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Linguagens em movimento Revista Diálogos Ano 1, n.º 1 2013 27 EMPRÉSTIMOS LINGUISTICOS DA LÍNGUA BRASILIERA DE SINAIS – LSB Anderson Simão DUARTE 18 Resumo: este trabalho tem como instrumento facilitador e norteador uma abordagem dialógica com o contexto sócio-histórico-cultural da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS/LSB desde o período imperial aos dias atuais. A pesquisa tem como arcabouço uma perspectiva dialógica à Bakhtin e Vygotsky resultado de pesquisas na constituição do material didático elaborado para o processo de aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais para ouvintes como segunda língua – L2 no decorrer da minha dissertação. Palavras-chave: Empréstimos Linguísticos. Interação. LIBRAS. PRÉSTAMOS LINGÜÍSTICOS DE LA LENGUA BRASILEÑA DE SEÑAS - LSB Resumen: este trabajo tiene como instrumento facilitador y guía de un enfoque dialógico con o contexto socio-histórico-cultural de la Lengua Brasileña de Señas – LIBRAS/LSB desde el periodo imperial a los días actuales. La pesquisa tiene como referencial teórico una perspectiva dialógica de Bakhtin y Vygostsky resultado de pesquisas en la constitución del material didáctico elaborado el proceso de aprendizaje de la Lengua Brasileña de Señas para oyentes como segunda lengua – L2 en el transcurrir de mi disertación. Palabras-clave: Préstamos Lingüísticos. Interacción. LIBRAS. 1. Primeiras palavras: Empréstimos linguísticos Após quase 100 anos de oralismo, em que a fala era a única forma de comunicação aceita para com as pessoas surdas, as línguas de sinais vêm conquistando gradativamente mais espaço na educação de surdos. As pesquisas linguísticas, que se iniciaram em 1960, com Stokoe, revelaram que as línguas de sinais são línguas naturais e, como tal, permitem a expressão de qualquer ideia. Por serem visoespaciais, elas fazem uso de recursos diferentes dos usados nas línguas orais; no entanto, apresentam organização formal nos mesmos níveis encontrados nas línguas faladas. (PEREIRA, 2011: 09). A Língua de Sinais, como quaisquer outras línguas, orais ou gestuais, perfaz o mesmo processo sócio-histórico, dinâmico e necessário, que constitui o arcabouço vivo de uma língua. As línguas existem desde sempre, pelo menos desde que o homem deixou de ser pré-histórico; mesmo assim, até mesmo no período pré-histórico o homem se comunicava por gestos expressivos – expressões faciais e/ou corporais - imitando os animais para defesa ou para caça, até mesmo pelos desenhos em rochas, madeiras e no 18 Doutorando REAMEC – Rede Amazônica em Educação em Ciências e Matemática. Universidade federal de Mato Grosso. Grupo de Estudos Rebak Sentidos.

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Linguagens em movimento Revista Diálogos Ano 1, n.º 1 2013

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EMPRÉSTIMOS LINGUISTICOS DA LÍNGUA BRASILIERA DE SINAIS – LSB

Anderson Simão DUARTE18 Resumo: este trabalho tem como instrumento facilitador e norteador uma abordagem dialógica com o contexto sócio-histórico-cultural da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS/LSB desde o período imperial aos dias atuais. A pesquisa tem como arcabouço uma perspectiva dialógica à Bakhtin e Vygotsky resultado de pesquisas na constituição do material didático elaborado para o processo de aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais para ouvintes como segunda língua – L2 no decorrer da minha dissertação. Palavras-chave: Empréstimos Linguísticos. Interação. LIBRAS. PRÉSTAMOS LINGÜÍSTICOS DE LA LENGUA BRASILEÑA DE SEÑAS - LSB

Resumen: este trabajo tiene como instrumento facilitador y guía de un enfoque dialógico con o contexto socio-histórico-cultural de la Lengua Brasileña de Señas – LIBRAS/LSB desde el periodo imperial a los días actuales. La pesquisa tiene como referencial teórico una perspectiva dialógica de Bakhtin y Vygostsky resultado de pesquisas en la constitución del material didáctico elaborado el proceso de aprendizaje de la Lengua Brasileña de Señas para oyentes como segunda lengua – L2 en el transcurrir de mi disertación. Palabras-clave: Préstamos Lingüísticos. Interacción. LIBRAS.

