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Entrevista ao arquitecto João Machado, actualmente a viver e trabalhar em gabinete próprio fundado em Milão

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“Apontar a emigração como única saída para todos os jovens arquitectos, pode constituir uma visão um pouco simplista”

Texto: Ana Rita Sevilha | Fotos: D.R.

João Machado

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Formou-se no Porto, mas duranteo estágio académio rumou à

Suíça. Recorda-se o que o levou a ir?No último ano da FAUP, tínhamos que

procurar um escritório onde estagiar. De-pois de alguma procura, decidi ir passaruns dias a Basileia, onde entreguei quatroportfolios. Alguns dias mais tarde, a arqui-tecta Silvia Gmuer que na altura trabalhavaconjuntamente com o arquitecto Livio Vac-chini, convocou-me para uma entrevista, eum mês mais tarde começava a minha co-laboração no atelier deles. Porquê Basileia?Pela qualidade da arquitectura que se láfazia, mas também pela certeza de quemesmo como estagiário, poderia aspirarnaquele país a um ordenado que me iriapermitir começar uma vida por conta pró-pria, coisa que no Porto teria sido difícil.

Como foi essa experiência e o que re-tirou de mais importante?

Inicialmente pensava lá ficar meio ano.Depois pediram-me para prolongar o meuestágio por mais 3 meses. Entretanto apre-sentei a prova final na FAUP, e já como ar-quitecto, voltei a Basileia, onde acabei porficar outros 3 anos, isto porque foi real-mente uma experiência muito enriquece-dora. Antes de mais deu-me outra visão daarquitectura, face àquela que tinha apren-dido no Porto; depois os projectos em queestive envolvido foram oportunidades úni-cas e aliciantes, quase como uma segundafaculdade, onde estudar e pensar novos pro-gramas e novos temas arquitectónicos. Emtodo este percurso, sempre me marcou a de-terminação incansável da arquitecta SilviaGmuer em transformar cada ocasião, pormais problemática que fosse, num projectoexemplar e não apenas numa série de res-postas desconexas a problemas de legisla-cão, de economia ou de funcionalidade. Maso aspecto mais determinante para o meupercurso como arquitecto talvez tenha sidoa confiança que me foi depositada desde oprimeiro dia de trabalho, e que foi funda-mental para o meu crescimento pessoal nobelíssimo mundo da aquitectura. Do pontode vista humano foi uma experiência excep-cional: reconheço que tive imensa sorte!

É hoje influenciado de alguma formapor essa colaboração com a arquitectaSilvia Gmuer?

Uma colaboração de 4 anos num escritó-rio com o qual nos identificamos deixa na-turalmente as suas marcas. A maneira defazer projecto desenhando e pensando emconjunto é sem dúvida um método que memarcou. As referências de Silvia Gmuer, por

exemplo as arquitecturas Maia e Azteca, aÍndia de Akbar ou a Grécia de Fídias, obrasque visitei, foram outra forma de influênciaque recebi. E confesso que ter acompa-nhado o projecto da Casa ai Pozzi desde osprimeiros esquissos em papel vegetal, atéao último dia de obra, foi um percurso queacabou por criar uma ligação muito forteentre mim e o escritório.

Em 2009 formou atelier em nome pró-prio, em Milão? Porquê Itália e Milão emparticular?

A proximidade à Academia de Arquitec-tura de Mendrisio, na Suíça, onde lecionocomo assistente de uma cadeira de projectodesde 2006, e porque Laura Lupini, minhasócia de atelier, e mãe do nosso filhote de 2meses, trabalhava em Milão em 2006quando comecei a ensinar em Mendrisio.Em 2009 formalizámos o início de activi-dade do atelier Lupini Machado, com mui-tas incógnitas pela frente, mas com umaforte certeza que era a vontade de concen-trar a bagagem de experiências feitas atéentão, e investir energias no nosso atelier.

Os trabalhos do gabinete focam-semais em Itália ou fora do país?

Vivemos numa época em que a mobili-dade nos permite ter projectos e obras noPorto, Coimbra, em Milão e de participaractivamente no panorama arquitectónicoSuíço, através de concursos públicos, comoconcorrentes ou como membros de júri, eatravés da actividade didáctica que oferecegrandes oportunidades do ponto de vista datroca cultural.

Quais as principais dificuldades comque se têm deparado para garantir a sus-tentabilidade do mesmo?

No inicio, para garantir a ‘sobrevivência’do atelier, é necessário assegurar uma fontede rendimentos paralela, que no nossocaso, provém da minha actividade part-time no âmbito académico universitário. Oshonorários que um pequeno ou médio ate-lier recebe pelos projectos que tem emcurso, se bem geridos, dão para cobrir asdespesas mas o lucro numa fase inicial équase uma miragem, pois o tempo que seinveste para projectar, e naturalmente paraas fases burocráticas, consultas de mercadoe acompanhamento de obra, consomem o‘bolo’ todo.

