novas estratÉgias para o monitoramento da degradaÇÃo de bens culturais em ambientes internos
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NOVAS ESTRATÉGIAS PARA O MONITORAMENTO DA DEGRADAÇÃO
DE BENS CULTURAIS EM AMBIENTES INTERNOS
Me. Thiago Sevilhano Puglieri 1 – Universidade de São Paulo
Dra. Dalva Lúcia Araújo de Faria 2 – Universidade de São Paulo
Dr. Andrea Cavicchioli 3 – Universidade de São Paulo
Resumo: Este trabalho apresenta o uso de dataloggers e microbalanças de quartzo como uma estratégia de monitoramento de ambientes alternativa ao método de Oddy, com a vantagem da possibilidade de detecção de degradação em seus estágios iniciais. O uso de técnicas de caracterização de substâncias como a microscopia Raman e de simulações em câmaras com ambiente controlado são essenciais para a identificação do agente responsável pela degradação, como demonstrado nos exemplos apresentados.
Palavras-Chave: cristal piezelétrico de quartzo; conservação preventiva; monitoramento ambiental Abstract/Résumé/Resumen: In this work, the use of dataloggers and quartz microbalances are presented as an alternative strategy to the Oddy tests regarding environmental monitoring. The main advantage is the faster response leading to early detection of degradation. The use of analytical techniques such as Raman microscopy and simulations under controlled conditions in environment chambers are essential in the identification of the degradation agent, as demonstrated in the examples here presented.
Keyword/Clemoins/Palabraschave: quartz crystal microbalance; preventive conservation; environmental monitoring Introdução
A conservação preventiva de bens culturais é uma atividade complexa que envolve
considerável número de variáveis. Considerando-se que obras de arte, assim como
qualquer outro objeto, interagem com o meio ambiente com a possibilidade de se
degradarem por um processo irreversível, o entendimento das condições climáticas e da
composição química do ambiente no qual essas obras se inserem é essencial.
De uma maneira geral, a composição química de ambientes externos se diferencia
daquela de ambientes internos (STRLIC et al., 2012). No primeiro caso, tem-se
majoritariamente a presença de poluentes decorrentes principalmente de emissões
industriais ou veiculares, tais como dióxido de enxofre (SO2), ozônio (O3), óxidos de
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nitrogênio (NOx) e material particulado, enquanto no segundo, além da presença dos
poluentes mencionados para ambientes externos devido às trocas de ar, é comum a
presença de compostos liberados por materiais específicos usados no espaço indoor,
como materiais de revestimento usados em paredes, pisos e mostruários de exposição e
produtos de limpeza, além dos que podem ser emitidos pelos próprios objetos que
compõem as coleções. Incluem-se nessas categorias os compostos orgânicos voláteis
(VOCs) como ácido acético, ácido fórmico e formaldeído.
Objetos metálicos, como os de chumbo (Pb), cobre (Cu) e prata (Ag), podem ser
significativamente degradados quando na presença de poluentes característicos de
ambientes internos (TETREAULT et al., 2003; NIKLASSON et al., 2008; DE FARIA,
2010; BRADLEY e THICKET, 1998; EREMIN, 1998), sendo que essa deterioração
pode ser ainda potencializada quando na presença de poluentes externos. É devido a
essa dúplice sensibilidade, portanto, que conservadores e cientistas da conservação tem
utilizado esses metais como dosímetros para avaliar a agressividade de um dado
ambiente.
Desde a década de 1970, cupons de Pb, Cu e Ag tem sido empregados para avaliar se
um dado material, como um revestimento, por exemplo, gera uma atmosfera imprópria
para exposição ou armazenamento de obras de arte (ODDY, 1973; THICKETT e LEE,
2004). Essa metodologia pode servir também para avaliar a agressividade de um
determinado ambiente a esses metais (JOHANSSON et al., 1998). Originalmente a
extensão da degradação era aferida através de variação da massa do cupom de metal
usado em razão da formação de produtos de corrosão entre um ou mais gases e a
superfície metálica, mas mais recentemente outras técnicas de avaliação vem sendo
empregadas.
