UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CCT
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – ProPGeo
MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA
MARIA ADRIANA MARTINS DOS SANTOS
OS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS E AS DINÂMICAS
RECENTES DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: BAIRRO
PASSARÉ EM FORTALEZA-CE
FORTALEZA - CEARÁ
2015
MARIA ADRIANA MARTINS DOS SANTOS
OS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS E AS DINÂMICAS
RECENTES DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO: BAIRRO
PASSARÉ EM FORTALEZA-CE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-
Graduação em Geografia do Centro de Ciências e
Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de mestre em
Geografia. Área de Concentração: Estrutura Dinâmica do
Espaço Regional, Urbano e Rural.
Orientadora: Profª. Dra. Zenilde Baima Amora
Coorientador: Prof. Dr. José Meneleu Neto
FORTALEZA - CEARÁ
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
Santos, Maria Adriana Martins dos.
Os condomínios fechados horizontais e as dinâmicas
recentes da produção do espaço urbano: bairro Passaré em
Fortaleza-CE [recurso eletrônico] / Maria Adriana
Martins dos Santos. - 2015.
1 CD-ROM: il.; 4 ½ pol.
CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho
acadêmico com 187 folhas, acondicionado em caixa de DVD
Slim (19 x 14 cm x 7 mm).
Dissertação (mestrado acadêmico) –
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências e
Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Geografia,
Fortaleza, 2015.
Área de concentração: Estrutura Dinâmica do Espaço
Regional, Urbano e Rural.
Orientação: Prof.ª Dra. Zenilde Baima Amora.
Coorientação: Prof. Dr. José Meneleu Neto.
1. Condomínio Fechado Horizontal. 2. Passaré. 3.
Segregação Socioespacial. 4. Mercado Imobiliário. I.
Título.
Aos meus pais, José e Marlúcia,
pelo amor e pela confiança em mim depositados.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, que suportaram o distanciamento e me ajudaram a passar por
esta etapa, dando-me sempre todo o apoio que eu precisei.
Aos colegas de turma, pelo aprendizado em conjunto e pelas experiências
vividas. Foram dois anos de muito trabalho, mas também de encontros com
pessoas que ficarão para toda a vida.
Aos amigos Manoel Fernandes, Lídia Xavier, Sarah Bezerra, Claudia Grangeiro e
Alfredo Ferreira, pela força dada nos dias de desânimo.
Àqueles que auxiliaram na construção deste trabalho com contribuições nos
aspectos operacionais, técnicos, formais ou teóricos: Jefferson Sant’ana,
Fernando José, Lívia Magalhães, Luciana Freire, Jean Pierre, Edson Gomes,
Fábio Sobral e Eudes de Souza.
Aos colegas do Laboratório de Estudos Urbanos e da Cidade (LEURC), pelos
bons debates e pelas trocas de experiências.
Ao José Meneleu Neto, meu coorientador, pelos diálogos, fundamentais para o
meu avanço enquanto pessoa e profissional.
A Zenilde Baima Amora, minha orientadora, pelo acompanhamento e pela
confiança. Serei sempre grata pela oportunidade deste encontro, que me
possibilitou tantos aprendizados.
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo que esteriliza os braços [...]
(Carlos Drummond de Andrade)
Resumo
A partir da ideia de que o espaço é sociamente produzido e que a sociedade que o produz está marcada por profundas contradições e pela luta de classes, os temas que envolvem a desigualdade e a segregação ganham importância ímpar. Nesse sentido, nossa proposta constitui uma investigação acerca da (re)produção do espaço, gerada com a introdução dos condomínios fechados horizontais em Fortaleza. Em termos de recorte espacial, nosso esforço interpretativo parte do bairro Passaré, localizado na porção sul da Capital, por considerarmos a concentração e a diversidade desse formato residencial relevantes no quadro geral de ocorrência desses empreendimentos, na cidade. Consideramos os anos 2000 como década de expansão mais acentuada dos condomínios fechados horizontais em Fortaleza, reconhecendo, todavia, a necessidade de se buscar, em um processo histórico mais amplo, o sentido, em particular, desse fenômeno. Intentamos, portanto, compreender o sentido dessa nova dinâmica espacial. Para isso, propomo-nos montar um panorama explicativo dessa concentração, que permita reconhecer não só os aspectos particulares, mas também os nexos com os movimentos mais gerais de reprodução ampliada do capital e do espaço urbano fortalezense. Metodologicamente, a fase da pesquisa ocorreu pautada numa dupla abordagem, qualitativa e quantitativa, assim, foi importante, no momento da investigação, reunir informações geradas por fontes secundárias, conjugando-as às informações coletadas em campo. A fase da exposição aconteceu enquanto esforço de apresentação das contradições que produzem a realidade. Observamos que houve uma expansão do modelo nos setores sudoeste e sul da capital, chegando com bastante intensidade também nas cidades da Região Metropolitana de Fortaleza. No Passaré, os fatores relacionam-se: (a) a presença de terra urbanizada, como resultado da reserva especulativa que se beneficiou com os ganhos das lutas por moradia; (b) a posição privilegiada com o acesso a infraestruturas que facilitam o deslocamento para diversas áreas centrais da cidade; (c) a existência de elementos cênicos naturais, que se combinaram ao novo paradigma de qualidade de vida e que, portanto, incrementam os lucros dos investidores; (d) e a proximidade com uma das arenas da Copa do Mundo de Futebol, que representa a mudança no modelo de governança urbana onde se privilegia a produção de uma cidade voltada ao espetáculo. Sem isolarmos o fenômeno, podemos dizer que há uma forte relação entre essa expansão e o modelo político e econômico adotados desde a retomada da economia brasileira, nos anos 1990. Grosso modo, a concentração da propriedade privada, a especulação imobiliária, o apelo ao consumo, a desvalorização daquilo que é público, a insegurança, o anseio por distinção, a estabilização da economia, o avanço do crédito, a expansão da malha urbana e a necessidade de crescente valorização do capital são elementos explicativos centrais ao nosso objeto.
Palavras-chave: Condomínio Fechado Horizontal. Passaré. Segregação
Socioespacial. Mercado Imobiliário.
Abstract
From the idea that space is socially produced and society that produces it is marked by profound contradictions and class struggle, the issues involving inequality and socio-spatial segregation get a singular importance. In this sense, our proposal is a research about the (re) production of space, generated with the introduction of horizontal closed condominiums in Fortaleza. In terms of spatial area, our interpretive effort begins at Passaré neighborhood, located in the southern portion of the capital, because we consider concentration and diversity of those residential formats relevant in the overall occurrence of these projects in the city. We consider the 2000’s the decade of stronger expansion of horizontal closed condominiums in Fortaleza, however we also recognize the need to look at a broader historical process sense, specially of that phenomenon. We have the intention of understanding the meaning of this new spatial dynamics. In order to get that, we propose to set up an explanatory overview of this concentration that allows not only recognizing special aspects, but also the connections with the movements for the expanded reproduction of capital and urban areas of Fortaleza. Methodologically, the research is based on a dual approach, qualitative and quantitative. In the investigative phase, we gather information generated by secondary sources combining them to the information collected in the field. At the time of exposure, the effort was made to present the contradictions that produce reality. We observed that there was an expansion of the model in the southwestern and southern sectors of the capital, coming up with enough intensity also in the cities of Metropolitan Region of Fortaleza. In Passaré, factors relate to: (a) the presence of urbanized land as a result of speculative reservation that benefited from the gains of struggles for housing; (b) the privileged position with access to infrastructure that facilitate the shift to several central areas of the city; (c) the existence of natural scenic elements that have combined the new paradigm of life quality and, therefore, increased the investors’ profits; (d) and the proximity to Castelão, one of the arenas of Soccer World Cup in 2014, which represents the change in urban governance model where it favors the production of a city that gives too much importance to events. We can say that there is a strong relationship between that expansion and the political and economic model adopted since the resumption of the Brazilian economy in the 1990’s. In short, concentration of private property, real estate speculation, appeal for consumption, devaluation of what is public, insecurity, desire for distinction, stabilization of the economy, credit advancement, expansion of the urban mesh and the need for increasing capital appreciation are central explanatory elements to our object.
Keywords: Horizontal closed condominium. Passaré. Socio-spatial segregation.
Real estate market.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Enclaves fortificados por tipo.................................................. 29
Figura 2 - Marcos da expansão urbana de Fortaleza – 1818/1948......... 66
Figura 3 - Portaria do Alphaville Fortaleza.............................................. 83
Figura 4 - Rua interna do Alphaville Eusébio.......................................... 83
Figura 5 - Casa em construção no Alphaville Eusébio............................ 84
Figura 6 - Manutenção do paisagismo do Alphaville do Eusébio............ 84
Figura 7 - Número de imóveis residenciais à venda por bairros de Fortaleza – maio 2013............................................................
101
Figura 8 - Espaço utilizado para o lazer no Passaré............................... 105
Figura 9 - Imóveis caracterizados pelo setor imobiliário como alto padrão......................................................................................
108
Figura 10 - Sítio Passaré dividido em glebas e em lotes, anos 1960 – 1970..........................................................................................
115
Figura 11 - Habitação no Passaré.............................................................. 126
Figura 12 - Prédio do PAR construído no Passaré..................................... 132
Figura 13 - Áreas internas e externas do Residencial Sarah Kubitschek I, construído no final dos anos de 1990......................................
133
Figura 14 - Anúncio imobiliário referindo-se ao condomínio enquanto uma pequena cidade................................................................
134
Figura 15 - Outdoor que destaca obra da Copa do Mundo de Futebol FIFA 2014.................................................................................
137
Figura 16 - Anúncio do condomínio fechado Plaza Carmelle..................... 148
Figura 17 - Anúncio do empreendimento Reserva Passaré....................... 149
Figura 18 - Anúncio do empreendimento Montblanc localizado nas proximidades do Parque do Cocó............................................
153
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Taxa de urbanização brasileira................................................ 54
Gráfico 2 - Taxa de crescimento geométrico dos municípios da RMF – 2001-2011................................................................................
61
Gráfico 3 - Indústria da construção civil no Ceará – 2010-2011................ 61
Gráfico 4 - Taxa de crescimento populacional do bairro Passaré – 2000 à 2010......................................................................................
86
Gráfico 5 - Variação de preço por m² no Passaré – 2010 a 2013..........................................................................................
107
Gráfico 6 - Perfil residencial dos moradores do Passaré por tipo de domicílio – 2010.......................................................................
125
Gráfico 7 - Valor do rendimento nominal médio por tipo de domicílio no Passaré – 2010........................................................................
126
Gráfico 8 - Composição da população por classes de rendimento nominal per capita, Passaré – 2010.........................................
127
Gráfico 9 - Moradores por domicílio – 2000/2010...................................... 128
Gráfico 10 - População residente, no Passaré, por grupo de idade – 2000/2010.................................................................................
128
Gráfico 11 - Número de condomínios fechados horizontais no Passaré..... 129
Gráfico 12 - Número real de condomínios fechados horizontais no Passaré.....................................................................................
130
Gráfico 13 - Variação do preço do m² entre jan/2010 e mai/14................... 135
Gráfico 14 - Evolução dos preços de imóveis por bairro de Fortaleza – 2010/2014.................................................................................
135
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Complexo de condomínios e loteamentos fechados de RMF.. 77
Quadro 2 - Tipos de enclaves residenciais na RMF................................... 79
Quadro 3 - Principais lançamentos imobiliários no Passaré...................... 131
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Taxa de alfabetização das pessoas de 10 anos ou mais de idade (%) por bairro – Fortaleza/CE – 2010.............................
89
Mapa 2 - Rendimento nominal médio (R$) por bairro – Fortaleza/CE – 2010.........................................................................................
90
Mapa 3 - Existência de banheiro ou sanitário e esgotamento sanitário por bairro – Fortaleza/CE – 2010.............................................
91
Mapa 4 - Acesso ao local de trabalho em até uma hora..............................
94
Mapa 5 - Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) por bairro - Fortaleza/CE – 2010.......................................................................................
95
Mapa 6 - Localização do bairro Passaré no município de Fortaleza/CE. 103
Mapa 7 - Domicílios particulares permanentes por bairro – Fortaleza/CE – 2010.......................................................................................
124
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABECIP Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança
BACEN Banco Central
BNB Banco do Nordeste do Brasil
BNH Banco Nacional da Habitação
CBIC Câmara Brasileira da Indústria da Construção
CEF Caixa Econômica Federal
COOPERCON Cooperativa da Construção Civil
DBO Demanda Biológica de Oxigênio
EMLURB Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização
FAO Food and Agriculture Organization
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIEC Federação das Indústrias do Estado do Ceará
FIFA Fédération Internationale de Football Association
FIPE Fundação Instituto de Pesquisa Econômica
FMI Fundo Monetário Internacional
IBEU Índice de Bem-estar Urbano
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCT Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia
INPESCE Instituto de Pesquisa e Estatística do Secovi-CE
IPEC Instituto de Previdência do Estado do Ceará
IPECE
MST
Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONU Organização das Nações Unidas
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PAR Programa de Arrendamento Residencial
PDPFor Plano Diretor Participativo de Fortaleza
PIB Produto Interno Bruto
PMCMV Programa Minha Casa, Minha Vida
PMF Prefeitura Municipal de Fortaleza
PT Partido dos Trabalhadores
REGIC Regiões de Influência das Cidades
RMF Região Metropolitana de Fortaleza
SIA Associação da Indústria de Segurança
SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
SECOVI-CE Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais do Ceará
SEFAZ Secretaria da Fazenda
SEFIN Secretaria de Finanças de Fortaleza
SEINF
SEUMA
Secretaria Municipal de Infraestrutura
Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente
SFH Sistema Financeiro da Habitação
SINDUSCON-CE Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará
SM Salário Mínimo
SUDENE
UNE
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
União Nacional dos Estudantes
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................. 17
2 AS VOLTAS COM O TEMA............................................................. 28
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PALAVRAS USADAS.................... 28
2.2 DE LLEWELLYN PARK À ALPHAVILLE.......................................... 30
2.3
2.4
O CONTROLE DO ESPAÇO............................................................
SOBRE CONCEITOS FUNDAMENTAIS..........................................
36
44
3 FORTALEZA, PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO................... 53
3.1 MODERNO ATRASO BRASILEIRO................................................. 53
3.2 CRESCE A CIDADE, ERGUEM-SE OS MUROS............................. 59
3.3 A PERIFERIA VAI AO SHOPPING CENTER................................... 85
4 PASSARÉ, UM IDÍLIO AO MERCADO............................................ 102
4.1 PAISAGENS DIVERSAS.................................................................. 103
4.1.1 Terra como herança........................................................................ 109
4.1.2 Terra como conflito......................................................................... 116
4.1.3 Terra como mercadoria.................................................................. 124
4.2 O HOMEM ENCERRADO................................................................. 154
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 165
REFERÊNCIAS................................................................................. 169
APÊNDICES...................................................................................... 179
APÊNDICE A – GALERIA DE FOTOS.............................................. 178
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADA AOS
MORADORES DOS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS
DO PASSARÉ..................................................................................
182
ANEXOS............................................................................................ 184
ANEXO A – PROJETO DO LOTEAMENTO DO SÍTIO PASSARÉ... 184
ANEXO B – TRECHO DO RELATÓRIO DA VISITA PASTORAL
NO PASSARÉ...................................................................................
185
17
1 INTRODUÇÃO
Poderíamos iniciar nossa apresentação dizendo algo como: este trabalho
é sobre condomínios fechados, mas assim estaríamos omitindo nossas intenções. A
forma é importante, é verdade, mas não é o mais relevante, “acima” dela paira o seu
sentido, algumas vezes quase inalcançável. A resposta à questão dos condomínios
fechados poderia ocorrer como uma exposição de uma coleção de coisas ordenadas
numa forma lógica? Não, é provável que não seja isso!
Comecemos admitindo esta que talvez seja a maior dificuldade dos
iniciantes numa pesquisa: tratar com profundidade um tema. Por mais rico que ele
possa ser jamais será revelado sem os elementos mediadores necessários. Muitas
vezes se tateia milimetricamente por ele, sem, no entanto, sair da superfície. Há
sempre muito a se dizer, mas nem sempre com maturidade suficiente para fazê-lo
de modo mais completo. Cientes disso, mas sem desânimo, avancemos no
processo!
Quando iniciamos a pesquisa, na fase de mestrado, já havia todo um
alvoroço acerca de um “boom” imobiliário ocorrendo no Brasil, desde a segunda
metade da década de 2000, e era impossível tratar disso sem fazer qualquer
comparação com a crise americana de 2008. Mas nosso objeto não era a expansão
imobiliária como um todo, antes disso, partiríamos de um recorte mais preciso: os
condomínios fechados horizontais (aquelas casinhas enfileiradas, com belos jardins,
mas envoltas em muros não tão simpáticos, repletos de câmeras, guardas armados
e cercas elétricas). Isto, todavia, não tornavam menores as nossas inquietações, o
condomínio fechado carregava em si todo o resto – expansão imobiliária, distopia,
medo, propriedade privada, crescimento econômico, expansão urbana,
financeirização enfim... Era necessário eleger o que seria mais relevante para o
objeto em particular. E não só isso, era preciso eleger o que seríamos capazes de
dar conta em um curto período de desenvolvimento de uma dissertação.
Antes de seguirmos, vale ressaltar o que estamos chamando de
“produção”. Deixemos claro, estamos partindo de Marx. Nesse caso, é Lefebvre
(1999) quem elucida que, afastando-se da visão empobrecida ou empobrecedora de
Marx, a “produção” ocorre enquanto conceito amplo, que cobre não só os objetos
externos, mas também a própria imaginação.
18
Voltemos. Mas o que seria eleito como prioritário? A pista estaria no
nosso primeiro trabalho, realizado ainda na graduação. A relação entre inovações
financeiras e novidades imobiliárias compôs os argumentos sobre o tema naquela
fase da pesquisa. Como aspecto central, essa primeira incursão evidenciou que a
mudança no perfil habitacional dos trabalhadores aconteceu por meio de novidades
financeiras. O PMCMV abriu, em 2009, um mercado composto por 55,5%1 da
população brasileira, o que levou grandes empresas da construção civil a investirem
em mercadorias voltadas a esse segmento.
Naquele momento, fora evidente a dificuldade em capturar o significado
das transformações espaciais conectando-as a fatores políticos e econômicos. No
entanto, esse primeiro trabalho apontou para alguns dos elementos explicativos
relevantes os quais teríamos que dedicar atenção num próximo estágio de pesquisa.
O mais relevante deles era a conjuntura política, cola ligante dos fenômenos
espaciais, sociais e econômicos que eu viria a tratar. Ainda que com imensas
reservas, não havia forma de interpretar qualquer fenômeno recente sem
considerarmos os anos de política do Partido dos Trabalhadores (PT). O balanço era
fundamental! Aqui o fizemos, mas ainda assim de modo passageiro, sem maiores
imersões.
Do ponto de vista espacial, o crescimento urbano a partir dos anos 2000
impressiona. Em algumas áreas das cidades, especialmente nas já valorizadas, a
mudança na paisagem é espantosa devido à rapidez em que se processa. Nos
espaços mais densos das metrópoles, gruas projetam-se no horizonte erguendo
novos edifícios. Nas bordas da cidade, multiplicam-se condomínios e loteamentos
fechados pontilhando espaços de opulência em zonas até então destinadas às
camadas de menor poder aquisitivo. Esta é a parte visível do fenômeno. Os laços
que conjugam estes e outros processos são mais intrincados e difíceis de
compreender.
Nesse momento, apresentam-se todo o tipo de interpretação. Dos
economistas simpáticos ao governo que veem nas transformações sociais,
econômicas e espaciais mudanças profundas afirmando que existe hoje uma “nova
classe média”, aos críticos ferrenhos a qualquer política de cunho reformista, nesse
1 Tomamos como referência a faixa salarial média que compõe a chamada Classe C, Fonte: FGV, 2010 e
PNAD/IBGE, 2009.
19
caso, tanto a direita conservadora, quanto a esquerda radical. Há, nos dois
extremos, dificuldades em avaliar as contradições.
Apesar de tentador, não bastava reproduzir tudo que estava sendo
debatido nos altos patamares da academia e do campo político. Era necessário ter
clareza do que se estudaria para perceber no espaço como essas mudanças se
processam e quais as relações mais diretas com a produção (extensiva) dos
condomínios fechados.
Sem perder de vista essa conjuntura, o desafio era definir bem o
problema com os seus recortes espacial e temporal. De modo central, a questão era:
como se dá a (re)produção do/no espaço gerada com a introdução dos condomínios
fechados horizontais em Fortaleza? Envolvendo essa pergunta de partida: O que os
produz em termos políticos, econômicos e ideológicos? O que ele representa para a
cidade? O que há de novo nessa forma de realização do urbano?
Em termos de recorte espacial, o esforço interpretativo partiu do bairro
Passaré, localizado na porção sul da Capital cearense, escolha com base nos
critérios de concentração e diversidade do formato residencial em relação ao quadro
geral de ocorrência na cidade. Focamos nos anos que se seguem à década de 2000
devido à expansão mais acentuada dos condomínios fechados horizontais em
Fortaleza.
A partir daí uma série de mediações entre o geral e o particular foi
necessária. A escala reduzida em que se deu a pesquisa empírica mais direta2
demandou uma observação atenta acerca da história de formação socioterritorial do
bairro Passaré, trabalho novo a ser realizado. Mesmo considerando a dimensão de
totalidade, o risco em perder-se nas singularidades estava presente. Dito isso, nos
aproximemos do objeto em particular.
No final dos anos de 1990, o bairro Passaré recebeu seus primeiros
condomínios fechados horizontais. Até então, o extenso bairro mantinha,
principalmente a noroeste, diversas glebas e lotes numa aparente revelia ao
adensamento populacional dos bairros vizinhos.
A partir dos anos 2000, os condomínios fechados apresentaram uma
acentuada expansão nos setores de maior concentração de vazios urbanos na
2 Realizamos também pesquisa empírica na Região Metropolitana de Fortaleza, bem como nos setores sudeste
da Capital.
20
Capital (regiões sudeste e sul). Na sequência, expandiram-se também para
municípios vizinhos dados os custos elevados já encontrados em Fortaleza.
Assim, a intensificação na atuação do setor imobiliário no Passaré guarda
seu sentido junto a uma dinâmica de reorientação territorial do crescimento da
Metrópole fortalezense, com a expansão dos investimentos para os setores sudeste
e sul da cidade, num fenômeno que conjuga a valorização de novas áreas e
consolidação da verticalização das já abrangidas pelo mercado.
Com a elevação dos preços no mercado imobiliário e com a valorização
do Passaré, o bairro passou a atrair investimentos de grandes construtoras para os
seguimentos médios de renda, tornando mais flagrante as contradições espaciais
postas pelas desigualdades socioeconômicas. Os condomínios fechados horizontais
ratificam um processo de aprofundamento dessa segregação socioespacial da
Capital e a conjuga a novos termos, já que redefine o sentido da cidade no que se
refere à sua apropriação.
Nosso objetivo na realização da pesquisa foi compreender o sentido das
recentes dinâmicas de produção do espaço urbano dando enfoque à expansão dos
condomínios fechados horizontais, no bairro Passaré. Para isso nos propomos a
montar um panorama explicativo dessa concentração no Passaré que permitiu
reconhecer não só os aspectos particulares, mas também os nexos com os
movimentos mais gerais de reprodução ampliada do capital.
Em termos teórico-metodológicos, reafirmamos a centralidade em
desenvolver um estudo preocupado em entender o fenômeno pesquisado por sua
natureza, desse modo, ultrapassando o nível da aparência. Uma vez que a forma
não se explica por ela mesma é necessário conduzir-se por um método coerente
com o objetivo de ultrapassar o aspecto fenomênico do real.
Para Moraes e Costa (1999), há uma importância basilar no que se refere
à clareza do método para a pesquisa, pois “[...] é essa opção que define os
caminhos que tal empresa deverá trilhar, seus pressupostos, suas metas e seus
limites. A explicação da previsão assumida representa a garantia de coerência no
percurso” (p.29-30). Considerando o método como um pressuposto à pesquisa,
apontamos para o materialismo histórico, fundado por Karl Marx e assimilado por
21
outros autores basilares à nossa investigação3, como nosso fio condutor. Este
método se refere a uma visão do desenrolar da história que busca no modo de
produção a força motriz dos acontecimentos (BOTTOMORE, 1988).
Lefebvre (2009; pag.30) nos adverte que para o materialismo histórico
“[...] é conveniente distinguir entre o método da pesquisa e o método de exposição”.
Marx (2013) expõe que
A investigação tem de se apropriar da matéria [Stoff] em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento do real. Se isso é realizado com sucesso e se isso é realizado idealmente, o observador pode ter a impressão de se encontrar diante de uma construção a priori. (P.90).
Harvey (2013a), para explicar o método de investigação de Marx,
desenha conceitualmente uma espécie de pirâmide invertida. No primeiro vértice
estamos partindo do mais fenomênico, tal qual a realidade é experimentada, daí
seguimos por uma crítica rigorosa a fim de se chegar aos conceitos mais simples (e
também essenciais) que possam explicar o modo como a realidade funciona,
estamos agora na ponta inferior da pirâmide de onde voltamos à superfície
equipados com conceitos fundamentais que nos darão condições de interpretar os
fenômenos por sua natureza.
Vale ressaltar que esta teoria é construída sobre três grandes bases,
seriam elas: a teoria do valor, o método dialético e finalmente a perspectiva
revolucionária. Para José Paulo Netto (20134) estes pilares devem estar claros para
quem pretende enveredar pelos caminhos do materialismo histórico. Consideramos
que optar por uma análise com base em tal método, negando a perspectiva
revolucionária, significa abrir mão ou obscurecer o sentido político dado ao ato do
fazer intelectual.
Essa leitura de fundo marxista nos orienta a uma busca do entendimento
dos processos que possibilitaram a conformação do nosso objeto, integrando-o à
totalidade sem negar as suas particularidades. Esta última parte deve ser ressaltada
3 A exemplo, Henry Lefebvre, David Harvey e os autores brasileiros que partem desses teóricos como Ana Fani
e Adriano Botelho. 4 Fala proferida no "IV Seminário CETROS: Neodesenvolvimentismo, trabalho e questão social", evento
realizado no período de 29 a 31 de maio de 2013, no campus do Itaperi da Universidade Estadual do Ceará, na conferência de encerramento com o tema "Neodesenvolvimentismo, trabalho e questão social".
22
a fim de desmistificar as críticas que rondam o materialismo histórico o
caracterizando como generalista. Ora, não era preocupação de Marx ocupar-se com
recortes menores, ainda que o tenha feito em um ou outro momento para identificar
no real suas abstrações. Marx esteve, desde 1845 até sua morte, empenhado em
explicar os mecanismos que constituíam o capitalismo, todo o resto apareceria de
acordo com as necessidades de expor seus movimentos e engrenagens. O debate
acerca do Estado, por exemplo, ficou inacabado e ainda hoje nos perguntamos o
que ele teria dito naquele terceiro livro do O Capital. É natural, por uma questão
cronológica, que Marx também não tenha percebido todas as nuances do capital, e
se hoje nos deparamos quase que de maneira profética com aquilo que Marx
considerou como tendência do capital é porque este autor não realizou uma mera
descrição, congelada num tempo e espaço. O que ele fez, na verdade, foi entender
a natureza do capital, desvendando, em parte, as suas tendências e os seus limites.
Ainda do ponto de vista dos processos, consideramos o “le mort saisit le
vif!”, ou seja, a ideia de que herdamos invariavelmente todo tipo de miséria das mais
diversas escalas de tempo (MARX, 2013, p.79), portanto não seria possível
compreender a natureza dos fenômenos concretos sem considerar as permanências
imbricadas. Jogando com as palavras de Marx, o homem olha para o macaco e
entende a si próprio; para nós, geógrafos, as metrópoles poderiam olhar para os
primeiros movimentos de transfiguração da natureza pelas sociedades humanas
para fazer assim um longo percurso regressivo encontrando os elementos
privilegiados pela história. É claro que seria praticamente impossível, e certamente
desnecessário, para este trabalho realizar tal percurso, já que nosso recorte espaço
temporal é bastante restrito, ainda que possível somente por esse longo
desenvolvimento e inteligível apenas dentro de uma totalidade. Nesse sentido, o
essencial é reconhecer tal dimensão, pois, ainda que não a apresentemos, ela
estará pressuposta às nossas considerações, dando sentido a elas.
Se para Marx interessou o capital, e sua exposição iniciou-se pela
mercadoria para demonstrar que este é o nível mais fenomênico, para nós, o
fenômeno que interessa é um tipo particular de mercadoria, a casa (em conjunto
com a terra urbana). Esta encontrada num tempo e espaço específicos terá sua
forma e conteúdos particulares, os quais nos interessa desvendar.
As teorias do espaço, apoiadas no método de Marx, vão tratá-lo como
uma produção histórica, portanto, social. Apesar de Marx e Engels não terem
23
evidenciado a dimensão desta categoria e do seu poder elucidativo, eles ofereceram
uma importante base para o desenvolvimento posterior da ciência geográfica em sua
renovação ocorrida na segunda metade do século XX. É nessa forma de ver da
ciência geográfica que encontramos a consistência necessária para um esforço de
explicação do real. Sabemos, porém, que o caminho optado não é um dos mais
fáceis, já que implica em equalizar o trabalho intelectual à prática, o que talvez não
seja possível, fragilizando o método.
Quando dizemos que o que temos em mente é apresentar uma pesquisa
que demonstre como o fenômeno dos condomínios fechados horizontais se
desenrola no bairro Passaré, falamos também em coerência ao método e às teorias
que o seguem, que pretendemos encontrar o sentido desse fenômeno em meio a
processos amplos do modo de produção capitalista. Para que façamos isso ainda é
preciso ter clareza do ponto de vista de onde se estará abordado a realidade, nesse
caso, a partir de um olhar geográfico. Assim, temos que identificar também os
conceitos mais adequados para o tratamento do nosso objeto.
Mesmo sem desenvolvermos a discussão teórica, estará pressuposta a
(re) produção do espaço numa óptica lefebvriana, o que, portanto, combina-se ao
método anteriormente descrito. Do mesmo modo, estará pressuposta a teoria da
renda da terra a partir de Karl Marx, que, em nosso trabalho, toca-se por meio de
Ribeiro (1997).
Pensando o espaço enquanto síntese de múltiplas relações, buscamos
apoio nas análises de David Harvey que cumprirá o papel de nos dá suporte para o
debate do recente desenvolvimento capitalista.
Como estamos tratando de um tema ligado à habitação consideramos
importante debater a partir dos clássicos, como Friedrich Engels, sobre o assunto, já
definindo aí nossa visão pessimista para resolução da questão da habitação, bem
como a questão urbana, dentro do atual modo de produção.
Ao nos determos mais especificamente ao fenômeno dos condomínios
fechados horizontais chamamos para o debate Caldeira (2000), Bauman
(2003;2009), Davis (2009), Le Goix (2005), Sposito (2006;2013). Estes autores
ajudaram a confrontar o tema da segregação e da desigualdade juntamente com
Lojkine (1981), Santos (2008;2013) e Villaça(2001;2011).
Do ponto de vista estrutural, consideramos diferentes frentes de análises
– Branco (2008), Carcanholo (2010), Magalhães (2010), Oliveira (2013), Pochmann
24
(2012) e Sader (2007) - buscando manter uma coerência e uma autonomia
interpretativa em relação a esses autores.
Tendo em vista a escala metropolitana, buscamos amparo em trabalhos
que avançam na interpretação da produção do espaço de Fortaleza, tais como:
Amora e Souza (2012); Assis (2013); Barbosa (2009); Bento (2011); Costa (2005);
França (2011); Grangeiro (2012); Nogueira (2011); Silva (1992); Souza (2006); entre
outros.
Ainda que compreendidos os aspectos teóricos, a realização de uma boa
interpretação depende também de um bom levantamento de dados por meio de
fontes e mecanismos confiáveis. Assim, usamos na pesquisa uma dupla abordagem,
qualitativa (baseada principalmente na observação do bairro e no contato com os
seus moradores) e quantitativa (por meio de fontes secundárias), que, aplicadas às
bases levantadas na pesquisa, permitiram resultados mais precisos.
Nossos procedimentos operacionais compuseram:
O levantamento bibliográfico: pautado, grosso modo, em dois níveis. O
primeiro, acerca das questões mais gerais, permitiu a compreensão da
atual fase de desenvolvimento capitalista e da cultura engendrada por
esse modo de produção. Integrado a esse, o levantamento de uma
literatura mais específica, principalmente no plano de estudos locais ou
mais direcionados ao tema proposto. Estes movimentos interpretativos
implicam numa articulação entre o geral e o particular.
Entrevistas: direcionadas aos principais representantes do processo de
(re)produção do espaço, especialmente os ligados ao bairro Passaré.
São eles: moradores dos condomínios; moradores antigos do bairro;
família Girão; setor imobiliário; servidores públicos5. Optamos pelas
entrevistas abertas ou com questionários semiestruturados pela
flexibilidade na obtenção de informações.
A base documental: os documentos compõem registros de
loteamentos, ortofotos da cidade, programas de governo ligados à
habitação, planos diretores entre outros. O conhecimento das leis
municipais e federais também foi destacado, tanto pelo potencial de
5 A entrevista com os professores, gestores e funcionários da Escola II de Maio foi imprescindível, já que a
instituição foi sede da organização das lutas da comunidade.
25
estímulo ao mercado, como para a verificação das irregularidades
cometidas.
Mídia: as informações acerca do mercado imobiliário que circulam nas
diversas modalidades de mídia, como a internet, os jornais impressos e
televisivos e a própria propaganda são dados que não puderam ser
descartados. Por eles foi possível, entre outras possibilidades,
identificar o discurso e encontrar pistas sobre a sua natureza.
Dados secundários: fontes de acompanhamento do mercado
imobiliário, da evolução demográfica e urbana e da economia em geral.
Sendo as principais:
1) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), com os índices de:
Densidade demográfica; Média de moradores por domicílio ocupado; Renda;
Crescimento Populacional; Assentamentos subnormais; entre outros;
2) Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis do Ceará
(SECOVI-CE)/ Instituto de Pesquisas e Estatísticas (INPES), com índices de
valorização por localização e por tipologia dos empreendimentos;
3) Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), com o Índice FipeZap de
Preço de Imóveis Anunciados e com variáveis de preços por bairro;
4) Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (ABECIP),
com as variáveis de valores financiados e índices de rendimento de poupança;
5) Relatórios de programas de estímulo ao mercado imobiliário (ex. PMCMV), a partir
dos quais se pode avaliar o impacto dos investimentos públicos sobre o setor privado;
Alem desses: IPECE, CBIC, ABECIP, SINDUSCON-CE além dos órgãos da PMF.
Campo6: este passo foi a pedra angular da pesquisa, que permitiu
conhecer a realidade dos condomínios fechados na RMF, em especial,
no Passaré, de modo a identificar suas nuances.
6 É possível distinguir nossas atividades de campo em dois níveis, campo amplo e campo específico. O que
chamamos de campo amplo é, na verdade, o resultado dos esforços coletivos do Laboratório de Estudos Urbanos e da Cidade (LERC), que realiza sistematicamente atividades que visam percorrer os recortes empíricos das pesquisas de seus membros. Com essa atividade foi possível percorrer as áreas de maior concentração dos condomínios fechados, que compreendem a região sul e sudeste de Fortaleza em direção aos municípios do Eusébio e Aquiraz, sendo o primeiro município o principal concentrador de loteamentos fechados do Ceará. O campo amplo abriu a possibilidade de perceber as variedades de condomínios e loteamentos fechados ocorridos na Região Metropolitana de Fortaleza, além das mudanças na dinâmica do uso da terra devido à valorização e à expansão imobiliária. Campo específico compreendeu as atividades realizadas no Passaré combinando observação e entrevistas abertas e semiestruturadas, realizadas tanto nos momentos iniciais da pesquisa, com a elaboração do projeto, como nas fases de análise mais detalhadas, onde elementos qualitativos e quantitativos se conjugaram.
26
A pesquisa, todavia, envolveu muitas dificuldades, entre elas, o contato
com os moradores dos condomínios fechados. A insistência nem sempre fora
suficiente para conseguirmos alcançar nossos objetivos. Entrar nesses
empreendimentos necessitou invariavelmente de um contato interno, o que
impossibilitou, inclusive, que fizéssemos a pesquisa com todos os condomínios que
gostaríamos. Essa dificuldade em si foi tomada como um dado.
Por outro lado, pesquisa com os moradores dos conjuntos habitacionais,
com os antigos funcionários públicos do bairro e com a família Girão Brasil não foi
dificultada. A solicitude das pessoas, com gestos de confiança, ajudou bastante a
remontar parte da história do Passaré.
Apesar dos relatos de violência, sempre caminhamos sem maiores
perturbações pelos diferentes setores desse bairro. Nesses trajetos, quase derivas,
pudemos constatar as abruptas mudanças de “cenários” – a profunda pobreza das
casas construídas nas margens do rio contrastando com os belos projetos
paisagísticos dos condomínios para a classe média.
Ao longo dos quase dois anos de pesquisa, percebemos a velocidade das
mudanças naquela porção da cidade, novos prédios, restaurantes, centros
comerciais, academias de ginástica... tudo como um indicativo do aspecto qualitativo
assumido recentemente pelo bairro.
Os encontros com as pessoas fora do roteiro de nossa pesquisa foram
valiosos: uma conversa que ouvíamos em um boteco, uma discussão sobre política
nas calçadas, um comentário sobre o cotidiano do bairro durante o percurso do
ônibus... enfim, buscamos capturar as diversidade do bairro também por meio das
pessoas.
Organizado em três capítulos mais a conclusão, nosso trabalho procurou
identificar os nexos entre o fenômeno dos condomínios fechados no Passaré e o
quadro político e econômico mais geral.
No capítulo 1, As voltas com o Tema, quisemos proporcionar um
panorama do fenômeno, onde o condomínio fechado é apresentado através dos
vários debates que os tocam: expansão imobiliária, especulação, segregação,
crescimento da malha urbana, insegurança, controle, isolamento, desigualdade...
Deu-se assim como uma apreciação ampla, porém tópica. Do Llewelly Park ao
Alphaville, escavamos o sentido mais geral do formato residencial que se espalha
pelas cidades brasileiras.
27
No capítulo seguinte, Fortaleza, produção desigual do espaço,
procuramos debater a cidade dando atenção ao duplo processo
modernização/atraso, enquanto par dialético. Nessa etapa da exposição, realizamos
uma leitura da formação socioterritorial de Fortaleza a partir das suas desigualdades
e contradições, em especial naquilo que se refere à moradia. Destacamos as
transformações da Capital cearense com o objetivo de pensar o conjunto de
aspectos que produziram as condições para a expansão recente em direção ao eixo
sul da Metrópole.
No último capítulo - Passaré, um idílio ao mercado – aproximamo-nos do
nosso objeto empírico. Nessa etapa do trabalho, o quadro diverso que compunha o
Passaré foi apresentado por meio de uma periodização baseada nas formas
dominantes de apropriação daquele território. Na última fase desta periodização,
intitulada de Terra com mercadoria, debatemos temas como mudanças na estrutura
no modo de governança urbana; especulação imobiliária; e natureza - esta última
ganhou especial atenção devido ao seu papel enquanto signo destaque no discurso
do setor imobiliário. Encerramos com Considerações finais que elencaram os
avanços e os hiatos da pesquisa.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para os debates acerca da
cidade e do urbano – seja lançando elementos novos, seja deslocando o leitor para
uma reflexão instigante. Para nós, lançar-se na pesquisa significou um imenso
aprendizado baseado numa desconstrução/reconstrução contínua e que ao fim de
um processo formal não se encerra.
28
2 AS VOLTAS COM O TEMA
Neste capítulo, apresentamos de modo panorâmico o fenômeno dos
condomínios fechados horizontais a fim de pensá-lo conceitualmente. Para isso,
ressaltamos nos níveis escalares mais amplos conflitos e contradições que
envolvem a disseminação deste que se apresenta enquanto importante tendência
habitacional. Começamos pelos condomínios fechados horizontais e não pela
urbanização porque, dentro de uma leitura da totalidade, essa escala nos possibilita
as pistas para as suas determinações econômicas, políticas e ideológicas. Do objeto
visível, tentamos regredir ao processo evolutivo do fenômeno, incorporando os
debates acerca da esfera urbana.
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PALAVRAS USADAS
Envolvendo o que apresentamos aqui enquanto condomínios fechados
horizontais há uma multiplicidade de nomes, categorias, conceitos e figuras de
linguagem, por isso, precisamos fazer algumas considerações sobre as palavras que
usamos. Nossa escolha não significa um fechamento a outras interpretações,
apenas desejamos tornar a exposição mais clara.
