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  • 7/27/2019 Engels - Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clssica Alem

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    Ludwig Feuerbach e o Fim daFilosofia Clssica Alem

    Friedrich Engels

    Junho de 1886

    Escrito: Escrito nos comeos de 1886.

    Primeira Edio: Publicado na revista Die Neue Zeit, n.os 4 e 5, de 1886 e, em separado, emStuttgart em 1888.

    Fonte: Obras Escolhidas em trs tomos, Editorial "Avante!" - Edio dirigida por um colectivocomposto por: Jos BARATA-MOURA, Eduardo CHITAS, Francisco MELO e lvaro PINA,tomo III, pg: 378-421.Traduo: Jos BARATA-MOURA. Publicado segundo o texto da edio de 1888. Traduzidodo alemo.Transcrio e HTML: Fernando A. S. Arajo.Direitos de Reproduo: Direitos de traduo em lngua portuguesa reservados por Edi-torial "Avante!" - Edies Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.

    I

    O escrito que temos diante de ns1leva-nos de volta a um perodo que, notempo, fica atrs de ns uma boa gerao, mas que se tornou para a gerao ac-tual na Alemanha to estranho como se tivesse j um sculo inteiro de idade. E,no entanto, foi o perodo da preparao da Alemanha para a revoluo de 1848;e tudo o que desde ento tem acontecido entre ns apenas uma continuao de1848, apenas execuo testamentria da revoluo.

    Tal como em Frana no sculo XVIII, tambm na Alemanha no sculoXIX a revoluo filosfica preludiou o desmoronamento poltico. Mas como am-

    bas tiveram um aspecto diverso! Os franceses em luta aberta com toda a cinciaoficial, com a Igreja, frequentemente tambm, com o Estado; os seus escritosimpressos alm-fronteiras, na Holanda ou em Inglaterra, e eles prprios dema-siado frequentemente quase no ponto de irem parar Bastilha. Os alemes, emcontrapartida professores, mestres da juventude colocados pelo Estado, osseus escritos [como] manuais reconhecidos, e o sistema que remata todo o de-senvolvimento, o de Hegel, elevado mesmo, em certa medida, ao nvel de rgiafilosofia de Estado prussiana! E podia a revoluo esconder-se por detrs destesprofessores, por detrs das suas palavras pedanto-obscuras, nos seus perodospesados, maadores? No eram, ento, precisamente as pessoas que naquela al-

    1 Ludwig Feuerbach, de C. N. Starcke, D[outo]r [em] Fil[osofia] Stuttgart, Ferd. Encke,1885. (Nota de Engels.)

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    tura passavam por representantes da revoluo os liberais os adversriosmais aguerridos dessa filosofia que desarranja as cabeas? O que, porm, nemos governos nem os liberais viram, viu-o j em 1833, pelo menos, um homem,

    mas certo que se chamava Heinrich HeineN194.Tomemos um exemplo. Nenhuma proposio filosfica concitou tanto o

    agradecimento de governos limitados e a clera de liberais igualmente limitadoscomo a famosa proposio de Hegel: Tudo o que real, racional, e tudo o que racional, real.2

    Isto era, pois, palpavelmente, a santificao de todo o existente, a consa-grao filosfica do despotismo, do Estado policial, da justia de gabinete, dacensura. E tal como Frederico Guilherme III assim o entendeu, assim [o enten-deram] os seus sbditos. Mas, em Hegel, de modo nenhum tudo aquilo que exis-te tambm sem mais real. Para ele, o atributo da realidade [Wirklichkeit] cabe

    apenas quilo que, simultaneamente, necessrio [notwendig]; a realidademostra-se no seu desdobramento como [sendo] a necessidade3 uma medidagovernamental qualquer Hegel d mesmo o exemplo de uma certa institui-o fiscal4 para ele, de modo nenhum passa, portanto, tambm sem mais porreal. O que, porm, necessrio, mostra-se em ltima instncia tambm comoracional, e, aplicada ao Estado prussiano daquela altura, a proposio de Hegelquer apenas dizer: este Estado racional, corresponde razo, na medida emque necessrio; e se ele, no entanto, nos parece mau, mas apesar da sua mal-dade continua a existir, a maldade do governo encontra a sua justificao e a suaexplicao na correspondente maldade dos sbditos. Os prussianos daquela al-tura tinham o governo que mereciam.

    Ora, segundo Hegel, a realidade no de modo nenhum um atributo quecaiba a um estado de coisas social ou poltico dado em todas as circunstncias eem todos os tempos. Pelo contrrio. A repblica romana era real, mas o imprioromano que a suplantou tambm. A monarquia francesa, em 1789, tinha-se tor-nado to irreal, isto , to desprovida de toda a necessidade, to irracional, quetinha de ser aniquilada pela grande revoluo, de que Hegel sempre fala com omaior entusiasmo. Aqui, portanto, a monarquia era o irreal, a revoluo o real.E, assim, no curso do desenvolvimento, todo o anteriormente real se torna irre-

    N194Em 1833-1834 Heine publicou as suas obras Die romantische Schule (A Escola Romntica)eZur geschichte der Religion und Philosophie in Deutschland(Para a Histria da Religio eda Filosofia na Alemanha), nas quais defendia a ideia de que a revoluo filosfica na Ale-manha, cuja etapa final era ento a filosofia de Hegel, era o prlogo da iminente revoluodemocrtica no pas.

    2 Engels cita, ainda que modificadamente, uma passagem de Hegel extrada do prefcio dasGrundlinien der Philosophie des Rechts [Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito]; omesmo texto aparece tambm na Enzyklopdie der philosophischen Wissenschaften [Enci-clopdia das Cincias Filosficas], 6. Os termos hegelianos da proposio so os seguintes:O que racional, real; e o que real, racional. (Nota da edio portuguesa.)

    3 Esta mesma ideia aparece expressa por Hegel em diversos contextos e em formulaes apro-ximadas. A verdadeira realidade necessidade; o que real, em si necessrio, pode ler-se nas Grundlinien der Philosophie des Rechts, 270. Por sua vez, naEnzyklopdie, 147,

    tambm se afirma: A realidade desenvolvida [...] a necessidade. (Nota da edio portu-guesa.)4 Cf. Hegel,Enzyklopdie..., 142,Zusatz[Aditamento]. (Nota da edio portuguesa.)

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    al, perde a sua necessidade, o seu direito de existncia, a sua racionalidade; parao lugar do real que est a morrer entra uma nova realidade, [uma realidade]

    vivel pacificamente, se o antigo suficientemente inteligente para morrer

    sem resistncia; pela fora, se ele se barrica contra essa necessidade. E, assim, aproposio de Hegel inverte-se, pela prpria dialctica de Hegel, no seu contr-rio: tudo o que no domnio da histria humana real torna-se, com o tempo, ir-racional, portanto j por destinao irracional, est de antemo contaminadode irracionalidade; e tudo o que na cabea dos homens racional est destinadoa tornar-se real, por muito que isso tambm possa contradizer a realidade apa-rente existente. A proposio da racionalidade de todo o real resolve-se, segun-do todas as regras do mtodo de pensar de Hegel, nesta outra: tudo o que existemerece perecer.5

    Mas, a verdadeira significao e o carcter revolucionrio da filosofia de

    Hegel (temos que nos limitar aqui a [consider-la] como o fecho de todo o movi-mento desde Kant) residia, precisamente, em que ela, de uma vez por todas, deuo golpe de misericrdia no carcter definitivo de todos os resultados do pensar edo agir humanos. A verdade, que se tratava de conhecer na filosofia, no eramais para Hegel uma coleco de proposies dogmticas prontas que, uma vezencontradas, apenas requeriam ser aprendidas de cor; a verdade residia agorano processo do prprio conhecer, no longo desenvolvimento histrico da cin-cia, que se eleva de estdios inferiores do conhecimento para [estdios] sempresuperiores, sem, porm, chegar alguma vez, pelo achamento de uma pretensa

    verdade absoluta, ao ponto em que ela no pode avanar mais, em que no lhe

    resta mais do que ficar de braos cruzados e olhar de boca aberta para a verdadeabsoluta alcanada. E isto no domnio do conhecimento filosfico, assim comono de qualquer outro conhecimento e no do agir prtico. To-pouco quanto oconhecimento, pode a histria encontrar um fecho pleno num estado ideal per-feito da humanidade; uma sociedade perfeita, um Estado perfeito, so coisasque s podem existir na fantasia; pelo contrrio, todos os estados histricos quese seguem uns aos outros so apenas estdios transitrios no curso de desenvol-

    vimento sem fim da sociedade humana do inferior para o superior. Cada estdio necessrio, portanto, est justificado para o tempo e as condies a que deve asua origem; mas torna-se caduco e injustificado face a novas, a superiores, con-

    dies que gradualmente se desenvolvem no seu prprio seio; tem de dar lugar aum estdio superior ao qual, por seu lado, voltar a chegar a vez do declnio e dadecadncia. Assim como a burguesia, atravs da grande indstria, da concorrn-cia e do mercado mundial, dissolve na prtica [praktisch] todas as instituiesestveis e venerveis pela idade, tambm esta filosofia dialctica dissolve todasas representaes de verdade absoluta definitiva e os seus correspondentes esta-dos absolutos da humanidade. Perante ela no subsiste nada de definitivo, deabsoluto, de sagrado; ela mostra a transitoriedade de tudo e em tudo, e nadasubsiste ante ela seno o ininterrupto processo do devir e do perecer, da ascen-

    5 Cf. Goethe,Faust[Fausto], parte I, cena III (Studierzimmer [Sala de Estudo]). Hegel, igual-mente, cita estas palavras: cf., por exemplo, Grundlinien Philosophie des Rechts, prefcio.(Nota da edio portuguesa.)

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    so sem fim do inferior ao superior, de que ela prpria mero reflexo [ Wi-derspiegelung] no crebro pensante. Ela tambm tem, certo, um lado conser-

    vador: ela reconhece a justificao de determinados estdios do conhecimento e

    da sociedade para o seu tempo e circunstncias; mas tambm s isso. O conser-vadorismo desta maneira de ver relativo, o seu carcter revolucionrio abso-luto o nico absoluto que ela admite.

    No precisamos de entrar aqui na questo [de saber] se esta maneira dever est de acordo com o estado actual da cincia da Natureza que prev para aexistncia da prpria Terra um possvel fim mas para a sua habitabilidade umfim bastante seguro , que, portanto, atribui tambm histria humana no sum ramo ascendente como tambm um descendente. Encontramo-nos, em todoo caso, ainda bastante longe do ponto de viragem a partir do qual a histria dasociedade vai para baixo e no podemos exigir da filosofia de Hegel que se ocupe

    de um objecto que, no tempo dele, a cincia da Natureza ainda no tinha postona ordem do dia.

    Mas, o que, de facto, h aqui a dizer, isto: o desenvolvimento acima [re-ferido] no se encontra com esta agudeza em Hegel uma consequncia neces-sria do seu mtodo, que ele prprio porm, nunca tirou com esta expressivida-de. E isto, sem dvida, pela simples razo de que ele estava obrigado a fazer umsistema, e um sistema de filosofia, segundo as exigncias tradicionais, tem de serematar por uma qualquer espcie de verdade absoluta.

