retórica do medo no discurso da escola

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Retórica do Medo no Discurso da Escola The Rhetoric of Fear in School Discourse Ana Lúcia Magalhães 1 , Bruno Andreoni 2 1 Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá e Cruzeiro – FATEC 2 M&B Consultoria [email protected], [email protected] Abstract: A brief historical summation of the rhetoric of fear, from Plato and Aristotle to modern philosophers brings the main concepts to be used in the analysis of fear at school. Hobbes, Descartes, Spinoza, Meyer and semiotician Greimas have different points of view, with passion as common background. The research questions are: how does fear reveal itself in the modern school environment? Which concepts apply best? Qualitative research was carried out in a technical college. Students and teachers were asked to expose, in a free format, their reasons for fear. Except for a few predictable differences, both groups were found to have and express the same kinds of fear. All philosophical marks were present: fear of the unknown as in Plato, construction of opinion through Aristotelian doxa, Spinozan doubts, Hobbesian motivation by fear, dissociation of reality as explained by Meyer. Keywords: passion, rhetoric of fear, school, philosophical marks. Resumo: Um breve resumo da retórica do medo de Platão, Aristóteles e filósofos modernos traz os principais conceitos a utilizar na análise do medo na escola. Hobbes, Descartes, Spinoza, Meyer e o semioticista Greimas mostraram diferentes pontos de vista, com a paixão como base comum. As questões são: como o medo se revela no ambiente escolar moderno? Quais conceitos se aplicam melhor? Pesquisa qualitativa foi realizada em uma faculdade de formação de tecnólogos. Alunos e professores foram convidados para expor, em formato livre, suas razões para ter medo. Exceto por diferenças previsíveis, os dois grupos exprimiram os mesmos tipos de medo. As marcas filosóficas estiveram presentes: o medo do desconhecido como em Platão, a construção de uma opinião conforme a doxa aristotélica, as dúvidas de Spinoza, a motivação pelo medo hobbesiano, a dissociação da realidade como explica Meyer. Palavras-chave: paixão, retórica do medo, escola, marcas filosóficas.

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Retórica do Medo no Discurso da EscolaThe Rhetoric of Fear in School Discourse

Ana Lúcia Magalhães1, Bruno Andreoni2

1Faculdade de Tecnologia de Guaratinguetá e Cruzeiro –FATEC

2M&B [email protected], [email protected]

Abstract: A brief historical summation of the rhetoric of fear,from Plato and Aristotle to modern philosophers brings the mainconcepts to be used in the analysis of fear at school. Hobbes,Descartes, Spinoza, Meyer and semiotician Greimas havedifferent points of view, with passion as common background.The research questions are: how does fear reveal itself in themodern school environment? Which concepts apply best?Qualitative research was carried out in a technical college.Students and teachers were asked to expose, in a free format,their reasons for fear. Except for a few predictabledifferences, both groups were found to have and express thesame kinds of fear. All philosophical marks were present: fearof the unknown as in Plato, construction of opinion throughAristotelian doxa, Spinozan doubts, Hobbesian motivation byfear, dissociation of reality as explained by Meyer. Keywords: passion, rhetoric of fear, school, philosophicalmarks.

Resumo: Um breve resumo da retórica do medo de Platão,Aristóteles e filósofos modernos traz os principais conceitos autilizar na análise do medo na escola. Hobbes, Descartes,Spinoza, Meyer e o semioticista Greimas mostraram diferentespontos de vista, com a paixão como base comum. As questões são:como o medo se revela no ambiente escolar moderno? Quaisconceitos se aplicam melhor? Pesquisa qualitativa foi realizadaem uma faculdade de formação de tecnólogos. Alunos eprofessores foram convidados para expor, em formato livre, suasrazões para ter medo. Exceto por diferenças previsíveis, osdois grupos exprimiram os mesmos tipos de medo. As marcasfilosóficas estiveram presentes: o medo do desconhecido como emPlatão, a construção de uma opinião conforme a doxaaristotélica, as dúvidas de Spinoza, a motivação pelo medohobbesiano, a dissociação da realidade como explica Meyer.Palavras-chave: paixão, retórica do medo, escola, marcasfilosóficas.

IntroduçãoAo escrever “Em verdade temos medo. Nascemos escuro.

[...] E fomos educados para o medo. Cheiramos flores demedo. Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos riosvadeamos” (DRUMMOND, 1945) o poeta coloca o homem no meio domedo. Ou o medo como capa sobre o homem. Qual o sentidodesse vocábulo? Uma roupagem, um movimento, uma armadilha?Uma essência em nós? Os seus contrários? Até onde nosafeta?

A escola, que tem papel fundamental na construção doconhecimento, muitas vezes gera conflitos, angústia, medo.Uma das formas de enfrentamento talvez seja ouvir o quefilósofos e estudiosos disseram a seu respeito. Quem sabeassim, retirados uns poucos véus, seja possível ao menosencará-lo e estabelecer alguma cordialidade.

Platão, Aristóteles, Hobbes, Descartes, Espinosa,Meyer são filósofos que se ocuparam do medo. Evidentementenão foram os únicos, mas uma escolha era necessária. O quehá de comum entre eles é a colocação do medo como paixão,embora o conceito de paixão não seja igual neles.

