o quarteto americano de dvorak

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Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – FFCLRP Estética e História da Arte II Dvořák e o quarteto de cordas N° 12 em Fá Maior, Opus 96, Americano Israel Cristiano Angeli, N° USP 7982430 Professor responsável: Rubens Russomano Ricciardi

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Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

de Ribeirão Preto – FFCLRP

Estética e História da Arte II

Dvořák e o quarteto de cordas N° 12 em Fá

Maior,

Opus 96, Americano

Israel Cristiano Angeli, N° USP 7982430

Professor responsável: Rubens Russomano

Ricciardi

Universidade de São Paulo

2014

Sumário

Introdução.................................................

...........................................................

.............3

Fase Americana

(História).................................................

...............................................4

2

Análise da

Obra.......................................................

........................................................9

1- Movimentos............................................

......................................................

.......9

2- Aspectos

gerais................................................

...................................................10

Síntese....................................................

...........................................................

..............13

Bibliografia...............................................

...........................................................

...........15

3

Introdução

O quarteto americano de Antonin Leopold Dvořák

(Nelahozeves - 8 de Setembro de 1841, Praga, 1 de Maio de

1904) desponta como uma das maiores obras para quarteto de

cordas já escritas. O quarteto recebe esse nome pois foi

composto durante um período em que o autor passou nos EUA.

Antonin Leopold Dvořák

Segundo Hans von Bülow, Dvorák era considerada uma “força

musical rústica” na Europa, alcançando fama como músico de

orquestra e compositor voltado à aspectos nacionalistas da

música da Boêmia. Levava uma vida ligada à natureza, criva

pombos e compunha.

4

Fase americana (História)

Jeanette Thurber

Dvorák chega à América para servir como diretor do

Conservatório Nacional de Música de Nova York em 1892, a

convite de madame Jeanette Thurber, mulher de um rico dono

de mercearias e fundadora do Conservatório. Inicialmente

fica em dúvida e recorre ao amigo Brahms para uma opinião

se deveria ou não aceitar a oferta, pois não queria se

ausentar da família (mulher e seis filhos). Brahms diz para

que ele recuse, mas outro amigo, A. Göbl o estimula a

aceitar a oferta. Após acordos, aceita o cargo desde que

ele realizasse 10 concertos anuais e estivesse junto à

mulher e os filhos maiores de sete anos (os menores ficaram

na Europa com uma tia), com direito a quatro meses do ano

5

para regressar à Boêmia e com salário anual de U$15 000,

sendo pago a metade na sua chegada.

O repertório camerístico nos EUA sofria ainda de uma

produção pouco aflorada, contando ainda com poucas obras,

como o Quinteto para piano, três violinos e cello ou baixo

de Anthony Philip Heinrich (1781-1861), conhecido como The

Yankee Doodleiad(1820).

Dvorák chega ao outono de 1892 em meio a um questionamento de

compositores Americanos contra a influência de compositores

predominantemente alemães no pós-guerra civil. Alguns queriam

buscar uma tendência Franco-russa, enquanto outros optavam por

algo genuinamente americano. Sua chegada se deu com uma

recepção calorosa por parte dos americanos, da colônia tcheca

e dos jornais e periódicos da época, sendo tratado com status de

celebridade.

Como diretor do Conservatório, fato notável de sua gestão é

a abertura aos negros, até então excluídos de atividades

que eram voltadas aos brancos, a ponto de fazer anúncios em

jornais os convidando a ingressar na Instituição.

Em 1893 Dvorák compõe a aclamada Sinfonia Novo Mundo. Ele

ficou encantado com a musicalidade da música negra, por seu

sentimentalismo e profundidade. Para essa obra, pede para

que um dos alunos do Conservatório cante pra ele alguns

spirituals. Esse aluno era Henry "Harry" Thacker Burleigh.

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Fato curioso é que um movimento negro datado do fim do

século XIX já buscava uma identidade musical negra,

coletando e publicando canções folclóricas, escritas em

idiomas afros, por vezes focando na questão racial,

publicando manifestos e patrocinando concertos.

Outra versão diz que o largo foi inspirado no Canto de

Hiawatha, de Longfellow, onde narra o enterro da heroína

índia Minehaha.

