desburocratização do sistema executivo: análise crítica quanto à aplicabilidade da figura do...

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Desburocratização do sistema executivo: análise crítica quanto à aplicabilidade da figura do agente de execução no ordenamento jurídico brasileiro. Maíra Coelho Torres Galindo (FDUC) * Resumo Este artigo pretende discutir a possibilidade de adoção do agente de execução no ordenamento jurídico brasileiro, através de análise superficial sobre a escolha do legislador português, na reforma executiva de 2003, que introduziu esta figura, à semelhança do huissier de justice francês, no ordenamento jurídico lusitano. A análise passará pela apresentação suscinta dos sistemas executivos sueco, francês e alemão, de modo a possibilitar o entendimento acerca dos paradigmas presentes na Europa, que influenciaram na decisão do legislador português e serão igualmente importantes à discussão ora suscitada. Summary This article intends to discuss the possibility of introducing the portuguese enforcement agent into the brazilian legal enforcement procedures, through a superficial analysis about the option of the portugueses legislatores, in the Reform of 2003, for the french enforcement agente, the huissier de justice. The analysis comprehends a superficial introduction to the swedish, french and germanic enforcement systems, taken as paradigms to the european's legal system, and crucial for the understanding of the portugueses legislatores' choice and equally important to the present discussion. Palavras-chave: Agente de execução. Desjudicialização. Portugal. Brasil. Sumário 1. Reforma da ação executiva portugues: estudo dos paradigmas europeus; 2. A opção de Portugal: a figura do agente de execução; 3. Sistema executivo * Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela UNICAP. Mestranda em Ciências Jurídico-Civilísticas com menção em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Advogada.

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Desburocratização do sistema executivo: análise crítica quanto

à aplicabilidade da figura do agente de execução no

ordenamento jurídico brasileiro.

Maíra Coelho Torres Galindo (FDUC)*

ResumoEste artigo pretende discutir a possibilidade de adoção do agente deexecução no ordenamento jurídico brasileiro, através de análise superficialsobre a escolha do legislador português, na reforma executiva de 2003, queintroduziu esta figura, à semelhança do huissier de justice francês, noordenamento jurídico lusitano. A análise passará pela apresentação suscintados sistemas executivos sueco, francês e alemão, de modo a possibilitar oentendimento acerca dos paradigmas presentes na Europa, que influenciaramna decisão do legislador português e serão igualmente importantes àdiscussão ora suscitada.

SummaryThis article intends to discuss the possibility of introducing theportuguese enforcement agent into the brazilian legal enforcementprocedures, through a superficial analysis about the option of theportugueses legislatores, in the Reform of 2003, for the frenchenforcement agente, the huissier de justice. The analysis comprehends asuperficial introduction to the swedish, french and germanic enforcementsystems, taken as paradigms to the european's legal system, and crucial forthe understanding of the portugueses legislatores' choice and equallyimportant to the present discussion.

Palavras-chave: Agente de execução. Desjudicialização.

Portugal. Brasil.

Sumário1. Reforma da ação executiva portugues: estudo dos paradigmas europeus; 2.A opção de Portugal: a figura do agente de execução; 3. Sistema executivo

* Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela UNICAP. Mestranda emCiências Jurídico-Civilísticas com menção em Direito Processual Civil pelaFaculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Advogada.

2

brasileiro: análise sobre a possibilidade de introdução da figura do agentede execução;

1. Reforma da ação executiva portugues: estudo dos paradigmas

europeus

O Direito processual português vem, desde a década de

noventa, passando por uma série de reformas no intuito de

melhorar a realidade do seu ordenamento jurídico, adaptando o

Direito à realidade atual de sua sociedade. A reforma de 2003

sobre a ação executiva operou-se principalmente no intuito de

tentar resolver, ou pelo menos amainar, os problemas da

morosidade judicial e do “encharcamento” do ordenamento

jurídico.

Nos trabalhos preparatórios da referida reforma, se

discutiu, dentre outras, a questão estrutural da ação

executiva, buscando alternativas que possibilitassem a

desburocratização dessa espécie de ação. Levantou-se, então, a

celeuma acerca da hipótese de desjurisdicionalização ou

desjudicialização da ação executiva1. Ou seja, retirar a ação

1 “O prefixo negativo acrescentado às expressões judicialização ejurisdicionalização é utilizado para indicar o propósito de subtrair,respectivamente, atividades do Poder Judiciário e atribuições de seusagentes, até então previstos na lei” (POMAR, 2012).

3

executiva do Poder Judiciário transferindo-a para a esfera

administrativa (desjudicialização)2 ou apenas retirando-lhe da

competência (exclusiva) do juiz (desjurisdicionalização)3,

delegando-a a outro profissional, de modo a possibilitar que

aquele possa desempenhar apenas as questões jurisdicionais -

que lhe são em essência sua função -, e que nem sempre estão

presentes nos atos executivos.

Os legisladores, procurando inspiração em ordenamentos

jurídicos vizinhos, tiveram nos modelos executivos da França

(seguido pela Bélgica, Luxemburgo, Holanda e Grécia) e da

Suécia, o seu paradigma. Analisando estes sistemas-modelo, na

tentativa de decidir qual a melhor forma de desburocratizar a

ação executiva, os legisladores se depararam com duas opções

distintas, que implicariam na desjudicialização (total ou

parcial) daquela.

A desjudicialização repousa na idéia da existência de dois

poderes: o poder jurisdicional – o qual recai sobre o juiz da

execução – e o poder de direção processual da ação executiva –

2 Entende João Moreno Pomar que seria ”a reforma que estimula e dáinstrumentos para que os conflitos de interesses resolvam-se sem lide oupela via extrajudicial” (2012).3 Segundo João Moreno Pomar, a desjuridiscionalização é a reforma “queautoriza, no procedimento judicial, maior atribuição aos auxiliares dojuízo, ensejando melhor especialização dos atos do juiz permitindo-lheconcentrar esforço no estudo e solução dos casos em concreto” (2012)..

