a importância da educação patrimonial para a preservação e valorização de bens...

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10 INTRODUÇÃO O Patrimônio Histórico e Cultural de uma sociedade tem sua importância baseada no fato de que são eles que trazem, preservados, a memória coletiva da comunidade, suas lutas, seu cotidiano. Preservar estes bens, que são públicos porque fazem permanecer viva a história local, é fundamental para a preservação e consequente valorização da identidade histórica e, por conseguinte, construção de um sentimento de pertencimento àquela comunidade, fomentando também os cuidados que a população terá para com o bem e para com a memória que ele resguarda. O presente trabalho tem a intenção de produzir uma pesquisa voltada para a Educação Patrimonial, empregando a mesma como instrumento para valorização e preservação do patrimônio público. Vamos, portanto, através deste trabalho, demonstrar a importância da implantação da Educação Patrimonial, enquanto tema transversal, nas escolas, como meio para desenvolver o sentimento de reconhecimento sobre os bens históricos e culturais da cidade, valorizando-os e preservando-os, provocando assim o sentimento de pertencimento e auxiliando na construção de um conceito de identidade histórica e cultural através dos bens locais. O mapeamento desses bens em conjunto com a implantação da educação patrimonial nas escolas serão instrumentos valorosos para promover esta consciência histórico-cultural coletiva, e dessa

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INTRODUÇÃO

O Patrimônio Histórico e Cultural de uma sociedade

tem sua importância baseada no fato de que são eles que

trazem, preservados, a memória coletiva da comunidade, suas

lutas, seu cotidiano. Preservar estes bens, que são públicos

porque fazem permanecer viva a história local, é fundamental

para a preservação e consequente valorização da identidade

histórica e, por conseguinte, construção de um sentimento de

pertencimento àquela comunidade, fomentando também os cuidados

que a população terá para com o bem e para com a memória que

ele resguarda.

O presente trabalho tem a intenção de produzir uma

pesquisa voltada para a Educação Patrimonial, empregando a

mesma como instrumento para valorização e preservação do

patrimônio público. Vamos, portanto, através deste trabalho,

demonstrar a importância da implantação da Educação

Patrimonial, enquanto tema transversal, nas escolas, como meio

para desenvolver o sentimento de reconhecimento sobre os bens

históricos e culturais da cidade, valorizando-os e

preservando-os, provocando assim o sentimento de pertencimento

e auxiliando na construção de um conceito de identidade

histórica e cultural através dos bens locais. O mapeamento

desses bens em conjunto com a implantação da educação

patrimonial nas escolas serão instrumentos valorosos para

promover esta consciência histórico-cultural coletiva, e dessa

11

forma, contribuir para a valorização e preservação da nossa

história, da nossa cultura, da nossa identidade.

Faz-se necessário pesquisar a temática da Educação

Patrimonial porque, cada vez mais, se torna perceptível o

descaso que tem se enraizado na sociedade para com o seu

patrimônio histórico e cultural. Estes bens, que englobam o

patrimônio material, quase sempre dentro do modelo “pedra e

cal”, mas que inclui também objetos e artefatos, e o

imaterial, tratando-se aqui das manifestações culturais

daquela população, estão relegados ao dano e ao desprezo,

tendo como fim provável a sua total inutilização ou

esquecimento. Atuar de maneira a demonstrar a importância da

preservação de nossa história é útil quando passamos a

perceber que é a partir da valorização do nosso passado que

lapidaremos uma identidade clara, sabendo o porquê de várias

indagações, e a partir deste momento, lutando pelo respeito e

manutenção desta mesma identidade, sem deixar espaço para

degradadores nem para um processo predador de aculturação.

Cada vez mais se faz importante que a população

seja conscientizada sobre o valor histórico e cultural dos

bens patrimoniais, os imateriais e materiais. Isto é percebido

quando vemos as tradições se esvaindo diante da chamada

globalização, que de certa forma produz o mesmo processo de

aculturação realizado pelos europeus quando de sua vinda

exploratória à América no início do século XVI. Isto fica mais

visível quando vemos os prédios históricos serem demolidos

para darem espaço aos empreendimentos dito modernos em nome de

um retorcido progresso.

12

A Educação Patrimonial como instrumento de

valorização e preservação dos bens históricos e culturais deve

ser desenvolvida em toda a sociedade, principalmente nas

escolas, instituições corresponsáveis pela formação cidadã dos

jovens, que se tornarão protetores ou degradadores dos bens,

da cultura e das tradições, da identidade local. A falta de

uma consciência histórico-cultural que faça surgir no cidadão

o sentimento de pertencimento àquela comunidade, que o faça se

identificar como dono daquela história faz com que os bens

culturais se tornem algo invisível aos seus olhos, ou até

mesmo, algo que atrapalha o avanço do dito “progresso”.

13

1 CONCEITUAÇÃO DE PATRIMÔNIO E DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

O senso comum nos afirma que Patrimônio é algo

pertencido a alguém, seja herdado ou construído. Patrimônio

Histórico, então, seguindo a linha de raciocínio, pode ser

definido como tudo aquilo que remonta a história de uma

determinada comunidade, povo ou nação. Ainda utilizando o

senso comum, quando falamos de bens históricos a primeira

ideia que nos surge é de monumentos e edifícios antigos, isto

porque se relaciona a expressão patrimônio histórico a chamada

dimensão “pedra e cal”, que engloba o patrimônio edificado, em

detrimento a outros bens culturais significativos. (ORIÁ in

BITTENCOURT, 2002).

