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Análise Hermenêutica das Decisões do
Ministro Dias Toffoli sobre Interceptação Telefônica
Resumo:
A Hermenêutica Constitucional no âmbito do moderno constitucionalismo democrático é um
dos instrumentos para proteção e efetivação de direito fundamentais. Nesse âmbito a
Jurisdição Constitucional assume papel de preservação de garantias fundamentais e
manutenção da força normativa da Constituição, premissa básica a consolidação de uma
democracia constitucional. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, diante do seu caráter
híbrido, as decisões prolatadas enquanto Corte Constitucional exercem papel vinculante e
também simbólico sobre a Administração Pública e a Sociedade. A mitificação da segurança
através do Direito Penal e a sofisticação do aparato investigativo policial e do Ministério
Público, o encarceramento de pessoas outrora não atingidas pela Justiça Criminal geram
novas demandas interpretativas. O Habeas Corpus tornou-se o meio de maior efetividade para
impedir abusos e materializar direitos. Desse modo, no STF esse remédio adquire máxima
ressonância e as decisões proferidas pelos Ministros tornam-se referência para proteção aos
direitos fundamentais. Nesse contexto, foram selecionados cinco Habeas Corpus que
versavam principalmente sobre Interceptação Telefônica, todos sob a relatoria do Ministro Dias
Toffoli, a fim de se discutir os métodos de interpretação utilizados, a argumentação jurídica
construída, o grau de adequação da decisão e as possíveis lacunas e contradições teóricas
apresentadas.
Palavras-chaves: Hermenêutica, Habeas Corpus, Interceptação Telefônica.
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Análise Hermenêutica das decisões do
Ministro Dias Toffoli sobre Interceptação Telefônica
Vinicius Lúcio de Andrade1
1. Introdução
A Hermenêutica Constitucional tem tido papel fundamental na
consolidação das democracias constitucionais modernas: defendendo as
instituições dentro dos parâmetros do Estado de Direito, protegendo e
concretizando direito fundamentais, fornecendo soluções jurídicas
historicamente adequadas, enfatizando a supremacia normativa da
constituição, pluralizando a interpretação constitucional através da abertura
para múltiplos intérpretes, procurando compreender e construir decisões para
uma sociedade pluralista, global e dinâmica.
Todavia, o cenário principal destas discussões jurídicas tem sido os
Tribunais Constitucionais, em âmbito nacional, o Supremo Tribunal Federal tem
realizado um trabalho com forte configuração teórica pós-positivista utilizando
métodos hermenêuticos e princípios interpretativos modernos para o contexto
nacional. Dessa forma, concedeu-se ao Poder Judiciário grandiosa força
institucional através de suas decisões o que tem levado a uma “sobrecarga”
sobre o mundo do Direito, do qual se exige aos juízes constitucionais uma
produção de decisões jurídicas capazes de gerar solução de conflitos e ao
mesmo tempo serem dotadas de legitimidade sem usurpar as funções e
prerrogativas dos demais poderes da República.
Nesse contexto, as decisões do Supremo Tribunal Federal e dos
seus ministros são grandes parâmetros para estudos hermenêuticos
relevantes, pois são estas decisões que balizarão os agentes estatais quando
1 Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista
em Direito Fundamentais e Democracia pela Universidade Estadual da Paraíba. Investigador da Polícia Civil do Estado da Paraíba.
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ausentes um aparato normativo necessário às diversas e múltiplas questões
surgidas no mundo da vida que necessitam de intervenção jurídica.
Neste artigo, serão analisadas as decisões sobre Interceptação
Telefônica sob a ótica do Ministro Dias Toffoli em processos sob sua relatoria,
para isto serão utilizados cinco Habeas Corpus impetrados no STF oriundos de
vários estados do Brasil, versando sobre vários aspectos das interceptações
telefônicas. Todavia, a análise se deterá aos seguintes aspectos: Qual ou quais
os métodos hermenêuticos utilizados nas decisões? A partir disso, foram
produzidas decisões adequadas? Quais as razões jurídicas e os parâmetros
interpretativos utilizados para construção da justificação jurídica nestes votos
do Ministro Dias Toffoli?
