david scott tony doubleday - o livro de ouro do zen

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  • 7/25/2019 David Scott Tony Doubleday - o Livro de Ouro Do Zen

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    O LIVRO DE OURO DO ZEN

    DAVID SCOTT & TONY DOUBLEDAY

    Se uma jia cair no lago, muitas pessoas cairo na agua a fim de recuper-la, agitando-

    a at que se torne turva. O homem sbio espera que a gua se acalme de modo que ajia venha a brilhar naturalmente, por si prpria."Os princpios do Zen obedecem a essa mesma lgica. Se voc tentar absorv-los semenveredar pelo caminho do raciocnio intelectual, eles brilharo, e voc alcanar o queestava buscando. o que mostram David Scott eTony Doubleday nesteLivro de Ouro do Zen.De maneiraclara e acessvel, eles aproximam o leitor ocidental desta milenar sabedoria espiritual,relatando suas origens histricas, prticas de meditao, ensinamentos dos grandes

    mestres e enfocando o Zen na vida cotidiana.Este ttulo faz parte da coleo LIVROSDEOURO, srie inaugurada comO Livro de Ouroda Mitologia,de Thomas Bulfinch.

    Quando sentar, apenas sente, Acima de tudo, no vacile."(Mestre Zen Umon - sculo X)

    O que o Zen, como surgiu e se desenvolveu, e sua prtica hoje so alguns dosaspectos abordados neste livro. Seus autores, David Scott e Tony Doubleday, alertam,entretanto, que a filosofia Zen no pode ser absorvida exclusivamente atravs deleitura. preciso a experincia direta para que o Zen possa ser compreendido de fato.At porque se trata de uma tradio baseada em princpios que no podem serprovados por meio de argumentos intelectuais.

    O Zen uma disciplina do corpo e da mente que exige grande esforo, perseverana ef. Tanto na possibilidade da Iluminao, como na capacidade de alcan-la. Scott eDoubleday renem histrias, koans (paradoxos que no podem ser solucionados pelopensamento racional), narrativas de mestres e textos clssicos, com a finalidade depermitir ao leitor obter uminsightda essncia do Zen.

    Os mtodos de treinamento desenvolvidos desde o tempo de Bodhidharma, h 1500anos, tambm so relatados neste livro, que fornece ainda uma orientao para aprtica do Zen, com nfase nos grandes benefcios que esta proporciona ao corpo e aoesprito. Enfocando aspectos como a meditao, a alimentao, as artes marciais, os

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    autores esclarecem porque, como afirmava o mestre Nansen (748-834), "a mentecotidiana o Caminho".Fornecendo ao leitor ocidental um maior conhecimento e clareza sobre esta riqussimatradio,O Livro de Ouro do Zenconfirma a verdade enunciada naCano do Za-Zen,deZenji Hakuin Ekaku, composta no sculo XVIII: "desde o incio, todos os seres sobuda".

    David Scott e Tony Doubledayso discpulos de Sensei Genpo Merzel, monge do Kanzeon Zen Centre. Dentre outroslivros, Scott publicouSamurai and Cherry BlossomeThe Essential Guide to Japan.

    DAVIDSCOTT&TONYDOUBLEDAY

    O Livro de Ouro do

    ASABEDORIA MILENAR E SUA PRTICA

    Traduo deMaria Aida Xavier Leoncio

    2aedio

    DAVIDSCOTT& TONYDOUBLEDAY

    "Se uma jia cair no lago, muitas pessoas cairo na gua a fim de recuper-la,

    agitando-a, at que se torne turva. O homem sbio espera que a gua se acalme demodo que a jia venha a brilhar naturalmente, por si prpria."Os princpios do Zen obedecem a essa mesma lgica. Se voc tentar absorv-los semenveredar pelo caminho da especulao intelectual, eles brilharo, e voc alcanar oque estava buscando. perfeitamente possvel descrever a estrutura e as prticas desta tradio espiritualmilenar, mas impossvel descrever a experincia da natureza essencial do Zen. Eisso o que nos ensinam David Scott e Tony Doubleday emO Livro de Ouro do Zen.

    Os autores estudam e praticam Zen Budismo h vrios anos. EmO Livro de Ouro doZenesto as origens histricas, as prticas de meditao, os ensinamentos dos

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    grandes mestres e os enormes benefcios que a prtica dessa doutrina secularproporciona ao corpo e ao esprito.

    Sumrio

    Agradecimentos,

    Nota do Autor,Nomes, Datas e Citaes,

    Introduo,

    1.O que o Zen?,2.Origens e Histria do Zen,3.

    O Caminho do Zen,

    1.A Jornada para o Verdadeiro Self,2.A Vida de Joshu Jushin,

    4.A Prtica do Zen,5.A Prtica Ulterior,6.O Zen na Vida Cotidiana,

    7.Alimentao Zen,8.Os Desenhos do Touro e o Vaqueiro,9.O Zen e as Artes Marciais,10. Perguntas Comuns,11. Votos e Sutras do Zen,Glossrio de Termos Gerais,Glossrio Monstico ou do Sesshin,Lista para Consulta,

    David Scott dedica este livro a Annette Hollins.

    Tony Doubleday dedica a seus pais.

    David Scott e Tony Doubleday querem expressar seus agradecimentos a Harry Cook por suacontribuio a este livro. O captulo de sua autoria, "Zen e as Artes Marciais", foiapresentado de maneira to clara e explicativa, que o deixamos exatamente como ele escreveu.

    Gostaramos, por fim, de agradecer ao Sensei Genpo Merzel, Abade do Kanzeon Zen Centre.Ambos somos seus discpulos do Zen. Sem ele, no teramos sido capazes de escrever estelivro.

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    Nota do autor

    Tony Doubleday comeou a trabalhar neste livro como assistente de pesquisa, mas suacontribuio foi tovaliosa, ultrapassando as expectativas, que ele logo se transformouem co-autor.

    David Scott

    Notas , dicas e citaes

    Todo livro sobre Zen Budismo encontra dificuldades para traduzir os nomes dosantigos mestres e para a terminologia Zen. Existem tradues para o ingls de nomesde origem chinesa (e diferentes sistemas esto sendo usados aqui) e tradues para oingls de tradues japonesas de originais chineses, bem como tradues diretas denomes e termos japoneses. Como voc pode imaginar, torna-se bastante confuso parauma pessoa que no seja acadmica. Procuramos simplificar o assunto, escolhendo no-mes e termos que esto no uso corrente. Isto significa que no fomos necessariamente

    sistemticos. Na primeira ocasio em que uma pessoa de importncia histrica mencionada, fornecemos as datas de seu nascimento e morte, sempre que possvel. Seessa informao no constar, porque a pessoa em questo um mestre con-temporneo ou algum que morreu neste sculo. Na pgina 216, encontra-se uma listapara as consultas.Usamos citaes em todo o livro, mas, para mant-lo simples, nem sempre fornecemosuma nota sobre o captulo e o versculo referente origem da citao. Uma outra lista,no final do livro, contem os nomes de todos os livros utilizados em nossa pesquisa.

    Introduo

    Qualquer pessoa pode descrever os ingredientes e mtodosW Fculinrios para fazerum determinado prato, mas o gosto da comida e a sensao de prazer que ela d nopodem ser transmitidos. A mesma coisa acontece com o Zen. Podemos descrever aestrutura e as prticas dessa tradio espiritual, porm nenhum escritor, por mais

    brilhante que seja, pode dar ao leitor a experincia genuna da natureza essencial doZen. Essa pessoa tem de se empenhai em praticar. O leitor poder, ento, perguntarpor que escrever um livro sobre o Zen? Nossa pergunta abrange dois aspectos:

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    Os primeiros seguidores do Zen, na China e no Japo, empreenderam jornadasespirituais simplesmente escolhendo um mestre, com f e confiana e, com pacincia,submetiam-se sua sabedoria. A abordagem dos ocidentais modernos, com suacondio cultural diferente, provavelmente tem sido mais cautelosa. Antes de nosemprenharmos a dar um determinado passo, queremos ter uma compreensointelectual do que isto vai acarretar e algum conhecimento a respeito dos valoresfilosficos e prticos que o sustentam. O principal objetivo deO Livro de Ouro do Zen fornecer estas infotmaes.No obstante nossa necessidade inicial de um conhecimento concreto de sua filosofia,o Zen uma tradio no-intelectual; o segundo motivo para escrever este livro foi darpara o leitor a oportunidade de provar o gosto "no-mente" muito especfico do Zen.No podemos chegar ao seu ncleo atravs da leitura, mas, com a ajuda das histriasdo Zen, dos contos dos mestres Zen, das citaes dos textos do Zen e de uma descrio

    dos mtodos de ensino, talvez possamos obtet uminsightda sua essncia.Compaixo, orientao, disposio de esprito, energia, liberdade e absurdez, quandocombinados, do ao Zen seu sabor prprio, nico. Esperamos que este livro incorporeum pouco dessas qualidades.