Isto se deve, segundo Ricardo Oriá, à primeira

legislação voltada para a temática de preservação patrimonial,

editada no período do Estado Novo (1937 – 1945) com grande

influência da escola positivista, que tem como marca a

exaltação da memória dos vencedores. O Decreto-Lei nº. 25/37,

ainda em vigor, reza:

14

Art. 1º - constitui o patrimôniohistórico e artístico nacional oconjunto dos bens móveis e imóveisexistentes no país e cuja conservaçãoseja de interesse público, quer porsua vinculação a fatos memoráveis dahistória do Brasil, quer por seuexcepcional valor arqueológico ouetnográfico, bibliográfico ouartístico. (Decreto-Lei nº. 25, de 30de Novembro de 1937).

O legislador deixou fora do que se considera

patrimônio histórico e artístico os chamados bens imateriais,

formados principalmente pelas manifestações culturais de uma

determinada população, sejam danças, costumes e tradições.

Embasando cientificamente nossa pesquisa, vamos

demonstrar o que os historiadores afirmam sobre o que é

Patrimônio Histórico e Cultural, apresentando o bem material e

imaterial, e através desta conceituação, seguiremos a trilha

para conhecer a importância de preservar tais objetos e ações.

1.1 O QUE É PATRIMÔNIO HISTÓRICO?

Patrimônio Histórico e Cultural pode ser

compreendido como um bem coletivo com a pretensão de expressar

uma dada visão de um determinado grupo social, com fins de

construir uma memória identitária comum. Pode ser classificado

15

em material e imaterial, arquitetônico ou edificado, religioso

ou sacro. (PAIM, 2010)

Todavia, Patrimônio Histórico, voltando ao âmbito

do senso comum, sempre foi visto como algo velho e alheio a

nós. Não se desenvolveu, por muito tempo, uma ligação que

fizesse do patrimônio um bem pessoal, algo que faça crescer em

si um sentimento de pertencimento e identidade. Sobre isto

Pedro Funari (2009) destaca a fala de Joaquim Falcão, jurista,

quando o mesmo afirma que “patrimônio histórico virou sinônimo

de igrejas barrocas, palácios e casas-grandes”, e complementa

afirmando que:

Tal queixa implicava que os indígenas,além dos africanos e de tudo que serefere à vida cotidiana, não eramassociados, por nós, ao patrimônio.Como consequência, patrimôniohistórico parecia ser algo distante,alheio, velho. (FUNARI, 2009).

Esta história contada a partir da visão

positivista, onde apenas a versão do vencedor tem importância

e prioridade, estar, a partir do advento da escola dos

annales, sendo desconstruída para abrir espaço para novos

olhares históricos, colocando em pé de igualdade todos os

segmentos sociais que fizeram parte do fato ou período.

Sobre Patrimônio Histórico, no sítio oficial do

Programa de Pós-Graduação Profissionalizante em Patrimônio

Cultural – PPGPPC – podemos ler:

16

Patrimônio Histórico é o conjunto debens que contam a história de umageração, através de sua arquitetura,vestes, acessórios, mobílias,utensílios, armas, ferramentas, meiosde transportes, obras de arte,documentos. […] O Patrimônio Históricoé importante para a compreensão daidentidade histórica, para que os seusbens não se desarmonizem oudesequilibrem, e para manter vivos osusos e costumes populares de umadeterminada sociedade.

Sendo assim, podemos notar que o termo patrimônio

histórico engloba uma quantidade considerável de instrumentos

que servem como documentos do passado, preservados para a

manutenção de uma visão histórica. Coloco “visão histórica”

porque os paradigmas utilizados na escolha dos objetos que

serão considerados patrimônios merecedores de preservação vão

se modificar dependendo do olhar do historiador, profissional

que, apesar de tentar manter certo afastamento do objeto

analisado, é parcial, mesmo sem querer, na sua interpretação

daquele objeto enquanto documento histórico.

Le Goff, na obra “Documento e Monumento” faz uma

discussão sobre o que é o monumento e qual sua função na

sociedade, mas antes disso, alerta o leitor lembrando-lhe que

o ícone é, na verdade, fruto de uma escolha da sociedade sobre

o que melhor lhe representa. Escolha esta que é feita,

principalmente, pelos historiadores. Sobre isto, ele afirma:

17

De fato, o que sobrevive não é oconjunto daquilo que existiu nopassado, mas uma escolha efetuada querpelas forças que operam nodesenvolvimento temporal do mundo e dahumanidade, quer pelos que se dedicamà ciência do passado e do tempo em quepassa, os historiadores. (LE GOFF,1996)

O profissional da ciência História tem papel

fundamental na construção do imaginário sobre o que vem a ser

patrimônio com necessidade de preservação para uma melhor

compreensão da história e o que foi criado para relacionar a

memória e o presente dos indivíduos, sendo que o primeiro é

resguardado entre várias edificações existentes e o segundo

faz parte do conjunto destas mesmas edificações. (POSSAMAI,

2000, pág.15).

Voltando às conceituações de Le Goff, a partir do

artigo “Patrimônio Histórico: Estudando a Memória do

Coletivo”, da profa. Ludmila Pena Fuzzi, “monumento é aquilo

que pode ser evocado do passado”.

Uma conceituação de Le Goff na obra “Monumento e

Documento”, diz que:

O monumentum é um sinal do passado.Atendendo às suas origens filológicas,o monumento é tudo aquilo que podeevocar o passado, perpetuar arecordação […].