4

que fica ao encargo do agente de execução, um sujeito dotado

de atributos de autoridade (FREITAS, 2004, p. 7). Ambos os

sujeitos (juiz e agente) passam a ser peças essenciais ao

funcionamento da nova ação executiva, após a reforma (FREITAS,

2004, p. 7).

A ação executiva não faz parte do Poder Judiciário no

modelo suéco, sendo esta de competência do Poder Executivo,

que a realiza através das secretarias de execuções (chamadas

handräckning)4 - um órgão público totalmente administrativo, que

está, contudo, subordinado ao Ministério da Justiça, a quem

cabe nomear o responsável máximo daquele referido órgão

(PORTUGAL, 2001, p. 117). Segundo Mikael Mallqvist (2001, p.

101), existem 11 regionais, as quais se subordinam ao National

Tax Board (autoridade nacional)5. As secretarias de execuções têm

a responsabilidade geral pelas execuções, sendo os atos

executivos praticados pelos förrättningsmäns6 (que seria o agentes

de execução suéco).

4 Que MiKael Mallqvist chamou de Enforcement Agency, que seria a tradução parao inglês do handräckning.5 Que seria o equivalente à Receita Federal, no Brasil.6 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_swe_pt.htm> ..

5

Na Suécia, o procedimento executivo dura o total de um

ano, contado da data do requerimento, período em que o

förrättningsmän (agente de execução) irá investigar as posses do

devedor, recolhendo informações acerca das mesmas nos mais

variados registros públicos a que tem acesso, assim como

também em setores privados, como exemplo, em bancos.

(MALLQVIST, 2001, p. 102). A forma de coerção do devedor ao

fornecimento das informações requisitadas é a possibilidade de

aplicação, pelo Tribunal Superior7 (orgão igualmente

administrativo), de multas e até mesmo de detenção à pedido do

förrättningsmän (do agente)8. Observe-se que o förrättningsmän pode

ainda interrogar terceiros (pessoas ou entidades) para prestar

informações acerca dos bens do devedor (MALLQVIST, 2001, p.

102).

Nos esforços para localizar e penhorar bens do devedor, o

förrättningsmän também poderá visitar o devedor, e qualquer bem

penhorável encontrado com o mesmo é presumido deste, sendo

penhorado (MALLQVIST, 2001, p. 102); cabe ao terceiro

prejudicado reclamar a posse do bem de sua propriedade

7 É também a esta Corte que se endereçam as contestações das decisões dahandräckning , por meio de recursos (MALLQVIST, 2001, ´. 102).8 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_swe_pt.htm> ..

6

indevidamente atingido pela execução (MALLQVIST, 2001, p.

102). Não sendo localizados bens penhoráveis do devedor,

dentro do período de 1 (um) ano, a execução é encerrada,

restando reservado o direito do credor renovar seu

requerimento posteriormente. Tendo havido a penhora de bens, a

execução continua até a venda dos mesmos (MALLQVIST, 2001, p.

102).

O förrättningsmän como funcionário de órgão administrativo

do Estado é remunerado pelo erário público, entretanto, sua

remuneração advém da arrecadação das taxas cobradas para

custear o processo (custas de execução)9. Essas taxas são

adiantadas pelo requerente10, mas ao final reembolsadas pelo

devedor, sobre quem recaem todos os gastos do processo ao

final deste. (MALLQVIST, 2001, p. 103). Como funcionários

públicos, trabalham com um alto padrão ético, sendo analisados

por órgão público independente, podendo ser criminalmente

responsabilizados por seus atos. Ao mesmo tempo, o Estado

também pode ser responsabilizado pela má prática por parte do

agente de execução (o förrättningsmän) – não deixando espaço para

9 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_swe_pt.htm> .10 E é ele quem fica responsável (sendo o garante) perante o Estado dascustas do procedimento..

7

mercado negro de cobradores de dívidas (ilegalidades)

(MALLQVIST, 2001, p. 103).

Em defesa desse modelo de execução, o Dr. Mikael Mallqvist

(2001, p. 103) pontua que “uma execução rápida e eficiente é

de interesse dos devedores. Se o processo se prolonga, a taxa

de juros e custos do processo vão se elevar. Mesmo se o credor

tiver que pagar esses custos adiantadamente, no final, é o

devedor quem estará obrigado a pagá-los.11”

Em suma, na Suécia, a transferência da ação executiva para

um órgão administrativo resultou na desobstrução dos Tribunais

e na aceleração do andamento do procedimento. Contudo, tal

modelo reflete a sociedade deste país e dos países baixos, que

encaram, aparentemente, o patrimônio do cidadão de forma

bastante diferente, permitindo a expropriação dos bens do

devedor de forma muito mais ampla, possibilitando, inclusive,

que bens de terceiros seja atingidos com menos reservas. São

igualmente muito mais severos quanto aos meios para a

localização de bens passíveis de penhora, permitindo, a

coerção de seus cidadão mediante a aplicação de multa e até

mesmo de detenção.

11 Tradução pela autora do presente paper..

8

Outro ponto positivo neste sistema, é a eficácia na

fiscalização de seu agente de execução, pela transformação

deste em um funcionário público, com delimitação de uma linha

ética clara, possibilitando a responsabilização de ambos,

agente e Estado, aquele, inclusive, no âmbito penal. Tal

formato, ameniza as possibilidades de joguetes de poder e

manipulação de interesses por aqueles que possuem mais poder

de influência.

