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ELABORAÇÃO DO MAPA DE FLUXO DE VALOR EM UMA EMPRESA DE TERMOPLÁSTICOS: A BASE PARA APLICAÇÃO DAS TÉCNICAS DO SISTEMA DE MANUFATURA ENXUTA Katia Kinochita (FATEC) [email protected] Joao Roberto Maiellaro (FATEC) [email protected] Joao Gilberto Mendes dos Reis (UFGD/UNIP) [email protected] Este artigo tem como objetivo apresentar uma das ferramentas da produção enxuta, chamada Mapeamento do Fluxo de Valor, que auxilia na visualização do fluxo da produção e no desenvolvimento de um fluxo de valor enxuto. Muitas empresas despreendem grande energia para determinar e implementar estratégias para eliminar desperdícios na produção, mas vêem-se frustradas por não alcançar seus objetivos - com uma ou outra vitória isolada, mas fracassados na melhoria do todo. Assim, como enxergar o valor e o desperdício, e definir os mapas do estado atual e futuro tangível? Para fundamentar o estudo, efetua-se uma revisão bibliográfica sobre o tema, concluindo com o relato do estudo de caso aplicado em uma empresa de transformação de termoplásticos, que opera em um mercado de grande competitividade, exigindo uma combinação de habilidades para manter a qualidade, flexibilidade, diversidade e baixos custos, mantidas as características da estratégia de competitividade da empresa. O ambiente de implementação é analisado, descritas as fases de mapeamento dos estados presente e futuro, expondo os processos que demandam de uma maior atenção na redução de desperdícios. Palavras-chaves: Mapeamento do Fluxo de Valor, Desperdícios, Produção Enxuta XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

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ELABORAÇÃO DO MAPA DE FLUXO DE

VALOR EM UMA EMPRESA DE

TERMOPLÁSTICOS: A BASE PARA

APLICAÇÃO DAS TÉCNICAS DO

SISTEMA DE MANUFATURA ENXUTA

Katia Kinochita (FATEC)

[email protected]

Joao Roberto Maiellaro (FATEC)

[email protected]

Joao Gilberto Mendes dos Reis (UFGD/UNIP)

[email protected]

Este artigo tem como objetivo apresentar uma das ferramentas da

produção enxuta, chamada Mapeamento do Fluxo de Valor, que

auxilia na visualização do fluxo da produção e no desenvolvimento de

um fluxo de valor enxuto. Muitas empresas despreendem grande

energia para determinar e implementar estratégias para eliminar

desperdícios na produção, mas vêem-se frustradas por não alcançar

seus objetivos - com uma ou outra vitória isolada, mas fracassados na

melhoria do todo. Assim, como enxergar o valor e o desperdício, e

definir os mapas do estado atual e futuro tangível? Para fundamentar

o estudo, efetua-se uma revisão bibliográfica sobre o tema, concluindo

com o relato do estudo de caso aplicado em uma empresa de

transformação de termoplásticos, que opera em um mercado de grande

competitividade, exigindo uma combinação de habilidades para manter

a qualidade, flexibilidade, diversidade e baixos custos, mantidas as

características da estratégia de competitividade da empresa. O

ambiente de implementação é analisado, descritas as fases de

mapeamento dos estados presente e futuro, expondo os processos que

demandam de uma maior atenção na redução de desperdícios.

Palavras-chaves: Mapeamento do Fluxo de Valor, Desperdícios,

Produção Enxuta

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

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1. Introdução

Muramatsu Rintaro (1997), da Faculdade de Ciência e Engenharia da Universidade de

Waseda, ao fazer a introdução do livro de Taiichi Ohno – O Sistema Toyota de Produção

(STP): além da produção em larga escala – confirma que este sistema, rebatizado de Produção

Enxuta, é um método revolucionário, que além de ter mostrado resultados, continuará

evoluindo no futuro e que suas teorias sozinhas não vão melhorar a qualidade ou

produtividade de uma empresa, mas incrementarão a criatividade de a imaginação de todos os

dirigentes que buscarem o seu entendimento e a posterior aplicação das mesmas dentro de

seus processos de produção.