......................................

......................................

..........................

18

O monumento tem como características oligar-se ao poder de perpetuação,voluntária ou involuntária, dassociedades históricas (é um legado àmemória coletiva) e o reenviar atestemunhos que só numa parcela mínimasão testemunhos escritos. (LE GOFF,1998)

Percebemos, portanto, que o principal papel do

Monumento, ou Patrimônio Histórico, é resguardar a memória

daqueles que possuem, direta ou indiretamente, alguma ligação

com o patrimônio em si ou com os processos que o constituíram

monumento, ou ainda, que fazem parte do contexto em que tal

símbolo está inserido.

Observamos até aqui que o patrimônio histórico é

uma variante, e que tem a função de preservar viva a memória

do coletivo, e ainda que o mesmo seja definido como tal a

partir da construção de um imaginário sobre o que merece ser

preservado enquanto representação física de uma sociedade.

1.1.1 Patrimônio Histórico Material e Imaterial

Apesar de o legislador do Estado Novo ter

construído uma visão de que apenas o patrimônio histórico

construído, da chamada dimensão “pedra e cal”, são passíveis

de preservação, o constituinte de 1988 lançou um novo olhar

sobre a conceituação de patrimônio, afirmando que também as

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manifestações culturais são identificadoras de um povo e, por

conseguinte, necessária é a sua preservação como sendo a

manutenção do próprio povo, a partir de suas manifestações,

costumes e tradições.

A Constituição brasileira de 1988, no seu capítulo

III, sobre a Educação, Cultura e Desporto, na seção II, em seu

artigo 216, substitui a terminologia patrimônio histórico e

aplica o conceito de patrimônio cultural, englobando assim as

várias manifestações que representam o povo brasileiro. Pode-

se ler:

Art. 216 – Constituem patrimôniosculturais brasileiros os bens denatureza material e imaterial, tomadosindividualmente ou em conjunto,portadores de referência à identidade,à ação, à memória dos diferentesgrupos formadores da sociedadebrasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas,artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos,edificações e demais espaçosdestinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios devalor histórico, paisagístico,artístico, arqueológico,paleontológico, ecológico ecientífico.

20

Desta maneira, a Constituição de 1988 abre espaço

para que políticas públicas de preservação sejam implantadas

também para valorizar e preservar as manifestações culturais

do povo, e não apenas as edificações consideradas de grande

relevância para a história oficial.

Sobre a conceituação de patrimônio cultural, Godoy

afirma que se trata de:

Toda produção humana, de ordememocional, intelectual e material,independente de sua origem, época ouaspecto formal, bem como a natureza,que propiciem o conhecimento e aconsciência do homem sobre si mesmo esobre o mundo que o rodeia. (GODOY,1985)

O patrimônio cultural é tudo aquilo que se torna

identificador de um povo ou de uma região. Podemos utilizar

como exemplo as danças juninas, que são características dos

estados do nordeste brasileiro. O chimarrão que é

identificador do Rio Grande do Sul; o samba que é próprio do

Brasil, assim como outras manifestações que devem ser

preservadas e valorizadas com o objetivo de manter viva a

cultura, assim como cultivar o sentimento de pertencimento

daquela população à região.

Basta substituir a terminologia “patrimônio

histórico” por “patrimônio cultural”, e conseguimos expandir a

visão sobre o que é merecedor de preservação; não só mais o

que é construído, físico, é patrimônio, mas também tudo aquilo

21

que é representativo da história de uma determinada sociedade.

Fenelon, sobre os bens culturais de uma sociedade, afirma que:

Não são apenas aquelestradicionalmente considerados dignosde preservação, produzidos e definidospelos vencedores de cada época. Aocontrário, são os frutos de todos ossaberes, todas as memórias deexperiências humanas. Não apenasmonumentos, bens isolados edescontextualizados, mas testemunhosmateriais portadores de significação,passíveis de muitas leituras (FENELON,1993).

A história do “vencido” ganha vez a partir de este

novo olhar, o que é de grande importância para que se possam

conhecer, de maneira mais fiel possível, os fatos que

construíram a história. Não se pode mais olhar para a história

do Brasil colonial sem pensar sobre a história do índio, nem

ler sobre a história do Brasil Imperial, sem olhar também para

história dos negros cativos.

Notamos, portanto, uma universalização do conceito

de patrimônio histórico, com uma visão inovadora, que inclui a

história do vencido em pé de igualdade com a do vencedor,

considerando as duas importantes para a contextualização

correta do fato histórico.

É possível, portanto, compreender patrimônio

cultural imaterial como toda a expressão social, costumes e

tradições que sejam reconhecidos pelos sujeitos da comunidade

22

como características que as representem e as identifique. A

tradição oral é, neste momento, o principal meio de

sobrevivência do que é imaterial, pois estes bens são passados

de uma para outra geração a partir da interação e da

convivência das mesmas.

O Patrimônio Imaterial é transmitidode geração em geração e constantementerecriado pelas comunidades e grupos emfunção de seu ambiente, de suainteração com a natureza e de suahistória, gerando um sentimento deidentidade e continuidade,contribuindo assim para promover orespeito à diversidade cultural e àcriatividade humana. (PORTAL IPHAN).

Neste ponto podemos nos atrever a afirmar que

Patrimônio Histórico é um conjunto de bens que contam a

história de uma geração através de vários documentos físicos –

objetos, edificações, meios de transportes, documentos,

utensílios – que formam o conjunto de bens materiais – e de

vários documentos que ultrapassam a dimensão “pedra e cal”, os

chamados bens imateriais – formados pelo conjunto de

manifestações culturais, expressões vivas da comunidade.

