lei da ficha limpa e as decisÕes do poder judiciÁrio nas eleiÇÕes de 2012

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LEI DA FICHA LIMPA E AS DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO NAS ELEIÇÕES DE 2012 Quetilin de Oliveira Batista 1 Maria Eugênia Furtado 2 RESUMO: A Constituição da República Federativa do Brasil/88 disciplinou quais são as condições de elegibilidade, ou seja, quais são os requisitos que devem ser atendidos pelos interessados no momento de registro de suas candidaturas, estabelecendo ainda que os casos de inelegibilidade serão regulamentados por lei complementar. Em consonância com o dispositivo constitucional foi aprovada a Lei Complementar n. 64/90 que estabeleceu os casos de inelegibilidade e os prazos de cessação, dentre outras regras afetas ao processo eleitoral. Em 04 de junho de 2010 foi publicada a Lei Complementar n. 135, alterando a Lei Complementar n. 64/90. A Lei Complementar n. 135/10 ficou conhecida como a “Lei da Ficha Limpa”. O referido ato normativo foi proposto pela iniciativa popular, com o objetivo de proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato, introduzindo no sistema normativo brasileiro outras causas de inelegibilidades, a par das já existentes. Neste trabalho, servindo-se de pesquisas bibliográficas e das decisões que tratam da matéria, especialmente aquelas relacionadas às eleições de 2012. Trata-se da análise dos principais aspectos da iniciativa popular, além de um uma breve contextualização histórica, a contar da criação deste projeto de lei. Será objeto deste trabalho à exposição de determinados julgados do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral que comprovam a funcionalidade das sanções propostas pela “Lei da Ficha Limpa” nas eleições de 2012. O método indutivo foi utilizado na pesquisa, com o intuito de dirimir as indagações referentes à efetividade da nova lei. E por fim, é realizada uma abordagem crítica, considerando que se verifica uma crise do sistema representativo brasileiro e o desejo da população pela moralização do exercício dos mandatos eletivos no Brasil. Palavras-chave: Inelegibilidade; lei complementar n. 135/2010; eleições 2012. INTRODUÇÃO O início da vigência de uma lei significa que a ordem jurídica foi inovada, passando a estabelecer um novo perfil de conduta à sociedade, aplicados a todos, inclusive aqueles que desconhecem o teor da lei, já que é reconhecida a presunção que ninguém poderá alegar seu desconhecimento. Observou-se que a Lei Complementar n. 135/2010, doravante denominada “Lei da Ficha Limpamaterializou a soberania popular, exercida de forma direta pelo povo, já que foi fruto da iniciativa popular. Embora conste no processo legislativo a fase de deliberação parlamentar e de deliberação executiva aos projetos de iniciativa popular, constata-se que o respectivo projeto de lei foi apresentado à Câmara dos Deputados

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LEI DA FICHA LIMPA E AS DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO NAS ELEIÇÕES

DE 2012

Quetilin de Oliveira Batista1

Maria Eugênia Furtado2

RESUMO:

A Constituição da República Federativa do Brasil/88 disciplinou quais são as condições de elegibilidade, ou seja, quais são os requisitos que devem ser atendidos pelos interessados no momento de registro de suas candidaturas, estabelecendo ainda que os casos de inelegibilidade serão regulamentados por lei complementar. Em consonância com o dispositivo constitucional foi aprovada a Lei Complementar n. 64/90 que estabeleceu os casos de inelegibilidade e os prazos de cessação, dentre outras regras afetas ao processo eleitoral. Em 04 de junho de 2010 foi publicada a Lei Complementar n. 135, alterando a Lei Complementar n. 64/90. A Lei Complementar n. 135/10 ficou conhecida como a “Lei da Ficha Limpa”. O referido ato normativo foi proposto pela iniciativa popular, com o objetivo de proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato, introduzindo no sistema normativo brasileiro outras causas de inelegibilidades, a par das já existentes. Neste trabalho, servindo-se de pesquisas bibliográficas e das decisões que tratam da matéria, especialmente aquelas relacionadas às eleições de 2012. Trata-se da análise dos principais aspectos da iniciativa popular, além de um uma breve contextualização histórica, a contar da criação deste projeto de lei. Será objeto deste trabalho à exposição de determinados julgados do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral que comprovam a funcionalidade das sanções propostas pela “Lei da Ficha Limpa” nas eleições de 2012. O método indutivo foi utilizado na pesquisa, com o intuito de dirimir as indagações referentes à efetividade da nova lei. E por fim, é realizada uma abordagem crítica, considerando que se verifica uma crise do sistema representativo brasileiro e o desejo da população pela moralização do exercício dos mandatos eletivos no Brasil.