Após mostrar o que cada um daqueles pensadores tem adizer, procuraremos, por meio de um estudo de caso,verificar quais os medos apontados por professores e alunosde escola pública de nível superior e o que elesrepresentam retoricamente.

Para tanto, em uma primeira etapa foram efetuadas duasperguntas a 150 alunos (total de 900) e 53 professores(total de 120). Basicamente eles deveriam apontar os medosobservados em alunos e professores, assim seria possívelverificar se a perspectiva docente difere da discente. Nasegunda etapa, foram agrupados os medos

Os resultados parecem interessantes, principalmente seconsiderarmos o discurso corrente de que aluno nada teme ecom nada se preocupa.

Platão e AristótelesPara Platão, a alma humana seria afetada por paixões

(pathematas), que são em número de 4: as ilusões, os corpos

sensíveis, as matemáticas e as ideias. Quando, no livro VIda República, fala sobre o Diagrama da Linha e Mito – ouAlegoria da Caverna – coloca a teoria do conhecimento(gnosiologia) e a teoria do ser (ontologia). O diagramaparte do traçado de uma linha horizontal imaginária. Abaixodela ficariam os dois modos de realidade sensível: eikasia( - coisas: imagens, sombras, reflexos) e pistis (- objetos: corpos vivos, corpos naturais). Acima, os doismodos do mundo inteligível: dianóia ( – elementosmatemáticos, quânticos) e a noética ( - as ideias).Todos esses modos estão fora do homem e o afetam, portantosão afecções, ou melhor, paixões.

Em outras palavras, o homem passa por quatro maneirasde apreender o mundo: a percepção (coisas – eikasia), asensibilidade (objetos naturais – pistis), o entendimento(elementos matemáticos – dianóia) e a razão (ideias –noésis). Assim, é possível entender um nível de conhecimentomais fundamental, o do mundo sensível, que se colocariaabaixo da linha horizontal: o das coisas e dos objetosnaturais e um mundo, digamos, superior, o inteligível,representado pelos elementos matemáticos e as ideias. Parao filósofo, como todos estão fora do homem, certamente oafetam de alguma forma.

Ao pensar a Alegoria da Caverna, em que todo ouniverso sensível compõe-se de sombras e luz, é possívelaprofundar a questão, e concluir que eikasia e pistis (coisas eobjetos) associam-se à doxa (–mundo da opinião). O quevemos, para Platão, não “é” de fato, mas sim nossaimpressão sobre o verdadeiro, pois ora estamos ofuscadospela luz intensa e não podemos ver, ora estamos cegos pelaescuridão das sombras da caverna, além de não sabermos oque há fora dela. Por outro lado, a dianoia e a noéticapertencem à episteme ( - mundo do saber, que se divideem dois: o que se constrói e permite ao sujeito humanocriar hipóteses depois da elaboração de raciocínios echegar a conclusões e o saber que não visa alcançarqualquer conclusão, mas atingir o princípio incondicional.

Na verdade, toda essa divisão depende de crença, parao filósofo. O próprio saber científico residiria em crenças

no momento que, para elaborar uma hipótese, por exemplo, ocientista precisa acreditar nela.

O homem platônico como ser essencialmente passional nosentido de ser afetado pelo que está fora, sujeita-se aomedo. E é ainda no mito da caverna que ele trata o medo: omedo do novo, do diferente. Ao perguntar “afinal de contas,o que existe lá fora?”, tal questionamento leva à dúvida, àincerteza, à ansiedade, ao medo. Tanto aluno quantoprofessor são afetados por esses estados, que serãoanalisados mais à frente.

Embora muitos outros filósofos tratem do assunto,Meyer afirma que foi com Platão que tudo começou, talvezcom Sócrates e os sofistas (MEYER, 2003). Meyer introduz aquestão da problematicidade, termo estudado profundamentepor ele, a partir de Sócrates, que dizia “só sei que nadasei” e, com isso, não pretendia responder às perguntas,porque elas permanecem. Quanto mais difíceis de seremrespondidas, mais problematológico é o objeto de discussão.

Platão tenta responder tais questões por meio dateoria do logos () racional, diferentemente de umaconcepção baseada na problematicidade, segundo a qual,quanto mais incertas as alternativas, maior o nível deproblematicidade. A teoria do logos baseia-se no raciocínioapodítico (demonstração). Nesse sentido, o que não éapodítico, o que não pertence ao logos, seria do domínio dadoxa, suscetível, portanto a contestações.

Nesse contexto, surge Aristóteles que se dedica àprodução de uma teoria da argumentação e da retórica, emresposta ao logos platônico que, por meio de proposições edemonstrações, acaba por transportar o homem a um jogo depaixões (novamente a alegoria da caverna).

Aristóteles define Retórica como derivada da Dialéticae da Política (2002, p. 34), como “faculdade de verteoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar apersuasão [...] de descobrir o que é próprio parapersuadir”, e acrescenta que “nenhuma outra arte possuiesta função, porque as demais artes têm, sobre o objeto quelhes é próprio, a possibilidade de instruir e depersuadir”.

