aprendizado polÍtico em trajetÓrias de organizaÇÃo popular (pesquisa de campo
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APRENDIZADO POLÍTICO EM TRAJETÓRIAS DE ORGANIZAÇÃO POPULAR(PESQUISA DE CAMPO)
Paulo J. KrischkeProfessor do Doutorado Interdisciplinar em Ciências HumanasUniversidade Federal de Santa Catarina
Introdução e Justificativa: Essência e Natureza do Problema
O projeto da bolsa de produtividade (CNPq#503366/2005-6) iniciado pelo coordenador em
março de 2006, argumenta sobre a necessidade de superar alguns limites das abordagens teóricas
ao tema do aprendizado político, de modo a contribuir para uma visão de conjunto do campo
tratado, em casos históricos específicos de organização popular. A presente solicitação visa obter
auxilio do CNPq para verbas de custeio e capital desse projeto. A avaliação dessas diferenças de
teoria e metodologia pode ser feita, em termos históricos, e com conseqüências de interesse social,
em situações específicas e limítrofes que afetam grande parte da população urbana do país. No caso,
trata-se de estudar e avaliar processos de organização popular, em defesa contra a violência e
exclusão social, em bairros de baixa renda, na região metropolitana de Florianópolis. O projeto
estudará as trajetórias de organização das comunidades na defesa dos direitos humanos dos
moradores, nas áreas abrangidas pelo Fórum do Maciço do Morro da Cruz, na zona central do
município de Florianópolis. Nessas comunidades há inúmeros incidentes de conflito e criminalidade
que preocupam as autoridades, os meios de comunicação e os próprios moradores. Este projeto fará
um levantamento dos processos organizativos dessas comunidades, através de uma abordagem
interdisciplinar, em colaboração com pesquisadores de outras áreas das ciências humanas e sociais
aplicadas, para caracterizar os fatores que influenciam o aprendizado político e a defesa dos direitos
humanos. Portanto, simultaneamente ao teste das abordagens teóricas ao aprendizado político, o
projeto irá experimentar sua possível relevância para casos de exclusão, conflito e organização
popular. A metodologia da pesquisa incluirá entrevistas com lideranças das organizações
comunitárias, e grupos de debate entre os membros das comunidades usando a técnica de grupos
focais, além de levantar entre as comunidades a documentação existente sobre o tema.
Objetivo Principal:
Examinar as contribuições das várias abordagens teóricas ao estudo do aprendizado
político, as limitações que apresentam, e as alternativas para superar essas limitações. Essa análise
será realizada em conjunto com uma avaliação histórica dos processos organizativos entre
comunidades de baixa renda no município de Florianópolis. A intenção do projeto é apreciar a
relevância dessas abordagens teórico-metodológicas, para interpretar e proporcionar subsídios à
resolução desses problemas.
O estado atual do conhecimento sobre o problema
a) A abordagem sobre a democratização das elites: Aprendizado organizacional
O estudo do aprendizado organizacional foi justificado na proposta original desta pesquisa,
por suas contribuições eventuais ao "aprendizado complexo" (McCoy, 2000) -- ou seja, a mudança
de objetivos, normas e valores adotados pelas elites políticas durante os processos de
democratização. Neste sentido, é promissora a vertente que enfatiza o aprendizado organizacional
ao redor do tema das "comunidades epistêmicas", pois estas estariam justamente voltadas à criação
de novos procedimentos e valores, durante a crise e ausência de regulação sob os paradigmas
dominantes (Haas, P. 1992). O suposto desta vertente é que toda crise organizacional é também uma
crise epistêmica, de modo que a sua resolução necessita mobilizar inovações tanto procedimentais
como intelectuais/normativas. Estas iniciativas estariam sujeitas aos testes do consenso valorativo e
da eficiência prática, tanto por parte da comunidade científica como da direção institucional.
Portanto, o teste e objetivo do aprendizado organizacional seria a adoção de novos valores e
procedimentos, consensualmente emergentes nas comunidades epistêmicas, através de recursos de
institucionalização, que os implementariam na resolução de problemas deixados pendentes pelo
anterior paradigma predominante. Eder (2001) relaciona o aprendizado organizacional (e as
comunidades epistêmicas) às dinâmicas diferenciadas da institucionalização, no contexto europeu.
E especifica melhor essas diferenças em apoio a uma análise igualmente dinâmica da esfera pública
(no sentido habermasiano), tendo em vista as condições da "juridificação das relações sociais"
(Habermas, 1997), na "tríplice contingência" -- entre burocracia/sociedade/opinião pública
(Strydom, 1998) da atual constitucionalização européia. (Trenz e Eder, 2004).
Assim, são visíveis as contribuições desses debates sobre o aprendizado organizacional (nos
seus vários níveis e formas de construção, do local ao internacional; ou ainda em suas diversas
2
interpretações às vezes divergentes), para superar limitações da teoria do aprendizado da
democracia pelas elites. (McCoy, 2000, Eder, 2001) Embora isto nem sempre, ou mesmo raramente
aconteça historicamente, as comunidades epistêmicas oferecem uma interface temática que pode
eventualmente explicar as variáveis intervenientes no desenvolvimento institucional, através dos
indicadores da juridificação social -- os quais se poderiam testar e constatar empiricamente, quanto
à influência dos novos valores e procedimentos consensuais emergentes.
No caso das comunidades do Fórum do Maciço do Morro da Cruz, sabemos que algumas
dessas comunidades começaram a reagir há mais de vinte anos contra sua situação de exclusão e
subordinação sócio-econômica, política e cultural. Apesar das melhorias conquistadas durante esses
anos todos, as comunidades continuam a enfrentar conflitos e dificuldades de negociação com os
governos municipal e estadual -- além de desavenças freqüentes entre as suas próprias lideranças,
acerca do acesso e redistribuição dos recursos públicos. Além disso, e sobretudo, as comunidades
enfrentam a criminalidade crescente e ameaçadora, gerada pelo poder do narcotráfico, além das
divisões reforçadas pelos políticos, que exploram a seu favor essas debilidades.
A nossa questão aqui será saber em que medida as experiências de organização popular
dessas comunidades têm sido capazes de configurar o surgimento entre elas de uma (ou mais)
comunidade(s) epistêmica(s). Tal surgimento permitiria suscitar novas soluções aos problemas
pendentes, eventualmente difundindo uma juridificação das relações sociais entre a população, em
conseqüência gerando uma construção institucional que implementasse o aprendizado
organizacional. Esses desenvolvimentos poderiam promover o “aprendizado complexo”, entre
líderes e seguidores, acerca dos valores, das normas e procedimentos, do comportamento político e
das instituições democráticas. Essas questões podem ser respondidas através de entrevistas e grupos
de debate nas comunidades. (Ver metodologia)
b) A abordagem da cultura política: Socialização reflexiva.
Os estudos da cultura política geralmente referem a várias agências de socialização (igrejas,
escolas, família, mídia, grupos de idade, etc.) que seriam responsáveis pela diversidade entre as
culturas e subculturas políticas. Assim, Inglehart (1997) atribui a tendência atual ao “pós-
materialismo” entre a juventude à influência crescente da mídia (e a outros fatores econômicos e
tecnológicos da “pós-modernização”). Em contraposição, afirma-se que a religião, a família e a
escola estão perdendo a sua anterior centralidade nos processos de socialização.
Tendências semelhantes foram constatadas em pesquisa nacional sobre a cultura política da
juventude.(Krischke, 2004b) e uma pesquisa anterior (Krischke, 2004a) examinou também as
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diferenças e convergências da cultura política em Porto Alegre e Curitiba, criticando como hiper-
generalizantes os supostos e conclusões de Inglehart, e sugerindo a relevância dos contextos sócio-
históricos de socialização para interpretar a diversidade de suas contribuições ao processo de
democratização.