Comecemos pelos condomínios fechados horizontais, essa forma se
refere ao formato habitacional composto por casas encerradas por muros e com
algum sistema de segurança com controle de entrada e saída de pessoas, podendo
para isso ter desde uma portaria a um sistema complexo de vigilância. Em algum
momento do texto pudemos nos referir a eles apenas como condomínios fechados.
Outro aspecto relevante é que o condomínio fechado horizontal é colocado no
mercado com suas unidades prontas. Esse elemento é importante para o
distinguirmos de outra tipologia, os loteamentos fechados. Como o nome sugere, os
loteamentos fechados são postos no mercado ainda enquanto partes de um
parcelamento de terra já urbanizada, mas sem unidades habitacionais prontas. Os
loteamentos fechados também possuem organização condominial e investem
pesado em componentes de segurança.
29
Tomamos como base a categoria7 desenvolvida por Caldeira (2000) dos
enclaves fortificados, que abrangem a produção de espaços residenciais, de
consumo, de lazer e de trabalho, que tenham como característica central a
propriedade privada para uso coletivo. Os enclaves fortificados são também
“fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes
arquitetônicos”, estando “[...] voltados para o interior” em contraposição à rua e
sendo “[...] controlados por guardas e sistemas de segurança” (CALDEIRA, 2000,
p.258-259). Baseados nessa categoria, propomos a noção de enclaves residenciais,
que abarcariam tanto os condomínios (verticais e horizontais) como os loteamentos
fechados. O esquema a seguir (Figura 1) busca tornar mais claro o que estamos
propondo.
Figura 1 – Enclaves fortificados por tipo
Fonte: Elaborado pela autora
Essa classificação põe como categoria mais geral o enclave fortificado, na
sequência, aparecem formatos destinados a usos diversos, mas com o aspecto
comum ligado ao espaço privado e monitorado. Aqui nos interessa principalmente
aquilo que chamamos de enclaves residenciais, em especial, os condomínios e os
loteamentos fechados, devido ao forte apelo ao idílico, com projetos que simulam
uma cidade “ideal” miniaturizada. Mais do que isso, as unidades que compõem os
enclaves residenciais se conectam pelo processo de reprodução e modo de vida,
articulados pelo sistema de transporte baseado no transporte individual.
7 Nesse caso, falamos em categoria no sentido de classificação e não no sentido filosófico.
30
Esclarecidos os termos, propomo-nos a escavar a origem desse modelo e
de suas implicações no urbano.
2.2 DE LLEWELLYN PARK À ALPHAVILLE
Há cerca de quatro décadas foi lançado o primeiro Alphaville no município
de Barueri, na Grande São Paulo8. Este empreendimento foi a ponta da lança do
que viria em seguida em termos habitacionais. Duas décadas após o lançamento, o
padrão que envolve a construção de casas dentro de espaços protegidos por muros
e vigilância é expandido e diversificado, no Brasil.
A abrupta descontinuidade territorial promovida por esses enclaves
residenciais e a agressividade como a linha divisória entre o público e o privado são
impostas e põem o fenômeno como um novo nível de segregação socioespacial.
Não é possível igualar simplesmente os velhos bairros da burguesia a essa tipologia,
relacionando-os apenas à concentração da propriedade e à renda fundiária, ainda
que estes continuem sendo os aspectos centrais para a compreensão do problema.
No Brasil, há uma ampla variedade desses enclaves residenciais e
delineá-los conceitualmente de modo mais preciso é tarefa escorregadia devido à
marcha rápida e voraz do mercado imobiliário nacional. Desde os anos 1990, as
empresas do setor mobiliário têm investido pesado na consolidação desse padrão
habitacional por meio da promessa de um novo “estilo de vida”.
A princípio, essa promessa foi feita para os mais ricos e isso esteve
relacionado ao contexto de crise nas décadas perdidas, 1980 e 1990. É o que
explica Santos (2006), ao dizer que esse setor “optou por projetos visando
conquistar um segmento de alto padrão, não afetado pela crise econômica, que
começa a se desenhar com o chamado ‘milagre econômico’” (p.80).
As propagandas dos loteamentos fechados sempre ressaltaram: o poder
aquisitivo, a qualidade de vida, a elegância e a distinção social. A forma mercadoria,
casa inserida num condomínio fechado promete o retorno a um tempo idílico, mas
sob uma leitura essencialmente burguesa, o que também envolve a corrosão das
relações com os espaços públicos e abertos das cidades.
8 Empreendimento composto por loteamentos fechados para um mercado habitacional de alto padrão.
31
Este conceito de empreendimento residencial que antes atendia apenas
ao segmento de maior poder aquisitivo foi expandido também à população de
ganhos salariais médios, mercado que possibilitou uma expansão significativa,
principalmente dos condomínios fechados horizontais.
Esse aspecto nos remete a Gottdiener (2010) que relata um fenômeno
ocorrido nos Estados Unidos do pós-Segunda Guerra Mundial. Ele narra que, em
1946, trezentos acres de terra a trinta quilômetros do centro de Manhattan foram
comprados pela Levitt and Sons que construiu milhares de casas do tipo Cape Cod9.
Gottdiener (2010, p.11) comenta que, “ao contrário das casas exurbanas dos
‘burocratas’ que precederam essa forma de empreendimento”, o padrão de casas
simétricas e simples ao estilo colonial da Nova Inglaterra foi destinado a um
mercado até então ainda não explorado, aos veteranos recém-chegados de guerra,
que contavam naquele momento com subsídios do governo para a compra e
financiamento de casas.
De acordo com Gottdiener (2010), a procura por esse tipo de habitação foi
intensa e, em pouco tempo, os imóveis sofreram uma valorização significativa. O
modelo se tornou próspero e levou a empresa a implantá-lo em outros lugares.
Apesar desse fenômeno não corresponder ao nosso objeto, ele nos ajuda a
compreender um dos fatores que o tornou tão popular, pois, de modo semelhante ao
dos Estados Unidos, com o caso das casas exurbanas, a mudança de padrão
construtivo, as facilidades de acesso ao crédito e, principalmente, o potencial de
mercado fizeram com que, no Brasil, os condomínios fechados, horizontais e
verticais, também sofressem expansão.
A inspiração para os condomínios fechados encontra-se, provavelmente,
no subúrbio romântico e utópico de Llewellyn Park, fundado em meados do século
XIX por Llewellyn Salomão Haskell, nos EUA (LE GOIX, 2005). Aí, todavia, teremos
uma oposição ao caráter distópico encontrado nos atuais modelos. Mas para além
dessa questão, o Llewellyn Park introduz vários dos elementos de destaque do
conceito atual de condomínios fechados, tais como: a governança privada, a
regulamentação da propriedade (através de cláusulas restritivas) e a garantia de
exclusividade do lugar (LE GOIX, 2005).
9 Estilo de casas coloniais comuns na região da Nova Inglaterra nos EUA. O estilo caracterizava-se pelo uso de
madeira e pelo desenho simples e simétrico, sem varanda, com várias janelas e telhado íngreme.
32
Le Goix (2005) esclarece que, em contraste à relativa antiguidade dos
condomínios fechados, a dimensão da segurança é coisa recente enquanto
elemento que estrutura essa morfologia residencial, o que nos permite falar em
novidade em relação aos enclaves residenciais. O mesmo autor, acerca dessa
introdução da segurança privada, também argumenta que
Face à une violence réelle et perçue dans les grandes villes, les aménageurs et les autorités ont été de plus en plus confrontées au désir des résidants de limiter, de segmenter, de séparer les espaces, au nom de la sécurité. Les gated communities, au même titre que la sécurisation des centres commerciaux par des sociétés de gardiennage, sont également le reflet d’une défiance vis-à-vis des autorités publiques pour prendre en charge la sécurité des biens et des personnes. Cette défiance a bien été démontrée pour les développements fermés et sécurisés qui se développent dans les pays en voie de développement, où les propriétaires préfèrent faire appel à des services privés pour garantir leur sécurité, comme en Argentine ou au Brésil (CALDEIRA, 1996), mais également aux Etats-Unis (Low, 2003; LOW, 2001) ou en France (QUERRIEN, 1999). La fermeture correspond dans tous les cas à un désir sécuritaire, mais les raisons avancées pour expliquer leur développement peuvent varier : racisme en Afrique du Sud, peur des plus pauvres en Amérique latine, peur des kidnappings et des vols à Mexico, peur de l’homicide à Nairobi (raisons avancées par des acteurs locaux, relevées par Low, 2001). (LE GOIX, 2005, p. 7-8)
10.
Afastando-se do Llewellyn Park e olhando para a América Latina,
encontramos mais pistas que explicam o perfil dos condomínios fechados
brasileiros.
Os barrios cerrados, como são chamados os condomínios e loteamentos
fechados pelos autores de língua espanhola, têm se espalhado pelas metrópoles
latino-americanas, nas últimas décadas, configurando um novo modelo residencial,
como trata Riwilis (2008; p.119)
[...] um nuevo modelo residencial privado estadounidense que goza de una gran aceptación en América Latina y retienen mi atención a partir de una
10
Face à violência real e percebida em cidades grandes, planejadores e autoridades têm sido cada vez mais confrontados com o desejo dos citadinos de limitar, segmentar e separar os espaços em nome da segurança. Os condomínios fechados, bem como a segurança dos centros comerciais por empresas de segurança, também é um reflexo da desconfiança em relação à capacidade das autoridades públicas em garantir a segurança de bens e pessoas. Essa desconfiança é demonstrada por meio dos empreendimentos fechados e seguros, que se multiplicam em países em desenvolvimento, onde os proprietários preferem usar serviços privados para garantir a sua segurança, como na Argentina ou no Brasil (Caldeira, 1996), mas também nos Estados Unidos (Low, 2003; LOW, 2001) e na França (Querrien, 1999). O encerramento é, em todos os casos, um desejo de segurança, mas, para além desse fator, as razões que explicam sua expansão podem variar: o racismo na África do Sul, o receio dos pobres na América Latina, o medo de sequestros e roubos no México, o pavor do homicídio em Nairobi (razões apresentadas por atores locais, identificados por Low, 2001).
33
problemática bastante amplia: El crecimiento de las desigualdades sociales, La transformación del rol del Estado local, la aceptación de las políticas neoliberales de privatizaciones, el acesso a lós bienes comunes y a lós servicios públicos, etc.
11
Comparando os Barrios cerrados latinos com aqueles vistos nos EUA,
Riwilis (2008) argumenta que, diferente do caso estadunidense, a América Latina
tem esses empreendimentos implantados em zonas compostas pela população
desfavorecida, o que implica em tornar mais aguda as desigualdades sociais e
espaciais.
Quando os loteamentos fechados são implantados, eles reproduzem
também espaços tradicionais de encontro da cidade, como praças e parques. Por
sua extensão, estão, em geral, localizados em regiões de menor concentração, o
que implica em preços do solo menos elevados para as incorporadoras.
Como os loteamentos fechados compõem uma área que em geral é maior
que as dimensões de uma quadra eles implicam necessariamente na privatização de
logradouros públicos12. Esse aspecto tem sido o principal mote usado pelos críticos
a esse padrão.
Nesse caso, o pacto com o Poder Público tem um papel fundamental, em
especial, na esfera municipal (SOBARZO, 2006). Os loteamentos fechados só
podem ocorrer ou porque há uma omissão do poder municipal ou porque o seu
executivo “solucionou” o problema da ilegalidade por meio de concessões para uso
privativo dos espaços públicos pelos moradores dos loteamentos. Para Maricato
(2008)
A ilegalidade da propriedade da terra urbana não diz respeito só aos pobres. Os loteamentos fechados que se multiplicam nos arredores das grandes cidades são ilegais, já que o parcelamento da terra nua é regido pela lei federal 6766, de 1979, e não pela que rege os condomínios, a lei 4591, de 1964. O primeiro e mais famoso dos condomínios - o de Alphaville,
11
[...] um novo modelo residencial privado estadunidense que goza de uma grande aceitação na América Latina chama a minha atenção a partir de uma problemática bastante ampla: O crescimento das desigualdades sociais, a transformação do papel dos governos locais, a aceitação de políticas neoliberais de privatização, o acesso a bens comuns e a serviços públicos, etc. 12
“De acordo com o art. 22 da Lei nº 6.766/79, a partir do registro do loteamento no cartório de registro de imóveis, passam a integrar o domínio do município as vias e praças, os espaços, livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. Por isso há quem afirme que os chamados "condomínios fechados" não são legais, pois as vias de acesso e demais áreas não privativas deveriam ser abertas a todas as pessoas, moradoras ou não do condomínio, por serem propriedade pública de uso comum do povo” (SILVA, 2008). Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11636>. Acesso em: 01 jul. 2014.
34
em São Paulo - tem parte de suas mansões sobre terras da União. Moram em loteamentos fechados juízes, promotores do Ministério Público, autoridades de todos os níveis de governo. Eles usufruem privadamente de áreas verdes públicas e também vias de trânsito que são fechadas intramuros. Para viabilizar a privatização do patrimônio público, na forma de um produto irresistível ao mercado de alta renda, há casos de prefeituras e câmaras municipais que não titubearam em se mancomunar para aprovar leis locais que contrariam a lei federal. Ou seja, aprova-se uma legislação ilegal, bem de acordo com a tradição nacional de aplicação da lei de acordo com as circunstâncias e o interesse dos donos do poder.
13
Esse tipo de prática nos é esclarecida por Martins (1999) ao dizer que “no
Brasil a distinção entre o público e o privado nunca chegou a se constituir, na
consciência popular, como distinção de direitos relativos à pessoa, ou cidadão”
(p.21-22). Assim, conforme Sorbarzo (2006), o que se constituiu, na verdade, foi um
Estado de práticas clientelistas e patrimonialistas que procurou responder às
demandas dos mais poderosos.
Mas retomemos a forma para pensarmos outras especificidades. Além do
loteamento fechado, há também o condomínio fechado horizontal, que é, no nosso
modo de ver, um padrão imitativo do loteamento fechado pensado, em geral, para
escalas espaciais menores. O modelo possibilita também a sua implantação em
grandes metrópoles com normas mais rígidas de uso e ocupação do solo. Mas há aí
uma ressalva, já que os condomínios fechados são bastante diversos do ponto de
vista da sua forma e tamanho: nem todos os condomínios podem ser considerados
legais. Alguns são formados por ruas que, à revelia, foram fechadas; outros
simplesmente são tão grandes que estariam muito mais próximos dos loteamentos
fechados, no que se refere ao uso do solo com encerramento de áreas públicas.
Para incorrermos em menores erros e não entrarmos em generalizações
que mascaram mais do que explicam a realidade propomos classificar esses
projetos em três níveis escalares simples: pequeno, quando o tamanho for inferior a
uma quadra – são os mais frequentes em Fortaleza, em certa medida, pode ser
difícil distingui-los das vilas; médio, quando ele ocupar inteiramente uma quadra –
são mais equipados e, pela área que demandam, estão nas regiões menos
adensadas da cidade, podem também ocorrer com complexos de condomínios;
grande, quando a sua área for maior que os limites estabelecidos pelo zoneamento
– estes são encontrados fora de Fortaleza, em municípios da Região Metropolitana,
13
Revista Piauí, Edição 21, tribuna livre da luta de classes, Junho de 2008. Disponível em: <http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-21/tribuna-livre-da-luta-de-classes>. Acesso em: 04 jul. 2014.
35
que flexibilizam mais as suas leis. Mais à frente, isto nos ajudará a pensar o perfil de
expansão desses enclaves residenciais.
O mercado abrangido pelos condomínios fechados horizontais é
notadamente amplo. Esse padrão comporta desde projetos voltados para os
segmentos de maior renda, até aqueles de perfil para financiamento do Programa
Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). E isso, para nós, implica numa atenção ainda
maior por seu potencial de expansão.
Ainda do ponto de vista da forma é possível realizar distinções e levantar
perfis a partir dos modelos arquitetônicos dos condomínios e loteamentos fechados.
Os enclaves residenciais destinados aos extratos de renda mais elevadas
comumente se compõem de unidades assobradadas e com afastamento das
demais, são imóveis maiores construídos nas proximidades de vias de rápido
acesso às áreas mais dinâmicas da cidade. Nestes projetos o espaço destinado ao
lazer é mais amplo e variado. Quando voltado para os segmentos de renda que
entram no mercado pelo PMCMV, esses empreendimentos continuam a reproduzir
elementos comuns aos grandes enclaves residenciais, porém com padrão inferior.
Nos últimos anos, os enclaves residenciais têm recebido diversos
adjetivos oriundos da inventividade necessária à concorrência frenética no mercado.
Há todo tipo de empreendimento: se os terrenos estão localizados no litoral,
comumente são vendidos enquanto segunda residência e recebem o título de
“resort”; se estão no interior, são projetados como country club; se a região é menos
atrativa se criam internamente elementos de paisagismo e se reforçam as
facilidades ligadas às vias de fluxo rápido, nesses casos, é comum a referência à
ideia de bairro planejado.
Vale a pena acentuar o caso dos condomínios resorts. Modelo que na
costa cearense encontra enorme potencial de expansão devido aos elementos
cênicos e aos investimentos públicos no campo do turismo. De acordo com Souza
(2013), eles são formatos híbridos que “possuem, ao mesmo tempo, unidades
residenciais ocasionais e unidades hoteleiras; além de terem oferta permanente de
serviços turísticos” (p.124). Atualmente, a concentração desses empreendimentos
ocorre no litoral metropolitano, nas faixas litorâneas do Município de Caucaia e
Aquiraz (SOUZA, 2013).
Fundamentalmente há entre os condomínios e os loteamentos fechados o
movimento comum da produção de um espaço que simula àqueles de sociabilidade
36
urbana sob a forma privada do intramuros, tais como: logradouros, praças, parques,
equipamentos de lazer... Com esse modelo, os enclaves residenciais, condomínios
ou loteamentos fechados, baseiam-se numa tentativa burguesa de amortização dos
conflitos sociais urbanos por meio do controle do espaço.
2.3 O CONTROLE DO ESPAÇO
De modo muito mais amplo do que a aparência imediata nos revela, o
controle do espaço, por meio dos aspectos jurídicos e da propriedade privada, tem
um papel muito importante para o domínio de uma parcela da sociedade por outra.
Pensemos no modelo haussmanniano que, no Brasil, empurra para a periferia a
classe trabalhadora que, em sua despossessão, viverá mais ou menos confinada,
tendo como característica da sua mobilidade o movimento pendular
casa/trabalho/casa.
Isto é diferente para o caso dos domicílios dos mais ricos, que se verão
contemplados com um conjunto de equipamentos privados que tornará suas vidas
mais confortáveis. Terão também pouca ou nenhuma dependência das rotas feitas
pelo transporte público. As residências, muitas vezes, até estão localizadas a uma
distância considerável, mas que é relativamente comprimida pelo uso do transporte
individual e pelas vias de acesso rápido aos centros de maior dinamismo.
Acerca desse aspecto algumas questões devem ser levantadas: se há
uma tendência à expansão dos condomínios fechados para a classe trabalhadora,
quais serão as suas condições, tendo em vista a distância desses empreendimentos
das áreas dinâmicas da cidade? Há uma tendência à precarização mascarada por
um imaginário do estilo de vida dos mais ricos, vendida com esses
empreendimentos? Há mesmo uma escolha e até uma auto-segregação por esse
perfil de residente?
Para Lefebvre (2008), o espaço não é neutro, ao contrário, está carregado
pela intencionalidade de políticas que o tornam instrumento para a manipulação de
classe. É também o lugar e o meio onde se desenvolvem e se enfrentam as
estratégias de classes. De acordo com este autor
37
[...] o espaço instrumental permitiu a segregação generalizada, dos grupos, das funções e dos lugares. Salta aos olhos o contraste entre subúrbios de pavilhões e os ‘grandes conjuntos’, entre os centros que subsistem, que resistem à degradação, e as periferias desurbanizadas. A classe operária se reparte entre os pavilhões, os ‘grandes conjuntos’, as cidades novas e satélites, com uma preferência subjetiva pelo pavilhão. (P.172).
O controle do/pelo espaço tem certamente seu mais poderoso mote na
conformação da propriedade privada e na concentração desta. Daí vale nos
voltarmos um pouco para o debate referente ao processo de ‘loteamento’.
Maia (2006, p.155) explica o verbete ‘loteamento’ como oriundo do
‘lotear’, que, por sua vez, tem origem no ‘lote’, que se refere ao “quinhão que cabe a
alguém em uma partilha”. O termo ‘lote’, a princípio, designa a divisão de heranças,
todavia, em um momento posterior, no século XX, o termo já era visto assinalando
para “o significado de ‘porção de terra, autônoma, que resulta de loteamento ou
desmembramento, e cuja testada é voltada para logradouro público reconhecido ou
projetado’” (MAIA, 2006, p.156). No Brasil, a divisão do solo em lotes ocorreu com a
edição da Lei de Terras (1850), movimento necessário para a transformação do solo
em mercadoria (MAIA, 2006), o que propiciou um controle de classe por meio da
despossessão da terra enquanto meio de produção e reprodução.
Pensando essa questão do ponto de vista das conformações de um
proletariado urbano, Abreu (2001)14 ressalta que o mercado de terras se estruturou
mais rapidamente nas cidades brasileiras que sofriam maiores pressões migratórias,
ou seja, Rio de Janeiro e São Paulo. Para este autor as
Transações com terras e moradias tiveram lugar no Brasil desde o século XVI. O que ocorreu de novo no final do século XIX - e nas grandes cidades - foi que ambas transformaram-se rapidamente em ativo financeiro. Na esteira da redução da fricção do espaço, que bondes e trens proporcionavam, e do aumento da demanda por habitação, que o crescimento demográfico impunha, o retalhamento de terras se acelerou e a desconcentração urbana rapidamente se realizou, só que sob novas bases: transações com chácaras e lotes, antes realizadas principalmente em função de seu valor de uso, passaram a ser determinadas sobretudo pelo valor de troca. E algo mais ocorreu. O retalhamento deixou de ser produto da ação isolada de um proprietário fundiário que dividia sua chácara em poucos lotes urbanos. Surgiu a promoção fundiária em grande escala, representada por empresas capitalistas dedicadas à produção e comercialização de lotes urbanos, em muitos casos em estreita associação com o capital bancário. (S/p).
14
O documento aparece online, mas sem paginação. Disponível em: <http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal8/Geografiasocioeconomica/Geografiaurbana/62.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2014.
38
Com a mercantilização da terra conformam-se também novos modos de
organização do espaço urbano, isto porque
Como resultado, grandes loteamentos surgiram na paisagem urbana, tanto para a burguesia em ascensão quanto para o proletariado em formação. Diferenciaram-se uns dos outros por sua localização no tecido urbano, já que as cidades maiores abandonaram de vez a estrutura urbana anterior e passaram a crescer segundo vetores de expansão distintos, separando usos e classes sociais no espaço. Diferenciaram-se também pelo produto oferecido, que passou a variar da alta qualidade dos bairros criados para os mais abastados, inspirados no modelo howardiano da cidade-jardim e grandemente beneficiados pelo Estado com infraestrutura, ao nada urbanístico oferecido nos loteamentos proletários. Agravou-se a partir daí o processo de acesso diferencial dos grupos sociais às benesses urbanas, o que exigiu que os mais pobres passassem a lutar cada vez mais para obter do poder público os benefícios que este, não raro antecipadamente, concedia aos bairros mais ricos. (ABREU, 2001, s/p).
A expansão urbana foi orientada, então, pela consolidação do mercado de
terras. Nesta expansão, é necessário frisar que não apenas estava sendo criado o
elemento lote, mas também outro, a rua, necessariamente pública (MAIA, 2006)15.
Mas o caráter de coisa pública relativo à rua se “flexibiliza” na medida em que se
reorientam os interesses das classes dominantes. Debord (1997) coloca isso nos
seguintes termos:
O urbanismo é a concretização moderna da tarefa ininterrupta que salvaguarda o poder de classe: a manutenção da pulverização dos trabalhadores que as condições de produção tinham perigosamente reunido. A luta constante que deve ser levada a cabo contra todos os aspectos desta possibilidade de encontro descobre no urbanismo seu campo privilegiado. O esforço de todos os poderes desde as experiências da revolução francesa, para aperfeiçoar os meios de manter a ordem na rua, culmina finalmente na supressão da rua. (P. 132).
Portanto, a medida de controle dá-se sobre a restrição efetivada pelos
muros, fato que evoca a atualidade do debate do conflito de classes.
Para manter a propriedade e a integridade do que existe nesses espaços
entra em cena um aparato cada vez mais complexo de segurança. De acordo com o
15
O loteamento está previsto no art. 2º, § 1º da Lei nº 6.766/79, in verbis:“Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.
39
Relatório da Associação da Indústria de Segurança (SIA)16, o mercado de
equipamentos de segurança eletrônica no País totalizou, em 2012, cerca de 1.2 bi
de reais e a previsão até 2017 é que esse valor triplique.
Atento a esse fenômeno, Davis (2009; p. 236) fala em uma “militarização
da vida da cidade”. Tratando mais especificamente da realidade americana, ele
escreve
Florestas de pequenas placas ameaçadoras avisando: “Reação Armada!” crescem nos gramados cuidadosamente aparados do Westside de Los Angeles. Até mesmo os bairros mais ricos nos canyons e nas encostas de colinas se isolam atrás de muros guardados por polícia privada armada e por moderníssimos equipamentos de vigilância eletrônica. (P. 235).
Em tom irônico Davis (2009; p.235) acrescenta: “bem-vindo a Los Angeles
pós-liberal, onde a defesa dos estilos luxuosos se traduz pela proliferação de novas
formas de repressão no espaço e no movimento, apoiadas na ‘reação armada’
ubíqua”. Este movimento de obsessão por sistemas de segurança corresponderia,
para o autor, ao Zeitgeist17 da atual reestruturação urbana.
Experiência também cada vez mais expressa pela arte, em especial, pelo
cinema. Em Alphaville18(1965), de Jean-Luc Godard, o controle sobre o espaço é
total, uma espécie de Big Brother da vida urbana comandada por uma mente
cibernética. Ali, todos os sentimentos foram apagados como estratégia de
eliminação de reações de possíveis sujeitos. A experiência do novo foi substituída
pela previsibilidade da ordem racional dum sistema. No The Village19 (2004), filme
de M. Night Shyamalan, a referência ao modelo de vida intramuros é evidente. O
autor insere o público em um “universo de Mito da Caverna”, o medo decorrente do
que está para além do terreno conhecido pelos habitantes mais jovens da vila que
faz com estes temam e rejeitem a possibilidade de contato com um mundo estranho
e selvagem.
Uma das obras cinematográficas mais citadas por intelectuais
destacados, como David Harvey e Slavoj Žižek é Blade Runner (1982)20, de Ridley
16
Disponível em: <http://www.siabrasil.org/relatorio.html>. Acesso em: 09 julho 2014. 17
Termo alemão cuja tradução significa “espírito da época”. 18
Vale ressaltar que a “grife” mais famosa de loteamentos fechados do país recebeu seu nome numa referência ao filme de Godard. 19
No Brasil, o filme recebeu o nome de A vila. 20
No Brasil, o filme recebeu o nome de O caçador de andróides.
40
Scott. No seu cenário futurista a vida social está erigida numa América distópica.
Neste mundo sombrio e socialmente decadente, corporações anunciam uma
mercadoria-chave para o argumento do filme: colônias extraplanetárias, para os que
querem viver afastados do estado de barbárie do planeta terra.
Estes filmes se combinam à fala de Davis (2009) acerca desse Zeitgeist
sobre o espaço que ocorre como projetos arquitetônicos e urbanísticos vigiados sob
um aparato bélico. Isto tem, de acordo com o mesmo autor
[...] consequências de amplo alcance para as relações sociais do ambiente construído. Em primeiro lugar, a provisão de “segurança” de mercado gera sua própria demanda paranoica. A “segurança” se torna um bem posicional que se define por um nível de renda que permite o acesso a “serviços de proteção” privados, tornando o cliente membro de um enclave residencial rígido ou de um subúrbio restrito. Como símbolo de prestígio – e, algumas vezes, como limite decisivo entre os que estão meramente bem e os “verdadeiramente ricos” – a segurança tem menos a ver com a proteção de cada um do que com o grau de isolamento pessoal, e ambientes residenciais, de trabalho, consumo e viagem, em relação a grupos e indivíduos “desagradáveis”, ou mesmo a multidão em geral. (P.236).
Davis (2009) aponta para o isolamento pessoal como um fator importante,
direção semelhante tomada por Gomes (2006) que, ao observar esse
emuralhamento da vida social, relaciona-o a um individualismo de caráter hedonista
e narcísico. Ele também argumenta que uma série de equipamentos utilizados no
dia a dia serve de recurso para esse isolamento e que isso tem rebatimentos na
forma como as pessoas vivenciam a cidade.
Gomes (2006, p.186) ainda vai mais longe e diz que, no Brasil, a
concepção de “coisa pública se confunde, em grande medida, com algo de baixa
qualidade ou de uso exclusivo das camadas populares” e que, de certa forma, “[...] a
mesma desvalorização ocorre com o espaço público, uma vez que o acesso é livre,
e a frequência majoritária é composta, em geral, de elementos oriundos [das]
camadas populares”. Para o autor, essa tendência de isolamento e afastamento da
cidade, espaço público, ajuda a compreender o avanço dessas ilhas utópicas (ou
seriam distópicas?).
Ainda assim, sobre essa temática, o sentimento de insegurança é fator
importante nos argumentos da maior parte dos autores. À medida que “a
insegurança alimenta o medo”, desaparecem das ruas a “[...] espontaneidade, a
41
flexibilidade, a capacidade de surpreender e a oferta de aventura, em suma, todos
os atrativos da vida urbana” (BAUMAN, 2009, p.68).
É Jacobs (2009) que ainda, nos anos 1960, observa uma contradição
importante nesse movimento de negação da rua em função do medo. Para ela, o
que dá vida à cidade e, respectivamente, aos seus bairros, praças, parques e ruas
são as pessoas. Não as que se isolam atrás de muros, dentro de prédios, com suas
janelas fechadas, ou no interior de carros com vidros fumês, mas aquelas que
circulam e se relacionam efetivamente com as outras e o lugar, e que por esse
motivo observam a rua. Para a autora, o que torna as ruas seguras são os olhos.
Assim, “a tendência a retirar-se dos espaços públicos para refugiar-se em ilhas de
‘uniformidade’ acaba se transformando no maior obstáculo para viver com a
diferença, e, desse modo, enfraquece os diálogos e os pactos” (BAUMAN, 2009,
p.71).
Mas nem tudo é afastamento. Bauman (2009, p.48) também observa que
existem duas tendências simultâneas na cidade – a mixofilia e a mixofobia – a
primeira se refere à busca pelo heterogêneo, a segunda, à repulsão ao estranho,
que passa a ser visto como perigoso. As duas tendências “coexistem não apenas
em cada cidade, mas também em cada cidadão” se tratando, todavia, “de uma
coexistência incômoda”. Assim, este
[...] isolamento das áreas residenciais e dos espaços frequentados pelo público – comercialmente atraentes para os construtores e para seus clientes, que entreveem uma solução rápida para as ansiedades geradas pela mixofobia – é, de fato, a causa primeira da mixofobia. (BAUMAN, 2009, p.49).
Neste ou em outro contexto, a casa sempre é um objeto complexo do
ponto de vista das representações que a envolvem. Historicamente, ela sofreu
diversas metamorfoses, tanto da forma propriamente quanto do seu sentido. A casa,
como qualquer outra coisa produzida socialmente, é síntese de relações intricadas,
mas que pode ser lida, tendo em vista o contexto de produção material e imaterial de
uma época.
A casa que conhecemos hoje é o resultado da separação entre o lugar de
trabalho e o de moradia. Paulatinamente ela se tornou um lugar mais privado e
íntimo. Com a ascensão e conformação da classe burguesa, “a vida familiar
42
começou a adquirir uma dimensão mais privada e aspectos como o conceito de lar
ou o direito à intimidade passaram a ser reivindicados” (CORTÉS, 2008, p.72). Este
será o modelo dominante que se seguirá
[...] em que cada família começará a levar uma vida independente do resto, adquirindo características de domesticidade totalmente desconhecidas até então, que marcarão a criação do lar e a evolução arquitetônica e ideológica do papel da casa: cada vez menor e menos pública. (CORTÉS, 2008, p.73).
Para além da casa, o mercado tem criado um habitat “espetacular no qual
tudo é cenário” (CORTÉS, 2008, p.98). Onde, de acordo com SANTOS (2006,
pp.84-85), “a contradição é eliminada apenas na aparência asséptica dos conjuntos
residenciais” que se multiplicam com enormes vantagens de lucro para os
incorporadores.
Grosso modo, existe uma carga simbólica envolta nesse fenômeno que
compreende elementos contraditórios como: a busca pela distinção ao mesmo
tempo em que ocorre uma homogeneização; a privatização do espaço sincrônica à
celebração do seu uso coletivo pela comunidade intramuros; o retorno a um ideário
de natureza, mas com a sua efetiva descaracterização; a tranquilidade baseada na
resposta violenta a qualquer elemento externo que desregule a ordem; o desejo de
espontaneidade frente a uma paranóia sistêmica21; o apego ao sentido de
comunidade em simultaneidade com uma atitude de apatia frente à miséria que é
posta ao conjunto maior da sociedade... De alguma forma, estas contradições
ajudam a produzir o próprio movimento.
Na medida em que os condomínios e os loteamentos ocorrem como uma
reprodução miniaturizada do mundo, eles se apresentam também como uma
fetichização da cidade. Na realidade, todo um conjunto do espaço, sob uma forma
reticular, é mobilizado a cumprir essa função de fetichização da cidade, talvez
também tenha sido nesse sentido que Caldeira (2000) propôs a ideia de enclaves
fortificados.
Essa forma de apresentar o objeto em questão é importante, pois coloca
a possibilidade de pensarmos os condomínios fechados ligados espacialmente e
21
Conceito trabalhado por Christian Ingo Lenz Dunker, ver entrevista publicada na revista Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v.11 n.3, p.693-697, set./dez.2013. Disponível em: <http://www.revista.epsjv.fiocruz.br/upload/revistas/r510.pdf>. Acesso em: 02 março 2014.
43
logicamente a equipamentos como shopping centers, parques temáticos, centros
empresariais, entre outros. Não é à toa que esse equipamento para o consumo se
tornou alvo de investimentos privilegiados do capital na última década. Em pouco
mais de cinco anos, Fortaleza recebeu quatro grandes shoppings, o que implica num
apelo a modalidades de consumo e lazer cada vez mais distantes das
singularidades da cultura local. Uma reflexão nesse sentido é feita por Cortés (2008)
[...] “ir às compras” é, sem dúvida, uma das últimas formas de atividade pública que as pessoas realizam todos os dias. De fato, essa atividade está se convertendo em um rito tribal de caráter mundial que milhões de pessoas cumprem cotidianamente. Nesse processo de transformação urbana e social, as estruturas da cidade estão penetrando no espaço que os centros comerciais criaram, enquanto estes estão substituindo a cidade, ocupando o lugar de seus tradicionais registros simbólicos e espaciais. Desse modo, a praça pública – como lugar de reunião e encontro da cultura – simplesmente desapareceu e todas as atividades que nela se congregavam (um espaço aberto onde pessoas se comunicavam e compartilhavam suas experiências) foram substituidas por uma nova arquitetura, a do centro comercial [...]. É nesses espaços que se tem conseguido relacionar categorias até então consideradas bastante divergentes: entretenimento e consumo, público e privado, teatro e vida, convertendo-se tais espaços em lugares de uma identidade fluida nos quais o tempo parece não existir e onde se rompeu o contato com o exterior. (P. 86-87).
Assim como nos condomínios fechados, os shoppings têm papel
fundamental no controle social
Trata-se de um controle penetrante, encoberto, muito sutil e consensual do qual participam, inconscientemente, mas ativamente, os próprios envolvidos, ao ser seduzidos pelos prazeres do consumo e do bem-estar. Trata-se também da mercantilização das experiências da vida por meio do consumo e do entretenimento. Assim, as pessoas são socialmente integradas e seduzidas através da dependência do mercado; o consumo e os lugares onde este se realiza convertem-se em estruturas que canalizam o comportamento e a conduta das massas, a ponto de ser considerados elementos fundamentais da manutenção da ordem social. (CORTÉS, 2008, p.89).
O mesmo autor fala em uma “homogeneização dos seres” referindo-se à
formatação por meio da padronização das relações. Assim, o espaço e as relações
que o envolvem estão cada vez menos situados nos campos da espontaneidade, da
criatividade e da sociabilidade. Ao fim, o modelo socioeconômico liberal criou
espaços e sociedades menos livres do ponto de vista do sujeito (permanecemos na
44
“pré-história”, como diria Marx). Hoje, mais do que em qualquer outra época, a
experiência de liberdade encontra-se restrita às amarras do capital.
Para Caldeira (2000), os enclaves fortificados são espaços que embutem
a carga simbólica do prestigio. Enquanto processo essa visão requereu uma
inversão no pensamento burguês no século XX. A ideia da residência horizontal
localizada nos bairros centrais foi cedendo espaço para outras versões
habitacionais, como o prédio de apartamentos e os condomínios e loteamentos
fechados. Para algumas regiões, já é possível questionar se o enclave fortificado
ainda é apenas um fragmento de contraste com o restante do território.
Correia (2004, p.73) narra que, durante a década de 1940, no Brasil, as
restrições aos prédios de apartamentos atingiam inclusive a classe média. Entre as
problemáticas apontadas, “o barulho dos vizinhos e o hábito de lançar os mais
diversos objetos pelas janelas somavam-se aos altos preços dessas moradias”. De
acordo com o texto da autora, as opiniões divergiam entre a defesa dessa
concepção moderna de habitação, muito associada à praticidade, e a ideia de que
seria difícil para o brasileiro se acostumar a viver civilizadamente nesse tipo de
moradia. Pelo menos no caso do Brasil, a percepção negativa do apartamento
persiste, é o que diz Caldeira (2000), confronta-se, todavia, com os altos preços dos
imóveis horizontais dos bairros mais bem equipados e com o medo da violência
urbana.
Esse medo da violência foi (é) usado para transformar duramente a
paisagem das cidades. Os muros ergueram-se, os olhos de desconfiança lançaram-
se sobre os mais pobres, a miséria foi sendo empurrada para longe dos espaços
privilegiados da burguesia, a rua foi considerada hostil... Abriu-se margem também
para um permanente controle que, contraditoriamente, corrói aquilo que é aspecto
básico da vida urbana: a privacidade e o anonimato. É o “urbanismo do medo”, como
designa Pedrazzini (2006), espalhando-se vertiginosamente pelas cidades em todo o
mundo.
2.4 SOBRE CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Ao se estudar o movimento de expansão dos condomínios fechados
horizontais verifica-se mais do que uma simples novidade imobiliária criada para
atender às demandas geradas pelo medo da violência urbana. Ora, mas o que seria
45
esta violência urbana? Crise do capital? Crise urbana? Estas questões são
importantes porque nos remete a uma dimensão que não está posta num plano mais
imediato, ou seja, é necessário avaliar que contradições estão possibilitando a
realização desse tipo de morfologia na cidade, relacionando-a a um conjunto de
transformações de ordem social, política, econômica, ideológica e cultural. E não só
isso! Compreender o movimento; a reprodução concomitante a esta produção.
Aproximemo-nos das principais mediações exigidas pelo nosso objeto.
O movimento de expansão dos condomínios fechados horizontais é aqui
entendido como produção do espaço e não como simples organização do espaço.
Carlos (2011) ressalta essa distinção ao tratar de um deslocamento do pensamento
geográfico que enfocava a localização das atividades dos grupos humanos no
espaço para um que busca analisar os conteúdos das relações que constituem esse
espaço. Para ela
A produção como categoria central de análise abre a perspectiva de desvendar, antes de tudo, a vida humana – a produção como atividade/ação essencial do humano – ao mesmo tempo em que permite pensa-la em cada momento da história da humanidade, o que significa dizer que a produção se define com características comuns, em diferentes épocas, fundada em relações reais que se desenvolvem no bojo de um movimento real e, em cada momento dessa história, em suas particularidades. Portanto, a noção de produção contempla também um duplo caráter: ele se refere ao próprio processo constitutivo do humano (enquanto ser genérico) e tem um caráter histórico. (CARLOS, 2011, p.55)
Isto está pautado, de acordo com Lefebvre (1999), no duplo caráter da
categoria produção em Engels e Marx, ou seja, na produção de objetos
concomitante a do próprio ser.
