revistas científicas: desenvolvimento e gestão de política editorial

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Estudo comparado das normas e estruturas e dos critérios e procedimentos de editoração do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) . Parte I Elementos de desenvolvimento e gestão de uma nova política editorial A editoração científica adota cada vez mais formas e modelos alternativos de publicação, promove transparência, e principalmente explora ao limite as potencialidades da publicação eletrônica. Busca abordagens que reduzem pressões desnecessárias sobre autores, revisores e especialistas, diminuem o intervalo entre submissão e publicação, e mudam o foco das decisões editoriais de ‘se’ um artigo deve ser publicado para ‘como’ publicá-lo. NTENDE-SE POR ‘EDITORAÇÃO’ o gerenciamento dos processos de edição através dos quais informações são corrigidas, condensadas, organizadas, em uma só palavra modificadas para se tornarem, tanto quanto possível, mais precisas, consistentes, completas, úteis e acessíveis. Esse processo transformador resulta de uma soma de habilidades criativas, relações humanas, e conjuntos precisos de métodos, da qual sobressai a colaboração do autor com várias editorias compostas de assistentes e supervisores, que por sua vez se reportam a um E Pedro Scuro Neto, M.Soc.Sc. (Praga), PhD (Leeds), consultor em cooperação técnica internacional; http://leeds.academia.edu/PedroScuro/Papers; http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Scuro_Neto

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Estudo comparado das normas e estruturas e doscritérios e procedimentos de editoração do INEP

(Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira).

Parte IElementos de desenvolvimento e gestão de uma nova

política editorial

A editoração científica adota cada vez mais formas e modelosalternativos de publicação, promove transparência, eprincipalmente explora ao limite as potencialidades dapublicação eletrônica. Busca abordagens que reduzem pressõesdesnecessárias sobre autores, revisores e especialistas,diminuem o intervalo entre submissão e publicação, e mudam ofoco das decisões editoriais de ‘se’ um artigo deve serpublicado para ‘como’ publicá-lo.

NTENDE-SE POR ‘EDITORAÇÃO’ o gerenciamento dos processos

de edição através dos quais informações são corrigidas,

condensadas, organizadas, em uma só palavra modificadas

para se tornarem, tanto quanto possível, mais precisas,

consistentes, completas, úteis e acessíveis. Esse processo

transformador resulta de uma soma de habilidades criativas,

relações humanas, e conjuntos precisos de métodos, da qual

sobressai a colaboração do autor com várias editorias compostas

de assistentes e supervisores, que por sua vez se reportam a um

E

Pedro Scuro Neto, M.Soc.Sc. (Praga), PhD (Leeds), consultor em cooperação técnica internacional; http://leeds.academia.edu/PedroScuro/Papers; http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Scuro_Neto

2

editor executivo. Quanto mais curta a cadeia editorial mais as

funções das diferentes editorias se sobrepõem, conformando uma

situação característica à ‘editoração científica’ (academic

publishing), ramo específico focado nos princípios e práticas

usados pela comunidade científica e acadêmica para divulgar seus

argumentos e pesquisas, e validá-los. Dito de modo mais

prosaico, “ajuda os pesquisadores a mostrar o que descobriram

uns aos outros, reivindicar que descobriram primeiro, e provar a

seus chefes e financiadores que não estiveram à toa”.1

A contribuição maior – e a intenção – da editoração

científica é ampliar cada vez mais o avanço do ensino, das

práticas e da pesquisa difundindo métodos e técnicas rigorosas,

documentando o melhor da produção científica, favorecendo a

reprodutibilidade (um dos pilares do método científico) e a

revisão por especialistas do mesmo escalão que o autor. Na

verdade, não necessariamente “do mesmo escalão”, pois “peer review

não é nada mais e nada menos que revisão por especialistas,

diferentemente de revisão por quem não é” 2. Para todos os

efeitos, ela se tornou um ‘modelo’ de editoração, graças à

tecnologia (no começo com a copiadora Xerox e mais tarde com a

TI), e sinônimo de ciência de qualidade, antídoto contra

publicações sem interesse, e economia de tempo e recursos. Sem

descartar, no entanto, casos extraordinários como o arquifamoso

paper de Watson e Crick 3, publicado sem nunca ter sido submetido

1 Publishing, perishing, and peer review. The Economist, 22 jan. 1998. Disponívelem http://www.economist.com/node/6037192 Sir Mark Walport, diretor, Wellcome Trust (a “maior agência privada de financiamento de pesquisas no Reino Unido”, Financial Times, 4 Out. 2012) (comunicação pessoal).3 J. D. Watson & F. H. C. Crick. A structure for deoxyribose nucleic [deoxyribonucleic] acid. Nature, 171, 1953: 737-738.

3

a especialistas, ou de artigos citadissímos e até premiados, mas

que foram recusados pela peer review. 4

2. REVISÃO POR ESPECIALISTAS

O que realmente preocupa, no entanto, são as restrições ao

‘modelo’ revisão por especialistas na base de casos em que

pareceristas demonstram falta de “familiaridade com a

literatura” e mesmo de integridade. Alega-se, nesse sentido, que

enquanto o especialista rejeita um artigo porque os argumentos e

conclusões conflitam com as suas convicções, aprova outro

simplesmente por conta do autor trabalhar em uma instituição de

prestígio. Situação comprovada por experimentos em que artigos

publicados por autores de instituições de renome são

redigitalizados e submetidos novamente como se tivessem sido

escritos por autor independente ou membro de instituição menos

conhecida. Constatou-se, na maioria dos casos, que não apenas o

especialista deixou de perceber que se tratava de material já

publicado como também desaconselhou a publicação. 5

Exemplos assim obrigam entidades científicas importantes a

declarar que, apesar da revisão por especialistas ser um

procedimento “amplamente adotado e menos dispendioso” existe

“pouca evidência empírica que justifique a sua utilização como

garantia de pesquisa de qualidade”. 6 Do mesmo modo se afirma

que “muitos pareceres não valem o papel em que são redigidos”, e4 Nature, o mais citado de todos os periódicos científicos, não submete a revisão por especialistas a maioria dos artigos que recebe; não antes que o editor decida se o texto é inovador e se está ajustado à linha editorial da revista. Um caso famoso de rejeição por essa mesma revista foi o paper de Enrico Fermi sobre a interação dos raios beta, que o editor considerou “fora da realidade”. 5 David Shatz. Peer review: a critical inquiry (issues in academic ethics). Rowman & Littlefield, 2004.

