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AULA Nº 11 – Genética BacterianaAULA Nº 11 – Genética Bacteriana
Mecanismos de variabilidade nos procariontes
Detecção e isolamento de mutantes
Mutações e as suas bases químicas
Mecanismos de acção dos mutagéneos
Mecanismos de reparação do DNA
Uso de mutantes em testes de carcinogénese
Como é que as bactérias evoluem, sendo organismos procariontes?
Para os organismos viverem com estabilidade, é necessário que a sequência de
nucleótidos dos genes não sofra alterações em grande extensão. Contudo, alterações na
sequência dos genes podem ocorrer e resultar em alterações no fenótipo. Estas
alterações podem ser prejudiciais mas as que não o são, são muito importantes para
gerar variabilidade e contribuir, assim, para o processo de evolução dos
microrganismos.
Evolução requer variabilidade
Requerendo a evolução variabilidade, face a uma mudança brusca no meio
ambiente, as bactérias e outros microrganismos possuem um conjunto de mecanismos
geradores de alterações genéticas que conduzem a variantes, fornecendo-lhes assim a
possibilidade de ultrapassar situações que ponham em risco a sua sobrevivência. As
variantes com características que melhor se adaptam à nova situação são seleccionadas e
sobrevivem em detrimento das menos adaptadas.
Os principais mecanismos que geram variabilidade, contribuindo assim para a
evolução dos microrganismos são, então:
Variações no Genótipo:
- Mutações
- Recombinações
- Aquisição de novos genes
- Rearranjos intramoleculares (translocação e inversão)
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Variações no Fenótipo (características visíveis):
- Indução enzimática
As recombinações do DNA e as mutações são os mecanismos que mais contribuem para
a evolução.
Fenótipos úteis em Genética Bacteriana
Sabe-se que, mudanças na estrutura das proteínas podem levar a mudanças nas
suas funções que, por sua vez, podem alterar o fenótipo de um organismo (as suas
propriedades visíveis). O fenótipo de um microrganismo pode ser então afectado de
diferentes maneiras.
Mutações morfológicas modificam a morfologia (forma) da colónia ou da célula do
microrganismo.
Figura 1 – Aspecto das colónias.
Esta figura evidencia como o aspecto das colónias da
mesma bactéria é diferente consoante se trate de um
WT (wild type) – organismo não mutante – ou de um
organismo mutante.
NOTA: Wild type (WT) é a forma prevalente de um gene e o seu fenótipo associado.
Mutações letais, quando expressas, resultam na morte do microrganismo.
Mutações condicionadas, são as que são expressas apenas em determinadas condições
ambientais, por exemplo, mutações de letalidade condicionada na E. Coli, podem ser
expressas a altas temperaturas, mas não a baixas temperaturas; esse hipotético mutante
(termossensível) crescerá então normalmente a baixas temperaturas, mas a altas
temperaturas poderá morrer. Utilizam-se mutantes termossensíveis quando se quer
atingir um gene que é essencial à integridade e viabilidade da célula. Ex. gene da DNA
polimerase.
Mutações bioquímicas são mutações que causam uma mudança na bioquímica da célula,
causando frequentemente deficiência ou mesmo inactivando uma via biossintética da
bactéria, ou seja, é eliminada a capacidade da bactéria sintetizar uma macromolécula
essencial, como aminoácidos ou nucleótidos. Os microrganismos que sofrem esta
alteração são chamados mutantes auxotróficos, dizem-se auxotróficos para a molécula
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que não conseguem sintetizar. Têm um fenótipo condicionado: não crescem num meio
sem a molécula que não sintetizam, mas crescem num meio em que essa molécula esteja
presente. Um outro tipo de mutantes bioquímicos são os chamados mutantes
resistentes. Estes organismos sofrem mutações e adquirem resistência a agentes
antimicrobianos, como antibióticos.
Mutantes auxotróficos e mutantes resistentes são muito importantes para a
genética microbiana devido à facilidade da sua selecção e da sua relativa abundância.
ESQUEMA RESUMO:
Fenótipo (características visíveis)
Afectado de diferentes maneiras, devido a mutações
Mutações morfológicas : alteração do aspecto das colónias
Mutações de letalidade condicionada : expressas apenas em determinadas
condições; dependendo das condições, ou se desenvolvem, ou morrem (fenótipo
condicionado)
Quando se quer atingir um gene que é essencial à integridade e viabilidade da
célula
Mutações bioquímicas :
Detecção, Selecção e Isolamento de mutantes
Mutantes auxotróficosFenótipo condicionado à presença ou ausência da macromolécula não sintetizada
Mutantes resistentes a agentes antimicrobianos
Muito importantes na genética bacteriana
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Gerar e isolar microrganismos mutantes revela-se muito importante, pois o seu
uso e estudo no laboratório e na indústria é de grande interesse.