Assim, a produção ultrapassa o “mundo do trabalho (sem, todavia, deixar
de incorporá-lo), para estender-se ao plano do habitar, do lazer e da vida privada,
expandindo sua exploração pela incorporação de espaços cada vez mais amplos”
(CARLOS, 2011, p.56). “Quem diz ‘produção’ diz também ‘reprodução’, ao mesmo
tempo, física e social: reprodução do modo de vida” (LEFEBVRE, 1999, p.39). A
produção põe-se como processo específico concomitante à reprodução que ocorre
como o próprio movimento (CARLOS, 2008, p.34). Mas nos aproximemos um pouco
mais dessas categorias
[...] no trabalho, estamos a todo momento articulando a noção de produção àquela de reprodução: a produção está de um lado sendo analisada como
46
momento particular do todo, e de outro analisada através de suas articulações e conexões com o movimento geral. Se o processo de reprodução, por um lado, refere-se ao processo de realização e acumulação do capital, por outro se refere ao desenvolvimento da vida humana. Assim, a noção de reprodução apareceria com um conjunto contraditório de significados. (CARLOS, 2008, p.35).
Desse modo, o espaço, mais do que expressão, é condição, meio e
produto das relações sociais. Os condomínios dos quais tratamos (e as
infraestruturas que o possibilitam) é uma condição cunhada no espaço para uma
reprodução ampliada do capital. Ele é também meio para esta reprodução, bem
como produto de uma dinâmica econômica, social, ideológica, política e cultural.
Nele se evidenciam as contradições e, por ele, elas se perpetuam.
Outro conceito fundamental à compreensão do urbano em geral e do
nosso objeto em particular é o conceito de segregação socioespacial. Largamente
utilizado pela Escola de Chicago, esse conceito teve, num primeiro momento, um
papel naturalizante das diferenciações da localização residencial das famílias norte-
americanas (VIEIRA; MELAZZO, 2003). A apropriação desse conceito por autores
marxistas (como Henri Lefebvre, Manuel Castells e Jean Lojkine) o tornou poderoso
na medida em que o laçou num pensamento dialético capaz de desvendar a
natureza das desigualdades materializadas no/e mediadas pelo espaço.
Vieira e Mellazzo (2003) citam Lefebvre para apontar três condicionantes
básicos para o modo de organização e produção espacial na sociedade capitalista,
são eles: “a) o espaço urbano é tido como sendo também uma mercadoria; b) em
consequência disso há um acesso diferenciado do espaço urbano entre as
diferentes classes sociais, e; c) resultado das condicionantes anteriores, há uma
apropriação subjetiva e ideológica do espaço” (p.164).
Os mesmos autores apresentam as contribuições de Castells e Lojkine. O
primeiro aponta a importância das políticas públicas habitacionais e define as forças
ou atores políticos. Desse ponto de vista, o Estado teria um papel privilegiado, mas
teria suas ações orientadas pelo interesse da elite detentora de capital. A terceira
força se daria com as classes sociais menos favorecidas, que teriam menor
influência decisória. Lojkine (1981), por sua vez, ressalta três tipos de segregação
socioespacial
1) uma segregação entre o centro, onde o preço do solo é o mais alto, e a periferia [...]; 2) uma segregação entre zonas de moradia reservadas as
47
camadas sociais mais privilegiadas e as zonas de moradia popular; 3) um esfacelamento generalizado das ‘funções urbanas’ disseminadas em zonas geograficamente distintas e cada vez mais especializadas [...]. (LOJKINE, 1981, p.167).
Villaça (2001) traz uma definição mais atenta à forma ao dizer que a
segregação socioespacial corresponde a “um processo segundo o qual diferentes
classes sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais
ou conjuntos de bairros da metrópole” (p.142). Acerca dos trabalhos que têm
abordado os condomínios fechados, Villaça (2011, p.39) manifesta que
Estes estudos – como a maioria daqueles sobre segregação – não colocam a segregação num contexto histórico nem a articulam com o restante da estrutura urbana, como também não mostram explicitamente (as vezes deixando apenas subentendidas) as articulações entre as esferas econômicas, políticas e ideológicas da sociedade. Enfim, não explicam esse tipo particular de segregação, limitando-se a articulá-lo ao advento da segurança, da violência urbana, dos interesses imobiliários, da cultura e dos novos valores por esses criados e/ou divulgados.
A advertência feita pelo autor é, para nós, muito importante, já que nos
lança o desafio de articulação a segregação dos condomínios com o conjunto
urbano e com a própria anatomia da sociedade capitalista atual. Villaça (2011)
também põe em questão o que tornaria esse tipo de segregação diferente daquele
observado nos bairros já tradicionais.
Acerca desse aspecto, Sposito (2006, p.182) contribui para esta resposta
ao argumentar que essa nova morfologia “é indicativo de que se vive uma ruptura no
movimento de estruturação urbana e que, portanto, há reestruturação dos espaços
urbanos”. As “relações entre as partes e o todo também podem ser vistas nas
múltiplas escalas a partir das quais os loteamentos fechados redefinem o par centro-
periferia na urbanização contemporânea” (SPOSITO, 2006, p.194). Além disso, os
condomínios fechados possibilitam uma homogeneização mais efetiva, mesmo que
em escala reduzida.
Sem negar a importância e sem abrir mão do que foi produzido pelo
conjunto de autores que realizam estudos urbanos sobre o fenômeno dos
condomínios concordamos com os que negam a existência de um processo de auto-
segregação. Sobre isso Rodrigues (2013; p.163) coloca que “os de dentro podem
sair quando lhes for conveniente, sem que sejam barrados”, assim, a “segregação é
48
imposta ao outro, aos que não podem entrar, sem serem devidamente autorizados”.
Villaça (2001; p.148), sobre isso, nos diz que a “segregação é um processo dialético,
em que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a
segregação de outros”. Aí, ainda preferimos dizer que a segregação de uns provoca
um tencionamento “perigoso” para outros, que, por esse motivo, resolvem proteger a
si e aos seus bens.
Para Rodrigues (2013) os loteamentos e condomínios fechados compõem
uma segregação socioespacial baseada na propriedade privada da terra com a
incorporação da mercadoria segurança. Essa tríade terra/casa/segurança é, todavia,
“apenas uma das formas de produzir e reproduzir o espaço urbano que concretizam
uma das maneiras de segregação socioespacial” (RODRIGUES, 2013, p.151).
No caso dos condomínios e loteamentos fechados, não será apenas o
seu volume a justificar a atribuição de um processo de segregação, mas o seu
aspecto qualitativo, na medida em que se verificam novos modos de apropriação da
cidade. A relação com os espaços públicos transforma-se para uma parcela
crescente da população e isto por si só é relevante.
Mas o que determina a segregação socioespacial? Para Lojkine (1981) a
segregação é manifestação da renda fundiária urbana. Essa segregação se daria a
partir dos mecanismos de formação dos preços do solo, determinados, por sua vez,
pela nova divisão do trabalho. Villaça (2001; p.146) argumenta que essa leitura de
Jean Lojkine “refere-se a um conceito e a uma manifestação muito amplos de
segregação: aquela que divide a metrópole em centro periferia”. Ainda de acordo
com Villaça (2001) essa tese não resistiria a uma análise empírica mais detalhada,
isto porque nem sempre o preço da terra determina a distribuição espacial das
classes sociais. Ainda que colocadas tais questões de ordem espacial (pois não
estamos falando de cidades que sofreram uma urbanização clássica) e temporal (a
complexidade assumida pelo mercado em geral exige sempre novas mediações
adequadas aos novos mecanismos) consideramos a importância das hipóteses de
Jean Lojkine, em especial, pelo peso dado à dimensão da luta de classes, inata ao
modo de produção capitalista.
O próprio Villaça (2001; p.148) ao incorporar o enfrentamento entre a
leitura marxista e a leitura da Escola de Chicago nos diz que “a segregação deriva
de uma luta ou disputa por localizações; esta se dá, no entanto, entre grupos sociais
ou entre classes”. Nesse sentido, seria a segregação por classes àquela de maior
49
influência sobre a estrutura urbana, que, para Lojkine (1981), por meio da renda
fundiária, marca de forma durável o desenvolvimento urbano.
Analisando a realidade brasileira, Villaça (2001) também avalia a validade
das considerações de Manuel Castells que fala em uma “homogeneidade interna” de
áreas. Villaça (2001) aponta que, para o caso do Brasil, é necessário considerar
que, a partir os anos de 1970, essa noção de “homogeneidade interna” fica
comprometida com a proliferação de favelas. Ele propõe, assim, que a segregação
seja analisada numa escala de uma “região geral da cidade” – compondo mais do
que o recorte de bairro e levando em consideração não uma homogeneidade interna
do recorte, mas sim, uma predominância do perfil de classe.
Sem usar o conceito de segregação socioespacial, Harvey (1980) trata da
relação espaço urbano/distribuição de renda. O autor explora a noção de “renda” a
partir do sentido expresso por Richard Titmuss (1962, apud Harvey, 1980), o qual
compreende que
Nenhum conceito de renda pode ser realmente justo se restringe a definição ampla que abrange todas as receitas que aumentam o poder do indivíduo sobre o uso dos recursos escassos de uma sociedade; em outras palavras, seu acréscimo líquido de poder econômico entre dois momentos no tempo... Por essa razão, a renda é a soma algébrica (1) do valor de mercado dos direitos exercidos no consumo e (2) da troca no valor do suprimento de direitos de propriedade entre o começo e o fim do período em questão. (P. 41).
Em Bottomore (1988), a noção de rendimentos liga-se à apropriação,
como lucro, de parte do mais-valor produzido na esfera da produção. De acordo com
Marx (2011), no tocante à distribuição, o que ocorre é o repartimento daquilo que foi
produzido segundo leis sociais. Na sequência disso: a troca, que mais uma vez
reparte o que já foi repartido. Na leitura feita por Richard Titmuss (1962, apud
Harvey, 1980), a renda inclui a troca.
Mas por que essa questão é importante? Para Harvey (1980; p.42)
interessa compreender “como mudanças na forma espacial da cidade e nos
processos sociais, que operam na cidade, provocam mudanças na renda do
indivíduo”. Como hipótese, Harvey (1980; p.42) oferece o exemplo em “que o
processo social de determinação do salário é parcialmente modificado pelas trocas
na localização das oportunidades de emprego (por categoria), comparadas com
trocas nas oportunidades de moradia (por tipo)”. Assim, o “fracasso do emprego e
50
das oportunidades de moradia em manter-se em equilíbrio têm imposto custos de
acessibilidade para alguns grupos na população em relação a outros”. No sentido
tomado por Harvey (1980), a segregação é fator fulcral para o processo de
aprofundamento da concentração de renda.
Villaça (2011; p.50) expressa algo aproximado ao tratar de uma
“segregação dos empregos e dos locais de compras e serviços” que se articularia à
segregação residencial na medida em que a possibilidade de otimização dos tempos
gastos no deslocamento espacial dos moradores das cidades é o mais importante
fator explicativo da organização do espaço urbano. Há, assim, uma “grande disputa
social em torno da produção do espaço urbano” (VILLAÇA, 2011, p. 56). Essa
tensão em um país com estrutura social brutalmente desigual permite, na mesma
proporção, uma distribuição desigual das vantagens espaciais. Para Villaça (2001)
esse processo fomentaria ainda a dominação social e econômica da classe
trabalhadora.
Na observação do nosso recorte nos demos conta de que as disputas
sociais pelo espaço se tornam mais agudas na medida em que o processo de
produção do espaço se efetiva criando fatores que facilitam a realização da vida e
do próprio capital, em especial, aqueles ligados aos deslocamentos. Para os pobres,
a possibilidade de se beneficiar com investimentos públicos e privados na produção
do espaço parece sempre reduzida, se não arriscada. De acordo com Corrêa (2013;
p.43), a “política de classe que gera a segregação imposta e induzida é efetivada de
modo explícito”, realizada “torna-se muito difícil reverter os padrões espaciais das
áreas segregadas: a expulsão à força é um dos meios bastante conhecidos,
realizando-se uma ‘limpeza social’”.
Partindo da leitura de David Harvey, Corrêa (2013; p.42-43) tece
considerações importantes acerca da segregação socioespacial
I – de imediato, o acesso diferenciado aos recursos da vida, sobretudo aqueles recursos, que tendem a ser encontrados em áreas onde vive uma população de renda mais elevada e dotada de maior poder político para criar ou pressionar a criação de condições mais favoráveis para a existência e reprodução. [...] II – a existência de unidades espaciais favoráveis à interação social, a partir da qual, e dada a homogeneidade social de cada unidade, os indivíduos elaboram valores, expectativas e hábitos e se preparam para, como adultos, ingressar no mercado de trabalho, desenvolvendo ainda um dado estado de consciência nesse contexto de homogeneidade social, mais nítidas nos extremos sociais e menos no âmbito da classe média.
51
Sposito (2013) trata de uma multidimensionalidade do conceito de
segregação. Pensando os seus possíveis adjetivos (étnica, social, espacial,
residencial, urbana...), a autora acentua a importância do reconhecimento dessas
dimensões e, dentre elas, a eleição de um aspecto relevante de modo a reforçar a
análise realizada.
Para Sposito (2013; p.63) “a segregação se refere à relação de uma parte
e o conjunto da cidade”. Quando parte desse pressuposto, a autora nega a
metodologia que se propõe a colocar parcelas do espaço urbano em comparação
com outras visando reconhecer áreas de inclusão/exclusão.
Negando a ideia de que “a segregação resulta de um processo de
‘competição’ pela melhor área residencial” Sposito (2013; p.64) se afasta também
das elaborações de Villaça (2001; p.142), que, para a autora, teria um pensamento
em aproximação com a Escola de Chicago ao considerar que “a segregação é um
processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se
concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais de bairros da metrópole”.
Para Sposito (2013; p.64)
É fato que as parcelas do espaço às quais se associa a segregação caracterizam-se por forte homogeneidade interna, mas essa constatação é insuficiente por duas razões: pode haver grande homogeneidade interna e não ocorrer segregação – quando há segregação, a forte homogeneidade interna do espaço segregado não é a explicação deste processo.
Sposito (2013; p.65) assume uma posição conceitual mais próxima a de
Henri Lefebvre ao compreender que o conceito de segregação só cabe às formas de
diferenciação que levam à separação espacial radical implicando rompimento,
sempre relativo, entre a parte segregada e o conjunto do espaço urbano, de modo a
dificultar as relações e articulações que movem a vida urbana.
A importância da leitura de Sposito (2013) encontra-se, para nós,
fundamentalmente na atenção dedicada ao que estamos chamando de enclaves
residenciais. Diferentemente de Villaça (2013), a autora ratifica a importância desse
fenômeno para os estudos urbanos. Para Sposito (2006), os condomínios fechados
redefinem o par centro/periferia na urbanização contemporânea. Sposito (2013;
p.68) expõe que
52
[...] esses ambientes residenciais geraram novas formas de segregação socioespacial, que tornaram mais complexos, ainda, os processos de estruturação do espaço urbano. Refiro-me ao fato de que eles representam forma peculiar de segregação, segundo a qual os que têm maior poder (geralmente, mas não exclusivamente, econômico) decidem se separar dos outros. Trata-se, numa primeira aproximação, da inversão da tendência que vigorou durante grande parte do século XX, desde a proposição do conceito de segregação. Antes, a maioria engendrava ações, práticas e representações sociais, colocando em ação o processo de segregar, procurando isolar os de menor poder, qualquer que fosse a natureza desse poder.
Quando esse tipo de urbanização chega às camadas média e média
baixa da sociedade, há “piora da situação geográfica dos mais pobres, que tendem a
se afastar mais e/ou a se precarizar no processo de encontrar uma solução para os
problemas de moradia” (SPOSITO, 2013, p.69).
De um ponto de vista mais amplo, “a segregação surge em contradição à
reunião (sentido mais profundo da prática urbana) como porta de entrada para a
compreensão da condição urbana, hoje, na metrópole” (CARLOS, 2013, p.96). Está
ligada ainda à contradição fundamental da produção referente à dupla determinação
do trabalho: valor de uso/valor de troca. Portanto, tem o potencial de hierarquizar e
separar o espaço urbano na proporção do seu caráter de segmentação de classe
social. Na medida em que a segregação se aprofunda através da elevação dos
processos imobiliários, tornam-se nítidas a fragmentação, a homogeneização e a
hierarquização do espaço urbano, como demonstrou Botelho (2007), ao analisar as
práticas do setor imobiliário em São Paulo.
Aqui não pudemos amadurecer estas questões a ponto de expô-las em
maiores detalhes e complexidades, assim, apresentamos apenas algumas poucas
reflexões acerca das problemáticas que envolvem a segregação socioespacial.
Deixamos claro que, para nós, esse conceito permanece em constate reelaboração
devido a sua complexidade e centralidade para o temário urbano. Ainda assim, em
nosso trabalho, buscamos com este suporte conceitual visualizar e entender as
transformações da cidade de Fortaleza, do ponto de vista da produção do espaço, a
partir da introdução dos condomínios fechados, dando especial atenção ao bairro
Passaré.
53
3 FORTALEZA, PRODUÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO
Neste capítulo, damos maior destaque à cidade e aos seus processos
constitutivos no intuito de apresentar as múltiplas determinações do fenômeno dos
condomínios fechados para a Metrópole fortalezense. A contradição
modernidade/atraso é destacada por considerarmos sua centralidade para o
entendimento do desenvolvimento territorial e econômico do Brasil.
3.1 MODERNO ATRASO BRASILEIRO
No Brasil, a urbanização é fruto de um projeto essencialmente limitado de
desenvolvimento, marcado pela indissociabilidade modernidade/atraso. O resultado
disso na paisagem é um contraste acentuado entre favelas e prédios de luxo, entre
carroças e porsches, entre catadores de lixo e acionistas, enfim, um desenho
socioespacial incomodamente assimétrico, um perfil fiel dos efeitos do capitalismo
reunidos num mesmo território. Enquanto faces da mesma moeda, esse fenômeno
exige uma imersão no seu processo constitutivo.
O País apresenta um processo mais intenso de urbanização a partir da
segunda metade do século XX (Gráfico 1). Em quarenta anos (1940/1980), a
população brasileira mais que dobra, passando da taxa de urbanização, na década
1940, de 31,2% a 67,6%, nos anos 1980. Se levarmos em consideração a
distribuição regional, essa evolução é ainda mais marcante, em algumas regiões. No
Sudeste a taxa já chegava a 82,8%, na década de 1980. Nos anos 2000, em termos
absolutos, a população urbana brasileira compunha-se de 160.925.804 pessoas, um
acréscimo de 142.142.913 habitantes, se comparado com a população urbana dos
anos 1950 (CENSO DEMOGRÁFICO, IBGE – 1950 a 2010).
54
Gráfico 1 – Taxa de urbanização brasileira – 1940/2010
Fonte: IBGE
Maricato (2001; p.16) refere-se a essa evolução como “um gigantesco
movimento de construção de cidade”. Entre os principais marcos apontados pela
autora está a aplicação de investimentos e incentivos públicos ao setor industrial a
partir dos anos 1930. O desenvolvimento dessa indústria e o consumo de bens
modernos (em espacial o automóvel) reconfiguraram desde a ocupação do solo
urbano até o interior das moradias (MARICATO, 2001), marcando distinções ainda
mais profundas entre o modo de vida urbano e o desenvolvido no campo.
Parte significativa da urbanização brasileira se deu pelo processo de
êxodo rural. Esse movimento intenso de saída do campo se evidenciou também por
deslocamentos regionais. Nesse caso, o maior incremento, em termos absolutos, é
evidenciado na região Sudeste, que possuía, nos anos 2000, 13.620.179 de
habitantes não naturais das unidades da federação em que residiam (IBGE, 2000).
O crescimento urbano possibilitou a formação de um mercado consumidor
mais amplo de bens modernos. Esse consumo moderno e o acesso às vantagens da
cidade não aconteceram de modo homogêneo. Se tratarmos somente do quesito
habitação, teremos 18 milhões de pessoas vivendo em aglomerados subnormais
(IBGE, 2010). Isto sem falar nas periferias precárias comuns às grandes cidades
brasileiras, onde água, esgoto, iluminação pública, além de serviços ligados à
saúde, educação, transporte... não chegam de modo amplo. Morar na cidade não
significou efetivar o direito a ela.
Santos (2013) chamou a totalidade desse processo de “urbanização
corporativa”, pensando a apetência do capital sobre os recursos públicos, onde os
55
gastos se concentraram em investimentos econômicos em detrimento dos gastos
sociais. Sobre o modo como as cidades brasileiras cresceram nas últimas décadas,
Santos (2013) argumenta
As cidades, sobretudo as grandes, ocupam, de modo geral, vastas superfícies entremeadas de vazios. Nessas cidades espraiadas, características de uma urbanização corporativa, há interdependência do que podemos chamar de categorias espaciais relevantes dessa época: tamanho urbano, modelo rodoviário, carência de infraestruturas, especulação imobiliária, problemas de transporte, extroversão e periferização da população, gerando, graças às dimensões da pobreza e seu componente geográfico, um modelo específico de centro-periferia. (P.106).
Mantém-se uma relação dialética entre esses processos que inibem
possibilidades de uma urbanização atrelada a justiça social
As cidades são grandes porque há especulação e vice-versa; há especulação porque há vazios e vice-versa; porque há vazios, as cidades são grandes. O modelo rodoviário urbano é fator de crescimento disperso e de espraiamento da cidade. Havendo especulação há criação mercantil de escassez e acentua-se o problema do acesso à terra e à habitação. Mas o déficit de residências também leva à especulação, e os dois juntos conduzem à periferização da população mais pobre e, de novo, ao aumento do tamanho urbano. As carências de serviços alimentam a especulação, pela valorização diferencial das diversas frações do território urbano. A organização dos transportes obedece a essa lógica e torna ainda mais pobres os que devem viver longe dos centros, não apenas porque devem pagar caro seus deslocamentos como porque os serviços e bens são mais dispendiosos nas periferias. (P.106).
As dificuldades ligadas ao deslocamento cotidiano, especialmente da
classe trabalhadora, impõem um sobrenível de precarização da vida urbana.
Há aí um forte sentido de controle. Villaça (2011; p.53) ressalta que, ao se
tratar do deslocamento da população, está se falando em tempo e que a utilização
deste “no deslocamento espacial (tempo) dos moradores das cidades é o mais
importante fator explicativo da organização do espaço urbano e do papel da
dominação social que se processa por meio dele”.
Atualmente, esse tem sido um dos principais temas debatidos no contexto
das grandes cidades. Isto tem a ver também com o modelo de urbanização voltado
56
ao uso do transporte individual, que privilegia os segmentos de renda com maior
poder solvente. Além disso, os bairros mais periféricos e pobres recebem os piores e
mais rarefeitos equipamentos de transporte, atendem no limite à necessidade do
próprio capital de deslocamento de força de trabalho.
Santos (2008) escava mais fundo o problema em particular chegando à
compreensão de que a situação de pobreza nos países subdesenvolvidos está
atrelada à ação conjugada das estruturas monopolísticas e do Estado, onde o
crescimento econômico ocorre com uma injusta distribuição. Se pensarmos com
Oliveira (2013), concluiremos que foi exatamente a condição de desigualdade que
serviu de base para o nosso modelo de desenvolvimento,
[...] para usar a expressão famosa de Trotsky, é não somente desigual mas combinada, é produto antes de uma base capitalista de acumulação razoavelmente pobre para sustentar a expansão industrial e a conversão da economia pós-anos 1930, que da existência de setores “atrasado” e “moderno”. [...] a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo. [...] o sistema caminhou inexoravelmente para uma concentração de renda, da propriedade e do poder, em que as próprias medidas de intenção corretiva ou redistributivista – como querem alguns – transformaram-se no pesadelo prometeico da recriação ampliada das tendências que queria corrigir. (OLIVEIRA, 2013, p.60).
O modelo produtivo implicou também numa defasagem na qualidade de
vida dos trabalhadores. Até bem pouco tempo, a produção esteve voltada para o
consumo da população com maiores rendimentos (SANTOS, 2008). Assim, “[...]
quanto mais a renda se concentra, mais o consumo dos grupos de alta renda se
diversifica e mais inadequada é a evolução do perfil de demanda, tornando evidente
uma subutilização dos fatores de produção” (SANTOS, 2008, p.188).
O que ocorreu foi que, na medida em que o País se modernizou, uma
parcela economicamente explorada e politicamente oprimida (GUNDER FRANK
apud SANTOS, 2008, p.196) não acessou os produtos (entenda-se mercadorias)
dessa modernização, desenvolveu-se, assim, um sistema econômico não-moderno
“[...] que compreende a pequena produção manufatureira, frequentemente artesanal,
o pequeno comércio de uma multiplicidade de serviços de toda espécie” (SANTOS,
57
2008, p.197). Aí está o que Santos (2008) chamou de circuito inferior da economia
urbana.
Antes mesmo de qualquer “consciência ambiental”, o circuito inferior, bem
como toda a paisagem da periferia, demonstrou uma relação particular com os
objetos marcada pelo seu reuso, nesse caso, claro, pelas limitações econômicas.
Basta conhecer um pouco os bairros de Fortaleza como: Granja Portugal, Siqueira,
Bom Jardim, Barroso, entre outros, para encontrarmos esta tal paisagem. São
baldes que viram jarros de plantas, garrafas pets usadas como recipiente de água,
roupas velhas, como tapetes e pano de chão, pedaços de madeira transformados
em bancos, jornais utilizados como embalagens, roupas que são passadas entre
familiares e amigos, além das diversas lojas de conserto de aparelhos domésticos...
Elementos como estes nos orientam a pensar onde e como as classes se
reproduzem.
Fortaleza, sem contrariar a condição das cidades dos países
subdesenvolvidos, está marcada pela justaposição entre o moderno e o atrasado.
Há aí uma relação dialética que terá como síntese o aprofundamento das
disparidades sociais, econômicas e espaciais.
Há, todavia, um quadro diferente daquele analisado por Milton Santos.
Hoje, nem mesmo as atividades realizadas no âmbito do que Milton Santos chamou
de circuito inferior escapam à financeirização, processo que invade todos os
territórios e relações. Na última década, o Município de Fortaleza, associado a
agentes financeiros, implantou políticas de microcrédito voltadas, principalmente,
para atividades realizadas em bairros da periferia. Além disso, as operações de
venda com crédito foram amplamente disseminadas nos anos 2000 – do carro que
vende frutas, pamonha, sorvete ou outro gênero, às barracas de feira, todos
possuem uma máquina de cartão de crédito.
Em meio ao fôlego ainda positivo desse processo é difícil avaliar os
resultados dessa financeirização na periferia de Fortaleza, mas certamente não se
poderá deixar de falar nela daqui em diante. De modo evidente há uma ilusão
causada pelo consumo mediado por esse acesso ao crédito. As dificuldades
centrais, como o acesso a serviços básicos, permanecem e até se aprofundam para
a periferia, todavia o consumo de bens, como celulares, computadores, TVs,
58
motocicletas, além de outros, dá a sensação de que se está revertendo o quadro de
atraso. No morro ainda tem maloca, mas agora tem antena de TV a cabo também!
A condição do acesso desigual à terra urbana permanece e a
especulação tem um papel central nisso. Para Santos (2013) “a especulação
imobiliária deriva, em última análise, da conjugação de dois movimentos
convergentes: a superposição de um sítio social ao sítio natural; e a disputa entre
atividades ou pessoas por dada localização” (p.106). Assim, a especulação
alimenta-se dessa dinâmica, alimenta-se também da expectativa frente ao
planejamento urbano com a implantação diferencial dos serviços coletivos
(SANTOS, 2013).
No que tange à especulação, mesmo a periferia não foge à lógica do
mercado. Foi o que observou Barbosa (2009) ao analisar as contradições que
envolvem a luta por moradia em Fortaleza. A ausência de uma cobertura jurídica
não impede que se forme na periferia um mercado de terras (BARBOSA, 2009).
Uma antiga moradora do Passaré questionada por nós acerca dos
empreendimentos imobiliários construídos no bairro os apontou em sua resposta
como algo positivo, já que valorizavam também seu próprio imóvel. O significado dos
processos de valorização, seu conteúdo de conflito e espoliação é esvaziado nas
condições de mercado em que a sociedade em geral é colocada. As lutas, mesmo
que legítimas, não confrontam aquilo que está na essência do modo de produção
capitalista, que é a propriedade privada.
Vemos assim o quanto a teoria da renda da terra ou renda fundiária
urbana é central para os estudos urbanos, é ela que, em boa dose, define os rumos
da produção do espaço. Devido à longa tradição nesse debate há um sem-número
de polêmicas sobre as quais não nos deteremos, todavia fazemos, mesmo en
passant, algumas referências aos aspectos fundamentais.
Partimos do pressuposto de que a terra não tem valor, apesar de estar
submetida a suas leis. O valor só pode ser produzido pelo trabalho, o que exclui a
terra por sua condição de substrato natural. A terra, todavia, como outras
mercadorias, vai ao mercado, onde pode ser negociada através de um preço. De
acordo com Ribeiro (1997; p.58), nas sociedades capitalistas, “o preço da terra não
59
é diferente da renda, constituindo-se na sua capitalização a certa taxa de juros;
como esta é regulada pela taxa de lucro que apresenta a tendência a sua queda, o
preço da terra tende por sua vez a subir”.
São dois os mecanismos responsáveis pelo surgimento da renda na
cidade: o primeiro, relacionado aos processos capitalistas que utilizam o espaço
construído, produção e circulação de mercadorias; e o segundo, ligado aos
processos de produção dos valores de uso que entram na formação do espaço
construído (RIBEIRO, 1997, p.69-70). Nosso objeto está mais diretamente
relacionado ao segundo caso.
Longe de estar ultrapassado, esse debate é base fundamental para a
compreensão do fenômeno da segregação, questão já debatida anteriormente, e
ponto crítico da realização urbana como fora expresso por Lojkine (1981).
A teoria da renda da terra urbana baseia-se na renda da terra agrícola,
todavia, quando na cidade o capitalista e o proprietário de terras são as mesmas
pessoas, o problema ganha novas dimensões. Isto se liga ao fato de que a terra aí
não é apenas um substrato à produção de mercadoria, ela em si se transformou em
mercadoria. Tentamos, a partir daqui, demonstrar as implicações oriundas dessas
transformações em Fortaleza.
3.2 CRESCE A CIDADE, ERGUEM-SE OS MUROS
Ao longo do seu processo de formação, Fortaleza confirmou o caráter de
desigualdade que marca a urbanização latino-americana. Em 2010, foi divulgado
pela ONU22 um posto nada glorioso para a Capital cearense, a cidade apareceu em
13º lugar no ranking mundial das mais desiguais em termos de renda.
Fortaleza, em sua constituição, foi destacando-se do conjunto de cidades
cearenses. A condição de sede do poder político e militar e a sua localização ao
litoral foram fatores importantes para a definição do seu papel no quadro da divisão
internacional do trabalho.
22
O estado das cidades do mundo 2010/2011: unindo o urbano dividido.
60
A Capital encontra-se entre os doze principais polos que compõem a rede
urbana brasileira (Tabela 1). Na hierarquia apresentada no REGIC (2008), Fortaleza
destaca-se como a terceira maior área de influência do País em termos
populacionais.
Tabela 1 - Metrópoles de comando das redes urbanas brasileiras*
Fonte: REGIC, 2008 *A soma dos valores apresentados para cada uma das redes supera o total nacional devido a interpenetrações pela ocorrência de vinculação em mais de um centro, resultando em dupla ou tripla inserção na rede.
Se analisada pelo papel polarizador em relação ao estado, Fortaleza
ganha dimensão ainda mais acentuada. De acordo com o IPECE23, a projeção de
Fortaleza para 2012 dizia respeito a uma população de 2.500.194 de habitantes,
esse número representava 29% da população do Ceará. Se compararmos as
projeções para a RMF, nesse período, em relação à população cearense, o
percentual chega a 43%. De 2001 a 2012, a taxa geométrica de crescimento
demográfico de Fortaleza representa 1,24%, muito próxima à do estado, que foi de
1,2%. Mas se a população da Capital não ultrapassou muito a média cearense, não
se pode dizer o mesmo das demais cidades da sua região metropolitana. Com
destaque para: Horizonte (4,58%), Eusébio (3,5%), Pacajus (3,27%) e Pacatuba
(3,15%), como podemos observar no Gráfico 2.
23
Cálculo feito a partir do Anuário Estatístico do Ceará – 2012.
61
Gráfico 2 - Taxa de crescimento geométrico dos municípios da RMF -
2001/2012
Fonte: Elaboração da autora com base nos dados do Anuário Estatístico do Ceará – IPECE, 2012
De acordo com a pesquisa apresentada no Anuário Estatístico do Ceará,
a Capital aparece, em 2010, como concentradora de 28,4% dos empregos formais
da indústria de transformação no estado, tendo em seguida outro município da RMF,
Maracanaú, com 9,5%. A população economicamente ativa de Fortaleza tem uma
renda 42,6% superior aos habitantes das demais cidades do estado e seu PIB
médio, entre 2005 a 2010, representou 48% do PIB médio do estado.
No setor que mais nos interessa, o da construção civil, a concentração
também é expressiva. O Gráfico 3 demonstra que cerca de 59% das empresas
existentes no Ceará se encontram na Capital.
Gráfico 3 – Indústria da construção civil no Ceará - 2010-2011
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados fornecidos pelos SEFAZ/IPECE.
62
Os dados elevam Fortaleza a uma importância significativa no contexto
regional. Uma atenção especial deve ser dedicada à questão. Quando analisados
somente no seu nível abstrato, podemos encontrar algo estranho ao real, por isso
precisamos nos deter em vários níveis da realidade: o ideológico, o político e o
econômico que são, a nosso ver, esferas importantes para a análise.
Assim, escolhidos os dados de crescimento, Fortaleza nos parece
reluzente; em pleno desenvolvimento, todavia a realidade que pode ser vista ao se
cruzar a Av. Costa Oeste24 - onde a verdadeira face atrás desses números é
representada pela desigualdade socioespacial. Começamos, assim, a entender que
não é o fator “desenvolvimento” que arrasta a si próprio pelos cabelos se elevando
do quadro de miséria, e sim, outro, que aparece sempre colocado como mero
obstáculo, o “atraso”, mas que é, na realidade, nacional, como bem destaca Oliveira
(2013), a escada desse desenvolvimento burguês. Naturalmente, não se pode
esperar que nos marcos de uma sociedade capitalista se apresente o real conteúdo
dos seus produtos, seria no mínimo constrangedor, no limite, bastante arriscado.
Nesse sentido, concordamos com Villaça (2011; p.37) quando explica que
“[...] nenhum aspecto da sociedade brasileira poderá ser jamais
explicado/compreendido se não for considerada a enorme desigualdade econômica
e de poder político que ocorre em nossa sociedade”. Ele ressalta ainda que “[...] o
maior problema do Brasil não é a pobreza, mas a desigualdade e a injustiça a ela
associadas”.
Durante algum tempo a desigualdade foi associada à dinâmica nova do
capitalismo no Brasil, era o tal discurso do bolo que crescia para ser repartido, mas
que para a classe trabalhadora não restou nem os farelos. Oliveira (2013) percebeu
bem isso ainda nos anos 1970 e acerca da condição urbana escreveu
Ora, o processo de crescimento das cidades brasileiras – para falar apenas do nosso universo – não pode ser entendido senão dentro de um marco teórico onde as necessidades da acumulação impõem um crescimento dos serviços horizontalizados, cuja forma aparente é o caos das cidades. (P.59).
Tratando da moradia, ele ainda argumenta que
24
Via que margeia o litoral oeste de Fortaleza percorrendo uma das zonas mais pobres da Capital. A avenida proporciona uma vista contrastante ao permitir uma visão panorâmica da orla.
63
Uma não-insignificante porcentagem das residências das classes trabalhadoras foi construída pelos próprios proprietários, utilizando dias de folga, fins de semana e formas de cooperação como o “mutirão”. Ora, a habitação, bem resultante dessa operação, se produz por trabalho não pago, isto é, surpertrabalho. Embora aparentemente esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado – a casa – reflete-se numa baixa aparente de custo de produção da força de trabalho – de que os gastos com habitação são um componente importante – e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de “economia natural” dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho. (P.59).
Parte significativa de Fortaleza foi construída sob essa condição,
especialmente os setores oeste e sul da cidade. A autoconstrução, muitas vezes
sem técnicas adequadas devido à escassez dos recursos, monta uma paisagem de
pequenas casas aglomeradas com tijolos à mostra. O procedimento construtivo é
árduo, após o erguimento de um cômodo de tijolo nu, uma família inteira passa a
ocupá-lo. Ao longo dos anos (e isso pode levar décadas), a casa vai sendo ampliada
e melhorada. Longe dos seus locais de trabalho, essa população gasta parte
considerável do seu dia nos deslocamentos casa/trabalho/casa.
O espaço é fator central para a dominação de classes e nesse sentido
Fortaleza viu desde muito cedo suas linhas serem redefinidas por uma lógica do
controle do espaço via urbanismo. Haussmann “veio” com Silva Paulet, engenheiro
militar que pretendeu “desentortar” a cidade, ainda vila, que seguia as espontâneas
linhas do Rio Pajeú.
No início do século XIX, a paisagem da vila compunha poucas
construções sobre seu areal. Apenas dois sobrados haviam sido construídos, sendo
apenas um feito com tijolos e telhas, onde teve sede a intendência municipal
(GIRÃO, 1979). Em geral, o perfil das habitações era a de casas térreas
monotonamente justapostas, estreitas e achatadas, construídas da taipa – madeira amarrada a cipós, com enxameio de barro – mostrando duas àguas sós, de tenha vã caindo para trás e para frente, em beira de bica ou beira e sub-beira, paredes lisas, raras com platibandas ou frontões, sem arabescos decorativos, sem frisos, sem colunatas, sem azulejos, sem coisa alguma o melhor gosto arquitetural. O resto, a mor parte, eram tugúrios de palhas, mocambos míseros, dispersos à toa, onde, no mais extremo desconforto, a pobreza fragilmente se resguardava da soalheira, naquele ardente lençol de areias brancas. (GIRÃO, 1979, p. 78).
64
A condição de desprovimento e singeleza começa a ser alterada com o
desenvolvimento do comércio algodoeiro e com a assimilação dos gostos
burgueses. O núcleo urbano cresce de modo mais acentuado, eliminando àquilo que
fugia ao traçado. Nesse período, Adolfo Hebster “alonga as linhas” de Fortaleza para
onde são hoje as Avenidas Nogueira Acioli e Domingos Olímpio e até a altura das
praças Gustavo Barroso e Paulo Pessoa (GIRÃO, 1979).
A saída do algodão não se deu sem a entrada do capital estrangeiro em
termos produtivos. O contato com a Inglaterra trouxe também suas sucursais.
Algumas companhias passaram a atuar na exploração de serviços, como no
fornecimento de iluminação pública, implantado em inícios de século XX. O contato
com os ingleses e a sua influência podem ser evidenciados pelas denominações
dadas às lojas e bares pertencentes a brasileiros, tais como: Casa Manchester,
Túnel de Londres, Ship Chandler e Casa Reeckell (GIRÃO, 1979).
Com o algodão, o contorno assumido por Fortaleza foi principalmente o
comercial. De acordo com Ponte (2001), a cidade configurava um quadro florescente
de mercado de trabalho, além disso, a infraestrutura urbana já contava com
calçamento em algumas ruas centrais, linhas de navios a vapor para a Europa e Rio
de Janeiro, sistema de abastecimento de água, Biblioteca Pública, Santa Casa de
Misericórdia, entre outros.
A cidade como um todo, em meados do século XIX, “[...] estava passando
por significativas transformações que a tornaram o principal centro político,
econômico, social e cultural da província” (PONTE, 2001, p.24). Ali já era possível
observar as primeiras marcas de um intenso processo de reajustamento social da
população fortalezense (PONTE, 2001). É nesse momento também que Fortaleza
apresenta um dinamismo superior ao de Aracati – sua maior rival até então (SILVA,
1992).
Os planos urbanísticos fortalezenses, imitativos dos haussmannianos,
representaram, para a época, um forte controle do território pelo Estado. O que fazia
demasiado sentido se pensarmos nesta importância e convergência urbana
florescente de Fortaleza. Controlar para progredir era preciso!
Não só o controle do território era imprescindível, mas de toda uma gama
de medidas relacionadas ao comportamento. Tratava-se, portanto, de um processo
disciplinador que pretendia determinar uma nova ordem capitalista, republicana e
65
racional, que influenciava não só Fortaleza, mas também as principais cidades do
País (PONTES, 2001).
Ao passo em que a opulência se conforma, a miséria torna-se mais
evidente. Referimo-nos a isto ao pensarmos em figuras do início do século XX,
narradas por Girão (1979), como as do Romão e do Sabão-Mole, homens
miseráveis, negros ou mestiços, que realizavam os ofícios mais degradantes da
época. No texto de Girão (1979), não se evidência a origem exata da miséria destes
homens, não se aponta para as permanências e as transformações de sua classe.
Há uma preocupação, intrínseca ao pensamento burguês, voltada para o
embelezamento da cidade e a omissão da crítica às contradições sociais.
