distrofias retinianas da infância: análise retrospectiva

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Arq Bras Oftalmol. 2004;67(6):867-76 Retinal dystrophies in childhood: Retrospective analysis Trabalho realizado no Serviço de Visão Subnormal do Hospital São Geraldo, Hospital das Clínicas da Uni- versidade Federal de Minas Gerais - UFMG. 1 Médica Oftalmologista, Fellow do Serviço de Visão Subnormal e médica do Serviço de Glaucoma do Hospi- tal São Geraldo, Hospital das Clínicas da Universida- de Federal de Minas Gerais - UFMG. 2 Chefe do Serviço de Visão Subnormal do Hospital São Geraldo, Hospital das Clínicas da Universidade Fede- ral de Minas Gerais - UFMG. 3 Médica Oftalmologista do Serviço de Glaucoma do Hospital São Geraldo, Hospital das Clínicas da Uni- versidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Endereço para correspondência: Heloisa Andrade Maestrini, Rua Maranhão 655 - Belo Horizonte (MG) CEP 30150-330 E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 01.03.2004 Aprovação em 23.07.2004 Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos à Dra. Rosane da Cruz Ferreira. Heloisa Andrade Maestrini 1 Luciene Chaves Fernandes 2 Ana Cláudia Monteiro Oliveira 3 Distrofias retinianas da infância: Análise retrospectiva Objetivos: Descrever o quadro clínico e os resultados dos exames comple- mentares dos pacientes portadores das seguintes distrofias retinianas: amaurose congênita de Leber (ACL), acromatopsia, distrofia de cones e distrofia mista, atendidos no Serviço de Visão Subnormal do Hospital São Geraldo da UFMG, no período de 1992 a 2003. Métodos: Análise retrospectiva dos prontuários de 40 pacientes, sendo 10 portadores de ACL, 17 com acromatopsia, 6 com distrofia de cones e 7 com distrofia mista. Resultados: A acuidade visual foi extremamente baixa na ACL, variando de 20/710 a percepção luminosa. Situou-se em torno de 20/200 na acromatopsia, 20/280 na distrofia de cones e 20/260 na mista. A alta hipermetropia foi o erro refracional mais comum na ACL, ao passo que a hipermetropia predominou na acromatopsia e na distrofia de cones e a miopia na mista. A fundoscopia mostrou-se alterada na maioria dos casos de ACL, distrofia de cones e distrofia mista e normal na maioria dos acromatas. A compressão óculo- digital e o enoftalmo foram exclusivos da ACL, ao passo que a fotofobia e a dificuldade na discriminação de cores predominaram nos outros grupos. O nistagmo e o estrabismo foram freqüentes em todos eles. O atraso no desenvolvimento neuro-psico-motor foi muito freqüente no grupo da ACL e quase ausente nos demais. A ACL apareceu associada a síndromes genéticas em 2 casos. Os sintomas da ACL e da acromatopsia se manifestaram ao nascimento ou no 1º ano de vida, ao passo que na distrofia de cones e na mista surgiram também em idades mais avançadas, porém não depois dos 10 anos. A consangüinidade e a história familiar positiva foram altamente prevalentes em todos os grupos. O ERG mostrou ausência de resposta na ACL, redução da resposta fotópica na acromatopsia e na distrofia de cones e redução difusa na mista. Os testes de visão de cores mostraram alterações principalmente na acromatopsia e na distrofia de cones. Conclusões: As distrofias retinianas da infância são um grupo heterogêneo de doenças que se manifestam por meio de sintomas inespe- cíficos. Uma análise cuidadosa dos sintomas, o exame oftalmológico completo e os exames complementares, principalmente ERG, testes de visão de cores e campo visual, podem ser úteis em seu diagnóstico. RESUMO Descritores: Baixa visão; Fotorreceptores de vertebrados; Defeitos da visão cromática; Cones (retina)/anormalidades, Retinite pigmentosa INTRODUÇÃO As distrofias retinianas são um grupo de doenças hereditárias que cursam com importante disfunção dos fotorreceptores (cones e/ou bastonetes). A distrofia mais conhecida e estudada é a retinose pigmentar, na qual os bastonetes são primariamente afetados, podendo ocorrer o acometimento mais tardio dos cones. Embora a retinose pigmentar possa se

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Arq Bras Oftalmol. 2004;67(6):867-76

Retinal dystrophies in childhood: Retrospective analysis

Trabalho realizado no Serviço de Visão Subnormal doHospital São Geraldo, Hospital das Clínicas da Uni-versidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

1 Médica Oftalmologista, Fellow do Serviço de VisãoSubnormal e médica do Serviço de Glaucoma do Hospi-tal São Geraldo, Hospital das Clínicas da Universida-de Federal de Minas Gerais - UFMG.

2 Chefe do Serviço de Visão Subnormal do Hospital SãoGeraldo, Hospital das Clínicas da Universidade Fede-ral de Minas Gerais - UFMG.

3 Médica Oftalmologista do Serviço de Glaucoma doHospital São Geraldo, Hospital das Clínicas da Uni-versidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

Endereço para correspondência: Heloisa AndradeMaestrini, Rua Maranhão 655 - Belo Horizonte (MG)CEP 30150-330E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 01.03.2004Aprovação em 23.07.2004

Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por suaanuência na divulgação desta nota, agradecemos à Dra.Rosane da Cruz Ferreira.

Heloisa Andrade Maestrini1

Luciene Chaves Fernandes2

Ana Cláudia Monteiro Oliveira3

Distrofias retinianas da infância: Análise retrospectiva

Objetivos: Descrever o quadro clínico e os resultados dos exames comple-mentares dos pacientes portadores das seguintes distrofias retinianas:amaurose congênita de Leber (ACL), acromatopsia, distrofia de cones edistrofia mista, atendidos no Serviço de Visão Subnormal do Hospital SãoGeraldo da UFMG, no período de 1992 a 2003. Métodos: Análise retrospectivados prontuários de 40 pacientes, sendo 10 portadores de ACL, 17 comacromatopsia, 6 com distrofia de cones e 7 com distrofia mista. Resultados:A acuidade visual foi extremamente baixa na ACL, variando de 20/710 apercepção luminosa. Situou-se em torno de 20/200 na acromatopsia, 20/280na distrofia de cones e 20/260 na mista. A alta hipermetropia foi o errorefracional mais comum na ACL, ao passo que a hipermetropia predominouna acromatopsia e na distrofia de cones e a miopia na mista. A fundoscopiamostrou-se alterada na maioria dos casos de ACL, distrofia de cones edistrofia mista e normal na maioria dos acromatas. A compressão óculo-digital e o enoftalmo foram exclusivos da ACL, ao passo que a fotofobiae a dificuldade na discriminação de cores predominaram nos outrosgrupos. O nistagmo e o estrabismo foram freqüentes em todos eles. Oatraso no desenvolvimento neuro-psico-motor foi muito freqüente nogrupo da ACL e quase ausente nos demais. A ACL apareceu associada asíndromes genéticas em 2 casos. Os sintomas da ACL e da acromatopsiase manifestaram ao nascimento ou no 1º ano de vida, ao passo que nadistrofia de cones e na mista surgiram também em idades mais avançadas,porém não depois dos 10 anos. A consangüinidade e a história familiarpositiva foram altamente prevalentes em todos os grupos. O ERG mostrouausência de resposta na ACL, redução da resposta fotópica na acromatopsiae na distrofia de cones e redução difusa na mista. Os testes de visão decores mostraram alterações principalmente na acromatopsia e na distrofiade cones. Conclusões: As distrofias retinianas da infância são um grupoheterogêneo de doenças que se manifestam por meio de sintomas inespe-cíficos. Uma análise cuidadosa dos sintomas, o exame oftalmológicocompleto e os exames complementares, principalmente ERG, testes devisão de cores e campo visual, podem ser úteis em seu diagnóstico.