Como uma outra alternativa, os legisladores analisaram o

modelo executivo da França e a figura do Huissier de Justice. A

aplicação deste referido modelo no ordenamento jurídico

português implicaria numa desjurisdicialização do processo

executivo, transferindo funções anteriormente designadas ao

juiz a um novo sujeito judicial.

Na França, os “huissiers de justiça são qualificados como

‘officiers ministériels’12, estando encarregados de numerosas

atribuições, umas exercidas em termos de monopólio e outras em

concorrência com outras entidades” (MENDES, 2011, p. 10-11).

Esse agente exerce as suas funções no âmbito do direito

privado, mas para a execução, se beneficia de prerrogativas de

12 Traduzindo, funcionários ministeriais. .

9

autoridade pública, consagradas numa regulamentação precisa e

numa deontologia estritamente controlada13.

Apesar de ser um funcionário de nomeação oficial - tendo,

portanto, o dever de exercer o cargo quando solicitado -, é

contratado pelo exeqüente14 (FREITAS, 2001b, p. 544), sendo

custeado pelo particular15 (de regra, o executado, ao final,

quando condenado, e, excepecionalmente, o exequente no caso de

execução injusta) e através de tabela fixa16. Atua, em certos

casos (penhora de bens móveis ou créditos, por exemplo),

extrajudicialmente, sem prejuízo de poder recorrer ao

Ministério Público, quando o devedor não dê informações sobre

a sua conta bancária e sua entidade empregadora, e de poder

desencadear a hasta pública, quando o executado não vende,

13 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_fra_pt.htm>.14 Por isso, são ditos pela doutrina majoritária como mandatários dos seusclientes (exequentes), embora exerçam um mandato muito especiail, estandosujeitos a deveres deontológicos exisgentes e a lei pressupõe uma certaindependência (MENDES, 2011, p. 11).15 Por isso, também se diz se tratar de um modelo altamente privatizado(PORTUGAL, 2001, p. 117).16 A remuneração dos huissiers de justice estão estabelecidas no Dec. 96-1080/96, e consistem num montante fixo expresso, cumulativa oualternaticamente, consoante os casos, em direitos fixos ou em direitoproporcionais, a que acresce, se for o caso, um direito por instauração deacções – retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_fra_pt.htm>. .

10

dentro de um mês, os bens móveis penhorados - o que

normalmente ele não o faz (FREITAS, 2001b, p. 544-545).

Sua formação acadêmica é a mesma que a dos juízes,

advogados e notários, os quais posteriormente se especializam

nestas profissões (PORTUGAL, 2001, p. 91)17. Os huissiers de justice,

portanto, são licenciados em Direito, e para terem acesso à

profissão, precisam fazer estágio profissionalizante de 2

(dois) anos e prestar um exame nacional (PIMENTA, 2004, p.

84), para só então estarem aptos a serem nomeados pelo

Ministério da Justiça, a quem estão subordinados. São de

número limitado e o território de sua atuação é controlado

pelo Estado (através do Procurador da República18), que os

vigia a fim de evitar execuções que fujam aos direitos do

devedor (ALEMÃO, 2007, cap. 1, pag.1). Pela sua atuação, não

só respondem perante o exequente, mas também perante o

executado e terceiros (FREITAS, 2001b, p. 545).

Por serem contratados pelo exequente, são qualificados,

normalmente, como mandatários deste (GOUVEIA, 2004, p. 16).

No entanto, tratam-se de figuras com dupla qualidade: são

17 Texto original em frânces – intervenção do Maître Bernar Menut. Traduçãodo contexto pela autora do presente artigo.18 Maître Bernard Menut (2001, p. 91) - Tradução do contexto pela autora dopresente artigo..

11

profissionais liberais encarregados de um missão de interesse

público, sendo por isso dotados por lei de certos poderes de

autoridade (GOUVEIA, 2004, p. 16).

Na Bélgica e nos países baixos, o huissier de justice é o braço

e o olho do juiz – sendo perante este responsável quanto aos

seus atos19 -, tendo tanto a função de apresentar o caso ao

tribunal, como de executar as decisões judiciais (VERBEKE,

2001, p. 41-42). É um profissional liberal – como um advogado

ou um notário -, e ao mesmo tempo um funcionário público, que

atua de forma autônoma e independente (VERBEKE, 2001, p. 41-

42). Como profissional liberal, é considerado mandatário do

credor, tendo, contudo, suas tarefas definidas por lei e

estando sujeito a controle judicial20, à semelhança do modelo

francês. Em termos de execução, tem o poder de atuar em nome do

Estado, sendo um auxiliar do tribunal e do sistema de execução

(VERBEKE, 2001, p. 41-42).

Assume responsabilidade contratual perante o credor e

responsabilidade extra-contratual perante terceiros

19 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_bel_pt.htm>. 20 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_bel_pt.htm>. .

12

(decorrente da lei e de eventual violação dos deveres gerais

de diligência)21. No respeitante a questões de ética, responde

perante o Ministério Público e a Câmara Regional dos Oficiais

de Justiça22.

O modelo executivo germânico (vigente na Alemanha e

Áustria), apesar de não ter sido objeto de discussão nos

trabalhos preparatórios da Reforma da Ação Executiva de 2003

em Portugal, também merece ser observado. Este igualmente

possui a figura do agente de execução, chamado de

Gerichtsvollzieher23, o qual tem a competência, de regra, para

efetuar a execução24, que se traduz, por exemplo, na prática

dos atos de penhora de móveis25 e apreensão de coisas móveis ou

imóveis26 (SOUSA, 2001, p. 109).

