a profanaÇÃo dos valores artÍsticos na obra de andy warhol e o desenvolvimento do campo cultural...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDESINSTITUTO DE HUMANIDADES
PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
WILLIAM GARCIA DOS SANTOS
A PROFANAÇÃO DOS VALORES ARTÍSTICOS NA OBRA DE ANDY WARHOL E O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO CULTURAL NORTE-AMERICANO NAS DÉCADAS
DE 1950 E 1960
RIO DE JANEIROJUNHO DE 2012
2
WILLIAM GARCIA DOS SANTOS
A PROFANAÇÃO DOS VALORES ARTÍSTICOS NA OBRA DE ANDY WARHOL E O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO CULTURAL NORTE-AMERICANO NAS DÉCADAS
DE 1950 E 1960
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Pós-Graduação em História Contemporânea do Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes.
RIO DE JANEIROJUNHO DE 2012
3
A PROFANAÇÃO DOS VALORES ARTÍSTICOS NA OBRA DE ANDY WARHOL E O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO CULTURAL NORTE-AMERICANO NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960
William Garcia dos Santos
Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao corpo docente do Programa de Pós-
Graduação em História Contemporânea da Universidade Cândido Mendes, como parte
dos requisitos necessários à conclusão do curso de Pós-Graduação lato sensu em
História Contemporânea.
Aprovada por:
AVALIADOR 1:
________________________________________________________
________________________________________________________
(Assinatura)
AVALIADOR 2:
________________________________________________________
________________________________________________________
(Assinatura)
RIO DE JANEIROJUNHO DE 2012
4
Santos, William Garcia dos.
A Profanação dos Valores Artísticos na Obra de Andy Warhol e o Desenvolvimento do Campo Cultural Norte-Americano nas Décadas de 1950 e 1960 / William Garcia dos Santos – Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduação em História Contemporânea, 2012.
75 f.: il..; 29,7 cm.
Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-Graduação em História Contemporânea) – Universidade Cândido Mendes, Instituto de Humanidades, 2012.
1. História. 2. Cultura Norte-Americana no Pós-Guerra. 3. Andy Warhol. 4. Arte Multimídia. II. Universidade Cândido Mendes. Instituto de Humanidades. III. Título.
5
Agradecimentos
Aos meus pais, José Alves dos Santos e Rosângela Maria Garcia dos Santos, por
sempre me apoiarem em todas as decisões que eu tomo e pela formação que me
deram, que não está presente no currículo de nenhum curso acadêmico.
À Renata, pela compreensão e pelo apoio que me deu, ao ler repetidas vezes os
parágrafos que eu não considerava bem escritos e me incentivar a seguir no caminho
que eu estabeleci para a elaboração deste estudo.
À Elisângela, por toda a contribuição que me deu ao longo de minha trajetória.
Ao Pedro Henrique, por ter sempre um sorriso no rosto nos momentos em que a
elaboração deste trabalho mais me preocupou
Ao Venâncio, pela paciência com a qual me explicou como proceder nos inúmeros
problemas que tive ao longo deste curso e por sempre nos tratar com respeito e
dignidade.
Aos amigos, que foram o que de mais importante aconteceu neste curso de Pós-
Graduação. Alexandra, Bruno, Carlos, Paulo, Eduardo, Maurício, Rita, Rodrigo, Túlio e
Virgínia, que neste papel podem ser apenas simples nomes, mas que constituíram um
dos capítulos mais importantes da minha vida.
E a todos aqueles que contribuíram para a realização deste trabalho.
6
Resumo
SANTOS, William Garcia dos. A Profanação dos Valores Artísticos na Obra de Andy
Warhol e o Desenvolvimento do Campo Cultural Norte-Americano nas Décadas
de 1950 e 1960. Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes / Instituto de
Humanidades, 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-Graduação em História
Contemporânea).
Este trabalho pretende discutir aspectos relacionados à sociedade e à cultura norte-
americana nas décadas de 1950 e 1960. Para tanto, estudamos as características
sócio-econômicos dos Estados Unidos no pós-guerra, além de analisarmos o campo
cultural do país neste período. Neste sentido, procuramos destacar às rupturas dos
cânones estabelecida por Andy Warhol e pelos indivíduos ligados ao estúdio Factory e
como o espetáculo Exploding Plastic Inevitable pode ser compreendido como um
esforço de “profanação” dos limites entre as diferentes manifestações artísticas.
7
Abstract
SANTOS, William Garcia dos. A Profanação dos Valores Artísticos na Obra de
Andy Warhol e o Desenvolvimento do Campo Cultural Norte-Americano nas
Décadas de 1950 e 1960. Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes / Instituto de
Humanidades, 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-Graduação em História
Contemporânea).
This paper discusses issues related to society and American culture in the 1950s
and 1960s. We studied the society and the economy of the United States after the war,
and analyze the cultural field of the country during this period. In this sense, we seek to
highlight the ruptures of the canons established by Andy Warhol and the individuals
connected to the Factory studio and how the spectacle Exploding Plastic Inevitable can
be understood as an effort "profanation" of the limits between different art forms.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................................9
CAPÍTULO I – SOCIEDADE E CULTURA NOS ANOS DOURADOS DO CAPITALISMO
(1945-1973)....................................................................................................................................13
CAPÍTULO II – AS TRANSFORMAÇÕES NO CAMPO CULTURAL NORTE-AMERICANO
NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960.................................................................................................21
2.1 On the Road: A Geração Beat e a Emergência de Novos Valores Culturais..................21
2.2 Rock Around the Clock: O Rock and Roll e a Cultura Jovem dos Anos 50...................28
2.2.1 Twist And Shout: A “Invasão.............................................................................35
2.3 Da Action Painting à Pop Art: As Artes Plásticas nos Estados Unidos no Pós-Guerra..39
CAPÍTULO III – A PROFANAÇÃO DOS CÂNONES ARTÍSTICOS NA PRODUÇÃO DE
ANDY WARHOL E DA FACTORY............................................................................................47
3.1 Andy Warhol e a Construção do Artista Pop .................................................................47
3.2 The Velvet Underground and Nico: o Rock Para Além do Yeah, Yeah, Yeah..............57
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................66
9
INTRODUÇÃO
As décadas de 1950 e 1960 foram um período de intensas transformações nas sociedades
ocidentais desenvolvidas, nos países cujos governos se proclamavam socialistas e no então
denominado “terceiro mundo”. Estas mudanças eram de ordem política, social, econômica e
cultural. Apesar de não considerarmos a realidade como sendo marcada pela fragmentação entre
os diferentes níveis que enumeramos, procuraremos estudar neste trabalho o campo cultural1
norte-americano no pós-guerra. Tentaremos, assim, compreender quais fatores levaram ao
desenvolvimento de novas linguagens, que redundaram no desenvolvimento da pop art e na
elaboração de produções coletivas como o espetáculo Exploding Plastic Inevitable, concebido
pelo artista plástico e cineasta Andy Warhol e pela banda de rock and roll The Velvet
Underground.
Consideramos necessário para tal análise estudar as condições sócio-econômicas dos
países capitalistas desenvolvidos no pós-guerra. Este período, chamado por muitos historiadores
de “Anos Dourados do capitalismo”, foi marcado por um grande crescimento econômico que foi
acompanhado pelo evidenciamento de muitas contradições existentes nestas sociedades. No caso
dos Estados Unidos, sobre o qual nos debruçaremos com mais atenção, estas discrepâncias são
manifestas, como podemos notar nas lutas de igualdade dos direitos civis levadas a cabo pelos
negros norte-americanos, no crescimento do movimento feminista e nos protestos contra a guerra
do Vietnã.
Muitas das manifestações culturais elaboradas neste período também demonstram um
caráter crítico em relação a padronização dos costumes e ao conservadorismo da sociedade
americana, representado pela chamada “caça às bruxas”, levada a cabo pelo “Comitê de
1Compreendemos a noção de campo a partir de Pierre Bourdieu. “Os campos de produção cultural propõem, aos que neles estão envolvidos, um espaço de possíveis que tende a orientar sua busca definindo o universo de problemas, de referências, de marcas intelectuais (frequentemente constituídas pelos nomes de personagens-guia), de conceitos em “ismo”, em resumo, todo um sistema de coordenadas que é preciso ter em mente – o que não quer dizer consciência – para entrar no jogo. [...] Esse espaço de possíveis é o que faz com que os produtores de uma época sejam ao mesmo tempo situados, datados, e relativamente autônomos em relação às determinações diretas do ambiente econômico e social [...]”. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. p.53.
10
Atividades Antiamericanas”, liderado pelo senador republicano Joseph McCarthy. Neste sentido,
procuramos entender o desenvolvimento do movimento literário beat, do ritmo musical rock and
roll e da pop art, pois desempenharam um papel fundamental no questionamento aos cânones e
valores estabelecidos.
A abordagem que adotamos para tal estudo se baseou em tentar compreender a ação de
certos indivíduos na constituição destes fenômenos sociais e o modo como estes interagiram com
os seus pares e instituições no campo em que atuavam. Procuramos analisar tais aspectos
evitando a interpretação de que a “vida constitui um todo, um conjunto coerente e orientado, que
pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma 'intenção' subjetiva e objetiva [...]”2.
O historiador italiano Giovanni Levi estabelece uma tipologia das formas de abordagens
historiográficas das biografias. Neste sentido, nosso estudo se aproxima do que ele denomina de
prosopografia. Levi afirma que segundo esta análise “os elementos biográficos que constam das
prosopografias só são considerados historicamente reveladores quando têm alcance geral”3, o que
não é necessariamente o nosso caso, pois também levamos em conta as peculiaridades individuais
que nos permitem compreender o grau de possibilidades e limitações aos quais estão sujeitos os
indivíduos na sociedade estudada e no âmbito em que atuavam. Nos aproximamos de tal
procedimento de modo análogo ao que o historiador italiano estabelece citando Pierre Bourdieu:
“o estilo próprio de uma época ou de uma classe”, e o que diz respeito à “singularidade
das trajetórias sociais”: “na verdade, é uma relação de homologia, isto é, de diversidade na
homogeneidade, que reflete a diversidade na homogeneidade característica de suas
condições sociais de produção e que une os habitus singulares dos diferentes membros de
uma mesma classe. Cada sistema de disposições individuais é uma variante estrutural dos
2BOURDIEU, Pierre. Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J (Org.). Usos e Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p.184.3LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J (Org.). Usos e Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 174.
11
demais (…), o estilo pessoal não é senão um desvio em relação ao estilo próprio de uma
época ou de uma classe”4.
Nossa análise também irá recair sobre a análise da trajetória e da produção artística de
Andy Warhol. O artista plástico norte-americano articulou, em grande medida, as referência
elaboradas pelos movimentos estudados. Para compreendermos as posições ocupadas por Warhol
no campo cultural dos Estados Unidos nos anos 50 e 60 utilizamos a noção de trajetória definida
por Pierre Bourdieu da seguinte forma:
A análise crítica dos processos sociais mal analisados e mal dominados que atuam, sem o
conhecimento do pesquisador e com sua cumplicidade, na construção dessa espécie de
artefato socialmente irrepreensível que é a “história da vida” […] não é em si mesma um
fim. Ela conduz à noção de trajetória como série de posições sucessivamente ocupadas por
um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando
sujeito a incessantes transformações. […] Os acontecimentos biográficos se definem como
colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos diferentes
estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão
em jogo no campo considerado. O sentido dos movimentos que conduzem de uma posição
a outra (de um posto profissional a outro, de uma editora a outra, de uma diocese a outra
etc.) evidentemente se define na relação objetiva entre o sentido e o valor, no momento
considerado, dessas posições num espaço orientado. O que equivale dizer que não
podemos compreender a trajetória […] sem que tenhamos previamente construído os
estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações
objetivas que uniram o agente considerado – pelo menos em certo número de estados
pertinentes – ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados
com o mesmo espaço de possíveis5.
4BOURDIEU, Pierre apud LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J (Org.). Usos e Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 174.5BOURDIEU, Pierre. Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J (Org.). Usos e Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p.189, 190.
12
Outra referência que utilizaremos para estudar a obra de Andy Warhol é a do filósofo
italiano Giorgio Agamben. Consideramos que o conceito de “profanação” se aplica à obra de
Warhol em diversos sentidos e demonstram o quanto o artista norte-americano estava
questionando cânones consolidados pela modernidade e buscando assim uma alternativa a valores
“sacralizados” pela arte nos últimos séculos. Ao fazer esta operação Andy não estava apenas
levantando problemas relativos ao âmbito artístico-cultural, estava pensando em questões reativas
à sociedade norte-americana das décadas de 1950 e 1960. A esse respeito, considerava que
comprar é muito mais americano que pensar e eu sou absolutamente americano. Na
Europa e no Oriente, as pessoas gostam de comerciar – comprar, vender e comprar; são
basicamente mercadoras. Americanos não estão interessados em vender – na verdade, eles
preferem jogar fora a vender. O que eles realmente pensam é em comprar – pessoas,
dinheiro, países6.
6 WARHOL, Andy. A Filosofia de Andy Warhol: (de A a B e de volta a A). Rio de Janeiro: Cobogó, 2008. p. 255.
13
CAPÍTULO I – SOCIEDADE E CULTURA NOS ANOS DOURADOS DO CAPITALISMO
(1945-1973)
Consideramos que para compreender o campo cultural norte-americano7 na década de
1960 devemos levar em consideração aspectos políticos e sócio-econômicos do período em
questão. O historiador inglês Eric Hobsbawm, por exemplo, considera o período entre o fim da
Segunda Guerra Mundial e 1973 os “Anos Dourados”, especialmente no que se refere aos países
capitalistas desenvolvidos8. O autor afirma que “durante os anos 50 [...] muita gente sabia que os
tempos tinham de fato melhorado, especialmente se suas lembranças alcançavam os anos
anteriores à Segunda Guerra Mundial”9. Hobsbawm, no entanto, pondera que este período para os
Estados Unidos não foi tão excepcional quanto em outras regiões, pois nestas décadas o país
apenas continuou sua expansão dos anos da guerra, enquanto que a Europa Ocidental e o Japão
partiram de uma base bem menor para o seu desenvolvimento no período, tendo em vista, que
foram áreas diretamente afetadas pelo conflito.
Os Estados Unidos, porém, possuíram durante todo o período dos Anos Dourados mais de
50% do capital entre os países capitalistas avançados e era responsável por mais da metade de sua
produção10. Hobsbawm considera que o país era o modelo de sociedade capitalista e durante estas
décadas espalhou o seu padrão de produção em massa fordista para outras regiões do planeta e
para outros setores – o autor utiliza como exemplo o comércio das junk foods, representado pela
rede de lanchonetes McDonalds. O estúdio Factory11 que analisaremos, em menor medida,
também segue esta tendência de divisão do trabalho, com a especialização de tarefas e não por
7 Utilizamos os adjetivos “americano” ou “norte-americano”, pois é desta forma que os indivíduos nos Estados Unidos se referem a si próprios. Atualmente o uso de tais termos está ligado ao imperialismo deste país no continente, porém é desta forma que os próprios ingleses se referiam aos seus colonos, como em documento do primeiro-ministro da Grã-Bretanha de 1774, no qual afirma que “os americanos cobrem de piche e pena seus súditos, saqueiam seus comerciantes, queimam seus navios (...)” (Reid, Constitutional History, 13. The Parliamentary History of England: From the Earliest Period to the Year 1803 (London, 1813) 17:1280–1281.). 8 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 253.9 Ibidem, p. 253.10 Ibidem, p. 270.11 O Dicionário Larousse define “fábrica” como o equivalente de “factory” em português. (Dicionário Larousse Inglês-Português, Português-Inglês: mini. 1. ed. São Paulo: Larousse do Brasil, 2005. p. 65).
14
acaso recebeu este nome. Ademais, uma série de serviços antes destinados a uma pequena parcela
da população, passaram a ser usufruídos por um número maior de consumidores12. O historiador
inglês afirma que “o que era antes um luxo tornou-se o padrão de conforto desejado, pelo menos
nos países ricos: a geladeira, a lavadora de roupas automática, o telefone”13.
Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o crescimento econômico
parecia ser impulsionado pela revolução tecnológica. O uso de materiais sintéticos, conhecidos
como “plásticos” aumenta, a indústria química, em grande medida ligada a produtos de higiene,
se expande e uma série de produtos provenientes destas transformações tecnológicas se tornam
acessíveis aos mercados consumidores, principalmente nos países capitalistas desenvolvidos,
como foram os casos da televisão, dos discos de vinil (surgidos em 1948), das fitas e dos
equipamentos de fotografia e vídeo14. Tais utensílios entraram de tal modo no cotidiano dos
indivíduos daquele período, que Andy Warhol chegara a afirmar o seguinte:
A aquisição do meu gravador de fita (em 1964) realmente acabou com qualquer vida
emocional que eu pudesse ter, mas fiquei contente por essa vida ir embora. Nunca mais foi
problema, porque um problema significava apenas uma boa fita, e quando um problema se
transforma numa boa fita não é mais um problema. Um problema interessante era uma fita
interessante. Todo mundo sabia disso e representava para a fita.15
Obviamente, o pintor exagerou no que se refere ao impacto da aquisição deste aparelho em sua
vida (Warhol realmente registrou horas de gravações na Factory), porém é possível verificar a
importância de tais transformações geradas pelo uso de tais utensílios através das considerações
de Andy.
Hobsbawm afirma que tais condições, dentre outros fatores, foram geradas pelo
compromisso político estabelecido pelos governos com o pleno emprego e, menor medida, com a
12 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 259.13 Ibidem, p. 259.14 Ibidem, p. 261.15 WARHOL, Andy. A Filosofia de Andy Warhol: (de A a B e de volta a A). Rio de Janeiro: Cobogó, 2008. p. 41.
