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30/10/2018 “Fármacos psiquiátricos nos fazem mais mal do que bem” | Ciência | EL PAÍS Brasil
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“Fármacos psiquiátricos nos fazem mais mal do quebem”Cientista defende redução drástica do uso de medicamentos contraas doenças psíquicas
24 SET 2016 - 16:28 CEST
Em 1936, o neurologista português Egas Moniz apresentou uma operação
cirúrgica que destruía conexões entre a região pré-frontal e outras partes do
cérebro. Esta cirurgia, chamada lobotomia, popularizou-se como tratamento para
a esquizofrenia e valeu o Nobel de Medicina a Moniz em 1949. A intervenção caiu
em desuso após o surgimento de drogas como a clorpromazina, que se tornaram
o tratamento habitual para esse tipo de doença mental.
PETER GØTZSCHE / ESPECIALISTA EM TESTES CLÍNICOS ›
DANIEL MEDIAVILLA
O pesquisador dinamarquês Peter Gøtzsche PETER BERTEL
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“Transformamosproblemas cotidianosem transtornosmentais”
Comprimidos para ador da vida
Desde então, a lobotomia se tornou símbolo de uma
psiquiatria que anulava os pacientes sob a justificativa de
curá-los, e alguns grupos de familiares de lobotomizados
pediram inclusive que o Nobel de Moniz seja cassado. Alguns
especialistas, porém, entendem que naquela época, sem
alternativas terapêuticas para essas psicoses, o tratamento
do médico português melhorava a vida dos pacientes e de
seus familiares.
O caso da lobotomia é uma amostra de como podem ser polêmicas as
ferramentas terapêuticas de uma disciplina complexa como a psiquiatria. Os
fármacos que serviram para tornar aquela cirurgia obsoleta, preservando,
segundo muitos psiquiatras, a dignidade para pacientes com transtornos
psicológicos graves, tampouco estão imunes às críticas. Peter Gøtzsche
(Næstved, Dinamarca, 1949), professor de Concepção e Análise de Testes
Clínicos da Universidade de Copenhague, há anos defende a redução drástica do
uso de fármacos contra as doenças psiquiátricas. Em seu livro Medicamentos
Mortais e Crime Organizado (editora Bookman), o pesquisador dinamarquês
analisa as carências da ciência que justifica o uso desses fármacos e explica por
que acredita que, apesar do consenso favorável a eles entre os psiquiatras, esses
remédios “estão fazendo mais mal do que bem”.
Pergunta. Você defende uma redução paulatina [Gøtzsche adverte sobre o risco
de deixar de tomar psicofármacos repentinamente], mas praticamente total, do
consumo de medicamentos psiquiátricos. Entretanto, há muitos psiquiatras que
defendem sua utilidade e afirmam que eles permitiram reduzir a quantidade de
doentes encerrados em manicômios.
Por que passaram séculos fazendo sangrias, inclusivequando o paciente precisava de fluidos?
Resposta. Em primeiro lugar, não é correto dizer que os antipsicóticos tenham
reduzido a presença de pessoas em manicômios. O esvaziamento deles têm a ver
com considerações financeiras. Era muito caro manter tanta gente nessas
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instituições por muitos anos. Essa redução não coincide com a introdução de
fármacos antipsicóticos.
Os antipsicóticos estão entre os medicamentos mais tóxicos que existem, depois
da quimioterapia para o câncer. Produzem dano cerebral permanente, algumas
vezes inclusive depois de um tempo de uso relativamente breve, e tornam mais
difícil que a pessoa volte a viver uma vida plena. Cheguei à conclusão de que,
muito provavelmente, seria muito melhor para nós se não utilizássemos
absolutamente nenhum antipsicótico.
Não sou a única pessoa que acha isso. Há psiquiatras que estudaram a literatura
de uma forma tão cuidadosa como eu e que chegaram à mesma conclusão: que
na verdade não precisamos de fármacos antipsicóticos, porque, apesar do nome,
antipsicótico, não curam as psicoses. Os antipsicóticos tranquilizam as pessoas,
mas também lhes tiram parte das suas emoções, parte dos seus pensamentos
normais. Você pode ver que alguns deles se tornam zumbis, incapazes de fazer
qualquer coisa.
P. Se estes fármacos são tão nocivos, por que começaram a ser usados de forma
habitual na psiquiatria?
R. Em 1954, quando a clorpromazina foi descoberta e chegou ao mercado, era
considerada uma droga ruim, comparada a uma lobotomia química. Entretanto,
um ano depois, de repente ficou boa. Isso é muito estranho. Houve um presidente
da Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria Biológica que afirmou que esse
fármaco era como a insulina para o diabetes. É algo demencial, porque, se você
tiver diabetes, lhe falta insulina, e quando lhe dão algo que lhe falta é um bom
tratamento. Mas quando você tem uma psicose não lhe falta nada, então a
comparação é errônea. Entretanto, desde que essa ideia foi lançada fala-se em
um desequilíbrio químico. Não há desequilíbrio químico, nunca se pôde
demonstrar que haja nada nos pacientes psicóticos ou depressivos que seja
diferente das pessoas sãs. O desequilíbrio químico é uma mentira.
O Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA realizou um teste com
clorpromazina, com fármacos similares e com um placebo e concluiu justamente
o contrário do que ocorre quando se dá estas drogas às pessoas. Observaram que
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os pacientes ficavam menos apáticos, que se moviam mais e pareciam melhorar.
Estas drogas fazem justamente o contrário. Isto acontece porque os testes não
estão bem cegados [concebidos de modo a evitar distorções].
Com a psicoterapia, pode-se ensinar as pessoas a lidaremcom sentimentos que acabam transformando-as empacientes psiquiátricos
P. Se os dados dos estudos são acessíveis a todo mundo, por que tantos
psiquiatras os interpretam mal? São todos burros ou malvados?
R. Esta pergunta é interessante e não diz respeito apenas à psiquiatria. Por que
passaram tantos séculos fazendo sangrias? Mesmo quando o paciente tinha
cólera e precisava de fluidos, tiravam o sangue das pessoas, e muitas vezes isso
as matava. E acreditavam que faziam bem. Durante séculos. Como é possível que
nós, os humanos, que temos cérebros maravilhosos, possamos ficar presos em
equívocos coletivos como as sangrias ou a crença nos antipsicóticos. Assim são
os humanos, mas temos que combater isso demonstrando às pessoas que suas
crenças não coincidem com as evidências científicas.
P. Que alternativas existem aos fármacos contra as psicoses graves?
R. É muito simples: fármaco nenhum. A alternativa a dar muitas drogas às
pessoas é lhes dar muito poucas. Se fizéssemos isso, teríamos uma população
mais saudável, que viveria mais, porque as drogas psiquiátricas matam muita
gente. E não aleijaríamos tanta gente, tanto física como cerebralmente. Outra
opção é entender que muitas das ditas enfermidades psiquiátricas são tratadas
melhor através da psicoterapia. Essas doenças muitas vezes têm a ver com fortes
emoções com as quais as pessoas não podem lidar e que as deixam assustadas,
ansiosas... Usando a psicoterapia, pode-se ensinar as pessoas a lidarem com
esses sentimentos fortes que acabam transformando-as em pacientes
psiquiátricos.
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Os antipsicóticos tranquilizam as pessoas, mas tambémlhes tiram parte das suas emoções
P. Como os psiquiatras costumam reagir às suas críticas?
R. Rarissimamente debatem comigo o que a ciência diz. Acho que isso mostra
que para eles é difícil debater sobre a ciência. O que fazem é tratar de me denegrir
como pessoa. Dizendo que não sou um psiquiatra. É verdade, mas aprendi a ler,
sou um pesquisador, sei ler artigos científicos. Não preciso ser um psiquiatra para
saber sobre essa área.
Também, além desses psiquiatras que se sentem ameaçados, há outros que
estão de acordo comigo. E há alguns que não utilizam drogas psiquiátricas. Há
outros psiquiatras que estão mudando de opinião com base no meu trabalho, algo
que me anima muito. Alguns não escutam, porque consideram aterrador demais.
Se você acreditou em algo durante 30 anos, como vai alterar essa crença? Como
vai dizer para si mesmo: “Eu estava enganado desde o começo, fiz muito mal aos
meus pacientes”? Isso não é fácil, é mais fácil fechar os olhos e continuar como
sempre.
P. Do jeito que você explica as coisas, dá a sensação de que as pessoas estão
bem, começam a tomar remédios e pioram, e precisam parar de tomá-los para
voltar a ficar bem. Mas as pessoas começam a tomar medicamentos porque
estão mal, e quando deixarem de tomá-los é provável que a doença não tenha
desaparecido.
R. É um pouco complicado. Quando as pessoas não se sentem bem e começam a
tomar drogas, muitos sentem que elas ajudam. Mas o que não sabem é o que
teria acontecido se não tivessem tomado nenhum fármaco. A maior parte das
pessoas melhoraria em questão de semanas, sem necessidade de drogas.
Quando você lhes dá um antidepressivo, muitos também melhoram em questão
de semanas. Mas a diferença entre administrar a droga e um placebo é muito
pequena, e esses testes clínicos não são confiáveis, porque não estão bem
cegados. Tanto os médicos como os pacientes confundem o processo natural de
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cura que teria acontecido de qualquer forma, inclusive com uma psicose aguda,
com o efeito do fármaco.
Por outro lado, os pacientes ficam nervosos quando deixam a medicação.
Perguntam-se o que acontecerá, se voltarão a ficar deprimidos. E, sim, se
deixarem um antidepressivo de um dia para o outro, muitas pessoas terão uma
depressão em questão de dias, mas isto não é uma depressão real, é uma
depressão fruto da abstinência. Agora seu cérebro mudou e, como um alcoólatra
quando deixa o álcool, você vai se sentir mal.
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