Palavras-chave: Inelegibilidade; lei complementar n. 135/2010; eleições 2012.

INTRODUÇÃO

O início da vigência de uma lei significa que a ordem jurídica foi inovada,

passando a estabelecer um novo perfil de conduta à sociedade, aplicados a todos,

inclusive aqueles que desconhecem o teor da lei, já que é reconhecida a presunção

que ninguém poderá alegar seu desconhecimento.

Observou-se que a Lei Complementar n. 135/2010, doravante denominada “Lei

da Ficha Limpa” materializou a soberania popular, exercida de forma direta pelo povo,

já que foi fruto da iniciativa popular. Embora conste no processo legislativo a fase de

deliberação parlamentar e de deliberação executiva aos projetos de iniciativa popular,

constata-se que o respectivo projeto de lei foi apresentado à Câmara dos Deputados

com aproximadamente 1,6(um milhão e seiscentos mil) assinaturas e que a vontade do

povo foi chancelada pelos seus representantes.

O presente trabalho objetiva contribuir para o amadurecimento das discussões

sobre a crise no sistema representativo brasileiro, no tempo em que uma sociedade até

certo ponto apática, apresentou um projeto de lei ao Poder Legislativo, sem se valer

dos seus representantes, com o intuito de moralizar o exercício dos mandatos eletivos

no Brasil, introduzindo no sistema normativo brasileiro outras causas de

inelegibilidades.

Estas ponderações estão demonstradas no presente artigo, por meio da

legislação, doutrina e jurisprudência, com o objetivo de contribuir para a solução de

casos específicos, na certeza que o trabalho não esgotará o tema, considerando que

esta matéria ainda prescinde de novas delimitações, principalmente no âmbito da

atuação jurisdicional.

ASPECTOS DA INICIATIVA POPULAR DE LEI

A análise dos aspectos da iniciativa popular de lei facilitará a compreensão

posterior da ‘Lei da Ficha Limpa’, que consiste no objeto de estudo a ser avaliado.

Portanto, é indispensável um conhecimento precedente sobre os fundamentos

constitucionais e históricos desta iniciativa, para que se obtenha uma leitura

simplificada em relação à criação de uma lei.

Esta iniciativa foi uma novidade introduzida na CRFB/88, seguindo o exemplo

da Carta Italiana de 1948, que trouxe a possibilidade da deflagração do eleitorado

nacional no que tange o processo legislativo3. Prevista no artigo 14, caput da nossa

Carta Magna, a iniciativa popular traz em seu embasamento constitucional a soberania

popular exercida através do sufrágio universal, e pelo voto direto e secreto.

Neste sentido, leciona Pedro Lenza, sobre o caráter popular desta iniciativa,

afirmando que [...] a iniciativa popular caracteriza-se como uma forma direta de

exercício do poder (que emana do povo – art. 1º, parágrafo único), sem o intermédio de

representantes, através da apresentação de projeto de lei, dando-se início ao processo

legislativo de formação da lei4.

Para que o projeto da iniciativa de lei alcance sua efetivação, dispõe o artigo

61, § 2º da CRFB/88 que este deverá ser apresentado à Câmara dos Deputados, em

forma de lei ordinária ou complementar, devendo a proposta ser subscrita por, no

mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído em pelo menos por cinco

Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles5.

Doutrinariamente questiona-se a legitimidade do Poder Legislativo durante a

deliberação parlamentar e/ou a legitimidade do Poder Executivo, durante a deliberação

executiva (sanção ou veto), alterar o projeto de iniciativa popular e desta forma,

descaracterizar a vontade do povo formalizada no projeto de lei. Observa-se que com a

deflagração realizada pelos detentores do poder legislativo, pode-se promover a

modificação da iniciativa popular que será feita não mais pelo cidadão comum, e sim,

pelo legislador6.

Inicia-se a partir daí a mencionada descaracterização por parte do poder

legislativo, pois, a partir do momento em que o projeto de iniciativa popular de lei

encontra-se disponível a alterações, será admissível, por exemplo, sua rejeição

completa, bem como o processo de emenda ao projeto, algo que provocará sua

despersonalização.