O gerichtsvollzieher é um funcionário do Land (tribunal de

instância superior), pertencente ao corpo intermediário de

Justiça, sob o controle hierárquico do diretor do Amtsgericht

21 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_bel_pt.htm>. 22 Retirado de<http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_bel_pt.htm>. 23 Que, pela tradução de F. Silveira do Livro “Direito Processual Civil” deOthmar Jauernig, seria denominado, em verdade, um secretário judicial.24 Conforme o §753 (1) da Zivilprozebordunung – ZPO.25 Consoante o §808 da ZPO. 26 Nos moldes do §883 a 885 e 897 da ZPO..

13

(Tribunal Distrital) competente, e com total independência

para o exercício de suas funções. Como funcionário público,

pago pelo erário público - “ainda que os encargos decorrentes

da sua intervenção sejam suportados, no final, pelo executado,

quando lhes são encontrados bens, e excepcionalmente, pelo

exeqüente, no caso de execução injusta” (FREITAS, 2009, p. 24)

– tem de prestar contas e pedir autorização para prática de

determinados atos (RIBEIRO, 2009, p. 39).

Atualmente, sua principal tarefa é a atividade de penhora

de créditos do devedor, tendo o poder de permitir, inclusive,

o pagamento da dívida em prestações, sendo responsável por

assegurar a rápida e amigável efetuação do procedimento de

execução.27 A obtenção da declaração de ativos sob compromisso

de honra do devedor é, também, uma de suas tarefas essenciais,

visto que esta deverá servir de declaração de insolvência

patrimonial do devedor, de especial importância para o mesmo.28

Outros domínios de sua competência residem na entrega de

coisas móveis e imóveis para liquidação, a superação da

27Retirado de <http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_ger_pt.htm >. 28 Retirado de <http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_ger_pt.htm >..

14

oposição do devedor, notificações das partes, execução de

ordens de arresto e providências cautelares (quando o tribunal

não for competente), bem como de detenção.29

Nas execuções lastreadas por título executivo judicial, o

juiz só intervém em caso de litígio. Já naquelas ações

fundadas em título executivo extrajudicial, o juiz, , exerce

também o controle prévio - emitindo fórmula executiva, sem a

qual o processo executivo não é desencadeado.30

Neste esteio, a adoção do modelo executivo germânico

implicaria numa desjurisdicialização do processo de execução.

A ação executiva permaneceria dentro do Poder Judiciário e dos

Tribunais, havendo apenas uma transferência de competências do

juiz para um outro ator judicial, o qual ficaria encarregado

da prática dos atos executivos que não implicassem em atos de

jurisdição. O juiz ficaria encarregado apenas por atuar para a

solução de litígios e para, nos casos de títulos

extrajudiciais, aplicar a fórmula executiva, de modo a

possibilitar o início da execução. Os demais atos, tidos como

29 Retirado de <http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_ger_pt.htm >.30 Retirado de <http://ec.europa.eu/civiljustice/enforce_judgement/enforce_judgement_ger_pt.htm >..

15

de caráter administrativos, quais sejam os atos de constrição

de patrimônio e de notificações das partes, bem como de

arrecadação de informações acerca das posses do devedor

passíveis de penhora, ficariam a cargo do agente de execução.

2. A opção de Portugal: a figura do agente de execução

Após análise e discussões acerca do próprio sistema

executivo português e dos sistemas europeus vizinhos, bem como

da realidade da sociedade portuguesa, os legisladores da

Reforma de 2003 resolveram adotar o modelo francês de

execução, introduzindo a figura do huissiser de justice em seu

ordenamento jurídico. Tal reforma pôs termo à concentração de

toda a atividade executiva - a qual ocorria sempre sob a

direção do juiz - no tribunal judicial.

A partir daí, passou-se a se fazer distinção entre

atos jurisdicionais relativos à ação executiva – os quais

continuaram a cargo do juiz de execução - e atos executivos

materiais (de apreensão de bens ou de penhora de direitos e de

venda dos bens e direitos penhorados) – os quais passaram a

ser levados a cabo pela figura do agente de execução (versão

portuguesa do huissier de justice), o qual, em princípio, era um

.

16

solicitador de execução, profissional liberal que não tem a

qualidade de entidade jurisdicional (MENDES, 2011, p. 8).

A inserção da figura do agente (ou solicitador) de

execução implicou na desjurisdicionalização do processo

executivo lusitano. Com a adoção desse novo ator processual,

se visou reduzir a excessiva burocratização e rigidez da ação

executiva, libertando o juiz das tarefas processuais que não

envolvessem uma função propriamente jurisdicional, e os

funcionários judiciais de tarefas a praticar fora do Tribunal

(PAIVA e CABRITA, 2009, p. 13).

A introdução deste profissional liberal com múnus públicos

trouxe a benesse de uma redução do custo da execução para o

Estado, uma vez que, este agente é remunerado pelo particular.

A máquina estatal portuguesa, muito despendiosa, necessitava,

já há muito tempo, de soluções para a redução de seus gastos,

de modo a continuar funcionando, e o agente de execução nos

moldes do huissier de justice representou para Portugal uma ótima

forma de unir o útil ao agradável. Ao mesmo tempo em que se

pretendeu transferir o ônus financeiro da execução para o

particular, esperou-se conquistar celeridade procedimental

.

17

para o processo executivo, tirando do juiz a incumbência de

praticar atos que não são essencialmente jurisdicionais.

A manutenção do agente de execução no Poder Judiciário

permitiu o controle de seus atos pelos Tribunais e garantiu a

preservação do princípio da reserva jurisdicional, mantendo a

intervenção do juiz para a solução dos litígios. Só

excepcionalmente, portanto, o juiz intervirá no processo

executivo – apenas nas hipóteses legais, sem prejuízo de seu

poder geral de controle do processo31 (PAIVA e CABRITA, 2009,

p. 15).