A persuasão se dá por meio de três provas retóricas: oethos (), representado pelo caráter moral (o oradordeixa transparecer que é confiável); o logos, constituído nodiscurso (o orador demonstra as verdades ou o que pareceser verdade) e o pathos (), paixão despertada nosouvintes.

Aliás, Aristóteles afirma que os desejos fazem parteda natureza humana tanto quanto a razão e não vincula avirtude com a falsa expectativa de uma vida livre deemoções ou paixões. Nesse sentido, difere dos estoicos1,que definem a paixão – em si mesma um pecado – comoignorância e vício.

A filosofia de Aristóteles mostra que não é possívelcondicionar a virtude e a boa conduta à ausência de emoçõesou paixões porque estes são constitutivos da alma e, emalguma medida, movem o homem. Como afirma que sem elas ohomem seria sem vida, incapaz de ação, o filósofo trata dediscriminá-las, dividi-las, categorizá-las, para, ao fim,determinar em que medida são capazes de conduzir à boa oumá conduta.

Entendo por emoções apetite, cólera, medo, arrojo, inveja,alegria, amizade, ódio, anelo, emulação, piedade, em geraltudo a que se segue prazer ou dor (EN II 4 1105b21) [...]as paixões são todos aqueles sentimentos que, causandomudança nas pessoas, fazem variar seus julgamentos, e sãoseguidos de tristeza e prazer, como a cólera, a piedade, otemor e todas as outras paixões análogas, assim como seuscontrários (Aristóteles, 2003).

Conforme o filósofo, o medo “é uma espécie de pena oude perturbação causada pela representação de um mal futuroe suscetível de nos perder ou de nos fazer sentir pena”(ARISTÓTELES, 2002, p.110), porém esclarece que não se temeo que está distante. Em outro momento, ele afirma que otemor “é certo desgosto ou preocupação resultantes dasuposição de um mal iminente ou danoso ou penoso” (op. cit,p. 31). Se o sentimento despertado pelo medo apresenta uma

1 Para os estoicos, virtuoso é o homem que se libertou inteiramente daspaixões e atingiu a plena realização da perfeição humana por meio do logos.

variação nos sentimentos despertados (pena/perturbação,desgosto/preocupação), a causa é a mesma: mal futuro ou maliminente, danoso, penoso.

Na verdade, tudo que possa causar mal, provoca temor eé mais temível o que está mais próximo. A variação ocorreapenas na intensidade do medo: a injustiça, por exemplo,nos faz mal; o ódio e a cólera, os poderosos, os rivaispodem causar mal ainda maior. São também causa de medo osdissimulados e espertos porque nunca se sabe o quepretendem.

O temor se torna maior quando não há possibilidade decorreção do mal, por alguma impossibilidade inerente aoautor (do mal) ou porque não dependa dele tal correção.Pode-se dizer que o medo não se restringe a pessoas, mas aopróprio mal e ao momento em que ele é cometido.

Aristóteles opõe ao temor a confiança. Se o mal éiminente, se há possibilidade de ocorrer, tememos; se estámuito afastado, temos confiança de que não nos afetará.Associa-se à confiança, a esperança, ou seja, espera-seescapar da situação de medo.

É interessante que o filósofo coloca o medo como umadas paixões a ser utilizada em favor da persuasão: algumasvezes é necessário despertar o temor no auditório paracaptar-lhe a atenção e muitas vezes esse tipo de pressão éutilizado por professores, o que provoca medo nos alunos.

Hobbes, Descartes e EspinosaOs intérpretes de Hobbes o consideram, porque

experimentou os “horrores do mundo”, um pensador que soubedescrever muito bem a natureza humana tal como é. Nascidono ano em que a Invencível Armada espanhola se aproximavada Inglaterra, afirmava que sua mãe entrou em trabalho departo ao ouvir rumores da aproximação daquela armada, eescreve “de modo que o medo e eu nascemos gêmeos”.

A partir do pensamento que coloca a natureza humana emum plano denominado “não composição” com os pares, apósconstruir todo um conceito de homem natural e estabelecerdivisões em poder cognitivo ou imaginativo (em que estão aspaixões) e poder motor, afirma que a vida é “solitária,

pobre, sórdida, brutal e curta”. Entre as paixõesenumeradas por Hobbes, o medo desempenha papel importante.Comenta, por exemplo, que o medo da morte e a busca por umavida confortável e digna são paixões motivadoras na buscada paz e destaca o medo recíproco como motor da sociedadecivil.

devemos, portanto, concluir que a origem de todas asgrandes sociedades não provém da boa vontade recíproca queos homens tivessem uns para com os outros, mas do medorecíproco que uns tinham dos outros. (HOBBES, XXXXX)

Nesse sentido, a natureza é “solitária, pobre,sórdida, brutal e curta” e o homem é, por natureza econstantemente, inimigo do próprio homem (homo hominilupus2). Diferentemente de Aristóteles, o medo em Hobbes éuma paixão intrínseca ao homem, motor de suas atitudes. Oindivíduo está em permanente luta contra seus medos, dosquais o maior é a morte, sua principal ameaça. Ointeressante é que os homens, pelo medo e pelo desejo deuma vida melhor, estabelecem um pacto social de bem viver,que transforma o medo em motivação a uma convivênciapacífica. Sem o medo, esses “contratos” talvez nãoexistissem e os homens viveriam sob ameaça constante.