Até que momento um projeto de iniciativa popular de lei deverá permanecer

com suas características de origem? Há fundamento legal que proíba a alteração

durante o processo legislativo de um projeto de iniciativa popular? Identificou-se que

não, embora parte da doutrina defenda que seria legítimo manter o projeto de lei de

iniciativa popular na versão em que foi apresentado ao Congresso Nacional, sendo a

Câmara de Deputados a Casa Iniciadora7, constata-se que nada obstará, sob o ponto

de vista jurídico, que durante o processo legislativo o projeto de iniciativa popular seja

alterado, já que a iniciativa popular de lei traz a possibilidade da sua apresentação

através do povo, o que não significa aprová-lo na forma que foi apresentado. A

aprovação do projeto de lei, com ou sem alteração, compete aos nossos

representantes, exatamente aqueles que o povo elegeu.

CONTEXTO HISTÓRICO DO PROJETO DE LEI DA FICHA LIMPA

A concretização deste projeto partiu do Movimento de Combate à Corrupção

Eleitoral (MCCE) em conjunto com a Articulação Brasileira Contra a Corrupção e a

Impunidade (ABRACCI). Baseados na CRFB/88 a campanha trouxe novos estigmas no

cenário eleitoral, ao propor mudanças nos casos de inelegibilidade aos candidatos.

Além da propositura de modificações no procedimento eleitoral que já puderam ser

observados nas eleições de 2012, o que será abordado posteriormente8.

A Campanha do projeto foi lançada em abril de 2008 e entregue em setembro

de 2009 ao Presidente da Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei compreendeu

aproximadamente 1,6(um milhão e seiscentas mil) assinaturas, o que corresponde à

participação de mais de um por cento do eleitorado brasileiro, conforme prevê a

determinação legal, além das adesões por meio das redes sociais que elevaram a

participação popular ao expressivo número de 4(quatro) milhões de cidadãos9.

O projeto foi aprovado, e transformou-se na Lei Complementar nº 135/10,

causando alterações nos casos de inelegibilidade, prazos de cessação e outras

determinações que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no

exercício do mandato10.

Observa-se, contudo, que durante a tramitação do projeto de lei o Supremo

Tribunal Federal – STF foi provocado a se manifestar, quanto ao controle de

constitucionalidade, já que alguns congressistas entendiam que o referido projeto de lei

era inconstitucional. Na oportunidade defendia-se que diversos institutos

constitucionais seriam feridos com a sua aprovação, como por exemplo, o princípio da

presunção de inocência, conforme o art. 5º, LVII e o princípio da coisa julgada, art. 5º,

XXXVI, CRFB/8811.

Foram encaminhadas três ações ao STF, a primeira, a Ação Direta de

Constitucionalidade nº 29, foi proposta pelo Partido Popular Socialista, a segunda, a

Ação Direta de Constitucionalidade nº 30, proposta pelo Conselho Federal da Ordem

dos Advogados do Brasil, e a terceira, Ação Direta de Constitucionalidade nº 4578, foi

encabeçada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais12.

Dos ministros do STF, sete votaram a favor da lei, e quatro foram contrários.

Os votos favoráveis afirmaram sua concepção através do princípio da moralidade, que

consta no artigo 14, § 9º da CRFB/88. Os quatro votos contrários defendem o princípio

de presunção da inocência, conforme citado anteriormente, como um dos institutos

principais a discussão do tema, que consagrou a princípio que ninguém será

considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória13.

Com o fim da votação, decidiu-se pela constitucionalidade da nova lei, quando

passou a ser reconhecida pela legislação outros casos de inelegibilidade já para as

eleições municipais de 2012, que elegeu os candidatos ao cargo de prefeito e vereador

de cada município do Brasil.

MUDANÇAS NO CENÁRIO POLÍTICO BRASILEIRO, OS NOVOS CASOS DE

INELEGIBILIDADE PREVISTOS PARA A ELEIÇÃO DE 2012

A elegibilidade é a adequação do cidadão ao regime jurídico constitucional e

legal complementar do processo eleitoral, consubstanciada no não preenchimento de

requisitos negativos (as inelegibilidades) no momento do registro de sua candidatura,

razão pela qual inexiste direito adquirido a candidatar-se, mas, ao revés, mera

expectativa de direito que deve ser legítima14.

As condições de inelegibilidade estavam previstas na Lei Complementar n.

64/90, sendo que outras hipóteses foram acrescidas pela Lei da Ficha Limpa, em 2010,

sendo que a primeira eleição após o início da vigência desta Lei foi à eleição municipal

de 2012.