Assim que o escritório ganha um nome eaumenta o número de projectos, a possibi-lidade de formar uma equipa e uma estru-tura organizada, acaba por criar ascondições para optimizar recursos e ener-

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gias, e de investir na obtenção de novos pro-jectos, por exemplo através de concursos.

Do que conhece da realidade portu-guesa ao nível da profissão de arqui-tecto, quais lhe parecem as maioresdiferenças comparativamente com Itá-lia?

A Itália, como outros países europeus,vive actualmente uma profunda crise de va-lores, um vazio cultural que se manifestaestridentemente na arquitectura. Quase nãohá concursos de arquitectura. O automóvelrepresenta um enorme problema que con-diciona fortemente a qualidade dos espaçospúblicos. Por outro lado, existe ainda a ten-dência para avaliar a qualidade da arqui-tectura através de imagens 3d. O problemaé que as cidades não se fazem com imagenssedutoras ou formas futurísticas; os edifí-cios têm um papel fundamental na quali-dade de vida da cidade, e já que o simplesacto de construir é pouco sustentável para oambiente, pelo menos devemos exigir queesses mesmos edifícios sejam a nível social,urbanístico e arquitectónico o mais ade-quados possível. E isso só é possível traba-lhando de maneira fundamentada erigorosa, facto que é completamente alheioà procura de efeitos especiais que procuramcativar o olhar dos menos esclarecidos. Estecenário não é obviamente uma situação quese vive exclusivamente em Itália, mas o queé facto é que a cultura arquitectónica nestepaís atravessa hoje um momento menosbom. E pensar que há menos de cinco dé-cadas, a Itália viveu durante o seu ‘boom’económico do pós-guerra, um dos momen-tos mais ricos do século XX europeu, anível de cultura e qualidade arquitectónica,com dezenas de arquitectos excepcionaiscomo Luigi Moretti, Asnago e Vender, An-gelo Mangiarotti, Giò Ponti, etc... Em Por-tugal, a arquitectura é vista como umacoisa útil de uma maneira geral, e não ape-nas como um instrumento de propaganda.No entanto penso que a minha geraçãodeve voltar a recuperar o espírito da arqui-tectura do fim da década de 70’ onde se de-monstrou que se podia fazer arquitecturacom ‘A’ grande utilizando poucos recursos,e estar menos preocupada com materiais defachada ou com formas enviezadas: maisMalagueira e menos brincadeira!

Que oportunidades oferece Milão quenão oferece uma cidade portuguesacomo Lisboa ou Porto?

Milão é uma cidade fantástica, feita desobreposições harmoniosas e corajosas deépocas, estilos e tipos. Quanto às oportuni-

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dades que oferece no nosso âmbito, essasestão ligadas aos círculos de amizades e co-nhecimentos de cada um. O percurso tradi-cional de um jovem arquitecto na Suíça,que chega aos primeiros trabalhos atravésde concursos públicos, aqui em Milão infe-lizmente acontece raramente. Mas sendouma sociedade altamente pro-activa, e umcentro urbano rico e denso, onde a famosainiciativa italiana é bem visível, há oportu-nidades que derivam precisamente da ele-vada frequência com que as pessoas trocamde casa, ou reformulam a loja ou o escritó-rio, e a possibilidade que isso representaque seja necessário fazer um projecto. Nomeu caso concreto, a posição geográfica dacidade a apenas 60km da Suíça, onde tra-balho, é uma grande vantagem.

Para um jovem arquitecto em início decarreira, onde é mais fácil começar?

Acho que um jovem arquitecto, seja eleitaliano ou português, deve aproveitar asoportunidades que derivam da sua condiçãode recém licenciado, para viajar, aprenderlínguas, conhecer a história da arquitecturavisitando-a; e se para o fazer tiver que ar-ranjar algum trabalho part-time, fora doâmbito da profissão, estou em crer que é uminvestimento que vale a pena. E nesse per-curso, mesmo em contexto de crise econó-mica global, as oportunidades aparecem. Odifícil é estar de olhos abertos para as ver eaproveitar, e mesmo que a primeira expe-riência de trabalho não seja perfeita, comodizem os italianos ‘da cosa nasce cosa’!

No contexto económico, muitas têmsido as vozes que incentivam à emigra-

ção. O que pode dizer sobre isso a quemestá em Portugal e não sabe se fica ou separte?

É evidente que a situação da economiaportuguesa não é favorável ao investimentoe que abrandando a construção, os arqui-tectos terão menos projectos para fazer.Compreendo bem e respeito quem decideemigrar porque não consegue encontrartrabalho. Acho no entanto que generalizar,e apontar a emigração como única saídapara todos os jovens arquitectos, pode cons-tituir uma visão um pouco simplista. Portrás de cada dificuldade esconde-se umaoportunidade, um incentivo a ver as coisassob uma nova perspectiva, capaz de noslevar para novos caminhos. Os excessos e odesnorte que caracterizam uma grandeparte da produção arquitectónica actual,obrigam-nos a repensar a profissão, a gerirmelhor os recursos, a investir a energia pro-jectual onde é necessário e a aprender a pôro resultado final ( igual ao somatório do pe-dido do cliente + contributo do arquitecto+ capacidade técnica de execução + orça-mento à disposição) acima de tudo. Resu-mindo, penso que não é só uma questão decontexto, mas na nossa área tudo dependeda capacidade que temos de nos destacar-mos de certas modas ou tendências, procu-rando propôr uma outra maneira de fazeras coisas, que se afirme com argumentosválidos e inconfutáveis.