Diversamente, a base da filosofia cartesiana(Meditações) é a busca de uma doutrina que permita atingira felicidade. Sua metafísica está dirigida ao homem de bem.Como o conhecimento provém dos sentidos e o homem se enganaalgumas vezes, Descartes passou a duvidar de tudo,inclusive das suas crenças matemáticas. Esse raciocíniolevou-o a duvidar de sua própria existência, dúvida essaque se resolveu com o pensamento:

Se estou assim persuadido de que não há nada, nem céu, nemterra, nem espíritos, nem corpos, não estou entretantopersuadido de que não existo. Eu sou, se me engano; duvido,penso, existo: essa palavra é necessariamente verdadeiratodas as vezes que a concebo em meu espírito. Minhaexistência [...] está garantida e vejo claramente que estacoisa pensante é mais fácil, enquanto tal, de conhecer doque o corpo, a cujo respeito até agora nada me certifica.

2 O homem torna-se lobo do próprio homem

Este Cogito, este “eu penso”, modelo de pensamento claro edistinto, dá-me a garantia subjetiva de toda ideia clara edistinta no tempo em que a percebo. (DESCARTES, XXXXX)

Descartes esclarece as coisas do mundo no livroFísica, em que mostra quais são as ilusões ocasionais dossentidos humanos e explica a distinção entre alma e corpo.Na verdade, o filósofo diz que o corpo não é apenas aresidência da alma, mas corpo e alma são tão unidos que “assensações apreendem qualidades e não essências objetivas”(1973, p. 22). Provém daí o que ele denomina como paixões,que são as “percepções ou emoções ou sentimentos da alma,que se relacionam particularmente a ela e que são causadas,mantidas e fortificadas por alguns movimentos dosespíritos” (op. cit, 1973, p. 22).

Apesar dessa união, ele atribui funções diferentes acada um: “o calor e o movimento dos membros procedem docorpo, e os pensamentos, da alma” (1973, p. 228) e explicaas funções do corpo (movimento dos músculos e do coração,atuação dos objetos de fora sobre os órgãos dos sentidos)diferentes das da alma (vontade, percepção, imaginações).

Em As Paixões da Alma, Descartes define paixões como“as percepções, ou sentimentos ou emoções da alma quereferimos particularmente a ela e que são causadas,mantidas e fortalecidas por algum movimento dos espíritos”(1973, p. 237). Embora tenha dito anteriormente que corpo ealma são intimamente ligados, ao colocar as funções de um eoutro tem-se a impressão que finalmente o filósofo osseparou. No entanto, ele afirma que as paixões estãolocalizadas em uma glândula3 no cérebro, no meio de suasubstância, diferentemente de outras crenças para as quaisa sede das paixões seria o coração, de maneira maissubjetiva. De qualquer forma, configura-se aí a ligaçãocorpo-alma.

O pensador coloca como causa das paixões a “agitaçãocom que os espíritos movem a pequena glândula situada nomeio do cérebro” (1973, p. 251) – isso é físico – eacrescenta que podem ser excitadas por objetos que afetamos sentidos. Embora comente sobre várias paixões, afirma3 Seria a glândula pituitária.

que existem seis primitivas, das quais todas as outrasderivam: amor, ódio, admiração, desejo, alegria e tristeza.

O medo, para Descartes, seria proveniente da poucaprobabilidade de se obter o que se deseja. A falta deesperança causa o temor que, ao extremo se transforma emdesespero. O contrário de medo, para ele, seria a esperançae seu extremo, a confiança.

A outra forma do filósofo pensar o medo é suaproveniência do primitivo ódio que se explica pelodistanciamento do amor, da esperança e da alegria.Distanciar-se do bem leva o homem ao ódio, ao temor, àtristeza. Os diversos desejos, segundo ele, derivam dasdiferentes espécies de amor e ódio.

Outra maneira cartesiana de ver o temor seria adisposição da alma segundo a qual uma coisa desejada nãovirá. O contrário do temor, nesse caso, é a esperança, queem excesso, o anula e se transforma em segurança ouconfiança. Por outro lado, a falta extrema de esperançaconduz ao desespero. O medo pode também ser associado àfalta de coragem, excesso de covardia e receio e se traduzpor uma perturbação e um espanto da alma. Nesse sentido, épossível observar em alunos e professores o medo cartesianoderivado da falta de esperança de que algo se concretize,conforme se verificará na análise das respostas aosquestionários distribuídos nas escolas.