RESUMO

Descritores: Baixa visão; Fotorreceptores de vertebrados; Defeitos da visão cromática;Cones (retina)/anormalidades, Retinite pigmentosa

INTRODUÇÃO

As distrofias retinianas são um grupo de doenças hereditárias quecursam com importante disfunção dos fotorreceptores (cones e/oubastonetes). A distrofia mais conhecida e estudada é a retinose pigmentar,na qual os bastonetes são primariamente afetados, podendo ocorrer oacometimento mais tardio dos cones. Embora a retinose pigmentar possa se

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manifestar em praticamente todas as faixas etárias, a maioriados pacientes começa a apresentar sintomas na adolescênciae início da idade adulta.

As outras distrofias retinianas que se manifestam na infân-cia são mais raras e, muitas vezes, de difícil diagnóstico.

A amaurose congênita de Leber (ACL) é a mais grave dasdistrofias retinianas com manifestação na infância, possuindoum padrão de herança autossômico recessivo. Caracteriza-sepor baixa acuidade visual (BAV) severa manifestada logo aonascimento ou no primeiro ano de vida(1). Inicialmente, o aspec-to fundoscópico costuma ser normal, mas, com o passar dotempo, apesar de a acuidade visual se manter estável, podemsurgir alterações, tais como dispersão difusa de pigmento, fun-do “em sal e pimenta”, atenuação das arteríolas, palidez donervo óptico e, eventualmente, edema do disco óptico e altera-ções maculares que lembram um coloboma(2-3). A compressãoóculo-digital (sinal de Franceschetti) costuma ser um sintomamarcante nestes pacientes e pode ser um fator importante nodesenvolvimento de catarata e ceratocone na adolescência(4-5),além de ser responsável pelo enoftalmo comumente observadoainda na infância. Fazem parte, ainda, do quadro clínico onistagmo, os reflexos pupilares lentos e a hipermetropia, muitasvezes, acima de +6,00 D. Alguns autores sugerem que a altahipermetropia seja incluída como critério diagnóstico para umsubtipo da ACL(6-7). O eletrorretinograma (ERG) comumente semostra extinto ou quase extinto.

A ACL pode estar associada a vários quadros sistêmicos,principalmente ao retardo mental(1,8), que pode decorrer de alte-rações do sistema nervoso central ou pode ser conseqüência daprivação dos estímulos visuais em períodos críticos da matura-ção nervosa(1). Têm sido relatadas associações com alteraçõesneurológicas (hipoplasia cerebelar), cardiomiopatia(9), anormali-dades esqueléticas, e características autísticas(10). Vários auto-res descrevem achados típicos da ACL em síndromes genéticas(síndrome de Joubert(11), síndrome de Senior-Loken, síndromede Saldino-Mainzer) e doenças metabólicas.

As distrofias de cones são divididas em forma estacionáriae forma progressiva(12). A forma estacionária, também conhe-cida como acromatopsia, se caracteriza pela ausência de fun-ção dos cones já ao nascimento. Na acromatopsia típica com-pleta, os cones estão ausentes ou mal-formados, portanto avisão é fornecida apenas pelos bastonetes, daí o fato de tam-bém ser chamada de monocromatismo de bastonetes. Os pa-cientes são virtualmente cegos para cores, sendo capazes deperceber apenas diferenças de luminosidade. Geralmente,apresentam, já na primeira infância, nistagmo pendular, quetende a reduzir com a idade, baixa acuidade visual e marcantefotofobia. É bastante comum encontrarem-se altos graus dehipermetropia também nestes pacientes(12). A acuidade visual(AV) geralmente se situa em torno de 20/200, mas costumamelhorar em ambientes menos iluminados(12-13). A fundosco-pia geralmente é normal ou mostra mínimas alterações, comoredução do reflexo foveal ou finas granulações na mácula. OERG mostra ausência de resposta dos cones (fase fotópica) e

resposta normal para os bastonetes (fase escotópica). Nostestes de visão de cores, os pacientes conseguem reconhecerapenas a primeira prancha de Ishihara e mostram importantesalterações no panel D-15, geralmente sem eixo definido ou comum eixo de confusão que se situa entre o deutan e o tritan(14). Ocampo visual (CV) pode estar normal ou mostrar leve constri-ção. Um escotoma central às vezes pode ser demonstrado nospacientes mais velhos. Existe uma forma incompleta da acro-matopsia típica, onde há alguma função residual dos cones eos pacientes conseguem ter alguma discriminação para ascores. As duas formas, completa e incompleta, provavelmentesão expressões diferentes de um mesmo genótipo e refletem onúmero de cones ausentes ou anormais(13). A acromatopsiatípica tem herança autossômica recessiva. Já a forma atípicapossui herança recessiva ligada ao X e também é conhecidacomo monocromatismo do cone azul, pois o sistema de conesS, responsável pela percepção do azul, é normal. Ela afeta,praticamente, só homens e seus sintomas tendem a ser menosseveros. A AV normalmente se situa entre 20/80 e 20/200 e amaioria dos pacientes é míope. Nos testes de visão de cores,tendem a mostrar um eixo de confusão no deutan ou no pro-tan, com menos erros no tritan(12).

As formas progressivas das distrofias de cones, por suavez, parecem ser um grupo bastante heterogêneo de doenças,para as quais existem vários tipos de classificação e diferentesformas de herança(15). Elas se caracterizam pela deterioraçãoprecoce e progressiva da AV e da visão de cores, além de nis-tagmo e fotofobia. Procura-se fazer uma distinção entre dis-trofia de cones e distrofia de cones e bastonetes (ou mista).Na distrofia de cones pura, teoricamente, os bastonetes esta-riam normais. Já na distrofia mista haveria uma disfunçãoconcomitante, ainda que menos severa, dos bastonetes. Po-rém, em muitos pacientes descritos como portadores de dis-trofia de cones, a função dos bastonetes é normal nos está-gios iniciais, mas se deteriora à medida que a doença progri-de(12). Por isto alguns autores acreditam que a diferenciaçãonão deveria ser feita e que todos os casos deveriam ser consi-derados como distrofia de cones e bastonetes. A distrofia decones e a distrofia mista podem ter herança autossômica domi-nante (a mais comum), autossômica recessiva, recessiva liga-da ao X(16-17) ou podem se manifestar de forma isolada. Geral-mente observa-se uma redução gradual da AV na primeira esegunda décadas de vida, acompanhada de fotofobia e perdagradativa da visão de cores. A AV costuma ser pior durante odia (hemeralopia), mas com a progressão da doença, torna-seruim também à noite (nictalopia)(13). Nos estágios iniciais, afundoscopia costuma ser normal ou apenas levemente altera-da, com perda do reflexo foveal ou granulações na mácula.Posteriormente, pode-se observar uma atrofia oval do epitéliopigmentar da mácula, com aspecto de “bronze batido”, àsvezes associada à atrofia retiniana mais difusa. Uma maculo-patia em “olho de boi” (“bull’s eye”) é freqüentemente notada,com importante simetria em ambos os olhos(13). Em estágiosainda mais avançados, surgem a palidez do disco óptico, o

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afilamento arteriolar difuso e a pigmentação periférica da reti-na. Os defeitos do campo visual podem incluir escotoma cen-tral, escotoma em anel, perda do CV periférico e redução difusada sensibilidade. O ERG é normal nos estágios iniciais, evoluicom redução da função dos cones e preservação da funçãodos bastonetes, até que, em estágios mais avançados, torna-se subvoltado de forma difusa, revelando o comprometimentotambém dos bastonetes(18-19).