1. Primeiras palavras: Empréstimos linguísticos

Após quase 100 anos de oralismo, em que a fala era a única forma de comunicação aceita para com as pessoas surdas, as línguas de sinais vêm conquistando gradativamente mais espaço na educação de surdos. As pesquisas linguísticas, que se iniciaram em 1960, com Stokoe, revelaram que as línguas de sinais são línguas naturais e, como tal, permitem a expressão de qualquer ideia. Por serem visoespaciais, elas fazem uso de recursos diferentes dos usados nas línguas orais; no entanto, apresentam organização formal nos mesmos níveis encontrados nas línguas faladas. (PEREIRA, 2011: 09).

A Língua de Sinais, como quaisquer outras línguas, orais ou gestuais, perfaz o

mesmo processo sócio-histórico, dinâmico e necessário, que constitui o arcabouço vivo de

uma língua. As línguas existem desde sempre, pelo menos desde que o homem deixou de

ser pré-histórico; mesmo assim, até mesmo no período pré-histórico o homem se

comunicava por gestos expressivos – expressões faciais e/ou corporais - imitando os

animais para defesa ou para caça, até mesmo pelos desenhos em rochas, madeiras e no

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!18 Doutorando REAMEC – Rede Amazônica em Educação em Ciências e Matemática. Universidade federal de Mato Grosso. Grupo de Estudos Rebak Sentidos.

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próprio chão. Assim sendo, sua necessidade linguística é de tempos imemoriais, não se

limita somente aos tempos modernos.

Os empréstimos de que trataremos neste trabalho apontam para o fato de que a

constituição da LIBRAS ou LSB dialoga com outras línguas, relacionando-se no campo

morfológico e icônico, estruturas estas compactadas no espaço fonético, incluindo

principalmente os domínios semióticos.

Com os empréstimos lexicais da LIBRAS, desenvolveu-se o alfabeto manual, a

representação das Configurações de Mão que reproduzem o alfabeto da Língua

Portuguesa, constituindo assim a estrutura da DATILOLOGIA, também conhecida como

soletração digital. As funções deste recurso estrutural da língua se fazem necessárias para

a soletração de nomes próprios, palavras em destaque, explicar o significado de uma

palavra da qual não se conhece o sinal, ou para aguçar o sentido de uma determinada

palavra. Observemos os exemplos abaixo: COPO, SHOW e OI.

Figura n.º 01. Sinal “copo” em LSB. Fonte: o autor.

Figura n.º 02. Sinal “show” em LSB. Fonte: o autor.

Figura n.º 03. Sinal “oi” em LSB. Fonte: o autor.

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2. Língua Portuguesa e Língua Brasileira de Sinais: Ouvintes e Surdos

“Não temos nenhuma dificuldade em admitir que a arte da leitura labial com suas

reconhecidas limitações (...) será de grande utilidade para os outros surdos da mesma

classe, (...) assim como o alfabeto manual que o Pereire utiliza” (Strobel, 2008, pg. 76).

Estes empréstimos linguísticos também se referem ao morfema constituído com

referências na escrita da Língua Portuguesa, buscando um diálogo na representação

ortográfica, geralmente no primeiro fonema da respectiva palavra em português,

facilitando desta forma a interação cognitiva escrita/visual das línguas em questão. Esta

primeira letra é representada através do uso das Configurações de Mãos. Atente para os

exemplos abaixo representados: FUTURO com CM em “f” direcionada para frente,

representando o futuro; BIOLOGIA com CM em “b”; e RESTAURANTE com a CM em

“r” nos dois cantos da boca, simbolizando o ato de comer.

Figura n.º 04. Sinal “futuro”; “biologia” e “restaurante” em LSB. Fonte: o autor.

Estas Configurações de Mãos podem ser representadas também por um fonema

da Língua Portuguesa que esteja no meio ou no final da palavra/morfema, tendo como

mesmo propósito a interação entre as duas línguas, oral e espacial, e até mesmo

representações de incorporações de numerais, representando a intenção e o significado da

respectiva palavra. Como modelo, podemos explicitar: OBEDECER, com CM em “b”,

simbolizando o ato de bater continência a alguém; JORNAL, mão direita em “l”,

figurando a ação de abrir um jornal com movimento longo da mão direita;

MULTIPLICAÇÃO, com a representação do sinal da operação “x”; e SEMESTRE, que

mostra as duas mãos com CM em “6”, representando o ano letivo constituído por apenas

06 meses cada série.