Conforme Slack (2002), a filosofia da Produção Enxuta está fundamentada em fazer bem as

coisas simples, em fazê-las cada vez melhor e em eliminar todos os desperdícios em cada

passo da produção. O Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV) é uma ferramenta elementar no

processo de implantação do sistema de Produção Enxuta, pois muitas empresas desprendem

grande energia para determinar que estratégias devem seguir para atingir um objetivo, mas, na

maioria das vezes, desperdiçam esse esforço por não conseguir colocar em prática os planos

desenvolvidos. Diante deste fato, como criar um mapa para o fluxo de valor onde claramente

se possa enxergar o valor e o desperdício, e definir um mapa do estado futuro tangível?

Desta forma, o objetivo principal deste artigo é apresentar a ferramenta de MFV aplicada em

uma empresa de transformação de termoplásticos, fabricante de filtros de água para uso

doméstico. Com a visão do todo favorecida e propiciada pelo mapeamento, é possível

identificar os desperdícios do seu processo produtivo, reduzindo perdas. Para tanto foram

utilizados dois métodos de pesquisa, sendo o primeiro a revisão bibliográfica dos assuntos

pertinentes e em seguida o estudo de caso, a fim de observar seus resultados em uma situação

real.

Os esforços podem ser bem mais efetivos quando aplicados estrategicamente e de acordo com

a particularidade de cada processo, e a ferramenta do mapa do fluxo de valor será eficiente no

processo de enxergar o desperdício, desde que os princípios do pensamento enxuto sejam

considerados para originar fluxos de valor cada vez mais enxutos.

2. Mapeamento de Fluxo de Valor

A cadeia de valor é o conjunto de todas as ações específicas necessárias para se levar um

produto específico (seja ele um bem, um serviço, ou, cada vez mais, uma combinação dos

dois) a passar pelas três tarefas gerenciais críticas em qualquer negócio: concepção do

produto, transformação física e administração da venda (BORCHARDT, 2002). A

identificação destas ações permite conhecer a função de cada etapa e, muitas vezes, eliminar

aquelas que não contribuem com o valor do produto.

Segundo Womack e Jones (2004), da mesma forma que as atividades que não podem ser

medidas não podem ser adequadamente gerenciadas, as atividades usadas para criar um bem

ou serviço que não possam ser precisamente identificadas, analisadas e associadas,

igualmente não poderiam ser questionadas, melhoradas ou até eliminadas.

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A Operation Management Consulting Division (OMCD) da Toyota foi criada por Taiichi

Ohno para conduzir os principais projetos do STP e ensiná-lo na prática. Segundo Liker e

Meier (2007), Ohno queria uma ferramenta que representasse visualmente o fluxo de material

e de informação e que retirasse as pessoas da visão de processos individuais. Isso levou ao

que chamamos de Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV), traduzido do original Value

Stream Map (VSM), e que é denominado pela Toyota como “Diagrama de Fluxo de Material e

Informação”.

Fluxo de valor, segundo Rentes (2006), é o conjunto de atividades necessárias (agregando

valor ou não) para fazer a matéria-prima se transformar em produto acabado, sendo sinônimo

de Processo de Negócio (Business Process). O MFV é uma representação visual do fluxo de

valor de uma empresa inteira, mostrando o fluxo de informação, materiais e sistemas de

controle, propiciando um processo de análise para melhorar o sistema, identificando e

eliminando os desperdícios.

O MFV é uma ferramenta essencial para enxergar e entender o fluxo de material e de

informação, na medida em que o produto segue o fluxo de valor. Rother e Shook (1999)

apontam suas principais vantagens:

Ajuda a visualizar mais do que os processos individuais;

Ajuda a identificar o desperdício e suas fontes;

Fornece uma linguagem comum para tratar os processos de manufatura;

Facilita a tomada de decisões sobre o fluxo;

Aproxima conceitos e técnicas enxutas;

Forma uma base para o plano de implantação da Mentalidade Enxuta;

Apresenta a relação entre o fluxo de informação e o fluxo de material;

Descreve, em detalhes, qual é o caminho para a unidade produtiva operar em fluxo.