15
diminuição das desigualdades econômicas através de ações ligadas à seguridade social e
previdenciária16. Estas condições foram principalmente proporcionadas pelas crescentes rendas
públicas, levando à existência de “uma economia de consumo de massa”17. Fatores políticos
estavam relacionados a esta ampliação dos gastos sociais, pois os primeiros anos que se seguiram
à Segunda Guerra Mundial foram dominados por governos reformistas, como foi o caso do
governo democrata (de tendências “rooseveltianas”18) nos Estados Unidos e do domínio dos
social-democratas na Europa Ocidental. Mesmo na década de 1950, que não presenciou um
domínio tão patente dos reformistas, com a presença de inúmeros governos conservadores nos
países capitalistas desenvolvidos, houve a manutenção do consenso em torno da importância da
seguridade social.
A década de 1960 acompanhou uma guinada política à esquerda devido, entre outros
fatores, à supremacia do keynesianismo em relação ao liberalismo econômico e ao aparecimento
dos Estados de bem-estar – com investimentos em seguridade social, manutenção da renda e em
educação19. Eric Hobsbawm afirma que “a política das ‘economias de mercado desenvolvidas’
parecia tranquila, se não sonolenta”20. Toda a “excitação” política existente nestes países se devia
à ameaça comunista e às crises internas geradas por algumas ações imperialistas (tentativa de
ocupação do Canal de Suez em 1956 pela Grã-Bretanha; a Guerra na Argélia envolvendo a
França, entre 1954 e 1961; e a Guerra do Vietnã levada a cabo pelos Estados Unidos). O
historiador inglês, considera que por conta desta situação as revoltas estudantis de 1968
surpreenderam políticos e intelectuais mais velhos21. A respeito destes movimentos, Hobsbawm
faz uma observação interessante sobre as condições que levaram a sua deflagração:
A rebelião estudantil foi um movimento fora da economia e da política. Mobilizou um
setor minoritário da população, ainda mal reconhecido como um grupo definido na vida
16 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 264.17 Ibidem, p. 277.18 Ibidem, p. 277.19 Ibidem, p. 278.20 Ibidem, p. 279.21 Ibidem, p. 279.
16
pública, e – como a maioria de seus membros ainda estava sendo educada – em grande
parte fora da economia, a não ser como compradores de discos de rock: a juventude
(classe média). Seu significado cultural foi muito maior que o político, que foi passageiro
– ao contrário de tais movimentos em países do Terceiro Mundo e ditatoriais22.
O historiador inglês subestima a dimensão política dos eventos de 1968. Maria Paula
Araujo destaca que a filósofa Hannah Arendt afirma que tais movimentos, na verdade,
desprezavam as formas tradicionais de fazer política23 e observa que muitos dos seus líderes eram
militantes dissidentes dos partidos de esquerda tradicionais24. Hobsbawm também relaciona tais
rebeliões aos jovens, que participaram de outra importante transformação no período dos Anos
Dourados; as mudanças na cultura popular, agora predominantemente jovem25.
Os Anos Dourados presenciaram grandes transformações culturais e comportamentais. A
família, tal qual era concebida anteriormente, passou por profundas mudanças, especialmente nas
décadas de 1960 e 1970. Neste período ocorreu uma enorme “liberalização tanto para os
heterossexuais (isto é, sobretudo para as mulheres, que gozavam de muito menos liberdade que
os homens) quanto para os homossexuais, além de outras formas de dissidência cultural-
sexual”26.
Além disso, diversos setores reconheceram oportunidades com a ascensão dos jovens
enquanto atores sociais conscientes de si, como foi o caso da indústria fonográfica, especialmente
com a emergência do rock and roll. Segundo Hobsbawm, a cultura juvenil passou a ser
dominante nos países capitalistas desenvolvidos, pois os indivíduos nesta faixa etária possuíam
um grande poder de compra e passaram também a ter uma vantagem sobre outros grupos em
decorrência de sua maior adaptação às mudanças tecnológicas27.
22 Ibidem, p. 280.23 ARAUJO, Maria Paula. Disputas em torno da memória de 68 e suas representações. In: 1968: 40 anos depois: história e memória. Carlos Fico; Maria Paula Araujo (Org.). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010. p. 18.24 Ibidem, p. 20.25 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 317.26 Ibidem, p. 316.27 Ibidem, p. 320.
17
A cultura jovem possuía um caráter internacional, sua mais popular expressão musical (o
rock ‘n’ roll) era difundida em diversas regiões do mundo. Esse aspecto também demonstrava a
hegemonia dos Estados Unidos no âmbito da cultura popular. Este predomínio norte-americano
não representava uma novidade nos Anos Dourados, pois nas décadas anteriores se manifestava
principalmente através da indústria cinematográfica. Ademais, a moda foi uma área na qual estes
valores se faziam presentes, especialmente através de seu principal ícone, o blue jeans, antes
restrito às camadas populares americanas.
A cultura popular passou a ser consumida pelos mais diversos setores da população, o
que, segundo Eric Hobsbawm, é uma característica presente em períodos anteriores,
principalmente pelo que chama de “forte impacto das artes plebeias”28. A partir da década de
1950, no entanto, a absorção de elementos populares entre os jovens de setores mais privilegiados
economicamente da população alcançou uma dimensão inexistente nos decênios anteriores,
especialmente através do rock and roll, que utilizava elementos do “blues, gospel, big band jazz,
folk, country e rhythm and blues”29, a maioria dos quais eram identificados com a população
negra dos Estados Unidos. A sonoridade do rock era a tal ponto relacionada à da música negra,
que quando o primeiro compacto de Elvis fora lançado pelo DJ Dewey Phillips, da rádio WHBQ
de Memphis, o apresentador perguntou a Presley em qual colégio estudara, uma forma de
informar aos ouvintes locais sobre a cor da pele do cantor30 (isso porque nos Estados Unidos
fortemente marcados pela segregação racial, a L.C. Humes High School era uma escola de
brancos31).
Após a Segunda Guerra Mundial os americanos viam o seu país como baluarte da
liberdade e democracia. De certa forma o poderio militar norte-americano, somado a sua
condução no enfrentamento ao comunismo soviético, dava aos Estados Unidos um papel de
liderança entre os países capitalistas desenvolvidos. Um dos fatores que contribuíram para a
28 Ibidem, p. 323, 324.29 FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 31.30 That's All Right Mama. In Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/That's_All_Right> Acesso em: 15 abr 2012. 31 FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 69.
18
ocupação desta posição no cenário no cenário do pós-guerra foi a implementação do chamado
“Pano Marshall”, que consistiu em um investimento na ordem de 13,3 bilhões de dólares32 nos
países da Europa Ocidental devastados pela guerra. Por outro lado o plano também estimulou a
economia americana, pois houve incremento da produção na renda e na geração de empregos.
A propaganda, neste período, se constituiu em um importante elemento de combate ao
comunismo, difundindo o medo entre os americanos de um ataque soviético aos Estados Unidos.
Além disso, era constrangedor ser suspeito de relações com os comunistas, visto que um dos
principais elementos de coesão no país após a Segunda Guerra era o anticomunismo. Segundo
Antonio Pedro Tota, o medo dos soviéticos tornou-se paranóico pelo receio de um ataque com
armas nucleares. Chegou-se ao ponto de serem vendidos kits para montagem de abrigos
antiatômicos (seguindo o conceito de step by step), além de revistas que traziam instruções de
como montar-se tais abrigos (FIGURAS 1 E 2). Segundo o autor, estas iniciativas contra a
ameaça de armas atômicas manifestam outro aspecto da cultura americana, o “faça você mesmo”
(do it by yourself)33, que era aplicável desde kits com orientações para pintar desenhos até a
construção dos abrigos contra a ameaça nuclear.
Antonio Pedro Tota também relaciona a inovação tecnológica ao consumo nos Anos
Dourados, período de grande crescimento econômico nos Estados Unidos. “Supermercados, lojas
de departamento, restaurantes, cafés e revendedoras de carros passaram a compor a fervilhante
paisagem das cidades americanas. À luz de neon, tudo indicava progresso e felicidade”34. A
televisão, nos anos seguintes à guerra, passou a ocupar um espaço privilegiado na casa; pois se
em 1946 havia menos de 17 mil televisores no país, em 1953 estes já estavam presentes em dois
terços (2/3) dos lares norte-americanos35.
Conforme analisamos, a indústria que esteve voltada para o esforço de guerra até 1945, se
reorientou para o consumo nos anos seguintes “com produtos que prometiam uma vida mais
32 TOTA, Antônio Pedro. Os Americanos. São Paulo: Contexto, 2009. p. 178.33 Ibidem, p. 182.34 Ibidem, p. 184.35 Ibidem, p. 185.
19
moderna, elegante e confortável”36. As décadas de 1950 e 1960 também foram marcadas pela
consagração do American Way of Life, que teve como um dos seus principais símbolos os
subúrbios. A população americana aumentava em decorrência do baby boom e havia uma grande
migração para as cidades, porém a classe média deixava de residir nos centros urbanos e passava
a ocupar regiões mais periféricas das cidades com “longas e arborizadas ruas, casas assobradadas
com cercas de madeira e um carro na garagem”37. Essas transformações levaram a mudanças no
próprio setor automobilístico, pois o número de filhos das famílias aumentou ao final da guerra e
o carro sedã passou a dar lugar ao station wagon38, que era maior.
Apesar da prosperidade material, a sociedade americana possuía inúmeras contradições, o
que levava a rejeição de qualquer comportamento que se afastasse do conformismo que era
marcante nos Estados Unidos desde o final da Segunda Guerra Mundial. Exemplo desta
intolerância em relação àquilo que se afastasse do “ideal americano” podemos observar na
internação do poeta beat Allen Ginsberg em um hospital psiquiátrico (entre 1949 e 1950). Apesar
de esta medida ter sido um subterfúgio de professores da Universidade Columbia para evitarem
sua prisão 39, ela também manifestava uma negação ao comportamento do autor, que se
distanciava do average american (americano médio).
No entanto, foi o senador republicano Joseph McCarthy o principal nome da perseguição
àqueles que eram considerados como difusores do “antiamericanismo”. Sob o pretexto de
combate à ameaça comunista, o senador comandou o “Comitê de Atividades Antiamericanas”.
Foram submetidos a essa devassa inúmeros intelectuais, artistas e membros do próprio governo e
Forças Armadas. O macarthismo, também conhecido como “caça às bruxas” dava poucas
chances de defesa aos acusados de ligação aos comunistas. Para Antonio Pedro Tota “o problema
era que muitas vezes, aos olhos de McCarthy, socialismo se confundia com vanguardismo
artístico”40. Os autores beat, por exemplo, passaram a publicar somente na segunda metade da
36 Ibidem, p. 189, 190.37 Ibidem, p. 190.38 Ibidem, p. 190.39 WILLER, Claudio. Geração Beat. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 64.40 TOTA, Antônio Pedro. Os Americanos. São Paulo: Contexto, 2009. p. 192.
20
década de 1950 textos escritos na primeira parte do decênio, como foram os casos de Howl and
other poems (Uivo e Outros Poemas), de Ginsberg, lançado em 1956; e de On the Road, de
Kerouac, em 195741. Isso talvez se explique pelo receio que havia em relação à censura durante o
macarthismo.
Apesar de absorvido pelo mercado, o rock ‘n’ roll também se apresentava como reação ao
conformismo americano. Ademais, na contramão deste padrão de comportamento encontramos o
jazz, especialmente através de uma de suas variações conhecida como bebop, caracterizada por
uma complexidade melódica e rítmica.
41 WILLER, Claudio. Geração Beat. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 8.
21
Na literatura a chamada “geração beat” também se opôs à mesmice norte-americana, tanto
pelo teor dos seus escritos, como pelo seu próprio comportamento e constituição do grupo, que
admitia homossexuais, negros, indivíduos com passagens pelo sistema carcerário e outros que
incentivavam o uso de drogas. O principal movimento contestatório à ordem vigente nos Estados
unidos durante os Anos Dourados é tributário dos beats, ao menos pelo nome que receberam.
Pois foram os escritores deste movimento que popularizaram o uso do termo hipster, que
designava o “marginal absoluto”42 nos anos 50. Hippie é o diminutivo de hipster, tendo sido os
jovens ligados a esse ideal na segunda metade da década de 1960, influenciados pelos beats em
diversos aspectos, como no uso de drogas e na contestação à sociedade burguesa.
CAPÍTULO II – AS TRANSFORMAÇÕES NO CAMPO CULTURAL NORTE-
AMERICANO NAS DÉCADAS DE 1950 E 1960
2.1 On the Road: A Geração Beat e a Emergência de Novos Valores Culturais
Conforme analisamos anteriormente os escritores ligados à chamada “geração beat”
passaram a ser publicados apenas a partir de meados da década de 1950, porém eles já haviam se
constituído enquanto um grupo desde meados da década anterior e já vinham desde os princípios
dos anos 50 sendo chamados de beats em artigos de jornais e fragmentos de textos 43. Segundo
Cláudio Willer, o termo “beat” por um lado era associado à batida do jazz e por outro era
relacionado à beatitude44. No final da década surgiu outro termo, a princípio empregado de modo
depreciativo, para definir o movimento. Era uma fusão entre os temos beat e Sputnik (primeiro
satélite artificial lançado pelos soviéticos), daí a expressão “beatnik”45.
42 Ibidem, p. 8.43 Ibidem, p. 8.44 Ibidem, p. 9.45 Ibidem, p. 9.
22
Os beats acabaram por se relacionar com artistas de outras áreas, como o cinema, a
pintura, mas em nenhum outro campo esta ligação foi tão estreita quanto na música. O jazz bebop
esteve próximo dos beats (Willer afirma que Kerouac presenciou o nascimento deste ritmo em
Nova Iorque46), Ginsberg, por sua vez, foi muito próximo ao rock, tendo sido recebido algumas
vezes pelo The Clash, tendo feito parcerias com Bob Dylan, além de outros exemplos desta
proximidade47.
Outro aspecto que Cláudio Willer destaca entre os beats se refere a sua busca de
alternativas à polaridade entre stalinistas e macarthistas, típica da Guerra Fria. Ginsberg, por
exemplo, foi expulso de Cuba e da Tchecoslováquia, ao mesmo tempo em que era vigiado pelo
FBI48. A expulsão de Cuba se deveu ao fato de Ginsberg ter recebido rapazes em seu quarto e por
defender o livre uso de maconha49 – também chegara a afirmar de fato a em Cuba que
considerava Raul Castro “lindo, uma boneca”50. Um diálogo entre Ginsberg e o poeta soviético
Yevtushenko diz muito sobre o modo como pensavam e agiam os membros da geração beat
Yevtushenko: Vi que você é um homem bom. Aqui, ouvimos muitas coisas ruins a seu
respeito, que é um pederasta, escândalos, mas eu sei que não é verdade.
Ginsberg: É tudo verdade.51
Por mais que possa haver um aspecto mítico, este diálogo diz muito sobre o modo como
os beats agiam e sua incompatibilidade com a contestação da sociedade realizada neste período
pelos defensores da ortodoxia soviética. Ademais, a postura dos beats vai de encontro com as
práticas da militância de esquerda ao longo da modernidade nos países Ocidentais desenvolvidos.
A amizade entre os seus membros foi outro elemento diferenciador dos beats em relação a
outros movimentos literários. Tal amizade, conforme analisa Willer, foi sexualizada (Ginsberg,
46 Ibidem, p. 40.47 Ibidem, p. 13.48 Ibidem, p. 16.49 Ibidem, p. 104.50 Ibidem, p. 106.51 Ibidem, p. 105.
23
por exemplo, teria se relacionado com outros membros da beat generation e se manteve durante
anos com Peter Orlovsky52). A solidadriedade entre os membros do movimento chegava ao plano
jurídico, pois veremos que em inúmeros casos os beats foram cúmplices e estas experiências
alimentavam sua criação literária. Tal companheirismo também esteve presente na busca por
espaços nos campos literário e editorial do período. Neste aspecto, Lawrence Ferlinghetti
desempenhou um importante papel.
O nova iorquino (que havia participado da Segunda Guerra Mundial tanto na Europa
Ocidental, como no Pacífico53) inaugurou em 1953 a livraria City Lights em São Francisco. O
editor era filho de um imigrante italiano e fora criado por uma tia francesa. A guerra, que o
tornou um pacifista por repudiar os horrores que presenciou, permitiu ter uma bolsa de estudos,
através da qual fez graduação e mestrado em Columbia e doutorado em Literatura na Sorbonne.
Estabeleceu sua editora e nos anos seguintes publicou inúmeros beats. Os escritores deste
movimento se tornaram um fenômeno editorial na segunda metade da década de 1950, o Uivo e
Outros Poemas (da City Lights) foi o primeiro a ultrapassar o número de cem mil cópias
vendidas54. As vanguardas literárias anteriores, por mais inovadoras que fossem, resultavam em
tiragens de poucos milhares de exemplares55.
Um capítulo a parte na trajetória dos beats se refere ao modo como se conheceram em
meados dos anos 40. Lucien Carr ouvia uma peça de Brahms em um alojamento da Universidade
de Columbia, o que atraiu Ginsberg que reconhecera a música. Carr era mais velho e sofisticado,
sendo um frequentador regular dos lugares da boemia local, e introduziu Ginsberg nestes círculos
e, entre dezembro de 1943 e março de 1944, o apresentara a Burroughs e Kerouac 56. Ginsberg
nasceu em 1926 em Newark, Nova Jersey. É oriundo de uma família de judeus russos emigrados.