As bactérias são excelentes modelos para estudar os mecanismos moleculares
subjacentes ao aparecimento de mutações, devido ao facto de serem organismos
haplóides, isto é, possuem uma única cópia de cada um dos genes que formam o seu
genoma. Assim, qualquer mutação adquirida é imediatamente expressa na geração
descendente conduzindo directamente a uma alteração fenotípica, ou seja, uma mudança
de uma característica observável numa espécie, como já foi referido.
Para se estudarem os microrganismos, primeiro têm de ser detectados, depois
isolados eficientemente dos organismos wild type e de outros mutantes sem interesse.
Passa-se agora à descrição de algumas técnicas usadas na sua detecção, selecção e
isolamento.
Como o código genético é degenerado, há mutações que não modificam as
propriedades de uma estirpe bacteriana. A detecção de mutantes numa população
bacteriana requer que as alterações operadas no património genético determinem
mudanças no fenótipo.
Quando se pretende recolher mutantes de um determinado microrganismo, é
necessário á partida, as suas características normais – as características do wild type –
para assim se reconhecer o fenótipo alterado. Os sistemas de detecção nos procariontes
e outros microrganismos haplóides têm de ser simples, porque a mutação tem de ser
detectada imediatamente.
Os mutantes podem ser detectados muitas vezes de uma forma directa – através
da observação visual da cor da colónia, ou de uma forma mais complexa, como é o caso
da técnica utilizada para detectar e isolar mutantes auxotróficos. Esta técnica permite a
distinção entre mutantes e linhagem wild type, tendo por base a sua capacidade de
crescimento na ausência de um produto final biossintético particular. (Figura 2)
Os mutantes lisina auxotróficos, como não têm a capacidade de sintetizar o aminoácido
lisina, não vão crescer num meio mínimo sem lisina (meio sem quantidades adequadas
de lisina) mas vão crescer num meio mínimo com este aminoácido.
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Figura 2 – Isolamento de mutantes auxotróficos. (Lisina negativos)
Como se procede então para isolar os mutantes lisina auxotróficos?
Geram-se os mutantes tratando a cultura com um agente mutagénico;
Semeia-se a cultura contendo mutantes auxotróficos e WT numa caixa de Petri
com meio completo e deixa-se incubar;
Depois das colónias se desenvolverem, coloca-se um veludo estéril na superfície
da caixa de Petri e transferem-se as bactérias para duas caixas de Petri
diferentes. As bactérias são semeadas para as duas caixas na mesma posição que
se encontravam na primeira placa;
Após incubação, verifica-se que há colónias que cresceram no meio mínimo com
lisina, mas que não cresceram no meio mínimo sem lisina – são lisina negativas
(mutantes);
Determina-se então a localização destes mutantes (Lys -) e são depois isolados.
A colheita dos mutantes efectuada após a sua detecção, pode apresentar alguns
problemas práticos, pelo que se deve recorrer a eficientes sistemas de selecção, que
utilizam factores ambientais para separar os mutantes da linhagem wild type. Estes
métodos de selecção envolvem, muitas vezes, o desenvolvimento de resistência ao
stress ambiental ou mutações reversas.
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As técnicas utilizadas para efectuar a selecção envolvem condições de incubação
que favorecem o crescimento do mutante, enquanto que o wild type não é favorecido.
Muitas vezes, as células wild type são susceptíveis ao ataque de vírus (Figura 3), ou ao
tratamento com antibióticos (Figura 4), sendo assim possível fazer crescer a bactéria na
presença de um desses agentes e observar microrganismos sobreviventes.
Figura 3 – Resistência aos Bacteriófagos.
Bacteriófagos (Fagos) são vírus que lisam e
portanto, matam as bactérias. Ao expor-se
uma cultura de E.Coli num meio contendo
o agente selector Fago T2 e incubando-se
depois, verifica-se que resistem 4 clones -
são os mutantes resistentes a esse fago.
Considerando o exemplo de bactérias wild type sensíveis ao antibiótico
estreptomicina:
Como se procede para seleccionar mutantes resistentes a esse antibiótico?
Figura 4 – Mutantes resistentes ao
antibiótico estreptomicina.
Coloca-se em contacto com o antibiótico (estreptomicina neste caso) a cultura de
microrganismos contendo mutantes resistentes ao mesmo; morrem todas as
colónias excepto as resistentes ao antibiótico;
Faz-se a selecção positiva dos mutantes bacterianos com um agente de selecção
– estreptomicina - ou seja, põe-se de novo em contacto o antibiótico com os
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Mutantes resistentes à estreptomicina
mutantes resistentes ao mesmo e incuba-se. Apenas se desenvolve a linhagem de
microrganismos que não reverteu à mutação, ou seja, apenas se desenvolvem os
microrganismos que continuaram com a mutação após contacto sucessivo com o
antibiótico – são os resistentes ao mesmo. Assim, seleccionam-se os mutantes
resistentes em detrimento dos mutantes que, nalguma geração, reverteram à
mutação, ou seja, nalguma geração deixaram de a ter.