    Portanto tambm, por mais que Hegel afirme, nomeadamente, na Logik6

    que esta verdade eterna no seno o prprio processo lgico ou histrico, ele

    prprio v-se compelido a dar um fim a esse processo, porque, precisamente,nalgum stio ele tem de chegar ao fim com o seu sistema. Na Logik, ele pode vol-tar a fazer desse fim um comeo, na medida em que a o ponto final, a Ideia ab-soluta que s absoluta na medida em que ele no sabe dizer absolutamentenada acerca dela se exterioriza [entussert] na Natureza, isto , se trans-forma [nela], e, mais tarde, regressa a si prpria no Esprito [Geist], isto , nopensar e na histria. Mas, em concluso da filosofia toda, um semelhante re-gresso ao comeo s possvel por um caminho. Nomeadamente, colocando-seo fim da histria no [facto] de a humanidade chegar ao conhecimento, precisa-mente, daquela Ideia absoluta e de se declarar que esse conhecimento da Ideia

    absoluta alcanado na filosofia de Hegel. Com isto, declara-se, porm, todo ocontedo dogmtico do sistema de Hegel como verdade absoluta, em contradi-o com o seu mtodo dialctico dissolvente de todo o dogmtico [alies Dogma-tische] com isto, o lado revolucionrio fica abafado sob o [lado] conservador que[o] asfixia. E o que vale para o conhecimento filosfico, vale tambm para a pr-tica histrica. A humanidade que, na pessoa de Hegel, chegou elaborao daIdeia absoluta tem tambm, na prtica [praktisch], de ter chegado ao ponto depoder pr em execuo essa Ideia absoluta na realidade. As reivindicaes pol-ticas prticas da Ideia absoluta perante os contemporneos no devem, portan-to, ser demasiado ambiciosas. E, assim, encontramos em concluso da Re-

    6 Cf. Hegel, Wissenschaft der Logik [Cincia da Lgica]. (Nota da edio portuguesa.)

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    chtsphilosophie que a Ideia absoluta se deve realizar naquela monarquia deestados [stndische Monarchie] que Frederico Guilherme III to obstinadamen-te prometeu em vo aos seus sbditos, por conseguinte, numa dominao indi-

    recta, limitada e moderada, das classes possidentes, adaptada s condies pe-queno-burguesas alems da altura; pelo que nos ainda demonstrada, por viaespeculativa, a necessidade da nobreza.

    As necessidades internas do sistema s chegam, portanto, para explicar aproduo de uma concluso poltica muito dcil, por intermdio de um mtodode pensar de par em par revolucionrio. A forma especfica desta concluso pro-

    vm, sem dvida, do facto de que Hegel era alemo e de que, tal como ao seucontemporneo Goethe, lhe pendia uma ponta de peruca de filisteu. Goethe, talcomo Hegel, eram, cada um no seu domnio, um Zeus olmpico, mas ambosnunca se viram totalmente livres do filisteu alemo.

    Isto tudo no impediu, no entanto, o sistema de Hegel de abarcar um do-mnio incomparavelmente maior do que qualquer sistema anterior e de desen-

    volver nesse domnio uma riqueza de pensamento que ainda hoje causa espanto.Fenomenologia do Esprito (a que poderamos chamar um paralelo da embrio-logia e da paleontologia do Esprito; um desenvolvimento da conscincia indivi-dual atravs dos seus diversos estdios, apreendido como reproduo abreviadados estdios por que a conscincia dos homens historicamente passa), Lgica,Filosofia da Natureza, Filosofia do Esprito, e esta ltima, de novo, elaboradanas suas subdivises histricas, separadas: Filosofia da Histria, do Direito, daReligio, Histria da Filosofia, Esttica, etc. em todos estes diversos domnios

    histricos Hegel trabalha para encontrar e mostrar o fio do desenvolvimentoque os perpassa; e nisto, ele no era apenas um gnio criador, mas tambm umhomem de erudio enciclopdica; em todos eles fez poca. E evidente que, em

    virtude das necessidades do sistema, bastante frequentemente ele teve a derecorrer quelas construes foradas, acerca das quais os seus inimigos anesat hoje ainda fazem uma gritaria to horrorosa. Mas estas construes so ape-nas o quadro e o andaime da sua obra; se no se ficar por a inutilmente, se sepenetrar mais profundamente no poderoso edifcio, encontrar-se- inmeros te-souros que ainda hoje conservam o seu pleno valor. Em todos os filsofos, osistema , precisamente, o perecvel, e isto, precisamente, porque ele decorre

    de uma necessidade [Bedrfnis] imperecvel do esprito humano: a necessidadede triunfo sobre todas as contradies. Mas, se todas as contradies so elimi-nadas de uma vez por todas, chegmos pretensa verdade absoluta: a histriamundial est no fim e, no entanto, deve continuar, embora no lhe reste maisnada para fazer portanto, uma nova contradio, insolvel. Assim que com-preendermos e, em definitivo, ningum nos ajudou mais a essa compreensodo que o prprio Hegel que a tarefa da filosofia, colocada dessa maneira, nosignifica seno a tarefa de que um filsofo singular deve realizar aquilo que s ahumanidade inteira no seu desenvolvimento progressivo pode realizar assimque compreendermos isto, estar tambm no fim toda a filosofia no sentido dapalavra at aqui. Abandona-se a verdade absoluta, inalcanvel por esta via epor cada um individualmente, e, em troca, perseguimos as verdades relativas al-

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    mao evanglica de mitos a desenvolvida, com a demonstrao de que todauma srie de narrativas evanglicas haviam sido fabricadas pelos prprios auto-res. A polmica entre ambos foi conduzida sob o disfarce filosfico de uma luta

    da autoconscincia [Selbstbewusstsein] contra a substncia; a questo dese as histrias de milagres evanglicas surgiram no seio da comunidade [Ge-meinde] por formao no-consciente tradicional de mitos ou se foram fabrica-das pelos prprios evangelistas foi empolada na questo de se na histria mun-dial era a substncia ou a autoconscincia o poder activo decisivo; e, final-mente, veio Stirner, o profeta do anarquismo hodierno Baknine tomou delemuita coisa e sobrecoroou a soberana autoconscincia com o seu soberanonico.8

    No insistiremos mais sobre este lado do processo de decomposio daescola de Hegel. Mais importante para ns isto: a massa dos jovens-hegelianos

    mais decididos foi remetida, pelas necessidades prticas da sua luta contra a re-ligio positiva, para o materialismo anglo-francs. E a entrou em conflito com oseu sistema de escola. Enquanto o materialismo apreendia a Natureza como ounicamente real, esta representava, no sistema de Hegel, apenas a exterioriza-o [Entusserung] da Ideia absoluta, por assim dizer, uma degradao daIdeia; em todas as circunstncias, o pensar e o seu produto de pensamento aIdeia so aqui o originrio, a Natureza [por sua vez ] o derivado que, em ge-ral, s existe por condescendncia da Ideia. E era volta desta contradio quemelhor ou pior, se andava.

    Veio ento a Wesen des Christenthums9 de Feuerbach. Com um s golpe,

    pulverizou a contradio, ao pr de novo no trono, sem rodeios, o materialismo.A Natureza existe independentemente de toda a filosofia; ela a base sobre aqual ns, homens, ns mesmos produtos da Natureza, crescemos; fora da Natu-reza e dos homens no existe nada, e os seres superiores que a nossa fantasia re-ligiosa criou so apenas o reflexo [Ruckspiegelung] fantstico do nosso prprioser. O encantamento foi quebrado; o sistema foi feito explodir e atirado parao lado, a contradio, porque existente apenas na imaginao, foi resolvida. Uma pessoa tem, ela prpria, que ter vivido o efeito libertador deste livro, parafazer uma ideia disso. O entusiasmo foi geral: momentaneamente fomos todosfeuerbachianos. Quo entusiasticamente Marx saudou a nova concepo e quan-

    to ele apesar de todas as reservas crticas foi por ela influenciado, pode ler-se naHeilige Familie.10

    Mesmo os erros do livro contriburam para o seu efeito momentneo. Oestilo beletrstico, em certas passagens mesmo empolado, assegurou-lhe um p-

    blico numeroso e, de qualquer modo, foi um refrescamento aps longos anos dehegelice abstracta e abstrusa. O mesmo vale para o excessivo endeusamento do

    8 Cf. Max Stirner, Der Einzige und sein Eigenthum [O nico e a Sua Propriedade], Leipzig1845. (Nota da edio portuguesa.)

    9 Cf. Ludwig Feuerbach,Das Wesen des Christenthums [A Essncia do Cristianismo]. Leipzig1841. (Nota da edio portuguesa.)

    10 Cf. K. Marx/F. Engels,Die heilige Familie, oder Kritik der kritischen Kritik. Gegen BrunoBauer & Consorten [A Sagrada Famlia, ou Crtica da Critica Crtica. Contra Bruno Bauer &Consortes], Frankfurt a. M. 1845. (Nota da edio portuguesa.)

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    amor que, perante a soberania tornada insuportvel do pensar puro,encontrava uma desculpa, se que no justificao. Mas, o que no devemosesquecer [ que]: precisamente, a estas duas fraquezas de Feuerbach se ligou o

    socialismo verdadeiro11 que, desde 1844, se espalhou pela Alemanha cultacomo uma praga, o qual no lugar do conhecimento cientfico ps a frase

    beletrista, no lugar da emancipao do proletariado pela reorganizaoeconmica da produo ps a libertao da humanidade por intermdio doamor, em suma, se perdeu na beletrstica e em transportes amorososdesagradveis, cujo tipo era o senhor Karl Grn.

    O que, alm disto, h que no esquecer [ que]: a escola de Hegel estavadissolvida, mas a filosofia de Hegel no tinha sido criticamente vencida. Strausse Bauer pegaram cada um dos seus lados e viraram-no polemicamente contra ooutro. Feuerbach quebrou o sistema e atirou-o simplesmente para o lado. Mas

    no se vence uma filosofia, simplesmente com o declar-la falsa. E uma obra topoderosa como a filosofia de Hegel, que teve uma influncia to grande sobre odesenvolvimento espiritual da nao, no se deixou pr de lado pelo facto de sea ignorar sem mais. Ela tinha de ser superada no seu prprio sentido, isto ,no sentido em que a sua forma fosse criticamente aniquilada, mas o novo con-tedo atravs dela ganho fosse salvo. Como isto aconteceu, veremos adiante.

    Entretanto, a revoluo de 1848, contudo, ps de lado a filosofia todacom a mesma sem-cerimnia com que Feuerbach o seu Hegel. E, com isto, tam-

    bm o prprio Feuerbach foi empurrado para o plano recuado.

    II

    A grande questo fundamental de toda a filosofia, especialmente da mo-derna, a da relao de pensar e ser. Desde os tempos muito recuados em queos homens, ainda em total ignorncia acerca da sua prpria conformao corpo-ral e incitados por aparies em sonho12, chegaram representao de que o seupensar e sentir no seriam uma actividade do seu corpo, mas de uma alma parti-cular, habitando nesse corpo e abandonando-o com a morte desde esses tem-pos, tinham de ter pensamentos acerca da relao dessa alma com o mundo ex-

    terior. Se, na morte, ela [alma] se separava do corpo [e] continuava a viver, nohavia nenhum motivo para lhe emprestar ainda uma morte particular; surgiu,assim, a ideia da sua imortalidade que, naquele estdio de desenvolvimento de

    11 Sobre o socialismo verdadeiro ver, por exemplo, a presente edio, t. I, 1982, pp. 128-131.(Nota da edio portuguesa.)

    12 Ainda hoje, entre selvagens e brbaros inferiores, geral a representao de que as figurashumanas que aparecem em sonhos so almas que abandonam temporariamente os corpos; ohomem real , portanto, tido tambm por responsvel pelas aces que a sua apario emsonho comete face quele que sonha. Im Thurn, por exemplo, encontrou isto, em 1884, en-tre os ndios na Guiana. (Nota de Engels.)Engels refere-se aqui, muito provavelmente, ao livro de Everard Ferdinand Im Thurn:

    Among the Indians of Guiana: being sketches, chiefly anthropologic, from the interior ofBritish Guiana [Entre os ndios da Guiana: Esboos, principalmente Antropolgicos, do In-terior da Guiana Britnica], London, 1883. (Nota da edio portuguesa.)