A estréia da Sinfonia do Novo Mundo, como ficou posteriormente

conhecia, foi um sucesso absoluto de público. Na estréia,

em 15 de dezembro de 1894, foi executada pela Sociedade

Filarmônica de Nova Iorque, sendo regida por Anton Seidl.

Foi aplaudido de maneira grandiosa ao fim do segundo

movimento e ao fim da obra. Dvorák, um tanto tímido,

escreve ao seu editor Simrock o quanto aquilo o deixava sem

jeito. A sinfonia foi repetida nos dias 23 e 31 de

dezembro.

Após a estréia da sinfonia Dvorák escreve em um artigo para

o New York Herald: “Há um tempo atrás eu sugeri que a

inspiração verdadeiramente nacional deveria se focar nas

melodias dos negros e dos cantos indígenas... As chamadas

músicas de plantações são as melodias mais impressionantes

e atraentes que já foram encontradas desse lado do

Atlântico”. Nesse momento Dvorák trás consigo uma

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experiência já consagrada em suas obras de unir aspectos

folclóricos de sua Terra Natal à sua obra e sugere aos

americanos para fazerem o mesmo.

Dvorák passa as férias de verão de 1893 com a família em

Spillville, uma comunidade de 350 imigrantes tchecos no

nordeste de Iowa, após renunciar sua viagem de direito à

Europa e pedir que seus filhos menores viessem à América.

Durante esse período, têm contato com índios Iroquois, que

vendiam suas ervas medicinais na cidade, acompanhados de

suas canções e tambores. Nesse período, compõe o Quarteto

opus 96 e o Quinteto Americano, opus 97.

Localização aproximada de Spillville, Iowa.

8

Spillville, Iowa em 1895. Um pouco mais de um ano antes Dvorák vai com

a família para essa comunidade de imigrantes tchecos à convite de seu

amigo e assistente, o também tcheco Josef von Kovarik.

Dvorák, amigos e a família em foto de 1893. Da esquerda para a

direita: sua mulher Anna, seu filho Antonin, Sadie Siebert, Josef Jan

Kovárik (amigo e assistente), a mãe de Sadie Siebert, sua filha

Otillie e o próprio Dvorák.

Índio Iroquoi

O quarteto de cordas Kneisel é fundado em 1885 e se torna

um dos grandes e duradouros Quartetos dos EUA. Sua estréia

foi em 31 de dezembro de 1894 com o Quarteto Americano op.

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96 de Dvorák, além do Quinteto com duas violas op. 97, e

posteriormente o Quarteto op. 105. O próprio Dvorák o

define como um excelente quarteto.

Quarteto Kneisel (à época da estréia do quarteto americano): Franz

Kneisel (1º Violino), Alwin Schroeder (violoncelo), Louis

Svećenski (viola) e Otto Roth (2º violino). Todos eram membros da

Sinfônica de Boston. Posteriormente se ausentaram do grupo para se

dedicar exclusivamente ao quarteto. Além de Dvorák, estrearam nos EUA

obras de Brahms, Ravel, Bruckner, Schoenberg, entre outros.

Após o marido de Thurber decretar falência num determinado

momento em 1895 e Dvorák escreve a Thurber dizendo-se muito

arrependido, porém não poderia cumprir o ano letivo de

1895-1896 devido à falta de recursos para orçar com seu

respectivo salário e regressa definitivamente à Europa.

A influência de Dvorák pode ser sentida com o interesse de

alguns de seus pupilos por buscar raízes folclóricas da

música americana, entre eles estão:

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1. Goldmark: Hiawatha, Uma Rapsódia Negra, O Canto da

planície;

2. Loomis: Letras dos peles vermelhas e arranjos de

canções indígenas;

3. Wiiliam Arms Fischer: com arranjos de spirituals,

incluindo a letra de “Goin´Home” Que

posteriormente foi incorporado ao Largo Da

Sinfonia Novo Mundo;

4. Burleigh: Canções de Júbilo dos Estados Unidos da América;

5. Arthur Farwell: criação do Wa – Wan Press, veículo

onde quase 40 compositores clamavam por uma

“busca a música americana, influenciados

diretamente pelo grande desafio de Dvorák de ir

atrás do folclore musical”.