Espinosa, assim como Descartes, buscou pensar o homeme suas relações com o mundo e com Deus. Enquanto Descartes,talvez devido à sua formação jesuítica, procurou conciliaras questões humanas derivadas de seu questionamento inicialde que nada existiria e que o levou a descobrir suaexistência pelo pensamento (cogito ergo sum – penso, logoexisto) com as questões divinas (penso em Deus, logo eleexiste para mim ou em mim), Espinosa não se preocupou emromper com a teologia tradicional, que colocava Deus comotranscendente. Este filósofo coloca Deus no mesmo nível danatureza, ou seja, os dois são o mesmo. Preocupado com oproblema da Liberdade, ligou Deus à ideia de liberdade, àideia de causa. Dessa forma, Deus seria a causa ativa,portanto, livre, produtivo, não constrangido por ninguém. O

homem, por outro lado, é constrangido pelas forçasexternas, por isso nunca é ou será livre.

Neste momento, Espinosa introduz que todos os homensque existem são dotados de ação e de paixão. Os homens nãopoderiam ser ativos porque as forças que veem de fora é queos constituiriam. Em outras palavras, todos os seres queprecisam de forças externas para se constituir sãoapaixonados. Se são seres apaixonados porque não podemconstituir-se a si mesmos, não são livres. Essa ausência deliberdade é reforçada pela sua epistemologia, segundo aqual existem três gêneros do conhecimento: 1) experiência vagaou consciência, segundo o qual o conhecimento é apenas umefeito ou resultado do encontro dos nossos corpos comoutras vidas. As marcas desses encontros resultariam naconsciência, que não é ativa, mas consequência dessasforças que veem de fora. O homem da consciência não élivre, é um corpo apaixonado e como tal encontra-se naservidão total; 2) razão, segundo o qual o homem começa ater alguma atividade. Ele se relaciona com a natureza ecomeça a compreender, ou seja, teria algum conhecimento.Embora adquira capacidade de conhecer o que está fora dele,ainda não é produtor ou criador; 3) poder de invenção, segundoo qual ele ultrapassa o conhecimento e se torna capaz deinventar e criar. Enquanto o segundo gênero do conhecimento– a razão – busca a verdade no campo epistemológico, oterceiro gênero ultrapassa e produz novas linhas, outramúsica, outro pensamento.

Como as paixões se constituem no resultado de forçasque veem de fora, oscilamos em nossas paixões: cólera,raiva, medo, ou seja, somos seres oscilantes. Ao afirmarque “qualquer coisa pode ser, por acidente, causa deesperança e de medo” (p. 159), demonstra que o contrário demedo é a esperança. Assim, define o medo como “uma tristezainconstante, surgida da imagem de uma coisa duvidosa”,enquanto a esperança é “uma alegria inconstante, surgida daimagem de uma coisa futura ou pretérita, de cuja realizaçãoduvidamos”. (1980, p. 139)

Aos causadores do medo, Espinosa chama de mauspresságios. É interessante notar a veracidade de sua

afirmação “não há esperança sem medo, nem medo semesperança”, ou seja, enquanto se espera, há o medo de quenão se concretize. Da mesma forma, no medo há sempre aesperança de que o mau presságio não se concretize.

Explica-se melhor a servidão humana ao pensarmos que apaixão é derivada de ideias confusas, contrárias, uma vezque a alma tem pensamentos inadequados e que a força daspaixões ou afetos podem superar as demais ações do homem.Segundo o filósofo, os homens só concordam em natureza namedida que vivem racionalmente, ou seja, os afetos deesperança e de medo não podem ser bons por si ou em si,assim como quem se deixa levar pelo medo não é guiado pelarazão. O racional não tem medo, apenas alegria.

GreimasPara Greimas, há um componente patêmico não só a

perpassar todas as relações e atividades humanas comotambém a mover a ação humana. Se a enunciação discursivizaa subjetividade, as paixões estão sempre presentes nostextos. O autor associa as três instâncias essenciais daenunciação às provas aristotélicas: enunciador ao ethos,enunciatário ao pathos (auditório) e discurso ao logos.

De início, a teoria narrativa se preocupou apenas comos “estados das coisas”, ao afirmar que a função dos textosera sempre transferir objetos de valor, porém logo percebeuque os textos também operam com a paixão, definida comoqualquer “estado de alma. Assim, além dos estados dascoisas, existem também os estados da alma.

Os estados patêmicos (da alma) – cólera, amor,indiferença, tristeza, frustração, alegria, medo – resultamda modalização do sujeito de estado, que busca a adesão doauditório. Assim, o pathos não seria a disposição real doauditório, mas de uma imagem que o enunciador tem doenunciatário. O enunciatário, por sua vez, também entra emcontato com uma imagem do enunciador. O discurso, na teoriagreimasiana, é o lugar de encontro entre esses doissujeitos (enunciador e enunciatário), que se reconhecem pormeio de imagens construídas no e pelo próprio discurso,definido como o âmbito dialético da construção do sentido.

Quanto maior a percepção que o enunciador tem daimagem do enunciatário, mais fácil persuadi-lo. Por outrolado, quanto mais atraente parece ser o enunciador para oenunciatário (auditório), mais este último cederá aosargumentos (logos) e aos meios relativos à afetividade(pathos).

