de doméstica a produtora agrícola de sucesso

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De doméstica a produtora agrícola de sucesso Página 20 Rio Branco – Acre, DOMINGO , 5, e SEGUNDA-FEIRA , 6 de junho de 2011 Saiba da história da mulher que nasceu no seringal, foi doméstica e hoje comanda dezenas de produtores agrícolas bem sucedidos TEXTO E FOTOS: ROMERITO AQUINO D e empregada do- méstica a vendedo- ra de salgados, de criadora de porcos a presi- dente de uma associação de pequenos produtores agrí- colas. Essa foi a trajetória de Élida Hilário de Morais, de 52 anos, casada, mãe de duas filhas e agricultura bem su- cedida do Pólo de Produção Hélio Pimenta, na Estrada de Porto Acre. Filha de seringueiro e nascida no distante seringal Canindé, no município de Feijó, Élida é portadora de uma bela história de vida, permeada de muita perse- verança, superação e dispo- sição para o trabalho. Virtu- des que lhe permitiram sair da condição de empregada doméstica para se transfor- mar em presidente, por três mandatos, da associação que reúne hoje dezenas de agri - cultores familiares que se be- neficiam, em Porto Acre, do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), gerencia- do hoje com prioridade pelo terceiro governo da Frente Popular do Acre. O Programa de Aquisi- ção de Alimentos tem por objetivo incentivar a agri - cultura familiar por meio da aquisição de produtos agropecuários produzidos por agricultores familiares, que são beneficiados pelo Programa Nacional de For- talecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Após cursar até os 15 anos, em Feijó, a oitava sé- rie do ensino fundamental, Élida Morais veio para Rio Branco em busca de melho- ria de vida. Logo virou do- méstica na casa da família de um parlamentar federal, que a levou para morar em Bra- sília, onde passou oito anos longe de sua terra natal. Re- tornando ao Acre, casou em 1978 e teve duas filhas. Ficou algum tempo em Feijó e retornou em 1981 para a capital acreana, de onde em 1983 viajou nova- mente, desta vez para Ma- naus, onde voltou a ser em- pregada doméstica por mais cinco anos. Retornou para Rio Branco em 1989, quan- do separou do primeiro ma- rido e continuou a trabalhar como doméstica, mas já com visão de mundo mais amplia- da com as duas longas via- gens que fizera para fora do estado. Com isso, começava naquela época a notável su- peração da grande guerreira da cozinha. Sua experiência e vivaci- dade lhe permitiram acumu- lar a função de doméstica com a de produtora de salga- dos. Ela e as filhas produziam os salgados e iam vender em tudo que era lugar na capital e em todos os horários possí - veis, inclusive às cinco e meia da manhã, quando chegava no 7º BEC. Dali, Elida ia en- tregar outros salgados para serem vendidos nos lanchi - nhos que existiam em frente à prefeitura, na época em que era prefeito o atual senador e ex-governador Jorge Via- na. Nesse tempo, ela morava no Jardim Europa, atrás da AABB, numa casa nos fun- dos da casa da patroa. Após sair do emprego de doméstica, Élida foi tra- balhar o dia todo numa far - mácia, de onde, na hora do almoço, corria para casa para providenciar a carne, a bata- ta e outros ingredientes dos salgados. Sem descansar, ela saia correndo da farmácia para também vender seus sal - gados num pequeno lanche situado no bairro Tucumã. Sempre preocupada com a meia-noite, último horário do ônibus, tratava de vol- tar para casa com as filhas logo depois das 11 e meia da noite. “Quando dava onze e meia, a gente saia corren- do porque tinha a história da zero hora do ônibus. A gente dependia do ônibus”, conta Elida, ao lembrar que, ao chegar em casa depois da meia noite, ainda tinha que deixar outros salgados pron- tos para vender antes mes- mo do alvorecer.

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De doméstica a produtora agrícola de sucesso - Especial Jornal Página 20

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Page 1: De doméstica a produtora agrícola de sucesso

De doméstica a produtora agrícola

de sucesso

Página 20

Rio Branco – Acre, DOMINGO, 5, e SEGUNDA-FEIRA, 6 de junho de 2011

Saiba da história da mulher que nasceu no seringal, foi doméstica e hoje comanda dezenas de produtores agrícolas bem sucedidos

�TexTo e foTos: RomeRiTo Aquino

De empregada do-méstica a vendedo-ra de salgados, de

criadora de porcos a presi-dente de uma associação de pequenos produtores agrí-colas. Essa foi a trajetória de Élida Hilário de Morais, de 52 anos, casada, mãe de duas filhas e agricultura bem su-cedida do Pólo de Produção Hélio Pimenta, na Estrada de Porto Acre.