4

se critica o sigilo e o anonimato da revisão por especialistas,

e por ela ser instrumento de establishments empenhados em “prevenir

a divulgação de ideias, metodologias e pontos de vista não

ortodoxos, tenham méritos ou não”. 7 Tudo sugerindo que a

editoração científica está atravessando uma ‘crise’ ou pelo

menos sofrendo – na expressão do diretor de uma das maiores

editoras universitárias do mundo – de uma “doença crônica” 8

que, mesmo não sendo fatal, desacelera o progresso científico e

provoca antagonismo em relação à ciência na população e na

própria comunidade científica. Caso da “descoberta” da relação

entre autismo e a aplicação de determinada vacina (MMR), a

partir de experimentação na base de evidências frágeis, coleta

de dados de um número limitado de casos pré-selecionados, e

procedimentos aéticos de pesquisa.9 Esses defeitos não impediram

os editores, revisores e especialistas recomendasse a publicação

da pesquisa por um dos mais conceituados periódicos científicos

do mundo, e os resultados foram imediatamente acolhidos por

6 T. Jefferson et al. Editorial peer review for improving the quality of reports of biomedical studies. Cochrane Database of Systematic Reviews, 2007. Disponível em http://summaries.cochrane.org/MR000016/editorial-peer-review-for-improving-the-quality-of-reports-of-biomedical-studies. Mais de 28 mil voluntários da Cochrane Collaboration em mais de uma centena de países organizam pesquisas médicas baseadas em evidências, abordagem reprodutível também em experimentos sociais. Cf. Pedro Scuro Neto. School strife and socialisation: on planning experiment and intervention. Chinese People's Public Security University, 1999. Disponível em http://leeds.academia.edu/PedroScuro/Papers.7 Rethinking peer review, The New Atlantis, nº 13, 2006: 106-110. Disponível em http://www.thenewatlantis.com/publications/rethinking-peer-review8 Modern Language Association. From the ad hoc committee on the future of scholarly publishing. Profession, 2002: 172-86. Disponível em http://www.mla.org/resources/documents/issues_scholarly_pub/repview_future_pub9 A. J. Wakefield et al. Ileal-lymphoid-nodular hyperplasia, non-specific colitis, and pervasive developmental disorder in children. The Lancet, 351 (9103), 1998: 637–641.

5

críticos do sistema de saúde pública e pais de crianças autistas

ou de filhos inoculados com a substância. 10

Contudo, apesar dos pesares e críticas severas, de uma

forma ou de outra a revisão por especialistas (cujos primeiros

registros históricos datam do século XVII 11) segue sendo um

recurso crucial para a reputação dos pesquisadores e a

confiabilidade do seu trabalho. 12 Ainda que a sua evolução seja

errática e às vezes condicionada por mitos e o senso comum, ela

ainda corresponde às necessidades dos diversos ramos da ciência.

Razão pela qual, malgrado suas imperfeições, diferenças de

qualidade e falta de sólida evidência acerca da sua eficácia, a

maioria dos periódicos conceituados a considera “indispensável”

– em particular nas ciências humanas e sociais – para ‘separar o

joio do trigo’. O que por si só parece justificar cada vez mais

frequentes conclamações aos protagonistas da editoração

científica – quem edita, trabalha com pesquisa e a financia – a

“trabalhar em conjunto” e aprender sobre gerenciamento de dados,

ética e integridade, de modo a prevenir práticas e ocorrências

desmoralizadoras para a ciência e a comunidade científica. 10 Na origem do experimento, segundo uma reportagem, estavam “conflitos de interesse financeiro”. Brian Deer. Revealed: MMR research scandal. The Sunday Times. 22 fev. 2004. A. Alaszewski. How campaigners and the media push bad science. British Medical Journal, 342, 2011: d23611 Philosophical Transactions of the Royal Society [http://rstl.royalsocietypublishing.org/]. No entanto, há notícias sobre ela ser ainda mais antiga, provavelmente desde quando no primeiro livro escrito sobre ética em medidicina Ishaq bin Ali Al Rahwi (854–931 AC) instou seus colegas a tomar notas acerca dos pacientes, para serem revistas mais tarde porum júri de médicos. M. Zuheir Al Kawi. History of medical records and peer review. Annals of Saudi Medicine, 17 (3), 1997: 277-278. Disponível em http://www.kfshrc.edu.sa/annals/Old/173/96-301ed.pdf12 Dos pesquisadores 90% acham que revisão por especialistas eleva a qualidade da pesquisa publicada, e 84% que sem ela não haveria controle da comunicação científica. Sense About Science – Peer Review Survey 2009: Preliminary Findings. Disponível em http://www.senseaboutscience.org.uk/presentations/PeerReviewSurvey.ppt.

6

Os periódicos científicos são os criadores das regras e normas

que determinam a ética e a integridade da ciência; eles são o

elemento decisivo na construção de um sentimento de confiança da

população em relação à ciência. Sem eles haveria apenas

cacofonia de vozes e pleitos sem respaldo na avaliação de

qualidade e autenticidade. As revistas científicas moldam de

forma categórica a ética do conhecimento orientado à efetiva

utilização pública do saber. 13

Nesse sentido, mais e mais editores adotam modelos

alternativos de editoração, convidam autores a escrever artigos

e acolhem suas indicações de especialistas, selecionam artigos

mediante pontuação estruturada, promovem transparência, revisão

aberta, restringem o acesso dos pareceristas aos resultados das

pesquisas, e, em particular, exploram ao limite as

potencialidades da publicação eletrônica. Abordagens que reduzem

pressões desnecessárias sobre autores, revisores e

especialistas, diminuem o intervalo entre a submissão e a

publicação do artigo, e mudam o foco das decisões editoriais de

‘se’ um artigo deve ser publicado para ‘como’ publicá-lo 14.

3. OS “GRANDES VIABILIZADORES”

Em algumas paragens, porém, vigora uma perspectiva

diferente que destaca tendências “naturais”, espontâneas, da

editoração científica e enfatiza a influência de atores-chave e

tecnologia. Não somente as críticas à peer review são ignoradas

como também as transformações que atravessa, enquanto a

editoração como um todo é restringida à obrigação de fazer13 Richard Horton, editor, The Lancet. In: Peer review in scientific publications. House of Commons Science and Technology Committee. 2011: 5.14 J. Scott Armstrong. Peer review for journals: evidence on quality control, fairness, and innovation. Science and Engineering Ethics, 3 (1), 1997: 63-84.

7

chegar o conhecimento o mais rapidamente possível o conhecimento

ao leitor. Missão relativizada, por sinal, pela demora das

revistas em divulgar informação – em média, de vários meses a

dois anos entre submissão e publicação 15– algo que metade dos

periódicos eletrônicos brasileiros escamoteia, simplesmente não

informando a data de recebimento dos textos.16 Missão

influenciada, ademais, pela aparente dificuldade de entender a

sobreposição das funções na editoria científica, preferindo

admitir o observador que “não se sabe” ao certo qual é

atualmente a função da “equipe do editor geral”, e concluir que

o fundamental é o periódico ter “retaguarda institucional” 17. Ou

seja, respaldo de entidades de pesquisa e ensino, e,

principalmente, conselho de política editorial, do qual o editor

não precisa fazer parte, exceto se for o caso de “decidir sobre

a permanência dele próprio na função”. No mais, as atividades

das equipes de editoração limitam-se cada vez mais a “aspectos

não científicos” dependentes de softwares autossuficientes 18,

“grandes viabilizadores” da editoração científica, que

[...] a par de oferecer uma série de procedimentos via Internet,

permitindo a submissão e a avaliação através de navegadores

(browsers) [...] de certo modo [certificam] a revista como possuidora

15 G. Ellison. The slowdown of the economics publishing process. Journal of Political Economy, 110 (5), 2002: 947-993.16 Sely M. S. Costa e Luisa V. S. Guimarães. Qualidade de periódicos científicos eletrônicos brasileiros que utilizam o sistema eletrônico de editoração de revistas (SEER). Inf. Inf., Londrina, 15 (nº esp.), 2010: 89.17 Piotr Trzesniak. A estrutura editorial de um periódico científico. In: A. A.Z. P. Sabadini, M. I. C. Sampaio, S. H. Koller (org.), Publicar em psicologia: um enfoque para a revista científica. Associação Brasileira de Editores Científicos de Psicologia/ Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2009: 88.18 O Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER), por exemplo, uma adaptação do Open Journal Systems (OJS) usado para gerenciar 11.500 publicações, como parte de um experimento (Public Knowledge Project) de três universidades americanas e canadenses sobre o “potencial de novas tecnologias”.

