gramsci e lenin

19
1 GRAMSCI E LENIN Marcos Del Roio Prof. de Ciências Políticas UNESP-FFC 1. Gramsci morreu em abril de 1937, em um ano muito difícil para a Internacional Comunista e para o Partido Comunista Italiano. A política de frente popular mostrava os seus limites na luta contra o fascismo e este, por sua vez, consolidava o seu poder político interno e voltava-se para a construção imperial. A guerra civil na Espanha continuava e a Alemanha se preparava para ocupar a Áustria. A difusão internacional do fascismo arrastava a Internacional Comunista para uma situação defensiva extrema e quase deixando de existir na prática. Os processos de Moscou -- que levaram a eliminação do que restava do original grupo dirigente bolchevique – se desenrolavam naqueles dias sombrios. O próprio PCI encontrava-se sob suspeita de pouco afinco na luta contra o “trotskismo”. Já no editorial de Lo Stato Operaio de março/abril de 1937, o PCI era identificado como sendo “o partido de Gramsci e Togliatti” e este visto como “o chefe do partido”. Na verdade, os nomes de Gramsci e Togliatti já apareciam acoplados desde 1936, mas depois da morte de Gramsci essa indicação foi reforçada, decerto visando garantir a legitimidade da direção frente às massas populares da Itália, mas também frente à IC. Nessa conjuntura pouco alvissareira para o movimento comunista, pela morte de Gramsci, Palmiro Togliatti, que já era reconhecido como o mais importante dirigente comunista italiano, escreveu um artigo para Lo Stato Operaio, no qual saudava o companheiro morto como exemplo de “chefe da classe operária”. 1 Depois de um comício em homenagem a Gramsci, acontecido em Marselha, em junho de 1937, Grieco escreveu, nesse mesmo número da revista comunista, um documento que dizia estar inspirado em Gramsci, mas que era a orientação política geral emanada do VII Congresso da IC. 2 Naquele momento, ser leninista significava fechar fileira em torno da URSS e de sua direção política sem ao menos franzir o senho. Afirmar então Gramsci como chefe da classe operária e como leninista era um sinal de que o PCI era um partido leninista e, 1 TOGLIATTI, Palmiro. La morte di Antonio Gramsci. In: Lo Stato Operaio, maggio / giugno 1937 (FIG) 2 GRIECO, Ruggiero. Conquistare una nuova democrazia. In: Lo Stato Operaio, maggio/giugno 1937.(FIG)

Upload: zairavieira

Post on 18-Dec-2015

5 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Marcos Del Roio

TRANSCRIPT

  • 1

    GRAMSCI E LENIN

    Marcos Del Roio Prof. de Cincias Polticas

    UNESP-FFC

    1.

    Gramsci morreu em abril de 1937, em um ano muito difcil para a Internacional

    Comunista e para o Partido Comunista Italiano. A poltica de frente popular mostrava os

    seus limites na luta contra o fascismo e este, por sua vez, consolidava o seu poder poltico

    interno e voltava-se para a construo imperial. A guerra civil na Espanha continuava e a

    Alemanha se preparava para ocupar a ustria. A difuso internacional do fascismo

    arrastava a Internacional Comunista para uma situao defensiva extrema e quase deixando

    de existir na prtica. Os processos de Moscou -- que levaram a eliminao do que restava

    do original grupo dirigente bolchevique se desenrolavam naqueles dias sombrios. O

    prprio PCI encontrava-se sob suspeita de pouco afinco na luta contra o trotskismo.

    J no editorial de Lo Stato Operaio de maro/abril de 1937, o PCI era identificado

    como sendo o partido de Gramsci e Togliatti e este visto como o chefe do partido. Na

    verdade, os nomes de Gramsci e Togliatti j apareciam acoplados desde 1936, mas depois

    da morte de Gramsci essa indicao foi reforada, decerto visando garantir a legitimidade

    da direo frente s massas populares da Itlia, mas tambm frente IC. Nessa conjuntura

    pouco alvissareira para o movimento comunista, pela morte de Gramsci, Palmiro Togliatti,

    que j era reconhecido como o mais importante dirigente comunista italiano, escreveu um

    artigo para Lo Stato Operaio, no qual saudava o companheiro morto como exemplo de

    chefe da classe operria. 1 Depois de um comcio em homenagem a Gramsci, acontecido

    em Marselha, em junho de 1937, Grieco escreveu, nesse mesmo nmero da revista

    comunista, um documento que dizia estar inspirado em Gramsci, mas que era a orientao

    poltica geral emanada do VII Congresso da IC. 2

    Naquele momento, ser leninista significava fechar fileira em torno da URSS e de

    sua direo poltica sem ao menos franzir o senho. Afirmar ento Gramsci como chefe da

    classe operria e como leninista era um sinal de que o PCI era um partido leninista e,

    1 TOGLIATTI, Palmiro. La morte di Antonio Gramsci. In: Lo Stato Operaio, maggio / giugno 1937 (FIG) 2 GRIECO, Ruggiero. Conquistare una nuova democrazia. In: Lo Stato Operaio, maggio/giugno 1937.(FIG)

  • 2

    portanto fiel direo sovitica e isso inclua tambm o seu lder martirizado no crcere

    fascista e agora morto, mas sobre o qual, em diversos momentos, recaram dvidas srias

    sobre tal fidelidade.

    Na verdade, nos anos seguintes, Togliatti ou quer que fosse dentro do PCI --

    nunca alimentou dvidas sobre o leninismo de Gramsci, apenas que era um leninismo

    italiano, nacionalpopular. Assim se conformou uma leitura de uma perfeita continuidade

    entre Gramsci e Togliatti na direo poltica e intelectual do PCI e dessa com o leninismo.

    Certo que h um sujeito oculto que Stlin, o que torna a questo bem mais complexa, mas

    no ser aqui abordada.