Devemos citar também a doença de Stargardt, que geralmen-te se manifesta na primeira ou segunda décadas de vida e secaracteriza por piora progressiva da AV e alterações pigmenta-res na mácula, possuindo caráter autossômico recessivo.

Recentemente, foram realizadas, em nosso serviço, revi-sões dos casos de retinose pigmentar(20) e doença de Star-gardt(21). Por esta razão, e por existirem poucos dados sobre oassunto na literatura nacional, decidimos realizar, no presenteestudo, a análise dos casos das demais distrofias que semanifestam na infância: a ACL, a acromatopsia, a distrofia decones e a distrofia mista. Procuramos traçar um perfil do qua-dro clínico e das alterações encontradas nos exames comple-mentares de todos os pacientes portadores destas doençasatendidos no Serviço de Visão Subnormal do Hospital SãoGeraldo, Hospital das Clínicas da Universidade Federal deMinas Gerais, desde sua criação em 1992 até 2003.

MÉTODOS

Foram revistos os prontuários dos pacientes atendidos noServiço de Visão Subnormal do Hospital São Geraldo, Hospi-tal das Clínicas da UFMG, portadores de amaurose congênitade Leber (ACL), acromatopsia, distrofia de cones e distrofiamista, no período de 1992 a 2003. Selecionaram-se, também, osprontuários de pacientes que possuíam os diagnósticos ini-ciais de nistagmo congênito, BAV a esclarecer e distrofia aesclarecer, pois muitos destes pacientes poderiam ter sidoposteriormente reclassificados.

Foram selecionados 51 prontuários, 11 dos quais não pos-suíam dados suficientes para que se pudesse chegar a umaconclusão diagnóstica. Permaneceram para análise os pron-tuários de 40 pacientes. Em alguns casos, após estudo cuida-doso do prontuário e dos exames complementares, foi feita areclassificação do diagnóstico, dividindo-se os pacientes emquatro grupos: ACL, acromatopsia, distrofia de cones e dis-trofia mista.

Para a ACL, consideramos, como critérios diagnósticos, abaixa acuidade visual (BAV) severa ao nascimento ou noprimeiro ano de vida, a fundoscopia inicial normal ou levemen-te alterada, a freqüente associação com a alta hipermetropia(≥+ 6,00 D), e a presença do eletrorretinograma (ERG) extintoou quase extinto.

Os critérios diagnósticos para a acromatopsia foram a BAVnão progressiva, presente desde o nascimento ou ao primeiroano de vida, a dificuldade na discriminação de cores, a fundosco-

pia normal ou levemente alterada, a freqüente associação comfotofobia e a presença do ERG com redução da resposta fotópica(cones) e preservação da resposta escotópica (bastonetes).

Os critérios diagnósticos para a distrofia de cones foram aBAV progressiva manifestada na infância, a dificuldade nadiscriminação de cores, a presença de alterações fundoscópi-cas, principalmente maculares, a freqüente associação comfotofobia e o ERG com redução da resposta fotópica e preser-vação da resposta escotópica.

Os principais dados que auxiliaram na diferenciação diag-nóstica entre acromatopsia e distrofia de cones foram a pioraprogressiva da AV e a presença de alterações fundoscópicascaracterísticas na distrofia de cones.

Os critérios diagnósticos para a distrofia mista foram osmesmos utilizados para a distrofia de cones, porém com o ERGmostrando disfunção difusa dos fotorreceptores, tanto nafase fotópica, quanto na escotópica.

Nem sempre foi possível preencher todos os critérios diag-nósticos de cada patologia e, nestes casos, os pacientes foramclassificados de acordo com os dados existentes no prontuário.Foram coletados dados referentes ao sexo, à idade na primeiraconsulta, diagnóstico inicial e final, sintomas e idade de seuaparecimento, história familiar, dados do exame oftalmológico(melhor AV com correção, refração, biomicroscopia, tonometriae fundoscopia) e exames complementares realizados. Chama-mos de “consangüinidade” o relato de casamentos consangüí-neos na família e de “história familiar positiva” a presença deoutros membros da família com quadro semelhante.

Os testes de visão de cores relatados foram o de Ishihara,o Panel D-15, o Panel D-28 e o City University Color VisionTest, sendo que vários pacientes foram submetidos a todos. Ocampo visual, quando realizado, foi o de Goldmann.

Os dados foram analisados através do programa Epi-Info2000, versão 1.1.2.

RESULTADOS

Os dados referentes ao sexo, à idade na primeira consulta,acuidade visual, refração estática e fundoscopia estão agru-pados na tabela 1. Encontramos 10 pacientes portadores deACL, 17 com acromatopsia, 6 com distrofia de cones e 7 comdistrofia mista.

Da amostra, 24 pacientes (60%) eram do sexo feminino e 16(40%) do sexo masculino. No grupo da ACL, 6 pacientes (60%)eram do sexo feminino e 4 (40%) do sexo masculino. Na acro-matopsia, 12 (70,6%) eram do sexo feminino e 5 (29,4%) dosexo masculino. Na distrofia de cones, 2 (33,3%) eram do sexofeminino e 4 (66,6%) do sexo masculino e no grupo da distrofiamista, 4 (57,1%) eram do sexo feminino e 3 (42,9%) do sexomasculino.

No grupo da ACL, a idade na primeira consulta variou de 5meses a 8 anos, com média de 2,5 e mediana de 2 anos. Aacuidade visual variou de 20/710 a percepção luminosa e a

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refração variou de -2,50 D a +13,00 -1,50 x 180°. Seis pacientes(60%) eram portadores de alta hipermetropia, 2 (20%) eramhipermétropes, 1 (10%) era míope e, em 1 paciente (10%), arefração era desconhecida. A fundoscopia no primeiro examese mostrou normal em 2 pacientes (20%) e alterada em 8 pa-cientes (80%). As alterações relatadas foram redução do refle-

xo foveal, mosqueamento e rarefação difusa do epitélio pig-mentar da retina (EPR), fundo em sal e pimenta, mácula comaspecto de cobre batido, “displasia” da mácula, manchasbrancas ou lesões amareladas e arredondadas na média perife-ria, palidez da papila, pseudopapiledema e afilamento arterio-lar. A paciente nº 6, acompanhada dos 7 meses aos 8 anos,

Tabela 1. Características dos pacientes portadores de distrofias retinianas atendidos no Serviço de Visão Subnormal do Hospital SãoGeraldo - HC UFMG de 1992 a 2003

Nº Sexo Idade na 1ª Acuidade visual Refração estática Fundos-consulta OD OE OD OE copia