A riqueza de informações obtidas com a exposição desses cupons em ambientes de
interesse, como museus e igrejas históricas, foi crescendo na medida em que técnicas de
caracterização de produtos de degradação passaram a ser empregadas, trazendo
evidências acerca da identidade dos poluentes, que estariam naquele ambiente,
responsáveis pela corrosão (BERNARD et al., 2009).
Dentre as técnicas atualmente mais utilizadas estão a microscopia Raman, a difração de
raios X (XRD), a microscopia eletrônica de varredura acoplada à espectroscopia de
dispersão de energia (SEM-EDS) e técnicas eletroquímicas, cada qual com suas
facilidades e limitações.
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O uso dessa metodologia com cupons, no entanto, leva a duas principais desvantagens:
(1) impossibilidade de detectar visualmente, ou por variação de massa, a degradação em
seus estágios iniciais: a análise dos cupons geralmente é realizada após detecção de
alteração visual ou de massa em sua superfície, o que significa que os bens culturais já
podem ter sofrido alterações apreciáveis e (2) custos elevados e desnecessários caso se
pretenda antecipar à visualização da corrosão: a análise do cupom pode ser realizada
antes de se detectar alteração visual ou de massa em sua superfície, porém, com
frequência podem ser realizadas análises sem necessidade, gerando custos
desnecessários. Como alternativa pode-se empregar uma tecnologia baseada no uso de
microbalanças de quartzo, MBQ, que são constituídas por cristais piezelétricos.
Simplificadamente, uma MBQ, se submetida a uma diferença de potencial, oscila com
frequência característica. Essa frequência de oscilação (f) é dada pela equação de
Sauerbrey (∆f = -K∆m), que explicita sua dependência com a massa (m) sobre a
superfície da microbalança. Assim, se uma variação de massa ocorrer em sua superfície,
ou seja, se ocorrer um processo de degradação, a frequência de vibração será
modificada.
Estudos utilizando MBQ recobertas com Pb mostraram que esse dispositivo pode alertar
sobre a agressividade do ambiente num intervalo de tempo muito mais curto quando
comparado ao dos cupons de metal. Apesar dessa abordagem não dispensar a análise
química da superfície da MBQ para identificar os agentes/poluentes agressores, essa
análise só se faz necessária quando o dispositivo reconhece uma alteração de massa em
sua superfície, o que permite contornar as limitações acima mencionadas.
Além de poluentes ambientais, fatores como temperatura (T), umidade relativa (UR) e
luminosidade são determinantes na salvaguarda de bens do patrimônio histórico, sendo
que esses parâmetros geralmente são monitorados por dataloggers automáticos que
possibilitam medidas autônomas, contínuas e, eventualmente, com possibilidade de
transmissão remota. É, portanto, com a preocupação de combinar diversos instrumentos
de conservação preventiva que proporcionassem compactação e facilidade de operação
que, recentemente, foi desenvolvido e descrito um sistema eletrônico (10 x 5 cm) que
realiza aquisição simultânea de T, UR, índices de luminosidade e variações de massa de
MBQs com superfícies modificadas (CAVICCHIOLI et al., 2010, Figura 1); atualmente
esse dispositivo se encontra em processo de otimização.
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(a) (b)
Figura 1: (a) Fotografia de dosímetro automático palm-top baseado em MBQs com
superfície modificada integrado a datalogger com sensores de temperatura, UR e
índices de luminosidade (CAVICCHIOLI et al., 2010) e (b) Exemplo de uma MBQ
utilizada no dosímetro.