    CAPTULO IO que ZEN?

    Iluminao significa ver atravs da sua prpria natureza essencial e isto, ao mesmo tempo,significa ver atravs da natureza essencial do cosmos e de todas as coisas. Pois, ver atravs da

    natureza essencial a janela da iluminao. Podemos chamar a natureza essencial de verdade,se assim quisermos. No Budismo dos tempos antigos, foi chamada detalidade,ou natureza deBuda ou a mente. No Zen, tem sido chamada de no-existncia, a mo, a face original dealgum. As designaes podem ser diferentes, mas o contedo absolutamente o mesmo.

    MESTREZENROSHIHAKUNYASUTANI(1885-1973)

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    Zen o mtodo prtico de realizao dessa natureza de Buda. E uma disciplina docorpo e da mente que exige grande esforo, perseverana e f, tanto na possibilidadeda Iluminao como na sua prpria capacidade de alcan-la. E simples, direto, prticoe ocupa-se do aqui e agora. Quando um monge perguntou: "Qual o significado doZen?", um mestre Zen respondeu: "Voc tomou o seu caf da manh?" "Sim", disse omonge. "Ento, lave a sua tigela", disse o mestre. Compreender e experimentar averdade ou a natureza de Buda leva a uma aceitao dinmica da vida cotidiana e aoreconhecimento de sua qualidade extraordinria. O mestre Zen Umon (morto em 949),quando perguntado como agir de acordo com a verdadeira natureza, respondeu:

    Quando andar, apenas ande, Quando sentar, apenas sente; Acima de tudo, no vacile.

    Como Umon to claramente demonstrou, a essncia do Zen transmitida mais

    diretamente atravs da linguagem da experincia diria e no com frases acadmicasou teolgicas.O objetivo pragmtico do Zen levar o praticante a uma experincia direta da vidaem si. Eliminar todas as distines dualsticas como eu/voc, verdadeiro/falso,sujeito/objeto, a fim de chegar a uma conscincia da vida no condicionada porpalavras e conceitos.Obviamente, precisamos das palavras para comunicar as idias, mas a viso do Zen que, se confiarmos somente nelas, corremos o risco de substituir o conhecimento arespeito de alguma coisa pelo esforo de empenhar-se para tet uma experincia diretada sua realidade. O mtodo Zen destina-se a demonstrar a Realidade, e no adescrev-la por meio de palavras. Portanto, os mtodos de treinamento do Zen soprogramados, algumas vezes de forma bastante rude, a fim de proporcionar aopraticante uma experincia direta da Realidade sem vus, sem enfeites.Pergunte ao um mestre Zen: "O que o Zen?", e ele bem capaz de responder comoutra pergunta do tipo: "Quem voc ?" ou "O que a vida?". A partir da sua

    perspectiva, o Zen , antes de tudo, a experincia que o discpulo deve identificar emsua prpria vida. O mestre vai dizer que livros e palestras podem transmitir umacerta instruo e interpretao teis, porm constantemente salientat as suaslimitaes. As informaes so adquiridas e passadas de uma pessoa para outra, aocontrrio da experincia do Zen, que se preocupa com a natureza do nosso serinterior. Desde que estejamos satisfeitos por perseguirmos um mero conhecimento doZen, podemos nos tornar acadmicos brilhantes, mas deixaremos de confrontar anossa existncia como seres humanos e, conseqentemente, no vamos entender o

    Zen. Segundo um mestre Zen chins, Mumon (1183-1260), "Ao nos empenharmos eminterpretar claramente, retardamos a sua realizao."Ao buscarmos uma compreenso literal do Zen, defrontamo-nos com o silncioaterrador com o qual o mtico budista leigo iluminado, Vimalakirti, respondeu a uma

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    pergunta a respeito da natureza da Realidade. O Sutra que leva seu nome nos contaque Vimalakirti recebeu a visita de um grupo de antigos seguidores do Budismo,inclusive do Bodhisattva Manjushri, que era famoso por sua sabedoria. Para testarseus conhecimentos dos ensinamentos de Buda, Vimalakirti perguntou aosconvidados qual seria o meio para quem aspira a Iluminao conhecer a Realidadecomo uma experincia direta. Cada um dos presentes falou por sua vez, terminandocom Manjushri, que disse: "Acho que no podemos nos apossar da Realidade pormeio de palavras, ensinamentos, debates ou especulaes. Devemos ir alm de todasas perguntas e respostas. Esta a maneira de conhecer a Realidade como umaexperincia direta." Ento, Manjushri disse para Vimalakirti: "Agora que cada um dens se expressou da sua maneira, diga-nos qual o meio pelo qual quem aspira Iluminao pode vir a conhecer a Realidade como uma experincia direta?"Vimalakirti ficou em silncio. Diante disso, Manjushri exclamou: "Excelente,

    excelente! Como pode haver uma verdadeira realizao da Iluminao se as palavrase o discurso no forem abandonados?"A resposta de Manjushri estava correta, mas Vimalakirti foi muito mais alm doscertos e errados do assunto. Foi a expresso categrica da sua compreenso. Paraperceb-lo, ns tambm temos de compreender o silncio de nossos prprioscoraes.A palavra Zen uma abreviatura de Zenna ou Zenno, que a maneira de os

    japoneses lerem os caracteres chineses do Ch'anna, que, por sua vez, quer dizer

    dhyana, em chins. Esta uma palavra snscrita que descreve o ato da meditao e oestado de conscincia no-dualstica (ou outros estados de conscincia fora daexperincia cotidiana), que podem surgir com a prtica.Como se pode deduzir das origens de seu nome, o fundamento da prtica do Zen ameditao Zazen, e seu objetivo especfico levai o praticante a uma completarealizao da sua verdadeira natureza. O Zen ensina que a prtica do Zazen ocaminho mais ngreme, porm mais rpido, para a Iluminao ou para "ver as coisascomo elas so". A meta do Zen a Iluminao, e uma Iluminao sempre

    profundada.Para prosseguir, precisamos, ento, fazer a pergunta: o que Iluminao? Aqui,novamente, defrontamos com as limitaes da informao. Como vamoscompreender atravs de palavras uma experincia que no conhecemos? Se halguma diferena, as palavras s atrapalham. Elas podem se tornar conceitos oupredisposies em que tentamos enquadrar nossa experincia. Por esse motivo,muitos dos grandes mestres do Budismo sempre evitaram descrever a Iluminao

    com termos em torno dos quais os conceitos podem se formar. Como ocorreu nodebate entre Manjushri e Vimalakirti, eles ptefetem descrever a experincia emtermos predominantemente negativos.

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    Os ensinamentos do Zen dizem que devemos deixar de lado a dialtica sobre o que a Iluminao e, sim, apresentar sua manifestao na vida diria. Portanto, a maneirade praticar o Zen no ter uma compreenso conceituai daquilo, por exemplo, que oRoshi Yasutani (na citao que abre este captulo) chama de natureza essencial e,depois, sair procurando-a. Ao contrrio, temos de nos tornar conscientes de nsmesmos como realmente somos e saber avaliar o que significa o autoconhecimentoconsciente. Raramente paramos para pensar o que realmente significa dizer: "Eupenso" ou "Eu sinto", ou "Eu fao" e, entretanto, refletir sobre isso o primeiro passopara a Iluminao.Em japons, o despertar para a Iluminao chama-se "Satori" ou "Kensho". Estes doistermos so muitas vezes usados alternadamente. Desde que a compreenso pode sersbita ou gradual e mais ou menos profunda, comum chamat o Kensho deinsightlimitado, e a Iluminao propriamente o Satori ou Da-Kensho (que significa grande

    despertar). Pode-se tentar compreender a experincia do Kensho no sentido de que,quando o pensamento discriminatrioposto de lado, resta uma enorme dimensodo ser que antes no era totalmente desconhecida, mas que tinha um significado atento ignorado. Por conseguinte, a reao involuntria daquele para o qual o Kenshose torna uma realidade muitas vezes de surpresa e satisfao: "Mas claro! Comoeu sou burro!"