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    modo nenhum aparece como uma consolao, mas como um destino [Schicksal]contra o qual nada se pode, e, bastante frequentemente, como entre os Gregos,como uma positiva infelicidade. No foi a necessidade religiosa de consolao,

    mas o embarao proveniente da estreiteza igualmente geral [de vistas] acerca doque fazer com a alma uma vez admitida [esta] depois da morte do corpo,que levou, de um modo geral, fastidiosa imaginao da imortalidade pessoal.Por uma via totalmente semelhante, surgiram, atravs da personificao dospoderes da Natureza, os primeiros deuses que, na ulterior elaborao dasreligies, tomam cada vez mais uma figura extramundana, at, finalmente, porum processo, que ocorre naturalmente no curso do desenvolvimento espiritual,de abstraco eu quase diria, de destilao surgir na cabea dos homens, apartir dos muitos deuses mais ou menos limitados e limitando-sereciprocamente, a representao de um nico e exclusivo deus das religies

    monotestas.A questo da relao do pensar com o ser, do esprito com a Natureza a

    questo suprema da filosofia no seu conjunto , tem, portanto, no menos doque todas as religies, a sua raiz nas representaes tacanhas e ignorantes do es-tado de selvajaria. Mas, ela s podia ser posta na sua plena agudeza, s podia al-canar toda a sua significao, quando a humanidade europeia acordasse dalonga hibernao da Idade Mdia crist. A questo da posio do pensar em re-lao ao ser que, de resto, na escolstica da Idade Mdia tambm desempe-nhou o seu grande papel , a questo: que o originrio, o esprito ou a Nature-za? esta questo agudizou-se, face Igreja, nestes [termos]: criou deus o mun-

    do ou existe o mundo desde a eternidade?Conforme esta questo era respondida desta ou daquela maneira, os fil-

    sofos cindiam-se em dois grandes campos. Aqueles que afirmavam a originarie-dade do esprito face Natureza, que admitiam, portanto, em ltima instncia,uma criao do mundo, de qualquer espcie que fosse e esta criao frequen-temente, entre os filsofos, por exemplo, em Hegel, ainda de longe mais compli-cada e mais impossvel do que no cristianismo , formavam o campo do idealis-mo. Os outros, que viam a Natureza como o originrio, pertencem s diversasescolas do materialismo.

    Originariamente, ambas as expresses idealismo e materialismo no

    significavam seno isto, e no sero aqui utilizadas em outro sentido. Veremosadiante que confuso surge se se faz entrar algo de diferente nelas.

    Mas a questo da relao de pensar e ser tem ainda um outro lado: comose comportam os nossos pensamentos acerca do mundo que nos rodeia paracom esse mesmo mundo? Est o nosso pensar em condies de conhecer o mun-do real, podemos ns produzir, nas nossas representaes e conceitos do mundoreal, uma imagem especular [Spiegelbild] correcta da realidade? Esta questochama-se, na linguagem filosfica, a questo da identidade de pensar e ser, e respondida afirmativamente, de longe, pelo maior nmero de filsofos. Em He-gel, por exemplo, a sua resposta afirmativa entende-se por si; pois, aquilo quens conhecemos no mundo real , precisamente, o seu contedo conforme aopensamento, aquilo que faz do mundo uma realizao por estdios da Ideia ab-

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    soluta, a qual Ideia absoluta existiu algures desde a eternidade, independen-temente do mundo e antes do mundo; mas salta aos olhos sem mais que o pen-sar pode conhecer um contedo que de antemo j contedo de pensamento.

    Salta aos olhos, do mesmo modo, que, aqui, aquilo que h que demonstrar estj tacitamente contido no pressuposto. Isso de modo nenhum impede, porm,Hegel de tirar da sua prova da identidade de pensar e ser a ulterior concluso deque a sua filosofia, porque correcta para o pensar dele, tambm, ento, a ni-ca correcta e de que a identidade de pensar e ser tem de se comprovar pelo [fac-to] de a humanidade traduzir de pronto a filosofia dele da teoria para a prtica eremodelar o mundo todo segundo princpios fundamentais de Hegel. Isto umailuso que ele partilha, mais ou menos, com todos os filsofos.

    Alm destes, h, porm, ainda uma srie de outros filsofos que contes-tam a possibilidade de um conhecimento do mundo ou, pelo menos, de um co-

    nhecimento exaustivo [erschpfende]. Pertencem-lhe, entre os modernos,Hume e Kant, e ela [essa srie] desempenhou um papel muito significativo nodesenvolvimento filosfico. O decisivo para a refutao desta perspectiva foi jdito por Hegel, tanto quanto isso era possvel do ponto de vista idealista; o queFeuerbach acrescenta de materialista mais brilhante [de esprito, geistreich]do que profundo. A mais percuciente refutao desta, como de todas as outrastinetas filosficas, a prtica, nomeadamente, a experimentao e a indstria.Quando ns podemos demonstrar a correco da nossa concepo de um pro-cesso natural, fazendo-o ns a ele prprio, produzindo-o a partir das suas condi-es, fazendo-o, acima de tudo, tornar-se utilizvel para objectivos nossos, pe-

    se fim inapreensvel coisa em si de Kant. As matrias qumicas produzidasem corpos vegetais e animais permaneceram tais coisas em si at a qumicaorgnica as ter comeado a preparar uma aps outra; com isso, a coisa em sitornou-se uma coisa para ns, como, por exemplo, a matria corante da ruiva-dos-tintureiros, a alizarina, que j no fazemos crescer nos campos nas razes deruiva-dos-tintureiros, mas tiramos muito mais barato e mais simplesmente doalcatro de hulha. O sistema solar copernicano foi durante trezentos anos umahiptese, em que se podia apostar cem, mil, dez mil, contra um, mas, no entan-to, sempre uma hiptese; mas, quando Leverrier, a partir dos dados fornecidospor este sistema, calculou, no s a necessidade da existncia de um planeta

    desconhecido, como tambm o lugar em que esse planeta tinha de estar no cu,e quando Galle encontrou realmente, ento, esse planetaN196, nessa-altura, o sis-tema copernicano foi provado. Se, no entanto, o relanamento da concepo deKant tentado na Alemanha pelos neokantianos e o da de Hume em Inglaterra(onde ela nunca morreu) pelos agnsticos, isso , face refutao terica e pr-tica [delas] h muito efectuada, cientificamente, um retrocesso e, praticamente,apenas uma maneira envergonhada de aceitar subrepticiamente o materialismoe de o negar perante o mundo.

    Os filsofos, porm, neste longo perodo de Descartes at Hegel e deHobbes at Feuerbach, de modo nenhum foram impelidos para diante apenas,

    N196Trata-se do planeta Neptuno, descoberto em 1846 pelo astrnomo alemo J. Galle.

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    como acreditavam, pela fora do puro pensamento. Pelo contrrio. O que, naverdade, os impeliu para diante foi, nomeadamente, o progresso poderoso esempre mais rapidamente impetuoso da cincia da Natureza e da indstria. Nos

    materialistas, isto mostrava-se logo superfcie, mas tambm os sistemas idea-listas se encheram cada vez mais com um contedo materialista e procuraramconciliar a oposio de esprito e matria panteisticamente; de tal modo que, fi-nalmente, o sistema de Hegel representou apenas um materialismo, segundomtodo e contedo idealistamente posto de cabea para baixo [auf den Kopf].

    , por conseguinte, compreensvel que Starcke, na sua caracterizao deFeuerbach, investigasse primeiro a posio dele para com esta questo funda-mental acerca da relao de pensar e ser. Aps uma curta introduo, em que descrita em linguagem desnecessariamente filosfico-pesada a concepo dos fi-lsofos anteriores, nomeadamente, desde Kant, e em que Hegel, por um ater-se

    demasiado formalista a passagens isoladas das suas obras, sai muito desfavore-cido, segue-se uma exposio pormenorizada do curso do desenvolvimento daprpria metafsica de Feuerbach, tal como resulta da sequncia dos respecti-

    vos escritos deste filsofo. Esta exposio est elaborada de um modo aplicado esinptico, apenas sobrecarregado, como o livro todo, com um balastro, de modonenhum inevitvel, de maneiras filosficas de se exprimir que actua de ummodo tanto mais incmodo quanto menos o autor se atm maneira de se ex-primir de uma s e mesma escola ou ento do prprio Feuerbach, e quanto maisele mistura l dentro expresses das mais diversas orientaes, nomeadamente,das que agora grassam e a si prprias se chamam filosficas.

    O curso do desenvolvimento de Feuerbach o de um hegeliano a bemdizer, nunca totalmente ortodoxo para o materialismo, um desenvolvimentoque, num determinado estdio, condiciona uma rotura total com o sistema idea-lista do seu predecessor. Finalmente, empurrado com uma fora irresistvelpara a compreenso de que a existncia pr-mundana da Ideia absoluta deHegel, a pr-existncia das categorias lgicas, antes, portanto, de haver mun-do, no mais do que um resto fantstico da crena num criador extramunda-no; de que o mundo material, sensivelmente perceptvel, a que ns prprios per-tencemos, o nico real e de que a nossa conscincia e pensar, por muito supra-sensveis que paream, so o produto de um rgo material, corpreo, do cre-

    bro. A matria no um produto [Erzeugnis] do esprito, mas o esprito eleprprio apenas o produto [Produkt] supremo da matria. Naturalmente, isto materialismo puro. Chegado aqui, Feuerbach estaca. Ele no pode vencer o pr-

    juzo filosfico, habitual, o pr-juzo no contra a coisa, mas contra o nome ma-terialismo. Diz ele: O materialismo para mim a base do edifcio do ser [We-serc] e saber humanos; mas, para mim ele no nada do que para o fisilogo,para o naturalista em sentido estrito, por exemplo, para Moleschott, e, por cer-to, [nada daquilo] que ele necessariamente , do seu ponto de vista e da sua pro-fisso: o prprio edifcio. Para trs, concordo completamente com os materialis-tas, mas no para a frente.13

    13 Engels cita aqui os Nachgelassene Aphorismen [Aforismos Pstumos], publicados por KarlGrn em Ludwig Feuerbach in seinem Briefwechsel und Nachlass sowie in seiner philo-

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    Feuerbach mete aqui no mesmo saco o materialismo, que uma viso ge-ral do mundo que repousa sobre uma determinada concepo da relao de ma-tria e esprito, juntamente com a forma particular por que esta viso do mundo

    se expressou num estdio histrico determinado, nomeadamente no sculoXVIII. Mais ainda, mete-o no mesmo saco juntamente com a figura vulgarizada,ch, em que o materialismo do sculo XVIII continua a existir hoje na cabea denaturalistas e mdicos e em que, nos anos cinquenta, foi pregado em digressopor Bchner, Vogt e Moleschott.14 Porm,tal como o idealismo passou por umasrie de estdios de desenvolvimento, tambm o materialismo [passou]. Comcada descoberta fazendo poca mesmo no domnio da cincia da Natureza, eletem que mudar a sua forma; e, desde que tambm a histria est submetida aotratamento materialista, abre-se tambm aqui uma nova estrada do desenvolvi-mento.