Sem um adequado sistema de saneamento, os chamados Romão e
Sabão-Mole eram os trabalhadores responsáveis pela retirada dos dejetos das
casas. Por uma ninharia levavam barris de excrementos sobre a cabeça para serem
despejados ao mar. Estes homens eram representantes urbanos do resultado da
exploração escravista, portanto dispunham também do elemento central sobre o
qual se edificou parte da riqueza nacional.
Eles são ainda resultado de uma urbanização mais expressiva que
demandava novos serviços urbanos. Ao se falar em urbanização, tem-se adjacente
uma divisão social e territorial do trabalho em processo de complexificação.
De acordo com Silva (1992; p.29), “a partir da década de 30, Fortaleza
acusa um crescimento demográfico que se reflete no aumento de sua área urbana”.
Ainda segundo o mesmo autor, esse aumento populacional não foi acompanhado de
uma expansão da infraestrutura urbana. É deste período a eclosão das favelas de
Fortaleza: Cercado do Zé Padre (1930), Mucuripe (1933), Lagamar (1933), Morro do
Ouro (1940), Varjota (1945), Meireles (1950), Papoquinho (1950) e Estrada de Ferro
(1954) (SILVA, 1992, p.29).
A fisionomia da Capital vai se conformando, pelo menos até a metade do
século XX, de modo gradual e sem grandes saltos de modernização, muito além do
desenvolvimento dos serviços urbanos mais básicos, sem que estes se generalizem
para toda a cidade. Na Figura 2, elaborada a partir de Costa (2005), resumimos
alguns dos elementos importantes da organização do espaço fortalezense ao longo
da primeira metade do século XX.
66
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67
Após os anos de 1950, Fortaleza apresenta elevadas taxas de
crescimento decorrentes principalmente das migrações internas (SOUZA, 2006),
fenômeno que ocorre em decorrência do arquétipo político e das condições naturais,
associadas ao modelo produtivo rural tradicional, que não ofereciam os meios
necessários à permanência dessa população no campo. A face do adensamento
populacional, que constituiria boa parte do território da Capital, era marcadamente a
da pobreza e da informalidade.
É para essa década também que Souza (2006) aponta o início de um
caráter mais evidente de segregação socioespacial. A justificativa para tal
constatação se encontra na formação expressiva de favelas na cidade, nos setores
leste, oeste e sul, acompanhando os eixos de transporte. São essas vias de acesso
que orientam espacialmente a constituição territorial de Fortaleza.
Esse incremento da população urbana da Capital não foi acompanhado
por políticas públicas que garantissem o acesso dessa população às infraestruturas
ligadas à saúde, à educação e à moradia. Sem a atenção do Estado e, em muitos
casos, sem poder formalizar-se no mercado de trabalho, esses novos citadinos
fizeram parte do crescente contingente de miseráveis que constituiu os territórios da
pobreza e da informalidade em Fortaleza.
O território dessa parcela da população deu-se como um misto de
elementos de ruralidade e modernidade urbana. Nesses bairros periféricos, é
comum as casas, mesmo não tendo um recuo à rua, possuírem quintais que
abrigam criações de animais para abate e plantas de uso medicinal. O caráter
comunitário nesses lugares também é bastante marcante, há o reconhecimento da
vizinhança entre si e, com frequência, o compartilhar dos provimentos. Esses
elementos revelam as estratégias de sobrevivência forjadas no cotidiano desses
grupos, denotam também a forma como o território passa a ser organizado. As
referências estéticas do campo, as estratégias de uso dos pequenos espaços, a
relação com a rua, tudo isso são elementos que orientam a forma assumida por
esse território.
Os anos 1960 marcaram a efetivação da construção de unidades
habitacionais sob uma perspectiva de acumulação “quando os setores de bens de
capital e de bens duráveis passariam a comandar o processo de acumulação,
promovendo uma rápida urbanização do espaço nacional” (BERNAL, 2004, p.148).
A partir desse período, a conjugação envolvendo o Estado e o setor imobiliário
68
assumiu um importante papel no direcionamento da produção do espaço
fortalezense através dos programas de habitação.
Antes da existência do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, as
atividades que viabilizavam a compra de um imóvel ocorriam por meio de entidades
como institutos de previdência e Caixa Econômica, com a Carteira Hipotecária
(CARLEIAL; et al., 1979). “Essas entidades realizavam programas de financiamento
e investimento de várias modalidades, sem, contudo, terem uma estrutura
adequadamente sólida para atender a demanda por casa”, dificuldade que ocorreu
principalmente em função dos “recursos concedidos em longo prazo não retornarem
em valores atualizados, não permitindo, assim, reaplicações para uma produção em
larga escala” (CARLEIAL; et al., 1979, p.25).
Em termos econômicos, o Brasil da primeira metade do século XX
passava por diversos ciclos, em função de circunstâncias de dependência do
mercado externo. Na segunda metade do século XX, com a existência mais
acentuada de indústrias, cresciam também as necessidades, como as de
infraestruturas e de urbanização (CARLEIAL; et al., 1979).
O quadro era o das transformações urbanas envolvendo o crescimento
populacional das cidades e o aumento das demandas por infraestrutura que
propiciassem condição à reprodução dos novos trabalhadores urbanos. Justificou-se
com isso a dinamização das forças produtivas via produção do espaço. Entre os
setores de investimento o da habitação esteve entre os prioritários devido ao seu
poder de alavancamento de outros setores, bem como o de absorção de mão de
obra (CARLEIAL; et al. 1979). A produção do espaço nesses moldes tem relação
com algo mais do que a resolução das necessidades básicas da população, está no
centro do projeto a resposta aos problemas do Capital.
Em 1964, a Lei Federal 4.380 institucionalizava o Sistema Financeiro da
Habitação – tendo como órgão central o Banco Nacional da Habitação-BNH. Outros
instrumentos relacionados à poupança também foram criados para captar os
recursos necessários e se somarem aos do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço-FGTS25 para alimentação dos fundos do BNH. Entendendo a habitação
como produto de consumo e ligada à reprodução ampliada do capital, a instituição
financeira de responsabilidade do Poder Central concedeu às empresas privadas o
25
O FGTS é uma contribuição obrigatória de 8,5% sobre a folha de pagamento dos empregados sujeitos ao regime empregatício previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas.
69
direito de construção das habitações. “O acentuado déficit de habitação ligado ao
crescente aumento da população urbana vai provocar uma corrida neste setor
através da construção de conjuntos habitacionais e residências isoladas” (SILVA,
1992, p.79).
O BNH atuava através de uma reunião de programas habitacionais
relativos não só à construção da casa própria, mas também a viabilização de uma
gama de infraestruturas básicas necessárias. Por ele se financiou “a construção de
conjuntos habitacionais, que vão ter grande influência na estruturação do espaço da
cidade, alterando sua malha, criando e, em alguns casos, recriando focos de
concentração demográfica” (SILVA, 1992, p. 46).
Em Fortaleza, a construção dos conjuntos habitacionais realizou-se em
áreas distantes do centro da cidade (SILVA, 1992, p.46). O desdobramento dessa
ampliação da malha urbana culminou na valorização de terras particulares
localizadas entre as faixas ocupadas. Desse modo, o capital imobiliário incorpora
uma população que “[...] devido os seus níveis de renda, não tinha acesso ao
Sistema Financeiro da Habitação, a uma economia de mercado” (SILVA, 1992,
p.66).
A criação de conjuntos habitacionais, como Conjunto Prefeito José
Walter, Conjunto Ceará e Cidade 2000, cumpriu a função de valorização de novas
áreas por meio da orientação do crescimento da cidade para as décadas que se
seguiram.
Na década de 1970, a expansão urbana no sentido norte-sul tornou-se
nítida. Esse período é marcado pela desconcentração em direção leste (FUCK
JUNIOR, 2002) fortemente induzida pela implantação de infraestruturas e de
grandes equipamentos urbanos, tais como: a Universidade de Fortaleza (1973) e o
Centro de Convenções (1974).
O movimento de elitização e valorização de novas áreas da cidade foi
acompanhado de políticas de expulsão dos pobres das áreas de interesse do
mercado. Conforme Souza (2006)
Essa população [mais pobre] foi sendo deslocada para outras áreas a partir
da década de 1970 com a política de desfavelamento da prefeitura de
Fortaleza. [...] Esta política de desfavelamento caracterizava-se, portanto,
pelo deslocamento daquela população das áreas centrais da cidade e dos
trechos de bairros nobres como a Aldeota, para periferias urbanas, em
70
áreas desprovidas de infra-estrutura e de equipamentos sociais. Assim
surgiram os loteamentos do Conjunto Marechal Rondon, Alvorada, e
Conjunto Palmeiras, dentre outros. (P.138).
Nos anos 1980, o BNH também contribuiu para o adensamento nos
municípios vizinhos com a construção de grandes conjuntos habitacionais ao longo
das linhas norte (Caucaia) e Sul (Maracanaú) da linha férrea e nas proximidades do
distrito industrial. Na sequência de Fortaleza, os municípios cearenses de destaque
na concentração populacional são Caucaia e Maracanaú, os dois principais
municípios da RMF a receberem investimentos do BNH. Um fator explicativo para tal
conformação envolve a integração desses municípios com a Capital (MUNIZ; SILVA;
COSTA, 2011). Vale destacar também a importância do incremento à indústria nos
municípios da RMF, dado pelas políticas de incentivos fiscais via SUDENE, que
propiciaram a industrialização a partir dos anos 1960. Bernal (2004) sustenta que
A questão central que se coloca para as metrópoles nordestinas neste início
de século é a natureza do seu desenvolvimento urbano, que apresenta uma
face moderna atrativa para os capitais privados, ao mesmo tempo que se
aprofundam os seus traços segregativos, com a separação da burguesia,
através da expansão das áreas mais valorizadas e do crescimento do
número de favelas. (p.145).
O modo como os projetos habitacionais financiados pelo BNH ocorreram
reforçou o sentido segregador da estruturação urbana, pondo os mais pobres em
habitações distantes dos polos concentradores de atividades de trabalho, de
serviços, de comércio e de lazer.
Os anos de 1980 apresentaram o último fôlego daquele ciclo de
acumulação envolvendo altos investimentos do Estado. Na segunda metade dessa
década, o BNH foi extinto, 22 anos após o seu surgimento, em um momento de crise
do modelo econômico implementado pelo regime militar. Esse colapso envolveu
recessão, inflação, desemprego e queda dos níveis salariais. Assim, com a redução
da sua capacidade de investimento – decorrente da retração dos saldos do FGTS,
da poupança e forte aumento na inadimplência, oriundo do descompasso crescente
do aumento das prestações em relação à capacidade de pagamento dos mutuários
– o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) foi objeto, durante esse período, de um
intenso abatimento (BONDUKI, 2008).
71
De acordo com Bonduki (2008), durante o período de existência do BNH,
a SNH financiou a construção de 4,3 milhões de unidades, tendo seu recorde, em
1981, com o financiamento 266 mil unidades.
Depois dessa fase, o financiamento da casa própria foi reduzido
drasticamente e o acesso à moradia ocorreu por intermédio de planos alternativos. A
Caixa Econômica Federal - CEF, que assumiu as atribuições de agente financeiro do
SFH, não privilegiou, nesse período, as populações de baixa renda. Entre os anos
de 1995 e 2003, cerca de 78,84% do total dos recursos foi destinado a famílias com
renda superior a cinco SM e apenas 8,47% foram destinados para a baixíssima
renda (até três SM) onde se concentram 83,2% do déficit quantitativo (BONDUKI,
2008, p.80).
Na década de 1980, o processo de verticalização intensificou-se em
Fortaleza – especialmente, na Av. Beira Mar (PMF/PDPF, 2006). Essa verticalização
ocorreu como sinal da elevação dos preços da terra urbana. Essa década foi para o
Brasil um período de crescimento das desigualdades. Esse processo, como é
sabido, esteve ligado a uma crise ampla do capital, iniciada ainda nos anos de 1970.
Esse momento se agravou pelo contexto nacional de economia periférica e pela
forma como o Estado dos governos militares vinha sustentando o “milagre
econômico” – por meio de altos investimentos públicos na dinamização da
economia. Os recursos para estes investimentos demandavam ao governo um
elevado endividamento que teve como consequência a exaustão do Estado e o seu
comprometimento com os interesses do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Este processo golpeia a classe trabalhadora de baixos rendimentos, já
bastante desgastada com a crise e com a consequente exclusão do mercado
habitacional. Tendo em vista o fim dos programas habitacionais – e mesmo antes
deles, já que eles nunca foram capazes de atender às rendas mais baixas – a
solução encontrada para muitos foi a de habitar os espaços mais longínquos da
cidade ou áreas de perfil ambiental mais frágil. Daí porque a mancha urbana atinge
os limites de Fortaleza, inclusive extrapolando-o. O contexto do mercado de trabalho
vivenciado neste período, marcado pela ampliação da precarização, é fator
essencial para compreendermos o processo de concentração de renda que também
determina as desigualdades no acesso a terra.
A década seguinte marcou “[...] uma redução dos índices inflacionários
com os efeitos estabilizadores nos preços dos bens exportáveis a partir da abertura
72
da economia e, especialmente, a partir de 1994, com a implementação do Plano
Real” (BERNAL, 2004, p.92). Vale ressaltar que este foi também o momento de
intensas transformações em todas as esferas. A reestruturação produtiva significou
para o Brasil, além da precarização da força de trabalho, sua submissão, tanto pela
pressão exercida pelo contingente de reserva como pelo apelo ideológico
propagado. As transformações no território já ocorriam de modo intenso, do campo à
cidade, e a introdução de um novo modelo produtivo altamente racionalizado
intensificou a acumulação capitalista. Bernal (2004) expressa que
Em Fortaleza, a estratégia defensiva das empresas em busca de competitividade encontra respaldo na política de atração de capitais privados promovida pelas seguidas gestões do ‘Governo das Mudanças’, que utiliza a guerra fiscal e a flexibilidade do trabalho como instrumento de atração de capitais, com fortes impactos sobre o mercado imobiliário. (p.105).
As políticas também se concentraram na atração de investimentos para o
turismo. Essa dinâmica, por sua vez, gerou a execução de grandes obras, o que
contribuiu para uma reestruturação da economia da cidade (PMF/PDPF, 2006).
Estes investimentos significaram o posicionamento do mercado de terra fortalezense
no campo de apostas dos capitais internacionais.
Na escala metropolitana, a produção do “[...] espaço dos lazeres pela
expansão do mercado imobiliário e turismo é um dos processos decisivos da
constituição da centralidade e do espraiamento de Fortaleza” (AMORA; SOUZA;
ASSIS, 2012, p.3). Vale acrescentar que a
[...] metropolização litorânea não pode ser reduzida a metropolização turística, pois se trata de uma metropolização que se processa a partir da conjugação do mercado imobiliário e do turismo, com a proliferação das segundas residências, condomínios resorts, hotéis, pousadas, resorts e serviços de alimentação e entretenimento. (AMORA; SOUZA; ASSIS, 2012, p.3).
Como síntese desse processo: a redefinição dos papéis e funções do
espaço e a consolidação da lógica da propriedade privada (AMORA; SOUZA;
ASSIS, 2012) conflituosa com as práticas tradicionais baseadas na lógica de uso do
espaço para a reprodução da vida.
73
No final dos anos 1990, o quadro complexo que conjugava, dentre muitos
elementos: a desresponsabilização do Estado, a desigualdade social, o apelo ao
consumo26 e a precarização do trabalho ajuda a explicar a questão social de
Fortaleza, envolvendo, inclusive, os níveis de violência urbana.
Na última década, com uma realidade constituída a partir de mudanças
econômicas e jurídicas, como a aprovação, em 2004, da Lei Federal Nº 10.391 –
que deu maior segurança aos grupos imobiliários e financeiros ao estabelecer o
Patrimônio de Afetação27; a retomada do Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimos (SBPE); e a abertura de capital do setor imobiliário – foi possível
observar um crescimento mais acentuado, tanto das carteiras de crédito para
financiamento imobiliário quanto do próprio setor da construção civil. Não se pode
esquecer também a importância da já citada Lei Federal Nº 9.514, de 1997, que
ampliou a figura da alienação fiduciária28 para a propriedade imobiliária, ao
possibilitar aos bancos contrair o bem do devedor em caso de não pagamento da
dívida. Estas políticas de estímulo ao crédito e à construção civil se tornaram
notadamente importantes para a conformação daquilo que foi chamado, pela mídia e
por alguns especialistas, de boom imobiliário.
Bonduki (2008) afirma que o crescimento das aplicações de mercado foi
muito expressivo, pois, em três anos, a produção com recursos do SBPE triplicou.
Isto porque, com taxas de juros mais baixas, o crédito ficou mais “barato” e atingiu
um mercado de menor renda.
De acordo com a Associação Brasileira das Entidades de Crédito
Imobiliário e Poupança (ABECIP), em 2008, o financiamento habitacional conseguiu
bater o recorde do período de existência do BNH, com 299 mil unidades financiadas.
Em 2010, esse número chegou a 540 mil unidades. Em entrevista à Folha de São
Paulo (15/02/2011), o presidente da ABECIP, Luiz Antonio França, informou que,
26
Com a difusão massiva dos meios de comunicação tradicionais e com a introdução de novos. 27
“O Patrimônio de Afetação é a segregação patrimonial de bens do incorporador para uma atividade específica, com o intuito de assegurar a continuidade e a entrega das unidades em construção aos futuros adquirentes, mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador.” Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/urbanistico/doutrina/id604.htm>. Acesso em: 05 jul. 2014. 28
“A alienação fiduciária é a transferência da posse de um bem móvel ou imóvel do devedor ao credor para garantir o cumprimento de uma obrigação. Ocorre quando um comprador adquire um bem a crédito. O credor toma o próprio bem em garantia, de forma que o comprador, apesar de ficar impedido de negociar o bem com terceiros, pode dele usufruir.” Disponível em: < http://jurisway.jusbrasil.com.br/noticias/3181517/alienacao-fiduciaria-o-que-o-stj-tem-decidido-sobre-o-tema>. Acesso em: 05 jul. 2014.
74
nesse período, o crédito imobiliário chegou a representar algo em torno de 4% do
PIB nacional.
Com as condições estabelecidas, é possível observar o interesse
crescente dos bancos em atuar no terreno do crédito imobiliário, demonstrando a
importância desta estratégia para a acumulação de capital. Mais do que nunca, os
bancos disputam acirradamente a liderança nesse quesito. Em entrevista concedida
à revista Construção Mercado (2011, n.118, p. 20), o vice-presidente de novos
negócios de varejo do Banco do Brasil, Paulo Rogério Caffarelli, fala a respeito da
importância desse crédito para o Banco o qual trabalha, dizendo que
Este é um produto absolutamente fidelizador. O cliente fica conosco por 15, 20 anos, período em que podemos aperfeiçoar o relacionamento e consequentemente aumentar o volume de produtos adquiridos por ele. [...] de todos os produtos de crédito, o imobiliário é o mais importante. Não existe produto mais fidelizador e que mais cresce no Brasil do que o financiamento imobiliário.
Além desse fator para a impulsão da oferta de financiamento pelos
bancos, outros devem ser destacados, como: a mudança na legislação que permite
o uso do imóvel como garantia e a saturação de outras modalidades de crédito
(BARONI, 2011, p. 52).
Em 2010, na corrida pela monopolização desse mercado, os bancos que
se destacaram foram: Caixa Econômica Federal, com R$ 75, 93 bi; Itaú-Unibanco,
com R$ 12,1 bi; Santander, com R$ 12,09 bi; Bradesco, R$ 9,1 bi; Banco do Brasil,
R$ 3,5 bi; e HSBC, com 2,8 bi (BARONI, 2011, p. 50). É interessante observar a
posição da Caixa Econômica Federal, que assume o primeiro lugar com nada menos
que 65,72% do total de toda a carteira de crédito imobiliário dos seis principais
bancos, no ano de 2010. Atualmente, essas posições sofreram alterações, o Banco
do Brasil, a exemplo, nesse período, preparava-se para ampliar sua carteira de
credito imobiliário.
De modo geral, esses agentes atuam mediados pelas mais diversas
estratégias: direcionando crédito tanto a construtoras e incorporadoras, como a
pessoas físicas; ampliando agências e parcerias; oferecendo produtos mais flexíveis
a cada situação de cliente; reduzindo a burocracia; oferecendo facilidades como
maiores prazos e menores tarifas e taxas de juros – entre outras táticas.
75
A crescente importância do circuito financeiro para o investimento
imobiliário estabelece mediações particulares para o fenômeno urbano na
atualidade. Botelho (2007, p.24) assenta que “[...] o capital ‘imobiliza-se no
imobiliário’, o ambiente construído e o solo, de ‘bens imóveis’, ‘torna-se bens
móveis’, que circulam através dos títulos de propriedade que a cada momento
podem ser monetizados”.
Assim, por via de uma “intercambiabilidade” das parcelas do espaço,
conseguida com suporte no fracionamento e homogeneização deste, a propriedade
fundiária assume papel importante, como destaca Botelho (2007, p.25)
[...] o setor imobiliário teria, assim, uma função essencial a desempenhar na luta contra a tendência de baixa da taxa de lucro média, já que a construção possui lucros superiores à média da produção (a especulação não entra nesse cálculo, mas se sobrepõe a ele, dentro e por meio dela), na medida em que emprega mais capital variável com relação ao capital constante que grande parte dos setores de produção capitalista, apesar dos importantes avanços técnicos do setor. É uma fonte de mais-valia considerável.
Ainda de acordo com o autor, a limitação desse produto é, no entanto,
a sua lenta obsolescência, que dificulta a rotação do capital e o aumento da
demanda de seu mercado. Desse modo, os movimentos de constante relocalização,
distribuição e reconstrução, no e do espaço, se tornam fundamentais e
indispensáveis para a efetivação dessa obsolescência.
Apesar de toda expansão ocorrida, essa produção imobiliária não foi
capaz de atender às faixas de rendas que possuem maior déficit de moradia. Os
mais pobres continuam à margem desse mercado, pelo menos no que se refere à
obtenção de moradias com qualidade e infraestrutura adequada. Outro aspecto a ser
observado é que, se a chamada Nova Classe Média é disputada pelos mais diversos
setores, isto não decorre principalmente de sua real capacidade de compra, mas do
estímulo e do consequente crescimento do crédito, inclusive o imobiliário.
Em 2008, a crise econômica que inundou o mundo empresarial de
receio acerca dos novos investimentos exigiu a ação dos governos em torno do
incremento da produção. No Brasil, a resposta veio com a intensificação de políticas
públicas na dinamização do capital, já iniciada um ano antes com o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC). Tal estratégia se volta para a produção do
76
espaço, via Estado, como pedra angular para o desenvolvimento das forças
produtivas do setor privado.
Nas cidades, esses investimentos se tornaram mais visíveis na
produção residencial. Desde 2007, o mercado imobiliário brasileiro registra um
crescimento expressivo. De acordo com dados do Banco Central, fornecidos pela
ABECIP29, este foi o ano em que praticamente dobrou o número de unidades
construídas financiadas por recursos da caderneta de poupança que passou, em
2006, de 45.433 para 88.778. Em 2011, ano de maior fôlego, chegou-se a 227.149
unidades contratadas.
A participação efetiva de Fortaleza nesses novos investimentos
significou a consolidação das tendências de crescimento já percebidas antes dessa
década e de novas orientações sobre o território fortalezense.
Em 2011, os lançamentos do tipo residencial representaram, na Capital
cearense, um pico que chegou a ser quase sete vezes maior que os números
registrados, em 1999, como pode ser observado no Gráfico 3. Em termos
proporcionais, a elevação foi mais acentuada em bairros com exploração recente do
setor imobiliário como: Passaré e Messejana. A paisagem desses bairros foi sendo
marcada, ao longo desse processo, pela descontinuidade entre o público e o
privado, onde a deficiência dos equipamentos públicos contrasta com a reprodução
da vida em condomínios fechados verticais e horizontais.
Gráfico 3 – Unidades residenciais lançadas em Fortaleza – 1999/2012
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados fornecidos pelos CBIC/SINDUSCON-CE/FIEC.
29
Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança.
77
A resposta à aceleração da produção do espaço e à especulação
imobiliária foi a rápida mudança na dinâmica socioespacial da cidade. Bairros
inteiros “brotaram” da engenhosidade das incorporadoras transformando áreas
distantes e sem atrativos comerciais em terrenos férteis à lucratividade do capital
imobiliário. Em boa dose, os loteamentos e complexos de condomínios fechados30
tiveram papel substancial nisso. Só na Região Metropolitana de Fortaleza podemos
citar pelo menos 2631 desses projetos em sua versão de maior impacto, os
loteamentos fechados ou os complexos de condomínios fechados (Quadro 1).
Quadro 1 – Complexo de condomínios e loteamentos fechados da RMF
Empreendimento Empresa Tipo Município Parque dos Pássaros Odebrecht/Bairro Novo Complexo de condomínios Fortaleza
Barra dos Coqueiros FortCasa Loteamento fechado Cascavel
Monteville Montenegro Complexo de condomínios Fortaleza
Jardins da Serra Terra Brasilis Loteamento fechado Maracanaú
Terras Belas Walter Mota Loteamento fechado Maracanaú
Reserva Camará FortCasa Loteamento fechado Eusébio
Cascavel Village FortCasa Loteamento fechado Cascavel
Jardins do Logo Terra Brasilis Loteamento fechado Eusébio
Quintas do Lago Urbanística Brasilis Loteamento fechado Eusébio
Alphaville Alphaville Loteamento fechado Eusébio
Jardins Ibiza FGR Urbanismo Loteamento fechado Eusébio
Aquiraz Riviera Manhattan Loteamento fechado Aquiraz
Alphaville Alphaville Loteamento fechado Aquiraz
Park Maracanaú Sobi Imóveis Loteamento fechado Pacatuba
Park Bouganvile Sobi Imóveis Loteamento fechado Pacatuba
Parque das Águas Sobi Imóveis Loteamento fechado Cascavel
Lagos Country & Resort Sobi Imóveis Loteamento fechado Cascavel
Morada dos Boques e Morada das Pétalas Rodobens Complexo de condomínios Pacatuba
Ecopark Boneville Bonelli Brasil Loteamento fechado São Gonçalo do Amarante
Grand Boulevard FortCasa Loteamento fechado Eusébio
Reserva Golden Park Sobi Imóveis Loteamento fechado Itaitinga
Fazendo Imperial Sol Poente Montenegro Loteamento fechado Caucaia
Vila do Porto Vip Imobiliária LTDA Loteamento fechado São Gonçalo do Amarante
Vila Cauípe Vip Imobiliária LTDA Loteamento fechado São Gonçalo do Amarante
Eusébio Village Sobi Imóveis Loteamento fechado Eusébio
Prainha Village Sobi Imóveis Loteamento fechado Aquiraz
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo e anúncios imobiliários
Alguns empreendimentos, como os da marca Alphaville, impactaram
fortemente na produção do espaço urbano, tendo em vista que as camadas de maior
poder aquisitivo, antes concentradas fortemente em bairros como: Aldeota, Meireles,
Papicu e Cocó, passaram a morar fora dos limites da Metrópole. Nogueira (2011)
30
O que estamos chamando aqui de “complexo de condomínios fechados” se refere aos empreendimentos que contam com mais de um condomínio. 31
O número de empreendimentos do tipo loteamento fechado e complexo de condomínios pode ser bem superior, já que os dados apresentados capturam apenas os empreendimentos que ainda possuem anúncios na web.
78
constata esse processo e expõe que o movimento feito pelos antigos moradores de
Fortaleza em direção à RMF apresenta, em geral, como justificativa o “alto preço dos
imóveis na capital, e/ou a violência, e até a busca por maior qualidade de vida”.
(P.34). Estas justificativas também se repetem em outros estados como demonstram
as várias pesquisas realizadas no Brasil sobre o tema.
Ainda de acordo com Nogueira (2011, p.55) “[...] o melhoramento da
rodovia [CE-040] facilitou a fluidez do tráfego e a contiguidade com o Município de
Fortaleza, encurtando as distâncias e favorecendo o movimento de incorporação
imobiliária em direção ao Eusébio”, Município de destaque em número de
empreendimentos.
Desde 2012, quando o setor iniciou uma desaceleração, os loteamentos
fechados têm sido alvos de interesse. Este horizonte de limitações no crescimento
ascendente fez com que várias empresas, inclusive aquelas de capital aberto,
passassem a operar com os condomínios e loteamentos fechados, entre elas:
Cipasa, Rodobens, MRV, Cyrela, Brookfield e Rossi.
O movimento indica vantagens expressivas do ponto de vista da relação
incorporação/preço de lançamento da mercadoria, isto porque esses projetos não
recebem o mesmo tipo de financiamento nem estão sujeitos ao mesmo aparato legal
que os demais produtos imobiliários32, o que implica num esforço financeiro e
burocrático muito maior.
Ao mesmo tempo, a estratégia de aliança entre diferentes agentes
imobiliários, como incorporadoras e proprietários de terrenos, baseada em cotas de
lucro na venda dos lotes, reduz os custos e os riscos para as empresas. Isto, no
entanto, não pode ser dito igualmente para os compradores (comumente pequenos
investidores) que ficam com parte significativa do risco da estagnação dos projetos e
dos espaços que talvez não cheguem a ganhar o dinamismo esperado. A baixa
liquidez também será um risco deixado cada vez mais a esses pequenos
investidores.
Consideramos ainda que foi frente aos quesitos custo/burocracia que os
projetos de loteamento foram alterados para se enquadrar no perfil coberto pela
atual política de financiamento imobiliário, em especial, o Programa Minha Casa,
Minha Vida (PMCMV).
32
Nesse caso, estamos falando dos produtos imobiliários mais comuns, como: casas, casas em condomínio e apartamentos.
79
É comum, nesses casos, que a companhia crie uma empresa específica
para atuar com exclusividade no segmento. Este foi o caso da Odebrecht que criou a
Bairro Novo, voltada para o mercado aberto mais diretamente pelas políticas dos
anos 2000. Em Fortaleza, a Bairro Novo aplicou investimentos no bairro Pedras com
o empreendimento Parque dos Pássaros.
Enquanto loteamento, os empreendimentos não poderiam entrar no
financiamento, o que os faria perder um mercado enorme que se abriu com o
PMCMV. Qual foi a estratégia? Vender “bairros” inteiros com estruturas semelhantes
às oferecidas pelos loteamentos fechados.
O Quadro 2 apresenta o perfil construtivo dos enclaves residenciais na
RMF.
Quadro 2 – Tipos de enclaves residenciais na RMF
TIPOLOGIA
HABITACIONAL
CARACTERÍSTICA
BÁSICA DAS UNIDADES
PORTE*
LOCALIZAÇÃO NA
MALHA URBANA DA RMF
OCORRÊNCIA DE FINANCIAMENTO
PELO PMCMV
Loteamento
fechado
Casa térrea ou assobradada
Grande
Aquiraz, Eusébio, Caucaia, Cascavel, Maracanaú, Pacatuba, São Gonçalo do Amarante, Itaitinga.
Não há
ocorrência
Condomínio
fechado horizontal
Casa térrea ou assobradada
Pequeno
Encontram-se, principalmente, em: Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, Eusébio, Maranguape e Pacajus.
Há ocorrência Médio
Grande
Pacatuba
Condomínio
fechado misto
Casa térrea e
prédio de apartamento
Médio
Fortaleza
Há ocorrência
Condomínio
vertical
Prédio de
apartamento
Pequeno ou médio
Verifica-se maior ocorrência em: Caucaia, Maracanaú, Aquiraz e Fortaleza (maior concentradora do modelo).
Há ocorrência
Fonte: Elaborado pela autora * Referente à área construída onde consideramos: pequeno, inferior a uma quadra; médio, igual a uma quadra; grande, superior a uma quadra.
Na Região Metropolitana de Fortaleza, pelo menos dois grandes projetos
têm essa estratégia: o já citado Parque dos Pássaros, do grupo Odebrecht, em
Fortaleza; e o Moradas das Pétalas, da Rodobens, em Pacatuba. Observemos que,
de modo singular, mas, não ao acaso, estes agentes produtores do espaço são duas
80
organizações de capital aberto. Isto porque a dimensão dos projetos e a tecnologia
necessária é de grande monta financeira, limitando o controle do mercado a poucas
empresas.
Tal constatação, todavia, não é verdadeira para os condomínios fechados
de menor porte. Nogueira (2011) explica que, ao contrário das empresas
responsáveis pelos loteamentos fechados – podemos acrescentar aí os complexos
de condomínios – as envolvidas na produção de condomínios fechados possuem
menor capacidade de investimento, predominando empresas locais.
De todo modo, a produção do espaço a partir desses enormes projetos
tem efeitos sobre o modelo produtivo em vigor. O que deve atingir também, para os
próximos anos, as relações de trabalho na indústria da construção civil. Dois fatores
operacionais devem ser destacados para entendermos o significado disso. O
primeiro se refere ao fato de que os complexos de condomínios, para segmento de
menor renda, são pouco sofisticados do ponto de vista do projeto – seu acabamento
e qualidade de obra são inferiores ao padrão geral do mercado. O segundo aspecto
é que, com isso, eles podem ser também inteiramente padronizados, o que
possibilita o desenvolvimento de novas tecnologias que reduzem o tempo de
produção e a mão de obra empregada.
Ainda acerca dessa produção do espaço é importante detalharmos os
dois casos há pouco citados. O primeiro exemplo desse tipo de projeto é o Parque
dos Pássaros, da Bairro Novo, empresa das organizações Odebrecht, criada para
atuar no que o grupo chama de “segmento econômico”.
Esse empreendimento está localizado no bairro Pedras – área de
ocupação residencial rarefeita, mas cortada pelo Quarto Anel Viário, que possibilita o
encontro com uma porção dinâmica da cidade a sudeste. Atualmente, o projeto não
demonstra ter sido um grande sucesso, pelo menos não para os compradores que
não viram boa parte da promessa de expansão do empreendimento ser concluída.
Há, todavia, de se observar que, na região, estão sendo desenvolvidos
novos projetos semelhantes. Externalidades positivas produzidas por grandes obras
voltadas para habitação social devem garantir para os próximos anos a formação de
um mercado consumidor suficientemente interessante à concentração do setor
terciário na região. Este certamente é um vetor para o qual os pesquisadores devem
olhar.
81
Com o aumento dos preços do mercado imobiliário o segundo
empreendimento desse tipo foi implantado a uma distância ainda maior de Fortaleza,
no Município de Pacatuba. Intitulado de Moradas das Pétalas, esse projeto da
Rodobens possui 736 unidades. Não há nenhum correspondente local comparável
em termos de concentração de casas populares em área fechada. Vale ressaltar que
essa dimensão é possível devido à flexibilização da legislação municipal.
Recentemente, as obras que transformaram o antigo modal trem em
metrô foram concluídas, resignificando33 a condição de deslocamento da população
da região. Esse fator foi, junto com a dinâmica do setor terciário, imprescindível para
a expansão do mercado imobiliário em direção ao Município de Maracanaú.
Fica evidente, quando se fala em transportes, o perfil mais genérico dos
moradores para o qual estão voltados esses projetos. O empreendimento da
Rodobens tem como principal fator locacional a proximidade do metrô, o que inclui
um segmento de renda que não possui automóvel ou que não pode se deslocar
diariamente com ele devido aos custos embutidos.
Noutros casos, destaca-se a proximidade de algum centro municipal. É
comum ver isso para Maracanaú e Caucaia, que já possuem uma maior dinâmica do
terciário. Isto também pode acontecer por outro motivo, como quando a distância de
Fortaleza é tão significativa que se torna difícil convencer o possível consumidor
acerca de alguma vantagem atribuída à possibilidade de acesso à Capital.
Na realidade, os empreendimentos de melhor padrão encontram-se muito
bem localizados mesmo estando fora de Fortaleza, além disso, o fator automóvel
reduz, em termos relativos, as distâncias.
O que destacamos no parágrafo anterior tem a ver com certa
permanência nos padrões de reprodução das desigualdades socioespaciais, que
continuam sim, pelo menos em Fortaleza, a colocar os trabalhadores a distâncias
cada vez maiores dos seus espaços de trabalho, lazer, consumo, estudo, etc., ônus
que deve ser considerado em termos de precarização do trabalho.
Observa-se também que, apesar da ocorrência desses empreendimentos
na parte oeste da RMF, é em direção aos Municípios de Maracanaú e Eusébio (CE-
040) que os loteamentos e condomínios fechados tendem a ter maior
expressividade.
33
A vinda do metrô trouxe o signo de modernidade à região.
82
No Eusébio, por exemplo, além dos diversos condomínios fechados, há
tendência a uma concentração também dos loteamentos. Vale acrescentar que este
é o Município que receberá o segundo maior Alphaville do País com 19 milhões de
m² (dentro dele caberiam quase cinco Aldeotas34). Nesses verdadeiros bairros
fechados (talvez agora cidades), certos aspectos chamam a atenção. O primeiro tem
a ver com o padrão construtivo dos imóveis. A vida previsível nesses lugares
começa com a “cartilha” que define o padrão das unidades residenciais de um
Alphaville. A paisagem composta por imóveis de alto padrão e paisagismo impecável
só é “borrada”, às vezes, por um ou outro trabalhador em trajes simples que
caminha ou pedala de modo discreto pelo condomínio.
Na entrada, esta previsibilidade é garantida. Além da guarita com vários
seguranças armados, cada morador deve apresentar uma espécie de passe
eletrônico que o identifica, liberando sua entrada. No caso de visitantes, estes
devem receber, após a identificação e autorização de um morador, uma pequena
placa, e não poderá circular pelo condomínio sem a presença do proprietário de um
imóvel. A entrada de serviços públicos – como, por exemplo, a coleta de lixo – é feita
após cadastro e mediante escolta. Nenhum detalhe parece passar pelo esquema de
segurança do Alphaville, os muros que o circulam não só possuem cercas elétricas
como são construídos com fundações de dois metros de profundidade. Apesar de se
comprar um imóvel dentro de um loteamento fechado, sob a justificativa da
segurança, é difícil ver um morador circulando a pé nas ruas internas do
condomínio.
O modelo que começou nacionalmente em São Paulo ganhou fama,
morar num Alphaville tornou-se sinônimo de status e de qualidade de vida associado
à segurança, pelo menos no discurso dos promotores. Em termos práticos, no
mercado, isto significa venda rápida. Em geral, quando lançados, estes
empreendimentos são comercializados em poucas horas. Toda essa ansiedade do
mercado não se explica pela aquisição de um bem que terá como atributo central o
seu valor de uso, mas sim, o potencial especulativo sobre essa mercadoria. No caso
do empreendimento do Eusébio, a valorização de 2007, ano de lançamento, até
2013, ultrapassa os 200%.
34
A Aldeota é um bairro valorizado do setor leste de Fortaleza já bastante ocupado e verticalizado. De acordo com a PMF, o bairro possui uma população de 42.361 habitantes e compreende uma área de 3,88 km². Fonte: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-II>, visitado em 1/7/2014.
83
Figura 3 – Portaria do Alphaville Fortaleza
Fonte: Pesquisa de campo
Figura 4 – Rua interna do Alphaville Eusébio
Fonte: Pesquisa de campo
84
Figura 5 – Casa em construção no Alphaville Eusébio
Fonte: Pesquisa de campo
Figura 6 – Manutenção do paisagismo do Alphaville do Eusébio
Fonte: Pesquisa de campo
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Com projetos de menor escala, mas com maior potencial de expansão, os
condomínios fechados têm avançado rapidamente nos setores sul e sudeste. Até os
anos 1990, o perfil desses setores era de um menor adensamento e de uma
população com rendimentos mais baixos.
Os condomínios fechados horizontais acompanharam a expansão recente
da malha urbana de Fortaleza. Santos (2012, p.78) observou que a “[...] década de
1980 representou o auge do processo de conquista e fracionamento da zona
sudeste da cidade”, com esse movimento, “[...] se iniciou uma nova fase, de
retenção dos terrenos já parcelados para valorização e posterior comercialização”.
É nessa região, que, nos anos 1990, inicia-se a construção de diversos
condomínios fechados aproveitando-se das infraestruturas construídas e do
potencial de alocação de novos equipamentos. O primeiro condomínio fechado de
Fortaleza, o Royal Park, foi implantado exatamente nessa região, no bairro Edson
Queiroz, no ano de 1996. O padrão que encontramos lá é algo muito próximo de um
Alphaville.
Entre os principais bairros concentradores dessa tipologia habitacional
destacam-se: Passaré e Sapiranga/Coité. Em comum, além dos condomínios
fechados, está a valorização acentuada em contraste com a miséria observada na
paisagem desses bairros. O isolamento e o sentimento de proteção causado pelos
condomínios fechados fazem com que estes possam estar em praticamente todos
os lugares, o que abre novos territórios de investimentos para o setor imobiliário.
O sentido dessa nova urbanização requer uma reflexão acerca das
transformações socioeconômicas da periferia de Fortaleza. É o que buscamos
realizar na sequência.
3.3 A PERIFERIA VAI AO SHOPPING
Ultrapassada a fase de concentração urbana de Fortaleza, nas
proximidades do núcleo original, a cidade adensou-se nas direções leste e oeste.
