Download - Federico Garcia Lorca
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Federico Garca Lorca
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Federico Garca Lorca
Pequeno Poema Infinito
Palavras de
Federico Garca Lorca
Roteiro de
Jos Mauro Brant e Antonio Gilberto
Traduo de
Roseana Murray
So Paulo, 2009
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Coleo Aplauso
Coordenador Geral Rubens Ewald Filho
Governador Jos Serra
Imprensa Oficial do Estado de So Paulo
Diretor-presidente Hubert Alqures
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Apresentao
Segundo o catalo Gaud, No se deve erguer monumentos aos artistas porque eles j o fize-ram com suas obras. De fato, muitos artistas so imortalizados e reverenciados diariamente por meio de suas obras eternas.
Mas como reconhecer o trabalho de artistas ge niais de outrora, que para exercer seu ofcio muniram-se simplesmente de suas prprias emo-es, de seu prprio corpo? Como manter vivo o nome daqueles que se dedicaram mais voltil das artes, escrevendo, dirigindo e interpretan-do obras-primas, que tm a efmera durao de um ato?
Mesmo artistas da TV ps-videoteipe seguem esquecidos, quando os registros de seu trabalho ou se perderam ou so muitas vezes inacessveis ao grande pblico.
A Coleo Aplauso, de iniciativa da Imprensa Oficial, pretende resgatar um pouco da memria de figuras do Teatro, TV e Cinema que tiveram participao na histria recente do Pas, tanto dentro quanto fora de cena.
Ao contar suas histrias pessoais, esses artistas do-nos a conhecer o meio em que vivia toda uma classe que representa a conscincia crtica da sociedade. Suas histrias tratam do contexto
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social no qual estavam inseridos e seu inevit-vel reflexo na arte. Falam do seu engajamento poltico em pocas adversas livre expresso e as conseqncias disso em suas prprias vidas e no destino da nao.
Paralelamente, as histrias de seus familiares se en tre la am, quase que invariavelmente, saga dos milhares de imigrantes do comeo do sculo pas sado no Brasil, vindos das mais va-riadas origens. En fim, o mosaico formado pelos depoimentos com pe um quadro que reflete a identidade e a imagem nacional, bem como o processo poltico e cultural pelo qual passou o pas nas ltimas dcadas.
Ao perpetuar a voz daqueles que j foram a pr-pria voz da sociedade, a Coleo Aplauso cumpre um dever de gratido a esses grandes smbo-los da cultura nacional. Publicar suas histrias e personagens, trazendo-os de volta cena, tambm cumpre funo social, pois garante a preservao de parte de uma memria artstica genuinamente brasileira, e constitui mais que justa homenagem queles que merecem ser aplaudidos de p.
Jos SerraGovernador do Estado de So Paulo
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Coleo Aplauso
O que lembro, tenho.Guimares Rosa
A Coleo Aplauso, concebida pela Imprensa Ofi cial, visa resgatar a memria da cultura nacio nal, biografando atores, atrizes e diretores que compem a cena brasileira nas reas de cine ma, teatro e televiso. Foram selecionados escritores com largo currculo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a histria cnica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituda de ma nei ra singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato en tre bigrafos e bio gra fados. Arquivos de documentos e imagens so pesquisados, e o universo que se recons-titui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetria.
A deciso sobre o depoimento de cada um na pri-meira pessoa mantm o aspecto de tradio oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como seo biografado falasse diretamente ao leitor .
Um aspecto importante da Coleo que os resul -ta dos obtidos ultrapassam simples registros bio-gr ficos, revelando ao leitor facetas que tambm caracterizam o artista e seu ofcio. Bi grafo e bio-gra fado se colocaram em reflexes que se esten-de ram sobre a formao intelectual e ideo l gica do artista, contex tua li zada na histria brasileira.
So inmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua
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vida, deixando transparecer a firmeza do pen-samento crtico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso pas. Muitos mostraram a importncia para a sua formao terem atua do tanto no teatro quanto no cinema e na televiso, adquirindo, linguagens diferenciadas analisando-as com suas particularidades.
Muitos ttulos exploram o universo ntimo e psicolgico do artista, revelando as circunstncias que o conduziram arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens.
So livros que, alm de atrair o grande pblico, inte ressaro igualmente aos estudiosos das artes cnicas, pois na Coleo Aplauso foi discutido o processo de criao que concerne ao teatro, ao cinema e televiso. Foram abordadas a construo dos personagens, a anlise, a histria, a importncia e a atua lidade de alguns deles. Tambm foram exami nados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correo de erros no exerccio do teatro e do cinema, a diferena entre esses veculos e a expresso de suas linguagens.
Se algum fator especfico conduziu ao sucesso da Coleo Aplauso e merece ser destacado , o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu pas.
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Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficcia a pesquisa documental e iconogrfica e contar com a disposio e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleo em curso, configurada e com identida-de consolidada, constatamos que os sorti lgios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filma-gem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais que neste universo transi tam, transmutam e vivem tambm nos tomaram e sensibilizaram.
esse material cultural e de reflexo que pode ser agora compartilhado com os leitores de to do o Brasil.
Hubert AlquresDiretor-presidente
Imprensa Oficial do Estado de So Paulo
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Introduo
Revelar a alma de Federico Garca Lorca foi o nosso objetivo. Para realizarmos essa difcil misso foi necessrio um mergulho profundo em sua vida e obra. Cada um de ns, viajantes, chegou com sua prpria bagagem de leituras e vivncias em torno do poeta. J estvamos pron-tos para iniciar o mergulho no potico universo lorquiano.
A primeira escolha nesse caminho foi a de uti-lizar somente palavras do prprio Garca Lorca. Apesar da nossa paixo pela sua obra dramtica e potica descobrimos que no era esse o cami-nho e sim o de seus textos mais pessoais: cartas, entrevistas, conferncias, memrias de infncia e fragmentos esparsos nos quais o autor revela um pouco de sua viso ntima do mundo.
Durante meses trilhamos pelos caminhos abertos pelas suas obras completas e por todas as outras leituras que nos chegaram ao longo da busca. Um vasto material foi reunido, o suficiente para realizarmos vrios roteiros sobre o poeta. Preci-svamos de uma ideia que fosse o nosso cho, o mapa da nossa viagem. Granada. Nada poderia ser melhor do que a terra natal do nosso per-sonagem como ponto de partida do espetculo que desejvamos construir.
Descobrimos uma conferncia do autor nos anos 30 chamada Como Canta Uma Cidade de Novem-
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bro a Novembro em que Granada contada por meio das estaes do ano. Era o que faltava para traarmos o itinerrio de nossa viagem.
Conclumos que a conferncia seria a situao dramtica perfeita para que a voz do poeta surgisse de uma forma direta sem quarta pare-de. Agora precisvamos construir um discurso que tocasse as diversas faces da alma de nosso personagem. Comeamos a tecer uma colcha composta pelos retalhos de sua vida, fundamen-tais sua obra.
E assim chegamos a este roteiro, sempre com a preocupao de convidar o pblico a uma via-gem literria pelo imaginrio potico de Lorca. Espectadores se transformando em leitores. E agora, leitores virando espectadores.
Boa viagem!
Jos Mauro Brant
Antonio Gilberto
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Federico Garca Lorca
Pequeno Poema Infinito
Prlogo
Senhoras e senhores:
Desde o ano de 1918, quando ingressei na Re-
sidncia dos Estudantes de Madri, at 1928 ano
em que a abandonei, terminados meus estudos
de Filosofia e Letras, ouvi naquele refinado sa-
lo onde a velha aristocracia espanhola ia para
corrigir sua frivolidade de praia francesa , cerca
de mil conferncias.
Com desejo de ar e de sol, eu me entediei tanto
que ao sair me senti coberto por uma leve cinza
quase a ponto de converter-se em pimenta de
tanta irritao.
No. No quero que entre nesta sala a terrvel
mosca do tdio que une todas as cabeas por um
tnue fio de sono e pe nos olhos dos ouvintes
uns grupos diminutos de pontas de alfinete.
De modo simples, com o registro que em minha
voz potica no tem luzes de madeiras nem n-
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gulos de cicuta, nem ovelhas que subitamente
so facas de ironias, vou ver se posso lhes dar
uma simples lio sobre o esprito oculto da
dolorida Espanha.
(...) Como uma criana que mostra cheia de as-
sombro a sua me vestida de cor viva para uma
festa, assim quero lhes mostrar hoje a minha
cidade natal. A cidade de Granada. Para isso
tenho que usar exemplos de msica e os tenho
que cantar. Isso difcil porque eu no canto
como cantor mas como poeta, ou melhor, como
um moo simples que vai guiando os seus bois.
Tenho pouca voz e a garganta delicada. Assim,
no h nada de estranho se me acontecer de
desafinar como um galo. Mas se isso acontecer
tenho certeza de que no ser o galo corrosivo
dos cantores, que lhes pica os olhos e destri sua
glria, mas eu o transformarei em um pequeno
galinho de prata que porei amorosamente sobre
o doce colo da garota (...) mais melanclica que
exista neste salo.
Um granadino cego de nascimento e ausente
muitos anos da cidade saberia a estao do ano
pelo que ouve cantar nas ruas.
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Hoje, no vamos levar nossos olhos na visita.
Vamos deix-los sobre um prato de neve para
que Santa Luzia no fique vaidosa.
Todos os viajantes so distrados. Por que empre-
gar sempre a vista e no o olfato ou o paladar
para estudar uma cidade? (...)