Amaurose congênita de Leber (n = 10 pacientes)01 F 08 a 20/1.600 * 20/1.600 * +10,50 +10,50 A02 M 1 a 6 m < 20/1.400 * < 20/1.400 * Não realizada Não realizada A03 F 2 a 4 m 20/710 * 20/1.400 * 0+6,50 -0,50 x 180° 0+7,50 -0,50 x 180° N04 F 02 a Franjas ilum. Franjas ilum. +13,00 -2,00 x 180° +13,00 -2,00 x 180° A05 F 05 m 20/2.600 * 20/1.600 * +12,50 +13,00 -1,50 x 180° A06 F 07 m PL PL 0+4,50 -3,00 x 180° 0+4,00 -2,50 x 180° N07 M 03 a PL PL +8,50 +8,50 A08 M 04 a PL PL +9,00 0+9,00 -0,50 x 180° A09 M 10 m 20/1.900 * 20/1.900 * 0+1,50 -1,00 x 180° +1,50 A10 F 02 a Franjas ilum. Franjas ilum. -2,50 -2,50 AAcromatopsia (n = 17 pacientes)11 F 16 a 20/160 20/160 0-6,25 -0,25 x 180° -6,75 A12 F 10 a 20/160 20/160 0+2,00 -1,00 x 180° 0+1,00 -1,00 x 180° N13 M 06 a 20/125 20/125 0+5,00 -2,50 x 025° 0+5,00 -2,00 x 150° A14 F 03 a 20/320 20/320 0+5,00 -1,00 x 065° +5,00 N15 F 22 a 20/125 20/125 +6,50 +6,50 A16 F 10 a 20/200 20/200 0+5,00 -1,00 x 180° 0+5,00 -1,00 x 180° N17 F 09 a 20/160 20/160 0+3,00 -2,50 x 180° 0+1,50 -2,50 x 010° A18 M 07 a 20/640 20/640 0+7,50 -1,50 x 180° 0+7,50 -1,50 x 180° N19 M 05 a 20/160 20/400 0+2,00 -1,00 x 180° 0+2,00 -2,00 x 180° N20 F 09 a 20/160 20/125 0+2,00 -0,50 x 180° 0+2,00 -0,25 x 180° A21 F 07 a 20/250 20/250 0+2,25 -2,00 x 015° 0+2,50 -1,50 x 180° N22 F 08 a 20/160 20/160 0+6,00 -2,00 x 180° 0+6,25 -2,00 x 180° A23 M 06 a 20/200 20/200 0+4,50 -0,75 x 135° 0+5,00 -0,50 x 045° N24 F 03 a 20/125 20/160 0-3,00 -2,00 x 180° 0-2,50 -3,00 x 180° N25 F 12 a 20/160 20/160 0000pl -2,50 x 180° 0+0,50 -2,00 x 150° A26 F 25 a 20/125 20/160 0-4,00 -2,25 x 010° 0-3,00 -1,50 x 180° N27 M 17 a 20/160 20/125 0000pl -2,50 x 115° 0000pl -2,50 x 045° NDistrofia de cones (n = 6 pacientes)28 M 31 a 20/640 20/640 0 -2,50 -3,50 x 180° 0 -2,00 -3,50 x 175° A29 M 11 a 20/400 20/400 0000pl -0,75 x 075° 0000pl -0,50 x 090° N30 F 08 a 20/200 20/200 +6,00 - 1,50 x 180° 0+6,50 -1,50 x 180° N31 F 25 a 20/160 20/160 0+3,50 -1,00 x 180° 0+3,50 -1,00 x 180° A32 M 15 a 20/100 20/125 0000pl -1,00 x 095° 0000pl -1,00 x 180° A33 M 09 a 20/125 20/125 0+2,00 -0,50 x 180° 0+2,00 -0,50 x 180° ADistrofia mista (n = 7 pacientes)34 F 11 a 20/160 20/160 0+1,00 -1,00 x 165° 0+1,50 -0,50 x 010° A35 F 25 a 20/200 20/160 -2,00 -2,00 A36 M 14 a 20/400 20/400 -2,00 -2,00 A37 M 16 a 20/400 20/400 0000pl -0,50 x 135° 0000pl -0,50 x 090° A38 F 17 a 20/160 20/160 -4,00 0-4,00 -0,50 x 090° A39 M 20 a 20/250 20/125 0000pl -2,50 x 045° 0000pl -1,50 x 045° A40 F 02 a 20/250* 20/250* -1,00 -5,00 AHC UFMG: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; Nº: número do paciente; OD: olho direito; OE: olho esquerdo; n: número de pacientes; F:feminino; M: masculino; a: anos; m: meses; PL: percepção luminosa; Franjas ilum.: percebe franjas iluminadas; *acuidade visual avaliada pelas Cartas de Teller; A:alterada; N: normal

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apresentava fundoscopia normal no primeiro ano de vida, aos6 anos já apresentava afilamento arteriolar e, aos 8 anos,mostrava fundo em sal e pimenta, redução do reflexo foveal epseudopapiledema em um dos olhos, que, com a investigação,revelou tratar-se de drusas do nervo óptico. A paciente nº 4,portadora de síndrome de Joubert, apresentava grave retino-patia hipertensiva, devido ao comprometimento renal.

No grupo da acromatopsia, a idade na primeira consultavariou de 3 a 25 anos, com média de 10,3 e mediana de 9 anos.A acuidade visual variou de 20/125 a 20/640, com média em20/200. A refração variou de -6,75 D a +7,50 -1,50 x 180°. Trêspacientes (17,6%) eram portadores de alta hipermetropia, 9(52,9%) eram hipermétropes, 3 (17,6%) eram míopes e 2 (11,8%)possuíam astigmatismo. A fundoscopia no primeiro exame semostrou normal em 10 pacientes (58,8%) e alterada em 7(41,2%). As alterações descritas foram discreto ou moderadoafilamento arteriolar, redução do reflexo foveal, alterações pig-mentares na mácula, e discreta palidez papilar.

No grupo da distrofia de cones, a idade na primeira consul-ta variou de 8 a 31 anos, com média de 16,5 e mediana de 13anos. A acuidade visual variou de 20/125 a 20/640, com médiade 20/280. A refração variou de -2,50 -3,50 x 180º a +6,00 -1,50 x180º. Um paciente (16,7%) era alto hipermétrope, 2 (33,3%)eram hipermétropes, 1 (16,6%) era míope e 2 (33,3%) possuíamastigmatismo. A fundoscopia no primeiro exame se mostrounormal em 2 pacientes (33,3%) e alterada em 4 (66,7%). Asalterações descritas foram maculopatia em “olho de boi” erarefação e dispersão de pigmentos na mácula. O pacientenº 30, que apresentava fundoscopia inicial normal aos 8 anos,evoluiu, até os 12 anos, com perda do reflexo foveal, afilamen-to vascular difuso e pigmentação esparsa periférica.

No grupo da distrofia mista, a idade na primeira consultavariou de 2 a 25 anos, com média de 15 e mediana de 16 anos.A acuidade visual variou de 20/160 a 20/400, com média em20/260. A refração variou de -5,00 D a +1,50 -1,00 x 165°. Umpaciente (14,3%) era hipermétrope, 4 (57,1%) eram míopes e 2

(28,6%) possuíam astigmatismo. A fundoscopia se mostroualterada em todos os pacientes (100%), tendo sido relatadasalterações pigmentares generalizadas, palidez da papila, redu-ção do reflexo macular, mácula com aspecto granular ou demetal batido e afilamento arteriolar,

Os sintomas dos pacientes estão sumarizados na tabela 2.A baixa acuidade visual foi relatada em todos os pacientes(100% dos casos).