Esta técnica é importante na Quimioterapia, uma vez que, como é sabido, não se deve
abusar dos antibióticos pois, como demonstrado nesta técnica, ao expor-se o antibiótico
aos microrganismos de um modo sucessivo, vão-se eliminando os que não são
resistentes, ficando apenas os que resistem, que poderão então crescer e multiplicar-se
de uma forma mais eficaz.
Também pode ser utilizada esta técnica de selecção no isolamento de reversíveis
à lisina auxotróficos (Lys -). Coloca-se uma população destes microrganismos num
meio sem lisina e deixa-se incubar. Examinando depois o desenvolvimento e formação
das colónias, verifica-se que apenas as células que reverteram à mutação cresceram,
pois têm a capacidade de sintetizar lisina.
Teste de flutuação
As mutações ocorrem independentemente ou dependentemente do agente
selector?
Será que é necessário o contacto com o agente selector para surgir a mutação, ou esta
surge espontaneamente, acontece?
Para se saberem estas respostas realiza-se o teste de flutuação.
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Figura 5 – Teste de Flutuação: 1a experiência (controlo) e 2a experiência.
1a experiência:
Tem-se um caldo de bactérias do qual se tiram alíquotas iguais e semeiam-se
em vários meios iguais com o mesmo agente selector (Fago T1);
Incuba-se. Após incubação, observa-se que houve formação de colónias, mas
a sua quantidade é constante ao longo de todas as placas, ou seja, houve
pouca flutuação no número de colónias.
2a experiência:
Em vários tubos coloca-se a bactéria, onde a replicação de cada um é
independente;
Fazem-se espalhamento dos tubos onde existe 109 bactérias para caixas com
fago T1;
Incuba-se.
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Após incubação obtém-se uma flutuação do número de colónias resistentes nas
caixas. Não se obtém o mesmo resultado em todas as caixas ou seja, o resultado é
diferente em cada tubo. Isto mostra então que as mutações ocorrem
independentemente do contacto com o agente selector (neste caso o fago T1). Não é
por não haver contacto com o agente selector que deixa de haver mutações de
resistência.
Então, a que se deve a variação?
As mutações ocorrem espontaneamente aquando da a replicação do DNA durante o
crescimento. São variáveis, aleatórias, não precisam do agente selector, é uma
questão de probabilidade. Neste caso, ocorreram várias mutações de 103 bact./mL
para 109 bact./mL.
Figura 6 – Teste de
flutuação. Quanto mais
cedo ocorre a mutação,
maior será o número
de mutantes nas
caixas.
O que são então MUTAÇÕES?
Mutações são alterações na sequência nucleotídica de um gene, que ocorrem
espontaneamente durante o processo de replicação do DNA. Estas alterações são
permanentes, constantes (não são fugazes) e podem ser hereditárias (se não fossem
permanentes não poderiam ser hereditárias).
Taxa de mutação é o número de mutações de um fenótipo particular que ocorreram
numa cultura em crescimento, dividido pelo número total de gerações celulares
(divisões) no mesmo intervalo de tempo.
TM = número de bactérias resistentes (mutantes) /Número de gerações celulares
ou
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a – taxa de mutação
m – número médio de mutações que ocorreram na cultura
N – número total de divisões celulares
O conceito de taxa de mutação é muito importante porque nos dá a probabilidade
de ocorrência de mutações. Perceber esta probabilidade é também muito importante
para detectar bactérias resistentes a um antibiótico e prever, assim, a sua eficácia.
Se a probabilidade é baixa, o antibiótico é bom, se por outro lado, a probabilidade de
ocorrência de mutações é elevada, o antibiótico não é muito bom. Conclui-se assim que
a taxa de mutação é muito útil para se avaliar a performance de um futuro antibiótico.
Mutações e as suas bases químicas
Substituição de um par de bases
Mutações “frameshift”
As mutações eram inicialmente caracterizadas como alterações nos fenótipos
relativamente ao WT, mas actualmente são entendidas a um nível molecular.
Há vários tipos de mutações. Algumas, apenas causam pequenas alterações no DNA,
por ex. afectando apenas um par de bases do nucleótido numa dada localização. Existem
outras mutações que causam alterações maiores no DNA, mas são menos comuns. Estas
últimas incluem: inserções, delecções, inversões, duplicações e translocações de
sequências de nucleótidos.