Ademais, a ênfase na mobilização cognitiva (Dalton, 1984), permite identificar as
características de subgrupos e sub-culturas, consoante seu envolvimento em diferentes modalidades
de participação coletiva -- que conferem conteúdos historicamente específicos à socialização
política. (Norris, 2004; Moisés, 1995; Baño, 1997; Moreira, 2000). Tudo isso permite também
superar uma certa "naturalização" determinista dos conceitos e processos políticos, adotada pelas
teorias anteriores da modernização e da cultura política.(Eder, 1996; Sommers, 1995; Woolcock,
1997; Cavalli, 2004)
Um aspecto central e atualmente relevante dos estudos sobre socialização política é o
caráter reflexivo atribuído por alguns autores, aos indivíduos que participam na sociedade
globalizada. (Giddens, 2000; Beck, 2000) Essa modernização reflexiva é vista como um
"developmental construct open to the future" (Drizek, 1999), através de redes e intercâmbios que o
habilitam. E o seu sentido é também demonstrar o caráter instituído (ou instituinte) dos processos
peculiares de socialização em diferentes contextos locais e nacionais. (Favell, 1998). Isto talvez
implicaria numa "dual edged politics" (Putnam, 1988), entre a influência mundial e a legitimidade
interna, "capital social" costitutivo de uma dupla cidadania, simultaneamente local e global.
(Woolcock, 1997)
Nos casos de organização popular que estamos estudando, existe há vinte anos uma ampla e
diversificada experiência de socialização política dos habitantes, que se pode constatar verificando:
a sua capacidade de modernização reflexiva (a sua compreensão do mundo externo e interno ao
bairro); a sua sofisticação cognitiva (recurso a conceitos sobre a vida política, ideologias e
instituições); e sobretudo acerca de como opera a mobilização cognitiva -- no sentido de atribuir
conteúdos (valores, normas, objetivos e procedimentos) aos modos de participação que adotaram.
Enfim, esta interface temática no âmbito da socialização política pode ser em princípio
demonstrada, nas modalidades disponíveis de participação política, que são adotadas pelos
participantes dentre o público de massas. Tais modalidades definirão as variáveis existentes de
modernização reflexiva em cada contexto histórico, através dos indicadores de mobilização
cognitiva, bem como em valores, normas, objetivos e conteúdos manifestos por esses atores
coletivos. Também aqui torna-se necessário a realização de entrevistas e grupos de debate nas
comunidades.
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c) As contribuições da ação comunicativa: A ética dos discursos
As contribuições de Habermas (1997) ao estudo do aprendizado político, constituem uma
abordagem multi-dimensional e intersubjetiva aos fenômenos estudados. A proposta deriva de uma
fundamentação teórica coerente. As teorias de Habermas sobre a “ação comunicativa” e o
“desenvolvimento moral-cognitivo” são multi-dimensionais, incluindo a dimensão cognitiva (o
desenvolvimento de visões do mundo), a dimensão normativa (o desenvolvimento jurídico e moral),
e a dimensão subjetiva (o desenvolvimento de identidades e estruturas de personalidade mais
complexas). Esta perspectiva aborda comparativamente o aprendizado político como
“desenvolvimento moral-cognitivo” (Habermas, 1990). Tal desenvolvimento resulta de interações e
da mútua constituição, histórica e intersubjetivamente situadas, entre os indivíduos, os
atores/processos sociais, e os atores/instituições políticos. (Krischke, 2001).
Além disso, a definição de Habermas da “democracia como institucionalização de
discursos” (Habermas, 1979:73) supõe que “os discursos são institucionalizados à medida em que é
criado um contexto social que permita acordos coletivos pós-convencionais, os quais por sua vez
criam quaisquer estruturas compartilhadas pelos atores”. (Bohman, 1990) Esta ênfase desloca o
ônus da prova do aprendizado político a uma validação histórica intersubjetiva por parte dos atores
individuais, sociais, e políticos – naqueles processos e instituições políticos que se disponham a
criar e sustentar.
Assim, a proposta inicial do projeto de produtividade deste pesquisador, sugeriu que a
abordagem de Habermas (1984-7) sobre a ação comunicativa constitui uma aproximação teórica
alternativa e integradora ao tema do aprendizado político. (Krischke, 2001) E indicou também o
sub-tema da ética discursiva como constitutivo de uma interface temática, em que se poderia
apreciar as contribuições complementares, convergentes ou divergentes, de diversos outros autores
que se dedicam ao estudo do mesmo tema. Esta revisão da bibliografia pertinente constatou que o
centro do debate sobre a ética dos discursos reside no confronto, diálogo, e mútuas influências,
entre as vertentes comunitaristas e universalistas. (Avineri e Shalit, 1992; Benhabib e Dallmayr,
1990; Alvarez et al., 1998)
Os autores que adotam o comunitarismo enfatizam principalmente a importância das
tradições culturais -- cujo resguardo é considerado inapelável, no sentido de melhor defender e
garantir as políticas de reconhecimento do direito à diferença e autogestão das coletividades --
através de sua transmissão e aperfeiçoamento como legado às futuras gerações. (Taylor, 1998) O
alvo principal da crítica comunitarista é o neocontratualismo liberal de autores como John Rawls
(1993) -- que enfatizariam o "racionalismo abstrato" dos indivíduos, como cidadãos "desprendidos"
do seu contexto cultural, com vistas a que assumam a condição de sujeitos de uma ética universal.
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O parágrafo acima é apenas uma simplificação, para assinalar a contribuição mediadora de
Habermas (1997). Esta contribuição busca reconciliar as ênfases do comunitarismo e do
universalismo, através da reforma das tradições pela ação comunicativa entre os indivíduos, no
exercício de uma "ciência social reconstrutiva" (Habermas, 1990) -- quando atuam como indivíduos
autônomos capazes de desenvolvimento moral e cognitivo. Contudo, a proposta de Habermas tem
recebido muitas objeções -- entre elas as que criticam o paralelismo atribuído por ele (Habermas,
1990) ao desenvolvimento moral-cognitivo nos planos filogenético e ontogenético -- ou seja, no
âmbito tanto individual como coletivo-institucional. Na verdade, Habermas (1984-7) defende uma
homologia (ou talvez uma correspondência) entre ambos processos de desenvolvimento. Mas o
desdobramento que faz desse argumento em sua análise histórica e ética do Estado ocidental, no
segundo volume dessa obra, dá margem a uma interpretação integrativa de ambos os fenômenos.
Os críticos desvelam vigorosamente os lapsos tanto teóricos como metodológicos dessa
interpretração. (Aragaki, 1993; Wetterstein, 1998; Strydom, 1992 e 1993). Eder (1996)
principalmente amplia essas críticas, a uma denúncia de certa tendência "naturalística", que ele
considera central nas ciências sociais, a qual caracterizaria o aprendizado político como um
processo histórico sócio-evolutivo, necessário e determinista -- enquanto veículo de uma suposta
racionalização iluminista do ocidente. Eder, finalmente, assinala o sentido aberto de sua posição a
respeito, no título germinativo de seu ensaio: "as sociedades aprendem, mas o mundo é difícil de
mudar". (Eder, 2001)
Por certo, sempre há lugar para a crítica de universalismo abstrato, nas propostas de
Habermas ou de outros pensadores (principalmente os liberais). E é também verdade que sempre
existem possibilidades de progresso, e/ou de estagnação e regressão nas experiências históricas do
aprendizado político. Porém, algumas comunitaristas feministas, como Seyla Benhabib (1990) e
Amy Gutman (1992) reconheceram o caráter transitório e historicamente relativo das tradições e
das comunidades, permitindo a sua reforma, pela recuperação da abordagem ética universalista.
