversidad y en su totalidad. Los procedimientos de investigación aseguraban alcanzar la verdad histórica y realizar una historia comprensiva y de síntesis. Al mismo tiempo, un nuevo compromiso pedagógico de los historiadores con la cultura histórica contribuía a su difusión.

Por sobre las diferencias geográficas, raciales, económicas y políticas, las investigaciones históricas demostraban para Levene la unidad histórica de carácter moral que distinguía al mundo americano. Esa historia compartida, que ligaba estrechamente a las naciones americanas, no hacía más que señalar cómo “Los Estados libres de este Continente marchan hacia la plena realización de su soberanía económica y espiritual y la historia es la unión entre ellos como fuente eterna de verdad y patriotismo” (LEVENE 1938, p. 35).

dor y su vínculo con la sociedad y la política por parte de quienes detentaron posiciones hegemónicas en dicho campo a partir de ese momento. Esta situa-ción parece estar re-virtiéndose en los úl-timos años, pero por motivos diferentes a los analizados aquí.

La identidad americana

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La idea de una unidad histórica y la consecuente y natural vocación americanista de los países del continente fue reforzada por otros oradores. El representante de Estados Unidos e invitado de honor, Clarence Haring, afirmaba que

La América española y la América inglesa son ambas el producto de la frontera. Ambas han estado condicionadas en el pasado de las circunstancias sociales y políticas que acompañan a la conquista material de un continente virgen; ambas encaran los mismos problemas políticos y sociales en el presente (HARING 1938, p. 41).

Más emotivo y explícito aún, el Dr. P. Calmon, representante de Brasil y también invitado de honor, iniciaba su interpelación al auditorio exclamando:

Es privilegio de nuestro continente este parentesco indisoluble […] el sentido de su civilización es una profunda y natural solidaridad entre nuestros países, en cuyo sincronismo adivinamos el mismo drama social, igual aventura creadora, equivalente formación histórica. Somos, en este mundo nuevo, la humanidad nueva (CALMON 1938, p. 44).

Ese sustrato común a todo el continente daba un aval histórico a opciones políticas presentes:

La hora de la reconquista decisiva, de la América para los americanos, sonó en modo semejante. […] De hecho nos comprendemos tan bien, que nunca un prócer americano, en la victoria o en la desgracia […] se juzgó extranjero en país vecino. Los caballeros medioevales se hermanaban por la cruz; nosotros nos fraternizamos en la liberación” (CALMON 1938, p. 46).

La opción americanista — o panamericanista — se presentaba, así, más que como posibilidad, como destino ineluctable. El “monroismo no es, así, una novedad sino una verificación. Habíamos formado, más que nuestra espiritualidad, nuestro sistema. Éramos para los americanos forjados al calor de tantas turbulencias cívicas, la libre América” (CALMON 1938, p. 46).

Esa idea de que el espíritu de confraternidad americana

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De historiadores y de los posibles usos de su saber: la contribución de los Congresos Internacionales de Historia de América en la conformación de una identidad americana (décadas de 1930 a 1960)

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estaba basada en la necesaria pero también inevitable unidad americana, sobrevoló todo el II Congreso. Las presentaciones y discursos enfatizaban aquellos elementos de la historia americana que acercaban a los Estados: su carácter de naciones independientes forjadas al calor de la disolución del vínculo colonial europeo y de las necesidades emanadas de los avatares de la construcción de nuevas naciones. En esa perspectiva, las identidades nacionales y la regional, lejos de generar tensiones y recelos, se afianzaban mutuamente. Del mismo modo, se minimizaban las divergencias entre las dos Américas, pues, a diferencia de otras opciones como el hispano o el latinoamericanismo, el americanismo compartido no excluía a nadie en el continente.

Sin embargo, eso no significó el rechazo a la herencia hispana de los países que la poseían, ni tampoco el debilitamiento de la centralidad concedida a la historia hispana e hispanoamericana tanto en las investigaciones como en la historia escolar.12 En ese contexto, el americanismo parece más bien el reforzamiento de una identidad de la que se destaca su común aspiración a la libertad frente a las derivas históricas de la situación europea, la que, en la coyuntura, permitía a los países que lo integraban posicionarse en el concierto internacional. En una inversión de esquemas, América y sus historiadores se convertían en faro para la cultura de la humanidad. Este americanismo se mantuvo en las siguientes ediciones del Congreso, aunque connotado de manera muy diferente.

Tanto en la tercera como en la cuarta edición del Congreso Internacional de Historia de América se acentuó el vínculo entre los temas del Congreso y el presente. En las convocatorias y los informes de las comisiones organizadoras se insistía en que, pese a tratarse de congresos vinculados al estudio y conmemoración de procesos históricos ocurridos a principio del siglo XIX, respondían también a preocupaciones y problemas actuales.

En 1960, Ricardo Zorroaquín Becú, secretario de la Comisión Organizadora del III Congreso y vicepresidente de la ANH, sostenía que el tema central del congreso podía reducirse a “un solo asunto fundamental”:

12 - Varias de las propuestas presenta-das y aprobadas en el plenario general tendían a reforzar el legado colonial, es-pecialmente el hispá-nico. Se pueden citar como ejemplos la cre-ación de cátedras de Historia de la Civiliza-ción de España, Por-tugal e Inglaterra en las universidades de América donde no las hubiera; o aquella di-rigida a los Ministerios de Educación para que dieran mayor im-portancia en sus pro-gramas a la historia de España.

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“Libertad e independencia en el nuevo mundo”. No es por casualidad que se han elegido esas palabras. Ellas evocan sin duda todo el proceso emancipador pero traducen al mismo tiempo preocupaciones permanentes de nuestros países, que se agudizan en determinados momentos de nuestra historia. Y es entonces con un doble sentido —pretérito y actual— que vamos a considerar ese asunto fundamental […] (ZORROAQUÍN BECÚ 1961, p. 86).

Seis años más tarde, Ernesto Fitte, presidente de la Comisión Organizadora del IV Congreso y secretario de la ANH, argumentaba que:

El centro de gravedad del orbe se desplaza insensiblemente del viejo al nuevo continente y, dentro de poco, América Latina ha de tener a su cargo la rectoría moral del consorcio de las naciones libres que luchan por la dignificación humana. Este congreso tiene, pues, como principalísima misión a realizar, la de preparar el ambiente y adecuar las condiciones para este advenimiento (FITTE 1966, p. 111).

Tanto en las intervenciones del III como en las del IV Congreso abundaron las referencias a la situación internacional, al lugar de América en el concierto mundial y al rol que historia e historiadores debían desempeñar en los “arduos momentos contemporáneos”, como los denominó más de un expositor. Para la mayoría de los participantes, aquellos estaban asociados al peligro del comunismo, expresado a escala latinoamericana por la entonces triunfante Revolución cubana y su potencial de ejemplaridad para estimular una cultura de la rebelión.

La historia era entendida en este contexto como un antídoto. La responsabilidad adjudicada a los historiadores era grande. El estudio erudito, serio y objetivo de la historia de los procesos emancipatorios americanos debía destacar las singularidades, pero, fundamentalmente, demostrar la indudable unidad americana, fraguada al calor de un pasado colonial común y, fundamentalmente, de una común experiencia de ruptura de ese vínculo.

En esas interpretaciones, si los avatares del proceso emancipatorio habían configurado las diferencias que

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caracterizaban a las distintas naciones y, al mismo tiempo, precipitado un conjunto de valores sustantivos a escala americana, era sin duda la matriz hispánica consolidada durante el período colonial y, con ella, la de la civilización occidental — de la que España formaba parte — la que había brindado la argamasa que hermanaba a las naciones americanas. Especialmente, el carácter espiritual y cultural de la conquista habría permitido la germinación de un conjunto de valores característicos del mundo occidental en el territorio americano. Esta herencia hispano-occidental ponía a los países americanos en inmejorables condiciones para atravesar y conducir un presente percibido como amenazador. Es de cara a esa nueva adscripción occidental del mundo americano que es leída, procesada y reivindicada la herencia hispánica del nuevo continente

La revalorización del hispanoamericanismo no era nueva en esos congresos. Había estado presente desde la segunda edición, aunque allí la impronta de la “América para los americanos” había teñido todo el evento. Pero, desde la década de 1960, tanto en el III como en el IV congreso, la exaltación del hispanismo pasó a ser más que la celebración de una comunidad cultural en el sentido romántico del término, convirtiéndose en una unidad espiritual ya no patrimonio exclusivo de Hispanoamérica, sino de todo el mundo occidental. La revalorización de España aparece así como parte de una interpretación metahistórica de la historia universal dentro de la que dicho país funcionaría como bisagra del mundo occidental, puente entre Europa y América.13

De “América para los americanos” se pasaba a “Hispano-américa para el mundo” y los historiadores americanos estaban allí para presentar a Occidente la experiencia histórica del con-tinente y la tradición en que se fundaban sus valores. Estaban llamados a cumplir una función formativa imprescindible, la de constructores de una coraza identitaria en la que lo nacional y lo americano se subsumían en lo occidental frente a la amenaza ideológica del comunismo. Su materialización se llevaría adelan-te por medio de sus investigaciones, del trabajo cotidiano en las aulas, de intervenciones públicas y publicaciones.

13 - La filiación en una tradición hispá-nica espiritual y reli-giosa se expresa con particular intensidad en el IV Congreso y, especialmente, en los discursos de clausura del evento, donde esa recuperación es am-plificada hasta con-vertirse en el núcleo que consolida a Amé-rica como un bastión de defensa del mundo occidental.

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El estudio de la historia latinoamericana, especialmente el de los procesos revolucionarios que condujeron a las independencias y, posteriormente, a la paulatina revinculación con las metrópolis, permitía realizar una operación historiográfica más; una en la que la historia funcionaría como prospectiva, convirtiéndose en prisma para conjeturar el futuro de procesos históricos con los que podían trazarse paralelismos pese a las diferencias espacio-temporales: las experiencias de descolonización y construcción de nuevas naciones iniciadas luego de la segunda posguerra.

Así lo expresaba el hispanista francés Raymond Ronze,14 quien, en su intervención en el III Congreso, señalaba su simpatía por la construcción de una cultura hispanoamericana que le permitía aventurar alguna posibilidad para la recreación de vínculos semejantes con las, en ese momento recientes, excolonias francesas: “La colonización francesa ha creado un África de expresión francesa, de la misma manera que España ha creado una América española” (RONZE 1961, p. 119). Sin embargo, y a diferencia de la dirección que habían tomado los vínculos entre América y España — de los que el mismo Congreso era una muestra y en cierto sentido una esperanza —, los de los países africanos con sus metrópolis estaban plagados de conflictividad y rechazo. Ronze creía encontrar la causa en

Esta doctrina de descolonización explotada por la potencia colonial más grande del mundo moderno: Rusia, que ha colonizado todo el Asia Central y Oriental durante el siglo XIX y a principios del siglo XX. La Unión Soviética conduce de nuevo en Europa el avance hacia el Oeste […] Así explotada y transformada por la política soviética en teatro de la guerra fría llevada a cabo por Moscú contra los Estados Unidos y la Europa Occidental, la descolonización de África nos afecta profundamente sobre todo en Francia (RONZE 1961, p. 116).

A especulaciones similares estuvo dedicada en el IV Congreso buena parte de la exposición de otro invitado extranjero, el historiador Arnold Toynbee. En ella, el conocido autor de Estudio de la Historia señalaba que

La historia de Latinoamérica es de interés para los pueblos

14 - Los vínculos en-tre Ronze, el ameri-canismo y la historio-grafía argentina eran de larga data (RONZE 1923). Para la cons-trucción de un cam-po de estudios ame-ricanistas en Francia, puede consultarse LÓPEZ-OCÓN (2002) y HUERTA (2005).

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latinoamericanos, pero tiene también un interés general para toda la raza humana. La experiencia latinoamericana durante los últimos ciento cincuenta años nos proporciona cuanto puede ser un examen previo de lo que va a constituir la experiencia de Europa del Este, Asia y África durante los próximos ciento cincuenta años [...] hincando su carrera de independencia, como las repúblicas latinoamericanas iniciaron la suya, con poca experiencia política previa y sin una suficiente clase media. Por esto temo que por mucho tiempo, una mayoría de los actuales ciento veinticinco estados soberanos sobre la faz de este planeta va a vivir bajo regímenes que serán fanáticamente nacionalistas, pero no serán democráticos ni constitucionales (TOYNBEE 1966, p. 135).

Emerge aquí, nuevamente, un tópico que recorre buena parte de los discursos e intervenciones producidas en los tres congresos, el rol central de los historiadores para pensar e intervenir en las circunstancias presentes y para realizar una operación prospectiva a partir del conocimiento que les otorgaba su saber profesional. Desplegada en varias direcciones, esa embajada historiográfica y cultural se capilarizaría para la sociedad por medio de distintos dispositivos e instituciones relacionadas con la construcción de la cultura histórica.15 En ese sentido, las propuestas consensuadas en las sesiones plenarias finales de las distintas ediciones incluían recomendaciones heterogéneas como las de fortalecer la enseñanza de la historia y la geografía aumentando su carga horaria en el nivel medio y con una mayor presencia de la historia de América independiente; operar cambios en la formación docente; crear cátedras de Historia de la Civilización Española, Portuguesa e Inglesa; erigir monumentos en homenaje a próceres de las gestas americanas; emplear medios televisivos y films cortos para difundir sus vidas y los valores que sostuvieron.

Los congresos científicos considerados como objeto de estudio pueden abrir interesantes y novedosas perspectivas de análisis. Los congresos de historia en particular, tal como

15 - Seguimos el sen-tido de “cultura histó-rica” establecido por J. Rüsen: “La ‘cultura histórica’ contempla las diferentes estra-tegias de la investiga-ción científico-acadé-mica, de la creación artística, de la lucha política por el poder, de la educación esco-lar y extraescolar, del ocio y de otros proce-dimientos de memo-ria histórica pública, como concreciones y expresiones de una única potencia men-tal” (RÜSEN 2009).

Algunas consideraciones finales

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fue argumentado, se destacan por su potencial aporte al ámbito de los análisis historiográficos, tanto de aquellos centrados en la historiografía profesional como de los que atienden a los vínculos entre el mundo académico y otros ámbitos. El caso aquí estudiado demuestra cómo en diferentes oportunidades esos eventos trascendieron los marcos del mundo académico y la estricta función científica para impactar en la política nacional o en la diplomacia internacional.

Los Congresos Internacionales de Historia de América llevados a cabo en Buenos Aires entre los años 1937 y 1966 ponen en evidencia la contribución de algunos historiadores — centralmente la de aquellos vinculados a la ANH y sus redes de sociabilidad — al diseño de una diplomacia cultural no menos eficaz que aquella a secas. La legitimidad de esa intervención devenía de la especificidad del saber detentado por los historiadores y de su capacidad para llevar adelante un estudio riguroso y objetivo del pasado. Esta operación erudita y crítica permitía sancionar determinados presentes como una consecuencia ineluctable de aquel pasado y, por lo tanto, proveerles legitimidad. Al mismo tiempo, le confería a la historia una capacidad prospectiva que hacía de ella una herramienta para reflexionar sobre posibles modos de reorientar procesos históricos abiertos.

Esta embajada historiográfica promovió la idea de una unidad histórica americana gestada en el pasado durante los siglos coloniales y consolidada a lo largo de la emancipación y los desarrollos nacionales posteriores. Brindaba así una fundamentación histórica que fue capitalizada y difundida en ámbitos extrahistoriográficos, pues esa unidad invocada permitía presentar en cada coyuntura ciertos proyectos y alineamientos políticos como una deriva natural de los procesos históricos.

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RECIBIDO EL: 14/05/2018 | ACEPTADO EL: 15/06/2018

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Martha [email protected] de Investigaciones en Historiografía Argentina (PIHA) Instituto Ravignani (UBA/CONICET)

Versiones preliminares de algunos apartados de este trabajo fueron presentadas en el IV Congreso Internacional de Filosofía de la Historia y en el workshop “Diplomáticos e intelectuales americanos en la construcción de las relaciones internacionales en el continente, 1880-1930” durante el año 2017. Agradezco los comentarios recibidos de los colegas que participaron en cada una de esas actividades.

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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RESUMO

ABSTRACT

KEYWORDS

PALAVRAS-CHAVE

Ouro Preto / MG - Brasil

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Uma poética da relação: a conversa infinita entre Édouard Glissant e Michel Leiris A poetic of the relationship: the endless conversation between Édouard Glissant and Michel Leiris

Este artigo apresenta uma leitura, em conjunto, de alguns textos dos escritores e etnógrafos Michel Leiris (França 1901-1990) e Édouard Glissant (Martinica, 1928-2011) a partir dos anos 1950. Nesse período Leiris fez estudos nas Antilhas, a pedido da UNESCO, e Glissant tornou-se seu aluno de etnografia na França. A partir de uma leitura inicial dos questionamentos de Leiris nessa década e, em seguida, dos escritos de Glissant, buscou-se demonstrar a intertextualidade entre as obras de ambos, resultante, sobretudo, das apropriações que Glissant estabeleceu dos textos de seu professor. Mais especificamente, foi demonstrado de que modo os conceitos de créolisation e de Relation, em Glissant, fundam-se em diálogo com as ideias de contato e de comunicação em Leiris. Além disso, objetivou-se compreender, nas reflexões de ambos, os usos da noção de carrefour para representar as sociedades antilhanas, considerando-se os impactos teóricos e ético-políticos dessa formulação em suas obras.

Intelectuais; Historiografia caribenha; Literatura.

This article presents a cross-reading of the writings by Michel Leiris (France, 1901-1990) and Édouard Glissant (Martinique, 1928-2011) from the 1950s onwards. It was during this period that Leiris was researching in the Antilles, under UNESCO’s auspices, and that Glissant became his Ethnography student in France. Starting from an initial reading of Leiris’ inquiries on this decade, and then of Glissant’s writings, the aim of this article is to demonstrate the intertextuality between their works, which is a result, above all, of Glissant’s appropriations from the texts of his teacher. More specifically, it aims to explore how the conceptions of “créolisation” and “Relation”, by Glissant, are based in a dialogue with the ideas of “contact” and “communication”, by Leiris. Moreover, it aims to understand the uses of “carrefour”, as a representation of the Antillean societies, and the heuristic impact of this concept on their works.

Intellectuals; Caribbean historiography; literature.

Gabriela Mitidieri Theophilo

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

Desde a década de 1970, aproximadamente, o campo dos estudos culturais, dos estudos subalternos e estudos pós-coloniais vêm, simultaneamente, promovendo e apontando a desestabilização de paradigmas teóricos e temáticos estabelecidos por uma tradição acadêmica ainda marcadamente eurocêntrica – entendendo Europa como espaço geográfico e cultural detentor de hegemonia na eleição de temas, questões e abordagens, ou de um “privilégio epistêmico”, nos termos de Sanjay Seth, bem como centralizador de espaços editoriais e de divulgação científica (SETH 2013, p. 187). Sendo assim, a emergência das vozes pós-coloniais surge, ao mesmo tempo, como reivindicação de descentralização da produção e divulgação de saberes e como proposição de novas perspectivas epistemológicas, marcadas por vivências diaspóricas, identidades ambivalentes e pelo entrecruzamento de fronteiras étnicas, nacionais e linguísticas. Segundo Ramón Grosfoguel, a atual crítica decolonial questiona fundamentalismos, colonialismos e nacionalismos, evitando a fundamentação em abstratos universais e buscando construir-se em diálogos críticos com diferentes projetos epistêmico-ético-políticos, em direção a um mundo pluriversal, comprometido com o rompimento da colonialidade inscrita não apenas nas relações de exploração capital-trabalho e nas relações de dominação centro-periferia, mas, também, na produção de subjetividades e saberes (GROSFOGUEL 2007, p. 212).

As reflexões promovidas no âmbito dos estudos decoloniais impõem, assim, potentes questões teóricas para a teoria da história e para a história da historiografia, na medida em que essa disciplina tem suas convenções e seus princípios epistemológicos enraizados na modernidade europeia. A internalização desses pressupostos, eles mesmos universalizantes, condiciona, portanto, a atualização de formas específicas de representação do passado, associadas a fenômenos próprios dessa modernidade singular. Tal circunstância tende a silenciar assimetrias nos contatos e nas circulações de saberes, povos e culturas, bem como a mascarar os vínculos entre modernidade, capitalismo e conhecimento histórico. Nesse sentido, Dipesh

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Chakrabarty afirmou que a Europa continua atuando como um “referente silencioso” no estudo do conhecimento histórico. De modo similar, em O universalismo europeu, Immanuel Wallerstein procurou demonstrar as associações entre a lógica de dominação capitalista e a produção de um aparato epistemológico europeu pretensamente neutro e desenraizado de sua origem (NICODEMO; PEREIRA; SANTOS 2017, p. 176-177).

Diante dessas questões, os historiadores têm começado a ponderar as relações entre eurocentrismo, etnocentrismo e escrita da história, com seus desdobramentos teóricos e ético-políticos para a história da historiografia. Trata-se de observar esses debates como possibilidade de diversificação do instrumental teórico e conceitual para a escrita da história sem, no entanto, abrir mão de seus marcos disciplinares, mas tensionando-os e transformando-os na defrontação com outras formas de abordagem (NICODEMO; PEREIRA; SANTOS 2017, p. 180). Silvia Cusicanqui e Eduardo Viveiros de Castro são exemplos de autores que, há algum tempo, vêm afirmando a importância da confrontação criativa de diferentes epistemes, que seria necessária não apenas para a compreensão de cosmovisões e modos de vida não ocidentais, mas, principalmente, para a imaginação e construção de novos projetos de futuro (CUSICANQUI; SANTOS 2015; VIVEIROS DE CASTRO 2009). No que concerne à historiografia, especificamente, Sanjay Seth afirma que o confronto com distintos “modos de raciocínio” é fundamental para que “a escrita da história deixe de ser uma prática imperialista e se torne uma prática ética” (NICODEMO; PEREIRA; SANTOS 2017, p. 181).

Édouard Glissant procurou, ao longo de toda a sua trajetória, pensar as condições de produção de uma subjetividade e de uma história antilhanas a partir de categorias que – embora formuladas em diálogo com os debates europeus, considerassem não apenas a diversidade de modos de vida e de cosmovisões presentes na região, mas a própria materialidade do arquipélago em sua relação com o oceano: lugar de passagem, de contatos

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(duradouros e efêmeros, harmônicos e desarmônicos) e de identidades diaspóricas. Esses esforços teóricos culminaram na construção de conceitos como créolisation (remetendo a uma longa tradição de representação da sociedade antilhana), identité-relation, Relation1, pensée archipélique, entre outros. Muitos desses conceitos têm sido, atualmente, mobilizados nos debates decoloniais, na medida em que que consideram o lugar geopolítico e corpo-político do sujeito que fala (GROSFOGUEL 2007, p. 213).

As proposições de Michel Leiris, por sua vez, tanto em seu trabalho mais propriamente etnográfico quanto em seu esforço literário de escrita de si, têm sido, aos poucos, retomadas nas ciências humanas e sociais em função de seus questionamentos sobre a própria fundação do campo da etnografia e de sua potência como forma de crítica da modernidade (herança surrealista e, portanto, romântica) (LÖWY 2008, p. 839-840). Trata-se, assim, de dois autores cuja leitura nos força a imaginar formas não violentas de autorrepresentação e de representação do outro. Édouard Glissant foi aluno de etnografia de Leiris no Museu do Homem, na França, entre 1953 e 1954. Nessa mesma década, poucos anos antes, Leiris esteve nas Antilhas a convite da UNESCO, realizando um estudo que buscava contribuir para o programa antirracista dessa instituição, ancorado na ideia de que a região seria um exemplo de “encruzilhada cultural” e de “convivência harmônica entre raças e culturas”. A partir de uma leitura dos questionamentos de Leiris nessa década – marcados, ao mesmo tempo, pela experiência antilhana, pela herança surrealista e pelo militantismo francês do pós-Guerra –, e dos escritos de Glissant entre 1950 e 1990, que incluem ensaios sobre a obra de Leiris, este artigo pretende demonstrar a intertextualidade dos estudos de ambos – resultante, sobretudo, das apropriações que Glissant estabeleceu dos textos de seu professor. Deseja-se, assim, compreender as articulações entre uma longa tradição de representação das Antilhas (que remonta ao século XIX e que mobilizou o interesse da UNESCO no arquipélago), os usos, na obra de Leiris, das noções de encruzilhada (carrefour), contato e comunicação e alguns dos

1 - Escrevo o vocá-bulo Relation com a inicial maiúscula, pois é como essa palavra aparece nos livros e entrevistas de Glis-sant.

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conceitos formulados por Glissant para pensar a experiência antilhana – especialmente os de créolisation e o de Relation.

Sendo assim, este texto encontra-se dividido em três partes. Na primeira parte, foi feita uma leitura das publicações de Leiris resultantes de suas duas viagens às Antilhas, com o objetivo de expor e analisar a formulação e os usos das noções referidas, buscando, ainda, relacioná-los com a trajetória intelectual de seu autor e com o conjunto mais amplo de questões que emergem de suas obras etnográfica e literária. Na segunda parte, há um exame de alguns ensaios que Glissant escreveu sobre Leiris, quando se procura demonstrar os impactos teóricos e ético-políticos das formulações do último na obra do primeiro, a partir de apropriações específicas. Por fim, na terceira e última parte, busca-se expor e observar, por meio de entrevistas e ensaios de Glissant, a elaboração, definição e os usos, também teóricos e ético-políticos, dos conceitos de créolisation e Relation, sempre identificando os eixos de intertextualidade das obras dos dois autores analisados.

Como se sabe, o imediato pós-Segunda Guerra foi marcado por uma série de empreendimentos científicos e políticos que visavam à defesa da autonomia dos povos e ao combate ao racismo. Com esses propósitos, a partir de 1949, mais especificamente, a UNESCO engajou-se amplamente em um programa intelectual e pedagógico que contou com a colaboração de inúmeros estudiosos de diversas partes do mundo, e que foi colocado em prática, principalmente, por meio da publicação de análises coletivas e individuais sobre os temas mencionados (MAUREL 2007, p. 2-19).