Sabemos ainda que a expressão patrimônio cultural é, talvez,

mais correta para nomear este conjunto de bens, tendo em vista

que a mesma consegue englobar toda produção humana, de ordem

emocional, intelectual e material. Sabemos também que a sua

perpetuação depende além dos registros que são feitos através

de manuscritos, fotografias, filmagens, e as próprias

23

edificações enquanto documentos históricos também se fazem

necessário à transmissão dos conhecimentos através da

convivência de gerações, através de suas interações sociais e

manifestações, reforçando o sentimento de continuidade e

pertencimento daquela história.

Sobre o cuidar deste material, o Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN – faz uma

ressalva quanto a sua política pública de preservação,

demonstrando ser necessária uma distinção das ações políticas

para que a valorização e preservação do bem material e

imaterial sejam efetivadas. Uma ação prática que é

desenvolvida para preservar os bens histórico-culturais

materiais é o tombamento, que protege, através de lei,

determinado objeto contra ações de que desejam modificar o

mesmo. Todavia, esta ação não pode ser posta em prática quando

se trata de bem imaterial, sendo que para preservar este é

necessário conscientizar a população diretamente ligada ao

mesmo sobre a sua importância para a comunidade, enquanto

símbolo de identidade. Nesse caso, a preservação tem como foco

não a conservação de eventuais suportes físicos do bem, mas a

busca de instrumentos e medidas de salvaguarda que viabilizem

as condições de sua produção e reprodução, tais como: a

documentação do bem, com vistas a preservar sua memória; a

transmissão de conhecimentos e competências; o acesso às

matérias primas e demais insumos necessários à sua produção; o

apoio e fomento à produção e ao consumo; a sua valorização e

difusão junto à sociedade; e, principalmente, esforços no

sentido de que os detentores desses bens assumam a posição de

24

protagonistas na preservação de seu patrimônio cultural.

(Edições IPHAN, 2006).

1.2 O QUE É EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

A Educação Patrimonial objetiva ummétodo de ensinar aos indivíduos detodas as idades, a conhecer a simesmo, a seu grupo, e seu patrimônio ea compartilhar esse conhecimento com ooutro. (POSSOLI, 2008)

A preservação do patrimônio cultural, enquanto

herança da coletividade, construído através de todas as

vivências individuais, só se efetiva a partir do processo de

implantação da Educação Patrimonial, sendo esta o principal

instrumento de valorização e consequente preservação dos bens

públicos de grande relevância cultural.

O conceito de Educação Patrimonial surgiu no Brasil

em meio a importantes discussões sobre a necessidade de se

aprofundar o conhecimento e a preservação do Patrimônio

Histórico e Cultural. O marco da Educação Patrimonial foi o

primeiro seminário “Uso Educacional de Museus e Monumentos”,

ocorrido em 1983, no Rio de Janeiro.

O princípio básico da Educação Patrimonial diz que:

25

Trata-se de um processo permanente esistemático de trabalho educacionalcentrado no Patrimônio Cultural comofonte primária de conhecimentoindividual e coletivo. A partir daexperiência e do contato direto com asevidências e manifestações da cultura,em todos os seus múltiplos aspectos,sentidos e significados, o trabalho deEducação Patrimonial busca levar ascrianças e adultos a um processo ativode conhecimento, apropriação evalorização de sua herança cultural,capacitando-os para um melhor usufrutodesses bens, e propiciando a geração ea produção de novos conhecimentos, numprocesso contínuo de criação cultural.(HORTA; GRUMBERG; MONTEIRO, 1999, p.06).

Educação patrimonial, de acordo com Oliveira (2011)

é um processo sistemático e permanente por meio do qual os

indivíduos se apropriam dos bens culturais e entendem a

necessidade e a importância da valorização e preservação do

patrimônio cultural, colocando-se como agentes diretos. Desse

processo também decorre o fortalecimento das identidades

individuais e coletivas. Sobre estas identidades.

É importante ressaltar que o nosso patrimônio

cultural é a herança das experiências vividas, que construíram

o passado e construirão o futuro, sabendo que é a identidade

individual que tem como pano de fundo a identidade coletiva,

que é o que permite a Educação Patrimonial, ou seja, o

patrimônio e a memória coletiva passam pelo patrimônio e a

memória individual, que compartilhados formam o patrimônio e a

memória cultural. (POSSOLI, 2008).

26

Segundo Horta (1999), a educação de um indivíduo

não acontece de uma hora para outra, é um longo processo

permanente, que inicia nos primeiros dias de vida e só termina

com a morte. Esse processo passa por várias etapas, chegando à

maturidade e uma inteligência capaz de utilizar o que já

sabemos e construir novo saberes.

A Educação Patrimonial, em suas formas de mediação,

possibilita a interpretação dos bens culturais, tornando-se um

instrumento importante de promoção e vivência da cidadania.

Consequentemente, gera a responsabilidade na busca, na

valorização e preservação do Patrimônio.

Horta utiliza o termo “alfabetização cultural” para

informar que a Educação Patrimonial possibilita ao indivíduo

realizar a leitura do mundo que o rodeia, levando-o a

compreensão do universo sociocultural e da trajetória

histórico-temporal em que se está inserido.