Nancy Fraser (1999, 2003) situou especificamente essa reforma no âmbito da mudança das relações
inter-pessoais e institucionais, pela aplicação de políticas de reconhecimento do direito à diferença e
à correção da injustiça -- no exercício de normas de paridade participativa da cidadania. Dessa
forma, o apelo habermasiano à "ciência social reconstrutiva", pode ser contextualizado e
demonstrado historicamente, em procedimentos de autogestão política e comunitária.
Nos casos de organização popular que estamos estudando queremos constatar se o
aprendizado político ocorre através de uma ética discursiva, que tanto pode ser comunitarista como
universalista. Por exemplo, a presença da religião católica (e da teologia da libertação) pode ter
sido, e até certo ponto continuar sendo, muito influente na reorganização das comunidades.
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(Krischke, 2001; Araújo, 2004). Esta influência entra em competição, mas às vezes tende a
cooperar, com outras tradições culturais e religiosas. Talvez as difíceis negociações, e relações às
vezes conflitivas, tanto entre as comunidades carentes, como destas com os agentes de governo,
partidos políticos e instituições externas, ofereçam os exemplos mais claros da ética discursiva no
aprendizado político local.
De fato, a partir da polarização isolada inicial entre o governo e a organização das
comunidades pioneiras no bairro, as comunidades avançaram gradualmente, no sentido de influir e
atrair apoios na política municipal. (Krischke, 2001) Mas a trajetória dessas comunidades também
atraiu oposições e conflitos, internos e externos ao bairro. Portanto, é necessário investigar o apelo
que esses discursos exercem sobre o conjunto das tradições ético-políticas e religiosas-culturais, e
se acaso reforçam ou reformam essas tradições, seja em sentido comunitarista ou universalista.
Deve-se testar a capacidade desses discursos para gerar convergências e divergências internas no
bairro e na região; bem como seus pontos de contato, atrito e negociação com as políticas públicas,
partidos e governos de turno.
Também se necessita avaliar a orientação desses discursos para políticas de
reconhecimento, do direito à diferença, e da tolerância com os demais grupos populares da região,
assim como acerca dos indivíduos e das instituições em geral. Já houve várias conquistas materiais
nos bairros, de acesso a equipamentos e serviços urbanos básicos, ao longo dos anos. Isto configura
uma conquista inicial dos direitos humanos, e do exercício da cidadania por esta população.
Contudo, essas conquistas estão desigualmente distribuídas entre as comunidades do Maciço, como
possível fator (tanto origem como conseqüência) de competições e desavença entre elas. Além
disso, tais diferenças podem ser manipuladas (como já foram no passado) pelos procedimentos
clientelistas tradicionais das oligarquias políticas. A recente iniciativa local de estabelecer um
Fórum das comunidades para unificar uma estratégia comum de negociação com o governo,
pretende superar essas dificuldades. Portanto, tendo em vista essa finalidade, é necessário avaliar os
discursos geradores do aprendizado político que acompanharam esse processo.
Em resumo: as interfaces existentes nestes bairros (contexto de exclusão, conflito, e
organização popular), entre a atuação de suas eventuais comunidades epistêmicas, as modalidades
de participação política existentes, e as orientações comunitaristas e/ou universalistas que adotaram,
permitirão entender as conquistas e os problemas enfrentados no seu aprendizado político. Esse
entendimento em conjunto, realizado pelas comunidades, tornaria possível uma avaliação geral de
sua trajetória, e a busca de novas soluções para os problemas pendentes, e para enfrentar outras
necessidades emergentes.
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Síntese da metodologia proposta
O método de enfoque em interfaces temáticas foi usado pelo pesquisador em outras
oportunidades, com bom rendimento comparativo e epistemológico, no tratamento de outras
dimensões da bibliografia central sobre a democratização. (Krischke, 1997; 2001). Este método
recolhe as contribuições específicas de cada abordagem a temas comuns (interfaces), revelando os
problemas práticos e conceptuais não resolvidos, e os limites internos de cada abordagem. Neste
contexto as teorias estabelecidas podem ser vistas de forma coordenada, e não apenas como
propostas competitivas, ou excludentes umas às outras. Por certo, não se trata de desconhecer as
diversidades de fundamentação teórica, e os projetos políticos divergentes em que muitas vezes se
apóiam as diferentes abordagens. Mas as interfaces temáticas permitem constatar os limites internos
de cada abordagem, bem como sua inserção nos respectivos enquadramentos teóricos e
procedimentos metodológicos --os quais talvez a impeçam de incorporar eventualmente à análise,
aquelas dimensões do tema que são freqüentemente enfatizadas por outras abordagens.
O exame dessas interfaces seguirá o esquema sintetizado no Quadro a seguir.
SUB-TEMAS DO APRENDIZADO POLÍTICO: INTERFACES TEMÁTICAS
ABORDAGENS SUB-TEMAS VARIÁVEIS INDICADORES INTERFACES
Teoria das Elites
Aprendizado Organizacional
Desenvolvimento Institucional?
Juridificação Social
Comunidades Epistêmicas
Cultura Política
SocializaçãoPolítica
ModernizaçãoReflexiva?
SofisticaçãoCognitiva
Modos deParticipação
Ação Comunicativa
Ética Discursiva
TradiçõesCulturais ?
Políticas deReconhecimento
Universalismo/Comunitarismo
Para constatar a existência ou não de um aprendizado organizacional entre as comunidades
(do Fórum do Maciço do Morro da Cruz) serão examinadas as variáveis de desenvolvimento
institucional na trajetória dessas comunidades. Através das entrevistas e grupos de debate nas
comunidades se levantará indícios de juridificação das relações sociais, os quais por sua vez se
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possam atribuir à emergência de comunidades epistêmicas -- que tenham alcançado influência, ao
introduzir soluções viáveis e consensuais, durante a sua trajetória no bairro.
Essas entrevistas e debates podem também servir para avaliar os resultados dos processos
de socialização política, e neles a incidência de uma capacidade de modernização reflexiva e
sofisticação cognitiva -- com conteúdos manifestos nos modos de participação adotados, durante a
argumentação sobre seus objetivos, valores e procedimentos. Da mesma forma se pode obter o
registro da ética discursiva: o posicionamento das comunidades frente às tradições culturais; e o
surgimento de políticas de reconhecimento, seja sob formas e conteúdos universalistas, e/ou
comunitaristas. O próprio método de pesquisa em grupos de debate pode ser considerado (com já
fizemos em pesquisa anterior – Krischke, 2004a) como “ciência social reconstrutiva” — em que os
participantes são estimulados a posicionar-se em condições de eqüidade, ou paridade participativa,
para avaliar as normas existentes no seu cotidiano, e debater alternativas.
Por certo, tais interfaces temáticas tanto podem ser, como não ser constatadas, durante a
atividade de pesquisa. O mais provável é que uma delas revele resultados mais frutíferos que as
demais. O cuidadoso planejamento, condução e avaliação do trabalho de campo -- principalmente
dos grupos de debate -- permitirá resgatar e comparar rigorosamente, os seus resultados práticos e
teóricos. (Gibbs, 1997) Idealmente, o aprendizado político constatado nos grupos colaborará para
fazer um balanço histórico dos processos de organização dessas comunidades, que influa
eventualmente na resolução dos seus problemas. A existência de uma ou mais dessas interfaces
poderá contribuir para a formação de uma teoria geral do aprendizado político, que supere algumas
dificuldades existentes entre as várias abordagens, com o esclarecimento das questões de
enquadramento teórico e metodológico que constituem (e dificultam) este campo de estudo.