(...) Em todos os passeios que dei pela Espanha,
um pouco cansado de catedrais, de pedras mor-
tas, de paisagens com alma, me pus a buscar os
elementos vivos, perdurveis, onde o minuto
no se congela, que vivem num presente tr-
mulo. Entre os infinitos que existem, segui dois:
as canes e os doces. Enquanto uma catedral
permanece cravada em sua poca, dando uma
expresso contnua de ontem paisagem sempre
movedia, uma cano salta de repente desse
ontem para o nosso instante, viva e pulsante
como uma r, com sua alegria e sua melancolia
recentes, incorporada ao panorama como arbus-
to novo, trazendo a luz viva das horas velhas,
graas ao sopro da melodia.
Para conhecer o palcio de Alhambra em Grana-
da, por exemplo, antes de percorrer seus ptios
e suas salas, muito mais til, mais pedaggico,
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comer o delicioso alfajor de Zafra ou as tortas
Alaj das freiras, que do com seu aroma e sa-
bor, a temperatura autntica do palcio quando
estava vivo, assim como a luz antiga e os pontos
cardeais do temperamento de sua corte.
Na melodia, como no doce, se refugia a emoo
da histria, sua luz permanente sem datas nem
feitos. O amor e a brisa do nosso pas chegam
nas toadas ou na rica pasta do torrone, trazendo
a vida viva das pocas mortas, ao contrrio das
pedras, dos sinos, das grandes personalidades e
ainda da linguagem.
Assim, pois, vamos ouvir a cidade de Granada.
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Granada
O ano tem quatro estaes: inverno, primavera,
vero e outono.
Granada tem dois rios, oitenta campanrios,
quatro mil canais, cinquenta nascentes, mil e
uma fontes e cem mil habitantes. Tem uma f-
brica de construir violes e bandolins, uma loja
onde vendem pianos e acordees e armnicas
e sobretudo tambores. Tem dois passeios para
cantar, o Salo e a Alhambra e um para chorar, a
Alameda dos Tristes, verdadeiro vrtice de todo
o romantismo europeu. (...)
A serra pe um fundo de pedra ou um fundo
de neve ou um fundo de verde-sonho sobre as
canes que no podem voar, que se deixam
cair sobre os telhados onde queimam sua escalas
na luz ou se afogam nas secas espigas de julho.
Estas cantigas so a fisionomia da cidade e nelas
vamos ver seu ritmo e sua temperatura.
Vamos nos aproximando com os ouvidos e o
olfato e a primeira sensao que temos um
cheiro de junco, hortel, de mundo vegetal su-
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avemente amassado pelas patas das mulas e ca-
valos e bois que vo e vm em todas as direes
pela vrzea. Em seguida o ritmo da gua. Mas
no uma gua louca que vai aonde quer. gua
com ritmo e no com rumor, gua medida, justa,
seguindo um canal geomtrico e executado a
compasso em uma obra de irrigao. gua que
rega e canta aqui embaixo e gua que sofre e
geme cheia de diminutos violinos brancos l no
alto da Alhambra.
No h jogo de gua em Granada. Isso fica para
Versalhes, onde a gua um espetculo, onde
abundante como o mar, orgulhosa arquitetura
mecnica e no tem o sentido do canto. A gua
de Granada serve para apagar a sede. gua
viva que se une a quem a bebe ou quele que a
ouve , ou a quem deseja morrer nela.(...)
Depois h dois vales. Dois rios. Neles a gua j
no canta, um surdo rumor, uma nvoa mistu-
rada com os sopros de vento que a serra envia.
Mas tudo justo, com sua proporo humana. Ar
e gua em pouca quantidade, o necessrio para
nossos ouvidos. Essa a distino e o encanto
de Granada. Coisas para dentro de casa, ptio
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pequeno, msica pequena, gua pequena, ar
para que baile sobre nossos dedos.(...)
Granada ama o diminuto. A linguagem do povo
pe os verbos no diminutivo. Nada to inci-
tante para a confidncia e o amor. Diminutivo
assustado como um pssaro, que abre cmaras
secretas de sentimento e revela o mais definido
matiz da cidade.
O diminutivo no tem maior misso do que limi-
tar, apertar, trazer para o quarto e pr em nossa
mo os objetos ou ideias de grande perspectiva.
Se limita o tempo, o espao, o mar, a lua, as
distncias e at o prodigioso: a ao.
No queremos que o mundo seja to grande
nem o mar to fundo. H necessidade de limitar,
de domesticar os termos imensos.
(...) O granadino v as coisas com os binculos ao
contrrio. Por isso Granada nunca produziu he-
ris, por isso Boabdil, o mais ilustre granadino de
todos os tempos, a entregou aos castelhanos. (...)
Granada est feita para a msica porque uma
cidade encerrada, uma cidade entre serras onde
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a melodia devolvida e lapidada e retida por
paredes e pedras. Granada no pode sair da sua
casa. No como as outras cidades que esto
margem do mar ou dos grandes rios, que viajam
e voltam enriquecidas com o que viram. Sevilha
e Mlaga e Cdiz escapam por seus portos e Gra-
nada no tem mais sada do que seu alto porto
natural de estrelas. Est recolhida, apta para o
ritmo e o eco, medula da msica.
Sua expresso mais alta no a potica mas a
musical. (...) Por isso Granada no tem como
Sevilha, cidade de D.Juan, cidade do amor, uma
expresso dramtica, mas sim lrica. (...) E se em
Sevilha o elemento humano domina a paisagem
e entre quatro paredes passeiam Don Pedro e
D.Alonso e o Duque Otvio de Npoles e Fgaro
e Maara, em Granada passeiam os fantasmas
por seus dois palcios vazios e a espora se con-
verte numa formiga lenta que corre por um piso
infinito de mrmore e a carta de amor em um
punhado de grama e a espada num bandolim
delicado que s aranhas e rouxinis se atrevem
a tocar.
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Outono
Chegamos a Granada l pelo final de novembro.
H um cheiro de palha queimada e as folhas,
aos montes, comeam a apodrecer. Chove e as
pessoas esto em suas casas. Mas no meio da
Porta Real h vrias lojinhas de tambores. (...)
Uma Menina de Armilla ou de Santa F ou de
Atarve, empregada, compra uma zambomba e
canta esta cano:
Los Cuatro Muleros Os Quatro Muleiros
1 1
De los cuatro muleros Dos quatro muleiros
que van al campo, que vo ao campo,
el de la mula torda, o da mula malhada,
moreno y alto. moreno e alto.
2 2
De los cuatro muleros Dos quatro muleiros
que van al agua, que vo buscar gua,
el de la mula torda o da mula malhada
me roba el alma. me rouba a alma.
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3 3
De los cuatro muleros Dos quatro muleiros
que van al ro, que vo ao rio
el de la mula torda o da mula malhada
es mi maro. meu marido.
4 4
A qu buscas la lumbre Por que buscas o lume
la calle arriba, na rua de cima,
si de tu cara sale se da tua cara
la brasa viva? sai a brasa viva?
Estes quatro muleiros so cantados por toda a
multido de povoados que rodeiam a cidade,
na coroa de povos que sobem pela serra. Can-
o que os mouros levaram de Granada para a
frica, onde ainda hoje em Tnis se ouve assim:
(msica de Mouros ao piano)
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Minha Aldeia
Nasci em Fuente Vaqueros, uma aldeia muito
quieta e perfumada na vrzea de Granada. Tudo
o que nela acontecia e todos os seus sentimentos
e sensaes passam hoje por mim velados pela
nostalgia da infncia e pelo tempo.
O casario pequeno e branco e est todo beijado
de umidade. A gua dos rios, pelas manhs ao
evaporar-se, o cobre de gases frias, to de prata e
nquel, que quando sai o sol, de longe, parece uma
grande pedra preciosa. Logo, ao meio dia, as n-
voas se dissipam e se v o casario dormindo sobre
uma manta verde. A torre da igreja to baixa que
no se destaca das casas e quando soam os sinos,
parece que o fazem desde o corao da terra.
Ao aproximar-se h um cheiro imenso de erva-
doce e aipo silvestre que vivem nas noites. Com
a lua, as estrelas e as roseiras em flor, formam
uma essncia divina que faz pensar no esprito
que as criou. Nestas noites os homens sentem
mais os bordes sangrentos de um violo...
A aldeia est formada por uma grande praa
bordeada de bancos e lamos e vrias ruelas
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escuras e medrosas onde o inverno pe os fan-
tasmas e aparies. A praa larga e de um lado
est a igreja com seus frisos de ninhos e vespei-
ros. Na porta h uma cruz de madeira com um
lampio coberto de teias de aranha e cercada de
louros e trepadeiras. Coroando a fachada est a
Virgem das Paridas com o seu menino nos braos,
carcomida de umidade e carregada de exvotos
e medalhas ..
Na frente da igreja est a casa onde eu nasci.
grande, pesada, majestosa em sua velhi-
ce... Tem um escudo no portal e umas gra-
des que soam como sinos. Quando criana,
meus amiguinhos e eu tocvamos nelas com
uma barra de ferro e seu som nos deixava
loucos de alegria (...) e fingamos tocar pelo
fogo, pelos mortos, pelos batizados... Por
dentro a casa fria e baixa. Nos seus bal-
ces as professoras diziam versos e cantares
quando passava a Virgem do Amor Formo-
so e eu era o rei com uma bengala na mo.
Nessa aldeia tive a minha primeira fantasia de
distncia. Nesta aldeia serei terra e flores... Suas
ruas, suas gentes, seus costumes, sua poesia e
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sua maldade sero como o andaime onde se
aninharo minhas ideias de menino fundidas no
cadinho da puberdade.
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Inverno
Mas dezembro avana, o cu fica limpo, che-
gam as manadas de perus e um som de pan-
deiros, chocalhos e zambombas se apodera da
cidade. Pelas noites dentro das casas fechadas
se continua ouvindo o mesmo ritmo, que sai
pelas janelas e chamins como se nascessem
diretamente da terra. As vozes vo subindo de
tom, as ruas se enchem de quiosques ilumina-
dos, de grandes montes de mas, os sinos da
meia-noite se unen com os sininhos que as
freiras tocam ao nascer do dia, a Alhambra est
mais escura do que nunca.