    O materialismo do sculo passado era predominantemente mecnico,porque, de todas as cincias da Natureza daquela altura, apenas a mecnica, e, a

    bem dizer, tambm s a dos corpos slidos celestes e terrestres , em suma, amecnica dos graves, tinha chegado a um certo acabamento. A qumica existiaapenas na sua figura infantil, flogsticaN31. A biologia andava ainda de cueiros; oorganismo vegetal e animal era investigado apenas grosseiramente e era expli-cado por causas puramente mecnicas; tal como para Descartes o animal, o ho-mem era para os materialistas do sculo XVIII uma mquina. Esta aplicao ex-clusiva do padro da mecnica a processos que so de natureza qumica e org-nica e para os quais as leis mecnicas certamente que tambm valem, mas so

    empurradas para um plano recuado por outras leis, superiores forma a pri-meira limitao especfica, mas inevitvel para o seu tempo, do materialismofrancs clssico.

    A segunda limitao especfica deste materialismo consistiu na sua inca -pacidade de apreender o mundo como um processo, como uma matria compre-endida numa continuada formao [Fortbildung] histrica. Isto correspondiaao estado da cincia da Natureza da altura e maneira metafsica, isto ,antidialctica, do filosofar, com aquele conexa. A Natureza, sabia-se, estavacompreendida num movimento eterno. Mas esse movimento, segundo a repre-sentao da altura, girava eternamente em crculo e, portanto, nunca se mexia

    do stio; produzia sempre de novo os mesmos resultados. Esta representao erana altura inevitvel. A teoria de Kant acerca do surgimento do sistema solar mal

    sophischen Charakterentwicklung [Ludwig Feuerbach na Sua Correspondncia e Obra Ps-tuma, bem como no Seu Desenvolvimento Filosfico do Carcter], Leipzig e Heidelberg, Bd.2, S. 308. (Nota da edio portuguesa.)

    14 Por vezes, Engels designa tambm estes representantes do materialismo vulgar comoRei-seprediger, pregadores ambulantes ou comoHausierer, vendedores ambulantes. Cf. no pre-sente texto, p. 393, e no Antigo Prefcio ao Anti-Dhring, p. 66 do presente tomo. (Notada edio portuguesa.)

    N31 De acordo com as concepes reinantes na qumica do sculo XVIII, considerava-se que oprocesso de combusto era determinado pela existncia de uma substncia especial nos cor-

    pos, o flogisto, que se segregava deles durante a combusto. O eminente qumico francs A.Lavoisier demonstrou a inconsistncia desta teoria e deu a explicao correcta do processode combusto como reaco de combinao de um corpo combustvel com o oxignio.

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    vinha de ser estabelecida e ainda passava s por mera curiosidade. A histria dodesenvolvimento da Terra, a geologia, era ainda totalmente desconhecida, e arepresentao de que os seres vivos naturais hodiernos so o resultado de uma

    longa srie de desenvolvimento do simples para o complicado, no podia,naquela altura, ser, em geral, cientificamente estabelecida. A concepo no-histrica da Natureza era, portanto, inevitvel. Podemos to pouco censurar porisso os filsofos do sculo XVIII quanto tambm a encontramos em Hegel. Paraeste, a Natureza, como mera exteriorizao da Ideia, no capaz de nenhumdesenvolvimento no tempo, mas apenas de um estirar da sua multiplicidade noespao, de tal modo que estende todos os estdios de desenvolvimento nelacompreendidos simultaneamente e um ao lado do outro, e est condenada eterna repetio sempre do mesmo processo. E este contra-senso de umdesenvolvimento no espao, mas fora do tempo a condio fundamental de

    todo o desenvolvimento , imputa-o Hegel Natureza, precisamente, no mesmotempo em que a geologia, a embriologia, a fisiologia vegetal e animal e a qumicaorgnica se formavam e em que, por toda a parte, na base destas novas cincias,emergiam pressentimentos geniais da ulterior teoria do desenvolvimento[Entwicklungstheorie] (por exemplo, Goethe e Lamarck). Mas o sistema exigia-o assim, e o mtodo tinha, por amor ao sistema, de ser, assim, infiel a si prprio.

    Esta concepo no-histrica vigorava tambm no domnio da histria.Aqui, a luta contra os restos da Idade Mdia perturbava a viso. A Idade Mdiaera considerada como simples interrupo da histria por uma barbrie univer-sal de mil anos; os grande progressos da Idade Mdia o alargamento do terri-

    trio cultivado europeu, as grandes naes viveis, que a se formaram umas aolado das outras, finalmente os enormes progressos tcnicos dos sculos XIV eXV tudo isto, no era visto. Deste modo, tornou-se, porm, impossvel umapenetrao racional na grande conexo histrica e a histria servia, no mximo,como uma coleco de exemplos e ilustraes para uso dos filsofos.

    Os vendedores ambulantes vulgarizadores15 que, nos anos cinquenta, naAlemanha, andavam no materialismo de maneira nenhuma ultrapassaram estalimitao dos seus mestres. Todos os progressos da cincia da Natureza feitosdesde ento lhes serviam apenas como novos argumentos contra a existncia docriador do mundo; e, de facto, estava totalmente fora do seu negcio desenvol-

    ver mais a teoria. Se o idealismo tinha esgotado o seu latim e tinha sido feridode morte pela revoluo de 1848, tinha a satisfao de ver que o materialismo,momentaneamente, ainda tinha cado mais baixo. Feuerbach tinha decidida-mente razo quando declinava a responsabilidade por esse materialismo; s queno devia confundir a doutrina dos pregadores ambulantes com o materialismoem geral.

    No entanto, h aqui duas coisas a observar. Em primeiro lugar, em vidade Feuerbach, a cincia da Natureza estava ainda compreendida naquele intensoprocesso de fermentao e que s nos ltimos quinze anos recebeu um relativofecho, clarificador; foi fornecido novo material de conhecimento em medida at

    15 Ver nota 14 acima. (Nota da edio portuguesa.)

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    aqui inaudita, mas o estabelecimento da conexo, e, com ela, da ordem, nestecaos de descobertas que se precipitam s muito recentemente se tornou poss-

    vel. certo que Feuerbach ainda assistiu s trs descobertas decisivas todas a

    da clula, a da transformao da energia e a denominada, com Darwin, teoria dodesenvolvimento [Entwicklungstheorie]. Mas como teria podido o solitrio fil-sofo, no campo, seguir suficientemente a cincia para avaliar plenamente desco-

    bertas que os prprios naturalistas daquela altura, em parte ainda contestavam,em parte no sabiam explorar suficientemente? A culpa cabe aqui unicamentes miserandas condies alems, graas s quais as ctedras de filosofia tinhamsido aambarcadas por cavilosos e eclcticos esmagadores de pulgas, enquantoFeuerbach, que os dominava a todos como uma torre, tinha de se ruralizar e dese tornar azedo numa pequena aldeia. No , portanto, culpa de Feuerbach quea concepo histrica da Natureza, que afasta todas as unilateral idades do ma-

    terialismo francs, agora tornada possvel, permanecesse inacessvel para ele.Em segundo lugar, porm, Feuerbach tem toda a razo em que o materia-

    lismo meramente cientfico-natural a base do edifcio do saber humano, masno o prprio edifcio.

    Pois, ns no vivemos apenas na Natureza, mas tambm na sociedadehumana, e tambm esta tem a sua histria de desenvolvimento e a sua cincia,no menos do que a Natureza. Tratava-se, portanto, de pr a cincia da socieda-de, isto , o conjunto [Inbegriff] das chamadas cincias histricas e filosficas,em consonncia com a base materialista e de as reconstruir a partir dela. Isto,porm, no foi dado a Feuerbach. Aqui, ele permaneceu, apesar da base, pre-

    so nos laos idealistas tradicionais, e ele reconheceu isso nestas palavras: Paratrs, concordo com os materialistas, mas no para a frente.

    Mas quem aqui, no domnio social, no andou para a frente, no ultra-passou o seu ponto de vista de 1840 ou de 1844, foi o prprio Feuerbach, porcerto, uma vez mais, principalmente na sequncia do seu desterramento, que ocompeliu a produzir pensamentos a partir da sua cabea solitria a ele quemais do que todos os outros filsofos estava talhado para o comrcio socivel ,em vez de os [produzir] em encontro, amigvel ou hostil, com outros homens doseu calibre. Quanto, neste domnio, ele permaneceu idealista, v-lo-emos maistarde em pormenor.

    Aqui h apenas que observar que Starcke procura o idealismo de Feuer-bach no lugar incorrecto. Feuerbach idealista, acredita no progresso da hu-manidade. (P. 19) A base, a infraestrutura [Unterbau] do todo permanece,no obstante, o idealismo. O realismo no para ns seno uma proteco con-tra enganos [Irrwege], enquanto seguimos as nossas correntes ideais. No socompaixo, amor e entusiasmo pela verdade e pela justia [Recht], forasideais? (P. VIII.)

    Em primeiro lugar, idealismo no quer dizer aqui seno perseguio deobjectivos ideais. Estes, porm, no mximo tm a ver com o idealismo de Kant eo seu imperativo categrico; mas, mesmo Kant chamou sua filosofia idea-lismo transcendental, de modo nenhum porque a se trata de ideais ticos, maspor razes totalmente diferentes, como Starcke se recordar. A superstio se-

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    gundo a qual o idealismo filosfico giraria em torno da crena em ideais ticos,isto , sociais, surgiu fora da filosofia, entre filisteus alemes que aprenderam decor nos poemas de Schiller as poucas migalhas de cultura filosfica de que

    precisam. Ningum criticou mais agudamente o impotente imperativo ca-tegrico de Kant impotente, porque ele pede o impossvel [e], portanto, nun-ca chega a algo de real , ningum troou mais cruelmente do arrobo filisteu porideais irrealizveis, veiculado por Schiller, do que precisamente o perfeito idea-lista Hegel (veja-se, por exemplo, aPhnomenologie16.

    Em segundo lugar, porm, nem uma s vez se pode evitar que tudo aquiloque move um homem tenha de passar pela sua cabea mesmo comer e beber,que comeam em consequncia de fome e sede sentidas por intermdio da cabe-a e terminam em consequncia da saciedade igualmente sentida por interm-dio da cabea. As aces [Einwirkungen] do mundo exterior sobre o homem ex-

    pressam-se na sua cabea, reflectem-se a como sentimentos, pensamentos, im-pulsos, determinaes de vontade, em suma, como correntes ideais e tornam-se, sob essa figura, poderes ideais. Ora, se a circunstncia de esse homem, emgeral seguir correntes ideais e conceder uma influncia sobre ele [prprio] apoderes ideais se isto faz dele um idealista, ento todo o homem, nalgumamedida, normalmente desenvolvido um idealista nato, e [nesse caso] comopode ainda, em geral, haver materialistas?