Para melhor situar o medo em Greimas, é interessantepensar a teoria actancial, mesmo que de forma bastantesimplificada. Tal teoria aponta para três eixos e doisactantes para cada um: 1) eixo do querer (sujeito e objetovalor); 2) eixo do saber (destinador e destinatário); 3)eixo do poder (ajudante e oponente). No eixo do querer há,ainda, duas situações: conjuntiva (o sujeito deseja obterum objeto valor) e disjuntiva (o sujeito é impedido deconseguir o objeto valor ou o desfecho de uma ação écontrário ao desejado). O medo aparece a partir da atuaçãodo oponente, aquele que dificulta ou impede que ações sejamcompletadas. As ações disjuntivas também podem se traduzirem motivo de medo.

Medo na Escola: Estudo de CasoFoi efetuada uma pesquisa em escola de nível superior

com o objetivo de levantar possíveis medos. Em um primeiromomento foram distribuídas a alunos e professores duasperguntas simples: “quais os medos que você observa nosprofessores” e “quais os medos observados nos alunos”.Essas perguntas poderiam ser respondidas livremente. Aamostra contou com 150 alunos, em um universo de 900 e 45professores, em um total de 87.

Houve respostas bastante curiosas como: “medo que oprofessor saiba meu nome”, “atentados terroristas”,“professores bipolares”. Outro resultado interessante é queforam identificados muito mais espécies de medo do que sepoderia imaginar inicialmente.

Devido à grande quantidade de tipos (147 medosidentificados em alunos e 63 em professores), após listá-los, optou-se por agrupá-los em categorias. Assim, foramcolocados sob o título “medo de avaliação” os medos de“provas, trabalhos, exames, provas dissertativas, prova

surpresa”; sob o título “medo de exposição”, os tipos:“exposição de ideias, fazer perguntas, interromper a aulapara tirar dúvidas, expor opinião errada” e com todos osoutros, para evitar que o trabalho ficasse muito extenso.

Essa classificação permitiu também observar os medoscomuns a todos e se há semelhanças ou diferenças entre osque afetam os corpos docente e discente. É preciso notarque a pesquisa se limitou a dois estabelecimentos de ensinosuperior localizados no interior do estado de São Paulo epode não refletir a totalidade de alunos e professores.Nosso intuito não é estabelecer um padrão universal, mastão somente verificar a existência da paixão do medo e aaplicação de conceitos retóricos e filosóficos a umasituação real.

Foram elaborados quatro gráficos. O primeiro conjuntoexpõe os medos observados nos alunos. A Figura 1 exibe avisão dos professores e a Figura 2 evidencia a visão dosalunos sobre seus próprios medos.

Figura 1: Medos nos alunos – ponto de vista dos professores

Figura 2: Medos nos alunos – ponto de vista dos alunos

O levantamento mostrou ser possível estabelecer asmesmas categorias nas observações de professores e alunos,todavia o número de medos e a frequência com que aparecemsão diferentes.

Como medo da autoridade na escola, por exemplo,professores identificaram nos alunos: medo de chegaratrasado, medo de não entregar trabalhos na data prevista,medo de demonstrar ao professor que sua aula poderia sermelhor. Além desses, alunos identificaram mais tipos: terproblemas com o professor, primeiro contato com oprofessor, pressão por parte de professores, atrasar-separa a aula, reposição de aulas, não concluir a faculdade,greve e outros. O lugar retórico da autoridade, nesse casonão está ligado a pessoas, mas à própria instituição.

Os alunos se mostraram bem mais temerosos na questãoaprendizado e avaliações do que os professores imaginaram queeles pudessem estar, embora as porcentagens para esse medosejam altas nos dois casos. Outra observação indica que ostipos de medos relacionados a alunos são em maior número(31 tipos) do que os professores apontaram (11). Aqui épossível observar também o lugar da qualidade, que sereflete no medo do desconhecido. Os alunos mostraram, sim,estar preocupados com uma futura avaliação da qualidade deseus trabalhos, uma possível rejeição quando se lançarem nomercado.

Embora não seja intenção mostrar todos os medos, osgráficos apontam diferenças entre a percepção dos

professores e o modo como os alunos se sentem afetados poressa paixão.

A partir das figuras 1 e 2 é possível ligar a Alegoriada Caverna ao medo do futuro, observado na visão dosprofessores e dos alunos, embora com ênfase aparentementemenor nos primeiros. Os alunos associam suas expectativasfuturas às coisas, aos objetos (realidade sensível), àspossibilidades financeiras e às próprias ideias (realidadeinteligível) e o futuro pode parecer-lhes ora escuro –retorno às sombras após a iluminação do conhecimentoadquirido na escola e ao próprio ambiente escolar – oraassustador, por se apresentar muito luminoso. Ele consegueimaginar, por exemplo, um futuro brilhante, mas que podeexigir mais do que ele se sente capaz ou, ao contrário,imaginar um futuro sombrio devido à sua incapacidade ouinsegurança no processo de aprendizagem.

Esse medo do desconhecido, do novo, do diferente, estáligado à essência do homem platônico como indivíduoessencialmente passional no sentido de ser permanentementeafetado pelo exterior, pelo que vem de fora. Apossibilidade de o aluno dar-se mal futuramente é da ordemda doxa, ou seja, ele constrói sua opinião com base nasimpressões sensíveis que se lhe apresentam, alicerçada naobservação que faz da realidade e das exigênciaspercebidas.

