deliberaÇÃo do conselho de administraÇÃo da … · funerária contactou-me, no sentido de eu ir...
TRANSCRIPT
1 Mod.016_01
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde nos termos do n.º 1 do artigo 4.º dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto exerce
funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes
às atividades económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e
social;
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo 5.º
dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos
no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/022/2017;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. A Entidade Reguladora da Saúde (doravante abreviadamente ERS) tomou
conhecimento de uma reclamação subscrita em 15 de julho de 2016 por O.S., visando
a atuação do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E. (doravante
abreviadamente CHTMAD), entidade prestadora de cuidados de saúde e inscrita no
Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados (doravante abreviadamente
SRER) da ERS sob o n.º 17656, e relativa aos cuidados de saúde prestados ao seu
marido, o utente J.T..
2 Mod.016_01
2. Na referida reclamação, à qual foi atribuída a referência REC/45033/2016, a exponente
solicita ao prestador esclarecimentos sobre os traumatismos apresentados e sobre as
causas da morte do utente, internado no CHTMAD em 21 de junho de 2016, após ter
sido submetido a uma biópsia, e que acabaria por falecer naquele estabelecimento, no
dia 24 de junho de 2016.
3. Para uma averiguação preliminar e expedita dos factos enunciados pela exponente, e
ao abrigo das atribuições e competências da ERS, procedeu-se à abertura do processo
de avaliação registado sob o número n.º AV/017/2017.
4. No entanto, face aos elementos recolhidos no referido processo de avaliação e
atendendo à necessidade de uma averiguação mais aprofundada dos factos relatados,
ao abrigo das atribuições e competências da ERS, o respetivo Conselho de
Administração deliberou, por despacho de 6 de abril de 2017, proceder à abertura do
presente processo de inquérito, registado internamente sob o n.º ERS/022/2017, com o
intuito de avaliar se, no caso concreto, foram garantidos os direitos e interesses
legítimos do utente J.T., em especial o direito de acesso a cuidados de saúde de
segurança e com qualidade e, por outro lado, aferir da efetiva implementação de
procedimentos internos de avaliação do risco de queda dos utentes e de prevenção da
ocorrência destes incidentes no estabelecimento visado.
I.2. Diligências
5. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se as seguintes
diligências instrutórias:
(i) Pesquisa no SRER da ERS relativa à inscrição do CHTMAD, constatando-se
que o mesmo é uma entidade prestadora de cuidados de saúde registada no
SRER da ERS;
(ii) Notificação de abertura de processo de inquérito enviada à exponente em 11 de
maio de 2017;
(iii) Notificação de abertura de processo de inquérito e pedido de elementos
enviado ao CHTMAD em 11 de maio de 2017, e análise da resposta
endereçada à ERS, rececionada em 23 de junho de 2017;
(iv) Pedido de relatório de apreciação clínica a perito médico consultor da ERS a 7
de setembro de 2017, e análise do respetivo parecer;
3 Mod.016_01
(v) Pedido de elementos adicional enviado ao CHTMAD, por ofício de 27 de
setembro de 2017, e análise da resposta endereçada à ERS, rececionada em
24 de outubro de 2017;
(vi) Novo pedido de elementos enviado ao CHTMAD, por ofício de 15 de novembro
de 2017, e análise da resposta endereçada à ERS, rececionada em 27 de
novembro de 2017.
II. DOS FACTOS
6. A ERS tomou conhecimento da reclamação subscrita por O.S., em 15 de julho de 2016,
visando a atuação do CHTMAD, e relativa aos cuidados prestados ao utente J.T.,
durante o seu internamento no Serviço de Pneumologia do CHTMAD.
7. Concretamente, na sobredita reclamação é referido o seguinte:
“[…]
Tendo o meu Marido sido chamado, em 20 de junho, para no dia seguinte ser
submetido a uma biópsia nesse Centro Hospitalar […], com ele compareci a 21 de
junho, pelas 11H00 horas, para a realização do referido exame, que só veio a
efetuar-se pelas 16H00 horas desse mesmo dia.
Foi-me dito que a permanência no Hospital seria de 24 horas, pelo que no dia seguinte
ali me desloquei para o trazer para casa. Acontece que me deparei com o meu Marido
internado, ligado a um aparelho, sentado num cadeirão e incapaz de estar deitado;
vendo-o em tal estado, dirigi-me ao chefe de turno dos enfermeiros do piso 7,
perguntando-lhe a razão de tal. Respondeu-me que tinha de ficar internado por mais
uns dias porque o “pulmão ganhou ar”…
Voltei, no dia imediato, 23 de Junho para a visita; continuava sentado no cadeirão e
vestido com a mesma bata – uma bata vestida ao contrário, aberta na frente e com um
lençol a tapar o peito. Queixou-se-me, na altura, que continuava vestido como tinha
vindo do exame e que não lhe tinham feito qualquer tipo de higiene.
Pelas 07h45 do dia 24 de junho, para o meu telemóvel, foi feita uma chamada do
serviço onde meu Marido estava internado […] a comunicar o seu falecimento.
De imediato diligenciei a prestação dos serviços funerários e, um tempo mais tarde, a
funerária contactou-me, no sentido de eu ir prestar declarações ao Tribunal de Vila
Real, uma vez que não podiam levantar o corpo, pois havia sido pedida autópsia ao
cadáver.
4 Mod.016_01
No Tribunal fui inquirida sobre a doença de meu Marido e se eu queria que fosse feita a
autópsia. Desnorteada e aturdida, disse que não.
Refiro que nesta altura ainda ninguém me tinha levado a ver o corpo de meu Marido,
nem tão pouco os elementos da funerária o tinham visto.
Então, e para meu grande espanto, quando o corpo nos foi entregue, constatei que a
testa e fontes estavam muito escuras (hematomas?) e que havia também um corte na
parte de trás da cabeça. […]
Posto isto, e porque ninguém me deu qualquer explicação sobre o que aconteceu na
noite/madrugada do seu falecimento, bem como nunca me foram dadas quaisquer
informações ou resultados dos exames que precederam a sua morte – exames
realizados no Centro Hospitalar de Gaia/Espinho e no IPO do Porto, - peço a V.ª Ex.ª
que me sejam dados a conhecer os resultados desses exames, o da biopsia e o
sucedido durante a noite/madrugada de 24 de junho.