2. Novos Paradigmas da Hermenêutica Constitucional
Primeiramente é necessários construir algumas idéias de substrato
teórico a fim de embasar a análise que será feita posteriormente. É inviável
compreender as decisões do Supremo Tribunal Federal no panorama da
hermenêutica jurídica sem expor alguns conceitos e mudanças paradigmáticas
ocorridas.
A Constituição Federal de 1988 é um produto político-jurídico da
nossa sociedade democrática que precisar ser reafirmada e defendida
constantemente. A Hermenêutica Constitucional é um dos instrumentos da
ciência jurídica para mantê-la viva, atual e capaz de sustentar todo o
ordenamento jurídico de forma satisfatória, um desafio cotidiano imposto a toda
sociedade, mas principalmente aos juízes constitucionais2, pois são estes que
interpretaram e dirão o que é o direito e qual o sentido e alcance que deve ser
dado aqueles conteúdo normativo constitucional ou aos conteúdos jurídicos
infraconstitucionais tomando-se como parâmetro interpretativo as normas
constitucionais.
O modelo hermenêutico que dominou o Direito Constitucional
durante a maior parte do século XX foi o modelo kelseniano, essencialmente
2 Aqui refiro-me as todos os juízes, desde da primeira instância até os tribunais superiores, ou seja, em
um sentido amplo da expressão.
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positivista, apesar de ser uma evolução aos modelos interpretativos
tradicionais, pois “ao afirmar uma multiplicidade de significados da ordem
jurídica, afastando-se da busca da “verdade hermenêutica”, Kelsen amplia os
horizontes da Teoria do Direito”3. Apesar dessa abertura construída a partir dos
estudos de Hans Kelsen, esta sofre limitações ao desenvolvimento devido ao
“princípio metodológico fundamental” imaginado por Kelsen como paradigma
ideal a interpretação jurídica, a partir dele concebe-se o Direito apenas como o
conhecimento das normas jurídicas, ou seja, “as proposições jurídicas nada
mais são que exteriorizações da interpretação de normas jurídicas”4. A grande
herança desse paradigma de interpretação foi à perspectiva que a norma
jurídica comporta várias significações verbais e, portanto, não há apenas uma
resposta correta para determinado problema jurídico.
No cenário histórico-jurídico do século XX, um período
extremamente conturbado e repleto de extremos5. Crise do Capitalismo,
Guerras Mundiais, Globalização econômica, Neoliberalismo, Guerra Fria.
Concomitante a isto, surgiu a Organização das Nações Unidas, a formação
embrionária da União Européia, o Estado de Bem-Estar Social, a derrota do
nazi-facismo.
Nesse contexto, houve uma “refundação jurídica”6 dos países
europeus através do Constitucionalismo depois da Segunda Guerra Mundial.
Segundo Barroso, na segunda metade do século XX, foi exatamente o
Constitucionalismo o responsável pela reaproximação entre Direito e Ética -
afastamento outrora promovido pelo normativismo jurídico - através da
multiplicidade de instrumentos oferecidos pelo Direito, então a Filosofia e a
Ética forneceram uma série de princípios e produtos humanísticos que
passaram a serem inseridos nas Constituições.7
3 COELHO, Fábio Ulhôa. In Direito, Cidadania e Justiça: Ensaios sobre Lógica, Interpretação, Teoria,
Sociologia e Filosofia Jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.58 4 COELHO, Fábio Ulhôa. In Direito, Cidadania e Justiça: Ensaios sobre Lógica, Interpretação, Teoria,
Sociologia e Filosofia Jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.53 5 HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia da Letras, 1995, p.18.
6 Não essencialmente através de uma nova Constituição como aconteceu com Espanha, Portugal, Itália e
Grécia, mas na forma interpretar e enxergar a Constituição no interior do sistema jurídica e na própria concepção de nação. 7 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Éticos e Filosóficos do Direito Constitucional Brasileiro.
