desburocratização do sistema executivo: análise crítica quanto à aplicabilidade da figura do...
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Desburocratização do sistema executivo: análise crítica quanto
à aplicabilidade da figura do agente de execução no
ordenamento jurídico brasileiro.
Maíra Coelho Torres Galindo (FDUC)*
ResumoEste artigo pretende discutir a possibilidade de adoção do agente deexecução no ordenamento jurídico brasileiro, através de análise superficialsobre a escolha do legislador português, na reforma executiva de 2003, queintroduziu esta figura, à semelhança do huissier de justice francês, noordenamento jurídico lusitano. A análise passará pela apresentação suscintados sistemas executivos sueco, francês e alemão, de modo a possibilitar oentendimento acerca dos paradigmas presentes na Europa, que influenciaramna decisão do legislador português e serão igualmente importantes àdiscussão ora suscitada.
SummaryThis article intends to discuss the possibility of introducing theportuguese enforcement agent into the brazilian legal enforcementprocedures, through a superficial analysis about the option of theportugueses legislatores, in the Reform of 2003, for the frenchenforcement agente, the huissier de justice. The analysis comprehends asuperficial introduction to the swedish, french and germanic enforcementsystems, taken as paradigms to the european's legal system, and crucial forthe understanding of the portugueses legislatores' choice and equallyimportant to the present discussion.
Palavras-chave: Agente de execução. Desjudicialização.
Portugal. Brasil.
Sumário1. Reforma da ação executiva portugues: estudo dos paradigmas europeus; 2.A opção de Portugal: a figura do agente de execução; 3. Sistema executivo
* Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela UNICAP. Mestranda emCiências Jurídico-Civilísticas com menção em Direito Processual Civil pelaFaculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Advogada.
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brasileiro: análise sobre a possibilidade de introdução da figura do agentede execução;
1. Reforma da ação executiva portugues: estudo dos paradigmas
europeus
O Direito processual português vem, desde a década de
noventa, passando por uma série de reformas no intuito de
melhorar a realidade do seu ordenamento jurídico, adaptando o
Direito à realidade atual de sua sociedade. A reforma de 2003
sobre a ação executiva operou-se principalmente no intuito de
tentar resolver, ou pelo menos amainar, os problemas da
morosidade judicial e do “encharcamento” do ordenamento
jurídico.
Nos trabalhos preparatórios da referida reforma, se
discutiu, dentre outras, a questão estrutural da ação
executiva, buscando alternativas que possibilitassem a
desburocratização dessa espécie de ação. Levantou-se, então, a
celeuma acerca da hipótese de desjurisdicionalização ou
desjudicialização da ação executiva1. Ou seja, retirar a ação
1 “O prefixo negativo acrescentado às expressões judicialização ejurisdicionalização é utilizado para indicar o propósito de subtrair,respectivamente, atividades do Poder Judiciário e atribuições de seusagentes, até então previstos na lei” (POMAR, 2012).
3
executiva do Poder Judiciário transferindo-a para a esfera
administrativa (desjudicialização)2 ou apenas retirando-lhe da
competência (exclusiva) do juiz (desjurisdicionalização)3,
delegando-a a outro profissional, de modo a possibilitar que
aquele possa desempenhar apenas as questões jurisdicionais -
que lhe são em essência sua função -, e que nem sempre estão
presentes nos atos executivos.
Os legisladores, procurando inspiração em ordenamentos
jurídicos vizinhos, tiveram nos modelos executivos da França
(seguido pela Bélgica, Luxemburgo, Holanda e Grécia) e da
Suécia, o seu paradigma. Analisando estes sistemas-modelo, na
tentativa de decidir qual a melhor forma de desburocratizar a
ação executiva, os legisladores se depararam com duas opções
distintas, que implicariam na desjudicialização (total ou
parcial) daquela.
A desjudicialização repousa na idéia da existência de dois
poderes: o poder jurisdicional – o qual recai sobre o juiz da
execução – e o poder de direção processual da ação executiva –
2 Entende João Moreno Pomar que seria ”a reforma que estimula e dáinstrumentos para que os conflitos de interesses resolvam-se sem lide oupela via extrajudicial” (2012).3 Segundo João Moreno Pomar, a desjuridiscionalização é a reforma “queautoriza, no procedimento judicial, maior atribuição aos auxiliares dojuízo, ensejando melhor especialização dos atos do juiz permitindo-lheconcentrar esforço no estudo e solução dos casos em concreto” (2012)..
4
que fica ao encargo do agente de execução, um sujeito dotado
de atributos de autoridade (FREITAS, 2004, p. 7). Ambos os
sujeitos (juiz e agente) passam a ser peças essenciais ao
funcionamento da nova ação executiva, após a reforma (FREITAS,
2004, p. 7).
A ação executiva não faz parte do Poder Judiciário no
modelo suéco, sendo esta de competência do Poder Executivo,
que a realiza através das secretarias de execuções (chamadas
handräckning)4 - um órgão público totalmente administrativo, que
está, contudo, subordinado ao Ministério da Justiça, a quem
cabe nomear o responsável máximo daquele referido órgão
(PORTUGAL, 2001, p. 117). Segundo Mikael Mallqvist (2001, p.
101), existem 11 regionais, as quais se subordinam ao National
Tax Board (autoridade nacional)5. As secretarias de execuções têm
a responsabilidade geral pelas execuções, sendo os atos
executivos praticados pelos förrättningsmäns6 (que seria o agentes
de execução suéco).
