routes that lead to the courts: careers and recruitment patterns for brazilian supreme court...

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131 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, n. 30, p. 131-149, jun. 2008 André Marenco dos Santos CAMINHOS QUE LEVAM À CORTE: CARREIRAS E PADRÕES DE RECRUTAMENTO DOS MINISTROS DOS ÓRGÃOS DE CÚPULA DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO (1829-2006) 1 Recebido em 29 de outubro de 2007. Aprovado em 10 de abril de 2008. Luciano Da Ros I. INTRODUÇÃO Pelo menos desde meados da década de 1990, uma crescente atenção dos cientistas sociais – e dos cientistas políticos, em especial – tem sido dada ao estudo de instituições judiciais no Brasil. A ênfase, em geral, tem recaído sobre o Supremo Tribunal Federal – órgão de cúpula do poder Ju- diciário e instância última na interpretação jurisdicional da Constituição – e buscado identifi- car o papel exercido por essa instituição no pro- cesso político nacional. Contudo, se considerável atenção tem sido, por um lado, dedicada à relação do tribunal com as demais arenas decisórias, por outro, poucos são os esforços de sistematização a respeito dos perfis referentes aos integrantes daquela corte. O presente estudo busca iniciar o preenchi- mento desta lacuna, objetivando compreender os padrões de carreira e de recrutamento dos minis- tros que tomaram assento naqueles que foram os órgãos de cúpula do poder Judiciário ao longo da história brasileira, quais sejam: o Supremo Tribu- nal de Justiça (STJi) 2 , existente durante a maior parte do período imperial, e o Supremo Tribunal 1 O presente artigo é uma versão ligeiramente modificada de trabalho apresentado no seminário temático “Elites e Instituições Políticas”, parte integrante do 31º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesqui- sa em Ciências Sociais (Anpocs), realizado em Caxambu, Minas Gerais, entre 22 e 26 de outubro de 2007. Agradece- mos aos presentes na sessão de apresentação pelas suges- tões e críticas que, na medida do possível, foram incorpo- radas a esta versão. Os equívocos remanescentes, como de praxe, são de inteira responsabilidade dos autores. 2 Adotamos a abreviação STJi para designar o Supremo Tribunal de Justiça do Império com o propósito de diferenciá-la daquela comumente empregada na referência O artigo analisa mudanças e continuidades nos padrões de recrutamento dos ministros dos órgãos de cúpula do poder Judiciário brasileiro entre 1829 e 2006. Para isso, são analisados dados relativos a 1) origem social e 2) carreiras jurídicas, políticas e coercitivas dos membros do Supremo Tribunal de Justiça (1829-1890) e do Supremo Tribunal Federal (1891-2006). Isolamos os atributos sociais dos indivíduos recrutados para essas cortes, identificando características próprias a cada geração de ministros, salientan- do a importância das instituições universitárias específicas na projeção de carreiras jurídicas, os estados de origem e a ocorrência de fenômenos de mobilidade geográfica em diferentes períodos. Observamos ainda o grau de diferenciação da arena jurídica em relação àquelas de natureza propriamente política, ponto considerado fundamental para a institucionalização do órgão. Os resultados observados oferecem pistas para a compreensão de mudanças longitudinais existentes nos padrões de carreira e recrutamento para as cortes supremas brasileiras e os requisitos sociais, institucionais e políticos que acompanham trajetórias nessa parcela do campo jurídico. Fundamentalmente, observa-se lento incremento de indivíduos proveni- entes do universo exclusivamente jurídico, prevalecendo durante a maior parte do tempo indivíduos que percorreram carreiras tanto no campo jurídico como em outras arenas, sejam elas políticas ou ligadas ao aparato coercitivo do Estado. O decréscimo da circulação geográfica ao longo da carreira dos futuros ministros, bem como a diversificação de suas instituições superiores de diplomação, ambos em especial após a primeira Era Vargas, sugerem, ainda que um tanto paradoxalmente, incremento da autonomia do órgão. PALAVRAS-CHAVE: carreiras jurídicas; padrões de recrutamento; Supremo Tribunal Federal; Supremo Tribunal de Justiça.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, Nº 30: 131-149 JUN. 2008

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, n. 30, p. 131-149, jun. 2008

André Marenco dos Santos

CAMINHOS QUE LEVAM À CORTE:CARREIRAS E PADRÕES DE RECRUTAMENTO DOSMINISTROS DOS ÓRGÃOS DE CÚPULA DO PODER

JUDICIÁRIO BRASILEIRO (1829-2006)1

Recebido em 29 de outubro de 2007.Aprovado em 10 de abril de 2008.

Luciano Da Ros

I. INTRODUÇÃO

Pelo menos desde meados da década de 1990,uma crescente atenção dos cientistas sociais – edos cientistas políticos, em especial – tem sidodada ao estudo de instituições judiciais no Brasil.A ênfase, em geral, tem recaído sobre o SupremoTribunal Federal – órgão de cúpula do poder Ju-diciário e instância última na interpretaçãojurisdicional da Constituição – e buscado identifi-

car o papel exercido por essa instituição no pro-cesso político nacional. Contudo, se considerávelatenção tem sido, por um lado, dedicada à relaçãodo tribunal com as demais arenas decisórias, poroutro, poucos são os esforços de sistematizaçãoa respeito dos perfis referentes aos integrantesdaquela corte.

O presente estudo busca iniciar o preenchi-mento desta lacuna, objetivando compreender ospadrões de carreira e de recrutamento dos minis-tros que tomaram assento naqueles que foram osórgãos de cúpula do poder Judiciário ao longo dahistória brasileira, quais sejam: o Supremo Tribu-nal de Justiça (STJi)2 , existente durante a maiorparte do período imperial, e o Supremo Tribunal

1 O presente artigo é uma versão ligeiramente modificadade trabalho apresentado no seminário temático “Elites eInstituições Políticas”, parte integrante do 31º EncontroAnual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesqui-sa em Ciências Sociais (Anpocs), realizado em Caxambu,Minas Gerais, entre 22 e 26 de outubro de 2007. Agradece-mos aos presentes na sessão de apresentação pelas suges-tões e críticas que, na medida do possível, foram incorpo-radas a esta versão. Os equívocos remanescentes, como depraxe, são de inteira responsabilidade dos autores.

2 Adotamos a abreviação STJi para designar o SupremoTribunal de Justiça do Império com o propósito dediferenciá-la daquela comumente empregada na referência

O artigo analisa mudanças e continuidades nos padrões de recrutamento dos ministros dos órgãos decúpula do poder Judiciário brasileiro entre 1829 e 2006. Para isso, são analisados dados relativos a 1)origem social e 2) carreiras jurídicas, políticas e coercitivas dos membros do Supremo Tribunal de Justiça(1829-1890) e do Supremo Tribunal Federal (1891-2006). Isolamos os atributos sociais dos indivíduosrecrutados para essas cortes, identificando características próprias a cada geração de ministros, salientan-do a importância das instituições universitárias específicas na projeção de carreiras jurídicas, os estadosde origem e a ocorrência de fenômenos de mobilidade geográfica em diferentes períodos. Observamos aindao grau de diferenciação da arena jurídica em relação àquelas de natureza propriamente política, pontoconsiderado fundamental para a institucionalização do órgão. Os resultados observados oferecem pistaspara a compreensão de mudanças longitudinais existentes nos padrões de carreira e recrutamento para ascortes supremas brasileiras e os requisitos sociais, institucionais e políticos que acompanham trajetóriasnessa parcela do campo jurídico. Fundamentalmente, observa-se lento incremento de indivíduos proveni-entes do universo exclusivamente jurídico, prevalecendo durante a maior parte do tempo indivíduos quepercorreram carreiras tanto no campo jurídico como em outras arenas, sejam elas políticas ou ligadas aoaparato coercitivo do Estado. O decréscimo da circulação geográfica ao longo da carreira dos futurosministros, bem como a diversificação de suas instituições superiores de diplomação, ambos em especialapós a primeira Era Vargas, sugerem, ainda que um tanto paradoxalmente, incremento da autonomia doórgão.

PALAVRAS-CHAVE: carreiras jurídicas; padrões de recrutamento; Supremo Tribunal Federal; SupremoTribunal de Justiça.

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CAMINHOS QUE LEVAM À CORTE

Federal (STF), congênere instaurado a partir daprimeira Constituição republicana, em 1891.

A pesquisa aqui apresentada justifica-se basi-camente por quatro razões. A primeira deriva emparte da própria literatura sobre a chamadajudicialização da política, que não raramente bus-ca explicar o que seria um comportamento auto-restritivo do STF com base nos métodos de re-crutamento e de investidura dos quadros do tri-bunal (CARVALHO NETO, 2000, p. 58-61; CAS-TRO & RIBEIRO, 2006, p. 20). Nesse sentido,esta pesquisa busca identificar justamente os efei-tos destes métodos, comparando longitudinalmentea composição da instituição com o fim de obser-var as tendências de alterações temporais e espa-ciais no recrutamento dos referidos ministros.

Em segundo lugar, estudos recentes buscamdemonstrar que as diferentes composições dos tri-bunais, decorrentes de perfis distintos de recruta-mento e de carreira dos seus integrantes, alterari-am o modo pelo qual eles decidem, gerando efei-tos sobre o modo de atuação da instituição comoum todo (MARANHÃO, 2003; OLIVEIRA,2006)3. Compreender as diferentes composiçõespode auxiliar no entendimento de tendências geraisde atuação do tribunal ao longo de diferentes perí-odos históricos, ainda que uma aproximação destamonta seja, obviamente, um tanto imprecisa.