    O problema a ser tratado aqui no a relao entre Gramsci e Togliatti mediada por

    Lenin ou por Stlin, mas a relao intelectual de Gramsci com Lenin, ponto esse tambm

    difcil de ser resolvido em um estudo apenas introdutrio, pois, como se ver, as mediaes

    so inmeras e permitem antecipar que as interpretaes extremas que vem um Gramsci

    leninista tout court ou um autor inteiramente inovador e descolado de Lenin, enfim, um

    gramscista, no so corretas. Nessa direo chama a ateno que recente volume que

    apresenta os resultados de um seminrio sobre Gramsci no seu tempo no contenha nada

    sobre a relao de Gramsci com Lenin e o bolchevismo. 3 Mas, de fato, e como no poderia

    deixar de ser, Gramsci faz parte de um ambiente cultural e intelectual italiano e europeu

    bastante complexo e o seu pensamento se comps de muitas influncias e interlocutores,

    que foram sempre revisadas, num permanente trabalho de autocrtica.

    O decisivo e fundamental encontro de Gramsci com Lenin e com o bolchevismo

    conta com a plataforma de uma original formao intelectual e poltica, que partia do

    meridionalismo e do neoidealismo. Mesmo depois da ecloso do processo revolucionrio

    na Rssia, em 1917, mais do que Lenin, as influncias tericas e polticas sobre a

    elaborao de Gramsci talvez fossem Georges Sorel e Rosa Luxemburg, alm de Karl

    Korsch.

    2.

    Em abril de 1917, Gramsci tece os seus primeiros comentrios sobre a revoluo

    que havia eclodido na Rssia e no faz qualquer referncia a Lenin ou ao bolchevismo. A

    3 GIASI, Francesco (a cura di). Gramsci nel suo tempo. Roma: Carocci editore, 2 volumi, 2008.

  • 3

    sua empatia com o processo revolucionrio bastante claro, mas o seu respaldo terico se

    encontra em Sorel. Com pouca informao, tirada apenas dos jornais, diz que sabemos que

    a revoluo foi feita por proletrios (operrios e soldados), sabemos que h um comit de

    delegados operrios que controla a ao das entidades administrativas, que necessariamente

    tiveram que se manter no cumprimento dos assuntos ordinrios. 4 Na esteira da concepo

    soreliana de jacobinismo diz ainda: a revoluo russa ignorou o jacobinismo. A revoluo

    deveu abater a autocracia, no deveu conquistar a maioria com a violncia. O jacobinismo

    um fenmeno puramente burgus, que caracteriza a revoluo burguesa na Frana.5

    Trs meses depois Gramsci parece bem melhor informado, mas ainda se refere aos

    bolcheviques como massimalistas, tal como era chamada a esquerda socialista na Itlia.

    Insiste que na Rssia no h jacobinismo e que

    Lenin na revoluo russa no teve o destino de Babeuf. O seu

    pensamento pode convert-lo em fora operante na histria. Suscitou

    energias que no morrem mais. Ele e seus companheiros bolcheviques

    esto persuadidos que a cada momento seja possvel realizar o socialismo.

    So nutridos pelo pensamento marxista. So revolucionrios, no

    evolucionistas. 6

    Depois da vitria poltica dos bolcheviques, em novembro de 1917, Gramsci volta a

    se manifestar, e desta feita com um polmico artigo. Descreve a situao do seguinte modo:

    A revoluo dos bolcheviques se instala definitivamente na

    revoluo geral do povo russo. Os massimalistas que at dois meses atrs

    eram o fermento necessrio para que os acontecimentos no se

    estagnassem, para que a corrida para o futuro no parasse, dando lugar a

    uma forma definitiva de assentamento que seria um assentamento

    burgus, -- se apossaram do poder, estabeleceram a sua ditadura, e esto

    elaborando as formas socialistas nas qual a revoluo dever finalmente

    4 GRAMSCI, Antnio. Note sulla rivoluzione russa. In: Il Grido del Popolo, 29 aprile 1917. (SP, p. 109) 5 Idem, idem. (SP, 110) 6 GRAMSCI, Antonio. I massimalisti russi. In: IlGrido del Popolo, 28 luglio 1917. (SP, p. 116)

  • 4

    adagiar-se para continuar a se desenvolver harmoniosamente, sem

    confrontos demasiado grandes, partindo das conquistas enfim realizadas. 7

    Esse artigo comprova o apoio entusiasmado de Gramsci ante a revoluo russa e aos

    bolcheviques, mas fundamentada nas concepes tericas que amadurecera at ento. Para

    Gramsci, os bolcheviques no eram marxistas ao modo que se entendia ento entre a

    maioria do movimento socialista internacional, no faziam um marxismo de compilao de

    textos de Marx para conformar dogmas, mas, -- afirmava ento -- eles vivem o

    pensamento marxista, aquela que no morre jamais, que a continuao do pensamento

    idealista italiano e alemo, e que em Marx se tinha contaminado de incrustaes positivistas

    e naturalistas. 8

    Pouco tempo depois Gramsci reafirma que no percebe no bolchevismo uma forma

    de jacobinismo, insistindo ser esse um fenmeno essencialmente burgus, mtodo de uma

    minoria para dirigir a maioria com o uso da fora, i.uma persistente viso acordada com

    aquela de Sorel. Nesse texto declara o seu apoio dissoluo da Constituinte na Rssia e a

    prioridade do soviet, um primeiro modelo de representao direta dos produtores. 9

    No decorrer de 1918, a presena de Sorel e do idealismo italiano continua muito

    presente na reflexo de Gramsci, para quem Marx o ponto culminante dessa linha de

    pensamento que vem da filosofia clssica alem e para quem o jacobinismo -- seguindo

    Sorel -- uma ideologia burguesa, que expressa a vontade de uma minoria violenta. Na