No grupo da ACL, além da BAV, os sintomas mais freqüen-tes foram a compressão óculo-digital (6 pacientes, 60%), oenoftalmo (5 pacientes, 50%), o estrabismo e o nistagmo (4pacientes cada, 40%). A fotofobia foi relatada em 3 pacientes(30%) e a dificuldade na locomoção em 1 (10%). Foram encon-tradas alterações sistêmicas em 3 pacientes (30%), sendo queuma era portadora da síndrome de Joubert, outra possivelmen-te possuía a síndrome de Saldino-Mainzer e, em outro, asalterações sistêmicas não foram discriminadas. O atraso nodesenvolvimento neuro-psico-motor (DNPM) ocorreu em 6pacientes (60%).

No grupo da acromatopsia, além da BAV, os sintomas maisfreqüentes foram a fotofobia (16 pacientes, 94,1%), a dificul-dade na visão de cores (14 pacientes, 82,4%) e o nistagmo (8pacientes, 47,1%). Menos freqüentes foram o estrabismo (2pacientes, 11,8%) e a dificuldade na locomoção (1 paciente,5,9%). A associação com alterações sistêmicas foi descrita emapenas 1 paciente (5,9%), o de nº 23, portador de síndrome deEhlers-Danlos.

No grupo da distrofia de cones, além da BAV, os sintomasmais freqüentes foram a fotofobia (4 pacientes, 66,7%), a difi-culdade na visão de cores (2 pacientes, 33,3%) e o nistagmo (2pacientes, 33,3%). Um paciente (16,7%) apresentava estrabis-mo e 1 (16,7%) relatava dificuldade na locomoção. Não foramencontradas alterações sistêmicas.

No grupo da distrofia mista, além da BAV, os sintomasmais freqüentes foram a dificuldade na visão de cores (5 pa-cientes, 71,4%) e a fotofobia (4 pacientes, 57,1%). Menos

Tabela 2. Sintomas dos pacientes portadores de distrofias retinianas atendidos no Serviço de Visão Subnormal do Hospital São Geraldo - HC UFMG de 1992 a 2003

Sintomas ACL Acromatopsia Distr. cones Distr. mista Total(n=10) (n=17) (n=6) (n=7) (n=40)

Baixa acuidade visual 10 (100%) 17 (100%) 6 (100%) 7 (100%) 40 (100%)Fotofobia 3 (30%) 16 (94,1%) 4 (66,7%) 4 (57,1%) 27 (67,5%)Estrabismo 4 (40%) 02 (11,8%) 1 (16,7%) 2 (28,6%) 09 (22,5%)Nistagmo 4 (40%) 08 (47,1%) 2 (33,3%) 1 (14,3%) 15 (37,5%)Dific. na visão cores - 14 (82,4%) 2 (33,3%) 5 (71,4%) 21 (52,5%)Dific. na locomoção 1 (10%) 001 (05,9%)0 1 (16,7%) 1 (14,3%) 4 (10,0%)Compressão ocular 6 (60%) - - - 6 (15,0%)Enoftalmo 5 (50%) - - - 05 (12,5%)Alt.sistêmicas assoc. 3 (30%) 01 (05,9%) - - 4 (10,0%)Atraso no DNPM 6 (60%) - - 1 (14,3%) 07 (17,5%)Estão representados o número e a % de pacientes que apresentavam os sintomas em cada grupo.HC UFMG: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; ACL: Amaurose congênita de Leber; Distr.: distrofia; n: número de pacientes; Dific.: dificuldade;Alt.: alterações; assoc.: associadas; DNPM: desenvolvimento neuro-psico-motor

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freqüentes foram o estrabismo (2 pacientes, 28,6%), o nistag-mo e a dificuldade na locomoção (1 paciente cada, 14,3%). Nãoforam encontradas alterações sistêmicas, mas 1 paciente(14,3%) apresentava atraso no DNPM.

A época da observação dos sintomas está relatada natabela 3. Todos os pacientes apresentaram sintomas no máxi-mo até os 10 anos, sendo que 20 (50%) já os tinham ao nasci-mento e 13 (32,5%) os apresentaram no primeiro ano de vida.Apenas 7 pacientes (17,5%) manifestaram os primeiros sinto-mas após 1 ano de vida, sendo 4 (10%) entre 1 e 3 anos, 1(2,5%) entre 4 e 6 anos e 2 (5%) entre 7 e 10 anos.

Na ACL, 5 pacientes (50%) manifestaram os sintomas aonascimento e 5 (50%) durante o primeiro ano de vida. Naacromatopsia, 12 pacientes (70,6%) já tinham sintomas aonascimento e 5 (29,4%) no primeiro ano de vida. Tanto na ACLquanto na acromatopsia, não houve casos com início dossintomas após 1 ano de idade. Já na distrofia de cones, encon-tramos 1 paciente (16,7%) com sintomas ao nascimento, 1(16,7%) no primeiro ano de vida, 1 (16,7%) entre 1 e 3 anos, 1(16,7%) entre 4 e 6 anos e 2 (33,3%) entre 7 e 10 anos, enquantoque, na distrofia mista, 2 pacientes (28,6%) manifestaram ossintomas ao nascimento, 2 (28,6%) no primeiro ano de vida e 3(42,8%) entre 1 e 3 anos.

Os diagnósticos iniciais feitos no encaminhamento dospacientes ao Serviço de Visão Subnormal estão listados na

tabela 4. O diagnóstico inicial mais freqüente foi o nistagmocongênito (11 pacientes, 27,5%), seguido de distrofia a escla-recer (8 casos, 20%).

No grupo da ACL, 4 pacientes (40%) vieram encaminhadoscomo ACL, 4 (40%) como nistagmo congênito, 1 (10%) comodistrofia a esclarecer e 1 (10%) como retinose pigmentar.

Na acromatopsia, apenas 1 paciente (5,9%) veio encami-nhado com o diagnóstico de acromatopsia. Seis pacientes(35,3%) foram inicialmente diagnosticados como nistagmocongênito, 3 (17,6%) como distrofia de cones, 2 (11,8%) comoBAV a esclarecer, 2 (11,8%) como distrofia a esclarecer, 2(11,8%) como maculopatia e 1 (5,9%) como distrofia mista.

Na distrofia de cones, 2 pacientes (33,3%) vieram encami-nhados como distrofia de cones, 2 (33,3%) como distrofia aesclarecer, 1 (16,7%) como acromatopsia e 1 (16,7%) comonistagmo congênito.

Na distrofia mista, 2 pacientes (28,6%) vieram encaminha-dos como portadores de distrofia mista, 3 (42,8%) como distro-fia a esclarecer, 1 (14,3%) como ACL e 1 (14,3%) como distrofiade cones.