    A experincia um pouco semelhante do homem que, parado no caixa automtico

    do lado de fora do banco, no consegue lembrar-se da senha do seu carto. Durantevrios minutos tomado pela dvida e frustrao e, por mais que tente, noconsegue lembrar-se. Quando, finalmente, ela aparece de estalo na sua mente

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    consciente, lhe to familiar que ele tem certeza de estar absolutamente correto esorri entre os dentes por ter-se esquecido antes.

    O mestre Soto Zen Roshi Kodo Sawakidisse que ptaticat o Zen se tornarntimo do Self. O Self aquela enormedimenso da existncia a que chamamosde Natureza Essencial. Inclui e no seope ao ego, com o qual normalmentenos identificamos e a partir do qualcriamos apersonaque mostramos para osoutros. O Zen no quer, como algunspensam, destruir ou livrar-se do ego,como se este fosse uma parte fsica de

    ns mesmos que pudesse sercirurgicamente removida. O ego asoma total de todas as nossas lem-

    branas, hbitos, desejos, averses,opinies, padres de pensamento etc.Ele oferece nossos pontos de refernciapara nos relacionarmos no mundo e,nesse contexto, um instrumento vital.

    Entretanto, tambm nos restringe e nosfrustra quando no entendemos suaperspectiva provisoria e limitada sobre avida. Acima de tudo, ele impermanente e sem substncia e,portanto, faz parte de uma conscinciaou vazio maior. Ao dar-se conta daligao ntima com o Self, o ego

    transcendido, perde sua sujeio e podeser usado livremente, compassivamentee com sabedoria.A relao entre o ego e a Natureza

    Essencial foi ilustrada pelo mestre Zen japons Bankei Yotaku (1622-1693), atravs deuma analogia com um trabalho de costuta.

    A mente de Buda no-nascida lida espontnea e livremente com qualquer coisa que seapresente para ela. Mas, se alguma coisa por acaso fizer voc mudar a mente de Buda em

    pensamento, ento voc passa a ter problemas e perde aquela liberdade. Deixe-me dar-lhe umexemplo. Suponhamos que uma mulher esteja ocupada, costurando alguma coisa. Uma amiga

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    chega e comea a conversar com ela. Enquanto escuta a amiga e costura de acordo com o no-nascido, no tem problemas para fazer as duas coisas. Mas, se presta ateno s palavras daamiga e um pensamento surge na sua mente enquanto reflete sobre o que vai responder, suasmos param de costurar. Concentra a ateno na costura e pensa no que est fazendo, deixa decaptar o que a amiga est dizendo e a conversa no flui normalmente. Em qualquer um doscasos, sua mente-Buda escapuliu da concentrao no no-nascido. Ela a transformou em

    pensamento. Enquanto os pensamentos esto fixos numa coisa, esto vazios de todas asdemais, privando a mente da sua liberdade.

    Se a mente de Buda no-nascida for a verdadeira natureza de nossos pensamentoscotidianos, deve-se concluir que se encontra no meio de nossa vida diria. Notreinamento Zen, a ligao ntima com o Self faz com que nos confrontemos com omundo das formas do dia-a-dia. Esta ligao ntima com as formas do mundo

    cotidiano, ento, nos confronta com a realidade do vazio e da impermanencia. OZenji Eihei Dogen (1200-1253), fundador do Soto Zen japons, disse:

    Aprender o caminho de Buda aprender sobre si mesmo. Aprender sobre si mesmo esquecer-se de si mesmo, estar iluminado por tudo, no mundo. Estar iluminado por tudo deixar cairo prprio corpo e a prpria mente.

    este deixar cair o corpo e a mente que leva compreenso de que no existe umaentidade fixa chamada comumente de si mesmo. S existe o espao ilimitado,infinito, desobstrudo. Nas palavras do Sensei Genpo, um mestre Zen dos nossosdias:

    Este espao, tambm chamado "vazio"ou Shunyata, no um mero vcuo, mas real, pleno eexistente. E a fonte da qual todas as coisas emanam e para a qual retornam. No pode ser visto,

    tocado ou conhecido e, no entanto, existe como "Eu" e est sendo livremente usado por cadaum de ns, a cada momento das 24 horas do dia. No tem contornos, nem tamanho, nem cor,nem forma e, entretanto, tudo que vemos, ouvimos e tocamos "ele".Est alm do nosso conhecimento intelectual e nunca ser realizado pela mente racional. Emoutras palavras, est absolutamente fora do nosso alcance. Quando somos subitamente acorda-dos e compreendemos claramente que no existem nem nunca existiram barreiras,compreendemos que somos todos uma coisa s: montanhas, lua, estrelas, universo, somostodos o si mesmo. No mais existe uma diviso ou barreira entre o si mesmo e os outros, no

    mais quaisquer sentimentos de alienao, medo, cime ou dio pelos outros, pois j se sabe eest comprovada a evidente realidade de que no existe nada separado do si mesmo e, portanto,nada a temer. Esta compreenso naturalmente resulta na "verdadeira compaixo". As pessoase coisas no so mais vistas como separadas, mas como o prprio corpo.

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    Quando descobrimos nossa verdadeira natureza, temos a sensao de que voltamospara casa, ou que redescobrimos algo de grande valor. Este um tema que se repeteno mito e um ponto muitas vezes enfatizado no Zen. Talvez seja por causa disso que possvel, por exemplo, ouvir falar do silncio aterrador de Vimalakirti e, mesmo

    sem entender por que, sentir grande afinidade com sua histria.Concluindo, podemos dizer que o Zen universal e apropriado para qualquerpessoa, em qualquer lugar. Uma de suas crenas bsicas que a natuteza de Buda inerente a todas as pessoas e que ela perfeita. Este verdadeiro Self possui compaixoe amor pelos seus semelhantes, mas, como disse Buda, "devido mente do homemter se tornado invertida, atravs do pensamento ilusrio, ele deixa de perceb-lo". Odiscpulo do Zen aspira enxergar atravs da iluso e para dentro do seu verdadeiroSelf e, dessa forma, a natureza de toda a existncia. Assim sendo, o treinamento Zen

    no acrescenta nada ao indivduo; pelo contrrio, mostra o caminho para extirpar asiluses, a fim de que se torne o que realmente , para voltar para casa, na linguagemdo Zen. Este voltat para casa implica ver as coisas cada vez mais verdadeiramente,como elas so na realidade.

    A filosofia Zen, finalmente, baseia-se em suposies que no podem ser provadas pormeio de argumentos intelectuais. A nica maneira de realmente entender o Zen atravs do conhecimento experimental. Este obtido na tradio Zen, atravs dosmtodos de treinamento desenvolvidos, desde o tempo de Bodhidharma, h 1500anos.O treinamento ideal do Zen implica a prtica regular do Zazen, ser membro de umacomunidade ou associao Budista (Sangha), ter acesso diteto aos ensinamentos deum guia espiritual (um Roshi) e estudar os ensinamentos de Buda (o Dharma). Buda,o Dharma e o Sangha so conhecidos como os Trs Tesouros.As caractersticas do Zen que o separam de outras tradies budistas, estotesumidas a seguir.

    Em primeiro lugar, a Iluminao transmitida diretamente do mestre para o aluno,fora dos ensinamentos ortodoxos. (Na tradio Zen, a aprovao da transmissodireta do Dharma essencial. Sabe-se que a fora do Zen est nesta transmisso domestte para o discpulo, de mente para mente.) Em segundo lugar, no existedependncia de escrituras ou de outros livros sagrados. Por ltimo, os mestres Zensdirigem-se diretamente ao corao humano. Christmas Humphries (1901-1983),fundador da Sociedade Budista Britnica, descreveu o Zen como a apoteose doBudismo... Um assalto direto cidadela da Verdade, sem a segurana dos conceitos

    de Deus, alma ou salvao.

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    CAPTULO 2

    Origens e histria do ZEN

    Buda nasceu em Kipilavastu; Iluminado em Magadha; Ensinou emVaranasi; Entrou no Nirvana em Kusinagara.