27

2 O ENSINO DE HISTÓRIA E A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

A História é uma ciência social que desenvolve a

função de registrar os fatos e apresentá-los de maneira que o

indivíduo compreenda a importância e consiga, de maneira

satisfatória, contextualizar o mesmo, sabendo analisar as

informações com vistas a desenvolver um pensamento crítico

sobre o ocorrido.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais

– PCN’s – de História, o ensino e a aprendizagem de História

envolvem uma distinção básica entre o saber histórico, como um

campo de pesquisa e produção de conhecimento do domínio de

28

especialistas, e o saber histórico escolar, como conhecimento

produzido no espaço escolar.

Considera-se que o saber históricoescolar reelabora o conhecimentoproduzido no campo das pesquisas doshistoriadores e especialistas do campodas Ciências Humanas, selecionando ese apropriando de partes dosresultados acadêmicos, articulando-osde acordo com seus objetivos. (PCN,1997)

Assim sendo, o PCN aponta que o saber histórico

escolar é um recorte do que os historiadores produziram sobre

os fatos, através de pesquisas e desenvolvimento de teorias.

Seria, portanto, uma forma simplificada de transmitir o

conhecimento histórico com vistas a uma fácil compreensão.

Procurando aproximar os homens, mulheres e crianças

comuns as questões de preservação e valorização do patrimônio

e da memória, muitas instituições vêm desenvolvendo ações de

educação patrimonial visando à democratização e acesso aos

bens patrimoniais. Todavia, estas ações educativas geralmente

acabaram passando ao largo das atividades desenvolvidas nas

escolas. “As ações de educação patrimonial preocupam-se com a

constituição de identidades e sentido de pertencimento dos

sujeitos, procurando o envolvimento da comunidade,

extrapolando os espaços da escola” (PAIM, 2010).

Mais recentemente passou a existir um diálogo entre

os espaços de memória e as escolas. Assim, as questões da

29

memória e do patrimônio aos poucos estão sendo incorporadas

aos currículos escolares. Segundo o historiador italiano Ivo

Matozzi (2008), o patrimônio passou a contribuir na formação

histórica, visto que permite dar consistência às informações e

abstrações dos textos históricos e porque constrói a percepção

e a visão histórica do território e do mundo.

2.1 A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NA SALA DE AULA

É comum ouvirmos a afirmação de que o Brasil é um

país sem memória ou que nós não valorizamos a nossa História,

sempre a preterindo em favor da cultura estrangeira. No

entanto esta colocação não se afirma quando a retiramos do

senso comum, e isto fica explicito quando compreendemos não

ser possível constituir uma nação sem que haja a memória e a

história. Então devemos nos perguntar o porquê de tal

afirmação ser tão rotineira.

A disciplina de História nem sempre possuiu o papel

que atualmente exerce na comunidade escolar. Anteriormente,

esta disciplina era apenas um resumo de datas e nomes que

deveriam ser memorizados e, também, era utilizada para a

legitimação de determinados acontecimentos como sendo

verdadeiros e necessários à construção da nação. Para

demonstrar a importância da História para a construção do

imaginário coletivo do país, e como instrumento de legitimação

30

de ações, podemos recorrer ao período do governo militar no

Brasil, quando aqueles que ocupavam o poder executivo nacional

utilizaram a História como meio para doutrinar os estudantes

com a intenção de ganhar adeptos para o sistema de governo

vigente, para tanto a disciplina foi juntada à Geografia,

juntas, receberam a nova denominação de Estudos Sociais.

A consolidação dos Estudos Sociais emsubstituição a História e Geografiaocorreu a partir da Lei nº. 5.692/71,durante o governo militar. Os EstudosSociais constituíram-se ao lado daEducação Moral e Cívica em fundamentosdos estudos históricos, mesclados portemas de Geografia centrados noscírculos concêntricos. Com asubstituição por Estudos Sociais osconteúdos de História e Geografiaforam esvaziados ou diluídos, ganhandocontornos ideológicos de ufanismonacionalista destinado a justificar oprojeto nacional organizado pelogoverno militar implantado no país apartir de 1964. (PCN História, 1997).

A História só voltou à sua autonomia a partir da

década de 1980, quando não mais era possível perceber a

grandeza dos acontecimentos dentro de uma disciplina “Estudos

Sociais” que não abria espaço para a discussão e, por

consequência, o pensamento crítico.

Os Historiadores voltaram-se para aabordagem de novas problemáticas etemáticas de estudo, sensibilizadospor questões ligadas à história

31

social, cultural e do cotidiano,sugerindo possibilidades de rever noensino fundamental o formalismo daabordagem histórica tradicional. (PCNHistória, 1997)

Antes de adentrarmos à análise de como a educação

patrimonial está sendo abordada nas escolas, devemos perceber

que a tal ação extrapola os limites da escola, sendo possível

tratar de memória e patrimônio em qualquer lugar. Através de

fotos e documentos diversos, visitas à museus, centros de

memória, arquivos, construções, cidades, igrejas, terreiros,

ou ainda as manifestações como rezas, danças, festas, modos de

construir, de fazer comidas, de tocar música, de brincar e

vestir são instrumentos simples que nos levam a perceber que a

memória e o patrimônio estão presentes em tudo o que diz

respeito ao ser humano e as experiências vividas por cada um

de nós em diferentes tempos e lugares.