Entre os anos de 1951 e 1952, por exemplo, a UNESCO patrocinou uma série de estudos no Brasil. Desde abril de 1950, o antropólogo Alfred Métraux ocupava a direção do recém-criado “Setor de Relações Raciais” daquela instituição.

Michel Leiris e a UNESCO: representações da sociedade antilhana

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De acordo com Marcos Chor Maio, Métraux e seu principal assistente na função, o antropólogo Ruy Coelho, ambos com pesquisas realizadas sobre índios e negros na América Latina, representaram, a partir daquela data, uma espécie de lobby latino-americano no interior do departamento de ciências sociais. Ainda segundo Maio, as investigações da UNESCO no Brasil “buscavam apresentar ao mundo os detalhes de uma experiência no campo das relações raciais julgada, na época, singular e bem-sucedida, tanto interna quanto externamente”. O pesquisador constata que havia, entre os estudiosos envolvidos no projeto, uma espécie de “conhecimento aceito consensualmente como natural”, não problemático, de que a sociedade brasileira “viveria sob a égide da cooperação entre as raças”. Desse modo, ela poderia tornar-se um exemplo para o restante do mundo, fornecendo “lições de civilização” em matéria de relações raciais (MAIO 2004, p. 144 e 149).

No mesmo ano de 1952, a UNESCO financiou estudos do escritor e etnólogo africanista Michel Leiris nas Antilhas, partindo de razões similares às que motivaram os estudos no Brasil. Diante da “resolução 3.22 do Programa da UNESCO de 1952”, que previa produzir um “inventário crítico de métodos e técnicas empregados para facilitar a integração de grupos sociais que não participam plenamente da vida de seu país, seja por motivos étnicos ou culturais”, tratava-se de analisar, também, “situações que se poderia considerar felizes, ou seja, aquelas que oferecem poucas fricções ou que evoluem para um estado de equilíbrio ou harmonia” e que poderiam servir, portanto, como modelo para outras sociedades (LEIRIS 1955, p. 6).2

Michel Leiris começou sua carreira como escritor em Paris nos anos de 1920, tendo feito parte das discussões do surrealismo literário, nos moldes formulados por André Breton. Em 1929, ele se afastou de Breton e se aproximou de Georges Bataille, trabalhando na revista Documents, que abordava temas na intersecção entre etnografia, literatura e artes. Foi nessa revista que conheceu Marcel Griaule, etnógrafo que o convidou para participar da missão Dakar-Djibouti (1931-1933),

2 - Trata-se do pre-fácio institucional da UNESCO ao estudo concluído por Leiris.

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primeira grande missão etnográfica francesa nos territórios coloniais africanos. Ao retornar dessa viagem, Leiris começaria seus cursos no Instituto de Etnologia (instituição fundada em 1925 e que remete à profissionalização do trabalho etnográfico na França), especializando-se em África Negra (Cf. THEOPHILO 2016, p. 91-104). Nos anos de 1940 ele atuou, junto a Jean-Paul Sartre, por algum tempo, na revista Les Temps Modernes. O que os aproximava, sobretudo, era o interesse comum nas lutas de descolonização africanas, na literatura afro-americana e, consequentemente, no movimento da Négritude, encabeçado por Aimé Césaire, de quem Leiris tornou-se amigo (Cf. SENGHOR 1967). Foi nesse período, e impulsionado pelos debates com Césaire e Sartre, que ele decidiu colocar sua formação e sua condição de intelectual reconhecido a serviço de outros povos em luta por liberdade.

Foi assim que, em 1948, fez uma primeira viagem às Antilhas a convite de Aimé Césaire com o incentivo de Métraux. Proferiu conferências em Martinica, Guadalupe e Haiti, além de redigir um caderno de viagem (ainda inédito), publicar pequenos textos sobre as práticas de vodu no Haiti e produzir um relatório no qual analisava a configuração socioeconômica da população das ilhas, o acesso à educação e a bens culturais, fornecendo, ao final, algumas impressões mais gerais e sugestões para um futuro de (ainda) maior “integração entre as raças” (LEIRIS 1949, p. 341-354).

Em março de 1950, ele proferiu uma conferência na Association des travailleurs scientifiques (section des sciences humaines), denominada L’ethnographe devant le colonialisme.

Nessa ocasião, constatava que a disciplina etnográfica tinha se desenvolvido, na França, junto à expansão da dominação colonial nos continentes africano e asiático. O etnógrafo, portanto, financiado pelo Estado colonizador, jamais poderia ficar indiferente aos problemas relacionados a essa realidade. Visto que um trabalho intelectual honesto, segundo Leiris, era também um trabalho de comprometimento ético, um estudioso de populações colonizadas deveria ser o primeiro a atuar como

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“advogado” em defesa dos interesses dessas populações frente às nações colonizadoras – ainda que isso fosse considerado “contra os interesses nacionais” de seu país de origem (LEIRIS 1969, p. 84-85).3

As circunstâncias presentes mostravam, ainda em seus termos, que a etnografia não deveria mais ser associada unicamente ao folclore. Os etnógrafos não poderiam mais iludir-se com a “salvaguarda” de culturas supostamente “intocadas”. Pode-se dizer que, para Leiris, havia uma urgência ética naquele momento: estudar e trocar conhecimentos, prioritariamente, com aqueles povos mais brutalmente afetados pela colonização, que buscavam caminhos para a emancipação (LEIRIS 1969, p. 98-103). Outro ponto importante para ele era a troca de conhecimentos que levasse à formação de uma classe intelectual e de etnógrafos africanos. Assim, ele afirmava que o desequilíbrio existente do ponto de vista da produção do conhecimento “falseava a perspectiva” e contribuía para “nos assegurar de nosso orgulho, nossa civilização se encontrando, assim, fora do exame de outras civilizações, para as quais ela dirige seu próprio exame” (LEIRIS 1969, p. 106-107).4

Já no ano de 1951, Leiris participaria de um projeto editorial da UNESCO denominado La question raciale devant la science moderne, dirigido por Alfred Métraux, com conferência intitulada Race et civilisation (LEIRIS 1969, p. 10-80). Tratava-se da mesma publicação em que Claude Lévi-Strauss publicou Race et histoire. Nesse mesmo ano, republicou e escreveu um novo prefácio para o diário África Fantasma, que foi resultado de sua primeira viagem de campo nos territórios coloniais franceses da África, entre os anos de 1931 e 1933. Nesse prefácio, ele declarava que “não há etnografia nem exotismo que resistam à gravidade das questões postas, no plano social, pela transformação do mundo moderno”, e o contato entre os homens só deixaria de “ser um mito”, na medida em que houvesse “trabalho em conjunto contra aqueles que, na sociedade capitalista do nosso século XX, são os representantes do antigo escravagismo” (LEIRIS 2007, p. 49).

3 - Essa palestra foi publicada pela pri-meira vez na revista Les Temps Modernes n. 58, année 6, août 1950, p. 357-374. Posteriormente, Leiris a incluiu no livro Cinq études d’ethnologie. Le racisme et le tiers monde (LEIRIS 1969, p. 83-112). Nesse ín-terim, é válido men-cionar que manterei, ao longo deste artigo, os vocábulos “etno-grafia” e “etnógrafo”, palavras utilizadas por Leiris para referir--se ao seu ofício, tan-to na palestra citada quanto ao longo de toda a sua obra. Sa-be-se, porém, que, no campo das ciências sociais, há um amplo debate que distingue os conceitos de et-nologia, etnografia e antropologia. Segun-do Lévi-Strauss, por exemplo, etnografia, etnologia e antropolo-gia seriam três etapas de uma mesma pes-quisa (GONÇALVES 2016, p. 252-253).

4 - Traduções de ci-tações em língua estrangeira são de minha autoria, com exceção daquelas re-tiradas de livros já traduzidos para o português, especi-ficamente, as obras África fantasma e Es-pelho da tauromaquia (LEIRIS 2007; 2001).

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Em 1952, finalmente, Leiris voltaria às Antilhas, dessa vez por convite direto da UNESCO. Dessa nova temporada, resultou o texto Contacts des civilisations en Martinique et en Guadeloupe (LEIRIS 1955, p. 8). Segundo o prefácio institucional da publicação, as Antilhas seriam um exemplo privilegiado de convivência harmônica entre culturas e raças, ainda que alguns problemas persistissem, como a superposição da repartição de classes e de categorias raciais, “sem que exista, porém, coincidência absoluta”. Mesmo que antagonismos “mais de ordem econômica do que racial” perdurassem, o estudo detalhado e objetivo de Michel Leiris mostrara que a igualdade jurídica alcançada por toda a população a partir de 1848 tornara-se uma “fonte inesgotável de progresso”. Além disso, os esforços locais e franceses em matéria de instrução possibilitaram “integração suficiente das massas”, de modo que já era perceptível “a contribuição original que essas sociedades traziam para a cultura francesa”. Ainda nos termos da UNESCO, já se observava, na maior parte da população, uma sensível atenuação dos preconceitos raciais, considerados uma “relíquia da velha época colonial” (LEIRIS 1955, p. 6-7).

A introdução escrita por Leiris, por sua vez, esclarecia que o trabalho que ora se apresentava era resultado de estudo em fontes bibliográficas diversas, de análise de grande parte do material recolhido na primeira viagem que fizera às Antilhas em 1948 e de uma série de entrevistas que conduzira em Paris com franceses originários das ilhas (LEIRIS 1955, p. 8). A viagem de 1948, de acordo com Leiris, teve como objetivo o exame do folclore da Martinica, de Guadalupe e do Haiti (“em busca do que poderia ser considerado como traços de civilização de origem africana”) e o estabelecimento de contato com intelectuais das três ilhas, a fim de estreitar os laços culturais tanto com a República do Haiti, quanto com os novos departamentos franceses. Dessa vez, porém, a meta principal era proceder ao “exame crítico dos meios empregados para a integração dos grupos humanos não europeus à vida e à comunidade nacional”. O objetivo do estudo era de ordem prática: fornecer dados e sugestões aos governos locais e ao governo francês para a

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implantação de políticas que pudessem contribuir para pôr fim aos preconceitos raciais e para a integração cada vez maior dos povos das Antilhas, de forma que essas sociedades forjadas no “convívio de tradições de origens diversas” pudessem servir de exemplo para o restante do planeta (LEIRIS 1955, p. 8-12).

A conclusão desse texto de 1952 é comedida em comparação à conclusão do relatório de 1948. Leiris ressalta a continuidade dos cortes socioeconômicos entre raça e classe e prioriza a explicação de ordem econômica: segundo ele, “apenas uma transformação profunda na estrutura econômica das duas ilhas” poderia resolver efetivamente o problema das desigualdades sociais entre “pessoas de cor” e brancos (LEIRIS 1955, p. 178).

Ambos os estudos, de 1952 e de 1948, revelavam a admiração de Michel Leiris pelos intelectuais antilhanos e pelo trabalho que eles empreendiam para a valorização da herança cultural africana e da língua crioula nas ilhas. A percepção idealizada da convivência entre raças e culturas nessa região, porém, ficava mais clara nas páginas finais do artigo escrito em 1948. Em seus termos, os intelectuais antilhanos estavam localizados “na encruzilhada [carrefour] de civilizações as mais diversas” e, desse modo, “em posição privilegiada para a elaboração de um sincretismo de grande estilo, prefiguração parcial do que poderia realizar, desde que essa elaboração se instaure no porvir, a sociedade sem raças. A militância desse grupo junto à parte mais africana da população contribuiria, ainda, para a criação de uma “uma cultura autenticamente ‘antilhana’” (LEIRIS 1949, p. 354).

Ao longo dessa primeira viagem, em 25 de outubro de 1948, Leiris proferiu, no Instituto Francês do Haiti, uma conferência denominada Antilles et poésie des carrefours (LEIRIS 1992a, p. 67-87). Para a discussão desenvolvida neste artigo, essa conferência é fundamental, na medida em que, nela, Leiris define sua noção de carrefour e explica os motivos pelos quais escolhera essa palavra para se referir às Antilhas. Nesse ínterim, é válido mencionar que tanto a noção leirisiana de carrefour, quanto a noção de créolisation, elaborada por Glissant, bem

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como o próprio interesse da Unesco nas Antilhas, dialogam com uma longa tradição de interpretação das sociedades antilhanas como sociedades “mestiças”. O termo créolisation, de acordo com Jean-Luc Bonniol, teve suas primeiras aparições na língua francesa no final do século XIX, tendo sido resultado de “uma longa trajetória lexical da qual essa inovação tecnológica é o ponto de chegada” (BONNIOL 2013, p. 240). Esse conceito, vindo do campo da linguística, seria apropriado pelas ciências sociais para descrever sociedades caracterizadas por um projeto colonial imposto por nações distantes e marcadas por uma economia de plantation; pelo desaparecimento da população autóctone, de modo que foram povoadas por “estrangeiros”; por terem matriz escravagista e por apresentarem um quadro de confrontação de elementos culturais de origens diversas. O mundo colonial, assim, seria fundado sobre uma dupla violência fundadora (a do genocídio da população indígena e, depois, a diáspora e a escravidão). A conotação positivada do termo, por sua vez, teria emergido no quadro da retórica nacional e anticolonial desenvolvida na América latina no momento das independências, com o surgimento do mito da “nação mestiça” (BONNIOL 2013, p. 240-251). Em Leiris e em Glissant, no entanto, esses conceitos aparecem ressignificados por diferentes aportes teóricos, que os distanciam da ideia de “miscigenação” como “mistura” e se aproximam mais de uma ideia de convivência de contraditórios, intersecção e negociação de forças adversas, como se verá.

Voltando à conferência Antilles et poésie des carrefours, Leiris afirmava que o primeiro esforço seria o de explicar o título escolhido: “é permitido conceber as Antilhas como uma efetiva encruzilhada (carrefour). Lugar de encontro [...] de grupos humanos heterogêneos e de correntes de civilização orientadas nos mais diferentes sentidos” (LEIRIS 1992a, p. 70). No entanto, a ideia de carrefour, em Leiris, foi elaborada antes da experiência nas Antilhas. Essa ideia estabelece uma relação de analogia com outras utilizadas ao longo de toda a sua obra e que remetem ao vocabulário da mística cristã e da “alquimia” dos séculos XV e XVI. Sendo assim, a compreensão da noção

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exige um entendimento dos vários e escorregadios significados de “coincidência de opostos” na literatura mística que circulou na Europa nos referidos séculos, sendo relida pelos ocultistas do século XIX e, também, pelos surrealistas no século XX. O etnógrafo, então, definia carrefour como “ponto de intersecção, pivô de rosa dos ventos ou cruzamento de caminhos que parecem equivaler, no domínio poético, àquilo que era o ponto fixo de que falavam os alquimistas, autêntico Carrefour ele também” (LEIRIS 1992a, p. 71).

Ele continuava afirmando que aquilo que mais o havia emocionado no Haiti foram os rituais do vodu, pois esses rituais poderiam representar uma poesia de “carne e osso”, uma espécie de maravilhoso “concretizado”. O “teatro vodu” configurava-se, assim, como uma arena na qual “uma longa série de dramas e comédias se sucediam”, e todos os gêneros encontravam-se misturados: “violência trágica”, “carrefour no qual convergiam, formando uma surpreendente unidade, os elementos mais contraditórios” (LEIRIS 1992a, p. 73-84). Ao final da conferência, alegava que seu objetivo não era fazer uma “apologia do vodu”, no sentido de um elogio vazio, mas sugerir de que forma a civilização ocidental poderia aprender com essas culturas (LEIRIS 1992a, p. 85-86).

Ao longo de toda a sua obra etnográfica, Leiris elegeu a afetividade, regida por relações de analogia e identificação, como pressuposto da produção de conhecimento. Essa identificação, porém, só seria possível se se considerasse o outro em sua semelhança com o “si-mesmo”, ou, melhor dizendo: se o “si-mesmo” pudesse tornar-se outro por instantes, de forma a abrir a brecha da verdadeira “comunicação”. Para que houvesse comunicação era preciso haver existências singulares, sempre dispostas à abertura para o “fora-de-si”.

A tematização das noções de “si-mesmo” e de “fora-de-si” são constantes na obra de Leiris. Alcançar os instantes de (des)equilíbrio que lançariam o sujeito hors-de-soi deveria ser, segundo ele, o desejo maior do artista. Apenas nesses instantes de vertigem, a partir de um esforço de mise-

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en-abîme de si-mesmo (performatizado na escrita), uma verdadeira comunicação poderia ser estabelecida. A noção de “comunicação”, porém, nunca foi estritamente definida por Leiris. Em seu diário, no ano de 1964, ele afirmou que mobilizava essa palavra de modo “inevitavelmente vago” e que a considerava apenas um “eufemismo para comunhão” (LEIRIS 1992b, p. 600). No texto L’homme sans honneur, de 1938, porém, ele havia escrito algumas notas sobre a noção de “sagrado” (como coincidência de contrários) aproximando-a da ideia de comunicação: “revolução desta contradição aparente pela ideia de sagrado enquanto comunicação: projetar para fora, compartilhar o que se tem de mais íntimo [...] comunicar: isso quer dizer estabelecer verdadeiramente uma relação [rapport]” (LEIRIS 1994, p. 125-126). No ensaio Espelho da tauromaquia, escrito no mesmo ano, Leiris nos fornece, mais uma vez, a imagem de um ponto de intersecção, ou encruzilhada, que projetaria o sujeito para fora-de-si, possibilitando, desse modo, a comunicação. Segundo ele “assim como Deus, coincidência de contrários, segundo Nicolau de Cusa [...] pôde ser patafisicamente definido como ‘ponto tangente do zero e do infinito’”, existiriam nos vários fatos que constituem o universo “certa espécie de nós, ou ponto críticos, que poderíamos geometricamente representar como lugares onde o homem tangencia o mundo e a si-mesmo” (LEIRIS 2001, p. 11).

Esse movimento de mise-en-relation de si-mesmo – fundado sobre um trabalho de linguagem, segundo análise de Phillipe Lejeune – foi encenado em sua mais longa obra, denominada La Règle du jeu. Essa autobiografia literária, dividida em quatro tomos, foi concebida como “obra total” – na medida em que ele afirmava esperar que o processo de escrita pudesse, finalmente, conjugar vida e literatura, savoir-vivre e savoir-poétique. Um livro concebido como um “todo autônomo, livre, obra aberta, como um perpétuo work in progress, que só a morte pudesse interromper” (LEIRIS 1992b, p. 614). A partir de uma escrita “trançada”, ainda de acordo com Lejeune, essa autobiografia era, então, “orientada não para o passado da história, no nível do conteúdo, mas para seu próprio devir” (LEJEUNE 1996, p. 287).

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Em artigo sobre Biffures (tomo I de La Règle du jeu), Emmanuel Levinas afirmou que, nesse texto, Leiris elaborou uma expressão que comportava a impossibilidade de “estar em si” e, como consequência, a insuficiência do sujeito que dispõe de um “mundo dado”, lançando-se na escrita, simultaneamente, como sujeito e objeto, numa operação dialética (LEVINAS 1981, p. 62). La Règle du jeu começou a ser escrito na década de 1940. Foi entre os anos de 1940 e de 1950, como dito, que Michel Leiris estreitou vínculos com intelectuais caribenhos, como Aimé Césaire. Nessa mesma época, Glissant se tornaria seu aluno no Museu do Homem.5

Édouard Glissant nasceu na Martinica no ano de 1928. Em sua juventude, foi amplamente impactado pelo movimento da Négritude e pelos debates surrealistas franceses. Estudou etnografia no Musée de L’Homme, entre 1953 e 1954, tendo Michel Leiris como professor. No que concernia à etnografia até então praticada naquela instituição, Glissant criticava o fato de que, por um lado, exceto por Leiris, os etnógrafos partiam às Antilhas sobretudo em busca da “população indígena”, impulsionados pela procura do “puro”, do exótico. Desse modo, os “camponeses negros do Caribe”, ou seja, a maior parte da população caribenha, por serem filhos da diáspora e herdeiros de um cruzamento de culturas, quase nunca eram considerados “primitivos” o suficiente para serem observados. Por outro lado, os povos caribenhos estavam sempre na condição de “objetos” e quase nunca de “sujeitos” do conhecimento etnográfico. Como estudante de etnografia ele próprio, Glissant não condenava a disciplina, por inteiro, como apenas mais um “discurso colonial”: ele acreditava que o simples movimento em direção ao outro já era intrinsecamente positivo. Porém, era não somente necessário, mas urgente, que as populações observadas pudessem “observar em retorno” (KULLBERG 2013, p. 970-971).

A defesa tanto de uma etnografia praticada pelos povos

5 - O Musée de l’Hom-me, localizado no pa-lais de Chaillot, em Paris, foi inaugurado em 1937 em substi-tuição ao antigo Mu-sée du Trocadéro. Esse museu foi conce-bido como um espaço de ensino e pesquisa de etnografia, mas, principalmente, como um instrumento pe-dagógico para o gran-de público. Michel Leiris foi pesquisador desse museu duran-te quase toda a sua vida profissional. So-bre a história dos mu-seus de etnografia na França, ver L’ESTOILE (2010).

Michel Leiris e as Antilhas na obra de Glissant: por uma etnografia da relação

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das antigas colônias, quanto do incremento de estudos sobre populações “híbridas”, foi resultado de um primeiro diálogo de Glissant com a obra de seu professor Michel Leiris. Ambos os etnógrafos, como foi visto, acreditavam que o cruzamento de culturas encontrado nas Antilhas seria um modelo ou um laboratório para o “mundo do amanhã”. Ao longo dos anos, Glissant desenvolveria dois conceitos que também foram, em grande parte, devidos à leitura inicial de Leiris – ainda que, posteriormente, acrescidos de outros diálogos. Trata-se dos conceitos de Relation e de créolisation.

Antes de examinar esses conceitos, é válido que se passe por dois textos que Glissant escreveu sobre a obra de Leiris: um, primeiramente, publicado na revista Les lettres nouvelles, em 1956, intitulado Michel Leiris, ethnographe; e outro, veiculado no livro Traité du tout monde: poétique IV, nos anos de 1990, e denominado Repli et dépli.

O primeiro texto foi, claramente, escrito sob o impacto da leitura dos já citados prefácio de 1951 do livro África fantasma, a palestra sobre a “função do etnógrafo” e do estudo Contacts des civilisations en Martinique et Guadeloupe. Três características das obras literária e etnográfica de Leiris são aí destacadas. Em primeiro lugar, Glissant admira a investigação de si que seu professor desenvolvia tanto em La Règle du jeu, quanto no próprio África fantasma. A “vocação de escritor”, que o levava a ser “sincero e rígido em relação a si mesmo”, seria fundamental para o exercício da atividade etnográfica, “mais do que qualquer outra, dedicada à busca do outro”. Em segundo lugar, importava para Glissant a própria concepção leirisiana de “etnografia”, como algo que deveria se tornar um “ofício do contato”, muito mais do que uma ciência de observação neutra (GLISSANT 1997a, p. 121 e 126).

Em terceiro, destaca-se a solução proposta por Leiris, tanto no prefácio de seu diário africano, quanto no estudo sobre Martinica e Guadalupe, de desenvolvimento de uma etnografia dos contatos culturais e a solidariedade entre os povos contra seus opressores. Na mesma perspectiva que privilegia o

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contato, Glissant corrobora aquela representação das Antilhas, vista como exemplo privilegiado de “cruzamento de culturas”:

Duas temporadas nas Antilhas o reafirmam em sua intenção de dedicar-se aos contatos de civilizações. [...] Toda a etnografia das Antilhas [...] inscreve, no presente, um porvir, pois força a considerar os choques entre culturas e confirma (apesar do racismo que grassa nesses países) que não é utópico conceber o advento, um dia, de uma verdadeira civilização híbrida. [...] aqui a observação porta sobre os contatos, sínteses, choques e harmonias entre culturas. Esse é o sentido da atenção que Leiris dedica às Antilhas: [...] ao incômodo, à distanciação, pode suceder a solidariedade (GLISSANT 1997a, p. 127).

Por fim, Glissant constrói um contundente elogio ao esforço de Leiris em sua busca simultânea pelo “mundo dos outros e pelo porvir comum” e, em seguida, introduz seu próprio conceito de Relation, que seria desenvolvido ao longo de toda a sua obra e que dialoga com usos de Leiris da noção de “comunicação”. Em Leiris, como dito, a comunicação só poderia ser verdadeiramente estabelecida a partir do esforço poético de abertura de si para o outro. Nesse sentido, uma “atitude literária”, ou poética, em seus termos, seria muito mais eficaz que uma suposta “atitude científica”. Compartilhar momentos, ainda que efêmeros, de efetivo diálogo e comunicação exigia um mergulho rimbaudiano na vida do outro. No texto aqui apresentado, assim, as noções de “poética” e de “drama do mundo” referidas por Glissant, costuram-se sensivelmente com a obra de seu professor. Em África Fantasma, frustrado com o imperativo de uma observação neutra das populações da Abissínia em suas relações com o sagrado, Michel Leiris afirmava: “O conhecimento abstrato, para mim, nunca deixará de ser apenas a pior das hipóteses [...]. Tenho necessidade de mergulhar no drama dessas mulheres, tocar seus modos de vida, me banhar na carne viva. Dane-se a etnografia” (LEIRIS 2007, p. 434 e 469). Ao final de seu texto, por sua vez, Glissant, falando de seu lugar de antilhano e ecoando a citação de Leiris, declarava “odiar a etnografia” a cada vez que ela não fertilizava o desejo da relação, “dessa relação: o mundo enfim vivo, sofrido, compartilhado. “O observador atento”, que é (ou

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era) o etnógrafo, deverá inscrever-se no drama do mundo [...] deverá viver uma poética (um compartilhamento). Assim, Leiris” (GLISSANT 1997a, p. 128-129).