Ainda como justificativa, seria importante lem-brar que pelo menos dois estudos influentes bus-caram traçar os perfis dos magistrados brasilei-

ros, mas pouca ou nenhuma atenção foi dada na-quelas obras aos perfis dos magistrados dos tri-bunais superiores (WERNECK VIANNA et alii,1997; SADEK, 2006)4. Dessa maneira, a presen-te pesquisa seria complementar àquelas.

Por fim, o ponto mais interessante. Algunsestudos indicam que a institucionalização dos ór-gãos de cúpula do poder Judiciário estaria ligadaao tipo de integrantes recrutados para estes. Aprofissionalização dos membros e a diferenciaçãodo perfil destes em relação aos demais órgãos doEstado são consideradas, por determinados auto-res, partes importantes no processo deinstitucionalização dos órgãos do poder Judiciário(GUARNIERI & PEDERZOLI, 1996; BONELLI,2001; 2002; MCGUIRE, 2004; BONELLI, OLI-VEIRA & MARTINS, 2006). Conclusões seme-lhantes podem inclusive ser encontradas no quese refere à institucionalização de outros órgãospolíticos, como o poder Legislativo (POLSBY,1968). Desse modo, a presente pesquisa podecontribuir diretamente para a observação de umdos elementos que contribuem para a maior ou amenor institucionalização dos órgãos de cúpulado poder Judiciário no Brasil, conforme será de-talhado adiante.

Ainda em tempo, uma ressalva merece ser re-alizada. A presente pesquisa não pretende analisaras regras de recrutamento dos integrantes dosreferidos tribunais e tampouco enfatiza o proces-so de escolha e indicação dos ministros, ao con-trário do que se prioriza, por exemplo, na análisepolítica referente ao estudo da Suprema Corte nosEUA5 . Busca-se, antes, traçar o perfil dos mem-bros recrutados para estas instituições, fazendo-se menção às diferentes regras de escolha quandoestas forem necessárias à compreensão mais ade-quada do estudo que ora se introduz.

ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão criado a partirda Constituição de 1988.3 Observe-se, contudo, que esta leitura não é isenta decontrovérsia. Na realidade, as principais hipóteses presen-tes na literatura especializada rejeitam a existência de nexocausal entre os padrões de carreira e o comportamentoefetivo destes mesmos magistrados. Longe de constituir-seuma unanimidade, as visões preponderantes sobre o com-portamento dos tribunais geralmente levam em considera-ção ou as preferências políticas individuais dos magistra-dos (o chamado “modelo atitudinal”), não sendo necessari-amente relevantes suas respectivas carreiras, ou a atuaçãoestratégica do tribunal frente aos demais atores políticos(conhecido por “modelo de separação dos poderes”, vari-ante do “modelo estratégico”). Em ambos os casos, entre-tanto, o comportamento judicial não é explicado em funçãodos padrões de recrutamento, sugerindo, inclusive, a fragi-lidade dessa hipótese. Como exemplos dessas abordagens,ver, por um lado, os trabalhos de Jeffrey Segal e HaroldSpaeth (1993; 2002) e, por outro lado, os trabalhos deGeorg Vanberg (2001) e de Gretchen Helmke (2002).

4 Como exceção à tendência apresentada por estas obras,cujo foco recai exclusivamente sobre os magistrados deprimeira e segunda instâncias, pode-se indicar O perfil domagistrado brasileiro, de Luiz Werneck Vianna et alii (1996),em que, além dos anteriores, são também mapeados osperfis de ministros integrantes de tribunais superiores.5 Há inúmeros estudos a respeito de estratégias e impassesdecorrentes do processo de indicação de um novo justicepara a Suprema Corte dos EUA. Entre esses, apenas paraexemplificar, pode-se citar o extenso trabalho de Lee Epsteine Jeffrey Segal (2005). Ressalte-se, novamente, que o obje-tivo do presente artigo não é realizar um estudo à seme-lhança destes.

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II. APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS DEANÁLISE

A ênfase pretendida na análise dos ministrosdo STJi e do STF recai sobre a importância daprofissionalização e da diferenciação no processode institucionalização do tribunal. Trata-se, emsíntese, de observar a ocorrência ou não de umrecrutamento endógeno à magistratura e às de-mais carreiras estritamente jurídicas. Uma vezverificado este padrão, estar-se-ia a recrutar pro-fissionais próprios da área do Direito, estabele-cendo padrão mais autônomo e contribuindo paraa diferenciação do poder Judiciário em relação aosdemais órgãos do Estado. Neste caso, a referidadiferenciação no padrão de recrutamento ocorrebasicamente em dois níveis. O primeiro diz res-peito àquelas carreiras ditas “políticas”, ligadasespecialmente à ocupação de cargos junto aospoderes Legislativo e Executivo, tanto de nature-za eletiva como proveniente de nomeação. Nestasituação, maior distinção entre uma e outra assegu-raria maior independência das funções jurisdicionaisem relação ao ambiente político, permitindo a exis-tência de função autônoma do Direito. Em segun-do lugar, deve-se observar a mesma diferenciaçãoem relação àquelas carreiras ligadas diretamente aoexercício da coerção por parte do Estado, em quese destacam os cargos ocupados junto às forçaspoliciais e militares, ligadas à administração da ma-nutenção da ordem, tanto interna quanto externa.Nesta situação, a diferenciação leva a supor que asfunções jurisdicionais estão separando-se daquelasde uso repressivo da violência por parte da autori-dade política.

De modo a ilustrar a importância dada a estecritério de diferenciação, importa frisar que a cri-ação de tribunais constitucionais na Europa, aolongo da segunda metade do século XX apresen-tou claramente essa preocupação, impondo crité-rios bastante seletivos à escolha dos futuros mem-bros daqueles tribunais, inclusive com ênfase so-bre o recrutamento endógeno ao poder Judiciárioe às demais carreiras jurídicas, em sentido opostoao que se verifica na regra brasileira, inspirada emmatriz estadunidense, na qual vige larga dose dediscricionariedade do Presidente da República6.

Cumpre observar, entretanto, que a regra decisória,considerada isoladamente, não se constituiu exa-tamente em um empecilho à institucionalização eao fortalecimento da Suprema Corte no sistemapolítico dos EUA, para ficar com apenas umexemplo imediato7.

Por fim, deve-se ter em mente também comoas alterações do contexto político geraram efeitossobre a composição do tribunal ao longo do tem-po. Aumento e redução do número de ministros,além de aposentadorias forçadas, entre outros,foram alguns dos instrumentos empregados pe-los diversos regimes políticos no intuito de en-quadrar a atuação do tribunal aos moldes deseja-dos pela elite política do momento.

Para delinear os pretendidos perfis, forampesquisadas as biografias dos ministros do STJi edo STF, disponíveis no portal eletrônico do órgão(cf. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,2007e). A organização do banco de dados con-templou informações referentes ao ano e estadode nascimento, profissão paterna (quando dispo-nível), instituição, estado e ano da diplomaçãosuperior, cargos públicos, estados percorridos nacarreira, filiação partidária, tempo de permanên-cia no tribunal, padrões de carreira e circulaçãoentre instituições públicas. Este conjunto de vari-áveis oferece oportunidade para um exame sobreas mudanças nos padrões de carreira jurídica dosfuturos integrantes da Corte Suprema brasileira,durante um intervalo amplo de praticamente 180anos. O foco da análise foi dirigido para dois pro-cessos: em primeiro lugar, a dimensão da mobili-dade geográfica empreendida pelos ministros, re-velada pela discrepância entre estado de nascimen-to, instituição onde os estudos superiores foramrealizados, estado do primeiro cargo público ocu-pado e unidades federativas de cada um dos pos-tos preenchidos durante a trajetória profissionalaté o momento de sua nomeação para integrar amais alta Corte de Justiça do país. Trata-se deverificar a medida em que a circulação territorialconstituiu estratégia necessária para a ascensãoprofissional e, em caso positivo, suas conseqüên-cias para a fixação de padrões institucionais derecrutamento. Paralelamente, pretende-se

6 O estudo de Carlo Guarnieri, Pedro Magalhães e YorgosKaminis (2006) demonstra claramente a proposição a res-peito da preocupação dos países do sul da Europa com aregra de recrutamento.

7 Vale ressaltar, contudo, que a regra de indicação brasilei-ra, idêntica à estadunidense, é mal vista pelos própriosintegrantes do poder Judiciário, especialmente pelos juízese desembargadores (SADEK, 2006, p. 53).

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mensurar a circulação prévia entre diferentes ins-tituições do Estado brasileiro (poder Legislativo,poder Executivo, burocracias), igualmente comoexigência para a mobilidade profissional e o aces-so a posições superiores da magistratura. A fre-qüência de carreiras percorridas exclusivamentenas instituições do poder Judiciário e a(in)experiência política dos futuros ministros po-dem indicar a presença de um processo deinstitucionalização da Corte.