(...) J esto as freiras Tomasas colocando em So
Jos um chapu de cor amarela e na Virgem uma
mantilha com seu pente de prender o cabelo. J
esto as ovelhas de barro e os cachorrinhos de
l subindo pelas escadas em direo ao musgo
artificial. Comeam a soar os raladores e tampas
de panelas e todos os utenslios de cobre cantam
o alegrssimo romance dos peregrinitos:
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Romance de los Peregrinitos
Hacia Roma caminan
dos pelegrinos,
a que los casa el Papa
porue son primos.
Sombrierito de hule
Lleva el mozuelo,
Y la pelegrinita,
De terciopelo
Al passar por el puente
De la Victoria,
Tropez la madrina,
Cay la novia.
(...)
Cantam as pessoas nas ruas em grupos alegres,
cantam as crianas com as criadas, cantam as
rameiras bbadas nessas carruagens com as
cortinas fechadas, cantam os soldados quando
se lembram de suas aldeias enquanto se deixam
pintar nas margens dos rios.
a alegria da rua e a humor andaluz e a sutileza
inteira de um povo cultssimo.
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Las campanas de Roma
ya repicaron,
Porque los pelegrinos
Ya se han casado.
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Infncia
As emoes da infncia esto em mim. Ainda
no sa delas. (...)
Sou um pobre garoto apaixonado e silencioso
que, quase como o maravilhoso Verlaine, tenho
dentro uma aucena impossvel de regar e apre-
sento aos olhos bobos dos que me olham uma
rosa muito encarnada, que no a verdade do
meu corao. (...) Meu tipo e meus versos do a
impresso de algo formidavelmente passional...
entretanto, no mais fundo da minha alma h um
desejo enorme de ser bem menino, bem pobre,
bem escondido.
Minha vida? Ser que eu tenho uma vida?
Contar minha vida seria falar do que sou e a
vida de uma pessoa o relato do que se foi. As
lembranas, at da minha mais longnqua infn-
cia, so em mim, apaixonado tempo presente.
E vou contar. a primeira vez que falo disso, que
sempre foi s meu, ntimo, to privado, que nem
eu mesmo nunca quis analisar. Quando eu era
criana, vivia em pleno ambiente de natureza.
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Como todas as crianas, conferia a cada coisa,
mvel, objeto, rvore, pedra, a sua persona-
lidade. Conversava com elas e as amava. (...)
No quintal da minha casa havia umas rvores,
uns choupos. Uma tarde imaginei que os chou-
pos cantavam para mim. O vento, ao passar por
seus ramos, produzia um rudo que variava de
tom e que a mim me pareceu musical . E eu cos-
tumava passar as horas acompanhando com a
minha voz a cano dos choupos...Outro dia me
detive assombrado. Algum pronunciava meu
nome, separando as slabas como se soletrasse:
Fe...de...ri...co... Olhei para todos os lados e
no v ningum. Entretanto, em meus ouvidos
seguiam sussurrando o meu nome. Depois de
escutar por um longo tempo, encontrei a razo.
Eram os ramos de um velho salgueiro que ao
roar-se produziam um rudo montono, quei-
xoso, que parecia meu nome. (...)
A criao potica um mistrio indecifrvel,
como o mistrio do nascimento do homem.
Se ouvem vozes no se sabe de onde e intil
preocupar-se de onde elas vm. Como no me
preocupei em nascer, no me preocupo em mor-
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rer. Escuto a Natureza e ao homem com assom-
bro, e copio o que me ensinam sem pedantismo
e sem dar s coisas um sentido que no sei se elas
tm. Nem o poeta nem ningum tem a chave e
o segredo do mundo. (...)
Amo a Terra. Me sinto ligado a ela em todas as
minhas emoes. Minhas mais longnquas lem-
branas de criana tm sabor de terra. A terra, o
campo, fizeram grandes coisas na minha vida. Os
bichos da terra, os animais, a gente camponesa,
tm ideias que chegam a muito poucas pessoas.
Eu as capto agora com o mesmo esprito dos
meus anos infantis. Caso contrrio no teria
podido escrever Bodas de Sangue e no teria co-
meado minha prxima obra Yerma. Este Amor
a Terra me fez conhecer a primeira manifestao
artstica. uma breve histria digna de se contar.
Foi l pelo ano de 1906. Minha terra de agricul-
tores havia sido sempre arada por velhos arados
de madeira que apenas arranhavam a superfcie.
E naquele ano, alguns lavradores compraram os
novos arados Bravant o nome ficou para sem-
pre em minha lembrana. Eu, menino curioso,
seguia por todo o campo o vigoroso arado da
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minha casa. Eu gostava de ver como a enorme
p de ao abria um talho na terra, talho de onde
saiam razes em lugar de sangue. Uma vez o
arado se deteve. Havia tropeado em algo consis-
tente. Um segundo mais tarde, a folha brilhante
de ao tirava da terra um mosaico romano. (...)
Esse meu primeiro assombro artstico est unido
a terra. (...) Minhas primeiras emoes esto li-
gadas a terra e aos trabalhos do campo. Por isso
h na minha vida um complexo agrrio, como
chamariam os psicanalistas.
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Pobreza
Na terra encontro uma profunda sugesto de
pobreza. E amo a pobreza por sobre todas as
coisas. No a pobreza srdida e faminta, mas
a pobreza bem-aventurada, simples, humilde
como o po moreno.
Faz alguns anos, passeando pelas imediaes
de Granada, ouvi uma mulher do povo cantar
enquanto adormecia o seu menino. Uma cano
cheia de uma melancolia oculta. Sempre havia
notado a aguda tristeza das canes de ninar do
nosso pas; mas nunca senti essa verdade to con-
creta. Ao me aproximar da cantora para anotar
a cano observei que era uma andaluza bonita,
alegre, sem o menor trao de melancolia; mas
uma tradio viva trabalhava nela e executava
o seu mandado fielmente, como se escutassem
as velhas vozes imperiosas que patinavam por
seu sangue.
Quem a canta? Esta a voz mais pura de Gra-
nada, a voz elegaca, o choque do Oriente com
o Ocidente em dois palcios quebrados e cheios
de fantasmas. O de Carlos V e a Alhambra.
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Nana de Sevilla
Este galagaguito
no tiene mare.
lo pari una serrana,
lo ech a la calle.
Acalanto de Sevilha
Este nenenzinho
No tem me
O pariu uma cigana
E o deixou na rua
No povoado vivia uma menina loura, queimada
pelo sol. Em sua boca tinha sangue e brilho de
lua e seus olhos eram muito pequenos, com pon-
tinhos de ouro e prado... Duas longas tranas que
lhe chegavam at os ps, um vestido vermelho
com bolinhas brancas... Uma flor no cabelo e as
mos cortadas de tanto lavar as roupas de seus
irmos nas guas da vrzea. Seu pai era um po-
bre diarista que estava reumtico pelo trabalho
e pela umidade, e a me, que tinha trinta anos,
parecia que tinha cinquenta por causa das dores
e da fecundidade de suas entranhas. E ento a
me ia at a minha casa suplicar que, pelo amor
de Deus, a ama que estava criando o meu irmo
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fosse at a sua casa para que seu beb mamasse
um pouquinho porque seno morreria de fome.
Minha me ordenava que fosse imediatamente
e quando a ama chegava e botava o menino
em seus joelhos, enquanto tirava suas grandes
tetas brancas com veias azuis, o beb suspirava
ofegante, rindo e chorando. Como isso acontecia
com muita frequncia, fiz uma grande amizade
com a menina e pelas tardes ia at l para levar
esmolas da minha me, para ver a nascente que
tinha no terreno e recolher pedrinhas brancas
que pareciam cristal. Me dava tanta pena ver
aquela casa toda escura e cheia de sujeira!...
O cho era de terra e o teto de bambus... Os
nicos mveis que possuam eram uma mesa do-
brvel, umas quantas cadeiras desencontradas,
um candeeiro enferrujado e um quadro muito
grande da Virgem que estava entre nuvens es-
curas, cuja umidade e poeira haviam convertido
num monstruoso borro. Quando chegava na-
quele antro de misria e honradez, a me, com
os cabelos duros e desgrenhados, se levantava
como um espectro e limpando a boca, me beijava
com temor... Aquela mrtir da vida e do traba-
lho tinha uma suavidade na voz e um olhar to
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doce que teramos que ser como ces raivosos
para no nos compadecermos e chorarmos o
seu calvrio... Aquela mulher, cujo ventre havia
guardado tantas vidas para logo v-las morrer de
fome e de misria, aquela santa destroada por
um homem e sacrificada por seus filhos era to
grande, to majestosa e to resignada que eu
sentia diante dela temor por sua figura e amor
por sua vida de tantas dores.
Muitas vezes me dizia: Menino, amanh no ve-
nha, porque temos que lavar a roupa... E eu no
ia. Que tragdias to fundas e to caladas! No
podia ir porque estavam desnudas e tremendo
de frio, lavando os seus farrapos, os nicos que
tinham...
(...) Quando voltava para minha casa e olhava o
armrio cheio de roupas limpas e perfumadas,
sentia uma grande inquietude e um peso frio
no corao... (...)
Por muito tempo que passe, por muitas coi-
sas que passem pela minha alma, nunca se
apagar, nunca se borrar da minha alma a
imagem daquela me. Os ossos rompendo-
-lhe a roupa e seu olhar vindo do alm...
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sobretudo o seu olhar estar como uma
lembrana eterna por ser a primeira impres-
so trgica que tive da misria... Na Anda-
luzia, nestes povoados carregados de cheiro
e som, todas as mulheres pobres morrem
da mesma coisa, de dar vidas e mais vidas.