No segundo texto sobre Michel Leiris, Repli e dépli, Glissant define a etnografia praticada por seu professor como uma “etnografia da relação”. Na verdade, a próprio esforço de investigação de si praticado em La Règle du jeu, a partir de uma escrita espiralada e tensa, também é incluída por Glissant como modelo de “etnografia”. Em 1955, Michel Butor (assim como faria Emmanuel Levinas, anteriormente citado, anos mais tarde), caracterizava a narrativa de Leiris em La Régle du jeu como “dialética”, a partir do diálogo com o “outro”, leitor, tomado como interlocutor privilegiado, incorporado aos questionamentos constantes do texto. Essa inserção do outro no texto era, também, de acordo com Butor, um abandono da “arte pela arte”, em favor da construção de uma literatura com finalidade edificante. Isso não era afirmado, entretanto, no sentido da busca de algum tipo de “salvação” metafísica, mas no sentido da procura de uma “melhora” ou de uma “cura” moral para a própria vida e para a vida do outro. Sendo assim, ainda segundo Butor, ao longo das páginas de La Règle du jeu era, na verdade, não um “eu”, mas um “nós” que despertava, “um grupo de indivíduos não idênticos, mas comparáveis, relacionáveis” (BUTOR 1960, p. 262).

Pode-se dizer que são exatamente essas características que atraem Glissant na obra de Leiris. Voltando, portanto, ao texto Repli et dépli, verifica-se a valorização dessa démarche dialógica e subjetiva tanto em suas autobiografias quanto em sua etnografia. Essa abordagem, que daria espaço aos contatos e passagens entre si mesmo e o outro, é contraposta à uma suposta “consciência universal”, que, segundo ele, estaria implícita na abordagem estruturalista.6 De acordo com Glissant, para Leiris, “o real é uma totalidade que se trama infinitamente”. A paixão do escritor seria, então, descobrir e decifrar essa trama, surpreendendo-se na relação com o outro. O exercício de observação de Leiris era, assim, extremamente “rigoroso” e “objetivo”, sem derivar, no entanto, em “suposições teóricas”. Em um tempo em que vigia,

6 - O detalhamento da crítica de Glissant ao modelo Lévi-S-traussiano, no âmbito de uma disputa en-tre uma aproximação estruturalista e uma aproximação fenome-nológica da etnogra-fia, seria matéria de um artigo à parte. No entanto, a partir das observações de Sou-leymane Bachir Diag-ne no artigo Édouard Glissant: l’infinie pas-sion de tramer, pode--se entender melhor o debate que contrapu-nha uma “consciência universal” (que seria subjacente ao mode-lo de Lévi-Strauss), a uma “poética do mun-do”. Segundo Diagne, Glissant recorreria a Leiris para “nos fa-zer entender melhor aquilo que Husserl teria vislumbrado a partir da leitura de Lévy-Bruhl: o valor da etnografia na medida em que ela se liberta da tentativa de as-similar o “diverso ao mesmo”. Instalar-se no “contato de cultu-ras” seria “esposar o movimento”, sem an-corar-se no “solo fir-me de uma gramática universal, pura”, mas dando-se a um pro-cesso indefinido de “créolisation” (DIAG-NE 2014, p. 89-91). Sobre esse tema, há também o texto de Christina Kullberg (Cf. KULLBERG 2013).

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ainda segundo Glissant, uma concepção de “etnologia pura”, em busca de sociedades supostas como puras, na pretensão de que se pudesse “reter o essencial de um fato social ou cultural na malha das descrições” e presumindo a compreensão plena de um fenômeno observado – revelando, por fim, as estruturas elementares de toda uma sociedade – a etnografia de Michel Leiris não se quedaria na “tentação do universal generalizante” (GLISSANT 1997b, p. 130-131).

Ao descrever um vai-e-vem entre “si-mesmo” e o “outro”, refletindo sobre a própria linguagem, costurando e descosturando eventos, observações, autorreflexões, Michel Leiris, segundo Glissant, tornava-se bem-sucedido na criação de um regime verdadeiramente aberto de linguagem, uma poética da relação: “uma aventura da palavra, um desafio que se expõe, em sua relação fora-dentro, si-mesmo-mundo [...]. A prosa de Leiris é assim, uma meta-prosa que avalia a cada instante seu próprio nível de expressão [...]” (GLISSANT 1997b, p. 134-138).

Toda a obra de Michel Leiris encena um questionamento

relativo à própria subjetividade. Como herdeiro das discussões surrealistas e leitor de textos místicos (apropriados de forma particular), o uso das relações de analogia e metáfora na linguagem torna-se instrumento performativo de combate à definição cartesiana de sujeito e à separação, também cartesiana, entre sujeito e objeto. De modo similar, a comunicação, tal como descrita e imaginada ao longo da obra de Leiris, também só é possível a partir da construção de uma subjetividade descontínua, não essencial e não orgulhosa de si. A comunicação também pressupunha uma horizontalidade entre soi-même et l’autre.

Por tudo isso, pode-se dizer que a obra de Leiris representava, para Glissant, la pensée archipélique, em contraposição a la

Os conceitos de créolisation e Relation em Édouard Glissant e sua intertextualidade com a

obra de Michel Leiris

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pensée continentale, representada, por exemplo, por Claude Lévi-Strauss. A partir dessas considerações, podem-se compreender melhor algumas noções fundamentais da obra de Glissant, como as noções de créolisation e de Relation.

Em primeiro lugar, deve-se atentar para a diferença entre créolité, conceito que aparece no manifesto Éloge de la créolité (BERNABÉ; CHAMOISEAU; CONFIANT 1989), escrito em 1989 e inspirado em Glissant, e o conceito de créolisation. Em uma série de entrevistas concedidas a Lise Gauvin, o escritor explica que, em suas obras Le discours antillais e L’intention poétique, a última categoria aparece com frequência. Ele afirma que a créolisation é um “movimento perpétuo de interpenetrabilidade cultural e linguística que não permite que se chegue a uma definição do ser”. Segundo Glissant, ainda que o “ser” fosse uma “grande e nobre invenção do ocidente”, foi um conceito que desembocou em “toda sorte de sectarismos, de absolutos metafísicos e de fundamentalismos”. Era isso, também, que, ainda em seus termos, ele reprovava no movimento da Négritude (sem negar sua clara importância): o impulso para a definição de um “ser”. Ele continua declarando que acredita ser preciso dizer que há apenas um “sendo” (l’étant), ou seja, “existências particulares que se correspondem e que entram em conflito”, num processo contínuo (GLISSANT 2010, p. 31). Entretanto, para que esse processo se realize plenamente, é necessário equivalência entre as partes: “se, entre os elementos culturais postos em relação, há alguns que são inferiorizados em relação a outros, a créolisation não se realiza verdadeiramente. Ela se faz, mas de um modo bastardo e injusto” (GLISSANT 1996, p. 17).

A créolisation, resultado da Relation, é realizada, portanto, entre elementos diferentes (que não se confundem e não se diluem), mas que são equivalentes em valor. A créolisation não é, assim, uma dissolução de identidades, mas uma comunicação (que pode ser harmônica ou desarmônica) entre subjetividades descontínuas (GLISSANT 2010, p. 39-40). A Relation, então, se opõe aos universais. Trata-se de uma dialética sem síntese: “a Relation nos autoriza a passagem [...] entre todas as diferenças

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do mundo, enquanto o universal [...] tentava abstrair estes diferentes [...] à verdade absoluta do ser. [...] A Relação não é jamais uma diluição de particulares” (GLISSANT 2006, p. 220).

Ambos, Michel Leiris e Édouard Glissant, buscaram

construir formas não sistemáticas de representação de si-mesmo e do outro. Seus trabalhos performatizam um mise-en-jeu da própria subjetividade, uma forma de dar-se ao diálogo permanente. Ao longo de toda a vida, Leiris afirmou ser poeta e escritor, sendo a etnografia seu “segundo ofício”. Essa disciplina lhe teria fornecido novos instrumentos e métodos, além da possiblidade de uma “ampliação de horizontes” e de contatos reais com outras cosmovisões e formas de vida. As convenções científicas, porém, impediriam, na maior parte das vezes, o estabelecimento de uma verdadeira “comunicação”. Ele costumava afirmar que decidira publicar postumamente seu Journal para que, a partir dele, fossem abertas novas janelas de comunicação, para que o diálogo não fosse interrompido pela morte. O comércio de si-mesmo na forma do objeto-livro possibilitava, efetivamente, essa continuidade. A literatura, ou a poesia, como ele asseverou inúmeras vezes, seria o único instrumento capaz de projetar a própria subjetividade numa zona off limits, em que as barreiras entre si-mesmo e o outro pudessem ser interrompidas, ainda que por instantes.

Em sua obra, ainda que muito mais prescritiva do que a de Michel Leiris, Glissant também fará constante exaltação de uma démarche poética, única que permitiria a Relation e a imaginação de novos mundos (GLISSANT 2010, p. 63). Ele preconiza uma poética da relação. Poderíamos acrescentar: preconiza uma poética não apenas como instrumento estético, mas como savoir-vivre, como arte de viver. Sobretudo, como arte de dialogar: “aquilo que é projetado como palavra encontra também um outro múltiplo [...]. Iremos perceber que a poética não é uma arte do sonho ou da ilusão, mas uma maneira [...]

Conclusão

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de conceber a relação entre si-mesmo e o outro e a expressar” (GLISSANT 2010, p. 39-44).

Tanto a obra de Leiris quanto a de Glissant nos forçam a uma “leitura pelas dobras”. A própria forma de seus textos nos impele à imaginação de um fora-de-nós, à intuição de novas possibilidades não do “ser”, mas do “sendo”. A obra de Glissant é mais esperançosa que aquela de seu professor, mas ambas estão ancoradas em um compromisso insistente com a sua contemporaneidade, com os problemas de seus (des)semelhantes.

Pretendeu-se demonstrar, nesse estudo, portanto, as relações entre os conceitos elaborados por Édouard Glissant com a obra de Michel Leiris. Em primeiro lugar, a atração de Glissant pela substituição do “exotismo” pela “solidariedade” como forma de abordagem etnográfica. Nessa mesma perspectiva inclui-se a ideia de contato – não apenas representado na postura do etnógrafo, mas, sobretudo, na valorização das “sociedades do contato”. Em segundo lugar, buscou-se demonstrar a intertextualidade entre as noções de comunicação e contato na obra de Leiris e as noções de créolisation e de Relation na obra de Glissant. Trata-se, verdadeiramente, de uma conversa infinita.

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RECEBIDO EM: 02/10/2017 | APROVADO EM: 13/04/2018

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Gabriela Mitidieri [email protected] em história (PPGHIS-UFRJ)Universidade Federal do Rio de JaneiroRua Honório de Barros, n. 26, ap. 203 - Flamengo 22250-120 - Rio de Janeiro – Rio de JaneiroBrasil

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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RESUMO

ABSTRACT

KEYWORDS

PALAVRAS-CHAVE

Ouro Preto / MG - Brasil

História da Historiografia, n. 27, mai-ago, ano 2018, 142-172- DOI: 10.15848/hh.v0i27.1280

Tiempo, historia y política. Una reflexión comparativa sobre las conmemoraciones bicentenarias en México y ArgentinaTime, history and politics: a comparative analysis on the bicentennial commemorations of the Argentinean and Mexican independence revolutions

El objetivo de este artículo es comparar las conmemoraciones oficiales del bicentenario de las Revoluciones independentistas que tuvieron lugar en México y Argentina. Por un lado, se busca analizar cómo dos gobiernos ideológicamente diferentes conmemoraron el Bicentenario y representaron la idea de revolución y, por otro, examinar las relaciones que dichos gobiernos establecieron con el tiempo histórico. Las fuentes utilizadas para alcanzar dicho objetivo son los discursos oficiales de los presidentes y las celebraciones bicentenarias. Las hipótesis que se busca demostrar es, en primer lugar, la de que, mientras México intentó construir una memoria reconciliatoria, en Argentina se procuró poner en evidencia las rupturas entre los actores del pasado y el presente. En segundo lugar, esas dos formas de conmemorar dieron lugar a dos representaciones diferentes de la idea de revolución y a dos maneras de representar la tríada pasado-presente-futuro.

Memoria; Bicentenario; Tiempo histórico.

The article aims to compare the official Bicentennial commemorations of the independence revolutions that took place in Mexico and Argentina. The first objective is to analyze how two ideologically different governments commemorated the Bicentennial and represented the idea of revolution. The second is to see the relationships that these governments established with historical time. The sources used to achieve these objectives are the official speeches of presidents and the bicentennial celebrations. The thesis to be demonstrated is, first of all, that while Mexico tried to construct a reconciliatory memory, Argentina attempted to show the ruptures between the actors of the past and the present. Secondly, these two forms of commemoration gave rise to two different representations of the idea of revolution and two ways of representing the past-present-future triad.

Memory; Bicentennial; Historical Time.

Camila Perochena

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

El ciclo de celebraciones del bicentenario de las revoluciones independentistas hispanoamericanas comenzó en 2009, en Bolivia y Ecuador, continuó en 2010, en Argentina, México, Venezuela, Chile y Colombia, y culminó en 2011, en Uruguay, Paraguay y El Salvador. Dichas celebraciones forman parte de lo que Pierre Nora (1992) llamó “la era de la conmemoración”, donde el pasado se reactualiza en el presente, creando escenarios privilegiados para analizar los vínculos entre historia, memoria y política. Cuando estamos frente a conmemoraciones oficiales, la “presentificación” del pasado que cada país exhibe depende de los derroteros históricos, de las diferentes memorias construidas sobre esos derroteros y de las configuraciones políticas, que seleccionan aquello que consideran que merece ser recordado, olvidado o reactualizado (CONNERTON 1996).

Los gobiernos hispanoamericanos de turno aprovecharon, con mayor o menor intensidad, la oportunidad de esas fechas para recrear los mitos fundacionales de las naciones y expresar el lugar que, para ellos, debían ocupar en sus contextos políticos del presente. Si la primera operación fue común a todas las celebraciones bicentenarias, la segunda presentó variantes según las características de las coaliciones gobernantes y los conflictos políticos por los que atravesaba cada gobierno.

En esas variantes se concentra el presente artículo, cuyo objetivo es explorar comparativamente las conmemoraciones organizadas por el gobierno de Cristina Fernández de Kirchner en Argentina (2007-2015) y por el de Felipe Calderón en México (2006-2012). El análisis comparativo es particularmente fructífero en este caso porque, como sostiene Marc Bloch (1963), presenta cierta similitud en los hechos observados y cierta desemejanza en los ambientes en los que se produjeron. El año de 2010 encontró a México y Argentina con gobiernos ideológicamente diferentes. El kirchnerismo se autosituaba entre los gobiernos latinoamericanos que habían realizado “un giro a la izquierda” en la primera década del siglo XXI, mientras que el Partido de Acción Nacional (PAN) representaba el ala liberal-conservadora dentro del espectro ideológico mexicano.

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En el marco de esas diferencias, ¿cuál fue el papel que los respectivos gobiernos le otorgaron a las conmemoraciones oficiales del Bicentenario y en qué horizonte de expectativas las inscribieron? El propósito de las siguientes páginas es, pues, doble: por un lado, se busca analizar las diferencias que presentaron las conmemoraciones y los discursos oficiales en las que éstas se apoyaron, y por otro, penetrar en las representaciones que emanaron de dichos festejos y en las relaciones que establecieron quienes estuvieron a cargo de organizarlos respecto del tiempo.

El tema de este artículo se inscribe en el vasto campo de estudio sobre memoria, especialmente en el de aquellos trabajos que analizan cómo los gobiernos recurren al pasado, lo conmemoran y lo recrean en aras de consolidar una identidad colectiva y de legitimar los cursos de acción del presente. Pollack (1989) sostiene que las memorias oficiales son intentos de definir y reforzar sentimientos de pertenencia que apuntan a mantener la cohesión social y a defender fronteras simbólicas.

Tal como sostiene Jelin (2007), la memoria guarda una temporalidad compleja, ya que el sentido del pasado se ubica en un presente y en función de un futuro deseado. Al referirse al tránsito del siglo XVIII al XIX, Javier Fernández Sebastián (2013) explica que las revoluciones dieron lugar a una temporalización de la política y a una politización del tiempo. La temporalización de la política es, en palabras de Fabio Wasserman, “un fenómeno distintivo de las sociedades post-revolucionarias, cuando toda acción o reflexión política presupone una concepción del tiempo con la que está entramada” (WASSERMAN 2016, p. 13). A su vez, la politización del tiempo es un fenómeno que pone en juego diversas formas de vincular pasado, presente y futuro, las cuales se recrean y resignifican en las celebraciones de los mitos fundacionales de la nación, que tienen a las revoluciones como acta de nacimiento. Fernando Devoto afirma, en ese sentido, que las conmemoraciones son acontecimientos previstos y construidos que deben ser pensadas “no sólo en relación con las dimensiones profundas

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de la historia sino con su propia temporalidad, entendida tanto como el proceso concreto que lleva a su realización como ‘el horizonte de expectativas’ de aquellos que lo formulan o de aquellos que lo esperan” (DEVOTO 2014, p. 18).

En toda conmemoración se revive de forma colectiva la memoria de un acontecimiento considerado como fundante de la sociedad y se busca rastrear en el pasado las raíces identitarias de la nación (RODRIGUES DA SILVA 2002). Al analizar las conmemoraciones de la Revolución francesa, Mona Ozouf sostiene que los desfiles, discursos y monumentos se basan en cuatro afirmaciones: “aquellos a los que honramos son los mismos (entre ellos), nosotros somos los mismos (entre nosotros), nosotros seguimos siendo los mismos que en ese entonces y seguiremos siendo los mismos” (OZOUF 2000, p. 143). A pesar de ese objetivo subyacente en toda conmemoración, la autora remarca una paradoja: mientras los festejos resaltan la homogeneidad, los eventos del pasado ponen en evidencia rupturas dramáticas; o dicho en otros términos, mientras las conmemoraciones reclaman una memoria reconciliatoria —lo que Ozouf denomina irenique—, se escandalizan con las discordancias.

Cabe preguntarse, entonces, cómo resolvieron los gobiernos de México y Argentina esa paradoja y qué tipo de memoria se buscó recrear en los Bicentenarios de 2010. ¿Se trató de una memoria reconciliatoria? ¿Cómo aparecieron representadas las discordancias? ¿Qué valores adoptó en cada caso la noción de revolución? ¿Qué puentes se trazaron entre pasado, presente y futuro?

A partir de esos interrogantes se intentará argumentar, en primer lugar, que, mientras en el caso mexicano prevalecieron los intentos de construir una memoria reconciliatoria que acentuara la homogeneidad por sobre las rupturas dramáticas del pasado, en el caso argentino dominó una construcción polarizadora que buscó poner en evidencia las discordias entre los actores del pasado que hacían llegar sus ecos al presente. Ambos gobiernos, además de establecer vínculos de diferente intensidad entre política e historia, adoptaron distintas

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formas de conmemorar el pasado en sintonía con las diversas modalidades bajo las cuales tramitaron los conflictos políticos del presente y en relación con las tradiciones conmemorativas heredadas de los respectivos gobiernos anteriores.

En segundo lugar, se postula que las estrategias que los oficialismos adoptaron en la arena política para tramitar sus conflictos se expresaron en dos formas distintas de pensar el tiempo, de inscribir el presente en los mitos de los orígenes de la nación y de representar la idea misma de revolución. Así, los usos políticos del pasado vienen en cada caso a recuperar dos tradiciones y dos maneras de representar la tríada pasado-presente-futuro, fundante de la modernidad política, y que se podrían estilizar en el siguiente enunciado: para el panismo, la revolución ha terminado, mientras que, para el kirchnerismo, la revolución no ha concluido.

En 2010, México conjugó una doble conmemoración: la de los 200 años del inicio del proceso de independencia y la de los 100 años del inicio de la revolución zapatista. Las celebraciones estuvieron jalonadas por una serie de dificultades y contratiempos y recibieron numerosas críticas, tanto desde la opinión pública como desde el campo académico. A partir de 2005, se presentó una serie de problemas en los organismos encargados de su preparación, vinculados a los cambios de dirección de la comisión organizadora y a las denuncias realizadas por corrupción y despilfarro de los fondos públicos. El contexto en el que se encontraba el país tampoco favorecía el desarrollo de las celebraciones, ensombrecidas por las consecuencias trágicas de la guerra contra el narcotráfico. A su vez, la fecha del Bicentenario abrió un intenso debate acerca de la interpretación de la historia que se promovía desde el gobierno.

En ese sentido, es preciso destacar que, dentro del imaginario social mexicano como desde el punto de vista historiográfico, el momento revolucionario por excelencia es el proceso abierto

La revolución como un pasado compartido

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en 1910 con la llamada “Revolución mexicana”, mientras que el momento de 1810, que culmina con la independencia en 1821, resultó siempre un proceso complicado de interpretar en clave revolucionaria. La Revolución mexicana absorbió el concepto mismo de revolución, dejando al fenómeno desatado un siglo antes en un estatus ambivalente que, a partir de allí, debió medirse con lo ocurrido en 1910 (ÁVILA; MORENO 2008).

Ambos acontecimientos, la independencia y la revolución, generaron numerosas disputas en cuanto al uso público de la historia. A lo largo del siglo XIX, la historia mexicana se debatió entre perspectivas liberales y conservadoras que incidían sobre el presente y condicionaban el futuro (PÉREZ VEJO 2010). Durante el siglo XX, la tradición revolucionaria de 1910 fue institucionalizándose gradualmente a partir del partido que se situó como su legítimo heredero: el Partido Revolucionario Institucional (PRI). El déficit democrático que exhibieron los gobiernos del PRI fue permanentemente compensado con una apelación a la legitimidad histórica que le confería el proceso revolucionario, lo que implicaba una visión de la historia de carácter lineal, acumulativo y teleológico que marcaba las continuidades de un rumbo que había sido establecido en 1910. Desde esa perspectiva, la historia nacional estaría definida por tres procesos benéficos e indisolublemente ligados: independencia-reforma-revolución (GARCIADIEGO 2012). Al analizar los festejos del sesquicentenario de la independencia, Virginia Guedea (2014) sostiene que la idea de revolución adoptó una multiplicidad de significados que se entrecruzaron: fue entendida como doctrina, como parteaguas de la historia de México, como proceso inconcluso y como orientadora de un rumbo a seguir.

En 2010, las celebraciones contaron con una particularidad en comparación con las del siglo XX: los festejos los organizaría un partido político conservador que había mantenido una férrea oposición al PRI desde su fundación en 1939 y que, mientras estuvo en la oposición, había cuestionado el relato histórico establecido por aquél durante los 70 años en los que había dominado el escenario político mexicano.

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Uno de los interrogantes que se plantea a la hora de analizar las celebraciones del PAN es sobre si hubo ruptura o continuidad con la vieja historia de bronce sostenida por el PRI. Lo que señalan diversos historiadores es que el PAN, una vez en el poder, no buscó dar una visión alternativa a la vieja historia forjada por el PRI a pesar de pertenecer a una corriente nacional que, históricamente, se había opuesto a dicho relato (AGUILAR RIVERA 2010; GARCIADIEGO 2012; LOAEZA 2012; MEDINA PEÑA 2009). El gobierno de Calderón se sentía, al igual que los gobiernos del PRI, heredero de la independencia, la reforma y la revolución. En tal sentido, Aguilar Rivera sostiene que “el camposanto patriótico está en paz” y que “esto es notable sobre todo cuando el partido en el poder tuvo, en sus orígenes, una visión propia y distinta de la historia de México” (AGUILAR RIVERA 2010). Para Garciadiego (2012), al PAN le hubiera convenido ubicarse “como parte fundamental del más reciente eslabón del complejo proceso histórico mexicano, el del período de la transición a la democracia, en lugar de insistir en identificarse como parte de otra historia” (GARCIADIEGO 2012, p. 361).

El hecho de que Felipe Calderón no se propusiera dar una batalla por la historia no significa que el PAN no tuviera una visión propia del pasado. Desde la década del 1930, se produjo el resurgimiento de una historiografía conservadora que cuestionaba la “historia oficial” de los gobiernos posrevolucionarios. La historiografía conservadora, que hundía sus raíces en los historiadores conservadores del siglo XIX, era defendida por los sectores de la derecha católica. El clivaje era entonces entre la historia conservadora y la “historia oficial” o “historia liberal”. La editorial JUS, vinculada al PAN, era el principal espacio desde donde se difundían sus ideas. A pesar de su heterogeneidad, la historiografía conservadora compartía un mismo ideario, que comprendía la defensa de la Iglesia frente a los masones, la reivindicación de una historia unida estrechamente a la acción de la Iglesia católica, la conquista, la colonia, la república conservadora y los cristeros. La defensa del hispanismo como fuente de la fe católica y del idioma era un punto clave en ese imaginario. A su vez, eran

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antirrevolucionarios y antiliberales y veían a Estados Unidos como fuente de la desunión de la nación.

Ahora bien, ¿por qué el PAN no ofreció una visión diferente de la historia de México y recuperó las líneas trazadas por la historiografía conservadora? Frente a esa pregunta, diversos autores esbozaron una amplia gama de respuestas. Para algunos, existiría una represión consciente y deliberada de los gobernantes, que se encontraron frente a la incómoda situación de pertenecer a una elite formada en una historia patria conservadora y que debió dirigir un país formado en una historia patria liberal y revolucionaria (MEDINA PEÑA 2009). Para otros, si no se logró impulsar una historia conservadora fue más por abulia intelectual que por conformismo ideológico, habida cuenta que los miembros del PAN no conocerían una versión conservadora de la historia de México (AGUILAR RIVERA 2010). Y Carrillo Luvianos (2010) sostiene que habrían sido varios los factores que explican esa continuidad, entre los cuales destaca la ausencia de figuras, dentro de la tradición histórica del PAN, que pudieran transformarse en íconos de veneración nacional.

Entre las diferentes contribuciones que contienen balances de las conmemoraciones de 2010, es posible destacar el libro coordinado por Erika Pani y Ariel Rodríguez Kuri (2012). Pani (2012) señala allí que el clima de época de los centenarios hispanoamericanos, donde habían primado el optimismo y los motivos para festejar, contrastó con el de los Bicentenarios, que se encontraron con una América Latina periférica y subdesarrollada. A pesar de los contrastes, los gobiernos recurrieron, según la autora, a dispositivos similares a los utilizados cien años atrás, aunque más efímeros y llamativos que permanentes y solemnes.

