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FACULDADE SÃO BENTO Oralia López López O SILÊNCIO DE DEUS DIANTE DO SOFRIMENTO HUMANO SÃO PAULO 2017

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FACULDADE SÃO BENTO

Oralia López López

O SILÊNCIO DE DEUS

DIANTE DO SOFRIMENTO HUMANO

SÃO PAULO

2017

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Oralia López López

O SILÊNCIO DE DEUS

DIANTE DO SOFRIMENTO HUMANO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à Faculdade de São Bento, como

parte dos requisitos para obtenção do título de

Bacharel em Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Alejandro Ribaric

São Paulo

2017

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Oralia López López

O SILÊNCIO DE DEUS

DIANTE DO SOFRIMENTO HUMANO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de São Bento,

como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em

Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Alejandro Ribaric

Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em 06/12/2017, pela banca

examinadora:

Prof. Dr. Sérgio Alejandro Ribaric

Prof. João Luiz Palata Viola (Dom Lourenço)

Prof. Luiz Edmundo Oliveira Preto (Dom Isidoro)

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Dedico este trabalho aos meus

pais Leonardo e Venancia, com quem

aprendi, na sua simplicidade, e com

amor, que Deus é Pai, que em todos os

momentos está presente para cuidar de

seus filhos com ternura, amor e carinho.

Dedico igualmente às Irmãs da minha

Congregação: Irmãs Dominicanas da

Beata Imelda, especialmente aquelas,

que, sempre estiveram muito próximas:

A Irmã Maria da Glória Inácio, Irmã

Márcia Sartori, Irmã Rita Noeme e Irmã

Maria Generosa Barbosa.

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Agradecimentos

“Eis que eu estou convosco todos os dias, até a

consumação dos séculos” (Mt, 2 8,20)

Agradeço em primeiro lugar, а Deus, porque nas noites mais escuras de

minha vida, respondeu no Seu silêncio. Pela Sua força, presença e graça em todos os

momentos. Agradeço aos meus pais Leonardo e Venancia pela fé que nos transmitiram

e por todos seus esforços; às minhas irmãs Verónica e Candy que sempre estamos juntas

nas alegrias e sofrimentos. Agradeço a todas as Irmãs da minha Congregação: Irmãs

Dominicanas da Beata Imelda, especialmente às irmãs de minha comunidade que

sempre me apoiaram, durante todo este tempo. À Irmã Maria Alicia Zavala pela sua

amizade. Ao Padre Juan José Torres G. por estar sempre presente. Agradeço com todo

o coração ao Brasil inteiro por esta oportunidade de amá-Lo e de conhecê-Lo. A todos

os professores da Faculdade dos Claretianos, e desta Faculdade Do mosteiro de São

Bento. Especialmente agradeço ao orientador, Prof. Dr. Sérgio Alejandro Ribaric,

sempre alegre, compreensivo e disponível no acompanhamento.

A todos os companheiros de estudo, pela sua amizade, partilha e

convivência que muito me enriqueceram. Especialmente a minha grande amiga

Edwirges Cássia de Macedo, que com sua bondade mostra que tem Deus dentro. A

Aleida A. Alonso R. também minha grande amiga que pela sua força e fé sempre foi

um exemplo.

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“Dobrando os joelhos, orava, ‘Pai, se queres, afasta de

mim este cálice! Contudo, não se faça a minha vontade, mas a

tua seja feita’! Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava.

E, cheio de angústia, orava com mais insistência ainda, e o suor

se lhe tornou semelhante a espessas gotas de sangue que caíam

por terra”. (Lc, 22, 44-44).

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RESUMO

Desde o seu surgimento, o ser humano busca respostas para muitas dúvidas, e o

homem de todos os tempos pergunta-se porque Deus permite tanto sofrimento? O

presente trabalho aborda o tema do Silêncio de Deus diante do sofrimento humano. Será

o sofrimento castigo de Deus? Muitos são os questionamentos que se nos apresentam ao

olhar as tragédias que marcam a história. Pode-se falar de Deus como Aquele que

caminha junto com o homem e que atua na história? Como a teologia pode responder a

essas interrogações? Poderia ela procurar respostas a partir do sofrimento

experimentado pelo próprio Deus na pessoa de Jesus? Não se pode falar e pensar em dar

qualquer resposta sem buscar elementos da Trindade, revelada na cruz de Cristo. As

reflexões aqui contidas buscam algumas respostas na Cristologia. Num Deus que desceu

do céu e se fez homem como nós. Deus sempre esteve presente nas grandes tragédias da

humanidade, é o homem que não reconhece a sua presença. Ele espera que Deus

responda com grande manifestação de poder, sendo que Ele fala dentro do coração

humano, enquanto o ser humano fechar o coração continuará questionando Deus pelo

seu silêncio.

Palavras chave: Sofrimento. Silêncio de Deus. Cruz. Mística. Esperança.

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RESUMEM

Desde su surgimiento el ser humano busca respuestas para muchas

dudas, el hombre de todos los tiempos, se ha preguntado porque Dios permite tanto

sufrimiento? El presente trabajo aborda el tema del Silencio de Dios frente al

sufrimiento humano. ¿Será el sufrimiento castigo de Dios? Son muchas las

interrogaciones que se presentan al ver las tragedias que marcan la historia. ¿Se puede

anunciar a Dios como Aquel que camina junto con el hombre y que actúa en la historia?

¿Cómo la Teología puede responder a esa interrogación? Puede ella procurar respuestas

a partir del sufrimiento experimentado por el propio Dios en la persona de Jesús? No se

puede pensar en dar una respuesta sin buscar elementos de la Trinidad, revelada en la

cruz de Cristo. Las reflexiones contenidas aquí buscan algunas respuestas en la

Cristología. En un Dios que bajó del cielo e se hizo hombre como nosotros. Dios

siempre ha estado presente en las grandes tragedias de la humanidad, es el hombre que

no reconoce su presencia. El espera que Dios responda con grande manifestación de

poder, siendo que El habla dentro del corazón humano, mientras el ser humano no

abrir su corazón continuará interrogando a Dios por su silencio.

Palabras Clave: Sufrimiento. Silencio de Dios. Cruz. Mística. Esperanza.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10

CAPÍTULO I: O SILÊNCIO DE DEUS .................................................................. 11

1.1 Em busca de Deus e da resposta sobre o sofrimento ......................................... 15

1.1.1 Expressão dessa busca no livro de Jó ...................................................... 15

1.2 O sofrimento na Sagrada Escritura ................................................................... 17

1.2.1 Salmos expressão da procura do Deus da vida......................................... 17

CAPÍTULO II: JESUS CRISTO O AMOR ENCARNADO DE DEUS ................ 21

2.1 Jesus, mistério de amor ..................................................................................... 21

2.2 Ações concretas de Jesus .................................................................................. 23

2.3 O Deus Iahweh no Êxodo ................................................................................. 24

2.4 O Deus Iahweh no Exílio .................................................................................. 24

2.5 Deus é amor, é pai ............................................................................................ 26

2.6 O Servo Sofredor .............................................................................................. 26

2.7 Paixão, morte e ressurreição do Deus Encarnado .............................................. 28

CAPÍTULO III: PARTICIPANTES DOS SOFRIMENTOS DE CRISTO .......... 31

3.1 Maria aquela que sofreu junto ao seu Unigênito................................................ 31

3.2 À Procura de Deus .......................................................................................... 32

3.3 A procura de Deus e de seu mistério, em alguns Místicos e Pe. da Igreja. ........ 33

3.3.1 Hilário de Poitiers ............................................................................... 33

3.3.2 São Gregório de Nissa.......................................................................... 34

3.3.3 Santo Agostinho .................................................................................. 34

3.3.4 São João da Cruz ................................................................................. 35

3.4 Solidários na dor .............................................................................................. 37

3.5 A Justiça........................................................................................................... 38

3.6 A Paz ............................................................................................................... 39

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3.7 O Perdão ............................................................................................................ 40

3.8 A Esperança ....................................................................................................... 41

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 43

BIBLIOGRAFIAS .................................................................................................... 45

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INTRODUÇÃO

Frente ao problema do sofrimento o homem julga e questiona Deus. Será que

Deus se cala e abandona o homem? O presente estudo pretende refletir sobre a situação

e reação do homem, nesses momentos de determinadas situações. O homem de fé crê

em seu Deus: “Com todo seu coração, toda a sua alma e sua inteligência” (Mt, 22,37). O

objetivo não é dar uma resposta pronta e intelectual sobre Deus e seu silêncio diante do

sofrimento. Pois Deus é eminentemente mistério, e o mistério não se deixa analisar.

Todas as palavras que aplicamos a Deus para entendê-Lo, ou melhor, para nos

entendermos acerca de quem é o Senhor, são só semelhanças e aproximações. No

primeiro capítulo, são apresentados os questionamentos feitos aberta e diretamente a

Deus, sobre o Seu silêncio, na guerra, na fome, na dor, na destruição. Diante disso

busca-se repostas; apresenta-se um personagem do Antigo Testamento, Jó que está em

busca da resposta de seu próprio sofrimento. O homem sofre quando ele experimenta

um mal qualquer. Sofrimento e mal no Antigo Testamento é igual a ausência de Deus.

Segundo Capítulo, a Kénosis de Cristo nos dá a garantia de saber que Deus está conosco

no sofrimento, pois na cruz Deus padeceu e provou o sofrimento.

“O Redentor sofreu em lugar do homem e em favor do homem...Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível de Redenção.

Por isso todos os homens, com o seu sofrimento, se podem tornar

também participantes do sofrimento redentor de Cristo” (SALVIFICI

DOLORIS, 1984, p 38-39)

A dor experimentada por Jesus, não seria um caminho de reflexão? Vencendo a morte

nos trouxe a salvação. Terceiro Capítulo: Aqueles que participam do sofrimento de

Cristo têm diante dos olhos o mistério pascal (S.D, 1984, p 45). Nossa vida é um

caminhar pelo mundo buscando o mistério de Deus entre penumbras. Buscar o rosto de

Deus é peregrinar entre sombras profundas. À procura incessante de Deus, Ele sempre

chama o homem para à solidão das montanhas, ou seja, para o profundo do coração. O

homem procura Deus longe e fora dele, e Ele está dentro de nós. Deus é silêncio desde

sempre e para sempre. Opera silenciosamente nas profundezas da alma. Sua graça atua

em silêncio. Se em nós mora o amor então esse amor tem de ser manifestado em obras.

Participar dos sofrimentos de Cristo é se doar, amar e lutar para que os valores

evangélicos se tornem uma práxis.

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CAPÍTULO I: O SILÊNCIO DE DEUS

Muitas vezes, quando o sofrimento bate a nossa porta e chega à nossa vida, nos

sentimos destroçados e a vida muda, muitas das vezes, dando lugar a dor, angústia,

tristeza, dúvidas, depressão, questionamentos e aflições. Também o sofrimento nos faz

ser empáticos e solidários com a dor do outro, e nos coloca de joelhos em busca do

socorro e perdão do céu. A dor traspassa a alma e o coração do ser humano. Diante

disso busca-se repostas. Mas o que mais intriga a humanidade ao longo dos anos é por

que Deus se cala diante da dor?