III. O PERFIL DOS MINISTROS DO SUPRE-MO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO IMPÉRIO(1829-1891)

No período antecedente à independência doBrasil, a instância máxima do poder Judiciário eraa Casa de Suplicação, instituída pelo Príncipe Re-gente Dom Pedro, em 10 de maio de 1808, ano davinda da família real portuguesa ao Brasil. Estetribunal, considerado por muitos o marco da fun-dação do poder Judiciário no Brasil, possuía 23membros e somente foi extinto em 1831, quandodo estabelecimento do Tribunal da Relação do Riode Janeiro. O STJi, apesar de previsto na Consti-tuição de 1824, foi instalado apenas em 9 de janei-ro de 1829, conforme dispôs lei de 18 de setem-bro de 1828. Sua composição era de 17 minis-tros, que deveriam ser juízes letrados retiradosdas Relações com base em critério de antiguida-de, conforme ditava o artigo 163 da Constituiçãodo Império. Seguindo a política de concessão detítulos nobiliárquicos a praticamente todas as fi-guras públicas relevantes da época, os ministros,para serem nomeados, deveriam receber o títulodo Conselho. Observe-se que a regra constitucio-nal previa que, para a criação da referida corte,poder-se-iam aproveitar julgadores dos tribunaisque fossem eventualmente abolidos.

Cumpre salientar de antemão que entre as atri-buições do órgão não se encontrava a faculdadede analisar a constitucionalidade de leis, ao con-trário do que veio a ser atribuído ao Supremo Tri-bunal Federal, quando da republicanização do país.Tratava-se de função atribuída ao Conselho deEstado durante o período imperial. Também aocontrário do STF, o STJi não apresentou varia-ções no número de integrantes. Este manteve-seestável, em 17 integrantes, desde a instalação daCorte, em 1829. Outra diferença entre os tribu-nais também merece ser destacada. Conforme jáfoi observado anteriormente, a regra de escolhados integrantes do STJi era muito mais restritiva

do que aquela do tribunal que o sucedeu. Nestecaso, a regra obrigava as demais autoridades pú-blicas e, especialmente, o Imperador – a quemcabia a nomeação – a que o aludido recrutamentofosse realizado no interior da função judicial, ex-cluindo inclusive outras carreiras ligadas ao exer-cício do Direito, como a advocacia. A regra aindadeterminava que esta escolha fosse realizada porcritério de antiguidade, o que tornava ainda maisrestritas as opções. Em contraponto a esses crité-rios restritivos, por outro lado, encontrava-se anecessidade do título do Conselho para que fosseo escolhido efetivamente nomeado para o cargode Ministro do STJi. Pode-se supor, portanto, queesta exigência apontava para uma possibilidade demaior seletividade na escolha, isto porque permi-tia ao Imperador conceder o título somente àque-les que realmente desejasse apontar para o cargo,não o concedendo a outros que não pretendesseindicar ao tribunal.

Ainda sobre a regra de investidura, interessaobservar que o critério de escolha recaía sobreaqueles juízes ditos letrados, isto é, portadores dediploma em Direito e conhecedores – ao menosem tese – deste campo. Não se trata de uma ob-servação óbvia. O fato dos ministros deverem serletrados restringia sobremaneira o leque de op-ções e, curiosamente, em sentido favorável aogoverno central. Isto porque os juízes letradoseram aqueles ocupantes dos cargos de Juiz deFora e, posteriormente, de Juiz de Direito. Trata-va-se de cargo ocupado por aqueles assim desig-nados pelo Imperador e, na maior parte do tem-po, sob controle do Ministério da Justiça. Ao con-trário, os juízes de paz eram eleitos pelos gruposlocais, fazendo-se frequentemente presentes indi-víduos não letrados, isto é, sem diploma jurídico.O fato de os ministros deverem ser recrutadosdentre aqueles letrados, portanto, encontrava-seem consonância com a estratégia de construçãode uma elite nacional, para além dosparticularismos locais. Os dados encontrados cor-roboram essa hipótese. Entre os 124 ministrosnomeados no período, praticamente três quartosingressaram no Judiciário por meio de nomeaçãopara o cargo de Juiz de Fora (46.8%) ou Juiz deDireito (26,6%). Nos demais casos, observa-seque todos eram de nomeação direta do Imperador(Ouvidor, Juiz do Crime, Juiz Municipal edesembargadores).

Antes, entretanto, de se passar à análise pro-priamente dita dos ministros designados para o

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STJi, uma observação de caráter metodológicodeve ser realizada. O período histórico cobertopela existência do STJi, de 1829 a 1891, engloba4 diferentes configurações institucionais da histó-ria política brasileira, quais sejam: o final do I Rei-nado (1829-1831), a Regência (1831-1840), o IIReinado (1840-1889) e ainda um pequeno inter-valo durante a I República (1889-1891), quando,então, o tribunal foi substituído pelo STF. Paramelhor apreender estes dados, preferiu-se agrupá-los em dois períodos distintos. O primeiro refere-se à institucionalização do Estado nacional brasi-leiro e agrupa os dados dos 24 ministros nomea-dos durante o I Reinado e a Regência, entre 1829e 1840. O segundo período reúne exatos 100 mi-nistros, nomeados entre 1840 e 1891, agrupandoos dados do II Reinado e dos primeiros dois anosda República. Preferiu-se proceder desta maneiraa fim de não criar dois grupos de análise – Regên-cia e I República – com número muito restrito decasos8. Isto posto, pode-se passar à análise pro-priamente dita dos resultados.

Primeiramente, como conseqüência dos crité-rios apontados acima, deve-se reconhecer quetodos os 124 ministros, dos dois períodos anali-sados, já haviam sido nomeados desembargadoresquando de suas indicações ao STJi, muitos dosquais inclusive encontravam-se exercendo o car-

go quando da nomeação. Entretanto, cumpre ob-servar que a posse do cargo de Desembargadornão constituía óbice à ocupação de outros cargos– de natureza jurídica ou não – durante o mesmoperíodo. Tanto cargos de natureza política, juntoaos poderes Executivo e Legislativo, quanto car-gos propriamente coercitivos, ligados à adminis-tração direta da atividade repressiva do Estado,junto às atividades policiais e militares, destacam-se entre aqueles exercidos pelos nomeados a mi-nistros do STJi. Observe-se, portanto, que ape-sar da regra do artigo 163 da Constituição do Im-pério restringir a opção dos indicados àqueles quede fato ocupam cargo junto às Relações, isso,contudo, não circunscreveu as carreiras dos fu-turos ministros a indivíduos ocupantes de profis-sões exclusivamente jurídicas.

De maneira semelhante, apesar de muitos te-rem desenvolvido carreira junto ao poder Judiciá-rio, isto também não impediu que, em meio aoexercício dessas funções, desempenhassem ou-tras, sejam elas de natureza jurídica ou não, emsentido idêntico ao previamente exposto. Há, en-fim, presença marcante de acúmulo de cargos entreaqueles que tornaram-se ministros do STJi, bemcomo ampla circulação destes entre diversas are-nas estatais. O Quadro 1, abaixo, sintetiza o quese busca expor.

8 Durante a Regência, apenas sete ministros foram nome-ados. Já durante os dois primeiros anos da República, ape-nas dois foram indicados para preencher o cargo. Embora o

QUADRO 1 – EXPERIÊNCIA POLÍTICA, COERCITIVA E ADMINISTRATIVA DOS MINISTROS DO STJI

período referente ao I Reinado seja bastante restrito – doisanos apenas – deve-se lembrar que durante este foi instala-do o próprio tribunal, ao qual foram nomeados os 17 mi-nistros relativos à primeira composição da Corte.

FONTE: os autores, a partir de Brasil. Supremo Tribunal Federal (2007), até 20.set.2007.NOTA: nos “Cargos administrativos”, excluiu-se o de Provedor da Fazenda dos Defuntos e Ausentes, Resíduos eCapelas, comum nos anos iniciais de atividade judiciária em comarcas distantes dos principais centros urbanos doperíodo.

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CAMINHOS QUE LEVAM À CORTE

Como se observa, há elevada participação ematividades diretamente políticas, junto aos pode-res Executivo e Legislativo. De modo agregado,percebe-se que 64,5% dos ministros do STJi ti-veram alguma vivência neste tipo de atividade –66,7% das nomeações realizadas entre 1829 e1840, e 64% daquelas realizadas entre 1840 e 1891apresentam esse perfil. Entretanto, em que pese oelevado índice de ministros com experiência dire-tamente política, muitos dos quais de naturezaparlamentar, deve-se mencionar que os dados so-bre filiação partidária são irrisórios – o perfil deapenas dois membros do STJi apresenta essa in-formação, ambos do Partido Conservador. Mui-tos dos futuros integrantes do tribunal ocuparamcargos como os de Vereador e Senador, mas es-pecialmente o de Deputado junto à AssembléiaGeral. Em sentido semelhante, percebe-se quemuitos ocuparam – em caráter provisório ou per-manente – o cargo de Presidente de província,para não mencionar aqueles que foram ministrosde Estado durante certo período.

Deve-se perceber que a baixa diferenciaçãoocorre também em relação às atividades coerciti-va do Estado. Há elevada participação nestas ati-vidades por parte daqueles que vieram a integraro órgão de cúpula do poder Judiciário do período.No total, 48,4% dos ministros serviram direta-mente na administração das funções policiais emilitares – 37,5% e 51% dos integrantes do STJiapresentaram esse perfil durante os dois períodosanalisados, respectivamente. Cargos como os deChefe de Polícia, Delegado de Polícia e Intendente-Geral de Polícia, assim como os de Auditor deGuerra e Ministro do Conselho Supremo Militarnão raramente foram exercidos antes da nomea-ção ao STJi.