Filha de seringueiro e nascida no distante seringal Canindé, no município de Feijó, Élida é portadora de uma bela história de vida, permeada de muita perse-verança, superação e dispo-sição para o trabalho. Virtu-des que lhe permitiram sair da condição de empregada doméstica para se transfor-mar em presidente, por três mandatos, da associação que reúne hoje dezenas de agri-cultores familiares que se be-neficiam, em Porto Acre, do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), gerencia-do hoje com prioridade pelo terceiro governo da Frente Popular do Acre.

O Programa de Aquisi-ção de Alimentos tem por objetivo incentivar a agri-cultura familiar por meio da aquisição de produtos agropecuários produzidos por agricultores familiares, que são beneficiados pelo Programa Nacional de For-talecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)

Após cursar até os 15

anos, em Feijó, a oitava sé-rie do ensino fundamental, Élida Morais veio para Rio Branco em busca de melho-ria de vida. Logo virou do-méstica na casa da família de um parlamentar federal, que a levou para morar em Bra-sília, onde passou oito anos longe de sua terra natal. Re-tornando ao Acre, casou em 1978 e teve duas filhas.

Ficou algum tempo em Feijó e retornou em 1981 para a capital acreana, de onde em 1983 viajou nova-mente, desta vez para Ma-naus, onde voltou a ser em-pregada doméstica por mais cinco anos. Retornou para Rio Branco em 1989, quan-do separou do primeiro ma-rido e continuou a trabalhar como doméstica, mas já com visão de mundo mais amplia-da com as duas longas via-gens que fizera para fora do estado. Com isso, começava naquela época a notável su-peração da grande guerreira da cozinha.

Sua experiência e vivaci-dade lhe permitiram acumu-lar a função de doméstica com a de produtora de salga-dos. Ela e as filhas produziam os salgados e iam vender em tudo que era lugar na capital e em todos os horários possí-veis, inclusive às cinco e meia

da manhã, quando chegava no 7º BEC. Dali, Elida ia en-tregar outros salgados para serem vendidos nos lanchi-nhos que existiam em frente à prefeitura, na época em que era prefeito o atual senador e ex-governador Jorge Via-na. Nesse tempo, ela morava no Jardim Europa, atrás da AABB, numa casa nos fun-dos da casa da patroa.

Após sair do emprego de doméstica, Élida foi tra-balhar o dia todo numa far-mácia, de onde, na hora do almoço, corria para casa para providenciar a carne, a bata-ta e outros ingredientes dos salgados. Sem descansar, ela saia correndo da farmácia para também vender seus sal-gados num pequeno lanche situado no bairro Tucumã.

Sempre preocupada com a meia-noite, último horário do ônibus, tratava de vol-tar para casa com as filhas logo depois das 11 e meia da noite. “Quando dava onze e meia, a gente saia corren-do porque tinha a história da zero hora do ônibus. A gente dependia do ônibus”, conta Elida, ao lembrar que, ao chegar em casa depois da meia noite, ainda tinha que deixar outros salgados pron-tos para vender antes mes-mo do alvorecer.

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Rio Branco – Acre, DOMINGO, 5, e SEGUNDA-FEIRA, 6 de junho de 20112 Página 20

ESPECIAL

DonA ÉliDA tem orgulho de mostrar as áreas de produção de sua colônia,

na estrada de Porto Acre

A produtora guerreira Elida Morais dormia apenas quatro horas, pois tinha que sair às cinco da madrugada para voltar à rotina das entre-gas dos salgados nos lanches da cidade. “Eu só dormia no máximo quatro horas. E não ficava com sono não, porque a gente ficava trabalhando. Só dá sono quando a gente fica sentada. Eu procurava dor-mir mais nos sábados e do-mingos.