Além dos casos de inelegibilidade já existentes previstos na LC nº 64/1990, a

nova lei acrescentou novos de inelegibilidade, dentre elas: o prazo de impedimento

para o candidato voltar a concorrer foi estendido.

No art. 14, § 9º da CRFB/88 está previsto que a lei complementar irá

estabelecer os casos de inelegibilidade do candidato, assim como os prazos de sua

cessação15.

A doutrina leciona que a inelegibilidade poderá ser absoluta ou relativa. A

absoluta refere-se ao impedimento para concorrer a qualquer eleição e para qualquer

cargo político, considerando neste caso também os analfabetos e não alistáveis,

conforme previsto na CRFB/8816.

A inelegibilidade relativa, em contrapartida, prevê restrições ao candidato para

concorrer em certos cargos seletivos por conta de alguma situação específica em que

ele se encontra na época das eleições17.

A Lei da Ficha Limpa estabeleceu que são considerados inelegíveis para

qualquer cargo:

O Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito

e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da

Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do

Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8

(oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos. Pela

Lei Complementar n. 64/90 era considerando período remanescente os 3(três) anos

subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos, agora serão

8(oito) anos.

Serão inelegíveis também aqueles que tenham contra sua pessoa

representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em

julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder

econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados,

bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes – além de ampliar de

3(três) para 8(oito) anos, a nova redação permitiu o reconhecimento da inelegibilidade

por decisão proferida por órgão colegiado que não tenha necessariamente transitado

em julgado.

A Lei da Ficha Limpa determinou também que serão considerados inelegíveis

os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo

de 8 (oito) anos. Neste caso ampliou-se também o prazo de 4(quatro) para 8(oito)

anos.

Em sintonia com a nova legislação passou a ser causa de inelegibilidade

também os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções

públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de

improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se

esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se

realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão.

São inelegíveis também os detentores de cargo na administração pública

direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do

poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em

julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou

tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos

seguintes.

Outras são as hipóteses que caracterizam a inelegibilidade materializada pela

Lei da Ficha Limpa, que ampliou consideravelmente o rol das situações que vedam a

participação do processo eleitoral de pessoas que respondem ou já responderam por

condutas consideradas ofensivas a moralidade, com o objetivo de proteger a

probidade administrativa.

A INELEGIBILIDADE E OS CASOS JULGADOS PELO PODER JUDICIÁRIO NAS

ELEIÇÕES DE 2012

Considerando que a Lei da Ficha Limpa foi aprovada em meados de 2010, a

primeira eleição que passou a considerar as novas hipóteses de inelegibilidade foi à

eleição de 2012 e neste sentido constata-se a existência de poucas decisões sobre o

tema, mas por outro lado, identifica-se um terreno fértil para novas pesquisas,

considerando a quantidade de processos que ainda serão julgados sobre a matéria.

Neste sentido, apurando o que o Poder Judiciário já julgou sobre a aplicação

da Lei da Ficha Limpa, identifica-se de forma exemplificativa que:

É causa de inelegibilidade a rejeição das contas relativas ao exercício de

cargos ou funções públicas por irregularidade insanável que configure ato doloso de

improbidade administrativa. Para o TSE a nova redação não afasta a competência da

Câmara Municipal para julgar as contas de prefeito18, ainda que este seja ordenador de

despesas, considerando-se a expressa disposição do art. 31 da CF/8819.

Também decidiu o TSE, ao julgar em 25/08/2010, o primeiro caso concreto

relativo à Lei 135/2010, que os prazos de inelegibilidade previstos pela nova lei

aplicam-se a condutas anteriores à sua vigência. Prevaleceu nesse julgamento o

entendimento de que a inelegibilidade não é uma pena e que, por essa razão, não

haveria ofensa ao princípio constitucional da irretroatividade da lei20.

Quanto ao princípio da anualidade, previsto no art. 16 da CRFB/88 que

consagrou que “a lei que altere o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua

publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data da sua vigência”,

entendeu o TSE que “[...] esta Corte, em sessão do dia 10.6.2010, ao responder a Consulta

RO 1120-26.2010.6.00.0000/DF, de relatoria do Min. Hamilton Carvalhido, entendeu que as

inovações trazidas pela Lei Complementar n. 135/2010 têm natureza de norma eleitoral

material e, por isso, não esbarram no óbice contido no dispositivo constitucional invocado”.