4 Que MiKael Mallqvist chamou de Enforcement Agency, que seria a tradução parao inglês do handräckning.5 Que seria o equivalente à Receita Federal, no Brasil.6 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_swe_pt.htm> ..
5
Na Suécia, o procedimento executivo dura o total de um
ano, contado da data do requerimento, período em que o
förrättningsmän (agente de execução) irá investigar as posses do
devedor, recolhendo informações acerca das mesmas nos mais
variados registros públicos a que tem acesso, assim como
também em setores privados, como exemplo, em bancos.
(MALLQVIST, 2001, p. 102). A forma de coerção do devedor ao
fornecimento das informações requisitadas é a possibilidade de
aplicação, pelo Tribunal Superior7 (orgão igualmente
administrativo), de multas e até mesmo de detenção à pedido do
förrättningsmän (do agente)8. Observe-se que o förrättningsmän pode
ainda interrogar terceiros (pessoas ou entidades) para prestar
informações acerca dos bens do devedor (MALLQVIST, 2001, p.
102).
Nos esforços para localizar e penhorar bens do devedor, o
förrättningsmän também poderá visitar o devedor, e qualquer bem
penhorável encontrado com o mesmo é presumido deste, sendo
penhorado (MALLQVIST, 2001, p. 102); cabe ao terceiro
prejudicado reclamar a posse do bem de sua propriedade
7 É também a esta Corte que se endereçam as contestações das decisões dahandräckning , por meio de recursos (MALLQVIST, 2001, ´. 102).8 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_swe_pt.htm> ..
6
indevidamente atingido pela execução (MALLQVIST, 2001, p.
102). Não sendo localizados bens penhoráveis do devedor,
dentro do período de 1 (um) ano, a execução é encerrada,
restando reservado o direito do credor renovar seu
requerimento posteriormente. Tendo havido a penhora de bens, a
execução continua até a venda dos mesmos (MALLQVIST, 2001, p.
102).
O förrättningsmän como funcionário de órgão administrativo
do Estado é remunerado pelo erário público, entretanto, sua
remuneração advém da arrecadação das taxas cobradas para
custear o processo (custas de execução)9. Essas taxas são
adiantadas pelo requerente10, mas ao final reembolsadas pelo
devedor, sobre quem recaem todos os gastos do processo ao
final deste. (MALLQVIST, 2001, p. 103). Como funcionários
públicos, trabalham com um alto padrão ético, sendo analisados
por órgão público independente, podendo ser criminalmente
responsabilizados por seus atos. Ao mesmo tempo, o Estado
também pode ser responsabilizado pela má prática por parte do
agente de execução (o förrättningsmän) – não deixando espaço para
9 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_swe_pt.htm> .10 E é ele quem fica responsável (sendo o garante) perante o Estado dascustas do procedimento..
7
mercado negro de cobradores de dívidas (ilegalidades)
(MALLQVIST, 2001, p. 103).
Em defesa desse modelo de execução, o Dr. Mikael Mallqvist
(2001, p. 103) pontua que “uma execução rápida e eficiente é
de interesse dos devedores. Se o processo se prolonga, a taxa
de juros e custos do processo vão se elevar. Mesmo se o credor
tiver que pagar esses custos adiantadamente, no final, é o
devedor quem estará obrigado a pagá-los.11”
Em suma, na Suécia, a transferência da ação executiva para
um órgão administrativo resultou na desobstrução dos Tribunais
e na aceleração do andamento do procedimento. Contudo, tal
modelo reflete a sociedade deste país e dos países baixos, que
encaram, aparentemente, o patrimônio do cidadão de forma
bastante diferente, permitindo a expropriação dos bens do
devedor de forma muito mais ampla, possibilitando, inclusive,
que bens de terceiros seja atingidos com menos reservas. São
igualmente muito mais severos quanto aos meios para a
localização de bens passíveis de penhora, permitindo, a
coerção de seus cidadão mediante a aplicação de multa e até
mesmo de detenção.
11 Tradução pela autora do presente paper..
8
Outro ponto positivo neste sistema, é a eficácia na
fiscalização de seu agente de execução, pela transformação
deste em um funcionário público, com delimitação de uma linha
ética clara, possibilitando a responsabilização de ambos,
agente e Estado, aquele, inclusive, no âmbito penal. Tal
formato, ameniza as possibilidades de joguetes de poder e
manipulação de interesses por aqueles que possuem mais poder
de influência.
Como uma outra alternativa, os legisladores analisaram o
modelo executivo da França e a figura do Huissier de Justice. A
aplicação deste referido modelo no ordenamento jurídico
português implicaria numa desjurisdicialização do processo
executivo, transferindo funções anteriormente designadas ao
juiz a um novo sujeito judicial.
Na França, os “huissiers de justiça são qualificados como
‘officiers ministériels’12, estando encarregados de numerosas
atribuições, umas exercidas em termos de monopólio e outras em
concorrência com outras entidades” (MENDES, 2011, p. 10-11).
Esse agente exerce as suas funções no âmbito do direito
privado, mas para a execução, se beneficia de prerrogativas de
12 Traduzindo, funcionários ministeriais. .
9
autoridade pública, consagradas numa regulamentação precisa e
numa deontologia estritamente controlada13.