Em sentido semelhante, os dados também per-mitem observar a presença marcante do exercí-cio de cargos administrativos, em especial, quan-do se agrega aquele de Provedor da Fazenda dosDefuntos e Ausentes, Resíduos e Capelas. Muitosmagistrados, em início de carreira, ao assumiremseus primeiros postos no poder Judiciário, assu-miam conjuntamente essa função, aproximando-se de uma espécie de administrador local em po-voamentos mais distantes dos grandes centrosurbanos. Quanto aos outros cargos, geralmenteligavam-se ao exercício de alguma forma de ativi-dade de fiscalização, especialmente no que se re-fere à arrecadação de tributos, como os cargos

de Intendente do Ouro e de Intendente dos Dia-mantes da Corte.

Como conseqüência desse quadro, percebe-se que há reduzida presença daqueles ministrosque apresentaram carreiras exclusivamente jurí-dicas. Mesmo nesse caso, percebe-se que umnúmero não insignificante deles exerceu, em al-gum momento de sua carreira, atividades ligadasà defesa jurídica do próprio Estado. Alguns des-tes também prestaram serviços por designaçãodireta do governo, tais como ser encarregado doseqüestro de propriedades portuguesas no perío-do imediatamente posterior à independência dopaís, ou, ainda, ser designado Juiz de diligênciaspara dar cabo à sublevação ocorrida emPernambuco, em 1817, entre outros serviços.

Há, enfim, marcante indistinção entre funçõesjudiciais e funções administrativas (em sentidoamplo), especialmente em relação àquelas encar-regadas do uso da coerção (junto à polícia e àsforças armadas), e do próprio mando político (pre-sidentes de província, por exemplo), além daque-las deliberativas (cargos legislativos), tanto na basequanto no topo da hierarquia judicial. É visível,portanto, a estreita conexão entre o exercício dafunção judiciária e aquele relativo ao exercício docontrole social, com relativo destaque para esteúltimo, em especial, se comparado com o desem-penho dessas mesmas funções pelos integrantesdo poder Judiciário nos dias de hoje, mais dimi-nuto. Esta indistinção entre as funções judiciais eas de controle social, como se sabe, é traço co-mum à realidade brasileira desde o período colo-nial (SCHWARTZ, 1979), com forte continuidadedurante o período imperial (KOERNER, 1998).Como frisa Martin Shapiro (1981, p. 20-22), emgrande medida, o que explica essa aproximaçãoentre as funções judiciais, administrativas e coer-citivas relaciona-se às tarefas de conquista de ter-ritórios e, no caso brasileiro, de assegurar a inte-gridade territorial do país, como já foi sobejamen-te demonstrado pela literatura sobre o tema (CAR-VALHO, 1980). Neste caso, entretanto, mais doque simplesmente impor uma ordem exterior aospotentados locais, a função judicial era a de solidi-ficar alianças e produzir confiança, por parte daslideranças e da população locais, no governo na-cional, viabilizando a progressiva consolidação deum Estado nacional efetivo (VELLASCO, 2004).Como se sabe, a função judiciária é fundamental àracionalização das atividades do Estado nacional,

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pois assegura a primazia dos comandos legaisnacionais frente aos interesses locais e regionais,permitindo e legitimando, por meio da aplicaçãode procedimentos previsíveis e indiferenciados, oexercício do governo direto pelos grupos centrais(TILLY, 1996). Como se observa nos dados apre-sentados, a experiência vivida pela elite judicial doperíodo encontrava-se em perfeita consonânciacom este conjunto de atividades.

Dessa maneira, pode-se propor um adendo àinfluente obra de José Murilo de Carvalho, A cons-trução da ordem (1980), sobre a composição so-cial da elite política do Império e seus reflexossobre a consolidação do Estado nacional brasilei-ro. Argumenta o autor que o fato da elite políticabrasileira ser formada, inicialmente, em sua maio-ria, por magistrados, e não por advogados, comonos EUA, deveu-se ao fato de que aqueles teriammais interesse em proteger os interesses do Esta-do, e não interesses de particulares, como se da-ria no caso destes. De posse dos dados expostos,o que se observa é que esse juízo está, de fato,correto, mas que isso se deve também ao tipo defunção atribuída aos magistrados brasileiros doperíodo, em especial, aos ditos letrados, principalfonte de recrutamento para o STJi. A função damagistratura era pouco a de intérprete da lei, masantes a de uma aliada na manutenção da ordem eda estabilidade, bem como da primazia do podercentral ante o conjunto de interesses locais e regi-onais. Todavia, não se trata, como já foi mencio-nado, de encarar tais magistrados como agentesde um governo central que mecanicamente repri-mem interesses locais, como parecem sugerir asobras clássicas de Raymundo Faoro (2001) eSimon Schwartzman (1982). Antes de ver tal re-lação como um simples jogo de soma zero, entregrupos locais e centrais, no qual os últimos bene-ficiar-se-iam da atuação necessariamente fiel erepressiva daqueles magistrados, trata-se de per-ceber que as funções exercidas por estes inseri-am-se em um contexto de mediação e negociação

da ordem, contribuindo de modo gradual para aprevalência dos últimos. Somente desta maneirapode-se compreender, por exemplo, que tantosfuturos ministros do Supremo Tribunal de Justiçado Império tenham se feito eleger – por gruposlocais, vale lembrar – para ocupar cargos junto àsdiferentes casas legislativas do período, como aAssembléia Geral do Império, as diferentes as-sembléias provinciais e mesmo as câmaras devereadores.

Na realidade, o fato dos magistrados ocupa-rem cargos como os de Juiz de fora, deDesembargador e de Ministro de Estado (direta-mente vinculados aos interesses nacionais), bemcomo aqueles de legisladores nas arenas local,regional e nacional (vinculados aos grupos locaise regionais), sugere a importância da confiançade ambos os grupos para a ascensão na carreira.Percebe-se, todavia, que a predominância dos in-teresses nacionais foi crescente, com um acrés-cimo, ao longo do tempo, de carreiras que inclu-íam cargos de natureza policial, especialmente apósa Regência, quando se consolida a autoridade doEstado nacional. A ampla circulação entre as di-versas arenas decisórias era, portanto, um requi-sito praticamente imprescindível para sedimentara confiança das elites políticas dos diferentes ní-veis naqueles que posteriormente seriam indica-dos a integrar a elite judicial do país. Por outrolado, essa necessidade de ocupar muitos postoscertamente dificultou a institucionalização da maisalta Corte de Justiça do país, praticamente impos-sibilitando-a de distinguir-se de outras instituiçõespolíticas, ao menos no período ora analisado.

A fim de apreender com maior acuidade a alu-dida dificuldade de distinção da carreira judicialdos ministros do STJi em relação àquelas políti-cas, coercitivas e administrativas, procedeu-senova sistematização dos dados, como se encon-tra no Quadro 2, em que se busca identificar osperfis de carreira dos magistrados daquela Corte.

QUADRO 2 – PADRÕES DE CARREIRA DOS MINISTROS DO STJI

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CAMINHOS QUE LEVAM À CORTE

FONTE: os autores, a partir de Brasil. Supremo Tribunal Federal (2007), até 20.set.2007.NOTA: Preferiu-se excluir o cargo de Provedor da Fazenda dos Defuntos e Ausentes, Resíduos e Capelas, a fim de melhorapreender os dados, já que esse cargo era comumente conferido aos julgadores, sendo uma praxe o acúmulo dele comfunções judiciais, quando das primeiras nomeações junto ao poder Judiciário.

Em sentido semelhante àquele apresentado aci-ma, outro dado interessante é o referente aos títu-los de nobreza concedidos aos ministros9: 72,5%dos futuros magistrados do STJi receberam pelomenos um, com destaque para 14 ministros(11,3% do total) que receberam mais de três títu-los. Entre estes, inclusive, incluem-se algumas dasfiguras políticas de maior importância e destaquena política do período, tais como Lucas AntonioMonteiro de Barros, Visconde de Congonhas doCampo, Senador e primeiro Presidente da provín-cia de São Paulo, cuja descendência, ao exemplodo pai, trilhou as funções judiciais; Candido Joséde Araújo Vianna, Marquês de Sapucaí, Presidenteda província de Alagoas, Deputado (cinco vezes) eSenador por Minas Gerais, Ministro de Estado(duas vezes) e Conselheiro de Estado extraordiná-rio; Antonio Paulino Limpo de Abreu, Visconde deAbaeté, Presidente da província de Minas Gerais,Ministro de Estado (seis vezes), Deputado (cinco

vezes), Senador; Manoel Ignácio Cavalcanti deLacerda, Barão de Pirapama, Senador e Presidentedo Senado por sete anos; além de várias outraspersonalidades políticas do período.

No que se refere aos padrões de socializaçãoeducacional dos ministros do STJi, corrobora-sea tese do predomínio da formação coimbrã. Nototal, 69 ministros (55,6%) obtiveram seu diplo-ma junto à Universidade de Coimbra, predomínioque se manteve especialmente até a década de1870, quando começaram a tomar assento no tri-bunal os egressos das faculdades de Direito bra-sileiras, de Pernambuco e de São Paulo, logo dei-xando de ingressar na Corte os ex-alunos da uni-versidade portuguesa. A nomeação do 72º inte-grante da Corte, Ministro João Lopes da SilvaCoito, em 1872, pode ser apontada como marcopara esta mudança. Desse momento em diante,não mais foram indicados ao tribunal indivíduoscom formação superior em Portugal. Até ele, con-tudo, dos 71 ministros nomeados, 69 haviam pas-sado por Coimbra, perfazendo 97,2% do total.Mesmo após a inflexão em prol da formação nasfaculdades brasileiras, entretanto, interessantepadrão pode ser observado: dos 53 ministros no-

9 O já referido título do Conselho foi excluído na constru-ção destes dados, dada a sua obrigatoriedade para o ingres-so no tribunal.