Seu pai, Louis Ginsberg, era professor de Literatura e poeta e sua mãe, Naomi, era militante
52 Ibidem, p.17.53 Ibidem, p.90.54 Ibidem, p.95.55 Ibidem, p.26.56 Ibidem, p.33.
24
comunista e feminista, o que garantiu um ambiente bastante culto para Allen Ginsberg durante o
seu crescimento em Paterson, também em Nova Jersey.
Aos 17 anos Ginsberg ingressou em Columbia como bolsista. Envolveu-se em inúmeras
confusões na universidade, chegando a ofender o reitor escrevendo mensagens ofensivas ao seu
respeito na poeira que se acumulava na janela de seu quarto no alojamento, o que o levou a ser
suspenso até ter uma ocupação profissional, além de ter que se consultar em psiquiatra57. Antes
de estabelecer-se como poeta profissional teve vários empregos, como lavador de pratos,
faxineiro, marinheiro, redator e pesquisador de mercado58.
Jack Kerouac também trabalhara como marinheiro e lavador de pratos, além de ter sido
ajudante de cozinha, balconista, guarda-freios em ferrovias (junto com Cassady), frentista em
postos de gasolina, carregador de malas, colhedor de algodão e guarda florestal59. Kerouac nasceu
em 1922 em Lowell, Massachusetts. Por ser oriundo de uma família franco-canadense, seu
primeiro idioma era o dialeto “joual” (de origem francesa) e aprendeu inglês na escola60. Para
Willer esta condição de bilíngue certamente teve impacto na escrita de Kerouac. O autor beat viu
sua família ir à falência durante sua adolescência, após seu pai, Leo, perder a empresa em uma
enchente e ter dua situação agravada por ser viciado em jogo. Mudaram-se para o Queens, em
Nova Iorque e sua mãe, Gabrielle, passou a trabalhar em uma fábrica de sapatos.
Pelo seu desempenho no futebol americano, Kerouac conseguiu uma bolsa em Columbia,
porém uma contusão e um desentendimento com o treinador o tiraram da equipe e,
consequentemente, da universidade. Durante a guerra serviu na Marinha, contudo, foi
diagnosticado como louco e passou para a Marinha Mercante61. Apesar das inúmeras ocupações,
Jack foi durante muitos anos sustentado pela sua mãe, da qual recebeu a sua formação católica.
Era um boêmio e sua trajetória foi marcada pelos excessos com a bebida, as anfetaminas (muito
consumidas nos anos 60), além do uso de maconha62.57 Ibidem, p.35.58 Ibidem, p.36.59 Ibidem, p.39.60 Ibidem, p.37.61 Ibidem, p.39.62 Ibidem, p.40.
25
Em relação a Kerouac vale destacar também o ciclo de viagens narrado em On the Road.
Tais viagens ocorreram entre 1947 e 1950 e Jack percorreu as duas costas dos Estados Unidos,
chegando a fazer o percurso de 1650 quilômetros entre Denver e Chicago em 17 horas, acabando
com o Cadillac no qual viajava63. Este ciclo resultou em encontros, como os que teve com
Cassady e Ginsberg em Denver, além de ter encontrado Burroughs e Joan Vollmer em Nova
Orleans.
Burroughs também realizou inúmeras viagens ao longo de sua vida. Nascido em 1914 na
cidade de Saint Louis, William Seward Burroughs era neto do inventor da calculadora, porém
esta ascendência não lhe tornava um rico, garantindo-lhe apenas uma mesada de 200 dólares. O
autor beat era formado em Antropologia por Havard e estudou Medicina em Viena. Homossexual
desde a adolescência, casou-se com Ilze Kapper – uma refugiada do nazismo – para permitir que
ela saísse da Europa64.
A exemplo dos outros beats, teve inúmeras ocupações, tendo sido desde exterminador de
insetos até oficial de justiça. O autor, que viciou-se em morfina e heroína, logo estava traficando
e realizando furtos65. Sua primeira detenção, porém, ocorreu por ter falsificado receitas para
comprar drogas. Após este episódio saiu de Nova Iorque e em 1947 se estabeleceu em um sítio
próximo a Houston, no Texas. No entanto, teve novamente problemas com a polícia, pois
plantara maconha nesta propriedade. Prosseguiu seu “roteiro” de viagens instalando-se em Nova
Orleans (em um sítio descrito On the Road) e depois no México66. Foi neste período no México
que ocorreu um acontecimento trágico para Burroughs. Desde 1944 o escritor era casado com
Joan Vollmer, com quem teve um filho. Porém, Joan era viciada em benzedrina e chegou a ser
enterrada com alucinações em um manicômio67. Em setembro de 1951, em uma reunião com
amigos no México, Vollmer propôs a Burroughs um jogo de Guilherme Tell. Ela colocou um
copo de vodca sobre a sua cabeça, para que seu esposo (exímio atirador) o acertasse, porém o tiro
63 Ibidem, p.77.64 Ibidem, p.42.65 Ibidem, p.42.66 Ibidem, p.42.67 Ibidem, p.42, 43.
26
acertou o meio da testa de Joan. Burroughs foi condenado por homicídio culposo e este evento
teve impacto decisivo em sua produção literária posterior.
Claudio Willer considera Gisnberg, Kerouac, Burroughs e Ferlinghetti como os nomes
mais importantes do movimento68, mas para compreender a dimensão que a transgressão pessoal
e intelectual teve entre os beats é preciso realizar uma análise acerca de Neal Cassady. O escritor
chegou ao grupo inicial dos beats em dezembro de 1946, pretendendo tornar-se um escritor e
matricular-se em Columbia, no entanto perdeu o prazo de inscrições69. Cassady nasceu em 1926
em vagão de trem em Salt Lake City e cresceu com um pai alcoólatra e sem a mãe, que
abandonou seu marido. O jovem passou então a realizar pequenos delitos e antes dos quinzes
anos de idade teria roubado quinhentos carros70, muitos destes furtos foram realizados no período
no qual era manobrista de estacionamento e rodava com o carro dos clientes sem que estes
soubessem. Cassady também foi vendedor de enciclopédias, frentista de posto de gasolina e
guarda-freio de ferrovias e seria junto a uma delas que teria morrido em 1968, em decorrência de
hipotermia e overdose por anfetaminas.
Além dos lançamentos da segunda metade da década de 1950, um outro acontecimento
seria marcante na trajetória beat: o Six Poets at Six Gallery. O evento ocorreu em São Francisco,
Califórnia. A cidade não era tão grande quanto outros centros como Chicago e Nova Iorque,
porém era marcada por um forte cosmopolitismo71. São Francisco era um porto de chegada do
Oriente e sua população era, em grande parte, composta por imigrantes. Ademais, desde o início
do século contava com a presença de organizações anarcossindicalistas, da esquerda
independente americana e do grupo IWW (International Workers of the World). Este ambiente
atraiu inúmeros artistas para a região da Bay Area. Participaram da leitura na Six Gallery Allen
Ginsberg, Philip Lamantia, Gary Snyder, Michael McClure, Philip Whalen e Kenneth
Rexroth. Kerouac presenciou a leitura (tendo sido responsável pela distribuição do vinho) que
teve como momento ápice a leitura de Ginsberg.
68 Ibidem, p.30.69 Ibidem, p.69.70 Ibidem, p.70.71 Ibidem, p.87.
27
Nas palavras de Rexroth: “quando Allen leu “Uivo”, foi como se o céu caísse sobre nossas
cabeças. Um efeito inimaginável. Pois, seguramente, ele dizia tudo o que aquele público
desejaria ouvir, e dizia isso na linguagem dele, rompendo radicalmente com estilo
estabelecido.”72
Apesar do relativo sucesso alcançado pelos beats, inúmeras foram as tentativas de
censurá-los. Quando da publicação de “Uivo e outros Poemas” pelas City Lights em 1956, houve
um interdição do livro e detenção do gerente da livraria73. Outra ação neste sentido foi o
encerramento da Chicago Review por publicar Ginsberg, Kerouac e Burroughs. Além disso,
houve outras formas de censura, como o veto que impedia os beats de serem apoiados pela USIS
em apresentações no exterior74. Porém, os beats conseguiram uma grande visibilidade, tendo sido
dedicados a eles reportagens nas revistas Time e Life, no jornal New York Times, além de terem
sido temas de debates na televisão75. Em reportagem de 9 páginas da edição da Life de 30 de
novembro de 1959 foi feita uma grande reportagem sobre os beats – anunciada na capa da revista.
Paul O’neil realiza uma descrição interessante sobre o movimento afirmando que sua
filosofia parece calculada para ofender toda a população, civil, militar e eclesiástica –
particularmente e ironicamente aqueles radicais de ontem que demandavam um mundo
melhor para os mal alimentados, os mal vestidos e os sem-teto da grande depressão [...]. O
núcleo duro (hard-core) beat quer liberdade para desorganizar e assim assegurar o pleno
florescimento de suas individualidades marcantes. Eles são contra o trabalho e estão
frequentemente mal alimentados, mal vestidos e mal abrigados por opção. O negro, na
verdade, é um herói para o beat (como é o junkie e o músico de jazz) [...]76
72 Ibidem, p.94.73 Ibidem, p.95.74 Ibidem, p.96.75 Ibidem, p.96, 97.76 O'NEIL, Paul. The Only Rebellion Around. Life, Chicago, v. 47, n. 22, 30 nov. 1959. p. 115. Disponível em <http://books.google.com.br/books?id=T1UEAAAAMBAJ&printsec=frontcover&lr=&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 27 abr. 2012.
28
2.2 Rock Around the Clock: O Rock and Roll e a Cultura Jovem dos Anos 50
O rock and roll, surgido na década de 1950, dava a possibilidade dos adolescentes
questionarem aspectos a música popular predominante no período. Apesar dos artistas ligados à
geração beat terem contestado, pessoal e literariamente, a sociedade norte-americana do pós-
guerra, o rock teria uma extensão e repercussão muito mais abrangente do que a dos escritores do
referido movimento.
Como já havíamos destacado, o rock and roll foi em grande medida absorvido pelo
mercado, que via neste ritmo a possibilidade de atingir o público adolescente, porém tal absorção
não foi engendrada pelas gigantes do mercado fonográfico (RCA, Columbia, Decca e Capitol), e
sim por pequenas gravadoras. Paul Friedlander considera que isso se deveu, em grande medida,
pelo fato de as gigantes do mercado não possuírem artistas de R&B e de country em seus elencos,
pois não eram ritmos lucrativos durante a Segunda Guerra Mundial77.
O rock and roll era um estilo musical baseado principalmente em elementos afro-
americanos. O ritmo era uma fusão de blues, gospel e jump band jazz78 (cuja fusão deu origem ao
rhythm and blues – R&B), com a música folk e country (que neste momento eram ritmos
associados à população branca79).
O blues surgiu no início do século XX no Sul dos Estados Unidos, tendo obtido um
relativo sucesso, até mesmo entre a população branca. As letras das canções tratavam “de
adversidades, conflitos e, ocasionalmente, celebração”80. O blues sulista (também chamado de
rural) deu lugar ao chamado blues urbano do Norte e do Oeste depois da Segunda Guerra
Mundial. Chicago passou a ser um importante polo do blues, com destaque para Muddy Waters e
sua banda, composta por bateria, baixo, guitarra rítmica e piano. Esta formação foi adotada pelo
rock moderno.
77FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 39.78 Ibidem, p. 31.79 Ibidem, p. 31.80 Ibidem, p. 32.
29
O estilo vocal “emocionado e de complexidade harmônica”81 do gospel também estiveram
na raiz de ritmos como o R&B e posteriormente do rock 'n' roll. Os gestos e as performances do
gospel, também foram um importante elemento utilizado pelos roqueiros clássicos quando
estavam no palco82. O country também foi uma das matrizes usadas, porém os jovens músicos da
década de 1950 somaram a ele a batida do rhythm and blues.
O R&B, aliás, crescera em popularidade nos primeiros anos da década de 1950 e seus
artistas passaram gradativamente a serem executados pelas rádios, o que levou as grandes
gravadoras a produzirem coveres adocicados dos sucessos do rhythm and blues com
interpretações dos artistas pop de seu elenco. Esta prática rendia royalties às pequenas gravadoras
regionais, porém acabou por obscurecer muitas versões originais83. Pequenas estações de rádio,
especialmente nas cidades com grande população negra, começaram a executar canções de R&B
em sua programação, o que levou a um aumento na demanda por este tipo de música, fazendo
com que as rádios maiores – que sofriam com a concorrência exercida pela televisão – passassem
também a tocar canções deste gênero.
O primeiro grupo de artistas ligados ao rock and roll, também chamados de roqueiros
clássicos, teve sua ascensão marcada por duas fases distintas. A primeira, predominantemente
composta por artistas negros, estabeleceu os fundamentos do ritmo, principalmente a partir do
ano de 1953. Entre seus representantes de maior popularidade encontramos Fats Domino, Bill
Haley, Chuck Berry e Little Richard84. A partir de 1956, o grupo que teve Elvis como artista mais
popular, levou o rock a ter um enorme sucesso comercial.
Fats Domino, oriundo de uma família humilde do Sul, era um grande pianista,
influenciado em seu estilo por músicos de boogie-woogie. Domino foi o primeiro músico a obter
certo sucesso com canções que possuíam elementos próximos aos do que viria a ser conhecido
como rock and roll. A sua gravação de The Fat Man (de 1949, mas que somente em 53 tornar-se-
ia um hit) tem diversos elementos rítmicos que estarão presentes nas primeiras gravações de rock.
81 Ibidem, p. 33.82 Ibidem, p. 34.83 Ibidem, p. 40.84 Ibidem, p. 47.
30
Já em 1955, a gravação de Ain't It a Shame põe em relevo a prática que destacamos de os
sucessos de artistas das pequenas gravadoras receberem versões por artistas populares. A canção
na voz de Domino chegou ao 10º lugar, enquanto que a versão de Pat Boone chegou ao topo da
parada de sucessos85.
Bill Haley foi outro artista a se destacar neste período. Haley, segundo Friedlander, “teve
o privilégio de entrar no mercado pois compartilhava da mesma cor de pele que seu público (na
maior parte) branco”86. O cantor e compositor integrou conscientemente elementos os dois
principais ritmos presentes em sua formação: o country e o rhythm and blues e assim como a
maioria dos roqueiros no período, produziu seus primeiros discos por gravadoras menores.
Porém, o sucesso de Crazy Man Crazy, chamou a atenção das maiores empresas do setor,
levando Haley a assinar com a Decca87. O grande sucesso de sua carreira foi gravado em 1954,
porém só conseguiu atingir a maior parte do público em 1955, pois Rock Around the Clock fez
parte da trilha sonora do filme Sementes da Violência. Sobre a canção Friedlander afirma que “os
adolescentes ganharam um hino de rebeldia. A canção subiu para o primeiro lugar e ficou lá por
inacreditáveis oito semanas”88.
Outros dois importantes artistas desta primeira leva do rock and roll foram Chuck Berry e
Little Richard. Ambos cresceram em lares com relativa prosperidade, o pai de Chuck, por
exemplo, era responsável pela manutenção de prédios, já o pai de Richard era tijoleiro e vendia
bebidas ilegalmente. Desde a infância Berry cantava no coro da Igreja Batista que sua família
frequentava e, posteriormente, (como instrumentista autodidata) fundiu em sua guitarra
elementos do blues e do country89. Apesar das boas condições materiais da infância, Chuck teve
problemas com a polícia pela primeira vez em 1944, com 17 anos, pois havia roubado um carro
junto com dois amigos. Na década de 1950, Berry começou a tocar em uma banda de blues em
Saint Louis. Seu primeiro grande sucesso, no entanto, veio apenas em 1955 com a canção
85 Ibidem, p. 49.86 Ibidem, p. 51.87 Ibidem, p. 52.88 Ibidem, p. 53.89 Ibidem, p. 55.
31
Maybellene, cuja difusão contou com o apoio do importante DJ de Nova Iorque, Alan Freed (que
por conta disso ficou com um terço dos direitos autorais da música). Frielander destaca que era
“paradoxal que um homem que já tinha tinha trinta anos na época em que Roll Over Beethoven
foi um hit em 1956 pudesse falar de coisas tão comuns a uma geração de jovens que estava
provando a rebeldia pela primeira vez”90. Em 1959, no entanto, o cantor foi acusado de
transportar menores através das fronteiras estaduais. Após o veredicto de um dos seus
julgamentos ter sido anulado (pelo nítido preconceito racial do presidente do júri), Berry foi
condenado e cumpriu pena entre fevereiro de 1962 e outubro de 1963. Após sair da prisão a
carreira de Chuck estava bastante comprometida e, apesar de ter produzido algumas músicas de
sucesso, jamais voltou a ocupar a posição que ocupava na música pop na segunda metade dos
anos 50.
Little Richard, que era neto de um pastor, tinha um estilo vocal oriundo de sua formação
gospel e sua adolescência também fora marcada por problemas de comportamento. Richard
obteve sucesso na segunda metade da década de 1950 com suas apresentações, já que sua
performance no palco era inigualável para os roqueiros de sua geração. No entanto, sua carreira
de cantor popular de rock também foi interrompida, pois no final de 1957 decidiu que se
dedicaria música gospel. Nos anos seguintes alternou momentos tocando rock, com outros em
que executava músicas de caráter religioso.
A conquista definitiva de espaço do rock and roll na música pop ocorreu através do
principal nome do ritmo nos anos 50: Elvis Presley. Elvis Aaron Presley nasceu em 1935 e teve
uma infância humildade no Mississippi. A exemplo de outros roqueiros clássicos, Elvis também
era admirador de música gospel91. Sua família se mudou em 1948 para Memphis, onde Elvis
começou a fazer suas primeiras apresentações como músico. Contudo, apenas em 1954 que sua
carreira vai ganhar impulso. Em um intervalo de gravações nos estúdios da gravadora Sun
Records, Elvis e seus companheiros improvisaram a música That's All Right (Mama). Ao escutar
90 Ibidem, p. 56.91 Ibidem, p. 68.
32
a execução de Elvis e sua banda para a música, o proprietário da gravadora percebeu estar
próximo do som que almejava, pois Presley era branco e tinha “o som negro e o feeling negro”92.