A educação patrimonial na sala de aula é algo

recente que, aos poucos, está se incorporando ao currículo

escolar oficial. Isto acontece porque se tornou visível,

graças a atuação de vários estudiosos como Horta, Matozzi,

Paim e outros, que a educação patrimonial auxiliar na mediação

e propicia aos diversos públicos a possibilidade de

interpretação dos bens culturais, atribuindo-lhes sentidos, e

estimulando a comunidade a exercer a cidadania e a possuir uma

responsabilidade social de compartilhamento, preservação e

valorização dos patrimônios material e imaterial que estão,

como já vimos, ao nosso redor.

32

Cultivar o sentimento de pertencimentoé o principal passo para uma efetivaeducação patrimonial com vistas apreservação e valorização do bem.Talvez, ao perceberem e entenderem queos monumentos, prédios, saberes efazeres são seus, as pessoas passem anão pichar, quebrar, menosprezar edestruir os bens públicos como vemosacontecer quase que diariamente comnossas escolas e prédios públicos.(PAIM, 2010)

O homem é um ser educável, já disse Paulo Freire

(1997). Nesse sentido, é importante proporcionar uma efetiva

educação para a memória e o patrimônio, compreendendo que o

homem está no mundo e com o mundo, e que isto o torna capaz de

se relacionar, e ainda, que estas relações não se dão apenas

com os outros, mas se dão no mundo, com o mundo e pelo mundo.

Quando o homem compreende a realidade, pode levantar hipótese

sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. (FREIRE,

1997).

O grande desafio do educador patrimonial,

historiadores e demais profissionais da memória, é conseguir

levar a discussão sobre o patrimônio para a sala de aula e, de

forma satisfatória, despertar na criança e no jovem o respeito

pela memória coletiva, fazendo com que estes construam suas

próprias identidades culturais, fazendo com que se apropriem

dos lugares e, a partir daí, percebam o quão estes são

importantes para a sua própria memória individual.

33

As pessoas só respeitam, admiram, preservam e se

identificam com aquilo que conhecem. Para que ocorra

especialmente a identificação com os bens patrimoniais faz-se

necessário pensar e construir possibilidades de educar para o

patrimônio, para que as pessoas conheçam e sintam-se

pertencentes aos espaços, às discussões, lugares de guarda e

preservação dos diferentes bens patrimoniais. Portanto, para

que efetivamente ocorra uma educação para o patrimônio, não

basta falar em ou sobre patrimônio, é preciso viver com o

patrimônio. (PAIM, 2010).

2.1.1 Interdisciplinaridade e Transversalidade do

Patrimônio no âmbito escolar.

O processo educativo, em qualquer área de

ensino/aprendizagem, tem como objetivo levar os alunos a

utilizarem suas capacidades intelectuais para a aquisição e o

uso de conceitos e habilidades, na prática, em sua vida diária

e no próprio processo educacional. O uso leva à aquisição de

novas habilidades e conceitos (HORTA, 2004). A Educação

Patrimonial consiste em provocar situações de aprendizado

sobre o processo cultural e, a partir de suas manifestações,

despertar no aluno o interesse em resolver questões

significativas para sua própria vida pessoal e coletiva. (ibid).

34

Como não se vai criar uma nova disciplina para

educar sobre o patrimônio e este não deve ser trabalhado

somente nas disciplinas de historia, devemos trabalhar,

portanto, a interdisciplinaridade da Educação Patrimonial nos

currículos escolares.

A educação patrimonial nada mais é doque uma proposta interdisciplinar deensino voltada para questões atinentesao patrimônio cultural. Compreendedesde a inclusão, nos currículosescolares de todos os níveis deensino, de temáticas ou conteúdosprogramáticos que versem sobre oconhecimento e a conservação dopatrimônio histórico, até a realizaçãode cursos de aperfeiçoamento eextensão para os educadores e acomunidade em geral, a fim de lhespropiciar informações acerca do acervocultural, de forma a habilitá-los adespertar, nos educandos e nasociedade, o senso de preservação damemória histórica e o consequenteinteresse pelo tema. (ORIÁ, 2005).

Uma dificuldade encontrada para efetivar a prática

da educação patrimonial é a de que os currículos escolares

estão engessados não permitindo, ou permitindo o mínimo, de

adequações para o desenvolvimento da transversalidade que,

pasmem, encontra-se nos PCN’s mas não encontram espaço na sala

de aula. Isto se dá devido a sobrecarga dos currículos, com

disciplinas que competem por tempo na sala de aula.

A transversalidade mantém uma íntima relação com a

interdisciplinaridade pois, juntas, são maneiras de se

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trabalhar o conhecimento buscando uma reintegração de aspectos

que ficaram isolados uns dos outros pelo tratamento

disciplinar.

Segundo os PCN’s, interdisciplinaridade e

transversalidade são:

A interdisciplinaridade questiona asegmentação entre os diferentes camposde conhecimento produzido por umaabordagem que não leva em conta ainter-relação e a influência entreeles – questiona a visãocompartimentada (disciplinar) darealidade sobre a qual a escola, talcomo é conhecida, historicamente seconstitui. Refere-se, portanto, a umarelação entre disciplinas. Atransversalidade diz respeito àpossibilidade de se estabelecer, naprática educativa, uma relação entreaprender na realidade e da realidadede conhecimentos teoricamentesistematizados (aprender sobre arealidade) e as questões da vida real(aprender na realidade e da realidade)(PCN, 1997).

Devemos destacar que os PCN’s inovaram ao trazer

maneiras de se trabalhar a transversalidade e a

interdisciplinaridade nos currículos escolares, ressaltando

que a temática da Educação Patrimonial está prevista nos PCN’s

para o ensino de História, apesar de pouco explanado.