8

de uma retaguarda administrativa bem organizada e bem

estruturada; [permitindo], assim, uma avaliação mais completa da

qualidade global da publicação, uma vez que [asseguram] um

processo de gerenciamento bem mais transparente e controlado. 19

Exemplo é um software chamado CrossCheck, que grandes

editoras usam para localizar duplicação (texto já publicado),

plágio ou citação sem o devido crédito, através de comparação

com publicações em uma única base de dados com 30 milhões de

artigos de mais de 200 editoras.20 Reciclagem editorial, todavia,

é algo por demais complexo até mesmo para a melhor das

tecnologias. Hoje, a utilização de virtuosos softwares não

ultrapassa 10% de todo material submetido às grandes editoras.

Porcentagem que mesmo sendo maior, mesmo assim deixaria os

“grandes viabilizadores” bem longe de serem alternativa à

revisão por especialistas, apequenada sempre que a intenção é

descrever a editoração em cenários dominados pela tecnologia.

Recursos tecnológicos bem mais sucedidos são os pre-print

servers, como o arXiv – literalmente arquivo de provas de artigos

científicos – usado via acesso online nos campos da matemática,

física, astronomia, informática, biologia quantitativa,

estatísticas e finanças. Recurso que ajuda o autor a submeter

seu artigo ainda em fase bem preliminar da investigação,

permitindo acesso de outros pesquisadores ao texto, agilizando a discussão

e a colaboração conjuntas, ensejando avaliação por atores

especializados mesmo antes de o texto ser submetido a publicação

e formalmente escrutinado. 21

19 Trzesniak, op. cit., p. 99.20 http://www.elsevier.com/editors/perk/plagiarism-detection.

9

Os pre-print servers funcionam particularmente bem nas comunidades

de físicos, onde coexistem com modalidades mais tradicionais de

publicação em revistas. Encorajamos a exploração de suas

características em outras áreas, mas alertamos que podem não

funcionar onde mercado e patentes são determinantes, e onde a

publicação de estudos malfeitos pode ter consequências danosas

ou ensejar interpretações equivocadas. 22

4. EVOLUCIONISMO

Os partidários de ‘grandes viabilizadores’, por sua vez,

acreditam que antes das admiráveis tecnologias aparecerem podia-

se avaliar a qualidade do gerenciamento das revistas científicas

contando apenas com as “declarações dos editores”, ora

destronados em um contexto global de ‘interoperabilidade’. 23

Concluem que por força de disposições naturais a editoração

tende a “mudar ao longo do tempo”, submetida – particularmente

na América Latina – a um processo evolutivo de trajetória

caracteristicamente linear, incremental e progressiva.

Os desafios para os editores científicos, especialmente os da

América Latina, vêm mudando ao longo do tempo. Se em 1960-1980

[eram] simplesmente lançar algo parecido com uma revista capaz

de escoar a produção científica de uma determinada área ou

instituição, em 1990 [passaram] a ser normatizar e, nos anos

2000, indexar. E atualmente, em 2012? São ainda os mesmos de

21 No arXiv.org, hospedado e operado pela Cornell University, as provas podem ser avaliadas por moderadores, não catalogados na sua maioria, e ser submetidas para publicação em revistas, embora algumas permaneçam nessa condição.22 House of Commons Science and Technology Committee, op.cit., p. 26 (O grifo émeu. PSN).23 Em que todos os arquivos de informação científica, mesmo hospedados em máquinas e plataformas distintas, dispersas por todo o planeta, podem ser vistos como uma base de dados única.

10

1990 e 2000 os desafios da publicação científica? Nossa resposta

é não. Esses desafios já estão superados ou em fase de superação.

Propomos, para os próximos dez ou vinte anos, um mesmo, novo,

único desafio para todos os segmentos e atores envolvidos na

construção do conhecimento: a qualidade de conteúdo. 24

Na construção de conhecimento importaria apenas “análise de

conteúdo de pareceres científicos”, cujo objeto, virtude ou

personagem-chave decisivo é a qualificação do avaliador, o

protagonista do contexto propício à “produção de boas revistas”.

Conjuntura composta fundamentalmente de acréscimos: (1) elevação

da quantidade de revistas; (3) melhor atendimento às normas de

estruturação das revistas e apresentação dos artigos –

fortemente influenciado por sistemas de avaliação de docentes/

programas de pós-graduação 25, e bases de dados de texto completo

online 26. Tudo coroado por um terceiro acréscimo (“aspiração

máxima” dos editores latino-americanos e caribenhos), inclusão em

bases de dados e – notadamente quando indexadores passaram a oferecer

livre acesso online a textos completos – a consequente ampliação

da “visibilidade dos trabalhos publicados de um modo antes [...]

sequer sonhado” 27.

24 Piotr Trzesniak et al. Qualidade de conteúdo, o grande desafio para os editores científicos. Revista colombiana de psicologia, 21 (1), 2012: 58.25 Capes e CNPq, no Brasil, e Colciencias, na Colômbia. 26 Databases “autóctones”, como SciELO (Scientific Electronic Library Online, de FAPESP e CNPq, aparceiradas com BIREME – centro especializado da Organização Pan-Americana de Saúde e da Organização Mundial de Saúde) e RedALyC (Red de Revistas Científicas de América Latina y El Caribe, España y Portugal, cujo moto “La ciencia que no se ve no existe” enaltece o condomínio formado por Universidad Autónoma del Estado de México e centenas instituições de ensino superior e sistemas informacionais).27 Trzesniak et al., 2012: 58-60.

11

Com efeito, tímidas avaliações têm sugerido que, no

contexto de experimentos de “comunicação acadêmica sobre livre

acesso”, essas ferramentas facilitam (ou “têm potencial”) para

revitalizar periódicos com revisão por especialistas. 28

Determinante, no entanto, é a dependência das mesmas da

“colaboração entre os interessados” (stakeholders), “comunidades do

conhecimento” cujas relações são viabilizadas por uma

“infraestrutura cibernética e social” (serviços de Internet que

permitem integração funcional de websites e equipamentos móveis

às experiências existenciais, afetivas, úteis e significativas

dos usuários). Somente assim sistemas, produtos e serviços podem

estabelecer limites e determinar quando e se indivíduos e

instituições irão competir e/ou cooperar. 29

Entrementes, em América Latina e Caribe a corrente

evolucionista começa a notar que a “aspiração máxima” dos

editores pode ter-se transformado em grande frustração. Isso

porque os indexadores, não podendo dar conta do enorme crescimento

da quantidade de periódicos 30, resolveram selecionar e criar uma28 D. E. Atkins et al. Revolutionizing science and engineering through cyberinfrastructure: Report of the National Science Foundation Blue-Ribbon Advisory Panel on cyberinfrastructure. National Science Foundation, 2003; Brian D. Edgar & John Willinsky. A survey of scholarly journals using Open Journal Systems. Scholarly and Research Communication, 1 (2), 2010. Disponível em http://src-online.ca/index.php/src/article/view/24/4.29 Cf. D.E. Atkins, Cyberinfrastructure and the next wave of collaboration. Disponível em http://deatkins.blogs.com/dan_atkins_weblog/cyberinfrastructure_initiatives/Atkins%2520%2520Educause%2520Final.pdf30 Na América Latina e Caribe o último estudo detalhado e compreensivo sobre o assunto, à exceção dos periódicos de ciências sociais e humanidades, data de 1962. Mais recente somente relatórios e resenhas restritas a determinados países, sub-regiões, aspectos específicos, seleções de títulos ou revistas individuais. Há também fontes de informação bibliográfica como serviços de informação e bases de dados internacionais sobre determinados títulos, incompletas e inexatas quanto à produção total de países periféricos no contexto global. A tendência de cobertura relativa dos periódicos latino-americanos por essas fontes, ao menos até a chegada de bases autóctones, era