Cronograma de realização
O projeto incluirá: uma primeira etapa de elaboração conceptual e planejamento
operacional; duas etapas consecutivas de coleta e análise de dados; e uma quarta e última etapa de
elaboração das conclusões e debate na comunidade científica. A primeira etapa (quatro meses) terá
como foco principal a seleção das localidades a serem pesquisadas. Para tanto será levantado sobre
um conjunto pré-definido de comunidades do Maciço do Morro da Cruz um corpo de dados e
informações de fonte secundária que permitam o estabelecimento de inferências preliminares sobre
os contextos históricos locais, e sua evolução nos últimos anos. A escolha definitiva dos campos de
pesquisa estará orientada pelo interesse em trabalhar com contextos de aprendizado político
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localmente diferenciados. As escolas públicas existentes na região proporcionam um ponto de
partida que possibilita esse levantamento dos dados iniciais acerca das comunidades.
A segunda etapa (oito meses) estará centrada na elaboração e aplicação de uma pauta de
discussão contendo tópicos pertinentes (1) às representações sociais no campo da política (inclusive
das dimensões das atitudes e valores), e ao comportamento político; e (2) a aspectos das biografias
de lideranças locais e outras pessoas, selecionadas em diferentes contextos e faixas etárias, que
possam levar a uma melhor compreensão dos efeitos do aprendizado político, durante sua trajetória
nos bairros.
A técnica a ser utilizada é a realização de entrevistas e debates em “grupos focais”
compostos por mulheres e homens membros dessas comunidades, entre nove a doze pessoas em
cada grupo, de diferentes gerações e distintas experiências de participação e/ou liderança em suas
respectivas comunidades. Os grupos focais serão moderados por um profissional e gravados em fita
e vídeo, sendo estas posteriormente transcritas. Esta etapa servirá também para definir com maior
precisão a agenda de trabalho da etapa seguinte.
A terceira etapa (seis meses) estará centrada no processamento dos dados levantados nas
entrevistas e grupos de debate, e na exposição e debate desses resultados, entre outros participantes
no Fórum (ou que dele não participam ativamente). Nesta etapa também será feita a análise dos
dados levantados pelo levantamento geral da documentação sobre a trajetória das comunidades
existentes no Maciço.
A quarta e última etapa (seis meses) estará orientada à análise em conjunto de todos os
dados levantados, à elaboração de interpretações e recomendações, sobre os processos de
aprendizado político estudados. À luz desses resultados serão redigidos os relatórios com as
conclusões do projeto, para sua apresentação e debate no Fórum das comunidades locais, e sua
apresentação acadêmica em eventos e congressos da comunidade científica.
Equipe: Plano de Trabalho e Atribuição de Responsabilidades
A equipe será constituída pelo pesquisador doutor que coordena o projeto; por um
pesquisador especializado para dirigir o trabalho de campo; por dois auxiliares de pesquisa
(bolsistas de iniciação científica), e um assistente de pesquisa (bolsista de apoio técnico). Estes
bolsistas atuarão com bolsas obtidas em outros editais e agências. Por último, o projeto poderá
integrar outros pesquisadores eventuais (mestrandos, doutorandos, visitantes e outros).
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Coordenação
Paulo José Duval da Silva Krischke. Coordenador geral do projeto e da equipe.
Atribuições: Representação junto ao CNPq e outras agências e instituições, nacionais e
internacionais. Encaminhamento das questões teóricas e práticas atinentes à consecução dos
objetivos do projeto. Liderança e acompanhamento das atividades de pesquisa e da realização do
seu cronograma de execução, programação orçamentária e demais características do projeto.
Coordenação das reuniões de trabalho da equipe. Coordenação geral dos processos de elaboração
conceitual, do planejamento do trabalho de campo, análise de dados e elaboração final das
conclusões. Responsável pelo controle de qualidade da pesquisa. Co-redação do relatório final e
sub-produtos a serem apresentados à comunidade científica via eventos e/ou publicações.
Pesquisador Contratado (Por licitação para serviço de terceiros entre agentes especializados)
Atribuições: Co-coordenar o planejamento, direção e avaliação do trabalho de campo. Co-liderança
e acompanhamento das atividades de pesquisa. Liderança da realização e aplicação dos roteiros das
entrevistas e dos grupos de debate. Supervisão dos debates com as comunidades e dos
procedimentos internos de captação, organização e armazenamento dos dados da pesquisa. Co-
redação do relatório final e sub-produtos a serem apresentados à comunidade científica via eventos
e/ou publicações.
Assistentes e auxiliares de Pesquisa (Com bolsas a serem obtidas em outras agências e editais)
1) Bolsista de Ajuda Técnica a Pesquisa (AT)
Atribuições: Coordenador da organização do banco de dados para recrutamento de participantes de
grupos focais; coordenação da equipe de recrutadores de participantes dos grupos focais e do
trabalho de recrutamento em si. Supervisão das atividades de campo, da tabulação parcial, da
categorização e codificação das respostas, e da entrada de dados no computador. Apoio à equipe de
pesquisadores e seus auxiliares em atividades técnicas especializadas - tais como: supervisão da
utilização de recursos de informática; sistematização dos dados da pesquisa; classificação de
bibliografia e documentação; acesso a bancos de dados e outras fontes de informação relevantes à
atividade de pesquisa.
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2) Bolsistas de Iniciação Científica (IC). Estudantes de graduação em Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas, que participarão das reuniões da equipe de pesquisa; das atividades do trabalho de
campo, atribuições logísticas e atividades básicas do projeto, sob supervisão da equipe de pesquisa e
do bolsista AT-- tais como: coleta e sistematização de dados secundários; entrada de dados no
computador; codificação de respostas a questionários; registro em fita e vídeo e transcrição de fitas
gravadas dos grupos focais; realização de contatos, agendamento de entrevistas e outras atribuições,
como análise dos dados; apresentação de comunicados com resultados parciais da pesquisa em
eventos científicos voltados para pesquisadores em formação.
Participantes Eventuais
1) Mestrandos e Doutorandos dos vários programas de pós-graduação da UFSC, e/ou orientandos
do coordenador deste projeto poderão eventualmente associar-se ao mesmo, conforme sua
disponibilidade e a consonância de suas respectivas pesquisas e interesses acadêmicos com os
objetivos e o temário do projeto.
2) Pesquisadores Visitantes e outros: A equipe do projeto buscará desenvolver contatos e
intercâmbio com outros pesquisadores e projetos sobre temas afins, no Brasil e no exterior, de modo
a promover convênios de colaboração, a vinda de pesquisadores visitantes, de recém doutores que
se disponham a integrar esta equipe, e a formação e expansão de uma rede de interlocução sobre
este projeto -- não apenas no meio acadêmico, mas entre os centros e institutos profissionais que
pesquisam sobre temas afins.
Resultados esperados
Espera-se deste estudo uma interpretação das diferentes contribuições à pesquisa do
aprendizado político, por parte das várias abordagens teóricas, bem como propostas de superação
aos problemas não resolvidos, ou parcialmente tratados, nesta área do conhecimento. Considera-se
que esses resultados terão conseqüências para o planejamento político, os programas partidários, a
reforma do ensino, as pesquisas de opinião, e outras áreas de intervenção governamental e das
organizações da sociedade civil. Os resultados do estudo serão debatidos na comunidade científica,
utilizados pelos pesquisadores da equipe em suas atividades profissionais, de docência, pesquisa,
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extensão e de consultoria, divulgados através de comunicados a seminários e congressos
acadêmicos, e publicados para circulação mais ampla, através de artigos em revistas especializadas,
e eventualmente sob a forma de livro. E um compromisso fundamental do projeto será oferecer
subsídios à conquista e defesa dos direitos humanos entre as comunidades populares participantes –
daí derivando a importância estratégica e prática desta pesquisa para as teorias do aprendizado
político.