As mutações ocorrem espontaneamente e podem ser devidas a erros na
replicação do DNA ou à acção de elementos móveis do DNA, como transposões.
Vão ser focados agora os mecanismos que mais prevalecem.
Substituição de um par de bases
As substituições de pares de bases resultam:
De emparelhamentos incorrectos devido ao tautomerismo das bases
De desaminação das bases no DNA – remoção de um grupo amina
De oxidação das bases – formação de 7,8 –dihidro – 8 – oxoguanina (8 – oxoG)
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Figura 7 – Bases púricas e pirímidicas.
As bases azotadas do DNA, constituintes dos nucleótidos, são
- Adenina e Guanina, designadas por bases púricas, por apresentarem uma estrutura
molecular de anel duplo.
- Timina e Citosina, designadas por bases pirimídicas, por apresentarem uma
estrutura molecular de anel simples.
As ligações entre as duas cadeias da molécula de DNA fazem-se por pontes de
hidrogénio. A Adenina liga-se à Timina através de duas pontes de hidrogénio e a
Guanina liga-se à Citosina por três pontes de hidrogénio.
Emparelhamento incorrecto devido ao tautomerismo das bases
Tautomerismo é uma relação entre dois isómeros estruturais em equilíbrio
químico que rapidamente mudam um para o outro.
As bases podem apresentar duas formas estruturais diferentes, o que pode
provocar erros no emparelhamento. Estes erros na replicação, ocorrem quando uma
base de um nucleótido da molécula padrão adquire uma rara forma tautomérica.
As bases existem tipicamente na forma cetónica, no entanto, podem por vezes
adquirir a forma imínica (A e C) ou enólica (T e G) (Figura 8a)).
Estas alterações tautoméricas podem modificar as características das ligações de
hidrogénio entre as bases, permitindo substituições de purina por purina ou
pirimidina por pirimidina, que podem eventualmente conduzir a uma alteração
estável da sequência de nucleótidos. (Figura 8b)). Estas substituições são
conhecidas por mutações de transição e são relativamente comuns, embora na
maioria dos casos sejam reparadas por funções checkpoint.
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Figura 8 –
a) Tautomerismo e mutações de transição.
Normalmente, os pares AT e GC são formados quando os grupos ceto participam nas pontes de
hidrogénio. Em contraste, na rara forma enólica da Timina, esta forma pontes de hidrogénio com a
Guanina em vez da Adenina (e o mesmo se passa com a rara forma enol da Guanina). Na forma
imínica da Adenina, esta base forma pontes com a Citosina em vez da Timina (o mesmo se passa
com a Adenina).
b) Erros na
replicação
devido ao
tautomerismo das bases.
Mutações como consequência do tautomerismo durante a replicação do DNA. A enolização
temporária da Guanina leva à formação do par de bases A-T no mutante, ocorrendo uma mutação de
transição; a guanina (na forma enol) emparelha com a Timina em vez da citosina. Este processo
requer dois ciclos de replicação; a mutação apenas ocorre se o par de bases anormal G-T na 1 a
geração não for reparado por funções checkpoint.
Desaminação das bases no DNA
Também pode ocorrer a desaminação das bases no DNA, por remoção de um
grupo amina (NH3), causando assim o emparelhamento incorrecto dos pares de
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bases, resultando em mutações de transição no ciclo seguinte de replicação. (Figura
9).
Figura 9 - Desaminação das bases no DNA
A desaminação da citosina causa um
emparelhamento incorrecto das bases resultando
numa mutação de transição de CG para TA, no
ciclo seguinte de replicação
Oxidação das bases
Outras lesões são causadas por formas reactivas do Oxigénio, como os radicais
livres deste elemento e os peróxidos produzidos durante o metabolismo aeróbio.
Estes podem alterar as bases do DNA e causar mutações. Por exemplo, a Guanina
pode ser convertida (por formas reactivas do Oxigénio) em 7,8 – dihidro – 8 –
oxoguanina (8 – oxoG), que emparelha com a Adenina em vez da Citosina durante a
replicação resultando numa mutação de transição (GC – AT).
Figura 10 – Oxidação de bases - formação de 7,8 – dihidro – 8 – oxoguanina.
As formas reactivas do oxigénio oxidam a Guanina formando o 8 – oxoG que causa emparelhamento
incorrecto das bases resultando em mutações.
Consequências da substituição de um par de bases ao nível das
proteínas
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Os efeitos de uma mutação devido á substituição de um par de bases podem ser
descritos ao nível das proteínas. Estes efeitos são visíveis apenas se produzirem uma
mudança no fenótipo.
As mutações nos genes que codificam as proteínas podem afectar a sua estrutura
de diferentes maneiras.