12

“casta de revistas indexadas”, que, supervalorizadas, mesmo sem ter

“nada de excepcional”, se tornaram o destino preferido não só

dos melhores, mas também de “qualquer manuscrito”. O resultado tem

sido aumento da taxa de rejeição, da dificuldade de um artigo

ser aceito, e a criação da aura quase mística que essas revistas

usufruem. 31 Misticismo condicionado, na realidade, pelo mercado

editorial cada vez mais competitivo – a empresa líder mundial na

publicação de artigos médicos e científicos, por exemplo, recebe

anualmente três milhões de artigos, dos quais metade é rejeitada

(os periódicos ‘top de linha’, Cell e The Lancet, publicam 20

artigos semanalmente e rejeitam 95% das submissões). 32

5. ÊNFASE NA VALIDADE

A existência de “castas indexadas” não constitui, na

verdade, um problema. Autores dispõem de ampla gama de revistas

para publicar, e pode, caso o artigo seja recusado, esgaravatar

até encontrar uma revista que aceite o texto. Processo

geralmente demorado que estorva o ideal de divulgação célere da

descoberta científica. Razão pela qual os pesquisadores cada vez

mais consideram submeter seus artigos diretamente a ‘revistas-

repertório’ 33, não focadas no potencial impacto do artigo, mas

na validade 34 da pesquisa, em se os resultados e a metodologia

proposta justificam as descobertas e as conclusões apresentadas.

de queda (menos de 22% dos títulos do Ulrich's Directory, por exemplo). Ana Maria Cetto e Octavio Alonso-Gamboa. Scientific periodical in Latin America and the Caribean: A global perspective. Interciencia. 23(2), 1998: 36-48.31 Trzesniak et al., 2012: 60-61. 32 http://www.elsevier.com/about/at-a-glance33 Repositories of knowledge, em inglês, diferentes de ‘arquivos’, pois os artigos nela contidos são suscetíveis a revisão por especialistas.34 Uma pesquisa é válida se as conclusões decorrem logicamente das premissas e os estágios do argumento são metodologicamente coerentes.  

13

O especialista deixa de avaliar, portanto, tentando adivinhar a

relativa importância da pesquisa ou o provável interesse que o

artigo possa suscitar. Com isso reduz não só sua margem de

subjetivismo, a pressão sobre si mesmo e o tempo entre a

submissão e a publicação do artigo.

Revista-repertório exemplar é a PLoS ONE, lançada em 2006

para “desafiar a academia e sua obsessão por fatores de impacto"35. Quatro anos mais tarde já publicava 6.700 artigos e alcançava

o primeiro lugar no mundo para periódicos baseados em peer review;

a taxa de publicação foi altíssima (69% de todos os artigos

submetidos, sendo que 40% do restante foram publicados por

outras revistas).36 Dos editores se exige apenas que a pesquisa

seja séria e rigorosa; o autor não é obrigado a rever ou refazer

o artigo de modo a alcançar uma classificação mais elevada nem

que encaminhe o paper a um periódico de menor calibre.

Evidências consideradas “impressionantes” pelo Comitê de Ciência

e Tecnologia do parlamento britânico, satisfeito com crescimento

do número de revistas-repertório online de qualidade.

As revistas-repertório tendem a acelerar o ritmo de comunicação

das pesquisas e assegurar que todo trabalho cientificamente

válido seja publicado, não importando as percepções acerca de

sua importância. Há que reconhecer, no entanto, a relativa

novidade do modelo, sua rápida evolução e, por conta da cobrança35 Jim Giles. Open-access journal will publish first, judge later. Nature, 445 (7123), 2007: 9.36 Primeiro lugar inclusive em termos de impacto das revistas – em determinadasáreas, mas não não em outras (cf. http://www.gcu.ac.uk/library/PILOT/publication/publishing_17.html). A revista-repertório PLoS ONE (http://www.plosone.org) é publicada pelo Public Library of Science, um projeto sem fins lucrativos para criar uma biblioteca de revistas e literatura cientifica de acesso livre e conteúdo aberto (i.e., que pode ser reproduzido, reutilizado, revisado e redistribuído sem violar direitos autorais).

14

de taxas de publicação, sua vulnerabilidade a abusos. O

essencial, porém, é a manutenção do alto nível [focado na

validade] da revisão por especialistas. 37

Todos esses desenvolvimentos são completamente perdidos de

vista pela perspectiva evolucionista, fixada em indexadores e na

supremacia de castas de revistas de elite. Acentuam-se, dessa

maneira, questões menores, mas árduas, como a emergência de

‘práticas ruins’: (a) fixação de números mínimos de artigos

publicados anualmente, pelas agências de fomento à pesquisa para

financiar revistas, assim como pelos próprios indexadores para

incluir publicações em seus acervos; (b) ênfase na quantidade de

artigos publicados em revistas, da parte das mesmas agências,

para avaliar a produtividade de pesquisadores e programas de

pós-graduação; (c) popularização de programas de processamento

de textos e de softwares de análise estatística computadorizada, o

que, de um lado, facilitou a tarefa de dar uma aparência

profissional a qualquer artigo ou revista, e, de outro,

propiciou uma “pseudorretaguarda estatística” para informações

inconsequentes, absurdas, ou até mesmo falsas, revestindo-as de

credibilidade. 38

Práticas que por sua vez ensejam sentimentos diametralmente

contrários às percepções de evolução natural e positiva da

editoração científica. Por exemplo, enquanto na era pré-

digitalização artigos de “qualidade aquém da desejável” seriam

“poucos e raros” e, rapidamente repudiados, atualmente

estaríamos correndo o risco de uma “inversão”. Ou seja, “artigos

de boa qualidade” seriam “tão poucos e raros” que se tornariam37 House of Commons Science and Technology Committee, op. cit, p. 32.38 Idem, p. 62.

15

objeto de discussão muito rapidamente e, sendo minoria, quem

sabe “até de repúdio”. Inversão que, de um lado, invalida o

“pressuposto de que apenas o que tem qualidade é processado e

publicado com aparência de sério”, e, de outro, representa um

urgente chamamento à “mobilização consciente da comunidade

científica”. Nada a ver, no entanto, com “aspectos técnico-

normativos”, de vez que prazos, estruturação administrativa das

revistas, política editorial, instruções aos autores, etc. “não

se constituem mais em desafios”, a não ser para “editores

iniciantes” (p. 71).

6. OBSESSÃO POR IMPACTO

Na realidade, porém, mesmo publicações consagradas

enfrentam desafios técnicos e normativos, conforme verifica a

Diretoria de Estudos Educacionais (DIRED/MEC) a partir dos

relatórios das instituições que aferem a qualidade dos veículos

de difusão da produção acadêmica brasileira e os classificam.