Além da espada da fome, existe uma tragédia maior, a do silêncio de

Deus, que não se revela mais e que parece estar fechado em seu céu,

como que desgostado do agir da humanidade. As perguntas a Ele dirigidas se fizeram tensas (…). Quase nos sentimos sós e

abandonados, privados de paz, de salvação e de esperança. O povo

deixado a sua própria sorte, encontra-se destruído e invadido pelo terror.

1

São muitos os que foram atingidos pelas palavras do papa João Paulo II,

referindo-se a um texto do profeta Jeremias (Jr 14, 19-21) e especialmente à pergunta

dirigida a Deus: “Por que nos feres e não há remédio para nós? ”texto pronunciado por

um homem, Jeremias, em uma situação dramática do povo de Israel. “Jeremias ama a

Deus e sente seu silêncio diante da violência e da dor dos homens como uma ferida

aberta” 2.

Jeremias ao ver a situação de Israel no cativeiro e de Jerusalém desterrada,

sentou-se e chorando, ele proferiu as Lamentações, reagiu com um lamento cheio de dor

pela cidade e pelo povo. Esses versículos estão cheios de emoção. Todos os aspectos do

sofrimento encontram expressão nesse pequeno livro. Não há adoração alegre aqui, só

agonia. Mas nesses momentos de agonia, é quando mais se procura e se apela a Deus o

Senhor da Vida, da história e da Criação. Abre-se o coração diante dele, e se procura

Sua ternura, ajuda e consolo. Onde só o pranto pode expressara dor mais profunda do

coração.

1João Paulo II, Audiência geral, quarta feira, 11 de dezembro de 2002.

2FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 59, 60

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“Que solitária está a cidade… Tornou-se viúva…passa a noite

chorando, pelas faces correm-lhe lágrimas. Não há quem a console.

Judá foi desterrada, humilhada, submetida a dura servidão…Todo o povo, entre gemidos, procura pão”(Lam 1,1-3.11).

A atitude de Jeremias por muitas vezes é a mesma de nós ao se depara com as

grandes dores e sofrimentos da humanidade. Lamentamo-nos e choramos, erguendo as

mãos e o coração para o alto, pedindo justiça, paz, piedade e misericórdia. Foi assim,

diante dos trágicos acontecimentos na América, como as guerras, a injustiça e tantos

outros, que nasce a necessidade de silêncio e oração. Algumas reflexões com as

perguntas que tantos de nós nos fazemos quando acontecem cruéis e grandes barbáries:

“Por que tal matança? Qual a resposta correta a ser dada à terrível provocação feita à

custa da morte de tantos inocentes”? 3

Estas questões brotam dos corações atribulados que suplicam por uma harmonia,

por explicações diante do inexplicável. “Há também um sofrimento profundo e

dilacerante nas pessoas de fé que proclamam que Deus é Pai e Mãe de bondade e de

amor”. 4

Em todos os séculos também os cristãos, na hora da provação, fizeram

a si mesmos uma pergunta atormentadora. Como se pode continuar

confiando em um Deus que seria Pai misericordioso, em um Deus

que, como revela o Novo Testamento seria o próprio Amor, diante do sofrimento, da injustiça, da doença, da morte, que parecem dominar a

história universal do mundo, e a pequenina, cotidiana história de cada

um de nós?5

A dor da mãe que vê seu filho morto por uma bala perdida assemelha-se à

mesma dor da mãe que vê seu filho na cruz, condenado injustamente. A mesma espada

de dor que perpassou o coração de Maria perpassa o coração dessa mãe e perpassa o

coração de muitos que sofrem inocentemente por tantos males que afligem a sociedade.

Diante do absurdo humano da dor e da morte, constata-se o silêncio. O silêncio da dor,

Silêncio que não significa ausência, mas falta de Palavras. O absurdo do mal é tão

grande que não existem palavras para justificá-lo ou compreendê-lo.

3FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 9 4BOFF, Leonardo. Lamento junto a Deus pelo Haiti. Disponível em: http://www.leonardoboff.com.

Acesso em: 12/10/2017 5JOÃO PAULO II. Cruzando O Limiar Da Esperança, Editora Francisco Alves, 1994, p. 71

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Poderíamos lembrar aqui o que diria o Papa Bento XVI no dia vinte e oito de

maio de dois mil e seis quando visita o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau:

Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer

apenas um silêncio aterrorizado um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta

atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso

coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em

voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que

jamais permita uma coisa semelhante.6

Tanto o Papa Bento XVI, como S. João Paulo II e Papa Francisco, visitaram no

seu pontificado o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau na Polônia, .onde eles

rezaram em silêncio perante o horror vivido nesse lugar. Entraram em oração silenciosa

no local em que S. Maximiliano Kolbe ofereceu a sua vida para salvar outro prisioneiro.

A oração e o silêncio tem sido o guia das visitas ao campo de concentração de

extermínio nazista durante a Segunda Guerra Mundial. "Silêncio que é um grito" num

lugar que não deixa ninguém indiferente. Na sua visita o Papa Bento XVI disse:

O Papa João Paulo II veio aqui como um filho do povo polaco. Hoje

eu vim aqui como um filho do povo alemão, e precisamente por isto devo e posso dizer como ele: não podia deixar de vir aqui. Tinha que

vir. Era e é um dever perante a verdade e o direito de quantos

sofreram, um dever diante de Deus. 7

Nas visitas dos três Pontífices nesse lugar, mesmo em diferentes épocas,

surgiram neles os mesmos sentimentos, tem sido momentos em profundo silêncio e

atitude de recolhimento. Sem grandes discursos só silêncio e pedido de perdão. Silêncio

que continua ainda hoje diante dos acontecimentos semelhantes a esses. Assim como

esse lugar e essa época foram testemunhas de perversas ações, nós vemos ainda hoje

acontecendo no mundo grandes horrores, e como não sofrer juntos se somos da mesma

raça humana? Diante de tudo isso nós poderíamos perguntar como Bruno Forte:

6BENTO XVI. Discurso Do Santo Padre durante a visita ao campo de Concentração de

AUSCHWITZBIRKENAUhttps://w2.vatican.va/content/Benedictxvi/pt/speeches/2006/may/documents/h

f_ben-xvi_spe_20060528_auschwitz-birkenau.htm. Acesso em 14/10/2017 7BENTO XVI. Discurso Do Santo Padre durante a visita ao campo de Concentração de

AUSCHWITZBIRKENAUhttps://w2.vatican.va/content/Benedictxvi/pt/speeches/2006/may/documents/h

f_ben-xvi_spe_20060528_auschwitz-birkenau.htm. Acesso em 14/10/2017

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14

Onde está a beleza na violência cotidiana perpetrada na Terra Santa?

Que beleza pode existir diante dos ataques terroristas?Em um mundo

sem beleza também o bem perdeu sua força de atração, […]. Em um mundo que não se crê mais capaz de afirmar o belo, os argumentos em

favor da verdade esgotaram a sua força. Se a beleza é harmonia, o que

dizer da infinita desarmonia do mundo e da vida, do escândalo do mal, e da dor, do insulto à alegria de existir que é a morte?

8

Que teologia pode-se fazer diante do mal, da dor e do sofrimento? É possível

falar de Deus e anunciar o amor de Deus vendo o mal na atualidade? Saberíamos

explicar o porquê de uma experiência degradante da dignidade humana? Poderíamos

falar da filiação divina quando a fatalidade perece impor-se? E mais ainda saberíamos

responder o porquê Deus se cala.

Este silêncio de Deus é aterrador porque ele simplesmente não tem resposta. Por mais que gênios como Jó, Buda, Santo Agostinho,

Tomás de Aquino, e outros tivessem arquitetado argumentos para

isentar Deus e esclarecer a dor, nem por isso a dor desaparece e a tragédia deixa de existir. A compreensão da dor não suspende a dor,

assim como ouvir receitas culinárias não faz matar a fome.9

Como então debater com Deus se nada responde? Quem de nós não teve já esta

sensação de que parece que Deus não escuta? E às vezes quando mais precisaríamos

ouvir a sua voz é quando parece que Ele se cala mais profundamente.

Porém Ele sempre está presente, mesmo que não O percebemos. Pois aqueles

que se lamentam do silêncio de Deus, só compreendem a palavra como um discurso. É

justamente no silêncio que Deus nos fala. “A ocultação de Deus é tanto mais penosa

quanto mais O procuramos e desejamos encontrá-Lo. O encontro de Deus na

obscuridade da fé provoca o desejo de sua luz”.10

Esse silêncio envolve a todos e nos une numa busca. Então o homem passa a

articular algumas respostas para esta questão, não encontrando ainda respostas

definitivas e satisfatórias, procura com maior insistência se encontrar com Deus.

8FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 43-44 9(BOFF, Leonardo. Lamento junto a Deus pelo Haiti. Disponível em: http://www.leonardoboff.com.

Acesso em: 12/10/2017 10POLETTO,Ivo (Org.) Rocha Frei Mateus, Um Homem apaixonado pelo absoluto, mensagem e

testemunho para a Igreja e o mundo de hoje, São Paulo, Brasil, Loyola, 2003, P, 151

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15

1.1 Em busca de Deus e da resposta sobre o sofrimento

O homem pode dirigir tal pergunta a Deus, com toda a comoção do seu coração e com a mente cheia de assombro e de inquietude; e Deus

espera por essa pergunta e escuta- a, como vemos na Revelação do

Antigo Testamento. A pergunta encontrou a sua expressão mais viva

no Livro de Jó. (SALVIFICI DOLORIS, 1984, p 17)

1.1.1 A expressão dessa busca no Livro de Jó

Quem é Jó? É um homem íntegro, reto, que temia a Deus e se afastava do

mal…(Jó, 1,1). Era piedoso, rico, estimado e feliz (Jó 1,2-5). Homem justo que sem

culpa é provado com muitos sofrimentos. Perde os seus bens, os filhos e filhas e ele

mesmo é atingido por uma doença grave (Jó 1, 14-18; 2, 7b). Nesse momento de

sofrimento se apresentam a Jó três amigos que procuram com palavras e argumentos

fundamentar-se na teologia tradicional, ou seja, a Teologia da Retribuição, pois querem

convencê-lo de que para estar sofrendo deve ter cometido uma falta muito grave. No

Antigo Testamento o mal é interpretado como castigo de Deus pelos pecados cometidos

pelos homens. Sendo Deus um legislador e juiz.

Seus amigos querem não só convencê-lo da justeza moral do mal, mas de algum modo, procurar defender, a seus próprios olhos, o sentido

moral do sofrimento… no plano da justiça de Deus… (S.D, p 18)

Assim o sofrimento aparece como um mal justificado, no entanto Jó responde a

seus amigos, criticando a Teologia da Retribuição. Ele quer discutir com o próprio

Deus. Em quanto Deus não lhe responder, Jó considerará seu sofrimento sempre injusto,

ele tem certeza de sua inocência. “fazei-me ver em que me equivoquei” (Jó, 6,24). Ele

tem consciência de não merecer tal castigo, ao contrário ele expõe o bem que fez

durante a sua vida. Por último o próprio Deus desaprova os amigos de Jó pelas

acusações e reconhece que Jó não é culpado. “Iahweh, disse a Elifaz de Temã: Estou

indignado contra ti e teus dois companheiros, porque não falas-te corretamente de mim,

como o fez meu servo Jó” (Jó 42, 7).