(...) Digo isso porque me criei entre essas vidas de
dor. (...) Quantas vezes vi o enterro de uma me
com o filho entre suas pernas, ambos mortos de
misria e falta de assistncia... (...) Os enterros
que de pequeno me entusiasmavam por suas
caixas brancas e suas gases e flores, hoje eu vejo
passar e fecho os olhos espantado, porque den-
tro daquele corpo frio, quem sabe que corao
haveria? (...) Todas estas lembranas tristes me
vm ao pensar na casa da minha amiguinha
loura, porque nela todos os anos nascia um e
morria outro... (...)
No faz muito tempo eu vi minha amiguinha
loura... e quase comecei a chorar... Porque em
seus olhos j existe a expresso de sua me e
caminhava com duas crianas, uma mamando
e outra descala, levada pela mo. Ah minha
amiguinha loura! Voc ser como sua me. Suas
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filhas sero como voc. E quando eu penso nisso,
mergulho num grande caos espiritual...
Este nio chiquito Esse pequenininho
no tiene cuna. No tem bero
Su padre es carpintero Seu pai carpinteiro
y le har una E far um
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Primavera
O ltimo estribilho escapa e a cidade fica ador-
mecida nos gelos de janeiro.
Para fevereiro, como o sol brilha e tira o mofo,
as pessoas saem ao sol e levam merendas e pen-
duram redes nas oliveiras onde se ouve o mesmo
ui-ui das montanhas do norte.
Os meninos crescidos se abaixam para ver as
pernas das meninas que esto no balano, os
maiores com o rabo do olho. O ar ainda est frio.
Agora as ruas dos arrabaldes esto tranquilas.
Alguns cachorros, o ar das oliveiras e de repente,
plas! Um balde de gua suja que jogam de uma
porta. Mas os olivais esto carregados.
O povo canta nos arredores de Granada com a
gua oculta sob um leve tempero de gelo.
A los olivaritos s oliveiras
Voy por las tardes vou pelas tardes
A ver cmo menea para ver como se move
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la hoja el aire, a folha o ar,
la hoja el aire, a folha o ar,
A los olivaritos s oliveiras
Voy por las tardes vou pelas tardes
A mais pura sobrevivncia clssica anima esses
cantos dos olivais.
Ao anoitecer voltam as pessoas das plantaes
e em muitos lugares prossegue a reunio com
timidez.
Mas ao chegar a primavera e os brotos verdes
das rvores, comeam a abrir-se as varandas e a
paisagem se transforma de um modo insuspei-
tado. Chegamos da neve para cair (...) em todos
os perfis do sul.
E as meninas comeam a estar nas ruas e na
minha infncia um poeta vulgar a quem chama-
vam Miracu ia sempre sentar-se em um banco
dos jardins:
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A Poesia
Se encheu de luzes
Meu corao de seda,
De sinos perdidos
De lrios e de abelhas,
E eu irei muito longe
Para alm destas serras,
Para alm dos mares
Perto das estrelas
Para pedir a Cristo
Senhor que me devolva
Minha alma antiga de menino,
Madura de lendas,
Com gorro de plumas
E o sabre de madeira
Mas o que vou dizer da poesia? O que vou dizer
destas nuvens, deste cu? Olhar, olhar, olh-las,
olh-lo e nada mais. Compreenders que um poeta
no pode dizer nada da poesia. Isso a gente deixa
para os crticos e professores. Mas nem voc nem
eu nem nenhum poeta sabemos o que a poesia.
Aqui est: olha. Tenho o fogo em minhas mos.
Eu o entendo e trabalho com ele perfeitamente,
mas no posso falar dele sem literatura.
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A literatura a literatura e aquele que se em-
penhe visceralmente em ser literato demonstra
ser completamente bobo. A vida est cheia de
caminhos e em todos h coisas amargas e doces
para a gente encontrar.
A poesia algo que anda pelas ruas. Que se
move, que passa ao nosso lado. Todas as coisas
tm o seu mistrio e a poesia o mistrio que
contm todas as coisas. Se passamos junto de um
homem, se olhamos uma mulher, se adivinhamos
a marcha oblqua de um co, em cada um desses
objetos humanos est a poesia.
Por isso no concebo a poesia como abstrao,
mas sim como uma coisa real existente, que
passou junto de mim. Todas as pessoas dos meus
poemas existiram. O principal encontrar a
chave da poesia. Quando se est mais tranquilo,
ento, zs, se abre a chave e o poema aparece
com sua forma brilhante.
(...) A poesia no tem limites. Pode nos esperar
sentada na soleira da porta, nas madrugadas
frias quando se volta com os ps cansados e a
gola do casaco levantada. Pode estar nos espe-
rando na gua de uma fonte, trepada na flor de
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uma oliveira, posta para secar no pano branco
estendido no terrao da casa. O que no se pode
fazer propor uma poesia com rigor matem-
tico. Daquele que vai comprar um litro e meio
de azeite. (...) Estamos num lago asfixiante de
vulgaridade e sobre ele quero que minha ca-
ravela fantstica v at o templo do magnfico
com as velas infladas de neve e de sol. Eu sou
como uma iluso antiga feita carne e ainda que
meu horizonte se perca em crepsculos formi-
dveis de enamoramentos, tenho uma corrente
como Prometeu e me custa muito trabalho
arrast-la... em vez de guia, uma coruja me ri
o corao. (...)
Porque no sou um homem, nem um poeta, nem
uma folha, mas sim um pulso ferido que sonda
as coisas do outro lado.(...)
Sou um grande romntico e este o meu maior
orgulho. Num sculo de zepelins e de mortes
estpidas, soluo diante do meu piano sonhan-
do na bruma Haendeliana e fao versos muito
pessoais cantando tanto para Cristo quanto
para Buda, Maom ou Pan. Por lira tenho meu
piano e em vez de tinta, suor de desejo, p-
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len amarelo da minha aucena interior e meu
grande amor.
(...)
H que ser religioso e profano. Reunir o mis-
ticismo de uma severa catedral gtica com a
maravilha da Grcia pag. Ver tudo, sentir tudo.
Na eternidade teremos o prmio por no haver
tido horizontes. (...)
Temos que amar a lua sobre o lago da nossa
alma e fazer nossas meditaes religiosas sobre
o abismo magnfico dos crepsculos abertos...
porque a cor a msica dos olhos...
H que sonhar. Pobre daquele que no sonha,
pois nunca ver a luz..
Compreendo que tudo isso muito lrico, de-
masiadamente lrico, mas o lirismo o que me
salvar diante da eternidade
Me sinto cheio de poesia, poesia forte, simples,
fantstica, religiosa, m, funda, canalha, mstica.
Tudo, tudo. Quero ser todas as coisas. Bem sei
que a aurora tem a chave escondida em bosques
raros, mas eu a saberei encontrar.
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Vero
De maio a junho Granada um tocar de sinos
incessante. Os estudantes no podem estudar.
Duas comadres se encontram na sada do Hu-
milladero, por onde entraram os reis catlicos:
Comadre, de dnde vienes?
Comadre, vengo de Granada.
Comadre, qu passa all?
Comadre, no pasa nada,
estn haciendo cestillos
y repicando las campanas.
Comadre, de onde vens?
Comadre, venho de Granada.
Comadre, o que passa a?
Comadre, no passa nada,
Esto fazendo cestinhos
E repicando os sinos.
Na praa de Bibarrambla os sinos da cate-
dral, sinos submarinos com algas e nuvens,
no deixam falar os camponeses. Os sinos de
San Juan de Dios lanam no ar um retbulo
bar ro co de lamentos e socos de bronze e no
en tan to a Alhambra est mais sozinha do
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que nunca, mais vazia do que nunca, esfola-
da, morta, alheia cidade, mais longnqua
do que nunca. Mas nas ruas h carrocinhas
de sorvete, barracas de po de azeite com
passas e gergelim e homens que vendem
quebra-queixos de mel com gro-de-bico.
Logo as granadinas com seus formosos braos
desnudos e seus ventres como magnlias escuras
abrem na rua guarda-sis verdes, laranjas, azuis,
entre o frenesi das iluminaes e dos violinos e
dos carros enfeitados...
Pelo lado da rua da Elvira, da Velhssima:
Rua da Elvira
Onde vivem as manolas
As que sobem a Alhambra
As trs e as quatro sozinhas,
Calle de Elvira
donde viven las manolas,
las que suben a la Alhambra
las tres y las cuatro solas,
Ali, cantam essa cano:
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Cancin de otoo en Castilla
A los boles altos
Los lleva el viento
Y a los enamorados
El pensamiento.
Me digam vocs se isso no de uma grande beleza.
Quer mais poesia que isso? J podemos nos calar, to-
dos que escrevemos e pensamos poesia diante dessa
magnfica poesia que fizeram os camponeses.
Mas j no lhes disse que as canes vivem? Pois
esta viveu nos lbios do povo e o povo a embe-
lezou, a completou, a depurou at chegar a essa
maravilha que temos hoje diante de ns. Porque
isso cantam os camponeses. Nas casas da cidade
no se canta isso.
Neste momento dramtico do mundo, o artista
deve chorar e rir com o seu povo. H que deixar
o ramo de aucenas e se enfiar na lama at a
cintura para ajudar os que buscam as aucenas.
Particularmente tenho uma nsia verdadeira
em comunicar-me com os demais. Por isso bati
nas portas do teatro e ao teatro consagro toda
a minha sensibilidade.