Neste sentido, o TSE decidiu que as inovações trazidas pela LC n.135/2010

não alteram o processo eleitoral e, por isso, a sua incidência às eleições do corrente

ano não implica violação ao princípio da anualidade, insculpido no art. 16 da

Constituição Federal.

Quanto à inelegibilidade decorrente de parentesco que objetiva a evitar que o

parente seja o sucessor imediato do anterior ocupante do respectivo cargo eletivo, o

STF já assentou que "Se a separação judicial ocorrer em meio à gestão do titular do

cargo que gera a vedação, o vínculo de parentesco, para os fins de inelegibilidade,

persiste até o término do mandato, inviabilizando a candidatura do ex-cônjuge ao pleito

subsequente, na mesma circunscrição, a não ser que aquele se desincompatibilize seis

meses antes das eleições"21.

Constata-se que as decisões materializam a vontade popular que ao propor o

projeto de lei buscou moralizar e conscientizar tanto os eleitores, quanto os nossos

futuros representantes.

A EFETIVIDADE E A IMPORTÂNCIA DO CARÁTER SOCIAL DA LEI DA ‘FICHA

LIMPA’ COMO FORMA DE BANIR A CORRUPÇÃO ELEITORAL

Até que ponto a Lei da ‘Ficha Limpa’ alcançou sua efetividade nessa primeira

eleição em que passou a vigorar. Torna-se preciso interpretar estas indagações a partir

do caráter social que pede o assunto abordado. Afinal, as respostas dessas perguntas

não estão estampadas nos livros, e sim no ambiente social em que vive a população. E

neste sentido, afirma Habermas:

Quando se entende a lei como uma norma geral que obtém validade através do assentimento da representação popular, num procedimento caracterizado pela discussão e pela esfera pública, nela se unem dois momentos: o poder de uma vontade formada intersubjetivamente e o da razão do processo legitimador. A lei democrática passa então a ser caracterizada através da combinação da arbitrariedade de decisões judiciais com a não-arbitrariedade de seus pressupostos procedimentais. O que garante a justiça da lei é a gênese democrática e não os princípios jurídicos a priori, aos quais o direito deveria corresponder22.

Desde a propositura do projeto de lei era nítida uma sensação única daqueles

que se mostravam favoráveis à lei, milhões de pessoas unidas pelo fim da moralização.

O site oficial da Ficha Limpa traz uma matéria com os dados já divulgados a respeito

do índice dos candidatos barrados pela LC nº 135/2010. Segundo a pesquisa, o Ceará

é o Estado com o maior número de candidaturas barradas, somando um total de 209

nomes, compondo a lista, segue o Estado de Minas Gerais, com 152

enquadramentos. E o Estado de Santa Catarina apresentou 38 candidaturas

impugnadas23.

A efetividade da Lei da ‘Ficha Limpa’ trouxe a satisfação popular, tendo em

vista que, para uma maioria, esta lei traz uma segurança jurídica e social, quando

incapacita que o candidato se eleja ou reeleja. No contexto histórico atual essa lei

trouxe uma fortificação e renovação a democracia, conscientizando os brasileiros sobre

a soberania social conquistada através do direito ao voto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Identificou-se que a Lei da Ficha Limpa é fruto a iniciativa popular. Um projeto

de iniciativa popular possibilita ao povo a apresentação de um projeto de lei.

A CRFB/88 estabeleceu que os casos de inelegibilidade serão regulamentados

por lei complementar. Neste sentido, foi aprovada a Lei Complementar n. 64/90 que

estabeleceu os casos de inelegibilidade e os prazos de cessação, dentre outras regras

afetas ao processo eleitoral. Em 04 de junho de 2010 foi publicada a Lei Complementar

n. 135 - “Lei da Ficha Limpa” que ampliou significativamente as hipóteses de

reconhecimento de inelegibilidade.

A primeira eleição que passou a considerar as novas hipóteses de

inelegibilidade foi à eleição de 2012 e neste sentido constata-se a existência de poucas

decisões sobre o tema, mas por outro lado, identifica-se um terreno fértil para novas

pesquisas, sendo que as decisões comprovam que o Poder Judiciário decidiu por

garantir maior amplitude à aplicação da Lei da Ficha Limpa, reconhecendo o interesse

popular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15.Nov. 2012.