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meados nos últimos 21 anos de existência do tri-bunal (1870-1891), 62,3% (33 ministros) possu-íam formação em Pernambuco, contra apenas37,7% (20 ministros) de egressos de São Paulo.Esse predomínio talvez seja explicado em razãodo perfil mais liberal da faculdade de Direitopaulista, se comparado àquele da instituiçãopernambucana (ADORNO, 1988), o que prova-velmente era visto com ressalvas por parte dequem promovia a nomeação dos cargos.

Outro ponto interessante são os padrões demobilidade geográfica apresentados nas carreirasdos integrantes do STJi. Há clara predominânciade indivíduos, mais uma vez, com ampla circula-ção entre as diversas províncias do país, indican-do vinculação forte destes com a autoridade naci-onal central. Atentando-se apenas para os deslo-camentos decorrentes das nomeações para car-

gos públicos (jurídicos, políticos etc.), observa-se que a maior parte dos ministros veio a exercê-los, em média, em três ou quatro províncias, esão pouquíssimos os casos de indivíduos que re-alizaram carreira em apenas uma província – es-tes não passam de 10% do total. Como reforçodeste padrão de grande mobilidade geográfica,percebe-se ainda que a grande maioria dos minis-tros – em torno de 84% – deixava seu local denascimento para ingressar no ensino superior. Aforte presença de juízes de fora e de direito, comoapontado anteriormente, reforça este ponto. Istoporque estes, a fim de não criarem vínculos lo-cais fortes, eram removidos de comarca a cadatrês anos, passando, portanto, por muitos cargose províncias até chegarem ao STJi. Estas infor-mações, relativas à circulação geográfica dos in-tegrantes do STJi, encontram-se sintetizadas noQuadro 3:

QUADRO 3 – PADRÕES DE MOBILIDADE GEOGRÁFICA DOS MINISTROS DO STJI

FONTE: os autores, a partir de Brasil. Supremo Tribunal Federal (2007), até 20.set.2007.NOTA: Na elaboração do “número médio de províncias”, foram computados apenas os cargos profissionais ocupados(jurídicos, políticos, coercitivos e administrativos), excluindo-se da contagem os dados referentes ao local de nascimentoe ao do local de obtenção do diploma universitário.

Ainda com relação à distribuição geográfica,cumpre mencionar que há concentração nas regi-ões de origem (nascimento) dos ministros do STJi.Os nascidos nas províncias da Bahia (39 minis-tros, 31,5%) e do Rio de Janeiro (23 ministros,18,6%), bem como aqueles nascidos em Portugal(13 ministros, 10,5%), são majoritários, muitoembora não se trate de padrão inteiramente pre-dominante. Tendência semelhante, ainda que mais

acentuada, observa-se com relação ao último car-go antes da nomeação para o STJi, já que há claropredomínio daqueles que ocupavam postos nasprovíncias do Rio de Janeiro (62 ministros, 50%),da Bahia (28 ministros, 22,6%) e de Pernambuco(17 ministros, 13,7%), imediatamente antes danomeação para a cúpula do poder Judiciário doperíodo. Estas três províncias juntas perfazemmais de 85% dos casos. Ressalte-se, ainda, que

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estas províncias, conjuntamente com a doMaranhão, foram as primeiras a possuírem Rela-ções. Aquelas da Bahia e do Rio de Janeiro sãoanteriores ao século XIX, ao passo que apernambucana e a maranhense instalaram-se nosanos imediatamente prévios à proclamação da In-dependência. Como as Relações constituíam odestino mais natural para os juízes da época, nãoé de estranhar-se que os futuros integrantes doSTJi fossem nomeados desembargadores nestasprovíncias. Somente a partir das reformas na dé-cada de 1870 é que foram criadas novas Rela-ções, permitindo a diversificação das localidadesde onde eram extraídos os ministros.

Por outro lado, situação inversa é observadaquando são focalizadas as províncias de início decarreira dos ministros. Neste caso, há certa alea-toriedade, com concentração máxima nas provín-cias do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, nãopassando, respectivamente, de 22 (17,8%), 18(14,5%) e 11 (8,9%) os ministros que iniciaramcarreira nestas regiões. Com relativa importânciaainda se encontram aqueles que iniciaram carreirajunto às províncias de São Paulo (nove ministros,7,3%) e Pernambuco (oito ministros, 6,5%), alémdaqueles que tiveram sua carreira iniciada em Por-tugal (oito ministros, 6,5%). Os 49 ministros res-tantes (39,5% do total) tiveram suas respectivascarreiras iniciadas em 14 diferentes províncias epossessões portuguesas (Angola etc.). Em quepesem alguns casos mais pronunciados (Rio deJaneiro e Bahia, especialmente), não é possívelfalar-se em concentração territorial no início dacarreira desses indivíduos. Parece exatamente ocontrário, isto é, que se tratava de fazê-los per-correr grande número de províncias ao longo dacarreira, especialmente no início, de modo a nãocriarem vínculos muito fortes com os grupos lo-cais e, aos poucos, ir fazendo regressarem a al-guns centros mais importantes, em especial àque-les tradicionalmente favoráveis aos interesses doEstado.

Por fim, deve-se mencionar que há poucosdados que permitam a identificação de mobilidadeintergeracional. O perfil de apenas 27 ministros(21,8% dos casos) apresenta informação relativaà profissão do pai, dos quais 14 são filhos de mi-litares de patentes intermediárias ou elevadas (ca-pitães, majores, coronéis e tenentes-coronéis);nove, de magistrados (dois dos quais são filhosde ministros do próprio STJi); dois, de senado-

res; um, de Presidente de província e um outro,de médico. Ainda que os dados não sejam exaus-tivos, neles predominam as situações de recruta-mento interiores à elite, especialmente aquela pro-priamente estatal, novamente corroborando as ten-dências observadas anteriormente de identifica-ção entre as funções judiciais e aquelas relativasao exercício do controle social por parte do Esta-do.

IV. OS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNALFEDERAL E AS REPÚBLICAS DO BRASIL(1891-2007)

O número de ministros que compõe o Supre-mo Tribunal Federal tem apresentado variações,desde sua instituição, em 1891. Inicialmente for-mado por 15 ministros, conforme estabelecido naConstituição Federal de 1891, teve seu númeroreduzido para 11 pelo Decreto n. 19 656, firmadopelo Governo Provisório, em 1931. Este númerofoi mantido nas Constituições de 1934, 1937 e1946, sendo novamente alterado pelo AtoInstitucional n. 2/1965, que ampliou para 16 onúmero de ministros da Corte. Em 1969, o AtoInstitucional n. 6 alterou mais uma vez a compo-sição do Supremo Tribunal, reduzindo para 11vagas, magnitude mantida pela Constituição de1988.

Entre 1891 e 2006, o Supremo Tribunal Fede-ral foi integrado por 156 ministros, indicados peloPresidente da República e, em sua maioria, apro-vados pelo Senado Federal. Entretanto, 21 minis-tros, nomeados por Getúlio Vargas, durante o go-verno provisório (1930/1934) e, mais tarde, após1937, não foram submetidos à aprovação peloSenado. Getúlio Vargas foi, inclusive pelo tempoque passou à frente da Chefia de Estado, o Presi-dente que nomeou maior número de ministros doSupremo, chegando a 21 em seus 19 anos de go-verno. Deodoro da Fonseca (15) e Floriano Pei-xoto (15) apresentaram, igualmente, alta possibi-lidade de influenciar a composição da Corte. Seos 15 ministros indicados por Deodoro da Fonse-ca podem ser compreendidos como condição as-sociada à instituição da nova Corte republicana, aalta cota atingida por Floriano Peixoto em apenastrês anos, revela a combinação de ativismo e ins-tabilidade política do período. Também ocorre-ram, no governo de Floriano Peixoto, as únicascinco rejeições, pelo Senado Federal, de nomesindicados pelo Presidente da República: BarataRibeiro, Innocêncio Queiroz, Ewerton Quadros,

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Antonio Sève Navarro e Demosthenes da SilveiraLobo.

Para os objetivos deste trabalho, mais do queconsiderar os aspectos relativos às variações namagnitude da Corte, ou nas prerrogativas consti-tucionais de indicação, interessa considerar ascaracterísticas dos indivíduos que são escolhidose passam a compor o Supremo Tribunal. A fim de

melhor considerar as variações temporais, o in-tervalo de 115 anos abrangido pela existência dotribunal foi seccionado em períodos correspon-dentes às diferentes configurações institucionaisapresentadas pelo sistema político brasileiro: IRepública (1891-1930), governo Vargas (1930-1945), II República (1946-1963), autoritarismomilitar (1964-1984) e redemocratização (1985-2006).

QUADRO 4 – DADOS GERAIS DOS MINISTROS DO STF

FONTE: os autores, a partir de Brasil. Supremo Tribunal Federal (2007), até 20.set.2007.NOTA: * tempo médio de permanência relativo a ministros que já se afastaram do STF; ministros ativos em 2007 = seminformações.