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15
O projeto da bolsa de produtividade (CNPq#503366/2005-6) iniciado pelo coordenador em
março de 2006, argumenta sobre a necessidade de superar alguns limites das abordagens teóricas
ao tema do aprendizado político, de modo a contribuir para uma visão de conjunto do campo
tratado, em casos históricos específicos de organização popular. A presente solicitação visa obter
auxilio do CNPq para verbas de custeio e capital desse projeto. A avaliação dessas diferenças de
teoria e metodologia pode ser feita, em termos históricos, e com conseqüências de interesse social,
em situações específicas e limítrofes que afetam grande parte da população urbana do país. No caso,
trata-se de estudar e avaliar processos de organização popular, em defesa contra a violência e
exclusão social, em bairros de baixa renda, na região metropolitana de Florianópolis. O projeto
estudará as trajetórias de organização das comunidades na defesa dos direitos humanos dos
moradores, nas áreas abrangidas pelo Fórum do Maciço do Morro da Cruz, na zona central do
município de Florianópolis. Nessas comunidades há inúmeros incidentes de conflito e criminalidade
que preocupam as autoridades, os meios de comunicação e os próprios moradores. Este projeto fará
um levantamento dos processos organizativos dessas comunidades, através de uma abordagem
interdisciplinar, em colaboração com pesquisadores de outras áreas das ciências humanas e sociais
aplicadas, para caracterizar os fatores que influenciam o aprendizado político e a defesa dos direitos
humanos. Portanto, simultaneamente ao teste das abordagens teóricas ao aprendizado político, o
projeto irá experimentar sua possível relevância para casos de exclusão, conflito e organização
popular. A metodologia da pesquisa incluirá entrevistas com lideranças das organizações
comunitárias, e grupos de debate entre os membros das comunidades usando a técnica de grupos
focais, além de levantar entre as comunidades a documentação existente sobre o tema.
Objetivo Principal:
Examinar as contribuições das várias abordagens teóricas ao estudo do aprendizado
político, as limitações que apresentam, e as alternativas para superar essas limitações. Essa análise
será realizada em conjunto com uma avaliação histórica dos processos organizativos entre
comunidades de baixa renda no município de Florianópolis. A intenção do projeto é apreciar a
relevância dessas abordagens teórico-metodológicas, para interpretar e proporcionar subsídios à
resolução desses problemas.
16
O estado atual do conhecimento sobre o problema
a) A abordagem sobre a democratização das elites: Aprendizado organizacional
O estudo do aprendizado organizacional foi justificado na proposta original desta pesquisa,
por suas contribuições eventuais ao "aprendizado complexo" (McCoy, 2000) -- ou seja, a mudança
de objetivos, normas e valores adotados pelas elites políticas durante os processos de
democratização. Neste sentido, é promissora a vertente que enfatiza o aprendizado organizacional
ao redor do tema das "comunidades epistêmicas", pois estas estariam justamente voltadas à criação
de novos procedimentos e valores, durante a crise e ausência de regulação sob os paradigmas
dominantes (Haas, P. 1992). O suposto desta vertente é que toda crise organizacional é também uma
crise epistêmica, de modo que a sua resolução necessita mobilizar inovações tanto procedimentais
como intelectuais/normativas. Estas iniciativas estariam sujeitas aos testes do consenso valorativo e
da eficiência prática, tanto por parte da comunidade científica como da direção institucional.
Portanto, o teste e objetivo do aprendizado organizacional seria a adoção de novos valores e
procedimentos, consensualmente emergentes nas comunidades epistêmicas, através de recursos de
institucionalização, que os implementariam na resolução de problemas deixados pendentes pelo
anterior paradigma predominante. Eder (2001) relaciona o aprendizado organizacional (e as
comunidades epistêmicas) às dinâmicas diferenciadas da institucionalização, no contexto europeu.
E especifica melhor essas diferenças em apoio a uma análise igualmente dinâmica da esfera pública
(no sentido habermasiano), tendo em vista as condições da "juridificação das relações sociais"
(Habermas, 1997), na "tríplice contingência" -- entre burocracia/sociedade/opinião pública
(Strydom, 1998) da atual constitucionalização européia. (Trenz e Eder, 2004).
Assim, são visíveis as contribuições desses debates sobre o aprendizado organizacional (nos
seus vários níveis e formas de construção, do local ao internacional; ou ainda em suas diversas
interpretações às vezes divergentes), para superar limitações da teoria do aprendizado da
democracia pelas elites. (McCoy, 2000, Eder, 2001) Embora isto nem sempre, ou mesmo raramente
aconteça historicamente, as comunidades epistêmicas oferecem uma interface temática que pode
eventualmente explicar as variáveis intervenientes no desenvolvimento institucional, através dos
indicadores da juridificação social -- os quais se poderiam testar e constatar empiricamente, quanto
à influência dos novos valores e procedimentos consensuais emergentes.
No caso das comunidades do Fórum do Maciço do Morro da Cruz, sabemos que algumas
dessas comunidades começaram a reagir há mais de vinte anos contra sua situação de exclusão e
subordinação sócio-econômica, política e cultural. Apesar das melhorias conquistadas durante esses
17
anos todos, as comunidades continuam a enfrentar conflitos e dificuldades de negociação com os
governos municipal e estadual -- além de desavenças freqüentes entre as suas próprias lideranças,
acerca do acesso e redistribuição dos recursos públicos. Além disso, e sobretudo, as comunidades
enfrentam a criminalidade crescente e ameaçadora, gerada pelo poder do narcotráfico, além das
divisões reforçadas pelos políticos, que exploram a seu favor essas debilidades.
A nossa questão aqui será saber em que medida as experiências de organização popular
dessas comunidades têm sido capazes de configurar o surgimento entre elas de uma (ou mais)
comunidade(s) epistêmica(s). Tal surgimento permitiria suscitar novas soluções aos problemas
pendentes, eventualmente difundindo uma juridificação das relações sociais entre a população, em
conseqüência gerando uma construção institucional que implementasse o aprendizado
organizacional. Esses desenvolvimentos poderiam promover o “aprendizado complexo”, entre
líderes e seguidores, acerca dos valores, das normas e procedimentos, do comportamento político e
das instituições democráticas. Essas questões podem ser respondidas através de entrevistas e grupos
de debate nas comunidades. (Ver metodologia)
b) A abordagem da cultura política: Socialização reflexiva.
Os estudos da cultura política geralmente referem a várias agências de socialização (igrejas,
escolas, família, mídia, grupos de idade, etc.) que seriam responsáveis pela diversidade entre as
culturas e subculturas políticas. Assim, Inglehart (1997) atribui a tendência atual ao “pós-
materialismo” entre a juventude à influência crescente da mídia (e a outros fatores econômicos e
tecnológicos da “pós-modernização”). Em contraposição, afirma-se que a religião, a família e a
escola estão perdendo a sua anterior centralidade nos processos de socialização.
Tendências semelhantes foram constatadas em pesquisa nacional sobre a cultura política da
juventude.(Krischke, 2004b) e uma pesquisa anterior (Krischke, 2004a) examinou também as
diferenças e convergências da cultura política em Porto Alegre e Curitiba, criticando como hiper-
generalizantes os supostos e conclusões de Inglehart, e sugerindo a relevância dos contextos sócio-
históricos de socialização para interpretar a diversidade de suas contribuições ao processo de
democratização.