A consangüinidade e a história familiar estão resumidas natabela 5. Da amostra, 14 pacientes (35%) relatavam consangüi-nidade na família e 22 (55%) tinham história familiar positiva,ou seja, descreviam outros familiares com quadros semelhan-tes. No grupo da ACL, 3 pacientes (30%) relataram consangüi-

Tabela 3. Época da observação dos sintomas dos pacientes portadores de distrofias retinianas atendidos no Serviço de Visão Subnormaldo Hospital São Geraldo - HC UFMG de 1992 a 2003

Idade ACL Acromatopsia Distr. cones Distr. mista Total(n=10) (n=17) (n=6) (n=7) (n=40)

Ao nascimento 5 (50%) 12 (70,6%) 1 (16,7%) 2 (28,6%) 20 (50,0%)1º ano de vida 5 (50%) 05 (29,4%) 1 (16,7%) 2 (28,6%) 13 (32,5%)1 - 3 anos - - 1 (16,7%) 3 (42,8%) 04 (10,0%)4 - 6 anos - - 1 (16,7%) - 01 (02,5%)7 - 10 anos - - 2 (33,3%) - 02 (05,0%)≥ 11 anos - - - - -HC UFMG: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; ACL: Amaurose congênita de Leber; Distr.: distrofia; n: número de pacientes

Tabela 4. Diagnóstico inicial dos pacientes portadores de distrofias retinianas no encaminhamento ao Serviço de Visão Subnormal do HospitalSão Geraldo - HC UFMG de 1992 a 2003

Diagnóstico ACL Acromatopsia Distr. cones Distr. mista Totalinicial (n=10) (n=17) (n=6) (n=7) (n=40)ACL 4 (40%) - - 1 (14,3%) 05 (12,5%)Acromatopsia - 1 (05,9%) 1 (16,7%) - 02 (05,0%)Distr. cones - 3 (17,6%) 2 (33,3%) 1 (14,3%) 06 (15,0%)Distr. mista - 1 (05,9%) - 2 (28,6%) 03 (07,5%)Nistagmo congênito 4 (40%) 6 (35,3%) 1 (16,7%) - 11 (27,5%)BAV a esclarecer - 2 (11,8%) - - 02 (05,0%)Distrofia a esclarecer 1 (10%) 2 (11,8%) 2 (33,3%) 3 (42,8%) 08 (20,0%)Retinose pigmentar 1 (10%) - - - 01 (02,5%)Maculopatia - 2 (11,8%) - - 02 (05,0%)HC UFMG: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; ACL: Amaurose congênita de Leber; Distr.: distrofia; n: número de pacientes;BAV: baixa acuidade visual

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nidade e 3 (30%) história familiar. Na acromatopsia, 8 (47,1%)tinham consangüinidade e 13 (76,5%) história familiar. Na dis-trofia de cones 2 (33,3%) tinham consangüinidade e 3 (50%)história familiar, enquanto que, na distrofia mista, 1 (14,3%)relatava consangüinidade e 3 (42,9%) história familiar.

Os exames complementares estão agrupados na tabela 6,que descreve o eletrorretinograma (ERG), os teste de visão decores e o campo visual (CV).

Da amostra, 24 pacientes (60%) realizaram o ERG, que semostrou extinto apenas nos portadores de ACL, com reduçãodifusa apenas nos portadores de distrofia mista e com reduçãoda resposta fotópica nos casos de acromatopsia e distrofia decones. Na ACL, 7 pacientes (70%) tinham o ERG extinto e 3(30%) não o realizaram. Na acromatopsia, 6 (35,3%) mostraramredução da resposta fotópica e 11 (64,7%) não o fizeram. Nadistrofia de cones, 4 (66,7%) tinham redução da resposta fotó-pica e 2 (33,3%) não o realizaram, enquanto que, na distrofiamista, todos os 7 (100%) mostravam redução difusa no ERG.

Os testes de visão de cores foram realizados em 18 pacien-tes (45%). Na ACL, os testes não foram feitos em 9 casos(90%) e apenas 1 paciente (10%) mostrou uma tritanopia. Na

acromatopsia, 10 pacientes (58,9%) mostraram alterações semeixo definido, 1 (5,9%) mostrou alterações sugestivas de pro-tanopia e 1 (5,9%) de tritanopia, enquanto que 5 (29,4%) nãofizeram os testes. Na distrofia de cones, 1 paciente (16,7%)tinha protanopia, 1 (16,7%) tinha tritanopia, 1 (16,7%) tinhaalterações sem eixo definido e 3 (50%) não fizeram os testes.Na distrofia mista, 1 paciente (14,3%) tinha a visão de coresnormal, 2 (28,6%) tinham alterações sem eixo definido e 4(57,1%) não fizeram os testes.

O campo visual foi realizado em apenas 16 pacientes (40%).No grupo da ACL, apenas 1 paciente (10%) mostrou umacontração importante de todas as isópteras, com campo tubu-lar restrito aos 10º centrais em ambos os olhos, enquanto que,nos outros 9 pacientes (90%) o exame nem foi solicitado. Naacromatopsia, o CV foi normal em 1 caso (5,9%), mostroucontração difusa em 9 (52,9%) e não foi realizado em 7 (41,2%).Na distrofia de cones o CV mostrou contração difusa em 1paciente (16,7%), escotoma central em 1 (16,7%) e não foirealizado em 4 (66,6%), enquanto que, na distrofia mista, mos-trou contração difusa em 1 caso (14,3%), escotoma central em2 (28,6%) não foi realizado em 4 pacientes (57,1%).

Tabela 5. Consangüinidade e história familiar dos pacientes portadores de distrofias retinianas atendidos no Serviço de Visão Subnormaldo Hospital São Geraldo - HC UFMG de 1992 a 2003

ACL Acromatopsia Distr. cones Distr. mista Total(n=10) (n=17) (n=6) (n=7) (n=40)

Consangüinidade 3 (30%) 08 (47,1%) 02 (33,3%) 1 (14,3%) 14 (35%)História familiar + 3 (30%) 13 (76,5%) 03 (50,0%) 3 (42,9%) 22 (55%)HC UFMG: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; ACL: Amaurose congênita de Leber; Distr.: distrofia; +: positiva

Tabela 6. Exames complementares dos pacientes portadores de distrofias retinianas atendidos no Serviço de Visão Subnormal do HospitalSão Geraldo - HC UFMG de 1992 a 2003

ACL Acromatopsia Distr. cones Distr. mista Total(n=10) (n=17) (n=6) (n=7) (n=40)

EletrorretinogramaNormal - - - - -↓ difusa - - - 7 (100%) 7 (17,5%)↓ resposta fotópica - 06 (35,3%) 4 (66,7%) - 10 (25,0%)Extinto 7 (70%) - - - 7 (17,5%)Não realizado 3 (30%) 11 (64,7%) 2 (33,3%) - 16 (40,0%)Teste de visão de coresNormal - - - 1 (14,3%) 1 (02,5%)Deutanopia - - - - -Protanopia - 01 (05,9%) 1 (16,7%) - 2 (05,0%)Tritanopia 1 (10%) 01 (05,9%) 1 (16,7%) - 2 (05,0%)Sem eixo definido - 10 (58,9%) 1 (16,7%) 2 (28,6%) 13 (32,5%)Não realizado 9 (90%) 05 (29,4%) 3 (50,0%) 4 (57,1%) 22 (55,0%)Campo visualNormal - 01 (05,9%) - - 1 (02,5%)Contração difusa 1 (10%) 09 (52,9%) 1 (16,7%) 1 (14,3%) 12 (30,0%)Escotoma central - - 1 (16,7%) 2 (28,6%) 3 (07,5%)Não realizado 9 (90%) 07 (41,2%) 4 (66,6%) 4 (57,1%) 24 (60,0%)HC UFMG: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; ACL: Amaurose congênita de Leber; Distr.: distrofia; ↓: redução

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DISCUSSÃO

As distrofias retinianas que se manifestam na infância sãoum grupo heterogêneo de doenças hereditárias que cursamcom disfunção dos fotorreceptores e, por serem raras e apre-sentarem sintomas não específicos, representam um desafiopara seu diagnóstico.