O MFV ajuda a visualizar redes de processos e a prever futuros fluxos de valor enxutos. A

ferramenta é essencial para enxergar o sistema, e para que o objetivo seja alcançado, Rother e

Shook (1999) aconselham seguir os passos:

Selecionar a família de produtos;

Determinar o gerente do fluxo;

Desenhar os estados atual e futuro;

Planejar e implementar o plano de ação.

Na Produção Enxuta, de acordo com Luz e Buiar (2004), é importante que o mapeamento

contemple tanto o fluxo de material, que é o mais visível, quanto o de informação, que diz

para cada processo o que fabricar. Cantidio (2009), afirma que o MFV faz com que se olhe

para a empresa não pelo ponto de vista de um visitante, um auditor ou um cliente, que circula

pelo processo verificando e conhecendo somente as etapas que agregam valor. O especialista

enxuto ou o responsável pela elaboração do mapa do fluxo de valor inicia a visita pelo fim,

começando pela porta de saída do produto, pois este é o ponto de vista do cliente, não

importando para onde irá o material, mas sim de onde ele vem.

Os especialistas enxutos, segundo Liker e Meier (2007), ao acompanharem o processo para o

mapeamento, estarão olhando para a operação sobre a perspectiva de fluxo de valor.

Processos individuais precisam ser estabilizados, mas a razão para isso é sustentar o fluxo

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necessário para dar aos clientes o que eles querem, na quantidade que desejam e quando

querem.

3. Elaboração do MFV: considerações e discussões

Para determinação do item a ser mapeado, foi feito um levantamento de produtos faturados no

trimestre de janeiro a março/2010. O produto de maior demanda foi o aqui denominado

“C/G/P”, esquematizado na Figura 1, representando, em média, 42,5% do faturamento total.

O estudo restringiu-se a análise de um dos componentes de maior criticidade deste produto no

processo produtivo, aqui chamado de “Recipiente B”.

tampa

recipiente B

vela cerâmica

aro

recipiente A

torneira

base Figura 1 – Filtro C/G/P

O gerente do fluxo nomeado, neste caso, é um colaborador que

atualmente tem atribuições como planejar, programar e

controlar a produção do setor de injeção de termoplásticos, supervisionar o estoque de

materiais semi-acabados e fazer o follow-up de compras.

Para um melhor entendimento do fluxo de valor, segue uma descrição do processo de

produção de uma unidade do produto final, do recebimento da matéria-prima básica à

expedição da mercadoria ao cliente final:

Recebimento e estocagem da matéria-prima;

Transporte da matéria-prima para preparação;

Pigmentação do polipropileno (efetuado no “pé da máquina” injetora);

Alimentação da injetora;

Injeção e extração da peça;

Resfriamento e rebarbagem da peça;

Check-list 100% da peça com padrão pré-estabelecido pela Qualidade, com segregação

para análise de não-conformidade na eventualidade de rejeição;

Embalagem em saco plástico ou caixa de uso interno em quantidades pré-determinadas

(dependendo do tipo de embalagem);

Identificação do lote através de etiqueta numerada, com nome do operador, data e hora do

encerramento do lote;

Estocagem no semi-acabado;

Transporte do semi-acabado para a montagem;

Furar o recipiente inferior;

Furar o recipiente superior e colar o encarte com fita adesiva;

Colocar a torneira com a borracha de vedação e rosca;

Apertar a torneira e colocar o manual de instruções;

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Colar a base no recipiente inferior com fita adesiva e encaixar o aro;

Colocar o recipiente superior e o kit vela;

Colocar a tampa e o aro, colar com fita adesiva;

Shrinkar a peça e passar no forno, ou vestir a rede e grampear (dependendo do requisito

do cliente: shrink ou redinha);

Check list por amostragem da Qualidade (que pode ser feito em qualquer etapa da

montagem), com parada imediata do fluxo para correção do problema;

Montar a caixa coletiva e embalar com 6 unidades;

Transporte do produto acabado para estoque;

Conferência e separação do pedido pelo Setor de Logística;

Expedição da mercadoria (carregamento do caminhão e entrega ao cliente final).