Apesar de ser um funcionário de nomeação oficial - tendo,
portanto, o dever de exercer o cargo quando solicitado -, é
contratado pelo exeqüente14 (FREITAS, 2001b, p. 544), sendo
custeado pelo particular15 (de regra, o executado, ao final,
quando condenado, e, excepecionalmente, o exequente no caso de
execução injusta) e através de tabela fixa16. Atua, em certos
casos (penhora de bens móveis ou créditos, por exemplo),
extrajudicialmente, sem prejuízo de poder recorrer ao
Ministério Público, quando o devedor não dê informações sobre
a sua conta bancária e sua entidade empregadora, e de poder
desencadear a hasta pública, quando o executado não vende,
13 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_fra_pt.htm>.14 Por isso, são ditos pela doutrina majoritária como mandatários dos seusclientes (exequentes), embora exerçam um mandato muito especiail, estandosujeitos a deveres deontológicos exisgentes e a lei pressupõe uma certaindependência (MENDES, 2011, p. 11).15 Por isso, também se diz se tratar de um modelo altamente privatizado(PORTUGAL, 2001, p. 117).16 A remuneração dos huissiers de justice estão estabelecidas no Dec. 96-1080/96, e consistem num montante fixo expresso, cumulativa oualternaticamente, consoante os casos, em direitos fixos ou em direitoproporcionais, a que acresce, se for o caso, um direito por instauração deacções – retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_fra_pt.htm>. .
10
dentro de um mês, os bens móveis penhorados - o que
normalmente ele não o faz (FREITAS, 2001b, p. 544-545).
Sua formação acadêmica é a mesma que a dos juízes,
advogados e notários, os quais posteriormente se especializam
nestas profissões (PORTUGAL, 2001, p. 91)17. Os huissiers de justice,
portanto, são licenciados em Direito, e para terem acesso à
profissão, precisam fazer estágio profissionalizante de 2
(dois) anos e prestar um exame nacional (PIMENTA, 2004, p.
84), para só então estarem aptos a serem nomeados pelo
Ministério da Justiça, a quem estão subordinados. São de
número limitado e o território de sua atuação é controlado
pelo Estado (através do Procurador da República18), que os
vigia a fim de evitar execuções que fujam aos direitos do
devedor (ALEMÃO, 2007, cap. 1, pag.1). Pela sua atuação, não
só respondem perante o exequente, mas também perante o
executado e terceiros (FREITAS, 2001b, p. 545).
Por serem contratados pelo exequente, são qualificados,
normalmente, como mandatários deste (GOUVEIA, 2004, p. 16).
No entanto, tratam-se de figuras com dupla qualidade: são
17 Texto original em frânces – intervenção do Maître Bernar Menut. Traduçãodo contexto pela autora do presente artigo.18 Maître Bernard Menut (2001, p. 91) - Tradução do contexto pela autora dopresente artigo..
11
profissionais liberais encarregados de um missão de interesse
público, sendo por isso dotados por lei de certos poderes de
autoridade (GOUVEIA, 2004, p. 16).
Na Bélgica e nos países baixos, o huissier de justice é o braço
e o olho do juiz – sendo perante este responsável quanto aos
seus atos19 -, tendo tanto a função de apresentar o caso ao
tribunal, como de executar as decisões judiciais (VERBEKE,
2001, p. 41-42). É um profissional liberal – como um advogado
ou um notário -, e ao mesmo tempo um funcionário público, que
atua de forma autônoma e independente (VERBEKE, 2001, p. 41-
42). Como profissional liberal, é considerado mandatário do
credor, tendo, contudo, suas tarefas definidas por lei e
estando sujeito a controle judicial20, à semelhança do modelo
francês. Em termos de execução, tem o poder de atuar em nome do
Estado, sendo um auxiliar do tribunal e do sistema de execução
(VERBEKE, 2001, p. 41-42).
Assume responsabilidade contratual perante o credor e
responsabilidade extra-contratual perante terceiros
19 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_bel_pt.htm>. 20 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_bel_pt.htm>. .
12
(decorrente da lei e de eventual violação dos deveres gerais
de diligência)21. No respeitante a questões de ética, responde
perante o Ministério Público e a Câmara Regional dos Oficiais
de Justiça22.
O modelo executivo germânico (vigente na Alemanha e
Áustria), apesar de não ter sido objeto de discussão nos
trabalhos preparatórios da Reforma da Ação Executiva de 2003
em Portugal, também merece ser observado. Este igualmente
possui a figura do agente de execução, chamado de
Gerichtsvollzieher23, o qual tem a competência, de regra, para
efetuar a execução24, que se traduz, por exemplo, na prática
dos atos de penhora de móveis25 e apreensão de coisas móveis ou
imóveis26 (SOUSA, 2001, p. 109).
O gerichtsvollzieher é um funcionário do Land (tribunal de
instância superior), pertencente ao corpo intermediário de
Justiça, sob o controle hierárquico do diretor do Amtsgericht
21 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_bel_pt.htm>. 22 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_bel_pt.htm>. 23 Que, pela tradução de F. Silveira do Livro “Direito Processual Civil” deOthmar Jauernig, seria denominado, em verdade, um secretário judicial.24 Conforme o §753 (1) da Zivilprozebordunung – ZPO.25 Consoante o §808 da ZPO. 26 Nos moldes do §883 a 885 e 897 da ZPO..
13
(Tribunal Distrital) competente, e com total independência
para o exercício de suas funções. Como funcionário público,
pago pelo erário público - “ainda que os encargos decorrentes
da sua intervenção sejam suportados, no final, pelo executado,
quando lhes são encontrados bens, e excepcionalmente, pelo
exeqüente, no caso de execução injusta” (FREITAS, 2009, p. 24)
– tem de prestar contas e pedir autorização para prática de
determinados atos (RIBEIRO, 2009, p. 39).