Verónica Zárate Toscano (2012) comparte esa perspectiva pesimista del resultado que arrojaron los festejos al describirlos como un fracaso conmemorativo en el que no se cumplieron las expectativas que habían generado ni se logró difundir una versión sólida de la historia. Javier Garciadiego (2012),

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en cambio, define los festejos de 2010 como “polifónicos” en la medida en que la presencia de un gobierno democrático y pluripartidista permitió que las celebraciones no adquirieran un significado ideológico único, lo que, en contrapartida, trajo como consecuencia una marcada desorganización en su preparación. Para Loaeza (2012), el clima de época del Bicentenario se caracterizó por una ausencia de consenso en el seno de la sociedad y entre la sociedad y el Estado, dado que el nacionalismo ya no ofrecía una base de acuerdo general.

Al analizar las vísperas de los festejos, algunos autores observaron que la idea de futuro ya no podía invocarse “como fundamento de esperanza ni como garantía de seguridad del presente” (RABOTNIKOF 2010, p. 222) y que el pasado ya no era una fuente de legitimidad. En esa línea, sostienen que el concepto de revolución se habría desmontado como concepto histórico al dejar de operar como guía para el futuro. La revolución habría ido borrándose en los discursos de la transición y abandonando su condición de “memoria viva” al desaparecer en las dos décadas precedentes al Bicentenario la nostalgia que por ella y por sus valores había reactualizado el discurso público mexicano (ALLIER MONTAÑO; HESLES BERNAL 2010).

En el marco de esas variadas perspectivas, existe un relativo consenso en señalar las dificultades que el partido gobernante tuvo frente a la idea de revolución. Efectivamente, durante la transición democrática mexicana, iniciada en las últimas décadas del siglo XX, la idea de revolución fue resignificada por los partidos políticos. Tal mutación no implicó que la idea de revolución haya desaparecido del imaginario político, sino que lo que se clausuró fue la disputa en torno a su significado y herencia al pasar a ser un pasado compartido por los diversos partidos. Y fue durante la presidencia de Felipe Calderón, en el contexto de las celebraciones del Bicentenario, cuando se hizo visible esa idea en la medida en que un partido liberal-conservador, que se había opuesto históricamente a dicha tradición, se presentaba ahora como heredero de la revolución

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de 1910. En un discurso del 29 de enero de 2009, el presidente sostuvo: “Somos ahora, por encima de nuestras naturales diferencias, una misma Nación, heredera de la insurgencia, la reforma y la revolución” (CALDERÓN 29/01/2009).

¿Cuál fue, entonces, la representación de la idea de revolución esgrimida por el gobierno mexicano, tanto en sus discursos como en los festejos, y en qué sentido la conmemoración permitió establecer un puente entre el pasado, el presente y el futuro de México?

En el primer aniversario de la revolución de 1910 que celebró, Calderón afirmó que el “Gobierno de la República reivindica la importancia del 20 de Noviembre en nuestro calendario cívico, porque esta fecha es patrimonio de México y legado para las próximas generaciones” (CALDERÓN 20/11/2007). Por otro lado, en diversos discursos reivindicó a los héroes revolucionarios como aquellos que “se alzaron para hacer de México un país justo e incluyente, un país democrático” (CALDERÓN 17/11/2007).

En las conmemoraciones de 2009, el presidente se interrogaba sobre el significado de la revolución mexicana:

Qué significa Revolución Mexicana hoy. Qué significa para quienes tenemos responsabilidades en uno u otro ámbito de la vida pública o de la privada, de la academia, de la opinión pública. Qué significa para los mexicanos. Leopoldo Zea, y hago mías sus palabras, afirmaba que la Revolución Mexicana, por diversas que sean las circunstancias dentro de las cuales se encuentre, podrá seguir significando el mismo ideal que significó en sus inicios: el de un México mejor, un México en el que la mayoría de los mexicanos pueda alcanzar el máximo de oportunidades que haga su felicidad (CALDERÓN 20/11/2009).

De los discursos se desprende una clara reivindicación de los ideales revolucionarios que en poco difiere de la realizada en el pasado por el PRI. En tal sentido se podría afirmar que, para Calderón, la revolución adquiría el mismo significado que para “los mexicanos”: el ideal de un México mejor y el de un acontecimiento defendido por todos. Las cuatro afirmaciones

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que Mona Ozouf (2000) postulaba para la conmemoración de la Revolución francesa parecen reactualizarse en el caso mexicano al hacer suya la memoria reconciliatoria que la autora señala como propia de las celebraciones.

Efectivamente, la absorción que el PAN hizo de la revolución como asimismo de la independencia en el contexto del bicentenario estuvo siempre acompañada por un llamado a la unidad de los mexicanos. En un discurso ofrecido frente al mural de Diego Rivera en el Palacio Nacional, Calderón pidió “que el Bicentenario de la Independencia y el Centenario de la Revolución no sean más en el mural confrontación y desencuentro, sino espacio vivo, concreto y luminoso de unidad y de solidaridad entre los mexicanos” (CALDERÓN 08/03/2007). En la conmemoración del 20 de noviembre de 2007, sostuvo que “los ideales de la Revolución encontraron límite en su alcance, en buena medida con las fracturas y divisiones entre los mexicanos”.

Tal como se planteó en la introducción, esa memoria reconciliatoria estaba en sintonía con las estrategias bajo las cuales el gobierno buscó tramitar el conflicto político. Desde los inicios de su gestión, Calderón convocó a superar las diferencias y a priorizar aquellas dimensiones que todos los mexicanos compartían:

La conmemoración del Bicentenario de la Independencia y del Centenario de la Revolución en el 2010 serán motivo de fiesta, serán motivo de alegría y de orgullo para todos. Nos unirá el sentir nacional, aquel sentir que señalara Renán en su tiempo: el tener glorias comunes en el pasado, una voluntad común en el presente; el haber hecho juntos grandes cosas y querer hacer otras más. La existencia de la Nación es un plebiscito cotidiano (CALDERÓN 08/05/2008).

La referencia a Renán aparece en más de un discurso de Calderón, recuperándose así un uso político del pasado que apuntaba a borrar u olvidar las diferencias que existían en el interior del cuerpo político para congregarse en torno al “sentir nacional”. La estrategia de evitar una revisión y confrontación

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con la memoria del pasado consagrada por el PRI está, sin duda, en sintonía con el propósito de generar una política de negociación y reconciliación con el resto de las fuerzas políticas en el presente que compensara la ajustada legitimidad electoral de Calderón.

El año de 2010 representaba, así, el momento en el que los mexicanos debían unirse para preservar la libertad conseguida en los dos eventos celebrados:

Por eso ante el pasado México tiene el deber de la reconciliación, México debe reconciliarse con su pasado, escribió Octavio Paz. 2010 debe ser el año de esa reconciliación, pero frente al futuro México tiene un deber aún mayor: el deber de la unión. 2010 deber ser también el año de la unidad en la pluralidad, que nada ni nadie puede vulnerar (CALDERÓN 26/01/2009).

Además del énfasis colocado en la unidad y la reconciliación de los mexicanos, el gobierno de Calderón presentó la historia de los 200 años transcurridos como una suerte de evolución progresiva hacia un mejor presente: “Conmemoramos no sólo lo que logramos hace 200 años, sino lo que hemos hecho en 200 años. Lo que estamos haciendo en estos 100 años primeros del México revolucionario” (CALDERÓN 09/06/2010). El eslogan utilizado durante las conmemoraciones fue: “200 años de ser orgullosamente mexicanos”. Ese eslogan, que aparecía en publicidades, folletería, actos y discursos, se ratificaba en los mensajes emitidos por el presidente: ““Son muchos y muy vivos los motivos por los que nos sentimos orgullosos de ser mexicanos, orgullosos de nuestros héroes, orgullosos de nuestras raíces, orgullosos de nuestra historia, y de todo lo que hemos construido en estos 200 años de ser Nación libre, soberana y poderosa” (CALDERÓN 30/05/2010).

La imagen que revelan los difundidos tópicos oficiales es la de una visión homogénea y complaciente con el pasado que se sitúa en las antípodas de las visiones decadentistas de la historia.

Finalmente, en los fastos del 15 y 16 de septiembre de 2010, hubo un gran desfile de carros alegóricos en el Paseo

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de la Reforma —entre otros desfiles que se realizaron en esos días— que combinó una exaltación de la identidad mexicana con escenas de la historia de México. El desfile contaba con 9 escenas: la independencia, la revolución e insurgencia, fase prehispánica, héroes y mitos, colonia y barroco, la gran nación mexicana, suave patria, celebración de muertos y cultura popular. El segmento de la “revolución e insurgencia” —con toda la polifonía que ambos términos asumen en la historia de México— ponía el acento en el valor de la batalla y en el carácter bélico del acontecimiento y estuvo dividido en dos fases. La primera consistía en un batallón de marionetas que representaba la Revolución como “el último gran relato nacional sobre la épica de un cambio”. El batallón estaba acompañado por una gran esfera que representaba el “caos” revolucionario. La segunda fase estaba formada por un grupo de trabajadores que arrastraba una ruina, la “estatua fragmentada de un héroe anónimo”, que representaba a un arcano que era traído y reconstruido en el presente. Una vez que el desfile arribó al Zócalo, se levantó “el Coloso”, una figura gigante de 20 metros de altura y 8 toneladas. Ante la fuerte polémica que desató dicha figura, el gobierno negó que tuviera una identidad específica.

Las imágenes con las que en el desfile se buscó representar a la Revolución fueron alegóricas. Al analizar los festivales de la

Imagen 1 - El Coloso del Bicentenario

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Revolución francesa, Mona Ozouf (1991) explica que la alegoría era la forma de representación favorita para los revolucionarios porque, a diferencia del simulacro y el símbolo, era una imitación nominativa, una representación más asociada a la sustitución que a la reproducción. De esa manera se lograba mantener cierta distancia con la realidad y se buscaba evitar cualquier invitación a la violencia. El problema de la alegoría era que podía aburrir y fracasar en su intento de persuadir, tal como sucedió en México. Según mostraron las crónicas de los festejos, el público asistente tuvo muchas dificultades para reconocer los eventos o personajes que cada uno de los carros representaba. El carácter abstracto y alegórico con el que deliberadamente se buscó diseñar la estética del desfile, con escenas que remitían a héroes anónimos y desencarnados, seguramente no fue ajeno a la voluntad política del gobierno de no abrir disputas en torno al pasado.

A diferencia del caso mexicano, la conmemoración del Bicentenario en Argentina se convirtió en un éxito masivo. Se calcula que 6 millones de personas asistieron al Paseo del Bicentenario entre el 21 de mayo y el 25 de mayo de 2010. El gobierno de Cristina Fernández de Kirchner transformó los festejos en una suerte de momento mítico de la gestión.

El segundo contraste se observa en la menor repercusión que la realización de la conmemoración tuvo en el campo académico en comparación con lo que se verificó en el caso de la historiografía mexicana. En Argentina, los historiadores se abocaron a debatir las renovaciones historiográficas que el fenómeno revolucionario e independentista venía recibiendo en los últimos años respecto de los relatos patrióticos de la historiografía canónica, en vez de discutir el evento bicentenario en sí o las continuidades y rupturas que los discursos oficiales establecían con las líneas históricas precedentes. En todo caso, tales debates fueron más bien de carácter periodístico y abrieron en esa sede fuertes polémicas sobre los usos políticos de la historia.

La revolución como un proceso inconcluso

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La intensa recurrencia a la historia y al pasado por parte de Fernández de Kirchner estimuló tales debates. A diferencia del caso mexicano, en el que Calderón eligió no abrir la disputa por el pasado, Fernández de Kirchner planteó que era preciso reescribir el pasado para dar a conocer la “verdadera historia” frente a una “historia falsificada”. La contraposición entre una historia verdadera y una falsificada formaba parte de la tradición conocida como “revisionismo histórico”, que remite a un conjunto de interpretaciones nacidas en la década de 1930 por fuera de los ámbitos académicos y cuya característica principal residió en la crítica a una historiografía denominada genéricamente como “liberal” u “oficial”. Para los revisionistas, los relatos de la llamada “historia liberal” —representada por sus padres fundadores, Bartolomé Mitre y Vicente F. López, en la segunda mitad del siglo XIX—, escrita en un período de optimismo hacia el futuro, ya no eran adecuados para la Argentina posterior a los años 1930, caracterizada por la crisis del paradigma liberal y, en consecuencia, por el pesimismo que venía a reemplazar la noción de progreso que estaba en la base del liberalismo.

El peronismo hizo suya la visión revisionista de la historia luego de la caída de Perón en 1955 y dicha apropiación se dio entrelazada con los tópicos que aportaba la izquierda nacional en un período de intensa movilización social y política. El repertorio original revisionista se nutrió de ese nuevo clima más radicalizado para consagrar los tópicos que fueron su marca registrada: la recusación de la tradición política liberal, la reivindicación del nacionalismo y del antiimperialismo, la insistencia en teorías conspirativas entre intereses extranjeros y las elites económicas y políticas locales y la denuncia del modelo agroexportador como usina de dependencia en contraposición a un modelo industrialista nacional.

El triunfo de Perón en 1973 vino a consagrar desde el poder esa versión de la historia que, desde los años anteriores, venía propagándose hasta alcanzar una amplísima difusión en amplios sectores de la población que no se reducían a los círculos

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intelectuales (CATTARUZZA 2003; GOEBEL 2013; HALPERIN DONGHI 2005). Con los gobiernos kirchneristas, especialmente con el de Cristina Fernández de Kirchner, el revisionismo encontró en el Estado un apoyo y reconocimiento institucional que se expresó en discursos, rituales y museos, así como en la institucionalización de esa línea interpretativa del pasado, con la creación, por decisión presidencial, del Instituto Nacional de Revisionismo Histórico Manuel Dorrego en noviembre de 2011. No habría aquí, como en México, una disputa entre una visión de la historia liberal y una conservadora, sino, más bien, entre la tradicional versión liberal iniciada en la segunda mitad del siglo XIX y las versiones críticas emanadas de las variantes que adoptó el revisionismo.

En ese contexto, las reflexiones historiográficas acerca de los festejos y las imágenes que el gobierno buscó transmitir se encuentran más fragmentadas. Como destaca Omar Acha (2011) en el balance que realizó, las posiciones interpretativas de los intelectuales estuvieron estrechamente condicionadas por los antagonismos ideológicos que rodearon a la conmemoración. El autor afirma que “no existe una síntesis dominante de los puntos de vista, los que por otra parte fueron modificándose con rapidez” (ACHA 2011, p. 57). Juan Suriano (2015) también ofrece un balance en el que analiza el discurso político y el rol de los historiadores en los festejos. Con respecto a la primera cuestión, el autor sostiene que la interpretación del pasado ofrecida por el gobierno se “amoldó a la lógica polarizadora de la política”, deslizándose “hacia el anacronismo, el maniqueísmo y el autoelogio” (SURIANO 2016, p. 161). Esta visión ha sido matizada por Nora Pagano y Martha Rodríguez, quienes, al examinar algunas iniciativas artísticas como ciertos emprendimientos editoriales y multimediales promovidos por el Estado durante el Bicentenario con la participación y asesoramiento de historiadores, destacan la polifonía de voces e interpretaciones sobre el pasado (PAGANO; RODRÍGUEZ 2015).

Otras contribuciones han hecho hincapié en los aspectos multiculturales de los festejos para coincidir en que el relato

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del pasado elaborado por el gobierno rompió con las narrativas de un pueblo argentino homogéneo, blanco y de raíces europeas (ADAMOVSKY 2012; RUFER 2012; MOLINARO 2013). Esto se evidenció en el desfile del Bicentenario, en el que participaron numerosos actores afroargentinos e indígenas. Pablo Ortemberg (2013/2014), por su parte, analiza detenidamente el papel que desempeñó el novedoso espectáculo del video mapping utilizado en diversos países —incluida Argentina— durante las celebraciones de 2010 y reflexiona sobre las nuevas tecnologías y las narrativas que expresan en las conmemoraciones bicentenarias.

Finalmente, es preciso señalar la publicación del libro Bicentenario argentino: celebrar en las calles, ser parte de la historia (GUTMAN et al. 2016), en el que se reúne y sistematiza información y testimonios sobre las celebraciones que tuvieron lugar entre el 21 y 25 de mayo de 2010 en Buenos Aires. El libro fue encargado por la Unidad Ejecutora del Bicentenario de la Presidencia de la Nación con el objetivo de registrar los acontecimientos para luego difundirlos. La información allí recopilada está acompañada por una contextualización e interpretación de las fiestas en las que predomina el tono laudatorio. El prólogo del libro fue escrito por la entonces presidenta de la nación, donde sostiene que el Bicentenario fue una oportunidad para repensar la Argentina y que eso no “era sólo un ejercicio intelectual sino que tenía un carácter refundacional” (GUTMAN et al. 2016, p. 9). La idea de que el Bicentenario y, por lo tanto el kirchnerismo, representaba un momento refundacional en la política permearía los diversos discursos de la presidenta en torno al pasado y el presente.

A diferencia de México, en el caso argentino, la idea de revolución se filiaba a 1810, mientras que el momento del Centenario quedó asociado en el discurso oficial al último tramo de un régimen conservador y oligárquico. Las representaciones del pasado revolucionario esgrimidas por Fernández de Kirchner estaban, así, enmarcadas en una idea central: la revolución había quedado inconclusa. Por tal motivo, la presidenta convocó a una “gesta del Bicentenario” que terminara la

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“tarea inconclusa de los hombres y mujeres que desde el 25 de Mayo de 1810 soñaron con un país diferente” (KIRCHNER 16/11/2011). El gobierno kirchnerista se presentó a sí mismo como el encargado de llevar adelante esa tarea hasta su destino final, tal como lo habían hecho los hombres de la generación del ’37 del siglo XIX al presentarse como continuadores de los héroes revolucionarios y, a su vez, los encargados de completar la tarea inconclusa de aquéllos.

En la conmemoración de la Revolución de Mayo de 2013, luego de una larga enumeración de las políticas adoptadas por el gobierno, la presidenta expresó que:

Hemos logrado articular esto, y este es el mejor homenaje que podemos hacer a esos hombres y a esas mujeres que liberaron un pueblo hace 203 años, pero que la tarea había quedado inconclusa, porque todavía estamos peleando también ya no por la libertad, sino por la igualdad que es el gran signo de esta década y de las que vendrán (KIRCHNER 26/05/2013).

La realización en el presente del sueño revolucionario reactualizaba los valores e ideales encarnados por algunos de sus héroes. Para lograr ese objetivo no sólo se precisaba un gobierno que lo impulsara, sino también ciudadanos que con “valor y coraje” defendieran “los sagrados derechos de la libertad y de la igualdad” como 200 años atrás lo habían hecho los “hombres y mujeres que enfrentaron al ejército más poderoso en aquel momento” (KIRCHNER 19/04/2010).

La figura de Belgrano, caracterizado como el prócer favorito de la presidenta, reunía los diversos atributos del héroe revolucionario:

Esta es una nueva epopeya, como la del éxodo de Belgrano, como la del Éxodo Jujeño […] A esta epopeya por la igualdad de oportunidades, por la distribución del ingreso, por la justicia territorial, es a la que estamos convocando a todos los argentinos de bien, millones y millones saben que estamos en el camino correcto y que habrá dificultades, siempre las hay (KIRCHNER 08/05/2008).

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La invocación de las dificultades unía a los revolucionarios de ayer con la voluntad de cambio que el gobierno le imprimía al presente. En un discurso en conmemoración por el Día de la Bandera en 2010, Fernández de Kirchner explicó que, durante el Éxodo jujeño, “algunos ricos que se negaron a quemar o a abandonar lo que tenían y preferían negociar con el enemigo, fueron fusilados por el general Belgrano por traidores a la Patria”. Este gesto del prócer era justificado con la afirmación de que “muchas veces […] hay que tomar decisiones que molestan por ahí a los que más tienen, porque si no la solidaridad es sólo un ejercicio retórico, porque si no la generosidad es sólo un discurso para las campañas” (KIRCHNER 20/06/2010).

El espejismo que el discurso de la presidenta trazaba entre los conflictos del pasado y del presente se repitieron con distintas variantes durante toda su gestión; una operación que se inscribió en la búsqueda deliberada por trazar una genealogía histórica que legitimara el carácter polarizador que había adoptado el oficialismo en su estrategia política y discursiva.

Ese carácter polarizador se puede rastrear más nítidamente desde el año de 2008, cuando se abrió un conflicto entre el gobierno y los sectores agroexportadores. Existe cierto acuerdo en la literatura en torno a la profundización del rumbo, la radicalización o el giro populista que adoptó el gobierno a partir de ese momento (NOVARO; BONVECCHI; CHERNY 2014; SVAMPA 2013). La distancia y la confrontación entre el oficialismo y la oposición se profundizó rápidamente, reflejándose en los discursos presidenciales a través del uso de un nosotros representado por el kirchnerismo y un ellos personificado por una multiplicidad de antagonistas que cambiaban según el contexto: las corporaciones rurales, los medios de comunicación, los partidos políticos opositores o algunos sectores del sindicalismo.

Las tensiones experimentadas en el presente se trasladaron a las visiones del pasado, creándose cadenas de equivalencias entre quienes habían buscado desplegar los ideales revolucionarios de igualdad y libertad y quienes se les habían

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opuesto a lo largo de un ciclo que, para el kirchnerismo, no se limitó al siglo XIX, sino que continuó vigente en los dos siglos de historia que separaban 1810 de 2010. La genealogía trazada en ese largo ciclo presentaba momentos negativos del pasado con los que se establecía una ruptura y momentos positivos con los que se buscaba marcar continuidades. Si el momento del Centenario figuraba entre los primeros, los años 70 del siglo XX se encontraban entre los segundos. La reivindicación de la militancia setentista y de sus valores e ideales buscaba abarcar un colectivo amplio que hacía hincapié en el rol de la juventud, heredera de un legado interrumpido por el terrorismo de Estado. Aquellos ideales y valores quedaban así filiados a los de 1810, mientras que sus sucesivas interrupciones quedaban filiadas a sectores, grupos o intereses que tanto en el pasado como en el presente se oponían al despliegue del rumbo inconcluso de la revolución celebrada en 2010 (PEROCHENA 2016).

Tal cadena de equivalencias se reconoce en la expresión “200 años de frustraciones”, utilizada reiteradas veces por la presidenta:

Saber que estamos en una misma pelea que es la de revertir 200 años de frustraciones, de desencuentros, de fracasos. Siento, créanme, en el fondo de mi corazón que no tenemos derecho a equivocarnos otra vez. Nos hemos equivocado demasiado los argentinos, nos hemos enfrentado demasiado, hemos creído que algunos podían imponerse por sobre los otros y, tal vez, mi generación y nuestro espacio político, que tal vez haya sido el más castigado en toda la historia, haya hecho el aprendizaje histórico. Por eso hoy convocamos de esa historia de fracasos a esta nueva Argentina en que estamos construyendo éxitos y un lugar en el mundo a no desperdiciar esta fantástica oportunidad que tenemos y que venimos ejecutando desde 2003 (KIRCHNER 24/04/2008).

El kirchnerismo venía así a erigirse en un nuevo origen frente a un pasado que era leído en clave decadentista, revelando la vocación refundacional que lo inspiraba. Desde esa perspectiva puede interpretarse la contraposición entre dos momentos marcados por un punto de inflexión en el año 2003, cuando Néstor Kirchner ganó las elecciones presidenciales. En casi dos siglos de historia, el país habría vivido dominado por los fracasos,

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desencuentros y frustraciones que venían a redimirse y corregirse desde 2003. El clima de las celebraciones del Bicentenario representó un instrumento muy eficaz para exhibir esa vocación refundacional y para establecer líneas históricas que ubicaban al nosotros y al ellos en fronteras que replicaban los conflictos del presente.

Finalmente, al igual que en México, el festejo del Bicentenario en Argentina contó con una diversidad de desfiles entre los que cabe destacar el desfile histórico realizado el 25 de mayo de 2010. Allí se representaron diversas escenas de la historia y cultura del país, de las cuales dos se correspondían con el momento revolucionario. Una simbolizaba el Éxodo jujeño liderado por Belgrano —su inclusión había sido solicitada explícitamente por la presidenta— y estaba compuesta por un amplio grupo de personas que se trasladaba con carretas llenas de alimentos, abrigos y ropa acompañados por hombres y mujeres que tocaban bombos. En un momento, se encendían antorchas que guiaban a las personas en la caminata por la noche. La segunda escena simbolizaba el Cruce de los Andes —que comandó el general San Martín en 1817— a partir de un ejército de granaderos que marchaba bajo una gran nevada que caía sobre ellos, acompañados de indígenas y criollos que los guiaban entre las montañas.

En las dos escenas, en contraste con los festejos de México, la forma de representación elegida no fue la alegoría sino el simulacro. No se buscaba allí sustituir, sino reproducir el pasado y, mediante su reproducción, traerlo al presente reduciendo la distancia que los separaban. El público al que estaban destinadas esas escenas del desfile debía conmoverse e identificarse con los personajes y acontecimientos; algo que difícilmente podía generarse con las representaciones alegóricas de la Revolución en México.

La comparación entre las representaciones del pasado que emanaron de las celebraciones del Bicentenario en Argentina y México revela la memoria reconciliatoria que buscó imponer el gobierno mexicano en contraste con la memoria polarizadora

Pasado-pasado y pasado-futuro

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del gobierno argentino. Mientras el primero postulaba la consigna de “200 años de ser orgullosamente mexicanos”, el segundo convocaba a superar “200 años de frustraciones”. Ante la vocación de Calderón de homogeneizar a los diversos actores del presente tras una imagen optimista y sin conflictos del pasado, se erigió la visión decadentista de la historia que dominó los discursos de Fernández de Kirchner y en la que el pasado regresaba con sus disputas y divisiones en el presente.