Os tipos mais comuns destas mutações são:
- Mutações silenciosas
- Mutações de sentido falso
- Mutações sem sentido
- Mutações neutras
As mutações silenciosas alteram uma sequência de nucleótidos de um codão, mas
não alteram o aminoácido que é codificado por esse codão. Isto é possível devido ao
facto de o código genético ser degenerado. Como consequência, quando há mais do que
um codão para um determinado aminoácido, uma substituição de um par de bases pode
resultar na formação de um novo codão para o mesmo aminoácido. Por exemplo se o
codão CGU se alterar para CGC, este irá codificar na mesma para o aminoácido
arginina, apesar da mutação ter ocorrido. Este tipo de mutação pode apenas ser
detectado ao nível do DNA ou do mRNA; quando não há alteração ao nível das
proteínas, não há alteração ao nível do fenótipo do organismo, mesmo tendo ocorrido
uma mutação.
As mutações de sentido falso (“missense”) (Figura 11), envolvem uma
substituição de uma base que vai fazer com que o codão resultante codifique um
aminoácido diferente. Por exemplo, o codão GAG, que é específico para o aminoácido
glutamina, pode ser alterado para GUG, que codifica para a valina.
Este tipo de mutações alteram a estrutura das proteínas, no entanto, os efeitos desta
alteração podem variar. Isto porque, o efeito destas mutações na função das proteínas
depende do tipo e da localização da substituição do aminoácido. Por exemplo, a troca de
um aminoácido apolar no interior de uma proteína com um aminoácido polar, pode
drasticamente alterar a estrutura tridimensional da proteína e consequentemente a sua
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Tabela 1 - Consequências da substituição de um par de bases ao nível das proteínas.
função. Da mesma forma, a troca de um aminoácido crítico no local activo de um
enzima, poderá destruir a sua actividade. Contudo, a troca de um aminoácido polar por
outro, na superfície da proteína, pode não causar efeito algum ou, no caso de acontecer,
ser praticamente imperceptível.
Figura 11 – Substituição de um
par de bases – consequências ao nível
das proteínas: Mutação de sentido
falso.
A substituição de uma base (de A
por G) vai alterar o codão que vai
codificar para um aminoácido
diferente. Neste caso, em vez de
codificar para a isoleucina, vai
codificar para o aminoácido valina.
Este tipo de mutações, actualmente, tem um papel importante para a variabilidade e
portanto para a evolução, porque muitas vezes não são letais, e assim permanecem
no genótipo da espécie.
As mutações sem sentido (“nonsense”) (Figura 12) são resultado de alterações
pontuais no DNA que convertem um codão que codifica para um determinado
aminoácido, num codão “stop” no RNA (UAG, UAA ou UGA), ou seja, introduzem
um triplet de terminação da tradução (UAG, UAA ou UGA), provocando uma
antecipada terminação da tradução. Como consequência, é sintetizado um
polipéptido mais pequeno.
São chamadas mutações sem sentido porque convertem um codão com sentido
num codão sem sentido ou num codão de terminação (ambos interrompem a
tradução, por não especificarem para nenhum aminoácido).
Dependendo da posição relativa da mutação, o fenótipo pode tornar-se mais ou
menos afectado. Muitas proteínas permanecem com alguma função mesmo sem um
ou dois aminoácidos; a completa perda da função resulta normalmente da ocorrência
da mutação perto do início ou no meio do gene.
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Figura 12 - Substituição de um
par de bases – consequências ao
nível das proteínas: Mutação sem
sentido.
A introdução de um codão de
terminação provoca o fim antecipado
da tradução, e consequentemente a
proteína traduzida é mais pequena.
As mutações neutras ocorrem por substituição de uma base por outra, resultando num
triplet que codifica para um aminoácido equivalente; ou seja, um aminoácido com a
mesma carga. Por exemplo, de AAA (Lys) para AGA (Arg), em que a substituição da
adenina pela guanina resulta num triplet que codifica para um aminoácido equivalente.
Por isto, o portador destas mutações não é afectado, contribuindo, assim, estas mutações
para a evolução.
Mutações “frameshift”
Nas mutações “frameshift” não há troca de bases, mas sim inserção ou delecção
de 1,2,4 ou 5 pares de bases (mas não múltiplos de 3) alterando os quadros normais de
leitura e produzindo proteínas ineficazes, anormais. (Figura 13). Deste modo, a
reorganização da sequência de nucleótidos do DNA codificados em triplets vai dar
origem a uma nova sequência de codões diferentes, sem relação com a sequência de
codões original. Consequentemente, a composição em aminoácidos da proteína
codificada é diferente, a partir do local em que ocorreu a mutação. Verifica-se também
que o novo reagrupamento dos nucleótidos em codões origina um codão “stop” que vai
interromper prematuramente a formação da proteína.