A performance no palco de Elvis chamou a atenção do empresário de artistas country,
coronel Tom Parker. Parker contribuiu de forma decisiva na divulgação do trabalho de Elvis e
passou a dedicar-se exclusivamente a empresariar o roqueiro. Outro fator importante que
contribuiu para que a carreira de Elvis fosse alavancada foi o fato de a RCA (uma das gigantes do
mercado fonográfico) ter pago a Phillips 35 mil dólares pelo último ano de contrato de Presley.
Com a perspicácia de coronel Tom Parker e a capacidade de promoção da RCA, Elvis passou a
participar de programas de televisão, como o popular Ed Sullivan Show, no qual os censores da
emissora proibiram que focalizassem o cantor da cintura para baixo93. O cinema foi outro
importante instrumento de divulgação de Elvis, tendo estrelado quatro filmes até alistar-se no
exército. Apesar de não ter perdido popularidade no período em que serviu na Alemanha
Ocidental, sua carreira jamais voltou a ser como antes de estar no exército.
Outros músicos também marcaram esta primeira década de rock and roll, como Jerry Lee
Lewis e Buddy Holly. Lewis, por exemplo, teve uma infância pobre no Sul e em sua adolescência
frequentava uma danceteria local em que músicos negros se apresentavam e Jerry Lee procurava
depois tocar as canções que lá ouvia. O country, porém, foi marcante na formação de Lewis e
suas primeiras gravações foram marcadas por esta influência. Porém, o músico passou
prontamente a fazer versões rock para as suas músicas na gravadora Sun e sua performance no
piano era bastante peculiar, já que “tocava com qualquer parte do corpo que estivesse ao seu
alcance”94.
Charles Hardin Holley nasceu em Lubbock (Texas) em 1936 e cresceu em um “núcleo
familiar estável e com boas condições financeiras”95. Assim como outros de sua geração, Buddy
Holly teve um contato estreito com a música country em sua infância. Holly que estudara piano,
logo passou para o violão e, de acordo com Paul Friedlander, escutava programas de música
92 Ibidem, p. 70.93 Ibidem, p. 72.94 Ibidem, p. 76.95 Ibidem, p. 81.
33
negra transmitidos pela rádio KWKH de Shreveport (cidade do estado da Lousiana, vizinha ao
Texas). Buddy no colegial passou a tocar com Bob Montegomery e em 1955 abriram shows de
diversos artistas como Bill Haley e Elvis Presley. Em outubro deste ano, porém, Holly foi
contratado pela gravadora Decca, sem o seu parceiro Bob. O cantor e compositor obteve sucesso
apenas em 1957, com canções que tiveram destaque tanto nas listas de música pop, como nas
paradas de R&B – exemplo disso foi a gravação de That’ll Be The Day (primeiro lugar na lista de
música pop e segundo na parada de R&B)96.
Buddy Holly foi personagem de uma situação que demonstra o quanto os Estados Unidos
na década de 1950 eram um país marcado fortemente pela segregação. Holly e sua banda (os
Crickets) foram convidados para se apresentarem no Teatro Apollo (uma das principais casas de
show de música negra em Nova Iorque)97. Porém, os espectadores que foram aos shows, devido
ao sucesso que faziam nas paradas de R&B, não sabiam que se tratavam de músicos brancos e
foram hostis à banda e de acordo com Holly, quando terminaram certa música “as pessoas deram
uma banana”98.
No entanto, as carreiras de Jerry Lee Lewis e de Buddy Holly foram precocemente
interrompidas. No inverno de 1958-59 Buddy excursionava em uma turnê com diversos artistas
chamada Midwest Winter Dance Party. A rotina dessas viagens era bastante cansativa, pois os
shows eram diários. Após uma apresentação em Green Bay (Wisconsin) o festival iria apresentar-
se em uma cidade a 560 quilômetros de distância (Clear Lake, Iowa) e alguns músicos decidiram
alugar um avião para que pudessem ter algum descanso, porém os destroços da aeronave foram
encontrados a apenas 13 quilômetros do aeroporto na manhã do dia 3 de fevereiro de 1959. Don
Mclean, posteriormente nomeou esta data como “o dia em que a música morreu” na canção
American Pie (1971), isto porque, além de Holly, também estavam no avião os roqueiros Ritchie
Valens e J. P. "The Big Bopper" Richardson. Holly deixou um significativo acervo para o rock
96 Ibidem, p. 82, 83.97 Ibidem, p. 83.98 Ibidem, p. 83.
34
and roll através de composições que nos anos seguintes viriam a ser gravadas por artistas como
os Beatles e os Rolling Stones.
Lewis, por sua vez, teve sua carreira “interrompida” pelo moralismo então vigente. Ao
realizar uma turnê pela Inglaterra em 1958, a imprensa local descobrira que o músico estava
secretamente casado com uma prima de terceiro grau de treze anos de idade. Como Lewis não era
amparado nem por uma grande gravadora, nem por um empresário habilidoso, sua carreira jamais
viria a recuperar-se. Segundo Friedlander, o caso também servira para que a imprensa
conservadora atacasse o rock and roll99.
No início da década de 1960 o rock and roll passou por um período de perda de
popularidade nos Estados Unidos. Uma música pop marcada pela “ausência de uma batida forte”
e por uma valorização do “amor romântico” foi predominante no mercado fonográfico, além de
ter havido também um resgate da música folk e de terem alcançados a lista das músicas mais
populares, canções ligadas ao calipso “étnico”, à surf music e à gravadora Motown100. A difusão
do rock também foi ameaçada através de uma investigação levada a cabo em 1959. Diversos
apresentadores de TV, como Dick Clark, e DJs de rádios, como Alan Freed (importante difusor
do rock e do R&B no início da década), possuíam interesses comerciais com os artistas que se
apresentavam em seus programas. A prática do payola (jabá) era bastante comum e foi bastante
combatida, entretanto, os congressistas estavam convencidos de que o rock tocava nas rádios
apenas devido a este procedimento.
O rock, no entanto, só voltaria a dominar o mercado fonográfico alguns anos depois do
início da década, quando jovens passaram a se apropriar de sua batida, fundindo o rock clássico
com o blues e o pop. A diferença é que desta vez estes jovens vinham do outro lado do oceano,
liderados pelos Beatles, artistas como “the Dave Clark Five, the Rolling Stones, Herman's
Hermits, Gerry and the Pacemakers, the Kinks, the Hollies, the Searchers, the Animals, the
Yardbirds”101 fizeram parte da chamada “invasão inglesa”. O impacto destes artistas na cultura
99 Ibidem, p. 77.100 Ibidem, p. 105.101 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 88.
35
pop americana pode ser medido pelo fato de a lista de artistas que citamos ter sido elaborada por
Andy Warhol em sua autobiografia.
2.2.1 Twist And Shout: A “Invasão” do Rock Inglês na Década de 1960
Os Beatles foram os primeiros artistas de rock ingleses a conseguirem um espaço
significativo nos Estados Unidos, porém até chegarem em solo americano percorreram um
caminho que pode ser identificado com a da maioria dos roqueiros norte-americanos dos anos 50.
Em geral, tiveram uma infância e uma adolescência com boas condições materiais, com exceção
de Ringo Starr que era oriundo de uma família pobre, além de ter uma saúde debilitada e ter
convido com o fato de seus pais serem divorciados. Apesar de ter tido uma infância mais
próspera os pais de John Lennon também eram divorciados, o que o levou a ter sido criado pela
irmã mais velha de sua mãe. Paul McCartney também foi criado em um lar que lhe oferecia boas
condições, porém aos 14 anos vivenciou o impacto do falecimento de sua mãe por câncer. George
Harrison, por sua vez, teve uma formação marcada por uma família estável, o que não o impediu
de adotar o visual rock and roll e a tocar guitarra102.
A trajetória destes jovens ingleses passou a se juntar a partir de 1956, com a banda
Quarrymen que em 1959 passou a contar em sua formação com John, Paul, George e Stu
Sutcliffe (que era amigo de Lennon no curso de arte que cursava). Em 1960 a banda passa a tocar
de modo profissional e tem seu nome mudado inúmeras vezes, até que finalmente adotam o nome
Beatles. Para Paul Friedlander “o nome veio da paixão deles pelos Crickets (grilos) de Buddy
Holly. E assim combinaram beetle (besouro) com o nome comum que se usava na época para
chamar a música de rock: 'beat' music”103.
Uma das primeiras experiências foram os quatro meses nos quais tocaram em Hamburgo
na Alemanha, onde agora contavam com o baterista Pete Best, além de terem ampliado seu
repertório. Em 1961, a banda chamou a atenção de um empresário da região de Liverpool
102 FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 119.103 Ibidem, p. 120.
36
chamado Brian Epstein. Após tentarem assinar com diversas gravadoras, os Beatles acertaram
com a Parlophone (uma subsidiária da EMI) em agosto de 1962. A banda, no entanto, substituiu
o baterista Pete Best por Ringo Starr, estabelecendo assim a formação que ficaria conhecida
como os Fab Four (já que Stu Sutcliffe havia deixado o grupo ainda no período em que estavam
em Hamburgo e desde então eram um quarteto).
Poucos meses depois do lançamento do seu primeiro compacto, os Beatles alcançavam o
primeiro lugar das paradas britânicas. Não tardou muito para que fosse estabelecida a chamada
beatlemania, chegando a banda a causar tamanho tumulto em uma apresentação beneficente da
Corte britânica, que o primeiro-ministro se atrasou devido ao trânsito provocado pelos fãs do
grupo104.
Os Beatles, no entanto só alcançariam o mercado fonográfico americano após a hábil
condução realizada pelo seu empresário. A subsidiária americana da EMI (Capitol) já havia
rechaçado a possibilidade de promover a banda nos Estados Unidos, pois nenhum grupo britânico
jamais havia obtido sucesso neste mercado. No final de 1963, no entanto, a gravadora lançou
material dos Beatles nos Estados Unidos e através de uma forte campanha publicitária, os Beatles
chegaram ao primeiro lugar das paradas em janeiro de 1964. Três semanas depois do seu
compacto ter atingido o topo da lista dos mais vendidos, o Beatles pisavam em solo americano ,
sendo esperados no aeroporto por dez mil fãs. Não bastasse tamanho sucesso, a banda aumentou
sua popularidade pelo fato de o seu empresário ter negociado uma apresentação no Ed Sulivan
Show (73 milhões de pessoas os assistiram, a maior audiência da TV americana até a chegada do
homem na lua105).
A popularidade da banda cresceu nos anos seguintes, porém o teor de suas canções foi
modificando-se nos anos seguintes, passando a banda a tratar de questões muito mais abrangentes
que o amor romântico, contribuindo para o rock and roll estabelecer uma nova posição no campo
104 Ibidem, p. 125.105 The Ed Sullivan Show. In Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Ed_Sullivan_Show> Acesso em: 30 abr 2012.
37
cultural da década de 1960. As músicas também se tornaram instrumentalmente mais complexas,
o que os levou a fazerem cada vez menos shows.
Enquanto a popularidade dos Fab Four e a beatlemania cresciam nos Estados Unidos, do
outro lado do oceano outra banda vinha ocupando espaços no mercado fonográfico. Em sua
autobiografia, Andy Warhol expõe como percebeu este fenômeno, pois no verão de 1964
conheceu um jovem inglês chamado Mark Lancaster. Os Beatles e tudo que fosse britânico
despertava a curiosidade dos norte-americanos neste período e deste modo, Warhol afirma, “a
primeira coisa que as crianças perguntavam para ele [Mark Lancaster] era 'Você conhece os
Beatles?' – o que o surpreendia porque na Inglaterra o show mais quente era o dos Rolling Stones;
os Beatles eram algo do verão anterior”106.
Os Rolling Stones eram compostos – na formação em que se tornaram populares – por
quatro jovens do subúrbio de Londres (Mick Jagger, Keith Richards, Bill Wyman e Charlie
Watts) e por Brian Jones, que crescera em uma cidade de veraneio no Oeste da Inglaterra. Brian,
porém, mudou-se para Londres após o nascimento do seu segundo filho no início década de 1960.
O fato de ser um bom instrumentista levou Jones a juntar-se a uma importante banda de blues
(Blues Incorporated). Por volta de 1962, no entanto, o guitarrista juntou-se a Mick e Keith para
formar os Rolling Stones – nome retirado do título de um blues de Muddy Waters (Rollin' Stone).
Em janeiro de 1963, com a entrada de Charlie Watts, a formação a que nos referimos
estava estabelecida. Como acontecera com outros artistas que estudamos, o elemento decisivo
para a ascensão dos Stones foi o fato de terem assinado com o jovem empresário Andrew Loog
Oldham (que tinha apenas 19 anos) em maio. Outro evento que marcou a trajetória da banda
ocorreu quando George Harrison sugeriu sua contratação ao produtor Dick Rowe da Decca, que
era conhecido por ter rejeitado os Beatles no início de sua carreira107. A banda passou a
paulatinamente ocupar uma posição de destaque no cenário roqueiro da Grã-Bretanha,
emplacando seus primeiros sucessos, em um repertório que misturava coveres com composições
próprias.
106 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 88, 89.107 FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 157.
38
Seis meses após a chegada dos Beatles aos Estados Unidos, os Rolling Stones também
atravessaram o oceano, no entanto não tiveram a mesma recepção que os seus compatriotas e
apesar de algumas músicas na lista das top-10108 e de apresentações no programa de Ed Sullivan,
os Stones não conseguiam no mercado fonográfico americano o mesmo espaço que já haviam
obtido na Inglaterra. Esta situação só viria a mudar com o lançamento, em 1965, de (I Can't Get
No) Satisfaction, que ficaria em primeiro lugar nos Estados Unidos durante quatro semanas. A
composição de Mick Jagger e Keith Richards tratava da futilidade da rotina da banda durante a
turnê nos Estados Unidos. A temática das letras e a performance explosiva de Jagger no palco
davam aos Stones uma imagem que era vendida como a antítese dos Beatles. Friedlander
considera que um dos méritos do empresário da banda era “vender os Stones como os bad boys
do rock and roll”109. O grupo ainda podia se vangloriar do seu sucesso comercial, pois graças a
habilidade dos seus empresários, a banda ganharia em 1965 mais dinheiro do que os seus
conterrâneos de Liverpool haviam recebido em toda a sua carreira110.
Uma reportagem da revista Life de abril de 1955 tratava da controvérsia em torno do rock
and roll. A matéria falava que algumas estações de rádio estavam “preocupadas com letras
questionáveis de canções de rock and roll”111. A revista destaca a ancestralidade que o jazz de
Louis Armstrong e Bessie Smith tinha em relação ao rock e que os álbuns do ritmo eram antes
descritos como “discos raciais” passando depois a serem denominados de “rhythm and blues”,
“primeiramente tocado por negros (negroes) e vendidos principalmente nas comunidades negras
(Negro communities)”112. No entanto, ainda de acordo com a Life, “os pais e a polícia estavam
assustados com outras palavras contidas nos discos de rock and roll, que eram frequentemente
sugestivas e ocasionalmente lascivas”. A reportagem concluía afirmando que
108 Ibidem, p 159.109 Ibidem, p 160.110 Ibidem, p 160.111 Rock 'n Roll. Life. Chicago. v. 38, n. 16. 18 abr. 1955. p. 166.112 Ibidem, p. 168.
39
censores de rádio, TV e discos ouviam não apenas discos de rock 'n roll, mas também –
com boa razão (o grifo é nosso) – letras de discos pop. Mas dificilmente um adolescente
teria tempo para ouvi-las. Eles parecem estar ocupados e alegremente dançando e
rolando (rockin' and rollin' around).113
Na seção de correspondências da edição de 9 maio, um adolescente chamado Frederic
Hirsch comentava “que não via futuro na louca dança do rock 'n roll”114. Este ceticismo aparente
é refutado pelo próprio jovem, que concluiu sua carta afirmando que, no entanto, “rock 'n roll não
era apenas uma dança”115. Apesar de todo o tom conservador empregado na década de 1950 para
se referir ao rock and roll, o jovem Frederic a seu modo compreendia a força contestadora que
este estilo musical possuía, o que só se confirmou nos anos seguintes com a mudança na temática
das canções, que na década posterior possuíam um caráter político, de enfrentamento maduro ao
status quo (nos anos 50 isto também estava presente nas letras, porém de outra maneira). Além
disso, muitos músicos de rock and roll passaram a sair de grupos de vanguarda musical, sendo a
execução das canções cada vez mais elaboradas e exigindo cada vez mais recursos e criatividade
dos produtores e músicos no estúdio (neste sentido não podemos deixar de citar o álbum
Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, lançado pelos beatles em 1967, que estabeleceu uma
profunda mudança e avanço técnico no modo de gravar músicas). Além disso, o rock and roll era
o principal elemento das nascentes e cada vez mais importantes culturas jovem e pop. A sua
influência extrapolou os limites do âmbito cultural e as canções e as atitudes propostas e
elaboradas por artistas e admiradores do ritmo modificaram de vez a sociedade norte-americana.
2.3 Da Action Painting à Pop Art: As Artes Plásticas nos Estados Unidos no Pós-Guerra
Desde finais da década de 1930 os Estados Unidos receberam um enorme contingente de
artistas que fugiam dos conflitos que ocorriam na Europa. No entanto, o país não ocupava uma 113 Ibidem, p. 168.114 Life. Chicago. v. 38, n. 19. 09 mai. 1955. p. 19.115 Ibidem, p. 19.