    CNTICOSOTOZENPARAAHORADAREFEIO

    Zen japons, com sua nfase sobre a prtica do Zazen, estudo do Koan e a realizaodo Satori, tem suas origens na China. Aqui, os primeiros mesttes Zen ensinaram e os

    primeiros mosteiros reconhecidamente Zen foram fundados. Entretanto, as razesmais profundas do Zen encontram-se na ndia, onde o Sidarta Gautama nasceu,alcanou a Iluminao e fundou a religio budista. A histria da sua vida despertaum interesse mais do que histrico, j que, para os seguidores do Zen, ele o modelosupremo de algum que seguiu o Caminho at o fim e realizou a Iluminao perfeita.Buda (palavra snscrita que significa O Desperto) no uma figura abstrata dopassado, mas um homem com o qual um mestre Zen pode sentir um relacionamentopessoal na conscincia de suas lutas compartilhadas. O seguidor do Zen acredita quecada um de ns tem o potencial para alcanar o despertar total e que o caminho deBuda no est teservado para uns poucos escolhidos, mas definitivamente abertopara todos.

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    Buda nasceu no sculo sexto a.C, a noroeste da ndia. Quando nasceu, seu pai,Suddhodana, consultou um astrlogo, o qual previu que o jovem Sidharta cresceriapara ser um heri e conquistaria o mundo, ou seria um grande sbio. Suddhodana,evidentemente, preferiu a primeira opo e tomou providncias para que seu filhofosse criado com todas as virtudes dos reis e guerreiros da poca, protegendo-o, tantoquanto possvel, de qualquer coisa que pudesse lev-lo a questionar o significado davida.De incio, os objetivos de Suddhodana foram bem-sucedidos, e Sidharta tornou-se umjovem forte e feliz. Casou-se e sua mulher deu luz um menino. Entretanto, emborano percebesse claramente por que, comeou a sentir-se inquieto, achando que a suavida no lhe trazia nenhuma satisfao. Decidiu fugir secretamente do palcio eaventurar-se entre os sditos de seu pai. Pela primeira vez na vida, deparou com asrealidades: doena, velhice e morte e, como resultado

    dessa experincia, tornou-se cada vez mais angustiado,compreendendo que, pot maior que fosse a proteo, oconforto e o luxo que o pai proporcionava no podiamimpedir que ele, nem ningum, lutasse pela vida.Refletindo sobre o problema e em busca de umaresposta, decidiu tornar-se mendigo errante. Naquelapoca, este era o caminho para os que queriamentender a morte e o sofrimento da humanidade.

    Assim, Sidharta renunciou riqueza, ao poder e famlia, partindo em busca da verdade. Ele tinha quasetrinta anos, estava na plenitude da vida e era muitodeterminado. Estava abandonando tudo por um futurototalmente incerto. Como era praxe, no possua nada,dormia ao relento e obtinha comida, esmolando.Procurou vrios mestres, aprendendo tudo o que elessabiam, mas continuava sem solucionar suas dvidas arespeito do significado da vida. Na sua determinaopara equacionar este problema, sujeitou-se a todas asformas de rigorosa austeridade, ganhando a reputaode asceta. Um pequeno crculo de seguidores reuniu-seem torno dele. Juntos, jejuavam, expunham-se aosrigores do calor e do frio, e submetiam-se amortificaes fsicas. Depois de cinco anos desta vida,

    Sidharta estava quase morto de fome e exausto, eainda no tinha conseguido solucionar sua dvida.Finalmente, concluiu que o significado da vida notinha de ser descoberto por meio de um ascetismo

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    extremo e, assim, abandonou esta prtica. No devemos desprezar o significado destasua atitude. Com efeito, ele chegou concluso de que os cinco ou seis anos em que sesujeitou, voluntariamente, mais incrvel dureza (e reconquistou algumstatuspessoal,em conseqncia disso) foram uma completa perda de tempo. Da mesma forma comoquando decidiu abandonar o palcio de Suddhodana deve ter sido necessria umagrande coragem e autoconfiana para chegar a este reconhecimento. E isto tambmcomprova a fora de sua dvida pessoal a respeito do significado da vida, bem comosua f e determinao para solucion-la.Pela primeira vez, em muitos anos, comeu uma refeio decente. O resto do grupo, queo tinha como mestre, partiu revoltado. Profundamente frustrado por seu prpriofracasso, Sidharta, de repente, lembrou-se de uma poca de sua infncia em que,sentado debaixo de uma rvore, no jardim do palcio, espontaneamente experimentaraum estado de perfeita harmonia e paz com a vida. Com determinao renovada,

    sentou-se debaixo de uma rvore e resolveu que s se levantaria quando sua dvida arespeito da vida estivesse totalmente satisfeita.O dia cedeu lugar noite, e a noite trouxe a aurora. Ento, de acordo com a versoexistente no Zen, a esttela da manh despontou no horizonte e, vendo-a, Sidharta,subitamente, compreendeu que nunca haviam faltado respostas para suas dvidas.Vida e morte eram apenas fenmenos passageiros, no palco do no-nascido, o qual noera outro seno ele prprio. "Isto um milagre!" exclamou. "Todos os seres vivos sointrinsecamente iluminados, quanto ao significado da vida e da morte, so

    perfeitamente dotados de sabedoria e da compaixo dos Despertos, mas, dados seuspensamentos ilusrios, no podem perceb-lo." Compreendendo esta verdade, suadvida foi resolvida e Sidharta Gautama tornou-se Buda Shakyamuni.A verdade descoberta era to simples e sutil, que ele teve dvidas de que algum fossecapaz de entender. Enttetanto, ao meditat, deu-se conta de que deveria haver, pelomenos, algumas pessoas prontas para sensibilizarem-se com seus ensinamentos e,assim, iniciou uma vida dedicada ao ensino que deveria se prolongar por quasequarenta anos, e cujas repercusses so sentidas at nossos dias.

    Existem tantas formulaes do ensinamento de Buda (o "Dharma") quantas so asescolas do Budismo. A escola do Zen afirma transmitir a verdadeira essncia doDharma, sem apoiar-se nas palavras e letras da doutrina. Isto no quer dizer que o Zenignore o Budismo cannico, mas, muito pelo contrrio, como Vimalakirti, os mestresZen consideram mais importante manifestar a essncia do Budismo do que meramentefalar sobre ele. Foi assim que Huineng (638-713), o Sexto Patriarca do Zen chins,embora analfabeto e, portanto, incapaz de estudar os Sutras, pde explic-los, na

    ntegra, para quem se dedicasse a ler as passagens para ele. Certa vez, Hui-neng disse:"No deixe o Sutra derrub-lo; derrube-o voc."Os ensinamentos de Buda eram pragmticos, ditetos e adaptados s necessidades deseus ouvintes. Ele nunca perdeu de vista os abismos profundos da confuso, nos quais

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    a maior parte da humanidade est mergulhada, e estava pronto para usar todos osmodos de ensinamentos proveitosos para ajudar seus seguidores em seus equvocos edificuldades. Assim, quando foi abordado por uma mulher que ttazia o filho mortonos braos, buscando consolo e compreenso por que essa coisa horrvel tinha lheacontecido, disse que poderia ajud-la, desde que trouxesse uma semente de mostatdade uma casa que no tivesse conhecido o sofrimento. A mulher foi de casa em casaprocurando a tal semente e, apesat de muitos terem oferecido sementes, ela noencontrou nenhuma casa que no tivesse conhecido o sofrimento. Assim sendo, voltouao Buda, que disse:

    Minha irm, voc descobriu

    Procurando aquilo que ningum acha, o blsamo amargo Que eu tinha que lhe dar. Aquele que

    voc amou Caiu morto no seu peito ontem; hoje Voc sabe que o mundo inteiro chora Com suatristeza.

    Buda desenvolveu muitos mtodos tticos para levar as pessoas a abandonarem osapegos das suas mentes discriminadoras (que ele via como a fonte dos problemas).Explicou por que agia desta forma, atravs da parbola da casa em chamas:

    Em uma cidade de um determinado pas, havia um grande ancio, cuia casa era enorme, mas stinha uma porta estreita.