Atualmente, sua principal tarefa é a atividade de penhora
de créditos do devedor, tendo o poder de permitir, inclusive,
o pagamento da dívida em prestações, sendo responsável por
assegurar a rápida e amigável efetuação do procedimento de
execução.27 A obtenção da declaração de ativos sob compromisso
de honra do devedor é, também, uma de suas tarefas essenciais,
visto que esta deverá servir de declaração de insolvência
patrimonial do devedor, de especial importância para o mesmo.28
Outros domínios de sua competência residem na entrega de
coisas móveis e imóveis para liquidação, a superação da
27Retirado de <http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_ger_pt.htm >. 28 Retirado de <http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_ger_pt.htm >..
14
oposição do devedor, notificações das partes, execução de
ordens de arresto e providências cautelares (quando o tribunal
não for competente), bem como de detenção.29
Nas execuções lastreadas por título executivo judicial, o
juiz só intervém em caso de litígio. Já naquelas ações
fundadas em título executivo extrajudicial, o juiz, , exerce
também o controle prévio - emitindo fórmula executiva, sem a
qual o processo executivo não é desencadeado.30
Neste esteio, a adoção do modelo executivo germânico
implicaria numa desjurisdicialização do processo de execução.
A ação executiva permaneceria dentro do Poder Judiciário e dos
Tribunais, havendo apenas uma transferência de competências do
juiz para um outro ator judicial, o qual ficaria encarregado
da prática dos atos executivos que não implicassem em atos de
jurisdição. O juiz ficaria encarregado apenas por atuar para a
solução de litígios e para, nos casos de títulos
extrajudiciais, aplicar a fórmula executiva, de modo a
possibilitar o início da execução. Os demais atos, tidos como
29 Retirado de <http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_ger_pt.htm >.30 Retirado de <http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_ger_pt.htm >..
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de caráter administrativos, quais sejam os atos de constrição
de patrimônio e de notificações das partes, bem como de
arrecadação de informações acerca das posses do devedor
passíveis de penhora, ficariam a cargo do agente de execução.
2. A opção de Portugal: a figura do agente de execução
Após análise e discussões acerca do próprio sistema
executivo português e dos sistemas europeus vizinhos, bem como
da realidade da sociedade portuguesa, os legisladores da
Reforma de 2003 resolveram adotar o modelo francês de
execução, introduzindo a figura do huissiser de justice em seu
ordenamento jurídico. Tal reforma pôs termo à concentração de
toda a atividade executiva - a qual ocorria sempre sob a
direção do juiz - no tribunal judicial.
A partir daí, passou-se a se fazer distinção entre
atos jurisdicionais relativos à ação executiva – os quais
continuaram a cargo do juiz de execução - e atos executivos
materiais (de apreensão de bens ou de penhora de direitos e de
venda dos bens e direitos penhorados) – os quais passaram a
ser levados a cabo pela figura do agente de execução (versão
portuguesa do huissier de justice), o qual, em princípio, era um
.
16
solicitador de execução, profissional liberal que não tem a
qualidade de entidade jurisdicional (MENDES, 2011, p. 8).
A inserção da figura do agente (ou solicitador) de
execução implicou na desjurisdicionalização do processo
executivo lusitano. Com a adoção desse novo ator processual,
se visou reduzir a excessiva burocratização e rigidez da ação
executiva, libertando o juiz das tarefas processuais que não
envolvessem uma função propriamente jurisdicional, e os
funcionários judiciais de tarefas a praticar fora do Tribunal
(PAIVA e CABRITA, 2009, p. 13).
A introdução deste profissional liberal com múnus públicos
trouxe a benesse de uma redução do custo da execução para o
Estado, uma vez que, este agente é remunerado pelo particular.
A máquina estatal portuguesa, muito despendiosa, necessitava,
já há muito tempo, de soluções para a redução de seus gastos,
de modo a continuar funcionando, e o agente de execução nos
moldes do huissier de justice representou para Portugal uma ótima
forma de unir o útil ao agradável. Ao mesmo tempo em que se
pretendeu transferir o ônus financeiro da execução para o
particular, esperou-se conquistar celeridade procedimental
.
17
para o processo executivo, tirando do juiz a incumbência de
praticar atos que não são essencialmente jurisdicionais.
A manutenção do agente de execução no Poder Judiciário
permitiu o controle de seus atos pelos Tribunais e garantiu a
preservação do princípio da reserva jurisdicional, mantendo a
intervenção do juiz para a solução dos litígios. Só
excepcionalmente, portanto, o juiz intervirá no processo
executivo – apenas nas hipóteses legais, sem prejuízo de seu
poder geral de controle do processo31 (PAIVA e CABRITA, 2009,
p. 15).
Ao juiz de execução, restou a competência para - “sem
prejuízo do poder geral do controle do processo e de outras
intervenções especificamente estabelecidas”32 (PORTUGAL, 2011a,
p. 238-239) - “proferir despacho liminar, julgar a oposição à
execução e à penhora, graduar créditos[...], julgar a
reclamação de actos do agente de execução [...], e ainda
decidir outras questões suscitadas” (MENDES, 2011, p. 10)
pelos sujeitos processuais. Ficou ainda estabelecido no n.º 2
do art. 809º, do CPC a competência para aplicação de multa nos
31 Art. 265º, n.º 1, do CPC.32 Disposto no art. 809º, nº. 1 do CPC.
18
casos em que se ficasse verificado requerimento da parte
manifestamente infundado (MENDES, 2011, p. 10).