Disponível em <www.luisrobertobarroso.com.br>. Acesso em 03.11.2012.
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Segundo Paulo Bonavides, o Direito Constitucional até 1950 era um
direito sem interpretação, na qual havia uma ausência total da hermenêutica
como instrumento para enriquecimento teórico e formação de uma nova visão
acerca da Constituição.8 Desse modo, foi a consolidação da Hermenêutica
Constitucional de forma latente em um espaço jurídico e de poder bem
específico, os Tribunais Constitucionais que permitiu alguns resultados: a
criação científica de um Novo Direito Constitucional, a inauguração de dois
ramos complementares de interpretação, originais e autônomos, uma da
própria constituição, com grande amplitude, e outra mas restrita, a
interpretação dos direitos fundamentais.9
Essa criação judicial do Direito na perspectiva de Hans-Georg
Gadamer, o qual entende que compreender é aplicar, significa pensar a lei e o
caso conjuntamente, assim o sentido geral de uma norma apenas poderá ser
limitado e determinado quando cuida-se de sua concretização10. Essa visão da
interpretação nunca ensejar de um ataque ao parlamento, este sim, criador da
norma jurídica por excelência nos moldes clássicos da tripartição de poderes.
Todavia, segundo Inocêncio Mártires Coelho, a interpretação criadora é uma
atividade legítima, inclusive desenvolvida pelos magistrados “naturalmente”11
no curso do processo de aplicação da norma jurídica, e não deveria se
encarado como um procedimento marginal ou subversor da lei.12 Essa atuação
política13 do judiciário é necessária para responder a “sobrecarga” colocada
sobre o Direito, o moderno Estado constitucional através das Côrtes
Constitucionais necessita desse alargamento de concepção que supere o
dogma da rígida tripartição de poderes. Na visão de Habermas a problemática
central desta temática reside na instrumentalização da política com finalidade
8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.595.
9 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.598.
10 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método, São Paulo: Vozes, 2004, p.380 e 396
11 Discutível essa perspectiva de “naturalidade” se constatarmos que o direito não é uma produção
natural, mas um fenômeno cultural gestado majoritariamente sob a órbita do Estado a fim de responder demandas sociais. 12
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.117 13
Segundo Paul Ricoeur, não existe locais apolíticos e também “não-ideológicos” nas nossas sociedades e esta concepção em si mesmo já é uma perfilhação política. (RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.)
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de regulação do mundo político, o que sobrecarrega a estrutura do meio
jurídico, assim dissolve a vinculação entre a política e a realização de direitos.14
Cabe, entretanto, explicitar o entendimento de Mauro Cappelletti,
uma coisa é a inevitável criação judicial do Direito, contexto de controvérsias e
conflitos interpretativos, outra bem diferente é admitir os juízes como autênticos
legisladores esquecendo-se de todos os procedimentos processuais e
processos de natureza políticas consolidados há vários séculos.15 Constata-se
como é tênue esse limite entre interpretação criadora e arbítrio judicial ao
legislar através das sentenças e decisões proferidas, o primeiro consolida o
estado-democrático constitucional e o segundo subverte os princípios
democráticos e secundariza o poder do povo.
O novo papel da jurisdição constitucional é afirmar a força normativa
da constituição, a dinamicidade do Direito, através da possibilidade de oferecer
respostas jurídicas céleres para as demandas urgentes da sociedade.
Respostas estas difíceis de serem construídas em curto prazo e com a
completude necessária pelo Poder Legislativo. Essa sobrecarga submetida a
mundo do Direito terá como teatro das relações de poder as demandas
submetidas ao Tribunal Constitucional, numa visão diferenciada da tripartição
dos poderes, tornam-se legítimos construtores do equilíbrio institucional, social
e político através das decisões prolatadas.