Análise da obra

Movimentos:O quarteto é dividido em quatro movimentos:

1. Allegro ma non troppo, em forma sonata, em compasso 4/4: se

inicia com floreio dos violinos seguidos por um solo de

viola que depois é repetido pelo primeiro violino. A célula

rítmica de semicolcheias do fim do solo dita a música ao

longo do primeiro tema. Vale destacar o uso de sincopas ao

longo de todo o movimento, além de floreios se assimilando

ao canto de pássaros. O segundo tema, lírico, é apresentado

na mediante de Lá maior, finalizado com o tema inicial em

Lá maior e depois Lá menor. O desenvolvimento se inicia em

uma tensão de Fá sustenido diminuto que depois se resolve

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em Dó Sustenido menor. Após uma frase crescente, se

desenvolve um pequeno fugatto que leva à recapitulação. Um

novo tema é apresentado pelo violoncelo na recapitulação.

Na volta do segundo tema, dessa vez no tom original de Fá

maior, um leve acompanhamento é inserido, resolvendo numa

cadência harmônica com rallentando que leva ao gran finale.

2. Lento, em forma canção, melodia acompanhada em compasso

6/8: ao longo de todo o movimento o segundo violino e a

viola se alternam no seguinte acompanhamento:

O movimento é um spiritual em que se revezam na melodia o

primeiro violino e o violoncelo, sempre com um material

musical apresentado em oito compassos.

3. Molto vivace, em forma rondó de cinco partes, estilo

bagatela, em compasso 3/4: o mais rítmico entre os

movimentos, tem por vezes acento no segundo tempo. Um rondó

em forma ABABA, dividido em dois parágrafos, onde o

primeiro é caracterizado pelo elemento rítmico e a

serenidade com que é apresentada a melodia do canto do

Sanhaço Escarlate, ave típica da região de Spillville.

Canto do Sanhaço Escarlate e a forma como foi utilizado.

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O segundo parágrafo ganha um tom de mistério ao ser

apresentado em Fá menor, segue uma estrutura acompanhada de

uma espécie de cantus firmus, onde um dos instrumentos

recorre a essa melodia boa parte do tempo.

4. Finale: Allegro ma non troppo, em forma rondó de sete

partes, em compasso 2/4: o mais alegre e vivo dos quatro

movimentos segue em forma ABACABA, tendo seu caráter

corrente determinado pelo ritmo vivo e articulado do tema

principal ao longo de quase todo movimento. Um belo

intermezzo em Lá menor é apresentado e quebra todo o ritmo

que até então se seguia. O Primeiro violino brilha ao longo

do movimento sendo raramente “interrompido” por outro

instrumento. O quarteto termina de forma jovial e alegre.

Aspectos gerais

Sobre o quarteto, é difícil dizer o quanto americano ele

realmente é, já que Dvorák já tinha usado alguns dos

processos usados no quarteto como as escalas pentatônicas e

o sétimo grau rebaixado da escala menor em obras anteriores

de influências folclóricas Húngaras e Eslovacas, e o ritmo

inicial já havia sido usado na Dança Eslavônica nº. 1

(algumas edições dizem 9) op. 72 de 1886. A grande

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diferença é que no período americano do compositor essa

característica pentatônica e de sétimas abaixadas e o uso

de um material temático mais “rústico” foi mais explorada

por Dvorák.

Comparação entre o ínicio do Solo de violino no quarteto e na Dança

Eslavônica nº1 (9).

A abertura é inspirada no começo do Quarteto Nº1 de Smetana

com floreios dos violinos seguidos por um solo de viola.

Apesar de tendências pentatônicas nos temas, apenas alguns

são estritamente pentatônicos.

O elemento da transposição em segundas ou terças é muito

usado na música tcheca e por coincidência na música

indígena Dvorák se utiliza muito desse recurso. Como

exemplo pode-se citar que no primeiro movimento, o segundo

tema da exposição é feito em Lá maior enquanto na

recapitulação é tocada no tom original de Fá maior (segunda

maior abaixo e tom original), e no quarto movimento duas

preparações para finalização de trechos são praticamente

iguais, apenas transpostas.

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Exemplos 1º movimento

Exemplos 4º movimento

O ritmo da música tchecoslovaca é bem acentuado, outra

similaridade com a música indígena dos povos Iroquois. É

provável que Dvorák, que já se utilizava desses recursos em

trabalhos anteriores não achou dificuldade em incorporar

isso em sua obra.