Esas imágenes no fueron ajenas, como dijimos, a las formas de concebir las estrategias políticas para tramitar los conflictos con los partidos y grupos de oposición por parte de ambos gobiernos. La política como radicalización del conflicto tuvo, durante el kirchnerismo, un correlato en las formas que adoptó la construcción del vínculo entre pasado y presente, estructurado como la división entre quienes habían luchado por encarnar durante dos siglos las promesas incumplidas de la Revolución y quienes habían representado alternativamente las fuerzas retrógradas que habían buscado impedirlo. Para el panismo, en cambio, la política se presentaba como un mecanismo de moderación del conflicto en sintonía con el intento de pacificar las representaciones existentes en torno al tormentoso vínculo entre pasado y presente, entre fuerzas revolucionarias y antirrevolucionarias en las diversas coyunturas que atravesaron los dos siglos.

En ese punto, las diferencias de los derroteros históricos de ambos países también incidieron en las formas de concebir la temporalidad. La coyuntura de 1910 fue para la Argentina un momento de apogeo económico que los fastos del Centenario buscaron exhibir en una suerte de autocelebración de la nación pujante. Fernando Devoto afirma, en ese sentido, que, si los festejos convencionales por la Revolución se caracterizaron en Argentina por una “variación entre presente y pasado (un pasado en el presente o mejor, un pasado excusa para ese presente)”, la conmemoración del Centenario de 1910 “enfatizó mucho más la dimensión de futuro” (DEVOTO 2014, p. 24).

Si seguimos la pista que propone Devoto, se podría afirmar

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que las representaciones de la temporalidad en los Bicentenarios aquí analizados fueron diversas porque estuvieron en relación con los distintos derroteros históricos trazados en ambos países, con las diferentes valores que el concepto de revolución asumió en las respectivas memorias históricas y con los horizontes de expectativas que tuvieron en el presente.

La concepción del tiempo que atraviesa, entonces, ambas experiencias bicentenarias recolocan en un espacio central al concepto de revolución. En México, para establecer una distancia irreductible entre el pasado remoto y el presente: la Revolución ya no era disputada porque todos se reivindicaban como sus herederos y por ello se presentaba como un pasado-pasado concluido. En Argentina, en cambio, fungió para reactualizar el pasado en el presente y para promover la idea de una revolución inconclusa que se presentaba como un pasado-futuro. Los ideales revolucionarios de 1810 permanecían vivos a la espera de un gobierno capaz de encarnarlos y cristalizarlos bajo la promesa de una sociedad mejor.

Desde esa perspectiva, y ya para concluir, algunos autores sostienen que el surgimiento de la memoria como un aspecto central de la cultura y de la política en el cambio de milenio puede ser explicado por la incertidumbre frente al futuro. El ejemplo del final de la experiencia socialista en Occidente habría llevado a una nueva forma de experimentar el tiempo en el que el porvenir ya no funciona como guía para la acción (HUYSSEN 2007; LOWENTHAL 1998; NORA 2009). La opacidad del futuro tendría como contracara un vuelco hacia el pasado y la “ola memorial” —en palabras de Jaques Revel— se daría en sociedades que “ven su presente como incierto y el futuro como opaco” (REVEL 2014, p. 15).

A la luz de lo dicho hasta aquí, cabe preguntarse si la reflexión precedente es extensible a los dos casos analizados y si estaríamos frente a un nuevo momento en el que, como afirma Reinhart Koselleck (1993) para el tránsito del siglo XVIII al XIX, se produjo un nuevo entrelazamiento entre pasado y futuro, entre los espacios de experiencia conocidos y los

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horizontes de expectativas. Por cierto que lo desarrollado en estas breves páginas no puede responder a ese interrogante. No obstante, ambos casos parecen expresar modalidades diversas. En México, la incertidumbre y opacidad hacia el futuro que en gran parte ensombreció los fastos bicentenarios no se reflejó en un vuelco hacia el pasado si consideramos que la relación entre historia y política fue para el panismo de baja intensidad. La memoria reconciliatoria que se reivindicó no ancló en una voluntad omnipresente de recurrir al pasado como herramienta política de consolidación y legitimación. En Argentina, en cambio, el vínculo entre historia y política fue de alta intensidad, como lo fue la recurrencia al pasado en una operación de memoria muy omnipresente. Sin embargo, esa explosión memorialista no estuvo teñida por una actitud vacilante con respecto al futuro, sino alentada por una idea prometedora del porvenir. La vocación refundacional de los gobiernos kirchneristas abría un horizonte de expectativas que poco lugar dejaba —o pretendía dejar— a la incertidumbre. Una muestra simbólica de ese horizonte se exhibió durante el desfile por los festejos del Bicentenario: una de las 18 escenas se titulaba “El futuro”. En ella aparecía un gran globo transparente en cuyo interior podía verse un grupo de niños con uniformes escolares, maestros y científicos. Esa era la imagen que el kirchnerismo buscaba dejar impresa para el porvenir.

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RECIBIDO EL: 30/09/2017 | ACEPTADO EL: 13/04/2018

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Camila [email protected] en Historia (UBA)Magister en Ciencia Política - Universidad Torcuato Di Tella (UTDT)Av. Figueroa Alcorta 7350, Capital Federal, Buenos Aires,Argentina

La investigación de la cual resultó este artículo fue realizada con el apoyo financiero del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas de Argentina. Asimismo agradezco a la Dra. Virginia Guedea y a los integrantes del Seminario de Historia y Memoria Nacionales del Instituto de Investigaciones Históricas de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) por permitirme formar parte de dicho seminario y por aportarme valiosos materiales y sugerencias para la investigación.

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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RESUMEN

ABSTRACT

KEYWORDS

PALABRAS CLAVE

Ouro Preto / MG - Brasil

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Sistemas narrativos historiográficos: La realidad de la ficción en Pedro Bohórquez, el Inca del TucumánHistoriographical Narrative Systems: The Reality of Fiction in Pedro Bohórquez. The Inca of El Tucumán

El presente artículo atiende dos preguntas interrelacionadas. Por un lado, se interroga por el estatuto de la ficción, incluyendo entre sus modalidades a la narración. Por otro lado, se enfoca la especificidad de la operación historiográfica y su vinculación con las modalidades ficcionales. Para ello se avanza en el entrecruzamiento de la filosofía narrativista de la historia y de la teoría de sistemas, considerando para ello a autores clave como Hayden White y Niklas Luhmann. Finalmente, se abordará una narrativa en particular, la obra de Teresa Piossek Prebisch, Pedro Bohórquez, el Inca del Tucumán, lo cual permitirá observar este cruce teórico en funcionamiento. Y, a la vez, poner en perspectiva apropiadamente el problema, rasgos y alcance del recurso ficcional en el marco de lo que aquí se denomina sistemas narrativos historiográficos.

Narrativismo; Ficción; Teoría de sistemas.

This article addresses two interrelated questions. On the one hand, it questions the statute of fiction, including narrative among its modalities. On the other hand, it focuses on the specificity of the historiographic operation and its connection with fictional modalities. In order to discuss these issues, we look into the interweaving of the narrativist philosophy of history and systems theory, taking into consideration key authors such as Hayden White and Niklas Luhmann. Finally, a narrative in particular, Pedro Bohorquez, the Inca of El Tucuman, written by Teresa Piossek Prebisch, will be approached, enabling the observation of this theoretical cross linking at work. And, likewise, putting into an appropriate perspective the problem, features and scope of the fictional resource within the framework of what is here labeled as historiographical narrative systems.

Narrativism; Fiction; Systems theory.

Nicolás Lavagnino

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

Bohórquez existió en la realidad aunque parezca haber sido inventado, pero a veces la verdad desafía a la imaginación” (POTENZE 2004, p. iv).

El presente trabajo intenta conectar dos series de preguntas. Por un lado, se interroga por el estatuto de la ficción, incluyendo entre las modalidades de la misma a la narración. Por el otro se pregunta en torno al rol y la especificidad de la operación historiográfica y su vinculación con las modalidades ficcionales. ¿Qué relación tiene la historiografía como recreación compleja del pasado con ese pasado al que pretende recrear? ¿Cuál es el carácter distintivo de esa operación de “recreación”? La siguiente presentación tiene como objetivo encarar estas preguntas tomando como punto de partida algunas consideraciones previas.

En primer lugar, que el marco teórico desde el cual se encaran estos interrogantes es, mayormente, el de la filosofía narrativista de la historia propugnada por Hayden White, desde Metahistoria (WHITE 1992) en adelante. Ese marco se abordará, no obstante, entrecruzado por otro corpus, el de la teoría de sistemas (TDS) tal como puede apreciarse en la presentación que de ella hace Niklas Luhmann (LUHMANN 1995; 2007). Lo que aquí se presenta, entonces, es parte de una investigación de más largo aliento, cuyos cimientos han sido establecidos en otro lugar (LAVAGNINO 2013). El resultado global del escrutinio de la intersección entre narrativismo y TDS apunta a mostrar la estructura y dinámica de lo que he denominado sistemas narrativos historiográficos.

Por último, una vez aclarados tanto los marcos propuestos como los términos empleados, debemos fijarnos una meta para la aplicación de este instrumental. ¿Cuáles son las ventajas pragmáticas que pueden desprenderse del empleo de esta perspectiva de análisis teórico? Finalmente, se abordará una narrativa en particular, la obra de Teresa Piossek Prebisch, Pedro Bohórquez, el Inca del Tucumán, publicada en 1976 (reeditada en 1983 y traducida al inglés en 1989; cito la edición de 2004), lo cual permitirá observar esta densa red terminológica en

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Narrativismo: el problema de la ficción

funcionamiento y, a la vez, poner en perspectiva apropiadamente el problema, rasgos y alcance del recurso ficcional.

La obra de White, como portavoz más notable del narrativismo, ha sido exhaustivamente analizada (DORAN 2010; KELLNER 1989; TOZZI 2003; 2009; LAVAGNINO 2011) y no es necesario exponerla en detalle aquí. Sí cabe decir que de la extensa recuperación de la teoría literaria realizada por White, de Metahistoria en adelante, dos son los elementos que resaltaremos: por un lado, la importancia de las tramas como modalidades de estructuración de eventos y agencias en el marco de operaciones cognoscitivamente responsables como las llevadas adelante por los historiadores; por el otro, la estipulación del concepto de ficción a la hora de considerar las (re)presentaciones históricas. En cuanto a lo primero, una lectura fatalmente reduccionista ha querido leer a White como si “igualara” la historiografía a la literatura (véase LORENZ 1994; 1998; HIMMELFARB 1992; MARWICK 1995) en un acto teórico irresponsable que no podría sino conducir a un escepticismo epistémico paralizante y un relativismo moral inaceptable (MOSES 2005; GINZBURG 2007).

El problema de este planteamiento es doble. En primer lugar, porque presupone cierta claridad respecto de la categoría de contraste postulada para proceder luego a una identificación por vía negativa. Pero ocurre que justamente definir la literatura es uno de los problemas más acuciantes de la teoría literaria y de la estética filosófica y la indefinición del problema en ocasiones ha llevado en aquel campo a una estipulación tan radical, pero de sentido inverso, como la que se presenta aquí. Cierta teoría de origen romántico sobre la literatura (que reaparece en ocasiones, como por ejemplo en ciertas derivas formalistas y en ciertas apropiaciones estructuralistas y pos-estructuralistas, aunque no en todas; TODOROV 2005) ha postulado la orientación autotélica del discurso literario (lo que

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equivale, en la jerga del campo, al “predominio de la función poética”), con lo cual la literatura podría eventualmente ser cualquier cosa, siempre que no se la confunda con la historia o con la ciencia. Así, dos definiciones negativas “definen” oposicionalmente dos tipos de discurso cuyas características positivas se nos escapan.

El segundo problema de la lectura reduccionista de White es que la pretendida “igualación” no ha tenido lugar. El audaz abordaje whiteano no supone la difuminación de límite disciplinar alguno, sino más bien el sutil entendimiento de lo que implica la operación historiográfica. Este entendimiento implica dar cuatro pasos. En primer lugar, considerar que la operación historiográfica consiste principalmente en un acto comunicativo. Que como tal, en segundo lugar, tiene que hacer uso del lenguaje en configuraciones que por regla general escapan a la formalización, y en tramos cuyo alcance excede la oración (discurso). Que por lo tanto, en tercer lugar, para operar discursivamente debe emplear los recursos que tiene a mano, que no son otros que los del lenguaje figurativo o tropológico. Y que, finalmente, debe disponer de esos recursos, que son compartidos y comunes para muchas formas discursivas, más allá de que no todas los usen del mismo modo. La disposición y presentación de esos modelos de uso de los recursos del lenguaje figurativo es lo que habitualmente se denomina, en la teoría literaria, una ficción.

El punto central de cualquier teoría de la ficción, de Bentham en adelante (KERMODE 2000; FINE 1993), es que la ficción no es lo que se opone a lo real, sino que lo real es una de las modulaciones de lo ficcional, cuando la ficción designa el espacio de lo concebible o lo posible. Frye (1977) ha denominado a este espacio como el ámbito de lo “plasmático” (Cf. FRYE 1977, p. 27). White (2003, p. 37) en ocasiones se ha retrotraído a la teoría ficcional de Vaihinger y a su “filosofía del como sí” (VAIHINGER 1924) para afirmar algo semejante. Y sin embargo estamos demasiado acostumbrados a oponer lo ficcional o ficticio a lo real, por ejemplo en el caso de la historiografía.

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De esa forma, el problema no reside en la ficcionalización de la historia, sino en la dificultad para percibir la riqueza y complejidad del concepto de ficción, el cual designa, básicamente, “lo hecho”, lo que ha sido postulado en el orden de la figuración o del discurso como posible, permisible o modalmente concebible. La operación ficcional implica entonces dos movimientos: en primer lugar, postular que cualquier idea de realidad como ámbito de posibilidad de ocurrencias debe primero ser concebida (en el sentido de modelizada o imaginada), lo cual no pasa de una constatación bastante trivial. Segundo, sostener que esa ideación puede establecer relaciones muy variadas con lo que es tenido por “real”, yendo desde la igualación (por ejemplo en la prosa realista, la novela histórica o la historiografía) hasta la abierta oposición o diferenciación (los experimentos mentales, la literatura fantástica o abiertamente fabulosa).

En suma, si la teoría de las ficciones ha de ser considerada, partiendo de Bentham y Vaihinger, y siguiendo con autores como Northrop Frye, Frank Kermode, Arthur Fine, Owen Barfield y el mismo White, es porque en ella se halla una teoría modal de la significación que problematiza reflexivamente el concepto mismo de lo real. En este sentido, se afirma aquí, la ficción no es lo que se opone a cualquier idea dada de realidad, sino que, tomando la apta formulación de Frye (1977), es aquello que permite concebir una.

Como concepto modal, basado en la idea de que lo ficcional debe ser visto como lo postulado, lo dispuesto o la expresión hipotética en el orden verbal de lo concebible (FRYE 1977, p. 54; 1980), la ficción permite abordar, de una manera sistemática, aquellos términos que, justamente, por su carácter fundamental resultan ineludibles en cualquier consideración de corte epistemológico o cognoscitivo. La ficción no es lo otro de la historia, cuando la historia es lo tenido por real, sino que es el término de cobertura que permite volver operativa toda la red conceptual con la que venimos trabajando hasta aquí.

Por último, los modelos que hablan de los mundos

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plasmáticamente concebibles por lo general se articulan empleando recursos que no son otros que los del lenguaje ordinario. Esos recursos son comunes al lenguaje propiamente “literario”, entendiendo provisoriamente por tal cosa aquello que se inscribe en el espacio de prácticas comunicativas designadas de tal modo (FRYE 1977; KERMODE 2000). Pero ese carácter común no desdibuja la especificidad historiográfica, sino que permite entenderla. Los mismos recursos, al ser empleados de otro modo, arriban a diferentes resultados.

Los recursos propiamente dichos son aquellos sobre los que se ha discutido exhaustivamente en torno a White: tropos, figuras, tramas. Lo importante de esa discusión, a mi juicio, es el carácter espectral, variado, sutil, de esos recursos, a lo largo de la gama o el campo de fuerza que se anuda entre el polo de lo esquemático y el polo de lo figurativo (WHITE 1973, p. 42). La contraposición esquema/figura es fundamental para entender todo el proyecto teórico whiteano. Un esquema es un orden de palabras o de ideas en el cual se procede evitando cautelosamente todo salto o sustitución inesperada en el curso del procedimiento verbal (WHITE 1973, p. 42). Los órdenes de expectación son aquellos que se dan para los hablantes en una situación determinada. Un silogismo, por caso, es un ejemplo extremo de habla esquemática en la que lo que se busca es la secuenciación estricta de una serie de enunciados que emplean una terminología acordada (o por lo menos no abiertamente disputada). Lo crucial, en un esquema, es lo que se muestra explícitamente en el curso de la interacción entre los hablantes.

Por el contrario, una figura es un orden de palabras en el cual esos saltos, brechas y sustituciones se encuentran presentes, alterando los horizontes de expectativas de los hablantes. Los tropos, figuras y entimemas (silogismos truncos) son operaciones del discurso en las cuales resulta fundamental el desafío a la convencionalidad de las expectativas, principalmente por medio de sustituciones lexicales o gramaticales que dejan en el punto de recepción la tarea de rellenar los huecos (o de efectuar las “concretizaciones en el orden de los sentidos”,

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según la apta terminología del teórico Roman Ingarden (INGARDEN 1998, p. 298). Por ejemplo, cuando alguien dice: “estaba lleno de gente interesante, y también estaba Juan”, lo fundamental en este tramo figurativo no es lo dicho, sino lo transmitido por vía de elisión en el curso de la interacción entre los hablantes (“Juan no es una persona interesante”). En estos casos lo dicho permanece en el trascenio de lo expresado, y es reconstituido en el curso de las concretizaciones involucradas en el acto comunicativo (FRYE 1988). El motivo de tal elisión es, precisamente, disputar sentidos y alterar la codificación semántica de los términos empleados.

La ficción es un modo de establecer lo concebible, articulando para ello una densa red de esquemas y figuras. Lo interesante en el discurso historiográfico —y eso es lo que encuentro pragmáticamente incitante en el narrativismo como propuesta de análisis— es la forma específica de instituirse como acto comunicativo en el ámbito de lo ficcional.

Una vez puesta en duda la utilidad y conveniencia de una caracterización reduccionista o por la negativa de los recursos ficcionales, la pregunta que permanece no obstante es cómo pueden entenderse positivamente estos recursos. De Metahistoria en adelante White ha aseverado que es por medio de la tropologización y de la figuración como se constituyen los protocolos de significación típicamente historiográficos. De manera más simple, tropos y figuras son operaciones en el ámbito del discurso y, llegado el caso, son las operaciones fundamentales en el curso de la constitución de los protocolos lingüísticos que estructuran los actos comunicativos historiográficos. Ese carácter operacional es el que nos reenvía directamente a la TDS.

En cuanto a la TDS, el mismo White se ha aproximado al tema, tanto en un artículo seminal de 1972 (What is a historical system?;

Sistemas: operaciones recursivas y autopoiéticas

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WHITE 2010, p. 126-135), como en referencias elípticas al concepto de autopoiesis en Luhmann (WHITE 2010, p. xi), pero no avanzó sustancialmente en su aproximación a la cuestión básica, que consiste no en aseverar que la historia o la historiografía podrían eventualmente ser sistemas sino en preguntarse, previamente, qué es lo que se supone que es un sistema.

En este artículo, la incursión por la TDS será breve, por dos motivos. En primer lugar porque la densidad de la teoría suele aniquilar aun a los más decididos espíritus lectores. En segundo lugar porque ya he trabajado en detalle esa misma teoría en otra parte (LAVAGNINO 2013).

Cabe señalar que la TDS no es un cuerpo unificado de dogmas y postulados, sino más bien una corriente o tradición de investigación lo suficientemente ramificada como para que debamos movernos con cautela. En lo sustancial, no obstante, la TDS que abordaré aquí es la que se desprende de la articulación de la obra inaugural de von Bertalanffy (1968) con la de von Foerster (1981), a partir de las apropiaciones que de ellas realizó Niklas Luhmann (1991; 1992; 1995; 2007).

En el punto de partida de nuestro recorrido, los sistemas emergen como dominio de análisis en la diferenciación respecto del entorno, por segregación progresiva y jerarquización por medio de procesos de retroalimentación y re-entrada. Estos procesos sistémicos dependen de la auto-organización, estructuración y eslabonamiento de operaciones basales (según Luhmann cada sistema solo puede tener una operación basal, pero podemos dejar de lado esta cuestión por el momento). Es esta tríada (auto-organización, estructuración, operación basal) la que configura espacios de anticipación y expectación (similares a los esquemas/figuras vistos antes con White) en cuanto al encadenamiento de operaciones en la transición de una fase de estado de sistema a la siguiente. Así, la iteración de una operación que conecta a los elementos presentes en un sistema hace a su aspecto estructural, al entregar siempre el mismo output a partir de un input determinado por medio de una regla transformacional fija, lo que se denomina un código fijo.

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Pero algunos sistemas, entre ellos —según Luhmann— los sociales, lingüísticos e históricos, tienen también la capacidad de darse sus propias partes, elementos y relaciones elementales (“construir sus propias piezas”). De este modo un sistema se vuelve autopoiético. Según Luhmann la característica definitoria de todos los sistemas sociales es que se encuentran abiertos al sentido, consistiendo su operación basal en la comunicación, la cual no debe ser entendida como la transmisión de un objeto (su contenido), sino como un proceso de creación de horizontes de anticipación y expectación por medio del solapamiento de una serie de actos. La alteración de los horizontes es el resultado de procesos de transformación en los cuales un sistema genera nuevas “piezas”, nuevos movimientos y nuevas reglas que modifican las reglas de secuenciación entre fases de estado. Por lo tanto, los sistemas autopoiéticos proceden también por medio de reglas transformacionales de código abierto.

La finalidad “externa” de un sistema es la reducción de complejidad del entorno. La finalidad “interna” de un sistema es su reproducción. En suma, lo que hace un sistema es traducir el entorno por medio de una reducción de órdenes de complejidad, apelando para ello a reglas transformacionales, códigos, que vuelvan asible ese entorno en los términos de las operaciones del sistema, permitiéndole de ese modo seguir operando. En algunos casos la reducción de complejidad se hace por medio de un algoritmo u otra operación iterable que permita la anticipación de los eslabonamientos y la predicción de los outputs. Se trata de lo que von Foerster denomina máquinas triviales.

Pero en el curso de la adaptación al entorno por medio de reglas transformacionales, los sistemas, en caso de que sean autopoiéticos, performan funciones propias de las máquinas no triviales de código abierto. La des-trivialización del output de un sistema puede homologarse a la configuración del discurso cuando se aleja del polo esquemático y opera figurativamente. Los sistemas autopoiéticos desbastan los horizontes de expectación por medio de la des-trivialización de sus outputs. El lenguaje ordinario es un sistema de este tipo.

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Esta modalidad tranformacional no es inmotivada. Aunque es un presupuesto de la teoría que los sistemas están operacionalmente cerrados al entorno (clausura operativa: las operaciones que realizan se derivan de la autoorganización de la díada estructura-autopoiesis y de nada más), no es menos cierto que siguen causalmente abiertos a él. Los sistemas deben responder a cambios en el entorno que pueden afectarlos y llevarlos ora a modificar sus estructuras por medio de operaciones autopoiéticas, ora a confirmar sus propios sesgos, volviendo aún más rígidas sus estructuras. Lo que está en juego aquí es el reverso de la apertura causal: el output sistémico incide sobre el entorno toda vez que el sistema está acoplado de alguna manera a él. El acoplamiento estructural exhibe los vasos comunicantes entre el proceso de diferenciación y segregación sistémica y el “ruido” que lo circunda. Por allí se canaliza la causalidad, la reducción de complejidad, pero también se difunde la respuesta adaptativa, la generación de redundancia, el margen operacional del sistema en el entorno. El sistema es operacionalmente autónomo, pero está causal y adaptativamente orientado hacia su entorno.

Finalmente, toda esta red conceptual, toda esta visión panorámica en torno a los sistemas es el resultado de un proceso de observación, lo cual lleva inmediatamente a esta pregunta: ¿desde dónde se observa? La TDS desemboca así en una pregunta acerca de la observación como un problema fundamental de los sistemas orientados al sentido. La reflexión sobre el quién y el cómo de la observación no se responde desde el mismo plano analítico en el que se formula, sino que más bien requiere la estipulación de un orden más alto, un nivel meta en el cual puede plantearse la conveniencia de una observación de segundo orden que remita a la observación de primer orden. Y, escalarmente, puede generar la pregunta acerca de cómo observa el observador de segundo orden. La pregunta epistemológica acerca de cómo conocen los conocedores es una observación de segundo orden. La pregunta de White acerca de cómo figuran los historiadores también lo es.

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La observación de n-orden es una práctica conceptual que observa las observaciones de aquellos que realizan observaciones en el orden n-1, funcionalizándola al interior de un dominio (un sistema interpretativo) que, primero, debe postular o concebir: una ficción. En resumen: estructuras, auto-organizaciones, comunicaciones, autopoiesis, códigos cerrados y abiertos, clausuras operativas, acoplamientos estructurales, horizontes de anticipación, todos estos elementos de la red conceptual de la TDS configuran distinciones en pos de indicar, operar, incidir y observar al interior de sistemas orientados hacia entornos altamente complejos y constantemente perturbados.

Los últimos siete párrafos constituyen una apretada síntesis de una teoría demasiado complicada como para reponer aquí (remito una vez más a LUHMANN 1995; 2007; LAVAGNINO 2013). Pero creo que bastan para apreciar panorámicamente el narrativismo desde otro punto de vista conceptual. Puede decirse que la teoría tropológica del discurso histórico de White revela los compromisos epistémicos, éticos y estéticos en acto en el discurso y la imaginación historiográfica. En ese punto, los tropos indican y distinguen modos en los cuales los historiadores reducen complejidad, absorben incertidumbre, disputan horizontes de expectación y crean redundancia por medio de literalización, esquematización y fijación de sentidos. Los tropos, en ese sentido, no son más que modos de reducción de complejidad en el proceso de comunicación. La distinción entre esquema y figura en White converge con la de von Foerster (trivial/no trivial) y con la distinción de Luhmann (tomada de MATURANA; VARELA 1992) entre auto-organización estructural y autopoiesis. Un tropo, positivamente, es una operación autopoiética en el lenguaje ordinario que desafía o disputa las anticipaciones de sentido. El uso literal de un término no disputado, en cambio, no es otra cosa que la actualización de las estructuras de un vocabulario circunstancialmente hegemónico, o una terminología acordada, que puede tanto ser aceptada como rechazada en futuros eslabonamientos y operaciones de sistema.