Da biópsia efectuada nesse Hospital, a informação que obtive, a meu pedido, foi a de
que “teria entrado ar para os pulmões durante a realização do exame”, como já referi.
Devo ainda informar V. Exa. que, particularmente, me foi referido que, na noite de 23
de Junho, o meu Marido foi obrigado a ir para a cama, onde sempre disse que não se
sentia bem…, porque sentia muito mal estar e dificuldade em respirar quando estava
deitado. […]”.
8. Em resposta à referida reclamação, o prestador informou a utente, por ofício datado de
19 de agosto de 2016, de que “[…] foram realizadas as diligências necessárias e tidas
por convenientes, e solicitados os devidos esclarecimentos junto do responsável do
serviço que disponibilizou a “Declaração/Atestado” que anexamos a este ofício”.
9. Do referido documento, intitulado de “Declarações/Atestados” e datado de 22 de julho
de 2016, constam os seguintes esclarecimentos:
“[…]
Por Impedimento informático faço registo de Nota de alta do episódio de internamento
em Pneumologia de 21 a 24 de junho de 2016 com declaração.
Senhor de 78 anos […]
Antecedentes pessoais:
1. DPOC/Pneumoconiose
2. Dislipidemia
5 Mod.016_01
3. Patologia prostática (?) (PSA normal, mas com referência numa eco prostática a
uma lesão nodular…) […]
EVOLUÇÃO INTERNAMENTO
O doente realizou BAT a 21/06 que complicou com Pneumotórax Iatrogénico,
complicação possível e relativamente frequente neste procedimento. Procedeu-se a
seu tratamento com drenagem torácica.
Evoluiu favoravelmente, mas ainda com dreno borbulhante a 23/06.
Na madrugada de 24/06 foi chamada a equipa de enfermagem e médico de urgência à
enfermaria por o doente se encontrar caído no quarto. Segundo os registos,
encontrava-se inconsciente, com hematoma na região superior frontal, que se
presumiu ter sido da queda. Confirmada paragem cardio-respiratória, tendo sido
verificado o óbito e feito Boletim de Informação Clínica (BIC) para o ministério público.
[…]”.
10. Por ofício da ERS datado de 11 de maio de 2017, foram solicitados ao prestador os
seguintes elementos:
“[…]
1. Pronúncia detalhada sobre a situação descrita na reclamação (já junta sob o anexo
I);
2. Descrição pormenorizada das circunstâncias em que se verificou a queda do utente
J.T. e dos cuidados de saúde prestados nessa sequência, mais se solicitando que
esclareçam, especificamente:
(i) o tempo que mediou entre a queda do utente e o momento em que foi chamada a
equipa de enfermagem e médico, com envio do relatório de internamento do utente que
inclua os registos clínicos e os registos de enfermagem;
(ii) as medidas concretas adotadas por V. Exas., designadamente, medidas de
contenção utilizadas, considerando, ademais, a idade e a situação clínica do utente;
3. Informação sobre a causa da morte do utente J.T., com envio do respetivo
certificado de óbito;
4. Descrição, pormenorizada e documentalmente suportada dos procedimentos
internos de avaliação do risco de queda dos utentes e de prevenção da ocorrência
destes incidentes, e bem assim se, no caso concreto do utente, foi efetuada essa
avaliação e as medidas de contenção concretamente adotadas;
6 Mod.016_01
5. Informação sobre se foi instaurado processo de averiguação interno para
apuramento dos factos ocorridos, com envio de todos os elementos recolhidos até ao
momento;
6. Descrição, pormenorizada e documentalmente suportada, dos procedimentos em
vigor para o registo e comunicação de eventos adversos, aos serviços com
responsabilidades nas áreas de gestão de risco e/ou qualidade e segurança, seja a
nível interno, seja ao nível externo;
7. Por referência ao aludido “impedimento informático”, indicação, com envio do
respetivo suporte documental, dos procedimentos de registo imediato, completo e
atualizado da informação clínica no processo dos utentes, bem como os procedimentos
alternativos, como o registo manual, em casos, nomeadamente, de avaria informática;
8. Por referência ao descrito na reclamação, no que concerne à bata do utente,
informação, com envio do respetivo suporte documental, dos procedimentos/normas
referentes aos cuidados de higiene e conforto aos utentes, nomeadamente, no que
respeita à mudança de roupa pessoal;
9. Quaisquer esclarecimentos complementares que V. Exas. julguem necessários e
relevantes para a análise do caso concreto. […]”.
11. Nessa sequência, por ofício datado de 20 de junho de 2017, veio o CHTMAD prestar
os esclarecimentos solicitados remetendo, entre outros documentos:
(i) Informação prestada pela Sr.ª Diretora do Serviço de Pneumologia;
(ii) Registos clínicos do utente J.T.;
(iii) Informação do Sr. Enfermeiro Chefe do Serviço;
(iv) Boletim de Informação Clínica e/ou Circunstancial N.º 100173134;
(v) Norma 032 – Redução de Riscos e Lesões resultantes de Quedas em Doentes;
(vi) Norma 030 – Medidas de Contenção Física;
(vii) Norma 053 – Notificação de Eventos Sentinela, Eventos Adversos e Quase
Falhas;
(viii) Registo de quedas no Serviço de Pneumologia, de onde consta o registo de
queda do utente J.T., no dia 24 de junho de 2017, pelas 3h40m.
12. Adicionalmente, informou o prestador que “[…] Não foi instaurado processo de
averiguações. […] Em situações de “impedimento informático”, referido pelo médico na
sua informação, existem folhas de registo que são incorporadas no processo clínico.”.