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O Teatro
O teatro foi sempre a minha vocao. Dei ao
teatro muitas horas da minha vida. Tenho um
conceito de teatro de certa forma pessoal e re-
sistente. O teatro a poesia que se levanta do
livro e que se faz humana. E ao fazer isso, fala
e grita, chora e se desespera. O teatro necessita
que os personagens que aparecem em cena
levem um traje de poesia e ao mesmo tempo
preciso que se vejam seus ossos, o sangue. Ho de
ser to humanos, to horrorosamente trgicos
e ligados vida e ao dia com uma tal fora, que
lhes mostrem as traies, que se lhes apreciem os
cheiros e que lhes saiam dos lbios toda a valen-
tia de suas palavras cheias de amor ou de asco.
O que no pode continuar o que hoje sobe aos
palcos levados pela mo dos seus autores. So
personagens ocos, totalmente vazios, a quem s
se pode ver atravs do colete um relgio parado,
um osso falso ou um coc de gato, desses que se
encontram por a. Hoje, na Espanha, a maioria
dos autores e dos atores ocupam uma zona ape-
nas intermediria. Escreve-se no teatro para os
camarotes e no para o poleiro. Escrever para a
plateia principal a coisa mais triste do mundo.
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O pblico que vai assistir fica frustrado . E o p-
blico virgem, o pblico ingnuo, que o povo,
no compreende por que se fala no teatro de
problemas desprezados por ele nos ptios da sua
vizinhana. Em parte os atores tm culpa. No
que sejam ms pessoas, mas ... Oua, Fulano,
quero que voc me faa uma comdia em que eu
faa... eu mesmo. Sim, sim: eu quero fazer isso e
aquilo. Quero estrear uma roupa de primavera.
Adoraria ter vinte e trs anos. No se esquea.
E, assim, no se pode fazer teatro. Assim, o que
se faz perpetuar uma dama jovem atravs dos
tempos e um gal apesar da arteriosclerose. (...)
O teatro um dos mais expressivos e teis
instrumentos para a edificao de um pas e o
barmetro que marca sua grandeza ou a sua
decadncia. Um teatro sensvel e bem-orientado
(...) pode mudar em poucos anos a sensibilidade
do povo; e um teatro destroado, no qual as
patas substituem as asas, pode embrutecer e
adormecer uma nao inteira.
O teatro uma escola de pranto e riso e uma
tribuna livre onde os homens podem colocar,
em evidncia, morais velhas ou equivocadas e
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explicar com exemplos vivos normas eternas do
corao e do sentimento do homem.
Um povo que no ajuda e no fomenta o seu
teatro, se no est morto est moribundo;
como o teatro que no colhe a pulsao social,
a pulsao histrica, o drama de suas gentes e a
cor genuna de sua paisagem e de seu esprito,
com riso ou com lgrimas, no tem o direito
de chamar-se teatro. No me refiro a ningum
nem quero machucar ningum; no falo da
realidade viva, mas sim do problema levantado
sem soluo.
Escuto todos os dias, queridos amigos, falar da
crise do teatro e sempre penso que o mal no
est diante dos nossos olhos, mas sim no mais
escuro de sua essncia: no um mal de flor
atual, ou seja, de obra, mas sim de profunda
raiz, que em suma, um mal de organizao. (...)
O teatro deve se impor ao pblico e no o
pblico ao teatro. Para isso, autores e atores
devem revestir-se, a custa de sangue, de gran-
de autoridade, porque um pblico de teatro
como as crianas nas escolas; adora o professor
srio e austero que exige e faz justia e enche
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de agulhas crueis as cadeiras em que se sentam
os professores tmidos e aduladores que no
ensinam nem deixam ensinar.
H necessidade de fazer isso para o bem do tea-
tro. H que manter atitudes dignas. O contrrio
seria matar as fantasias, a imaginao e a graa
do teatro, que sempre, sempre uma arte. Arte
acima de tudo. Arte nobilssima. E vocs, queri-
dos atores, artistas acima de tudo. Artistas dos
ps cabea, j que por amor e vocao subiram
ao mundo fingido e doloroso do palco. Artistas
por ocupao e preocupao,desde o teatro mais
modesto ao mais importante se deve escrever
a palavra Arte em salas e camarins, porque
seno vamos ter que pr a palavra Comrcio
ou alguma outra que no me atrevo a dizer. E
trabalho, disciplina, sacrifcio e amor.
No quero dar-lhes uma lio porque me encon-
tro em condio de receb-la. Minhas palavras
so ditadas pelo entusiasmo e pela segurana.
No sou um iludido. Pensei muito e com frieza,
o que penso, e, como bom andaluz, possuo o
segredo da frieza porque tenho sangue anti-
go. Sei que no possui a verdade aquele que
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diz hoje, hoje, hoje, com os olhos postos nas
pequenas goelas da bilheteria, mas sim o que
serenamente olha l longe a primeira luz na
alvorada do campo e diz amanh, amanh,
amanh e sente chegar a nova vida que se
derrama sobre o mundo.
(...) Sabe outra coisa? Na arte no se deve nunca
ficar quieto nem satisfeito. H que ter a coragem
de quebrar a cabea contra as coisas e a vida... A
cabeada... depois a gente v o que acontece...
J veremos onde est o caminho . Uma coisa que
tambm primordial respeitar os prprios ins-
tintos. O dia em que se deixa de lutar contra seus
instintos, esse dia em que se deixa de lutar contra
seus instintos, nesse dia aprendemos a viver.
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A Morte
Quero expressar o que passou por mim atravs
de outro estado de esprito e revelar as longn-
quas modulaes do meu outro corao. Isso
que fao puro sentimento e vaga recordao
da minha alma de cristal. (...)
Cada dia que passa, tenho uma ideia e uma tris-
teza a mais. Tristeza do enigma de mim mesmo!
Existe em ns um desejo de no querer sofrer e
de bondade inata, mas a fora exterior da ten-
tao e a abrumadora tragdia da fisiologia se
encarregam de destruir. Acredito que tudo que
nos rodeia est cheio de almas que passaram,
que so as que provocam nossas dores e so as
que nos fazem entrar no reino onde vive essa
virgem branca e azul que se chama Melancolia...
ou seja, o reino da poesia.
Vivo rodeado de morte! De morte, de morte
fsica. Da minha morte, da tua e da morte dele.
Compreende? Digam-me: por que a morte me
ronda? (...) Vim para isso?
A morte... Ah ! Em cada coisa h uma insinuao
de morte. A morte est em todas as partes. a
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dominadora... A quietude, o silncio, a serenida-
de so aprendizados. H um comeo de morte
nos momentos em que estamos quietos. Quando
estamos numa reunio, falando serenamente,
olhe os sapatos dos presentes. Iro v-los quietos,
horrivelmente quietos. So objetos sem gestos,
mudos e sombrios, que nesses momentos no
servem para nada, esto comeando a morrer...
Os sapatos, os ps, quando esto quietos, tm
um obsessivo aspecto de morte. Ao ver uns ps
quietos, com essa quietude trgica que somen-
te os ps sabem adquirir, a gente pensa : dez,
vinte, quarenta anos mais e sua quietude ser
absoluta. Talvez uns minutos. Talvez uma hora.
A morte est neles.
No posso me deitar de sapatos na cama, como
costumam fazer os que tm as articulaes in-
chadas quando se pem a descansar. Quando
olho meus ps , a sensao da morte me afoga.
Os ps, assim apoiados sobre seus calcanhares,
com as plantas voltadas para a frente, me fa-
zem recordar os ps dos mortos que vi quando
criana. Todos estavam nessa posio. Com os
ps quietos, juntos, com sapatos sem estrear...
E isso a morte.
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Agora descobri uma coisa terrvel (mas no conte
para ningum). Ainda no nasci. No outro dia,
observava atentamente o meu passado (estava
sentado na poltrona do meu av) e nenhuma das
horas mortas me pertencia porque no fui eu
quem as vivi, nem as horas de amor, nem as horas
de dio, nem as horas de inspirao. Havia mil
Federicos Garcas Lorcas estendidos para sempre
no desvo do tempo; e no armazm do futuro,
contemplei outros mil Federicos Garcas Lorcas
muito bem-passadinhos, uns sobre os outros,
esperando que os enchessem de gs para voar
sem direo. Foi este momento um momento
terrvel de medo, minha mezinha Dona Mor-
te me havia dado a chave do tempo e por um
instante compreendi tudo. Eu vivo emprestado,
o que tenho dentro no meu, veremos se
vou nascer.(...)
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O Outono Outra vez
Temos que ir na ponta dos ps por este caminho
de terra vermelha, bordeado de figueiras, a
uma reunio agrupada numa curva do monte.
Bailam e cantam. Acompanham-se com violo,
castanhola e ainda tocam instrumentos pastoris,
pandeiros e tringulos.
So as pessoas que cantam as roas e as al-
bores e as cachuchas e este zorongo que
tanto influenciou a msica de Manuel de Falla.
Zorongo
Tengo los ojos azules
Tengo los ojos azules
Y el corazoncillo igual
Que la cresta de la lumbre
Las manos de mi cario
te estn bordando una capa
con agremn de alheles
y con esclavina de agua.
Cuando fuiste novio mo,
por la primavera blanca,
los cascos de tu caballo
cuatro sollozos de plata.
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La luna es un pozo chico,
las flores no valen nada,
lo que valen son tus brazos
cuando de noche me abrazan.
Zorongo
Eu tenho os olhos azuis
Eu tenho os olhos azuis
E o coraozinho igual
A uma crista de luz
As mos deste meu carinho
Te vo bordar uma capa
Com o ponto de aleri
E com fios feitos dgua.
E quem namorou comigo
Numa primavera branca
Os cascos de seu cavalo
Quatro soluos de prata.
A lua um poo triste
As flores no valem nada
O que valem so teus braos
Quando de noite me abraam
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Chegamos ao ltimo raio da roda.
A roda, que gire a roda.
O outono surge pelas alamedas.
E surgem as feiras com nozes, com aafro, com
multido de marmelos, com torres de jalluyos e
pes de acar da padaria do Corzo.