Estas proteínas, vão ser então mais pequenas e diferentes na composição em
aminoácidos. No entanto, se a mutação ocorrer perto do fim do gene, o efeito no
fenótipo pode não ser drástico.
16
Figura 13 – Mutações “frameshift”.
Neste caso, a mutação “frameshift” resultou da
inserção de um par de bases (GC). A grelha de
leitura do RNAm produz um péptido diferente
após a adição.
A inserção e delecção acontecem,
por vezes, por escorregamento da
cadeia em formação sobre o DNA
molde. Quando o escorregamento
tem lugar na cadeia DNA molde,
ocorre delecção de bases, quando
ocorre na cadeia que está a ser
sintetizada, vai haver inserção de
bases. (Figura 14)
Figura 14 – Mutações “frameshift”
Agentes mutagénicos
As mutações ocorrem espontaneamente, mas a probabilidade de ocorrerem pode
ser agravada por certos agentes mutagénicos, físicos ou químicos; estas mutações são
denominadas mutações induzidas, em contraste com as faladas anteriormente, que são
espontâneas.
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Os agentes mutagénicos são muito utilizados em Bacteriologia para a
identificação de mutações, devido ao facto de aumentarem a probabilidade destas
ocorrerem.
Virtualmente, qualquer agente que directamente cause danos no DNA, que altere
a sua estrutura, ou, de algum modo, interfira com o seu funcionamento, poderá induzir
mutações. Os mutagénios podem ser classificados de acordo com o seu modo de acção,
e criam lesões em todo o tipo de células, quer sejam procariotas ou eucariotas.
Os agentes mutagénicos, como já foi referido, podem ser físicos ou químicos.
Existem três tipos de agentes químicos:
Análogos das bases
- 5 – Bromo – uracilo
Agentes modificadores do DNA
- Agentes alquilantes – Metil – nitrosoguanidina
- Ácido nitroso
Agentes intercalantes
- Acridinas
- Brometo de etidium
Quanto aos agentes físicos que danificam o DNA
Agentes destruidores da estrutura das bases
- raios UV
- aflotoxina B1
- benzopireno
Análogos das bases
Os análogos das bases são moléculas similares às bases azotadas normais, como
o 5 – bromo – uracilo. Podem ser incorporadas na cadeia polinucleotídica em
crescimento, durante a replicação. Uma vez inseridos na cadeia, exibem, normalmente,
propriedades de emparelhamento diferentes das das bases que substituem e podem
eventualmente, conduzir a uma mutação estável.
Um agente mutagénico análogo de bases muito utilizado é o 5 – bromo – uracilo
(5 – Bu), como análogo da Timina. Este sofre tautomerização (da forma normal
cetónica para a forma enólica) com muito mais frequência que as bases normais.
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O Uracilo na sua forma normal cetónica, liga-se à Adenina, mas na forma enólica liga-
se à guanina. Modifica-se, assim, o emparelhamento AT para GC devido às formas
tautoméricas do 5 – Bromo – Uracilo. (Figura 15 b))
Figura 15 a) – Mutagénese pelo 5 – Bromo – uracilo.
Emparelhamento da forma normal keto do 5 – Bu com a Adenina e da forma enólica com a guanina em
vez da Adenina.
Figura 15 b) - Mutagénese
pelo 5 – Bromo – uracilo.
Quando a forma cetónica do 5
– Bu é incorporada, em vez da
base Timina, vai ocorrer
tautomerização para a forma
enol e ocorre em consequência,
uma mutação de transição (AT
para GC).
Agentes modificadores do DNA
Estes agentes mutagénicos mudam a estrutura da base e consequentemente
alteram as suas características de emparelhamento. Alguns agentes mutagénicos deste
tipo actuam de um modo selectivo, reagem preferencialmente com algumas bases e
produzem um dano específico no DNA.
Um exemplo é Metil – nitrosoguanidina, que é um agente alquilante que
adiciona grupos metil à Guanina, fazendo com que esta emparelhe com a Timina.
Uma subsequente replicação poderá resultar numa mutação de transição (GC para AT).
(Figura 16).
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Figura 16 – Agente modificador do DNA: Mutagénese pela Metil – nitrosoguanidina.
Outro exemplo de um agente modificador do DNA é o ácido nitroso. Este, retira
os grupos amina da citosina e esta passa a Uracilo que, por sua vez, se liga à adenina em
vez da Guanina. Há uma mutação de transição portanto, de CG para TA.
Figura 17 – Agente modificador do DNA:
Mutagénese pelo àcido nitroso – desaminação.
Agentes intercalantes
Estes agentes induzem distorções no DNA por inserção ou delecção de um único
par de nucleótidos. Colocam-se entre as bases e afastam as duas cadeias de DNA
distorcendo-o, o que resulta numa mutação. Outros exemplos de agentes intercalantes
são acridinas e brometo de etidium.