    Rssia identificava o incio de uma nova ordem e de uma nova hierarquia: da massa

    desorganizada e sofredora se passa aos operrios e camponeses organizados, aos soviets, ao

    partido bolchevique e ao um: Lenin. a gradao hierrquica do prestgio e da confiana,

    que se formou espontaneamente e que se mantm por eleies livres. 10

    O atentado vida de Lenin ocorrido em fins de agosto de 1918, estimulou Gramsci

    a escrever um artigo que nos fatos era uma homenagem ao fundador na nova ordem. Aqui

    Gramsci parece dotado de muito mais informao sobre o processo revolucionrio russo,

    7 GRAMCI, Antonio. La rivoluzione contro il Capitale. In: Avanti, 24 novembre 1917. O texto foi censurado e depois publicado in: Il Grido del Popolo, 5 gennaio 1918. (SP, p. 130) 8 Idem, idem (SP, p. 131) 9 Idem. Constituinte e Soviet. In: IL Grido del Popolo, 26 gennaio 1918. (SP, p. 152) 10 Idem. Utopia. In: Avanti, 25 luglio 1918 (SP, p. 207)

  • 5

    sobre o papel e o pensamento de Lenin. Agora Lenin surge como algum que aplica o

    mtodo forjado por Marx. Gramsci observa ento que

    baseando-se no estudo crtico aprofundado das condies

    econmicas e polticas da Rssia, das caractersticas da burguesia russa e

    da misso histrica do proletariado russo, desde 1905, Lenin havia

    chegado concluso que pelo alto grau de conscincia de classe do

    proletariado, e dado o desenvolvimento da luta de classe, toda a luta

    poltica ter-se-ia transformado em luta social contra a ordem burguesa. 11

    Nos meses seguintes Gramsci escreveu artigos de solidariedade Rssia sovitica,

    atacada pela contra revoluo e pelas foras do imperialismo momentaneamente unificado

    no desejo de sufocar o poder dos soviets. Com a fundao do Internacional Comunista, em

    maro de 1919, no restava mais qualquer dvida de que a melhor solidariedade com os

    bolcheviques estava em difundir a revoluo, em realiz-la na prpria Itlia.

    Em junho de 1919, por meio de editorial de LOrdine Nuovo, Gramsci (e Togliatti)

    convoca classe operria de Turim a fazer das comisses internas de fbrica, uso da

    experincia russa e adapta-las, ao modo do soviet, em rgos de poder proletrio que

    substitui o capitalista em todas as suas funes teis de direo e administrao. 12 O

    movimento dos conselhos de fbrica -- que se estendeu at final de 1920, quando foi

    derrotado -- foi uma experincia decisiva para toda a elaborao terica de Gramsci. A

    referencia terica e prtica, por suposto estava no conjunto do processo revolucionrio

    ocorrido na Rssia, na Hungria, na Alemanha, cuja base organizativa era o conselho, que

    em muitas formulaes deveria se sobrepor ao prprio partido revolucionrio. Um

    sugestivo artigo de Gramsci indica como a sua teoria poltica ainda est distante da

    formulao lenineana de O Estado e a Revoluo, por exemplo. Em debate contra o

    anarquismo, Gramsci diz que o comunismo se realiza na Internacional proletria. O

    comunismo ser assim s quando e enquanto seja internacional. Em tal sentido, o

    movimento socialista e proletrio contra o Estado, porque contra os Estados nacionais

    capitalistas, porque contra as economias nacionais, que tem a sua fonte de vida e trazem

    11 Idem. Lopera di Lenin. In: Il Grido del Popolo, 14 settembre 1918. (SP, p. 211) 12 Idem. Democrazia operaia. In LOrdine Nuovo, 21 giugno 1919 (SP, p. 258)

  • 6

    forma do Estado nacional. Continua depois: Mas se na Internacional comunista sero

    suprimidos os Estados nacionais, no ser suprimido o Estado, entendido como forma

    concreta da sociedade humana. 13

    De modo geral, a elaborao terica de Gramsci durante o perodo 1919-1920

    sorveu bastante do pensamento de Sorel e tambm de Rosa Luxemburg no que se refere

    nfase na autonomia e no antagonismo da classe operria em relao ao capital e seu

    Estado o chamado esprito de ciso --, na importncia crucial dada a auto-educao e ao

    controle da produo, alm de certo subestimar do papel do partido. No segundo semestre

    de 1920, no entanto, as dificuldades crescentes do movimento conselhistas para se afirmar e

    se difundir, as relaes conflituosas com a direo do Partido Socialista Italiano e com a

    CGL - Confederao Geral do Trabalho, que preferiam negociar com o patronato,

    aceleraram o processo de amadurecimento do projeto de ciso orgnica no movimento

    operrio italiano. Decerto, a realizao do II Congresso da IC contribuiu para isso e assim

    as concepes de Lenin e dos bolcheviques ganharam maior incidncia, tendo sido de

    particular importncia a leitura do opsculo de Lenin, Esquerdismo, doena infantil do

    comunismo.

    Gramsci havia j recebido um elogio significativo de Lenin, o qual se manifestara

    dizendo que

    no que se refere ao Partido socialista italiano, o II congresso da III

    Internacional v como fundamentalmente justas a crtica e as propostas

    prticas, que foram publicadas como posio da seo turinesa ao

    Conselho do Partido socialista italiano, no jornal LOrdine Nuovo de 8 de

    maio de 1920 e que correspondem integralmente a todos os princpios

    fundamentais da III Internacional. 14.

    Ainda pelos fins de 1920 -- quando j declinava o movimento dos conselhos --,

    Gramsci escreve uma irnica passagem que indica bem a posio ideolgica em que se

    encontrava, referindo-se ao grupo do LOrdine Nuovo como um todo: cometemos

    simplesmente o erro de acreditar que a revoluo comunista possa somente ser realizada

    13 Idem. Lo Stato e il socialismo. In: LOrdine Nuovo, 28 giugno- 5 luglio 1919 (SP, p. 263). 14 Cit in Idem. Il giudizio di Lenein. In: LOrdine Nuovo, ..........