Outro ponto que influenciou na escolha dos legisladores
pela figura do huissier de justice foi a possibilidade de
aproveitamento de uma classe profissional já existente, a dos
solicitadores (GERALDES, 2004, p. 28). Assim, através do
Decreto-lei da Reforma, n. 38/2003 foi criada a figura do
agente de execução, preferencialmente recrutado dentre os
solicitadores de execução, tendo sido então aprovado um novo
Estatuto dos Solicitadores, por meio do Decreto-lei nº.
88/2003, de 26 de abril, sendo então regulamentadas as novas
funções dos solicitadores de execução (ALEMÃO, 2007, cap. 1,
p. 1). Pelo art. 3º, 1, do novo estatuto, os antigos
solicitadores passaram automaticamente à condição de
solicitadores de execução independentemente de possuírem ou
não todos os requisitos exigidos (ALEMÃO, 2007, cap. 1, p. 1).
Diversamente dos juízes de execução, cuja competência
passou a ser excepcional, os solicitadores de execução têm, de
regra, a competência para ações executivas33 (PAIVA e CABRITA,
2009, p. 29). Pelo abrigo do art. 808º, n.º 3 do CPC
português, o agente de execução deve ser designado pelo33 Art. 808º, n.º 1, do CPC (PORTUGAL, 2011b, p. 237-238).
19
exequente dentre os agentes de execução inscritos ou
registrados na Câmara dos Solicitadores (PORTUGAL, 2011a, p.
237). Uma vez designado pelo exequente, cabe ao agente de
execução aceitar ou não a função - sendo seu silêncio
considerado uma aceitação tácita, escoado o prazo legal34,
conforme disposto no art. 810º, nº. 12, do CPC português -, e
só então, caso aceite, estará vinculado ao processo (PAIVA e
CABRITA, 2009, p. 30). Acentue-se que, apenas em caso de
execução em que o Estado seja exequente, ou em caso de
inexistência de agentes de execução na comarca ou por outra
causa de impossibilidade, é que o agente de execução poderá
ser um oficial de justiça, nos termos do art. 808º, n.º 4 e 5
do CPC português (PORTUGAL, 2011b, p. 238).
Por força do art. 808º do CPC lusitano, o agente de
execução fica, desta feita, competente por todas as
diligências do processo executivo – que, desprovidas de
natureza materialmente jurisdicionais, não se situem no âmbito
de competência do juiz (art. 809º, CPC) –, as quais incluem
não só os atos externos, mas como também os de secretaria35 e
34 O agente de execução tem cinco dias, a contar da notificação, paradeclarar eletrônicamente a sua não aceitação, tendo então a secretaria 5dias para indicar um agente de execução pela ordem da lista dosSolicitadores (PAIVA e CABRITA, 2009, p. 30-31). 35 Salvaguardados aqueles que a lei atribua expressamente às secretarias..
20
de cumprimento de despachos ou decisões judiciais de execução
(REGO, 2004, p 43). A competência do agente de execução,
todavia, é exercida sob o controle “difuso” judicial,
decorrente do poder geral de controle do processo que o juiz
possui (REGO, 2004, p 43).
Entre suas atribuições, cabe ao agente de execução, ainda,
determinar, após pesquisa no registro informático e nas bases
de dados disponíveis, qual o bem penhorado que melhor se
adequa ao montante da dívida exequenda, obedecendo a ordem
legal36 - sendo, geralmente, constituído depositário fiel dos
bens penhorados (FREITAS, 2003, p. 25-26). Semelhantemente
cabe a ele decidir qual a modalidade da venda do bem
penhorado, bem como fixar o valor-base destes37 e proceder à
venda, nos casos legalmente previstos (FREITAS, 2003, p. 25).
Pode também receber diretamente do executado o pagamento da
dívida38.
A destituição do agente de execução, todavia, vêm sendo um
ponto controverso na doutrina portuguesa. Logo quando a figura
do agente de execução foi introduzida no ordenamento jurídico
de Portugal, sua destituição só poderia ser feita pelo juiz e36 Vide art. 834º e ss, CPC. (PORTUGAL, 2011b, p. 255)37 Vide art. 886º e 866º-A do CPC (PORTUGAL, 2011b, p. 279-280)38 Vide art. 916º, n.º 1 a 3, CPC (PORTUGAL, 2011b, 291).
21
em caso de atuação dolosa ou negligente daquele ou por
violação grave de dever imposto pelo seu estatuto (PAIVA e
CABRITA, 2009, p. 31). Em 2008, algumas alterações foram
feitas pelo Dec-lei 226/08, e o exequente passou a ter também
competência para destituir o agente de execução, podendo fazê-
lo livremente de acordo com sua vontade39 (PAIVA e CABRITA,
2009, p. 32).
Com as mudanças introduzidas pela Reforma de 2008, começou
a se questionar ainda mais a imparcialidade do agente de
execução. Um vez que, nos moldes atuais, o agente de execução
é designado e antecipadamente custeado pelo exequente, e pode
também por este ser livremente destituído, dando
características de mandatário a um agente, que apesar de ser
um profissional liberal, não deixa de ter atribuições
públicas, gozando de certas prerrogativas.
Desta feita, de modo a reforçar a imparcialidade e
autonomia deste agente perante o exequente, os membros da
Comissão de Revisão do Processo Civil propõem - no novo projeto
de reforma da ação executiva, ainda em processo de aprovação -
a reserva da competência para destituição do agente de
execução ao juiz, assim como a instituição da necessidade de39 Por força do disposto no art. 808º, nº. 6 do CPC.