40
posição de destaque em meio às vanguardas que desde o final do século XIX afluíam na Europa.
Entre os norte-americanos prevalecia uma arte realista, que buscava representar temas e objetos
de forma verossímil116.
No entanto, na década de 1940, a crítica realizada à obra de novos artistas passou e
suscitar intensos debates nas páginas dos jornais, levando pintores como Adolph Gottlieb, Marc
Rothko e Barnett Newmann a estabelecer os princípios de uma vanguarda norte-americana que
viria a ser conhecida como “expressionismo abstrato”. Os fundamentos sobre os quais o
movimento se estabeleceu podem ser encontrados na arte abstrata desenvolvida nas primeiras
décadas do século passado. Neste sentido, Wassily Kandinsky, com “uma abstração impregnada
de sentimento”, influenciou de forma decisiva os expressionistas abstratos americanos,
especialmente através das obras conhecidas como “improvisações” (termo este retirado do
vocabulário da música, no qual “improvisações” eram obras realizadas de modo mais espontâneo,
enquanto que aquelas elaboradas após um trabalho mais longo eram denominadas de
“composições”). O neoplasticismo de Piet Mondrian também foi uma importante matriz para o
movimento, pois com a redução de sua obra a elementos primordiais, como a vertical e a
horizontal e o uso das cores primárias, buscava uma arte “pura”117. O suprematismo de Maliévich
e o construtivismo, através de figuras como Vladmir Tatlin, Alexander Rodchenko e Lissitzky
também constituiu um dos fundamentos para o expressionismo abstrato norte-americano.
Conforme afirmamos, os Estados Unidos receberam um grande contingente de artistas nas
primeiras décadas do século, alguns dos quais contribuíram de maneira consistente na elaboração
do movimento expressionista abstrato, como Marc Chagall (que se refugiara no país em 1941, em
decorrência da Segunda Guerra Mundial), Walter Gropius (um dos fundadores da escola de artes
e design alemã Bauhaus), o húngaro László Moholy-Nagy (que chegou a fundar em Chicago uma
instituição que chamou de New Bauhaus), além de indivíduos como Marcel Duchamp, Salvador 116 MOLINA, H. M. P.. El Expresionismo abstracto norteamericano: La Action Painting de Jackson Pollock. Inovación y Experiencias Educativas, Granada, n. 27, fev. 2010. p. 2. Disponível em <www.csi-csif.es/andalucia/modules/mod_ense/revista/pdf/Numero_27/Helena_Maria_Perez_Molina_01.pdf> Acesso em: 01 mai 2012. 117 AGRA, Lúcio. História da arte do século XX: idéias e movimentos. 2 ed. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004. p. 94.
41
Dalí e Max Ernst. Muitos autores identificam, neste período, uma mudança no eixo das artes
plásticas, de Paris para Nova Iorque, o que levou a cidade a ser o principal centro do
expressionismo abstrato.
O expressionismo abstrato, porém, não era um movimento homogêneo, sendo
identificáveis suas tendências principais: a action painting e a color-field painting. No que se
refere ao aspecto técnico, a action painting consistia em “gotejar a tinta na superfície de um lenço
de maneira espontânea, ou seja, sem um esquema prefixado, de forma que este se converta em
um ‘espaço de ação’ e não na mera reprodução da realidade”118. O principal representante desta
corrente foi o norte-americano Jackson Pollock.
Paul Jackson Pollock nasceu em 1912, na pequena cidade de Cody, no estado de
Wyoming. Pollock teve uma infância marcada pela instabilidade familiar119 e por problemas na
escola. Em 1928, sua família se muda para Los Angeles, onde o jovem se matricula na Escola
Superior de Belas Artes, na qual foi introduzido – através do professor Frederick Schwankovsky
– às teorias teosóficas, além ter entrado em contato com a política e com as vanguardas que se
desenvolviam. No início dos anos 30, devido ao alcoolismo e à depressão de Paul120, os irmãos
Pollock decidem se transferir para Nova Iorque. Jackson passa a assistir aulas na Greenwich
House e na Art Students League com o professor Tomas Hart Benton e por conta desta influência
suas obras durante a década terão um aspecto figurativo. Neste período, o pintor também entrou
em contato com as obras dos muralistas mexicanos (como José Clemente Orozco, Diego Rivera e
David Alfaro Siqueiros), apropriando os grandes formatos utilizados por estes artistas em seus
trabalhos posteriores.
A partir de 1947 Jackson Pollock desenvolve a técnica que foi anos mais tarde
denominada pelo crítico Harold Rosenberg de action painting. Ao aplicar a tinta sobre as telas, o
118 Abstracto, Arte. Disponível em <http://www.monografias.com/trabajos11/exprabs/exprabs.shtml> Acesso em: 02 mai 2012. 119 MOLINA, H. M. P. El Expresionismo abstracto norteamericano: La Action Painting de Jackson Pollock. Inovación y Experiencias Educativas, Granada, n. 27, fev. 2010. p. 2. Disponível em <www.csi-csif.es/andalucia/modules/mod_ense/revista/pdf/Numero_27/Helena_Maria_Perez_Molina_01.pdf> Acesso em: 01 mai 2012.120 Ibdem, p.3.
42
artista realizava com seus braços movimentos expressivos, tendo como resultado um emaranhado
de linhas dotadas de grande liberdade, privilegiando as cores primárias (FIGURA 3). Os aspectos
figurativos de sua obra também desapareceram, ao mesmo tempo em que Pollock tirava do título
de suas obras qualquer caráter conotativo, pois passou a enumerá-las e chamá-las simplesmente
de “composições” (por exemplo, “Composição nº 1, 1948”).
Apesar de ter Pollock como seu maior expoente, a action painting é uma classificação que
pode ser, em alguns aspectos, aplicada a artistas como Arshile Gorky, Hans Hofmann e Robert
Motherwell121. Outro expoente do expressionismo abstrato foi o pintor de origem holandesa
Willem de Kooning. O gestualismo De Kooning não empregava o gotejamento, mas sim grandes
pinceladas através das quais conseguia dotar suas obras de uma sensação de dinamismo. Apesar
de sua ligação com os expressionistas abstratos, o artista procurou alternar o estilo figurativo e o
abstrato, muitas vezes os combinando (como na série de quadros “Mulheres” (FIGURA 4),
pintados no início da década 1950).
O expressionismo abstrato, porém, não estava reduzido apenas à pintura gestual. Outra
faceta do movimento era o chamado color-field painting, cujo principal representante foi Mark
Rothko. As atenções desses artistas estavam voltadas para os estudos da cor, que no caso de
Rothko jamais estava restrita a estruturas geométricas fixas. Rothko tinha em comum com
Pollock o uso de grandes formatos, expostos geralmente de forma vertical. Outro nome
importante desta tendência foi Clyfford Still, que abriu mão da figuração em suas obras na
segunda metade da década de 1940, sendo seu trabalho marcado por uma justaposição de
diferentes cores e superfícies. Barnett Newman também desempenhou um papel significativo na
trajetória do color-field painting, com a peculiaridade de suas obras serem marcadas pela
precisão da linha reta delimitando as zonas de cor dos quadro.
Os expressionismo abstrato marca o momento no qual as vanguardas norte-americanas
encontram sua identidade própria, em grande medida pela busca dos artistas americanos em se
121 Abstracto, Arte. Disponível em <http://www.monografias.com/trabajos11/exprabs/exprabs.shtml> Acesso em: 02 mai 2012.
43
desvincularem das influências da vanguardas oriundas da Europa122. Alguns autores –
como Polo Castellanos – consideram que o avanço do movimento se deveu, em grande medida, à
ação do governo dos Estados Unidos no sentido de estabelecer uma forma artística antagônica ao
realismo soviético123. O caráter de liberdade presente nas realizações artísticas do expressionismo
abstrato também teriam sido utilizados como um instrumento político. O apoio da CIA teria
ocorrido através do financiamento à exposições internacionais e por meio de instituições culturais
norte-americanas, como o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). Consideramos,
contudo, que reduzir a conquista de espaços no âmbito cultural à mera manipulação político-
ideológica uma simplificação das disputas existentes no âmbito artístico-cultural. De acordo com
Castellanos a ação da CIA em favor do movimento é inegável, no entanto, tal uso dos princípios
expressionistas abstratos são muito mais uma constatação da dimensão que esses artistas vinham
obtendo, do que uma criação por parte do governo norte-americano.
O auge do movimento na década de 1950 irá coincidir com o seu declínio, para o que
contribuiu a precoce morte de Jackson Pollock (com 44 anos) em um acidente de automóvel em
1956. Os artistas ligados ao expressionismo abstrato continuaram sua produção nos anos
seguintes, no entanto seu projeto deixou de ter a proeminência que teve no final da década de
1940 e início da de 1950 no campo artístico. De modo simultâneo a este ocaso, os Estados
Unidos acompanham o surgimento no âmbito das artes plásticas de jovens artistas com uma
proposta distinta. Apesar de ser sempre questionável falar em transição, a obra Erased De
Kooning Drawing (Desenho Apagado de De Kooning) acabava desempenhando o papel de
representação gráfica desta mudança das preocupações artísticas. O trabalho consiste em um
esboço de De Kooning, que consente em Robert Rauschenberg apagar certas marcas da obra
original, deixando reconhecíveis apenas alguns dos seus contornos (FIGURA 5). A obra de 1953
demonstra o quanto o expressionista abstrato não teve dificuldades em compreender a obra que
122 CIRLOT, Lourdes. Expresionismo Abstracto norteamericano. Disponível em <http://historiadelarte4.blogspot.com.br/2007/05/expresionismo-abstracto-norteamericano.html> Acesso em: 02 mai 2012.123 CASTELLANOS, Polo. Expresionismo Abstracto: Tipicamente Norteamericano. Archipiélago. Revista cultural de nuestra América, México, v. 17, n. 64, abr.-jun. 2009. p. 59.
44
os novos artistas que surgiam no cenário nova-iorquino desenvolviam. De Kooning adotou uma
postura diferente daquela tomada por seus contemporâneos, que viriam a protagonizar atitudes de
hostilidade aos adeptos do movimento que posteriormente seria denominado de pop art.
Como observamos, Nova Iorque já possuía, na década de 1950, uma tradição artística, no
entanto, diferentemente do decênio anterior, esta era baseada não apenas em artistas que
imigraram para cidade, como também por norte-americanos. Além disso, havia uma tradição
regionalista e figurativa nas artes visuais americanas, como vimos no caso de Tomas Hart
Benton, mentor de Jackson Pollock nos anos 30. Rauschenberg, que fora um dos primeiros
artistas a ter preocupações que indicavam na direção da pop art, estudou no Black Mountain
College (Carolina do Norte), onde recebeu lições do compositor John Cage. O então professor se
interessava por aspectos do budismo e procurava estabelecer uma “integração de níveis de
realidade triviais numa linguagem musical processual, ligada aos objetos e atuante”124. Essa busca
o levava a questionar as relações entre arte e as mídias que se desenvolviam no período, fazendo
o autor a fazer indagações tais quais: “um caminhão dentro de uma escola de música será mais
musical que um caminhão a percorrer uma estrada no campo?”
“Isto é um quadro ou uma bandeira?” é o que perguntava Jasper Johns a respeito dos seus
quadros-bandeiras (FIGURA 6). Tal questão é análoga àquela que levantava John Cage,
indagando-se sobre a relação existente entre o objeto representado e a própria obra. Johns, que
em 1955 era vizinho de ateliê Cage foi um dos pioneiros da pop art e suas obras iam de encontro
com os valores artísticos então vigentes. Jasper Johns pintava objetos reais de maneira abstrata (o
pintor iniciou sua carreira seguindo os preceitos do expressionismo abstrato). Há nas obras do
movimento uma relação com os ready-mades (FIGURA 7) de Marcel Duchamp, francês radicado
nos Estados Unidos desde os anos 20. Duchamp se valia de objetos ordinários do cotidiano,
postos de maneira que seu significado desaparecia sob novo título e novo ponto de vista125.
124 OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2011. p. 84.125 Marcel Duchamp. In Wikipédia: l' encyclopédie libre. Disponível em <http://fr.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp>. Acesso em: 12 mai 2012.
45
Robert Rauschenberg, por sua vez, combina inúmeras técnicas em suas obras, realizando
espécies de colagens denominadas de Combine Painting. Apesar dos estilos diferentes, Johns e
Rauschenberg influenciaram um ao outro, pois além do relacionamento afetivo, os artistas
realizaram uma troca de ideias regular. Por outro lado, o desenvolvimento da pop art foi
estimulado pelas galerias de arte nova-iorquinas – como as galerias Reuben, Green, Stable,
Judson, Leo Castelli e Ivan Karp. Um elemento em comum entre os artistas identificados com o
movimento era a sua origem na arte comercial, como foram os casos do próprio Rauschenberg,
de Andy Warhol, de James Rosenquist, de Roy Lichtenstein, de Claes Oldenburg e de Tom
Wesselmann.
De acordo com Tilman Osterwold o ano de 1961 foi decisivo na divulgação da pop art,
posto que os artistas ligados ao movimento haviam atingido sua maturidade criativa e passaram a
ser discutidos pelos meios de comunicação – que de certa forma eram também objeto da arte pop.
Ao mesmo tempo o movimento passava a ter nas figuras de Robert Scull, Philip Johnson e Harry
Abrams os seus primeiros colecionadores. Sobre “Bob” Scull, Andy Wahrol afirma que ele
estava no ramo de táxis, mas havia sido mais esperto que todas aquelas pessoas nos
museus. Obteve o que todo colecionador sonha – construiu a melhor coleção por
reconhecer a qualidade antes que qualquer outro o tivesse feito, enquanto as obras podiam
ainda ser compradas a preços baratos126.
Para Tilman Osterwold ao mesmo tempo que a pop art se popularizava, passava a haver
um “mal-entendido”127 em sua apreensão. Tom Wesselmann afirmara que “o golpe mais grave
lançado sobre a pop art foi sem dúvida a admiração”. Para Osterwold “os artistas da pop art se
confrontavam com os objetos que mostravam com uma espécie de <<amor-ódio>>
(Lichtenstein), ou seja, fascinados pelo quotidiano que propunham simultaneamente para análise
[...]”128. Esta tensão existente nos objetos pertencentes à esfera do consumo também é analisada 126 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 109.127 OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2011. p. 101.128 Ibidem, p. 102.
46
pelo filósofo italiano Giorgio Agamben. Ele afirma que ao denominarmos a fase do capitalismo
“que estamos vivendo como espetáculo, na qual todas as coisas são exibidas na sua separação de
si mesmas, então espetáculo e consumo são as duas faces de uma única impossibilidade de
usar”129.
A partir da análise que Agamben faz da modernidade, utilizando como referências as
noções de profanação e consagração, procuraremos estudar a trajetória do artista pop Andy
Warhol, que através de seus trabalhos evidencia a dimensão do espetáculo que há no consumo ao
mesmo tempo em que profana esses objetos ao “usá-los” em outros contextos. Ademais, nossa
pesquisa irá voltar-se para o compreensão do espetáculo multimídia Exploding Plastic Inevitable,
realizado pelo próprio Warhol, alguns indivíduos ligados ao seu estúdio Factory e a banda de
rock Velvet Underground.
129 AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 71.
47
CAPÍTULO III – A PROFANAÇÃO DOS CÂNONES ARTÍSTICOS NA PRODUÇÃO DE
ANDY WARHOL E DA FACTORY
3.1 Andy Warhol e a Construção do Artista Pop
Andrew Wahrola nasceu em 6 de agosto de 1928, em Pittsburgh em uma família de
imigrantes do Leste europeu. Andy era o mais novo dos três filhos do casal Ondrej e Julia
Warhola. Ondrej tinha ganhos módicos trabalhando na construção civil, nas minas de carvão e
em outras atividades, vivendo a família, até 1934, em um apartamento descrito por Tony
Scherman como “miserável”130. Contudo, o patriarca juntou dinheiro o suficiente para comprar
metade de duas casas geminadas em uma área de trabalhadores assalariados.
Andy Warhola, que sofrera com problemas físicos ao longo de sua infância e
adolescência, perdera seu pai em 1942 – quando tinha apenas 13 anos. Apesar de a família viver
em condições modestas, Ondrej deixou para seu filho mais novo recursos necessários para pagar
seus dois primeiros anos de faculdade. Em 1945 Andy entrou no Carnegie Institute of
Technology, no qual enfrentou dificuldades por ter problemas com a escrita, chegando em
algumas ocasiões a ser reprovado. No final de sua graduação, porém, Warhol (que deixara de
usar o “a” do final do seu sobre nome em 1948) conseguiu ter algum destaque, especialmente
quando inscreveu um quadro originalmente chamado A Desgraçada me Pariu com Esta Cara,
Mas Eu Posso Cutucar Meu Próprio Nariz (FIGURA 8) em uma exposição anual na cidade. O
trabalho foi recusado, mas Andy aproveitou-se da notoriedade dada por este fato para ser o único
aluno de seu turma a vender todo o seu portfólio131.
Até os 20 anos de idade Warhol jamais havia saído de Pittsburgh, porém em sua segunda
viagem a Nova Iorque, em junho de 1949, o jovem artista se mudou em definitivo para a cidade,
onde dividiu nos primeiros meses um apartamento com seu colega de faculdade Philip Pearlstein.
Já nos primeiros meses a carreira de Andy como artista comercial mostrou-se promissora e logo
130 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 21.131 Ibidem, p. 29.
48
passou a trabalhar em grandes agências. Apesar disso, Warhol ainda era um artista secundário,
situação que mudou quando foi contratado em 1955 pelo fabricante e varejista de sapatos I.