  • 7

    pelas massas, e que no possa realiz-la nem um secretrio de partido, nem um presidente

    da repblica a golpes de decretos; parece que essa fosse tambm a opinio de Karl Marx e

    de Rosa Luxemburg e que seja a opinio de Lenin. 15

    3.

    A ciso do Partido Socialista Italiano era um fato descontado, quando em janeiro de

    1921 se reuniu o XVII congresso dessa organizao. Lenin e a IC pressionavam pela ciso,

    mas supunham a excluso da vertente reformista e a unificao entre comunistas e

    massimalistas, ainda que essas correntes fossem distintas e heterogneas. Ao fim a ciso

    ocorreu com um corte mais a esquerda e apenas os comunistas, eles mesmos divididos em

    trs correntes, fundaram o Partido comunista.

    Desde logo o Partido Comunista dItlia encarou a difcil tarefa de defrontar-se com

    o movimento fascista em plena ascenso rumo ao poder. Gramsci entendia fazer difundir as

    concepes e idias do grupo do LOrdine Nuovo no seio do partido, mas com Bordiga

    aprendeu a importncia da organizao partidria, assim como a ver nos socialistas

    adversrios insidiosos. O problema foi que a nova organizao partidria no tinha fora

    suficiente para fazer frente ao fascismo em um momento de derrota da classe operria como

    um todo.

    Nessas condies amplamente desfavorveis Bordiga decidiu abrir um confronto

    contra a direo da IC por no estar de acordo com as decises do III congresso. Gramsci,

    pelo contrrio, j havia percebido a importncia decisiva da insero internacional do

    partido a fim de conseguir foras para resistir ao fascismo. Em fins de maio de 1922, como

    enviado do PCI, Gramsci parte para Moscou, onde permaneceria por cerca de um ano e

    meio. Nesse perodo passou a fazer parte da direo da IC, tendo participado de vrios

    eventos importantes e decisivos para a poltica geral da IC, como para a poltica particular

    da Itlia. A experincia e a observao daquilo que se fazia na URSS aproximaram-no

    muito do pensamento de Lenin e da cultura poltica dos bolcheviques.

    Gramsci teve um encontro pessoal com Lenin em 25 de novembro de 1922, quando

    discutiram a situao italiana e a estratgia para mudar a orientao poltica do PCI. A

    opinio de Lenin era que a fundao do partido havia ocorrido demasiada esquerda e que

    15 GRAMSCI, Antonio. Cronache. In: LOrdine Nuovo, 9 gennaio 1920 ON p, 704

  • 8

    era importante incorporar a frao internacionalista do PSI. Gramsci pensava que o corte

    esquerda tinha sido necessrio, mas que agora poder-se-ia passar luta contra Bordiga, mas

    uma eventual fuso com o PSI estava fora de considerao.

    Mais tarde, quando j se encontrava em Viena, Gramsci, por meio de intensa

    correspondncia defendeu essa sua posio, assim como tambm esclareceu a sua opinio

    sobre o papel poltico de Lenin dentro do grupo dirigente bolchevique. Para Gramsci, de

    fato, Lenin cumpria um papel de mediador e sintetizador entre a direita bolchevique

    formada por Zinoviev, Kamanev e Stlin, por um lado, e a esquerda de Trotski, Radek e

    Bukharin. Gramsci entendia que Lenin e Trotski haviam aproximado as suas posies em

    detrimento da direita bolchevique no decorrer de 1917. A simpatia de Gramsci pela

    esquerda no conflito aberto em fins de 1923 era justificada pela importncia dada por essa

    vertente segundo interpretava ele que, na exigncia de maior interveno do elemento

    operrio na vida do partido e uma diminuio dos poderes da burocracia querem, no fundo,

    assegurar o carter socialista e operrio da revoluo e impedir que lentamente advenha

    aquela ditadura democrtica, invlucro de um capitalismo em desenvolvimento, que era o

    programa de Zinoviev e companheiros ainda em novembro de 1917. 16

    Depois de quase dois anos de ausncia, em maio de 1924, Gramsci retorna a Itlia,

    como deputado recm eleito e como principal dirigente do PCI. O que trazia de novo em

    relao ao momento da partida? Antes de tudo a ruptura expressa com as concepes de

    Bordiga e um afastamento definitivo em relao a Croce, que havia optado por considerar o

    fascismo um mal menor diante do bolchevismo. Trazia tambm certa afinidade com Trotski

    em torno do tema da gesto industrial e da preocupao com o fordismo, alm da idia de

    que a situao revolucionria era persistente desde 1917. O mais importante, porm, era a

    influncia de Lenin, para o qual Gramsci, quando de sua morte, em homenagem escrevera

    um artigo valorizando a sua capacidade de dirigente:

    O Partido Comunista Russo, com seu chefe Lenin, ligou-se de tal

    modo a todo o desenvolvimento do proletariado russo e, portanto, ao

    desenvolvimento de toda a nao russa, que no possvel nem mesmo

    imaginar um sem o outro, o proletariado como classe dominante sem que

    o Partido Comunista fosse partido de governo e, assim, sem que o Comit

  • 9

    Central do Partido fosse o inspirador da poltica de governo, sem que

    Lenin fosse o chefe de Estado. 17

    De Lenin, Gramsci trouxera a preocupao com a organizao partidria, o

    problema da elaborao estratgica da frente nica, a questo da aliana operrio-

    camponesa, o desafio da conquista e manuteno do poder com a construo de um novo

    Estado, a questo da elevao cultural das massas. Na tradio intelectual da pennsula

    italiana era possvel identificar Maquiavel como um autor clssico, que tinha muitas

    preocupaes anlogas. Mais tarde, j nos escritos carcerrios Gramsci (como se ver) se

    perguntaria da possibilidade da traduo das linguagens serem possveis ou no para

    espaos e pocas diferentes.