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Sistemas narrativos historiográficos: La realidad de la ficción en Pedro Bohórquez, el Inca del Tucumán

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Esta mirada sistémica sobre el lenguaje figurativo desemboca en una apreciación sobre las políticas de la significación disciplinar. La desretorización y disciplinarización historiográfica, desde fines del siglo XVIII en adelante —una historia que White (1966; 1978) no se ha cansado de contar en el último medio siglo— no es otra cosa que el intento de auto-organización del campo por medio de la domesticación de los impulsos autopoiéticos presentes en cualquier sistema abierto al sentido. Pero la pura estructuración y fijación de los eslabonamientos volvería excesivamente rígido a cualquier sistema que intentara seguir siendo capaz de responder a las perturbaciones del entorno. A fin de cuentas, la vida y la muerte de los sistemas en la TDS se arbitran en el ir y venir entre la complejización rigidizante y la flexibilidad adaptativa.

Así, los sistemas pueden derivar ora hacia la segregación progresiva y la especialización compleja, que desembocan en una estructuración rígida que permite maximizar el rendimiento de la respuesta al entorno (siempre que el entorno permanezca invariable en su incidencia causal); ora pueden orientarse hacia la reducción de complejidad intra-sistema toda vez que la segregación y la especialización estructural se demuestran demasiado inflexibles, “costosas” e inaptas como para responder a un entorno cambiante. Por ejemplo, un vocabulario demasiado técnico sólo puede responder, con extremada complejidad y precisión, en el marco de una teoría para la cual rige una terminología acordada, pero sirve de muy poco cuando la teoría como un todo cambia o se vuelve obsoleta en el marco de un cambio de paradigma. Los extremos para un vocabulario determinado vienen dados, en la vida y muerte de un léxico según la TDS, por la delimitación terminológica “de diccionario” por un lado, y el aprovechamiento de la polisemia intrínseca del lenguaje ordinario por el otro.

En este sentido, la figuración es el canal que permite a un dominio verbal aprehender los impactos causales del medio, al operar una reorganización no trivial de sus partes constituyentes. De allí que la permanente purga del vocabulario

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figurativo se revele como una empresa no sólo inútil, sino también peculiarmente empobrecedora. La figuración y la tropologización reaparecen como lo dicho y no expresado cuanto más se empeña la voz historiográfica en no concebirlas (LAVAGNINO 2016). Son como aquellos rastros que no quieren ser soñados, pero que, aun así, orientan los pasos inadvertidamente durante la vigilia.

Distinto es el caso, claro, cuando la auto-conciencia discursiva vuelve visible el rastro que, en el día y en la noche, debe atravesar aquella voluntad que se larga, recurrentemente, a la nada trivial tarea de historiar los pasados que hemos sido.

“Los eventos que serán narrados son reales”, consigna Teresa Piossek Prebisch (2004, p. 19), al comienzo de la nota preliminar de Pedro Bohórquez, el Inca del Tucumán. Lo que sigue a esa declaración son 250 páginas de descripciones vívidas y densas que siguen las peculiares andanzas del personaje en cuestión durante al menos cinco décadas. Pedro Bohórquez, Pedro Chamijo de nacimiento, logró durante un cierto lapso de tiempo instituirse como Inca entre los pueblos calchaquíes, a pesar de ser de innegable origen español.

Las andanzas del inca andaluz, a veces llamado también Inca Hualpa, lo sitúan a mitad de camino entre encomenderos, obispos, aventureros desconfiados y procedimientos administrativos siempre inconclusos por cuenta y orden de la modorra colonial. Todo ello es sazonado con pasos de hilarante fastuosidad y promesas mesiánicas de redención andina, las cuales son recreadas densamente por Teresa Piossek en un trabajo que le valió el reconocimiento profesional y académico. Trabajo que, tras su publicación en 1976, fue galardonado con diversos premios, traducido a otros idiomas y leído a repetición en las últimas décadas por diversas generaciones de historiadores y científicos sociales, todo lo cual permitió a

La realidad de la ficción: el doblez de lo concebible y la sintagmática de la legitimación

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su autora ingresar a la Academia Nacional de Historia de la República Argentina y presidir la Junta de Estudios Históricos de Tucumán. Asimismo Piossek fue distinguida como ciudadana notable de la misma provincia y, dato no menor, premiada con la medalla de oro por la Sociedad Argentina de Escritores.

Si es peculiar la historia que cuenta Piossek, no lo es menos —y esto es central en el análisis que aquí se propone— la manera en que lo hace. Lo que determinó la elección de su texto historiográfico y no de otro es el modo en el que Piossek aborda el problema de la ficción, su abierta auto-conciencia al respecto, tanto como la forma en la que cree enmarcar disciplinarmente su operación de ficcionalización. El artefacto textual construido es singular: su prosa vívida se entremezcla con los recursos historiográficos más canónicos, configurando así un texto notable por su factura estilística pero también por su codificación disciplinar. Considerado un clásico de la historia colonial, Pedro Bohórquez le permitió a la autora destacar como una gran narradora de un pasado hoy apenas concebible.

Si el primer enunciado del texto consigna que los eventos que serán narrados son reales, no es menos notable su culminación: el colosal fraude de Bohórquez se instaura, según Piossek, como una “comedia inusual” que desemboca no obstante en una “gran tragedia”, la denominada Tercera Guerra Calchaquí que condujo a la desaparición de la relativa autonomía y resistencia de los pueblos originarios en el noroeste argentino (PIOSSEK PREBISCH 1976, p. 243). La doble inscripción de la que es pasible la trama de los acontecimientos se duplica, a su vez, en la percepción de que los acontecimientos, notables como son, desafían nuestro criterio de lo que hoy en día es tenido por verosímil. Es justamente por ese motivo que desde el inicio se nos recuerda que lo que va a ser relatado “es real”.

Paralelamente, vuelve a duplicarse en cuanto a su modo de inscripción. Que los sucesos a los que dio lugar el obrar de Bohórquez permiten su inscripción “literaria” es algo que ya fue entrevisto por autores como el dramaturgo Roberto Payró hace más de cien años (PAYRÓ 1905). De ese modo los dobleces

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se anudan, construyendo una serie a partir de definiciones oposicionales: lo real y lo concebible; lo histórico y lo literario; la comedia inusual y la gran tragedia.

El dispositivo modelado por Piossek se hace cargo de esa posible duplicación, combinando una narrativa vivaz con una reconstrucción puntillosa, al término de la misma, de la cronología de los acontecimientos, de las fuentes empleadas y de los personajes involucrados. El urdido de ambas series se sirve de breves segmentos narrativos, que incluyen recreaciones imaginativas, precedidos por citas directas de fuentes testimoniales y sucedidos por reconstrucciones o análisis hipotácticos que desmenuzan lo antes narrado. Esta secuencia que va y viene de la narrativa a la fuente y de allí al análisis es reconocida por los lectores como un elemento constitutivo del artefacto discursivo empleado por la historiadora.

Según uno de sus prologuistas

el lector encontrará los temas tratados con gran penetración en esta narración que combina de manera excelente el rigor historiográfico con la dosis necesaria de imaginación recreativa, con la finalidad de representar los hechos a través de los cuales la historia estaba obviamente intentando convertirse en leyenda (CANAL-FEIJÓO apud PREBISCH PIOSSEK 2004, p. 10; resaltado en el original).

El doble interés de la obra (narrativo e historiográfico) es reconocido también por el prologuista de la segunda edición castellana, quien afirma que

el lector no encontrará en este libro la aridez que puede acompañar la precisión desproporcionada, debido a que Teresa Piossek Prebisch posee entre otros tantos dones, la habilidad de escribir […] El libro es muy entretenido, y esta es una cualidad necesaria para cualquier obra, sea histórica, literaria o de cualquier otro género, incluso científica (POTENZE, apud PIOSSEK PREBISCH 2004, p. 14).

Precedida por tales comentarios, la obra se inicia no obstante con dos marcadores de lo que en semiótica se denomina la sintagmática interna del texto, esto es, “la disposición de

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las formas escritas vinculadas entre sí y con otras formas dentro del mismo espacio gráfico” (HARRIS 1999, p. 169). Esos marcadores son dos mapas (uno de ellos doble) que proveen una primera orientación acerca del “escenario de las andanzas de Pedro Bohórquez”, primero en el contexto de la gobernación del Tucumán bajo la dominación española, luego el lugar de la gobernación en el actual territorio argentino y, finalmente, como última y más extensa orientación, un mapa que indica la ubicación de la gobernación dentro del virreinato del Perú, recortado contra el contorno de Sudamérica. Las orientaciones sintagmáticas trabajan así con diferentes escalas tanto espaciales como temporales, habilitando y autorizando usos convencionales del anacronismo que no pasan por tales (¿cómo entender semióticamente un mapa del virreinato del Perú que se recorta contra el troquelado actual de las fronteras de las naciones sudamericanas?).

Por si hiciera falta un mayor indicio de realismo, luego sigue una nota preliminar en la cual se comienza afirmando que los eventos narrados son reales y luego se listan las fuentes utilizadas. Las diversas formas gráficas y verbales son utilizadas para reforzar el índice de realismo con el que debemos leer a esta configuración ficcional, creencia que es reforzada por el hecho de que al inicio de la enorme mayoría de los 146 breves parágrafos que componen la narración, se dispone un epígrafe que es cita textual de alguna fuente testimonial de la época, por lo general la Relación histórica del Padre Hernando de Torreblanca, uno de los sacerdotes involucrados, de manera bastante ambigua por cierto, en las andanzas del falso Inca. Por el contrario, acto seguido, la narrativa va en la dirección de la recreación imaginaria de eventos. Así, al comienzo del capítulo segundo leemos lo siguiente:

Era noche de luna en la aldea de Quinga Tambo. De un lado de la pirca estaba Ana Bonilla, del otro, Pedro, que le decía encendidos requiebros. Ella se sentía enamoradísima y no veía que el galán prometedor de riquezas andaba descalzo y pobremente vestido, ataviado con una casaca sin valor y una capa hecha de piel de oveja. No prestaba oídos a las admoniciones de aquellos que aseguraban que había venido escapando de Pisco. Ella tan solo

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prestaba atención al porte, a esos ojos que la miraban como antes ningún otro, a las palabras que la hacían sentir bella (PIOSSEK PREBISCH 2004, p. 24).

La noche de luna, los sentimientos de amor, los requiebros, la percepción de la mirada del otro, todas estas figuras acumuladas nos llevan en una dirección que Piossek destruye en apenas dos párrafos, llevándonos una vez más rumbo a la tragedia. A fin de cuentas, nos dice, Pedro era más práctico. Se casó con ella “a pesar” de sus rasgos zambos, pero por sobre todas las cosas con la esperanza de heredar rápidamente el rebaño de yeguas de su suegro, el cual fue inmediatamente vendido una vez que éste falleció, permitiéndole escapar a los Andes con el dinero, dejando los encendidos requiebros detrás.

El breve e introductorio capítulo segundo obra como una pequeña sinécdoque de la historia, repitiéndose en su intrincado avance desde la comedia y el enredo hacia las regiones más densas de la tragedia.

Mi propósito aquí no es recapitular toda la historia narrada, que ya ha sido contada muchas veces, sino mostrar —en una observación de segundo orden— los recursos empleados por Piossek para darle estabilidad. El zurcido entre las fuentes, los epígrafes, las citas, las recreaciones imaginarias y la resolución sucinta de las pequeñas intrigas al término de cada sección crea una secuencia sintagmática coherente que permite atender a varios objetivos a la vez. Como dispositivo narrativo el texto funciona sistémicamente. Opera con los recursos ficcionales, asegurando a la vez el cumplimiento de las codificaciones propiamente historiográficas. Lo ficcional aquí es el modelo de intriga generado una y otra vez por Piossek para asegurar la inteligibilidad del proceso que quiere presentar. La densidad de los acontecimientos y sus múltiples consecuencias, por otro lado, nos previenen contra cualquier fácil identificación de la narrativa como un todo con una trama o un procedimiento en particular. Lo que da sentido a este anudamiento no es la cumplimentación de lo esperado por el lector en el sentido de dar forma a lo que convencionalmente se entiende por una

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comedia o una tragedia. Al contrario, lo que orienta la lectura aquí es la expectativa de que “la realidad histórica” se presenta en formas más ricas que las más limitadas estructuraciones de trama, así como también el estar anoticiados con antelación de la resolución global de los sucesos narrados. Las tramas reducen complejidad, canalizando la incidencia del entorno y volviendo comprensible el modo en que, luego, el obrar historiográfico se acopla estructuralmente.

La enmarañada trama se desenvuelve siguiendo la secuencia antes indicada e involucra nada menos que a 141 personas, las cuales son listadas a continuación de la cronología, al término del libro. El orden en que son listados es por demás sugestivo, ya que 136 personajes son presentados en riguroso orden alfabético, luego de que fueran mencionados los 5 virreyes que intervinieron en esta historia. Las razones para esta separación entre los 5 y los 136 son desconocidas, pero no resulta menor el hecho de que el mismo Pedro Bohórquez se encuentra, en cuanto a la presentación del elenco, sometido a las generales de la ley -como ocurrió sin duda, al término de su aventura, que consistió en eso mismo, en la imposición de las generales de la ley por sobre el inquieto personaje-. Pedro aparece en la vigésimo sexta entrada del índice general de nombres, mencionado así: “Bohórquez Girón, Pedro: o Pedro Chamijo, Francisco Bohórquez, Pedro Huallpa, Inca, Apu y Titaquín: estafador profesional” (PIOSSEK PREBISCH 2004, p. 255). Al término de la lista de nombres sigue la bibliografía citada en el texto, incluyendo fuentes testimoniales y bibliografía secundaria. Además, se incluyen relaciones históricas como la de Torreblanca, obras de consulta como la de Vicente Sierra, los clásicos de Lugones (El imperio jesuítico) y de Payró (El falso inca), así como también fuentes documentales del Archivo General de Indias de Sevilla. Cierra la serie sintagmática la reproducción de siete documentos relacionados con el caso Bohórquez que Piossek incorpora sin mayores comentarios.

En suma, la serie sintagmática del texto procede del siguiente modo: la inauguran dos prologuistas que autorizan

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el procedimiento como un todo. Luego, tres marcadores sintagmáticos (mapas, cita testimonial, referencia explícita) refuerzan el compromiso realista de la expectativa de significación. Posteriormente se inserta la figuración narrativa propiamente dicha, intercalada permanentemente con los zurcidos realistas. Al final viene el ejercicio de síntesis en el brevísimo epílogo, luego la mención del “elenco” convenientemente dispuesto, las fuentes, la bibliografía primaria y secundaria, por último los documentos sin mayores comentarios. El hilván figurativo va de menos a más y se cierra nuevamente con la codificación más rígida que habilita el campo. La serie se cierra como había empezado, legitimándose.

Es momento de recapitular lo dicho. A diferencia de muchas obras historiográficas, la de Piossek no evade su componente “literario”, sino que lo resalta (PIOSSEK PREBISCH 2004, p. 19). Las figuras, tropos y tramas empleadas son exhibidos en el frontispicio del escrito, tanto en el zurcido pequeño de cada capítulo como en todo el texto en general. El capítulo 2 es una muestra de este fluir de la comedia hacia la tragedia por medio de la operación figurativa normalmente atribuida a las obras de ficción. Y sin embargo se trata de una obra reputada como disciplinarmente apropiada, reconocida, premiada y avalada por las instituciones que producen y reproducen el saber historiográfico. Incluso en sus prólogos Canal-Feijóo y Potenze elogian las siempre necesarias virtudes narrativas de la autora. Tanta receptividad es fácil de entender. Las operaciones figurativas se encuentran aquí enmarcadas sintagmáticamente por los contrapesos que el conjunto de expectativas disciplinares aguarda: fuentes, testimonios, mapas, notas a pie, soportes textuales y demás.

Este balanceo refuerza, a su vez, los posibles prejuicios hacia cada uno de los dispositivos empleados: es una narrativa pero rigurosa. Es un trabajo cognitivamente responsable pero

Northrop Frye, Teresa Piossek y la tragedia del exceso

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es entretenido. Este empleo de la conjunción adversativa implica la idea de que la narrativización añade algo que los sucesos por sí mismos no tienen (los sucesos no son en sí mismos entretenidos), o de que se están poniendo en relación dos conjuntos de posibilidades discursivas (el de las narrativas rigurosas y el de las narrativas entretenidas) para articular un subconjunto intersección en el que se forja la posibilidad de una narrativa rigurosa y entretenida.

Así las cosas Piossek, Canal-Feijóo y Potenze refuerzan las expectativas tradicionales en torno al saber historiográfico, a pesar de la evidente potencia de los recursos narrativos presentes en el texto. Piossek lo hace de manera implícita, al rodear su capacidad figurativa de los suficientes recursos sintagmáticos disciplinares como para que nadie pueda sospechar que “sólo está narrando”. Canal-Feijóo y Potenze lo hacen de manera explícita, en sus prólogos repletos de conjunciones adversativas.

De lo expuesto hasta aquí se desprende, entonces, que tenemos una obra historiográfica canónica y, a la vez, descarada y desconfiadamente narrativa. La desconfianza dificulta entender el motivo por el cual era tan necesario el descaro. Más bien éste parece venir a cuento de la necesidad de presentar la serie de acontecimientos de una manera que vaya más allá de la obvia disponibilidad de las tramas más evidentes. La primera tentación narrativa a la hora de mencionar a Bohórquez es la de construir una sátira en torno a un charlatán y estafador que engaña a todos. La sola idea de un inca andaluz motoriza esa tentación.

La segunda posibilidad narrativa consiste en mostrar cómo estos sucesos, centrados en unos cuantos personajes más bien excéntricos y menores, llevan a la destrucción de un pueblo entero. La comedia surge de pensar en Bohórquez robando un rebaño de yeguas a repetición luego de haber engañado a su esposa. La tragedia aparece cuando el foco se desplaza al pueblo calchaquí. El problema que plantea esa complejidad es que hay que reducirla para hacer sistema y en esa reducción es donde se plantea el dilema del observador.

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El acto comunicativo de Piossek no tiene como fin hacer justicia al pueblo calchaquí ni tampoco revelar un suceso curioso de la vida colonial. La figuración de Piossek se inserta en una secuencia de figuraciones en la cual ella, como cualquier otro entrenado y aprendido en un campo disciplinar, debe aprehender tradiciones de figuración antes de largarse a figurar y tropologizar por su cuenta. Motivo por el cual no es extraño que al inicio y al final del texto se refuercen las contrapartes figurativas y ficcionales que dan cuenta de ese saber (mapas, epígrafes, testimonios, índices, bibliografía, documentos). Por si hiciera falta la autora lo registra en la nota preliminar, como si dijera: “esto que es concebible es, además, real”.

Tales necesidades derivadas de la estructuración disciplinar afectan la disposición y utilización de los recursos en el espacio gráfico. Lo que he denominado la serie sintagmática interna tiene que incidir sobre los horizontes de expectativas lectoras, si es que las concretizaciones en el punto de recepción van a proceder de acuerdo a lo esperado. Es probable que Piossek no pretendiera ser vanguardista ni rupturista al presentar su historia, ya que el suyo es un obrar historiográfico paradigmático y “normal” en el sentido kuhniano del término (KUHN 1971). Tanto fue así que mereció el reconocimiento de la Academia Nacional de Historia en su momento. Pero las intenciones textuales pueden escapar a las intenciones autorales, o aun divergir notablemente de ellas, y es a ellas a las que nos dirigimos aquí.

Si la idea es mostrar cómo una “comedia inusual” puede desembocar en una “gran tragedia” y cómo esa articulación desafía el convencionalismo de las narrativas, debemos decir que esta noción de lo tragicómico no escapa a lo que habitualmente se consigna en el análisis de tramas, como el que puede encontrarse en la Anatomía de la crítica (FRYE 1977), el clásico de Northrop Frye que devino una de las fuentes de White, y por lo tanto del narrativismo. Según Frye una figura típica de la comedia es el conjunto temático de personajes asociado al pícaro, que es por lo general quien dinamiza la

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línea de la acción (FRYE 1977, p. 284). El pícaro habitualmente se contrapone al héroe, pero en la tragedia se convierte en un elemento del grupo temático alazon, esto es, del conjunto de personajes asociado convencionalmente a la impostura.

Pedro Bohórquez de Piossek es una trama que satisface punto por punto lo que Frye denomina “la cuarta fase de la tragedia”, esto es “la típica caída del héroe por hybris y por hamartia” (FRYE 1977, p. 291). En esta tragedia del exceso la caída del héroe-impostor se debe a su propio exceso y empecinamiento en contradecir las líneas de fuerza del destino. “El elemento irónico va en aumento, disminuye el heroico y los personajes parecen más distantes y dentro de una perspectiva más reducida” (FRYE 1977). En el final, este tipo de relato combina la cumplimentación inexorable de un destino, rasgo propio de la tragedia, pero sin el tipo de identificación y proximalidad para con el héroe que suele asociársele. Por contra, lo que ocurre es una difuminación del montante heroico, hasta el punto en que la personalidad misma del que cae se deshilvana. Nos encontramos en la frontera de la construcción de una trama en la que la tragedia se desenvuelve sin héroes; esto es, una sátira.

De esa forma, la obra historiográfica de Piossek se nos aparece como una recreación compleja de un pasado en sí mismo enrevesado y más complejo aún. Operando sistémicamente reduce complejidad, por medio de operaciones propias de la codificación y auto-organización del campo, con vistas a negociar entre las múltiples expectativas de quienes decodifican la obra. Lo que presenta y postula, por medio de los recursos de la ficción, es una composición sintagmática que incrusta la esperanza de presenciar una comedia en torno a un charlatán, en un mapa más complejo en el cual esa comedia “inusual” es el prólogo a una tragedia centrada en el exceso de un impostor de cara a la consumación de un destino que se realiza de todos modos. En este ir y venir se configura un punto de observación que rompe con la esperanza de identificarse con un héroe por parte de un lector, para cimentar en cambio la esperanza de identificar un soporte textual y gráfico con un campo disciplinar.

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Operando disciplinarmente Piossek emplea los recursos estructurales de la auto-organización del campo historiográfico. Pero en su propio modo de dar cuenta del entorno de fuentes, testimonios, bibliografía y demás recursos sintagmáticos, configura autopoiéticamente un zurcido en extremo original que muestra la labilidad y riqueza de los recursos involucrados. En el intento de contrapesar la aridez rigurosa con el entretenimiento narrativo, parece rendir un homenaje a cierto modo de concebir la clausura operacional propia de un saber como el historiográfico, aprehendiendo las expectativas lectoras y encauzándolas en la dirección de las concretizaciones que desea incitar. Sin embargo, desde el punto ventajoso de una observación de segundo orden podemos apreciar la forma en que Piossek observó el entorno y las consecuencias de su modo de operar. Intentando evitar los extremos de “la comedia inusual” y de “la gran tragedia” articuló una secuencia de progresiva inserción de la pequeña historia del charlatán en la gran narrativa de la destrucción de un pueblo. La única forma de desacreditar ambas historias concebibles (la tragedia, la comedia) es aseverando la realidad efectual de una tercera que las abarca, las contiene y las supera. Pero esa aseveración “realista” no es más que un añadido a los rasgos de esa “tercera concebibilidad”. El ejercicio autopoiético de Piossek se inserta en el punto en el cual diversas tradiciones interpretativas ven disputados sus horizontes de significación. Bohórquez no es meramente un charlatán, así como tampoco es un héroe. La narrativa así presentada y dispuesta no es una comedia ni una tragedia, sino una tragedia satírica en torno al exceso. La obra no es meramente entretenida ni exclusivamente precisa. Es un saber narrativo cognoscitivamente responsable, aunque en su intrincada elaboración no se anoticie de que es lo uno gracias a lo otro, y no lo uno a pesar de lo otro.

La historia en su doblez impacta como una concepción de una realidad posible justamente porque emplea los recursos de la ficción. Pedro Bohórquez, de Teresa Piossek, puede ser analizado como un acto comunicativo singular en el marco de un sistema de narrativización historiográfica en el cual lo que

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resulta tematizado es, precisamente, las diversas modalidades en que puede concebirse lo real. La tragedia, o comedia, del Inca andaluz de los calchaquíes, permite vislumbrar la densidad y complejidad de la realidad pasada. Y lo hace por medio del vehículo narrativo, que es uno de los más notables dispositivos asequibles en nuestro horizonte cultural, tal como insistentemente lo han señalado teóricos de la ficción como Kermode, Frye y el mismo White. La recreación compleja del pasado no puede ser otra cosa que ficcional. Pero eso no la hace imaginaria, falaz o ficticia. La muestra, más bien, en su despliegue como marco o referencia basal para cualquier criterio de realidad que pueda concebirse. Y al hacerlo exhibe la premura y la importancia, pero también las aporías, de esa forma narrativa que es la historiografía. Irrenunciable, casi testaruda, aparece para devolvernos la complejidad del pasado de cara a un presente siempre disputado, siempre urgente.

En definitiva, el recurso a la teoría de sistemas y a la teoría de la ficción nos habilitó leer el narrativismo de White desde otra perspectiva. El recurso a la obra de Piossek nos permitió observar el modo distintivo en que operan los sistemas narrativos historiográficos, comprender la especificidad de la disposición ficcional que establecen, y en qué medida esa especificidad es constitutiva no sólo de la recreación compleja del pasado en común, sino también de las posibilidades de intervención práctica en el presente.