7 Mod.016_01
13. Assim, e da informação da Sr.ª Diretora do Serviço de Pneumologia, consta o seguinte:
“[…]
- O Sr. J.T., de 78 anos, autónomo e cognitivamente bem, foi internado no Serviço de
Pneumologia no dia 21 Junho de 2016, de forma programada, para ser submetido a
uma biópsia pulmonar transtorácica (BTT), procedimento este que se decorrer sem
complicações permite alta a curto prazo. Neste caso, tratava-se de um doente já com
silicose crónica complicada que tinha sido internado recentemente no Serviço (de 7 de
Maio a 8 de Junho) por hemoptises. Para esclarecimento etiológico das mesmas havia
realizado tomografia de emissão de positrões (PET) que mostrava hiperfixação das
massas hilares bilateralmente sugestiva de lesões neoplásicas. Nesse sentido foi
pedida a BTT. O doente foi admitido para efetuar o procedimento, que se realizou no
dia 21/6 e se complicou de pneumotórax (complicação frequente deste procedimento e
que surge em cerca de 20% dos casos). Foi notificado o Pneumologista de urgência da
complicação e introduzido um dreno torácico para resolução do mesmo. O doente
manteve-se internado e sob vigilância clínica nos dois dias seguintes, sempre
cognitivamente bem, estável hemodinamicamente e com valores adequados de
oxigénio no sangue, mantendo contudo dreno borbulhante (o que indicava que ainda
mantinha pneumotórax). Na madrugada do dia 24/6, às 3:40horas, a equipa de
Enfermagem de Serviço desloca-se à enfermaria do doente (após ter sido ativada a
campainha pelo doente do lado) e constata que o doente se encontrava caído no chão,
inconsciente e com hematoma frontal. É chamado de imediato o médico de Serviço de
Urgência que regista no sistema informático às 3:59horas, que à sua chegada o doente
se encontrava em paragem cardiorrespiratória, declarando o seu óbito. Desconhece-se
se a queda foi a causa da morte do doente ou se foi consequência de algum evento
que este teve (enfarte agudo de miocárdio ou acidente vascular cerebral) e por esse
motivo foi pedida pela equipa médica a autópsia, que seria essencial para
esclarecimento da causa do óbito. […]”.
14. O CHTMAD juntou, ainda, a informação prestada pelo Sr. Enfermeiro Chefe do
Serviço, de onde cumpre ressaltar o seguinte:
“[…]
2. (i) O doente da cama ao lado […] tocou a campainha cerca das 3:40 para alertar as
Sr.as Enfermeiras que o Sr. J.T. tinha caído. Foi socorrido de imediato e segundo o
relato das colegas estava caído junto ao leito, inconsciente, com hematoma frontal. Foi
contactado de imediato o Serviço de Urgência que enviou logo a Srª Drª R. […] Foi
certificado o óbito às 3:59h.
8 Mod.016_01
(ii) Foi avaliado o risco de queda à entrada do doente no serviço e não apresentava
qualquer risco de queda (risco 0) segundo as normas da Joint Comission. Segundo as
mesmas normas durante o internamento não se verificaram alterações significativas
que justificassem alteração do risco e consequentes medidas de contenção de quedas
[…].
Foi efetuado o registo da queda ocorrida em impresso próprio […].
4. A avaliação do grau de risco de queda nos doentes é realizada aquando da
Avaliação Inicial de Enfermagem, a todos os doentes internados, através do
preenchimento do IMP.CHTMAD.nº83.00- Escala de Morse, no SAPE ou ALERT.
Serão também efetuadas avaliações:
- Sempre que exista uma alteração no estado clínico do doente que possa interferir no
risco de queda;
- Sempre que é instituída terapêutica que possa interferir com o estado de consciência
do doente;
- Após quedas;
Segundo as normas da Joint Comission durante o internamento não se verificaram
alterações significativas nos itens referidos acima que justificassem alteração do risco e
consequentes medidas de contenção de quedas.
Podem ser consultadas as normas de acreditação nº 30 Medidas de contenção física
e nº 32 Redução do risco de lesões resultantes de quedas em doentes da Joint
Comission. […]
6. Pode ser consultada norma de acreditação nº 53 Notificação de eventos sentinela,
eventos adversos e quase falhas da Joint Comission. Foram tomadas todas as
diligências de acordo com a situação ocorrida. […]
8. No que concerne à reclamação referente à roupa que tinha vestida e aos cuidados
de higiene prestados no serviço de Pneumologia, saliento que é norma os cuidados de
higiene serem prestados todos os dias no turno da manhã e sempre que a equipa de
enfermagem assim o entenda. Relativamente à bata que tinha vestida é norma ser
substituída logo que possível por pijamas preferencialmente do próprio utente, ou por
outra bata igual se for o melhor e mais prático para o bem-estar do doente. Saliento
que era um utente autónomo no que dizia respeito ao autocuidado de higiene/
vestuário. Realço ainda que sempre que os familiares dos doentes autónomos
mostram interesse em colaborar na sua higiene, sempre foram incentivados e
autorizados pelos profissionais de saúde a fazê-lo.
9 Mod.016_01
9. Relativamente ao facto alegado pela sua esposa que o seu marido teria sido
“obrigado a ir para a cama”, após inquirir as Srªs Enfªs M.D. e P.C. […], fui informado
que o doente foi esclarecido das vantagens em ir para a cama, tendo concordado e
agradecido. Foi ainda colocado confortavelmente no leito e foi baixado o nível do
colchão para o mínimo possível relativamente ao chão, sendo esta prática um cuidado
a todos os doentes, tendo ou não risco de queda. […]”.
15. Tendo em conta a necessidade de avaliação técnica dos factos em presença, em 7 de
setembro de 2017, foi solicitado parecer ao perito médico consultado pela ERS, e cujas
conclusões, em suma, se reconduzem a:
“[…]
- O pneumotórax após punção torácica é uma complicação frequente; as medidas
instituídas pela equipa médica foram as adequadas
- Foi avaliada a escala de risco de queda e pelo descrito não apresentava risco para a
mesma
- Foram descritos os detalhes do episódio de modo a ficarem esclarecidos os
procedimentos que julgo terem sido os adequados
- Existe programa de registo de eventos adversos tendo sido este caso incluído no
mesmo
- Não foi enviado o certificado de óbito (ponto 3) […]”.
16. Assim, conclui, em suma, o perito médico consultado pela ERS que:
“[…]
O não envio de certificado de óbito e a não realização de autópsia limitam parecer
quanto a aspetos clínicos
[…] conclui-se que foram prestados os devidos esclarecimentos estando a Unidade
Hospitalar a aplicar as normas adequadas sobretudo na avaliação de risco de queda e
notificação de eventos adversos.
Os esclarecimentos prestados quanto à ocorrência foram os adequados […]”.