22
fundamentação da decisão em atuação dolosa ou violação
reiterada dos deveres estatutários daquele40 (SOUSA, MARQUES,
PIMENTA, 2010). Acrescenta-se ainda que a destituição
implicará, necessariamente, em instauração de processo
disciplinar e vinculará o destituído ao dever de imediata
restituição ao exequente das quantias recebidas (PORTUGAL,
2011a, p. 50). Assim, se pretende retomar a fiscalização do
agente de execução e salvaguardar a sua imparcialidade e dotá-
lo novamente de certa independência perante o exequente,
evitando que aquele se torne um mero mandatário das vontades
do particular (PORTUGAL, 2011a).
3. Sistema executivo brasileiro: análise sobre a possibilidade
de introdução da figura do agente de execução
Ao longo dos anos, reformas foram feitas, as quais
introduziram pequenas alterações no código processual civil
brasileiro de forma assistemática, culminando por torná-lo uma
verdadeira “colcha de retalhos”. Em razão disso, atualmente,
está em tramite um projeto de novo código processual civil, de
modo a tentar dar uma melhor estruturação às modificações
40Art. 808-Aº, nº. 4 do Projeto do Código de Processo Civil (PORTUGAL,2011b, p. 50)..
23
feitas e introduzir outras, em busca de coerência e lógica à
concatenação de dispositivos legais que é uma codificação. As
alternativas buscadas pelas reformas de 2005 e 2006 também
foram no sentido de desburocratizar o sistema, e muitas das
alterações também foram na execução. Como pontua Theodoro
Júnior:
As reformas brasileiras não eliminam o carácterjurisdicional da execução da sentença, mas ao abolir aactio iudicati (ação de execução) e tornar consequênciaimediata do julgado condenatório a expedição de mandadopara impor o seu cumprimento à parte, sem as peias dainstauração de um novo processo, estão, induvidosamente,colocando o direito processual pátrio no caminho quebusca a maior efectividade da prestação jurisdicionalperseguida por todos os quadrantes do direito comparadoem nosso tempo (THEODORO JÚNIOR, 2007, p.26).
Apesar de ter eliminado importantes barreiras à
celeridade processual, a adoção do sincretismo processual,
numa análise mais atenta, não foi capaz de eliminar os
bloqueios à prestação rápida da demanda jurisdicional, tendo
talvez apenas postergado o momento de seu acontecimento para a
fase executiva. As alterações, desta forma, apesar de
eficientes, não foram suficientes pra sanar o problema da
lentidão da entrega da tutela requerida. É diante deste
cenário que se torna interessante a análise quanto à
aplicabilidade da figura do agente de execução lusitano,
.
24
vislumbrando nele, ou nas demais opções de sistemas executivos
europeus, a possibilidade de solução desse problema
generalizado das demandas jurisdicionais.
A figura do agente à semelhança do huissier de justice francês
foi a opção adotada por Portugal diante de sua realidade
socioeconômica e particularidades jurídicas. Tanto foi essa
realidade influente, que em alguns pontos o sistema executivo
lusitano se diferenciou do paradigma escolhido. Diante da
pressa na adoção de figura jurídica do agente de execução, não
se optou pela criação de uma nova profissão, com regulamento
próprio e que lhe fosse particular, tampouco houve tempo para
que fosse possível a formação adequada destes novos
profissionais. Pela urgência, os solicitadores - profissão já
existente e de graduação técnica não exclusivamente jurídica
ou mesmo especializada - se tornaram os agentes de execução.
Outro ponto negativo que se pode levantar, após os poucos
anos de experiência prática do novo sistema executivo
português, no particular dos agentes de execução, é a questão
de sua (im)parcialidade. O fato de serem indicados e
inicialmente, custeados pelo exequente, e, até o presente
momento, poderem ser por este livremente destituídos, faz
.
25
surgir questionamentos acerca de sua capacidade de ser
imparcial – característica que deve ser inerente àqueles que
estão a exercer o poder público. Indaga-se, portanto, se a
natureza da relação entre estes (exequente e agente de
execução) seria a de um mandato de direito civil – e,
portanto, voltado a interesses particulares - ou se existiria
a imparcialidade, a isenção e a independência próprias de um
agente com múnus público - e, portanto, com finalidade no
interesse público.
Ao menos à primeira vista, parece prejudicada a capacidade
deste ator processual de ser imparcial. Os mais otimistas
preferem acreditar no funcionamento da figura do agente nos
moldes em que foi inserido no ordenamento e esperar o melhor
desses profissionais - o que de todo não estão errados, visto
que não se pode generalizar. Mas, os menos otimistas apontam a
existência de indícios de um ambiente que favorece a
parcialidade. Fato é que não se deve fazer vista grossa, sob
pena de se permitir injustiças no ordenamento jurídico e
subsistência de paradoxos processuais, se deve, ao menos,
fazer uma análise atenta e ponderar as possibilidades.
.
26
Outro indício de possível parcialidade do agente de
execução reside no fato de que estes são essencialmente
remunerados pelo seu resultado, logo, recebem de acordo com os
atos praticados e pelo seu rendimento ao longo do processo,
afinal de contas, são profissionais liberais. Além disso (ou
até em razão disto), não são poucos os casos em que um mesmo
agente de execução é contratado por um mesmo exequente em
múltiplas causas, o que termina por tornar financeiramente
interessante para este cuidar com mais presteza dos processos
daquele exequente que lhe traga maior remuneração (seja em
razão do número de causas ou mesmo do montante em jogo).