Aristóteles confirma tal impressão ao sustentar que omedo “é uma espécie de perturbação causada pelarepresentação de um mal futuro”. Fica fácil entender o medodo futuro se observarmos o conceito cartesiano, segundo oqual o medo seria proveniente da pouca probabilidade de seobter o que se deseja. É evidente que esse pensamentoaflige grande parte dos alunos realmente preocupados. Ofuturo é vislumbrado pelos alunos, conforme nos dizEspinosa, como “coisa duvidosa”, por isso causa certa“tristeza inconstante”, justamente por ser incerto. Talincerteza pode levar a uma situação disjuntiva (Greimas) ouà possibilidade de afastamento do objeto valor, dessaforma, a teoria actancial atesta a existência do medo.

O medo de o aluno se expor, apontado por professores ealunos está diretamente ligado à constituição do ethosaristotélico. Alguns tipos são coincidentes nas duas visões(professores e alunos): expressar-se oralmente, serhumilhado por colegas/professores, expor opiniões erradas,ser criticado, apresentar trabalhos, fazer perguntas,interromper a aula para tirar dúvidas; outros sãoespecíficos de alunos: expor notas baixas, provocar debatecom o professor, expor-se ao ridículo, não saber responder,passar por situações constrangedoras.

Uma leitura desses medos conduz à formação da imagem,à possibilidade de que o auditório conclua por um indivíduode caráter duvidoso no caso de o aluno não saber responderquestões que ele imagina outros saberiam, por exemplo. Érelativamente comum que alguns optem pela retórica dosilêncio e, para preservar a face, se mantenham caladosdurante muito tempo para evitar que dele se forme umaimagem negativa, associada à fraqueza de caráter.

Trata-se também de situação disjuntiva: o alunoprecisa ser aceito (conseguir o objeto valor), mas ooponente (outros alunos e professores) pode julgá-lo fracoou incompetente, assim, instaura-se o medo.

Como a capacidade de aprendizagem contribui para aformação do ethos, e uma das medidas de tal aprendizagem é aavaliação, é perfeitamente compreensível a existência dosmedos a ela associados .

A filosofia hobbesiana auxilia, embora de formadiferente, na compreensão do medo de se expor. Como, paraHobbes, existe uma falta de aptidão natural para amanutenção de uma convivência pacífica, é esperado que ospares permaneçam em luta pelos seus espaços. O medo advém,neste caso, da possibilidade da exposição de fraquezas, queos torna vulneráveis. Lembremos o homem como “lobo dohomem” que está em permanente espreita.

Na categoria não interação social, foram apontados, porexemplo: não fazer parte do grupo, sofrer discriminação,não ser aceito, não ser compreendido, ser julgado, não seenquadrar, não ter voz, situações tipicamente disjuntivas(Greimas) e de oposição, portanto, causadoras de medo.

É em Hobbes que nos apoiamos, uma vez que o filósofoestabeleceu o contrato social, o acordo mútuo como forma dedomínio do medo recíproco. Se o homem não é aceito, estarásujeito às paixões dos seus pares, à possibilidade de que ooutro ocupe seu espaço ou o exclua.

Embora de maneira não direta, talvez seja possívelligá-los ao conceito cartesiano, segundo o qual o medo éproveniente da pouca probabilidade de se obter o que sedeseja. Retoricamente constrói-se um argumento a partir doqual se o aluno não é aceito socialmente, fica mais difícila obtenção do sucesso profissional. Nesse caso, a nãointeração social associa-se ao medo do futuro – mais umavez, o desconhecido platônico e a lembrança do homem daconsciência espinosano, preso da servidão, reprimido peloque está fora dele.

O medo da violência é marcado nos alunos em poucassituações apontadas (por professores e por eles próprios) ese liga mais à existência de professores autoritários,severos ou ameaçadores. Não questionam a autoridadeconstituída retoricamente, ou obtida pela competência, masseus excessos. Assim, a autoridade imposta ameaça, causamedo porque o aluno ignora até que ponto o professor podeutilizá-la e como o fará. Novamente aí se pode identificaruma aproximação com o desconhecido platônico e com osfatores que veem de fora, apontados por Espinosa.

Há uma ligação também com Hobbes no que se refere àbusca pelo bem viver: o professor violento constitui-se emuma ameaça constante à tranquilidade esperada e se traduzem origem de diversos outros medos: do futuro, dereprovação, do mercado de trabalho, da ausência deinteração social, além de manter sob suspeita acompetência. O aluno oprimido pelo medo da autoridade doprofessor não é livre para elaborar associações ou criar e,refém dessa paixão, oculta-se e não se abre à aprendizagem,o que se torna causa de frustração, tristeza e desgosto.Esse é um bom exemplo da tristeza espinosana.

O segundo conjunto de gráficos expõe os medosobservados nos professores. A Figura 3 exibe a visão dos

professores sobre seus próprios medos e a Figura 4evidencia a visão dos alunos.