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    Cena da vida de Buda rea indianado sc.II

    Esta casa estava muito estragada e, um dia, de repente, irrompeuWASHINGIONum grandeincndio que rapidamente comeou a se alastrar. Dentro da casa estavam muitas crianas, e oancio comeou a implorar para que sassem. Mas todas estavam absortas nas suas brincadeirase, embora tudo levasse a crer que iriam morrer queimadas, elas no prestaram a menor ateno

    ao que o ancio dizia e no mostravam pressa de sair.

    O ancio pensou um momento. Como era muito forte, poderia colocar todas dentro de umcaixote e tir-las rapidamente. Mas, depois, viu que, se o fizesse, algumas poderiam cair e sequeimar. Por isso, resolveu alert-las sobre os horrores do incndio, para que sassem por sualivre e espontnea vontade.Aos gritos, pediu que fugissem imediatamente, porm as crianas deram uma olhadae no tomaram conhecimento.

    O grande ancio lembrou-se que todas as crianas queriam carroas de brinquedo e, assim,chamou-as dizendo que viessem depressa ver as carroas de bodes, veados e bois que tinhamchegado.Ao ouvirem isto, as crianas finalmente prestaram ateno e caram umas sobre as outras, nansia de sarem, fugindo, desta maneira, da casa em chamas. O ancio ficou aliviado por teremescapado ilesas do perigo, e, quando elas comearam a perguntar pelas carroas, deu a cada umano aquelas simples que elas queriam, porm carroas magnificamente decoradas com objetospreciosos, puxadas por grandes novilhos brancos.

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    O simbolismo desta histria talvez esteja bastante bvio. O ancio Buda, a casa emchamas a natureza da existncia que Buda chamou de "Dukka" (isto , incapaz de daruma satisfao duradoura, porque, em todos os aspectos, inconsistente e

    transitria).As crianas so a humanidade esuas brincadeiras representam as diversesmundanas com as quais estamos to ocupadosque, muito embota estejamos vagamenteconscientes da vida e do verdadeiro Self, noprestamos ateno nisto. As carroas de bode,veado e boi so os mtodos de ensinotemporrios, na realidade, o "chamariz", atravsdo qual Buda pode nos fazer escutar e comeara praticar o Dharma, e as carroas magnficas,

    puxadas por grandes novilhos brancos, re-presentam a prpria Iluminao, para a qualBuda s nos conduzir se tiver nossacooperao e entrega.

    Buda- Alto relevo, arte indiana (perodo Gupta)

    O esprito da histria toda do Dharma de Buda talvez esteja resumido nesta histria.Ela foi adaptada e difundida por meio de todos os seus grandes sucessores doDharma. Demonstra tambm a natureza provisional daquilo que Buda ensinou,associando seu ensinamento a um remo, que til enquanto a pessoa est atraves-sando a gua, mas que poder ser abandonado depois. por isso que, na tradio Zen,o Dharma foi chamado de o dedo que aponta para a lua.No Sutra Lankavatara, Buda mencionado como tendo dito: "Se um homem se apegaao significado literal das palavras... a respeito do estado original da Iluminao, o qual

    no-nascido e que no morre..., comea a ter pontos de vista positivos ou negativos.Assim como as diferenas dos objetos so vistas como iluso, e distinguidas comoreais, se afirmaes errneas forem feitas, as distines errneas continuam. pormeio do ignorante que as distines continuam, e o sbio faz o contrrio." E, comovemos no Sutra Vajraechedika (do Diamante):

    Assim voc deve pensar deste mundo fugaz; Uma estrela no amanhecer, uma espuma no regato;Uma fasca de relmpago, em uma nuvem de vero; Uma lmpada cintilando, um fantasma, eum sonho.

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    Muito embora o Dharma tenha sido formulado dentro das Quatro Nobres Verdades,do Caminho ctuplo, das Cinco Virtudes Espirituais e dos Cinco Obstculos Prtica,dos Doze Elos da Existncia Condicionada e muito mais, todos estes constituem osdiversos meios prticos para compreendermos a verdadeira natureza do corao e damente humanos. Por isso, em outro lugar, os Sutras nos falam que, entre a Iluminao,em Magadha, e a morte ou paranirvana, em Kusinagara, Buda no proferiu nenhumapalavra de ensinamento; que no alcanou a Iluminao embaixo da rvore Bodi, emMagadha, e que eternamente esteve sentado sobre o "Pico dos Abutres", pregando oDharma para a assemblia (o Sangha).Em Zen Flesh, Zen Bons,traduo para o ingls de Nyogen Senzaki e Paul Reeps,encontramos o seguinte:

    Buda disse: Considero a condio dos reis e legisladores como gros de poeira. Observo os

    tesouros de ouro e as pedras preciosas como sendo tijolos e seixos. Para mim, as mais finas vestesde seda so trapos esfarrapados. Vejo mundos de mirades, no universo, como pequenassementes de fruta, e o maior lago da ndia como uma gota de leo no meu p. Percebo osensinamentos do mundo como a iluso dos mgicos. Distingo a mais alta concepo de li-bertao como um brocado dourado de um sonho, e vejo o caminho sagrado dos iluminadoscomo flores que aparecem nos olhos de algum. Encaro a meditao como o pilar de uma mon-tanha, o Nirvana como um pesadelo no dia. Considero o julgamento do que certo e erradocomo a dana sinuosa de um drago, e o aparecer e desaparecer das crenas como nada mais do

    que vestgios das quatro estaes.

    Na tradio Zen, diz-se que, durante todos os quarenta anos de ensinamento, Buda steve um sucessor no Dharma, seu discpulo mais antigo, Mahakashyapa. assim queD.T. Suzuki conta a histria do Da-Kensho de Mahakashyapa:

    Buda estava um dia no Monte dos Abutres, pregando para uma congregao de discpulos. Ele

    no recorreu a nenhuma longa alocuo verbal para explicar o assunto que estava tratando.Simplesmente, levantou, perante a assemblia, um buqu de flores que um dos discpulos lhehavia oferecido. Nenhuma palavra saiu de sua boca. Ningum entendeu o significado dessaatitude, a no ser o venervel Mahakashyapa, que serenamente sorriu para o mestre, como quemtinha compreendido muito bem o seu ensinamento silencioso.Buda, vendo o que se passava, solenemente proclamou: "Tenho o mais precioso tesouroespiritual e, neste momento, estou trans-mitindo-o para vocs, O Mahakashyapa.

    De fato, Buda estava dizendo pata Mahakashyapa: "Esta flor o verdadeiro caminho eeu a entrego para voc." Mahakashyapa teve um insightimediato da experincia doaqui e agora com "apenas estas flores", da mesma maneira que Sakyamuni

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    experimentou "apenas a estrela matutina". Os smbolos da Iluminao, o manto e atigela, foram passados adiante e, nas palavtas do Sutra do Lotus Branco, "um Budajunto com outro Buda aprofundam a realidade da existncia inteira!"Mahakashyapa ttansmitiu o Dharma para Ananda, outro discpulo de Buda, daseguinte maneira: Ananda perguntou para Kashyapa: "O honrado pelo mundo lhe deuo manto doutado, voc ganhou mais alguma coisa?" (Em outtas palavras, teria o Budatransmitido para Mahakashyapa algum ensinamento secreto?) "Ananda", gritouKashyapa. "Sim, Senhot", respondeu Ananda. "Derrube o mastro da bandeira doporto", disse Kashyapa. Debaixo do impacto de ouvir e responder, Ananda estava nomomento completamente alerta. No faltava mais nada para ele compreender. KatsukiSekida diz o seguinte sobre isto:

    Quando vai haver a palestra de um mestre, a bandeira hasteada no mastro do porto dotemplo. Mas, agora, o mastro tinha que ser derrubado. A palestra de Kashyapa acabou. Aderrubada do mastro a confirmao drstica da transmisso do Dharma para Ananda.Derrubar o mastro da bandeira tem outra implicao importante: derrubar o seu prprioapego, derrubar o seu tesouro: Iluminao, Zen, seu mestre, Buda, tudo. Este ato de derrubar usado como um Koan independente. O mestre perguntar: "Como voc derruba o mastro dabandeira?"

    A partir de Shakyamuni, a essncia da Iluminao de Buda foi transmitida, ao todo,atravs de 28 geraes de mestres Dhyana da ndia, at Bodhidharma, no sculo sextoda era crist. Sidharta

    Gautama, na verdade, tornou-se um heri que conquistou o mundo, mas noexatamente da maneira que seu pai planejara.