Miller & Sons, recebendo um valor de 12 mil dólares (equivalentes hoje a mais de 100 mil
dólares)132. Andy Warhol ao longo da década de 1950 passou cada vez mais a fazer parte da cena
gay de Nova Iorque. Segundo Scherman, “o mundo gay pós-guerra de Nova York tinha
características de uma maçonaria clandestina, uma sociedade de ajuda mútua: uma rede”133. Estar
relacionado com esta rede possibilitou a Andy expor em pequenas galeria ao longo da década de
1950, porém seus trabalhos não foram bem recebidos pela imprensa especializada. Além disso, o
campo das artes plásticas em Nova Iorque na década de 1950 era, em grande medida, marcado
pelo predomínio do expressionismo abstrato e nas duas vezes em que Warhol procurou expor em
espaços maiores (como a Galeria Tanager) teve seu pedido recusado. Contudo, conforme
analisamos anteriormente, o cenário estava mudando no final da década de 1950. O sucesso da
primeira exposição de Jasper Johns em 1958 na Galeria Leo Castelli foi um exemplo desta
transformação.
Apesar de Jasper Johns e Robert Rauschenberg serem um casal, a postura homossexual de
Andy o impedia de se aproximar daqueles que compunham a “elite artística gay”134 de Nova
Iorque. Em uma ocasião Warhol teria perguntado ao seu amigo Emile de Antonio por que Jasper
e Robert sempre o cortavam quando procurava conversar com eles. De (que era amigo do casal)
respondeu da seguinte maneira:
Okay, Andy, se você realmente quer ouvir isso de modo direto, eu explicarei para você.
Você é muito afeminado e isso os incomoda […] A sensibilidade pós-expressionismo
abstrato é, evidentemente, homossexual, mas estes caras vestem ternos de três botões135.
132 US Inflation Calculator. Disponível em <http://www.usinflationcalculator.com/>. Acesso em: 19 mai 2012.133 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 40.134 Ibidem, p. 41.135 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 14.
49
Segundo o relato de Warhol na sua autobiografia, De teria explicado que outro motivo fazia com
que fosse refutado por estes artistas. De dizia: “você é um artista comercial, o que realmente irrita
eles porque quando eles fazem arte comercial – vitrines e outros trabalhos em que os encontro –
eles fazem apenas para sobreviver. Eles jamais usam seus verdadeiros nomes”136. Jasper Johns
posteriormente teria negado qualquer animosidade em relação a Warhol, no entanto a percepção
de De (Antonio) revela, em grande medida, aspectos do meio artístico nova-iorquino no final dos
anos 50 e início dos 60. De (como Andy chamava Emilie de Antonio) foi um dos grandes
incentivadores da carreira de Warhol, pois, como se lembra o artista, “De foi a primeira pessoa
que eu conheci que via a arte comercial como real e a arte real como comercial, e ele fez todo o
mundo da arte de Nova Iorque também ver isto desse jeito”137.
Segundo Tony Scherman, no início de 1961 Andy produziu obras que começavam a
apresentar aspectos do pop. Entre as obras que enumera estão Nancy (FIGURA 9), Janela
Tempestuosa, dois Popeye (FIGURA 10), Antes e Depois, Super-Homem e dois Dick Tracy. Em
tais obras havia, obviamente, uma apropriação de Warhol do trabalho que artistas como Johns e
Rauschenberg vinham realizando, além de apresentar caraterísticas de sua própria obra da década
anterior, na medida em que Andy já pintava notas de dinheiro e o seu trabalho já era marcado por
um caráter de segunda geração, já havia uma inclinação para o simulacro – como podemos
observar em suas pinturas de páginas de jornal.
Neste mesmo ano de 1961, Roy Lichtenstein – um pintor da segunda geração do
expressionismo abstrato – passou a apresentar trabalhos com uma nova característica. O artista
levou seu trabalho para a galeria de Leo Castelli, onde Ivan Karp convenceu o proprietário a
expor os “quadrinhos” (FIGURA 11) do artista na galeria. Karp era o braço direito de Castelli e
neste ano veio a conhecer outros dois artistas relvantes da pop art, James Rosenquist e o próprio
Warhol. O sentimento que Andy nutria em relação ao fato de não conseguir notoriedade no
campo artístico pode ser demonstrado através do seguinte relato feio por Scherman. Andy teria
ido com dois amigos até a galeria Castelli em um final de semana, onde Karp lhes mostrou o
136 Ibidem, p.14.137 Ibidem, p.4.
50
quadro Garota com bola de Lichtenstein – que ainda não estava exposto. Andy ao ver o quadro,
teria sussurrado em lamento: “eu faço quadros exatamente iguais a esse!”138. O próprio Warhol
descreve um relato similar a este em sua autobiografia139.
Contudo, foi apenas em novembro de 1961 que ocorreria o evento que mudou a trajetória
de Andy Warhol. Muriel Latow, Ted Carey e John Mann teriam ido a casa de Warhol para um
jantar. Andy teria perguntado para Muriel (que era proprietária de uma galeria) o que pintar e ela
disse que só o faria mediante o preenchimento de um cheque de 50 dólares (que pode ser
encontrado nos arquivos do Museu Andy Warhol). Latow teria pedido para que Warhol pensasse
em algo cotidiano que pudesse ser “instantaneamente reconhecível”140, como uma lata de sopa
Campbell's, que deveria ser pintada com diversas varições. Segundo o relato, Andy teria
perguntado apenas sobre qual o tamanho a obra deveria ter, ao que sua amiga respondeu que
deveriam ter a altura dela (1,72m).
A definição dada por Giorgio Agamben à noção de profanação se aplica claramente à
operação que estava sendo realizada por Warhol quando concebeu representar as latas de sopa
Campbell's. O filosofo italiano afirma o seguinte:
Os juristas romanos sabiam perfeitamente o que significa “profanar”. Sagradas ou
religiosas eram coisas que de algum modo pertenciam aos deuses. Como tais, elas eram
subtraídas ao livre uso e ao comércio dos homens, não podiam ser vendidas nem dadas
como fiança, nem cedidas em usufruto ou gravadas de servidão. Sacrilégio era todo ato
que violasse ou transgredisse esta sua especial indisponibilidade, que as reservava
exclusivamente aos deuses celestes (nesse caso eram denominadas propriamente
“sagradas”) ou infernais (nesse caso eram simplesmente chamadas “religiosas”). E se
consagrar (sacrare) era o termo que designava a saída das coisas da esfera do direito
humano, profanar, por sua vez, significava restituí-las ao livre uso dos homens141.
138 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 83.139 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 8.140 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 87.141 AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 65.
51
Warhol realiza assim uma “profanação” dupla, já que por um lado, ao representar objetos do
consumo, evidencia o caráter comercial do trabalho artístico, questionando o aspecto “sagrado” e
“puro” dado às obras de arte. Por outro lado, desloca o objeto de consumo do local para o qual foi
projetado para ser exposto, ao tirar as latas de sopa da prateleira do supermercado e leva-las,
ressignificadas, para as paredes de galerias de arte. Agamben vê também na esfera do consumo a
“impossibilidade de usar”142 a que se refere quando trata das coisas “sagradas ou religiosas”.
Exposto, o quadro também não pode ser “usado” pelo espectador, porém o exercício da
profanação foi realizado pelo artista em sua concepção, pois faz “uso” de um objeto de
contemplação, concebido para ser visto em um local diferente daquele no qual o artista o coloca.
Apesar do novo caráter presente na produção artística de Warhol, Ivan Karp ainda não
queria contar com o artista na galeria Castelli no inverno de 1961-62. Contudo, foi o próprio
Karp quem apresentou Andy a uma figura que seria decisiva em sua carreira: Henry Geldzahler.
Além de curador do Metropolitan Museum of Art, Geldzahler havia acabado de ser contratado
para trabalhar no programa de doutorado em História da Arte de Harvard. Henry foi um grande
estimulador da produção de Warhol no período, chegando a comparar a relação que mantinham,
com aquelas que eram estabelecidas entre “os pintores renascentistas e os humanistas”143.
Warhol, por volta de 1962, passa a cada vez menos pintar os seus quadros, se valendo
crescentemente da técnica do silk-screen (ou serigrafia). O uso sistemático da serigrafia leva o
trabalho de Andy a outro patamar no âmbito da arte contemporânea. Esta mudança está
relacionada com o fenômeno observado por Walter Benjamin em seu ensaio A Obra de Arte na
Era da Sua Reprodutibilidade Técnica. O filósofo alemão descreve neste trabalho o
desenvolvimento das técnicas de reprodução dos objetos artísticos desde o exercício da imitação
realizado pelos aprendizes dos artistas até a fotografia. Estas transformações, no entanto, levam a
uma mudança no que diz respeito à esfera da autenticidade. Para Benjamin “o aqui e agora”
142 Ibidem, p. 71.143 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 99.
52
constitui o conteúdo de autenticidade do original e é esse aspecto que torna o objeto “sempre
idêntico e igual a si mesmo”144. A partir desse “aqui e agora”, dessa existência única, dessa
história que o original mantém sua autoridade em relação à reprodução manual, por mais perfeita
que ela seja. O mesmo não acontece quando se trata de uma reprodução técnica, por ela possuir
maior autonomia em relação à reprodução manual, além de possibilitar colocar a cópia em
situações impossíveis para o original (como o recurso da câmera lenta). Para o autor essa
qualidade de reprodução da obra substitui sua existência única por uma serial. E é esta
característica serial da reprodução técnica que iremos encontrar, por exemplo, nas séries de latas
Campbell's e na repetição das Marilyn Monroes e das garrafas de Coca-Cola produzidas por
Warhol.
Uma das primeiras exposições individuais de Warhol em galerias importantes ocorreu
fora dos domínios nova-iorquinos, tendo acontecido na galeria Ferus de Los Angeles, em julho
de 1962. A recepção da crítica local, porém, não foi favorável aos trabalhos do artista pop. Nesta
exposição havia 32 latas de sopas Campbell's que foram dispostas de modo sequencial devido a
sensibilidade de Irving Blum (FIGURA 12) – já que Andy não teria dado indicações de como a
exposição deveria ter sido montada145. A princípio cada um dos quadros seriam vendidos
individualmente por 100 dólares, contudo devido ao fato de a exposição não ter logrado êxito
comercial, as obras mantiveram o seu aspecto serial e foram vendidas por 1.000 dólares para
Blum – justamente por terem mantido terem se mantido como uma série que estes 32 quadros
foram vendidos para o MoMA por 15 milhões de dólares em 1996.
No dia de 31 de outubro de 1962 foi inaugurada uma exposição coletiva chamada
Neorrealistas, que contou com as contribuições do próprio Warhol, de Lichtenstein, de
Rosenquist e de Oldenburg. Apesar de ter recebido crítica negativas, alguns aspectos da
exposição demonstravam que algo no ambiente artístico estava mudando. A atitude dos
expressionistas abstratos com relação aos artistas pop era de rejeição. Exemplo disso
144 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. p. 2. Disponível em <http://www.mariosantiago.net/Textos em PDF/A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica.pdf>. Acesso em 10 de set. 2011.145 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 130.
53
encontramos em um relato feito por Warhol em POPism. Andy foi convidado por Marisol
Escobar para ir a uma festa dada pela artista Yvonne Thomas para seus colegas expressionistas
abstratos. Quando Robert Indiana, Marisol e Warhol chegaram na festa, Andy afirma que “o
volume do barulho de repente diminuiu e todos se voltaram para nós. […] Mark Rothko levou a
anfitriã para um canto e […] a acusou de traição”146. Neste sentido Neorrealistas foi importante
pois além de ter tido uma ampla divulgação na imprensa – tendo sido alvo de resenhas dos dois
grandes críticos de arte do período: Harold Rosenberg e Clement Greenberg147 – também contou
com a presença do expressionista abstrato De Kooning na sua inauguração.
Uma semana depois da abertura de Neorrealistas, ocorreu a inauguração da primeira
exposição individual de Warhol na galeria nova-iorquina Stable (cujo prédio era antes um
estábulo). Andy lembra que a exposição tinha “as grandes latas de sopa Campbell's, a pintura das
mil garrafas de Coca-Cola, algumas pinturas Do-It-Yourself paint-by-numbers (FIGURA 13), o
Elvis Vermelho, as Marilyns individuais e a grande Marilyn dourada”148. A exposição foi bem
recebida pela crítica e Warhol arrecadou 5.900 dólares (equivalentes a quase 45 mil dólares
atualmente) com suas vendas, valor que, segundo Scherman, superava o obtido por
expressionistas abstratos veteranos149.
O desconforto que os expressionistas abstratos tinham em relação à pop art era recíproco.
Andy Warhol também se referia de forma irônica aos expressionistas, como podemos ver em
considerações feitas anos depois em seu livro A Filosofia de Andy Warhol: “Geralmente só
preciso de papel de desenho e de uma boa luz. Não consigo entender por que nunca fui
expressionista abstrato, porque com a minha mão que treme eu teria sido um talento natural”150.
Em 1963 Warhol irá conhecer dois dos indivíduos que foram fundamentais na fase
posterior de sua carreira. Por intermédio de um amigo, Andy conheceu e contratou Gerard
Malanga para ser o seu assistente. Malanga era um ótimo impressor e cobrou US$ 1,25 por hora
146 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 44.147 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 141.148 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 31.149 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 146.150 WARHOL, Andy. A Filosofia de Andy Warhol: (de A a B e de volta a A). Rio de Janeiro: Cobogó, 2008. p. 170.
54
durante todo período no qual trabalharam juntos – até 1968. Além, da assistência, Malanga
conhecia inúmeros indivíduos da vanguarda nova-iorquina e foi responsável por apresentar
Warhol aos beats Allen Ginsberg, Peter Orlovsky e Gregory Corso (que chegaram a participar da
gravação do filme Sofá de Warhol). O outro colaborador fundamental foi Billy Linich, que era
um rapaz considerado até tímido151. Um amigo chamado Ondine (que também viria a fazer parte
do círculo de relacionamentos de Andy) o apresentou a metanfetamina (uma versão mais potente
da anfetamina). Admiração por coisas brilhantes e compulsão por trabalhos que não eram
produtivos eram dois dos sintomas desta droga que levaram Linich a pintar todo o seu
apartamento com spray de tinta prateada152.
Andy Warhol tomava neste período uma pílula para dieta chamada Obetrol que continha
anfetamina, o que o fazia trabalhar incessantemente. Isso levou Andy a seguir os passos de seu
amigo De e começar a produzir filmes. Havia uma cena de filmes undergrounds em Nova Iorque,
que tinha como figura central Jonas Mekas – um refugiado lituano que chegara nos Estados
Unidos em 1949. Mekas, além de promover tais produções com suas críticas em publicações
especializadas, também foi o criador da Filmmakers' Cooperative, que incentivava a realização
destes filmes. Um dos primeiros filmes de Andy foi Sono no qual se propunha a filmar John
Giorno dormindo uma noite inteira. Warhol pretendia que o filme durasse 8 horas, porém
conseguiu gravar “apenas” 5 horas e 21 minutos. Para aproximar-se da duração concebida, Andy
projetou o filme em uma velocidade de 16 quadros por segundo – mais lento do que a velocidade
na qual foi filmado (24 quadros por segundo). Muitos afirmam que o filme se assemelha a “uma
pintura que se movia lentamente”153. Outra produção deste período é Beijo, na qual vários casais
(hetero e homossexuais) se beijam, cada um por 3 minutos e meio. Jonas Mekas, em uma crítica
de dezembro de 1963, faz um comentário interessante sobre os filmes de Warhol, ao afirmar que
151 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 194.152 Ibidem, p. 196.153 Ibidem, p. 189.
55
Coisas estranhas tem acontecido ultimamente no Filmmakers' Cooperative. Anticineastas
estão assumindo o controle. As séries de Andy Warhol fizeram nascer o filme pop. Andy
Warhol está realmente fazendo filmes ou está pregando uma peça em nós? É o que todos
estão comentando. Um beijo de três minutos de Naomi Levine – é essa a arte de beijar ou
a arte do cinema?154
No início de 1964 Warhol alugou um estúdio no número 231 da rua East 47th, o que veio
a contribuir para a dimensão multimídia da produção de Andy, já presente em seus filmes. Uma
das primeiras decisões tomadas por Warhol em relação ao espaço foi pintá-lo de prata, o que
ficou a cargo de Billy Linich que já havia feito este procedimento em seu apartamento. O nome
do estúdio foi dado em homenagem ao fato de que ele havia sido antes uma fábrica de chapéus e,
portanto, nada mais adequado do que chamá-lo de Factory. Wahrol não vivia no loft, ao contrário
de seus colaboradores Gerard Malanga e Billy Linich. O sossego dos primeiros dias da Factory
foi logo substituído pelo primeiro fluxo de indivíduos a ingressarem no estúdio, que eram os
amigos de Billy, chamados por Andy de “homens-A” – pois consumiam anfetamina.
A Factory, além da produção artística que realizava, logo ficou famosa pelas festas que
promoviam e que contavam sempre com a presença de figuras importantes no campo cultural
nova-iorquino. O mais famoso desses eventos, foi a festa das “Cinquenta Pessoas Mais Bonitas”
(realizada em 1965) e que teve entre os presentes Judy Garland, Tennessee Williams, o ator
Montgomery Cliff, Brian Jones dos Roling Stones, Rudolf Nureyev, Juliet Prowse, William
Burroughs e Allen Ginsberg155. Em POPism, Warhol faz um relato interessante do que ocorria
nestes eventos. Judy Garland havia ficado chateada com um comentário feito por Tennessee
Williams e “desatou a rir, abrindo sua boca larga, com pedaços de espaguete transbordando nos
cantos e começou a cantar 'Some-where / o-ver the rain-bow'”156. Andy afirma em sua
154 Ibidem, p. 189.155 Ibidem, p. 275, 276.156 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 132.
56
autobiografia que não podia acreditar no que estava ouvindo e que achava ultrajante Judy estar
cantando Somewhere Over the Rainbow com a boca cheia de espagate, ali diante dele157.