Nos anos de 1960, a Capital alcançou na ponta leste bairros hoje conhecidos como
Vicente Pinzon, Varjota, Aldeota, São João do Tauape, Dionísio Torres... Do lado
oeste, a expansão fez-se para os bairros Granja Portugal, João XXIII, Henrique
Jorge, Autran Nunes, Parque São José, Manoel Sátiro... Nos setores sul e sudeste,
86
a expressão veio após os anos 1970, com a construção do Conjunto José Walter
(sul) e o adensamento de Messejana e bairros adjacentes (sudeste).
No caso do setor sul da Capital, a expansão influenciada pela construção
do Conjunto José Walter caracteriza uma urbanização em saltos, ocorrida também
em outras capitais enquanto fragmentação dos espaços urbanos por uma separação
física das estruturas de um território.
Nas décadas que se seguiram, essa área, composta também pelos
distritos de Messejana e Mondubim, apresentou o maior crescimento demográfico da
Capital. Nesse conjunto, o maior aclive populacional se deu no bairro Passaré, com
uma evolução rápida ocorrida a partir dos anos de 1990 (PDDUFOR/IBGE, 2006). O
Gráfico 4 nos ajuda a dimensionar a velocidade do crescimento populacional do
Passaré.
Gráfico 4 – Taxa de crescimento populacional do bairro Passaré – 2000 a 2010
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados do IBGE, Censo Demográfico 2000/2010.
A virada populacional do Passaré está ligada, no primeiro momento, às
ocupações que reivindicaram o direito à habitação. Movimentos que se tornaram
comuns em Fortaleza com o fim dos governos militares e com a extinção do BNH.
No Passaré, a luta por moradia organizou-se via movimentos sociais, além de ter
tido apoio de segmentos da Igreja Católica que contribuíram com a proteção da
população carente e com a apresentação de suas reivindicações.
Quando o direito à permanência da terra ocupada era alcançado, iniciava-
se um novo processo, o da construção das moradias. Durante esse período, dos
anos de 1980 e 1990, tornou-se comum a autoconstrução dos imóveis via mutirão.
Para além do Passaré, toda a periferia de Fortaleza está marcada pelos
loteamentos irregulares, urbanização que, comumente, não oferece condições
mínimas de habitabilidade. A saída para a realidade da falta de infraestrutura,
87
comum a esses loteamentos, fora mais uma vez a organização popular e a pressão
política.
É necessário, para que possamos seguir em nossa exposição, esclarecer
de que modo estamos abordando a noção de “periferia”. Santos (2008; p.290-291)
ressalta que “[...] a palavra periferia pode ser usada em diferentes acepções”, na
geografia ela se distancia do senso comum referente à distância meramente
geométrica “[...] entre um polo e as zonas tributárias”, aproximando-se mais de uma
perspectiva ligada à acessibilidade. Essa acessibilidade “[...] depende
essencialmente da existência de vias e meios de transportes e da possibilidade
efetiva de sua utilização pelos indivíduos, com o objetivo de satisfazer necessidades
reais ou sentidas como tais”, porém, a “[...] incapacidade de acesso aos bens e
serviços é, em si mesma, um dado suficiente para repelir o individuo, e também a
firma, a uma situação de periferia”.
Alves (2011; p.114) trata de uma “presença/escassez de serviços” que
comporia a paisagem atual da periferia das cidades brasileiras, onde
[...] de um lado, loteamentos fechados, em que boa parte das necessidades de seus moradores é satisfeita nas centralidades da metrópole, exigindo o deslocamento por meio do uso de veículos particulares; de outro, ocupações regulares e irregulares, em que predominam pessoas de menor poder aquisitivo.
Assim, a autora acentua as mudanças e as diferenças constituídas nas
últimas décadas do espaço compreendido, normalmente, enquanto periferia.
Sposito (2013; p.78) fala acerca de uma “[...] superação da lógica ‘centro
periferia’, que, durante o século XX, orientou o crescimento do tecido urbano e
a divisão econômica e social do espaço da cidade”. Essa superação, todavia, é
relativa se pensadas as permanências da cidade do passado e combinações
(antigo/novo) que reafirmam a estrutura espacial periférica (SPOSITO, 2013).
Nesses termos, ela defende a adoção do termo reestruturação, levando em
consideração que “[...] há reorientação das escolhas locacionais, porque há
diversificação delas e, sobretudo, porque o processo em curso é muito mais
complexo do que aquele que vigorou até o terceiro quartel do século XX” (SPOSITO,
2013, p.78).
88
A configuração urbana apresenta-se, portanto, enquanto tecido disperso,
onde se ampliam as distâncias dos percursos dos citadinos. É claro que serão
penalizados, mais duramente, os trabalhadores de menores rendimentos, que
dependem exclusivamente dos transportes públicos.
A configuração espacial, social e econômica da periferia de Fortaleza, em
que faz parte o que estamos chamando de sul e sudeste35, está marcada pela
precarização das habitações e das infraestruturas, bem como pelos baixos
rendimentos e pelo trabalho informal. Mais recentemente ela vem também
incorporando setores valorizados que agrupam enclaves residenciais, horizontais e
verticais. O volume das exceções - que podem estar tanto na periferia (a exemplo
dos enclaves residenciais), como nos bairros mais valorizados (com a presença de
favelas) – não implica, todavia, em uma mudança ou em um equilíbrio entre os
valores encontrados nas variáveis socioeconômicas por bairros de Fortaleza.
Os cartogramas a seguir apresentam variáveis do tipo: renda,
esgotamento sanitário, alfabetização e mobilidade urbana por bairros de Fortaleza.
Com eles, confirmamos as facetas desiguais da Capital cearense. Essas variáveis
também são importantes por representar, em seu conjunto, um indicador da
qualidade de vida da população fortalezense.
Os bairros com população de menor renda correspondem também
àqueles em que há uma pior taxa de alfabetização (Mapas 1 e 2). De acordo com o
IBGE (2010), os bairros com os maiores percentuais de população não alfabetizada
são: Pedras (12,8%), Praia do Futuro I (12,5%), Ancuri (12,3%) e Pirambu (12,2%).
Enquanto os bairros com melhores índices de alfabetização são: Meireles (1,2%);
Dionísio Torres (1,3%); Fátima (1,4%) e Cocó (1,4%). No Passaré, 7,5% dos
residentes36 não estão alfabetizados, taxa acima da média fortalezense (6,6%). A
taxa de população urbana não alfabetizada brasileira é de 5,8%.
No conjunto, os menores índices de alfabetização estão nos bairros
desprivilegiados de infraestrutura e com maior proporção de população pobre de
Fortaleza. Analfabetismo e pobreza são problemas associados, há entre os dois um
relevante grau de determinação mútua.
35
Para este trabalho não foi possível levantar critérios de precisão para o que identificamos enquanto sul e sudeste da Capital, assim, usamos essas noções para nos orientarmos genericamente em nosso objeto. 36
Para esse dado o IBGE considera a população acima de dez anos.
89
Mapa 1 – Taxa de alfabetização das pessoas de 10 anos ou mais de idade (%) por bairros – Fortaleza/CE - 2010
Fonte: IBGE, CENSO 2010 Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Galvão Sant’ana
90
Mapa 2 – Rendimento nominal mensal médio (R$) por bairro – Fortaleza/CE - 2010
Fonte: IBGE, CENSO 2010 Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão
Outro elemento que aparece entre os aspectos relativos à condição de
periferia é o acesso limitado a um adequado esgotamento sanitário. Nesse sentido,
há ainda graves problemas de distribuição desse serviço, em que bairros como:
Pedras, Parque Presidente Vargas, Parque Santa Rosa, Canindezinho e Paupina
não chegam a ter um quarto de suas necessidades cobertas por sistema de
esgotamento sanitário, como demonstrado no Mapa 3.
91
Mapa 3 – Existência de banheiro ou sanitário e esgotamento sanitário por bairros – Fortaleza/CE - 2010
Fonte: IBGE, CENSO 2010 Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão
A questão envolve problemas ambientais com sérios rebatimentos na
condição de saúde da população. De acordo com Heller (1986; p.74-75), o
saneamento constitui
[...] o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre seu estado de bem estar físico, mental ou social. [...] Para efeito de padronização, a tendência predominante no Brasil tem sido a de considerar como integrantes do saneamento as ações de: abastecimento de água, caracterizado como o fornecimento às populações de água em quantidade suficiente e com
92
qualidade que a enquadre nos padrões de potabilidade; esgotamento sanitário, compreendendo a coleta dos esgotos gerados pelas populações e sua disposição de forma compatível com a capacidade do meio ambiente em assimilá-los; limpeza pública, incluindo todas as fases de manejo dos resíduos sólidos domésticos, até sua disposição final, compatível com as potencialidades ambientais; drenagem pluvial, significando a condução das águas pluviais, de forma a minimizar seus efeitos deletérios sazonais sobre as populações e as propriedades; controle de vetores de doenças transmissíveis, especialmente artrópodes e roedores.
Para Fortaleza não há uma relação direta entre alto acesso ao
saneamento básico e indicadores demográficos de crescimento populacional, mas
existe uma correlação clara desse serviço com a qualidade educacional e de
rendimento da população atendida (BENTO, 2011).
A relação saneamento/educação/rendimento foi percebida por Bento
(2011, p.154) ao tratar da presença da infraestrutura de saneamento básico
enquanto atrativo primordial para a construção civil. O autor identifica ainda que a
“ausência desses serviços encarece as obras e diminui os atributos a serem
ofertados na venda de terrenos e imóveis”. Assim, o que ocorre é que a presença do
serviço de saneamento valoriza a terra determinando, por essa via, um acesso
restrito a ela.
Outro aspecto de fundamental relevância para a valorização da terra é a
condição de deslocamento do local de residência aos espaços onde se realizam
atividades como as ligadas à educação e trabalho. Devemos considerar aí que estão
em jogo outras questões além da distância física entre os centros de maior dinâmica
da cidade, a exemplo: as vias de acesso e a posse de transporte individual.
França (2011) confirma a relevância do tema ao tratar da mobilidade do
trabalho. A autora observa que, em Fortaleza, “a mobilidade urbana é um importante
componente de inserção” da vida citadina, onde “[...] seu exercício, forma e
conteúdo se dão de modo diferenciado entre as classes sociais, com certas
consequências sobre o acesso à cidade” (FRANÇA, 2011, p.73). Amora e Guerra
(2005, p.2), com um aprofundamento etimológico, definem o conjunto de processos
que envolvem o conceito de mobilidade
O dicionário Petit Robert (ROBERT, 1996) define mobilidade como “qualidade do que pode se mover ou ser movido no espaço ou no tempo”, “o que pode mudar de posição”, incluindo nesta acepção desde a propriedade de mover um membro ou um órgão até a mobilidade de uma população ou de uma espécie animal, movimentos compreendidos no fenômeno
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designado “migração”. A mobilidade inclui também, movimento de mão-de-obra, mobilidade profissional, social, ascendente ou descendente. Além desses sentidos destaca ainda, mobilidade como característica do que muda rapidamente de aspecto ou de expressão e mobilidade de sentimentos, de humor, de vontade, qualidade que produz instabilidade, versatilidade, flutuação, inconstância. Ferreira (1986) traz acepção mais complexa de mobilidade social, ao defini-la como “circulação ou movimento de idéias, de valores sociais ou de indivíduos, duma camada inferior para a superior e vice-versa, ou de um grupo para outro do mesmo nível”.
Essa definição de mobilidade nos leva a pensar uma dimensão mais
ampla do conceito, implicando em algo que ultrapassa a forma. Por essa via, a
mobilidade pode envolver mais que a mudança física dos corpos, permitindo-nos
chegar, talvez, a elaborações acerca das concepções de mundo produzidas pela
experiência através do espaço.
Mesmo sob uma noção mais enrijecida da mobilidade referente apenas
aos deslocamentos, temos um instrumento bastante poderoso de avaliação das
condições da vida urbana.
Os Mapas 4 e 5 apresentam o indicador de Deslocamento Casa/Trabalho
elaborado pelo INCT Observatório das Metrópoles. Este é um dos indicadores
utilizado na composição do Índice de Bem-Estar Urbano – IBEU37. Apesar de não
haver cobertura para todos os bairros, fica nítido, mais uma vez, que os
tradicionalmente ocupados pela população de melhores rendimentos de Fortaleza
são os que mais oferecem condições de acessibilidade aos seus moradores. Isto
porque esses bairros congregam: empresas, escritórios, escolas, comércios,
restaurantes, clínicas... Essas atividades também exercem fator de convergência da
mão de obra que reside nos bairros mais distantes.
37
De acordo com o coordenador nacional do INCT Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, o objetivo do IBEU é “avaliar a dimensão urbana do bem-estar usufruído pelos cidadãos brasileiros promovido pelo mercado, via o consumo mercantil, e pelos serviços sociais prestados pelo Estado. Por meio do índice é possível analisar indicadores de mobilidade urbana; condições ambientais urbanas; condições habitacionais urbanas; atendimento de serviços coletivos urbanos; infraestrutura urbana para os 15 grandes aglomerados urbanos que o INCT Observatório das Metrópoles identificou em outros estudos como as metrópoles brasileiras, por exercerem funções de direção, comando e coordenação dos fluxos econômicos. Para atingir o objetivo proposto, o IBEU foi concebido em dois tipos: Global e Local. O IBEU Global é calculado para o conjunto das 15 metrópoles do país, o que permite comparar as condições de vida urbana em três escalas: entre as metrópoles, os municípios metropolitanos e entre bairros que integram o conjunto das metrópoles”. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net/ibeu/sobre1/>. Acesso em: 03 agosto 2014.
94
Mapa 4 – Acesso ao local de trabalho em até uma hora – Fortaleza/CE – 2010
Fonte: INCT Observatório das Metrópoles
Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão
95
Mapa 5 – Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU) por bairros – Fortaleza/CE – 2010*
Fonte: INCT Observatório das Metrópoles
Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão
* O IBEU varia entre zero e um, onde mais próximo de um representa melhor bem-estar urbano; e mais
próximo de zero, piores condições de bem-estar urbano.
O IBEU Local, baseado em informações relativas aos serviços de
mobilidade, habitação, atendimento de serviços coletivos e de infraestrutura urbana,
também se torna ímpar a nossa caracterização mais geral dos setores sul e sudeste
fortalezenses, já que revela quais são os espaços da cidade não alcançados ou não
privilegiados pelas políticas públicas.
96
Apesar de termos expressado em números as condições relativas à
reprodução da vida na periferia de Fortaleza – confirmando as péssimas condições
sociais, econômicas e espaciais – devemos acrescentar que algumas mudanças
ocorreram na última década.
Tais transformações foram resultantes da nova dinâmica econômica
brasileira que afetou a distribuição de renda e padrões de consumo de setores da
classe trabalhadora, notadamente aqueles com acesso ao emprego formal
assalariado38. A repercussão desse fenômeno em vários setores produtivos atinge a
indústria de bens de consumo até a indústria da construção civil.
Hoje, a periferia é uma espécie de mélange entre o velho e o novo, o
atrasado e o moderno. Em termos de consumo, é difícil tratá-la como um espaço à
margem. Mesmo que a maior parte das necessidades básicas não tenha sido
alcançada, como mostraram os dados, é corrente o consumo de mercadorias como
celulares de última geração, televisores de alta definição, computadores portáteis,
etc.. No vestuário, ícones de consumo dos ricos são fielmente copiados por versões
chinesas, produzindo um sentimento de visibilidade social e inclusão pelo mercado.
A periferia do mundo capitalista nunca esteve tão diretamente ligada - via consumo
conspícuo - ao centro da produção simbólica individualista e fetichizada.
Na paisagem dessa periferia, as pequenas casas, ainda erguidas sob a
autoconstrução, ganham muitas vezes acabamentos nobres (porcelanatos, portões
de alumínio, pedras naturais, vidros etc.) demonstrando o desejo de distinção social
através da moradia, mesmo quando isso se limita apenas às fachadas. Andares são
edificados agora não só pela ampliação da família, mas pela aquisição de
automóveis. Sobre os telhados multiplicam-se antenas de TV a cabo.
O cartão de crédito, objeto de distinção no começo da década de 2000,
torna-se mais acessível ao ser oferecido insistentemente pelas operadoras. O
consumo de bens modernos passou a fazer parte da vida dos trabalhadores.
O entendimento dessa realidade exige que façamos alguma referência às
políticas econômicas e sociais dos anos 2000, comparando-as com as décadas
anteriores.
38
Segundo Pochmann (2012), a discussão sobre a “nova classe média” exige as devidas medições para não confundir a adoção de padrões imitativos de consumo e a expansão do assalariamento – proletarização – como a real transformação de assalariados em “nova classe média”. Trata-se, contudo, de um discurso, que, embora equivocado, revela aspectos ideológicos que conformam o imaginário e as motivações no nível do habitar, do modo de vida e do viver a cidade.
97
Neodesenvolvimentismo (BRESSER-PEREIRA, 2012), Social-liberalismo
(BRANCO, 2008), Pós-neoliberalismo (SADER, 2007) são algumas das adjetivações
ao pacto social estabelecido desde 2003 com a chegada do PT à presidência. São
interpretações diferentes entre si, mas que ajudam a compreender as contradições
produzidas por esse novo ciclo de acumulação capitalista no Brasil.
Os anos de 1980 estiveram comandados pela visão neoliberal
sacramentada no Consenso de Washington, cujo receituário recomendável para as
nações ditas emergentes “[...] seria, em primeiro lugar, a renúncia, pelo Estado, a
qualquer intervenção na economia”, onde lhe restaria a função de permitir a
execução das “[...] regras do jogo econômico”, a partir disso, “[...] caberia ao Poder
Público garantir os equilíbrios econômicos fundamentais, a saber, cambial, fiscal e
monetário” (MAGALHÃES, 2010, p.20). De acordo com Sader (2007), a América
Latina foi o berço e o laboratório dessas experiências neoliberais.
A inflação, compreendida como a fonte do problema pela leitura
neoliberal, foi atacada – em um primeiro momento os métodos pareceram eficazes.
O remédio, todavia, foi tão ou mais danoso que a própria enfermidade. Os
resultados dessas aplicações foram para a América Latina
Estados enfraquecidos no plano externo e com capacidade de ação cada vez menor no plano interno; sociedades cada vez mais fragmentadas e desiguais, com amplos setores excluídos dos seus direitos básicos, a começar pelo direito do emprego formal; economias que perderam dinamismo voltam maciçamente a depender da exportação de matérias-primas, enquanto ingressaram num quadro de crescente financeirização, do qual não conseguem sair; culturalmente, o continente revela uma incapacidade de retomar ciclos de criatividade e originalidade que o caracterizaram nas décadas anteriores, sob forte pressão da grande mídia internacional. (SADER, 2007, p.108).
O neoliberalismo engendrou uma crise muito mais grave do que as
ocorridas nas bolsas de valores. O efeito sobre as sociedades foi mais profundo,
penetrando no plano ideológico e cultural novos valores que envolvem
individualismo e consumismo (SADER, 2007).
No Brasil, a estratégia neoliberal foi implementada de modo mais claro
com Fernando Collor, já nos anos de 1990. Seguiu hegemônica no governo de
Itamar Franco (1992-1994) e durante os dois mandatos de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002). Assim como nos demais países latino-americanos, o
98
resultado não foi dos melhores, nem mesmo para o desenvolvimento do capitalismo.
Durante essa década, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi de 1,78%,
inferior até aos 2,2% dos anos 1980 (CARCANHOLO, 2010, p.110).
Diante de uma situação de estagnação da economia, abriu-se a
possibilidade para a entrada de um governo com um discurso progressista, ainda
que comprometido com empresariado e com as instituições financeiras. Em 2002,
fora eleito no Brasil o candidato do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da
Silva.
Há, claro, uma decepção, algumas vezes um tom de “eu sempre soube”,
no que consiste ao governo de Lula e sua sucessora Dilma Rousseff. Os avanços
mesmo inegáveis passaram por mediações difíceis de compreender, saídas de um
partido dito de esquerda e que durante os anos 1980 recebia ampla confiança dos
movimentos sociais. A persona assumida por tal projeto político ora engana com
verdades rasas, ora afronta descaradamente o significado de sua sigla.
Do ponto de vista de um social-liberalismo, compreendemos que o
receituário neoliberal causou tantos problemas sobre a própria classe capitalista que
ela teve que ingerir como antídoto parcial algum nível de “humanização”. Nas
palavras de BRANCO (2008, p.23)
[...] o receituário neoliberal precisava de uma nova direção estratégica. Na trilha dos planos de renegociação das dívidas externas, o FMI e o BIRD propuseram medidas corretivas de promoção de reformas estruturais. A partir desta correção de rumo, os projetos neoliberais de reforma do Estado ganharam uma nova configuração: se antes das medidas corretivas defendia-se, no plano ideológico, o Estado mínimo, o Estado, agora, teria uma função reguladora das atividades econômicas e operacionalizaria, em parceria com o setor privado, políticas sociais emergenciais, focalizadas e assistencialistas.
O PT teve que resolver as limitações geradas pelo modelo de
desenvolvimento levado até os anos de 1980. Era preciso fazer promover a entrada
mais generalizada da população na esfera do consumo moderno. Problema que não
foi solucionado com a inserção do neoliberalismo no Brasil, em parte, porque o
receituário não desenvolvia políticas baseadas em aumento salarial, nem
demonstrava ser capaz de incentivar a absorção dos trabalhadores de mais baixo
nível educacional no mercado de trabalho formal.
99
Foi preciso que um governo saído do seio da classe trabalhadora
assumisse o poder para que as reformas necessárias ao capital fossem realizadas.
O primeiro governo de Lula não representou grandes saltos econômicos,
apesar de ter havido crescimento. Entre os marcos, a efetivação da reforma da
Previdência Social, um dos maiores golpes aos trabalhadores nos últimos anos e
que só foi possível porque, diferente dos partidos tradicionalmente de direita, o PT
exerceu influência sobre a central sindical, o MST, a UNE, além de outros
movimentos sociais. Na verdade, o primeiro mandato de Lula não rompeu com o
neoliberalismo, produzindo semelhantes resultados econômicos do seu antecessor
(MAGALHÃES, 2010).
O segundo mandato, aquele que mais nos interessa, esteve marcado pelo
PAC, que concentrava forças em investimentos de infraestrutura. Entraram em cena
políticas que pretendiam dinamizar o capital por meio do investimento público
desafiando as práticas comuns frente a horizontes de crise. Entre os programas de
investimento, o PMCMV, que atingiu diretamente o mercado imobiliário, abrindo-o
para um crescimento sem precedentes na história do País, como já comentado no
item anterior.
Representantes do setor imobiliário, como o presidente do Secovi-SP e
da CBIC, João Crestana, avaliam que o avanço do setor imobiliário foi produzido por
um conjunto de políticas econômicas e sociais, tais como: o controle da inflação e a
manutenção das taxas dentro das metas do Banco Central; o fortalecimento da
moeda; o equilíbrio das contas públicas; o baixo risco fiscal; a criação de marcos
regulatórios; aumento do emprego formal; da renda da população; a queda das
taxas de juros e o lançamento do PMCMV39.
Assim, a evolução do setor imobiliário dos anos 2000 esteve relacionada
a transformações sociais de ordem econômica. Nesse período, começou-se a falar
em uma nova classe média como referência ideológica à mobilidade da classe
trabalhadora incluída pelo mercado, como assenta Pochmann (2012).
Estes trabalhadores, hoje com melhores salários, mobilizaram com certo
vigor a economia do País que voltava a ver um crescimento mais expressivo depois
de décadas – ainda que limitado devido às condições de ampliação dos setores
produtivos.
39
Disponível em: <http://www.secovi.com.br/estudos/estudos-interior-mensagem/>. Acesso em: 04 jan. 2015.
100
Não temos intenção de avaliar os detalhes do PAC, nem teríamos a
competência necessária para tal. Mas, no conjunto, esse programa não demonstrou
ter alcançado o principal objetivo, que era a dinamização dos setores produtivos
brasileiros. Todavia, pelo menos para o setor imobiliário, o PAC, através do PMCMV,
teve um forte impacto no setor da construção – superior até aos das políticas
habitacionais dos anos de 1960, se considerados os volumes de investimentos e o
número de financiamentos.
A ampliação do mercado imobiliário, através do PMCMV, exigiu ajustes
nas estratégias do setor devido à necessidade de produzir unidades habitacionais
com custos mais baixos, já que a segmentação dos financiamentos implicava em
tetos quanto aos preços dos imóveis financiados.
Considerando que entre os insumos da construção civil o preço da terra é
o de maior peso no cálculo da obra, a solução encontrada foi ocupar setores menos
adensados com áreas pouco disputadas pelo mercado. Assim, os investimentos em
Fortaleza foram mobilizados para os bairros dos setores sul e sudeste, tais como:
Maraponga, Messejana, Passaré e Lagoa Redonda. Nesses bairros, já existiam
investimentos anteriores ao PMCMV, o que ocorreu na sequência do programa foi
uma reafirmação da tendência de crescimento urbano para esses setores com a
consequente elevação dos preços da terra.
Os quatro bairros destacados na Figura 7 possuem em comum, além da
disponibilidade de terrenos, a proximidade com áreas precárias, ou ainda são bairros
que, em seu conjunto, apresentam índices muito baixos de qualidade de vida. Nos
bairros Passaré e Lagoa Redonda, os salários médios da população estão entre os
mais baixos de Fortaleza.
O fenômeno liga-se, também, ao já citado processo de fragmentação
urbana orientado, nesse caso, pela produção de novas centralidades na cidade de
Fortaleza. Estas, em certo nível, determinam a expansão do setor imobiliário para
esses bairros na medida em que criam as vantagens que as incorporadoras e os
promotores precisam para justificar os projetos lançados. Nesse quesito, Silva e
Gonçalves (2012) ressaltam a importância de bairros, como Messejana e
Parangaba, fundamentais para a dinamização do mercado nas porções sul e
sudeste da Capital.
101
Figura 7 – Número de imóveis residenciais à venda por bairros de Fortaleza – maio 2013
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados fornecidos pelo FipeZap
Nesse conjunto, o Passaré também ganha destaque dada a intensidade e
a rapidez com que o espaço foi modificado. Na última década, vários
empreendimentos residências de pequeno, médio e grande porte foram destinados
para aquela área. Apesar de o bairro não ter conformado uma centralidade, a
localização privilegiada entre Parangaba e Messejana ajuda a explicar o volume de
investimento do setor imobiliário com projetos residenciais. As tipologias
habitacionais também merecem atenção, já que o Passaré se tornou um dos
maiores concentradores de condomínios fechados horizontais em Fortaleza. Esse
aspecto é analisado na sequência deste trabalho, buscando não uma descrição
densa do fenômeno em particular, mas sua relação com processos urbanos mais
amplos e gerais.
102
4 PASSARÉ, UM IDÍLIO AO MERCADO
Ao longo da exposição contida neste último capítulo, aproximamo-nos do
nosso objeto empírico, os condomínios fechados do Passaré. A fim de expor as
singularidades que possibilitaram a realização desse fenômeno no bairro,
apresentamos uma periodização, dividida em três fases, baseada nas formas
dominantes de apropriação desse território. Ressaltamos a última fase por sua
complexidade, nela, o Passaré mostra-se fundamental às estratégias de
investimento do capital imobiliário cearense dentro de um contexto político,
econômico e ideológico novo. Encerramos o capítulo com um debate acerca do
cotidiano dos moradores dos condomínios fechados do Passaré, entendendo-o
enquanto expressão de uma nova forma de realização do urbano.
4.1 PAISAGENS DIVERSAS
Como já foi apresentado no capítulo anterior, houve um expressivo
deslocamento de investimentos do setor imobiliário, durante os anos 2000, para a
porção sul e sudeste de Fortaleza, onde se destacaram bairros como: Maraponga,
Messejana, Lagoa Redonda e Passaré – este último, o bairro com maior
concentração e diversidade de condomínios fechados horizontais da Capital.
Para o Passaré, recorte que nos interessa, podemos listar quatro
aspectos importantes, em termos locacionais, que propiciaram a convergência do
setor imobiliário: a disponibilidade de terrenos com existência de infraestrutura; a
localização entre dois subcentros; a aprazibilidade do Complexo Ecológico do
Passaré usada no discurso dos promotores imobiliários; e a proximidade com a
Arena Castelão, utilizada nos jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014, no
Brasil.
Localizado na porção sul da Capital cearense, o bairro possui uma área
de 7,468 km², parte dela ainda composta por vazios urbanos. Integrando o distrito de
Mondubim, o Passaré faz limite com os bairros: Itaperi, Castelão e Dias Macêdo, ao
norte; José Walter, ao sul; Cajazeiras e Barroso, a leste; Parque Dois Irmãos, a
oeste (Mapa 6). De acordo com o último Censo do IBGE, sua população é a quinta
maior entre os bairros de Fortaleza (50.904 habitantes).
103
Mapa 6 – Localização do bairro Passaré no Município de Fortaleza/CE
Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão
104
Apesar da denominação e dos limites do Passaré estarem oficializados
desde 2009 (Decreto Legislativo nº 401, de 24/09/2009), o bairro recebe diferentes
designações, tais como: Conj. Jardim União I, Conj. Jardim União II, Conj. Barroso II,
Sumaré, Riacho Doce e Conj. Jardim Castelão entre outros, refletindo os processos
distintos de produção do espaço deste bairro, bem como suas territorialidades.
Ainda sobre esse aspecto vale acrescentar que essas territorialidades se
mostram nos usos do espaço. A frequentação das igrejas e das áreas de lazer são
boas indicadoras das relações comunitárias com os espaços. É comum nos setores
construídos via mutirões que não se faça nem mesmo referência à denominação
“Passaré” e isto está relacionado com as identidades dessas pessoas, que, em
parte, foram construídas juntamente com o lugar onde habitam. Os moradores que
se referem invariavelmente ao bairro por seu nome oficial são aqueles que
chegaram por último e que hoje moram nas casas e condomínios construídos sobre
os terrenos que antes faziam parte do antigo Sítio Passaré.
Devido à disponibilidade de terrenos e à facilidade de acesso ao Passaré
foi, ao longo das últimas décadas, recebendo instituições e equipamentos de
destaque, tais como: a sede do Banco do Nordeste do Brasil (1984); o Hospital
Sarah Kubitschek de Fortaleza (2001); e o Complexo Ecológico do Passaré, que
reúne o Zoológico Municipal Sargento Prata e o Horto Municipal. Além destes, o
cemitério Parque da Paz, a Fundação Casa40 e o antigo aterro sanitário Jangurussu,
que não são elencados pelo setor imobiliário na divulgação do bairro por
constituírem fatores de desvalorização.
Em termos de infraestrutura viária, o bairro é cortado por três vias arteriais
(Av. Dr. Silas Munguba, Av. Juscelino Kubitschek e Av. Pres. Costa e Silva) além de
várias vias coletoras. Distante aproximadamente 6 km do bairro Parangaba e 5 km
do bairro Messejana, o Passaré encontra-se entre dois importantes subcentros da
Capital, que contam com equipamentos importantes como: escolas, hospitais,
clínicas, terminais de ônibus, grandes supermercados e lojas varejistas.
A paisagem pouco homogênea marca esse território oficialmente
compreendido como Passaré. Nele, interesses diversos confrontam-se marcando a
história da produção desse espaço e a identidade de seus moradores mais antigos.
40
Antiga Fundação Estadual Bem-Estar Menor do Ceará (FEBEMCE).
105
A maior parte dos setores compostos por moradias mais precárias,
classificados ou não pelo IBGE como aglomerados subnormais, encontra-se próxima
dos limites leste e oeste do bairro. Caminhando por essas áreas, observamos
aglomerações de casas pequenas coladas umas as outras, oriundas de
autoconstrução. A péssima condição das vias, o traçado irregular, os becos e os
precários espaços de lazer são aspectos de destaque dessa paisagem.
O público e o privado apresentam-se de modo tênue. A relação com a
casa e os objetos íntimos perde, de certo modo, o seu referencial burguês de
privacidade. A dimensão das casas impõe que se mantenham abertas porta e
janela, seus moradores acostumam-se com os olhares vindos da rua. Algumas
residências não possuem quintal, o que obriga os moradores a secar suas peças de
roupas em varais montados nas calçadas. O encontro e as festividades realizadas
do lado de fora das residências também reduzem essa fronteira entre público e
privado.
A dinâmica da rua é intensa e o medo da violência não se impõe com a
mesma evidência como para os segmentos de renda média e alta da sociedade. O
caminho até a padaria, a mercearia, a escola, a feira ou a casa de amigos e
familiares, no bairro, é feito a pé sem grande receio.
Figura 8 – Espaço utilizado para o lazer no Passaré
Fonte: Pesquisa de campo
106
Apesar da demanda, os espaços públicos de lazer são quase inexistentes
para essa população. Na falta de locais planejados, qualquer espaço mais amplo é
transformado num campinho improvisado, onde não só as crianças, mas também os
adultos, em seus dias de folga, reúnem-se para realizar a tradicional pelada (Figura
8).
No que tange ao aspecto econômico, fica nítido parte daquilo que Milton
Santos chamou de circuito inferior. Todos têm um serviço a oferecer, são: pequenos
comerciantes, pedreiros, marceneiros, eletricistas, bombeiros, costureiras,
cabeleireiras, faxineiras, etc.. Estas atividades são uma fonte ou um complemento
ao ganho mensal das famílias mais pobres do bairro.
Parte dos conjuntos habitacionais construídos via mutirão, dos
loteamentos irregulares e, evidentemente, das favelas do Passaré, pode ser
compreendida, em maior ou menor grau, dentro do perfil há pouco descrito.
Se dividirmos o Passaré ao meio, tendo como referência a Av. Juscelino
Kubitschek, ficará manifesto que os investimentos do mercado imobiliário estão
concentrados principalmente na parte oeste do bairro, especialmente em torno da
sede do BNB e nas proximidades do Complexo Ecológico do Passaré.
Nesse espaço de maior interesse do mercado imobiliário, concentram-se
os condomínios fechados horizontais e verticais, além das residências de melhor
padrão construtivo. Atualmente, os projetos imobiliários de maior porte estão
alocados nos terrenos que compunham o antigo Sítio Passaré, da família Girão
Brasil.
O tamanho dos lotes resultantes do desmembramento feito pela família
Girão Brasil foi fundamental para a concentração dos condomínios. Os lotes
possuíam o dobro do tamanho convencional41. A princípio, isto teve a ver com a
intenção de não permitir a ocupação por segmentos de rendas mais baixas. Esta
estratégia teve, em longo prazo, efeito decisivo sobre a especulação imobiliária no
Passaré.
A rápida elevação do preço fundiário durante os anos 2000 fez com que
surgisse uma verticalização mais expressiva e sofisticada antes mesmo da
aproximação de um esgotamento de terrenos. Assim, os condomínios fechados, que
marcam a paisagem do bairro, chegaram ao seu limite no que se refere à
41
Os lotes mediam algo entorno de 60 metros de comprimento por 30 de testada.
107
lucratividade do investimento. Mantendo-se os preços, a tendência será a da
verticalização. O limite à valorização fundiária do bairro atualmente impõe que o
setor encontre novas estratégias adequadas à realidade estrutural que o mercado
passa a vivenciar.
O último condomínio lançado no Passaré teve suas unidades vendidas
por meio milhão de reais. Preço inimaginável para o final dos anos 1990, quando
uma casa em condomínio no mesmo bairro girava em torno de vinte mil reais.
Mesmo se analisarmos somente os últimos quatro anos, teremos
variações expressivas de preços, conforme demonstrado no Gráfico 5.
Gráfico 5 – Variação de preço por m² no Passaré – 2010 a 2013
Fonte: Elaborado pela autora com base no FIPEZAP
Poderíamos pensar que essa elevação absurda nos preços se
relacionaria a um padrão construtivo mais ou menos proporcional, mas isso não
corresponderia à verdade. O que hoje o mercado vem chamando de “alto padrão”
deve ser questionado. No fundo, o que estes projetos têm de “alto padrão” é apenas
o elevado preço cobrado pelos imóveis. A Figura 9 mostra um dos empreendimentos
considerados pelo setor imobiliário como de alto padrão.
108
Figura 9 – Imóveis caracterizados pelo setor imobiliário como alto padrão
Fonte: Pesquisa de campo
Vale acrescentar que a verticalização do Passaré ocorreu antes de uma
valorização contundente. Isto porque o bairro recebeu várias unidades do Programa
de Arrendamento Residencial (PAR), a maioria delas implantada ainda no governo
FHC (ASSIS, 2013). Nesse sentido, o Poder Público reforça o seu papel de agente
orientador do crescimento urbano.
A verticalização mais recente está caracterizada por prédios de maior
porte com projetos que incluem vários equipamentos de lazer internos aos
condomínios, o que é, aliás, elemento destacado na venda, já que os apartamentos
propriamente têm dimensões bastante reduzidas. Essa mudança do padrão
construtivo se liga diretamente à mudança no perfil das empresas que passaram a
investir no bairro.
No Passaré, também estão localizadas diversas empresas ligadas à
indústria e ao comércio. Em geral, estabelecimentos que necessitam de espaços
amplos para armazenagem de produtos ou instalação de equipamentos industriais.
Entre essas empresas podemos destacar as ligadas à reciclagem42 e à construção
civil. Parte significativa delas está localizada nas proximidades da Avenida Costa e
42
O que pode estar ligado à localização do antigo aterro sanitário do Jangurussu.
109
Silva, na parte sul do bairro. Nessa região, já no encontro com o bairro Conjunto
José Walter, investimentos ligados à habitação popular estão sendo realizados, o
que reforça a orientação do mercado para os segmentos de renda média e média
baixa àquela porção da cidade.
É possível periodizar a produção do espaço do Passaré de acordo com os
modos mais dominantes de apropriação do território43. Com essa perspectiva
destacamos três fases assim denominadas: terra como herança; terra como conflito;
terra como mercadoria. Correremos com isso os riscos próprios às “simplificações”,
as quais tentaremos desviar por meio de inflexões em direção aos nexos entre o
geral e o particular de cada período por nós destacado. Além disso, pretendemos
com esses cortes evidenciar os diferentes modos de apropriação do solo urbano
ligando isso às determinações do capital.
4.1.1 Terra como herança
Nesta parte da exposição, privilegiamos as relações baseadas no direito à
herança. Em nosso recorte, verificamos que ela cumpriu o papel de unir e preservar
a propriedade, mesmo ocorrendo o retalhamento do território (correspondente à
gleba original do Passaré), o sinete sobre a terra se perpetuou por um tempo mais
ou menos longo, dando-lhe mais chances de permanecer intocada no aguardo do
momento adequado à sua “apresentação” ao mercado.
Para Marx, o direito à herança, sem ser o centro da questão, possui “[...]
importância social na medida em que deixa para o herdeiro o poder exercido pelo
falecido durante o tempo em que viveu”, ou seja, “[...] o poder de atribuir a si mesmo,
por meio da propriedade do de cuius, os frutos do trabalho alheio” (2005,
s/p). Assim, “[...] a terra confere ao proprietário vivo o poder de atribuir a si próprio os
frutos do trabalho de outros, sob o título de renda fundiária, sem a prestação de um
valor equivalente” (2005, s/p).
43
É preciso dizer que a escassez de registros, em especial, àqueles que podem ser considerados oficiais, limitaram-nos em alguns detalhamentos.
110
Vele destacar que não se trata de uma “[...] transferência dos frutos do
trabalho de uma pessoa para o bolso de outra”, na realidade “tem a ver apenas com
a troca de pessoas que exercem esse poder” (2005, s/p).
A herança confere a perpetuação da propriedade, todavia Marx nos
adverte que a herança não pode ser entendida como a causa da propriedade
privada, mas sim, como um dos efeitos dela. Para Marx (2005, s/p)
[...] admitindo-se que os meios de produção fossem convertidos de propriedade privada em propriedade geral, o Direito de herança - na medida em que fosse de importância social - desapareceria por si mesmo, porque um homem pode apenas deixar em herança o que possuiu, durante o tempo em que viveu.
A questão coloca-se de modo em que podemos, com algumas inflexões,
identificar que é no nível do trabalho, ou seja, na produção de valor, que a
propriedade privada, como a conhecemos hoje, sustenta-se e não simplesmente na
sua transferência.
Percebemos, todavia, por meio do nosso recorte, que o monopólio e a
reserva de terras possibilitam ao capital imobiliário enormes lucros com as
vantagens locacionais geradas ao longo dos anos, estas produzidas pelo trabalho.
Assim, a elevação dos preços da terra ocorre na medida em que a produção do
espaço se realiza.
Apresentadas essas questões, orientemo-nos ao Passaré. Boa parte do
que hoje é compreendido como território do Passaré tem registro bastante antigo.