Figura 3: Medo nos professores – visão dos professores

Figura 4: Medo nos professores – visão dos alunos

A partir desse levantamento, foi possível estabelecercinco categorias observadas nos professores (segundo visãode professores e visão de alunos). Os dois gruposperceberam os mesmos tipos. A maior diferença está nacategoria medo do futuro, que é pouco apontada pelos alunos,apenas 2%, contra 12,5%, o que evidencia que osprofessores, embora trabalhem em escola pública, não sesentem seguros. Conforme comentado por Espinosa, oprofessor não tem controle sobre o que está fora dele e asnormas de contratação são exteriores a ele. Na visão doaluno, o professor não é afetado por esse item.

Enquanto nos alunos foram identificadas seiscategorias, nos professores as categorias são cinco, dasquais apenas três são coincidentes: relacionadas à falta deinteração social, à violência e ao futuro. Nos professores

há duas que não foram observadas nos alunos: o medo daincompetência (esquecer a matéria, não saber responder aquestionamento, não ser suficientemente claro...) e o medoda aparência de incompetência (comentários sobre suacapacidade, alto índice de reprovação, resistência dosalunos, desinteresse da sala).

Trata-se do temor aristotélico, próximo, possível eque pode afastá-los do objeto valor greimasiano – ensino,educação, manutenção do emprego – ou colocá-los em situaçãode oposição ao que pretendem.

As questões relacionadas à incompetência estão, por umlado, ligadas ao logos aristotélico e, por outro, àautoridade, ambas de cunho retórico. É em boa parte peloconhecimento (logos) que o ethos do professor se constrói. Senão o demonstra, ou se deixa transparecer aparência deincompetência, sua autoridade pode ser colocada em dúvida.A autoridade instituída, aquela que o professor recebe pelatitulação ou pela Instituição precisa ser autenticadaretoricamente pelo auditório – alunos. Caso não demonstreconhecimento e segurança, corre o risco de perder aautoridade. Assim, não basta que o professor seja capaz, épreciso parecer competente; não basta parecer, é precisoser. É necessário, portanto, que sua imagem transmitaconfiança, conhecimento. Como tem consciência de que estáem constante avaliação, sente o medo hobbesiano, o queadvém do conceito de “homem como lobo do homem”. Como épossível que os alunos o estejam testando, permanece emalerta constante, com medo de cair em situações que possamafetar seu ethos e sua autoridade.

A porcentagem apontada para medo de violência foi maiorentre os professores (10% e 23%) do que entre os alunos(7,5% e 4,5%). Tal medo está associado à possibilidade dealunos descontentes – principalmente com avaliação –cometerem algum tipo violência psicológica ou mesmo física.Embora tal atitude seja fato e ocorra mais no ensinofundamental e médio em escolas de periferia, as respostasapontaram para a existência desse medo no contextoestudado. De todos os entrevistados, apenas um professor

não observou qualquer espécie de medo nos alunos nem nosprofessores:

Medo? Não os percebia, nunca os percebi. Se havia medo nosolhos, nos rostos, nas falas, não se expunham. Eu queriaacertar, queria ensinar, queria ser bom para com os alunos.Justo, sério, claro, dedicado. Mas medo? Do que teria medo?De falhar? Falhei e muito, mas sem medo. Falhar faz parteda profissão. O medo não. Medo afugenta, medo inibe, medoprecipita. Medo? Não. Definitivamente, não. (L.R.R.S.)

Se pensarmos que o contrário de medo (temor) emAristóteles é a coragem; em Espinosa é a esperança; emDescartes é a ousadia e em Platão, a sabedoria, o discursodeste professor demonstra a coragem aristotélica e aousadia platônica. A esperança espinosana aparece em “euqueria acertar, ensinar, ser bom, justo, sério, claro,dedicado”. É ousado ao afirmar que “definitivamente” nãoteme. O texto do professor é claro e realmente nãodemonstra temor.

Com relação ao medo de falta de interação social, asporcentagens são, não apenas muito parecidas na visão deprofessores e alunos, como altas, o que nos leva a concluirque os professores sentem necessidade de intercâmbio comseus pares e com os próprios alunos. Esse item se associaao conceito retórico aristotélico: o professor integradosocialmente transmite simpatia (pathos), apresenta boaimagem e caráter (ethos) e demonstra competência (logos).

ConclusãoEmbora um professor tenha respondido que não teme, a

pesquisa mostrou que o medo está presente no cotidianoescolar tanto em professores quanto em alunos. Apesar de aamostra cobrir apenas duas escolas de nível superior,acreditamos que reflete a realidade de grande parte delas.Esperava-se, ao contrário, menos temores justamente por setratar de escola pública de ensino superior em cidades dointerior de São Paulo.

Nesse sentido, é possível pensar que os medos aquicategorizados estejam muito mais presentes em escolas deperiferia, por exemplo. É bastante provável, por exemplo,

que as respostas sobre violência, realidade observadanesses locais, acusem porcentagem bem maior em alunos eprofessores.

Por outro lado, pensamos que os temores nas escolas deelite possam estar mais ligados à incompetência, aparênciade incompetência e ausência de aceitação social. Para talconfirmação, seria necessária uma expansão da pesquisa. Dequalquer modo, a investigação mostrou que o medo estápresente de modo mais complexo do que se imagina ou que sepoderia suspeitar.

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