    Na prxis poltica imediata, como principal dirigente partidrio, Gramsci endereou

    as suas energias para a construo partidria e para o estabelecimento da aliana operrio-

    camponesa. Dessa agenda emergia o problema da hegemonia, entendida como direo

    poltica do proletariado. Logo depois da Conferncia de Como, acontecida em maio de

    1924, Gramsci analisava que o nosso partido se colocou explicitamente, pela primeira vez,

    o problema de fazer-se o partido das mais amplas massas italianas, de fazer-se o partido que

    realize a hegemonia do proletariado no vasto quadro da aliana da classe operria com as

    massas camponesas. 18

    Para a realizao dessa tarefa, seguindo ainda a inspirao lenineana, Gramsci

    procurou sempre aprofundar o conhecimento do modo particular pelo qual o capitalismo

    havia se implantado na Itlia e como havia sido a sua revoluo burguesa. Era preciso

    tambm compreender a razo da persistncia da influencia ideolgica do socialismo

    reformista e do catolicismo sobre as massas populares. Mas essencialmente era preciso

    saber da particularidade da questo agrria e camponesa na Itlia. Em suma, aqui se

    apresentava uma questo de mtodo de apreenso crtica da realidade em movimento

    contraditrio no contexto de determinada particularidade. Assim, o que se buscava era

    traduzir Lenin para a condio histrica concreta da Itlia e essa era uma questo essencial

    de mtodo.

    16 GRAMSCI, Antonio. Lettere, p. 224 17 GRAMCI, Antonio. Capo In: LOrdine Nuovo, 01 marzo 1924 CPC 18 GRAMCI, Antonio. Dopo la conferenza di Como. In: CPC 182

  • 10

    Gramsci observava muitas analogias da Itlia com a Rssia. Percebia a concentrao

    regional da indstria e em poucas cidades e a presena nacional da pequena burguesia. A

    revoluo socialista na Italia, portanto dependeria de se atrair a maioria da pequena

    burguesia agrria e rural para o lado do proletariado, alm do campesinato pobre. Nesse

    movimento era tambm de grande importncia atrair os intelectuais que com essas massas

    tinham algum vnculo. Nota-se aqui a semelhana do movimento feito pelos bolcheviques

    de atrair uma parcela considervel dos narodiniks (populistas) para o lado da revoluo dos

    soviets e que teve como implicao o isolamento dos mencheviques (socialistas

    reformistas).

    O III Congresso do PCI estabeleceu a orientao terica e poltica para a revoluo

    na Itlia, com a sua particularidade nacional. Essencial nesse contexto apareceu a questo

    meridional, expresso concreta da questo agrria e camponesa. Em relao concepo de

    partido revolucionrio, numa primeira aproximao, pode-se dizer que Gramsci absorveu

    elementos do pensamento de Lenin e do bolchevismo, em particular no que se refere

    organizao, mas quanto o vnculo partido/classe e conscincia de classe parece que

    manteve alguma proximidade com Rosa Luxemburg e mesmo Sorel, na manuteno da

    nfase no espirito de ciso e na organizao fabril. Importante lembrar ainda que esse

    seria um partido voltado para a obra de uma revoluo ao mesmo tempo antifascista e

    anticapitalista, ou seja, uma revoluo socialista.

    Nos desdobramentos do congresso partidrio que bem delineou as preocupaes de

    Gramsci, a questo da crise poltica na Rssia e o aprofundamento da formulao sobre a

    questo meridional como particularidade da questo agraria e camponesa na Italia, tomaram

    a maior parte do tempo de Gramsci. Numa interveno importante sobre a questo russa,

    numa passagem onde critica a concepo da oposio de esquerda, Gramsci escreveu:

    impressiona o fato que a postura do bloco de oposio invista

    contra toda a linha do CC, tocando o prprio corao da doutrina leninista

    e da ao poltica do nosso partido da Unio. o princpio e a prtica da

    hegemonia do proletariado que fica posta em discusso, so as relaes

    fundamentais de aliana entre operrios e camponeses que so

  • 11

    conturbadas e colocadas em perigo, i.os prprios pilares do Estado

    operrio e da Revoluo. 19

    Nessa carta fica bastante claro o afastamento poltico de Gramsci em relao a

    Trotski, e como ele entendia ser a formulao da NEP uma estratgia de longo prazo na

    transio socialista e que se vinculava com a frmula da frente nica, cujo cerne era a

    aliana operrio-camponesa. No entender de Gramsci, essa orientao havia j sido

    transmitida por Lenin, entre 1921 e 1923.

    4.

    A priso de Gramsci, em novembro de 1926, apenas um elemento de um momento

    histrico da maior gravidade: a consolidao do fascismo como regime poltico que

    condensa os interesses das classes proprietrias, e a derrota da chamada oposio de

    esquerda na URSS, que colimou na ciso do grupo dirigente bolchevique. Desse momento

    em diante, Gramsci viu-se obrigado ao silncio sobre a vida poltica do partido e da IC. As

    poucas cartas que podia enviar eram submetidas censura carcerria.

    Quando -- j depois da condenao definitiva e o envio ao crcere de Turi --

    conseguiu autorizao para escrever, a partir de fevereiro de 1929, Gramsci tambm foi

    obrigado a redigir cartas e suas anotaes de estudo em linguagem freqentemente cifrada,

    em especial quando se referia aos bolcheviques e ao debate no seio da IC. O nome Lenin

    aparece apenas em uma referencia bibliogrfica na pgina 446 dos Cadernos do crcere, e

    depois repetida na pgina 1602. Tratava-se de um livro de certo Vorlnder de nome Von

    Macchiavelli bis Lenin. Decerto essa aproximao entre Maquiavel e Lenin era feita

    tambm pelo prprio Gramsci.