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RECIBIDO EL: 08/02/2018 | ACEPTADO EL: 06/06/2018

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Nicolás [email protected] en el Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnológicas (CONICET) Doctor en filosofía (UBA)Docente del departamento de Filosofía de la Universidad de Bue-nos Aires (UBA) Puan 480, 4°, of. 431 1406 - Buenos Aires Argentina

La presente investigación ha contado con el financiamiento de UBA-CONICET (Argentina).

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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RESUMO

ABSTRACT

KEYWORDS

PALAVRAS-CHAVE

Ouro Preto / MG - Brasil

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Detrás de las palabras: usos políticos del concepto de “imparcialidad” y su función en la construcción de la historia de América en la Ilustración española

Behind the words: Political uses of the concept “impartiality” and its function in the construction of the history of America in the Spanish Enlightenment

En tiempos de renovado debate sobre el presentismo y la objetividad de los historiadores, pretendo indagar en los usos ideológicos y las funciones políticas que desempeñó el concepto de “imparcialidad” en la Ilustración española, su relación con la escritura de la historia y, más particularmente, con la conquista de América. A partir de diversos textos impresos de finales del s. XVIII e inicios del s. XIX —apologías, elogios, diccionarios y otros textos literarios— y adoptando una metodología que aúna la historia cultural y de los conceptos, me detendré en cómo las élites culturales dieciochescas atribuyeron al concepto un significado positivo y necesario para construir los discursos sobre lo acontecido en 1492. Desmontar su dimensión ideológica permite pensar en la “imparcialidad” como herramienta constructora de la “diferencia”, una noción que legitima y confiere prestigio a la nación española y, al mismo tiempo, vertebra una compleja red de identidades.

Imparcialidad; América Hispánica; Ilustración.

In a time of renewed debate about presentism and the objectivity of historians, the goal of this article is to question the ideological uses and the political functions that the concept of “impartiality” has played in the Spanish Enlightenment, its relation with the writing of history and, more specifically, with the conquest of America. Through a variety of printed texts from the late eighteenth to the early nineteenth-century–apologies, praises, dictionaries and other literary texts– and through a methodology that unites the cultural history and concepts, the focus will be on how the eighteenth-century cultural elites attributed a positive and necessary meaning to the concept to build discourses on what happened in 1492. Dismantling its ideological dimension allows understanding “impartiality” as a constructive tool to “difference”, a notion that legitimates and grants prestige to the Spanish nation as well as structures a complex network of identities.

Impartiality; Hispanic America; Enlightenment.

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

Las de objetividad e imparcialidad son nociones fundamenta-les del discurso histórico que continúan preocupando a los historia-dores en la actualidad, por distintas que sean sus perspectivas, me-todologías o formas de producir historia.1 Por cierto, los historiadores del presente no han sido los únicos en distinguir ambos conceptos y familiarizarse con su significado, imprescindible para comprender nuestro pensamiento y oficio (FONTANA 1999; NOVICK 1997).2 Des-de tiempos muy remotos, la proyección de la mirada del historiador —el tiempo en el que se envuelve y desarrolla su producción, los motivos que promueven su escritura, la expresión de sus simpatías y antipatías, el tratamiento de los documentos— sobre su propio relato han suscitado críticas y amplias controversias entre escritores de muy diferente condición y relacionados con las estructuras de poder de forma también diversa. Las denuncias sobre el sesgo han revelado las contradicciones, el carácter problemático y difuso de un término —“imparcialidad”— cuyo significado ha ido construyéndose a lo largo del tiempo.

Durante la segunda mitad del siglo XVIII, “imparcialidad” y “parcialidad” fueron términos muy visibles en los textos produci-dos por las élites políticas y culturales de la metrópoli española, sobre todo en lo que se refiere a la construcción de la historia y, más particularmente, a la historia de América. Pese a lo que pudiera parecer, esas nociones poco tenían de obvias, naturales y atempo-rales. Al calor de los acontecimientos históricos y de las tendencias intelectuales, con una notable carga política e incluso emocional, los conceptos y las ideas conjuraban, de algún modo, las incertidum-bres de los hombres del pasado estableciendo órdenes y jerarquías determinadas. Como sostenía Jean Touchard, desde la atalaya de la historia intelectual, las “ideas son válidas por lo que se hace con ellas” (DOSSE 2007, p. 50).

Que los ilustrados tuvieron un lenguaje “característico” e in-cluso propio con el que construyeron los discursos sobre el mundo que los rodeaba no es, a estas alturas, ninguna novedad. Siguiendo a Maravall, así lo había apuntado el lexicógrafo Pedro Álvarez de Mi-randa, en su intención de subrayar las connotaciones valorativas que se escondían detrás de nociones como las de patria, progreso, crítica y civilización —por citar unos pocos ejemplos— y su importancia so-cial en el vocabulario temprano del Siglo de las Luces (ÁLVAREZ DE MIRANDA 1992, p. 44).

El estudio de tales conceptos característicos, además de arro-

1 - Algunos historiado-res podrían considerar esta controversia ya agotada o superada. Sin embargo, los plan-teamientos de los filó-sofos posmodernos, el éxito de los memory studies, el empeño de los historiadores en dis-tinguir la “memoria” de la “ciencia histórica”, el auge del presentismo y la celebración de ac-tividades académicas variadas prolongan un debate que parece no tener fin. Conmemo-raciones y congresos vuelven a colocar el acento en el desacuer-do existente sobre el papel del historiador en la sociedad actual, así como en la cuestión de su implicación en su es-critura y en la sociedad de su tiempo.

2 - Conviene su-brayar, en cualquier caso, que imparciali-dad y objetividad no son exactamente lo mismo. Josep Fonta-na reflexionó sobre las diferencias entre ambos conceptos en Historia. Pasado y proyecto social. A su parecer, es inevitab-le que el historiador tome partido y se po-sicione. Sin embargo, esa postura debe ser perfectamente com-patible con la preten-sión de objetividad, una metodología con-creta y el respeto a las fuentes primarias. En cuanto a la noción de objetividad, su de-finición ha generado un amplio desacuer-do entre los historia-dores, ya sea como

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jar nuevas perspectivas para comprender los problemas históricos, permite al historiador trazar lazos de cohesión social entre los gru-pos que los utilizaban con un mismo significado e, incluso, de cierta “lealtad” hacia ideas políticas concretas. Sin embargo, y pese al am-plio abanico de términos recogidos en su obra, Álvarez de Miranda no incluye el término “imparcialidad” como noción fundamental del vocabulario de la época.3 En estas páginas me centraré, por tanto, en el estudio de la forma adjetiva en una época posterior a la anali-zada por el autor. Realizaré un pequeño recorrido histórico por dicho concepto a partir de las reflexiones de los historiadores y literatos, dilucidando su función y uso. Con posterioridad, prestaré especial atención a la presencia del concepto en la construcción de la historia de América (BODEKER 2013, p. 10). Con ello, no pretendo juzgar si tenían razón aquellos intelectuales que afirmaban que no existía un cronista más imparcial que Juan de Mariana (FORNER 1786, p. 74). Más bien, la cuestión reside en analizar cómo y de qué manera se deciden los criterios de imparcialidad, los presupuestos ideológicos desde los cuales se construye una idea fundamental en la escritura de la historia. ¿Cómo discernir lo que es justo de lo que no lo es? ¿Quiénes lo deciden? ¿Cómo lo hacen y en qué se apoyan?

La idea de imparcialidad debe comprenderse en el marco de unas coordenadas precisas, relacionadas a los debates políticos y filosóficos de la Ilustración, en una época preocupada por el pro-greso, la crítica, la civilización y la sociabilidad, así como a los de-bates sobre la construcción de la historia y los contrastes entre los diferentes caracteres nacionales. En ese proceso, algunas voces fueron plenamente conscientes de que las impresiones y los juicios de los observadores estaban condicionados por prejuicios y valores extraños, necesariamente subjetivos (BOLUFER 2003, p. 271). Más concretamente, la noción de imparcialidad cobró importancia en un marco cultural en el que, por un lado, la imagen de España estaba siendo cuestionada y, por otro, la apología se convirtió en la forma de expresión más acabada de la historia y la realidad colonial del momento, asumiendo formas muy variadas en sus materialidades, formatos y actores históricos (MESTRE 2003, p. 48-70; CAÑIZARES ESGUERRA 2007, p. 223-357; CASTILLA URBANO 2014, p. 9-20; DIZ 2006, p. 171-190). Muchos intelectuales de la península sos-tenían que los antiguos historiadores españoles eran despreciados por la crítica europea. Esa imagen negativa de España integraba, de algún modo, la identidad propia “de la generación que se hace adulta en el reinado de Carlos III” (LÓPEZ CORDÓN 2006, p. 167). Durante

aspiración, pretensi-ón, certeza o ambici-ón inalcanzable. Peter Novick resaltó su pa-pel como mito creador y fundador de la pro-fesión histórica en el seno de la historiogra-fía norteamericana.

3 - Tampoco consta en el diccionario de con-ceptos coordinado por Javier Fernández Se-bastian y Juan Fran-cisco Fuentes (2002).

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aquellos tiempos, eran habituales los testimonios de los historiado-res que se lamentaban de la inexistencia de “escritores imparciales” proclives a defender “la memoria de nuestros héroes”. Así lo señaló el jesuita desterrado en Italia Juan Nuix (1782, p. 312).

La comprensión de este marco quedaría incompleta si no se tuviera en cuenta que la polémica sobre las “Indias” cobró protago-nismo en salones, folletos y tertulias, incidiendo muy estrechamente en la reputación y la imagen de España en el extranjero (GERBI 1982; PAGDEN 1993). En ese sentido, la memoria de la conquista se convir-tió en un tema fundamental del debate ilustrado. A estas alturas, los argumentos de Voltaire, Ferguson, Rousseau, Montesquieu y Cadalso, entre muchos otros, son bien conocidos por los historiadores.

La impresión de geografías, traducciones, compendios y en-ciclopedias avivaron el debate sobre los caracteres nacionales y la construcción de mitos negativos sobre España —la imagen de un país en los márgenes de la modernidad, cruel, despótico y pe-riférico— que dieron lugar a la composición de un número amplio de apologías de la nación española, toda una respuesta institucio-nal a la historiografía europea por parte del gobierno de Carlos III (BAS MARTÍN 2000; CHECA BELTRÁN 2012; VÉLEZ JIMÉNEZ 2007, p. 19-41). En dichas obras, son incontables las expresiones de los autores que aseguraron mantener posiciones imparciales en conso-nancia con una postura que promovía los intereses de sus propios territorios (SANTANA PÉREZ 2017, p. 43-63) y, más en concreto, frente a los “ataques” que propinaban escritores franceses e ingle-ses contra España y sus conquistadores debido a su actitud violenta y codiciosa en el “Nuevo Mundo”. Muchos escritores hicieron gala de una marcada nostalgia hacia las virtudes y los héroes del pasado peninsular. Esas expresiones se acompañaron en ocasiones de evo-caciones del pasado glorioso de la conquista, de aquella realidad lejana, exótica y desconocida que continuaba siendo América.

Ni los adeptos a la filosofía de las “Luces” ni tampoco sus de-tractores inventaron el término “imparcialidad” e “imparcial.” Mucho antes, el poeta madrileño Alonso de Ercilla los había usado en su Araucana, publicada a finales del siglo XVI. También en numerosos vocabularios bilingües del barroco constaba la entrada correspon-

Imparcialidad y parcialidad

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diente al menos desde 1608 e incluso antes. Algo similar ocurrió en Inglaterra, donde la voz “impartial” puede documentarse a lo largo y ancho del s. XVII. Si se compara con el caso inglés, las diferencias semánticas son mínimas, pues ese término significa “equitativo, de-sinteresado, libre de valoraciones y estima, igualitario en la distribu-ción de justicia” (SHERIDAN 1785). Más allá del barroco, en el siglo XVIII, “imparcial” se convirtió en una voz muy popular que adquirió fuerza y un uso frecuente. Las cabeceras de algunos periódicos de la prensa periódica bien lo demuestran, pero también las traducciones, los elogios, las reflexiones, la correspondencia y los prólogos contri-buyeron a esa amplia circulación de la forma adjetiva. Especialmente a partir de 1777 y hasta 1788 y, posteriormente, desde 1789 hasta 1800, podemos encontrar un acusado incremento del uso de la pala-bra en comparación con las décadas precedentes.

En una gran variedad de epítomes ilustrados y liberales, po-demos ver las siguientes locuciones: “odio imparcial” (ZEVALLOS 1776), “imparcial cariño” (MARIANO NIFO 1781), “todo filósofo se jacta de imparcialidad” (JUAN NUIX 1782), “ponderar con impar-cialidad un hecho” (LORENZO HERVÁS 1783), “examinar con im-parcialidad” (SUÁREZ DE TOLEDO 1783), “lector imparcial” (CABA-NILLES 1784; JOVELLANOS, 1812); “justicia imparcial” (CAPMANY 1787); “historiador verdaderamente imparcial” (CORREO DE MA-DRID 1788); “forastero imparcial” (ARANA DE VARFLORA 1789); “extranjero imparcial y desapasionado” (SEMPERE Y GUARINÓS 1789); “homenaje imparcial” (CANGA ARGÜELLES 1833); “crítica sana e imparcial” (MARTÍNEZ DE LA ROSA 1838).

El significado del término “imparcial” no deja lugar a dudas. La condición de imparcialidad viene a constituir una actitud, una predisposición del sujeto a no tomar partido entre opiniones o juicios sobre las cosas, es decir, sería un sinónimo de “juicio recto y actitud desapasionada o desinteresada”. Derivado del latín “impartialis”, el adjetivo se incluye en el Diccionario de Autoridades como “el que se mantiene sin adherir ni aplicarse a alguna parcialidad” (DICCIO-NARIO 1734, p. 219). Puede subrayarse, sin embargo, una segun-da acepción referida, textualmente, a un individuo “retirado de la sociabilidad, de la comunicación de otros”. El Diccionario de la Real Academia de 1791 definirá “imparcial” del mismo modo que el Dic-cionario de Autoridades, exponiendo ambas acepciones (REAL ACA-DEMIA 1791, p. 492). “Imparcialidad” hará, por tanto, referencia al hecho de un individuo no manifestarse en contra o a favor de alguien

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o de algo, alejándose de las exageraciones, de las sospechas y la envidia. En ese sentido, la idea se aproxima al concepto de crítica y al carácter de verdad. La segunda acepción —menos documentada— relaciona el concepto con el aislamiento y la soledad. Precisamente el concepto de sociabilidad —y de lo sociable— es una de las máxi-mas divisas del pensamiento ilustrado, una cualidad positiva de las personas que, en opinión de los hombres y mujeres del Siglo de Las Luces, debía cultivarse (ÁLVAREZ DE MIRANDA 1992, p. 349-381; BOLUFER 2006, p. 121-148).

La relación que puede constatarse en el Diccionario de la Real Academia entre “no tomar partido” y mostrarse “exento de pasiones” con aislamiento y soledad se mantiene en las primeras ediciones de 1780 y 1791. Ambas acepciones de “imparcial” se recogen asimismo en el diccionario de Terreros (1793, p. 73). Sin embargo, en la cuarta edición del Diccionario de la Academia (1803) se produce un cambio significativo. La acepción negativa del concepto, opuesta al concepto de sociabilidad y mantenida alrededor de veinte años, desaparecerá del volumen (1803, p. 475). Resulta interesante hacer hincapié en ese pequeño matiz que, antes de la guerra de 1808, confiere un va-lor netamente positivo al concepto.

Veamos una serie de ejemplos sobre el significado de la “im-parcialidad” en los escritores ilustrados. Un clarividente uso de la noción puede hallarse en el elogio que el inquisidor de Valencia y filojansenista Nicolás Rodríguez Laso pronunció sobre el duque de Almodóvar, director de la Real Academia de la Historia y traductor de la Historie de Raynal, obra polémica por sus críticas a España debido a su actuación en América y uno de los compendios históricos más conocidos del momento. El salmantino Rodríguez Laso exaltaba su condición de español y calificaba al duque de imparcial (RODRÍGUEZ LASO 1795, p. 33).

Según Rodríguez Laso, el trabajo intelectual de Almodóvar de-mostraba su imparcialidad, su veracidad y el hecho de no haberse dejado conducir por “el espíritu de partido”, una especie de compro-miso con el que había defendido a la nación española de las críticas del filósofo y jesuita francés. Precisamente, la traducción de textos franceses e ingleses será una oportunidad excelente para construir diferentes grados de imparcialidad en función de su autoría y, como veremos, nacionalidad. En efecto, la traducción puede entenderse como un pretexto para marcar diferencias y ser útil a la sociedad. No sólo implica contar lo que ha pasado con la “legalidad” y el “decoro”

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que requiere la “verdad” de la historia, sino que también contiene una clara dimensión instructiva. La utilidad ilustrada —tan valorada en la época— entra en escena con el propósito de tejer una red de relaciones entre las ventajas de la imparcialidad, la parcialidad y el amor a la patria. Los elogios a la imparcialidad conferirán al concep-to una carga de prestigio que se ve subrayada por las virtudes del buen ciudadano y la contraposición al espíritu de partido, opuesto al interés general y la justicia. La idea de imparcialidad es, después de todo, pedagógica y patriótica. Aparecerá conectada, como veremos, con la satisfacción de los intereses generales de una sociedad y la “buena apariencia” de ésta.

En el Espíritu de los mejores diarios, un misterioso colabora-dor señalaba precisamente esas relaciones y, más específicamente, la correspondencia entre imparcialidad y amor a la patria, convir-tiendo esa virtud en dependiente de los caracteres nacionales. Apro-vechaba también la ocasión para reivindicar la precisión y la justicia que debían predicar los historiadores, poniendo como ejemplo a los cronistas romanos, valorados como testigos de lo acontecido —como sucedía en el pensamiento renacentista—, como garantía para cons-truir una historia “perfecta”. Además, denunciaba especialmente las situaciones en las que los historiadores se dejaban arrastrar por el espíritu de partido (ESPÍRITU 1787, p. 26-27).

Otro historiador, especialmente interesado en el mundo ame-ricano y en la apología de España, nos brinda en sus escritos un uso muy clarividente del concepto. Se trata del ministro riojano Martín Fer-nández de Navarrete, conocido escritor que dedicó sus esfuerzos a la historia marítima española y a examinar los legajos de Cristóbal Colón. En su discurso, la idea de imparcialidad aparece vinculada a la escritura de la historia, en estrecha relación con la condición de extranjero. En mayor medida que el nacional, los extranjeros deformaría y confundi-ría los acontecimientos del pasado; de esa forma, se equivocarían y “trastruecan no sólo los hechos sino hasta la nomenclatura material de nuestros pueblos” (FERNÁNDEZ DE NAVARRETE 1826, p. LVIII).

La noción de extranjero aparecerá repetidamente vinculada, por tanto, a la idea de parcialidad. El extranjero es parcial y esa aso-ciación tiene una carga eminentemente negativa. Junto a Fernández de Navarrete se sitúa toda una serie de opiniones que irían en la misma línea. Este es el caso del ilustrado José de Olmeda y León (1740-1805), un traductor, jurista y oidor de la Audiencia de Sevilla que —como tantos otros apologistas se encontraba preocupado por

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el honor de la nación española. Olmeda acusaba a los extranjeros, en-tre otras cosas, de haber hecho poco favor a la memoria de Fernando el Católico porque “no podían mirar con imparcialidad su glorioso reinado” (OLMEDA Y LEÓN 1771, p. 332).

Los lectores del Siglo de las Luces estuvieron muy familiarizados con la idea de parcial, antónimo del término que nos ocupa. El diccio-nario del jesuita Esteban Terreros (1786-1793) recoge la idea de parcial como derivado del latín “sectarius”, con el significado de “afecto, apa-sionado o partidario, de una causa”, una especie de antónimo de “recti-tud”. El Diccionario de la Real Academia —en la tercera edición de 1791, reducida a un tomo— incluye “parcialidad” como sinónimo de “facción o partido” (REAL ACADEMIA 1791, p. 626). Este significado se mantiene, asimismo, en la quinta edición de 1817. Aparece, junto a ella, la forma adjetiva y el verbo “parcializar” con el significado de “aplicar alguna cosa más a uno que a otro, por especial afecto o parcialidad” (REAL ACADEMIA 1817, p. 639).

La parcialidad se anuda con la problemática de los caracteres nacionales. Muchos ilustrados la rechazarán cuando la noción se sitúe en estrecho diálogo con la vanidad o el narcisismo. El abate y lingüista conquense Lorenzo Hervás criticaba, precisamente, cómo la parcialidad influía en aquellos que escribían sobre el pasado. Consideraba la parcia-lidad una “peste” común de los historiadores que se veían cegados por el amor a la patria, aunque reconocía alguna excepción y, precisamente, española. Aprovechaba para elogiar al cronista Juan de Mariana, afir-mando que había escrito sobre España “con la indiferencia de un extran-jero” aunque en realidad no lo fuera (HERVÁS; PANDURO 1789, p. 185). El caso de Juan de Mariana reviste cierta especificidad, tanto por el éxito editorial de su crónica y su alta consideración entre los historiadores de la época, como por el uso del concepto de imparcialidad, que lo alejaba de cualquier sospecha de sesgo en su escritura a favor de su nación. En este caso, y en contradicción con otros testimonios, Hervás invierte la ecuación entre extranjero y parcialidad, considerando a Mariana un buen ejemplo de cómo un nacional podía alejarse de la pasión propia de su patria. A ojos de Hervás, la imparcialidad y la crítica de Mariana se ma-nifestaban en el hecho de que el propio autor no se hubiese referido en su obra a la dinastía de los Austrias “porque temió que la adulación a sus hijos podría obligarle a quemar demasiado incienso sobre el sepulcro de sus padres” (HERVÁS; PANDURO 1789, p. 185).

Patriotismo, parcialidad y los valores del buen ciudadano cami-narán juntos en la literatura de la época, como también lo demostrará

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Detrás de las palabras: usos políticos del concepto de imparcialidad y su función en la construcción de la historia de América en la Ilustración española

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la sátira La derrota de los pedantes (MORATÍN 1789, p. 72). El patrio-tismo es, en ocasiones, parcialidad e ignorancia. Por el contrario, la imparcialidad equiparada a la verdad es el lenguaje del buen ciudadano y del amor a la patria. Cabría distinguir, pues, una corriente crítica con respecto al concepto de parcialidad, visto como antagonista de la fe-licidad pública y el interés general, valores e intereses fundamentales del discurso ilustrado. Esta cuestión estaba imbricada también con la escritura apologética de la literatura y la historia, con la polémica levan-tada a lo largo de aquellos textos publicados por Cañuelo en El censor. Veamos, en esa misma línea, otro ejemplo del uso de “parcialidad” en los escritos del duque de Híjar desde un acentuado tono crítico. Agustín de Silva Fernández apoya un punto de vista particular en un discurso en el que la parcialidad se disfraza de enemigo a combatir. El duque de Híjar pone el acento en las consecuencias negativas que la acompaña-rían, debido a su asociación con el patriotismo y el amor propio, y la opondrían a la verdad. No sólo tendrían su reflejo en el terreno de la justicia, sino también en el ámbito político, siendo, en suma, un “velo que perturba la vista para ver el verdadero mérito de las cosas” (HÍJAR 1792, p. 4-5).

Cabe recordar que otra de las acepciones del adjetivo “par-cial” que figuraba en los diccionarios de la época era la de “amigo, familiar, nacional y sociable”, mientras que el sustantivo significaba “trato amistoso o sociabilidad”. Es el atributo que usa, por ejemplo, el jesuita pamplonés Idiáquez para referirse a su compañero de or-den Juan Andrés: “el señor abate Juan Andrés […] se declara muy parcial de los árabes y respira a favor de ella en una especie de ar-rebatamiento” (IDIÁQUEZ 1788, p. 1). Esa cualidad no se atribuye solo a individuos, sino también a objetos y con una carga positiva. Es lo que se constata en esta expresión: “el cielo se declara parcial de nuestra navegación” (ISLA 1790, p. 168). Manifestarse favorable o “parcial” a Cristóbal Colón, por ejemplo, no era óbice para que el historiador fuera más o menos imparcial en su escritura (DIARIO DE MADRID 1789, p. 857-858).

El espíritu crítico es un componente esencial del lenguaje ilus-trado sin el cual no podría comprenderse la idea de imparcialidad ni sus derivados semánticos. La emergencia de la conciencia nacional y de los textos útiles a “nuestros compatriotas” se vinculará con la la-

La imparcialidad y la crítica

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bor crítica sobre los documentos en la construcción de la historia (PÉ-REZ MAGALLÓN 2002, p. 170; MESTRE 2002, p. 417-434; MESTRE 1986, p. 111-132). Esa crítica se entiende como un juicio riguroso que permite esclarecer la veracidad de los datos y su interpretación, una forma de distinguir lo verdadero de lo falso. De esa forma, la crítica era una forma de conocimiento y una de las premisas que ayudaría a construir la ciencia histórica a lo largo del siglo XIX.

La escritura de la historia, tal y como se concebía en la Ilus-tración, era una narración basada en una metodología concreta. Sos-tenida en los documentos, era dependiente de la erudición y de la crítica, de un examen racional de los conocimientos heredados, fruto del trabajo en archivos y bibliotecas en los que se analizaban docu-mentos, inscripciones u otros restos del pasado. Del mismo modo, se la ha entendido como producto de las políticas culturales del go-bierno y de complejas relaciones de poder. Como ya lo han señalado los especialistas, nunca podrá entenderse la actitud de los ilustrados españoles sin tener en cuenta la política cultural de los Borbones. En el análisis de sus posturas cabría diferenciar tanto sus propósitos e intenciones como la base intelectual y metodológica, basada en la crítica textual y el análisis de fuentes primarias (STIFFONI 1989; ALBADALEJO 2007).4

La crítica, acompañada del adjetivo “imparcial”, definirá la ac-titud intelectual del hombre de las Luces (ÁLVAREZ DE MIRANDA 1992, p. 511-543). En el terreno de la escritura de la historia, ese espíritu se manifestará con claridad en las críticas, por ejemplo, a la obra de Annio de Viterbo (KAGAN 2010, p. 84.). Sus premisas permitirán, también, ensalzar la historia nacional frente a la posi-ción sesgada adoptada en algunos textos extranjeros; aunque, en realidad, rechazar la autenticidad y la veracidad de crónicas y docu-mentos pudiera significar, simple y llanamente, sustituirlos por otros (MESTRE 1990, p. 21- 60; GARCÍA HERNÁN 2004, p. 127-194).