Nos processos isolados de injeção ou montagem não há estoques intermediários. Desta forma,

uma única caixa de processo foi utilizada no desenho do mapa, indicando que neste processo

o material está fluindo.

A matéria-prima principal utilizada na fabricação do item avaliado – “Recipiente B” - é o

polipropileno natural, e cada unidade produzida consome 166 grs. deste material. O material é

adquirido pelo Setor de Suprimentos, que recebe do Planejamento e Controle de Produção a

ordem de compra com a quantidade necessária para a produção, mantido um estoque de

segurança mínimo, controlado pelo sistema informatizado, reforçado pelo controle visual.

No que se refere ao tempo de trabalho, foi utilizada como base para o mapeamento a aferição

com os seguintes parâmetros:

20 dias úteis em um mês;

Três turnos de operação no setor de injeção de termoplásticos, cada qual com jornada de

44 horas semanais;

Um turno de operação no setor de montagem, com jornada de 44 horas semanais, com

hora extra se necessário;

Para a contagem do tempo de trabalho, paradas do processo não foram consideradas;

Um turno de operação nos setores de recebimento e expedição de mercadorias, com

jornada de 44 horas semanais.

O fluxo de informações do Setor de Planejamento e Controle de Produção e sua relação com o

processo, pode ser resumido pelos dados:

Recebe a previsão mensal do Departamento Comercial da empresa e procede alterações na

programação diária, conforme recebimento das confirmações dos pedidos do cliente, que é

dinâmica, podendo ser alterada várias vezes ao dia. Esta movimentação é alimentada no

sistema informatizado da empresa;

Emite previsão semanal para o Departamento de Suprimentos, via sistema;

O Departamento de Suprimentos adquire a matéria-prima através de confirmação de

entregas parciais da programação mensal por e-mail;

Emite programas diários para os processos de injeção e montagem;

Emite programação diária de expedição para o Setor de Logística.

Quanto à informação dos processos, eles ocorrem na seguinte ordem:

a) Setor de Injeção de Termoplásticos

Máquina injetora dedicada, utilizada exclusivamente na produção do item avaliado;

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Tempo de ciclo: 45 segundos;

Tempo de troca de cor: 15 minutos (de peça boa a peça boa);

Estoque observado: 15,8 dias de matéria-prima antes da transformação; 9.400

unidades do “Recipiente B” injetadas, rebarbadas e armazenadas em embalagem

coletiva de uso interno.

b) Setor de Montagem

Processo manual com 10 funcionários;

Processo de embalagem individual e coletiva com 2 funcionários;

Tempo de ciclo: 12 segundos;

Tempo de troca de produto na linha: 3 minutos;

Estoque observado: 9.400 unidades do “Recipiente B” antes da montagem; 4.200

unidades do produto final montado, embalado individual e coletivamente.

O Setor de Logística da empresa tem como função principal no mapeamento, a remoção de

peças do estoque de produtos acabados e o posicionamento destas para as entregas por

caminhão, baseando estas atividades nos faturamentos dos pedidos colocados pelo cliente,

disponibilizados no sistema informatizado da empresa e visualizados a qualquer momento

necessário, em tempo real. As entregas ao cliente são feitas diariamente e em vários

carregamentos distintos, salientando que o cliente aqui estudado compreende uma diversidade

de outros clientes, com lugares de entrega e despacho distintos. A meta da empresa é atender

a todos os pedidos em um prazo máximo de 7 (sete) dias corridos, intervalo contado da

chegada do pedido à expedição da mercadoria. O setor conta com um espaço físico reduzido

para entrada e carregamento, o que reduz a capacidade de expedição de mercadorias. O

espaço atual comporta apenas um caminhão por vez, e quando a carroceria possui capacidade

para mais de 50 metros cúbicos, o veículo tem que ser estacionado de maneira que apenas a

porta fique de frente para a expedição, e o trajeto de transporte é estendido, demandando de

mais tempo na operação e esforço físico.