Examinando as biografias dos ministros doSupremo Tribunal Federal, percebe-se um padrãoetário semelhante em todos os períodos analisa-dos: sua trajetória profissional tem início entre 22e 25 anos, com o primeiro cargo profissional, atin-gindo o ápice, com o ingresso na Corte, ao redordos 55 anos. Exceção fica por conta do períododo autoritarismo militar, quando a idade média dosministros subiu para pouco mais de 57 anos. Des-vios deste padrão podem ser representados peloscasos dos ministros Epitácio Pessoa, que ingres-sou no STF, em 1902, com apenas 37 anos e, emsituação oposta, Carlos Augusto OliveiraFigueiredo, nomeado em 1911, quando registrava74 anos de idade. Não foi possível estabelecer uma

relação estatisticamente significativa entre idadede indicação e tempo de permanência na Corte,cujas médias variam entre 8,7 anos (I República)e 11 anos (II República). Para a maioria dos mi-nistros (75,6%), o Supremo Tribunal Federal re-presenta o ápice de sua carreira pública, não ocu-pando nenhuma outra atividade após o afastamentoda Corte. Entre as exceções nessa tendência estáo caso do Ministro Epitácio Pessoa, aposentadodo Supremo em 1912, eleito Senador nesse mes-mo ano e Presidente da República em 1919 (BRA-SIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007d).

Considerando o estado de nascimento dos 156ministros do STF, Rio de Janeiro (19,9%) e Mi-nas Gerais (19,2%) destacam-se por uma pro-

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porção superior à sua representação demográfica.É interessante chamar a atenção para o fato de oRio de Janeiro apresentar uma freqüência expres-siva na I República e no governo Vargas. A partirde 1945, observa-se uma ascensão de ministrosoriginários de Minas Gerais, preponderando até aredemocratização posterior a 1985.

Foi possível identificar a profissão do pai emapenas 52 casos (33,3% dos ministros). Militaresde patentes intermediárias, como Coronel, Tenenteou Major, constituem a maior freqüência (23 ca-sos); seguidos por profissionais liberais, comoengenheiros, advogados, médicos ou professores(seis), senadores (cinco), deputados (dois), juízes(quatro), desembargadores (três), militares de altapatente, como Almirante e General (três), nobres(dois), membros do STJi ou do STF (dois), mi-nistros e embaixadores (dois). Para pouco maisda metade dos casos com informação disponível,a carreira de magistrado representou mobilidadesocial em relação ao status profissional ocupadopelos respectivos pais. Um caso exemplar demobilidade social intergeracional pode ser ilustra-do pela biografia de Edmundo Pereira Lins. Órfãode pai e mãe aos quatorze anos de idade, apren-deu o ofício de ourives e ferreiro, sendo, posteri-ormente, caixeiro no comércio. Desenvolveu seusestudos em um seminário católico, o qual aban-donou, posteriormente, para ingressar na facul-dade de Direito de São Paulo (1885), enquantoministrava aulas de Latim e Matemática. Foi no-meado, pelo governo provisório, em 1889, Pro-motor Público e, posteriormente, Juiz (BRASIL.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007a).

Estágio crítico na projeção de carreiras públi-cas é representado pelas condições e oportunida-des oferecidas à obtenção de diploma universitá-rio (BOURDIEU, 1989; CARVALHO, 1980). Tra-ta-se de identificar se trajetórias bem sucedidas –neste caso, que alcançam a cúpula da carreira nopoder Judiciário – estão relacionadas à passagempor instituições escolares específicas, responsá-veis por conferir diplomas de maior prestígio evalor no mercado profissional. Exemplo deste fe-nômeno pode ser encontrado na conhecida inter-pretação de José Murilo de Carvalho sobre a im-portância da faculdade de Direito da Universidadede Coimbra para a constituição da elite políticanacional, em particular na primeira metade do sé-culo XIX, como inclusive já se frisou na primeiraparte deste trabalho.

Isolando as instituições universitárias respon-sáveis pela titulação dos ministros do SupremoTribunal Federal, pode-se identificar mudançaslongitudinais significativas, relativas às oportuni-dades escolares, sobretudo na área do Direito. NaI República, 69 dos 73 ministros (94,5%) cola-ram grau nas faculdades de Direito de São Pauloe Recife/Olinda, indicando o predomínio destasescolas na formação dos Magistrados nacionais,e, sobretudo, daqueles com ascensão profissionalelevada. As faculdades de Direito de Pernambucoe de São Paulo reduziram sua participação ao lon-go do governo Vargas (11 dos 21 ministros doperíodo), acompanhando um crescimento no gru-po de membros formados no Rio de Janeiro (sete).Na II República, nenhum ministro nomeado parao STF foi egresso de Pernambuco, sete forma-ram-se no Rio de Janeiro, apenas três em SãoPaulo, mesmo número de oriundos da faculdadede Direito de Minas Gerais. Durante oautoritarismo militar, novamente a UniversidadeFederal do Rio de Janeiro representou a origemde uma proporção significativa dos ministros(33,3%), com São Paulo (15,1%) e, agora, a Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul (15,1%)aparecendo em seguida. Finalmente, no períododemocrático posterior a 1985, verifica-se uma ele-vada dispersão na origem escolar dos ministros,formados em universidades de Rio de Janeiro,Minas Gerais e Rio Grande do Sul (nove casos),mas também de São Paulo, Distrito Federal,Maranhão e Sergipe. Em resumo, a tendência maisnítida, quando se observa a formação universitá-ria dos ministros, é a clara dispersão, com umamudança de uma situação em que praticamentetodos os membros da Corte Suprema eramdiplomados em Pernambuco e em São Paulo, paraum crescimento, num segundo momento, deegressos da Universidade Federal do Rio de Ja-neiro e, finalmente, grande diversificação, após oautoritarismo militar. A expansão na rede de ensi-no superior, com a multiplicação de escolas deDireito no início do século XX certamente repre-sentou fator importante para a maior diversifica-ção na origem dos diplomas universitários dosministros do Supremo Tribunal Federal.

Essa mudança pode ser constatada, igualmen-te, quando se considera a mobilidade territorial,produto da discrepância entre estado de nascimen-to e estado de titulação universitária. Na I Repú-blica, 71,2% dos ministros do STF obtiveram seu

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diploma universitário fora de seu respectivo esta-do natal. Este fenômeno apresenta sucessiva re-dução, chegando a apenas 26,7% dos ministros,após 1985. A expansão da estrutura universitáriapode ter contribuído para este resultado, mas nãose deve subestimar, também, a perda de impor-tância de diplomas emitidos por instituições espe-cíficas (como foram Recife/Olinda e São Paulo,na República Velha, ou o Rio de Janeiro, mais tar-de), como filtros de carreiras ascendentes.

O primeiro cargo profissional ocupado cons-titui a porta de entrada para a carreira pública,indicando oportunidades desiguais para as traje-tórias individuais. Para o conjunto do período, oscargos de Promotor Público (31,4%) e Juiz(21,8%), representam o acesso mais freqüente àcarreira no Judiciário. Contudo, é possível obser-var discrepâncias salientes, quando se desagregaessa informação por períodos. Iniciar a carreiradiretamente como Juiz ou Promotor constituiu umpadrão predominante, durante a I República(78,1% dos ministros indicados para o STF, en-tre 1891 e 1930, iniciaram sua vida profissionalnesses postos). É provável que o procedimentode indicação de juízes, naquele contexto, tenha

contribuído para a freqüência de ingresso na car-reira diretamente para aquele posto. Como exem-plo, pode-se considerar a biografia de Eloy Joséda Rocha, nomeado pelo Presidente da província,Borges de Medeiros, e pelo Presidente do Superi-or Tribunal de Justiça do Estado e, então, Diretorda faculdade de Direito, Manoel André da Rocha,Juiz distrital em São Francisco de Paula. O pecu-liar neste caso consiste em que a nomeação ocor-reu antes mesmo da obtenção do título universitá-rio, quando Eloy Rocha ainda cursava o últimoano da faculdade de Direito (BRASIL. SUPRE-MO TRIBUNAL FEDERAL, 2007c).

Contudo, o início de carreira dos futuros mi-nistros apresentou-se mais modesto em outrosperíodos: após 1985, por exemplo, apenas 26,6% dos indicados para a Corte debutaram comojuízes e promotores, enquanto 40% o fizeram comoadvogados e 26%, funcionários públicos. Estainformação parece indicar, de um lado, maiorseletividade para o acesso a cargos como Juiz ePromotor, logo no início da carreira profissional,e, paralelamente, um aumento na possibilidade deum indivíduo alcançar a cúpula do Judiciário mes-mo iniciando carreira fora da magistratura.

QUADRO 5 – PROFISSÕES DE INÍCIO DE CARREIRA DOS MINISTROS DO STF

FONTE: os autores, a partir de Brasil. Supremo Tribunal Federal (2007), até 20.set.2007.