    CHAN (OU ZEN) NA CHINA

    Mais ou menos no ano 520, Bodhidharma cruzou o Oceano Indico, indo para a China.Sua chegada s terras do Imperador Amarelo marcou o incio do Ch'an e ele tornou-seo primeiro Patriarca Chins.Embora diversas escolas do Budismo tenham sido criadas na China, muito antes deBodhidharma chegar, sua reputao de renomado mestre de Dhyana antecedeu-o; porisso, o Imperador Chins Wu-ti (502-540), que era um budista devoto, convidouBodhidharma para visitat o Palcio Imperial, a fim de transmitir seus ensinamentos. O

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    Imperador tinha patrocinado a consttuo de muitos mosteiros e templos budistas esustentado diversos mestres de vrias seitas budistas. Segundo sua maneira deentendei os ensinamentos, achava que, em conseqncia de tudo o que fazia, deveria"merecer" um feliz e prspero reino, e ter o privilgio de reencarnar no lugar quealguns budistas chamam de "Nao Pura", onde, ao contrrio da terra, todas ascondies de vida conduziriam realizao da Iluminao.O Imperador estava encantado por tet a oportunidade de encon-ttar um mestreprofundamente iluminado e ansioso para conhecer suas realizaes espirituais. Conta-se que, ao encontrar Bodhidharma, o Imperador perguntou:

    Tenho construdo muitos templos, copiado inmeros Sutras e ordenado muitos monges, desdeque me tornei Imperador. Portanto, pergunto-lhe: qual o meu mrito?"

    "Nenhum!", respondeu Bodhidharma. O Imperador insistiu: "Por que no tenho mrito?"Bodhidharma replicou: "Fazer as coisas para obter mrito tem um motivo impuro e s revelaro fruto mesquinho do renascimento. "O Imperador, um tanto aborrecido, ento, perguntou:"Qual o princpio mais importante do Budismo?"

    Ao que Bodhidharma respondeu: "Um grande vazio. Nada sagrado."O Imperador, agora confuso e bastante indignado, inquiriu: "Quem este que est diante demim?" Bodhidharma falou: "Eu no sei. "

    Vendo que o Imperador no entendeu, Bodhidharma cruzou o rio para Shaolin, ondeficou em meditao durante nove anos, voltado para a parede de uma gruta.Wu-ti, mais tarde, conversou com um de seus ministros budistas sobre o encontroque tivera com Bodhidharma. O ministro perguntou: "Vossa Majestade Imperial sabequem esta pessoa?" O Imperador disse que no sabia. O ministro falou: "Ele o Bo-dhisattva da compaixo, portador do selo do corao de Buda." Cheio de

    arrependimento, o Imperador quis chamar Bodhidharma de volta corte, mas oministro advertiu: "Ainda que voc o mandasse buscar, ele no viria. Nem mesmo setodos, na China, fossem pedir-lhe." Ao mesmo tempo, Bodhidharma atraa umcrculo de seguidores e, com o passar dos anos, confirmou Eka (o chins Hui K'o)como seu prprio sucessor do Dharma.Os mestres de Dhyana rapidamente descobriram que os chineses tinham um sistemacontemplativo prprio, nos ensinamentos de Lao-tsu e de Ch'ung-tsu (o qual sechama coletivamente de Taosmo). A maneira simples de viver em harmonia com avida, associada ao Taosmo, est resumida no princpio "Wu-wei", que significa "no-fazer" ou "no-esforo" (no sentido de seguir as iluses da mente). O texto clssico doTaosmo, o Tao Te Ching, comea assim:

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    O Tao que pode ser contado no o Tao eterno.

    O nome que pode ser especificado no o nome eterno.

    O que no tem nome o eternamente real. Dar nomes a origem de todas as coisas pessoais.

    Livre do desejo, voc compreende o mistrio. Apanhado em desejo, s v asmanifestaes.

    Embora mistrio e manifestaes surjam da mesma fonte. Esta fonte chama-se escurido.

    Escurido dentro da escurido. A porta de todo o entendimento.

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    Santurio budista Arte chinesa sc. VII

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    As similaridades com o Budismo Dhyana eram marcantes e, mais tarde, Ch'an impregnado pela influncia do Taosmo que, assim, deu a Ch'an seu sabor distinto.Veja, por exemplo, o Hsin Hsin Ming, escrito pelo Terceiro Patriarca, Sengstan (em

    japons, Sosan), que assim comea:

    O Grande caminho no difcil Para aqueles que no tm preferncias.Quando amor e dio esto ausentesTudo se torna claro e indistinto.Faa a menor distino, entretanto,E o cu e a terra sero infinitamente postos de lado.

    Depois do Quarto Patriarca, Tao-hsin, os mestres do Ch'an comearam a construir efundar mosteiros pata treinamento e, quando chegou a poca do Quinto, Hung-jen(601-74), j havia mil monges estudando na mesma rea.

    O SEXTO PATRIARCA

    Um dos discpulos do mosteiro de Hung-jen era um campons analfabeto que,

    depois, se tornou o Sexto Patriarca. Seu nome era Hui-neng e, ao lado deBodhidharma e Shakyamuni, talvez o mestie mais renomado na histria do Zen.

    No relato biogrfico de sua vida, o Sutra da Declarao de Princpios do SextoPatriarca conta como chegou at Hung-jen, depois de ter ficado todo iluminado aoescutar, por acaso, um monge ler o Sutra do Diamante. Hung-jen, percebendo a suaIluminao, colocou-o pata ttabalhat na cozinha, pois no queria criar uma situaoembataosa para os monges mais velhos. Passaram-se oito meses at que Hung-jen

    chamou todos os monges para uma reunio e anunciou que, se algum deles pudessecompor uma poesia, explicando a essncia do Zen, lhe seria dada a "transmisso", ereceberia o manto e a tigela do Sexto Patriarca. O favorito para o ttulo era o monge-chefe, Shen-hsin. Ele escreveu o verso a seguir, sem assinar, na parede do mosteiro,tatde da noite.

    Nosso corpo a rvore-Bodi Nossa mente, um espelho brilhante. Cuidadosamente ns os

    limpamos minuto a minuto E no deixamos nenhuma poeira ali pousar.

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    Buda Arte chinesa, sc.VIII- IX

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    Os outros monges ficaram maravilhados e decidiram que no poderia haver nadamelhor. Entretanto, Hui-neng, passando pelo corredor, petguntou pelo verso queseria lido para ele (ele no sabia do teste de Hung-jen), e ditou seu prprio poema:

    A rvore Bodi no existe Nem sequer um espelho brilhante. J que tudo

    vazio Onde pode a poeira pousar?

    Todos ficaram surpresos, e o mestre, reconhecendo que este era o trabalho de algumque verdadeiramente entendeu a essncia da mente, apagou-o, temendo que pudesseexpor Hui-neng indignao dos monges com cimes, por lealdade a Shen-hsui.Hui-neng tinha sido convocado para ver o mestre naquela mesma noite. Ele tinharecebido o manto e a tigela (que se dizia terem pertencido a Bodhidharma), e tinhasido avisado para seguir para o sul. Durante quinze anos, Hui-neng ficou noanonimato at decidit que j era a hora certa de revelar que ele era o Sexto Patriarca.A escola do Zen, por ele fundada, passou a ser conhecida como Escola do Sudeste, e a

    de Shen-hsui que aos poucos iriadesaparecer , como Escola do Nordeste.Tal era a genialidade de Hui-neng que,com grande capacidade, transmitiu oDharma para 43 sucessores! Da em diante,

    apareceram muitas linhas diferentes detransmisso do Zen, sendo que essa foi asemente pata o desenvolvimento das duasprincipais seitas Zen no Japo: a Soto e aRinzai.