Foi aí que os céus colabo-raram com Elida e as filhas. Elas foram contempladas pelo então prefeito Jorge Via-na com um fogão industrial, uma geladeira, cinco panelas grandes, uma marmita, dois liquidificadores, duas bate-deiras e outros equipamen-tos de cozinha, repassados a baixo custo por um programa da prefeitura que beneficiava produtoras de salgados e bo-los da cidade. “A prefeitura fez um carnezinho, com pre-ços abaixo do custo das mer-cadorias, para pagarmos em doze meses. No mês em que eu não pude pagar, a moça da prefeitura arranjou para eu

vender bolo para um aniver-sário que houve no Educan-dário Santa Margarida. As-sim, eu pude pagar a minha mensalidade”, relata Elida.

Já casada com Taumatur-go, ex-policial civil e filho de família de agricultores, Élida seguiu pelos anos vendendo bolos e salgados. Até que um dia, um de seus cunhados lhe deu um porco e, depois, mais outro. Passou a criar os porcos na casa do Jardim Eu-ropa, mas logo recebeu recla-mações do vizinho pelo mau cheiro do chiqueiro de seus porcos.

Foi aí que Élida decidiu vender uma casa que com-prara no bairro Areal para, somado a R$ 500, comprar a colônia de 3,5 hectares que possui hoje no Km 19, da Estrada de Porto Acre, ainda hoje sua casa e sede da asso-ciação dos produtores fami-liares da região. Nem bem havia se mudado e levado os porcos para a colônia, ela recebeu uma visita de uma técnica do Pólo Hélio Pimen-ta, que lhe deu 24 horas para deixar o local sob a alegação

de que ela não tinha perfil de produtora rural. A técni-ca alegou que Élida também tinha um micro-ondas, “que nem a secretária de agricul-tura municipal da época tinha na casa dela”.

“Fui falar com a secretária da época, a doutora Vânia, que disse para a técnica que não deveria mexer comigo porque tudo que eu tinha era produto do meu suor e do meu traba-lho”, assinala a agricultora. Além de criar porcos em gal-pão assoalhado, Élida e o mari-do passaram a cultivar hortas, a principal cultura do pólo.

Os meses e anos foram passando e Élida e o mari-do receberam da Secretaria Municipal de Agricultura um trator para fazer açudes e me-lhorar o plantio da colônia. “A gente criava porcos, cria-va galinhas, produzia peixe e cultivava horta”, diz a agri-cultora, enquanto mostra as leras das três estufas de 50 metros em que cultiva alfa-ce, rúcula, jambu, cebolinha, quento e chicória. Esse ano, ele pretende plantar também quiabo e jiló.

Equipamentos permitem ampliar produção e renda

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ESPECIAL

DonA ÉliDA elogia a compra da produção pelo programa da merenda escolar

AssociAção presidida por dona Élida auxilia na venda dos produtos de seus associados

Da produção da horta, dos porcos, das galinhas e do peixe, Elida e Tauma-turgo compraram, há três anos, uma área de 300 hec-tares no seringal Andirá, na beira do rio Acre, abaixo duas horas e meia de barco da cidade de Porto Acre. Ali, em parceria com ou-tras 55 famílias, também inscritas na associação pre-sidida por Élida, o marido dela cultiva melancia, bana-na, melão, jerimum, batata doce e está plantando ago-ra macaxeira.

No ano passado, só para o programa Fome Zero, Taumaturgo vendeu mais de 50 toneladas de melan-cia. “Ele planta lá no se-ringal e a gente trabalha e vende por aqui. Lá no se-ringal é bom, não precisa de adubo e nem de trator”, assinala a agricultura, ao re-latar que a produção do se-ringal é transportada numa balsa motorizada de 14 to-neladas, que de subida, no verão, gasta sete horas para subir até Porto Acre. Da-

Da colônia para uma área maior no rio Acre

quela cidade, a mercadoria é transportada até Rio Branco com a ajuda de um caminhão da Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Fa-miliar (Seaprof)

No Pólo Hélio Pimen-ta, os agricultores familiares produzem basicamente ver-duras, que a Associação leva para vender diariamente nas feiras de cinco bairros da ca-pital. Além disso, a associa-ção vende para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo do estado, comandado pela Seaprof, e do governo federal, que é ge-renciado pela Conab.

Ainda através da associa-ção, os produtores do Pólo também já estão vendendo agora para o programa da Merenda Escolar. A produ-ção do pólo é originária de 33 lotes, onde vivem 58 fa-mílias. No ano passado, Eli-da informa que a associação trabalhou com 99 produto-res e este ano estão entrando na entidade mais 60 produ-tores, que conseguem vender seus produtos ao PAA com

preços próximos aos do mercado.