De 1808, há o reconhecimento daquele território enquanto Sesmaria da Lagoa do
Passaré concedida ao lusitano Antônio José Moreira. O termo “passaré” (algo como:
lagoa do atalho), de origem tupi-guarani, também evidencia uma noção do perfil da
paisagem natural da área. Estando entre a Vila de Parangaba e a Vila de
Messejana, a reserva d’água ali existente certamente servira aos povos viajantes
que a cruzaram (GIRÃO, 2008).
Tal latifúndio foi sendo “[...] desmembrado em glebas menores na
proporção em que os descendentes [de Antônio José Moreira] casavam e as
111
separavam em porções para o seu domínio e fruição” (RAIMUNDO GIRÃO, 2008,
p.25).
De Antonio José Moreira Gomes as terras foram repassadas ao genro,
José Antonio Machado, que, por sua vez, deixou-as ao filho, José Pio Machado. Em
seguida, o sítio passou para a filha, Emilia Machado, que, viúva e sem prole, legou
seus bens às irmãs Maria Pio e Antônia Pio, casadas com descendentes da família
Gomes Brasil (RAIMUNDO GIRÃO, 2008).
Estando sob posse de diversos herdeiros, o sítio já não apresentava
fronteiras bem definidas. Foi Raimundo Girão44 que, casado com Maria Gaspar
Brasil, reuniu e delimitou as terras juntamente com o seu sogro, Prudente do
Nascimento Brasil. De acordo com o historiador e então proprietário da gleba, os
legatários e seus descendentes encontravam-se no Passaré quando começadas as
aquisições (RAIMUNDO GIRÃO, 2008). Girão (2008) escreve:
Conseguimos reunir em nossos nomes – o de meu sogro Prudente do Nascimento Brasil e o meu – as partes dos vários condôminos. Eliminadas as dúividas de fronteira com os vizinhos, entramos a desbravar a mataria encapoeirada e por tudo debaixo de cerca. (P.25-26).
Esse movimento de reconcentração das terras vai demonstrar sua
eficiência do ponto de vista do mercado décadas depois, ajudando a família a operar
para efeitos de valorização da terra.
Os relatos apresentados na obra Memória do Sítio Passaré, organizada
por Célvio Brasil Girão, filho de Raimundo Girão, permite-nos elaborar algumas
considerações sobre o tipo de apropriação realizada, além disso, dá elementos para
pensar a paisagem da região antes da intensa ocupação sofrida pelo bairro.
No período de aquisição do sítio por Raimundo Girão e seu sogro, pouco
havia além da antiga estrada que ligava Parangaba a Messejana, atualmente
Avenida Silas Munguba, por onde se chegava ao portão do Sítio Passaré. Hoje,
aquela entrada já não existe mais, em seu lugar está a portaria do Centro
Administrativo do BNB, inaugurado em 1984. A gleba, atualmente, encontra-se
reduzida ao entorno do imóvel da família e a lagoa.
44
Raimundo Girão (1900-1988) desempenhou durante a vida o papel de político (tendo sido prefeito de Fortaleza entre 1933 e 1934) historiador e escritor.
112
De acordo com Girão (2008), ao sul do Passaré, estava localizado um
sítio do estado onde funcionava uma colônia correcional, depois, a Escola de
Tratoristas do Estado e, em seguida, a Escola Prática de Agricultura e Veterinária.
Hoje, a área corresponde ao Conjunto Jardim União e à Fundação Casa. Ainda
sobre a rarefeita ocupação é narrado que
No cruzamento das duas grandes estradas de terra (Parangaba-Messejana e Mata Galinha – Mondubim) ficava o lugar conhecido por Encruzilhada, um diminuto “centro comercial” onde se situavam algumas bodegas e algumas casas, correspondente ao atual balão (ou rotatória) do Castelão. Nas imediações da Encruzilhada (na Fazenda Boa Vista, pertencente à Santa Casa) ficava o campo de futebol do glorioso Boa Vista Futebol Clube, formado por moradores dos sítios das vizinhanças[...]. (GIRÃO, 2008,p.95)
Na década de 1940, era severa a dificuldade de acesso a distâncias que
hoje, devido à expansão urbana e à modernização dos transportes, consideramos
exíguas. O relato da família demonstra isso ao tratar das aquisições de bens de
transportes da família
Comprou-se uma charrete em 1949; “um progresso extraordinário”, para usar uma expressão do Prudente quando se referia ao “progresso” de sua querida Parangaba. Na Parangaba faziam-se as compras e com a aquisição do veículo encurtava-se muito o tempo de viagem até ali. O Passaré era longe, naquele tempo. Para trazer-nos no começo das férias e relutantemente sermos levados de volta no fim, alugava-se um automóvel do posto Pará, na Praça do Ferreira. ............................................................. Só em 1962 veio a família a possuir carro próprio – uma “Rural”. Com ela meu pai ainda tentou aprender a guiar, mas logo viu que não levava jeito e desistiu. .......................................................... A partir dos anos sessenta, quando o carro particular deixou de ser privilégio dos ricos, passaram a frequentar o Passaré muitos outros amigos de meu pai, alguns deles colegas seus no Instituto do Ceará ou em outras agremiações culturais. (GIRÃO, 2008, p.87-90).
Ainda sobre os trajetos feitos em direção ao Passaré, na década de 1960,
Girão (2008; p.109) descreve que
[a] ida de Fortaleza ao Passaré era na realidade uma epopeia dominical. Levando cada um o seu farnel composto apenas de pão, uma lata de presuntada ou de salsicha e algumas bananas, saíamos a pé da rua João Lopes, pelas 7 horas da manhã, para apanharmos o ônibus “Dias Macedo”, que partia do Parque das Crianças. O tal ônibus ia somente até a igreja de São Francisco, no “Dias Macedo”. Dali, seguíamos a pé, passando pela Granja Uirapuru, (pertencente ao Benedito Macedo), pelo Sítio Boa Vista (da Santa Casa), chegando à Encruzilhada. Tomávamos às vezes um
113
refrigerante na bodega e seguíamos até o Passaré caminhando um total de 6 km chegando ali pelas nove e meia da manhã.
Ao escrever sobre o Passaré, ainda sítio, temos um sentimento
contraditório. Ao longo das narrativas dos familiares, percebemos como o sítio
ganha um sentido emocional, ligado à memória do lugar, difícil de conjugar ao
caráter mercadológico intrínseco a terra. Pode-se pensar, por outro lado, que isto
representa a contradição central, pois, para que as terras tenham um preço, é
necessário que tenham também um valor de uso. Saber disso não necessariamente
facilita nosso trabalho!
Em todos os relatos há este algo de sentimental, um apreço poético ao
lugar. Neles, o valor de uso ligado à natureza e a paz inspirada por ela ganham
destaque.
Raimundo Girão apresenta uma clara consciência da relação estabelecida
com a paisagem natural quando diz: “como ‘fator ou agente geográfico’, modifiquei o
natural para o meu gozo de espírito, e a modificação da geografia ajustou-se ao que
planejei. O Passaré sou eu, em grande parte, completa-me, como eu o completei”
(GIRÃO, 2008, p.85).
Esse entrelaçamento entre o espaço e o espírito dá o tom aos relatos:
Para nós Brasil Girão, Passaré significa o Sítio encantado de nossas infâncias, palco de grandes alegrias e de algumas tristezas também, mas certamente testemunha de alguns dos melhores tempos de nossas vidas. (GIRÃO, 2008, P.86).
A paisagem, do começo dos anos de 1940, que circunda a lagoa, é
descrita como uma “mata de onde sobressaía, no lado poente, a floresta de bacuris
[...], com sua grandiosidade amazônica” (GIRÃO, 2008, p.86). Acerca do conjunto
ambiental que compunha o sítio o mesmo expõe:
O restante do Sítio era formado de matas virgens capoeiras e roçados. As matas eram do tipo estacional semidecidual, vulgarmente chamada de matas de tabuleiros, constituídas de jatobás, angelins, timbaúbas, ubaias, manipuçás, goiabinhas, toréns, aroeiras, coaçus, mucunãs, frutas de morcego, pitombeiras, sabiás, mororós, mãos de vaca, jucás, canelas de veado, açoita-cavalo, marmeleiros, malícia, cardeiro etc. A fauna nativa estava constituída de pequenos mamíferos: sagüis, preás, cassacos, punarés, morcegos, gatos do mato e até raposas. Representando os répteis havia lagartixas (calangos), tejubinas, tijibus, camaleões e tejuaçus, além de uma variedade enorme de cobras: jararacas, corais falsas e verdadeiras,
114
cobra verde, corre-em-campo, salamantas, surucucus, cobras de veado dentre outras. Uma salamanta (ou uma cobra de veado, segundo alguns) com 2,80m de comprimento foi a maior cobra encontrado no Sítio até hoje. Na fauna passariforme encontravam-se a rolinha, a nambu, o galode- campina, o canário amarelo, a graúna, o azulão, o currupião, o papaarroz, o papa-capim, o golinha, o bigodeiro, o caboclo-lindo, o sanhaçu, o bem-te-vi, o cancão, a lavadeira, o sabiá e outros.
Até aquele momento, o caráter de uso rural da terra era predominante.
Apesar das falas, já destacadas, estarem repletas de sentimentos pelo lugar, este
uso de caráter rural ocorre devido às próprias possibilidades da terra em questão.
Décadas depois, com o Passaré já incorporado à malha urbana de Fortaleza, os
usos transformam-se. Com a predominância do automóvel e da telecomunicação
possibilitando uma compressão tempo-espacial o Sítio deixa de ter suas funções
limitadas à segunda residência e à produção rural, sendo boa parte dele posto ao
mercado fundiário urbano.
As qualidades que naquele momento são apropriadas enquanto valor de
uso também são a condição à composição dos altos preços atribuídos às terras do
Passaré, já na fase recente e enquanto bairro. Isto pode ser observado no fato de
que todos os grandes empreendimentos do bairro ligam o projeto à “qualidade”
ambiental que resistiu à intensa urbanização de Fortaleza das últimas décadas.
Além disso, a região foi eleita para a instalação de uma série de
equipamentos e obras estatais, em parte, como acordos entre os proprietários do
Sítio Passaré e os órgãos interessados. Sobre a chegada de luz elétrica, Girão
(2008) lembra que
As noites eram iluminadas pelas estrelas, pelas lamparinas e pelos candeeiros; às vezes a lua, refletida na lagoa, transformava-as em noites brancas. Só algum tempo depois chegou a luz elétrica, puxada da colônia de correição de presos que o Estado fizera construir aqui perto e que era fornecida como contrapartida de uma faixa de terreno desmembrada do Passaré. Luz que chegava às seis horas e findava as dez e pouco, depois de um sinal que anunciava a iminente parada do gerador da colônia. Hora de acender as luminárias, rezar, ouvir os sapos e dormir. (P.87).
Nos anos 1960, o Sítio Passaré sofre novo desmembramento em razão
da partilha de bens proposta por Raimundo Girão. A gleba original foi dividida em
glebas menores que possuíam algo em torno de 4 ha cada, todas voltadas para a
lagoa. As demais áreas foram loteadas ainda na mesma década (Figura 10).
115
Figura 10 - Sítio Passaré dividido em glebas e em lotes, anos 1960 - 1970
Fonte: GIRÃO, C. B. (org.) Memória do Sítio Passaré. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2008.
Boa parte das glebas sofreu desapropriação para ceder lugar ao que viria
a ser o Complexo Ecológico do Passaré e o Centro Administrativo do BNB. Como já
comentado, esses investimentos públicos tornaram-se fatores de valorização.
Apesar de o loteamento datar dos anos 1960, ele manteve-se sem
benfeitorias consideráveis até meados de 1990. Em parte, isto é justificado pela
própria estrutura dos lotes, que possuíam cada um o dobro do tamanho padrão
tendo ficado como reserva até que investimentos de maior volume ocorressem. Esta
mesma estrutura possibilitou o surgimento dos condomínios fechados, a princípio,
como aproveitamento de fundo de lote.
De certo modo é difícil distinguir esses primeiros condomínios de simples
vilas. Por enquanto, vale dizer que estes são os espaços embrionários daquilo que
compreendemos enquanto enclaves residenciais. Só mais tarde, com o fôlego
116
tomado nos anos 2000 pelo mercado imobiliário, é que podemos verificar
condomínios mais complexos em termos de infraestrutura.
Da antiga e imensa propriedade restou somente um sítio limitado quase
que as bordas da lagoa e as memórias dos familiares e amigos que por ali
passaram. Para além da área correspondente à gleba da família Brasil Girão, o
território hoje compreendido como Passaré teve uma evolução demográfica
significativa, após os anos 1980, em boa dose, resultante da luta por moradia pelas
populações pobres urbanas.
4.1.2 Terra como conflito
A rápida urbanização do Passaré, ocorrida entre os anos 1980 e 1990, foi
marcada por lutas que reivindicavam o direito à moradia. Diferente das terras de
origem do Sitio Passaré, o perfil de urbanização do bairro como um todo não destoa
do perfil social, econômico, refletido no espacial do entorno (em geral, bairros de
população pobre e deficitários em infraestrutura).
Antes de aprofundarmos a questão da habitação em particular, pensemos
nos aspectos gerais que a envolvem. Para isso, retomemos o debate em seu caráter
clássico a fim de visualizar os aspectos básicos do acesso à habitação.
Mesmo não sendo novo o tema da habitação está na ordem do dia. A luta
urbana por moradia, as novas morfologias segregadoras, as remoções de
populações carentes das áreas mais valorizadas, os dramas ligados à ocupação de
sítios de maior fragilidade e o recente ciclo do crédito imobiliário habitacional
compõem uma parte importante do cenário para as reflexões acerca da cidade.
Apesar deste debate não ser recente, a sua natureza e o seu grau de complexidade
impõem sempre novos e desafiadores problemas à sua compreensão.
A questão da habitação não é, porém, o aspecto central para os temários
urbanos, se partimos da perspectiva de Engels (1988) e Lefebvre (1999). Ambos
concordam que as problemáticas que envolvem a habitação, Pós-Revolução
Industrial, estão subordinadas àquelas do modo de produção capitalista, o que não
implica, em absoluto, abandonar o tema, mas em pensá-lo sob uma ótica menos
fragmentada.
Vê-se aí a habitação num contexto em que ela pode apresentar-se como
uma mercadoria, mas não uma mercadoria qualquer. E o que a torna especial? Ora!
117
Sendo a habitação uma mercadoria, ela possui um valor de uso e, portanto, sua
realização parte de uma necessidade. Mas de que tipo de necessidade estamos
tratando? A partir de uma leitura de Marx, Heller (1986) encontra a sua classificação
dentro das necessidades naturais
[As] necessidades naturais, como alimentação, vestimenta, aquecimento, habitação etc., são diferentes de acordo com o clima e outras peculiaridades naturais de um país. Por outro lado, a extensão das assim chamadas necessidades imediatas, assim como o seu modo de satisfação, é ela própria um produto histórico e, por isso, depende em grande medida do grau de cultura de um país, mas também depende, entre outros fatores, de sob quais condições e, por conseguinte, com quais costumes e exigências de vida se formou a classe dos trabalhadores livres num determinado local. (MARX, 2013, p.246).
Assim, a habitação responde à necessidade do abrigo, mas enquanto
síntese de um conjunto amplo de fatores. É essa necessidade tão fundamental à
vida que torna a habitação especial do ponto de vista da produção de mercadorias.
Queremos partir do conceito de necessidade natural para entendermos
a habitação num conjunto mais amplo e de extrema importância que responde sim
ou não para a condição de existência e que, portanto, não poderia ser negada.
Seguimos com Heller (1986) para nos depararmos com o problema da alienação das
necessidades, que corresponde à alienação da riqueza do ponto de vista da
limitação das possibilidades humanas. Assim, “en la sociedad de la produccíon de
mercancias el valor de uso (el produto del trabajo concreto) no sirve para la
satisfaccíon de las necessidades”. (HELLER, 1986, p.54).45
O que Heller (1986) explica através de Marx é que a produção nos
moldes capitalistas não tem como finalidade a satisfação das necessidades, mas
sim, a valorização do capital, sendo as necessidades um meio para este fim. Isto fica
evidente, enquanto caso concreto, quando se verifica o histórico da habitação social
e do financiamento imobiliário no Brasil, que teve sempre como o sentido primordial
a dinamização da economia.
A partir do exposto, o que temos é o conflito entre a necessidade da
moradia e o interesse de valorização do capital pelo setor imobiliário. Dada a
45
Na sociedade da produção de mercadorias, o valor de uso (o produto do trabalho concreto) não serve à satisfação das necessidades.
118
concentração nacional de riquezas, o resultante é um cálculo perverso para a classe
trabalhadora. Daí torna-se essencial pensar a questão da habitação negando
inicialmente dois aspectos falhos, se analisados isoladamente.
O primeiro diz respeito ao déficit habitacional que, no limite, é apenas
um “déficit relativo”, já que não há falta de unidades habitacionais, mas sim,
concentração destas por poucos proprietários frente a uma grande parcela da
população que não dispõe de recursos necessários para adquiri-la.
O segundo é o julgamento de que este é um problema de resolução
possível por meio do mercado e/ou do Estado capitalista, mentalidade que Engels
há 142 anos já esclarecia e refutava. Para além desse cálculo, os meios de
satisfação desta necessidade são questionáveis – da autoconstrução ao
financiamento imobiliário, a classe trabalhadora sofre duras penas, seja pela jornada
extra que realiza a fim de economizar recursos financeiros, seja pelo dispêndio
excessivo destes com a contratação do crédito.
Ao se falar em “questão da habitação” temos que passar quase que
obrigatoriamente pelos célebres trabalhos de Friedrich Engels, onde são narradas as
condições de habitabilidade das cidades inglesas para a classe trabalhadora (A
situação da classe trabalhadora na Inglaterra) e o modo e sentido como é satisfeita a
necessidade de moradia para o proletariado alemão (A questão da habitação). Ainda
que escritas no século XIX, as obras de Engels apresentam um debate que continua
em pauta, não apenas por seu temário, mas, principalmente, pelo nível
interpretativo. Por vezes, a narrativa da miséria inglesa, Recém-Revolução Industrial,
é comparável à fatídica realidade de cidades brasileiras nos dias de hoje. Vejamos
uma das descrições feitas pelo autor acerca da precariedade da habitação inglesa e
outras duas referentes ao quadro do Brasil atual
Outros bairros densamente habitados estão desprovidos de rede de esgotos – e esta, quando existe, é insuficiente. Em muitas fileiras de casas, raramente se encontra um porão que não esteja úmido; em muitos bairros, as ruas estão tomadas por uma lama em que os transeuntes se atolam. (ENGELS, 2010, p.83).
Há um ano no Barroso, a doméstica Maria Gorete Costa, 46, já nem sente mais o mau cheiro vivente na porta de casa. Para impedir de, em tempos de chuva, o esgoto invadir o lugar, construiu uma mureta. Viveu maus bocados quando não a tinha. O emaranhado de residências da rua dela não tem ligação de esgoto. Até hoje, não compõe a estatística de 2,3 milhões de domicílios particulares que contavam com o serviço no Ceará em 2012,
119
conforme a Pnad. “Tenho vontade de sair daqui. Tem muita muriçoca. Já vi fezes, cobra e muçum passar por aí”. (O POVO, 14/10/2013).
Mais de 158 famílias moram em volta do lixão de Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, e sobrevivem com o pouco dinheiro arrecadado com a venda de materiais recicláveis que eles recolhem no lugar, segundo levantamento do Instituto Espírita Batuíra. A maioria delas vive em uma situação de pobreza extrema, em casas de chão batido, lona e tábua no bairro Vale do Sol. (G1, 23/12/2013).
Não estamos dizendo, para que fique desde logo elucidado, que o que
serve para explicar a Alemanha e a Inglaterra de Engels cabe ao Brasil do século
XXI, mas, que, passado mais de um século de revoluções tecnológicas sucessivas,
não se conseguiu garantir para parte considerável da população mundial a
satisfação de suas necessidades primárias. De acordo com relatório publicado em
2013, pela FAO/ONU, cerca de 842 milhões de pessoas, ou seja, um em cada oito
habitantes do mundo sofre de fome crônica entre 2011 e 2013, isto num contexto de
produtividade agrícola e industrial ascendentes. Do ponto de vista das necessidades
naturais, em condições de satisfação via mercado capitalista, o que vale para a fome
vale para as condições de moradia: não importa a quantidade de objetos produzidos,
o que importa é a capacidade solvente daquele que necessita de um dado produto.
É verdade que, em dias atuais, em virtude da complexificação da divisão
do trabalho, a condição de reprodução da classe trabalhadora ocorre de modo
distinto às do século XIX de Engels. O próprio acesso à moradia dá-se sob meios
diferenciados a cada segmento de renda de trabalhadores.
Os casos apresentados anteriormente correspondem a uma população
com uma inserção precaríssima no mercado de trabalho, pessoas que não obtêm
uma renda capaz de suprir as tais necessidades naturais. Quando nas cidades, a
alternativa para esta parcela da população, em termos de habitação, varia entre as
favelas e os loteamentos irregulares das periferias. E em alguns casos, nem isso!
Muitos trabalhadores que saem do campo ou das pequenas cidades para trabalhar
nas metrópoles têm como alojamento o próprio espaço de trabalho, que comumente
são: os fundos de restaurante, um dormitório improvisado da construção civil, ou o
tão conhecido no Brasil quarto de empregada. Todos eles ampliam o quadro de
precarização (via superexploração) deixando claras as limitações dos salários
120
pagos, pois deles não sobra nada caso se deseje atender o das tais necessidades
naturais.
O direito à cidade está aí suprimido para parte significativa da sociedade,
há a alienação da riqueza produzida pelo complexo mundo urbano. Por outro lado,
um conjunto também expressivo de trabalhadores foi incluído num universo de
consumo amplo, mesmo que de modo qualitativamente inferior ao da burguesia. A
princípio, isto causa certo imbróglio e possibilita afirmações maliciosas sobre o
avanço das condições de vida dos trabalhadores e acerca do sucesso do projeto
neoliberal.
Por enquanto, vale retomarmos o velho Engels. Na A questão da
habitação estão contidos três artigos escritos em 1872, na ocasião, a Alemanha
unificava-se e crescia enquanto potência atraindo também um contingente
populacional para as cidades, que se transformavam em centros industriais. O
crescimento dessas cidades não seguiu preservando as habitações existentes, nem
produzindo a quantidade necessária de novas capazes de atender ao rápido afluxo
de trabalhadores. O tema da habitação ganhou, assim, atenção.
Os textos de Engels, assim como os de Marx, têm um marcado caráter
político. No A questão da habitação Engels ataca a burguesia proudhonista. A
polêmica parte da superficial análise burguesa acerca da crise habitacional no
contexto da rápida urbanização alemã. Para os proudhonista – que comparavam o
papel do proprietário de um imóvel ao do capitalista e em consequência a do
arrendatário ao do operário – a casa própria teria um papel semelhante ao da
propriedade dos meios de produção. Nada mais equivocado, segundo Engels
(1988), já que, “[...] em primeiro lugar os capitalistas fazem reproduzir o valor da
força de trabalho comprada; depois fazem produzir mais-valia, que fica
provisoriamente em suas mãos, a seguir é repartida entre os membros da classe
capitalista”. Com o aluguel da habitação ocorreria algo inverso, sendo, neste caso,
uma “[...] transferência de valor já existente, previamente produzido; a soma total
dos valores possuídos conjuntamente pelo proprietário e pelo inquilino continua
sendo o mesmo antes e depois” (ENGELS, 1988, p.4).
Isto ocorre porque, pela abordagem marxiana, o valor é produzido pelo
trabalho, logo, no momento em que a mercadoria é comercializada, o valor já está
cristalizado e o que pode ocorrer é uma alteração no preço. Esta alteração, por sua
vez, não produz valor, mas o extrai e o redistribui entre os indivíduos proprietários.
121
Vale ressaltar que a discussão toma evidência, de acordo com Engels,
não porque afeta o proletariado, mas porque é sentida também pela pequena
burguesia. O efeito gerador da dificuldade de moradia chega, na realidade, a todos
os níveis, mas é na extremidade inferior da pirâmide social que ela corrói em maior
grau as condições de vida. Vejamos através da lente de Engels (1988)
A extensão das grandes cidades dá aos terrenos, sobretudo nos bairros do centro, um valor artificial, que cresce por vezes em enormes proporções; as construções que aí estão edificadas, em lugar de aumentarem este valor, pelo contrário o diminuem, pois já não correspondem às novas condições e são demolidas para serem substituídas por edifícios modernos. E isso se verifica sobretudo com respeito aos alojamentos operários situados no centro, e cujo aluguel, mesmo nas casas superlotadas, não pode nunca ultrapassar um certo máximo, ou pelo menos só o pode de uma maneira extremamente lenta. Por isso são demolidos e nos lotes são construídos grandes armazéns, lojas, edifícios públicos. Em Paris o bonapartismo, através do barão Haussmann, explorou ao extremo esta tendência para a especulação e para o enriquecimento privado [...] Resulta-se daqui que os operários vão sendo afastados do centro para a periferia, que as moradias dos proletários, de uma maneira geral os pequenos apartamentos, tornam-se gradativamente escassos e caros, muitas vezes impossíveis de encontrar, e que nestas condições e indústrias da construção civil, a quem os apartamentos de aluguel elevado oferecem à especulação um campo muito mais vasto, não construirá senão excepcionalmente residências para operários. (P.2-3).
Como se pode perceber, Engels destaca aquilo que é essencial para a
conformação das condições da habitação no capitalismo e encontra por esta via as
regras econômicas que as regem. A face social e os elementos econômicos podem
até não ser os mesmos, mas isso em nada altera aquilo que é central ao modo de
produção capitalista: a concentração e centralização da propriedade privada para
fins de valorização do capital. Isto, tomando ferozmente como uso qualquer aspecto
das necessidades humanas, sem a intenção final de satisfazê-las.
Por isso a questão da habitação passa por uma questão também de
classes. Quando os urbanistas tentam resolver os problemas da habitação popular
por meio simplesmente de projetos, que não levam em conta nem os sujeitos nem a
realidade em que eles se inserem, a tendência é o fracasso. Isto na melhor das
hipóteses, porque, em geral, o mercado comanda onde e como os trabalhadores
irão viver estando os projetos para a habitação amarrados a esses interesses.
Nos anos de 1980 e 1990, a realidade para os trabalhadores brasileiros
era talvez a pior possível. O amargo remédio à crise do capital, que teve como
componentes “a abertura para o mercado mundial, a privatização de empresas
122
estatais, a desregulamentação da economia [e] a ‘flexibilidade laboral’” (SADER,
2007, p.109) fora ingerido a contragosto pela classe trabalhadora.
Nas cidades, isso teve um efeito dramático. Após os anos de 1970 terem
representado a predominância urbana no Brasil, as décadas que se seguiram
trouxeram também o caráter de crise e recessão que acompanharia tal urbanização.
Nos anos 1980, cerca de 6.403.139 de pessoas viviam nas cidades em moradias
precárias46 (IBGE-CENSO DEMOGRÁFICO, 1991). Na década de 1990, a promessa
neoliberal não resolveu o problema do conjunto da população brasileira e a
precarização por fatores espaciais permanece com taxas crescentes. É nesse
contexto que a urbanização do Passaré toma expressão.
Nos anos de 1980, o Passaré começava a ser loteado para além das
terras da Família Girão Brasil. Em 1982, foi aprovado o loteamento Jardim Sumaré,
área localizada a noroeste do bairro, onde se instalaram residências de boa
qualidade construtiva. O loteamento compreendia uma área de aproximadamente
196.000 m², possuindo 229 lotes.
Ainda no começo dos anos 1980, foi aprovado o loteamento para o
conjunto habitacional Jardim Castelão, com 198.000 m². Esse conjunto habitacional,
todavia, teve sua liberação comprometida devido ao mau planejamento da obra. A
construção foi feita a menos de 300 metros de distância do, na época ativo, lixão do
Jangurussu. Com o impasse judicial, os imóveis permaneceram desabitados até
maio de 1987, quando foram ocupados pela população que reivindicava moradia.
Estas pessoas permaneceram no local por cerca de um ano até que lhes
foi concedido o direito de construir nas proximidades 520 casas em regime de
mutirão. As famílias envolvidas nessa empreitada eram oriundas de diversos locais
da periferia de Fortaleza, tais como: Messejana, Conjunto Alvorada, Parque
Iracema, Ponte do Iguatemi, Conjunto do IPEC, Viaduto da Leste-Oeste e Maravilha.
Esse primeiro grupo deu origem aos Conjuntos Jardim União I e II. O terreno usado
pertencia ao estado e correspondia à antiga Escola de Tratoristas.
Outro caso de ocupação pelo movimento social foi o ocorrido no início dos
anos 1990, na área que ficou conhecida como Barroso II, setor leste do bairro.
Nesse caso, a ocupação se deu do modo mais típico, com o erguimento de barracos
na área pretendida. Também de modo típico foi a forma como o estado tratou essa
46
O IBGE trabalha com o conceito de aglomerado subnormal, referindo-se a: favelas, mocambos, alagados, barranco de rio, etc.
123
ação. De acordo com o relato dos primeiros moradores da área, houve, após quatro
meses de assentamento, intervenção violenta da polícia com a expulsão da
população. A continuidade da luta aconteceu com o auxílio do padre da igreja local,
que cedeu o espaço do entorno da igreja para a permanência dos sem-teto até que
fossem atendidas as suas reivindicações.
Passado um ano de ocupação, a área do primeiro assentamento foi
cedida ao movimento, que pôde, através de mutirão, construir suas residências.
Nas duas ocupações, a organização do movimento em processo de
mutirão se dava por funções atribuídas aos envolvidos. No ato da construção
existiam: conselho fiscal, com atribuições de ordenar e regular a ocupação;
tesoureiro, que gerenciava os custos da obra; e presidente, que se tratava do próprio
líder comunitário. Nesse loteamento, cada quadra recebeu o nome de um dos
líderes comunitários.
No mutirão, o trabalho era intenso, em geral, a edificação dos imóveis era
realizada nos fins de semana, somando-se às atividades profissionais dos
moradores. Na medida em que as etapas de unidades habitacionais ficavam prontas
era realizado um sorteio onde se definiam quais seriam os próximos beneficiados.
Nesse período, mesmo sem incentivos à produção do setor imobiliário, já
havia registro de loteamentos para boa parte do território do bairro, o que pode
indicar uma estratégia dos proprietários de terras no sentido de assegurar a sua
posse frente ao risco de ocupação pelos movimentos sociais. Com o exercício ou
iminência da força manteve-se a propriedade de muitos donos de glebas e
loteamentos.
A aprovação dos loteamentos para os mutirões não significou, todavia, a
satisfação das demandas das famílias. Entre as reivindicações feitas listavam-se:
abastecimento de água, fornecimento de luz, implantação de saneamento básico,
pavimentação de ruas, alocação de posto de saúde e creche, além da oferta
adequada de transporte público. No período atual, há ainda muitas queixas no que
tange a estas infraestruturas.
Apesar da forte atuação das comunidades, elas não ocorreram enquanto
corpo homogêneo de lutas e ideias. Foi e continua a ser comum a disputa política
dentro da comunidade com a existência de cabos eleitorais representados por
pessoas ativas no papel de luta por melhorias do bairro. Por isso, há também um
sentimento de desconfiança entre os moradores em relação a essa atuação. De todo
124
modo, as conquistas galgadas pelos moradores dessas comunidades que compõem
o Passaré foram fundamentais também para o mercado imobiliário que se beneficiou
com a infraestrutura existente.
4.1.3 Terra como mercadoria
O quadro atual de alguns setores do Passaré pouco faz lembrar a
fisionomia da periferia de Fortaleza predominante até meados dos anos 1990. O
bairro cresceu muito durante os anos 2000, com mudanças qualitativas e mesmo
quantitativas considerando-se que cerca de 26% da população atual data desta
década (IBGE, 2000;2010).
Mapa 7 – Domicílios particulares permanentes por bairros – Fortaleza/CE - 2010
Fonte: IBGE, CENSO 2010. Elaboração: Maria Adriana Martins dos Santos e Jefferson Sant’ana Galvão
125
Com isso, acentuou-se também o incremento no número de domicílios,
entre 2000 e 2010, a elevação foi de 37,8%. Em números absolutos, estamos
falando de 50.940 pessoas distribuídas em 14.957 domicílios. Números
consideráveis se comparados com outros bairros que estão já densamente
ocupados como: Papicu (5.549 un.), Aldeota (13.723 un.), Benfica (2.975 un.) ou
Parangaba (9.225 un.), como pode ser observado no Mapa 7.
O perfil habitacional do bairro é bastante diversificado, variando entre os
condomínios mais bem equipados, construídos nos anos 2000; moradias de baixo
padrão construtivo, instaladas a partir dos anos 1980; e chácaras que resistiram à
especulação imobiliária, como demonstrado no Gráfico 6.
Gráfico 6 – Perfil Residencial dos moradores do Passaré por tipo de domicílio -
2010
Fonte: Elaborado pela autora com base no IBGE – Censo Demográfico, 2010.
Ao verificarmos as variáveis de rendimento médio por tipo de domicílio e
de composição da população por classe de rendimentos, alcançamos um indicativo
de que os trabalhadores com melhores níveis salariais do Passaré convergiram para
os condomínios fechados horizontais47. No Gráfico 7, é possível verificar a relação
rendimento/tipo de domicílio. Vale frisar que, apesar da concentração acentuada
dessa tipologia no bairro, ela não representa mais que 9% do total dos domicílios ali
instalados.
47
O IBGE aglutina as tipologias vila e condomínio fechado. Tendo conhecimento da realidade do Passaré, tratamos apenas por condomínios fechados.
126
Gráfico 7 – Valor do rendimento nominal médio mensal por tipo de domicílio no Passaré - 2010
Fonte: Elaborado pela autora com base no IBGE – Censo Demográfico, 2010.
Figura 11 – Habitação no Passaré
Fonte: pesquisa de campo
127
A população com rendimentos mais elevados (acima de 5 SM)48 constitui
apenas 3% do quadro global do bairro, enquanto a larga base da pirâmide, 81% dos
habitantes do Passaré, não recebe mais que 2 SM por mês. Desse total, 35% vivem
com menos de 1/2 SM (Gráfico 8). Depois de 2010, empreendimentos verticais com
unidades a preços mais elevados foram lançados, o que certamente ampliou e
distribuiu o percentual da população de maior rendimento para essa tipologia. Ainda
assim, devido à dimensão populacional do bairro, esse incremento dificilmente
representará alteração significativa, em termos proporcionais, na composição dos
habitantes por classe de rendimento.
Gráfico 8 – Composição da população por classes de rendimento
nominal per capita, Passaré - 2010
Fonte: Elaboração da autora com base nos dados do Censo Demográfico, IBGE,
2010.
Acreditamos que os elementos apresentados são suficientes para
desfazer o mito, recentemente criado pelo mercado, de que o Passaré se tornou um
bairro “nobre”.
48
O salário mínimo utilizado pelo IBGE, nesse levantamento, foi de 510,00 Reais.
128
Gráfico 9 – Moradores por domicílio – 2000/2010
Fonte: Elaborado pela autora com base no IBGE – Censo Demográfico, 2000 /2010.
Ainda quanto aos domicílios, o censo do IBGE indicou que, entre 2000 e
2010, houve uma mudança no que se refere à concentração de residentes por
unidade habitacional. Enquanto os domicílios com cinco ou mais pessoas
diminuíram (passando de 3.213 para 3.090), os com até três moradores
aumentaram sensivelmente (de 3.985 para 8.634), como mostra o Gráfico 9. Em
parte, esse acréscimo se liga à chegada de novos moradores que vieram habitar em
tipos construídos pelo setor imobiliário, sendo muitos deles condomínios fechados.
Atualmente, o bairro demonstra uma tendência de crescimento da
população com mais de quarenta anos, perfil verificado também entre os chefes de
família que residiam nos condomínios fechados horizontais (Gráfico 10).
Gráfico 10 – População residente, no Passaré, por grupo de idade – 2000/2010*
Fonte: Elaborado pela autora com base no IBGE - Censo Demográfico, 2000/ 2010.
* O percentual encontra referência na população total do bairro.
129
A implantação dos condomínios fechados no Passaré inicia-se na virada
dos anos 1990. Esse tipo habitacional permitiu que o setor imobiliário incluísse perfis
de renda mais elevados no mercado de compradores de terrenos e
empreendimentos no Passaré. Esse efeito requer explicação.
De acordo com Caldeira (2000), os enclaves fortificados são espaços
autônomos, independentes do seu entorno e que podem ser situados praticamente
em qualquer lugar. Não apresentaríamos as noções de autonomia e independência
com tanto rigor para a totalidade desses empreendimentos, em especial, para
àqueles de menor porte. Mas este emuralhamento, na medida em que impede o
acesso de estranhos, tem um efeito de mercado positivo frente a um medo
crescente da violência urbana.
No transcurso dos anos 2000, fica evidente para o Passaré a tendência a
uma urbanização marcada pelos condomínios fechados. De 1998, ano de
implantação do primeiro condomínio, a 2006, foram construídos 80,64% dos
empreendimentos registrados no bairro atualmente. O ano de 2011 parece ter
finalizado esse ciclo imobiliário de condomínios fechados no bairro, já que nenhum
novo empreendimento do tipo foi construído desde então.
Gráfico 11 – Número de condomínios fechados horizontais por ano, no Passaré, registrado pela SEFIN*
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados fornecidos pela SEFIN * Sabemos, através do reconhecimento de campo, que esse dado representa um valor inferior
à realidade do Passaré. Todavia, a opção por seu uso se deu pela falta de dados oficiais que contabilizassem a tipologia em análise. O gráfico representa, desse modo, uma estimativa da frequência dos condomínios fechados horizontais, no bairro.
130
Gráfico 12 – Número real de condomínios fechados horizontais no Passaré
Fonte: Elaborado pela autora a partir de imagens disponibilizadas pelo Google Earth.
Aqui abrimos um parêntese para reafirmar nossas considerações.
Apresentamos dois Gráficos, 11 e 12, sendo o primeiro bem menos preciso em
relação aos números reais. A motivação da apresentação dessas duas fontes se deu
porque justificamos a nossa escolha de recorte baseada do Gráfico 11, de fonte
oficial, e que nos deu a possibilidade de avaliar o conjunto urbano de Fortaleza do
fenômeno em estudo. Esta fonte indica o Passaré como o bairro de maior
concentração do tipo residencial condomínio fechado horizontal. Não descartamos
essa informação porque, apesar de não ser precisa, ela é proporcional ao volume
real. Entre os dois dados o coeficiente de correlação é de 0,980026, valor quase
ideal (referente a 1). Fechamos o parêntese.
No Quadro 3, fica evidente que o Plaza Carmelle é o único representante
do tipo condomínio fechado horizontal e que foi também o último empreendimento
do segmento a ser lançado, apesar de sua entrega está datada para 2014, a sua
implantação ocorreu ainda em 2011. Essa diminuição de frequência associada a um
preço espantoso reforça o fato de que está ocorrendo uma virada para esse setor da
cidade. Do ponto de vista dos níveis de lucratividade buscados pelo mercado, o
preço da terra no Passaré tornou-se inviável para projetos horizontais e para as
pequenas construtoras – comumente, as que investem nesses empreendimentos.
Mantendo-se os preços, a tendência para o Passaré será a da verticalização.
131
Quadro 3 – Principais lançamentos imobiliários no Passaré
Fonte: Elaborado pela autora a partir de materiais publicitários impressos
Há um aspecto particular que deve ser reassaltado para evitar distorções
acerca do caráter da verticalização do Passaré. O bairro apresentou um processo de
verticalização antes que ocorresse uma valorização contundente. Isto aconteceu
devido a investimentos do governo no setor da habitação social. De acordo com
informações levantadas por Assis (2013), o Passaré foi o principal bairro a receber
empreendimentos do PAR, no Governo FHC, sete no total. No Governo Lula, o
bairro ainda recebeu dois novos empreendimentos, mas já era visível que os
projetos se deslocavam para regiões mais afastadas, como o Jangurussu, que teve
a maior concentração para o período – nove empreendimentos, todos no governo de
Lula.
Ainda quanto ao perfil da verticalização, até meados dos anos 2000, os
investimentos eram de pouca monta, se comparados aos realizados nos últimos
quatro ou cinco anos. A complexidade dos projetos também estava aquém da
realidade das áreas já valorizadas.
EMPREEND. TIPO CONST. INC. UN. ÁREA PREÇO (R$)
ANO DE ENTREGA END.