    LIN-CHI (EM JAPONS: RINZAI,

    MORTO EM 866)

    Este o mestre do Ch'an, cujo nome, em

    japons, usado para designar uma das

    duas maiores seitas Zen. Lin-chi ficou

    famoso pela maneita rude e franca com

    que tratava os discpulos para despertar

    suas mentes. Era bem capaz de bater no

    inquiridor para cortar os padres de

    pensamento condicionado e permitir que a

    mente se abrisse para sua verdadeira

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    natureza. Seus mtodos de ensino so mais bem ilustrados por suas prprias

    palavras:

    A Dinastia T'ang (620-906) foi a Idade de Ouro do Zen na China. Ela produziu

    grandes mestres, como Joshu (778-897) e Nansen (748-834), e as histrias e casos

    desses mestres foram reunidas em colees como a Mumokan, Hekiganroku,

    Shoyoroku e Tetteki Tosui, e estudadas pelos discpulos do Zen at os dias de hoje.Um dos maiores professores e que gozou de maior influncia, nessa poca, foi Lin-

    chi.

    Os seguidores do Caminho, o Dharma de Buda, no necessitam de instruo especializada.Seja simplesmente voc mesmo, sem buscar mais nada, usando mantos ou comendo... Se vocdominar a situao na qual est, onde quer que esteja, tudo se torna verdadeiro, voc no mais manobrado pelas circunstncias.

    Amigos, vou dizer-lhes uma coisa: no existe Buda, no existe caminho espiritual para seguir,nem treinamento, nem realizao. Voc est febrilmente correndo atrs de qu? Colocandouma cabea em cima de sua prpria cabea, seus cegos idiotas! A cabea est exatamente ondedeveria estar. O problema que vocs no acreditam em vocs mesmos o suficiente. Por isso,so jogados pra l e pra capelas condies nas quais se meteram. Estando escravizados edistorcidos pelas situaes objetivas, no tm liberdade de espcie alguma, no so senhores desi prprios. Parem de se voltar para fora e tambm no se apeguem s minhas palavras.Simplesmente deixem de se apegar ao passado e de ficar ansiando pelo futuro.

    O ZEN CHEGA AO JAPO

    Antes de serem transmitidas para o Japo, as duas maiores escolas dominantes doCh'an, na China, eram a que traou sua linhagem a partir do sexto Patriarca at Lin-

    chi e a que traou sua linhagem revendo Ts'ao-shan Pen-chi (em japons: SozanHonjaku, 840-901) eTung-shan Lian-chieh (em japons: Tozan Ryokai, 807-869), entoconhecida como Escola de Ts'ao-tung, na China. No Japo, essas duas escolas ficaramconhecidas como Rinzai e Soto, respectivamente. A Rinzai foi introduzida,primeiramente, no Japo, por Eisai (1141-1215), e a Soto, por Eihei Dogen Kigen, dequem j falamos.

    Em 1184, Eisai construiu o primeiro tempo do Zen no Japo. Chama-se Shofuku-ji e

    at hoje existe. Mais tarde, mudou-se para a capital Imperial, Kyoto, onde a EscolaRinzai tomou-se firmemente estabelecida.Entre os sculos XII e XIV, o Rinzai Zen passou a ser muito popular na classe dossamurais que dominava o Japo. Os samurais valorizaram a imediata praticabilidade

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    do treinamento, que era adaptado para satisfazer as necessidades urgentes daquelesanos de turbulncia. A coragem e a determinao dos guerreiros fizeram delesdiscpulos particularmente fortes. Abriram-se templos do Rin

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    O grande Buda Arte japonesa, perodo Kamakura, ano 1252

    zai em Kamakura, a capital militar, e o sistema nativo do "Guerreiro Zen", com seukoan prprio, comeou a se expandir. Nesse meio tempo, o Soto Zen desenvolveu-seindependentemente da agitao poltica da capital.

    Dogen nasceu em 1200. Seu pai morreu quando ele tinha dois anos, e sua me faleceucinco anos depois. Com a idade de treze anos foi viver com um tio, um devoto doBudismo. A perda de seus pais e o incentivo de seu tio confirmaram a deciso doDogen de tornar-se monge. Alguns anos mais tarde, foi para o mosteiro de Kenninjo,fundado por Eisai, e estudou com o sucessor do Dharma de Eisai, Myozen. Durante otempo que ficou em Kenninjo, o Dogen completou seu treinamento na tradio Rinzaie recebeu o "Inka", o selo de mestre. Apesar disso, no tinha resolvidosatisfatoriamente seu dilema bsico quanto ao significado da vida. Suas dvidas

    levaram-no a empreender uma viagem arriscada, para a China, em 1223. Uma vez l,estudou com o Mestre Ju-ching (1163-1228) no mosteiro de T'ien-T'ung. Tudo leva acrer que o treinamento foi duro e, no incio, no teve uma vida fcil. Seu Da-Kenshoocorreu da seguinte maneira:

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    Seguindo o exemplo do seu mestre, o Dogen se dedicou prtica do Zazen noite e dia.De manh cedo, enquanto dava seu giro costumeiro para fazer uma inspeo, no inciodo perodo do Zazen formal, Ju-ching encontrou um dos monges cochilando. Re-preendendo o monge, disse: "A prtica do Zazen o deixar cair o corpo e a mente. Oque voc espera conseguir cochilando?" Ao ouvir estas palavras, Dogen compreendeua Iluminao, o olho de sua mente

    abriu-se completamente. Dirigindo-se para a sala de Ju-ching, a fim de ter suaIluminao confirmada como genuna, o Dogen queimou um incenso e prostrou-seperante seu mestre.

    "O que voc quer dizer com isto?"perguntou Ju-ching. "Eu experimentei o deixar cair o corpoe a mente", respondeu o Dogen.

    Ju-ching, vendo que a Iluminao do Dogen era genuna, disse por fim: "Voc realmente

    deixou cair o corpo e a mente!"O Dogen, entretanto, insistiu em dizer: "Eu apenas acabei de compreender a Iluminao, nome aprove com tanta felicidade. " "Eu no o estou aprovando facilmente. " O Dogen, aindainsatisfeito, persistiu: "Em que voc se baseia para dizer que no me aprovou facilmente?" Ju-ching respondeu: "Corpo e mente caram!" Ouvindo isto, o Dogen prostrou-se perante omestre em profundo respeito e gratido, mostrando que realmente havia transcendido suamente discriminatria.Tirado deDogen Zen,por Yuho Yokoi.

    Dogen voltou pata o Japo, em 1227, levando cpias de certos textos importantes doSoto Zen, muito embora tenha dito que regressou de "mosvazias". A essncia fundamental do Zen, que ele agora ensi-nava, era que a prtica ou atividade do dia-a-dia a expressoda prpria Iluminao. Por este motivo, comeou a dar grandenfase aos detalhes da atividade cotidiana, e encarou cadamomento como uma oportunidade de expressar a gratido

    pela natureza de Buda. Ganhou a reputao de se submeter auma disciplina severa e de fazer crticas abertas s outrasseitas budistas, inclusive ao Rinzai.

    Em 1236, Dogen fundou seu prprio templo, e sua fama demestre comeou a se espalhar. Hoje, ele reverenciado comoum dos maiores gnios religiosos do Japo. Dogen no tinhanada em comum com as lutas do podet aiistocttico e militardo seu tempo e isto, combinado com sua insistncia em afir-mar que mulheres e homens eram igualmente capazes de rea-lizar o Caminho de Buda, fez do Soto uma tradio realmentesem classes.

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    Buda Arte japonesa, perodoAsuka, sc.VII

    Foge ao escopo deste livro fornecer umapesquisa detalhada dos ensinamentos doDogen; todavia, deve-se mencionar que seuimpacto sobre o Zen japons foiincomensurvel e nenhum discpulo bem-

    intencionado poder desprezar sua obra.No estaremos exagerando se dissermosque, aps a introduo do Soto e do Rinzaino Japo, como escolas separadas, elas sedesenvolveram e floresceramindependentes uma da outra por quase 700anos. Se o vigor dessas escolas foifirmemente mantido, atravs dos sculos, um assunto que envolve certa controvrsia.O Zenji Hakuin, por exemplo, considerado por toda a parte, no Japo,como o reformador do Rinzai Zen, nosculo XVII, que estava naquela poca setornando bastante "inspido".Similarmente, os mtodos de ensino de

    mestre Bankei separaram os sistemas tradicionais completamente.Dutante todos estes anos, uma escola tem criticado a outra, e cada uma pode estarcerta dentro de sua prpria perspectiva. Os praticantes do Rinzai criticam seuscongneres do Soto por subestimarem a realizao do Satori, e os ltimos criticam osprimeiros por no considerarem que a prtica diria do Caminho no nada mais doque realizar a Iluminao. preciso que algum tenha a capacidade do prprio Dogen para obter a aprovaode mestre em uma tradio, e ainda reconhecer que existe algo a ser aprendido com a

    outra. Entretanto, foi precisamente isto que o Roshi Daiun Sogaku Harada (1872-1963) fez. O Roshi Yasutani, seu sucessor do Dharma, disse a respeito dele: "Emboraele prprio fosse da seita Soto, no conseguiu encontrar um mestre verdadeiramenterealizado naquele seita e, portanto, submeteu-se ao treinamento no Shogen-ji e,depois, no Nansen-ji, dois mosteiros Rinzai. Em Nansen-ji, finalmente, apoderou-sedo segredo mais profundo do Zen, sob a orientao do Roshi Doku-tan, um eminentemestre." Em conseqncia, os sucessores do Dharma do Roshi Harada usaram ambosos mtodos de ensino, Soto e Rinzai, e argumentaram que assim procediam de umamaneira inovadora, tradicional e flexvel.Menciona-se tal fato devido profunda influncia que o Roshi Yasutani e outrosdessa linhagem tiveram sobre o desenvolvimento do Zen no Ocidente.