    Em terceiro lugar, a convico de que a humanidade, pelo menos de mo-mento, se move grosso modo numa direco progressiva no tem absolutamen-te nada a ver com a oposio de materialismo e idealismo. Os materialistas fran-

    ceses tinham esta convico em grau quase fantico, no menos do que os des-tasN81 Voltaire e Rousseau, e bastante frequentemente fizeram-lhe os maioressacrifcios pessoais. Se alguma vez algum consagrou a vida toda ao entusias-mo pela verdade e pela justia tomando a frase no seu bom sentido , foi,por exemplo, Diderot. Se, por conseguinte, Starcke declara isto tudo idealismo,isso s demonstra que a palavra materialismo e toda a oposio de ambas as ori-entaes perdeu aqui para ele todo o sentido.

    O facto que ainda que talvez inconscientemente Starcke faz aquiuma imperdovel concesso ao pr-juzo filisteu contra o nome materialismo,[um pr-juzo] herdado da [sua] difamao durante longos anos pelos padres. O

    filisteu entende por materialismo glutonaria, bebedeira, cobia, prazer da carnee vida faustosa, cupidez, avareza, rapacidade, caa ao lucro e intrujice de Bolsa,em suma, todos os vcios sujos de que ele prprio em segredo escravo; e poridealismo, a crena na virtude, na filantropia universal e, em geral, num mun-do melhor, de que faz alarde diante de outros, mas nos quais ele prprio [s]acredita, no mximo, enquanto cuida de atravessar a ressaca ou a bancarrotaque necessariamente se seguem aos seus habituais excessos materialistas e[enquanto], alm disso, canta a sua cantiga predilecta: que o homem? meio

    16 Cf. Hegel, Phnomenologie des Geistes [Fenomenologia do Esprito], Hrsg. von Johann

    Schulze, Bd. 2, Berlin, 1832.N81Desmo: doutrina filosfico-religiosa que reconhece Deus como causa primeira racional im-pessoal do mundo, mas nega a sua interveno na vida da Natureza e da sociedade.

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    animal, meio anjo.Quanto ao resto, Starcke esfora-se muito para defender Feuerbach dos

    ataques e teses dos assistentes [Dozenten] que hoje, na Alemanha, se do ares

    sob o nome de filsofos. Para a gente que se interessa por essa secundina dafilosofia alem clssica, isso certamente importante; para o prprio Starcke,isso pde parecer necessrio. Ns pouparemos isso aos leitores.

    III

    O efectivo idealismo de Feuerbach vem luz do dia logo que chegamos sua filosofia da religio e tica. Ele no quer de modo nenhum abolir a religio,quer aperfeio-la [vollenden]. A prpria filosofia deve dissolver-se em religio.

    Os perodos da humanidade diferenciam-se apenas pelastransformaes religiosas. Um movimento histrico s vai atao fundo quando vai at ao corao do homem. O corao no uma forma da religio, de tal modo que ela tambm devesse es-tar no corao; a essncia da religio. (Citado por Starcke, p.168.)

    A religio , segundo Feuerbach, a relao de sentimento, a relao de co-

    rao, entre homem e homem, a qual, at aqui, procurava a sua verdade numaimagem especular fantstica da realidade na mediao de um ou de muitosdeuses, imagens especulares fantsticas de qualidade humanas , mas agora aencontra directamente e sem mediao no amor entre Eu e Tu. E, assim, emFeuerbach, o amor sexual torna-se finalmente, uma das supremas, se no a for-ma suprema de exerccio da sua nova religio.

    Ora, tm existido relaes de sentimento entre os homens [e] nomeada-mente tambm entre os dois sexos, desde que h o homem. O amor sexual, es-pecialmente, conheceu um desenvolvimento [Ausbildung] nos ltimos oitocen-tos anos e conquistou uma posio que, durante este tempo, fizeram dele o eixo

    obrigatrio de toda a poesia. As religies positivas existentes limitaram-se a dara mais alta consagrao regulao estatal do amor sexual, isto , legislaodo casamento, e amanh podem conjuntamente desaparecer sem que na prticado amor e da amizade se altere o mnimo que seja. De tal modo que a religiocrist tinha, de facto, desaparecido a tal ponto tambm em Frana, de 1793 a1798, que o prprio Napoleo no a pde introduzir de novo sem resistncia edificuldade; [e] sem que, contudo, durante esse intervalo, tenha surgido a neces-sidade de uma substituio no sentido de Feuerbach.

    Em Feuerbach, o idealismo consiste aqui em que ele no faz simplesmen-te valer a relao dos homens entre si repousando sobre a inclinao recproca,

    o amor sexual, a amizade, a compaixo, a abnegao, etc, tal como so em simesmos, sem referncia a uma religio particular pertencente, tambm para ele,

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    ao passado, mas afirma que eles s alcanam a sua plena validade quando selhes d uma consagrao superior sob o nome de religio. O principal, para ele,no que estas ligaes puramente humanas existam, mas que elas sejam

    apreendidas como a nova, verdadeira, religio. Elas s devem valer em pleno seforem religiosamente seladas. Religio vem de religare17 e quer originariamentedizer ligao. Por conseguinte, toda a ligao de dois homens uma religio.Semelhantes artifcios etimolgicos formam o ltimo expediente da filosofiaidealista. O que deve valer , no o que a palavra significa segundo odesenvolvimento histrico do seu uso real, mas o que deve significar segundo asua derivao. E, assim, o amor sexual e a ligao sexual so celestializadosnuma religio, para que a palavra religio, cara recordao idealista, nodesaparea da linguagem.

    Precisamente assim, falavam, nos anos quarenta, os reformistas de Paris

    da orientao de Louis Blanc, os quais, igualmente, s podiam representar[vorstellen] um homem sem religio como um monstro e nos diziam: Donc,l'athisme c'est votre religion!.18Se Feuerbach quer estabelecer a verdadeira re-ligio na base de uma viso da Natureza essencialmente materialista, isso querdizer apenas tanto como que ele [quer] apreender a qumica moderna como a

    verdadeira alquimia. Se a religio pode subsistir sem o seu deus, ento tambma alquimia o pode sem a sua pedra filosofal. Subsiste, de resto, um vnculo mui-to estreito entre alquimia e religio. A pedra filosofal tem muitas propriedadequase-divinas, e os alquimistas egipto-gregos dos primeiros dois sculos da nos-sa era meteram as mozinhas no aperfeioamento da doutrina crist, como os

    dados fornecidos por Kopp e Berthelot o demonstram.Decididamente falsa a afirmao de Feuerbach, segundo a qual os pe-

    rodos da humanidade se diferenciam apenas por transformaes religiosas.Grandes pontos de viragem histrica foram acompanhados por transfor-

    maes religiosas, na medida em que apenas entrem em considerao as trs re-ligies mundiais que at agora existiram: budismo, cristianismo, islo. As velhasreligies de tribo e de nao, que surgiram naturalmente, no eram propagan-distas e perderam todo o poder de resistncia logo que a autonomia de tribos e.povos foi quebrada; entre os germanos, bastou mesmo o simples contacto com oimprio mundial romano em declnio e a religio mundial crist, por ele recen-

    temente adoptada, adequada sua situao econmica, poltica e ideal [ideell].S nestas religies mundiais surgidas mais ou menos artificialmente, nomeada-mente, no cristianismo e no islo, verificamos que movimentos histricos maisgerais tomam um carcter religioso e, mesmo no domnio do cristianismo, o ca-rcter religioso limita-se, para revolues de real significao universal, aos pri-meiros estdios da luta de emancipao da burguesia, do sculo XIII ao sculoXVII, e no se explica, como Feuerbach opina, a partir do corao do homem eda sua necessidade de religio, mas a partir de toda a prvia histria medieval,que no conhecia outra forma de ideologia seno, precisamente, a religio e ateologia. Quando, porm, no sculo XVIII, a burguesia se fortaleceu o suficiente

    17 Em latim no texto: religar. (Nota da edio portuguesa.)18 Em francs no texto: Portanto, o atesmo a vossa religio! (Nota da edio portuguesa.)

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    para ter a sua prpria ideologia, adequada ao seu ponto de vista de classe, fez,ento, a sua grande e definitiva revoluo, a francesa, sob o apelo exclusivo aideias jurdicas e polticas e s se preocupou com a religio na medida em que

    ela lhe barrava o caminho; mas guardou-se de pr uma nova religio no lugar daantiga; sabido como Robespierre fracassou nisso.

    A possibilidade de uma sensao puramente humana no comrcio comoutros homens est-nos hoje em dia j bastante estragada pela sociedade funda-da na oposio de classes e na dominao de classe em que temos que nos movi-mentar: no temos nenhuma razo para a estragarmos ainda ns prprios celes-tializando essas sensaes numa religio. E, do mesmo modo, o entendimentodas grandes lutas de classes histricas -nos j suficientemente obscurecido pelahistoriografia corrente, nomeadamente na Alemanha, sem que ns tambm te-nhamos preciso de no-lo tornar completamente impossvel pela transformao

    desta histria de luta num mero apndice da histria da Igreja. Logo aqui semostra o quanto ns hoje nos afastmos de Feuerbach. As suas mais belas pas-sagens de celebrao desta nova religio do amor j no so mais legveis hoje.

    A nica religio que Feuerbach seriamente investiga o cristianismo, areligio mundial do ocidente, que est fundada no monotesmo. Ele demonstraque o deus cristo apenas o reflexo [Reflex] fantstico, a imagem especular[Spiegelbild] do homem. Ora, este deus ele prprio, porm, o produto de umlongo processo de abstraco, a quintessncia concentrada dos muitos deuses detribo e de nao anteriores. E, de um modo correspondente, o homem cuja ima-gem [Abbild] esse deus , tambm no um homem real, mas igualmente a

    quintessncia dos muitos homens reais, o homem abstracto, portanto, ele pr-prio de novo uma imagem de pensamento [Gedankenbild]. O mesmo Feuerbachque a cada pgina prega a sensibilidade, o mergulho no concreto, na realidade,torna-se de uma ponta outra abstracto assim que comea a falar de um comr-cio entre os homens mais amplo do que o mero comrcio sexual.

    Este comrcio s lhe oferece um lado: a moral. E aqui choca-nos de novoa espantosa pobreza de Feuerbach comparado com Hegel. [Hegel] cuja tica oudoutrina da eticidade [Sittlichkeit] a filosofia do direito e abrange: 1. o direitoabstracto, 2. a moralidade [Moralitt], 3. a eticidade [Sittlichkeit], sob a qual,por sua vez, esto reunidos: a famlia, a sociedade civil [brgerliche Gesells-

    chaft], o Estado. To idealista aqui a forma, quanto realista o contedo. Todoo domnio do direito, da( economia, da poltica, est aqui compreendido juntocom a moral. Em Feuerbach, precisamente o inverso. Segundo a forma, realis-ta, ele parte do homem; mas do mundo, onde esse homem vive, no se fala ab-solutamente nada e, assim, esse homem permanece sempre o mesmo homemabstracto que na filosofia da religio tinha a palavra. Esse homem, precisamen-te, no nasceu do corpo da me, eclodiu do deus das religies monotestas, porconseguinte, tambm no vive num mundo real urgido historicamente e histori-camente determinado; certo que em comrcio com outros homens, mas essesoutros so to abstractos quanto ele prprio. Na filosofia da religio ainda te-mos, contudo, homem e mulher, mas, na tica, tambm esta ltima diferenadesaparece. Sem dvida que, em Feuerbach, com longos intervalos, sobrevm

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    proposies como: Num palcio pensa-se de maneira diferente do que numacabana.19 Onde, perante a fome, perante a misria, no tens matrianenhuma no corpo, tambm a no tens na cabea, nos sentidos20 e [no] corao

    matria nenhuma para a moral. A poltica tem de se tornar a nossareligio21, etc.