Reserva Passaré Apto. BSPAR BSPAR 576
11.088 m² (total) 230.000 2014
R. das Carnaúbas
Portal do Passaré Apto. CMT CMT 42 2.338 m² 239.000 2012
R. das Carnaúbas
Horto Residence Apto. Samaria Samaria 104 4.779 m² 234.000 2014
Av. Prudente Brasil
Mirantes Passaré Apto. FAN FAN - 8.141 m² 226.600 2015
R. dos Sabiás
Plaza Carmelle
casa em condomínio
Carneiro de Melo - 34 7.200 m² 500.000 2014
R. das Carnaúbas
Villa Bellagio
casa em condomínio
Compacta Engenharia - 28 5.321 m² 425.000 2009
R. das Aroeiras
132
Figura 12 – Prédio do PAR construído no Passaré
Fonte: Pesquisa de campo
O perfil da verticalização anterior à entrada das empresas de maior
capacidade de investimento era o de prédios de três andares podendo compor
várias torres dentro do mesmo condomínio (Figura 12), o que proporcionava
menores custos de manutenção para cada condômino. Do mesmo modo, os
condomínios fechados horizontais já existentes também não possuíam grandes
investimentos em áreas comuns ou em atrativos que fossem muito além da
segurança baseada na existência de uma portaria, alguns só recentemente sofreram
melhorias nas áreas comuns. Há pouca ou nenhuma normatização quanto à
manutenção da padronização das unidades residenciais, como pode ser observada
na Figura 13.
133
Figura 13 – Áreas internas e externas do Residencial Sarah Kubitschek I, construído no final dos anos 1990
Foto: Pesquisa de campo
Apesar do interesse do setor imobiliário ter sido flagrante já nos anos
1990, foi no final dos anos 2000 que o Passaré passou a atrair investimentos de
maior porte. Esses empreendimentos marcam uma nova fase de expansão urbana.
Redesenham, na realidade, a fronteira de interesses dos agentes do setor imobiliário
de maior capital.
Hoje, o capital de parte das empresas que investem em bairros periféricos
é elevadíssimo. O grupo BSPAR, a exemplo, atua em diversos segmentos, inclusive
no financeiro. Essa disponibilidade de recurso permite às empresas investimentos
mais agressivos. Projetos de simples prédios de apartamentos são engolidos por
complexos que oferecem áreas comuns repletas de atrativos. Mais do que devorar o
antigo modelo vertical eles engolem a própria cidade na medida em que reproduzem
vários dos seus elementos, produzem, assim, uma cidade miniaturizada.
O deslocamento desses investimentos para as áreas periféricas também
acentua a discrepância econômica entre a população antiga da periferia (composta
por trabalhadores pouco especializados) e a nova (representada por trabalhadores
com melhores condições salariais). O efeito disso no espaço é a sua fragmentação
ainda mais violenta.
Villaça (2001) fala em uma obsessão dos mais ricos (acrescentamos que
não são apenas os ricos) pela construção de muros e cercas na medida em que se
aproximam da periferia. A esse respeito observamos que se desenvolve com esses
enclaves residenciais um estranhamento em relação à população externa aos
condomínios. Um sentimento de desconfiança e insegurança em relação ao entorno
(extramuros) que reafirma a negação dos espaços públicos e alimenta o desejo pela
permanência nas áreas internas do condomínio.
134
Os equipamentos de áreas comuns são praticamente obrigatórios para os
projetos destinados aos novos espaços de investimentos do setor imobiliário. Além
da indesejável convivência com a população antiga, os tamanhos das unidades
residenciais, cada vez menores, demandam projetos com áreas comuns mais
diversificadas. Assim, o processo de intensificação da fragmentação urbana reforça
o sentido de miniaturização da cidade pelos enclaves residenciais, na propaganda
da Figura 14 pode-se ler “Uma pequena cidade para os grandes momentos da sua
vida”.
Figura 14 – Anúncio imobiliário referindo-se ao condomínio enquanto uma pequena cidade
Fonte: Encarte publicitário da construtora Carneiro de Melo, distribuído livremente.
Ao analisar a elevação dos preços, no acumulado de 2010 a 2014,
descobrimos que em alguns bairros da periferia de Fortaleza a elevação foi, em
termos proporcionais, superior a bairros já valorizados. No Gráfico 13, calculamos o
acumulado do índice FipeZap para quatro bairros49: Aldeota, Cocó, Passaré e
49
A base desse cálculo foi o preço do metro quadrado dos apartamentos, o que nos permitiu uma avaliação mais segura, tendo em vista a frequência das variáveis. Se utilizássemos o padrão casa, dificilmente teríamos
135
Messejana. Os dois primeiros fazem parte da região com os preços mais elevados e
com a maior dinâmica imobiliária da cidade, os últimos fazem parte da periferia da
Capital.
Gráfico 13 – Variação do preço do m² - entre jan/10 e maio/14
Fonte: Elaborado pela autora com dados do FipeZap.
Gráfico 14 – Evolução dos preços de imóveis por bairros de Fortaleza - 2010/2014
Fonte: Elaborado pela autora com dados do FipeZap.
É claro que bairros como Cocó e Aldeota têm metros quadrados muito
mais caros do que o de bairros como o Passaré, mas o destaque está para os novos
territórios do capital, que se valorizam numa curva crescente superior produzindo
uma paisagem drasticamente desigual na periferia. (Gráfico 14).
uma boa representatividade, já que os bairros densamente explorados pelo setor imobiliário sofreram um processo de verticalização ainda nos 1980.
136
No caso do Passaré, um fator importante para a acentuada elevação dos
preços foi o mega evento Copa do Mundo FIFA 2014. Desde 2009, com o anúncio
das cidades que receberiam os jogos, criaram-se enormes expectativas no setor
imobiliário quanto aos investimentos em infraestrutura para a Copa. Na medida em
que iam se confirmando os projetos de intervenções urbanas, acirrava-se a disputa
pelo espaço. A posição privilegiada do Passaré em relação à Arena Castelão tornou-
se o mote para a irracional elevação dos preços dos seus terrenos. Vejamos a
matéria publicada pelo jornal Diário do Nordeste, no ano de anúncio do megaevento.
Fortaleza vai mudar. Todos os projetos previstos para atender à Copa do Mundo de 2014 na Capital vão transformar o cenário físico em algumas partes da cidade e, conseqüentemente, alguns aspectos econômicos. Um deles é a valorização imobiliária do bairro do Castelão e suas redondezas, principalmente, além de outros, como a Praia do Futuro. Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará, Roberto Sérgio Ferreira, as obras de infra-estrutura que incrementarão o acesso ao estádio serão responsáveis pela valorização de terrenos no entorno. Montenegro, do Sinduscon, afirma que o mercado já começou a especular os preços de venda no Castelão. “Haverá um interesse maior”, diz. “O Passaré [bairro vizinho] é uma das zonas que mais cresce em Fortaleza com oferta de casas. Com a Copa, essa valorização vai acelerar”, adianta. (04/05/2009).
Nos anos seguintes a essa matéria, o megaevento foi comprovadamente
um fator explorado pelo setor imobiliário elevando os preços dos seus produtos. Na
Figura 15, é possível perceber a tentativa do setor imobiliário de relacionar um de
seus produtos à Arena Castelão.
137
Figura 15 – Outdoor que destaca obra da Copa do Mundo de Futebol FIFA 2014
Fonte: Pesquisa de campo
Apesar da elevação dos preços, não houve de modo contundente
motivação proporcional que a justificasse, uma vez que as intervenções esperadas
não foram além de melhorias em vias, aparecimento de algumas lojas e a reforma
do estádio. O que o mercado aguardava, em parte, não se realizou. Havia a
expectativa de uma nova dinâmica gerada pela chegada de empreendimentos
comerciais. Esperava-se também que fosse realizada uma mudança no perfil da
população nas proximidades do estádio e das novas obras por meio de remoções.
Podemos considerar que esse último representou o principal conflito da cidade
desde o anúncio das intervenções urbanas.
Para a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, o Poder Público
empreendeu um enorme esforço financeiro e político na efetivação de um conjunto
de projetos para o megaevento. Não sem conflitos, mudanças espaciais e jurídicas
foram implementadas. Entender a história recente do Passaré significa compreender
esses elementos atrelados, portanto a um projeto urbano muito mais amplo.
A sequência África do Sul (2010), Brasil (2014) e Rússia (2018)
demonstra que os países eleitos pela Federação Internacional de Futebol para
sediar a Copa do Mundo têm um caráter mais flexível às exigências do grande
capital nacional e internacional.
138
Harvey (2006), ao tratar da passagem do administrativismo urbano para o
empreendedorismo urbano, a partir da década de 1970, dá-nos pistas para
compreendermos o modelo de gestão de governo que gastou 25,8 bi de reais para
viabilizar um megaevento (FOLHA DE SÃO PAULO, 23/05/2014).
A transição entre os modelos de administração pública está relacionada
às dificuldades enfrentadas pelas economias capitalistas na recessão de 1973
(HARVEY, 2006). A erosão econômica e fiscal vivida por grandes cidades de países
capitalistas avançados exigiu a saída à crise urbana por novos modelos de gestão
onde os governos teriam um papel facilitador na atração de novos
empreendimentos. Como pano de fundo desse processo Harvey (2006; p. 168)
aponta para
[...] a desindustrialização, o desemprego disseminado e aparentemente “estrutural”, a austeridade fiscal aos níveis tanto nacional quanto local, tudo isso ligado a uma tendência ascendente do neoconservadorismo e a um apelo muito mais forte (ainda que, frequentemente, mais na teoria do que na prática) à racionalidade do mercado e à privatização.
Assim, a crise urbana corresponde também a uma crise social – um par
que obedece à crise do próprio capital. Para Mészáros (2011), esta que seria uma
crise estrutural tende a aprofundar-se, permeando não apenas o mundo das
finanças, mas em todas as esferas da vida cotidiana. Consideramos que aí há algo
que pode ser aproximado à ideia de “esferas de atividades”, tratadas por Harvey
(2011), que retoma e amplia uma ideia de Marx que não fora desenvolvida
completamente em O Capital.
Para o autor, o capital movimenta-se em busca de lucro por meio de
diferentes “esferas de atividades”. Nestas, haveria uma fulcral que diria respeito às
novas formas tecnológicas e organizacionais, mudanças nessa esfera significariam
profundas alterações nas relações sociais, assim como nas relações com a
natureza. Por outro lado, mutações nesses dois campos também acarretariam
efeitos sobre as novas tecnologias e formas organizacionais. Compõe-se assim um
processo dialético de interações.
Harvey (2011; p.104) apresenta sete “esferas de atividades”:
[...] tecnologias e formas de organização; relações sociais; arranjos institucionais e administrativos; processos de produção e de trabalho;
139
relações com a natureza; reprodução da vida cotidiana e da espécie; e “concepções mentais de mundo”.
Não haveria esferas dominantes e nem independentes, ao mesmo
tempo, cada esfera teria uma evolução própria, mas em uma interrelação dinâmica
com as outras. David Harvey apresenta, assim, uma concepção dos fenômenos
absolutamente dialética e que leva em consideração um grau de incalculabilidade
Todos os complexos fluxos de influencia que se movem entre as esferas estão em perpetua reformulação. Além disso, essas interações não são necessariamente harmoniosas. De fato, podemos reconceitualizar a formação de crises em termos de tensões e antagonismos que surgem entre diferentes esferas de atividade, por exemplo as novas tecnologias que levam ao desejo de novas configurações nas relações sociais ou perpetuam a organização dos processos de trabalho existentes. [...] O capital não pode circular ou acumular-se sem tocar em cada uma e em todas essas esferas de atividade de alguma forma. Quando o capital encontra barreiras ou limites dentro de uma esfera, ou entre as esferas, tem de achar meios para contornar ou superar a dificuldade. Se as dificuldades são graves então esta aí uma fonte de crises. (HARVEY, 2011, p.104-105).
Esse grau de incalculabilidade nos permite um movimento fantástico
relativo à própria utopia. Bem ou mal focadas as manifestações de junho, como
ficaram conhecidos os protestos que reuniram milhões de pessoas nas ruas de
várias cidades brasileiras, durante a Copa das Confederações, tiveram esse caráter
surpresa do qual provavelmente ainda não vimos o desenrolar completo. Desde
então, tem sido marcante o desejo pelo encontro urbano em prol da luta por justiça
social, destacadamente as relativas à preservação de bens públicos como o Ocupe
o Cocó (em Fortaleza) e o Ocupe a Estelita (em Recife). Esses movimentos, que
reivindicaram o direito à cidade, estão na vanguarda dos movimentos urbanos
atuais. Mas em que isso é importante para a nossa discussão? Ao que parece eles
vão de encontro à lógica, ainda dominante, narrada em nossa pesquisa. Isto serve
para dizermos que não há uma tendência única, ainda que existam aquelas que são
hegemônicas.
Alguns exemplos que viemos apresentando ao longo do debate acerca
do nosso objeto ilustram a leitura feita por Harvey (2011), dentre eles, destaca-se a
dinâmica de uso dos espaços públicos, que se transforma num ritmo aproximado
aos dos modelos de morar, ambos exercem funções ativas em sua interação. A
mudança das relações cotidianas entre os indivíduos e a cidade é mediada também
140
por transformações tecnológicas, como as que ocorreram com a invenção e
disseminação do automóvel, que orientou na sequência toda a produção urbana.
Enfim, Harvey (2011) desenvolve uma ideia que permite incorporar leituras diversas
– e, inclusive, fora do eixo de análises marxistas, sem, no entanto, comprometê-lo –
a fim de pensar o movimento desigual que compõe as partes no fluxo da história e
que por sua vez se realiza na (re)produção do próprio espaço.
A ocorrência da crise no padrão produtivo, com seus efeitos sobre a
sociedade, exigiu do modelo de gestão pública uma reformulação na sua atuação.
Sobre isso Botelho (2004) argumenta que a crise se expressou de maneira distinta
para as diferentes realidades urbanas do mundo capitalista, de modo geral, esse
processo se realizou enquanto
[...] crise financeira e econômica dos poderes públicos municipais, crise de “funcionamento” da cidade (transportes, limpeza urbana, serviços sanitários etc.), crise da gestão política. Em resposta a esse conjunto de crises, novas formas de gestão e planejamento urbano foram colocadas em prática a partir da década de 1980 em algumas cidades afetadas pela crise (Barcelona, Nova York, Baltimore, Los Angeles, Boston etc.), transformando-se rapidamente em modelos mundiais “de boa gestão” a serem adotados pelas demais cidades[...]. (BOTELHO, 2004, p.113).
Para Harvey (2006), podemos estar diante de um modelo com
implicações de longo alcance para perspectivas futuras de desenvolvimento.
Pensemos, como propõe Harvey (2006), na conformação de uma estrutura de
concorrência interurbana de soma zero, ou seja, fundada num jogo em que o ganho
de um “jogador” representa a perda de outro. Aí, nem mesmo os governos mais
progressistas encontrarão saídas que não passem pela entrada no jogo da produção
de vantagens aos investimentos capitalistas. Estas aporias, enfrentadas em todo o
mundo, acabam produzindo uma enorme descrença quanto à resolução dos
problemas sociais pelo Estado.
Harvey (2006) propõe três aspectos gerais de caracterização do
empreendedorismo urbano recente: a) a parceria em projetos público-privados; b)
nesses projetos, os governos assumem os riscos do movimento empreendedor
enquanto o setor privado fica com os benefícios; c) e o enfoque na economia local.
O modelo orienta-se para o “investimento e desenvolvimento econômico, por meio
da construção especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num
141
território” (HARVEY, 2006, p.174). Por essa via se privilegia o desenvolvimento de
projetos, onde, de acordo com Botelho (2004; p.114), destacam-se:
[...] as renovações das frentes marítimas, portos, centros históricos e também os grandes eventos internacionais (Jogos Olímpicos, Exposições Universais, Congressos Internacionais etc.), como também parques temáticos de ócio e comércio, parques empresariais e de serviços para empresas, zonas logísticas, condomínios fechados, campus universitários, centros médicos, centros de convenções, recintos de feiras etc.
O modelo de empreendedorismo urbano pode ser reconhecido em
diversos níveis escalares como “zonas e comunidades locais, centro da cidade e
subúrbios, região metropolitana, região, Estado-Nação, etc.” (HARVEY, 2006,
p.171).
Tal modelo implica necessariamente em efeitos não só sobre as
instituições urbanas, mas também sobre os ambientes urbanos construídos. Nessa
fase da urbanização, o reconhecimento dos atores e seus papéis tornam-se
fundamental para a compreensão dos processos urbanos. Para Harvey (2006), os
movimentos desses atores envolvem interesses diversos que interagem numa
configuração específica de práticas espaciais entrelaçadas. O autor ainda levanta
que estas práticas podem até envolver conteúdos diversos como o de gênero ou de
caráter racial, mas a predominância se funda nas relações de classes com foco no
controle da força de trabalho.
Com a Copa do Mundo abriu-se um campo vasto para os investimentos
do capital nacional e internacional, no Brasil. De acordo com Vainer (2013)50, os
maiores beneficiados com o evento, além da própria FIFA, foram: as empresas de
consultoria; as empresas de telecomunicações; a indústria esportiva internacional;
as grandes empreiteiras nacionais; o setor de turismo; e os políticos locais em busca
de visibilidade. Em Fortaleza, a Copa do Mundo serviu como justificativa para a
remoção dos pobres que residiam nas áreas mais valorizadas da cidade e para a
construção de grandes obras ligadas ao turismo, em especial, com foco no turismo
de eventos.
Podemos considerar que, no nível urbanístico mais direto, as obras de
mobilidade urbana foram privilegiadas. De acordo com a SEINF, foram R$ 127,9
50
Entrevista concedida ao Correio Braziliense, publicada em 24/8/2013.
142
milhões destinados às intervenções nas vias51. O pacote, que inclui a remoção de
361 imóveis, ainda está em processo de finalização.
A visibilidade dada a Fortaleza com o megaevento também foi usada
enquanto justificativa para projetos como: o Centro de Convenções e o Aquário
Ceará, o que reforça a leitura que coloca a capital alinhada ao modelo do
empreendedorismo urbano.
Do ponto de vista do capital imobiliário, o modelo de gestão tem induzido
a produção urbana para o sul de Fortaleza. O principal amparo para esta tese está
na escolha da localização do Residencial Cidade Jardim, em processo de
construção, no bairro José Walter. De acordo com a Coopercon52, o
empreendimento será o maior projeto da segunda etapa do PMCMV. A obra
assinada pela Fujita Engenharia envolveu a parceria de agentes públicos como:
Caixa Econômica, Governo Federal, Governo do Estado do Ceará e Prefeitura
Municipal de Fortaleza53. O projeto que prevê 5.536 unidades habitacionais,
dispostas em 346 blocos de apartamentos voltados para famílias de 0 a 3 salários
mínimos, parte dessa população é proveniente das remoções para a efetivação das
obras de mobilidade urbana.
Ao que parece, a Copa do Mundo de 2014 foi usada como justificativa
para um rearranjo, ainda em curso, da Metrópole. A cidade tornou-se ainda mais
fraturada, acelerando a justaposição entre enclaves residenciais a setores
paupérrimos. Diante dessa realidade, cabe perguntar que nova configuração urbana
está em marcha.
Com base em nossa pesquisa mais empírica não podemos dizer que o
Passaré ou qualquer outro bairro do setor sul de Fortaleza tenha mudado seu perfil
dominante de classe (ou fração de classe). Perceber que o perfil dominante não foi
alterado não significa, todavia, negar que alguma mudança significativa possa ter
ocorrido.
Quando o setor imobiliário migrou para a periferia da cidade a produção
do espaço pela autoconstrução já estava em curso, há pelo menos duas ou três
décadas, o que de alguma forma também criou aspectos locacionais favoráveis
51
Informação disponível no site: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/seinf/obras-de-mobilidade-urbana-copa-2014>. Acesso em: 24 jul. 2014. 52
Cooperativa da Construção Civil do Estado do Ceará. 53
Disponível em: <http://www.coopercon.com.br/noticias/fujita-engenharia-assina-contrato-para-construc-o-do-cidade-jardim>. Acesso em: 25 jul. 2014.
143
como a existência de comércio e de infraestrutura básica (energia, água, esgoto,
linhas de telecomunicação, além de vias locais, coletoras, arteriais, etc.).
O Passaré, por exemplo, já estava constituído, guardando, todavia, várias
glebas que foram aproveitadas pelo mercado na medida em que se tornava
excessivamente oneroso produzir empreendimentos nas áreas concentradoras de
serviços e de melhor infraestrutura.
A entrada da classe trabalhadora no mercado imobiliário formal, por via
do PMCMV, também é elemento importante, já que promoveu não só o alargamento
do mercado como o movimento territorial dos investimentos do setor imobiliário.
Construir para o perfil econômico atendido pelo PMCMV, nas áreas mais
valorizadas, tornou-se inviável do ponto de vista do mercado. Mas devemos
destacar aqui que os empreendimentos analisados por esta pesquisa não se
referem àqueles consumidos pelos trabalhadores de menor rendimento e nem
mesmo àqueles incluídos na chamada Nova Classe Média, estariam muito mais
relacionados ao perfil clássico da classe média, em muitos casos, funcionários
públicos. No entanto, os rebatimentos sobre a elevação dos preços e da produção
em geral do mercado só podem ser explicados se levadas em conta as questões
estruturais, como já fora referido no capítulo anterior.
Na verdade, temos um duplo processo: na medida em que o mercado se
expandiu, o efeito foi o de elevação dos preços dos produtos imobiliários, e
espacialmente o resultado foi a empurrada dos novos projetos imobiliários para a
periferia.
Como já afirmamos, os enclaves residenciais fincam-se na periferia, sem,
no entanto, alterar o perfil geral, assim, a noção de “enclaves” justifica-se. No
Passaré, os condomínios fechados não são dominantes, como mostramos em
nossos dados, mas são qualitativamente significativos na medida em que
compreendem os espaços de melhor qualidade ambiental e com melhores
equipamentos. Além disso, em muitos casos, distinguem-se da realidade dos
moradores extramuros ao possuírem equipamentos de uso coletivo interno ao
condomínio que dispensam a vivência dos espaços públicos, bem como a sua
reivindicação.
Até aqui elencamos os efeitos de algumas mudanças econômicas e
políticas sobre o Passaré levando em consideração os elementos singulares do
nosso recorte. Um elemento, porém, não foi debatido: a natureza, esta enquanto
144
discurso que tem como finalidade a valorização imobiliária. A importância desse
elemento é difícil de ser mensurada, mas consideramos que é preciso dedicarmos
algum espaço a este debate enquanto movimento de reflexão.
A esse respeito é preciso dizer que, a depender da localização da
moradia, os preços são favorecidos, ou não, de acordo com os valores de uso que
garantam facilidades à reprodução da vida, mas, além disso, há também efeitos de
elevação dos preços relativos ou “caprichos da moda” e a “noções de prestígio”
(HARVEY, 2013b, p.438).
Observando o mercado local e nacional, visualizamos que as referências
à natureza, enquanto signo de aprazibilidade, correspondem ao arquétipo
contemporâneo da mercadoria habitacional. Para o nosso objeto e recorte, esse
debate é imprescindível, já que: (a) os condomínios e loteamentos fechados têm
como principal mote a promessa de retorno a um mundo de tranquilidade em contato
com a natureza, mesmo que esta não passe de um paisagismo bastante limitado; (b)
no Passaré, a existência de uma área de preservação ambiental é largamente
explorada pelo setor imobiliário no intuito de justificar os altos preços cobrados pelos
imóveis naquela área.
Mas é preciso dizer que as imagens que construímos acerca dos lugares
são referências nem sempre cunhadas pela experiência sensível, em muitos casos,
elas nos chegam através de imagens construídas por outrem. Recebemos uma série
de informações mais ou menos distorcidas que nos ajudam a elaborar um “cenário”
urbano. Por exemplo, se alguém diz que mora num bairro “x”, é muito provável que
tenhamos fragmentos de imagens produzidas, se não in loco, por narrativas
cotidianas acerca daquele lugar. Essa ideia pode, em maior ou menor grau,
corresponder à realidade daquele recorte da cidade. Esse aspecto é de fundamental
importância na composição dos preços dos produtos imobiliários.
Recentemente, o jornal O Povo publicou uma matéria sobre o Passaré, na
qual evidenciamos alguns elementos para este debate.
O frescor da brisa no meio da tarde é um alento para a quentura cada vez mais insuportável de Fortaleza. O “cheiro” de verde toma conta das ruas mais próximas. Os privilegiados pela natureza são os moradores do Conjunto Sumaré, localizado no bairro Passaré. Eles contam com uma grande área verde, próximo à praça do bairro, que margeia o trecho do rio Cocó que passa pela região. Além disso, a existência do Horto Municipal Falconete Fialho e do Zoológico Sargento Prata também contribui para a qualidade de vida e climática do
145
Passaré. Segundo dados da Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), dos 7,16 km² do bairro, 2,81 km² são compostos de áreas verdes (39%). O contato estreito com o meio ambiente está no embrião do bairro, que nasceu do antigo Sítio Passaré, pertencente ao ex-prefeito de Fortaleza e historiador Raimundo Girão. (O POVO, 11/12/2013).
O Passaré está representado como um recanto de natureza preservada,
um ambiente quase idílico. Mas, a fim de pôr à prova esta imagem, analisemos de
modo mais detalhado todo o território do Passaré em seus aspectos físicos e
ambientais.
O sítio urbano que compõe o Passaré é, em sua maior parte,
caracterizado por terreno plano ou levemente ondulado, com baixa potencialidade
de escorregamento54 (PDDFor, 2006). O bairro situa-se no território coberto pela
bacia do Rio Cocó, possuindo dois braços que margeiam seus limites leste e oeste,
além de uma pequena lagoa particular de 63.940 m³ (Lagoa do Passaré, localizada
no sítio da família Brasil Girão). O terreno do Passaré é composto de solos com
horizontes: podzólico vermelho-amarelo distrófico, em sua maior parte; aluvial, na
faixa que acompanha o braço direito do Rio Cocó e o entorno na lagoa55; e solonetz,
seguindo o leito esquerdo (PDPFor, 2006).
No que confere aos níveis de preservação, não se pode falar numa
homogeneidade da paisagem do bairro, ao contrário, em geral, o Passaré é marcado
também por setores extremamente degradados que oferecem sérios riscos às
comunidades que ali residem.
É sabido que, no bairro, está localizado o Complexo Ecológico do
Passaré, o que lhe confere valorização. Porém, pouco se difunde a informação de
que o já desativado Lixão do Jangurussu também está dentro dos limites do
Passaré. Vale expor que este último é sempre mencionado e localizado
erroneamente no bairro homônimo, desatenção (ou não), ela vem sendo cometida
tanto pela mídia como por alguns trabalhos científicos. Vamos nos ater a estes dois
elementos contrastantes do ambiente produzido no Passaré e a sua relação com a
54
A exceção é a área do Jangurussu, antigo lixão da cidade, com terreno fortemente ondulado e com riscos de escorregamento de materiais (PDPFor, 2006). 55
O solo proveniente desse sistema lacustre foi utilizado para a construção das primeiras residências do bairro. Os anos de exploração de sedimentos tornaram a lagoa mais extensa do que ela era em sua forma original.
146
valorização imobiliária e a segregação. Comecemos pelo antigo Lixão do
Jangurussu.
O acentuado processo de urbanização verificado em Fortaleza, ao longo
da segunda metade do século XX, exigiu que a cidade encontrasse locais para os
seus resíduos sólidos. O primeiro foi o Lixão João Lopes (1956 a 1960), no bairro
Monte Castelo. Na sequência, o Lixão da Barra (1961 a 1965); o Lixão Buraco da
Gia (1966 a 1967), no Antônio Bezerra; Lixão do Henrique Jorge (1968 a 1977); e,
como o último a se localizar na Capital, o Lixão do Jangurussu (1978 a 1998), nas
proximidades do Rio Cocó (IZAIAS, 2010). Este último foi, a princípio, projetado para
ser aterro sanitário, mas, devido à falta de manutenção e descaso com as normas
técnicas necessárias, fora rebaixado a lixão.
Enquanto problemática ambiental, o lixão também envolve questões
sociais ligadas principalmente ao trabalho e à moradia. O baixo nível tecnológico e a
falta de controle e segurança do local, associados à realidade de pobreza e
informalidade, têm como síntese as mais precárias formas de reprodução da vida.
Mesmo sem condições mínimas de salubridade, a atividade com o lixo do
Jangurussu chegou a ocupar 626 trabalhadores (IZAIAS, 2010), parte deles
residindo precariamente no entorno do lixão.
Devido às implicações à expansão da cidade, o lixão foi aterrado,
transformando-se em uma “montanha” com 40 m de altura ao longo de 41 ha, com
abertura de dutos para escape de metano e a construção de drenos para
escoamento do chorume (FRANCO, 2007).
Após a desativação, foi construído nas proximidades do lixão o Complexo
do Jangurussu, com uma estação de triagem, onde passaram a ser desenvolvidas
atividades como tratamento e reciclagem dos resíduos sólidos (FRANCO, 2007). O
complexo ficou a cargo da Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização
(EMLURB).
As famílias envolvidas nesse trabalho, residentes do entorno, montam um
perfil de extrema pobreza. Mais da metade delas se reproduz com rendimentos que
não ultrapassam um salário mínimo (DANTAS; et. al., 2009). Parte sensível dessa
população é composta por crianças e jovens e, no geral, os residentes da área
possuem baixa escolaridade (DANTAS; et. al., 2009). Estas duas variáveis são
indicadoras da reprodução da condição de pobreza dessa população.
147
Mesmo com a criação da usina de triagem, as condições dos
trabalhadores estão entre as piores possíveis. É o que constata Izaias (2010)
quando afirma que dos 1.500 catadores apenas 12% foram mantidos, ficando os
demais à própria sorte com a coleta nas ruas. Para os que permaneceram, a
condição de insalubridade não foi alterada substancialmente, os rejeitos domiciliares
continuam chegando sem qualquer separação e o trato desse material é feito sem
equipamentos de proteção individual, o mais lamentável é que os salários pagos ao
impossibilitar a reprodução das famílias faz com que estes trabalhadores recorram
ao reaproveitamento de parte desse lixo na própria alimentação (IZAIAS, 2010).
Além dos catadores, outros agentes estão ligados ao processo de coleta
e classificação dos resíduos sólidos, é o caso dos atravessadores que têm o papel
de repassar os materiais às empresas de reciclagem (IZAIAS, 2010). No Passaré,
existem, pelo menos, cinco empresas que atuam nesse ramo, todas localizadas nas
proximidades da usina de triagem.
O lixão ocasionou enorme impacto sobre o meio ambiente. No período de
funcionamento, o chorume líquido contaminava o lençol freático do Rio Cocó e o gás
metano liberado provocava incêndios espontâneos, emitindo fumaça tóxica e pondo
em risco as comunidades próximas (IZAIAS, 2010). O lixão também representava
riscos por criar um ambiente de multiplicação de animais que ameaçam à saúde
humana.
Após duas décadas, permanecem os danos. Em épocas de maior índice
pluviométrico, a possibilidade de desmoronamento de sedimentos é constante. Com
a proximidade do Rio Cocó, a situação agrava-se. Os resíduos provenientes do
aterro acrescido ao esgoto residencial lançado às margens do Rio Cocó são fatores
agressivos de poluição. No levantamento feito por Barbosa (2012), foram
diagnosticados altos níveis de DBO56 em toda a margem que percorre a área do
lixão. Sem atenção dos órgãos de fiscalização, o despejo de materiais continua
sendo realizado de modo clandestino, o que piora a condição de possível
recuperação do ambiente.
Ora, mas esse é certamente um Passaré quase desconhecido. O Passaré
“desenhado” pelos agentes do setor imobiliários é idílico e corresponde a um tecido
56
A DBO, ou demanda bioquímica de oxigênio, é um dos indicadores de poluição orgânica. Este indicador determina, indiretamente, a concentração de matéria orgânica biodegradável com base na demanda de oxigênio exercida por microrganismos através da respiração.
148
fragmentado (descontínuo) que ignora as áreas pobres. Para isso as plantas baixas
de situação das propagandas imobiliárias rearranjam o espaço eliminando o
indesejado e aproximando os elementos de valorização. A seleção dos elementos
que produzem efeitos de elevação dos preços pode ser observada nos anúncios dos
projetos imobiliários do bairro.
Os principais empreendimentos agregam a ideia de natureza, que, como
já foi expresso, é justificada pela presença do Complexo Ecológico do Passaré.
Noutros casos, para os segmentos de renda médio ou médio baixo, esse signo está
muito mais na propaganda do que na efetivação dos projetos, mesmo levando em
consideração que essa natureza não representa muito mais que um paisagismo,
como se verifica nas Figuras 16 e 17.
Figura 16 – Anúncio do condomínio fechado Plaza Carmelle
Disponível em: <http://www.carneirodemelo.com.br/>. Acesso em: 07 jul. 2014.
Mesmo sendo o Complexo Ecológico do Passaré uma das poucas áreas
preservadas na periferia é subutilizado por aqueles que pagam caro pela localização
nas proximidades desse espaço. Então, qual o sentido desse objeto de desejo?
149
Além disso, que noção de natureza está sendo apresentada no discurso do
mercado?
Figura 17 – Anúncio do empreendimento Reserva Passaré
Disponível em: <http://imobiliariadefortaleza.blogspot.com.br/>. Acesso em: 07 jul. 2014.
Para Henrique (2006; p.66), no urbano atual “[...] constata-se uma nova
valorização estética da natureza, um ‘simbolismo estético’, construído pelo
urbanismo e arquitetura, e, também, pelo mercado imobiliário”, para ele, essa
natureza representaria apenas mero artifício, tendo essencialmente caráter
monetário. Assim
A reaproximação ou um ‘reencanto’ do mundo urbano ocidental pela natureza, ou melhor, por uma ideia, dá-se num padrão de natureza moldado pelos interesses capitalistas. Sob a dinâmica atual do capitalismo, os grandes agentes do mercado global, nos mais diversos ramos da economia, das indústrias aos serviços, oferecem produtos e serviços para as classes com maior poder de consumo, que os colocam muito próximo da natureza. Uma natureza retrabalhada sob a forma de uma segunda natureza, reificada, incorporada, mercantilizada e produzida e vendida de acordo com
150
as leis e objetivos do modo de produção atual – o lucro, a propriedade privada, os fetiches e sensibilidades do mercado. (HENRIQUE, 2006, p.66).
A natureza torna-se, no contexto da propriedade privada, uma raridade.
Isto na medida em que é valorizada, ou melhor, na medida em que o estilo de vida
ligado aos espaços verdes é elevado ao crème de la crème da burguesia, mesmo
com status de exclusividade, níveis diversos de reprodução passam o ocorrer.
Nos empreendimentos dos verdadeiramente ricos ambientes complexos,
são reproduzidos à revelia do clima, da fauna e da flora nativa. Nos projetos para
segmentos médios ou mesmo populares, os signos ainda aparecem, mas não
chegam a dedicar um volume expressivo de recursos num ambiente que simule
esse espaço idílico. Henrique (2006; p.60) salienta que
No período histórico atual, em várias cidades do Brasil e do Mundo, qualquer objeto associado a uma ideia de natureza torna-se sinônimo de qualidade de vida e transforma-se em valor econômico, aumentando os preços dos apartamentos, casas, condomínios e edifícios.
O Complexo Ecológico representa algum tipo de “[...] apropriação da
natureza”, mesmo que estética “[...] consistindo numa salvaguarda das suas belezas
como forma de agregação de valor a uma propriedade privada”, a possibilidade de
acesso a esta natureza passa pela monopolização, o seu uso dá-se somente “[...]
através da compra de um ingresso” (HENRIQUE, 2006, p.69).
Com essa perspectiva o setor imobiliário encontrou no Passaré um novo
objeto a ser explorado, o Complexo Ecológico. Antes disso, ele já ocupava
predatoriamente o Parque do Cocó57. Antes ainda, verticalizara parte importante da
orla de Fortaleza expulsando ou comprimindo os modos tradicionais de subsistência
ligados ao mar.
Apesar de estar em seu ápice de evidência, a origem do processo de
valorização relativo ao “contato com a natureza” não é novo. Em 1866, Élisée Reclus
apresenta um interessante artigo publicado originalmente na revista francesa Revue
des deux mondes. Nele, Reclus desenvolve uma argumentação acerca das relações
estabelecidas com a natureza na modernidade. Vale lembrar que Reclus está aí em
plena Revolução Industrial e em meio a uma declarada luta de classes que
57
O Parque do Cocó está localizado numa das áreas de maior valorização da cidade de Fortaleza. Nos últimos anos, ocorreram sucessivos ataques oriundos, principalmente, do setor imobiliário a esse sistema ambiental.
151
culminou, pouco tempo depois, na Comuna de Paris (1871). Esta certamente é uma
das mais importantes experiências revolucionárias da história moderna.
Reclus viveu o urbano em ebulição, mas foi capaz de visualizar no
crescimento das cidades um movimento contraditório de valorização do campo e da
natureza, especialmente dos aspectos cênicos dessa natureza. Na medida em que a
urbanização se dá trabalhadores amontoam-se nas mais insalubres condições.
Naquele momento, o desenvolvimento da produção rebaixou aos mais inferiores
níveis a reprodução humana. Enquanto isso, os setores mais bem abonados da
sociedade tomam progressivo gosto pelas temporadas no campo. Já aí, fica
evidente como a natureza ganha significados diferentes para cada segmento de
classe.
Sobre esse retorno à natureza Reclus (1866; p.10) escreve
Si la vapeur apporte dans les villes des foules incessamment grandissantes, d'un autre côté elle remporte dans les campagnes un nombre de plus en plus considérable de citadins qui vont pour un temps respirer la libre atmosphère et se rafraîchir la pensée à la vue des fleurs et de la verdure. Les riches, maîtres de se créer des loisirs à leur gré, peuvent échapper aux occupations ou aux fatigants plaisirs de la ville pendant des mois entiers. Il en est même qui résident à la campagne, et ne font dans leurs maisons des grandes cités que des apparitions fugitives.
58
Isto pode ser verificado também com a burguesia inglesa, que vai
encontrar nos subúrbios o refúgio para a vida intensa do centro de Londres
Autour de Londres, c'est par centaines de mille que l'on doit compter ceux qui plongent tous les matins dans Le tourbillon d'affaires de la grande ville et qui retournent tous les soirs dans leur paisible home de la banlieue verdoyante. La Cité, le vrai centre du monde commercial, se dépeuple de résidents ; le jour, c'est la ruche humaine la plus active ; la nuit, c'est un
désert. (RECLÚS, 1866, p.10).59
58
Se o vapor traz para as cidades as multidões, faz também com que, na zona rural, apareçam mais e mais citadinos que vão de tempo em tempos para o campo a fim de respirar ar livre e refrescar a mente com a visão de flores e de vegetação. Os ricos, mestres em criar lazer a seu critério, podem escapar das ocupações ou dos prazeres extenuantes da cidade durante meses. Há mesmo alguns que vivem no campo fazendo aparições nas suas casas das cidades apenas de maneira fugaz. 59
Vindos do entorno de Londres, centenas de milhares mergulham todas as manhãs no turbilhão de negócios da cidade grande e voltam a cada noite para a sua casa tranqüila, no subúrbio. A cidade, o verdadeiro centro do mundo comercial, torna-se despovoada; durante o dia, é a colmeia humana mais ativa; à noite, é um deserto.
152
Qualquer semelhança com o que se processa hoje não é mera
coincidência. O discurso que promove a ideia de crise ambiental, desassociada de
uma crise do capital, efetiva a condição de raridade. A especulação vista hoje já fora
observada por Reclus (1866) quando afirma que “la nature est profanée par tant de
spéculateurs précisément à cause de sa beauté”60 (p.11). Vejamos o trecho a seguir
para pensarmos acerca de alguns elementos da especulação da terra urbana
Malheureusement, ce reflux des villes vers l'extérieur ne s'opère pas sans enlaidir les campagnes : non seulement les détritus de toute espèce encombrent l'espace intermédiaire compris entre les cités et les champs ; mais chose plus grave encore, la spéculation s'empare de tous les sites charmants du voisinage, elle les divise en lots rectangulaires, les enclôt de murailles uniformes, puis y construit par centaines et par milliers des maisonnettes prétentieuses. Pour les promeneurs errant par les chemins boueux dans ces prétendues campagnes, la nature n'est représentée que par les arbustes taillés et les massifs de fleurs qu'on entrevoit à travers les grilles. Sur le bord de La mer, les falaises les plus pittoresques, les plages les plus charmantes sont aussi en maints endroits accaparées soit par des propriétaires jaloux, soit par des spéculateurs qui apprécient les beautés de la nature à la manière des changeurs évaluant un lingot d'or. Dans les régions de montagnes fréquemment visitées, la même rage d'appropriation s'empare des habitants : les paysages sont découpés en carrés et vendu au plus fort enchérisseur ; chaque curiosité naturelle, le rocher, la grotte, la cascade, la fente d'un glacier, tout, jusqu'au bruit de l'écho, peut devenir propriété particulière. (RECLÚS, 1866, p.11).