No caso das microbalanças, a especificidade química decorre da deposição de finos
filmes (ca. 20 nm) de substâncias previamente escolhidas sobre o cristal de quartzo e,
desse modo, dosímetros baseados em modificações de MBQs por filmes de Pb
(BERGSTEN et al., 2010) e vernizes orgânicos (CAVICCHIOLI e DE FARIA, 2006;
GRØNTOFT et al., 2010) tem sido frequentemente utilizados, embora outros metais,
tais como Cu, Ag, ferro, níquel, alumínio, cromo e zinco, e outras classes de compostos,
possam ser utilizados na modificação. As técnicas mais usuais de caracterização dessas
superfícies, após observação de variação de massa, usadas com a finalidade de
identificar os agentes agressores no ambiente, tem sido a microscopia Raman e a SEM-
EDS.
A abordagem integrada, empregando MBQs e caracterização de produtos de corrosão
tem sido empregada em nosso grupo tanto em testes de bancada (simulações) quanto em
ambientes internos.
Exemplos de monitoramento ambiental de ambientes internos com técnicas
baseadas em metais
Para abordar as metodologias de monitoramento de ambientes internos que abrigam
bens culturais, serão mostrados dois exemplos, um focado no uso de cupons metálicos e
outro em dosímetros baseados em MBQs.
-Cupons metálicos
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O exemplo abordado neste tópico (DE FARIA et al., 2013) se refere a um trabalho
realizado em conjunto com o Laboratório de Ciência da Conservação da Escola de
Belas Artes da UFMG e com o Museu do Oratório de Ouro Preto (Minas Gerais,
Brasil).
Esculturas policromadas de Pb (Figura 2a) foram severamente degradadas durante
exposição em mostruários de vidro e base de aço pintada com tinta automotiva. Análise
dos produtos de corrosão por microscopia Raman mostrou a presença de formiato de Pb
como um dos produtos de corrosão.
É sabido que formiato de chumbo se forma quando a superfície metálica está em um
ambiente contendo ácido fórmico ou formaldeído (BERNARD et al., 2009; DE FARIA
et al., 2010; DE FARIA et al., 2013) e, desse modo, testes com cupons metálicos foram
realizados para verificar a possibilidade desses poluentes estarem presentes no
mostruário.
Uma vez que Pb, dentre os metais comumente encontrados em museus, é o mais
sensível à ação de ácido fórmico e formaldeído, esse metal foi escolhido para os testes.
Considerando-se ainda que o tempo de exposição desses cupons no ambiente
museológico muitas vezes precisa ser longo (tipicamente 30 a 60 dias) e levando-se em
conta a extensão do processo de corrosão, decidiu-se realizar testes com condições de
envelhecimento acelerado em laboratório.
Dado que já é conhecida a potencialidade de tintas liberarem ácido fórmico e
formaldeído durante sua secagem e cura, testes em condições de envelhecimento
acelerado (UR 100%) foram realizados dentro de um recipiente fechado (Figura 2b)
expondo-se cupons de Pb às substâncias voláteis geradas pela tinta utilizada no
mostruário do Museu.
Análises feitas por microscopia Raman mostraram a presença de formiato de Pb no
cupom exposto dentro do sistema da Figura 2b, indicando, portanto, que a atmosfera do
mostruário do Museu do Oratório continha ácido fórmico ou formaldeído proveniente
da tinta utilizada sobre a base de aço.
Produtos de limpeza caseiros foram também testados no lugar da tinta automotiva,
mostrando-se altamente agressivos e alertando para a sua não utilização em museus.
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(a) (b)
Figura 2: (a) Esculturas policromadas de Pb do Museu do Oratório de Ouro Preto, MG,
Brasil; as regiões brancas correspondem a produtos de corrosão. (b) Sistema utilizado
para verificação da agressividade da tinta utilizada no museu.
Um cupom de Pb exposto somente à umidade pelo mesmo período foi usado como
controle e mostrou somente a presença de carbonatos e óxido de chumbo.
Quando ensaios com controle mais específico de outros parâmetros como temperatura,
iluminação e poluentes são necessários, câmaras especiais podem ser empregadas. A
Figura 3 mostra dois tipos de câmaras desenvolvidas com esse propósito; o
funcionamento das câmaras da Figura 3a está detalhado em artigo publicado na
literatura (CAVICCHIOLI et al., 2010).