17. Nessa sequência, por ofício datado de 27 de setembro de 2017, foram solicitados
esclarecimentos adicionais, tendo para tal a ERS enviado novo pedido de informação
ao CHTMAD, concretamente solicitando:
“[…]
10 Mod.016_01
1. Pronunciem-se, de forma detalhada, quanto à concreta informação prestada à
família do utente J.T., no dia 24 de junho de 2016, aquando da comunicação do seu
falecimento, designadamente, quanto à prévia ocorrência de queda e consequentes
marcas daí advenientes;
2. Remetam cópia dos procedimentos/protocolos implementados nesse Centro
Hospitalar, no que respeita ao aviso à família em caso de morte;
3. Procedam ao envio de quaisquer esclarecimentos complementares julgados
necessários e relevantes à análise do caso concreto. […]”.
18. Por ofício rececionado pela ERS em 24 de outubro de 2017, veio o CHTMAD prestar
os esclarecimentos solicitados, afirmando que:
“[…]
1. A comunicação do falecimento do Sr. J.T. foi efetuada pela Sra. Enfermeira de
Serviço de forma clara, assertiva e resumida. Foi reportada à familiar – D. M.L.
(nora do doente) a possibilidade de se dirigir presencialmente ao serviço, para
esclarecimentos adicionais;
2. Em anexo enviamos o Regulamento da Casa Mortuária (anexo 1) em vigor no
Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, e que o seu Artigo 12º
estabelece os procedimentos acerca da “ (Informação aos familiares e Entidades
com Legitimidade) ”;
3. Não existem, de momento, mais esclarecimentos relevantes a relatar para
complementar a análise do caso em apreço. […]”.
19. Considerando a necessidade de obtenção de elementos adicionais junto do CHTMAD,
foram ainda solicitados em 15 de novembro de 2017, os seguintes esclarecimentos:
“[…]
Através do V/ ofício com referência GCVila real-2017/994, rececionado em 24 de
outubro de 2017, vieram V. Exas. responder ao pedido de elementos da ERS com a
referência OS.152188/2017, remetido em 27 de setembro de 2017.
Todavia, analisado sobredito ofício de resposta, verifica-se que não foram prestados
todos os esclarecimentos solicitados por esta Entidade Reguladora.
Concretamente, V. Exas. não lograram esclarecer a ERS quanto ao ponto que infra se
discrimina, devendo, por isso, dar cumprimento ao solicitado e proceder ao envio do
respetivo suporte documental, a saber:
11 Mod.016_01
1. Pronunciem-se, de forma detalhada, quanto à concreta informação prestada à
família do utente J.T., no dia 24 de junho de 2016, aquando da comunicação do seu
falecimento, designadamente, quanto à prévia ocorrência de queda e consequentes
marcas daí advenientes;
Assim, pelo presente se reitera o anterior pedido de informações, solicitando-se o envio
da resposta à questão elencada supra, no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, a
contar da receção do presente ofício.
Cumpre, ainda, solicitar a V. Exas., nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 31.º dos
Estatutos da ERS:
i) Informação sobre a causa de morte do utente J.T., com envio do respetivo
certificado de óbito;
ii) Procedam ao envio de quaisquer esclarecimentos complementares julgados
necessários e relevantes à análise do caso concreto.”.
20. Nessa senda, por comunicação eletrónica de 27 de novembro de 2017, veio o
CHTMAD prestar os seguintes esclarecimentos:
“[…]
Conforme solicitado por V. Exas. somos a dar conhecimento do pedido de informação
adicionais.
Assim, no que concerne ao Ponto 1., a família do utente foi informada telefonicamente
da morte do familiar, não tendo sido explicitada a queda. Reiteramos a informação
prestada anteriormente de que, foi reportada à família a possibilidade de se dirigir
presencialmente ao serviço, para esclarecimentos adicionais;
No que concerne ao Ponto 2. Enviamos os documentos solicitados: anexo 1. Boletim
de Informação Clínica ou Circunstancial (já enviado na comunicação de 20/06/2017),
anexo 2. Informação de Dispensa da Autópsia – Ministério Público e anexo 3.
Certificado de Óbito.
Quanto ao Ponto 3., não existem, de momento, mais esclarecimentos pertinentes a
relatar para complementar a análise do caso em apreço.”.
21. Em anexo a tais esclarecimentos, o prestador juntou notificação do Ministério Público
da Comarca de Vila Real, datada de 24 de junho de 2016, de onde consta a seguinte
informação: “[…] foi dispensada a realização de autopsia ao cadáver de J.T. […],
falecido(a) em 24-06-2016, pelas 04:30horas no Centro Hospitalar de Trás os Montes e
Alto Douro”.
12 Mod.016_01
22. Ademais, foi junto pelo CHTMAD o Certificado de Óbito N.º 1003125848, onde é
indicada como causa de morte: “Natural/ Causa Desconhecida”.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
23. De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 4.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, a ERS
tem por missão a regulação, a supervisão e a promoção e defesa da concorrência,
respeitantes às atividades económicas na área da saúde dos setores privado, público,
cooperativo e social, e, em concreto, à atividade dos estabelecimentos prestadores de
cuidados de saúde;
24. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º dos
mesmos Estatutos, todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do
setor público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua natureza
jurídica.
25. Consequentemente, o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E. é uma
entidade prestadora de cuidados de saúde, inscrita no SRER da ERS sob o n.º 17656.
26. As atribuições da ERS, de acordo com o n.º 2 do artigo 5.º do dos Estatutos da ERS
compreendem “a supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, no que respeita […entre outros] [ao] “cumprimento
dos requisitos de exercício da atividade e de funcionamento”, “[à] garantia dos direitos
relativos ao acesso aos cuidados de saúde”, e “[à] prestação de cuidados de saúde de
qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes”.
27. Com efeito, são objetivos da ERS, nos termos das alíneas a), c) e d) do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, “assegurar o cumprimento dos requisitos do exercício da atividade
dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde”; “garantir os direitos e
interesses legítimos dos utentes” e “zelar pela prestação de cuidados de saúde de
qualidade”.
28. No que toca à alínea a) do artigo 10.º dos Estatutos da ERS, a alínea c) do artigo 11.º
do mesmo diploma estabelece ser incumbência da ERS “assegurar o cumprimento dos
requisitos legais e regulamentares de funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde e sancionar o seu incumprimento”.