    Mas Feuerbach no sabe absolutamente o que fazer com estas proposi-es, permanecem puras maneiras de dizer, e o prprio Starcke tem de admitirque a poltica era para Feuerbach uma fronteira intransponvel e que a doutri-na da sociedade, a sociologia, era para ele uma terra incgnita.22

    Face a Hegel, aparece igualmente cho no tratamento da oposio debem e mal. Cr-se que se diz algo de grande l-se em Hegel quando sediz: o lomem por natureza bom; mas esquece-se que se diz algo de ainda maiorcom as palavras: o homem por natureza mau. 23

    Em Hegel, o mal a forma em que a fora motriz do desenvolvimentohistrico se apresenta. E aqui reside, sem dvida, o duplo sentido de que, porum lado, cada novo progresso aparece necessariamente como um delito contraalgo de sagrado, como rebelio contra situaes velhas, moribundas, mas sacra-lizadas pelo hbito, e, por outro lado, o de que, desde o aparecimento das oposi-es de classes, so, precisamente, as piores paixes dos homens cupidez e de-sejo de domnio [Herrschsucht] que se tornaram alavancas do desenvolvi-mento histrico, das quais, por exemplo, a histria do feudalismo e da burguesiaso uma nica e contnua prova. Mas, a Feuerbach no ocorre investigar o papelhistrico do mal moral. A histria , para ele, em geral, um campo onde no se

    sente vontade, incmodo. Mesmo a sua sentena: O homem que originariamen-te surgiu da Natureza era apenas tambm um puro ser da Natureza, [no era] homemnenhum. O homem um produto do homem, da cultura, da histria24, mesmo estasentena permanece nele inteiramente infrutuosa.

    O que Feuerbach nos faz saber acerca da moral no pode, por isso, ser se-no extremamente magro. O impulso para a felicidade inato ao homem e temde formar, portanto, a base de toda a moral. Mas o impulso para a felicidade ex-perimenta uma dupla correco. Em primeiro lugar, pelas consequncias natu-rais das nossas aces: bebedeira segue-se a ressaca, aos excessos habituais a

    19 Cf. Feuerbach, Wider den Dualismus von Leib und Seele, Fleisch und Geist [Contra o Dua-lismo de Corpo e Alma, Carne e Espirito]. In:Smmtliche Werke, Bd. 2, Leipzig 1846. (Notada edio portuguesa.)

    20 Cf. Feuerbach,Noth meistert alle Gesetze und hebt sie auf[A Necessidade Domina Todas asLeis e Supera-as], edio citada de Karl Grn, Bd. 2. (Nota da edio portuguesa.)

    21 Cf. Feuerbach, Grundstze der Philosophie. Nothwendigkeit einer Vernderung [PrincpiosFundamentais da Filosofia. Necessidade de Uma Transformao], edio citada de KarlGrn, Bd. 1. (Nota da edio portuguesa.)

    22 Em latim no texto: terra desconhecida. (Nota da edio portuguesa.)23 Referncias e desenvolvimentos em torno desta mesma ideia podem encontrar-se, por ex-

    emplo, em: Hegel, Grundlinien der Philosophie des Rechts, 18 e 139, e Vorlesungen uberdie Philosophie der Religion [Lies sobre a Filosofia da Religio]. (Nota da edio portu-guesa.)

    24 Cf. Feuerbach, Fragmente zer Charateristik meines philosophischen Curriculum vitae[Fragmentos para a Caracterizao do Meu Currculo]. In:Smmtliche Werke, Bd. 2, Leipzig1846. (Nota da edio portuguesa.)

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    doena. Em segundo lugar, pelas suas consequncias sociais: se no respeitamoso mesmo impulso dos outros para a felicidade, eles defendem-se e perturbam onosso prprio impulso para a felicidade. Segue-se daqui que ns, para satisfazer

    o nosso impulso, temos de estar em condies de avaliar correctamente asconsequncias das nossas aces e temos, por outro lado, de fazer valer o igualdireito [Gleichberechtigung] dos outros ao respectivo impulso. Autolimitaoracional em relao a ns prprios e amor sempre de novo o amor! nocomrcio com os outros so, portanto, as regras fundamentais da moral deFeuerbach, das quais todas as outras derivam. E nem as mais espirituosasexposies de Feuerbach, nem os mais fortes elogios de Starcke, podemesconder a tenuidade e a chaneza deste par de proposies.

    O impulso para a felicidade satisfaz-se apenas muito excepcionalmente, ede modo nenhum para benefcio prprio e de outras pessoas, pela ocupao de

    um homem consigo mesmo. Requer, porm, ocupao com o mundo exterior,meios de satisfao, portanto, alimentao, um indivduo do outro sexo, livros,conversao, debates, actividade, objectos para uso e elaborao. A moral deFeuerbach ou pressupe que estes meios e objectos de satisfao esto dadossem mais a todo o homem, ou ento d-lhe apenas boas doutrinas inaplicveis;no vale, portanto, um caracol para as pessoas a quem esses meios faltam. E oprprio Feuerbach nos explica isto em palavras secas: Num palcio pensa-se demaneira diferente do que numa cabana.25Onde, perante a fome, perante a misria,no tens matria nenhuma no corpo, tambm a no tens na cabea, nos sentidos e [no]corao matria nenhuma para a moral.26

    Ficaro as coisas algo melhor com o igual direito do impulso dos outrospara a felicidade? Feuerbach estabelece esta reivindicao absolutamente, como

    vlida para todos os tempos e circunstncias. Mas desde quando que ela vale?Na Antiguidade, entre escravos e senhores, na Idade Mdia, entre servos e ba-res, tratava-se de igual direito do impulso para a felicidade? O impulso para afelicidade da classe oprimida no era ele sacrificado, sem cerimnia e de direi-to, ao da dominante? Sim, isso tambm era imoral, [dir-se-], mas agora oigual direito reconhecido. Reconhecido em palavras, desde que e visto que a

    burguesia, na sua luta contra a feudalidade e no desenvolvimento [Ausbildung]da produo capitalista, foi obrigada a abolir todos os privilgios de estado

    [stndisch], isto , pessoais, e a introduzir o igual direito jurdico da pessoa, pri-meiro, o de direito privado, depois tambm, gradualmente, o de direito pblico.Mas, o impulso para a felicidade no vive seno, em parte mnima, de direitosideais e, na maior parte, de meios materiais; e a produo capitalista cuida deque grande maioria das pessoas com igual direito apenas caiba o necessrio auma vida apertada, [e], portanto, mal respeita se [ que], em geral, [respeita] o igual direito do impulso da maioria para a felicidade melhor do que a escra-

    vatura ou a servido o fizeram. E est ela melhor no que concerne aos meios es-

    25 Cf. Feuerbach, Wider den Dualismus von Leib und Seele, Fleisch und Geist [Contra o Dua-

    lismo de Corpo e Alma, Carne e Espirito]. In:SmmtlicheWerke, Bd. 2, Leipzig 1846. (Notada edio portuguesa.)26 Ver 25 acima. (Nota da edio portuguesa.)

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    pirituais da felicidade, aos meios de cultura? No o prprio mestre-escola deSadowaN197 uma personagem mtica?

    Mais ainda. Segundo a teoria moral de Feuerbach, a Bolsa de valores o

    templo supremo da eticidade pressupondo apenas que se especula semprecorrectamente. Quando o meu impulso para a felicidade me leva Bolsa e l eupeso to correctamente as consequncias das minhas aces que elas s me tra-zem vantagem e nenhum prejuzo, isto , que eu ganho sempre, o preceito deFeuerbach cumprido. Por esse facto, eu tambm no interfiro com o igual im-pulso do outro para a liberdade, pois o outro foi Bolsa de to livre vontadequanto eu e, ao concluir o negcio de especulao comigo, seguiu tanto o seuimpulso para a felicidade quanto eu segui o meu. E, se ele perdeu o dinheirodele, a sua aco prova-se, precisamente por esse facto, como sendo no-tica[unsittlich], porque mal calculada, e, ao infligir-lhe eu o castigo merecido, posso

    mesmo inchar-me orgulhosamente como moderno Radamanto. O amor dominatambm na Bolsa, na medida em que ele no mera frase sentimental, pois cadaum encontra no outro a satisfao do seu impulso para a felicidade, e isso mes-mo o que o amor deve cumprir e como ele na prtica actua. E, se eu jogar comcorrecta previso das consequncias das minhas operaes, portanto, com su-cesso, cumprirei todas as reivindicaes mais rigorosas da moral de Feuerbach etornar-me-ei, ainda por cima, um homem rico. Por outras palavras, a moral deFeuerbach est talhada pela sociedade capitalista hodierna, por muito poucoque ele prprio o queira ou possa suspeitar.

    Mas o amor! Sim, o amor por toda a parte e sempre o deus mgico

    que, em Feuerbach, deve ajudar a ultrapassar todas as dificuldades da vida pr-tica e isto numa sociedade que est cindida em classes com interesses diame-tralmente contrapostos. Com isto, desapareceu, portanto, da [sua] filosofia o l-timo resto do seu carcter revolucionrio, e permanece apenas o velho refro:amai-vos uns aos outros, ca nos braos uns dos outros, sem diferena de sexo ede estado [Stand] o devaneio da reconciliao universal!

    Em suma. Passa-se com a teoria moral de Feuerbach o mesmo do quecom todas as suas predecessoras. Ela est talhada para todos os tempos, para to-dos os povos, para todas as situaes, e, precisamente por isso, ela nunca, nemem parte alguma, aplicvel e permanece, face ao mundo real, to impotente

    quanto o imperativo categrico de Kant. Na realidade, cada classe e mesmocada profisso tem a sua prpria moral e quebra-a onde o pode fazer impune-mente e o amor, que tudo deve unir, vem luz do dia em guerras, conflitos, pro-cessos, querelas domsticas, divrcios e a mxima explorao possvel de unspelos outros.

    Mas, como foi possvel que a poderosa impulso dada por Feuerbach te-nha acabado por ser to infrutuosa para ele prprio? Simplesmente pelo facto

    N197Expresso muito difundida na publicstica burguesa alem depois da vitoriados prussianosem Sadowa (ver nota 246), que encerrava a ideia de que a vitria da Prssia tora determina-da pelas vantagens do sistema prussiano de instruo pblica.

    [N246] Trata-se do combate decisivo da guerra austro-prussiana nas imediaes da cidade deKniggrtz (actualmente Hradec-Krlov, na Bomia), perto da aldeia de Sadowa, a 3 de Ju-lho de 1866. A batalha de Sadowa terminou com uma grande derrota das tropas austracas.

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    de que Feuerbach no conseguiu encontrar o caminho do reino das abstraces,mortalmente odiadas por ele prprio, para a realidade viva. Ele agarrou-se comfora Natureza e ao homem; mas, Natureza e homem permanecem, nele,

    meras palavras. Nem acerca da Natureza real, nem acerca do homem real, elenos sabe dizer algo de determinado. S se passa, porm, do homem abstracto deFeuerbach para os homens vivos reais, se se os considerar a agir na histria. Econtra isso se levanta Feuerbach e, por conseguinte, o ano de 1848, que ele nocompreendeu, significou para ele apenas o corte definitivo com o mundo real, oretiro para a solido. A culpa disto incumbe, uma vez mais, principalmente, scondies alems, que o deixaram definhar miseravelmente.