(...) um canto confuso o que se ouve. todo o
canto de Granada ao mesmo tempo: rios, vozes,
cordas, ramagens, procisses, mar de frutas e
tchamtchamtchim de balanos.
Anda jaleo, jaleo; ya se acab el alboroto
y ahora empieza el tiroteo.
Mas acabada a alegria e o outono com rudo de
gua vem tocando em todas as portas.
Tam, tam.
Quem ?
O outono outra vez.
O que quer de mim?
O frescor da tua face.
No quero te dar.
Eu vou te tirar.
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Tam, tam.
Quem ?
O outono outra vez.
Os canteiros de terra se enchem de mato com
a primeira chuva. Como faz uma temperatura
fresquinha as pessoas no vo aos jardins e Mi-
racu est sentado na sua mesa com um braseiro
embaixo . Mas os crepsculos enchem todo o
cu; as enormes nuvens anulam a paisagem e as
luzes mais raras patinam sobre os telhados ou
dormem na torre da catedral. Outra vez ouvimos
a voz da verdadeira melancolia:
Acontece que as crianas no querem ir escola
porque jogam pio.
Acontece que nas salas comeam a acender lam-
parinas para o finados.
Acontece que estamos em novembro.
H um cheiro de palha queimada e as folhas
comeam a apodrecer aos montes, lembram?
Chove e as pessoas esto nas suas casas.
Mas no meio da Porta Real j se encontram vrias
lojinhas de tambores.
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Uma menina de Armilla ou de Santa F ou de
Atarfe, com um ano a mais, talvez vestida de
luto, canta para os filhos de seus senhores:
De los cuatro muleros Dos quatro muleiros
que van al agua, que vo buscar gua,
el de la mula torda o da mula malhada
me roba el alma. me rouba a alma.
A qu buscas la lumbre Por que buscas o lume
la calle arriba, na rua de cima,
si de tu cara sale se da tua cara
la brasa viva? sai a brasa viva?
Demos a volta ao ano. Assim ser sempre. Antes
e agora. Ns vamos e Granada fica. Eterna no
tempo e fugitiva nestas pobres mos do mais
simples e pequeno de seus filhos.
Fim
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Ficha Tcnica
RoteiroJos Mauro Brant e Antonio Gilberto a partir de textos de Garca Lorca
TraduoRoseana Murray
InterpretaoJos Mauro Brant
DireoAntonio Gilberto
Cenografia e FigurinoRonald Teixeira
IluminaoPaulo Csar Medeiros
Direo musicalSacha Amback
Arranjo e violo em ZorongoFbio Nin
Assistncia de direoLeonardo Arantes
Direo de cenaRicardo Malheiros
Programao VisualMaurcio Grecco
Assessoria de imprensaJoo Pontes e Stella Stephany
Direo de Produo Rio de JaneiroPaulo Mattos
Direo de Produo So Paulo e BrasilLlian Bertin
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Com 1 ano - 1899
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Cronologia
1898
Nasce na aldeia de Fuente Vaqueros, Granada,
em 5 de junho. Filho de Federico Garca Rodri-
guez, proprietrio agrcola, casado em segundas
npcias com Vicenta Lorca Romero, professora
primria.
1900
Entre 1900 e 1907 nascem dois irmos e duas
irms de Federico: Lus, morto em pequeno,
Francisco, Concepcin e Isabel. Aprende a ler
com sua me.
1908
Vai morar em Almera onde ingressa no Instituto
de Ensino Mdio daquela capital. Seus diverti-
mentos favoritos so dizer a missa e improvisar
sermes e cerimnias religiosas para os meninos
de sua idade.
1909
A famlia Lorca se muda para o centro de Gra-
nada, Federico volta de Almera e ingressa no
Colgio do Sagrado Corao de Jesus.
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Porta da escola de Fuente Vaqueros, de chapu
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Com 6 anos - 1904
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Alterna os estudos secundrios com os de msica:
violo, harmonia e piano. Comea a se interessar
pelo folclore espanhol e pelos cancioneiros. Um
dia, o menino Federico viu na praa do povoado,
um espetculo de artistas mambembes. Aquilo
transformou o menino, que chegando em casa
construiu com sua imaginao e alguns trapos
de papelo o seu prprio teatro. E ali, no seu
palco de brinquedo, ele descobriu uma das suas
paixes: o teatro de bonecos.
1915
Ingressa na Universidade de Granada estudando
Filosofia, Direito e Letras. Conhece e trava rela-
o pessoal com o catedrtico de Direito Poltico,
Fernando de los Ros. Frequenta os meios arts-
ticos e intelectuais da cidade.
1916
Excurses estudantis culturais pela Andaluzia e
pelo resto da Espanha.
1917
Fantasia Simblica seu primeiro trabalho em
prosa publicado, aparece no Boletin del Centro
Artstico e Literrio de Granada.
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1918
Impresses e Paisagens, primeiro livro em pro-
sa, inspirado em parte pelas excurses de 1916.
Viagem inicial capital da Espanha onde espera
ingressar na Residencia de Estudiantes. Entra
em contato com alguns dos poetas da futura
gerao de 1927: Amado Alonso, Gerardo Diego,
Pedro Salinas, Ciria, Guilhermo de Torre, etc.
1919
Granada, primeira composio potica impres-
sa, conhecida, aparece na revista granadina
Renovacin. Tem o subttulo de Elegia humilde.
Instala-se na Residencia de Estudiantes de Madri,
que ser seu domicilio na capital da Espanha at
1928. Prossegue os estudos de Direito. Conhece
Manuel de Falla que, a partir de 1920, se mudar
em definitivo para Granada.
1920
O Sortilgio da Mariposa, primeira obra teatral
de Federico, estreia em Madri, mas a pea fra-
cassa. Durante os veres granadinos cultiva a
amizade de Manuel de Falla e a de Fernando de
los Ros, que anos depois promoveu sua viagem
aos Estados Unidos, e aprovou, mais adiante,
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Anos 1920
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Anos 1920
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Anos 1920
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o projeto da La Barraca. Regressa a Madri e se
matricula na Faculdade de Filosofia e Letras da
Universidade Central.
1921
Livro de Poemas, seu primeiro livro de versos,
editado em Madri. Colabora na revista ndice.
No dirio El Sol, aparece o primeiro artigo de
crtica sobre a poesia de Federico, assinado por
Adolfo Salazar.
1922
Conferncia sobre o Cante Jondo, no Centro
Artstico de Granada. Espetculo de marionetes,
organizado por Federico no qual pretende son-
dar a possibilidade de ser levado cena com o
Retbulo de Mestre Pedro, de Falla.
1923
Continua interessado pelo teatro de bonecos.
Forma-se em Direito. Compe e recita para os
amigos os primeiros poemas do latente Roman-
ceiro Gitano. Primeira leitura de Mariana Pineda.
Reincorporado Resistncia madrilenha, conhe-
ce e inicia amizade com Salvador Dal, ainda
ignorado como pintor.
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Com sua irm Isabel
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Com Salvador Dali, Cadaqus - 1925
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Com Salvador Dali, Madri - 1927
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Com Salvador Dali, Cadaqus - 1927
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1924
Prossegue a composio de Romanceiro Gitano
e registra a ideia de Dona Rosita, a Solteira ou
A Linguagem das Flores. Trabalha no livro Can-
es. Conhece o pintor Gregrio Prieto e o poeta
Rafael Alberti, que sero seus grandes amigos.
1925
Termina, em Granada, Mariana Pineda. Escreve
vrias narrativas surrealistas: Passeio de Buster
Keaton e A Donzela, o Marinheiro e o Estudante.
Viaja em novembro Catalunha e se hospeda
em casa da famlia Dal, em Cadequs.
1926
A Revista do Ocidente publica Ode a Salvador
Dal. Passa o vero em Granada, empreende a
redao de A Sapateira Prodigiosa.
1927
Publica Canes. Mariana Pineda estreia em
Barcelona com figurinos e cenrios concebidos
com a colaborao de Federico e Salvador Dal.
Em outubro a pea estreia em Madri. Entre as
duas estreias, Federico expe uma coleo de
desenhos em Barcelona e veraneia em casa da
famlia Dal. Replaneja e concretiza em Grana-
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da o projeto da revista literria de vanguarda
Galo.
1928
Romanceiro Gitano, com poemas datados de
1924 a 1927, publicado em Madri. Em feve-
reiro, foi publicada em Granada a revista Galo,
dirigida por Francisco Garca Lorca, irmo do
poeta, futuro diplomata, ensasta e professor
de literatura na Amrica do Norte: o nmero 2
da revista aparece em abril e acaba.
1929
Amor de Dom Perlimplim com Belisa em seu
Jardim. A pea teatral proibida pela censura.
Federico desfruta a popularidade e a estima
nos palcos da capital espanhola. O autor parte
para os Estados Unidos onde permanece at
meados do ano seguinte. Antes de incorporar-
-se Universidade de Columbia passa por Paris,
Londres, Oxford e Esccia. Comea O Poeta em
Nova Iorque.
1930
A Sapateira Prodigiosa estreia em Madri. O po-
eta havia regressado dos Estados Unidos e de
Cuba onde esteve convidado pela Institucin
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Hispano-Cubana de Cultura para dar um ciclo de
conferncias. L para amigos Assim que Passem
Cinco Anos e O Pblico.
1931
Poema do Cante Jongo editado em Madri. O
pas derrota a monarquia nas urnas e d vitria
Republica. Federico participa de entusiastas
e pacficas manifestaes populares que acla-
mavam o novo regime. Trabalha no Div do
Tamarit e, ao mesmo tempo, expe os primei-
ros projetos para fundar o teatro universitrio
ambulante La Barraca. Grava com a cantora e
bailarina Encarnacin Lpez Julvez, La Argen-
tinita, uma srie de discos de msica folclrica
espanhola sendo este o nico registro de Lorca
tocando piano.