3. Aspectos Sócio-Jurídicos da Interceptação Telefônica
O Supremo Tribunal Federal tem desempenhado importante papel
construindo decisões inovadoras e dotadas de grande legitimidade social, isto
é, porque as decisões tem encontrado grande ressonância na sociedade,
inclusive naquelas contra-majoritárias onde são atendidos os direitos das
minorias. Além disso, tem-se decidido no entendimento de que “o direito é
produto histórico, cultural, está em contínua evolução.”16
14
HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade II. 2ª edição São Paulo: Editora Tempo Brasileiro, p.182 15
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p.75-78. 16
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2008, 7ª edição, p.22
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Ora, as demandas mais sensíveis são submetidas ao STF,
principalmente as divergências no campo do Direito Penal e Processual Penal,
afinal, devido a liberdade ser um bem jurídico essencial aos demais.
Simultâneo a isto, percebe-se uma maior envergadura das investigações
criminais no contexto brasileiro, em parte estimulado pelo mito da segurança
através do Direito Penal, e em outro sentido, pela profissionalização das
Polícias somada ao aumento das atividades investigativas desenvolvidas pelo
Ministério Público.
Nesse cenário, houve uma massificação de um instrumento de
facilitação do trabalho investigativo, a Interceptação Telefônica, fato este
coerente diante da intensificação das comunicações entre as pessoas devido
às necessidades mercadológicas, potencializado pela grande oferta dos
serviços de telefonia após as privatizações na década de 1990. Desse modo, a
dinamicidade do fenômeno criminoso subjacente à sociedade utiliza-se das
facilidades tecnológicas para multiplicar dividendos e expandir seus negócios.
A Constituição delimita as possibilidades de violação das comunicações
telefônicas para fins de investigação criminal em situações específicas e sob
fundada justificativa, sempre através de autorização judicial específica.
Há na legislação infraconstitucional a Lei nº 9.296/96, esta por sua
vez regulamentou o art. 5º, inciso XII da Constituição Federal. Ou seja, até a
edição desta lei o STF entendia pela impossibilidade da interceptação
telefônica, mesmo com autorização judicial, diante da não-recepção do art.57,
II, e da Lei nº 4117/62(Código Brasileiro de Telecomunicações)17, ou seja, uso
dessa tecnologia é um cenário muito recente nos parâmetros de nossa
democracia constitucional, portanto motivo de constantes apreciações pelo
STF dos limites e possibilidades da utilização desse instrumento a fim de não
permitir violações de direito fundamentais.
Ora, a Lei 9.296/96 possui vários vazios e conceitos imprecisos,
além de seu progressivo anacronismo diante das meteóricas mudanças
tecnológicas nos serviços de telefonia. Essas diferenças profundas entre
17
A Constituição e o Supremo. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/Completo.pdf>.
Acesso em 10.11.2012.
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previsões legais estritas e o mundo da vida, entre a multiplicidade de situações
fáticas e há ausência de soluções jurídicas precisas. Assim, dentre várias
lacunas e limitações teóricas do positivismo jurídico, duas questões são
enfatizadas por Eros Grau. A primeira, não admitir a existência de lacunas e
não reconhecer nos princípios caráter de norma jurídica; a segunda, a
presença de dificuldades insuperáveis para os “conceitos indeterminados”,
normas penais em branco e as formulações jurídicas onde é necessário o uso
de valorações.18 Ainda acrescenta Luis Roberto Barroso e aponta como
subprodutos do positivismo jurídico: o fetiche da lei e o legalismo acrítico,
subprodutos estes que serviram de disfarce para autoritarismos de tipos
variados, destacando que o encerramento do debate sobre a justiça na
positivação da norma teve um caráter legitimador da ordem estabelecida:
“qualquer ordem”.19
Portanto, diante dessa insuficiência teórica do positivismo a
Hermenêutica Constitucional vivenciada e construída pelo STF após a
Constituição de 1988 procura realizar decisões de equilíbrio entre a
necessidade de proteção da intimidade e da vida privada de qualquer cidadão,
inclusive aqueles submetidos à investigação criminal a fim de materializar as
previsões constitucionais dotando-as de juridicidade e efetividade. E em outro
aspecto, possibilitar meios legítimos e limitados para otimização da persecução
penal, partindo da premissa da inexistência de direitos fundamentais absolutos.