    As referncias explicitas a Lenin, nos Cadernos do crcere, na verdade no so

    muitas e Gramsci o identifica como Ilici ou Vilic (lembrando que o nome de Lenin era

    Vladimir Ilici Ulianov). Lenin citado com mais freqncia no caderno 7, ainda que depois

    se repitam em outros cadernos e, ao contrrio do que se poderia supor, o tratamento dado a

    Lenin o identifica mais como um filsofo do que um autor to diretamente vinculado ao

    poltica. Mas isso se explica facilmente, pois na reflexo de Gramsci, Lenin era visto como

    19 idem, cpc, p. 409-410

  • 12

    o mais importante filsofo da prxis do incio do sculo XX, por ter pensado e por ter

    realizado uma transformao histrica de amplo significado universal.

    Gramsci sugere que a grande contribuio terico-prtica de Lenin o

    desenvolvimento da noo de hegemonia. Partindo da afirmao de Marx, para quem os

    homens tomam conscincia dos conflitos estruturais no terreno das ideologias, Gramsci

    afiana que uma fase histrica claramente poltica ocorre quando uma ideologia (ou um

    complexo ideolgico) tende a se impor determinando alm de uma unidade econmica e

    poltica, tambm uma unidade intelectual e moral, sobre um plano no corporativo, mas

    universal, de hegemonia de um agrupamento social fundamental sobre os grupos

    subordinados. 20

    Nesse caso, a noo de hegemonia adquire tambm um valor gnosiolgico e seria

    ento de considerar por isso como o aporte mximo de Iliic a filosofia marxista, ao

    materialismo histrico, aporte original e criador. Desse ponto de vista, Iliic teria feito

    progredir o marxismo no s na teoria poltica e na economia, mas tambm na filosofia (i..

    tendo feito progredir a doutrina poltica teria feito tambm feito progredir a filosofia). 21

    Essa passagem depois rescrita no Q. 10 e de modo mais claro. Diz ento Gramsci:

    o principio terico-prtico da hegemonia tem tambm ele uma

    portada gneseolgica e, portanto nesse campo de se pesquisar o aporte

    mximo de Ilici para a filosofia da prxis. Ilici teria feito progredir

    (efetivamente) a filosofia (como filosofia) tanto quanto fez progredir a

    doutrina e a prtica polticas. A realizao de um aparato hegemnico,

    enquanto cria um novo terreno ideolgico, determina uma reforma das

    conscincias e dos mtodos de conhecimento, um fato de conhecimento,

    um fato filosfico. 22

    Para localizar a importncia histrica e filosfica da obra de Lenin, Gramsci o

    coloca na relao com Marx. e pergunta: Marx o criador de uma Weltanschauung, mas

    qual a posio de Ilici? puramente subordinada e subalterna?. Imediatamente segue a

    resposta: A explicao est no prprio marxismo cincia e ao --. A passagem da utopia 20 q. 458 21 q. 465

  • 13

    a cincia e da cincia a ao (recordar o opsculo relativo de Karl Radek). A fundao de

    uma classe dirigente (i.de um Estado) eqivale a criao de uma Weltanschauung. E

    segue uma nova pergunta: A expresso que o proletariado alemo o herdeiro da filosofia

    clssica alem: como deve ser entendida Marx no queria indicar o oficio histrico da sua

    filosofia feita teoria de uma classe que se faria Estado? Para Ilici isso realmente aconteceu

    em um territrio determinado. Um pouco depois conclui que Marx e Lenin exprimem

    duas fases: cincia-ao, que (so) homogneas e heterogneas ao mesmo tempo. 23

    Em outro pargrafo o raciocnio dialtico de Gramsci se esclarece. Na dialtica

    igualdade / desigualdade que perpassa a filosofia e o processo histrico real, a igualdade

    entre os iguais e a desigualdade em relao ao outro, chega-se assim tambm igualdade

    ou equao entre filosofia e poltica, entre pensamento e ao, i.a uma filosofia da

    prxis. Tudo poltica, mesmo a filosofia ou as filosofias (confrontar notas sobre o carter

    das ideologias e a nica filosofia a histria em ato, i.a prpria vida). Se filosofia,

    histria e poltica se identificam fica explicada a tese do proletariado como herdeiro da

    filosofia clssica alem, e mais se pode afirmar que a teorizao e a realizao da

    hegemonia feita por Ilici foram tambm um grande acontecimento metafsico. 24

    Sempre no Q. 7, em uma nota muito curta, h uma observao crucial para se

    apreender a relao de Gramsci e de todo a sua elaborao terica com a obra de Lenin.

    Essa nota, depois transcrita com alterao de detalhe no Q.11, dizia assim: Em 1921,

    tratando de questes de organizao, Vilici escreveu e disse (aproximadamente) assim: no

    soubemos traduzir a nossa lngua para as lnguas europias. 25 Gramsci, partindo da

    interrogao de ser ou no esse um problema especfico da filosofia da prxis, busca ento

    recuperar essa questo j posta desde os tempos da revoluo francesa e da filosofia

    clssica alem, j antes posta por Heine e por Hegel, volta a ser posta por Marx e Engels

    em A sagrada famlia, onde comparam a linguagem poltica socialista francesa de

    Proudhon, com a linguagem da filosofia clssica. A idia ento que essas linguagens so

    reciprocamente traduzveis, mas no s isso: se compreende tambm que a linguagem

    alem terica e a linguagem francesa prtica, e a filosofia da prxis advm dessa sntese.

    22 q.10, p. 1249-1250. 23 Q. p. 881-882 24 p. 886 25 Q. 7, p. 854; Q.11, p. 1468.

  • 14

    Para Gramsci, ento, percebia-se a linguagem jurdico-poltica da Frana, filosfico,

    doutrinrio terico na Alemanha. Para o historiador, na realidade, estas civilizaes so

    traduzveis reciprocamente, redutveis uma a outra. 26 (Q. 11, p. 1470)

    Contudo, a questo de Gramsci ia mais longe, pois que perguntava se o problema da

    traduo das linguagens poderiam se referir, alm daquelas que conviviam num mesmo

    tempo histrico, como aquelas prevalecentes na Frana e Alemanha no incio do sculo

    XIX, ou tambm a linguagens diacrnicas. Essa uma questo decisiva para se enquadrar o

    prprio pensamento de Gramsci, dado que ele pretendeu traduzir a linguagem de Maquiavel

    para a Itlia do sculo XX e, ao mesmo tempo, traduzir a linguagem lenineana da Rssia

    contempornea para a Itlia. O mediador essencial dessa operao, no espao / tempo, no

    poderia ser outro seno Marx, como fundador que fora da filosofia da prxis.