Nunca equacionou voltar e montaratelier por cá? Ou mesmo criar uma de-legação do seu gabinete em Portugal?

Certamente que sim. Neste momentoestou concentrado na tentativa de dar al-

guma continuidade à actividade didática esobretudo ao nosso jovem atelier, cujas obrasem Portugal poderão nos próximos anos serdecisivas para um eventual retorno ‘a casa’.

Quais as suas ambições a médio elongo prazo?

Nos próximos anos conto aprofundar ainvestigacão sobre a reabilitacão e trasfor-mação de edificios existentes, que é o temacentral da cadeira de projecto em que estouenvolvido em Mendrisio. É desde sempreum tema central da arquitectura, de ex-trema actualidade, mas pouco popular por-que é visto muitas vezes como umaarquitectura invisível, demasiado lógica ecirurgica. Creio que é fundamental conhe-cer as diferentes estratégias de intervençãosobre o construído, quando e porquê sedevem aplicar a um determinado edifícioexistente. Existe por vezes alguma superfi-cialidade neste âmbito, aplicando-se comoregra indiferenciada uma atitude de con-traste entre existente e nova intervenção,seja o edifício em causa um templo romanoou um prédio de periferia. Ora imagine-se oque teria acontecido se desde a idade médiase tivesse construido desta forma, porexemplo, nos edifícios da baixa do Porto:em vez de ser hoje património da humani-dade seria uma espécie de Disneyland!

A longo prazo, quem sabe poderei aplicara minha experiência didáctica, ensinandona Faculdade de Arquitectura do Porto,onde me formei. Em todo o caso a ambiçãomaior é a de continuar a ter oportunidadespara projectar e construir com seriedade,humildade e enfim com a esperança de quequem por lá passe, pare e goste!

mailbox_mailmeDesign de Produto / Livro / ExposiçãoFabrica, 2004

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Concurso de arquitectura "projecto de reestruturação do Palácio de Justiça de Lugano" Lupini Machado architetti,2. Prémio

Na nossa opinião, um dos temas mais importantes deste projecto é a valorização do património:o conjunto dos 4 edifícios pertence à memória de Lugano; testemunho da maneira de pensar aarquitectura na cidade, representa um valor cultural que não se deve perder. Por isso mesmo,estes edifícios construidos nos anos 60’ devem ser mantidos e valorizados.Para além disso, o nosso projecto procura estabelecer relações de continuidade entre o com-plexo e a cidade, com o objectivo de recuperar as qualidades inerentes ao projecto original.O projecto procura reforçar o carácter público dos edifícios através de pequenas manipulaçõespontuais nas zonas de contacto entre o complexo e a cidade. Neste sentido, a fachada no résdo chão e as zonas de acesso público foram alvo de pequenos projectos dentro do projecto.No átrio principal, procurou-se dar uma hierarquia às diferentes zonas do mesmo, propondoigualmente a sua extensão para uma zona de átrio exterior, em relação com a cidade, repensandoa escadaria de acesso.As fachadas mantêm o desenho original, preservando-se deste modo a sua riqueza expressiva.Como resposta ao problema energético, prevê-se assim o isolamento dos edifícios pelo interior;relativamente às partes envidraçadas foram propostas janelas térmicas que definem um perí-metro contínuo, e que se integram no desenho dos espaços interiores.Do ponto de vista tipológico, depois de uma análise detalhada do programa e das relações fun-cionais entre espaços, encontraram-se dois níveis de privacidade que foram tematizados arqui-tectonicamente: as zonas de contacto com o público e as áreas de trabalho e escritórios.Propôs-se uma tipologia que, através da modularidade e graças à distribuição das infra-estru-turas de maneira eficiente, oferece a máxima flexibilidade e assegura a funcionalidade indis-pensável neste tipo de edifícios. O corredor central deixa de ser um espaço escuro, unicamentede circulação, para se transformar numa sequência de espaços (zona de espera / recepção / dis-cussão informal / pausa / sala de reunião), que se criam através do alargamento do corredor, al-gumas vezes até à fachada, permitindo desta forma iluminar de forma natural toda a zona decirculação.Relativamente aos arranjos exteriores do pátio central, foi proposto um desenho que procuraligar as duas cotas do mesmo e valorizar a zona exterior da cafetaria e refeitório. Visto desdecima, a partir dos pisos dos escritórios, é como um ‘quadro’ mineral e vegetal, dando-se destaforma uma resposta à escala do complexo.

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