Ao juiz de execução, restou a competência para - “sem

prejuízo do poder geral do controle do processo e de outras

intervenções especificamente estabelecidas”32 (PORTUGAL, 2011a,

p. 238-239) - “proferir despacho liminar, julgar a oposição à

execução e à penhora, graduar créditos[...], julgar a

reclamação de actos do agente de execução [...], e ainda

decidir outras questões suscitadas” (MENDES, 2011, p. 10)

pelos sujeitos processuais. Ficou ainda estabelecido no n.º 2

do art. 809º, do CPC a competência para aplicação de multa nos

31 Art. 265º, n.º 1, do CPC.32 Disposto no art. 809º, nº. 1 do CPC.

18

casos em que se ficasse verificado requerimento da parte

manifestamente infundado (MENDES, 2011, p. 10).

Outro ponto que influenciou na escolha dos legisladores

pela figura do huissier de justice foi a possibilidade de

aproveitamento de uma classe profissional já existente, a dos

solicitadores (GERALDES, 2004, p. 28). Assim, através do

Decreto-lei da Reforma, n. 38/2003 foi criada a figura do

agente de execução, preferencialmente recrutado dentre os

solicitadores de execução, tendo sido então aprovado um novo

Estatuto dos Solicitadores, por meio do Decreto-lei nº.

88/2003, de 26 de abril, sendo então regulamentadas as novas

funções dos solicitadores de execução (ALEMÃO, 2007, cap. 1,

p. 1). Pelo art. 3º, 1, do novo estatuto, os antigos

solicitadores passaram automaticamente à condição de

solicitadores de execução independentemente de possuírem ou

não todos os requisitos exigidos (ALEMÃO, 2007, cap. 1, p. 1).

Diversamente dos juízes de execução, cuja competência

passou a ser excepcional, os solicitadores de execução têm, de

regra, a competência para ações executivas33 (PAIVA e CABRITA,

2009, p. 29). Pelo abrigo do art. 808º, n.º 3 do CPC

português, o agente de execução deve ser designado pelo33 Art. 808º, n.º 1, do CPC (PORTUGAL, 2011b, p. 237-238).

19

exequente dentre os agentes de execução inscritos ou

registrados na Câmara dos Solicitadores (PORTUGAL, 2011a, p.

237). Uma vez designado pelo exequente, cabe ao agente de

execução aceitar ou não a função - sendo seu silêncio

considerado uma aceitação tácita, escoado o prazo legal34,

conforme disposto no art. 810º, nº. 12, do CPC português -, e

só então, caso aceite, estará vinculado ao processo (PAIVA e

CABRITA, 2009, p. 30). Acentue-se que, apenas em caso de

execução em que o Estado seja exequente, ou em caso de

inexistência de agentes de execução na comarca ou por outra

causa de impossibilidade, é que o agente de execução poderá

ser um oficial de justiça, nos termos do art. 808º, n.º 4 e 5

do CPC português (PORTUGAL, 2011b, p. 238).

Por força do art. 808º do CPC lusitano, o agente de

execução fica, desta feita, competente por todas as

diligências do processo executivo – que, desprovidas de

natureza materialmente jurisdicionais, não se situem no âmbito

de competência do juiz (art. 809º, CPC) –, as quais incluem

não só os atos externos, mas como também os de secretaria35 e

34 O agente de execução tem cinco dias, a contar da notificação, paradeclarar eletrônicamente a sua não aceitação, tendo então a secretaria 5dias para indicar um agente de execução pela ordem da lista dosSolicitadores (PAIVA e CABRITA, 2009, p. 30-31). 35 Salvaguardados aqueles que a lei atribua expressamente às secretarias..

20

de cumprimento de despachos ou decisões judiciais de execução

(REGO, 2004, p 43). A competência do agente de execução,

todavia, é exercida sob o controle “difuso” judicial,

decorrente do poder geral de controle do processo que o juiz

possui (REGO, 2004, p 43).

Entre suas atribuições, cabe ao agente de execução, ainda,

determinar, após pesquisa no registro informático e nas bases

de dados disponíveis, qual o bem penhorado que melhor se

adequa ao montante da dívida exequenda, obedecendo a ordem

legal36 - sendo, geralmente, constituído depositário fiel dos

bens penhorados (FREITAS, 2003, p. 25-26). Semelhantemente

cabe a ele decidir qual a modalidade da venda do bem

penhorado, bem como fixar o valor-base destes37 e proceder à

venda, nos casos legalmente previstos (FREITAS, 2003, p. 25).

Pode também receber diretamente do executado o pagamento da

dívida38.

A destituição do agente de execução, todavia, vêm sendo um

ponto controverso na doutrina portuguesa. Logo quando a figura

do agente de execução foi introduzida no ordenamento jurídico

de Portugal, sua destituição só poderia ser feita pelo juiz e36 Vide art. 834º e ss, CPC. (PORTUGAL, 2011b, p. 255)37 Vide art. 886º e 866º-A do CPC (PORTUGAL, 2011b, p. 279-280)38 Vide art. 916º, n.º 1 a 3, CPC (PORTUGAL, 2011b, 291).

21

em caso de atuação dolosa ou negligente daquele ou por

violação grave de dever imposto pelo seu estatuto (PAIVA e

CABRITA, 2009, p. 31). Em 2008, algumas alterações foram

feitas pelo Dec-lei 226/08, e o exequente passou a ter também

competência para destituir o agente de execução, podendo fazê-

lo livremente de acordo com sua vontade39 (PAIVA e CABRITA,

2009, p. 32).