“Os produtores vendem pela associação para o PAA porque é mais seguro. Falei outro dia lá na Seaprof que se você tirar a entrega de um produtor desses é o que asse-gura a vida do produtor, pois

quem mora lá na beira do rio Acre, por exemplo, não tem condições de vir vender na cidade porque as despesas são grandes e não vai sobrar dinheiro nem para tomar um cafezinho”, diz dona Elida.

À frente da associação, Élida já conseguiu pavimen-

tar ramais, que ficavam um lamaçal só durante o inverno. Além disso, cada produtor do pólo conseguiu construir no mínimo um açude para produzir peixe, que tanto é consumido por suas famílias quanto é vendido nas feiras e nos mercados de Rio Branco.

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Rio Branco – Acre, DOMINGO, 5, e SEGUNDA-FEIRA, 6 de junho de 20114 Página 20 www.pagina20.com.br

o TRAnspoRTe dos produtos exige muito trabalho de dona Élida

DonA ÉliDA conta com os mais modernos aparelhos domésticos em sua residência. A qualidade de vida de sua família melhorou com seu apego e determinação ao trabalho

ESPECIAL

Com todo o esforço e o trabalho árduo e perseveran-te que vem empreendendo na sua vida, a agricultora Élida diz que conseguiu melhorar muito a sua qualidade de vida, desde que deixou de ser em-pregada doméstica, ganhando salário mínimo. “Não esta-mos ricos, mas estamos bem de vida, graças a Deus”, conta ela, que já tem cinco netos e conseguiu, com seu trabalho, formar as duas filhas, uma em Letras e a outra em filosofia, tem uma casa boa com todos os utensílios e equipamentos domésticos e é dona de parte de um antigo seringal, além de já ter sido eleita três vezes presidente da associação.

Para melhorar ainda mais sua qualidade de vida e am-pliar a sua produção, dona Élida diz esperar que o gover-no do estado amplie o valor que é destinado anualmente a cada produtor para que ele venda seus produtos ao Pro-grama de Aquisição de Ali-mentos. Hoje, cada produtor beneficiado pelo PAA tem cota de R$ 4.500 por ano.

Além disso, a guerreira Élida pede que retorne o di-reito dos filhos de produtores do pólo de também poderem vender suas produções pelo PAA, que admite a participa-ção apenas de um produtor por lote. Élida diz que o ideal é que, em cada PAA e também no programa da Merenda Es-colar, cada agricultor pudesse vender até R$ 15 mil por ano e não R$ 4.500, como é hoje. Pelas regras estabelecidas, um produtor que trabalha com um PAA não pode usufruir das compras oferecidas pelo outro PAA. Pelo programa da Merenda Escolar, o limite por venda para cada produtor é de R$ 9 mil por ano.

Além disso, a presidente da associação almeja a com-pra de um caminhão para que todos os associados da entidade possam transportar as suas produções. Segundo ela, o secretário da Seaprof prometeu elaborar um proje-to que pode permitir que seja comprado um caminhão para a entidade ajudar todos os seus agricultores familiares.

Melhorando a qualidade de

vida da família

O Programa de Aquisi-ção de Alimentos (PAA), gerenciado pela Seaprof, faz parte do sistema de segu-rança alimentar e nutricio-nal estabelecido para o Acre pelos últimos governos e que continua tendo priori-dade na atual administração do governador Tião Via-na. Iniciado no estado no ano passado, o programa já atende mais de mil peque-nos agricultores, devendo sendo bastante ampliado nos próximos anos.

Os produtos adquiridos

pelo PAA do governo do estado se destinam a garan-tir alimentação adequada das pessoas em situação de insegurança alimentar e nu-tricional, além de formarem estoques estratégicos de ali-mentos para esses segmen-tos populacionais.

Instituído desde 2004, o PAA federal foi estabeleci-do pelo governo do ex-pre-sidente Lula para fomentar o grande programa nacional do Fome Zero, que garan-te às populações carentes o acesso aos alimentos, o for-

talecimento da agricultura familiar, a geração de em-prego e renda no meio rural e a mobilização e controle social no território nacional.

Desta forma, o PAA que hoje beneficia a produto-ra Élida Hilário de Morais, contribui para o fortaleci-mento da agricultura fami-liar, que visa o desenvolvi-mento de ações específicas na agricultura familiar, tais como a geração de renda no campo e o aumento da pro-dução de alimentos para o consumo.

PAA já atende mais de mil produtores no estado