1933
Estreia em Madri Bodas de Sangue. Trabalha em
vrios livros de poesia, projeta uma trilogia dra-
mtica da qual Yerma seria a segunda pea. Sua
famlia transfere-se para Madri. Desembarca em
Buenos Aires convidado para dar conferncias,
recitais e dirigir as representaes de algumas de
suas obras. Primeiro encontro com Pablo Neruda.
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Na Alhambra - 1927
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Em Cuba - 1930
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Em La Barraca
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1934
Retbulo de Dom Cristvo, farsa de tteres, es-
treia em Buenos Aires. Yerma estreia em Madri
no Teatro Espanhol. A permanncia de Federico
em Buenos Aires se dilata at final de maro.
Antes de retornar, visita o Uruguai. O navio faz
uma escala no Rio de Janeiro onde presenteado
com uma bandeja de borboletas brasileiras por
Alfonso Reyes, ento embaixador do Mxico.
Em Madri, reencontro com Pablo Neruda; idas
ao norte da Espanha com La Barraca.
1935
Pranto por Igncio Snchez Mejas publicado.
Em Barcelona estreia de Dona Rosita no teatro
Principal Palace. Estrondoso sucesso: persona-
lidades, polticos, intelectuais, artistas, pblico
acolhem e aplaudem o poeta granadino que
triunfa em Barcelona. As vendedoras de flores
das Ramblas o reconhecem e o rodeiam agra-
decendo uma das representaes da comdia,
dedicada ao sindicato delas. Durante o vera-
neio em Granada pretende terminar Div do
Tamarit.
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Com La Argentinita
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Em Montevidu - 1934
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Com sua me, Vicenta - 1935
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Madri, 17 de abril de 1936
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1936
Primeiras Canes / Bodas de sangue (edio) /
A Casa de Bernarda Alba (leitura).
Em julho, poucos dias antes de rebentar a guerra
civil, foi realizada nova leitura da pea em Madri.
Na segunda quinzena de julho, estoura a guerra
civil. Todos os artistas e intelectuais de esquerda
deixam o pas. Quase no ltimo trem de Madri,
o poeta recusa um convite de Margarita Xirgu
para se refugiar no Mxico e escolhe voltar sua
Granada. Instala-se na Huerta de San Vicente,
casa de veraneio que a famlia possui nos arre-
dores. Federico vive oculto, uma vez que estava
sendo perseguido pelos fascistas.
Em agosto, consegue fugir da casa de campo
para se refugiar na cidade, na casa do poeta Luis
Rosales. Em 16 de agosto, o poeta descoberto
e preso. Horas, ou dias depois, conduziram o
poeta ao p da Serra de Alfacar ao lado de uma
fonte chamada pelos mouros de Ainadamar ou
fonte de lgrimas. L, foi fuzilado e enterrado
em uma fossa aberta em pleno campo, sob as
oliveiras. Desconhece-se a data exata do crime.
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O atestado de bito, redigido quatro anos
depois, em 1940, explica: ...faleceu no ms de
agosto de 1936 em consequncia de feridas cau-
sadas por ao de guerra... Seu corpo nunca foi
encontrado. Em Granada, Federico Garca Lorca
virou terra e flores.
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Fortuna Crtica
O Triunfo da Simplicidade
Brbara Heliodora O Globo
Federico Garca Lorca: Pequeno Poema Infinito
acerta ao focar na emoo.
O espetculo Federico Garca Lorca: Pequeno
Poema Infinito, em cartaz no Teatro de Arena
da Caixa Econmica, o triunfo da simplicidade.
Voltado para a vida e o pensamento de Lorca
mais do que para sua obra mais conhecida,
potica e dramtica, tudo focado na emoo
bsica do amor de Lorca por Granada. O rotei-
ro elaborado por Jos Mauro Brant e Antonio
Gilberto pinou de dirios e outros escritos do
poeta, um conjunto harmnico que condiz com
a sinceridade e a simplicidade das palavras de
Lorca.
Reconhecendo as belezas naturais e arquitetni-
cas de Granada, nestes textos Lorca fala de uma
contnua redescoberta de sua cidade natal, em
um roteiro que comea no outono e se estende
pelas quatro estaes at voltar ao ponto no
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qual comeou. Para Lorca a cidade no vive
pelo que a faz famosa, mas, por seus cheiros,
seus gostos, seus cantos populares, sua trgica
mortalidade infantil, sua compassiva afeio
pelos que vivem em pobreza digna. Os palcios
da cidade para ele so apenas fontes de evoca-
o de mortos e tradies, e cada estao tem
suas comemoraes e lembranas, com os sinos
e tambores servindo de baixo contnuo para essa
emocionante visita cidade. Colabora bem com
o todo a traduo de Roseana Murray.
Parte importante das lembranas e emoes de
Lorca, a visita interrompida por suas grandes di-
gresses, uma sobre o teatro e outra sobre a mor-
te. com considervel habilidade que o roteiro
trata esse assunto do texto, revelando partes fun-
damentais da viso das coisas que tem o poeta,
conseguindo mesclar bem o visitante e a visitada.
A encenao exemplar; tanto o lindo cenrio
de Ronald Teixeira, com seu tapete evocando
uma terra quente e rica, quanto a discrio do
figurino e a bonita luz de Paulo Csar Medei-
ros seguem a mesma simplicidade dos textos,
propiciando uma imensa empatia entre palco e
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plateia. O espetculo ideia por muito tempo
acalentada e amadurecida, e a direo de Anto-
nio Gilberto encontra o tom certo para que tome
vida essa viagem sentimental de Garca Lorca
sua terra, trazendo seu intrprete para perto
do pblico, mas sem exageros, e deixando-o
isolado em seus sentimentos quando necessrio.
Jos Mauro Brant sorveu tudo o que podia a
respeito de Federico Garca Lorca, e sua atuao
parece toda empenhada em captar a sinceridade
e a simplicidade do amor de Lorca por sua bela
Granada, que lhe provoca na alma o desejo de
ser bem menino, bem pobre, bem escondido.
Um belo espetculo.
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Emocionado retrato do genial Lorca
Federico Garca Lorca: pequeno poema
infinito
Lionel Fischer Tribuna da Imprensa
Assassinado pelos fascistas, que temiam muito
mais sua caneta do que a possibilidade de ele
empunhar uma arma, Federico Garca Lorca
(1898-1936) deixou uma obra potica extraordi-
nria, e uma no menos brilhante obra teatral,
na qual se incluem pelo menos trs obras-primas:
Bodas de sangue, Yerma e A casa de Ber-
narda Alba. Mas o presente espetculo tem
por foco o homem, bem menos conhecido do
que o fantstico legado artstico que nos deixou.
Com roteiro assinado por Jos Mauro Brant e
Antonio Gilberto, Federico Garca Lorca: pe-
queno poema infinito exibe textos do genial
artista andaluz, que abordam recordaes da
infncia, sua amorosa relao com Granada e
reflexes sobre a vida e o teatro, dentre outros
temas. Em cartaz na Caixa Cultural, a montagem
leva a assinatura de Antonio Gilberto, cabendo
a Brant viver o protagonista.
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Estruturado como uma palestra, o espetculo
nos mostra, inicialmente, a paixo de Lorca pela
msica o personagem canta algumas canes
tpicas de sua regio, acompanhando-se ao
piano. Aos poucos, as recordaes da infncia
se tornam dominantes e, mais adiante, o perso-
nagem envereda por caminhos mais reflexivos,
mas sempre impregnados do lirismo e paixo que
caracterizam toda a sua obra. E como todos os
textos so de Lorca, a plateia tem acesso a uma
mente brilhante, de rara sensibilidade e vigo-
rosa capacidade de refletir sobre o seu tempo.
Quanto ao espetculo, este realizado de forma
a valorizar ao mximo todos os contedos impl-
citos. Impondo cena uma dinmica simples e
austera, mas, ao mesmo tempo, impregnada de
delicadeza e poesia, Antonio Gilberto consegue
nos oferecer um retrato pertinente e emocio-
nado daquele que todos incluem no seleto rol
dos maiores poetas e dramaturgos de todos
os tempos.
No que se refere a Jos Mauro Brant, o ator
exibe uma performance irretocvel, tanto nas
passagens em que o personagem apenas con-
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versa com a plateia quanto naquelas em que,
tomado de visvel emoo, aborda temas que o
mobilizam de forma visceral. To eficiente nas
partes cantadas como nos momentos em que o
texto predomina, Brant ratifica seu enorme ta-
lento, ainda no inteiramente reconhecido pelo
grande pblico e pelos veculos de comunicao,
o que desejamos sinceramente que mude a partir
desta maravilhosa atuao.
Na equipe tcnica, destacamos o timo trabalho
de todos os profissionais envolvidos Roseana
Murray (traduo), Paulo Csar Medeiros (ilu-
minao), Ronald Teixeira (cenrio e figurino)
e Sacha Amback (direo musical).
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Lorca em Sutil Composio
Macksen Luiz Jornal do Brasil
Federico Garca Lorca Pequeno Poema Infinito,
em temporada na Caixa Cultural, no pretende
analisar a obra do poeta e dramaturgo espanhol,
mas captur-lo no voo libertrio do homem. No
roteiro, assinado pelo diretor Antonio Gilberto
e pelo ator Jos Mauro Brant, inclui-se palestra
de Lorca sobre Granada, a cidade sntese de
suas vivncias, sobretudo as da infncia, e mo-
tor potico de sua obra, alm de entrevistas,
poemas e canes, procurando fixar o presen-
te trmulo e alcanar a medula da msica.