13 Mod.016_01
29. Já no que se refere ao objetivo regulatório previsto na alínea c) do artigo do artigo 10.º
dos Estatutos da ERS, de garantia dos direitos e legítimos interesses dos utentes, a
alínea a) do artigo 13.º do mesmo diploma estabelece ser incumbência da ERS
“apreciar as queixas e reclamações dos utentes e monitorizar o seguimento dado pelos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde às mesmas”.
30. Finalmente, e a propósito do objetivo consagrado na alínea d) do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, a alínea c) do artigo 14.º do mesmo diploma prescreve que compete
à ERS “garantir o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde de qualidade”.
31. Para tanto, a ERS pode assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão, consubstanciado, designadamente, no dever de zelar pela
aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis, e ainda mediante a
emissão de ordens e instruções, bem como recomendações ou advertências
individuais, sempre que tal seja necessário, sobre quaisquer matérias relacionadas
com os objetivos da sua atividade reguladora, incluindo a imposição de medidas de
conduta e a adoção das providências necessárias à reparação dos direitos e interesses
legítimos dos utentes – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19.º dos Estatutos da ERS.
III.2. Do enquadramento legal da prestação de cuidados de saúde
III.2.1. Do direito à prestação de cuidados de saúde de qualidade e com segurança
32. A necessidade de garantir requisitos mínimos de qualidade e segurança ao nível da
prestação de cuidados de saúde, dos recursos humanos, do equipamento disponível e
das instalações, está presente no sector da prestação de cuidados de saúde de uma
forma mais acentuada do que em qualquer outra área.
33. As relevantes especificidades deste setor agudizam a necessidade de garantir que os
serviços sejam prestados em condições que não lesem os interesses nem os direitos
dos utentes.
34. Sobretudo, importa ter em consideração que a assimetria de informação que se verifica
entre prestadores e utentes reduz a capacidade destes últimos de perceberem e
avaliarem o seu estado de saúde, bem como, a qualidade e adequação dos serviços
que lhe são prestados.
35. Além disso, a importância do bem em causa (a saúde do doente) imprime uma
gravidade excecional à prestação de cuidados em situação de falta de condições
adequadas.
14 Mod.016_01
36. Por outro lado, os níveis de segurança desejáveis na prestação de cuidados de saúde
devem ser considerados, seja do ponto de vista do risco clínico, seja do risco não
clínico.
37. Assim, o utente dos serviços de saúde tem direito a que os cuidados de saúde sejam
prestados com observância e em estrito cumprimento dos parâmetros mínimos de
qualidade legalmente previstos, quer no plano das instalações, quer no que diz respeito
aos recursos técnicos e humanos utilizados.
38. Os utentes gozam do direito de exigir dos prestadores de cuidados de saúde o
cumprimento dos requisitos de higiene, segurança e salvaguarda da saúde pública,
bem como a observância das regras de qualidade e segurança definidas pelos códigos
científicos e técnicos aplicáveis e pelas regras de boa prática médica, ou seja, pelas
leges artis.
39. Os utentes dos serviços de saúde que recorrem à prestação de cuidados de saúde
encontram-se, não raras vezes, numa situação de vulnerabilidade que torna ainda mais
premente a necessidade dos cuidados de saúde serem prestados pelos meios
adequados, com prontidão, humanidade, correção técnica e respeito.
40. A este respeito encontra-se reconhecido na Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, que
aprovou a Lei de Bases da Saúde (LBS), e, hoje, no artigo 4º da Lei n.º 15/2014, de 21
de março, o direito dos utentes a serem “tratados pelos meios adequados,
humanamente e com prontidão, correção técnica, privacidade e respeito” – cfr. alínea
c) da Base XIV da LBS.
41. Quando o legislador refere que os utentes têm o direito de ser tratados pelos meios
adequados e com correção técnica está certamente a referir-se à utilização, pelos
prestadores de cuidados de saúde, dos tratamentos e tecnologias tecnicamente mais
corretas e que melhor se adequam à necessidade concreta de cada utente.
42. Por outro lado, quando na alínea c) da Base XIV da LBS se afirma que os utentes
devem ser tratados humanamente e com respeito, tal imposição decorre diretamente
do dever dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde de atenderem e
tratarem os seus utentes em respeito pela dignidade humana, como direito e princípio
estruturante da República Portuguesa.
43. De facto, os profissionais de saúde que se encontram ao serviço dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde devem ter “redobrado cuidado de respeitar as
pessoas particularmente frágeis pela doença ou pela deficiência”.
15 Mod.016_01
44. E a qualidade dos serviços de saúde não se esgota nas condições técnicas de
execução da prestação, mas abrange também a comunicação e informação ao utente,
dos resultados dessa mesma prestação.
45. Para além destas exigências, os prestadores de cuidados de saúde devem ainda
assegurar e fazer cumprir um conjunto de procedimentos, que tenham por objetivo
prevenir e controlar a ocorrência de incidentes e eventos adversos, que possam afetar
os direitos e interesses legítimos dos utentes.
46. Em especial, devem ser observadas as regras constantes da Orientação da Direção-
Geral da Saúde (doravante DGS) n.º 011/2012, de 30 de julho de 2012, referente à
Análise de Incidentes e de Eventos Adversos1, bem como a Norma da DGS n.º
015/2014, de 25 de setembro de 2014, que cria o Sistema Nacional de Notificação de
Incidentes - NOTIFICA2.
47. Os sobreditos documentos, aplicáveis a todas as entidades prestadoras de cuidados
de saúde do Sistema de Saúde Português, estabelecem procedimentos que constituem
instrumentos eficazes para a deteção de eventos adversos e para estimular a reflexão
e o estudo sobre os mesmos, por forma a determinar a alteração de comportamentos e
a correção e retificação de erros, em prol da qualidade, eficácia, eficiência e segurança
dos cuidados de saúde a prestar aos utentes.
48. Assim, a Orientação da DGS n.º 011/2012, referente à Análise de Incidentes e de
Eventos Adversos, estabelece concretamente o seguinte:
“Sempre que se verificar a ocorrência de um incidente potencialmente grave ou de
um evento adverso, os serviços prestadores de cuidados de saúde devem:
1) promover a aprendizagem sobre as respetivas causas e prevenir a sua
recorrência;
2) identificar as causas raiz do evento e procurar atuar sobre essas causas, indo
além da mera resolução das manifestações dos problemas;
3) seguir a metodologia de desenvolvimento da Análise das Causas Raiz, elaborada
a partir das experiências internacionais nesta área, anexa à presente Orientação e
que dela faz parte integrante.”