61
Tudo, até o barulho de um eco pode se tornar propriedade privada,
assenta o autor no trecho acima. A mesma ideia é expressa por HENRIQUE (2006)
ao dizer que “em São Paulo, todas as áreas verdes públicas da cidade se tornam,
pela propaganda dos empreendimentos, bens privados” (p.71). O mesmo poderia
ser dito para Fortaleza? Partindo dessa leitura, sim.
Em síntese, podemos verificar o que acabamos de afirmar, dissecando a
Figura 18. Na frase “Quem tem visão de futuro investe aqui”, a propaganda joga com
60
A natureza é profanada por muitos especuladores justamente por causa de sua beleza. 61
Infelizmente, estas cidades de refluxo exterior não ocorrem sem desfigurar as zonas rurais: não só os detritos de toda espécie desordena o espaço entre as cidades e os campos; a coisa mais grave é, porém, a especulação sobre todos os locais charmosos do bairro, que são divididos em lotes retangulares e encerrados com paredes uniformes recebendo centenas e milhares casasinhas pretensiosas. Para os transeuntes que passeiam por trilhas enlameadas nas referidas zonas rurais, a natureza é representada apenas pelos arbustos e canteiros que se observam através das grades. Na beira do mar, as falésias mais pitorescas, as praias mais charmosas são também lugares para ser monopolizados por proprietários ciumentos ou por especuladores que apreciam a beleza da natureza com a intenção de avaliá-la em barras de ouro. Na região de montanha, frequentemente visitadas, o mesmo sentimento tomou os seus habitantes: a paisagem é cortada em quadras, vendidas para o enriquecimento; cada curiosidade natural, a pedra, a gruta, a cachoeira, a fenda de uma geleira, tudo, até mesmo o barulho eco, pode se tornar propriedade privada.
153
o duplo sentido da ideia de “visão”: (a) a visão ligada ao alcance da paisagem do
Parque do Cocó, descrita como panorâmica e permanente; (b) a visão ligada à
capacidade de empreendedora burguesa. Os dois sentidos compõem parte
integrante da forma mercadoria apresentada pelo anúncio.
Figura 18 – Anúncio do empreendimento Montblanc localizado nas proximidades do Parque do Cocó
Disponível em: <http://www.portofreire.com.br/blog>. Acesso em: 7 jul. 2014.
Aí, a natureza é colocada enquanto raridade e, portanto, possível apenas
para um mercado de luxo. A contradição marcante nesse jogo encontra-se no efeito
valorização/destruição. Na medida em que o signo da natureza eleva os preços da
mercadoria imobiliária, mais os ecossistemas sofrem intervenções humanas, num
processo em que Grangeiro (2012) avalia enquanto movimento dialético. Para ela
esse tipo de intervenção passa a alterar a magnitude da dinâmica do meio ambiente
induzindo mudanças socioespaciais e produzindo novas paisagens.
154
A questão da produção do espaço é sempre muito delicada quando se
avalia os efeitos sobre a primeira natureza. Davis (2007; p.412) chega a argumentar
que “a crise ambiental é sinônimo da escala metropolitana em expansão”.
Não importa o que a propaganda afirme, a produção dos
empreendimentos não está preocupada com os efeitos gerados sobre o meio
ambiente. Para os setores capitalistas o que importa é a capacidade de venda da
imagem do “ecologicamente correto” não a real capacidade de produzir de modo
sustentável.
No Passaré, a natureza está para ser vista por janelas privilegiadas e não
para ser preservada. O efeito desse discurso raso acerca da natureza é que aos
poucos o ambiente agradável, percebido em algumas porções do bairro, vai
sofrendo alterações devido às novas intervenções do setor imobiliário.
Em resumo, este longo trecho do trabalho procurou explicitar os
elementos particulares que fizeram com que o Passaré se tornasse um solo fértil à
lucratividade do setor imobiliário dentro de um contexto ascendente do capitalismo.
4 O HOMEM ENCERRADO
Se alguém nos pergunta o quê visualizamos quando pensamos a vida
moderna teremos certamente um conjunto de imagens relacionadas à cidade repleta
de prédios, à multidão frenética, às fábricas com seus operários, aos carros
enfileirados... Algo como no tom de Fritz Lang em Metrópolis (1924)62. Nessa cidade
alucinante, marcada pelo tempo da mercadoria, o homem/operário é representado
enquanto autômato. Uma peça da engrenagem. Quando consciente da sua
importância, organiza-se e marca o desenho urbano material e imaterial da cidade.
Em Lefebvre há algo de central nas condições postas por essa cidade, o
encontro, que é ao mesmo tempo seu produto e seu motor de realização. Tamanha
a importância, esse aspecto carrega em si as condições para o presente e para o
devir dos sujeitos, logo, para a própria utopia. Nos termos de Lefebvre, esta utopia é
dada enquanto direito à cidade. Aí não se trata simplesmente da ideia de
acessibilidade universal dos espaços e dos equipamentos urbanos. Mais que isso,
62
Obra cinematográfica de ficção científica que retrata o conflito de classes. Neste filme do inicio do século XX a representação é a de uma cidade, no ano de 2026, repleta de prédios e carros voadores.
155
vincula-se à produção de uma cidade avessa à mercadoria, ela, própria obra,
portanto resultado das necessidades coletivas humanas.
Mas o que isso interessa ao nosso objeto? Basicamente a
dessemelhança. Ora, a cidade que nos é apresentada pelo capital imobiliário, sob a
forma de condomínios, se quer anticidade, um avesso da viva e caótica cidade
moderna, pré-programada como uma Alphaville (1965) de Jean-Luc Godard, não
avança para além da lógica da mercadoria. Recria a cidade mercadoria. É em si
uma cidade estéril.
A homogeneização coordenada pelo mercado e pelo urbanismo que
trabalha a favor deste aniquila o inesperado. Como assenta Bauman (2009) é o
preço que se paga pela segurança. O medo, enquanto reação da condição
antagônica da segurança, sempre se relaciona com o desconhecido e, portanto, com
o inesperado. Há um conto de Guy de Maupassant63, O medo, em que o autor nos
aponta a origem desse sentimento. Nele, um experiente e intrépido capitão,
personagem central, narra duas situações de imenso terror vividas, a primeira, num
deserto, e, a segunda, num tenebroso bosque do noroeste da França. As histórias
tinham em comum a situação de temor do desconhecido, do ataque inesperado ou
do horizonte incerto. Nessa situação, elementos inofensivos poderiam parecer
monstruosos, como o eco no deserto ou o uivo de um cão na escuridão. O que
tentamos apontar com isso é que uma situação de tensão gera imensa reserva em
relação a elementos desprezíveis da vida cotidiana.
Com o desenvolvimento de um consenso de que a cidade se tornou
perigosa e hostil, o capital produz uma mercadoria que procura recriar um passado
nunca existente. Uma imagem burguesa idílica da vida tranquila em uma
comunidade de iguais. Como se o olhar realizasse um bokeh, ignorando os muros, a
vida segue nesses lugares aprazíveis.
A esse respeito não há julgo de valor acerca da escolha individual de
viver nos condomínios ou loteamentos fechados. Na realidade, a segurança é uma
necessidade natural. O que não pode ser naturalizado, todavia, é o modo como cada
indivíduo resolve a questão, isto é social e conforma-se de acordo com aspectos
específicos de uma determinada época e lugar. Cabe, portanto, questionar como e
63
Henri René Albert Guy de Maupassant (1850-1893) foi um escritor e poeta francês. Seu texto mostrava uma fantástica capacidade de representar num tom suavemente irônico a sociedade burguesa do século XIX.
156
em que marcos essa necessidade foi produzida e com que profundidade ela
transforma a vida urbana.
Em nossas entrevistas, a fala relativa ao medo do crime violento se
repetia para justificar a escolha pelo condomínio. Quando perguntados se este
receio era motivado por uma situação vivida por eles a resposta foi
surpreendentemente negativa. Por outro lado, o temor da possibilidade de um
assalto fora do condomínio era imenso. A ideia do “descuido” era atribuída até
mesmo ao ato de realizar uma caminhada pelas ruas durante o dia. A alternativa
encontrada por nossos entrevistados era invariavelmente o uso do automóvel para a
realização de todas as atividades externas.
Estes mesmos moradores relatam que, em momentos anteriores, antes
de sua chegada ao condomínio, faziam seus percursos a pé, sem muito receio. Mas
o que mudou? Esta se tornou uma questão fundamental ao caráter qualitativo da
pesquisa, não obtivemos uma resposta conclusiva, mas elencamos alguns
elementos nesta direção.
Parte dos entrevistados afirmava ter vindo da porção centro sul da cidade
de Fortaleza, bairros como: Parangaba, Montese e Damas. Estes bairros são
setores mais consolidados e concentradores de serviços e comércio. A população
também é mais antiga e mantém o hábito do uso dos espaços públicos. Assim, as
ruas, pelo menos durante o horário comercial, estão repletas de gente. O Passaré
ocupado pelo setor imobiliário, por outro lado, é um bairro ermo, caracterizado por
extensos quarteirões e muros altos.
Numa inflexão maior poderíamos pensar em estruturas que ganham um
caráter blasé acompanhando a base psicológica sobre a qual se edifica a Metrópole.
Esta estrutura seria ela mesma expressão materializada no espaço da atitude blasé,
que, como define Simmel (2005), encontra a sua essência na indiferença perante as
distinções entre as coisas. A frieza de estruturas, como os condomínios fechados
com os seus equipamentos de vigilância e proteção, procura garantir que nenhum
contato imprevisto seja estabelecido com aqueles que se encontram do lado de fora.
Fica evidente uma paisagem onde tudo se fecha, carregada de corpos
indiferentes e de uma arquitetura do medo. Mas essa atitude blasé se constitui de
uma indiferença que é e não é, no seu sentido mais dialético. É, porque põe em
xeque o envolvimento entre citadinos, não é, porque não se trata de uma ação
espontânea, isolar-se pressupõe uma motivação baseada numa aflição, ou seja, a
157
essa indiferença urbana está pressuposto o reconhecimento de algo a que se isolar.
Por outro lado, este é um isolamento parcial, já que há uma busca pela comunidade,
assim, pressupomos que o isolamento ocorre frente ao outro enquanto diferente.
Essa diferença envolve características com forte conteúdo de classe.
Para nós, quem está dentro não está nem segregado nem auto-segregado. Quando
as escalas dos enclaves fortificados são maiores, como no caso dos loteamentos
fechados, eles apenas segregam. Quem está dentro tem opção de estar ou não.
Estas pessoas podem aproveitar os espaços urbanos que lhes interessam e rejeitar
aqueles que lhes desagradam. Os enclaves residenciais refletem as diferentes
condições de solvência entre as camadas da população e, no espaço, isso ganhou
uma dimensão dramática nunca antes vista no Brasil.
Ainda assim, no Brasil, os enclaves fortificados sempre representam uma
condição baseada na segregação socioespacial. Quem está dentro quer se proteger
do outro, tem em mente a tensão social. Sente-se vulnerável em relação à barbárie
produzida pelo capital.
Há um padrão muito claro entre os moradores dos condomínios do
Passaré, uma vez que são, em geral, casais entre trinta e cinco e cinquenta anos
com um ou dois filhos pequenos. Isto pode ser confirmado para os demais
condomínios, observando o trânsito intenso de vans escolares no bairro, no começo
da manhã. São também famílias aparentemente programadas, onde a opção de ter
filhos veio depois dos trinta ou até mesmo aos quarenta anos. Estas pessoas têm
formação superior e, com frequência, estão no serviço público, sendo muitos
funcionários do Banco do Nordeste atraídos para a compra da casa devido à
localização facilitada ao seu local de trabalho.
Durante as entrevistas, a estrutura familiar composta por filhos ainda
pequenos aparecia como justificativa em praticamente todas as falas em relação à
escolha do morar. O relato a seguir ilustra a questão que queremos ressaltar
"Quem compra casa é recém-casado, casal novo com filho pequeno, que vê justamente essa necessidade de espaço, porque quando a pessoa é mais velha já quer apartamento, porque aqui, de certa forma, não tem privacidade, você nota que qualquer pessoa entra aqui. Não tem! Qual privacidade você encontra aqui? Eu busquei isso também, porque na época eu trabalhava e achava que o [filho mais velho] ficava muito trancado no apartamento com a babá. [...] apartamento você entrou fica isolado, aqui não, você abriu a porta, você abriu as janelas qualquer pessoa vê dentro da sua casa e escuta tudo. Todo mundo dava conta do choro do [filho mais velho]. Tipo assim, teve uma babá dele que não era muito boa. Logo no
158
começo, já vieram me avisar: olha [entrevistada] ela deixa o [filho mais velho] dormindo e vai fumar lá no jardim. Às vezes eu vou aqui no supermercado, tranco tudo e deixo o [filho mais velho] aqui em casa e aviso a vizinha”
Esta fala mostra a estratégia da vida em comunidade tão conhecida dos
bairros pobres e das favelas. Esse tipo de relato nos fora exposto diversas vezes
pelos moradores do Jardim União, porção pobre do Passaré, ao falar das
dificuldades dos primeiros anos na comunidade. O condômino acrescenta que: “aqui
você tem aquela ilusão da segurança, mas, pelo menos aqui, você conhece mais o
seu vizinho do que se você mora numa casa isolada ou em um apartamento”. Assim,
ao lado da segurança, a vida em uma comunidade de iguais torna-se imprescindível.
No intramuros, a comunidade efetiva-se e se entrelaça, criando um
microcosmo. Do lado de fora, nada além de raros pedestres – quase sempre
entregadores, trabalhadores da construção civil ou empregados domésticos.
O medo da violência, somado à forma urbana do condomínio, gerou no
Passaré ruas vazias. Se analisarmos isto do ponto de vista de Jacobs (2009), o
esvaziamento das ruas é um reforço à violência, pelas palavras da autora, o que
ocorre é que “não é preciso haver muitos casos de violência numa rua ou distrito
para que as pessoas temam as ruas. E, quando temem as ruas, as pessoas as
usam menos, o que torna as ruas ainda mais inseguras” (JACOBS, 2009, p.30).
Em uma de nossas visitas aos condomínios do Passaré, fomos advertidos
pelo porteiro, ao sair, acerca do risco de se andar por aquelas ruas, eram muito
perigosas, segundo ele. Espantados com a declaração, interrogamos se ele já havia
presenciado uma situação de violência naquele logradouro, a resposta foi negativa.
Assim, o porteiro nos contou que seu receio era decorrente dos relatos de violência
de outras pessoas. Caldeira (2000) percebeu isso também em suas entrevistas. A
fala sobre a violência demonstra ter um poder de ser rapidamente propagada. Um
mesmo caso de violência parece ter o poder de se multiplicar através dessas falas.
O assunto tornou-se tão caro ao setor imobiliário que, em 2011, o
SECOVI-CE apresentou os resultados de uma pesquisa intitulada de Índice do
Medo. O índice trabalha com a percepção do medo tentando demonstrar níveis de
insegurança em diferentes situações por perfil da população. A pesquisa
demonstrou que, quanto mais tarde, maior o receio de se circular nas ruas, se a área
em questão for um bairro desconhecido e/ou pouco movimentado, o medo aumenta.
159
Segundo a pesquisa, as pessoas mais velhas se sentem menos seguras em relação
ao risco de crime violento, sendo que as mulheres se sentem mais vulneráveis.
Esse caráter de gênero também apareceu em nossa imersão no cotidiano
das famílias dos condomínios. O tom da fala das mulheres era muito mais
preocupado e a opção pela casa em condomínio com frequência partia delas sobre
a alegação da segurança familiar.
Em alguns momentos, foi colocado o fato de existirem nas proximidades
algumas favelas e que, devido a isso, o risco tornava-se maior. Não podemos aqui
explorar as razões profundas da violência urbana, mas é possível acrescentar que
morar em condomínio fechado, localizado em uma das novas áreas de expansão
urbana, não torna a vida mais segura, ao contrário do que propõe a propaganda,
estas pessoas ficaram ainda mais reféns de seus medos. Sem saberem ao certo o
que se passa em seu entorno, sem reconhecerem a vizinhança extramuros, sem
serem reconhecidas por ela, sem identificarem o bairro enquanto lugar...
representam, como no conto de Guy de Maupassant, indivíduos temerosos de
circunstâncias desconhecidas.
Em nossa pesquisa, além do sentido de comunidade que se represa da
violência, outros elementos novos estão presentes na vida desses citadinos. A
vigilância, como efeito desse estilo de vida, é marcante e nem mesmo os
condomínios mais antigos e pouco equipados a dispensa.
Os olhos eletrônicos já tão presentes em nossa vida pública agora estão
presentes também em nossas casas. Assustadoramente, o 1984, de George Orwell,
veio sem o totalitarismo. Bauman (2013; p.99) avalia esta tendência ao argumentar
que
[...] agora parece que todos nós, ou pelo menos a grande maioria, nos transformamos em viciados em segurança. Tendo ingerido e assimilado o Weltanschauung da ubiquidade do perigo, da abrangência das bases para a desconfiança e a suspeita, da noção de convivência segura como algo concebível unicamente como produto da vigilância permanente, nós nos tornamos dependentes da vigilância que é feita e que é percebida como algo feito.
Mas o que muda do ponto de vista da leitura do espaço feita por nós
geógrafos? Qual o real caráter qualitativo disso? Souza (2008) fala em uma
160
fobópole, uma cidade marcada pelo medo. Ocorre nesse processo uma
reestruturação do espaço num tom militarizado.
Davis (2009;2013) também percebe isso num movimento dialético, onde a
dimensão material e imaterial se metamorfoseia em verdadeiros “blindados”. Casas,
carros e indivíduos desenvolveram uma “couraça”, um bloqueio em relação ao outro.
Em muitos momentos, fora extremamente difícil chegar aos moradores desses
condomínios, a desconfiança dessas pessoas era imensa, mas isso em si foi um
dado precioso acerca desses lugares.
Dentro dos condomínios do Passaré, somos levados a desconfiar destes
argumentos, a vida familiar é agradável e nos confunde. Quando saímos destes
espaços e o olhamos de fora, enquanto estranhos, caímos em si e nos damos conta
do profundo poder fetichizante desses espaços. Fetichizantes porque nos engana,
porque nos tira a dimensão do real. Talvez pior do que isso, em certa medida, é
possível até que tenhamos a dimensão do real, todavia, a fantasia – a possibilidade
de achar que os filhos e a família estão a salvo da barbárie – é mais sedutora que a
realidade.
Nesse novo ambiente urbano não é só a forma que muda; a vida muda. A
leitura de Lefebvre (1999) sobre Marx é apropriada, trata-se de uma dupla produção.
Nesse caso, a produção da cidade carrega um sentimento, um zeitgeist. A produção
da cidade é síntese dos seus conflitos, mas é por ela mesma produtora de novas
tensões.
Acerca da leitura do urbano, Souza (2000) nos adverte que esse
movimento contribui para dissolver a imagem clássica da cidade como uma unidade
na diversidade, tratando-se ainda de uma falsa solução para os problemas urbanos.
Essa forma de habitar a cidade estabelece uma socialização interna, mas também
em relação à cidade como um todo.
Nesses espaços, a ideia de autonomia é elevada como alternativa em
função da ordem privada estabelecida por esse modelo. Dessa forma,
[...] essa ‘autonomia’ não representa a liberdade de fazer com os outros e o interesse pela cidade, mas, sim, isolamento e defesa de privilégios auferidos nos marcos de uma sociedade caracterizada por uma brutal desigualdade de oportunidade e por uma enorme assimetria estrutural de poder. (CASTORIADIS apud SOUZA, 2000, p.206).
161
Esse ideário de comunidade aparece como aspecto comum a esses
empreendimentos. De acordo com Bauman (2003, p.7), o termo “comunidade”
carrega um sentido “cálido”. Para ele
[a comunidade] É um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, como uma lareira diante da qual esquentamos as mãos num dia gelado. Lá fora, na rua, toda sorte de perigo nos espreita; temos que estar alerta quando saímos, prestar atenção com quem falamos e a quem nos fala, estar de prontidão a cada minuto.
Segundo, porém, o mesmo autor, existe um preço a pagar por uma vida
em comunidade: a liberdade, em sua dimensão de autonomia e de individualidade.
Assim, “a segurança e a liberdade são dois valores igualmente preciosos e
desejados que podem ser bem ou mal equilibrados, mas nunca inteiramente
ajustados”. (BAUMAN, 2003, p.10).
Avaliando as contradições e as tensões provocadas por elas, Souza
(2000, p. 207) adverte para o fato de que a estratégia do que aqui chamamos de
enclaves residenciais é “insustentável no longo prazo, pelo menos nos marcos de
uma sociedade minimamente democrática”. Para o autor, “seriam necessários uma
repressão e um controle social incrivelmente autoritários para continuar mantendo
indefinidamente essas ilhas de prosperidade e felicidade” (SOUZA, 2000, p.208). A
resolução dos conflitos urbanos tem que passar necessariamente pela “justiça
social, de modo a dar mais efetividade às garantias democráticas existentes, ou o
imperativo de controle sociopolítico imporá a necessidade de mais repressão”
(SOUZA, 2000, p.208). Quanto mais muros são erguidos em Fortaleza, mais se
clama por ostensividade.
Dentro dos condomínios, constitui-se uma sociedade disciplinar, onde
qualquer desvio observado está passível a punições. Ações aparentemente
irrelevantes criam situações de tensão na comunidade. A colocação de uma porta
alheia ao desenho original, a conversão de um pequeno jardim em uma calçada, a
entrada de um desconhecido fora dos padrões do condomínio... O sentimento de
insegurança, assim como o sentimento de vulnerabilidade na cidade pestilenta,
descrita por Foucault (2013), produz as condições ideais ao controle das relações –
o exercício do poder disciplinar.
162
Em um bairro comum, mesmo que organizado por associação de
moradores, tal condição dificilmente seria produzida. O medo (enquanto sentimento
de insegurança em relação ao crime violento) uniu as pessoas em um espaço
repleto de normas. Como nos revelou um dos entrevistados, nesse tipo de
habitação, não há privacidade nem autonomia em relação à vizinhança, nesse
espaço limitado, todos cumprem o papel da vigilância.
Em parte, aquela vantagem da discrição pelo anonimato das grandes
cidades é perdida. Pequenos dramas entre os moradores revelam isso. Uma das
entrevistadas relatou a dificuldade em realizar um simples aniversário do filho no
condomínio, caso o fizesse, seria obrigada a convidar todos os demais casais com
filhos a fim de evitar um mal-estar na vizinhança.
O contato entre a vizinhança é positivo, como ficou claro nas entrevistas,
mas exige que se mantenha algum nível de distanciamento e discrição. Como
assenta Jacobs (2009; p.60), “as cidades estão cheias de pessoas com quem certo
grau de contato é proveitoso e agradável”, mas ninguém quer que “elas fiquem no
seu pé”.
Em sua forma, o condomínio lembra uma prisão: o muro alto, o controle
do comportamento e a torre de vigilância, todavia sua torre está voltada para
observar os de fora e quem está dentro não clama por liberdade. Constrói-se uma
espécie de panóptipo invertido. Diferente do Alphaville (1965) de Jean-Luc Godard,
a regulação passa pelo consentimento e é vista como necessária à barbárie. Por
esse acordo não caberá a um panóptipo o controle, mas aos próprios “internos” –
serão os condôminos que farão cumprir os regulamentos. Todos passam a exercer
um papel no jogo de ausência presença.
Se, porém, as imagens dos enclaves fortificados procuram sempre estar
associadas à modernidade, o seu equivalente mais próximo se encontra em um
período pré-moderno, nas torres e nas seteiras, nas muralhas das cidades antigas
(BAUMAN, 2009), como expõe Santos (2006, p.85-86)
[assim] como no castelo medieval, a fortaleza foi edificada para servir de refúgio, em relação aos que vivem fora dela, na cidade verdadeira, repleta de pulsar, de contradições e perigos. A homogeneidade [...] tenta eliminar as contradições, o sistema de segurança tenta proteger dos perigos. A contradição é eliminada apenas na aparência asséptica dos conjuntos residenciais, e talvez por isso não haja sistema de segurança eficiente, que dê conta da eliminação dos perigos e da violência que também atinge, apesar de tudo, os moradores dos condomínios.
163
O enclave residencial como modelo habitacional de exclusão automática
recorta o território, segmenta-o por nível de renda, em espaços mais ou menos
autônomos da sua vizinhança extramuros. Promove assim uma separação, um não
encontro, desfazendo o sentido mais íntimo da cidade.
A dimensão política da cidade fragiliza-se. Quem mora nos condomínios
tem pouco ou nenhum envolvimento com o bairro no que tange aos seus espaços
públicos. A dimensão do lugar, no sentido do pertencimento, é impossibilitada. Para
os moradores dos condomínios, as memórias do Passaré estão restritas aos
espaços intramuros. Para os mais recentes até mesmo a geografia do bairro lhes
parece misteriosa, poucos sabem que o Passaré se estende para além do setor
adensado pelo mercado imobiliário.
Parece-nos que esta realidade, a principio particular, encontra um sentido
nas mudanças mais amplas e provenientes de outros campos, talvez irradiadas por
um processo de fluxo de influência entre esferas de atividades (HARVEY, 2011).
Para Sennett (2001), o ambiente urbano transforma-se em consonância com as
condições que envolvem o mundo do trabalho. Isto atravessa e ultrapassa um mero
recorte espacial. As necessidades de pessoas cada vez mais individualizadas
respondem bem a modelos de consumo com apelo à distinção e ao isolamento.
Sennett (2001) destaca expressões do atual modelo de produção que
com maior ou menor vigor redefinem as formas e os conteúdos urbanos,
La flexibilité, le travail effectué sous la pression désorientent profondément la vie familiale. Les clichés habituellement véhiculés par la presse - enfants laissés à eux-mêmes, adultes stressés, déracinement géographique - ne touchent pas au coeur de cette perte de repères. En fait, les codes de conduite qui régissent le système moderne du travail détruiraient les familles s'ils s'appliquaient au cercle familial : ne pas s'engager, ne pas s'impliquer, penser à court terme. Le rappel des " valeurs familiales " par l'opinion publique et les politiciens a bien plus qu'une simple résonance droitière. C'est une réaction, certes élémentaire mais profondément sincère, devant les menaces qui pèsent sur la solidarité familiale dans la nouvelle économie. Christopher Lasch présente la famille comme un " paradis dans un monde sans coeur ". Cette image prend d'autant plus d'importance quand le travail devient en même temps plus précaire et plus exigeant en termes de disponibilité des adultes. L'un des effets de ce conflit, assez bien étudié, sur les employés d'âge moyen, c'est le retrait des adultes de la participation à la vie civique, pris comme ils le sont dans la lutte pour stabiliser et organiser leur vie familiale. Cette participation à la vie civique demande, elle aussi, un temps et une énergie dont le foyer ne dispose pas toujours. Cela amène à parler d'un des effets de la mondialisation sur les villes. La nouvelle élite mondiale, exerçant dans des villes telles que New York, Londres ou Chicago, évite le champ politique urbain. Elle veut bien mener
164
ses activités dans la cité, mais refuse de la diriger ; c'est un système de pouvoir sans responsabilité.(P.24)
64.
Concentradas em si e em seus núcleos familiares, esses indivíduos
percebem a cidade como um campo limitado de possibilidade de atuação. Quase
sempre assumem também discursos conservadores acerca da resolução dos
problemas urbanos relacionando-os à desagregação familiar. Nessa maneira de ver
a cidade, ninguém se preocupa com assuntos que não são imediatamente seus. O
interesse real enquanto aspecto de solidariedade estaria comprometido, de acordo
com Sennett (2011), devido a uma estrutura de relações do mundo do trabalho em
que o envolvimento é cada vez menor devido à transitoriedade dos trabalhadores.
Nesse contexto, as ações coletivas são enfraquecidas, demolindo
qualquer possibilidade de compreensão da totalidade. E talvez seja esse o aspecto
mais grave do atual movimento urbano que tem nos enclaves fortificados uma de
suas expressões máximas. Nessa cidade fragmentada, como encontrar o caminho
para o envolvimento e a coesão? Em que momento ou em que esfera poderá se dar
a possibilidade de reconstrução da utopia? Difícil dizer. A hegemonia do
individualismo é coerente com a ideologia da atual fase do capitalismo e nos faz cair
num pessimismo abismal. O silêncio frente à aporia do nosso tempo nos encaminha
para a boca da esfinge.
64
A flexibilidade e o trabalho efetuado sob pressão desorientam profundamente a vida familiar. Os clichês habitualmente veiculados pela imprensa – crianças abandonadas, adultos estressados, desenraizamento geográfico – não chegam ao âmago dessa perda de referências. Na verdade, os códigos de comportamento que regem o sistema moderno de trabalho destruiriam as famílias se fossem aplicados ao círculo familiar: não se engajar, não se envolver, pensar a curto prazo. O apelo aos “valores familiares”, feito pela opinião pública e pelos políticos, é muito mais que uma simples ressonância conservadora. Embora elementar, é uma reação profundamente sincera, diante das ameaças que pesam sobre a solidariedade familiar na nova economia. Christopher Lasch apresenta a família como um “paraíso em um mundo sem coração”. Essa imagem ganha muito mais importância quando o trabalho se torna mais precário e, ao mesmo tempo, mais exigente, em termos de disponibilidade dos adultos. Um dos efeitos desse conflito sobre os empregados jovens – objeto de inúmeras pesquisas – é a saída dos adultos da participação na vida cívica, absorvidos pela luta para estabilizar e organizar sua vida familiar. Essa participação na vida cívica exige também um tempo e uma energia de que nem sempre o núcleo familiar dispõe. Isso lembra um dos efeitos da globalização nas cidades. A nova elite mundial, que trabalha em cidades como Nova York, Londres ou Chicago, evita o meio político urbano. Ela conduz suas atividades na cidade, mas se recusa a dirigi-la; é um sistema de poder sem responsabilidade.
165
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como um sintoma da crise urbana, os enclaves fortificados expandem-se,
mas não de uma forma “ideal”. Muitas vezes, sem conseguir um afastamento da
pobreza, que tanto assombra a burguesia, os enclaves fortificados apenas
“pontilham” a cidade. Condomínios e loteamentos fechados costumam ter esse
padrão, os espaços encontrados para a sua implantação são aqueles possíveis aos
interesses do capital imobiliário. Em Fortaleza, eles são verificados em bairros como:
Edson Queiroz, Messejana, Sapiranga/Coité e Passaré. Todos estes compondo uma
expansão recente da malha urbana da cidade que intercala miséria e opulência.
Nesses bairros, o capital encontrou condições particulares de vantagem
competitiva no mercado imobiliário. No Passaré, destacamos: (a) a presença de
terra urbanizada, como resultado da reserva especulativa que se beneficiou com os
ganhos das lutas por moradia; (b) a posição privilegiada com o acesso a
infraestruturas que facilitam o deslocamento para diversas áreas centrais da cidade;
(c) a existência de elementos cênicos naturais que se combinaram ao novo
paradigma de qualidade de vida e que, portanto, incrementam os lucros dos
investidores; (d) e a proximidade com uma das arenas da Copa do Mundo de
Futebol, que representa a mudança no modelo de governança urbana onde se
privilegia a produção de uma cidade voltada para o espetáculo.
Do ponto de vista estrutural, as condições postas para o avanço do setor
imobiliário, em seu conjunto, estiveram fortemente relacionadas às políticas
econômicas e sociais adotadas pelo Brasil, tais como: o controle da inflação e a
manutenção das taxas dentro das metas do Banco Central; o fortalecimento da
moeda; a criação de marcos regulatórios; o aumento do emprego formal; a elevação
da renda da população; a queda das taxas de juros e o lançamento do PMCMV.
Direta ou indiretamente, esses fatores criaram condições ímpares para o
crescimento do setor imobiliário em todo o País. No cenário urbano, o capital
alcançou novos territórios tornando mais agudas as disputas pelo espaço. Nos
últimos anos, Fortaleza esteve sempre entre as cinco ou seis cidades brasileiras
com maior número de vendas de imóveis. Com a rápida elevação da demanda
solvente e dos preços imobiliários, as camadas de renda média passaram a morar
também fora dos bairros tradicionais da Capital. Passaré, Maraponga, Edson
166
Queiroz, Jóquei Clube, entre outros que receberam projetos possíveis somente a
salários mais elevados.
Assim, ao longo da formação socioterritorial de Fortaleza, percebemos
uma predominância menor do padrão centro rico/periferia pobre. Nem mesmo
aquela divisão leste rico/ oeste pobre é cabível ao atual estado de fragmentação da
cidade, ainda que permaneçam as predominâncias econômicas.
Ficou nítido que a atual fase do capitalismo coloca novas questões para
os estudos urbanos. O debate acerca da segregação, por exemplo, aparece ainda
mais emaranhado, seja pela rapidez em que o mercado atua, seja pelo
aprofundamento das contradições envolvendo os conflitos de classe. Contudo,
questões extremamente relevantes que fogem ao escopo deste trabalho devem ser
consideradas como agenda de pesquisa onde se privilegie o conceito de
segregação, em consonância com a reestruturação do espaço, e que leve em conta
a centralidade do debate acerca da renda da terra urbana no contexto de
financeirização.
Apesar de não termos chegado a um ponto conclusivo, pudemos apontar
para uma hipótese em relação aos enclaves residenciais enquanto modo de
realização da segregação. Para nós, quem está dentro não está nem segregado
nem auto-segregado. A segregação está assim colocada para os de fora que não
possuem o poder de solvência dessa nova mercadoria.
Isto, todavia, não compromete o aspecto dialético da leitura dessa
realidade. Os enclaves fortificados sempre representam uma condição baseada na
segregação socioespacial. Quem está dentro quer se proteger do outro, tem em
mente a tensão social e se sente vulnerável em relação à barbárie produzida pelo
capital.
O “medo” aparece assim como uma das palavras mais correntes no
debate que trata dos enclaves fortificados. Esse sentimento que é direcionado ao
outro dá as condições para a produção de uma estrutura urbana de caráter blasé,
fazendo alusão ao conceito de Simmel (1997). Essa apatia, materializada no
espaço, tem uma dimensão política importante. Quem mora nos condomínios tem
pouco ou nenhum envolvimento com o bairro no que tange aos seus espaços
públicos. No contexto do bairro, o lugar fica restrito aos espaços internos do
condomínio e isto é em si um novo modo de realização do cotidiano urbano.
167
Há um poder fetichizante nos enclaves fortificados, isto porque eles nos
enganam nos tirando a dimensão do real na medida em que simulam um espaço de
sociabilidade e de ordem – uma espécie de refúgio do caos urbano. Talvez pior do
que isso, em certa medida, é possível até que tenhamos a dimensão do real ao
participar do simulacro proposto por esses espaços, todavia, a fantasia – a
possibilidade de achar que os filhos e a família estão a salvo da barbárie – é mais
sedutora que a realidade.
Aí um aspecto relevante diz respeito à formação de uma comunidade que,
apesar de negar os espaços públicos e abertos, tem enorme estima pela vida
coletiva propiciada pela forma condomínio fechado. Esse estilo de vida está
carregado por um forte sentido de controle, conformando um poder disciplinar
assumido pelo próprio grupo. Assim, a propriedade privada, representada pelo
condomínio, une os semelhantes entrelaçando os seus cotidianos ao mesmo tempo
em que denega a dimensão da vida pública da cidade em seu aspecto multiforme.
Assim, o fechamento, o simulacro e o controle são peças-chave para a
compreensão qualitativa desse fenômeno. Os enclaves residenciais buscam, através
de uma homogeneidade e de uma previsibilidade da vida urbana, garantir a
segurança frente à barbárie. É uma aposta otimista de que as estruturas ainda
fundadas sobre desigualdades possam conter o avanço da crise urbana.
Mas esse otimismo do fazer individual pode ser o caminho para um
trágico destino da cidade. Expliquemos melhor, os enclaves residenciais difundem-
se relacionados a um projeto de cidade em que a resolução das questões é pensada
enquanto problema técnico e individual. Aspecto que Henry Lefebvre e Jane Jacobs
rebateram duramente.
Talvez nem estejamos diante de um otimismo, mas de uma forma cínica
de tratar da realidade. Entendamos aí o “cinismo” como uma elaboração que diz:
“Sabemos que o igualitarismo é um sonho impossível, então vamos fingir que somos
igualitários e aceitar calados as limitações necessárias..." (ZIKEK, 2011, p. 64-65).
Ora, aí estamos diante de uma argumentação liberal de negação da crítica que
justifica as perversões por uma ação dita pragmática.
No Passaré, o cotidiano dentro dos condomínios conforma-se,
entrelaçando os laços da comunidade intramuros, ao mesmo tempo em que se
reforçam de modo crescente a vigilância e o controle desses espaços. A homogênea
e monótona paisagem interna do condomínio é vendida como uma imagem idílica
168
que possibilitará aos seus moradores “uma vida mais feliz”, a salvo do diferente e do
inesperado. Ideologicamente esses enclaves fortificados se apresentam enquanto
possibilidade de “enfrentamento” da crise urbana, sem necessidade de alterar os
conflitos de classe. Na prática, percebemos que eles só aprofundam a crise na
medida em que reforçam esses conflitos. Assim, a solução individual do isolamento
funciona apenas como um “tampão” sobre um duto de alta pressão.
169
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179
APÊNDICES
APÊNDICE A – GALERIA DE FOTOS
Novos empreendimentos residenciais
verticais no Passaré: 1) Mirantes
Passaré e 2) Reserva Passaré. Fonte:
Pesquisa de campo, 2013.
Dois dos novos edifícios do
Passaré: Mirantes Passaré, da
FAN Construções, e Reserva
Passaré, do grupo BSPAR.
Ambos construídos nas
proximidades do Complexo
Ecológico do Passaré.
180
Placa do Mandarim Condomínio
Clube anunciando o banco
financiador do empreendimento.
Fonte: Pesquisa de campo,
2014.
Áreas internas dos condomínios
fechados horizontais no
Passaré. Fonte: Pesquisa de
campo, 2014.
Os condomínios mais
novos no Passaré
possuem atrativos como:
piscinas, saunas, espaços
para festa, academia de
ginástica, campo de
futebol, entre outros.
181
Reservas de terra no Passaré: 1) Chácara e 2) Lote. Fonte: Pesquisa de campo, 2013.
Moradias construídas na proximidade do antigo Aterro Sanitário do Jangurussu.
Fonte: Pesquisa de campo, 2013.
182
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADA AOS MORADORES
DOS CONDOMÍNIOS FECHADOS HORIZONTAIS DO PASSARÉ
ENTREVISTA ABERTA – PERFIL DOS MORADORES DE CONDOMÍNIO
Perguntas básicas:
1 Quantas pessoas moram nesta residência?
(Caso existam moradores além do entrevistado)
Qual o perfil de idade e sexo?
Qual o seu parentesco com elas?
Que atividades elas realizam?
-
Qual a sua estrutura familiar antes da mudança para o condomínio?
2 Há quanto tempo você mora neste condomínio?
Qual a condição do imóvel, próprio ou alugado?
(Caso o imóvel seja próprio)
Qual a condição de aquisição do seu imóvel?
-
O que o levou a morar nesse tipo de residência?
Onde você morava anteriormente? (Cidade, bairro e tipo residencial)
Quais os motivos de sua mudança?
3 O que mudou após sua vinda para o condomínio?
4 (Caso tenha falado em violência)
A segurança é um fator importante para você?
Você ou sua família já vivenciaram uma situação de violência?
(Se sim)
Idade: Sexo: Estado civil: Naturalidade:
Profissão: Empregador:
183
Que tipo?
Você adota medidas de segurança?
(Se sim)
Quais?
Você se sente protegido morando em condomínio?
Você considera adequadas as medidas de segurança adotadas pelo condomínio?
Elas têm se mostrado eficientes?
Atualmente, você considera seguro morar no Passaré?
5 Você tem o hábito de andar pelas ruas deste bairro?
Você conhece seus vizinhos do condomínio?
Você se considera integrado a vizinhança?
Você mantém contato com outros moradores do bairro (externos ao condomínio)?
(Se sim)
Que relações mantêm?
A sua rotina mudou depois que passou a morar neste condomínio?
(Se sim)
De que modo seu cotidiano foi alterado?
6 Que tipo de lazer você pratica?
Você utiliza os espaços comuns do condomínio?
Você os considera suficientes?
7 Há empregados no condomínio ou em sua residência?
(Se sim)
Em que bairros eles moram?
8 Há problemas com o cumprimento de algumas regras do condomínio?
(Se sim)
Quais os mais frequentes?
Quais os pontos negativos e positivos de se morar num condomínio do Passaré?
184
ANEXOS
ANEXO A – PROJETO PARA LOTEAMENTO DO SÍTIO PASSARÉ
Projeto de loteamento do Sítio Passaré.
Fonte: SEUMA
185
ANEXO 2 - TRECHO DO RELATÓRIO DA VISITA PASTORAL AO PASSARÉ
186
Páginas 2 e 3 do Relatório da Pastoral ao Povo de Deus nas Comunidades
Fonte: Associação dos moradores do Conjunto Jardim União.