Agentes destruidores da estrutura das bases
Estes agentes danificam directamente a estrutura das bases; as pontes de
hidrogénio são destruídas, e a lesão no DNA é tão grave que a replicação é inibida.
Por exemplo, por acção dos raios UV (Figura 18), duas Timinas juntas (na mesma
cadeia) que normalmente emparelham com Adeninas, ligam-se entre si por pontes de
hidrogénio (dímeros de timina) e deixam de se ligar às bases complementares. Quando
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isto acontece, a replicação pára automaticamente. Outros exemplos de agentes
destruidores das bases são aflotoxina B1 e benzopireno.
Figura 18 – Agentes destruidores da estrutura das bases - dímero de Timinas formado por acção dos
raios UV.
Sistemas de reparação do DNA
As células desenvolveram vários mecanismos de reparação do DNA. Muitas
vezes, o DNA danificado é reparado evitando a permanência da mutação.
Se o ciclo de replicação do DNA se iniciar antes da lesão ter sido reparada, a
mutação torna-se estável. Assim, os microrganismos têm de estar aptos a reparar as
alterações que poderão ocorrer na sequência do DNA e que poderão ser letais.
Estar apto a fazer essas reparações é possuir mecanismos apropriados para essa
função.
Existem vários sistemas de reparação do DNA:
“Proofreading”;
Reparação de desemparelhamento dirigida por grupos metilo;
Reparação de bases desaminadas;
Fotoreactivação (fotoliase);
Reparação por excisão;
Reparação por recombinação;
Sistema SOS.
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“Proofreading” é um sistema de reparação que se deve à capacidade que a DNA
polimerase tem de voltar atrás na cadeia quando se forma uma mutação, reparando-a,
seguindo depois a sua actividade normal. Esta enzima tem, portanto, a capacidade de
remover um nucleótido incorrecto imediatamente após a sua adição à cadeia em
crescimento.
Reparação de desemparelhamento dirigida por grupos metilo
Apesar do contínuo “proofreading”, pode continuar a haver erros durante a
replicação do DNA. As bases erradas introduzidas durante a replicação que a DNA
polimerase não detecta, são detectadas e reparadas por este tipo de sistema. Este sistema
repara pequenos erros (~1 par de bases).
O enzima Mut S reconhece o novo DNA (errado) que está a ser replicado,
enquanto que outro enzima, Mut H, se liga a essa porção da cadeia nova e corta-a. A
DNA polimerase e a DNA ligase preenchem depois a porção que foi cortada.
O sucesso deste sistema de reparação depende da habilidade dos enzimas Mut S
e Mut H para distinguirem, entre a nova cadeia de DNA que está a ser sintetizada e a
DNA molde. Esta distinção é possível porque a nova cadeia que está a ser sintetizada
não possui grupos metil nas bases, enquanto que a cadeia de DNA molde tem grupos
metilo nas bases de ambas as cadeias. Assim, o enzima Mut S reconhece a zona
metilada do DNA (GATC) e a Mut H liga-se a essa sequência, cortando a cadeia não
metilada (cadeia nova). Após a reparação, há transferência de um grupo metilo para a
cadeia recém reparada, permitindo o emparelhamento.
Fotoreactivação (fotoliase)
Os dímeros de timina, formados por acção da radiação UV (agente mutagénico
físico) e as bases alquiladas por acção de agentes alquilantes (químicos), são muitas
vezes corrigidos por reparação directa.
A fotoreactivação é a reparação dos dímeros de timina através da clivagem das
duas pontes entre o dímero, provocando a separação das timinas com a ajuda da luz
visível numa reacção fotoquímica catalizada pelo enzima FOTOLIASE. (Figura 19 a))
Os grupos metilo e outros grupos alquilo podem ser removidos da guanina com a
ajuda de um enzima – alquiltransferase – (Figura 19 b)).
Este dano na guanina provocado por agentes mutagénicos, como a metil-
nitrosoguanidina, pode assim ser reparado directamente.
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Figura 19 – Reparação directa.
a) Reparação dos dímeros de timina pela
fotoliase.
b) Reparação da metilguanina pela transferência
do grupo metilo para a alquiltransferase.
Reparação por excisão
É um sistema de reparação geral que corrige erros que provocam distorções na
dupla hélice. Distinguem-se 2 tipos de reparação por excisão: reparação por excisão de
nucleótidos e reparação por excisão de bases. Distinguem-se pelos enzimas usados para
corrigir os danos no DNA, no entanto, usam a mesma forma de reparação: removem a
porção de DNA danificado da cadeia e utilizam a cadeia complementar intacta como
molde para a síntese do novo DNA.
Este sistema pode reparar praticamente todas as lesões por distorção do DNA.