Ao mesmo tempo que as atividades na Factory se tornavam cada vez mais intensas,
Warhol realizava os preparativos para sua segunda exposição na Stable, que se constituiria em
um marco em sua trajetória. Foi nesta oportunidade em que Andy expôs as famosas caixas Brillo
(que eram esponjas de limpeza), representadas em escala maior. A exposição nova-iorquina foi
inaugurada 21 de abril de 1964, mas foi quando Warhol fez a sua primeira mostra individual do
seu trabalho no Canadá, no ano seguinte, que veio à tona a ambiguidade apresentada pelas suas
obras. O dono da galeria que organizou o evento encomendou 80 caixas Brillo, ao preço de 300
dólares por caixa, contando que tais obras receberiam a isenção alfandegária dada a trabalhos
artísticos no país, porém foi cobrada uma taxa de 20%, pois consideraram que se tratava de
merchandising, posição esta que foi ratificada pelo diretor da Galeria Nacional do Canadá, que
descreveu as peças não como “esculturas originais” e sim como “fac-símiles de caixas
comerciais”158.
Ao longo de 1964 e 1965 a produção cinematográfica de Warhol foi intensa, tendo
produzido seus inúmeros testes de câmeras, nos quais filmava frequentadores da Factory como
James Rosenquist, Salvador Dalí, Marcel Duchamp, Jonas Mekas, Lou Reed e Bob Dylan159.
Além disso, foram realizados filmes como Comer (no qual registrou Robert Indiana comendo um
cogumelo por quase 40 minutos), Boquete, Cozinha (onde fica clara a marca de improviso dos
atores, que sequer memorizavam as falas), Pobre Menina Rica e Vinil. Este último filme foi a
primeira adaptação para o cinema de A Laranja Mecânica, cujos direitos Warhol comprou por 3
mil dólares. É em Vinil que Edie Sedgwick estreia em um filme de Andy. Edie, oriunda de uma
família rica, tinha 23 anos quando começou a frequentar a Factory e logo se tornou uma das
figuras centrais na chamada “corte Harvard-Cambridge”. Este grupo era formado por egressos
dessas instituições e contava com Chuck Wein, Danny Williams, Gordon Baldwin, Danny Fields,
157 Ibidem, p. 132.158 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 220.159 Ibidem, p. 236.
57
Tomme Godwin, Ed Hennessey, Ed Hod e Donald Lyons160. Em 1965 passam a fazer parte da
Factory dois indivíduos fundamentais no aspecto técnico da produção dos filmes: Paul Morrissey
(que atuava a princípio como sonoplasta) e Danny Wiliams (que era uma espécie de eletricista,
além de desempenhar outras funções na Factory).
Desde o início da década Andy vinha desenvolvendo o gosto pelo rock and roll e
trabalhava em seu estúdio ouvindo músicas deste ritmo no volume máximo. Warhol, em 1963,
chegou a fazer parte de uma banda que contava com LaMonte Young, Walter de Maria, Lucas
Samaras, Patty Oldenburg, Larry Poons e Jasper Johns, que escrevia as letras. Porém, segundo
Malanga “Andy percebeu que não tocava nenhum instrumento”. Warhol passou então para os
backing vocals junto com Lucas Samaras. O grande encontro do trabalho de Andy com o rock
and roll viria alguns anos depois, para ser mais preciso na passagem de 1965 para 1966, quando
Warhol conheceu os Velvet Underground e deu início a sua, até então, mais ambiciosa incursão
multimídia.
3.2 The Velvet Underground and Nico: o Rock Para Além do Yeah, Yeah, Yeah
Compreender o Velvet Underground implica em analisar a trajetória de cada um dos
componentes desta banda quando da sua reunião em meados da década de 1960. John Cale
nasceu na Inglaterra em 1940. O músico afirma que “escutava rock 'n' roll no rádio nos tempos de
Alan Freed e isso era empolgante, embora nunca tivesse pensado em tocá-lo”161. John estudou
música em uma universidade em Londres, onde se interessou por música eletrônica e
performances com o professor Humphrey Searle. Além disso, John Cage teria sido a maior
influência de Cale. O músico inglês chegou aos Estados Unidos em 1963, após ter ganho uma
bolsa de estudos para trabalhar com o compositor franco-grego Iannis Xenakis. Porém, após ter
sido dispensado por Xenakis, Cale foi procurar LaMonte Young, que o convidou para tocar no
160 Ibidem, p. 248.161 BOCKRIS, V.; MALANGA, G. What was the sensibility of the velvet underground? . In: ____. Up-tight: The Velvet Underground Story [ebook]. Omnibus Press: London, 2009. cap. 2.
58
grupo Dream Syndicate, cuja música consistia, dentre outras características, em sustentar as
mesmas notas durante duas horas. Neste período, Cale vivia com Tony Conard e tinham
discussões acadêmicas com LaMonte, ao mesmo tempo em que John passava a interessar-se por
rock and roll. Um amigo de Conard e Cale os apresentou a uma gravadora, para que fizessem
shows de divulgação de um disco. Foi na Pickwick Records que conheceram Lou Reed, já que ele
compusera as músicas que estavam divulgando.
Desde o high school Reed tinha uma banda de rock, cujo compacto chegou a ser
executado no programa de Murray the K. Lou nasceu em 1942 em uma família de classe média
de Long Island. Seu primeiro contato com a música ocorreu através das aulas de piano clássico
que seus pais queriam que fizesse, porém Reed refutava a ideia. Reed era um bom jogador de
basquete e tocava em uma banda de rock, fatores que levariam qualquer adolescente a ser popular
nos anos 50, porém os seus pais o viam como um “alien”, internando Lou numa instituição a qual
foi submetido a tratamentos com choques elétricos. Reed ingressou na Universidade de Syracuse,
onde aperfeiçoou as suas qualidades de poeta, através do convívio que teve com Delmore
Schwartz. Foi em Syracuse que Lou conheceu Sterling Morrison.
Holmes Sterling Morrison Junior, também nascera em Long Island no ano de 1942, sendo
um dos seis filhos de uma família de classe média. Ao final do high school Morrison tinha notas
altas e uma estima baixa. Seu desempenho escolar permitiu que obtivesse uma bolsa de estudos
na Universidade de Illinois, porém o seu comportamento e as sucessivas faltas o fizeram perder o
benefício. Foi transferido para o City College of New York e frequentava bastante a Universidade
de Syracuse. Morrison que tivera aulas de trompete dos 7 aos 12 anos de idade, mudou de
instrumento para a guitarra elétrica, inspirado pelo rock clássico. O interesse em comum pelo
rock levou Reed e Sterling a tocarem juntos, chegando Morrison a afirmar que ele e “Lou tiveram
algumas das bandas mais merdas que já existiram [, mas] elas eram cagadas porque nós
tocávamos o autêntico rock 'n' roll”162.
162 Ibidem.
59
O momento-chave para o encontro dos futuros Velvet ocorreria quando Lou, ao terminar a
graduação, passou a trabalhar para a gravadora Pickwick, que era especializada em fazer discos
rápidos. Reed e outros três compositores ficavam literalmente trancados escrevendo canções. Os
diretores pediam "escrevam tantas California Songs, tantas Detroit Songs" e daí saíam 4 discos163.
Reed escreveu uma música chamada The Ostrich, que pessoal da Pickwick achou que poderia
virar um hit – foi para divulgar o disco desta música que Cale e Conard foram contratados.
Apesar de Cale achar as letras de Reed sem nenhum valor especial, algo deixou
impressionada a dupla de músicos vindos da cena de vanguarda. Nas apresentações Lou orientava
que os instrumentos deveriam ser afinados na mesma nota, procedimento semelhante ao que
vinham realizando nas experimentações com LaMonte Young. Durante a divulgação do disco, a
banda fazia 6 apresentações por final de semana. Tony Conard afirmou que eles "tinham alguma
potência peculiar e não eram completamente ingênuos"164. Apesar disso, o disco não aconteceu,
mas a convivência aproximou Cale e Reed, que passaram a dividir um apartamento em
Manhattan.
Conrard deixou a banda, que passou a contar com Morrison, que estava descalço quando
encontrou Reed no metrô e voltou a tocar com seu colega dos tempo de Syracuse. Foi no edifício
em que viviam, que os futuros Velvet conheceram Piero Heliczer, que os levou, em 1965, a se
apresentarem em um happening multimídia na Filmmakers de Jonas Mekas, que envolvia filmes,
luzes, véus como cenário, poesia, dança e a música da banda. Morrison acredita que desde então,
ficou claro para a banda que não eram apenas um grupo ordinário de rock.
A banda neste período já havia adotado vários nomes, como The Warlocks e The Falling
Spikes. Conforme Morrison se recorda, a primeira vez que ouviram a expressão “underground”
se referia a certos filmes que eram então produzidos. Foi Tony Conard, porém, que ao mostrar
um panfleto encontrado na rua quem acabou levando o nome Velvet Underground (citado no
referido panfleto) até a banda. O nome da banda logo os deu a oportunidade de terem uma
divulgação nacional. Isso porque Piero Heliczern estava gravando um programa para a emissora
163 Ibidem.164 Ibidem.
60
de TV CBS sobre a produção de filmes undergrounds e decidiu que o programa iria consistir nele
filmando uma apresentação da banda (afinal de contas eles tinham o "underground” no nome).
Neste período Al Aronowitz, um jornalista que cobria os principais músicos pop (Beatles, Roling
Stones, Dylan), quis conhecer os Velvet e os convidou para abrirem o show de uma banda que
empresariava em Nova Jersey por 75 dólares. A banda estava ávida por aceitar o convite, mas
Angus MacLise, que era então o baterista, se recusava a tocar daquele modo ("começar quando
eles pedirem e acabar quando eles pedirem"165). Como Angus manteve sua posição, acabou sendo
substituído pela irmã de uma amiga de infância de Reed – Maureen Tucker. A jovem baterista de
visual andrógeno, nascida em 1945 não via Lou desde quando estava no ensino fundamental.
A apresentação no Summit High School, foi a primeira vez na qual tocaram em público
com o nome Velvet Underground. Entre as canções deste show estava Heroin (que fez com que
Cale passasse a interessar-se pelas letras de Reed). Al Aronowitz, após esta apresentação achava
que a banda precisava adquirir mais experiência e os levou a tocar no Café Bizarre (em
Greenwich Village) durante o mês de dezembro. A banda, porém, teve problemas com o gerente
do estabelecimento. No seu repertório havia coveres, como “Carol” e “Little Queenie” e músicas
da própria banda, como The Black Angel's Death Song que o gerente não considerava adequada.
A banda, que tivera que tocar na noite de Natal, estava insatisfeita e insistiu em tocar a canção, o
que levou a sua demissão. Apesar disso, o período no Café Bizarre foi proveitoso. Em primeiro
lugar porque Maureen se estabeleceu na bateria e em segundo lugar porque os levou a
conhecerem Andy Warhol.
3.3 Exploding Plastic Inevitable: A Ruptura dos Limites
Andy Warhol, cuja a produção de filmes estava cada vez mais intensa, passou a afirmar
em meados de 1965 que estava se aposentando da pintura, considerando que “as obras básicas do
pop já estavam feitas”166. Apesar desta postura pública e de realmente dedicar cada vez mais
tempo a produção de filmes, Warhol jamais deixou de realizar trabalhos nas artes plásticas – de
165 Ibidem.166 DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010. p. 265.
61
onde provinham a maior parte dos seus rendimentos. Nesta aproximação com o cinema e as
produções multimídia, foi fundamental a participação de uma amiga de Jonas Mekas chamada
Barbara Rubin, que convidara Malanga para ajudá-la a filmar uma apresentação dos Velvets no
Café Bizarre. Paul Morrissey, foi chamado por Malanga e também assistiu à apresentação da
banda. Morrissey ficou interessado na banda e convenceu Warhol a contratá-los, pois poderiam
servir de apoio para as apresentações que fariam em uma discoteca que abriria em Long Island, a
qual contraria Andy Warhol como anfitrião e se chamaria Murray the K's World.
Uma outra ideia que os membros da Factory tinham para a banda era inclusão como
vocalista da modelo alemã Nico. Em meados dos anos 50 ela havia feito uma pequena
participação em La Dolce Vita, quando estava de férias na casa de amigos na Itália. Nico
também possuía uma curta experiência musical, pois havia gravado uma canção de Bob Dylan
(I'll keep It with mine). Os Velvets se mostraram contrariados com a ingerência e não desejavam,
de modo algum, ser apenas uma banda de apoio. No final das contas, desejando não perder o
contrato, concordaram com a presença de Nico, que não cantaria todas as músicas, mas estaria o
tempo todo no palco tocando pandeirola. O contrato aliás, garantia à banda 25% do lucro bruto,
equipamentos e um espaço para ensaiar: a própria Factory.
A banda, que agora se chamava The Velvet Underground and Nico, teve seu primeiro
registro feito por Warhol em um ensaio que fizeram na Factory e que foi interrompido pela
polícia após a reclamação dos vizinhos. Tudo isso foi filmado por Andy e deu origem a um filme
que recebeu como título o nome da banda. Em fevereiro de 1966, a banda participava do primeiro
espetáculo, com esta formação, que apontava na direção da multimídia. Andy Warhol Up-Tight,
que projetava filmes da Factory sobre a banda e contava com uma performance de Malanga no
palco, dançando com um chicote – o que ele já fazia nos shows da banda, mesmo antes de terem
sido contratados por Warhol. O espetáculo ocorreu Filmmakers Cinematheque e deixou o grupo
otimista em relação aos shows que fariam na discoteca em Long Island.
62
Em março a banda fez apresentações nas universidades de Rutgers e de Michigan. O
espetáculo foi vendido como um evento cinematográfico167. Em Rutgers, os membros da Factory
(o que neste momento incluía os Velvet) foram comer na cafeteria da universidade e os alunos
não tiravam os olhos de Nico (“ela era tão bonita, algo irreal”168). Enquanto isso Bárbara Rubin
filmava os estudantes e um segurança da universidade os abordou pedindo para que parassem de
filmar e apresentassem as suas autorizações para estarem naquele espaço, o que fez com que
Gerard Malanga começasse a gritar. Apesar de terem sido expulsos do campus, os
acontecimentos daquele dia atraíram a atenção dos universitários, fazendo com que a
apresentação lotasse. Andy descreve assim a recepção do público às músicas dos Velvets:
Os garotos estavam tendo problemas para dançar, porque as canções, algumas vezes,
começavam com uma batida, mas então os Velvets ficavam muito frenéticos incendiando a
eles mesmos […]. Eles eram como audio-sádicos, vendo o púbico dançando e tentando
acompanhar a música169.
O bom momento da banda, no entanto, poderia ter sido interrompido com a notícia de que
eles não tocariam mais na discoteca Murray the K's World. Conforme Morrissey descobrira,
Myerberg (que era quem estava intermediando a sua contratação) não havia ficado satisfeito com
o que havia visto na Cinematheque. A oferta de 40 mil dólares que haviam recebido para se
apresentarem nas primeiras semanas estava descartada e Morrissey e Warhol não tinam um local
para a banda tocar. Ambos em certa ocasião conversavam sobre o problema no Café Figaro e o
casal de artistas Jackie Cassen e Rudy Stern informaram que tinham um espaço chamado Dom
que estava alugado, mas que eles não teriam como utilizá-lo em abril.
O título do espetáculo que ocorreria no Polsk Dom Narodny (Casa Nacional Polonesa ou
simplesmente Dom) foi dado por Morrissey, que havia obtido um álbum de Bob Dylan e
167 Ibidem, p. 316.168 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 191.169 Ibidem, p. 192.
63
examinava o fluxo de consciência em suas composições, chegando às palavras Exploding Plastic
Inevitable (EPI). Devido a problemas na negociação do contrato de locação do espaço, os
membros da Factory só tiveram acesso ao Dom na tarde de 8 de abril – ou seja, no mesmo dia da
estreia do espetáculo que ocorreria às 20 horas (FIGURA 14). Neste pouco tempo que tiveram,
pintaram o quão rápido puderam as paredes do local de branco, para que pudessem projetar os
filmes e as fotos. Andy Warhol descreve o espetáculo da seguinte maneira em POPism:
Dentro [do Dom] os Velvets tocavam tão alto e loucamente que era impossível ter noção
de quantos decibéis atingiam e havia imagens projetadas em todos os lugares, uma em
cima da outra. Eu ficava da sacada vendo e operando os projetores, escorregando gelatinas
de diferentes cores sobre as lentes e exibindo filmes como Harlot, The Shopifter, Sofá,
Banana, Boquete, Sono, Empire, Beijo, Whips, Face, Camp, Comer [eram todos filmes em
preto e branco] em diferentes cores. Stephan Shore, Little Joey e um jovem rapaz de
Harvard chamado Danny Williams se revezavam no controle dos spotlights enquanto
Gerard, Ronnie [Cutrone], Ingrid [Superstar] e Mary Might (Woronov) dançavam
sadomasoquisticamente com chicotes e lanternas e os Velvets tocavam e pontos coloridos
giravam e saltavam pelas paredes e luzes estrobofóbicas e você podia fechar seus olhos e
escutar pratos e botas pisoteando e chicotes estalando e sons de pandeirola como grilhões
chocalhando170.