A seguir, é apresentado, na figura 2, o mapa do estado atual da empresa.

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Figura 2 - Mapa do estado atual

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Rother e Shook (1999) observam que o objetivo do mapeamento do fluxo do valor é “destacar

as fontes de desperdícios e eliminá-las através da implementação de um fluxo de valor em um

“estado futuro” que pode tornar-se uma realidade em um curto período de tempo”.

Primeiramente foi determinado o takt time, baseado no tempo de trabalho disponível da

montagem, que é o processo mais próximo do cliente:

Takt da montagem = Tempo de trabalho disponível = 31.680 = 17 segundos

Demanda 1.900

O takt time é a “batida do coração” do sistema lean. É ele quem define o ritmo determinado

pelo cliente, e permite a identificação clara de atrasos, o que implica na necessidade de

respostas rápidas para corrigi-los. Neste caso, o tempo de trabalho disponível de 31.680

reflete as 44 horas semanais primeiramente convertidas em horas diárias e posteriormente em

segundos, não computados os tempos de parada da linha para troca de cor ou parada por

constatação de defeitos durante check-list da Qualidade, mas o número de referência definido

pelo cliente, o takt, não pode ser mudado pela empresa. A Figura 3 apresenta um resumo

gráfico dos tempos atuais totais dos ciclos para cada processo.

Figura 3 –Representação gráfica do tempo dos processos (em segundos)

O tempo de montagem específico do item analisado está abaixo do tempo requerido pelo

cliente, mas está muito próximo. Produzir mais do que a demanda requer aumento dos

estoques, o que não é o caso. Assim, o processo de montagem não será analisado neste

primeiro mapeamento. Entretanto, uma melhora no tempo de troca de produto na linha pode

ser efetiva: o tempo verificado no mapa atual é essencialmente gasto com a limpeza da mesa e

esteira de montagem, troca de ferramentas e puxada de estoque de itens na cor solicitada.

O tempo de injeção específico do item analisado está muito acima do tempo requerido pelo

cliente, o que significa que o ritmo imposto pelo tempo takt não está sendo atendido. Esta

diferença, na situação atual, é compensada pela utilização de 3 turnos da injeção. São 44 horas

semanais de cada um, o que resulta em 132 horas semanais, que corresponde a 475.200

segundos, e a demanda é de 9.500 peças semanais. Como o ciclo é de 45 segundos, o processo

de injeção consegue produzir 10.560 peças a cada semana, atendendo a demanda. Porém, há

Takt time

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de se considerar que o tempo de troca de cor na injeção está estimado em 15 minutos, o que

significa que a cada mudança de cor na máquina, 20 peças são subtraídas da produção.

Considerando que o processo de injeção tem a restrição da utilização do molde, o nível de

estoque formado entre a injeção e a montagem não pode ser melhorado neste momento. A

implantação do supermercado servirá apenas para o caso da diminuição da demanda,

evitando-se o acúmulo desnecessário de peças não requeridas pelo processo seguinte. Uma

melhora no ciclo de injeção é possível, mas uma análise em profundidade do processo é

essencial, e não será discutido neste artigo.

A escolha pela implantação de dois supermercados, um entre a injeção e montagem

(supermercado semi-acabado) e outro entre a montagem e a expedição (supermercado

acabado), foi a opção natural para a melhoria do fluxo dos materiais dentro do processo, uma

vez que a efetivação do sistema puxado se dará pela implantação destes supermercados, que

controlarão a produção dos processos anteriores. O supermercado é um estoque controlado e

calculado para que o cliente encontre sempre o que precisa e para que o fornecedor consiga

repor os itens retirados antes que os níveis mínimos de peças definidos sejam atingidos.