Por isto ressalta-se a importância deste trabalho

nas escolas, propondo aos profissionais da educação,

principalmente aqueles diretamente ligados àquela comunidade

escolar, a necessidade da temática Educação Patrimonial nos

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currículos escolares como forma de pulsão da comunidade

escolar e circundante nas práticas de valorização e

preservação do patrimônio histórico e cultural.

Para tratar a Educação Patrimonial na escola, na

prática cotidiana com os alunos, devemos levar em conta alguns

pontos relevantes na compreensão do conteúdo, principalmente,

neste caso, a Percepção e a Memória. (GRUNBERG)

Quando falamos em percepção, estamos afirmando que

o desenvolvimento da habilidade de observação e interpretação

de objetos auxilia na compreensão do mundo. Aprender através

do olhar não é necessariamente simples, mas é uma

possibilidade de enriquecer a experiência do conhecimento do

mundo material. Grumberg (1999) afirma que o professor se

propõe a efetuar um trabalho com os alunos utilizando um bem

histórico-cultural deve definir de maneira objetiva a

atividade proposta. O tipo de observação leva o interesse do

aluno a descobrir e relacionar, a deduzir e comparar, utilizar

o raciocínio, a pensar. No caso da memória, devemos ter em

mente que ela é indispensável no processo de aprendizado.

Vivemos por ela. O importante para nós fica marcado e

registrado para sempre. A memória modifica o nível de

percepção, pois lembramos o que nos interessa.

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3 OS MUSEUS COMO ESPAÇOS DE MEMÓRIA

A Memória é, basicamente, uma lembrança de algo

recente e marcante, sendo parte do passado. Se nos referirmos

à memória coletiva – neste momento, excluindo a individual –

poderíamos afirmar que a mesma é útil para a construção

historiográfica de uma região? De certo que sim.

Segundo Paim (2010) memória é pensada como seleção

e sempre seleciona os eventos de forma individual.

Esquecimento e lembrança formam um par inseparável, pois uma

se opõe ao outro, ao ponto que também se complementa.

Observando que a memória é uma seleção e esta é uma escolha

individual ou convencionada em grupo, estaremos sempre apagando

algum acontecimento para valorizar, registrar ou até mesmo

legitimar outro.

Para rememorar algo não basta apenas uma lembrança

individual, mas sim que ela seja coletiva, mesmo que se trate

de experiências vividas individualmente. As lembranças são

sociais (PAIM, 2010).

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O conhecimento do passado se organiza,ordena o tempo, se localizacronologicamente. Portanto, a funçãoda memória é trazer novamente à vida oque já foi vivido. A memória possui umpapel criativo. Ao rememorar estamoscriando novamente o já vivido, portanto, a função da memória é dereconstrução. Porém, a memória nãoobedece uma ordem temporal, é semprepermeada por idas e vindas. Lembramoso que aconteceu ontem e dali, afrações de segundos, voltamos àinfância e ao acontecido novamente.Esse ir e vir no tempo da memóriaacontece incontáveis vezes durante umdia. (PAIM, 2010).

De qualquer forma, a relação entre memória e

história é controversa. Enquanto que para alguns uma depende

da outra, para outros elas são distantes e, até mesmo,

incomunicáveis. A explicação que se tem para isto vem de

longe, desde o início da modernidade capitalista, quando a

História ganha o status de ciência e tenta afastar de si tudo

que possa ser subjetivo ou incentivado por valores,

experiências e sentimentos. A visão correta não existe. Cada

historiador deve pensar a respeito e seguir uma tendência.

E como abordar estas questões de patrimônio e

memória de maneira que excite o interesse do aluno? Como

auxiliar na construção de identidades a partir do

reconhecimento destas memórias? Uma das ferramentas que

existem, muito uteis, são os museus, centros de memória. Esses

espaços representam a história e a memória de uma comunidade

ou região, todavia nem todas as cidades possuem um acerto

organizado e detalhado para pesquisa e visitação. No Caso de

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Cascavel – CE, cidade tricentenária, apesar de toda uma

riqueza histórica ainda não possuímos, reconhecidos, os nossos

patrimônios culturais, a nossa memória, nossa identidade. Isto

muito tem a ver com o descuido do poder público em preservar e

valorizar, educar sobre a cultura local. Sempre vendo o

“antigo” como ultrapassado e sendo, portanto, necessária sua

remoção.

Mesmo sem um museu ou centro de memória, Cascavel

possui um centro histórico com casas e igrejas datadas do

século XVIII que, aos poucos, vem recebendo novos olhares e

tendo sua posse, enquanto bem público reclamada por quem passa

a reconhecer ali os valores e a cultura da cidade.

3.1 DESAFIOS DA RELAÇÃO MUSEU-ESCOLA

Antes de darmos inicio aqui, devemos fazer algumas

observações necessárias ao bom entendimento do conteúdo.

Primeiro, que todos os museus são formados com o intuito de

apresentar uma visão, seja do vencedor ou do vencido, é

construído para fazer rememorar as glórias de alguns e

esquecer as derrotas de outros, ou ao contrário, avivar as

derrotas em detrimento das glórias. O discurso do vencido

sobre o do vencedor.

Almeida (1997) afirma que:

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As exposições museológicas sãodiscursos criados com intenção decomunicar ideias, conceitos einformações ao público visitante,tendo como veículo específico osobjetos. A ação educativa em museusvisa ampliar as possibilidades deaproveitamento pedagógico dos acervos,para que o visitante acentue seuespírito crítico em relação à suarealidade e daqueles que estão à suavolta.