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Figura n.º 05. Sinais “obedecer” e “jornal” em LSB. Fonte: o autor.

Figura n.º 06. Sinais “multiplicação” e “semestre” em LSB. Fonte: o autor.

Vejamos alguns exemplos de sinais constituídos por configurações de mãos

tendo como referências o alfabeto da Língua Portuguesa, formando assim morfemas com

fonemas representativos da língua oral. Podemos exemplificar com quatro palavras

distintas, a letra correspondente à configuração de mão está em destaque. São elas:

DICIONÁRIO, NETO, ADVOGADO e ROSA.

O sinal de DICIONÁRIO tem movimento da mão direita folheando um livro; o

sinal de NETO é representado tocando abaixo do queixo em decorrência do sinal de avô

também ter o mesmo ponto de contato representando a velhice; o sinal de ADVOGADO

tem configuração Manual em “d”, afastando-se do canto da boca de forma circular,

remetendo a ideia do falar sem parar. Já o sinal de ROSA com CM em “r” na face

simboliza a cor da pele.

Figura n.º 07. Sinais “dicionário” e “neto” em LSB. Fonte: o autor.

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Figura n.º 08. Sinais “advogado” e “rosa (cor)” em LSB. Fonte: o autor.

3. ICONICIDADE, ou seja, imagem: uma representação interacional com a Língua de Sinais

Segundo Vygotsky, “as reações verbais não podem ser estudadas de forma

exclusivamente fisiológicas: são manifestações especificamente sociais do organismo

humano” (PONZIO, 2008: 80).

Nas Língua de Sinais, por ser 100% constituída por imagens que dialogam

socialmente também com estruturas de imagens/imagéticas, cada morfema é visualmente

enunciado com o movimento, forma, modelo, ação e utilidade, tudo em consonância com

a necessidade de expressão. Estas imagens corroboram com o entendimento claro e

preciso dos sinais entre os comunicantes. Estas representações não são meramente

“mímicas”, pois estão estruturadas em conformidade com os cinco parâmetros da língua

(Configuração manual, Movimento, Direção, Ponto de Contato e Expressão

Corporal/Facial).

Podemos ilustrar com os sinais ÁRVORE, BARCO, CANETA e DIRIGIR,

abaixo relacionados e, em anexo a esta dissertação, traremos uma lista de palavras que

dialogam com o campo imagético. Todo e qualquer sinal comportará em consonância com

o enunciado concreto, ou seja com o contexto.

[...] o contexto será sempre uma arena onde diferentes valores se afrontam, engendrados nas diferentes posições sociais que ocupamos. O pensamento tornado ato é um pensamento valorado, um pensamento com entonação e que adquire, segundo a expressão de Bakhtin, a luz do valor‘ (AMORIM, 2003: 19).

Segundo Quadros (2008), estas representações correspondem às estruturas

icônicas da Língua de Sinais, estes sinais não se comunicam com nenhuma língua oral,

somente por imagens.

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Figura n.º 09. Sinais “árvore” e “barco” em LSB. Fonte: o autor.

Figura n.º 10. Sinais “caneta” e “carro” em LSB. Fonte: o autor.

4. Datilologia: recurso manual com as línguas orais.

A datilologia (soletração manual) é linear. Segue a estrutura oral-auditiva. É um recurso do qual se servem os usuários da língua de sinais para casos de empréstimos linguísticos vindo das línguas orais, constituindo-se de um alfabeto manual criado a partir de algumas configurações de mão(s) constituintes dos verdadeiros sinais. Às vezes, a datilologia é incorporada à estrutura própria dos sinais ou da língua perdendo seu caráter específico de soletração. (FERREIRA, 2010: 29)

Alguns morfemas da Língua Brasileira de Sinais interagem com a escrita da

Língua Portuguesa em sua totalidade ou de forma parcial, apenas com alguns fonemas,

todos representados pelo alfabeto manual através das configurações de mãos. As

estruturas lexicais na língua de sinais podem corresponder à soletração manual, formando

assim as estruturas lexicais periféricas da LIBRAS.