    5.

    Com Maquiavel, Gramsci pensou trazer baila a linguagem de Lenin para a

    Itlia. Desse dilogo, Gramsci destacou toda a importncia de fazer dos camponeses

    protagonistas da histria no objetivo de se fundar um novo Estado dotado de amplo

    consenso social. O problema do Prncipe moderno o problema da formao de uma

    vontade coletiva e de um programa para a revoluo socialista, o que pressupe uma

    revoluo cultural a reforma moral e intelectual. Junto a esse problema esto postos os

    temas relativos aos intelectuais e ao jacobinismo.

    Sobre o jacobinismo a formulao de Gramsci passa a ser radicalmente diferente

    daquela que sustentava na poca da guerra europia (1914-1918), quando ento seguia o

    entendimento que Sorel tinha da questo. Agora, nos Cadernos, Gramsci avana uma

    formulao positiva do jacobinismo, entendendo terem sido os revolucionrios franceses do

    fim do sculo XVIII a expresso orgnica das massas populares e de suas reivindicaes

    democrticas. A partir dessa constatao, Gramsci observa Maquiavel como um

    antecipador do jacobinismo, dada a criao por ele feita da imagem de um Prncipe que

    fosse a expresso da demandas populares na Itlia.

    Se o jacobinismo agora interpretado como ao de um grupo poltico dirigente

    com vnculo orgnico com a classe, o bolchevismo a sua expresso contempornea mais

    26 Q. 11, p. 1470

  • 15

    significativa. Esse grupo jacobino teria que contar com uma elaborao terica, intelectual,

    que desse conta das demandas do grupo social em ascenso, que fossem intelectuais

    orgnicos classe, a fim de que no ocorresse uma superposio aos interesses da classe,

    para que no ocorresse a viso soreliana de jacobinismo. Da a necessidade do Prncipe

    Moderno se organizar desde o incio como parte da classe e projetar os camponeses na cena

    histrica, alm de ser o organizador de uma reforma moral e intelectual. 27

    Ainda um elemento importante que Gramsci trouxe da experincia dos bolcheviques

    foi a sua reflexo sobre a escola unitria, presente em particular no Q.12. De fato, a teoria e

    a prtica pedaggica que se desenvolvia na URSS dos anos 20 contriburam bastante com a

    elaborao de Gramsci sobre o processo educativo, tema sobre o qual havia um acmulo

    desde os tempos turineses.

    Na elaborao carcerria a incidncia maior de Lenin sobre Gramsci deriva mais

    ltimas reflexes do revolucionrio russo, aquelas dos anos 20. A partir de algumas poucas

    indicaes de Lenin e alimentado por uma srie de outros interlocutores -- que Gramsci

    pode desenvolver bastante mais um pensamento estratgico voltado para a conquista de

    hegemonia da classe operria e para a transio socialista. Observa que

    Pode-se dizer que a filosofia da prxis no s no exclui a histria

    tico-poltica, mas antes que a fase mais recente de seu desenvolvimento

    consiste de fato na reivindicao do momento da hegemonia como

    essencial na sua concepo estatal e na valorizao do fato cultural, de

    uma frente cultural como necessria ao lado daquelas meramente

    econmicas e meramente polticas. 28.

    Com ajuda de teses antes desenvolvidas por Sorel e por Rosa Luxemburg, Gramsci

    tenta avanar na idia posta na frmula poltica da frente nica, a qual vem conectada com

    as noes de guerra de posio e de hegemonia. Numa passagem em ope Trotski e Lenin,

    Gramsci sugere que Bronstein, que aparece como um ocidentalista era em vez um

    cosmopolita, i.., superficialmente nacional e superficialmente ocidentalista. Por sua vez

    Lenin era profundamente nacional e profundamente europeu. Nessa condio Lenin pode

    27 q. 13. 1560 28 Q.

  • 16

    compreender que depois de 1921, com a derrota da revoluo socialista internacional e com

    o desencadeamento de uma srie de revolues passivas, a Rssia deveria implantar uma

    estratgia particular, nacionalpopular, para a transio socialista (que viria a ser a NEP), o

    que para a Europa corresponderia frente nica, uma guerra de posio enfim. Diz

    Gramsci: Parece-me que Ilici havia compreendido que ocorria uma mudana da guerra

    manobrada, aplicada vitoriosamente no Oriente em 17, guerra de posio, que era a nica

    possvel no Ocidente, (...).29

    Continua ainda e diz que Isso me parece significar a frmula da frente nica, que

    corresponde concepo de uma s frente da Intesa sob o comando nico de Foch. A

    diferena estava que

    no Oriente o Estado era tudo, a sociedade era primordial e

    gelatinosa; no Ocidente entre Estado e sociedade civil havia uma relao

    justa e no tremolio do Estado se scorgeva sbito uma robusta estrutura da

    sociedade civil. O Estado era s uma trincheira avanada, atrs da qual se

    encontrava uma robusta cadeia de fortalezas e de casamatas; mais ou

    menos, de Estado a Estado, se entende, mas isso exatamente exigia um

    reconhecimento cuidadoso de carter nacional. 30

    Para Gramsci, no Ocidente europeu a guerra de movimento e a frmula da

    revoluo permanente estavam esgotadas depois de 1870 e so aos poucos substitudas pela

    guerra de posio na disputa pela hegemonia civil. Gramsci anota ento que a estrutura

    macia das democracias modernas, seja como organizao estatal ou como complexo de

    associaes na vida civil constituem para a arte poltica como as trincheiras e as

    fortificaes permanentes do fronte na guerra de posio: essas tornam apenas parciais o

    elemento do movimento, que antes eram toda a guerra, etc.. 31

    No Oriente russo, dada a debilidade da sociedade civil, a guerra de movimento e a

    revoluo permanente puderam ainda sair vitoriosas em 1917, mas depois de 1921, quando

    tem inicio uma srie de revolues passivas movidas pela guerra de posio, j no havia

    dvida que a estratgia poltica que deveria predominar no Ocidente (e no Oriente russo 29 Q. 7. P. 866 30 idem.