Museus são instituições sem fins lucrativos que

adquire, preserva, documenta, pesquisa e comunica para

educação e lazer. Atuam nas diversas áreas em todas as

ciências e artes, e mantidos por governos, sejam municipais,

estaduais ou federais e, também, pela iniciativa privada.

Os museus da iniciativa privada são os que

representam melhor a questão de construir um discurso do

vencedor.

Almeida (1997) informa que em nosso país, a ação

educativa em instituições museológicas foram disseminadas a

partir da década de 1920, quando os museus passaram o possuir

o perfil de agente empenhado no complemento do ensino escolar,

sendo esta uma proposta técnico-pedagógica liderada por

Fernando de Azevedo.

É importante ressaltar que embora as escolas

procurem os museus com a intenção de utilizá-los como

complementos ou ilustrações das questões tratadas em sala de

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aula, estes espaços ultrapassam este uso, podendo proporcionar

também uma experiência que, em si, pode gerar motivação,

curiosidade e questionamento por parte do estudante. Uma

visita ao museu e aos espaços de memória pode proporcionar

aprendizagem tanto quando em sala de aula, ou até mais.

Almeida afirma:

Consideramos que os museus têmpotencial para provocar umaexperiência de aprendizagem que vaialém da simples complementaridade doensino escolar e que ocorre por meiode estratégias e métodos diferentesdaqueles utilizados na escola.(ALMEIDA, 1997)

Segundo o olhar de Almeida (1997) a educação em

museus visa à preservação do patrimônio cultural e natural,

através da participação crítica de toda a população. A ação

educativa é parte integrante dos processos de comunicação

museológica e deve ser coerente com o discurso expositivo.

A gama de estratégias que o educador pode usar a

partir do museu é diversa. Várias linhas de estudo foram

desenvolvidas para o universo escolar, entre elas a Educação

Patrimonial. Almeida (1997) considera o método da educação

para o patrimônio a mais apropriada para a ação educativa em

museus e espaços de memória, por levar em conta os ganhos

emocionais da aprendizagem e por lançar o olhar a partir da

especificidade do museu – a cultura material.

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Alguns museus brasileiros utilizam a metodologia da

educação patrimonial em sua ação educativa há tempos. Como já

afirmamos, de acordo com Grunberg (1995) a Educação

Patrimonial é definida como o “ensino centrado nos bens

culturais, com metodologia que toma estes bens como ponto de

partida para desenvolver a tarefa pedagógica, que considera os

bens culturais como fonte primária de ensino”.

A partir deste ponto de vista, a Educação

Patrimonial objetiva colocar o museu como “(1) parte da vida

comunitária; (2) local onde se preserva a memória cultural e

(3) local onde se educa permanentemente pela fonte de imagens,

ideias e testemunhos da capacidade criadora do homem em seu

processo evolutivo…” (ALENCAR, 1987).

A proposta de Educação Patrimonial prevê a

percepção/ observação, motivação, memória e emoção. Sem esses

elementos fica difícil o envolvimento afetivo e o interesse do

visitante, necessários para que a aprendizagem ocorra. Tendo

como paradigma os museus, metodologicamente a Educação

Patrimonial propõe três etapas: identificação do bem cultural

(observação e análise); registro do bem cultural (atividades

de registro da identificação) e valorização e resgate

(interpretação e comunicação do observado e registrado).

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CONCLUSÃO

Após uma leitura edificante sobre a temática da

Educação Patrimonial, e revendo conceitos de memória,

identidade, cultura e diversidade, é possível perceber a

prática da Educação Patrimonial como instrumento de elevada

importância para o desenvolvimento, na sociedade, de um

sentimento de pertencimento e, por consequência, uma prática

de proteção e valorização dos bens históricos e culturais de

uma determinada sociedade.

O uso de museus, espaços de memória, visitas à

prédios históricos, comunidades indígenas, quilombolas,

espaços de manifestações culturais como dança, música e

artesanato farão desenvolver no estudante um pensamento

crítico quanto o contexto histórico em que a manifestação ou o

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monumento surge, assim como a sua importância para a

manutenção da identidade social, seja individual ou coletiva.

É importante perceber que não se deve, apenas,

levar o estudante ao espaço de memória. É primordial que antes

o educador proceda com uma explicação, adequada e

contextualizada, objetivando “preparar o terreno” para que o

estudante já tenha uma prévia percepção da necessidade de se

constituir o bem histórico e cultural como ícone identitário

e, a partir deste novo olhar, notar a necessidade de

desenvolver uma ação de revitalização, proteção e uso do

patrimônio com o objetivo de fazer permanecer vivo na

comunidade o ideal de conjunto.

Faz-se importante, também, perceber as diferenças

pontuais do patrimônio, pois cada tipo de bem histórico

cultural necessita de uma prática protecionista peculiar. Não

se pode utilizar os mesmos métodos de proteção dos bens da

dimensão pedra e cal – os patrimônios materiais – para a

salvaguarda dos bens imateriais, sejam quaisquer das

manifestações populares.

Assim sendo, podemos concluir que a Educação

Patrimonial deve constituir uma prática frequente na sala de

aula, devendo, até mesmo, ser tratada como um tema transversal

de mesma importância como os demais tratados nos PCNs, tais

como o meio ambiente e a educação sexual. Para constituir a

valorização e preservação dos patrimônios históricos e

culturais, devemos fazer da Educação Patrimonial uma prática

cotidiana e, de certa forma, automática.