O espetáculo foi um sucesso, tendo esgotado a lotação em todas as noites do primeiro
final de semana. Allen Ginsberg teceu comentários elogiosos a respeito do show. Andy afirma
em sua autobiografia que “todos nós sabíamos que algo revolucionário estava acontecendo, nós
podíamos sentir isto”171. Em Up-Tigh: The Velvet Underground Story, Reed destaca o caráter
coletivo da criação destes espetáculos multimídia:
170 Ibidem, p. 204.171 Ibidem, p. 204.
64
Isto não era uma concepção original de Andy. Isto era a concepção de muitas pessoas. Era
um passo natural ao conhecer Andy falar “ah, você tem uma semana na nova
Cinematheque”, então desde que combinamos música com filmes e tudo mais era apenas
um passo simples falar “nós tocaremos junto com os seus filmes”. Então nós diríamos 'nós
temos tudo isso. Por que não fazemos um show de luzes?' Não importa quem teve a ideia.
Isto era tão óbvio. Não era Andy colocando tudo isso junto. Era todo mundo. Andy apenas
tinha uma semana na Cinematheque. Isto é o que Andy tinha que fazer e então colocar
todo mundo junto. A questão era que esta ideia básica era tão óbvia que você seria um
idiota se não pensasse em algo assim. Então todo mundo pensava daquele modo172.
Neste sentido Danny Fields comenta que um dos méritos de Andy foi ter escutado os
Velvets antes de os recrutar e ter notado o quanto eram bons. Andy poderia até ter criado o EPI,
mas não criou o som da banda. Os conceitos musicais de Lou e suas letras eram de vanguarda,
Cale contribuía com as melodias e dava um toque de psicodelia. Para Danny “They were a
revolution”173.
Giorgio Agamben define religião como aquilo que retira “coisas, lugares ou pessoas ao
uso comum e as transfere para uma esfera separada”. Assim, toda operação de separação
conservaria em si um aspecto genuinamente religioso. Para o autor
o dispositivo que realiza e regula a separação é o sacrifício: através de uma série de rituais
[…] estabelece […] a passagem do profano para o sagrado, da esfera humana para a
divina. É essencial o corte que separa as duas esferas, o limiar que a vítima deve
atravessar, não importando se num sentido ou noutro. O que foi separado ritualmente pode
ser restituído, mediante o rito, à esfera profana. Uma das formas mais simples de
profanação ocorre através do contato (contagione)174.
172 BOCKRIS, V.; MALANGA, G. Making Andy Warhol, Up-tight, continued. In: ____. Up-tight: The Velvet Underground Story [ebook]. Omnibus Press: London, 2009. cap. 3. 173 BOCKRIS, V.; MALANGA, G. The Dom. In: ____. Up-tight: The Velvet Underground Story [ebook]. Omnibus Press: London, 2009. cap. 4. 174 AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 66.
65
É este “contato” profanador que observamos nas experiências multimídia realizadas pela Factory
em meados da década de 1960. Warhol novamente faz parte de algo que pretende retirar o caráter
“sagrado-religioso” que havia em torno das realizações artísticas. Concebemos o Exploding
Plastic Inevitable como o ritual de passagem para a esfera profana proposto por Agamben, pois
ao explorar simultaneamente diferentes manifestações artísticas acabou criando um novo uso para
para estas diferentes formas de arte.
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pareceria entre a Warhol (e Factory) e os Velvets não foi encerrada com Exploding
Plastic Inevitable. Durante a temporada no Dom a banda entrou no estúdio para gravar o seu
primeiro disco. Morrissey contactou Norman Dolph, – um executivo da Coumbia – que aceitou
contribuir para o projeto. Andy e Norman desembolsaram a significativa quantia de 700 dólares
para as gravações que ocorreriam no estúdio da gravadora independente Scepter. A banda tinha
quatro dias para gravar, nos intervalos dos artistas do elenco da gravadora. Devido ao pouco
tempo e experiência de estúdio que tinham, a banda gravou sete músicas neste período e mais três
no mês seguinte, quando a MGM resolveu apostar na banda.
Ao contrário do que muitos pensam, Victor Bockris e Gerard Malanga defendem, em Up-
Tight, que Warhol estava mais envolvido com a produção do álbum do que em geral
se diz. Andy encorajou os Velvets a verem o quão bons eram, os incentivou a seguir suas
intuições aos limites, deu ideias para algumas canções e encorajou Reed a escrever outras (como
All Tomorrow’s Parties), além de ter comentado o jeito que ele achava melhor em outras
faixas175.
No início de maio a banda foi convidada para se apresentar em Los Angeles, em uma casa
chamada Trip Club. As apresentações eram oportunas, pois coincidiam com a exposição Warhol
na galeria Ferus. A banda fora convidada para tocar durante três semanas, contudo após a estreia
na qual o clube estava lotado, cada vez mais o número de espectadores diminuía. Se agravando a
esta situação, o local foi fechado pelo xerife local. A comitiva da Factory estava pronta para
retornar para Nova Iorque, quando foram advertidos que só receberiam o pagamento pelas três
semanas se permanecessem em Los Angeles, pois isto se tratava de um acordo estabelecido pelo
sindicato dos músicos176.
175 BOCKRIS, V.; MALANGA, G. The Dom. In: ____. Up-tight: The Velvet Underground Story [ebook]. Omnibus Press: London, 2009. cap. 4. 176 WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books, 2007. p. 210.
67
A música “pesada” do Velvet Underground estava em desacordo com o que era produzido
na Califórnia neste período. O verão seguinte seria chamado “Summer of Love” em São
Francisco, o que ia de encontro com uma banda que tocava músicas como Heroin e The Black
Angel's Death Song. A crítica californiana foi bastante negativa em relação ao som da banda, que
ainda assim foi convidada por Bill Graham (empresário de rock da região) para tocar em São
Francisco. A banda recusou o convite, pois não via a hora de voltar para a Nova Iorque, além de
não gostarem do Jefferson Airplane, com quem teriam que tocar. Após muita insistência,
aceitaram o convite, o que só agravou as diferenças nas concepções musicais dos nova-iorquinos
do Velvet, com os músicos da Costa Oeste. Paul Morrissey teria irritado Graham com comentário
do gênero: “Eles [Jefferson Airplane] chamam isso de show de luzes? […] Eu preferiria sentar e
ficar olhando roupas secando em uma lavanderia”177. Paul também teria sugerido, apontando para
os Airplanes nos bastidores, que eles usassem “heroína” (heroin), porque era isso o que todos os
músicos bons faziam178. Estes comentários ofenderam “a sensibilidade de São Francisco” de Bill
Graham, que segundo Warhol teria gritado coisas como “seus germes nojentos de Nova Iorque!
Aqui nós estamos tentando limpar tudo e vocês vem aqui com as suas mentes nojentas e os seus
chicotes”179.
O Exploding Plastic Inevitable ainda faria apresentações, como a de Chicago em julho,
que não contou com as presenças de Nico (que estava visitando seu filho em Paris), de Reed
(diagnosticado erroneamente com com lúpus) e de Warhol. Apesar disso o EPI fez bastante
sucesso nestas apresentações. Uma das últimas exibições deste espetáculo ocorreu no evento
chamado “casamento mod” e que era patrocinado por uma rede de supermercados de Detroit. Em
novembro os Velvets pararam de ensaiar na Factory e continuavam a frequentar o lugar, mas
apenas de passagem.
As divergências da banda vinham se agravando desde o período da gravação do álbum.
Morrissey se lembra que de repente não havia material para Nico cantar. Achava que Reed era
177 Ibidem, p. 213.178 Ibidem, p. 213.179 Ibidem, p. 214.
68
muito ciumento em relação a ela e até as canções que deveriam ser interpretadas por Nico (como
Sunday Morning) estavam sendo pleiteadas por Lou. O lançamento do álbum foi feito apenas em
1967 e não chegou a figurar entre os 100 mais vendidos, alcançando apenas a modesta 171ª
colocação na parada da Billboard. Este era o summer of love na Califórnia, além de ter sido
lançado pouco tempo antes do cultuado Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band dos Beatles.
Apesar do pouco sucesso comercial, o álbum figura hoje em qualquer lista dos discos mais
significativos do rock and roll180.
A contribuição de Andy Warhol para o rock and roll está presente na produção deste
disco, além de ter sido o criador da capa do álbum (FIGURA 15). Andy ainda continuaria a ter
uma relação de proximidade com o rock, tendo elaborado inúmeras capas, como a do disco Sticky
Fingers (FIGURA 16) dos Rolling Stones, além de ter participado da criação do logotipo da
língua para fora da boca da banda inglesa (FIGURA 17). O “contato” profanador realizado pelos
envolvidos no Exploding Plastic Inevitable, pode também ser observado no trabalho de Warhol
vinculado ao rock and roll. Em certa medida o artista americano joga com os significados em
suas representações, jogo este que é tido por Agamben como um dos meios através dos quais
pode ocorrer a passagem do sagrado para o profano, segundo o filósofo italiano
a maioria dos jogos que conhecemos deriva de antigas cerimônias sacras, de rituais e
práticas divinatórias que outrora pertenciam à esfera religiosa em sentido amplo. […] Ao
analisar a relação entre jogo e rito, Émile Benveniste mostrou que o jogo não só provém
da esfera do sagrado, mas também, de algum modo, representa a sua inversão. A potência
do ato sagrado – escreve ele – reside na conjunção do mito que narra a história com o rito
que a reproduz e a põe em cena. O jogo quebra essa unidade: como ludus, ou jogo de
ação, faz desaparecer o mito e conserva o rito; como jocus, ou jogo de palavras, ele
cancela o rito e deixa sobreviver o mito.181
180 Apenas a título de exemplo podemos citar a 12ª colocação em lista elaborada pela revista Melody Maker (Disponível em <http://www.besteveralbums.com/thechart.php?c=4>. Acesso em: 13 mai 2012) e a 13ª posição na avaliação da revista Rolling Stone. (Disponível em <http://www.rollingstone.com/music/lists/500-greatest-albums-of-all-time-20120531>. Acesso em: 13 mai 2012). 181 AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 67.
69
Consideramos que quando Andy põe em ação o que o autor chama de jocus, ou seja, realiza um
jogo de significados nas suas obras, efetua um “desvio” e uma “liberação” da esfera do sagrado,
esse “uso a que o sagrado é devolvido é um uso especial, que não coincide com o consumo
utilitarista”. Agamben prossegue afirmando que
a “profanação” do jogo não tem a ver apenas com a esfera religiosa. As crianças, que
brincam com qualquer bugiganga que lhes caia nas mãos, transformam em brinquedo
também o que pertence à esfera da economia, da guerra, do direito e das outras atividade
que estamos acostumados a considerar sérias182.
182 Ibidem, p. 67.
70
Warhol pode ser tido como uma criança que ao ganhar um brinquedo dispensa muito mais
atenção a caixa na qual veio embrulhado do que no brinquedo em si. As caixas Brillo (FIGURA
18) o fascinam e quando Andy as reproduz em uma escala maior está sendo lúdico como esta
“criança” a que se remete Agamben e jocoso, pois está jogando com os significados existentes
em torno deste objeto. Esta brincadeira também pode ser observada no Exploding Plastic
Inevitable, no qual as projeções simultâneas de imagens e filmes tornam impossível qualquer
interpretação linear do que era representado nos filmes, além de termos de a presença de
dançarinos no palco com chicotes e lanternas, que ali estão atuando de forma lúdica. O jogo de
colorir espaços numerados, muito popular nos Estados Unidos no início da década de 1960
também é realizado pelo artista na série Do It Yourself (FIGURA 13), porém Wahrol a seu modo
jocoso (ou seria lúdico) deixa espaços a serem preenchidos. Do It Yourself, aliás que é algo
recorrente na cultura norte-americana que estamos estudando, pois em uma sociedade que tem no
culto ao empreendedorismo um dos seus pilares, o indivíduo deve ser capaz de fazer tudo por si
mesmo, desde de pintar um quadro até construir um abrigo antiatômico (FIGURA 1).
71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.
AGRA, Lúcio. História da arte do século XX: idéias e movimentos. 2 ed. São Paulo: Editora
Anhembi Morumbi, 2004.
ARAUJO, Maria Paula. Disputas em torno da memória de 68 e suas representações. In: 1968: 40
anos depois: história e memória. Carlos Fico; Maria Paula Araujo (Org.). Rio de Janeiro: 7
Letras, 2010.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. Disponível em
<http://www.mariosantiago.net/Textos em PDF/A obra de arte na era da sua reprodutibilidade
técnica.pdf>. Acesso em 10 de set. 2011.
BOCKRIS, V.; MALANGA, G. Up-tight: The Velvet Underground Story [ebook]. Omnibus
Press: London, 2009.
BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.
___________. Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J (Org.). Usos e Abusos da
História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
CASTELLANOS, Polo. Expresionismo Abstracto: Tipicamente Norteamericano. Archipiélago:
Revista cultural de nuestra América, México, v. 17, n. 64, abr.-jun. 2009.
72
CIRLOT, Lourdes. Expresionismo Abstracto norteamericano. Disponível em
<http://historiadelarte4.blogspot.com.br/2007/05/expresionismo-abstracto-norteamericano.html>
Acesso em: 02 mai 2012.
CHARTIER, R.. A ordem dos livros. Brasília: Editora da UnB, 1994.
____________. (org.) Práticas da Leitura. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1996.
____________. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1988.
____________. À beira da falésia. Porto Alegre: UFRGS, 2005.
____________. Cultura escrita, literatura e história. Porto Alegre: Artmed, 2001.
____________. Literatura e história. In: Topoi. Revista de história, Rio de Janeiro, n. 1, pp. 197-
216.
____________. Escribir las prácticas : discurso, práctica, representación. In : Cuadernos de
Trabajo n. 2. Valencia : Fundación Cañada Blanch, 1998.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
DALTON, D.; SCHERMAN, T. Andy Warhol: o gênio do pop. São Paulo: Globo, 2010.
ELIAS, Nobert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
ELIAS, Nobert. Os Estabelecidos E Os Outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
FERREIRA, Hélio Márcio Dias. Uma história da arte ao alcance de todos: da pré-história aos
dias de hoje. 4 ed. Rio de Janeiro: Singular Digital, 2010.
FOUCAULT, M. O que é um autor? Lisboa: Editora Passagens, 1992.
73
______________. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola,1996.
______________. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Cadernos da PUC, 1979.
FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.
GOMBRICH, Ernst. A História da Arte. 16 ed. Rio de Janeiro: Editora LTC, 2000.
ISER,W. O ato da leitura. Uma teoria do efeito estético. São Paulo: Editora 34, 1996.
LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J (Org.). Usos e Abusos
da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. 2. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2005.
MOLINA, H. M. P. El Expresionismo abstracto norteamericano: La Action Painting de Jackson
Pollock. Inovación y Experiencias Educativas, Granada, n. 27, fev. 2010. Disponível em
<www.csi-
csif.es/andalucia/modules/mod_ense/revista/pdf/Numero_27/Helena_Maria_Perez_Molina_01.pd
f> Acesso em: 01 mai 2012.
TOTA, Antônio Pedro. Os Americanos. São Paulo: Contexto, 2009.
O'NEIL, Paul. The Only Rebellion Around. Life, Chicago, v. 47, n. 22, 30 nov. 1959. p. 115.
Disponível em <http://books.google.com.br/books?
id=T1UEAAAAMBAJ&printsec=frontcover&lr=&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>. Acesso
em: 27 abr. 2012.
74
OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Köln: Taschen, 2011.
WARHOL, Andy; HACKETT, Pat. POPism: The Warhol Sixties. Londres: Penguin Books,
2007.
WARHOL, Andy. A Filosofia de Andy Warhol: (de A a B e de volta a A). Rio de Janeiro:
Cobogó, 2008.
Abstracto, Arte. Disponível em<http://www.monografias.com/trabajos11/exprabs/exprabs.shtml>
Acesso em: 02 mai 2012.
Dicionário Larousse Inglês-Português, Português-Inglês: mini. 1. ed. São Paulo: Larousse do
Brasil, 2005.
Life. Chicago. v. 38, n. 19. 09 mai. 1955.
Marcel Duchamp. In Wikipédia: l' encyclopédie libre. Disponível em
<http://fr.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp>. Acesso em: 12 mai 2012.
Reid, Constitutional History, 13. The Parliamentary History of England: From the Earliest Period
to the Year 1803
Rock 'n Roll. Life. Chicago. v. 38, n. 16. 18 abr. 1955.
The Ed Sullivan Show. In Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Ed_Sullivan_Show> Acesso em: 30 abr 2012.
75
US Inflation Calculator. Disponível em <http://www.usinflationcalculator.com/>. Acesso em: 19
mai 2012.
That's All Right Mama. In Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/That's_All_Right> Acesso em: 15 abr 2012.
76
ANEXOSFigura 1
Figura 2
Manual de construção de abrigos anti-nucleares produzido em 1959 pelo Governo dos Estados Unidos.
Detalhamento técnico da construção do abrigo.
78Figura 5
Figura 6
Robert Rauschenberg – Erased de Kooning Drawing. 1953.
Jasper Johns – Três Bandeiras. 1958.
79
Figura 7
Figura 8
Marcel Duchamp – A Fonte. 1917.
Andy Warhol – A Desgraçada me Pariu com Esta Cara, Mas Eu Posso Cutucar Meu Próprio Nariz. 1948.
81Figura 11
Figura 12
Andy Warhol – 32 Latas de Sopas Campbell (MoMA). 1962.
Roy Lichtenstein – Popeye. 1961.
82Figura 13
Figura 14
Andy Warhol – Do It Yourself (Landscape). 1962.
Anúncio do EPI no Village Voice. 31 de março de 1966.
83Figura 15
Figura 16
Andy Warhol – The Velvet Underground and Nico. 1967.
Andy Warhol – Sticky Fingers (The Rolling Stones). 1972.