Caso do “mais antigo periódico na área de educação do país”,

publicado pelo INEP 39, que ostenta “clara” política editorial,

39 A cargo de uma “assessoria técnica” de “preparação de originais e de programação visual”, e de “colegiados de especialistas” responsáveis pela qualidade editorial e de conteúdo das publicações. MEC/ INEP. Assessoria Técnica de Editoração e Publicações: estrutura, funcionamento e produtos,

16

editoria científica com pesquisadores de “grande reconhecimento

nacional”, projeto gráfico “excelente”, “rica” diversificação

temática, e prazo médio de avaliação de artigos bem inferior à

média internacional.40 O que não bastou, no entanto, para que a

revista fosse incluída no ambicionado “estrato indicativo de

qualidade A1” 41 do sistema Qualis/Capes, cuja escala de

preferência de periódicos determina também a avaliação dos

programas de pós-graduação do país 42.

Essa escala decrescente depende de um controverso elemento,

o ‘fator de impacto’ JCR 43, instrumento “nem sempre confiável”,

segundo a Associação Europeia de Editores de Ciência, que o

recomenda para mensurar e comparar apenas e cum grano salis a

influência de revistas, não de artigos individuais, menos ainda

de pesquisadores e programas de pesquisa. Um reparo

justificável, pois apesar de o tal fator ter sido concebido para

mensurar exclusivamente o impacto de periódicos (medida da

frequência pela qual o ‘artigo médio’ de um periódico foi citado

em determinado ano ou período), acabou regulando também a

qualidade de revistas, artigos e até mesmo da produtividade de

pesquisadores. Fatores de impacto de revistas dependem, na

verdade, de tecnicalidades e não da qualidade científica dos

2010.40 Comissão de avaliação, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Formulario de avaliação, 2012. 41 Publicação amplamente reconhecida, atendimento às normas ABNT, ampla circulação, mínimo de 3 números e 18 artigos por ano, indexação por ao menos 6bases de dados (das quais 3 internacionais), etc.42 Como na Alemanha, Itália e Finlândia, país em que, por exemplo, um artigo com impacto ‘3’ em vez de ‘2’ significava, no ano 2000, mais dinheiro na dotação de um hospital. David Adam. The counting house. Nature. 14 Fev., 415 (6873), 2002: 726–729.43 Journal Citation Reports, publicação anual da Healthcare & Science, divisão da Thomson Reuters, empresa multinacional de mídia e informação baseada em Nova York.

17

artigos publicados; estão condicionados também ao campo de

pesquisa, em particular de amplas áreas de pesquisa em expansão,

cuja rarefeita literatura utiliza muitas referências por artigo.

As disfunções desse instrumento têm sido listadas cada vez

mais frequentemente 44:

(a) os fatores de impacto de um periódico e dos artigos que

publica não são estatisticamente representativos; (b) a

correlação entre fator de impacto do periódico e as citações dos

seus artigos é baixa; (c) os autores consideram diversos

critérios para submeter seus artigos além do fator de impacto de

uma revista; (d) as bases de dados equivocadamente incluem

citações de itens ‘não referenciáveis’; (e) no cálculo de fator

de impacto não se corrigem as autocitações; (f) resenhas

costumam ser muito citadas e inflacionam o fator de impacto dos

periódicos; (g) artigos mais longos são mais citados e

contribuem para elevar o fator de impacto de um periódico; (h)

espaçar citações ajuda a utilização de autocitações e a elevar o

fator de impacto do periódico; (i) citações no idioma nacional

do periódico são preferidas; (j) citações de artigos do mesmo

periódico são preferidas; (k) bases de dados possuem cobertura

incompleta; (l) bases de dados não incluem livros como fonte de

citação; (m) bases de dados têm preferência pelo idioma inglês;

(n) bases de dados são dominadas por publicações americanas; (o)

fator de impacto é função do número de referência por artigo em

determinado campo de pesquisa; (p) campos de pesquisa cuja

literatura rapidamente se torna obsoleta são favorecidos; (q)

fatores de impacto dependem da dinâmica (expansão ou contração)

do campo de pesquisa; (r) a tendência de campos de pesquisa

pequenos é não contar com periódicos de alto impacto; (s)44 Per O. Seglen. Why the impact factor of journals should not be used for evaluating research. British Medical Journal, 314, 1997. Disponível em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2126010/pdf/9056804.pdf

18

relações entre campos de pesquisa (e.g., pesquisa clínica x

pesquisa básica) são muito determinantes para o fator de impacto

dos periódicos; (t) a taxa de citação dos artigos determina o

impacto do periódico, mas não vice-versa.

Malgrado tanta evidência negativa, o fato é que – na

opinião da EASE (Associação Europeia dos Editores Científicos) –

o uso indiscriminado de fatores de impacto continua decidindo “o

preenchimento de vagas e promoções na academia, a outorga de

bolsas e a alocação de recursos para projetos de pesquisa”, e

causando por isso mesmo “grandes injustiças” 45. Na Europa, assim

como na China, onde “mudanças ocorrem lentamente” e ainda mais

devagar quando se trata de desenvolvimento científico. Algo que

se reflete, segundo cada vez mais pesquisadores insatisfeitos,

nas decisões dos gestores que insistem em “alocar recursos

medindo o impacto dos periódicos”. 46 Caso das revistas de

química orgânica, que já contribuíram muito ao desenvolvimento

social, mas que hoje, por conta da “obsessão com fatores de

impacto” e da pesquisa focada em conceitos efêmeros, parecem

envolvidas numa “feira de vaidades”. Mesmo assim, os fatores de

impacto devem ser vistos como medidas objetivas, menos sujeitas

a viés, das quais não se pode prescindir “sem regredir ao tempo

45 EASE Impact Factor Statement. Disponível em http://www.ease.org.uk/publications/impact-factor-statement. No Brasil, alegando ampla difusão mundial “no âmbito das agências de fomento de pesquisa”, ainda se considera que a forma correta de “avaliar a qualidade de uma publicação” é medir o “nível de interesse” de outros pesquisadores e a partir daí resolver a “demanda por financiamento para atividades científicas”.http://bc.bireme.br/f_impacto.htm. Cf. também Herton Escobar, Ranking coloca revistas científicas brasileiras em 'risco de extinção’. O Estado de S. Paulo, 6 Jul. 2009.46 Uma saída talvez fosse espaçar por um período superior a dois anos o cálculoo fator de impacto, para “confirmar que a pesquisa resistiu ao teste do tempo”. Nai-Xing Wang. China's chemists should avoid the Vanity Fair. Nature 476, 2011: 253 (texto condensado). Disponível em http://www.nature.com/news/2011/110817/full/476253a.html 

19

em que se financiava pesquisa para favorecer amigos e

protegidos”.

A relação entre essa medida – com a vantagem adicional de

aliviar os encargos que recaem sobre os especialistas na revisão

– e a qualidade das revistas científicas deve ser, portanto,

melhor conhecida, preocupação subjacente às conclusões da

DIRED/MEC:

No sentido de acompanhar a evolução tecnológica que permeia a

atualidade, e de ampliar o seu nível de qualidade e atuação, a

partir da introdução de elementos inovadores do ponto de vista

conceitual, normativo, e de gestão, considera-se necessário

promover mudanças na linha editorial do Instituto [mediante] a

realização de estudos analíticos/ avaliativos dos componentes,

critérios e procedimentos adotados de modo a potencializar a

linha editorial do Instituto, possibilitando ampliar o seu campo

de abrangência, maior capilaridade, melhor qualidade editorial e

reconhecimento da comunidade acadêmica nacional e internacional,

além de possibilitar uma maior disseminação e publicização de

estudos e pesquisas educacionais, através da proposição de

melhorias. 47

Sentimentos justificados pela ocorrência de problemas

menores, porém recorrentes, expressos através de “sites difíceis

de navegar”, da ausência de “sistema de estatísticas” e

“contador de acesso de artigos”, de poucos “indexadores

nacionais e internacionais”, etc. Questões que podem se

complicar à medida que os editores perdem a memória organizacional,

esquecem como as coisas devem ser feitas e já não podem fazer

mais caso dos conceitos, da experiência e do know-how acumulado

47 Projeto BRA/04/049, Termo de referência nº 137877 (O grifo é meu. PSN).

20

por sua função. 48 Tanto que dão a impressão de terem se

transformado em simples “controladores de fluxos” 49 submetidos

às exigências da produtividade, fonte das “práticas ruins” acima

mencionadas, e à clientela que precisa publicar para “demonstrar

qualificação na hora de pleitear um cargo acadêmico ou uma

promoção”.