1 A Orientação da DGS n.º 011/2012, de 30 de julho de 2012, pode ser consultada em
https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs.aspx. 2 A Norma da DGS n.º 015/2014, de 25 de setembro de 2014, procurou reconfigurar e melhorar a
estrutura e organização de conteúdos do antigo Sistema Nacional de Notificação de Incidentes e Eventos Adversos (SNNIEA), e pode ser consultada em https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs.aspx.
16 Mod.016_01
49. Já relativamente à Norma da DGS n.º 015/2014, que cria o Sistema Nacional de
Notificação de Incidentes – NOTIFICA, a mesma estabelece que:
“1. Todas as Unidades do Sistema de Saúde devem possuir uma estrutura
responsável pela gestão e análise interna de incidentes de segurança do doente.
2. A indicação do gestor local e do seu substituto, junto desta Direção-Geral, deve
obrigatoriamente:
a. conter os seus nomes completos, endereços eletrónicos e contactos telefónicos
profissionais;
b. serem dirigidos ao endereço [email protected].
3. O gestor local ou o seu substituto ficam, obrigados a garantir:
a. que o acesso à sua página pessoal no NOTIFICA é intransmissível;
b. reporte periódico à administração da instituição;
c. o respeito e o cumprimento dos procedimentos previsto no “Manual do Gestor
local”, disponível na página www.dgs.pt.
4. Os incidentes reportados no NOTIFICA devem ser alvo de análise interna, pelo
gestor local, de forma a garantir:
a. a validação das notificações;
b. a identificação de medidas de correção, de implementação imediata, se aplicável;
c. a identificação dos fatores contribuintes;
d. a determinação de um plano de ação com medidas preventivas ou corretivas se e
conforme aplicável.
5. O gestor local deve dar retorno de informação ao notificador, acedendo à
plataforma NOTIFICA e transcrevendo para a notificação em análise, as medidas
preventivas e/ou corretivas definidas.
6. Sempre que se verificar a ocorrência de um incidente cujo grau de dano para o
doente é “grave” ou “morte”, o gestor local deverá:
a. promover a aprendizagem sobre as respetivas causas e prevenir a sua
recorrência;
b. identificar as causas raiz do evento e procurar atuar sobre essas causas, indo
além da mera resolução das manifestações dos problemas;
17 Mod.016_01
c. seguir a metodologia de desenvolvimento da Análise das Causas Raiz, elaborada
a partir das experiências internacionais nesta área, no cumprimento da Orientação
n.º 011/2012 de 30 de julho de 2012. […]”.
10. A notificação de um incidente, ocorrido numa instituição prestadora de cuidados
de saúde exige a implementação de medidas corretoras sistémicas por parte da
administração da instituição, de forma a evitar que situações geradoras de dano,
real ou potencial, se venham a repetir. […]”.
50. Ainda com relevância para a matéria em análise, e no quadro da proteção dos direitos
e interesses dos utentes, de acordo com a alínea a) do artigo 14.º dos Estatutos da
ERS, incumbe a esta Entidade Reguladora “promover um sistema de âmbito nacional
de classificação dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde quanto à sua
qualidade global, de acordo com critérios objetivos e verificáveis, incluindo os índices
de satisfação dos utentes”.
51. É neste enquadramento que a ERS se encontra a desenvolver o projeto SINAS
(Sistema Nacional de Avaliação em Saúde), que consiste num sistema de avaliação da
qualidade global dos serviços de saúde, em Portugal continental3.
52. Embora atualmente estejam apenas implementados os módulos relativos a
estabelecimentos de saúde com internamento (SINAS@Hospitais) e a
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde oral (SINAS@Saúde.Oral), existe
a pretensão de estender o sobredito sistema a todos os estabelecimentos de saúde
(públicos, privados, cooperativos e sociais) sujeitos à regulação e supervisão da ERS.
53. Atendendo às dificuldades em uniformizar o conceito de “qualidade”, em cada módulo
do SINAS são avaliadas diversas dimensões dos serviços prestados, algumas das
quais são transversais a todos os módulos, como é o caso, por exemplo, da dimensão
relativa à “segurança do doente”.
54. E nesta dimensão da “segurança do doente” incluem-se categorias de avaliação que
merecem destaque para a matéria em análise nos autos, designadamente a
implementação de planos, procedimentos, políticas ou protocolos para avaliação do
risco de quedas dos doentes, o registo no processo clínico destes dos resultados
dessa eventual avaliação, o registo de ocorrência de quedas e a avaliação do registo
de ocorrência de quedas numa ótica de melhoria contínua, entre outros.
3 Sobre o SINAS, consultar a página eletrónica da ERS, em https://www.ers.pt/pages/265.
18 Mod.016_01
III.2.2. Do direito dos utentes e seus acompanhantes/familiares à informação
55. Refira-se ademais que, a relação que se estabelece entre os estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde e os seus utentes deve pautar-se pela verdade,
completude e transparência em todos os aspetos da mesma;
56. Sendo que tais características devem revelar-se em todos os momentos da relação.
57. Nesse sentido, o direito à informação – e o concomitante dever de informar – surge
aqui com especial relevância e é dotado de uma importância estrutural e estruturante
da própria relação criada entre utente e prestador.
58. Trata-se de um princípio que deve modelar todo o quadro de relações atuais e
potenciais entre utentes e prestadores de cuidados de saúde e, para tanto, a
informação deve ser verdadeira, completa, transparente e, naturalmente inteligível pelo
seu destinatário;
59. Só assim se logrará obter a referida transparência na relação entre prestadores de
cuidados de saúde e utentes.