Uma mudança no padrão de mobilidade geo-gráfica fica evidente quando reconstitui-se parteda trajetória profissional empreendida após a con-clusão dos estudos universitários. Talreconstituição é feita por meio do registro de cadaum dos cargos e postos públicos ocupados até anomeação para uma vaga no STF. Na I Repúbli-ca, quase dois em cada três (64,4%) ministros

indicados percorreram mais de um estado ao lon-go de sua carreira profissional. A trajetória doMinistro Eduardo Pindahiba de Mattos é exem-plar desse padrão de mobilidade geográfica, ca-racterístico da I República: formado em Olinda(1851), é nomeado Juiz municipal e de Órfãos,em Itaguaí (RJ), em 1854, Mangaratiba (1855) e,novamente, Itaguaí (1858). Posteriormente, é

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nomeado Juiz de Direito, em Mogi-Mirim (SP),em 1858. Paralelamente à carreira jurídica, é tam-bém Chefe de Polícia do Rio Grande do Sul (1859).Novamente nomeado Juiz, em Turiaçu (MA), em1861, deixa esse cargo para ser Chefe de Polícia,em Minas Gerais (1863); depois, é Vice-Presidenteda província do Espírito Santo e, novamente,Chefe de Polícia, agora, em Pernambuco (1864);ocupa o mesmo cargo, ainda, no Espírito Santo(1865) e no Rio de Janeiro (1867); é nomeadoVice-Presidente da província do Rio de Janeiro(1867). Volta a ser Juiz de Direito, em Rezende(RJ, 1868) e, posteriormente, em Barra Mansa(1874). É nomeado Desembargador da Relaçãodo Ceará (1878) e, depois, removido para a Cor-te, em 1880, para o cargo de Procurador da Co-roa e Juiz da Corte de Apelação do Distrito Fede-ral (1890) (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FE-DERAL, 2007b).

Há uma inversão expressiva no padrão apre-sentado pelos ministros indicados, entre 1930 e1964, estabilizando-se, posteriormente, em umquarto dos membros com mobilidade geográficana trajetória pública. Igualmente, ao considerar onúmero médio de estados em que os ministrosocuparam postos públicos, verifica-se uma redu-ção de 2,5 estados, durante a I República, até umpatamar equivalente à metade, correspondente a1,3 estados, após 1985. Em outras palavras, pode-se destacar uma mudança no padrão das carreirasjurídicas, com maior fixação no estado de origeme menor circulação territorial. Contudo, não é pos-sível identificar uma alteração correlata no núme-ro médio de cargos ocupados, que oscilou de 5,6,durante a I República, para 5,3, sob as institui-ções poliárquicas do período posterior aoautoritarismo. A permanência temporal em cadacargo parece apresentar discrepância, reduzida de5,6 anos (I República), para menos da metade (2,1anos), após 1985. Mais sugestivo ainda, foi o en-curtamento no tempo de carreira, equivalente aotempo entre o primeiro cargo e a indicação para oSTF, que oferece uma medida da experiência ad-quirida na atividade jurídica: ministros indicadosdurante a I República gastavam, em média, 27,4anos entre o início e a chegada na cúpula do po-der Judiciário. Esse tempo sofreu ligeira redução,fixando-se em torno de 20 anos, entre 1930 e1984, para finalmente ser encurtado ao valor mé-dio de 13,6 anos de carreira, entre os ministrosindicados durante o ciclo democrático posterior a1985.

Carreiras mais diversificadas, vinculadas aoestado de origem, com menor mobilidade geográ-fica, mas também mais breves em sua extensãotemporal e com menor fixação em cada um doscargos intermediários ocupados. O que essa in-formação pode indicar acerca das mudanças nospadrões de recrutamento para a cúpula do Judici-ário? Mobilidade territorial costuma ser interpre-tada como um processo responsável porreconversão de valores e preferências originais,contribuindo para a formação de elites políticas,sociais, culturais, jurídicas etc., dotadas de coe-são e uniformidade (CARVALHO, 1980), refor-çando a institucionalização das estruturas capa-zes de impor custos e barreiras de entrada maisseletivos e rigorosos. A mobilidade territorial daelite imperial, como condição para a ascensão in-dividual nos cargos públicos, e padrões de recru-tamento e mobilidade em instituições militares sãoexemplos do efeito provocado pela circulação ge-ográfica, a qual age como um mecanismo de dis-solução de vínculos originais e incorporação deparâmetros institucionais. Se isso é correto, comointerpretar as tendências de menor mobilidadegeográfica verificadas desde os anos 30 e presen-tes ainda hoje? Para responder a essa questão,provavelmente seja necessário considerar a ex-pansão institucional do poder Judiciário, com aampliação de tribunais e da relação juízes/habitan-tes. À medida em que a estrutura institucional doJudiciário tornou-se mais complexa e dotada demaior cobertura e extensão sobre o território na-cional, deve ter ocorrido um aumento na deman-da por juízes de primeira instância, tribunais deapelação, tribunais especiais etc., permitindo aprogressão de carreiras sem a necessidade dodistanciamento geográfico exigido quando essaestrutura era mais rarefeita. Em alguma medida,esse crescimento e burocratização do poder Judi-ciário, no período posterior a 1930, indicam quetais fatores contribuem, também, para a maiorautonomia de seu órgão de cúpula. Em sentidosemelhante, pode-se sugerir que esse processo deexpansão da estrutura judicial acompanha a ten-dência do período, em que se consolida a autori-dade central ante os grupos locais, os quais pas-sam a ser, em grande medida, dependentes da-quela (LEAL, 1997).

Conforme já mencionado, para mensurar ainstitucionalização de um órgão como o Supre-mo Tribunal Federal, deve-se considerar (1) a suadiferenciação e o estabelecimento de fronteiras

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em relação a outras esferas institucionais; (2) asua durabilidade e a resiliência; por fim, (3) a suaautonomia política e operacional face aos pode-res Executivo e Legislativo (MCGUIRE, 2004).O uso de dados relativos aos padrões de carreirados ministros da Corte permite identificar a exis-tência de processos de diferenciação e em quemedida o recrutamento dos membros obedece aum padrão de profissionalização e períciaendógenos, no qual prevalecem carreiras estrita-mente jurídicas, ou, inversamente, se há presençade maior porosidade e fronteiras mal definidas,com deslocamentos freqüentes entre os campospolítico (Executivo, Legislativo) e jurídico.

Uma primeira informação relevante para reve-

lar esses distintos padrões de recrutamento con-siste no registro de filiação partidária, efetuado pe-los futuros ministros do STF em algum ponto desuas trajetórias públicas e profissionais. Filiaçãopartidária indica, aqui, uma estratégia de investi-mento no campo político (BOURDIEU, 1989;GAXIE, 1993), ou, ainda, a constituição de cone-xões partidárias, eventualmente necessárias paraimpulsionar as carreiras no campo jurídico, o queindica, precisamente, a fluidez de fronteiras e opotencial da reconversão do capital político (vo-tos, relações, compromissos políticos etc.) emmobilidade profissional no poder Judiciário, emdetrimento de um capital profissional específicodeste (desempenho, perícia, formação jurídica etc.).

QUADRO 6 – EXPERIÊNCIA JURÍDICA, POLÍTICA E ADMINISTRATIVA DOS MINISTROS DO STF

FONTE: os autores, a partir de Brasil. Supremo Tribunal Federal (2007), até 20.set.2007.NOTA: o poder Executivo, o poder Legislativo, a burocracia, a advocacia e a docência universitária não constituematividades mutuamente excludentes e, por isso, a soma dos percentuais pode exceder 100%.

Na I República, a metade dos membros indica-dos para o Supremo eram filiados a partidos políti-cos. A partir de 1930, esta proporção sofre redu-ção significativa, revelando a mudança no padrãode indicações promovido por Getúlio Vargas, coma preferência por indivíduos extraídos fora do campopolítico constituído pelos partidos republicanos.Essa interpretação pode ser reforçada ao observar-se o incremento de indivíduos com passagem pelaadvocacia e, em menor medida, pela burocraciapública, entre os nomeados durante o primeiro ci-

clo governamental de Vargas. As indicações demagistrados recrutados junto a partidos políticosvoltam a subir, durante a II República, estabilizan-do-se, posteriormente, no autoritarismo militar ena redemocratização, em uma proporção próximaa um terço dos ministros. A identificação do mo-mento em que a filiação partidária é realizada indi-ca, para todos os períodos, seu registro precocedentro da carreira profissional, por conta, prova-velmente, de um contexto em que as perspectivasde ascensão ainda não estão nítidas.

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CAMINHOS QUE LEVAM À CORTE

Ao lado da filiação partidária, uma informaçãorelevante sobre as fronteiras entre os campos po-lítico e jurídico pode ser extraída por meio da iden-tificação da natureza dos cargos ocupados pelosministros ao longo de suas trajetórias profissionais.Trata-se de isolar a dimensão do grupo de magis-trados que percorreram uma carreira exclusivamen-te constituída no interior do poder Judiciário, emcontraste com aqueles cuja atividade apresenta umacirculação entre postos no Executivo, Legislativo eJudiciário. Mais uma vez, a I República confirmaum padrão de recrutamento exógeno: quase doisem cada três ministros apresentaram passagem porpostos no poder Executivo (federal ou estadual), epouco menos da metade (43,8%) havia sido eleitapara cadeiras no Legislativo, antes da indicação parao Supremo Tribunal. Novamente, uma inflexãopronunciada ocorre a partir dos anos 30, quandose verifica expressivo declínio de ministros compassagem prévia pelo Executivo ou Legislativo, aolado do aumento, já mencionado, de indicados comatividade profissional de advogado. Embora em ní-veis mais modestos do que na I República, entre1946 e 1984, um expressivo número de ministrosainda revela em seu currículo uma passagem pelocampo político.