Ademais, a ênfase na mobilização cognitiva (Dalton, 1984), permite identificar as
características de subgrupos e sub-culturas, consoante seu envolvimento em diferentes modalidades
de participação coletiva -- que conferem conteúdos historicamente específicos à socialização
política. (Norris, 2004; Moisés, 1995; Baño, 1997; Moreira, 2000). Tudo isso permite também
superar uma certa "naturalização" determinista dos conceitos e processos políticos, adotada pelas
18
teorias anteriores da modernização e da cultura política.(Eder, 1996; Sommers, 1995; Woolcock,
1997; Cavalli, 2004)
Um aspecto central e atualmente relevante dos estudos sobre socialização política é o
caráter reflexivo atribuído por alguns autores, aos indivíduos que participam na sociedade
globalizada. (Giddens, 2000; Beck, 2000) Essa modernização reflexiva é vista como um
"developmental construct open to the future" (Drizek, 1999), através de redes e intercâmbios que o
habilitam. E o seu sentido é também demonstrar o caráter instituído (ou instituinte) dos processos
peculiares de socialização em diferentes contextos locais e nacionais. (Favell, 1998). Isto talvez
implicaria numa "dual edged politics" (Putnam, 1988), entre a influência mundial e a legitimidade
interna, "capital social" costitutivo de uma dupla cidadania, simultaneamente local e global.
(Woolcock, 1997)
Nos casos de organização popular que estamos estudando, existe há vinte anos uma ampla e
diversificada experiência de socialização política dos habitantes, que se pode constatar verificando:
a sua capacidade de modernização reflexiva (a sua compreensão do mundo externo e interno ao
bairro); a sua sofisticação cognitiva (recurso a conceitos sobre a vida política, ideologias e
instituições); e sobretudo acerca de como opera a mobilização cognitiva -- no sentido de atribuir
conteúdos (valores, normas, objetivos e procedimentos) aos modos de participação que adotaram.
Enfim, esta interface temática no âmbito da socialização política pode ser em princípio
demonstrada, nas modalidades disponíveis de participação política, que são adotadas pelos
participantes dentre o público de massas. Tais modalidades definirão as variáveis existentes de
modernização reflexiva em cada contexto histórico, através dos indicadores de mobilização
cognitiva, bem como em valores, normas, objetivos e conteúdos manifestos por esses atores
coletivos. Também aqui torna-se necessário a realização de entrevistas e grupos de debate nas
comunidades.
c) As contribuições da ação comunicativa: A ética dos discursos
As contribuições de Habermas (1997) ao estudo do aprendizado político, constituem uma
abordagem multi-dimensional e intersubjetiva aos fenômenos estudados. A proposta deriva de uma
fundamentação teórica coerente. As teorias de Habermas sobre a “ação comunicativa” e o
“desenvolvimento moral-cognitivo” são multi-dimensionais, incluindo a dimensão cognitiva (o
desenvolvimento de visões do mundo), a dimensão normativa (o desenvolvimento jurídico e moral),
e a dimensão subjetiva (o desenvolvimento de identidades e estruturas de personalidade mais
complexas). Esta perspectiva aborda comparativamente o aprendizado político como
“desenvolvimento moral-cognitivo” (Habermas, 1990). Tal desenvolvimento resulta de interações e
19
da mútua constituição, histórica e intersubjetivamente situadas, entre os indivíduos, os
atores/processos sociais, e os atores/instituições políticos. (Krischke, 2001).
Além disso, a definição de Habermas da “democracia como institucionalização de
discursos” (Habermas, 1979:73) supõe que “os discursos são institucionalizados à medida em que é
criado um contexto social que permita acordos coletivos pós-convencionais, os quais por sua vez
criam quaisquer estruturas compartilhadas pelos atores”. (Bohman, 1990) Esta ênfase desloca o
ônus da prova do aprendizado político a uma validação histórica intersubjetiva por parte dos atores
individuais, sociais, e políticos – naqueles processos e instituições políticos que se disponham a
criar e sustentar.
Assim, a proposta inicial do projeto de produtividade deste pesquisador, sugeriu que a
abordagem de Habermas (1984-7) sobre a ação comunicativa constitui uma aproximação teórica
alternativa e integradora ao tema do aprendizado político. (Krischke, 2001) E indicou também o
sub-tema da ética discursiva como constitutivo de uma interface temática, em que se poderia
apreciar as contribuições complementares, convergentes ou divergentes, de diversos outros autores
que se dedicam ao estudo do mesmo tema. Esta revisão da bibliografia pertinente constatou que o
centro do debate sobre a ética dos discursos reside no confronto, diálogo, e mútuas influências,
entre as vertentes comunitaristas e universalistas. (Avineri e Shalit, 1992; Benhabib e Dallmayr,
1990; Alvarez et al., 1998)
Os autores que adotam o comunitarismo enfatizam principalmente a importância das
tradições culturais -- cujo resguardo é considerado inapelável, no sentido de melhor defender e
garantir as políticas de reconhecimento do direito à diferença e autogestão das coletividades --
através de sua transmissão e aperfeiçoamento como legado às futuras gerações. (Taylor, 1998) O
alvo principal da crítica comunitarista é o neocontratualismo liberal de autores como John Rawls
(1993) -- que enfatizariam o "racionalismo abstrato" dos indivíduos, como cidadãos "desprendidos"
do seu contexto cultural, com vistas a que assumam a condição de sujeitos de uma ética universal.
O parágrafo acima é apenas uma simplificação, para assinalar a contribuição mediadora de
Habermas (1997). Esta contribuição busca reconciliar as ênfases do comunitarismo e do
universalismo, através da reforma das tradições pela ação comunicativa entre os indivíduos, no
exercício de uma "ciência social reconstrutiva" (Habermas, 1990) -- quando atuam como indivíduos
autônomos capazes de desenvolvimento moral e cognitivo. Contudo, a proposta de Habermas tem
recebido muitas objeções -- entre elas as que criticam o paralelismo atribuído por ele (Habermas,
1990) ao desenvolvimento moral-cognitivo nos planos filogenético e ontogenético -- ou seja, no
âmbito tanto individual como coletivo-institucional. Na verdade, Habermas (1984-7) defende uma
homologia (ou talvez uma correspondência) entre ambos processos de desenvolvimento. Mas o
20
desdobramento que faz desse argumento em sua análise histórica e ética do Estado ocidental, no
segundo volume dessa obra, dá margem a uma interpretação integrativa de ambos os fenômenos.
Os críticos desvelam vigorosamente os lapsos tanto teóricos como metodológicos dessa
interpretração. (Aragaki, 1993; Wetterstein, 1998; Strydom, 1992 e 1993). Eder (1996)
principalmente amplia essas críticas, a uma denúncia de certa tendência "naturalística", que ele
considera central nas ciências sociais, a qual caracterizaria o aprendizado político como um
processo histórico sócio-evolutivo, necessário e determinista -- enquanto veículo de uma suposta
racionalização iluminista do ocidente. Eder, finalmente, assinala o sentido aberto de sua posição a
respeito, no título germinativo de seu ensaio: "as sociedades aprendem, mas o mundo é difícil de
mudar". (Eder, 2001)
Por certo, sempre há lugar para a crítica de universalismo abstrato, nas propostas de
Habermas ou de outros pensadores (principalmente os liberais). E é também verdade que sempre
existem possibilidades de progresso, e/ou de estagnação e regressão nas experiências históricas do
aprendizado político. Porém, algumas comunitaristas feministas, como Seyla Benhabib (1990) e
Amy Gutman (1992) reconheceram o caráter transitório e historicamente relativo das tradições e
das comunidades, permitindo a sua reforma, pela recuperação da abordagem ética universalista.