La ambigüedad de los historiadores a la hora de abordar cier-tas tradiciones — en particular, cuando entraban en juego las glo-rias nacionales y los orígenes míticos de ciertas tradiciones y grupos sociales— pone de manifiesto precisamente las limitaciones de la crítica. Este impulso crítico y racional no dejaba de implicar, por otra parte, una toma de posición sobre una cuestión concreta, así como la escritura de relatos con una marcada dimensión mitológica.

Distinguir la historia fabulosa y legendaria más “típica” de la

4 - La dificultad de hacer compatible la “historia crítica” con la necesidad de obje-tividad y las exigen-cias gubernamentales puede verse a lo largo del siglo en la relaci-ón estrecha que man-tuvo D. Juan José de Austria con los reno-vadores de la histo-riografía.

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historiografía barroca de la historia dieciochesca planteaba, en rea-lidad, un problema político, sobre todo cuando afectaba a los oríge-nes de la nación, las tradiciones religiosas y la conquista. La crítica a las crónicas renacentistas como fuentes fiables para abordar la conquista americana fue una tónica común en muchos ilustrados. Un ejemplo se halla en el Memorial literario, donde se publica un texto sobre la impresión de la Historia de la Conquista del Perú de Beauchamp (MEMORIAL LITERARIO 1808, p. 241). En ese texto se rechaza contundentemente a los primeros cronistas por “participar de su parcialidad”, de “todas las preocupaciones de la nación” y del tiempo que escribieron.

La “crítica imparcial” expresaba en realidad diferencias entre diversos modos de practicar y escribir historia, proyectando de alguna manera las experiencias y opiniones de unos sobre otros. Los ilustra-dos, al compás de los debates y las corrientes intelectuales europeas, protegieron su manera de entender el pasado y la imagen nacional frente a las posturas y las múltiples caras de la otredad. La ideología que subyace al concepto siempre es la que tienen otros y, al fin y al cabo, esa es una manera de universalizar o promocionar una creencia o valor afín a un grupo social (EAGLETON 2005, p. 20-24).

Se sabe que, en aquel momento, la condición de historiador, su responsabilidad y pretensiones eran motivo de polémica intelec-tual entre diversos grupos políticos. Algunos adjudicaban a la pro-fesión el rol de distinguir las certezas de las verosimilitudes y las falsedades. Otros destacaban, más bien, la necesidad de pintar con exactitud la realidad (NUIX 1782, p. 43). ¿Qué se podía esperar de un historiador? Una respuesta puede encontrarse en uno de los periódicos más característicos del momento, el Espíritu de los me-jores diarios, editado por Cristóbal Cladera, traductor mallorquín y un buen conocedor de las hazañas de los descubridores y conquis-tadores españoles y portugueses. Aunque se tratara del año 1788, las páginas del diario ofrecían a los lectores una magnífica definición de objetividad histórica (ESPÍRITU 1788, p. 360): lo menos deseable que podía hacer un historiador era, precisamente, tomar partido.

¿Cómo distinguir, sin embargo, al historiador imparcial del que se posiciona abiertamente? Cinco años antes, Francisco Masdeu, el jesuita catalán que escribió en su etapa italiana la Historia de la cul-tura española, no dudaba en sentenciar que los historiadores más imparciales eran los españoles. Esta era una virtud con la que se construía una “diferencia”, aunque también permitiera distinguir un

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segundo grupo de historiadores extranjeros más y menos favorables a España. En la pluma de Masdeu, el concepto de imparcialidad ad-quiere un matiz moral y ambiguo, pero no se concibe como una cua-lidad de la investigación de la que el historiador estuviera investido. Asimismo, Masdeu reconoce la amplia carga de las historias falsas y míticas heredadas desde el Renacimiento, algo que, sin embargo, no era exclusivo de España (MASDEU 1783, p. 189). Así, los eruditos eran conscientes, de los peligros de la parcialidad y de las inclinacio-nes personales que podían detectarse en el trabajo histórico. José Ortiz Sanz, presbítero y traductor valenciano, se refiere precisamen-te a la condición de historiador como la más “infeliz y peligrosa” de la intelectualidad. Ello debido a las contundentes críticas que podía sufrir, bien fuera por su estilo, su parcialidad o inexactitud.

De todos modos, la “historia crítica” no conllevó en absoluto la desaparición de las construcciones fantásticas y mitológicas que se habían difundido en las crónicas renacentistas sobre el mundo ameri-cano. Los intelectuales no abandonaron una lectura de la conquista en clave épica y eurocéntrica, presidida por la idea de que “unos cuantos aventureros”, unos pocos hombres excepcionales, héroes valientes y aguerridos, habían enaltecido la monarquía, propagado la verdadera fe, la cultura y el progreso occidental. La pretensión de desmentir la “Leyenda Negra,” aspecto en el que ya insistía el madrileño Antonio de Solís en su célebre Historia de México, continuó con un vigor renovado en el nuevo contexto de la segunda mitad del siglo XVIII.

La cuestión americana se encontraba muy unida a las refle-xiones que los ilustrados hacían sobre el pasado español. Un debate político e intelectual en la época consistió en dilucidar qué historias sobre América eran más exactas o fieles a la verdad: las producidas por misioneros, algunos afamados cronistas y soldados del Rena-cimiento, exploradores, viajeros u otros eruditos contemporáneos (CAÑIZARES ESGUERRA 2007, p. 63; ESTEVE BARBA 1992). Las pinturas sobre la conquista de México y Perú ponían en juego el ho-nor, la opinión y la imagen de la monarquía española y la de sus hé-roes. La necesidad de acomodar esos aspectos a la política cultural ilustrada puede rastrearse, efectivamente, a lo largo de la literatura del momento. Esa preocupación perdurará hasta bien entrado el si-glo XIX. Así puede constatarse en la edición madrileña de Antonio de Solís de 1840 (LINARES 1840, p. 6).

Esa literatura épica anudaba en su seno los conceptos de ver-dad, justicia e imparcialidad. De esa constelación de ideas nacía la

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legitimidad del relato de la conquista como narración colonialista y nacional, ya en aquel momento popular y mitologizada en muchos otros espacios de la vida pública, como el teatro y la iconografía (ARACIL VARÓN 2009; KOHUT 1992; RIVERA AYALA 2009; PERAL-TA RUÍZ 2006, p. 215-253). En la misma línea se encuentra la tra-ducción de Juan Corradi, quien había vertido al castellano la obra del pedagogo y distinguido representante de la Ilustración alemana, Joachim Heinrich Campe. En el texto —–conocido a lo largo del siglo liberal a través de sus distintas ediciones y dirigido de forma priorita-ria al mundo infantil— Campe dejaba muy perfilado el significado y la aplicación de la idea de imparcialidad y parcialidad, preguntándose si era posible leer sin sentir cierta incomodidad las “calumnias” que los extranjeros habían escrito sobre España. En ese sentido, afirmaba que “quando la parcialidad, la malicia o la envidia dirigen la pluma del historiador […] sólo se encuentra una caprichosa compilación de hechos desfigurados, que suelen ser manantial de preocupaciones y falsas ideas” (CORRADI 1803, p. 142).

El traductor es perfectamente consciente del problema. El pa-sado, según en manos de quien se colocara, podía ser peligroso, deformarse y perder su esencial función instructiva e identificativa. El compendio original de Campe —dedicado al retrato de las figuras individuales de la conquista y el descubrimiento— no era imparcial, esto es, patriótico, a ojos de Corradi. Así, la historia producida por algunos extranjeros podía provocar cierto sentimiento de incomodi-dad e indignación. No era justa con España. La historia extranjera —no toda, evidentemente, pero sí una parte importante de ella— des-truía los valores básicos y las tradiciones en las que se sustentaba esa visión de la conquista dulce, épica y cómoda.

Otro ejemplo contundente podemos encontrarlo en la obra de Pedro de Estala, un polifacético intelectual nacido en la localidad manchega de Daimiel. Entre sus variadas actividades literarias, tra-dujo un compendio de viajes que había sido escrito originalmente por el religioso francés Joseph de La Porte. Hacia 1799 se imprimían algunos tomos de su obra El viajero universal, un texto instructivo que Godoy llegó a comparar con la obra de Feijoó (ARENAS CRUZ 2003, p. 441). Estala no se alejaba mucho de algunas opiniones ya comentadas anteriormente. Pero eso sí, confesaba, en primer lugar, que su escritura se explicaba por su “amor a la verdad” y no a la par-cialidad nacional (ESTALA 1799, p. 206-207). Como exigía Estala, la imparcialidad y la crítica se convertían en condiciones necesarias

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para que los historiadores compusieran sus historias de América. Su posición era, antes que filosófica, historiográfica y política. Como otros muchos historiadores españoles, el literato Pedro de Estala apelaba a la imparcialidad como elemento necesario para escribir la historia de América y la de España, desde una perspectiva política.

Añadiremos un ejemplo más, protagonizado por un hombre de finales de siglo, el monje jerónimo Fernando Zevallos. Zevallos, representante notorio del pensamiento “conservador” diecioches-co, también comulgaba con las heroicidades de los conquistadores, como tantos otros contemporáneos. Una de sus intenciones fue la de dibujar una idea de parcialidad entendida como oposición al gobier-no de España. La idea de parcialidad también podía aplicarse a un español en concreto, de marcado espíritu crítico, que representaba un obstáculo para la construcción del relato épico de la conquista: Bartolomé de Las Casas. Cualquier lector era capaz de percibir el “espíritu de partido” y el “ardor” que movía la pluma del dominico sevillano, en opinión del monje (ZEVALLOS 1774-1776, p. 306-334).

La exaltación y legitimación de los acontecimientos de 1492 se escondían bajo la idea de imparcialidad y patriotismo. Los ejem-plos continúan a lo largo del siglo XIX y cruzan el océano, aunque con circunstancias históricas marcadamente distintas. El periodista liberal catalán Gil Gelpi y Ferro, dueño y director del diario cubano La prensa, publicó en las décadas de 1860 y 1870 diversos escritos sobre Cuba y las colonias españolas. En uno de ellos, escribía las siguientes palabras: “el hombre que examina los hechos de los des-cubridores del Nuevo Mundo con imparcialidad e inteligencia, conoce que a bordo de aquellos buques no había más que héroes” (GELPÍ Y FERRO 1864, p. 32). Justificaba la objetividad de su texto —bas-tante dudosa, por cierto, como lo señala Ricardo Rivas— aludiendo a que había utilizado fuentes diversas y de una ideología diferente a la suya (RIVAS 1996, p. 181).

Concluiré con otra referencia de las que fueron colonias es-pañolas. En plena época liberal, un diccionario aparecía publicado con una serie de artículos históricos y geográficos relativos a la Re-pública Mexicana. Entre ellos, nos llama la atención uno dedicado al asalto de Chapultepec, la batalla librada contra Estados Unidos en la ciudad de México. El hecho es interpretado como una desgracia para las tropas mexicanas, pues “mil soldados americanos han vencido […] a seis mil mexicanos. En este punto nosotros hemos querido conservar una severa imparcialidad, mortificando en la mayor parte

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de las ocasiones nuestro amor propio nacional” (OROZCO Y BERRA 1856). Se trata de un fragmento destacable en la medida en que, al contrario que en otros textos, se opta por una visión que no va de la mano del interés en promover la grandeza del estado mexicano —como sucede en el caso español—, sino que, más bien, ofrece un panorama derrotista que explota el famoso tópico colonial de que unos pocos conquistaron a unos muchos.

Muchos investigadores han insistido en demostrar cómo el lenguaje refleja todo tipo de ideologías. Los frecuentes usos de “imparcialidad” en la segunda mitad del siglo XVIII caminan en esa dirección, ya que remiten a la construcción de una “diferencia” que de-pendía de la mirada propia y la ajena, de las nociones culturales de na-cional y extranjero. La figura del historiador “imparcial” era reclamada desde casi cualquier tribuna —prólogos, obras de teatro, prensa, com-pendios, disertaciones, diccionarios—, mientras el concepto se rodeaba de cierta carga de prestigio y verdad. Sólo el historiador que escribiera la historia apropiada, la que abordaba con justicia el pasado “español”, merecería ser considerado imparcial.

En ese contexto preciso, la mayor parte de los textos proyectan una idea de imparcialidad vinculada a hablar favorablemente de los es-pañoles (RODRÍGUEZ MOHEDANO 1769, p. 21-109). Esta concepción se apoya, pues, en una literatura que enaltece la bondad, la sinceridad y la exactitud como rasgos característicos de los historiadores de la me-trópoli. Los testimonios que honraban a la nación española contra las críticas extranjeras eran entendidos como un ejercicio de imparcialidad, aunque existieran voces críticas que señalaban el patriotismo como po-sible causa “deformante” de los retratos del pasado. Conviene resaltar, por otro lado, que no todas las opiniones circularon en los mismos tér-minos o son equiparables, sobre todo cuando el historiador manejaba contextos y tendencias políticas muy diversas.

No existe, en realidad, una única manera de entender la impar-cialidad en un momento histórico concreto; ni tampoco de entender la patria —sobre todo en esta coyuntura histórica, en la que el concepto de “patria” y el de “nación” eran todavía ambiguos, contradictorios y polisémicos (FUENTES 2013, p. 169-196; ÁLVAREZ DE MIRANDA 1992, p. 211-269; FERNÁNDEZ ALBADALEJO 2001, p. 485-532; THOMPSON 1995, p. 125-159) — ni, mucho menos, el sentimiento que debe alber-

Consideraciones finales

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garse por ella. Sin embargo, la idea de imparcialidad cumple la función de legitimar como apropiadas y positivas ciertas visiones sacralizadas y heroicas del pasado, ciertos personajes e imaginarios unidos a ellos. La empresa americana como relato épico en el que refulge la figura del héroe conquistador es, precisamente, uno de los mejores ejemplos.

Pese a la existencia de criterios diferentes y discursos que caminan en otra dirección, puede afirmarse que existe un cierto consenso sobre el significado del término. La idea de la imparcialidad surge, entonces, como garante de la identidad nacional en la escritura histórica y funcio-na como fuente de legitimidad con la que fabricar, y en último término, sustentar los discursos sobre el “Nuevo Mundo”. Y ello pese al clima in-telectual imperante de crisis colonial y a la controversia existente sobre la escritura de la historia de América en las arenas del debate europeo.

No parece casualidad, sin embargo, el aumento del uso de la noción en las últimas décadas del s. XVIII frente a etapas anteriores. Tampoco parece una casualidad que la idea se desprendiera en 1803 —al menos académicamente hablando— de su carga más negativa o antiilustrada. Y ello sucede precisamente en un momento en el que Francisco Sánchez Blanco (2007, p. 5) identifica una de las etapas más vitales de la Ilustración, entre 1795 y 1805. No será, por tanto, con el pensamiento liberal que el concepto de imparcialidad adquirirá su sig-nificado definitivo, un significado que se tiñe, a partir de ese momento, de una semántica únicamente positiva.

Pesara más o menos el amor a la patria en la escritura de la his-toria, las reflexiones sobre la imparcialidad demuestran que los debates sobre el distanciamiento, la exactitud y la justicia en la escritura de la historia vienen, en realidad, de muy lejos. Así las cosas, los eruditos es-pañoles pondrán en duda la imparcialidad de algunos historiadores que distorsionan el pasado proyectando, a su parecer, elementos ajenos al mismo. Esta pretensión —ya se debiera, en su opinión, a la pasión, la envidia, el interés o el desconocimiento— fue un privilegio de una mi-noría social muy diversa, con intereses marcadamente diversos —ideo-logías a favor y en contra de los valores de la Ilustración—, que decidió otorgar nueva fuerza al término y determinar cómo elaborar ese relato y en qué términos hacerlo.

Quizá no sólo la historia se plasma a través de variados concep-tos e ideas, sino que esos mismos sustentan una historia propia. Pese a las contradicciones que se manifiestan en su uso, la utilización de la idea de imparcialidad proporciona una base firme para que los indivi-

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duos puedan forjar una identidad más o menos coherente (EAGLETON 2005, p. 36) y legitimar, al mismo tiempo, su escritura histórica. La idea de imparcialidad, al calor de la polémica en torno al “Nuevo Mundo”, y la controversia acerca de los caracteres nacionales sostienen imaginarios colectivos y esconden una manera particular en la que historia y polí-tica (con)fluyen permanentemente. He tratado de poner de relieve su incidencia en el vocabulario ilustrado, su dimensión ideológica y escasa transparencia en manos de individuos y en contextos muy concretos. No sólo se usó para designar cierta lealtad y justicia hacia el pasado “nacional”; de alguna manera, su uso también implicó la exclusión de otras visiones del pasado, de otros hombres y mujeres, conquistados y conquistadores, que participaron en los acontecimientos de 1492. Su ausencia en los relatos supuso la negación o minimización de las muer-tes, de la conflictividad social y de las rebeliones sucedidas a lo largo del complejísimo proceso histórico que fue la conquista de América.

ÁLVAREZ DE MIRANDA, Pedro. Palabras e ideas, el léxico de la Ilustración en España (1680-1760). Madrid: Real Academia Española, 1992.

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RECIBIDO EL: 02/12/2017 | ACEPTADO EL: 22/05/2018

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Nuria Soriano Muñ[email protected] en Historia ModernaInvestigadora en fase postdoctoral (APOSTD, Generalitat Valenciana)Departamento de Historia Moderna y Contemporánea (área Historia Moderna)Universidad de ValenciaAvda. Blasco Ibáñez, 2846010 Valencia España

Este trabajo ha sido financiado gracias a una ayuda para investigadores en fase postdoctoral concedida por la Conselleria d’Educació, Investigació, Cultura i Esport de la Generalitat Valenciana (España) y el Fondo Social Europeo. Se integra en el proyecto de investigación “Nuevas perspectivas de historia social en los territorios hispánicos del Mediterráneo Occidental en la Edad Moderna” con referencia HAR2014-53298-C2-1.”

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1) As colaborações poderão ser feitas sob as seguintes formas:

1.1. Artigo inédito e original (entre 28.000 e 54.000 caracteres com espaço, incluindo as notas e as referências bibliográficas). 1.2. Resenha de livro (máximo de 18.000 caracteres com espaço). As resenhas devem ter título, seguido pela referência bibliográfica completa da obra. Caso seja necessário, a bibliografia deve vir ao final da resenha, e as notas devem seguir os padrões editoriais da revista. Recomenda-se que as resenhas de livro escrito por um só autor apresentem uma avaliação crítica do trabalho à luz da literatura previamente existente sobre o tema. 1.3. Textos e documentos historiográficos. Os documentos devem ser antecedidos por um pequeno texto de apresentação, escrito pelo autor da submissão. O conjunto (apresentação + documento) não deve ultrapassar os 80.000 caracteres com espaço. Recomenda-se entrar em contato com os editores antes de preparar a submissão. 1.4. Entrevistas. Devem contar com um texto introdutório acerca do entrevistado. O conjunto (apresentação + entrevista) deve conter de 27.000 a 54.000 caracteres com espaços. Recomenda-se entrar em contato com os editores antes de preparar a submissão.

2) Os artigos devem conter, no início, resumo (de 700 a 1.050 caracteres com espaço) e três palavras-chave, ambos seguidos de traduções para língua inglesa.

3) Recomenda-se que os autores dividam os artigos em seções, que devem consistir em títulos explicativos, em negrito e com maiúscula apenas no início (ou, se nele houver, substantivo próprio). Em hipótese alguma será aceita a divisão de seções por algarismo.

4) A contribuição deve ser original e inédita, não estar sendo avaliada por outra publicação e não ter indicação de autoria. Os autores devem excluir todas as informações do arquivo que possam identificá-los como tal.

5) Quando houver financiamento da pesquisa, o autor

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deve indicar, em nota de rodapé ligada ao título da contribuição, a instituição financiadora.

6) As citações em língua estrangeira devem ser traduzidas.

7) Todos os artigos, inclusive os submetidos para publicação em dossiê, serão analisados por, pelo menos, dois membros do Conselho Consultivo ou assessores ad hoc, que podem, mediante consideração da temática abordada, seu tratamento, clareza da redação e concordância com as normas da revista, recusar a publicação ou sugerir modificações. Os pareceres têm caráter sigiloso. Ao Conselho Editorial fica reservado o direito de publicar ou não os textos enviados de acordo com a pertinência em relação à programação dos temas da revista.

8) Os artigos passarão por uma pré-seleção do Conselho Editorial que avaliará sua pertinência com relação à temática do periódico. Uma vez aprovados na pré-seleção, serão encaminhados para pareceristas.

9) As palavras-chave devem ser preferencialmente retiradas do banco de palavras-chave elaborado pelos editores da revista. Caso o autor considere recomendável inserir uma palavra-chave que não esteja contida no referido banco, deve expressamente pedir sua inclusão no sistema de busca. A solicitação será avaliada pelos editores.

10) As colaborações devem ser enviadas em Times New Roman, corpo 12, espaçamento 1,5 e com margens de 3 cm. As citações com mais de três linhas devem ser destacadas do texto, sem aspas, compondo parágrafo com recuo, à direita, de 1,5 cm, corpo 11 e espaçamento simples.

11) Todos os textos deverão ser apresentados após revisão ortográfica e gramatical. A revista publica contribuições em português, espanhol, inglês, francês e italiano.

12) As notas de rodapé devem ser apenas de caráter

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explicativo. As referências devem vir em corpo de texto tendo o seguinte formato: (ABREU 2005, p. 36).

13) A referência à textos clássicos também deve ser feita no corpo do texto, com indicações do nome do autor, da primeira palavra do título da obra (em itálico) e da seção e/ou as linhas citadas, tal como nos seguintes exemplos: Aristóteles, Poética VII; Tucídides, História IV, 49. A referência completa à obra citada deve aparecer ao final do texto, na lista da bibliografia utilizada.

14) As referências bibliográficas, listadas em ordem alfabética, devem estar no final do texto e seguirem os modelos abaixo:

Livro KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.

Capítulo de livro CASSIRER, Ernst. A linguagem. Introdução e exposição do problema. In: ______. A filosofia das formas simbólicas. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 9-74.

Coletânea CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir (orgs.). Representações: contribuições a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000.

Artigos em periódico RIGOLOT, François. The Renaissance Crisis of Exemplarity. Journal of the History of Ideas, v. 59, n. 4, p. 557-563, 1998.

Texto disponível na internet

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Trabalho publicado em anais eletrônicos

ARAÚJO, Rodrigo Cardoso Soares de. O polêmico Corsário, um pasquim da Corte Imperial (1880-1883). In: SEMINÁRIO

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Tese acadêmica

RIBEIRO, Tatiana O. A apódexis herodotiana: um modo de dizer o passado. Tese (Doutorado em Letras Clássicas) - Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Artigo de jornal

GLEISER, Marcelo. Newton, Einstein e Deus. Folha de S. Paulo, 13 jun. 2010. Ilustrada, p. A23.

Pede-se os autores que indiquem, nas referências bibliográficas, a primeira edição de livros com várias reedições, seguindo o padrão: CROCE, Benedetto. Teoria e storia della storiografia. Bari: Laterza, 1973 [1913].

15) Desde o seu terceiro número, a revista História da Historiografia adotou a nova ortografia estabelecida no Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Recomenda-se aos colaboradores a adoção da nova ortografia nos materiais enviados para avaliação e publicação na revista.

16) O envio de manuscritos implica a cessão de direitos autorais e de publicação à História da Historiografia, que não se compromete com a devolução das colaborações recebidas. Os textos publicados na revista não podem ser republicados em outros meios e/ou formatos sem a autorização expressa dos editores. Os dados, conceitos e opiniões apresentados nos trabalhos, bem como a exatidão das referências documentais e bibliográficas, são de inteira responsabilidade dos autores.

17) Todas as colaborações devem ser enviadas exclusivamente pelo site da revista:

http://www.historiadahistoriografia.com.br

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Ouro Preto / MG

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1) Sugestões para a elaboração de resumo:

O resumo é um breve sumário do artigo. Ele não deve ser uma introdução do texto, mas uma descrição completa e sintética do conteúdo do artigo, indicando os objetivos e os aspectos centrais do argumento, a forma de abordagem do tema e as conclusões e/ou hipóteses do estudo. As informações devem ser expostas em um parágrafo, com narrativa contendo introdução (tema central do estudo e objetivos), meio (forma de abordagem do tema e fontes utilizadas) e fim (conclusões ou hipóteses principais).

1.1. Detalhamento das partes do resumo:

Introdução: a parte inicial do resumo deve fornecer uma introdução ao tema ou problema do estudo. Ela deve identificar a questão central do trabalho. É preciso dizer em poucas palavras sobre o que é o artigo. A introdução deve ser seguida pelos objetivos (gerais e específicos) do estudo, sendo possível eliminar a introdução e expor os objetivos no início de forma mais direta. Meio: apresenta de forma clara as questões, os objetivos, os argumentos centrais e a forma de abordagem do tema. Fim: indica a conclusão principal do estudo ou a hipótese (quando houver).

1.2. O resumo deve poder responder às seguintes questões:

Do que o texto trata? Quais os objetivos? Como o estudo foi conduzido? Quais foram os resultados ou as conclusões da pesquisa? Lembramos aos autores que o resumo é o primeiro contato do leitor com o estudo e pode ser o único elemento recuperado nas bases de dados científicos sobre um determinado tema. Além disso, se o resumo for bem escrito poderá auxiliar os avaliadores do artigo, esclarecendo possíveis dúvidas sobre os objetivos e conclusões do autor. Também poderá atrair leitores para o texto.

2) Sobre as palavras-chave

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HISTÓRIA DAHISTORIOGRAFIA

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As palavras-chave devem comunicar os conceitos e/ou categoriais centrais do estudo. A seleção criteriosa das palavras-chave facilitará a recuperação das pesquisas, uma vez que tais palavras são utilizadas na indexação e busca de estudos nas bases de dados científicos.