A amaurose congênita de Leber (ACL) é a mais grave detodas as distrofias da infância e se caracteriza por BAV severaao nascimento ou no primeiro ano de vida, fundoscopia ini-cialmente normal ou com leves alterações e ERG extinto ouquase extinto(1), podendo ocorrer como uma doença ocularisolada ou associada a síndromes genéticas e doenças meta-bólicas(3,9,11,22). A acromatopsia é uma distrofia também congê-nita e se caracteriza pela ausência da função dos cones(12-14).Seus sintomas costumam se manifestar ao nascimento ou noprimeiro ano de vida, cursando com BAV estável e menossevera do que na ACL, incapacidade para a discriminação decores, nistagmo, fotofobia importante e fundoscopia normalou com leves alterações. O ERG, caracteristicamente mostraausência de resposta fotópica (mediada pelos cones) e res-posta escotópica (mediada pelos bastonetes) normal. A dis-trofia de cones apresenta sintomas bastante semelhantes aosda acromatopsia, porém estes são progressivos e podem semanifestar em idades mais avançadas. Aqui, a fundoscopia jácostuma mostrar alterações bem evidentes, principalmentemaculares, também progressivas, e o ERG mostra, inicialmen-te, disfunção dos cones, mas pode evoluir com acometimentotambém dos bastonetes nas fases mais avançadas da doença.A distrofia mista costuma ter sintomas parecidos com os dadistrofia de cones, porém o ERG mostra disfunção tanto dosbastonetes quanto dos cones. Alguns autores consideram adistrofia mista um estágio evolutivo mais avançado da distro-fia de cones(12-13).

Em nosso estudo tivemos a oportunidade de observar assemelhanças e as diferenças entre os quatro grupos de doen-ças estudadas.

A idade dos pacientes na primeira consulta costuma refle-tir a época em que os pais buscam ajuda para os sintomas dopaciente. No grupo da ACL, ela se situou em torno dos 2 anos,sendo que o paciente mais jovem tinha 5 meses. A busca porajuda tão cedo possivelmente está relacionada à gravidade e àprecocidade dos sintomas neste grupo. O paciente mais ve-lho, de 8 anos, nos foi encaminhado por uma instituição paracegos, onde já vinha sendo acompanhado. No grupo da acro-matopsia, apesar de todos os pacientes já terem manifestadoos sintomas até o primeiro ano de vida, a mediana das idadesna primeira consulta foi de 9 anos. A maioria dos pacientes jáestava em idade escolar ou produtiva, época em que, talvez,seus sintomas tenham começado a interferir com as atividadesda escola ou do trabalho. Na distrofia de cones e na distrofiamista, a mediana das idades foi de 13 e 16 anos, respectiva-mente, e, neste caso, pode refletir tanto o aparecimento maistardio dos sintomas quanto à época em que eles começaram ainterferir com as atividades dos pacientes.

A baixa acuidade visual esteve presente em todos os pa-cientes do estudo, sendo muito mais grave na ACL, ondetodos os pacientes seriam classificados como portadores devisão subnormal profunda ou quase cegueira. A BAV severana ACL é relatada em todos os trabalhos da literatura. Aindaque alguns autores relatem portadores de ACL com AV tãoboa quanto 20/100(2), até casos de ausência de percepçãoluminosa(1-2,22), em nossa amostra, a melhor AV foi de 20/710 enenhum dos pacientes era totalmente cego. Nos outros gru-pos, a AV média foi melhor, sendo de 20/200 na acromatopsia,20/280 na distrofia de cones e 20/260 na distrofia mista. Quasetodos os pacientes seriam classificados como portadores devisão subnormal moderada ou severa. Nossos achados coin-cidem com os da literatura(12-13).

Os erros refracionais foram extremamente prevalentes emnossa amostra. Chama a atenção a grande freqüência da altahipermetropia (60% dos casos) e da hipermetropia (20%) naACL. Vários autores relatam esta associação(6-7,9,23), sendo queum deles(6) chega a sugerir que a alta hipermetropia seja incluí-da como critério diagnóstico para um subtipo da ACL. A únicapaciente míope era uma criança possivelmente com a síndromede Saldino-Mainzer. Também no grupo da acromatopsia verifi-camos grande prevalência de hipermétropes (52,9%) e altoshipermétropes (17,6%), dado igualmente encontrado na litera-tura(12). Na distrofia de cones a hipermetropia também predo-minou (50%), enquanto que, na mista, a miopia foi o principalerro refracional (57,1%).

A fundoscopia tem sido descrita como normal ou minima-mente alterada nos estágios iniciais da ACL, havendoposterior desenvolvimento de alterações de aspecto extrema-mente variável(1-4,22). Em nossa amostra, a maioria dos pacien-tes (80%) já apresentava alterações fundoscópicas no primei-ro exame, talvez por este ter sido realizado em épocas em queaquelas já tinham se tornado evidentes. Encontramos descri-ções clássicas e concordantes com a literatura, tais como ararefação difusa do EPR, fundo em sal e pimenta, palidez dapapila, pseudopapiledema e afilamento arteriolar. Em uma daspacientes com fundoscopia normal, foi possível observar oaparecimento gradativo de alterações típicas (fundo em sal epimenta e afilamento vascular) e, até mesmo, de um achadonunca antes relatado na ACL, as drusas do nervo óptico. Naacromatopsia, a fundoscopia é descrita como normal ou leve-mente alterada(12-13), e estável. Em nossa amostra, a maioriados pacientes (58,8%) tinha aspecto fundoscópico normal.Nos pacientes onde foram relatadas alterações, estas forampredominantemente leves, como afilamento arteriolar, discretapalidez da papila, redução do reflexo foveal e alterações pig-mentares na mácula. Na distrofia de cones, a fundoscopia,inicialmente normal, evolui com alterações maculares progres-sivas, que, em estágios mais avançados, podem atingir a peri-feria(12-13,15). No presente estudo, 2 dos 6 pacientes tinhamfundoscopia inicial normal, sendo que um deles evoluiu pos-teriormente com perda do reflexo foveal, afilamento vasculardifuso e pigmentação esparsa periférica. Alterações predomi-nantemente maculares foram descritas em 5 dos 6 pacientes,

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sendo que, em um deles, foi encontrada a clássica maculopatiaem “olho de boi”(12). Por fim, na distrofia mista, a fundoscopiageralmente está alterada(12-13), exatamente o que foi observadoem nossa amostra (100% dos casos).

Quanto aos sintomas, a compressão óculo-digital e oenoftalmo foram exclusivos da ACL, que também mostrougrande freqüência de estrabismo e nistagmo. Apesar de nãoser um sintoma típico, alguns trabalhos mostram a presença defotofobia na ACL(3-4,8), o que pôde ser verificado em 30% denossa amostra. Nas outras três patologias, a fotofobia e adificuldade na discriminação de cores foram os sintomas maisprevalentes, principalmente na acromatopsia(23). Estes dadospodem ser de grande auxílio no diagnóstico destas doenças.