Nancy Fraser (1999, 2003) situou especificamente essa reforma no âmbito da mudança das relações
inter-pessoais e institucionais, pela aplicação de políticas de reconhecimento do direito à diferença e
à correção da injustiça -- no exercício de normas de paridade participativa da cidadania. Dessa
forma, o apelo habermasiano à "ciência social reconstrutiva", pode ser contextualizado e
demonstrado historicamente, em procedimentos de autogestão política e comunitária.
Nos casos de organização popular que estamos estudando queremos constatar se o
aprendizado político ocorre através de uma ética discursiva, que tanto pode ser comunitarista como
universalista. Por exemplo, a presença da religião católica (e da teologia da libertação) pode ter
sido, e até certo ponto continuar sendo, muito influente na reorganização das comunidades.
(Krischke, 2001; Araújo, 2004). Esta influência entra em competição, mas às vezes tende a
cooperar, com outras tradições culturais e religiosas. Talvez as difíceis negociações, e relações às
vezes conflitivas, tanto entre as comunidades carentes, como destas com os agentes de governo,
partidos políticos e instituições externas, ofereçam os exemplos mais claros da ética discursiva no
aprendizado político local.
De fato, a partir da polarização isolada inicial entre o governo e a organização das
comunidades pioneiras no bairro, as comunidades avançaram gradualmente, no sentido de influir e
atrair apoios na política municipal. (Krischke, 2001) Mas a trajetória dessas comunidades também
atraiu oposições e conflitos, internos e externos ao bairro. Portanto, é necessário investigar o apelo
21
que esses discursos exercem sobre o conjunto das tradições ético-políticas e religiosas-culturais, e
se acaso reforçam ou reformam essas tradições, seja em sentido comunitarista ou universalista.
Deve-se testar a capacidade desses discursos para gerar convergências e divergências internas no
bairro e na região; bem como seus pontos de contato, atrito e negociação com as políticas públicas,
partidos e governos de turno.
Também se necessita avaliar a orientação desses discursos para políticas de
reconhecimento, do direito à diferença, e da tolerância com os demais grupos populares da região,
assim como acerca dos indivíduos e das instituições em geral. Já houve várias conquistas materiais
nos bairros, de acesso a equipamentos e serviços urbanos básicos, ao longo dos anos. Isto configura
uma conquista inicial dos direitos humanos, e do exercício da cidadania por esta população.
Contudo, essas conquistas estão desigualmente distribuídas entre as comunidades do Maciço, como
possível fator (tanto origem como conseqüência) de competições e desavença entre elas. Além
disso, tais diferenças podem ser manipuladas (como já foram no passado) pelos procedimentos
clientelistas tradicionais das oligarquias políticas. A recente iniciativa local de estabelecer um
Fórum das comunidades para unificar uma estratégia comum de negociação com o governo,
pretende superar essas dificuldades. Portanto, tendo em vista essa finalidade, é necessário avaliar os
discursos geradores do aprendizado político que acompanharam esse processo.
Em resumo: as interfaces existentes nestes bairros (contexto de exclusão, conflito, e
organização popular), entre a atuação de suas eventuais comunidades epistêmicas, as modalidades
de participação política existentes, e as orientações comunitaristas e/ou universalistas que adotaram,
permitirão entender as conquistas e os problemas enfrentados no seu aprendizado político. Esse
entendimento em conjunto, realizado pelas comunidades, tornaria possível uma avaliação geral de
sua trajetória, e a busca de novas soluções para os problemas pendentes, e para enfrentar outras
necessidades emergentes.
Síntese da metodologia proposta
O método de enfoque em interfaces temáticas foi usado pelo pesquisador em outras
oportunidades, com bom rendimento comparativo e epistemológico, no tratamento de outras
dimensões da bibliografia central sobre a democratização. (Krischke, 1997; 2001). Este método
recolhe as contribuições específicas de cada abordagem a temas comuns (interfaces), revelando os
problemas práticos e conceptuais não resolvidos, e os limites internos de cada abordagem. Neste
contexto as teorias estabelecidas podem ser vistas de forma coordenada, e não apenas como
22
propostas competitivas, ou excludentes umas às outras. Por certo, não se trata de desconhecer as
diversidades de fundamentação teórica, e os projetos políticos divergentes em que muitas vezes se
apóiam as diferentes abordagens. Mas as interfaces temáticas permitem constatar os limites internos
de cada abordagem, bem como sua inserção nos respectivos enquadramentos teóricos e
procedimentos metodológicos --os quais talvez a impeçam de incorporar eventualmente à análise,
aquelas dimensões do tema que são freqüentemente enfatizadas por outras abordagens.
O exame dessas interfaces seguirá o esquema sintetizado no Quadro a seguir.
SUB-TEMAS DO APRENDIZADO POLÍTICO: INTERFACES TEMÁTICAS
ABORDAGENS SUB-TEMAS VARIÁVEIS INDICADORES INTERFACES
Teoria das Elites
Aprendizado Organizacional
Desenvolvimento Institucional?
Juridificação Social
Comunidades Epistêmicas
Cultura Política
SocializaçãoPolítica
ModernizaçãoReflexiva?
SofisticaçãoCognitiva
Modos deParticipação
Ação Comunicativa
Ética Discursiva
TradiçõesCulturais ?
Políticas deReconhecimento
Universalismo/Comunitarismo
Para constatar a existência ou não de um aprendizado organizacional entre as comunidades
(do Fórum do Maciço do Morro da Cruz) serão examinadas as variáveis de desenvolvimento
institucional na trajetória dessas comunidades. Através das entrevistas e grupos de debate nas
comunidades se levantará indícios de juridificação das relações sociais, os quais por sua vez se
possam atribuir à emergência de comunidades epistêmicas -- que tenham alcançado influência, ao
introduzir soluções viáveis e consensuais, durante a sua trajetória no bairro.
Essas entrevistas e debates podem também servir para avaliar os resultados dos processos
de socialização política, e neles a incidência de uma capacidade de modernização reflexiva e
sofisticação cognitiva -- com conteúdos manifestos nos modos de participação adotados, durante a
argumentação sobre seus objetivos, valores e procedimentos. Da mesma forma se pode obter o
registro da ética discursiva: o posicionamento das comunidades frente às tradições culturais; e o
surgimento de políticas de reconhecimento, seja sob formas e conteúdos universalistas, e/ou
comunitaristas. O próprio método de pesquisa em grupos de debate pode ser considerado (com já
fizemos em pesquisa anterior – Krischke, 2004a) como “ciência social reconstrutiva” — em que os
23
participantes são estimulados a posicionar-se em condições de eqüidade, ou paridade participativa,
para avaliar as normas existentes no seu cotidiano, e debater alternativas.
Por certo, tais interfaces temáticas tanto podem ser, como não ser constatadas, durante a
atividade de pesquisa. O mais provável é que uma delas revele resultados mais frutíferos que as
demais. O cuidadoso planejamento, condução e avaliação do trabalho de campo -- principalmente
dos grupos de debate -- permitirá resgatar e comparar rigorosamente, os seus resultados práticos e
teóricos. (Gibbs, 1997) Idealmente, o aprendizado político constatado nos grupos colaborará para
fazer um balanço histórico dos processos de organização dessas comunidades, que influa
eventualmente na resolução dos seus problemas. A existência de uma ou mais dessas interfaces
poderá contribuir para a formação de uma teoria geral do aprendizado político, que supere algumas
dificuldades existentes entre as várias abordagens, com o esclarecimento das questões de
enquadramento teórico e metodológico que constituem (e dificultam) este campo de estudo.