Porém na música indígena é comum acharmos a percussão

marcando o mesmo tempo que as notas cantadas, além de

ritmos espaçados igualmente (colcheia, pausa, colcheia,

colcheia, pausa, pausa e colcheia). Além disso, outra

característica marcante é o uso de escalas tetratônicas,

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pentatônicas e hexatônicas. A grande maioria das melodias

tem um contorno descendente, sendo muito usado o intervalo

de segundas e terças. Como aspecto característico geral da

música dos índios da região chamada de Nordeste são as

melodias com um contorno descendente, um ritmo pulsante do

canto e uma forma de repetição incompleta, além de frases

de mesmo comprimento. Outra peculiaridade é o canto ser

antifonal e responsorial, além de raramente ir às

extremidades da voz e o ritmo ser mais coincidente com a

melodia.

Dvorák se utiliza de várias escalas pentatônicas ao longo

do quarteto. As principais são:

SínteseO compositor escreveu ao fim do esboço “Obrigado Deus, isso

[a inspiração] veio rápido” e segundo Otakar Sourek, um

especialista em Dvorák diz em seu livro The Chamber Music of

Antonin Dvorak “ele tinha toda razão para ficar contente, não

só porque de fato a composição veio rápida (o esboço ficou

pronto em três dias e a partitura completa ao cabo de

16

dezesseis), mas porque ele criou uma obra que apesar de seu

aspecto simples, se torna o autêntico marco de um gênio

criativo e ganha um importante patamar no seu repertório

camerístico como um novo e original trabalho”.

Podemos, portanto, dizer que o Quarteto Americano se baseia

nos seguintes pilares de métier, singularidade e filosofia:

Citando Mário de Andrade em seu livro Introdução à Estética

Musical “a criação artística é uma realização de ideal que

ultrapassa os dados concretos e o domínio físico das

coisas. Na evolução estética do homem a gente vê o ideal se

transformar e mudar não só pela influência histórica da

época e do meio como do indivíduo também”. Ou seja, Dvorák

jamais teria feito um quarteto com temas folclóricos da

América do Norte tão pertinentes sem ter chegado à América.

Ao se referir ao título de Novo Mundo da Sinfonia em Mi

menor o próprio autor disse que o título faz relação às

suas próprias impressões da América, fato que sem dúvida

alguma ele continuou a explorar no Quarteto opus 96,

Quarteto Americano

Métier: Quarteto de cordas.

Singularidade: Escalas

pentatônicas, melodias spirituals,

canto de pássaros.

Filosofia:contato com a música

nativa dos EUA e desenvolvimento

da mesma.

17

portanto ele sofreu sim uma influência estética do lugar em

questão e usou desses artifícios na hora de compor.

Ainda citando Mário de Andrade em livro Introdução à Estética

Musical, outro trecho diz que “uma composição é tanto mais

compreensível quanto mais ela se aproxima de nós, não só no

tempo, como na raça, no temperamento e na identidade de

sensibilidade, “afinidades eletivas” como geralmente se

diz. Pode-se dizer que uma composição é tanto mais

compreensível na medida em que desperta mais associações

que nos são dadas pelo conhecimento do tempo (afinidades de

civilização), de raça (afinidades nacionais), de

temperamento (afinidades fisiológicas), de sensibilidade

(afinidades eletivas)”. A recepção tão calorosa por parte

do público americano das obras de Dvorák durante seu

período nos EUA se deve sem dúvida alguma ao fato do

público reconhecer nessas obras uma identidade nacional e

se identificar com ela e da necessidade e já porque não

dizer vontade de presenciar algo genuinamente americano,

algo tão implícito nos idéias dos EUA e de seu povo desde

sua Independência da Inglaterra até a atualidade.

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Bibliografia

ANDRADE, Mário de, Introdução à estética musical, SP: Hucitec,

1995.

SOUREK, Otakar, Antonin Dvorák Letters and Reminiscences, Artia,

Praga, 1954.

SOUREK, Otakar, The chamber music of Antonin Dvorák, Artia,

Praga, 1954.

19

THIEL, Rudolf, Firmamento Musical: Vidas de los Grandes Compositores,

tradução de HUELIN, Guillermo Sans e DE SANS, Maria Teresa

de Llanos, Ed Espasa-Calpe, Madrid, 1953.

WILEY HITCHCOCK e SADIE, Stanley, The New Groove Dictionary of

American Music, Macmillan Press Limited, Londres, 1986.

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