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16

“No livro articulam-se continuamente, dois aspectos da vida humana: o

desespero e a esperança. Nele os dois sentimentos se misturam”11

O grito de Jó rompe o

silêncio, numa queixa amarga… porque não morri ao deixar o seio materno (Jó, 3,11).

Mas apesar de todo o sofrimento, não cometeu pecado com seus lábios (Jó, 2,10). Jó

perdeu tudo. Sua dor era grande! E o pior, ele não sabia por que é que estava sofrendo

assim. Este livro é a expressão da angústia de um homem que sofre, e também ilustra

bem esse compartilhar do silêncio:

“Quando eles, de longe, o viram, eles não o reconheceram; e eles

levantaram suas vozes e choraram. E eles se assentaram com ele no chão durante sete dias e sete noites, e nenhum deles lhe disse uma

palavra sequer, porque eles viram que o seu sofrimento era muito

grande” (Jó, 2,12-13).

O livro de Jó pergunta diretamente sobre o “por que” do sofrimento; e mostra

também que ele atinge o inocente, um sofrimento sem culpa, mas também não dá

resposta. Em Resumo, o livro de Jó aborda as questões porque o justo sofre. Onde está

Deus? Porque ele permite o sofrimento do justo? As perguntas de Jó são as mesmas de

muitos homens.

Como encontrar Deus no meio da falência? A tais perguntas o autor responde com a palavra divina em meio a uma teofania e com a

presença de Deus no meio do sofrimento humano. Acima de tudo não

basta ouvir a resposta dos outros, mas encontrar Deus pessoalmente, ou seja, o pano de fundo de todo o livro é “ver Deus” “Conhecia-te só

de ouvido, mas agora virem-te meus olhos” (Jó, 42,5). E não o Deus

da Teologia da Retribuição, pregado pelos seus amigos, mas o verdadeiro Deus experimentado pessoalmente. O caminho de Jó é o

caminho do fiel que, no meio da noite, na desgraça sem motivo,

alcança a luz.12

Fazer teologia depois de Jó sequer garante uma mera resposta. Tal teologia quer

mostrar que Deus é o Go´el13

do sofredor (Jó 19,25). O autor de Jó nos ensina a

considerar primeiramente o sofrimento como realidade concreta que desafia a teologia,

em primeiro lugar, esse desafio exige da teologia uma postura capaz de privilegiar a

experiência de Deus e não o conhecimento puramente racional.

11

SILVA, Cássio Murilo Dias; DE CACIA LÓ Rita. Caminho não muito Suave, Cartilha da Literatura,

Sapiencial Bíblica, Campinas, SP, Alínea, 2ª Edição. 2012. P, 77 12SILVA, Cássio Murilo Dias; DE CACIA LÓ Rita. Caminho não muito Suave, Cartilha da Literatura

Sapiencial Bíblica, Campinas, SP, Alínea, 2ª Edição. 2012. P, 65 13Go´el: Defensor, protetor, libertador

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17

Trata-se de fazer a experiência de Deus na totalidade da vida, percebendo a ação

divina em todas as situações. O livro de Jó mostra-nos que, perante o mundo, a teologia

pode interpretar o grito do sofredor. E para as situações drásticas da vida, é silêncio.

Grito e silêncio apontam para Deus. Jó, mais do que ninguém soube traduzir esta

experiência desta ocultação de Deus. Mas não é o único no Antigo Testamento; são

muitas as passagens e, com mais ênfase nos salmos, se expressa a mesma experiência.

1.2 O Sofrimento na Sagrada Escritura

“A Sagrada Escritura é um grande livro sobre o sofrimento”. As

palavras sofrimento e dor tem sentido semelhante, embora distintas. A

dor propriamente dita tem sentido físico, assemelha-se a dor do corpo,

enquanto que o sofrimento pode ser interpretado como dor da alma; ou sofrimento espiritual. (S.D, 1984 p.10).

No Antigo Testamento, escrito em hebraico, não havia diferença entre as

palavras Mal e Sofrimento. Somente a partir do Novo Testamento, escrito em grego,

passou haver diferença entre estas palavras, passando as mesmas a terem um sentido

diferente (S.D 1984 p.12).

1.2.1 Salmos expressão da procura do Deus da vida

Os Salmos mais numerosos são as Súplicas, ou seja, salmos de

sofrimento, ou lamentações. Não cantam as glórias de Deus, mas

dirigem-se a ele, e nisto diferenciam-se dos hinos. Geralmente as

súplicas começaram com uma invocação, acompanhada de um pedido de socorro, de uma prece ou de uma expressão de confiança. Procura-

se comover a Deus descrevendo-lhe a triste situação dos suplicantes.

São gritos da alma e expressões de uma fé pessoal. Pois jamais são puras lamentações; são apelos confiantes a Deus na tribulação.

14

“Salva-me, ó Deus, pois a água está subindo ao meu pescoço…a ti dirijo a

minha prece! Responde-me, por teu grande amor” (Sl, 68 [68]). Suplicar a Deus,

apresentar-se diante Dele na situação de suplicante; erguer os olhos, estender as mãos,

prostrar-se, refugiar-se em Deus não são expressões vazias. Eles também são a nossa

prece, porque são a prece do povo em suas revoltas, fidelidades, agonias e ressurreições.

14

Bíblia de Jerusalém: Introdução

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18

Este povo sofre perseguição, calamidade, doença, perigo de morte, a morte dos próprios

filhos, o desterro de sua pátria, solidão, abandono.

Especialmente nos Salmos, o povo de Israel, povo de Deus, expressa a Deus

seus sentimentos, de dor, alegria, revolta, esperança, através de orações, súplicas,

pedidos de perdão, de louvor e ação de graças, nas diferentes situações de sua vida e de

sua história. Nele se descreve a dor e o sofrimento, às vezes a súplica, individual ou

coletiva. O salmista questiona o silêncio de Deus, “Ó Deus não fiques calado” (Sl 83,

2). “Responde-me, Iahweh, pois meu alento se extingue! Não escondas tua face de

mim…Recordo-me os dias de outrora” (Sl 143, 5-7 [142]) ele invoca o mesmo Deus

que antes estava presente. O seu pedido é um grito de ajuda, de socorro na angústia

“Vem depressa em meu socorro” (Sl 70, 2), “Por que escondes tua face, esquecendo

nossa opressão e miséria? Socorre-nos! Resgata-nos, por teu amor!” (Sl 44, 25-27).

A dor e o mal são personalizados: “Cercam-me touros numerosos” (Sl, 22, 13).

Ou se fala deles de forma simbólica: “Tira-me da lama, para que não me afunde, que a

correnteza das águas não me arraste” (69, 15-16 [68]). Ele está sofrendo na pele, dá a

impressão que não tem mais força para ficar em pé. “Levanta-te, Iahweh! Salva-me,

Deus meu!” (Sl, 3,8). O salmista expõe sua causa a Deus e Ele não pode estar

dormindo. “Desperta! Por que dormes, Senhor? Acorda! Não nos rejeites até o fim!”

(Sl 44, 24 [43]).

Sempre que há doença ou sofrimento na vida de alguém, a pessoa geralmente

expressa o desejo de saber até quando vai continuar; e existe a mesma sensação de que

parece que Deus se oculta:

Até quando me esquecerás, Iahweh? Para sempre? Até quando esconderás de mim a tua face? Até quando terei sofrimento dentro de

mim e tristeza no coração, dia e noite? Iahweh meu Deus! Responde-

me! Ilumina meus olhos. (Sl 1, 2-4)

No seu grande sofrimento o salmista se vê necessitado da ajuda divina: “Meu

Deus Salvador, de noite eu grito a ti: que minha prece chegue à tua presença inclina teu

ouvido ao um clamor” (Sl, 88, 2-3[87]). No dia da angústia eu procuro o Senhor

(Sl 77,3). Tanto é o sofrimento que se sente abandonado por Deus “Não me abandones,

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19

ó Deus” (Sl, 7, 11). “Na minha angústia invoquei a Iahweh, ao meu Deus lancei o meu

grito; ele ouviu minha voz, meu grito chegou aos seus ouvidos” (Sl 18, 7).

Nos momentos de angústia se procura o Senhor como refúgio; “Piedade de mim,

ó Deus, em vós procuro refúgio; abrigo-me à sombra de tuas asas, até que a tormenta

tenha passado” (Sl, 57, 2). Assim, quem sofre quer traduzir o próprio sofrimento em

gestos e palavras que serão, geralmente, um pedido de compaixão.

Tem piedade de mim, Iahweh, que eu desfaleço! Cura-me, Iahweh,

pois meus ossos tremem; todo o meu ser estremece. Salva-me, por teu

amor! Estou esgotado de tanto gemer, de noite eu choro na cama, banhando meu leito com lágrimas. Meus olhos derretem-se de dor…

Iahweh escutou a voz do meu pranto! Ouviu meu pedido, acolheu a

minha prece (Sl 6)

Em alguns Salmos se percebe que mesmo o meio da dor existe a esperança e o

amor e a confiança no Senhor, e às vezes a súplica termina, com a certeza de que a

prece é atendida e o salmo termina com uma ação de graças a Deus por Ele ter escutado

a súplica:

As lágrimas são o meu pão noite e dia, e todo dia me perguntam “Onde está o teu Deus?”… Por que te curvas, ó minha alma, gemendo

dentro de mim? Espera em Deus, eu ainda o louvarei, eu vou cantar

uma prece ao Deus da minha vida. (Sl 42-43)

A história do Antigo Testamento é a história do amor incansável de Deus que

vem acompanhando a história humana em todos os tempos. E assim, foi refletido sobre

a dor e o sofrimento, expressado ao longo desta história às vezes com um simples

gemido, outras vezes na angústia, silêncio e desalento, ou na esperança e busca de

consolo. Buscam-se respostas para tais sofrimentos, ninguém poderia responder. Só

Deus poderia dizê-lo. Dar uma definição de Deus, quem poderia fazê-lo? A sua resposta

é sempre o seu silêncio. Será que Deus escuta, intervém ou interveio?

Deus continua se ocultando. Não o vemos onde gostaríamos de vê-lo.

Não o vemos, quando mais precisaríamos vê-lo. Como nos acostumar

com o mistério de Deus? Pregamos que e Jesus é a revelação de Deus.

Não seria também a sua ocultação? 15

15POLETTO, Ivo (Org.) Rocha Frei Mateus, Um Homem apaixonado pelo absoluto, mensagem e

testemunho para a Igreja e o mundo de hoje, São Paulo, Brasil, Loyola, 2003, pp, 151-152

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20

A resposta de Deus no meio da dor e do sofrimento, através da revelação do

Mistério. O Deus que está oculto e se revela. O silêncio não significa ausência; é uma

forma de comunicação, em Jesus, Deus se comunica, revela o seu Mistério. O Silêncio

revela a presença de Deus e Sua presença nos conforta e nos envolve em seu mistério.