Cronograma de realização
O projeto incluirá: uma primeira etapa de elaboração conceptual e planejamento
operacional; duas etapas consecutivas de coleta e análise de dados; e uma quarta e última etapa de
elaboração das conclusões e debate na comunidade científica. A primeira etapa (quatro meses) terá
como foco principal a seleção das localidades a serem pesquisadas. Para tanto será levantado sobre
um conjunto pré-definido de comunidades do Maciço do Morro da Cruz um corpo de dados e
informações de fonte secundária que permitam o estabelecimento de inferências preliminares sobre
os contextos históricos locais, e sua evolução nos últimos anos. A escolha definitiva dos campos de
pesquisa estará orientada pelo interesse em trabalhar com contextos de aprendizado político
localmente diferenciados. As escolas públicas existentes na região proporcionam um ponto de
partida que possibilita esse levantamento dos dados iniciais acerca das comunidades.
A segunda etapa (oito meses) estará centrada na elaboração e aplicação de uma pauta de
discussão contendo tópicos pertinentes (1) às representações sociais no campo da política (inclusive
das dimensões das atitudes e valores), e ao comportamento político; e (2) a aspectos das biografias
de lideranças locais e outras pessoas, selecionadas em diferentes contextos e faixas etárias, que
possam levar a uma melhor compreensão dos efeitos do aprendizado político, durante sua trajetória
nos bairros.
A técnica a ser utilizada é a realização de entrevistas e debates em “grupos focais”
compostos por mulheres e homens membros dessas comunidades, entre nove a doze pessoas em
24
cada grupo, de diferentes gerações e distintas experiências de participação e/ou liderança em suas
respectivas comunidades. Os grupos focais serão moderados por um profissional e gravados em fita
e vídeo, sendo estas posteriormente transcritas. Esta etapa servirá também para definir com maior
precisão a agenda de trabalho da etapa seguinte.
A terceira etapa (seis meses) estará centrada no processamento dos dados levantados nas
entrevistas e grupos de debate, e na exposição e debate desses resultados, entre outros participantes
no Fórum (ou que dele não participam ativamente). Nesta etapa também será feita a análise dos
dados levantados pelo levantamento geral da documentação sobre a trajetória das comunidades
existentes no Maciço.
A quarta e última etapa (seis meses) estará orientada à análise em conjunto de todos os
dados levantados, à elaboração de interpretações e recomendações, sobre os processos de
aprendizado político estudados. À luz desses resultados serão redigidos os relatórios com as
conclusões do projeto, para sua apresentação e debate no Fórum das comunidades locais, e sua
apresentação acadêmica em eventos e congressos da comunidade científica.
Equipe: Plano de Trabalho e Atribuição de Responsabilidades
A equipe será constituída pelo pesquisador doutor que coordena o projeto; por um
pesquisador especializado para dirigir o trabalho de campo; por dois auxiliares de pesquisa
(bolsistas de iniciação científica), e um assistente de pesquisa (bolsista de apoio técnico). Estes
bolsistas atuarão com bolsas obtidas em outros editais e agências. Por último, o projeto poderá
integrar outros pesquisadores eventuais (mestrandos, doutorandos, visitantes e outros).
Coordenação
Paulo José Duval da Silva Krischke. Coordenador geral do projeto e da equipe.
Atribuições: Representação junto ao CNPq e outras agências e instituições, nacionais e
internacionais. Encaminhamento das questões teóricas e práticas atinentes à consecução dos
objetivos do projeto. Liderança e acompanhamento das atividades de pesquisa e da realização do
seu cronograma de execução, programação orçamentária e demais características do projeto.
Coordenação das reuniões de trabalho da equipe. Coordenação geral dos processos de elaboração
conceitual, do planejamento do trabalho de campo, análise de dados e elaboração final das
25
conclusões. Responsável pelo controle de qualidade da pesquisa. Co-redação do relatório final e
sub-produtos a serem apresentados à comunidade científica via eventos e/ou publicações.
Pesquisador Contratado (Por licitação para serviço de terceiros entre agentes especializados)
Atribuições: Co-coordenar o planejamento, direção e avaliação do trabalho de campo. Co-liderança
e acompanhamento das atividades de pesquisa. Liderança da realização e aplicação dos roteiros das
entrevistas e dos grupos de debate. Supervisão dos debates com as comunidades e dos
procedimentos internos de captação, organização e armazenamento dos dados da pesquisa. Co-
redação do relatório final e sub-produtos a serem apresentados à comunidade científica via eventos
e/ou publicações.
Assistentes e auxiliares de Pesquisa (Com bolsas a serem obtidas em outras agências e editais)
2) Bolsista de Ajuda Técnica a Pesquisa (AT)
Atribuições: Coordenador da organização do banco de dados para recrutamento de participantes de
grupos focais; coordenação da equipe de recrutadores de participantes dos grupos focais e do
trabalho de recrutamento em si. Supervisão das atividades de campo, da tabulação parcial, da
categorização e codificação das respostas, e da entrada de dados no computador. Apoio à equipe de
pesquisadores e seus auxiliares em atividades técnicas especializadas - tais como: supervisão da
utilização de recursos de informática; sistematização dos dados da pesquisa; classificação de
bibliografia e documentação; acesso a bancos de dados e outras fontes de informação relevantes à
atividade de pesquisa.
2) Bolsistas de Iniciação Científica (IC). Estudantes de graduação em Ciências Humanas e Sociais
Aplicadas, que participarão das reuniões da equipe de pesquisa; das atividades do trabalho de
campo, atribuições logísticas e atividades básicas do projeto, sob supervisão da equipe de pesquisa e
do bolsista AT-- tais como: coleta e sistematização de dados secundários; entrada de dados no
computador; codificação de respostas a questionários; registro em fita e vídeo e transcrição de fitas
gravadas dos grupos focais; realização de contatos, agendamento de entrevistas e outras atribuições,
como análise dos dados; apresentação de comunicados com resultados parciais da pesquisa em
eventos científicos voltados para pesquisadores em formação.
Participantes Eventuais
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1) Mestrandos e Doutorandos dos vários programas de pós-graduação da UFSC, e/ou orientandos
do coordenador deste projeto poderão eventualmente associar-se ao mesmo, conforme sua
disponibilidade e a consonância de suas respectivas pesquisas e interesses acadêmicos com os
objetivos e o temário do projeto.
2) Pesquisadores Visitantes e outros: A equipe do projeto buscará desenvolver contatos e
intercâmbio com outros pesquisadores e projetos sobre temas afins, no Brasil e no exterior, de modo
a promover convênios de colaboração, a vinda de pesquisadores visitantes, de recém doutores que
se disponham a integrar esta equipe, e a formação e expansão de uma rede de interlocução sobre
este projeto -- não apenas no meio acadêmico, mas entre os centros e institutos profissionais que
pesquisam sobre temas afins.
Resultados esperados
Espera-se deste estudo uma interpretação das diferentes contribuições à pesquisa do
aprendizado político, por parte das várias abordagens teóricas, bem como propostas de superação
aos problemas não resolvidos, ou parcialmente tratados, nesta área do conhecimento. Considera-se
que esses resultados terão conseqüências para o planejamento político, os programas partidários, a
reforma do ensino, as pesquisas de opinião, e outras áreas de intervenção governamental e das
organizações da sociedade civil. Os resultados do estudo serão debatidos na comunidade científica,
utilizados pelos pesquisadores da equipe em suas atividades profissionais, de docência, pesquisa,
extensão e de consultoria, divulgados através de comunicados a seminários e congressos
acadêmicos, e publicados para circulação mais ampla, através de artigos em revistas especializadas,
e eventualmente sob a forma de livro. E um compromisso fundamental do projeto será oferecer
subsídios à conquista e defesa dos direitos humanos entre as comunidades populares participantes –
daí derivando a importância estratégica e prática desta pesquisa para as teorias do aprendizado
político.
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