Antes, as faculdades aceitavam currículos com apenas um artigo

publicado, ao passo que hoje em dia exigem pelo menos um livro.

Outras não aceitam menos que dois livros e artigos extensos, com

dimensões de livro. Os comitês departamentais de admissão e

promoção, ao contrário das editoras, dão muito pouco valor à

publicação de coletâneas, livros-textos, manuais e periódicos de

uso geral. Caso de discrepância prejudicial aos docentes mais

jovens em particular, porém também a todos que concebem e

executam projetos científicos. 50

Os problemas da editoração têm a ver sim com

desenvolvimento tecnológico, e quem sabe até mesmo com a

“degradação” do trabalho editorial desvestido das habilidades

que no passado não muito distante deram a seus executores uma

gloriosa autoimagem coletiva. 51 Caso de ‘lendas vivas’ que, sem

que o leitor notasse, transformavam textos, ajeitavam

argumentos, corrigiam a redação dos seus autores.52 Hoje, porém,

48 Arnold Kransdorff. Corporate amnésia. Keeping know-how in the company. Butterworth Heineman, 1998.49 Flavia Alves Bravin, diretora editorial, Editora Saraiva (comunicação pessoal). 50 The future of scholarly publishing, 2002.51 Harry Braverman. Trabalho e capital monopolista. A degradação do trabalho no século XX. Zahar, 1981.52 The New Yorker - Mr Shawn's New Yorker (1951 - 1987). Disponível em http://h2g2.com/dna/h2g2/alabaster/A21723202.

21

não são editores sem habilidades artesanais e carisma nem a

tecnologia que põem em risco o trabalho editorial, mas o fato de

ser conduzido por “profissionais só de nome” numa indústria

carente de “padrões de competência”, constituída de “aspirantes

a profissional”, sem formação específica, acreditação, registro

legal e associativo. 53 Situação alarmante que abona a crença na

possibilidade de pesquisadores serem editores tão razoáveis

quanto os outros, tão amadores como eles, somente porque seus

conhecimentos e experiência são reconhecidos pela academia. 54

Acredita-se, ademais, que essas carências podem ser

compensadas através de apelos edificantes aos (1) autores (devem

estar “absolutamente certos de que o conteúdo do que estão

submetendo é bom, construtivo e consequente”); (2) revisores

(precisam se engajar “dedicadamente na avaliação do trabalho” e

verificar que “não se trata de um aventureiro, um mosaico” ou

algo “apenas metodologicamente correto”); e às (3) agências de

fomento (devem privilegiar a qualidade e entender que as

ciências sociais e humanas “não são reféns dos indexadores

comerciais do hemisfério norte”, e que “estar incluído em uma

base autóctone importante (SciELO ou RedALyC) é tão

significativo e eficaz quanto fazer parte daqueles”.

Surpreendentemente, como se todo o processo editorial pudesse

ser resumido a uma única contradição insolúvel, considera-se que

53 Cf. Barbara Horn. Society for Editors and Proofreaders [Reino Unido]. Disponível em http://www.sfep.org.uk/pub/train/cpd.asp..54 Diferentemente de simples amadores, ‘profissionais’ adquirem as competênciasnecessárias à execução de determinado tipo de trabalho, são examinados segundopadrões e conhecimentos próprios a essas competências, e reconhecidos como competentes por entidades que governam as qualificações, a identidade e as formas de incorporação a diferentes categorias profissionais regulamentadas por títulos obrigatórios que garantem a posse das competências necessárias.

22

ao fim e ao cabo tudo depende de uma só pessoa, o editor, “o

maestro desse processo” cujo “resultado final, bom ou mau, é sua

inteira responsabilidade”. 55

7. O DESAFIO DA ESPECIALIZAÇÃO

A tendência determinante da editoração científica

globalmente não é essencialmente tecnológica – à exceção talvez

da onerosa novidade que introduz “viabilizadores” do tipo

plataformas-múltiplas do tipo XML, para reduzir tempo e custos

de editoração 56 – nem dependente de atores-chave. Atualmente, o

fulcro do trabalho editorial, e a principal fonte de

preocupação, são os serviços especializados de fontes independentes

que executam tarefas com eficiência e reduzem pressões de

custos. Fundamentais porque mais do que simplesmente transferir

atividades ou setores é preciso sempre, na opinião dos

especialistas, capacitar o pessoal da casa a interagir com o agente terceirizado,

supervisionando e garantindo a qualidade do seu serviço 57.

Algo que o INEP, mais exatamente a sua assessoria técnica

de preparação de originais e programação visual, tem feito com

sucesso, conforme atesta o desempenho de setores que às agências

externas chamam a atenção por sua “excelente qualidade”. 58 Mesmo

assim permanece, na prática e mentalmente, “o receio de que tudo

55 Trzesniak et al., 2012: 72-73.56 Alexander B. Schwarzman et al. XML-centric workflow offers benefits to scholarly publishers. Disponível em http://people.ischool.berkeley.edu/~glushko/202/Schwarzman-XML-CentricWorkflow.pdf57 Karina Mikhli, Migrating to digital publishing? Answers from the experts. Disponível em http://publishingperspectives.com/2011/10/digital-publishing-answers-from-experts58 Comissão de avaliação, op. cit., 2012.

23

fique terceirizado” 59, razão pela qual é preciso buscar soluções

em um quadro inovador, de permanente aprofundamento e aperfeiçoamento

da convivência com serviços especializados.

Nesse processo, elementos inovadores podem ser assimilados

de modo seguro e rapidamente à medida que se constroem

salvaguardas contra precarização ou terceirização. Esta, para

desgosto de muitos analistas, “continua crescendo em todas as

atividades, atingindo também de forma intensa o setor público”;

boa parte deles, com efeito, acha que a terceirização se

transformou numa “epidemia”, numa modalidade de gestão e

organização do trabalho a exigir “maximização do tempo, altas

taxas de produtividade, redução dos custos com o trabalho e

‘volatilidade’ nas formas de inserção e de contratos”. 60

Condições que os sindicalistas, por sua vez, identificam com

rebaixamento de direitos, deterioração das condições e relações

de trabalho, e com a “total liberdade do mercado como regulador

da economia" 61.

A convivência com serviços especializados, vista dessa

perspectiva, torna-se um problema cuja aparente solução está há

mais de uma década emperrada no Congresso Nacional. Alternativa

legisferante que, se aprovada, extinguiria diferenças de salário

e jornada, de benefícios, ritmo de trabalho, condições de saúde

e de segurança. Tornaria compulsório, ademais, o pagamento

imediato de salários, décimo-terceiro, férias, recolhimento de59 Sentimento recorrente nas entrevistas e questionário aplicados durante o estudo. 60 Graça Druck. Trabalho, precarização e resistências. Novos e velhos desafios?Caderno CHR, vol. 24 (nº esp. 1), 2011: 37-57. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v24nspe1/a04v24nspe1.pdf.61 CUT e Dieese revelam dados nefastos da terceirização em audiência no TST. Disponível em http://www.seebt.com.br.