4. Análise Hermenêutica dos Habeas Corpus acerca do tema
“Interceptação Telefônica” no STF pelo Ministro Dias Toffoli
O Habeas Corpus é um remédio constitucional de larga utilização
para que demandas e situações complexas no âmbito da constitucionalização
do Processual Penal brasileiro. Houve uma escolha metodológica de analisar
juridicamente, sob enfoque, hermenêutico especificamente, cinco Habeas
18
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2008, 7ª edição, p.31 19
BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Éticos e Filosóficos do Direito Constitucional Brasileiro. Disponível em <www.luisrobertobarroso.com.br>. Acesso em 03.11.2012.
9
Corpus julgados pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal que tiveram
como relator o Ministro Dias Toffoli. São os seguintes: Habeas Corpus nº
95.244/PE(2010), Habeas Corpus nº 101.584/SP(2011), Habeas Corpus nº
102.601/MS(2011), Habeas Corpus nº 103.418/PE(2011), Habeas Corpus nº
106.129/MS(2012).
A primeira constatação é o caráter cambiante do STF devido à
condição de não ser apenas uma Côrte Constitucional afeita a apenas decisões
jurídicas estratégicas, mas também um Tribunal que decide questões em grau
recursal atraindo não só uma quantidade imensa de processos, bem como
reiterando uma série de decisões já tomadas pelo Superior Tribunal de Justiça.
Nos Habeas Corpus analisados a análise do Supremo não ultrapassou os
limites gerais das decisões proferidas pelo STJ.
No Habeas Corpus nº 95.244/PE de 2010, o cerne da discussão
situava-se em torno da impossibilidade de denúncia anônima por si só ensejar
a abertura de inquérito policial, bem como interceptação telefônica. O
entendimento predominante já consolidado seria da necessidade de
“diligências mínimas” para esclarecimento se as denúncias realizadas sob
anonimato eram materialmente verdadeiras. Todavia, o foco específico
encontrava-se na dificuldade de precisar quais seriam as “diligências mínimas
preliminares”. No caso específico, policiais federais receberam denúncias
anônimas acerca de várias condutas ilícitas praticadas por oficiais de justiça da
Comarca de Caruaru, no estado de Pernambuco, após isto, verificaram se
aqueles apelidos e nomes constantes nas denúncias eram realmente oficiais
de justiça. As diligências preliminares resumiram-se a essa rápida identificação
dos possíveis autores do delito, partindo-se logo depois para um pedido de
interceptação telefônica.
O voto do Ministro Dias Toffoli é um resumo da decisão do STJ
sobre a mesma situação específica, somada a algumas de Ministros do STF e
da Procuradoria Geral da República sobre o tema, inclusive citadas
literalmente, não há uma articulação entre as idéias ou comentários, apenas
posteriormente na fase de debates ficaram explícitas as premissas do voto-
relator. Ora, aponta que havia um procedimento administrativo de investigação
por improbidade no âmbito do Ministério Público e inclusive um interrogatório
10
de uma das investigadas confirmava o recebimento de vantagens indevidas
para realização de diligências; também afirma ter iniciado sua linha de
raciocínio pela Teoria dos frutos da árvore envenenada para apreciar se as
provas colhidas eram imprestáveis.
Todavia, expõe de maneira clara: “Mas o que eu apontei aqui, e por
isso não coloquei esses dados da consequência no meu voto,(...).”20 Na
verdade, as reais razões das suas escolhas jurídico-teóricas não foram
expostas em catorze páginas de relatório, somente após o debate isto ficou
claro. Uadi Lammêgo Bulos lembra que em um Estado Democrático de Direito
as decisões judiciais devem ter fundamentos normativos claros expostos
através da fundamentação jurídica do intérprete, “não basta dizer o que ele
“acha”, sem percorrer o caminho longo e acidentado que o conduzirá a
determinada conclusão”21
Outro nuance do voto proferido, cerra-se durante os debates expôs
sua argumentação partindo de problemas vivenciados quando ainda exercia
funções na Advocacia Geral da União com respeito à regulamentação dos
procedimentos administrativos de investigação no âmbito daquela instituição.