A sonoridade que se extrai dessas palavras ad-
quire tom onrico em que o odor da terra e as
lembranas da morte e das injustias encharcam
sua voz de melancolia e indignao. A fria
contida, que se esconde por entre silncios de
hipocrisia, e o atordoamento pelos mistrios
das memrias surgem neste roteiro como uma
elegia s frestas do que o poeta pressentia em si.
O lago alucinante de vulgaridades em que
estamos mergulhados se contrape aos dias
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que deixamos de lutar contra os instintos, para
aprendermos a viver. Neste intervalo de senti-
mentos, Lorca aparece na compilao cnica da
dupla como um palestrante cheio de desejos e
impelido por caudal de palavras que expressam
um turbilho interior que se revela por desvos.
O diretor Antnio Gilberto desenhou monta-
gem sutil e delicada, sem procurar nfases ou
destacar momentos, preferindo se concentrar
nas palavras. A forma quase a de uma palestra
ilustrada em que se estabelece a comunicao
com o publico atravs do que se ouve. Mas nem
por isso a direo deixa de encenar o que dito.
O ator, um Lorca que transita pela conteno
da fala para ressoar a exploso verbal, evita
com o mesmo formalismo, to bem marcado
pelo figurino, qualquer tentao de criar uma
atmosfera andaluza. O despojamento, tanto do
roteiro quanto da interpretao, se estende
cenografia de Ronald Teixeira, que, usando cores
terrosas e dispondo de poucos elementos cnicos
(piso, painel e piano), preenche o espao com
discretas projees que se complementam pela
iluminao sensvel de Paulo Csar Medeiros.
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O diretor apenas no consegue resolver muito
bem a disposio do espao da Caixa Cultural,
concentrando as marcas com uma frontalidade
que privilegia apenas uma das trs reas ocupa-
das pelos espectadores.
Jos Mauro Brant se mantm em linha de atu-
ao quase expositiva assumindo o papel de
palestrante , contrabalanada pela intensidade
camuflada do poeta. O Lorca que o ator projeta
no busca a dramaticidade, mas a tenso inte-
rior, subjacente s palavras e, neste registro,
Jos Mauro Brant afaga o que o poeta escreveu.
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Ns Vamos e Granada Fica
Marcelo Mello, no site Aguarrs
Federico Garca Lorca Pequeno Poema In-finito, em cartaz no Teatro de Arena da Caixa Cultural, uma homenagem ao poeta e dra-
maturgo espanhol que d ttulo ao espetculo.
No exatamente retratando sua vida e obra, mas
tentando captar seu pensamento, seu esprito
suas memrias e sonhos, a ligao ntima com
sua gente, o seu amor s palavras, a admirao
pela cultura popular, particularmente, a msica,
e, antes de tudo, a relao visceral com Grana-
da, sua terra natal. Federico Garca Lorca, autor
de Romancero Gitano, livro de poemas, e de peas como Bodas de Sangue; Yerma; Dona Rosita, a Solteira; A Casa de Bernarda Alba; fundador do grupo La Barraca, nasceu em 1898
e morreu precocemente em 1936, assassinado
pela ditadura franquista durante a Guerra Civil
Espanhola, o que torna ainda mais contundente
sua contribuio humana e artstica.
O roteiro (sobre textos de Lorca: uma confern-
cia de 1933, fragmentos de entrevistas, poemas
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e canes) de Jos Mauro Brant e Antonio Gil-
berto, respectivamente intrprete e diretor do
espetculo, apresenta um Lorca sempre atento
para o que o rodeia, seja a natureza, sejam os
homens. Muito bem traduzido por Roseana
Murray, o texto valoriza a sonoridade e o poder
da linguagem, linha mestra da obra do poeta
espanhol. Revela tambm, em primeira mo,
alguns traos muito particulares de Lorca: o
contato com aquilo que o emociona a pobreza
de seu povo, a admirao pela bravura com que
sua gente enfrenta a misria, o respeito pela
arte popular, suas consideraes sobre a morte,
reflexes sobre o teatro e a poesia. Lorca exigia
do teatro uma grande fora vital e uma conexo
com o povo. Alertava os atores a serem como al-
guns professores, mantendo sempre uma atitude
digna e severa com seu ofcio, a pensarem no
apenas no hoje da bilheteria, mas no amanh,
no amanh, no amanh.
O espetculo um monlogo, no qual o nico
ator interpreta, canta e toca piano. Jos Mauro
tem domnio das palavras, sabe o que est fazen-
do e falando. Nada se perde do que dito e as
imagens sugeridas pelo texto se tornam concre-
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tas na interpretao de Brant. Talvez o grande
amor do ator pelo texto, seu grande apreo ao
autor, s vezes lhe deem um tom cerimonioso
com as palavras, respeitoso demais, e falte uma
maior embriaguez do intrprete, uma emoo
flor da pele. Em vrios momentos, essa febre
parece estar presente no ator, mas nem sempre
atinge o pblico. Jos Mauro transmite maior
carga dramtica quando canta e toca piano. Ali
transparece com mais clareza o combate interior
de uma alma emocionada que tem que se expres-
sar artisticamente e, portanto, deve aprender a
administrar seu excesso trgico. Como o prprio
Lorca revela, o poeta no sabe o que poesia e a
palavra deve se tornar carne viva. E viver deixar
de lutar contra os instintos. A direo musical de
Sacha Amback delicada, e as canes popula-
res do um toque muito especial ao espetculo,
facilitando o entendimento da alma do poeta e
recuperando o ambiente de Granada.
A cenografia e o figurino, assinados por Ronald
Teixeira, trazem cena o essencial: um tapete
de folhas, um tronco, um piano coberto por um
pano bordado com desenho de Lorca. Destoa,
no entanto, a presena de uma pequena rvore
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no canto da cena. Parece estranho um elemento
real dentro de um ambiente que apenas sugere,
nunca demonstra. Os olivais, j sugeridos pela
iluminao, no precisavam de um exemplo
to real como o vaso de planta. O ator veste
um terno claro, inspirado em fotografias do
prprio Lorca.
A direo opta por um tom delicado, sensvel e
sem estardalhaos. O grande mrito do roteiro
e direo devolver o valor linguagem, fun-
damental para as plateias de hoje que muitas
vezes esto atentas apenas ao que veem e nem
sempre ao que ouvem. O prlogo da pea traz
um convite para preparar os ouvidos e espantar
o tdio. Mesmo assim, ainda h uma dificuldade
inicial de interao do pblico com o que est
sendo dito no palco, mas o domnio do intrpre-
te, o auxlio luxuoso da msica e a interveno
expressiva da iluminao de Paulo Csar Medei-
ros contribuem para que o contato se realize. A
luz companheira de Jos Mauro em cena, com
focos recortados que s vezes sugerem trilhas,
projees que lembram os olivais, pequenas
lmpadas representando as estrelas, o azul que
traz a noite, as lamparinas que evocam a sim-
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plicidade, e um belo efeito que d uma sombra
qudrupla de Jos Mauro, quando Lorca est se
aproximando da morte, como se realmente
esse homem fosse um pequeno poema infinito.
O outono da morte roubou o frescor da sua face,
mas no assassinou o grande homem que ele
foi. Como o prprio poeta revela, vivemos nesse
mundo emprestados. Ns vamos e Granada fica.
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A Conscincia Potica de Garca Lorca
Latuf Isaias Mucci
Sea prxima o lejana, espaola o sarracena,
no hay ni una sola ciudad que se atreva con
Granada, la bonita, el premio de la belleza. Ni
ninguna que despliegue con ms gracia ms
bellos destellos de oriente bajo esfera ms se-
rena. (Vctor Hugo)
Em maro de 1930, Federico Garca Lorca (1899-
1936) vai a Cuba, a permanecendo at 13 de
junho do mesmo ano, onde saudado por Rafael
Surez Sols como o primeiro lrico da atualida-
de espanhola, um contexto no qual fulguram,
segundo o jornalista cubano, Alberti, Bergamn
e Salinas. O espetculo Federico Garca Lorca,
pequeno poema infinito, em cartaz, de 22 de
maro a 10 de abril, no Caixa Cultural, do Rio
de Janeiro, com direo de Antnio Gilberto e
interpretado por Jos Mauro Brant, confirma o
lirismo absoluto do dramaturgo do Romancero
gitano (1928), bem como sua atualidade na
cena da poesia universal. Artista plural dra-
maturgo, poeta, artista plstico, musicista , o
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mais famoso filho de Granada desejou transferir
para a literatura o mtodo musical de Manuel
de Falla, traduzindo, em sua poesia e drama, o
canto profundo do povo e fazendo convergir,
numa sntese maravilhosa, as correntes lricas da
Espanha, tanto na poesia popular de Lope de
Vega quanto no lirismo precioso de Gngora.
Fazendo feliz alquimia entre poesia, drama,
msica, o espetculo carioca apresenta e repre-
senta a arte visceral de Federico (nome como o
poeta gostava de ser chamado). Em cena, um
jovem ator, maduro na arte da representao
teatral, encarna, esplendidamente, o artista gra-
nadino, dando voz a seus poemas, fragmentos
de conferncia, cantando canes populares de
Espanha, executadas ao piano. Qual toureiro
que dana na arena do teatro, Jos Mauro Brant,
leitor inveterado de Mrio de Andrade, catalisa
sobre si todos os olhares da plateia, atenta e
atnita perante uma arte absoluta. Impossvel
no se envolver, sem temer o risco de se perder
para sempre, na corrente da poesia que emana
do texto e das canes. Estruturado a partir da
produo de Garca Lorca, o texto do espetculo
constitui-se numa amlgama de poesia e prosa,
teoria sobre o teatro, reflexes sobre a potica,
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teorizao sobre o fazer potico, narrativa em
torno da cidade de Granada, configurando, ao
fim e ao cabo, uma mandala que, alm de se-
duzir, intensamente, o espectador, f-lo refletir
sobr