Com as mudanças introduzidas pela Reforma de 2008, começou

a se questionar ainda mais a imparcialidade do agente de

execução. Um vez que, nos moldes atuais, o agente de execução

é designado e antecipadamente custeado pelo exequente, e pode

também por este ser livremente destituído, dando

características de mandatário a um agente, que apesar de ser

um profissional liberal, não deixa de ter atribuições

públicas, gozando de certas prerrogativas.

Desta feita, de modo a reforçar a imparcialidade e

autonomia deste agente perante o exequente, os membros da

Comissão de Revisão do Processo Civil propõem - no novo projeto

de reforma da ação executiva, ainda em processo de aprovação -

a reserva da competência para destituição do agente de

execução ao juiz, assim como a instituição da necessidade de39 Por força do disposto no art. 808º, nº. 6 do CPC.

22

fundamentação da decisão em atuação dolosa ou violação

reiterada dos deveres estatutários daquele40 (SOUSA, MARQUES,

PIMENTA, 2010). Acrescenta-se ainda que a destituição

implicará, necessariamente, em instauração de processo

disciplinar e vinculará o destituído ao dever de imediata

restituição ao exequente das quantias recebidas (PORTUGAL,

2011a, p. 50). Assim, se pretende retomar a fiscalização do

agente de execução e salvaguardar a sua imparcialidade e dotá-

lo novamente de certa independência perante o exequente,

evitando que aquele se torne um mero mandatário das vontades

do particular (PORTUGAL, 2011a).

3. Sistema executivo brasileiro: análise sobre a possibilidade

de introdução da figura do agente de execução

Ao longo dos anos, reformas foram feitas, as quais

introduziram pequenas alterações no código processual civil

brasileiro de forma assistemática, culminando por torná-lo uma

verdadeira “colcha de retalhos”. Em razão disso, atualmente,

está em tramite um projeto de novo código processual civil, de

modo a tentar dar uma melhor estruturação às modificações

40Art. 808-Aº, nº. 4 do Projeto do Código de Processo Civil (PORTUGAL,2011b, p. 50)..

23

feitas e introduzir outras, em busca de coerência e lógica à

concatenação de dispositivos legais que é uma codificação. As

alternativas buscadas pelas reformas de 2005 e 2006 também

foram no sentido de desburocratizar o sistema, e muitas das

alterações também foram na execução. Como pontua Theodoro

Júnior:

As reformas brasileiras não eliminam o carácterjurisdicional da execução da sentença, mas ao abolir aactio iudicati (ação de execução) e tornar consequênciaimediata do julgado condenatório a expedição de mandadopara impor o seu cumprimento à parte, sem as peias dainstauração de um novo processo, estão, induvidosamente,colocando o direito processual pátrio no caminho quebusca a maior efectividade da prestação jurisdicionalperseguida por todos os quadrantes do direito comparadoem nosso tempo (THEODORO JÚNIOR, 2007, p.26).

Apesar de ter eliminado importantes barreiras à

celeridade processual, a adoção do sincretismo processual,

numa análise mais atenta, não foi capaz de eliminar os

bloqueios à prestação rápida da demanda jurisdicional, tendo

talvez apenas postergado o momento de seu acontecimento para a

fase executiva. As alterações, desta forma, apesar de

eficientes, não foram suficientes pra sanar o problema da

lentidão da entrega da tutela requerida. É diante deste

cenário que se torna interessante a análise quanto à

aplicabilidade da figura do agente de execução lusitano,

.

24

vislumbrando nele, ou nas demais opções de sistemas executivos

europeus, a possibilidade de solução desse problema

generalizado das demandas jurisdicionais.

A figura do agente à semelhança do huissier de justice francês

foi a opção adotada por Portugal diante de sua realidade

socioeconômica e particularidades jurídicas. Tanto foi essa

realidade influente, que em alguns pontos o sistema executivo

lusitano se diferenciou do paradigma escolhido. Diante da

pressa na adoção de figura jurídica do agente de execução, não

se optou pela criação de uma nova profissão, com regulamento

próprio e que lhe fosse particular, tampouco houve tempo para

que fosse possível a formação adequada destes novos

profissionais. Pela urgência, os solicitadores - profissão já

existente e de graduação técnica não exclusivamente jurídica

ou mesmo especializada - se tornaram os agentes de execução.

Outro ponto negativo que se pode levantar, após os poucos

anos de experiência prática do novo sistema executivo

português, no particular dos agentes de execução, é a questão

de sua (im)parcialidade. O fato de serem indicados e

inicialmente, custeados pelo exequente, e, até o presente

momento, poderem ser por este livremente destituídos, faz

.

25

surgir questionamentos acerca de sua capacidade de ser

imparcial – característica que deve ser inerente àqueles que

estão a exercer o poder público. Indaga-se, portanto, se a

natureza da relação entre estes (exequente e agente de

execução) seria a de um mandato de direito civil – e,

portanto, voltado a interesses particulares - ou se existiria

a imparcialidade, a isenção e a independência próprias de um

agente com múnus público - e, portanto, com finalidade no

interesse público.

Ao menos à primeira vista, parece prejudicada a capacidade

deste ator processual de ser imparcial. Os mais otimistas

preferem acreditar no funcionamento da figura do agente nos

moldes em que foi inserido no ordenamento e esperar o melhor

desses profissionais - o que de todo não estão errados, visto

que não se pode generalizar. Mas, os menos otimistas apontam a

existência de indícios de um ambiente que favorece a

parcialidade. Fato é que não se deve fazer vista grossa, sob

pena de se permitir injustiças no ordenamento jurídico e

subsistência de paradoxos processuais, se deve, ao menos,

fazer uma análise atenta e ponderar as possibilidades.

.