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http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=564265>. Acesso em: 17. Jul. 2012. TSE - Acórdão de Recuso Especial Eleitoral n. 291-35.2012.6.26.0070. Relator originário: Marco Aurélio. Redator para o acórdão: Ministro Luiz Fux. Recorrente: Marcos Almeida Camarinha (Advogados: Estevan Luís Bertacini Marino e outros). Recorrido: Ministério Público Eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.jus.br>. Acesso em 14.Nov. 2012. TSE – Recurso Especial Eleitoral n. 2454-72.2010.6.11.0038 - SANTO ANTÔNIO DO LEVERGER – Mato Grosso. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:tribunal.superior.eleitoral;plenario:acordao;respe:2011-09-15;respe-245472>. Acesso em: 15. Nov. 2012.

1 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. E-mail: [email protected].

2 Professora do Curso de Direito e do Curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí – Univali; Procuradora Institucional da Fundação Universidade do Vale do Itajaí; Mestre em Ciência Jurídica pela Univali; Concluiu os Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu, em nível de especialização, em Direito Penal Empresarial pela

Univali (2003) e Especialização em Preparação à Magistratura Federal pela Univali (2004). E-mail: [email protected]. 3 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p.

553. 4 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 553. 5 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15.Nov. 2012. 6 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 553. 7 No sistema bicameral, adotado no Congresso Nacional, uma Casa será a Casa Iniciadora e se aprovado o projeto este será remetido a análise da Casa Revisora. No processo legislativo de iniciativa popular a Casa Iniciadora será a Câmara dos Deputados, nos termos da CRFB/88, art. 61, § 2°. 8 Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Campanha Ficha Limpa: uma vitória da sociedade. Disponível

em: <http://www.mcce.org.br>. Acesso em: 02. Set. 2012. 9 JUNIOR, Ophir Cavalcante, COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Ficha Limpa: A Vitória da Sociedade. Comentários à Lei Complementar 135/2010. Disponível em: <www.oab.org.br/pdf/FichaLimpa.pdf>. Acesso em:

15.Nov.2012. 10 BRASIL. Constituição (1988). Lei Complementar nº 135 de 04 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar

no. 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp135.htm> .Acesso em: 15. Nov . 2012. 11PEREIRA. Erick. A Inconstitucionalidade da Lei da ‘Ficha Limpa’. Último segundo: Eleições. Acesso em: 15. Nov.

2012. 12 JUNIOR, Ophir Cavalcante, COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Ficha Limpa: A Vitória da Sociedade. Comentários à Lei Complementar 135/2010. Disponível em: <www.oab.org.br/pdf/FichaLimpa.pdf>. Acesso em:

15.Nov.2012. 13 MARQUES, Luciana. STF chancela Lei da Ficha Limpa, que valerá em 2012. Disponível em

<veja.abril.com.br.>. Acesso em: 02/09/2012. 14 TSE - Acórdão de Recuso Especial Eleitoral n. 291-35.2012.6.26.0070. Relator originário: Marco Aurélio. Redator para o acórdão: Ministro Luiz Fux. Recorrente: Marcos Almeida Camarinha (Advogados: Estevan Luís Bertacini Marino e outros). Recorrido: Ministério Público Eleitoral. 15 BRASIL, Constituição (1988). Art. 14, § 9º da Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional

de Revisão nº 4, de 1994). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm#art1c> . Acesso em: 16. Nov. 2012. 16 SIQUEIRA, Leonardo Guimarães. NEVES, André Santana. Afinal de Contas, o que é a Lei da Ficha Limpa?

Disponível em: <www.jus.com.br>. Acesso em: 17. Jul. 2012. 17 SIQUEIRA, Leonardo Guimarães. NEVES, André Santana. Afinal de Contas, o que é a Lei da Ficha Limpa?

Disponível em: <www.jus.com.br>. Acesso em: 17. Jul. 2012. 18 Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. § 1º - O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver. § 2º - O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal. 19 Ac. de 13.11.2012 no AgR-Respe n° 195-36.2012.6.05.0189/BA, Rel. Min. Nancy Andrighi. 20 TSE – Recurso Especial Eleitoral n. 2454-72.2010.6.11.0038 - SANTO ANTÔNIO DO LEVERGER – Mato Grosso. 21 STF - RE n. 568596/MG, DJE de 21.11.2008, ReI. Min. Ricardo Lewandowski. 22 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

p. 235.

23 FICHA LIMPA / ABRACCI - Articulação Brasileira Contra a Corrupção e a Impunidade. Disponível em: <http://www.fichalimpa.org.br/index.php/noticias/detalhar/16>. Acesso em: 16. Nov. 2012.