Tais soletrações são necessárias, pois muitos usuários escolhem por usar o

recurso da datilologia para tais palavras, como citamos: FAX, MARÇO, MAIO e SC, em

algumas regiões já existem sinais específicos, portanto, respeitamos a legitimação

regional dos sinais.

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As letras em destaque correspondem às soletrações rítmicas do alfabeto,

representando assim a palavra em língua de sinais. A soletração não é uma representação

única da Língua Portuguesa, e sim uma feição da escrita desta língua oral, sofrendo assim

uma incorporação linguística

Figura n.º 11. Sinal “fax” em LSB. Fonte: o autor.

Figura n.º 12. Sinal “março” em LSB. Fonte: o autor.

Figura n.º 13. Sinal “maio” em LSB. Fonte: o autor.

Figura n.º 14. Sinal “Santa Catarina” em LSB. Fonte: o autor.

O sinal do estado de SANTA CATARINA dialoga também com a referência

geográfica. O movimento da CM de “c” desloca-se de cima para baixo, remetendo a

imagem em direção ao sul do país.

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5. Língua Francesa de Sinais numa relação estreita com a Língua Brasileira de Sinais

Segundo Ponzio,

O signo não requer uma mera identificação, já que estabelece uma relação dialógica que comporta uma tomada de posição, uma atitude responsiva: o signo requer, além de identificação, o que Bakhtin chama de compreensão responsiva (2011, texto de circulação restrita).

O Prof. Eduard Huet, mestre e francês, chegou ao Brasil trazendo consigo

vocábulos/sinais da Língua Francesa de Sinais com o propósito de educar surdos na

cidade do Rio de Janeiro, então sede do império governado por D. Pedro II. A LIBRAS

tem mais raízes e estreita origem com a Língua Francesa de Sinais do que com qualquer

outra língua. O próprio sinal de “LIBRAS” tem origem na íntegra da “LSF”, pois ambos

têm a mesma constituição morfológica. A França foi e é o país que mais apoiou a Língua

de Sinais, mesmo em crises mundiais no campo da linguística, esteve sempre na defesa do

uso da Língua de Sinais.

Chamo sentido ao que é resposta a uma pergunta. O que não responde a nenhuma pergunta carece de sentido. [...] O sentido sempre responde a uma pergunta. O que não responde a nada parece-nos insensato, separa-se do diálogo. (BAKHTIN 1997[1929]: 386)

Vejamos aqui um pequeno exemplo de vocábulos provenientes da Língua

Francesa de Sinais, pesquisa realizada através do dicionário “La langue des signes”, de

1997. Exemplificamos alguns sinais, como: “ANO”, “SE” e “PERGUNTAR”. Como

podemos compreender, a configuração do sinal ANO em “a” refere-se à palavra année; e

o bater das mãos duas vezes corresponde a quantidade de “nn” na palavra francesa. Já o

sinal de SE remete a preposição de condição “se” em português, que em Francês temos

como tradução “si”; ainda o sinal de PERGUNTAR provém do francês “demander”,

configuração manual em “d”.

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Figura n. 15. À esquerda sinal “ano”. No centro sinal “se” e à direita sinal “perguntar” em LSB. Fonte: o autor.

6. Língua Americana e suas influências na Língua Brasileira de Sinais

(...) a palavra nova significa uma relação estabelecida entre um objeto e outro, e essa relação, dada a experiência, está sempre presente na origem de cada palavra.” E ainda “nenhuma palavra surge por acaso... (VYGOTSKY 19030: 232)

Os empréstimos linguísticos oriundos da Língua de Sinais Americana – ASL têm

contribuído de forma imensurável para a representação de morfemas na construção da

Língua Brasileira de Sinais. Nossos primeiros professores da Língua de Sinais têm origem

americana e francesa. Sabemos que a língua é dinâmica e acompanha as transformações e

adaptações sociais em conformidade com as necessidades de novos vocábulos e o desuso

de outros; porém, alguns sinais perduram com suas estruturas primordiais, outros sofrem

pequenas modificações em consonância com a cultura local, e outros são substituídos em

sua integridade, favorecendo assim a dinamicidade da própria língua.