Nesse sentido fez uma abordagem interessante através de uma metodologia
próxima ao método tópico-problemático, dando ênfase ao caráter prático da
interpretação constitucional, e através de uma variedade de sentidos
percebidas pelos diversos intérpretes pôde escolher a interpretação mais
conveniente ao problema.22
Quanto ao Habeas Corpus nº 101.584/SP de 2011 não há
divergências relevantes a serem discutidas e analisadas, pois se tratava da
mera apreciação a respeito se a interceptação telefônica havia sido realmente
autorizada judicialmente. Mais um exemplo, da abrangente competência do
STF que cria graves distorções, a atração de casos de simples resolução,
inclusive já debatidos em outros órgãos judiciais colegiados.
O Habeas Corpus nº 102.601/MS de 2011 a interpretação do
Ministro-relator deu-se especificamente sobre as possibilidades e limites do art.
20
Habeas Corpus 95.244/PE , p.37 Ministro-relator Dias Toffoli 21
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, 6ª edição, p.442. 22
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 2008, p.377.
11
5º da Lei 9.296/96 onde o texto legal refere-se expressamente a 15 dias,
prorrogável por mais 15 dias, comprovada a indispensabilidade do meio de
prova. No caso apreciado, havia uma complexidade de condutas delitivas
sendo investigadas associado ao grande número de pessoas, condições estas
segundo o STF23 somadas a fundamentada decisão judicial adequada
possibilitaram sucessivas prorrogações da interceptação telefônica.
A Turma decidiu unanimemente, o voto proferido pelo Ministro Dias
Toffoli apesar de conciso, foi construído de uma maneira mais rica quanto ao
aspecto argumentativo e as fontes utilizadas se comparado aos Habeas
Corpus anteriores reportou-se não apenas a jurisprudência dos tribunais
superiores, mas também as lições do penalista brasileiro Guilherme Souza
Nucci. Neste caso, seguiu postulados da metódica jurídica normativo-
estruturante que compreende o texto de um preceito jurídico positivo é apenas
a parte a priori observável de um iceberg, rompe com a idéia de identidade
entre norma e texto normativo, e considera a necessidade de compreensão do
âmbito normativo e do programa normativo a fim de construir a norma de
decisão.24
Em uma hipótese de utilização de uma metódica atrelada ao
normativismo positivista, a decisão jurídica formulada fora do estrito quadro
moldurado – decretação da interceptação por 15 dias, prorrogável por mais 15
dias, ou seja, jamais os 30 dias de forma direta e renovando este período após
as devidas e fundamentadas autorizações judiciais - pelo texto legal seria
inviável e não seria pelo motivo de afirmar a Constituição ou os direitos
fundamentais amparados nela, mas apenas pela compreensão limitada da
correspondência identitária entre norma e texto normativo. Assim, bem afirma
Eros Grau ao dizer: “o que em verdade se interpreta não são os textos
normativos; da interpretação dos textos resultam normas não se identificam. A
norma é a interpretação do texto normativo.”25
23
HC 83.515/RS – Ministro-relator Nelson Jobim (04/03/2005) 24
FRIEDRICH, Muller. Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 103,105 e 115. 25
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 5ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006, p.03.
12
No Habeas Corpus nº 103.418/PE de 2011 a defesa alega que
houve subversão aos incisos I e II do art. 2º da Lei 9.296/96 quando a
interceptação telefônica foi decretada estavam ausentes dois requisitos: não
havia indícios de autoria e participação em infração penal; e as provas
poderiam ter sido obtidas através de outros meios disponíveis para que não
houvesse quebra do sigilo constitucional. O Ministro Dias Toffoli remeteu-se
estritamente as razões e fundamentos do STJ, isto é, argumentos expostos
exatamente na decisão atacada pelos defensores dos acusados.