26

Outro indício de possível parcialidade do agente de

execução reside no fato de que estes são essencialmente

remunerados pelo seu resultado, logo, recebem de acordo com os

atos praticados e pelo seu rendimento ao longo do processo,

afinal de contas, são profissionais liberais. Além disso (ou

até em razão disto), não são poucos os casos em que um mesmo

agente de execução é contratado por um mesmo exequente em

múltiplas causas, o que termina por tornar financeiramente

interessante para este cuidar com mais presteza dos processos

daquele exequente que lhe traga maior remuneração (seja em

razão do número de causas ou mesmo do montante em jogo).

De modo que há, muitas vezes, o interesse do solicitador

de execução no desfecho do processo, visto que “é escolhido

por garantir um certo desempenho e um certo resultado, e ao

mesmo tempo sabe que quanto melhor for o seu desempenho maior

é a perspectiva de ser designado em novas” (PIMENTA, 2004, p.

85) execuções deste mesmo exequente. E tal circunstância pode,

muitas vezes, prejudicar a sua imparcialidade e isenção. Não

existe um controle do número de casos que cada agente pode

aceitar, o que também pode vir a afetar a eficiência destes

agentes, os quais podem acabar por aceitar mais causas do que

.

27

são capazes de profissionalmente sustentar (PIMENTA, 2004, p.

86).

Trazer ao poder público, um profissional liberal é uma

escolha arriscada. A possibilidade de remuneração em razão do

seu desempenho e os conflitos com os seus deveres de

imparcialidade e isenção podem, além disso, ser causa de

injustiça social no processo. Não seria difícil imaginar a

dificuldade que alguns exequentes – quer porque o montante em

jogo não é tão expressivo, ou quer porque não possuam muitas

ações em tramite – possam ter de conseguir agentes de execução

eficientes e interessados em aceitar a sua nomeação para a

causa. A busca por bons solicitadores de execução pode se

tornar, neste cenário, desigual, ainda que a remuneração

destes agentes seja tabelada em estatuto próprio.

Não se trata de não confiar na figura do agente de

execução, generalizando a intenção de uma profissão como sendo

apenas a de angariar dinheiro. Mas, também não se pode virar

as costas para as possibilidades de erro e injustiça que podem

ter sido trazidas à baila do processo executivo português.

Assim, justamente com medo de se estar possibilitando a

perversão do sistema e a criação de situações de desigualdade

.

28

dentro do processo, é que algumas modificações já estão sendo

planejadas.

Ao exemplo de Portugal, o Estado brasileiro é uma máquina

custosa, contudo, diferentemente daquele, este não está

vivendo a crise econômico-financeira que atingiu a União

Européia. Cortes de gastos sempre são bem vindos, mas a

necessidade ainda não é latente; o Estado não está falido e

sobreviveu à crise global, e, se não fossem os problemas que

ele mesmo cria41, estaria crescendo muito mais do que o está, e

poderia ter saído desta crise global mais fortalecido do que

quando entrou.

Em contrapartida, assim como acontece com a sociedade

portuguesa, o acesso ao crédito facilitado tende a levar a um

alto número de execuções em razão de endividamento pelo

consumo exacerbado. Principalmente, porque, ao passar dos

anos, a classe média brasileira tem aumentado, juntamente como

a sua capacidade de compra, o que tende a gerar um círculo

vicioso de consumo perigoso.

41 Segundo o economista Loman, “há uma série de fatores estruturais queimpedem o Brasil de crescer muito mais rápido no médio prazo. A baixa taxade poupança, por exemplo, limita o investimento e, consequentemente, ocrescimento” (RUEDA, 2012). Lista também Loman que: "O Brasil tambémpoderia crescer muito mais rápido se melhorasse sua infraestrutura,educação e o sistema tributário" .

29

Para além disso, a sociedade brasileira está sujeita a uma

das maiores cargas tributárias do mundo, e infelizmente, o

dinheiro percebido pelo Estado em razão desta tributação nem

sempre (ou não em sua totalidade) alcança às destinações

designadas pela lei, em razão da alta taxa de corrupção no

país. Neste cenário, deve-se, então, indagar se haveria

justificativas para uma oneração ainda maior do particular,

lhe transferindo os encargos do custeio dos atos processuais

praticados pela agente de execução.

Hodiernamente, no Brasil, os atos executivos são prestados

pelo Juiz, pela secretaria e pelo oficial de justiça, assim

como costumava ser em Portugal antes das reformas, e como

ainda o é na Itália e na Espanha. O juiz possui o poder de

controle e direção do processo, e os atos executados pela

secretária e pelo oficial de justiça são todos realizados

segundo despacho judicial. No atual sistema executivo

brasileiro, já é difícil controlar os joguetes de poderes

daqueles que, mais abastados, acreditam ser capazes de

subornar os seus interesses - com a certeza de não serem

punidos em razão da corrupção generalizada que infiltra todos

os setores da sociedade -, em um sistema judicializado, em que

.

30

os atos dos funcionários públicos são mais fortemente

fiscalizados, estando submetidos à legislação de direito

público, podendo o Estado ser responsabilizado pelos atos

praticados em prejuízo do particular.

De modo que, talvez numa leitura cética, a transferência

para o setor privado de competências do juiz, ainda que para

uma figura híbrida, tornaria ainda mais complicada a

fiscalização da regularidade, legalidade e integridade da

prestação dos atos executivos. O ambiente se tornaria ainda

mais propício e submisso às influências daqueles que se

entendem em situação de poder e riqueza que os permitam burlar

a lei, por se sentirem acima desta.

O famoso “jeitinho brasileiro” seria muito mais utilizado

em seu sentido pejorativo. Observe-se que os agentes de

execução portugueses, como profissionais liberais - como já

diversas vezes pontuado -, recebem sua remuneração de acordo

com sua produtividade, e, numa realidade brasileira, é

bastante fácil vislumbrar situações em que “incentivos” seriam

dados ao agente contratado, para cuidar com mais celeridade e

diligência dos processos daqueles mais influentes e abastados

– e, do ponto de vista deôntico, sem ética profissional.