  • 17

    tambm) era a da frente nica, da guerra de posio e da luta por uma nova hegemonia.

    Gramsci anota que Trotski havia intudo essa situao, mas no fora adiante, tendo

    retomado a sua formulao sobre a revoluo permanente, cuja implicao seria assegurar

    derrotas histricas. Lenin, por sua vez, colocara apenas as primeiras concluses sobre como

    o processo revolucionrio poderia ser retomado. Percebe-se como Gramsci muda a sua

    posio em relao ao momento poltico que vivenciara na URSS e como dirigente do PCI,

    em 1923-1924.

    A elaborao carcerria de Gramsci, a partir desse enfoque, pode ser toda ela vista

    como um esforo de compor uma teoria para a retomada da revoluo socialista a partir da

    estratgia da frente nica das classes subalternas, as quais, sob a conduo de um moderno

    Prncipe, devem travar uma guerra de posio imposta pela classe dominante, no decorrer

    da qual deve se desenvolver elementos de uma reforma econmica e de uma reforma moral

    e intelectual, ou seja, os elementos de uma nova sociedade civil e de uma nova hegemonia.

    Isso est longe de significar algum tipo de formulao reformista, como se poderia

    pensar, mas apenas uma estratgia posta pelas condies histricas. Alm de haver

    retomado Lenin e desenvolvido algumas de suas ltimas teses, Gramsci, em particular

    nesse aspecto, retoma e desenvolve uma tese proposta por Engels em 1895, que ajuda a

    elucidar a questo.

    Dizia Engels ento:

    passou o tempo dos golpes de surpresa, das revolues executadas por

    pequenas minorias conscientes frente das massas inconscientes. Onde

    quer que se trate de transformar completamente a organizao da

    sociedade, cumpre que as prprias massas nisso cooperem, que j tenham

    elas compreendido de que se trata, o motivo pelo qual do seu sangue e

    sua vida. (...). Mas para que as massas compreendam o que necessrio

    fazer mister um trabalho longo e perseverante; (...). 32

    31 Q. 13, p. 1567. 32 ENGELS, Friedrich. Introduo In: MARX, Karl 7 ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Editorial Vitria, vol. 1, 1956, p. 106.

  • 18

    Algumas linhas antes, dizia da sua convico de que devido o reforo que a

    dominao burguesa havia alcanado, Um combate de ruas no pode, pois, ser vitorioso

    no futuro a no ser que esta inferioridade de situao seja compensada por outros fatores.

    Por isso, ocorrer mais raramente no comeo de uma grande revoluo que no curso do seu

    desenvolvimento, e ser preciso empreend-lo com foras maiores. 33

    Tambm Rosa Luxemburg, j em 1919, antecipava uma guerra de posio como

    melhor estratgia para a revoluo na Alemanha. Destacava como na Alemanha a

    revoluo tem ainda um esforo imenso para cumprir e um longo caminho por percorrer. 34 A estratgia pensada por Rosa indicava a necessidade da formao de conselhos

    operrios como base de um novo Estado a ser construdo aos poucos, pois a conquista do

    poder no dever realizar-se todo de uma vez, mas progressivamente, criando cunhas no

    Estado burgus, at que se ocupem todas as suas posies e que as defenda com unhas e

    dentes. 35

    A obra de Gramsci, em concluso, busca aprofundar a reflexo terica e poltica

    iniciada com Marx, tendo em vista a revoluo socialista. Absorve de modo crtico toda

    essa tradio revolucionria, incluindo Engels, Rosa Luxemburg e principalmente Lenin,

    sem, no entanto deixar de aprender e contribuir nas controvrsias surgidas no seio da

    Internacional Comunista e no grupo dirigente da revoluo russa, com destaque para

    Trotski e Bukrarin. S assim poderia angariar subsdios para confrontar a alta cultura

    burguesa da sua poca, elemento da maior importncia na luta de classes.

    Bibliografia de referncia.

    DEL ROIO, Marcos. I prismi di Gramsci: la formula poltica del fronte nico

    (1919-1926). Napoli: La citt del Sole, 2010.

    MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Editorial

    Vitria, vol. 1, 1956.

    FONDAZIONE ISTITUTO GRAMSCI, Roma.

    33 Idem, idem, p. 106. 34 LUXEMBURG, Rosa. Discoros su il Programma. IN: Scritti politici. Roma Editori Riuniti, p. 617. 35 Idem, p. 629.

  • 19

    GIASI, Francesco (a cura di). Gramsci nel suo tempo. Roma: Carocci editore, 2 v.,

    2008.

    GRAMSCI, Antonio. L Ordine Nuovo (1919-1920). Torino: Einaudi editore, 1987.

    GRAMSCI, Antonio. La costruzione del Partito Comunista (1923-1926). Torino:

    Einuadi editore, 1971.

    GRAMSCI, Antonio. Lettere (1908-1926). Torino: Einuadi editore, 1992.

    GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere. Torino: Einaudi editore, 4 t., 1975

    GRAMSCI, Antonio. Scritti Politici (a cura di Paolo Spriano). Roma: Editore

    Riuniti, 3 v., 1973.

    LIGUORI, Guido. Gramsci conteso. Roma: Editori Riuniti, 1996.

    LUXEMBURG, Rosa. Scritti politici. Roma: Editori Riuniti, 1976.