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21

CAPÍTULO II: JESUS CRISTO O AMOR ENCARNADO DE DEUS

2.1 Jesus, mistério de amor

Através do silêncio descobrimos que Deus é mistério. Às vezes o silêncio é

revelado quando se torna palavra. Compreendemos a partir deste questionamento que

Deus é Silêncio e Palavra, e sua “Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14).

Em Jesus, Deus se tornou visível. A Encarnação do Filho de Deus e a sua morte na Cruz

são uma prova da solidariedade de Deus com o homem sofredor. Então dizer que o

Verbo se fez carne, é dizer que se fez sofrimento, capaz de sofrer como o homem.

Assim, o sofrimento também é perpassado pela graça, pois Deus mesmo é solidário com

as vítimas, já que o Filho viveu concretamente essa realidade.

Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus, como

algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e

assumiu a condição de servo tomando a semelhança humana, E achado em figura de homem humilhou-se e foi obediente até a morte,

e morte de cruz. (Fl 2,5-11).

“A Kénosis16

de Cristo, não significa de modo algum o abandono de seu Ser-

Deus: a encarnação é uma mudança de forma e não de essência”.17

Ou seja, assumiu a

humanidade com a sua fragilidade, mas sem diminuir a sua divindade. Cristo igualou-se

ao ser humano na dor. Isso significa que Deus está junto daquele que sofre, pois a partir

desse momento pode-se ter a certeza de que o sofrimento humano encontra em Cristo e

na cruz um Deus que está no sofrimento. “Deus amou tanto o mundo, que entregou o

seu Filho Único (Jo, 3,16).

Era necessário que para salvação do homem Deus entregasse seu Filho à morte na cruz? Poderia ter sido de outro modo? Poderia Deus,

digamos assim, se justificar diante da história da humanidade, tão

cheia de sofrimento, de outro modo se não pondo no centro dessa história justamente a cruz de Cristo? Claro que uma resposta poderia

ser: Deus não precisa justificar-se diante do homem. Mas, Deus em

sua Onipotência e Sabedoria…Amor, deseja por assim dizendo, justificar-se diante da história da humanidade.

18

16Kénosis: esvaziamento 17RIBARIC, Sergio A. O Silêncio de Deus, com posfácio do Rabino Henry Sobel, 1ª Edição, São Paulo,

LSR, 2015 p, 123 18JOÃO PAULO II. Cruzando O Limiar Da Esperança, Editora Francisco Alves, 1994, p. 72

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22

Desta forma, o sofrimento passa a ser teofania. “Ninguém jamais viu a Deus; o

Filho unigênito que está voltado para o seio do Pai que no-lo deu a conhecer” (Jo1,18.)

Ele vive diante do rosto de Deus, como Filho, e Filho muito amado. Ele vive na mais

íntima unidade com o Pai. É Jesus que nos introduz na profundidade do mistério de

Deus Uno e Trino. “Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai. Desde agora o

conheceis e o vistes. Quem me vê a mim, vê o Pai” (Jo 14, 7-9).

A partir deste ponto podemos então compreender realmente a figura

de Jesus, tal como a encontramos no Novo Testamento, tudo o que nos é contado em palavras, ações, sofrimento, na glória.

19

Aquilo que sabemos por meio do Evangelho, nos permite desvendar um pouco o

véu do mistério. O que significa que Deus deu o seu Filho ao mundo para libertar o

homem do mal?

Dá (deu) indica que esta libertação deve ser realizada pelo Filho

unigênito, mediante o seu próprio sofrimento. E nisto se manifesta o amor, o amor infinito, quer do mesmo Filho, quer do Pai. Tal é o amor

para o homem, o amor pelo “mundo”: é o amor salvífico. (S.D 1984, p

23)

Na sua vida Cristo tornou-se próximo do mundo e do sofrimento humano, “É ele

que, nos dias de sua vida terrestre, apresentou pedidos e súplicas, com veemente clamor

e lágrima” (Heb 5,7). Jesus “Passou fazendo o bem” (At, 10,38), e em seu modo de

proceder diante daqueles que o procuravam ele se mostrava solidário e misericordioso.

Curava os doentes, consolava os aflitos, dava de comer aos famintos, libertava os

homens das diversas dores e deficiências, restituía a vida aos mortos. Em poucas

palavras era sensível ao sofrimento humano, tanto do corpo como da alma. Jesus, sabia

claramente qual era a sua missão e a viveu de maneira convicta e firme.

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para

evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar a remissão aos

presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos

oprimidos e para proclamar o ano de graça do Senhor. (Lc 4,18-19)

19 RATZINGER Joseph, Bento XVI, Jesus de Nazaré, tradução José Jacinto Ferreira de Farias, São

Paulo, Planeta do Brasil, 2007, p, 25

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23

Como vemos em alguns textos que se referem à presença de Jesus entre nós,

como revelação do grande amor de Deus que assume nossa carne, que se torna um de

nós. O agir de Cristo é sempre uma expressão de seu grande amor pela humanidade.

2.2 Ações concretas de Jesus

Nos Evangelhos encontram-se muitíssimas passagens que fala da bondade e

humanidade de Jesus. Seu coração sentia e seus olhos choraram, Jesus deixa aparecer

sua humanidade. No Evangelho de João diz que Ele muito amava Lázaro, e chorou

quando soube de sua morte (Jo 11, 35-37). Lucas diz que Jesus chorou sobre a cidade de

Jerusalém “E como estivesse perto, viu a cidade, e Jesus chorou sobre ela” (Lc 19,41).

Sempre teve atenção delicada e amorosa, sobretudo com os sofredores, doentes e

pobres.

E todos os que sofriam de algum mal se jogavam para tocá-lo. “Pois

havia curado muita gente. E todos os que sofriam de alguma enfermidade lançavam-se sobre ele para tocá-lo…assim que o viam,

caíam a seus pés e gritavam: “Tú és o Filho de Deus” (Mc, 3, 10-11)

Ao reconhecer Jesus como Filho de Deus, como não procurar tocá-Lo? Se ao

longo da história, Deus foi mistério intocável, manifestava-se de forma misteriosa, na

nuvem, ou na montanha: “Moisés Chegou à montanha de Deus…e Deus o chamou do

meio da sarça” (Êx 3, 1. 4-5). Agora Deus está entre nós feito homem. Agora Deus

compreende as nossas dores e fraquezas, porque é um de nós, por isso aproxima-se do

homem, para tocá-lo (Mc 5, 27) pedindo auxilio, compaixão e socorro:

Estava sentado à beira do caminho, mendigando, o cego Bartimeu,

filho de Timeu. Quando percebeu que era Jesus, que passava,

começou a gritar: ‘Filho de Davi, tem compaixão de mim!’... Então Jesus lhe disse: ‘Que queres que eu faça?’o cego e respondeu:

‘Rabbúni! Que eu possa ver novamente!’. Jesus lhe disse: ‘Vai, a tua

fé te salvou’. No mesmo instante ele recuperou a vista e seguia-o no

caminho (Mc, 10, 46-47. 51-52)

Em Jesus, o homem suplica a Deus, por compaixão. Ele sempre foi movido de

compaixão “Ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida

como ovelhas sem pastor” (Mt, 9 ,36). Deus desceu, se encarnou, se fez homem como

nós, quem melhor do que ele para compreender as nossas fragilidades diante do

sofrimento? “de maneira especial o evangelista Lucas, mostra a bondade do Pai na ação

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24

de Jesus animada pelo Espírito”20

Por isso muitos ficavam desconcertados pela

intimidade com que Jesus falava de Deus. Pois eles não tinham essa concepção de Deus

como pai.

2.3 O Deus Iahweh no Êxodo Iahweh atua de maneira especial na situação de Israel no Egito (Êx, 1,1-22). Um

povo oprimido e escravizado que busca a sua libertação, esses sofrimentos de anos,

levaram os israelitas, a gemer, clamar, gritar e se queixar, esses clamores chegaram até

Iahweh, “Eu vi, a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor por causa

dos seus opressores; pois eu conheço a suas angústias” (Êx 3,7). Iahweh se revela como

alguém presente na vida do povo pois conhece bem a situação miserável do seu povo.E

se apresenta a Moisés dizendo: “Eu sou o Deus de teus Pais, O Deus de Abraão, o Deus

de Isaac e o Deus de Jacó” (Ex, 3,6). Abraão tornou-se pai da fé, quando atendeu o

chamado de Deus, saindo da sua terra, confiando apenas na palavra de Deus pela fé

(Heb, 11, 8). O “Deus dos Pais, é o Deus que vem em socorro do seu povo.“O Êxodo é

o coração do Antigo Testamento, e aquilo que dá significado ao apresentarmos um Deus

que liberta os homens”21

No Êxodo, “Deus age na história libertando seu povo. É o

Go´el aquele que liberta, que resgata, protege”.22

“Iahweh ia diante deles, para lhes

mostrar o caminho” (Êx, 13,21). Deus se revela como quem faz justiça em favor de seu

povo (Êx, 14, 30-31). Tirando o povo da escravidão levo-o à terra prometida.

2.4 O Deus Iahweh no Exílio

A deportação do povo de Israel, para Babilônia realizou-se em três épocas: em

597, 587 e 582 aC. Segundo as passagens de Jr, 52, 28ss, foram forçados a tomar o

caminho do exílio, homens, mulheres e crianças23

A beira dos rios da Babilônia, nos sentamos e choramos, com saudades de Sião, nossos raptores queriam que cantáramos com

alegria. Como poderíamos cantar numa terra estrangeira (Sl 137).

20 MURAD, Alfonso Maria toda de Deus e tão humana, compendio de Mariologia, Paulinas, São

Paulo, e editora Santuário, Aparecida SP, 2012, p, 53 21 Introdução Bíblia Edição Pastoral, tradução em espanhol 22 GUTIÉRREZ Gustavo, O Deus da Vida, São Paulo, Loyola, 1992 p, 45 23BALARINI Teodorico. Introdução á Bíblia.Profetismo e Profetas em Geral- Isaías, Jeremias,

Lamentações, Baruc e Carta de Jeremias, Ezequiel, Petrópolis, Vozes limitada, 1977, p, 163

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25

Deus se dirige aos profetas e aos sacerdotes, para que confortem o povo exilado

“Consolai, consolai meu povo, diz o vosso Deus” (Is 40, ) Ezequiel é um sacerdote que

foi deportado junto com seu povo para o Exílio na Babilônia. Portanto está junto de seu

povo. O profeta sente-se plenamente solidário com seu povo provado no exílio. Israel

foi saqueado e espoliado (Is, 2, 22). O profeta vive entre os exilados, conhece a o temor,

(Is, 40, 9), a incredulidade (40, 27), a indiferença religiosa (43, 23) e a inclinação à

idolatria (Is, 48, 3-11).