O ícone do supermercado aberto no lado esquerdo, de frente para o processo fornecedor,

significa que esse supermercado pertence ao processo de fornecimento e é usado para

programar aquele processo. No mapa desenhado, ambos os supermercados tem esta

característica, e deverão estar localizados próximos ao processo de fornecimento para ajudá-lo

a ter uma noção visual das necessidades e usos do cliente. O responsável pela movimentação

de material do processo “cliente” vai ao supermercado do fornecedor e retira o que precisa. A

necessidade de reabastecimento dos supermercados pode ser atendida com a implantação do

sistema de “duas gavetas”, o que significa que o processo fornecedor, ao verificar o

esvaziamento de uma gaveta, se veja obrigado a repô-la. O dimensionamento das gavetas

deverá ser calculado de acordo com a demanda do processo subseqüente, de maneira que o

tempo para se encher uma gaveta vazia nunca seja superior ao tempo de esvaziamento de

outra.

Mesmo considerando a informação do curto lead-time da entrega da matéria-prima utilizada

na produção do “Recipiente “B”, que é estimado em dois dias, a substituição do estoque

simples de matéria-prima por um estoque de segurança foi a opção após análise do mapa atual

e dos objetivos a serem alcançados. O estoque de segurança é usado como garantia contra

problemas como parada de máquinas, flutuação de demanda e possíveis restrições do mercado

fornecedor. Este estoque de segurança deverá ser utilizado apenas temporariamente, até que

se tenha uma noção clara das flutuações, e deverá ser ajustado conforme a programação da

produção: por este motivo, o ícone de “vá ver”, representado por um óculos, está sobre a

representação gráfica deste pulmão. Quanto maior a confiança no consumo e nas entregas,

menor será a necessidade do estoque de segurança.

O controle do nível do estoque de segurança será controlado através do uso de kanban de

sinalização, reforçado com a checagem visual dos níveis de estoque.

A empresa possui um mix de produtos muito grande: são aproximadamente 20 tipos de filtros

e suportes, e alcançam a marca de 100 se consideradas as variações de cor e tipos de elemento

filtrante. Na linha de montagem, é muito fácil optar por programar longas corridas de um

único produto e evitar mudanças, mas acaba por criar problemas no resto do fluxo de valor.

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Esta atitude dificulta o atendimento de pedidos que solicitam algo diferente do que está sendo

produzido, e o estoque de produtos acabados fica cheio de produtos ainda não solicitados pelo

cliente.

A opção apresentada no mapa do estado futuro é o nivelamento do mix de produtos, o que

significa distribuir a produção de diferentes produtos uniformemente durante um período de

tempo. Quanto mais se nivela o mix de produto no processo puxador, melhora a resposta às

diferentes solicitações dos clientes, com um menor lead-time, enquanto se mantém um

pequeno estoque de produtos acabados.

A pequena “folga” verificada na comparação do takt time da montagem permite este sacrifício

do processo, pois a recompensa será a eliminação de grandes quantidades de desperdício no

fluxo de valor (estoque desnecessário).

Para uma melhor visualização das implementações do estado futuro, no mapa desenhado

foram feitas divisões em dois “loops do fluxo de valor”, como segue:

a) Melhorias do Loop 1:

Implantação da gestão visual para controle de matéria-prima, através do uso de kanban

de sinal para disparo de compras através do sistema informatizado da empresa;

Implantação do supermercado de peças no semi-acabado e montagem, promovendo

assim a puxada pela montagem no setor de injeção, melhorando o fluxo de materiais

entre esses dois departamentos;

Kaizen, ou melhoria contínua, no tempo de ciclo da injeção do “Recipiente B”;

Kaizen, ou melhoria contínua, para redução no tempo de troca de cor na injeção do

“Recipiente B”;

b) Melhorias do Loop 2:

Plano de nivelamento de carga na montagem para a família do “Recipiente B”, de

acordo com o takt time calculado;

Implantação de sistema puxado, através da ativação do supermercado entre a

montagem e a expedição.