O Ministro-relator expõe sucintamente: “Pelo que se tem na decisão
proferida pelo Superior Tribunal, não se vislumbra nenhuma ilegalidade
flagrante, abuso de poder ou teratologia que justifique a concessão da
ordem.”26 A apreciação feita pelo Relator apresenta razões apenas de cunho
retórico e utiliza três expressões jurídicas imprecisas. Esbarra-se na questão
crucial da discricionariedade do magistrado e na explicitação necessária para
construção da decisão, a exigência da racionalização e procedimentalização da
decisão, por mais que hajam elementos já pré-concebidos pelo julgador e um
certo teor de voluntarismo, um fenômeno inevitável ao decidir, todavia nos
parâmetros da hermenêutica constitucional contemporânea, a decisão judicial
deve ser embasada de forma clara veiculada através da linguagem jurídica.
Entretanto, a utilização de sinais e significados jurídicos permite o uso de
“jogos de linguagem”, expressão cunhada por Ludwig Wittgenstein, este por
sua vez queria demonstrar que sinais tinham um significado quando são
empregados, mas não só, o emprego deles ocorria em situações sempre em
situações concretas, estas possuíam uma natureza peculiar em cada caso,
evidenciada nos contexto dos vínculos de vida e das formas de vida.27 Neste
“jogo de significados jurídicos”, o Ministro Dias Toffoli procurar legitimar seu ato
jurisdicional, passaria despercebida à intenção do julgador se não fosse
utilizada as ferramentas da Hermenêutica e da Filosofia para dissecar
criticamente o conteúdo do acórdão.
Já em relação ao Habeas Corpus nº 106.129/MS de 2012, este
versa sobre a mesma controvérsia: a possibilidade de decretação da
26
HC 103.418/PE – Ministro-relator Dias Toffoli 27
BUCHHOLZ, Kai. Compreender Wittgenstein. São Paulo: Vozes, 2009, 2ª edição, p.79.
13
interceptação telefônica por 30 dias e suas sucessivas prorrogações. Remete-
se novamente o relator ao HC 83.515/RS do Ministro Nelson Jobim e constrói
seu voto idêntico ao HC 102.601/MS, já analisado neste artigo, inclusive
recorrendo as mesmas expressões jurídicas utilizados anteriormente.
Curiosamente nesse julgamento, a observação reside na incoerência
do voto apresentado pelo Ministro Marco Aurélio, este afirmando que o Habeas
Corpus deveria ser concedido, assim justificando-se: “a lei regedora da
espécie, cujos preceitos são cogentes e não dispositivos, é categórica ao
assinar o prazo de quinze dias, prorrogável – e está em bom vernáculo – por
idêntico período.” Ora, em idêntico caso, excetuando-se que neste estão
envolvidos policiais civis por isso dificultada torna-se ainda mais a colheita das
provas, o Ministro Marco Aurélio decidiu no HC 102.601/MS, pela
admissibilidade das sucessivas prorrogações e também pela concessão dos 30
dias diretamente e consecutivamente mediante ordem judicial. Uma
incongruência visível e também considera ainda ser uma “bisbilhotice” quando
da renovação da interceptação ainda não se descobriu nada de substancial. É
uma hermenêutica de viés normativista que não considera a amplitude da
problemática das investigações de organizações criminosas, onde se requer
prazos dilatados e paciência investigativa a fim de se formar um conjunto
probatório suficiente para deflagração da fase judicial do processo. A utilização
do método tópico-problemático poderia nesse caso subsidiar uma interpretação
mais adequada da Constituição sob uma perspectiva, de conceitos indefinidos
e uma textura aberta das normas constitucionais ao aplicar uma concepção
mais problemática do que sistemática.
5. Conclusão
Finalmente, retomam-se as questões levantadas no início do texto.