“Tanto Ezequiel como Isaías se caracterizam por ser profetas da esperança; eles

animam o povo em época de tribulação” (Is, 9, 1-6; Ez, 34;37)24

. Concebe-se o

sofrimento do exílio, como expiação em nome de todos. (Is, 53 1,-12)

O exílio representou uma prova para os crentes hebreus. A ruína e a

destruição do templo, o fim da monarquia davídica, o triunfo de

Babilônia, poderosa capital idólatra punham os crentes em diante de um reexame de fé religiosa. A ação de Deus em bem de seu povo

concluiria definitivamente 25

A compreensão de Iahweh que caminha com seu povo, o libertador que ouve o

clamor dos oprimidos (Êx 3, 7), vai se transformando em uma concepção de Iahweh dos

exércitos, juiz, ameaçador, temível castigador, que pune os pecadores. Neste Período

esta teologia ganha força. E um dos profetas propagadores desta teologia é o profeta

Ezequiel conforme (Ez, 1, 1-3). O profeta Jeremias numa de suas cartas conforta o povo

de Israel dizendo para terem cuidado com os falsos profetas, e para aceitarem

resignados a sua condição, pois o exílio é vontade de Deus. O exílio pune os pecados de

toda a história de exilado Israel (Jr, 29 1-32). Também ao ver a situação de Israel no

cativeiro e de Jerusalém desterrada, sentou-se e chorando, ele proferiu as Lamentações,

reagiu com um lamento cheio de dor pela cidade e pelo povo. O povo se reconhece ter-

se rebelado contra Deus, sente-se solidário como os pecados dos antepassados (Lam, 5,

21): “Não me castigues em tua cólera, não me corrijas em teu furor” (Sl 38, 2) e muitos

males são atribuídos a Iahweh. “Deus dos exércitos és poderoso” (Sl, 89, 9) Sendo Deus

um legislador e juiz; atingindo aqueles homens que semeiam a maldade e a iniquidade.

Tudo isso os levou a pensar que era castigo de Iahweh pelos seus pecados e quando

24 KAEFER, J. Ademar, A Bíblia e a arqueologia, e a história de Israel e de Judá, São Paulo, Paulos,

2015, p, 89 25 BALARINI Teodorico. Introdução á Bíblia. Profetismo e Profetas em Geral- Isaías, Jeremias,

Lamentações, Baruc e Carta de Jeremias, Ezequiel, Petrópolis, Vozes limitada, 1977, P 164

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26

alguém sofria injustamente, o homem na sua tentativa de dar uma resposta, concluí que

o sofrimento é castigo de Deus, seja pelos seus próprios pecados, ou pelos pecados de

seus antepassados. “Mais do que uma prova de castigo, as argumentações de Ezequiel

constituem uma defesa da decisão tomada por Iahweh”26

2.5 Deus é amor, é pai

A Teologia da Retribuição não havia desaparecido nos tempos de Jesus. Por isso

a grande novidade do Novo Testamento é aquela que Jesus nos traz apresentando Deus

como Pai, a revelação plena de Deus feita por Jesus, numa linguagem muito humana.

“O vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lho pedirdes” (Mt, 6,8). “Dize-

lhes: Subo a meu Pai e vosso Pai; a meu Deus e vosso Deus” (Jo 20, 17-18). A bondade,

misericórdia de Jesus Filho de Deus, tirou a concepção presente que se tinha diante do

sofrimento.

Ao passar, ele viu um homem cego de nascença, seus discípulos lhe

perguntaram: ‘Rabi, quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?’ Jesus responde: ‘nem ele, nem seus pais pecaram, mas é para

que nele sejam manifestadas as obras de Deus’(Jo 9, 1-3)

Com a encarnação, Deus quis ser conhecido como Pai. O Pai de Jesus é, “Abba”

Pai, (Mc, 14,35) representa proximidade, afeto, mas acima de tudo confiança. Ele veio

para estar entre nós, não como juiz, mas como vítima de um amor infinito que queria

salvar, ao se fazer Homem, Deus mostrou seu amor em seu Filho Encarnado. Jesus nos

fala de um Pai que acolhe, que perdoa, que espera a volta do filho, “ele estava ainda

longe quando o pai ao vê-lo, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao

pescoço e cobriu-o de beijos (Lc, 15, 20). “Em Jesus Cristo, o próprio Deus vai atrás da

‘ovelha perdida’, a humanidade sofredora e transviada” (Deus Caritas Est, nº 12)

2.6 O Servo Sofredor

Deus aproximou-se do mundo dos sofrimentos. E não só se aproximou, mas

sentiu a dor humana.

26BALARINI Teodorico. Introdução á Bíblia. Profetismo e Profetas em Geral- Isaías, Jeremias,

Lamentações, Baruc e Carta de Jeremias, Ezequiel, Petrópolis, Vozes limitada, 1977, P 387

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27

As Escrituras tinham de ser cumpridas. Eram muitos os textos

messiânicos do Antigo Testamento que anunciavam os sofrimentos do

futuro Ungido de Deus. Dentre todos eles, é particularmente comovedor aquele habitualmente se designa como Canto quarto do

servo de Javé, contido no livro de Isaías: dá-nos neste Canto a imagem

dos sofrimentos do Servo (S.D, 1984 p.10).

Referindo-se ao Salvador que devia vir a este mundo, o Profeta o anunciou como

o Homem do sofrimento. O Deus-Homem, conheceu a sede, cansaço, desprezo,

calunias, humilhações e abandono.

Tão desfigurado estava, e sua forma não parecia a de um homem…não tinha beleza nem esplendor que pode-se atrair o

olhar…era desprezado e abandonado pelos homens, um homem

sujeito à dor, desprezado.E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores ele carregava. Mas nós o

tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado. Mas

ele foi trespassado por causa das nossas transcrições…por suas feridas

nos fomos curados. (Is, 52, 14-53-5)

O Novo Testamento reconhecidamente identifica este Servo com o Messias

prometido pelos profetas do Antigo Testamento (At 8.32-33; Mt 8.17; Lc 22.37; 1Pe

2.24). Não é sem razão, pois, que o personagem apresentado no quarto Canto é

comumente chamado de “Servo Sofredor”.

O Canto do Servo sofredor contém uma descrição na qual se pode, de certo modo, identificar os momentos da paixão de Cristo, como a

prisão, a humilhação, as bofetadas, os escarros, o juízo injusto, a

coroação de espinhos e o escárnio a caminhada com a cruz, a

crucifixão e a agonia. (S.D, 1984 p.30-31).

Jesus foi perseguido não só no momento da cruz, sua vida toda foi marcada

fortemente pelo sofrimento da perseguição, porque ele veio como sinal de esperança

para o povo cansado e sofrido. “A beleza do Filho é diferente: é aquela do excesso de

amor, do amor crucificado. É a beleza que salva, é a única salvação”27

27

FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 45

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28

2.7 Paixão, morte e ressurreição do Deus Encarnado

Ele já anunciava sua paixão a seus discípulos que não o compreenderam: “O

Filho do Homem será entregue…Eles o condenarão à morte…mas ao terceiro dia

ressuscitará” (Mt, 20, 18-19). Chegada a hora, Jesus-Homem, também fez a experiência

do silêncio e do abandono, na hora do sofrimento e principalmente na hora da morte.

Vemos as expressões mais humanas de Jesus “A Minha alma está triste até a morte”

(Mc, 14, 34). Na hora da agonia, e da tristeza, Ele pede a Deus se for possível afastar

esse cálice. Podemos perceber a intimidade entre Pai e Filho nesses momentos de

sofrimento, de medo e de angústia; Jesus chama-o de “Abba”, Pai: “Abbá! Ó Pai! Tudo

é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém que não o que eu quero, mas o que

tu queres” (Mc, 14, 35). No horto Jesus- Homem pede para afastar o cálice, Jesus-Deus

bebe o cálice. O evangelista Lucas descreve com mais detalhes esses momentos:

Dobrando os joelhos, orava, ‘Pai, se queres, afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua seja feita!’

Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava. E, cheio de angústia,

orava com mais insistência ainda, e o suor se lhe tornou semelhante a espessas gotas de sangue que caíam por terra. (Lc, 22, 44-44)

Esta oração exprime o abandono à vontade de Deus. E só em Lucas vemos a

presença do anjo que o conforta. Eis a hora em que o Filho do Homem é entregue, é

lançado no mais profundo abandono, submerso na tentação e na angústia.

Prenderam-no e levaram-no na casa do Sumo Sacerdote, sendo depois,

injuriado, cuspido, coroado de espinhos, condenado a morte, carregando a cruz (Mt, 26-

27). Jesus viveu a angústia da morte passo a passo. No alto da cruz, teve sede, e sentiu

na agonia da cruz, o abandono do Pai “Meu Deus, Meu Deus, por que me

abandonaste?” (Mc, 15, 34). É um gemido angustiado de um Homem agonizante. Por

ter Se tornado humano, Cristo não foi uma exceção, diante do sofrimento. O Filho de

Deus sofreu, chorou e morreu, sentindo a traição de um amigo (Mt, 27, 48) o abandono

não só de Deus, mas também de seus amigos e discípulos que juraram morrer com ele

se necessário (Mc, 14, 29). Diz o evangelista São João, que junto à cruz de Jesus

estavam a mãe de Jesus, algumas mulheres e o discípulo a quem ele amava (Jo, 19, 25).

Ele deu sua vida por nós (1 Jo 3, 16) Com isto ele nos lembra da missão redentora de

Cristo. Jesus é a plenitude da misericórdia de Deus.

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29

No episódio da cruz, aquilo que já se esboçava no Antigo Testamento

chega ao seu ápice: o sofrimento de Deus, compartilhado com os

homens. Essa é a maneira que Ele escolhe para se manifestar como Deus dos homens.

28

Em Jesus a cruz adquire significado de glória, amor, doação a um projeto que

confunde toda concepção humana. Jesus se esvaziou para permitir que Deus se

revelasse aos homens. Por que ele nos remiu também nos transformou, e com isso,

remiu e transformou a morte, o sofrimento e o abandono, pois tudo isso ele o

experimentou na carne. Por ser Homem, Cristo, também passou pela morte, mas, com

sua morte e ressurreição, nos ofereceu a vida eterna.

A presença de Cristo no mundo é caracterizada pela Verdade que Ele

proclama. A Sua vida é a Palavra de Deus oferecida à humanidade. a finalidade da Encarnação, e indica de que modo e em que medida

Jesus foi para os outros.29

É o amor que levou Deus a se encarnar na história do homem, a se fazer

prisioneiro, e a morrer na cruz. É a beleza e o amor que se exprime no sofrimento na

cruz, é o amor de dar a vida pelos amigos, (Jo 15, 13) e o extraordinário do amor do

perdão aos verdugos, é a entrega de amor que salvará o mundo. Essa salvação se dá em

Deus Uno e Trino, pois o Pai também sofreu em seu Filho Jesus.

Cristo sofre voluntariamente e inocentemente. Ele acolhe, com o seu sofrimento, aquela interrogação feita muitas vezes pelos homens.

Cristo, porém, não é só portador em si da mesma interrogação, como

dá também a resposta mais completa que é possível para essa

interrogação. (S. D p. 33)

“O fato de Jesus ter morrido, é consequência de uma decisão fundamental: a de

encarnar-se numa situação”30

. Jesus responde a está interrogação, não só com o

anúncio, mas ele próprio assumiu as dores mais profundas e chorou as lágrimas mais

amargas. Assim a vida terrena e a cruz, assumem um novo brilho: palavras, milagres,

liberdade, paixão e ressurreição se revestem de um grande significado a sua ressurreição

nos revelou a glória de Deus. O Ressuscitado é o princípio de uma nova história.