Culturalmente, os sinais são moldados pelos seus usuários natos, e tais culturas

podem se adaptar a outras. Elucidamos isso através dos sinais das horas. Na América usa-

se a.m e p.m para antes do meio dia e após o meio dia, respectivamente; já no Brasil

usamos 24h; contudo, na Língua Brasileira de Sinais, adotamos as estruturas americanas

em 12h, com o sinal de “manhã” e “tarde” para antes e depois do meio dia,

respectivamente. Exemplo: “05h da tarde” e não 17h.

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Figura n.º 16. Sinal “05h da tarde” em LSB. Fonte: o autor.

Observamos também as palavras “I LOVE YOU”, “PERGUNTAR” e,

“IDADE”, sinais estes oriundos dos E.U.A, sem modificações nem adaptações do Brasil,

sinais oficializados e estruturados semanticamente, cujas estruturas morfológicas estão

conservadas até os dias atuais.

Uma pequena lista de palavras foi relacionada no anexo para que tenhamos

noções do quão amplo é o léxico dos empréstimos linguísticos da Língua Americana

oralizada e principalmente da Língua de Sinais Americana – ASL, levantamento feito

através do dicionário American Sign Language, de Martin L. A. Sternberg, Ed. D. e dos

filmes norte-americanos: “E seu nome é Jonas”, “A música e o silêncio”, “Black”,

“Filhos do Silêncio”, “Mr. Holland Adorável Professor” e “O Milagre de Anne Sulivan”.

Figura n.º 17. Sinais “I love you” e “idade” em LSB. Fonte: o autor. O sinal correspondente à frase “I LOVE YOU” buscou na sua íntegra estrutura

morfológica da língua inglesa, com configuração híbrida (junção de sinais) das letras “I,

L, Y”, iniciais da frase correspondente. Já o sinal de IDADE representa a palavra

“YEAR” em inglês, correspondente a “ano” em português, com configuração manual em

“y” na costela, dialogando com contexto histórico religioso do surgimento de Eva, mulher

de Adão, através das costelas, ou Davi e Golias com configurações em “D” com

movimento circular representando o atirar de pedra com uma funda e configuração

manual em “G” na testa norteando a pedra na testa do gigante, respectivamente.

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7. A língua antiga também se comunica com uma língua jovem

Lembremos L. Vygotsky (1926: 387), ao afirmar que o conhecimento de novos

signos se dá através da “(...) ampliação da experiência social e a aproximação do surdo-

mudo a formas normais de comportamento.” Portanto, entendemos que a linguagem se dá

na formação dos enunciadores “embebecidos” de vozes de outrem, será sempre um

espelho de outro enunciador.

Vamos neste momento, nos remeter a nossa Língua Mãe – o Latim, língua esta

mais viva que qualquer outra língua do mundo, por estar presente em nossos vocábulos de

forma estruturada e, sem dúvida, presente e muito importante ainda nos dias

contemporâneos. Retomando esta língua, clássica por origem, encontramos explicações

lógicas do porquê não usarmos/sinalizarmos na Língua de Sinais, por exemplo, artigos

tampouco os verbos de ligação. Mesmo não tendo mais nos dias atuais falantes natos da

Língua Latina Mãe, suas estruturas do campo da sintaxe permanecem ainda na língua

gestual.

Todavia, como pesquisadores, não poderíamos deixar de elucidar que não

encontramos em nenhuma obra tais relações, não localizamos pesquisas publicadas que se

referissem a essas semelhanças. Porém, como estudiosos da Língua de Sinais e algum

conhecimento da Língua Latina, observamos as semelhanças das relações dialógicas na

estrutura sintática de ambas as línguas, o que nos instiga a continuarmos nossas pesquisas

nesta estreita afinidade e/ou mera coincidência. Afinal, o sinal/palavra é ideológica,

este é o meu olhar.

[...] palavra 19 é produto ideológico vivo, funcionando em qualquer situação social, tornando-se signo ideológico porque acumula as entoações do diálogo vivo dos interlocutores com os valores sociais, concentrando em seu bojo as lentas modificações ocorridas na base da sociedade e, ao mesmo tempo, pressionando uma mudança nas estruturas estabelecidas. (BRAIT, 2005: 178).