(a) (b)
Figura 3: Dois modelos de câmaras desenvolvidas por nosso grupo de pesquisa para o
estudo de degradação de bens culturais em condições controladas de T, UR,
luminosidade e poluentes.
-MBQs
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Neste tópico, o exemplo relatado (FREIXO e CAVICCHIOLI, 2010) é um estudo de
caso que teve como objetivo avaliar as condições ambientais para a conservação
preventiva dos tubos de Pb do órgão barroco Fernandes Coutinho, da Matriz de Santo
Antônio em Tiradentes (MG).
Especificamente neste estudo, o monitoramento ambiental foi realizado empregando-se
o monitor portátil da Figura 1, com as MBQs modificadas com filmes de chumbo
depositados por sputtering. Sua resposta foi monitorada por cerca de 5 meses, conforme
mostrado na Figura 4a e a resposta fornecida pelo dosímetro colocado no interior do
órgão foi comparada com as respostas de dois outros sistemas colocados,
respectivamente, em uma câmara climática apresentando elevada concentração de
ácidos orgânicos, em UR 65% (condição de elevada agressividade) e em uma câmara
com atmosfera purificada e UR 35% (condição de baixa agressividade).
Odlyha (2010) e Bergsten et al. (2010) também relatam o uso de sistema similar em
uma avaliação comparativa do microambiente em dois órgãos europeus: o da igreja de
St. Botolph em Londres e da Örgryte New Church em Göteborg (Figuras 4b e 4c), no
âmbito do projeto Sensorgan (SENSORGAN, 2006).
(a) (b) (c)
Figura 4: Respostas de MBQs modificadas com camada de Pb exposta no interior de:
(a) órgão barroco Fernandes Coutinho de Tiradentes (sec. XVIII, FONTE: FREIXO e
CAVICCHIOLI, 2010); (b) órgão Renatus Harris da igreja de St. Botolph in Aldgate
em Londres(sec. XVIII, FONTE: ODLYHA, 2010); (c) órgão da Örgryte New Church
em Göteborg (reprodução de órgão barroco do sec. XVIII, FONTE: ODLYHA, 2010)
As repostas das MBQs apresentadas na Figura 4 mostram a capacidade de
reconhecimento de condições potencialmente agressivas que podem levar à corrosão
acelerada de superfícies de chumbo (Figura 4a), além de permitirem análises
comparativas, como as apresentadas nas Figuras 4b e 4c, as quais foram realizadas ao
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longo de 4 dias e mostram que os tubos de chumbo do órgão da Örgryte New Church
em Gotemburgo (Figura 4c) estão expostos a ambiente mais agressivo do que os do
órgão de St. Botolph in Aldgate em Londres (Figura 4b), como demonstrado pela
porcentagem de mudança da frequência de vibração da microbalança de quartzo
recoberta com filme de Pb.
Considerações finais
Neste texto procurou-se demonstrar a potencialidade de novos recursos usados no
monitoramento de ambientes visando a conservação preventiva de bens culturais.
Situações de risco a objetos de diversas naturezas podem ser detectadas precocemente,
permitindo a adoção de estratégias de mitigação do problema antes que afetem de modo
significativo e irreversível os bens em estudo, com as vantagens adicionais de custo
reduzido e pequeno impacto nas áreas de exibição, considerando a utilização de
dataloggers miniaturizados, como os aqui apresentados.
Ademais, simulações em condições controladas e o uso de métodos de análise para
caraterização dos produtos de corrosão, como é o caso da microscopia Raman, são
essenciais para a identificação da fonte do agente responsável pela degradação e
consequente proposição de estratégias para erradicação ou minimização de sua ação.
As perspectivas desse tipo de abordagem são muito promissoras no âmbito da
conservação preventiva de bens culturais.
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