28

RIBARIC, Sergio A. O Silêncio de Deus, com posfácio do Rabino Henry Sobel, 1ª Edição, São Paulo,

LSR, 2015 p, 123 29

PAPA PAULO VI, Audiência Geral, Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1971 30 SOBRINO Jon, S. J. Cristologia a partir da América Latina, Petrópolis, Vozes, 1983 p, 224

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30

É esta reflexão sobre Jesus e sua maneira de lidar, enfrentar e experimentar o

sofrimento, “O amor em sua forma mais radical” (Deus Caritas Est pg. 25). “Mas a

espiritualidade cristã não pode reduzir-se á mística da cruz, mas consiste no seguimento

do caminho de Jesus” 31

. Não pode ser só aceitação do sofrimento, da dor e da tristeza.

Isso significa que a verdadeira experiência de Deus, não é mera intimidade pessoal,

ficar a sós com Ele não significa desligar-se da realidade. Pois Deus se manifesta

através da história humana. Toda experiência de Deus passa através de alguma forma de

contato com a humanidade. É isso que nos permite ver o sofrimento humano como

participantes do sofrimento de Cristo.

31 SOBRINO Jon, S. J. Cristologia a partir da América Latina, Petrópolis, Vozes, 1983 p, 225

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31

CAPÍTULO III: PARTICIPANTES DOS SOFRIMENTOS DE CRISTO

Aqueles que participam do sofrimento de Cristo têm diante dos olhos o mistério

pascal. (S.D, 1984, p 45).

3.1 Maria aquela que sofreu junto ao seu Unigênito

“Enviou Deus a seu Filho nascido de uma mulher...a fim de que recebemos a

adoção filial” (Gl, 4, 4-5). Maria acolheu o mistério de Deus, a de ser a mãe do Deus

encarnado (Lc, 1, 38) do Emmanuel o Deus conosco, o mistério da encarnação de Deus.

Ela andou os mesmos caminhos da humanidade, também sofreu e o seu maior

sofrimento foi no Calvário, ali que seu coração é traspassado (Lc, 2,35). “Aquela que

não entendeu as palavras de Simeão entenderia completamente o que estava

acontecendo no Calvário”? (Lc, 2,33)32

. Foi no calvário que a espada traspassou seu

coração. Porém, “Manteve fielmente sua união com o Filho até a cruz. Veementemente

sofreu junto ao seu Unigênito” (Lumem Gentium, N° 58) “Maria foi a Mãe que se,

perdeu silenciosamente no Filho” 33

.

Maria, a mãe que cuidou de Jesus, agora cuida com carinho e preocupação materna deste mundo ferido. Assim como chorou com o

coração transpassado a morte de Jesus, assim também agora se

compadece dos pobres e crucificados e das criaturas deste mundo

exterminadas pelo poder humano. (Laudato Si, Nº 241).

Quem esteve ao pé da cruz teve uma participação muito especial na morte

redentora de Jesus. “Maria foi testemunha da paixão, pela sua presença, nela

participante coma sua compaixão” (S.D, 1984, p 51). Como Maria, a mãe de Jesus, que

esteve sempre ao seu lado especialmente ao pé da cruz, (Jo, 19,25), nós também

devemos estar junto as cruzes do homem de hoje. Quem procura Deus também deve de

procurá-lo no irmão que sofre.

32 LARRAÑAGA, Inácio, O Silêncio de Maria, 15° edição, Tradução de: Carlos Correa Pedroso ,

Paulinas, São Paulo, 1986, p, 87 33LARRAÑAGA, Inácio, O Silêncio de Maria, 15° edição, Tradução de: Carlos Correa Pedroso ,

Paulinas, São Paulo, 1986, p, 96

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32

3.2 À Procura de Deus

“A busca de Deus, não é uma necessidade cristã, mas uma urgência

antropológica, se nossa própria natureza nos orienta para Deus, muito mais a graça

divina”34

A íntima união com Deus pode ser esquecida, rejeitada, mas a necessidade de

Deus permanece sempre. É Deus que vem ao encontro e não o homem que vai a Ele.

“O desejo de Deus está escrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus, e Deus não cessa de atrair o

homem para si, e somente em Deus o homem há de encontrar a

verdade e a felicidade que não cessa de procurar” (Catecismo da

Igreja Católica, 27)

O homem como criatura sempre está procurando Deus. Encontrar Deus e

reconhecê-lo depende de como o olhemos e com que coração o procuramos. Mas a

iniciativa sempre é de Deus. Em cada ser humano esse encontro é diferente segundo a

sua vivencia e experiência de vida. Por exemplo, o encontro com o profeta Elias, foi na

montanha de Deus no murmúrio da brisa suave, (1Rs, 19, 12). Num momento de

desânimo e perseguição (1 Rs, 19, 1-8). Deus se deixa ver apenas pelas costas “Não

podereis ver minha face, por que o homem não pode ver-me e continuar vivendo” (Ex

33, 20), Quem poderia suportar o seu olhar? (1Rs, 19, 12). A morte é o preço da visão

da face de Deus.

O encontro com Jesus o Emmanuel o Deus conosco é diferente; Deus pode ser

tocado, tomado nos braços: “Simeão…tomou-o nos braços e bendisse a Deus, ‘Agora,

Soberano Senhor, podes despedir em paz teu servo... porque meus olhos, viram tua

salvação’” (Lc, 2, 28-30). Outros desejam saber onde mora. “Os discípulos de João

Batista perguntaram a Jesus Mestre Onde Moras? Jesus disse-lhes ‘Vinde e vede’” (Jo1,

38-39). O encontro é sempre um encontro inesquecível “Era a hora décima,

aproximadamente” (Jo 1, 39). Se Deus se revelasse pelos sentidos e pela razão, não

seria Deus.

34 SCIANDINI, Patrício, OCD, À Procura de Deus, Loyola, São Paulo, Brasil, 1996 p, 9, 11

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33

3.3 A procura de Deus e de seu mistério, em alguns Místicos e Padres da

Igreja.

A busca de Deus podemos defini-la como uma busca de sentido de vida, uma

profundidade interior. Ele é amigo para os que o amam e sinal de contradição para

outros (Lc, 2, 34) que não o querem aceitar na própria existência.

Quem tem Deus tem um sentido de vida. Quem não tem Deus tem

apenas alguns sentidos fragmentários...Se a vida não tem uma transcendência, se você não tem Deus, você acaba naufragando

35

Há no coração humano um desejo do infinito que não é preenchido com nada

que é passageiro, em lugar de preencher nossos vazios, esvazia-nos sempre mais. Os

grandes místicos sempre o procuraram no silêncio, na calma, no deserto.

3.3.1 Hilário de Poitiers

Pensador do século IV, mais profundo do que claro, nem sempre fácil de se

compreender. Homem com nobreza de alma, nele a graça fez desabrochar os dons mais

belos, é um homem de busca, que encontra a Deus lentamente. Homem de meditação,

capaz de ação e de iniciativa, sempre disponível para com Deus e para com os homens.

Meditava o texto bíblico onde Deus se apresenta a Moisés como “Sou Aquele que Sou”

(Ex, 3, 14), admirava-se por esta perfeita definição de Deus, que traduz em palavras

apropriadas à inteligência humana o incompreensível conhecimento de Deus.

Completava a sua meditação e reflexão com o texto do Evangelho de João, onde nos diz

que Deus se revelou através do Verbo feito carne (Jo, 1, 14). “Minha alma acolheu com

alegria a revelação deste divino mistério. Pois pela carne, eu me aproximei de Deus, e,

pela fé sou chamado a um novo nascimento”36

. Ele foi exilado para Ásia menor de 356-

359. “Estou alegre em minha prisão, porque a palavra de Deus não pode ser

aprisionada”. O exílio o instruiu, observava, tirava lições e avaliava as situações. “Deus

35

http://www.grupomarista.org.br/conteudo-da-missao/espiritualidade-um-encontro-profundo-com-

deus/Acesso 10/10/2017 36HAMMAN A.Os Padres da Igreja, 2ª Edição, Paulinas, São Paulo, 1985, p, 122

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34

é a presença universal e o mistério impenetrável. Encontramo-lo em toda parte, sem que

nossa inteligência jamais possa abrangê-lo” 37

3.3.2 São Gregório de Nissa

Viveu no século IV, Em Cesareia na Capadócia. Irmão de Basílio. Gregório é

considerado o mais místico e profundo dos padres capadócios. Volta-se para a vida

interior e consagra-se á teologia mística. Sua experiência e reflexão dão originalidade a

seus escritos.

Nesta época, escreve suas admiráveis obras sobre a vida de Moisés e o Cântico

dos Cânticos. Aí encontramos as etapas de sua vida espiritual, a nuvem e as trevas. O

homem se abre a Deus, no amor, em que Deus o reconhece como amigo. A reflexão

apoia-se na experiência. Para ele “a ocultação de Deus é o símbolo perfeito de sua

presença” 38

A manifestação de Deus a Moisés se fez primeiramente pela luz; em

seguida falou com ele na nuvem. Moisés contempla Deus na treva. A passagem da obscuridade à luz é a primeira separação das ideias falsas

e errôneas sobre Deus. A inteligência mais atenta às coisas

escondidas, conduzindo a alma das coisas visíveis à realidade invisível, é como uma nuvem que obscurece todo o visível e acostuma

a alma à contemplação do que está escondido.39

A treva é o símbolo da ocultação de Deus e do seu mistério, e para São Gregório

de Nissa, é o símbolo do conhecimento perfeito.

3.3.3 Santo Agostinho

Santo Agostinho foi um homem de coração inquieto à procura de paz. Tal

inquietude ele carregou a vida inteira, ele traz em si todas as frustrações e anseios de

homem. Procurou a solidão. Chora com o coração destroçado pelas contradições e pelos

chamados que sente dentro de si. “Reza e clama em sua aflição. Por quê? Até quando?40

Sempre se identificou com o salmista. “O Deus, tão alto, tão excelente, tão poderoso,

37

HAMMAN A.Os Padres da Igreja, 2ª Edição, Paulinas, São Paulo, 1985, p, 127 38HAMMAN A.Os Padres da Igreja, 2ª Edição, Paulinas, São Paulo, 1985, p, 162 39

POLETTO, Ivo (Org.) Rocha Frei Mateus, Um Homem apaixonado pelo absoluto, mensagem e

testemunho para a Igreja e o mundo de hoje, São Paulo, Brasil, Loyola, 2003 40HAMMAN A.Os Padres da Igreja, 2ª Edição, Paulinas, São Paulo, 1985, p 229

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35

tão misericordioso e tão justo, tão alto e tão presente… quem me dera repousar em ti”41

.

Foi no momento da maior angústia quando estava desmoronando a sua esperança que

aconteceu o inesperado.

Na Carta aos Romanos encontrou a resposta de Deus ao seu clamor. “Andemos

descentemente...não em bebedeiras, nem libertinagem...Mas revesti-vos do Senhor”

(Rm, 13, 13). Ele procurava a paz, a felicidade, ele não se contentava com pedaços de

paz e felicidade. “Dirige-te muitas perguntas. Soltava gritos lamentosos, por quanto

tempo andarei a clamar”?42

(Conf 8,12). Depois ele expressa aquela frase até hoje

conhecida e é o tema de sua grande obra Confissões.

Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, trinta anos estive longe

de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava

algo que não achava… Mas Tu te compadeceste de mim e tudo

mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Estavas dentro de mim e eu te procurava fora...Chamaste-me, e teu grito forçou minha surdez;

brilhaste e teu esplendor varreu minha cegueira, tocaste-me e fiquei

inflamado da paz que tu me dás.. 43

(Confissões 10, 27-29)

Deus restaura a capacidade original, ou seja, a sua dimensão infinita. O resultado

é maravilhoso, na maioria das vezes o tratamento é doloroso. É Deus que vem a você.

Não é você que vai a Ele. O mais maravilhoso é a ação de Deus no coração desse

homem. Sua tarefa essencial foi procurar conhecer mais a Deus e a si mesmo. Ele

conheceu as lutas, as dores a tragédia de viver longe de Deus. Sentiu no seu coração a

dor da ausência. Experimentou a alegria da volta.

3.3.4 São João da Cruz

Na vida presente, não podemos compreender inteiramente o sofrimento, São

João da Cruz também não nos dá resposta à pergunta, mas na Noite Escura uma de suas

obras mais conhecidas, fornece-nos a chave com o qual se abre algo deste mistério.

Mostra-nos como aproveitar-nos do nosso sofrimento. Aquilo que parecia destruição

pode tornar-se salvação. A Noite Escura ensina-nos que nenhum vale é tão profundo.

41

AGOSTINHO. As Confissões. São Paulo. Editora das Américas, 1961. 42

AGOSTINHO. As Confissões. São Paulo. Editora das Américas, 1961 43

AGOSTINHO. As Confissões. São Paulo. Editora das Américas, 1961

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36

Ensina-nos que o encontro com Deus é doloroso numa determinada fase da vida. Para

São João da Cruz, cada ser humano tem sua parte, interior e exterior. A parte exterior

ele chama de sentido, a vida emocional (alegria, esperança, tristeza, medo) tudo o que

dá prazer. O interior é a parte espiritual, onde reside a vontade e o amor. Ali residem os

sentimentos, principalmente a paz. Há um terceiro elemento: o centro da alma, esse

lugar onde todos somos a imagem de Deus. Aí mora a Santíssima Trindade. Ali somos

Templo Vivo.

Para São João da Cruz os sentidos são as nossas janelas, por onde temos visão

sobre o mundo: coisas, pessoas e situações. “Na Noite Escura, de modo nenhum Deus é

mudo, antes se pode dizer que sua fala é ensurdecedora a ponto de arrebentar os

tímpanos” 44

Muitas das vezes o homem não tem consciência que Deus lhe está falando.

Para São João da Cruz, o silêncio não tem som negativo. O silêncio é secreto. Quando

Deus se encontra com a pessoa, ali ele cria o silêncio. “Onde te escondeste, Amado,

deixando-me gemer? Fugiste como cervo depois de me ferir. Saí atrás de ti, clamando, e

tinhas ido” (Canção I)45

.

O Senhor se envolve no manto do silêncio, e fica escondido. Parece

um Rosto perpetuamente fugitivo e inacessível, aparece e desaparece,

aproxima-se e se afasta, concretiza-se e desvanece 46

Para São João da Cruz, ninguém dos que procuram a Deus poderá escapar desta

noite dolorosa. É uma etapa inevitável no caminho para Deus. Ele indica onde encontrar

a presença do Senhor. Para ele há três espécies de presença na alma:

A primeira é por essência. Com essa presença, Deus dá a vida e o ser, significa. A segunda é a presença da Deus pela graça, nem todos

gozam dessa espécie de presença. A terceira é por afeição espiritual,

sua presença por diversos meios. Essas presenças são também encobertas, nelas Deus, não se mostra tal qual é. Deus comunica

alguns vislumbres um tanto escuros. (Canção XI, 3-4)47

44 STINISSEN Wilfried, A Noite Escura segundo São João da Cruz, coleção Temas de Espiritualidade,

São Paulo, Loyola, 1996, p, 17-18 45 CARDIAL CÂMARA D. Jaime, (aprovação) Obras de São João da Cruz, Volume II, Cântico Espiritual

Chama Viva de Amor. Petrópolis RJ, Vozes Limitada, 1960, p, 25 46LARRAÑAGA, Inácio, O Silêncio de Maria, 15° edição, Tradução de: Carlos Correa Pedroso, Paulinas,

São Paulo, 1986, p, 67 47

CARDIAL CÂMARA D. Jaime, (aprovação) Obras de São João da Cruz, Volume II, Cântico

Espiritual Chama Viva de Amor. Petrópolis RJ, Vozes Limitada, 1960, p, 66

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37

Deus não vive longe de nós, escolheu como sua morada o coração do homem.

“Se alguém me ama guardará minha palavra, e meu Pai o amará e a ele viremos e nele

estabeleceremos morada” (Jo, 14, 23). “Mas, se está dentro de mim Aquele que amo,

por que não O sinto e não O encontro?” (São João da Cruz).

Quando alguém quer achar um objeto perdido tem que penetrar até o

fundo onde está; e, quando o encontra fica também escondido como

objeto oculto. ‘É o tesouro escondido no campo da alma, pelo qual o

sábio deu todas as suas riquezas’ 48

Deus é silêncio desde sempre e para sempre. Opera silenciosamente nas

profundezas da alma. Sua graça atua em silêncio49

. Não tenhas medo de dizer sim ao

amor que está preso em ti. “Quem não sente faltar-lhe amor é sinal de que nenhum amor

possui, ou então está perfeito nele.”50

3.4. Solidários na dor

Quem descobre Deus dentro de si, nunca mais será indiferente as dores e

sofrimentos dos homens, se unirá à causa de Jesus a de lutar pelos valores e exigências

do Evangelho: “Quem diz que ama a Deus, mas não ama seu irmão é mentiroso: pois

quem não ama seu irmão a quem vê, a Deus a que não vê, não poderá amar” (1Jo 4, 20)

O amor manifesta-se em obras.

“Um homem, descia de Jerusalém, e caiu em mãos de um assaltante, que depois de havê-lo despojado e espancado, foram-se deixando-o

quase morto…Certo samaritano, chegou junto dele, viu-o e moveu-se

de compaixão, aproximou-se, e cuidou de suas feridas”. (Lc, 10, 30-34)

“O bom samaritano é todo homem que se detém junto ao sofrimento de outro

homem, seja qual for e sofrimento” (S. D p.60-61). É não ser indiferente. É um impulso

do coração, é ser sensível diante da dor e desgraça do irmão, de um povo ou de uma

nação. É olhar nos seus olhos, um aperto de mão, dizer estou aqui, escutar seu grito

silencioso. É ter compaixão por todo aquele que sofre. Olhar para o outro e se esquecer

48 SCIANDINI, Patrício, OCD, À Procura de Deus, Loyola, São Paulo, Brasil, 1996 p, 9, 17 49 LARRAÑAGA, Inácio, O Silêncio de Maria, 15° edição, Tradução de: Carlos Correa Pedroso,

Paulinas, São Paulo, 1986, p, 90-91 50

CARDIAL CÂMARA D. Jaime, (aprovação) Obras de São João da Cruz, Volume II, Cântico

Espiritual Chama Viva de Amor. Petrópolis RJ, Vozes Limitada, 1960, p, 71

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38

de si. É um amor gratuito e espontâneo. Uma forma de expressão do amor e da

solidariedade. É um dizer Deus mora em mim.

“O Pai nos consola em todas as nossas tribulações, para que possamos consolar os que estão em qualquer tribulação mediante a consolação

que nós mesmos recebemos de Deus” (2 Cor, 1,3-4)

Quem vive esta experiência, destacam-se nele a sensibilidade, ternura e

compaixão. É no contato com a humanidade que se acrescenta a experiência de Deus.

Deus revela Sua presença ativa e o crente reconhece esta presença. Esta experiência de

Deus é intensificada no contato com a humanidade necessitada de redenção.

O cristão só será sinal de salvação e propagador do amor de Deus em toda parte

e em particular se for uma presença respeitosa, se assumir e viver os valores

evangélicos. Isso seria agir de acordo aos ensinamentos de Cristo. Pois a justiça do

cristão deve superar a justiça dos fariseus. (Mt, 5, 20).

3.5 A Justiça

Agir corretamente é agir segundo a justiça, é dar a cada um aquilo que lhe

pertence. “Quem não sabe respeitar o outro, mesmo a pessoa mais humilde e fraca deste

mundo, não saberá nunca o que é justiça.” 51

Por acaso poderá alguém procurar a paz se

não abraça a causa da justiça? “Onde não há liberdade não pode haver justiça. Onde não

há justiça não há Sociedade humana” 52

A fome é uma prisão, uma forma de tortura, que viola os direitos do

homem…Em um mundo sensível à questão dos direitos do homem, a

assistência aos famintos deve ser considerada em uma verdadeira perspectiva: não é só um problema de caridade mas de justiça

53

“É impossível que o mundo possa viver em paz com três homens em cada quatro

sofrendo pela fome, enquanto o quarto é doente porque come demais”54

. Vivemos numa

realidade espantosa, milhares de homens pisados em sua dignidade. A fome, a injustiça,

51FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 22 52 CASALDÁLIGA D. Pedro, Creio na justiça e na esperança, 2ª edição, RJ, civilização Brasileira, 1978,

p, 235 53 Dom Helder Câmara, na “Conferência mundial sobre reforma agrária e o seu desenvolvimento rural”,

Roma, julho de 1980. 54 John Kennedy, 1ª Conferência Mundial para a Alimentação, Washington, julho de 1961

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a guerra são pragas que acabam com povos inteiros. E qual o papel da Igreja em tais

situações? A solicitude social da Igreja, que tem como fim um desenvolvimento

autêntico do homem e da sociedade, o qual respeite e promova a pessoa humana em

todas as suas dimensões, manifestou-se sempre das mais diversas maneiras.

A doutrina social da Igreja discorre a partir da razão e do direito

natural á natureza humana de todo ser humano. A Igreja não pode nem

deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política. Mas também não pode, nem deve ficar à margem na luta pela justiça (Deus Caritas

Est Nº 28, p 48-49)

“Não se pode fechar os olhos perante outra chamada dolorosa do mundo atual”

(Solicitude Social, João Paulo II,1988, p. 41).

O documento de Puebla após haver condenado a violência política, que reprime

as justas aspirações do povo à justiça e à liberdade acrescenta:

“Devemos dizer e reafirmar que a violência não é nem cristã nem

evangélica e que as transformações bruscas e violentas das estruturas

serão enganosas, ineficazes em si mesmas e certamente não conformes com a dignidade do povo. (Paulo VI, discurso em Bogotá,

23/8/1968). Com efeito a igreja está consciente de que as melhores

estruturas e os sistemas idealizados logo se tornam desumanos se as inclinações do homem não forem sanadas, se não houver conversão do

coração e da mente, por aqueles que vivem nessas estruturas ou as

dirigem” [Evangelii Nunciandi n° 36] (Documento de Puebla n° 534)

Isso significa que a Igreja não pode aceitar a violência. A razão é óbvia: a

violência gera mais violência o ódio gera mais ódio. O ódio destrói o homem, por tanto,

“A promoção humana por parte da Igreja implica atividades que ajudam a despertar a

consciência do homem” (Documento Puebla n° 477).