24

FGTS, etc. 62 Entrementes, a Justiça admite a “responsabilidade

solidária” 63, e contém o ímpeto da convivência com serviços

especializados como fator estabilizador de inovações, processos e relações de

trabalho, preterindo-a em favor de medidas jurídicas,

desconsiderando diante da veneração de subterfúgios

tecnológicos.

Do ângulo deste estudo, porém, a correta abordagem do

desenvolvimento do processo editorial na atualidade manifesta-se

com absoluta nitidez – do mesmo modo que na cultura e na

organização do referido processo – através de tendências

internacionais que acentuam a responsabilização dos protagonistas. A

começar pela obrigação de quem edita periódicos científicos de

garantir, não um quimérico “resultado final”, mas o adequado

62 PL-4302/1998; PL-4330/2004; PL-1621/2007; PL-6832/2010. PL “alternativo” reflete compromisso entre governo federal e Ministério Público do Trabalho, trocando mão de obra terceirizada por 2,4 mil cargos, a maioria analistas de Controle Interno do Sistema Único de Saúde, vinculados ao Departamento Nacional de Auditoria do SUS. Jornal A Tarde, 27 Mar 2013.63 O empregado escolhe acionar a contratada ou a contratante, em conjunto ou isoladamente, a seu exclusivo critério. Movida a ação contra a contratante e tendo o empregado êxito, a execução será direcionada exclusivamente contra a empresa contratante, sem qualquer responsabilidade da contratada.

25

treinamento de autores, revisores 64 e peers 65 para desempenhar

seus papeis em nível profissional. O que inclui responsabilizar

– as agências financiadoras em primeiro lugar – mais do que

simplesmente pelo treinamento, pela formação de revisores e

especialistas iniciantes, incluindo os prestadores de serviços

especializados. 66

Ao acentuamos responsabilidade este estudo quer destacar a

finalidade da editoração e o interesse de seus protagonistas na

confiabilidade e reprodutibilidade da publicação científica.

Reprodutibilidade em particular, que deve ser encarada como

‘padrão-ouro’ da publicação científica, modelo de perfeição/

excelência a que revisores, especialistas e editores se referem

quando ao avaliam o conteúdo de um artigo, dando ênfase a sua

utilidade na construção de argumentos ou experimentos de outros

pesquisadores. Daí o princípio da completa transparência e ampla

disponibilidade dos dados e informações necessárias à pesquisa

científica, acentuadamente quando financiada com recursos

públicos, refletindo o compromisso do pesquisador e sua obra com

a "formação da consciência pública esclarecida". 67

64 No uso correto das normas, na correção de erros e inconsistências textuais, na correção de erros tipográficos.65 Informando o estado da arte da pesquisa sobre revisão por especialistas, esclarecendo o que vem a ser uma boa revisão por especialista, ajudando a entender o interesse da editoração no trabalho do revisor e a produzir uma revisão adequada. R. Rennie. Editorial peer review: its development and rationale. In F. Godlee & T. Jefferson (org.), Peer review in health sciences. BMJ Books, 2003:1-13; E. Wager, F. Godlee & T. Jefferson. How to survive peer review. BMJBooks, 2002.66 Ansiedade expressa de forma recorrente nas entrevistas e questionário aplicados durante o estudo. 67 Lourenço Filho, o primeiro diretor do INEP, citado por Manoel M. Maciel Formiga. Política editorial do INEP. Revista de Biblioteconomia, 17 (2), 1989: 285-290.

26

Outro aspecto, em decorrência de confiabilidade e

reprodutibilidade, é a repercussão da pesquisa na comunidade

científica, que a peer review antecipa, mas que só se confirma por

uma forma suplementar de revisão, medida pelo impacto acadêmico.

Um processo de análise e comentário pós-publicação viabilizado pela

comunicação online através do amplo intercâmbio de links aos

artigos, que ajuda a divulgar pesquisas interessantes

globalmente, propiciando e agilizando opiniões e revisões por

parte de uma audiência sem limites de fronteiras 68. Interação

que utilizada com responsabilidade, parcimônia e considerando

que nenhuma medida de impacto substitui a leitura de um artigo,

pode contribuir ademais para expor de forma rápida e barata os

problemas e as potenciais deficiências dos artigos e periódicos.

8. CHOQUE DE CULTURAS

Há mais de duas décadas o INEP enfrentava problemas de

editoração (impressa) bem diferentes de hoje em dia.

Ao longo dos últimos anos tomou-se bastante difícil realizar um

programa de trabalho coerente com as necessidades, para o INEP

em geral e para a sua editoração, em particular. Os recursos

financeiros que lhe eram destinados tomavam praticamente

impossível atender às despesas concernentes à feitura das

publicações. E mesmo quando se chegava ao produto final,

esbarrava-se em entraves que afetavam seriamente a circulação.

Não basta apenas registrar, publicar. Há todo um trabalho de

divulgação e distribuição do que se publica. E isto nem sempre é

fácil: fazer chegar às mãos daqueles que são, naturalmente, os

usuários potenciais das informações que se quer divulgar. Para a

68 Vale acentuar, nesse particular, o cuidado dos editores e revisores das revistas-repertório em melhorar a formatação, a linguagem e a precisão dos resumos dos artigos publicados.

27

iniciativa privada esse problema praticamente não existe, já que

ela dispõe de um elaborado processo de marketing. E, além disso,

os recursos empregados retomarão com lucros que um órgão público

não pode visar. [Razão pela qual, muitos periódicos de repente

deixaram de circular] por total falta de condições de suportar o

peso dos custos de produção cada vez mais crescentes. As

próprias instituições universitárias não têm – na maioria das

vezes – respaldo financeiro para manter uma publicação que

divulgue os trabalhos de seus pesquisadores e professores. [Eles

mesmos testemunham] que, muitas vezes, é mais fácil publicar no

Exterior; ou pela insuficiência de revistas nacionais que

divulguem seus trabalhos ou ainda – e esta é outra vertente da

dificuldade financeira da publicação – por não se valorizar

adequadamente a produção intelectual. 69

Sem embargo, a causa dos problemas da editoração em órgãos

públicos não era a falta de marketing ou a pouca sensibilidade

dos editores brasileiros. O miolo da noz foi a desregulamentação

(atos e processos de transferência ou redução da regulamentação

estatal) que no começo dos anos setenta ensejou transformações

nos países centrais: estagnação dos setores-chave da economia,

taxas explosivas de expansão do crédito, proliferação de ativos

financeiros, declínio das taxas de investimento fixo, e

crescimento desequilibrado dos setores de serviços. 70 O Brasil,

nessa época, como hoje em relação à crise de 2008, de início não

sentiu os efeitos da transição, além do impacto de uma de suas

resultantes, a dívida externa, suficiente para exacerbar, no

final da mesma década, o desequilíbrio entre setor público e

69 Idem, p. 288 (O grifo é meu. PSN). 70 Howard M. Wachtel. The money mandarins: the making of a supranational economic order. Pantheon Books, 1986; Pedro Scuro Neto. Trinta anos de Formação econômica do Brasil. In: Novos Rumos, 14, 1989: 103-121.