O retardo no desenvolvimento neuro-psico-motor (DNPM)tem sido freqüentemente descrito em associação com a ACL(1,8).Questiona-se se é devido a alterações neurológicas associadasou se decorre apenas da privação sensorial imposta pela doença.Em nossa amostra, ele foi muito freqüente, ocorrendo em 60% doscasos. A ACL também tem sido descrita em associação comalgumas síndromes genéticas(8-9,11,22), como a síndrome de Jou-bert (hipoplasia cerebelar e problemas respiratórios), a síndromede Senior-Loken (nefronophthisis), e a síndrome de Saldino-Mainzer (displasia esquelética, nefrophthisis e ataxia cerebelar).Em nossa amostra, uma paciente tinha a síndrome de Joubert eoutra, possivelmente, a de Saldino-Mainzer, hipótese levantadadurante a revisão do prontuário. Nas outras distrofias, apenas umpaciente acromata possuía alterações sistêmicas associadas, nocaso a síndrome de Ehlers-Danlos. Não conseguimos encontraresta associação na literatura pesquisada.

Outro instrumento importante no diagnóstico diferencial é apesquisa da época de aparecimento dos sintomas. Na ACL e naacromatopsia, doenças sabidamente congênitas, todos os pa-cientes apresentaram os sintomas ao nascimento ou no primeiroano de vida, o que está em perfeito acordo com os dados daliteratura(1-3,12-13). Já na distrofia de cones e na distrofia mista,apesar de alguns pacientes já manifestarem os sintomas ao nasci-mento, muitos iniciaram sua sintomatologia um pouco mais tarde,o que também confere com a literatura(12-13,24). Nenhum dos qua-dros, no entanto, teve início após os 10 anos de idade.

Pelo fato de apresentarem sintomas variados e pouco es-pecíficos, as distrofias retinianas podem ser de difícil diagnós-tico diferencial, o que pode ser claramente observado quandose analisam os diagnósticos iniciais de nossos pacientes. Agrande maioria nos foi encaminhada com o diagnóstico denistagmo congênito ou de distrofia a esclarecer. Somenteapós a coleta de uma história detalhada e a realização deexames complementares, principalmente o ERG, os pacientespuderam ser corretamente classificados. Ainda assim, muitosdiagnósticos ficaram sem confirmação final, pois algunspacientes não tiveram acesso a exames complementares es-senciais ou simplesmente não retornaram. Acreditamos queeste seja um importante fator de confusão em nosso estudo eque alguns pacientes ainda estejam classificados de formaincorreta. Pudemos observar também a grande dificuldade nadiferenciação entre a acromatopsia e a distrofia de cones devi-

do à semelhança de seus sintomas e de suas alterações nosexames complementares. Por esta razão, todos os pacientescom estes diagnósticos estão sendo atualmente chamadospara serem novamente estudados.

Alguns autores(25-26) ressaltam a importância da investiga-ção de uma criança com nistagmo congênito, pois o nistagmoé um sintoma inespecífico de inúmeras patologias, dentre elasas distrofias retinianas. Nestes casos, o ERG é de extrema valiapara o diagnóstico diferencial.

As distrofias retinianas possuem um padrão de herançarazoavelmente estabelecido. A ACL e a acromatopsia típicasão autossômicas recessivas, a acromatopsia atípica é reces-siva ligada ao X e as distrofias de cones e mista costumam serautossômicas dominantes(27), apesar de existirem as formasautossômica recessiva, recessiva ligada ao X(16-17) e a isolada.A alta prevalência da consangüinidade e da história familiarem todos os grupos do presente estudo confirma o caráterheredo-familiar destas distrofias retinianas.

Os exames complementares são essenciais para o diagnós-tico das distrofias, principalmente se a fundoscopia é normal.Os principais são o ERG, os testes de visão de cores e o campovisual. Infelizmente uma grande porcentagem de nossa amos-tra não pôde realizá-los, devido a sua pouca disponibilidadena época, ou à dificuldade de sua aplicação em pacientesmuito jovens. Assim, alguns diagnósticos tiveram de ser reali-zados tendo como base apenas a história e os achados clíni-cos, o que pode reduzir sua confiabilidade.

Nos pacientes em que o ERG foi realizado, ele se mostrouextinto na ACL, com redução da resposta fotópica na acroma-topsia e na distrofia de cones e difusamente subvoltado nadistrofia mista, tendo certamente sido utilizado para o diag-nóstico diferencial destes pacientes. Os testes de visão decores mostraram importantes alterações principalmente naacromatopsia e na distrofia de cones. De uma forma geral, aprincipal alteração encontrada no CV foi a contração difusadas isópteras. A presença de um escotoma central pôde serverificada em apenas 1 paciente da distrofia de cones e 2 dadistrofia mista. A ausência de dados referentes aos testes devisão de cores e ao CV em grande parte da amostra torna difícilqualquer correlação entre os achados e as patologias.

CONCLUSÃO

As distrofias retinianas da infância são doenças raras e dedifícil diagnóstico, podendo ter múltiplas manifestações clíni-cas e diferentes tipos de herança. Diante de uma criança combaixa visão, deve-se lançar mão de vários recursos diagnósti-cos, dentre eles a anamnese cuidadosa, o exame oftalmológicocompleto e os exames complementares (ERG, testes de visãode cores e campo visual). Ainda assim, em alguns casos,apenas o tempo poderá levar ao diagnóstico correto, mostran-do a evolução da doença. Um diagnóstico bem feito determi-nará o prognóstico e auxiliará no aconselhamento aos pais ena conduta frente a cada paciente.

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Arq Bras Oftalmol. 2004;67(6):867-76

876 Distrofias retinianas da infância: Análise retrospectiva

ABSTRACT

Purpose: To describe the clinical features and the results ofdiagnostic methods in all patients with diagnosis of one of thefollowing retinal dystrophies: Leber congenital amaurosis(LCA), achromatopsia, cone distrophy or cone-rod distrophy,examined at the Low Vision Department of the Federal Univer-sity of Minas Gerais, in the period of 1992 to 2003. Methods:Retrospective analysis of charts of 40 patients. Ten had LCA,17 had achromatopsia, 6 had cone distrophy and 7 had cone-rod distrophy. Results: Visual acuity was extremely low inpatients with LCA, ranging from 20/710 to light perception.The mean value for achromatopsia was 20/200, 20/280 for conedistrophy and 20/260 for cone-rod distrophy. High hyperopiawas the most common refractional error in LCA patients. Hy-peropia was more frequent in cases of achromatopsia andcone distrophy, while in cone-rod distrophy myopia predomi-nated. Fundoscopy was altered in most cases of LCA, conedistrophy and rod-cone distrophy, and normal in most casesof achromatopsia. Oculodigital sign and enophtalmus werefound only in LCA patients while photofobia and color visiondefects prevailed in other groups. Nistagmus and strabismuswere frequent findings in all groups. There was a high inciden-ce of delayed neuro-psycho-motor development in LCA pa-tients. Two of them had also associated genetic syndromes.Patients presented symptoms very early in life in LCA andachromatopsia, while in cone and cone-rod distrophies symp-toms appeared later, but never after the age of 10. Consangui-nity and positive familial history were strongly associated inall groups. The ERG was extinct in LCA, showed reducedphotopic response in achromatopsia and diffuse reduction incone-rod distrophy. Color vision tests were altered mainly inachromatopsia and in cone distrophy. Conclusions: Retinaldistrophies in childhood are a heterogeneous group of disea-ses with unspecific symptoms. A careful analysis of clinicalfeatures and diagnostic tests, specially color vision tests,ERG and visual field may be useful in their diagnosis.

Keywords: Vision, low; Photoreceptors, vertebrate; Color visiondefects; Cones(Retina)/abnormalities; Retinitis pigmentosa

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