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Reparação por recombinação
Este tipo de reparação corrige os danos do
DNA quando ambas as bases estão em falta ou
danificadas, ou se há um “gap” por lesão
(lacuna na cadeia de DNA). Neste tipo de
reparação, a proteína RecA vai cortar uma peça
da cadeia de DNA molde da molécula irmã
(não mutada) e coloca-a na “gap” de forma a
reparar a zona danificada. (Figura 20). Embora
as bactérias sejam haplóides, uma outra cópia
do DNA danificado está disponível, pois foi
recentemente replicada, ou porque a célula está
a crescer rapidamente e como o tal, tem mais
que uma cópia do seu cromossoma. O dano
remanescente pode posteriormente ser reparado
por outros sistema de reparação.
Figura 20 – Reparação por recombinação.
Processo de reparação SOS
Apesar de existirem muitos sistemas de reparação, por vezes o dano no DNA do
organismo é tão grave que estes sistemas, descritos anteriormente, não são capazes de
reparar o erro completamente. Nestes casos, em que a célula está em perigo de não
funcionar devido ao aparecimento de mutações, a síntese do DNA pára completamente,
e o sistema SOS é activado. Este sistema é complexo, e é um exemplo de regulão.
A resposta deste sistema é dependente da actividade da proteína RecA. Esta
proteína reguladora liga-se à zona lesada do DNA, cliva-a e assim inicia a reparação por
recombinação (descrita atrás). Simultaneamente, a proteína RecA exerce uma função
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proteolítica que destrói a proteína repressora LexA. Esta proteína repressora regula
negativamente a função de muitos genes envolvidos na síntese e reparação do DNA
(liga-se a estes e impede a sua expressão). Assim, os primeiros genes a serem transcritos
são os que codificam para as proteínas Uvr (necessárias para a reparação por excisão),
bem como os genes envolvidos na reparação por recombinação. Para dar tempo para a
célula reparar o DNA, a proteína SfiA é também produzida; SfiA bloqueia a divisão
celular.
Este sistema é denominado de sistema SOS porque é activado numa situação de
vida ou morte para a célula; se este sistema falhar, a célula morre.
Este processo de reparação é muito propenso a erros que podem levar a novas
mutações, no entanto, o risco de morte da célula devido às falhas na replicação, é maior
do que o risco causado por possíveis mutações geradas por esse processo. Este, constitui
assim, uma das causas de variabilidade.
Figura 21 – Processo de reparação SOS.
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Teste de mutagenicidade de AMES
Um maior entendimento dos mecanismos que induzem as mutações e o cancro,
têm estimulado esforços para a identificação de carcinogéneos ambientais. A
observação de que muitos agentes carcinogénicos também são mutagénicos, é a base
para a detecção de potenciais carcinogéneos pelo teste de mutagenicidade, ao mesmo
tempo que se adquire vantagem nas técnicas de selecção bacterianas.
O teste de Ames desenvolvido por Bruce Ames em 1970, tem sido muito usado
para testar carcinogéneos; é um ensaio de reversão de mutações utilizando algumas
espécies de Salmonella enterica, tendo cada uma delas uma diferente mutação no meio
com histidina.
Este teste (Figura 22) consiste
em fazer uma cultura de, por
exemplo, auxotróficos de
histidina (Salmonella
Typhimurium) que são
incapazes de sintetizar
histidina. Esta cultura é
semeada para dois meios: no
meio A, existe uma quantidade
mínima de histidina; no meio B
existe uma quantidade mínima
de histidina mais o agente
mutagénico em estudo.
Após incubação por 2 ou 3 dias a 37ºC: Figura 22 – Teste de Ames.
nas primeiras horas, verifica-se que houve crescimento de todos os auxotróficos
de histidina, pois existia ainda histidina no meio;
quando a histidina acaba, apenas os revertentes que readquiriram a capacidade
de sintetizar histidina continuaram a crescer e produziram colónias visíveis. As
colónias que sobreviveram no meio A, são colónias de microrganismos
designados
revertentes espontâneos,uma vez que adquiriram espontaneamente a mutação
que lhes permitiu sintetizar histidina. As que sobreviveram no meio B (maior
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quantidade), são de microrganismos que se dizem revertentes induzidos pois a
mutação foi adquirida através do agente mutagénico.
A mutagenicidade pode ser avaliada por comparação com a percentagem de revertentes
espontâneos: quanto maior o número de colónias, maior a mutagenicidade da
substância.
Bibliografia usada para a aula nº 11:
Slides das Teóricas
Apontamentos da respectiva aula
Prescott, Harley, and Klein’s MICROBIOLOGY , de Joanne M. Willey, Linda
M. Sherwood e Christopher J. Woolverton, Edição Internacional – 5ª edição,
McGrawHill, Cap. 13
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