Um padrão de recrutamento endógeno, comomedida da institucionalização da cúpula do Judici-ário, pode ser identificado quando isola-se a in-formação relativa aos membros do STF que per-correram sua carreira profissional exclusivamen-te em postos do poder Judiciário (Promotor, Juiz,Desembargador), até a indicação para uma vaga noSupremo. Este grupo é bastante residual (11%),durante toda a I República, conhecendo um refor-ço durante o autoritarismo militar, até atingir a pro-porção de um terço dos ministros indicados após1985. Parece indicado proceder à leitura dessa in-formação sob dois ângulos: de um lado, ela revelauma tendência progressiva na direção de um re-crutamento endógeno; por outro, mesmo após 115anos de constituição do STF, apenas um em cadatrês ministros que chegam à cúpula do Judiciário ofazem baseados em uma carreira exclusivamentejurídica, o que indica os limites ainda existentes parauma diferenciação com o campo político.

V. CONCLUSÕES GERAIS E IMPLICAÇÕESDO ESTUDO

Considerando o conjunto do período analisa-do, que cobre a indicação de ministros para o STJie STF, pode-se identificar três grandes mudanças

nos padrões de carreira dos ocupantes de cadei-ras na cúpula do poder Judiciário brasileiro. Emprimeiro lugar, destaca-se uma redução na mobi-lidade territorial, ao observar-se o estado de nas-cimento, de obtenção do diploma universitário e odesenrolar da carreira profissional, até o ingressona Corte. Inicialmente, no Império, mas tambémna I República, as carreiras dos futuros membrosda Corte Suprema foram marcadas por alta cir-culação geográfica entre estados, condição para aobtenção de um título universitário, em decorrên-cia da concentração de instituições de ensino su-perior em apenas algumas províncias/estados,como também para o ingresso e ascensão na fun-ção pública (não apenas judiciária). Uma inflexãosignificativa neste padrão ocorre apenas na déca-da de 1930, durante o primeiro governo de Vargas.

Provavelmente, a diversificação institucional naoferta de cursos universitários de Direito, ao ladode uma expansão e de um aumento da complexi-dade da estrutura do poder Judiciário, tenha con-tribuído para a constituição de carreiras profissi-onais mais fixadas no estado de origem dos futu-ros ministros. Se, até 1870, Coimbra era respon-sável pela formação jurídica da proporção majori-tária dos ministros, ao final do Império,Pernambuco assume a condição de centro for-mador de dois em cada três ministros, mantendosua condição quase oligopólica durante toda a IRepública, e dividindo, agora, este status com afaculdade de Direito de São Paulo. Finalmente, apartir dos anos 30, verifica-se uma forte diversi-ficação das faculdades responsáveis pela titulaçãodos ministros, com incremento na importânciaadquirida por universidades de Minas Gerais, Riode Janeiro e, em menor escala, Rio Grande doSul. Em contraste, durante a II República, apenastrês ministros foram formados em São Paulo, enenhum em Recife.

Por fim, o aspecto mais importante associadoàs mudanças nos padrões de recrutamento estárelacionado com o lento incremento na proporçãode ministros nomeados após carreiras profissio-nais exclusivamente jurídicas. Durante o Impé-rio, embora houvesse limitação para nomeaçõesde indivíduos que exerciam exclusivamente fun-ções judiciais, pouco mais de um em cada dezministros havia percorrido unicamente profissõesjurídicas, e cerca de dois terços dos ministrosapresentavam experiência política (no Executivoou no Legislativo) em seu curriculum, além de ser

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possível observar uma expressiva freqüência nasobreposição de carreiras jurídicas e funções po-liciais de promoção da ordem e exercício da coer-ção. Mais uma vez, ruptura saliente ocorre no go-verno de Vargas, quando se verifica uma diminui-ção dramática de ministros com filiação partidá-ria. Mas a maior inflexão na seleção de ministroscom trajetórias profissionais exclusivamente jurí-dicas ocorre durante o autoritarismo militar, che-gando, após a redemocratização, à proporção deum em cada três ministros.

A partir desse ponto, sugere-se a relevân-cia de uma continuidade dos trabalhos a cerca dacomposição de cortes judiciais em, pelo menos,duas direções: de um lado, parece relevante ex-plorar a relação entre os achados desta pesquisa(menor mobilidade territorial, mais diversificaçãoescolar e moderada tendência à maiorprofissionalização a partir das carreiras profissio-

nais) e os padrões decisórios adotados por essascortes em diferentes períodos. Trata-se de verifi-car se a menor probabilidade de vinculação ao po-der Executivo federal, presente em carreiras commenor circulação geográfica e maior vinculação auma perícia constituída no campo jurídico,corresponde, efetivamente, a decisões mais inde-pendentes em relação às preferências daquele po-der, potencializando um sistema de checks andbalances, como prescrito pelos founding fathers.Paralelamente, estudos comparativos sobre supre-mas cortes (nos EUA e na América Latina) e Tri-bunais Constitucionais europeus poderão trazerinformações relevantes sobre o efeito das regrasrestritivas de nomeação de ministros, verificandose a existência de indicações reservadas a candi-datos com experiência jurídica repercute em pa-drões de recrutamento endógenos, bem como nodesempenho institucional dessas cortes.

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André Marenco dos Santos ([email protected]) é Doutor em Ciência Política pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Ciên-cia Política da mesma Universidade.

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ROUTES THAT LEAD TO THE COURTS: CAREERS AND RECRUITMENT PATTERNSFOR BRAZILIAN SUPREME COURT JUSTICES (1829 -2006)

André Luiz Marenco dos Santos and Luciano Da Ros

This article analyzes changes and continuities in recruitment patterns for high-level justices in theBrazilian court system between 1829 and 2006. For these purposes, we analyze data on: 1) socialorigin and 2) juridical, political and penal system careers for members of the Supreme Courts (SupremoTribunal de Justiça from 1829-1890; Supremo Tribunal Federal, 1891-2006). We take a separatelook at the social attributes of the individuals who have been recruited to these courts, identifyingthe characteristic traits of each generation of justices, emphasizing the importance of specificinstitutions of higher education for the prospects of a juridical career, states of origin and cases ofgeographical mobility within the different periods. We also look at the degree of differentiation inthe juridical sphere in relation to spheres that are of a specifically political character, a question thatis considered fundamental from the perspective of prospects for institutionalization. Our findingsoffer clues for comprehending the longitudinal changes that take place in career and recruitmentstandards for Brazilian supreme courts as well as the social, institutional and political requirementsthat pertain to the trajectories of this segment of the juridical field. Fundamentally, we have observeda gradual increase in individuals belonging to an exclusively juridical universe: people who havefollowed careers both in the juridical field and other arenas – whether political or linked to repressiveState apparatuses – prevail throughout the periods under consideration. Decreased geographiccirculation throughout the careers of future ministers, as well as the diversification of the institutionsof higher education where their degrees are obtained (both phenomena particularly pronouncedafter the first Vargas period) further suggest - although rather paradoxically - the increased autonomyof the Court

KEYWORDS: juridical careers; recruitment patterns; Supremo Tribunal Federal ; SupremoTribunal de Justiça .

LES CHEMINS MENANT À LA COUR: CARRIÈRES ET CRITÈRES DE RECRUTEMENTDES MINISTRES DES INSTITUTIONS MAJEURES DU POUVOIR JUDICIAIRE BRÉSILIEN(1829-2006)

André Marenco dos Santos e Luciano Da Ros

Cet article analyse les changements et les continuités dans les critères de recrutement des ministresdes institutions majeures du pouvoir judiciaire brésilien de 1829 à 2006. A cet effet, sont examinés lesdonnées concernant 1) l’origine sociale et 2) les carrières juridiques, politiques et coercitifs desmembres du Supérieur Tribunal de Justice (18299-1890) et du Suprême Tribunal Fédéral (1891-2006). Nous avons mis à part les attributs sociaux des individus recrutés pour ces tribunaux et nousavons non seulement identifiés les caractéristiques propres à chaque génération de ministres, maisencore souligné l’importance des institutions universitaires spécifiques dans la projection de carrièresjuridiques, les régions d’origine et le phénomène de mobilité géographique dans des périodes diverses.Nous avons également observé le degré de différence de champs juridiques par rapport à ceux denature typiquement politique, ce qui est considéré comme essentiel à l’institutionalisation de cetorgane de justice. Les résultats nous permettent de mieux comprendre le changements longitudinauxqui existent dans les standards de carrière et recrutement pour les cours suprêmes brésiliennes et lesexigences sociales, institutionnelles et politiques qui accompagnent les trajectoires dans cette parcelledu champ juridique. Nous observons spécialement une lente croissance du nombre d’individusoriginaires de l’univers essentiellement juridique, et il ressort que souvent ce sont des individus ayanteu des carrières tant dans le domaine juridique que dans d’autres domaines, soit politiques soit liés àl’appareil coercitif de l’État, qui l’emportent. Le fléchissement de la circulation géographique au longde la carrière des futurs ministres, et la diversification de ses instituitions supérieures décernant destitres, tous deux surtout après la première Ère Vargas, suggèrent, bien que ce soit assez paradoxal,un accroissement de l’autonomie de l’institution.

MOTS-CLÉS: carrières juridiques ; standards de recrutements ; Supérieur Tribunal de Justica ;Suprême Tribunal Fédéral