60. A contrario, a veiculação de uma qualquer informação errónea, a falta de informação
ou a omissão de um dever de informar por parte do prestador são por si suficientes
para comprometer a exigida transparência da relação entre este e o seu utente;
61. E nesse sentido, passível de distorcer os legítimos interesses dos utentes.
62. Na verdade, o direito do utente à informação não se limita ao que prevê a alínea e) do
n.º 1 da Base XIV da LBS, para efeitos de consentimento informado e esclarecimento
quanto a alternativas de tratamento e evolução do estado clínico;
63. Pressupõe, também, entre outros, o dever de informação sobre possíveis quebras ou
impedimentos na continuidade da prestação do cuidado de saúde;
64. Esta comunicação deve ser realizada em tempo útil, para assegurar que o utente não é
prejudicado, no percurso para o restabelecimento do seu estado de saúde.
65. Efetivamente, a Lei n.º 15/2014, de 21 de março, estabelece como direito dos utentes,
o direito ao acompanhamento durante a prestação de cuidados de saúde, sendo que o
seu artigo 15.º faz referência aos direitos e deveres dos acompanhantes, devendo-se
salientar aqui não só o dever de urbanidade, como o respeito pelas indicações dadas
pelo profissional de saúde, quando devidamente fundamentadas;
66. Mas, em especial, o direito do acompanhante a ser devidamente informado, em tempo
razoável, sobre a situação do doente, nas diferentes fases do atendimento.
19 Mod.016_01
67. Sendo certo que, nos termos do artigo 22.º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março,
encontra-se ainda estabelecido o princípio da cooperação entre o acompanhante e os
serviços, nos termos do qual “Os profissionais de saúde devem prestar ao
acompanhante a conveniente informação e orientação para que este possa, se assim o
entender, sob a supervisão daqueles, colaborar na prestação de cuidados à pessoa
internada.”.
III.3. Análise da situação concreta
68. Neste contexto, atenta a situação em apreço nos autos, importa aferir se o CHTMAD
respeitou o direito do utente J.T. à prestação de cuidados de saúde de qualidade e com
segurança;
69. E, bem assim, averiguar se tal direito se encontra devidamente acautelado pelo
prestador, concretamente ao nível da avaliação e prevenção do risco de queda dos
utentes, cabendo, pois, apurar se o prestador cumpre os procedimentos/protocolos, em
observância e em estrito cumprimento dos parâmetros mínimos de qualidade
legalmente previstos.
70. Ora, das diligências encetadas no presente processo resultaram os factos que, de
seguida, resumidamente se enunciam:
(i) O utente J.T. foi internado no Serviço de Pneumologia do CHTMAD, no dia 21
junho de 2016, pelas 11h05m, para ser submetido a uma biópsia pulmonar
transtorácica;
(ii) Após realização do referido exame, o utente apresentou um quadro de
pneumotórax, permanecendo internado no Serviço de Pneumologia do CHTMAD;
(iii) Pelas 12h14m, do dia 21 de junho de 2016, foi efetuada avaliação do risco de
queda do utente, com o resultado “sem risco de queda”, ficando a constar do plano
de intervenção de enfermagem que seria efetuada nova avaliação em “S.O.S” ou
de “3/3 dias”;
(iv) Nos dois dias subsequentes, i.e. 22 e 23 de junho de 2016, o utente foi observado
pelos médicos de serviço, constando do registo clínico as seguintes observações:
“Bem disposto. Sem dispneia em repouso; sem tosse. Toracalgia no local de
inserção do dreno. AC: ritmo regular. AP: mv bilateral, Diminuído ligeiramente à
esquerda. Dreno Borbulhante […]”;
(v) No dia 24 de junho de 2016 surge o seguinte registo de Medicina Interna:
“Chamada por o doente ter sido encontrado caído no quarto. Enfermeiras
20 Mod.016_01
chamadas pelo doente da cama ao lado. Doente inconsciente, com hematoma na
região superior do frontal que terá feito na queda. À minha chega[da], doente sem
sinais vitais, midríase fixa, sem reflexos, assistolia. Verifico óbito e passo BIC
Nº100173134”;
(vi) Foi efetuado o registo da queda, ocorrida no dia 24 de junho de 2016, pelas
03h40m, em impresso do CHTMAD exclusivo para o efeito, com indicação de
“Razão […] Desconhecida Lesão […] hematoma na região superior frontal
Local da queda Junto à cama”;
(vii) Foi preenchido o Boletim de Informação Clínica e/ou Circunstancial N.º 100173134,
de onde consta que o utente terá falecido pelas 03h55m do dia 24 de junho de
2016, bem como a seguinte indicação: “Hoje terá sido encontrado caído
inconsciente no quarto da enfermaria, com hematoma na região superior do frontal
que terá feito na queda.”;
(viii) No certificado de óbito do utente, N.º 1003125848, é indicada como causa de
morte – “Natural/ Causa Desconhecida”;
(ix) A realização de autópsia foi dispensada por despacho de 24 de junho de 2016, da
Procuradora-Adjunta do Ministério Público da Comarca de Vila Real;
(x) O prestador tem instituídos procedimentos internos para prevenção de quedas em
utentes, a saber: Norma 032 – Redução do Risco de Lesões resultantes de Quedas
em Doentes; Instrução de Trabalho para Prevenção de Quedas e Lesões por
Quedas; Norma 030 – Medidas de contenção física; Instrução de Trabalho para
Medidas de Contenção Física; e Norma 053 – Notificação de Eventos Sentinela,
Eventos Adversos e Quase Falhas.
71. Face à factualidade apurada nos autos, e como refere o perito médico consultado pela
ERS, aquando do internamento do utente “Foi avaliada a escala de risco de queda e
pelo descrito não apresentava risco para a mesma”;
72. E, no que respeita ao concreto quadro clínico apresentado pelo utente na altura do
internamento, esclarece o perito consultor da ERS que “O pneumotórax após punção
torácica é uma complicação frequente”;
73. Mais referindo que, in casu, “as medidas instituídas pela equipa médica foram as
adequadas”.
74. Acresce que, dos elementos carreados para os autos resulta que o CHTMAD tem
instituídos procedimentos internos para prevenção de quedas em utentes, que serão
21 Mod.016_01
aptos a garantir a qualidade e a segurança ao nível da prestação de cuidados de
saúde.
75. E, no caso em apreço, constatou-se que tais procedimentos foram observados pelo
prestador – como, de resto, consta do parecer clínico elaborado por perito médico
consultado pela ERS –, quando refere que o CHTMAD está “[…] a aplicar as normas
adequadas sobretudo na avaliação de risco de queda e notificação de eventos
adversos”.