28

setor privado. Em particular quando as empresas foram

autorizadas a quitar antecipadamente junto ao Banco Central suas

obrigações com os credores estrangeiros, estatização do

endividamento privado que “acelerou a inflação, reduziu o ritmo

da economia, debilitou o planejamento estatal”. Desse modo, “ao

abrigo da desvalorização cambial e das altas taxas de juros no

mercado internacional, o setor privado ia se ajustando com

medidas de reestruturação defensiva (demissões, arrocho, repasse

de custos, sobretrabalho etc.), enquanto o setor público

acumulava disfunções” 71 – como as que na época sentiram o INEP e

sua editoração.

De lá para cá, desde que uma reforma monetária, o ‘Plano

Real’, mostrou o caminho também para uma reforma administrativa,

a dinâmica do quadro institucional brasileiro mudou e com ela as

características e as consequências dos problemas. Basicamente,

incorporou-se o generalizado otimismo global em relação à

capacidade da engenhosidade científica de resolver as coisas, em

particular pela inovação tecnológica, muito especialmente a

tecnologia da informática, veículo de globalização do

conhecimento, gerenciamento eficaz, mas também de falsas

impressões. Deslumbramentos que deram origem, no campo dos

negócios, ao “boom do ponto-com” dos anos 90 e, na década

seguinte, às “bolhas” de investimento imobiliário, por conta da

ilusão que os imóveis continuariam valorizando indefinidamente

num mundo dirigido pela tecnologia. Com a editoração, e a sua

própria explosão de expectativas (“boom do ponto-edu”), não

podia ser diferente, refletida, só para dar um exemplo, pelo

71 Pedro Scuro Neto. Gestão pública: fluxo e refluxo. In: Estudos Avançados, 9 (23), 1995: 132-133. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141995000100009&script=sci_arttext.

29

crescimento do número de revistas científicas eletrônicas de 325

para algo em torno de 5 mil a 10 mil, em somente três anos 72.

Todas essas mudanças tiveram início com a

desregulamentação, o progresso da tecnologia da informática –

desde a década de 70 aos anos 2000 –, de um lado, e a relativa

estagnação de setores importantes como energia, transportes,

medicina, materiais, e aeroespacial, de outro – aos quais os

humanistas e cientistas sociais ajuntariam também as suas áreas

do conhecimento. Atualmente, o cenário é de recuo diante de uma

cultura disposta a riscos e desbravamento, característica

daqueles quarenta anos, em favor de outra, mais cautelosa,

segura e regulada. Uma cultura menos ‘tecnológica’ e mais

voltada a habilidades básicas – como a capacidade de gerenciar

“aspectos técnico-normativos” da editoração, que o evolucionismo

tecnicista, inconsciente da estagnação e suas consequências,

vivendo à custa de instituições acréscimo-dependentes, considera

“superados”.

9. TECNOLOGIA EDITORIAL

Esse choque de culturas incorporou-se às intenções da

DIRED/MEC através da preocupação em “promover mudanças

[conceituais, normativas e gerenciais] na linha editorial” do

INEP, acompanhando “a evolução tecnológica que permeia a

atualidade” que, de fato, é condicionada por uma conjunção de

elementos. A moderna tecnologia, nomeadamente a tecnologia da

informática, revolucionou a editoração quando a revistas

científicas mais conceituadas foram obrigadas a adotar submissão72 Ann Okerson, bibliotecária da Universidade de Yale (vide nota nº 1), sem esclarecer se as estimativas se referem apenas a publicações de países centrais ou anglo-americanas.

30

e revisão online, reduzindo o tempo de publicação,

particularmente devido à agilização da revisão por

especialistas. Não admira, portanto, que dentre todos os

estágios do processo de editoração esse tenha se constituído no

alvo dos investimentos e da inventividade das maiores editoras

de publicações científicas do mundo. Na realidade, a revisão por

especialistas hoje em dia é um subproduto característico do

intensamente competitivo universo da editoração científica, em

que milhares de periódicos competem para publicar os artigos de

milhões de pesquisadores.

A Elsevier, por exemplo, hoje em dia conta com sete tipos

diferentes de inovações em matéria de revisão por especialistas:

PeerChoice (software que permite adequar um artigo à capacidade e

ao interesse do especialista), scientific screening (processo de

seleção de artigos fora de foco e ‘subpadrão’ que de outra forma

seriam submetidos a pareceristas), review sharing (encaminhamento

automático de artigos rejeitados para outra revista),

ReviewerFinder (software para expandir a opção de pareceristas e

também diminuir a carga dos especialistas mais antigos), reviewer

mentor programme (treinamento, supervisão e certificação de

estagiários de pós-doutorado no ofício de revisão, a cargo de

especialistas traquejados), author feedback (para que o autor tenha

clareza sobre a fase em que está seu artigo no processo de

revisão, quando será publicado ou a razão de ter sido recusado),

open peer commentary (resenhas seguidas de cinco comentários de uma

página cada e breve réplica do resenhista no final).73

73 Mayur Amin. Vice-presidente sênior de pesquisa e relações acadêmicas, Elsevier (comunicação pessoal).

31

Outro aspecto da experiência ‘mercadológica’ das revistas

científicas – que tem a ver também com peer review – é a tendência

de oferecer acesso amplo e gratuito custeado pelos autores, que

pagam – caso da revista da Optical Society of America, com 17

mil membros e 230 corporações filiadas – $ 135 pelo parecer e

mais $ 800 se o artigo for aceito. Ao mesmo tempo, no entanto,

que isso serve de garantia para a continuidade e a qualidade da

revista, porém afasta o pesquisador que tem como publicar em

outros periódicos. Incentiva, por outro lado, o surgimento de

revistas que, graças à Internet, conseguem romper o liame entre

publicação e a forma convencional de encarar revisão por

especialistas. O pesquisador que usualmente mandava versões

provisórias de um artigo seu ainda não publicado (pre-print),

agora tem à disposição arquivos eletrônicos (archives),

verdadeiras revistas científicas independentes online. No mesmo

sentido, desenvolveu-se um software para pré-prints, como o

arXiv, que ajuda o autor a submeter a seus colegas uma versão

preliminar do artigo e tirar o máximo proveito de discussão e

colaboração conjuntas. 74

A utilização de pré-prints ainda é tímida no campo das

ciências humanas e sociais, onde continua restrita à iniciativa

de autores e pequenos círculos de pesquisadores, carecendo as

editorias de mais informação e iniciativa para romper com

normas, estruturas, critérios e procedimentos aferrados à noção

de editoração científica como mera “prestação de serviços” 75.

Serviços que podem ser prestados a contento por amadores

74 Vide pp. 5-6.75 Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração. Boas Práticas da Publicação Científica: um manual para autores, revisores, editores e integrantes de Corpos Editoriais. 2010.

32

imbuídos das melhores intenções em relação à academia e à

própria ciência. Razões pelas quais “a interação online entre

pesquisadores, fora do espaço tradicional dos periódicos, está-

se tornando cada vez mais importante para a comunicação

científica” 76. Interação que aponta, ademais, o caminho para a

tomada de novas decisões em relação ao processo de produção

editorial cada vez mais eficiente na disseminação de

conhecimentos importantes mensurados na base não apenas do

significado e novidade da descoberta científica 77, como também

(e provavelmente mais ainda) da validade da pesquisa através da

qual foi revelada.

PSN, Brasília/São Paulo, abr. 2013.

76 James Hendler. Reinventing Academic Publishing, Part 3. IEEE Intelligent Systems, 23(1), 2008: 2-3.77 J. Scott Armstrong, op. cit., vide nota nº 14.