De modo que há, muitas vezes, o interesse do solicitador
de execução no desfecho do processo, visto que “é escolhido
por garantir um certo desempenho e um certo resultado, e ao
mesmo tempo sabe que quanto melhor for o seu desempenho maior
é a perspectiva de ser designado em novas” (PIMENTA, 2004, p.
85) execuções deste mesmo exequente. E tal circunstância pode,
muitas vezes, prejudicar a sua imparcialidade e isenção. Não
existe um controle do número de casos que cada agente pode
aceitar, o que também pode vir a afetar a eficiência destes
agentes, os quais podem acabar por aceitar mais causas do que
.
27
são capazes de profissionalmente sustentar (PIMENTA, 2004, p.
86).
Trazer ao poder público, um profissional liberal é uma
escolha arriscada. A possibilidade de remuneração em razão do
seu desempenho e os conflitos com os seus deveres de
imparcialidade e isenção podem, além disso, ser causa de
injustiça social no processo. Não seria difícil imaginar a
dificuldade que alguns exequentes – quer porque o montante em
jogo não é tão expressivo, ou quer porque não possuam muitas
ações em tramite – possam ter de conseguir agentes de execução
eficientes e interessados em aceitar a sua nomeação para a
causa. A busca por bons solicitadores de execução pode se
tornar, neste cenário, desigual, ainda que a remuneração
destes agentes seja tabelada em estatuto próprio.
Não se trata de não confiar na figura do agente de
execução, generalizando a intenção de uma profissão como sendo
apenas a de angariar dinheiro. Mas, também não se pode virar
as costas para as possibilidades de erro e injustiça que podem
ter sido trazidas à baila do processo executivo português.
Assim, justamente com medo de se estar possibilitando a
perversão do sistema e a criação de situações de desigualdade
.
28
dentro do processo, é que algumas modificações já estão sendo
planejadas.
Ao exemplo de Portugal, o Estado brasileiro é uma máquina
custosa, contudo, diferentemente daquele, este não está
vivendo a crise econômico-financeira que atingiu a União
Européia. Cortes de gastos sempre são bem vindos, mas a
necessidade ainda não é latente; o Estado não está falido e
sobreviveu à crise global, e, se não fossem os problemas que
ele mesmo cria41, estaria crescendo muito mais do que o está, e
poderia ter saído desta crise global mais fortalecido do que
quando entrou.
Em contrapartida, assim como acontece com a sociedade
portuguesa, o acesso ao crédito facilitado tende a levar a um
alto número de execuções em razão de endividamento pelo
consumo exacerbado. Principalmente, porque, ao passar dos
anos, a classe média brasileira tem aumentado, juntamente como
a sua capacidade de compra, o que tende a gerar um círculo
vicioso de consumo perigoso.
41 Segundo o economista Loman, “há uma série de fatores estruturais queimpedem o Brasil de crescer muito mais rápido no médio prazo. A baixa taxade poupança, por exemplo, limita o investimento e, consequentemente, ocrescimento” (RUEDA, 2012). Lista também Loman que: "O Brasil tambémpoderia crescer muito mais rápido se melhorasse sua infraestrutura,educação e o sistema tributário" .
29
Para além disso, a sociedade brasileira está sujeita a uma
das maiores cargas tributárias do mundo, e infelizmente, o
dinheiro percebido pelo Estado em razão desta tributação nem
sempre (ou não em sua totalidade) alcança às destinações
designadas pela lei, em razão da alta taxa de corrupção no
país. Neste cenário, deve-se, então, indagar se haveria
justificativas para uma oneração ainda maior do particular,
lhe transferindo os encargos do custeio dos atos processuais
praticados pela agente de execução.
Hodiernamente, no Brasil, os atos executivos são prestados
pelo Juiz, pela secretaria e pelo oficial de justiça, assim
como costumava ser em Portugal antes das reformas, e como
ainda o é na Itália e na Espanha. O juiz possui o poder de
controle e direção do processo, e os atos executados pela
secretária e pelo oficial de justiça são todos realizados
segundo despacho judicial. No atual sistema executivo
brasileiro, já é difícil controlar os joguetes de poderes
daqueles que, mais abastados, acreditam ser capazes de
subornar os seus interesses - com a certeza de não serem
punidos em razão da corrupção generalizada que infiltra todos
os setores da sociedade -, em um sistema judicializado, em que
.
30
os atos dos funcionários públicos são mais fortemente
fiscalizados, estando submetidos à legislação de direito
público, podendo o Estado ser responsabilizado pelos atos
praticados em prejuízo do particular.
De modo que, talvez numa leitura cética, a transferência
para o setor privado de competências do juiz, ainda que para
uma figura híbrida, tornaria ainda mais complicada a
fiscalização da regularidade, legalidade e integridade da
prestação dos atos executivos. O ambiente se tornaria ainda
mais propício e submisso às influências daqueles que se
entendem em situação de poder e riqueza que os permitam burlar
a lei, por se sentirem acima desta.
O famoso “jeitinho brasileiro” seria muito mais utilizado
em seu sentido pejorativo. Observe-se que os agentes de
execução portugueses, como profissionais liberais - como já
diversas vezes pontuado -, recebem sua remuneração de acordo
com sua produtividade, e, numa realidade brasileira, é
bastante fácil vislumbrar situações em que “incentivos” seriam
dados ao agente contratado, para cuidar com mais celeridade e
diligência dos processos daqueles mais influentes e abastados
– e, do ponto de vista deôntico, sem ética profissional.
.