Foram utilizados basicamente dos métodos de interpretação: a metódica
normativo-estruturante e o método tópico-problemático. O primeiro foi utilizado
para transceder a interpretação jurídica além do texto normativo e estabelecer
uma norma de decisão ampla quanto as aspecto dos prazos para
interceptação, sendo de quinze ou de trinta, a depender das razões de âmbito
14
normativo presentes no caso específico. O segundo método tomou por
fundamento razões oriundas da problemática referentes a delimitação do que
seria o conjunto mínimo necessário de investigação a fim de superar a
denúncia anônima e utilizá-la como justificativa para quebra do sigilo das
comunicações telefônicas, devido a textura aberta da Constituição se buscou
exigir diligências preliminares, mesmo que reduzidas, para vencer total
imprestabilidade do anonimato para ensejar abertura de procedimento de
investigação e bem como medida respectiva quebra de sigilo.
É difícil perscrutar se a utilização destes dois métodos interpretativos
decorreu da habilidade hermenêutica do julgador, uma hipótese remota, ou
apenas transpareceu decorrente da interpretação jurisprudencial realizada
quando baseia-se largamente nas decisões dos Tribunais de Justiça, Tribunais
Regionais Federal e Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, conclui-se no
sentido da preponderância da interpretação jurisprudencial acima de qualquer
raciocínio ou articulação argumentativa jurídica densa por parte do Ministro
Dias Toffoli.
Ademais, as respostas judiciais, inclusive com a denegação de todos
os Habeas Corpus, foram adequadas na medida em que possibilitaram
proteger direito fundamentais, privacidade principalmente, sem torná-los
absolutos, impondo restrições quando os órgãos criminais possuam indícios
suficientes para requerer tais medidas judicialmente. Essa relativização de
direitos fundamentais é saudável dado o caráter rígido da nossa Constituição e
a necessidade de soluções judiciais rápidas as demandas sociais. O equilíbrio
entre proteção de direito fundamentais, liberdades individuais e segurança
coletiva são percebidos no posicionamento Ministro Dias Toffoli, este último de
forma apenas implícita nos seus votos.
Todavia, a grande lacuna verificada ao longo das decisões dos
Habeas Corpus, trata-se da pobreza argumentativa, insuficiente uso da
linguagem constitucional e a ausência de utilização de conceitos processuais
penais mínimos. Esta última razão deve ser pormenorizada devido a formação
e a trajetória do Ministro-relator não haver atuado nesse campo. Quanto as
outras duas lacunas estas devem ser enfatizadas. O valor da argumentação
para o Direito e para Hermenêutica Constitucional é deveras importante, pois
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está intrinsecamente ligada a legitimidade das decisões judiciais, se os
argumentos postos são reduzidos e insuficientes, a capacidade de legitimação
dessa decisão estará comprometida. A argumentação deve transcender a
lógica e a retórica, o conteúdo dos argumentos deve ser cuidadosamente
escolhido, pois são estes que transparecem como foi construído o processo de
tomadas das decisões. A segunda lacuna diz respeito a utilização insuficiente
da linguagem constitucional, dos princípios constitucionais, das normas
constitucionais, não há um reverenciamento, ora em parte se deve ao caráter
dúbio do STF, nestes casos como outrora já dito, atuou muito mais como
Tribunal Superior e com característica de instância recursal máxima. A
repetição de demandas idênticas desgasta os juízes constitucionais e suas
equipes, e os obriga a produzir em grande escala inúmeras decisões o que
afeta sensivelmente a qualidade e robustez delas.
Por fim, atente-se para a atualidade das decisões do Ministro Dias
Toffoli, pois não destoou da jurisprudência do Tribunal neste assunto. As
decisões foram previsíveis, produziu-se segurança jurídica, pobres quanto ao
aspecto argumentativo, o que afeta o processo de legitimação delas, pouco
inovadoras, pois foram basicamente decisões baseadas em interpretação
jurisprudencial. Portanto, a reflexão jurídica mais relevante a ser destacada
através deste artigo é a necessidade de decisões judiciais hermeneuticamente
densas, atualizadas, claras, historicamente adequadas, e são os juízes
constitucionais de maneira ampla os responsáveis mais diretos pela
materialização constitucional a partir de decisões judiciais adequadas e de
qualidade.
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