76. Contudo, salienta que “O não envio de certificado de óbito e a não realização de
autópsia limitam parecer quanto a[os] aspetos clínicos” que motivaram o óbito do
utente J.T.;
77. Sendo que, a este respeito, não se pode olvidar o que refere a exponente na
reclamação que originou os presentes autos, de que “Pelas 07h45 do dia 24 de junho,
para o meu telemóvel, foi feita uma chamada do serviço onde meu Marido estava
internado […] a comunicar o seu falecimento. […] No Tribunal fui inquirida sobre a
doença de meu Marido e se eu queria que fosse feita a autópsia. Desnorteada e
aturdida, disse que não. Refiro que nesta altura ainda ninguém me tinha levado a ver o
corpo de meu Marido, nem tão pouco os elementos da funerária o tinham visto. Então,
e para meu grande espanto, quando o corpo nos foi entregue, constatei que a testa e
fontes estavam muito escuras (hematomas?) e que havia também um corte na parte de
trás da cabeça. […] ninguém me deu qualquer explicação sobre o que aconteceu na
noite/madrugada do seu falecimento, bem como nunca me foram dadas quaisquer
informações ou resultados dos exames que precederam a sua morte […]”;
78. E indagado sobre esta questão, refere o prestador que “A comunicação do falecimento
do Sr. J.T. foi efetuada pela Sra. Enfermeira de Serviço de forma clara, assertiva e
resumida.”;
79. Admitindo, no entanto, que “a família do utente foi informada telefonicamente da morte
do familiar, não tendo sido explicitada a queda.”.
80. Não se concebendo como pode ter sido omitida tal informação, quando a própria
Diretora do Serviço de Pneumologia, indicou que o CHTMAD desconhecia “[…] se a
queda foi a causa da morte do doente ou se foi consequência de algum evento que
este teve (enfarte agudo de miocárdio ou acidente vascular cerebral) e por esse motivo
foi pedida pela equipa médica a autópsia, que seria essencial para esclarecimento da
causa do óbito.”.
81. Razão pela qual uma maior exigência se impunha ao prestador na comunicação
efetuada à família do utente, na medida em que a informação da prévia ocorrência de
22 Mod.016_01
queda do utente, e as consequentes marcas daí advenientes, seria essencial à tomada
de decisão, consciente e esclarecida, por parte da reclamante quanto à realização de
autópsia ao utente J.T..
82. E se é certo que, de acordo com a Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, a tomada de
decisão quanto à realização ou não de autópsia médico-legal cabe ao Ministério
Público, e que a sua concretização tem uma finalidade conexa com a suspeita de crime
e com a ausência de possibilidade de afastar tal suspeita face à informação disponível;
83. Também é certo que, os familiares do falecido podem e devem prestar ao Ministério
Público as informações que entenderem necessárias para o esclarecimento das
circunstâncias em que a morte ocorreu, no sentido de auxiliar o Ministério Público na
decisão de realizar ou não a autópsia médico-legal.
84. Sendo que, in casu, quando confrontada pelo Ministério Público com esta questão, a
reclamante, alheia a todo o enquadramento da morte do utente, não deu a sua
anuência à realização da autópsia;
85. E, neste contexto, é possível concluir com segurança que o desfecho poderia ter sido
diferente, caso o prestador cumprisse o seu dever de informar os familiares
“adequadamente e em tempo razoável sobre a situação do doente, nas diferentes
fases do atendimento”;
86. Pois que, conforme acima se expôs, atenta a assimetria de informação existente entre
utentes/ familiares e prestadores de cuidados de saúde, caberá a estes últimos
assegurar que é prestada a informação necessária e que a mesma é integralmente
transmitida e cabalmente compreendida.
87. Importando, por isso, que o prestador adote medidas e/ou procedimentos suscetíveis
de assegurar que a informação prestada aos utentes e seus acompanhantes/familiares,
seja apta à tomada de decisões de forma esclarecida e em tempo útil, nas diferentes
fases do atendimento.
88. Por todo o vindo de expor, e atendendo a que se encontra legalmente estabelecido o
direito dos acompanhantes escolhidos pelo utente a serem informados adequadamente
e em tempo razoável sobre a situação do utente, nas diversas fases do atendimento,
considera-se necessária a adoção da atuação regulatória infra delineada, ao abrigo das
atribuições e competências legalmente atribuídas à ERS, de modo a evitar que
situações como a dos presentes autos voltem a ocorrer.
23 Mod.016_01
IV. DA AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
89. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados, nos termos
e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código do Procedimento
Administrativo (CPA), aplicável ex vi da alínea a) do artigo 24.º dos Estatutos da ERS,
tendo sido chamados a pronunciarem-se, relativamente ao projeto de deliberação da
ERS, o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E. (CHTMAD) e a
reclamante O.S., ambos por ofícios datados de 11 de dezembro de 2017.
90. Decorrido o prazo legal concedido para o efeito, nenhum dos interessados veio aos
autos pronunciar-se sobre o teor do projeto de deliberação da ERS, pelo que este deve
ser integralmente mantido.
V. DECISÃO
91. Tudo visto e ponderado, o Conselho de Administração da ERS delibera, nos termos e
para os efeitos do preceituado nas alíneas a) e b) do artigo 19.º e alínea a) do artigo
24.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto,
emitir uma instrução ao Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E., no
sentido de:
(i) Adotar medidas e/ou procedimentos suscetíveis de garantir, a todo o momento,
que a informação prestada, aos utentes e seus acompanhantes/familiares, seja
apta à tomada de decisões de forma esclarecida e em tempo útil, nas diversas
fases do atendimento;
(ii) Garantir, em permanência, através da emissão e divulgação de ordens e
orientações claras e precisas, que os referidos procedimentos sejam
corretamente seguidos e respeitados por todos os profissionais;
(iii) Dar cumprimento à presente instrução, bem como dar conhecimento à ERS, no
prazo máximo de 30 (trinta) dias úteis após a notificação da deliberação final,
dos procedimentos adotados para o efetivo cumprimento do disposto em cada
uma das alíneas supra.
92. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º 1 do
artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 126/2014, de
22 de agosto, configura como contraordenação punível in casu com coima de €
1000,00 a € 44 891,81, “[….] o desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no
exercício dos seus poderes regulamentares, de supervisão ou sancionatórios