31
Em outro esteio, retirar os atos não jurisdicionais da
competência do juiz como se observa nos sistemas executivos
desjurisdicializados traz eficácia ao processo e não afasta o
princípio da reserva jurisdicional, que no Brasil também é, a
exemplo de Portugal, constitucionalmente protegido. O que se
precisa é estudar se seria interessante para a realidade
brasileira adotar o modelo português (e portanto, o francês),
o sueco ou o alemão.
A adoção do modelo sueco implicaria em retirar,
completamente, os atos executivos do Poder Judiciário,
tornando-os competência de um órgão administrativo. Essa
mudança implicaria um alto gasto para o Estado, que teria que
criar um órgão administrativo especializado, o que implicaria
em contratação (por concurso) de novos funcionários públicos,
estabelecimento de novas estruturas físicas, etc. Não há, como
pontuado anteriormente, interesse em aumentar os gastos do
Estado brasileiro, que já é demasiadamente dispendioso. Além
disso, ao que tudo indica, na prática, a adoção do sistema
executivo sueco resultaria, numa mera transferência, do
Judiciário para o Executivo, do problema.
.
32
A solução alemã, por sua vez, apresenta a possibilidade de
uma desjurisdicionalização sem introdução de um profissional
liberal no sistema executivo. Os atos executivos não
jurisdicionais seriam atribuídos a um funcionário público -
que não o juiz -, que, na realidade brasileira, poderiam ser
atribuídos ao oficial de justiça, o qual, atualmente, já
realiza a maior parte destes atos - mediante despacho
judicial.
No Brasil, os oficiais de justiça são servidores públicos
auxiliares permanentes da Justiça, possuindo vínculo direto
com o Tribunal de Justiça (FARINELI, 2010). Necessariamente,
são graduados em Direito, e para serem devidamente nomeados
prestam exame eliminatório e em concorrência com outros
candidatos para acesso à carreira, ou seja, são profissionais
concursados.
Atualmente, já exercem funções externas ao juízo, como os
atos de comunicação (citação, intimação e notificação), de
constrição judicial (penhoras, buscas e apreensão) e demais
atos de execução de mandado judicial – que são as ordens
emanadas do juiz. São a longa manus do magistrado, realizando os
atos materiais necessários à tramitação regular do processo,
.
33
garantindo a efetividade da prestação jurisdicional (FARINELI,
2010). Suas funções estão elencadas no art. 143 do Código de
Processo Civil brasileiro (BRASIL, 1973).
Por já serem funcionários públicos e estarem vinculados à
Justiça, caso fosse efetuada a desjurisdicionalização aos
moldes germânicos, em tese, os oficiais de justiça não
sofreriam de influência de interesses de qualquer das partes,
uma vez que são remunerados pelo órgão estatal para o qual
foram nomeados. Além disso, estando subordinados ao Poder
Judiciário, a fiscalização de suas funções seria bem mais
fácil.
Com a adoção do modelo germânico adaptado para a realidade
brasileira, não haveria encargos adicionais ao Estado. A
grande alteração seria, até certo ponto, simples e de grande
impacto positivo no sentido da celeridade processual que tanto
se almeja no ordenamento moderno. As competências atualmente
atribuídas ao magistrado - e que não possuem natureza
jurisdicional – seriam transferidas ao oficial de justiça, que
já pratica a maioria dos referidos atos – fazendo-os,
entretanto, após os despachos judiciais. Eliminar-se-ia a
.
34
necessidade dos referidos despachos, limitando-se o momento de
intervenção judicial aos atos propriamente jurisdicionais.
Nas execuções judiciais, portanto, a partir do trânsito em
julgado da sentença condenatória42, a intervenção do juiz
estaria limitada e o processo passaria a correr a encargo do
oficial de justiça. Já no caso dos títulos executivos
extrajudiciais, em que se mantém a ação autônoma de execução,
seria necessária a adoção do modelo de injunção português ou
mesmo outro similar, que permita a aposição da fórmula
executiva, sendo necessária a intervenção prévia do juiz, que
ficaria então encarregado do controle quanto à exequibilidade
do referido título.
Talvez, a mudança um pouco mais séria ou que, em
princípio, cause um pouco mais de estranheza, seria a retirada
do poder de direção do processo das mãos do juiz, restringindo
a sua intervenção processual apenas a situações pontuais, que
envolvam a necessidade de jurisdição. A cautela teria uma
origem muito mais histórica, porque nem sempre é fácil
abandonar o que é conhecido, ainda que numa perspectiva de
grande melhora.
42 Ou, no caso de execução provisória, após preenchidos os requisitos legaispara tanto. Vide Art. 475-O do CPC brasileiro (BRASIL, 1973)..
35
O poder de direção processual nas mãos do oficial de
justiça significaria maior autonomia para tomada de decisões
referentes ao andamento regular do processo. À semelhança do
modelo alemão, o juiz manteria o controle geral do processo,
devendo acompanhar o seu andamento, de modo a garantir a
legalidade dos atos e a justiça da execução. O oficial de
justiça estaria subordinado, portanto, a este magistrado,
devendo a ele responder pelos seus atos, entretanto, teria
autonomia e independência para atuar dentro de sua
competência.
Assim, numa análise superficial da situação atual da
sociedade e do próprio ordenamento jurídico brasileiro, parece
não ser a experiência portuguesa a mais adequada para
solucionar o problema da morosidade da atual ação executiva do
Brasil, se apresentando como uma opção mais interessante a
adoção do sistema executivo alemão, com as adaptações
necessárias.
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