O mapa do estado futuro, conforme a Figura 4 a seguir, reflete as mudanças desejadas já

descritas, com a divisão em loopings de melhoria.

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Figura 4 - Mapa do estado futuro

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4. Considerações finais

O Mapeamento do Fluxo de Valor é considerado como uma ferramenta fundamental para a

implementação da produção enxuta, uma vez que ele define os parâmetros essenciais e

métodos simples de implantação.

Conforme apresentado neste artigo, foi possível perceber que os ganhos com a implementação

de atividades enxutas trarão uma melhoria significativa de produtividade, pois eliminarão os

estoques intermediários e reduzirão as peças em processo, considerados como grandes fontes

de desperdício. Nota-se que o mapa do estado futuro apresentou significativa expectativa de

eliminação de perdas no tempo de produção, apenas com a utilização de recursos como

implantação de supermercados e estoque de segurança, mesmo sem o aprofundamento em

ganhos de tempo nos processos (montagem e injeção).

De todo o caminho que o produto percorre para atendimento à solicitação do cliente, os

únicos processos que agregam valor são a montagem e a injeção, cujo tempo auferido é

desprendido na alteração da sua forma e estrutura. Os demais dividem-se naquelas

necessárias, mas que nada acrescentam de valor, e naquelas que não são necessárias, podendo

ser classificadas como “pura perda”.

As restrições apresentadas pelo setor de injeção não se restringem ao molde, pois a empresa

tem cerca de 30% de seus equipamentos obsoletos ou ultrapassados tecnologicamente,

demandando manutenções corretivas freqüentes. Os demais equipamentos são novos, mas a

freqüência de sua utilização impede uma manutenção preventiva adequada. Investimentos em

novas máquinas injetoras estão previstos para o próximo exercício fiscal, e a encomenda de

um novo molde do item avaliado já está na fase de aprovação do Conselho Administrativo: a

sugestão do autor para a elaboração de um novo mapeamento foi acatada e já está sendo

desenhado.

O setor de montagem é composto basicamente por mão de obra não especializada, e carece de

treinamento específico. Percebe-se que novas contratações são feitas no limite da necessidade,

movidas pelo aumento da demanda, o que impossibilita a abertura de uma “margem” para o

treinamento adequado. No entanto, recentes movimentos da alta direção quanto a

reestruturação da organização, inclusive com o advento das certificações de qualidade, devem

alterar favoravelmente este cenário.

O setor de expedição não possuía espaço físico suficiente para a carga simultânea de dois

caminhões, impedindo um lead-time adequado, gerando estoque de material acabado

desnecessário. Uma alternativa inicialmente sugerida de utilização de um espaço contíguo

(um galpão vizinho) demandaria de recurso financeiro para o aluguel, não disponível naquele

momento. No entanto, a remoção de uma árvore que ficava no meio de um espaço da própria

empresa foi feita durante a realização deste estudo de caso, de maneira que a restrição foi

eliminada, sugerindo que a questão do lead-time será superada.

A elaboração de um mapa de fluxo de valor onde possamos enxergar o valor e o desperdício,

definindo um mapa do estado futuro com objetivos tangíveis demonstrou-se simples na sua

execução, mas a coleta de dados, base para o mapa atual, requereu uma dedicação do gerente

do fluxo de valor, pois as informações fornecidas por terceiros eram, na maioria das vezes,

distorcidas da realidade constatada na caminhada pelo chão de fábrica.

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Foi possível também constatar que os resultados a serem alcançados em um espaço tão curto

de tempo, atestam a eficiência do Mapeamento do Fluxo de Valor e sua importância na

implantação do Sistema Toyota de Produção. A conclusão de um mapa do estado futuro não

deve ser encarado como o final de um trabalho, mas sim como o início de um processo de

melhoria contínua que certamente vai demandar novos estados futuros, cada vez melhores e

mais enxutos. Ao mapear um único item da empresa estudada, pode-se observar que, ao

remover as bases dos desperdícios de um ciclo, encontram-se outros desperdícios escondidos

no ciclo seguinte que podem ser eliminados.

Referências

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