Vejamos algumas frases em Latim, Português e Libras, observando as

declinações de cada língua e suas semelhanças linguísticas, frases retiradas do livro “Guia

prático de tradução latina”, de Tassilo Orpheu Spalding, 1969.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!19 Conforme já mencionado anteriormente, entendemos que o termo “palavra” em que a autora refere-se seja aplicado também ao termo “sinal” para a Língua Brasileira de Sinais.

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1. Latim: Puella cantat.

Português: A menina canta

2. Latim: Puer sedulus.

Português: O menino é estudioso.

3. Latim: Liber inops servo divite felicior.

Português: Um pobre livre é mais feliz que um servo rico.

4. Latim: Sol omnbus lucet

Português: O sol brilha para todos.

Observe que na frase de número 01, não há sinalização do artigo “a” na Língua

de Sinais, pois o gênero antes do pronome o justifica. Na frase 02, não há o artigo “o”,

pois o substantivo “menino” já representa o masculino. Também não há o verbo de

ligação “é”, pois, na Língua de Sinais o verbo “ser”, quando na função de verbo de

ligação, não é sinalizado. Logo, há total compreensão do enunciado sem as sinalizações

de tais estruturas gramaticais aplicadas à Língua Portuguesa.

Atentamos à frase de número 03. Não há sinalização do artigo indefinido “um”,

nem do verbo de ligação, logo, o verbo não possui função real; o “que”, por não se tratar

de um advérbio interrogativo, também não será traduzido para a Língua de Sinais; e a

preposição representada pelo sinal de “mais que” em Língua de Sinais, representa a

estrutura de comparação.

E, por fim, na frase de número 04, não há sinalização novamente do artigo “o” e

nem da preposição “para”, a qual sofre flexibilidade do verbo direcionado, fazendo com

que o brilho do sol se direcione a todos. A Língua Brasileira de Sinais em sua

complexidade linguistica e cultural é uma língua que contempla toda e qualquer

interação. Enunciados concretos ou abstratos com figuras de linguagens como as

metafóricas ou não. A LS como quaisquer outras línguas não é constituída de verbetes

nem tão pouco de sinais/palavras isoladas sem contextos. Portanto, toda e qualquer

língua só terá o signo ideológico constituído num dado enunciado, ou seja, num dado

contexto. A entonação expressiva é um traço constitutivo do enunciado. No sistema da

língua, isto é, fora do enunciado, ela não existe. [...] se uma palavra isolada é

pronunciada com entonação expressiva, já não é mais palavra, mas um enunciado

acabado. (BAKHTIN 2009 [1929]: 305)

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9. Considerações Finais

Agora que conhecemos um pouco mais a respeito da Língua Brasileira de Sinais,

iremos com isto desenvolver novas pesquisas e compartilhar nossas experiências

conhecendo alguns conceitos dos imortais: o filósofo russo Mikhail Bakhtin e o psicólogo

Lev Vygotsky. Tentaremos na relação com o “outro” redirecionar e dialogar com os

conceitos dos referidos teóricos às Línguas de Sinais numa perspectiva mundial, através

dos empréstimos linguísticos.

Qualquer língua traz marcas de contextos históricos, sociais, políticos ou

religiosos, dentre outras marcas socioculturais. A miscigenação de ideologias e

acontecimentos que ocorrem na sociedade logo acaba transformando-se, constituindo-se

ou destituindo-se em alguns sinais, “palavras”, em conformidade as necessidades ou não

de uso.

Obras citadas

AMORIM, A. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. São Paulo: Musa Editora, 2001.

BAKHTIN, M.; VOLOCHINO, V. N. [1929]. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2009.

BRAIT. B.; MELO, R. Enunciado/enunciado concreto/enunciação. In. BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.

FERREIRA, L. Por uma gramática Língua de Sinais. Rio de Janeiro; Tempo Brasileiro, 2010.

QUADROS, R. M. Língua Brasileira de Sinais: Estudos Linguísticos. Porto Alegre, Artmed, 2004.

STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora UFSC, 2008.

VYGOTSKY, L. S. [1926]. O problema do ensino e do desenvolvimento mental na idade escolar. In.: Psicologia Pedagógica. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

VYGOTSKY, L. S. [1930]. Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In.: COLE, M.; STEINER, J.; SCRIBNER, V. (orgs.). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Trad. de José Cipolla et al. São Paulo: Martins Fontes, 2008.