3.6 A Paz

“Violência nunca mais! Guerra nunca mais! Terrorismo nunca mais! Em nome

de Deus toda religião traga à terra a justiça, e a paz, o perdão e a vida, o amor!” (João

Paulo II).55

"O ódio se vence com o amor": a voz vibrante e calorosa de João Paulo II

ressoou na Praça São Francisco em Assis, unida às vozes de todos os outros líderes

religiosos, de todas as partes da Terra, para celebrar juntos esse histórico Dia de Oração

55

http://www.radiovaticana.va/portuguese/brasarchi/2002/RV04_2002/02_04_32.htm acesso 15/10/2017

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pela Paz no mundo, convocado pelo Papa, depois dos trágicos eventos que, do ataque

terrorista às torres gêmeas. A humanidade se descobre frágil, dividida e ameaçada.

Disse o Papa “Estamos aqui, representantes de várias religiões, para interrogar-nos,

diante de Deus, sobre o nosso empenho pela paz, para pedir a Ele esse dom, para

testemunhar o nosso comum anseio de um mundo mais justo e solidário."

Diante da realidade há uma urgente necessidade de tomar consciência que o

mundo precisa de paz… em todos os seus âmbitos. Não é a guerra que garante a paz. E

sim o respeito e o reconhecimento pela dignidade humana. Somos chamados a ser

mensageiros de paz “Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘Paz a esta

casa!’” (Lc, 10, 5).

No encontro de Jesus com seus discípulos após a ressurreição, também Jesus

leva a paz “A paz esteja convosco” (Jo, 20, 19-22). Jesus condena o uso da espada

(Mt, 26 ,52) significando que seus discípulos devem ter a paz de Jesus para assim ser

propagadores desta paz. A paz não é fruto da guerra. E sim fruto da justiça. (Is, 31,17),

se queremos paz nos empenhemos a realizar a justiça. Precisamos de uma paz

alimentada de justiça e de perdão.

Aquela paz nasce onde a Face de Deus escondida a e sua justiça,

desejada do fundo do coração, são procuradas, na surdez dos moribundos, na dor sem palavras dos pobres, na dignidade esmagada

nos oprimidos, no olhar ausente dos famintos e dos perdedores da

história 56

3.7 O Perdão

“O abismo de violência em que vivemos fere o coração divino. Eis por que o

fiel deve fazer companhia a Deus em sua dor com oração e silêncio” 57

. O que fazer

então nesta situação… o ódio está vencendo o perdão e a razão. O ódio é mais do que

querer o mal do outro é fechar o coração, é não buscar caminhos para uma solução. O

que o Evangelho nos ensina é a abrir o coração e a dizer não à vingança … para o ódio,

56FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 18 57FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 10

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a resposta é o amor e o perdão. “Pai perdoa-lhes eles não sabem o que fazem”

(Lc, 23, 34).

Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais o seus passos. Ele não cometeu nenhum pecado. Mentira nenhuma foi

achada em sua boca. Quando injuriado, não revidava; ao sofrer, não

ameaçava, antes punha a sua causa nas mãos daquele que julga com

justiça (1 Pd, 2, 21-23)

A resposta não pode ser a vingança, pois gera mais violência. Não podemos

atribuir a Deus a situação opressora que se vive, são produtos de uma estrutura injusta,

não de Deus. A resposta está na justiça e no perdão. Um empenho solidário de toda a

humanidade para um mundo melhor.

3. 8 A Esperança

“A tentação que poderia se apoderar de nosso coração nestes tempos marcados

pela angústia, do terrorismo, da guerra é o desespero” 58

Para quem se abre inteiramente

para Deus o tempo significa, então uma nova esperança. “A esperança é a espera de um

bem futuro, árduo, mas possível de se conseguir” (Tomás de Aquino). É acreditar que é

possível, mesmo que não o pareça. E esperança é uma força que ajuda a viver, a superar

as crises e a enfrentar os desafios. Vai ao encontro dos desejos, animando o viver, o

conviver e o agir da pessoa em sociedade. Desse futuro se alimentam tantas esperanças,

pequenas e grandes, nas quais estão entrelaçadas as obras e os dias dos homens.

Para o teólogo da esperança, Jürgen Moltmann. “É a aurora do esperado, novo

dia que colore tudo com sua luz, é a força renovadora, que brota da Ressurreição de

Cristo”. “Na cruz Jesus aposta tudo no Amor. Sua morte é este ato total de esperança”59

“A esperança com efeito é para nós qual âncora da alma, segura e firme, penetrando

para além do véu, onde Jesus entrou por nós” (Heb, 6,19). “A esperança não está no riso

e na plenitude. A esperança está nas lágrimas, no riso e no seu silêncio”60

58FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 25 59

FREI CARLOS JOSAPHAT, OP Fé, Esperança e Caridade, encontrar Deus no centro da vida e da

história, São Paulo, Paulinas, 1998, p 57 60FORTE, Bruno. A Guerra e o silêncio de Deus, comentário teológico na atualidade [tradução Débora

de Souza Balancin], São Paulo, paulinas, 2004, p, 62

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A Esperança evangélica é a confiança filial. Em nós difundida pelo Dom do

Espírito, confirmando-nos na certeza da promessa que Deus nos fez em Cristo.

E porque sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: Abba, Pai, de modo que já não és escravo, mas

filho. E se és filho, és também herdeiro, graças a Deus. (Gal, 4, 6-7)

“A prática da justiça é a melhor garantia de juntos nos aproximarmos do Deus

das Promessas e da Esperança”61

. “No fim, vamos nos encontrar face a face com a

beleza infinita de Deus...A vida eterna será uma maravilha compartilhada” (Laudato Si,

Nº 243) A esperança se firma na certeza da fé. A esperança em Deus é a certeza

confiante de que sua graça agirá em nós.

A esperança não é resignação, ela tem palavras de Vida Eterna! Os que creem,

vencem na Esperança a dúvida, o terror, e a amargura. Ela é a firme confiança de obter a

felicidade divina. “Minha fé tem nome e sobrenome: Jesus Cristo Ressuscitado” 62

Toda espera se fez esperança “Em Cristo, a esperança se torna plenamente

teologal. Esperamos só de Deus, do Deus Amor” 63

Pois naquele dia “Ele enxugará as

lágrimas dos seus olhos, nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor

haverá mais” (Ap, 21 ,4) . “A justiça e a paz se abraçarão” (Sl 85).

Ter fé e acreditar que “o veremos tal como ele é” (1Jo, 3,2). A fé em Deus é uma

adesão que não é somente interior, mas ativa, que se traduz em todos os

comportamentos da vida. A passagem da fé ao amor é natural, (1Ts, 1,3; 3,6; 5,8; 2 Ts

1,3) por que a fé se torna ativa pelo amor. O amor que vem de Deus a nós nos faz amar

nossos irmãos. A esperança é a perseverança que tem sua fonte no Senhor Jesus. O ser e

o agir dos cristãos manifestam a glória do Senhor, e ao mesmo tempo, torna-os

participantes desta glória (2 Ts, 1,12).

61 FREI CARLOS JOSAPHAT, OP Fé, Esperança e Caridade, encontrar Deus no centro da vida e da

história, São Paulo, Paulinas, 1998, p 67 62 CASALDÁLIGA D. Pedro, Creio na justiça e na esperança, 2ª edição, RJ, civilização Brasileira, 1978,

p, 246 63 FREI CARLOS JOSAPHAT, OP Fé, Esperança e Caridade, encontrar Deus no centro da vida e da

história, São Paulo, Paulinas, 1998, p 59

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CONCLUSÃO

Ao termino desta pesquisa, confirma-se que qualquer tentativa de reflexão sobre

o silêncio de Deus diante do sofrimento humano deve-se buscar elementos em Deus

Trindade a partir da cruz de Cristo. A Encarnação do Filho de Deus e sua morte na cruz

são uma prova da solidariedade e presença com a humanidade que sofre. Dizer que o

Verbo se fez carne (Jo, 1, 14) é dizer que se fez sofrimento que provou a dor e foi capaz

de sofrer como o homem, isso significa que Deus está junto daquele que sofre, assim o

sofrimento humano encontra em Cristo e na cruz um Deus que está no sofrimento. É o

amor que levou Deus a se encarnar na história do homem a se fazer prisioneiro e a

morrer na cruz. Jesus morre voluntariamente e inocentemente, ou seja, não foi um ato

apenas de obediência, mas, um ato voluntário de amor de quem assume uma missão (Jo,

10, 18). A Cruz de Cristo é o exemplo de uma vida entregue a uma missão assumida até

o extremo. É essa entrega de amor que salvará o mundo, essa salvação se dá em Deus

Uno e Trino, pois o Pai também sofreu em Jesus. Tanto na sua agonia como na paixão e

cruz, há sempre um vínculo de união com o Pai. Não é uma resignação e sim uma oferta

generosa de Si. Nesse momento o sofrimento é revelação. Por isso no momento em que

o homem, nas suas angustias e desesperos clama por Deus, Ele se torna solidário. O

homem de fé entende claramente que crer não significa compreender inteiramente o

sofrimento. É justamente nesses momentos de sofrimento em que a cruz de Cristo se faz

presente. Quando o homem não é capaz de perceber a presença de Deus no mundo e na

história interroga a Deus pelo seu silêncio.

O Místico coloca-se sempre com humildade ante o Mistério, procurando sempre

o silêncio, a calma e o deserto. Porém a Teologia que quiser responder sobre o

sofrimento, não se pode limitar à mística e contemplação da cruz, ou seja, a um discurso

puramente espiritual, isso seria negar a missão de Jesus. Mas consiste no seguimento do

caminho de Jesus. Após a Encarnação de Jesus a Teologia continua sua reflexão

olhando para a situação do homem e seu discurso deve-se tornar uma resposta que

ilumine a situação individual e social do homem. A Teologia cristã deve refletir sobre o

mundo econômico, social, político e cultural. Por tanto a igreja não pode só ficar aos

pés da cruz procurando justificações para o silêncio de Deus, e sim junto a Jesus ver os

homens crucificados deste mundo.

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É preciso ser solidários com o homem do sofrimento, pois Jesus está presente

em cada homem que sofre que agoniza que é injustiçado, menosprezado e abandonado

(Mt, 25, 34-45). Não podemos direcionar o olhar só para a cruz, e esquecer-se da

realidade, a fé professada deverá ser cada vez mais assumida e compromissada,

especialmente com os prediletos de Deus. A morte na cruz está presente, solidária, com

as cruzes enfrentadas diariamente. Para o cristão a injustiça, a guerra e o sofrimento

causado pelo próprio homem nunca poderá ser aceito como algo normal. Neste sentido

o ser humano precisa responder concretamente a Deus que fala ao coração. Assim a

Teologia chamada a responder ao mundo atual, deve unir mística contemplativa e ação.

O seu silêncio seria transformado em esperança, principalmente pela Ressurreição.

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