    Mas. o passo que Feuerbach no deu, tinha, todavia, de ser dado; o cultodo homem abstracto, que formava o cerne da nova religio de Feuerbach, tinhade ser substitudo pela cincia acerca dos homens reais e do seu desenvolvimen-

    to histrico. Este desenvolvimento ulterior do ponto de vista de Feuerbach paraalm de Feuerbach foi inaugurado, em 1845, por Marx naHeilige Familie.

    IV

    Strauss, Bauer, Stirner, Feuerbach, foram estes os prolongamentos da fi-losofia de Hegel, na medida em que no abandonaram o solo filosfico. Strauss,

    depois daLeben Jesu e daDogmatik27entregou-se apenas beletrstica filosfi-

    ca e histrico-eclesial la

    28

    Renan; Bauer s realizou alguma coisa no domnioda gnese do cristianismo, mas a [realizou] algo de significativo; Stirner perma-neceu uma curiosidade, mesmo depois de Baknine o ter amalgamado comProudhon e ter baptizado essa amlgama de anarquismo; s Feuerbach foisignificativo como filsofo. Mas, no s a filosofia a pretensa cincia da cincia[Wissenschaftswissenschaft] pairando acima de todas as cincias particulares,abarcando-as [zusammenfassend] permaneceu para ele um limite intranspo-nvel, uma coisa sagrada intocvel, como tambm, como filsofo, ele permane-ceu a meio caminho, foi, por baixo, materialista [e], por cima, idealista; no aca-

    bou com Hegel criticamente, atirou-o simplesmente para o lado como inutiliz-

    vel, enquanto ele prprio, face riqueza enciclopdica do sistema de Hegel, nochegou a nada de positivo, para alm de uma empolada religio do amor e deuma magra, impotente, moral.

    Da dissoluo da escola de Hegel saiu, porm, ainda uma outra orienta-o, a nica que realmente deu frutos e esta orientao liga-se essencialmenteao nome de Marx29.

    27 Cf. David Friedrich Strauss,Die christliche Glaubensiehre in ihrer geschichtlichen Entwic-klung und im Kampfe mit der modernen Wissenschaft [O Dogma Cristo no Seu Desenvol-vimento Histrico e em Luta com a Cincia Moderna]. Tbingen e Stuttgart, 1840-1841, Bd.1-2; a segunda parte da obra intitula-se, precisamente: Der materiale Inbegriff der christli-chen Glaubensiehre oder die eigentliche Dogmatik [O Agregado Material do Dogma Cristo

    ou a Dogmtica Propriamente Dita]. (Nota da edio portuguesa.)28 Em francs no texto: maneira de. (Nota da edio portuguesa.)29 Seja-me permitido aqui um esclarecimento pessoal. Recentemente aludiu-se por vrias ve-

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    A separao relativamente filosofia de Hegel resultou aqui tambm deum regresso ao ponto de vista materialista. Significa isto que se decidiu apreen-der o mundo real Natureza e histria tal como ele prprio se d a quem quer

    que se aproxime dele sem tretas idealistas preconcebidas; decidiu-se sacrificarimpiedosamente toda a treta idealista que no pudesse ser posta em consonn-cia com os factos apreendidos na sua conexo prpria (e no em qualquer [cone-xo] fantstica). E, em geral, no se chama materialismo a nada mais do queisto. S que era aqui que, pela primeira vez, se lidava realmente a srio com a vi-so materialista do mundo, [era aqui] que ela era consequentemente posta emexecuo pelo menos, nas suas linhas fundamentais a propsito de todos osdomnios do saber em questo.

    Hegel no foi simplesmente posto de lado; partiu-se, pelo contrrio, doseu lado revolucionrio acima desenvolvido, do mtodo dialctico. Mas, este

    mtodo, na sua forma hegeliana, era inutilizvel. Em Hegel, a dialctica o au-todesenvolvimento do conceito. O conceito absoluto no apenas est dado destea eternidade desconhece-se onde , como tambm a alma viva prpria detodo o mundo existente. Ele desenvolve-se para si prprio, atravs de todos osestdios preliminares [Vorstufen], que so amplamente tratados naLogik, e queesto todos contidos nele; depois, exterioriza-se, transformando-se em Natu-reza, onde ele, sem conscincia de si prprio, disfarado de necessidade natural,passa por um novo desenvolvimento e, por fim, volta de novo, no homem, au-toconscincia [Selbstbewusstsein]; esta autoconscincia elabora-se de novo nahistria, a partir do [estado] bruto, at finalmente o conceito absoluto voltar de

    novo completamente a si prprio na filosofia de Hegel. Em Hegel, o desenvolvi-mento dialctico que vem luz na Natureza e na histria isto , a conexo cau-sal do progredir do inferior para o superior que se impe atravs de todos osmovimentos em ziguezague e retrocessos momentneos , portanto, apenas odecalque do automovimento do conceito que se processa desde a eternidade,no se sabe onde, mas, em qualquer caso, independentemente de qualquer cre-

    bro humano pensante. Tratava-se de eliminar esta inverso [Verkehrung] ideo-lgica. Voltmos a apreender materialistamente os conceitos da nossa cabeacomo imagens [Abbilder] das coisas reais, em vez de [apreender] as coisas reaiscomo imagens deste ou daquele estdio do conceito absoluto. Com isto, reduziu-

    se a dialctica a cincia das leis universais do movimento, tanto do mundo exte-rior como do pensar humano duas sries de leis que, em substncia, so idn-ticas, mas que, na expresso, so diversas, na medida em que a cabea humana

    zes minha quota-parte nessa teoria e, portanto, eu no posso deixar de dizer aqui as pou-cas palavras que arrumam este ponto. Eu prprio no posso negar que, antes e durante a mi-nha colaborao de quarenta anos com Marx, tive uma certa quota-parte autnoma, tantona fundao como, nomeadamente, na elaborao da teoria. Mas, a maior parte dos pensa-mentos directores fundamentais, Particularmente no domnio econmico e histrico, e, es-pecialmente, a aguda formulao definitiva dela, pertencem a Marx. quilo com que eu con-tribu, tambm Marx podia quando muito, exceptuando alguns ramos especiais ter mui-to bem chegado sem mim. Ao que Marx realizou, eu no teria chegado. Marx estava mais

    acima, via mais longe, abarcava mais e mais rapidamente, do que todos ns, os outros. Marxera um gnio, ns, os outros, no mximo, talentos. Sem ele, a teoria no seria hoje, de longe,aquilo que . Ela tem, portanto, tambm com razo, o nome dele. (Nota de Engels.)

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    as pode aplicar com conscincia, enquanto elas, na Natureza e, at agoratambm, em grande parte, na histria humana, abrem passagem de maneirainconsciente, na forma da necessidade exterior, no meio de uma srie sem fim

    de aparentes casualidades. Mas, com isto, a prpria dialctica do conceitotornava-se apenas reflexo [Reflex] consciente do movimento dialctico domundo real, e, com isto, a dialctica de Hegel ficava de cabea para baixo[aufden Kopf], ou antes: de cabea para baixo em que estava, foi posta de novoem p [auf die Fsse]. E esta dialctica materialista, que era, de h anos, o nossomelhor meio de trabalho e a nossa arma mais afiada, foi, coisa notvel,descoberta de novo, no apenas por ns, mas, alm disso ainda,independentemente de ns e mesmo de Hegel, por um operrio alemo, JosefDietzgen.30

    Deste modo, porm, o lado revolucionrio da filosofia de Hegel foi reto-

    mado e, ao mesmo tempo, libertado dos seus enfeites idealistas que, em Hegel,tinham impedido o seu cumprimento consequente. O grande pensamento fun-damental de que o mundo no de apreender como um complexo de coisasprontas, mas como um complexo de processos, onde as coisas, aparentementeestveis, no passam menos do que as imagens de pensamento delas na nossacabea os conceitos por uma ininterrupta mudana do devir e do perecer, naqual, em toda a aparente casualidade, e apesar de todo o retrocesso moment-neo, se impe finalmente um desenvolvimento progressivo este grande pensa-mento fundamental transitou tanto, nomeadamente, desde Hegel, para a cons-cincia habitual que, nesta universalidade, j quase no encontra contradio.

    Mas, reconhec-lo em palavras e p-lo em execuo na realidade, em pormenor,em todo o domnio que venha a ser investigado, so duas coisas diferentes. Mas,se, na investigao, se partir sempre deste ponto de vista, a exigncia de solu-es definitivas e de verdades eternas acaba, de uma vez por todas; est-se sem-pre consciente da necessria limitao de todo o conhecimento adquirido, doseu condicionamento pelas circunstncias em que foi adquirido; mas tambmno se deixa mais que as invencveis oposies da velha metafsica, ainda e sem-pre em voga, entre verdadeiro e falso, bom e mau, idntico e diverso, necessrioe casual, se nos imponham; sabe-se que estas oposies s tm validade relativa,que aquilo que agora conhecido como verdadeiro tem igualmente o seu lado

    falso, oculto, que aparecer mais tarde, assim como aquilo que agora conheci-do como falso [tem] o seu lado verdadeiro, em virtude do qual, anteriormente,pode ter valido como verdadeiro; [sabe-se] que aquilo que afirmado como ne-cessrio composto de claras casualidades e que o pretensamente casual a for-ma atrs da qual a necessidade se esconde, etc.

    O velho mtodo de investigao e de pensamento que Hegel chamavametafsico, que se ocupava preferentemente com a investigao das coisas

    30 Ver Das Wesen der Kopfarbeit, von einem Handarbeiter*, Hamburg, Meissner. (Nota de En-gels.)

    * O ttulo completo da obra de Dietzgen, publicada em 1869, :Das Wesen der menschlichen

    Kopfarbeit. Dargestellt von einem Handarbeiter. Eine abermalige Kritik der reinen undpraktischen Vernunft[A Essncia do Trabalho Cerebral Humano. Exposta por Um OperrioManual. Uma Reiterada Crtica da Razo Pura e Prtica]. (Nota da edio portuguesa.)

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    como permanncias [Bestnde] fixas dadas e cujos restos ainda assombram for-temente a nossa cabea, teve, no seu tempo, uma grande justificao histrica.

    As coisas tinham de ser investigadas primeiro, antes de que os processos pudes-

    sem ser investigados. Tinha que se saber primeiro o que uma qualquer coisa era,antes de se se poder aperceber das transformaes que se processavam nela. Eassim aconteceu na cincia da Natureza. A velha Metafsica, que tomava as coi-sas como prontas, surgiu a partir de unia cincia da Natureza que investigava ascoisas mortas e vivas como prontas. Porm, quando essa investigao se esten-deu tanto que tornou possvel um progresso decisivo, a transio para a investi-gao sistemtica das mudanas nestas coisas que se processam na prpria Na-tureza, ento, tambm no domnio filosfico soou o dobre de finados pela velhametafsica. E, de facto, se a cincia da Natureza at ao fim do sculo passado foipredominantemente uma cincia colectora [sammelnde], foi uma cincia de coi-

    sas prontas, no nosso sculo, ela essencialmente cincia ordenadora [ordnen-de], cincia dos processos, da origem e do desenvolvimento dessas coisas e daconexo que liga esses processos naturais num grande todo. A fisiologia, que in-

    vestiga os processos no organismo vegetal e animal, a embriologia, que trata dodesenvolvimento do organismo singular do germe at maturidade, a geologia,que segue a formao gradual da superfcie terrestre, todas elas so filhas donosso sculo.