.

31

Em outro esteio, retirar os atos não jurisdicionais da

competência do juiz como se observa nos sistemas executivos

desjurisdicializados traz eficácia ao processo e não afasta o

princípio da reserva jurisdicional, que no Brasil também é, a

exemplo de Portugal, constitucionalmente protegido. O que se

precisa é estudar se seria interessante para a realidade

brasileira adotar o modelo português (e portanto, o francês),

o sueco ou o alemão.

A adoção do modelo sueco implicaria em retirar,

completamente, os atos executivos do Poder Judiciário,

tornando-os competência de um órgão administrativo. Essa

mudança implicaria um alto gasto para o Estado, que teria que

criar um órgão administrativo especializado, o que implicaria

em contratação (por concurso) de novos funcionários públicos,

estabelecimento de novas estruturas físicas, etc. Não há, como

pontuado anteriormente, interesse em aumentar os gastos do

Estado brasileiro, que já é demasiadamente dispendioso. Além

disso, ao que tudo indica, na prática, a adoção do sistema

executivo sueco resultaria, numa mera transferência, do

Judiciário para o Executivo, do problema.

.

32

A solução alemã, por sua vez, apresenta a possibilidade de

uma desjurisdicionalização sem introdução de um profissional

liberal no sistema executivo. Os atos executivos não

jurisdicionais seriam atribuídos a um funcionário público -

que não o juiz -, que, na realidade brasileira, poderiam ser

atribuídos ao oficial de justiça, o qual, atualmente, já

realiza a maior parte destes atos - mediante despacho

judicial.

No Brasil, os oficiais de justiça são servidores públicos

auxiliares permanentes da Justiça, possuindo vínculo direto

com o Tribunal de Justiça (FARINELI, 2010). Necessariamente,

são graduados em Direito, e para serem devidamente nomeados

prestam exame eliminatório e em concorrência com outros

candidatos para acesso à carreira, ou seja, são profissionais

concursados.

Atualmente, já exercem funções externas ao juízo, como os

atos de comunicação (citação, intimação e notificação), de

constrição judicial (penhoras, buscas e apreensão) e demais

atos de execução de mandado judicial – que são as ordens

emanadas do juiz. São a longa manus do magistrado, realizando os

atos materiais necessários à tramitação regular do processo,

.

33

garantindo a efetividade da prestação jurisdicional (FARINELI,

2010). Suas funções estão elencadas no art. 143 do Código de

Processo Civil brasileiro (BRASIL, 1973).

Por já serem funcionários públicos e estarem vinculados à

Justiça, caso fosse efetuada a desjurisdicionalização aos

moldes germânicos, em tese, os oficiais de justiça não

sofreriam de influência de interesses de qualquer das partes,

uma vez que são remunerados pelo órgão estatal para o qual

foram nomeados. Além disso, estando subordinados ao Poder

Judiciário, a fiscalização de suas funções seria bem mais

fácil.

Com a adoção do modelo germânico adaptado para a realidade

brasileira, não haveria encargos adicionais ao Estado. A

grande alteração seria, até certo ponto, simples e de grande

impacto positivo no sentido da celeridade processual que tanto

se almeja no ordenamento moderno. As competências atualmente

atribuídas ao magistrado - e que não possuem natureza

jurisdicional – seriam transferidas ao oficial de justiça, que

já pratica a maioria dos referidos atos – fazendo-os,

entretanto, após os despachos judiciais. Eliminar-se-ia a

.

34

necessidade dos referidos despachos, limitando-se o momento de

intervenção judicial aos atos propriamente jurisdicionais.

Nas execuções judiciais, portanto, a partir do trânsito em

julgado da sentença condenatória42, a intervenção do juiz

estaria limitada e o processo passaria a correr a encargo do

oficial de justiça. Já no caso dos títulos executivos

extrajudiciais, em que se mantém a ação autônoma de execução,

seria necessária a adoção do modelo de injunção português ou

mesmo outro similar, que permita a aposição da fórmula

executiva, sendo necessária a intervenção prévia do juiz, que

ficaria então encarregado do controle quanto à exequibilidade

do referido título.

Talvez, a mudança um pouco mais séria ou que, em

princípio, cause um pouco mais de estranheza, seria a retirada

do poder de direção do processo das mãos do juiz, restringindo

a sua intervenção processual apenas a situações pontuais, que

envolvam a necessidade de jurisdição. A cautela teria uma

origem muito mais histórica, porque nem sempre é fácil

abandonar o que é conhecido, ainda que numa perspectiva de

grande melhora.

42 Ou, no caso de execução provisória, após preenchidos os requisitos legaispara tanto. Vide Art. 475-O do CPC brasileiro (BRASIL, 1973)..

35

O poder de direção processual nas mãos do oficial de

justiça significaria maior autonomia para tomada de decisões

referentes ao andamento regular do processo. À semelhança do

modelo alemão, o juiz manteria o controle geral do processo,

devendo acompanhar o seu andamento, de modo a garantir a

legalidade dos atos e a justiça da execução. O oficial de

justiça estaria subordinado, portanto, a este magistrado,

devendo a ele responder pelos seus atos, entretanto, teria

autonomia e independência para atuar dentro de sua

competência.

Assim, numa análise superficial da situação atual da

sociedade e do próprio ordenamento jurídico brasileiro, parece

não ser a experiência portuguesa a mais adequada para

solucionar o problema da morosidade da atual ação executiva do

Brasil, se apresentando como uma opção mais interessante a

adoção do sistema executivo alemão, com as adaptações

necessárias.

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