    Porm, antes de tudo, h trs grandes descobertas que fizeram avanar apassos de gigante o nosso conhecimento da conexo dos processos naturais: emprimeiro lugar, a descoberta da clula, como a unidade a partir de cuja multipli-

    cao e diferenciao se desenvolve todo o corpo vegetal e animal, de tal modoque, no apenas o desenvolvimento e o crescimento de todos os organismos su-periores reconhecido como processando-se segundo uma nica lei universal,como tambm na capacidade de mudana da clula est mostrado o caminhopelo qual os organismos podem mudar a sua espcie e, assim, percorrer um de-senvolvimento mais do que individual. Em segundo lugar, a transformao daenergia que nos mostrou todas as chamadas foras, que actuam antes do maisna Natureza anorgnica a fora mecnica e o seu complemento, a chamadaenergia potencial, calor, radiao (luz, ou calor radiante), electricidade, magne-tismo, energia qumica como diversas formas de manifestao [Erscheinungs-

    formen] do movimento universal que, em determinadas relaes de quantidadetransitam de uma a outra, de tal modo que, para a quantidade de uma que desa-parece volta a aparecer uma determinada quantidade de uma outra, e de talmodo que todo o movimento da Natureza se reduz a este incessante processo detransformao de uma forma noutra. Finalmente, a prova, desenvolvida comconexo, pela primeira vez, por Darwin, de que o efectivo de produtos orgnicosda Natureza que hoje nos rodeia, incluindo os homens, o resultado de um lon-go processo de desenvolvimento a partir de uns poucos germes unicelulares ori-ginrios e que estes, por sua vez, provieram do protoplasma ou albumina, surgi-dos por via qumica.

    Graas a estas trs grandes descobertas e aos restantes poderosos pro-gressos da cincia da Natureza chegmos agora ao ponto de grosso modo poder

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    demonstrar a conexo entre os processos na Natureza, no apenas nos domniosisolados, mas tambm dos domnios isolados entre si e de, assim, poder daruma imagem abarcante d conexo da Natureza, numa forma

    aproximativamente sistemtica, por meio dos factos fornecidos pela prpriacincia emprica da Natureza. Fornecer esta imagem de conjunto era,anteriormente, a tarefa da chamada filosofia da Natureza. S o podia fazer namedida em que substitua as conexes reais ainda desconhecidas por [conexes]ideais [ideelle], fantsticas, [na medida em que] completava os factos quefaltavam por imagens de pensamento, [na medida em que] preenchia lacunasreais na mera imaginao. Neste procedimento, teve muitos pensamentosgeniais, anteviu muitas descobertas ulteriores, mas tambm trouxe luz do diaconsiderveis contrassensos, como no podia deixar de ser. Hoje, que s preciso apreender dialecticamente isto , no sentido da sua conexo prpria

    os resultados da investigao da Natureza para chegar a um sistema daNatureza suficiente para o nosso tempo, [hoje] que o carcter dialctico destaconexo se impe s cabeas metafisicamente formadas dos naturalistas,mesmo contra a sua vontade, hoje, a filosofia da Natureza est definitivamenteposta de parte. Qualquer tentativa para o seu ressuscitamento no seria apenassuprflua, seria um retrocesso.

    Porm, aquilo que vale para a Natureza, que tambm a reconhecidocomo um processo histrico de desenvolvimento, vale tambm para a histriada sociedade em todos os seus ramos e para o conjunto [Gesamtheit] de todas ascincias que se ocupam de coisas humanas (e divinas). Tambm aqui a filosofia

    da histria, do direito, da religio, etc, consistiu em pr no lugar da conexo reala ser demonstrada nos acontecimentos uma [conexo] feita na cabea do filso-fo, de tal modo que a histria foi apreendida, no todo como nas suas partes sin-gulares, como a realizao gradual de Ideias, e, antes de mais, naturalmente,sempre s das ideias predilectas do prprio filsofo. De acordo com isto, a hist-ria trabalhava inconscientemente, mas com necessidade, Para um certo objecti-

    vo ideal [ideell], fixado de antemo, como, Por exemplo, em Hegel, para a reali-zao da sua Ideia absoluta e a orientao indemovvel para essa Ideia absolutaformava a conexo interna nos acontecimentos histricos. No lugar da conexoreal, ainda desconhecida, punha-se, assim, uma nova providncia misteriosa

    inconsciente ou chegando gradualmente conscincia. Aqui, totalmente comono domnio da Natureza, havia, portanto, que eliminar as conexes feitas artifi-cialmente, pelo achamento das reais; uma tarefa que finalmente vem a dar nodescobrir das leis universais do movimento que se impem na histria da socie-dade humana como dominantes.

    Ora, a histria do desenvolvimento da sociedade mostra-se, porm, numponto essencialmente diversa da da Natureza. Na Natureza na medida em quedeixemos fora de considerao a retroaco do homem sobre a Natureza hpuramente factores cegos, desprovidos de conscincia, que actuam uns sobre osoutros e em cujo jogo recproco a lei universal se faz valer. De tudo o que aconte-ce tanto das inmeras casualidades aparentes, que so visveis superfcie,como dos resultados finais, que demonstram a conformidade a leis no interior

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    destas casualidades , nada acontece como objectivo consciente querido. Emcontrapartida, na histria da sociedade, os agentes esto nitidamente dotadosde conscincia, so homens que agem com reflexo [berlegung] ou paixo, que

    trabalham para determinados objectivos; nada acontece sem propsito[Absicht] consciente, sem objectivo querido. Mas esta diferena, por muitoimportante que seja para a investigao histrica nomeadamente, de pocas eeventos singulares no altera em nada o facto de que o curso da histria regido por leis internas universais. Pois, tambm aqui, apesar dos objectivosconscientemente queridos de todos os indivduos, domina aparentemente superfcie, grosso modo, o acaso. S raramente acontece o querido; na maioriados casos, os mltiplos objectivos queridos entrecruzam-se e contradizem-se, ouesses mesmos objectivos so de antemo irrealizveis, ou os meios soinsuficientes. Assim, os choques das inmeras vontades individuais e aces

    individuais conduzem a um estado que totalmente anlogo ao que domina naNatureza desprovida de conscincia. Os objectivos das aces so queridos, masos resultados que realmente decorrem das aces no so queridos, ou. namedida em que primeiro parecem contudo corresponder ao objectivo querido,tm finalmente consequncias totalmente diferentes das queridas. Osacontecimentos histricos aparecem, assim, grosso modo, como que igualmentedominados pela casualidade. Mas, l onde, superfcie, o acaso conduz o seu

    jogo, ele est sempre dominado por leis internas ocultas, e trata-se apenas dedescobrir estas leis.

    Os homens fazem a sua histria, ocorra ela como ocorrer, perseguindo

    cada um os seus prprios objectivos queridos conscientes, e a resultante destasvrias vontades que agem em diversas direces e da sua influncia mltipla so-bre o mundo exterior que e, precisamente, a histria. Trata-se, portanto, tam-bm daquilo que muitos indivduos querem. A vontade determinada por pai-xo ou reflexo. Mas, as alavancas que, por sua vez, determinam a paixo oU areflexo so de espcie muito diversa. Em parte podem ser objectos exteriores,em parte, mbiles [Beweggrunde] ideais [ideelle], ambio, entusiasmo pela

    verdade e pela justia, dio pessoal, ou tambm puros caprichos individuais detoda a espcie. Mas, por um lado, vimos que as vrias vontades individuais acti-

    vas na histria, na maioria dos casos, produzem resultados totalmente diferen-

    tes dos queridos frequentes vezes, rotundamente os contrapostos e que, por-tanto, para o resultado conjunto, os seus mbiles so de subordinada significa-o. Por outro lado, pergunta-se ainda: que foras impulsionadoras esto, porsua vez, por detrs destes mbiles, que causas histricas tomam, na cabea dosagentes, a forma de tais mbiles?

    O velho materialismo nunca se ps esta questo. A sua concepo da his-tria na medida em que, em geral, ele tenha uma , portanto, tambm es-sencialmente pragmtica, ajuza tudo segundo os motivos da aco, divide oshomens que agem historicamente em nobres [de alma] e no-nobres e verifica,ento, em regra, que os nobres so os enganados e os no-nobres os vencedores;do que se segue, ento, para o velho materialismo, que do estudo da histria noresulta muito de edificante e, para ns, que, no domnio da histria, o velho ma-

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    terialismo se tornou infiel a si prprio, porque toma as foras motrizes ideais aactuantes como causas ltimas, em vez de investigar aquilo que est por detrsdelas, quais so as foras motrizes dessas foras motrizes. A inconsequncia no

    reside em que sejam reconhecidas foras motrizes ideais, mas em que, a partirdestas, no se regresse mais atrs s suas causas motoras. A filosofia da histria,em contrapartida, tal como, nomeadamente, representada por Hegel,reconhece que os mbiles ostensivos, e tambm os [mbiles] realmente activos,dos homens que agem historicamente de modo nenhum so as causas ltimasdos acontecimentos histricos, que por detrs destes mbiles esto outros pode-res motores, que h que investigar; mas ela procura esses poderes, no na pr-pria histria, importa-os antes de fora, da ideologia filosfica, para dentro dahistria. Em vez de explicar a histria da Grcia antiga a partir da sua conexoprpria, interna, Hegel afirma, por exemplo, simplesmente que ela no nada

    mais do que a elaborao das figuras da individualidade bela, a realizao daobra de arte como tal. A este propsito, ele diz muito de belo e de profundoacerca da Grcia antiga, mas isso no impede que ns hoje j no nos contente-mos com uma tal explicao, que uma mera maneira de dizer.

    Quando se trata, portanto, de investigar os poderes impulsionadores que consciente ou inconscientemente e, por certo, com muita frequncia, inconsci-entemente esto por detrs dos mbiles dos homens que agem historicamentee que constituem propriamente as foras motrizes ltimas da histria, no sepode tratar tanto dos mbiles dos indivduos, por mais eminentes que sejam,mas daqueles que pem em movimento grandes massas, povos inteiros e, em

    cada povo, por sua vez, classes inteiras de povo; e isto tambm, no momenta-neamente, para um jacto passageiro e um fogo de palha que rapidamente arde,mas para uma aco duradoura que desemboca numa grande transformaohistrica. Fundamentar as causas motrizes que aqui se reflectem clara ou obscu-ramente, imediatamente ou em forma ideolgica, mesmo em forma celestializa-da, na cabea das massas que agem e dos seus dirigentes os chamados grandeshomens como mbiles conscientes este o nico caminho que nos pode prna pista das leis que dominam na histria, tanto grosso modo como nos pero-dos e pases singulares. Tudo o que pe os homens em movimento tem de pas-sar pela cabea deles; mas que figura toma nessa cabea, depende muito das cir-

    cunstncias. Os operrios de modo nenhum se reconciliaram com a empresamaquinizada capitalista pelo facto de no mais fazerem as mquinas em boca-dos, como ainda [aconteceu] em 1848 no Reno.

    Mas, enquanto em todos os perodos anteriores a investigao destas cau-sas impulsionadoras da histria era quase i