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    O ZEN CONTEMPORNEO NO OCIDENTE

    Embora muitas vezes o associem s artes marciais, medicina alternativa, cozinhamacrobitica, manuteno de motocicleta etc, muitos ocidentais, pelo menos, jouviram falar no Zen hoje em dia. Ele tem sido popularizado em filmes, msica, artese fico, e no existem boas livrarias ou bibliotecas que no tenham, pelo menos, umapublicao sobre o assunto.O trabalho pioneiro de D.T. Suzuki, Alan Watts e Christmas Humphries, juntamentecom o intercmbio cultural deste sculo,tambm tornou muito fcil, para diversasgeraes de mestres Zen orientais, trazer oDharma para o Ocidente.Talvez por causa do relacionamentodesenvolvido entre as foras americanas deocupao e os nacionalistas japoneses, os

    primeiros mestres Zen do Japo queviajaram para o exterior foram inicialmentepara a Amrica do Norte. No incio, reuniesinformais, conduzidas por Nyo-gen Senzakie outros, despertaram um interesse nosretiros (sesshin) formais do Zen, sob aorientao, Por exemplo, dos RoshisShunryu

    Suzuki, Hakuin Yasutani e Soen Nakagawa.No incio da dcada de 70, centros detreinamento formal foram fundados naAmrica para o Soto e o Rinzai Zen, bemcomo para o Ch'na chins e o "Son" coreano.Como os monges japoneses Eisai e Dogen,que foram para a China e retornaram para o

    Japo com o Dharma, alguns ocidentais,interessados no Zen, fotam para o Oriente,de l regressando para fundar seus prprioscentros de treinamento como satlites de

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    mosteiros do Japo ou independentes. Entre estes esto o Roshi Jiyu Kennet, oVenervel Myoko-ni e o Roshi Philip Kapleau. Juntos, os discpulos ameficanos eeuropeus e os mestres japoneses no Ocidente, que concluram seu prpriotreinamento formal, representam uma getao de mestres Zen nativos, alguns dosquais agora tm seus prprios sucessores do Dharma.Apesar de ainda estatmos nos primeiros anos de seu desenvolvimento, ficou claroque o Zen, no Ocidente, vai set diferente de seus congneres orientais. Isto se refletenas expectativas dos prprios discpulos, seus mesttes e no Dharma em si. Destemodo, assim como tem tido um notvel crescimento, o Zen no Ocidente tem tambmexperimentado muitos mal-entendidos e dificuldades: duras lies esto sendoaprendidas tanto pelos discpulos como pelos mestres.Tem havido considervel experimentao com os mtodos de ensino tradicionais, eum dos resultados que os mestres ficaram mais dispostos a falar e explicar o Zen do

    que no passado. Mas h tambm diferenas de estilos marcantes com relao svrias linhagens que esto surgindo no Ocidente. Vejamos o Soto Zen, por exemplo; aescola franco-europia, fundada pelo Roshi Taisen Deshimaru (1914-1982), muitodiferente, na sua abordagem para treinamento, da britnica do Roshi Jiyu Kennet eda Ordem norte-americana dos budistas contemplativos.Tudo isto de esperar, enquanto os mestres adaptam o treinamento para atender snecessidades dos discpulos. Uma impresso que se tem do Ch'an desenvolvido deque se tornou reconhecidamente diferente dos sistemas do Budismo Mahayana de

    Dhyana, no qual teve origem. De maneira semelhante, o Soto e o Rinzai japoneses,conforme existem hoje, so muito diferentes das suas origens do sculo XII. J que oZen ttata da valorizao da vida, em vez da devoo a dogmas e credos especficos,suas formas europias e norte-americanas, com certeza, evoluiro com as conhecidascaractersticas da cultura ocidental.E muito cedo para dizer que forma essas caractersticas finalmente vo tomar; porm,neste estgio, cettas preocupaes e temas parecem bastante comuns em vriasescolas ocidentais do Zen. Resumidamente so:1. Apesar de o Dogen insistir que homens e mulheres so igualmente capazes derealizar o Caminho, h uma diferena marcante entre o moderno Ocidente e o antigoOriente quanto ao lugar e aostatusda mulher no treinamento Zen. A tendncia noOcidente tem sido no fazer distino de sexo. Centros de treinamento, mosteiros,sesshin, acesso aos mestres, todos esto abertos para qualquer pessoa. Talvez, emconseqncia disso, haja muito mais mulheres procurando o treinamento Zen noOcidente do que no Oriente.

    2.A necessidade de, e a distino entre treinamento leigo e monstico, tem sidomatria para muita meditao e experimentao no Ocidente. Alguns mestres so

    muito severos nas suas exigncias para com os discpulos que querem se tornarmonges, ao passo que outros encaram como natural, para qualquer um que pratique

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    a meditao regularmente, tornar-se monge, se assim o desejar. A distino tambmobscura porque no existe uma tradio muito difundida, no Ocidente, para os leigosmanterem as comunidades monsticas. Isto significa que quase todos os monges Zenocidentais tm de trabalhar, pelo menos por algum tempo, em tarefas comuns, parase manterem. Em conseqncia disso, nos centros Zen que ficam na cidade, mais doque nos mosteiros da zona rural, esta tem sido a regra. Onde centros de retirosmonsticos foram fundados, a tendncia abrigar apenas pequenas comunidades re-sidenciais, e a maior parte das pessoas ficar somente algumas semanas ou meses decada vez.3. At que ponto o Zen ocidental dever adotar as formas orientais nas quais o Zenest "condensado" um assunto que tem sido tratado amplamente, de diferentesmaneiras. Algumas linhagens ocidentais tm feito um grande esforo para removerda prtica todos os vestgios das origens orientais. Assim, todos os termos de

    teferncia, os Sutras e os cnticos tm sido traduzidos nos equivalentes prximoseuropeus, e tm sido adotadas formas de apresentao das tradies religiosaseuropias. Outtas tm sido mais conservadoras, entretanto, limitando-se, potexemplo, a traduzir para o vernculo somente certos cantos.Os motivos para fazer ou deixar de fazer quaisquer modificaes no tratamentooriental do Zen sero testados com o passar do tempo; alguns surgiro como bem-sucedidos, outros sero desprezados como inadequados. Por enquanto, a escolha dosestilos de ensino e tradies disponveis para o iniciante muito grande, seno um

    pouco confusa. Talvez o melhor e mais imparcial conselho que possa ser dado aquele certa vez oferecido pelo Zenji Dogen:

    Mesmo as pessoas que esto no mundo profano devem se concentrar em uma coisa e aprend-la o mximo possvel, para poder realiz-la perante os outros, em vez de aprender muitascoisas, ao mesmo tempo, sem realizar verdadeiramente nenhuma delas. Isto tanto mais vlido

    para o Dharma de Buda, que transcende o mundo profano e nunca foi aprendido ou praticadoa partir do comeo sem comeo. Ns ainda no estamos familiarizados com ele. Alm disso,nossa capacidade pobre. Se tentarmos aprender muitas coisas a respeito deste majestoso eilimitado Dharma de Buda, no realizaremos nada. Mesmo que nos dediquemos a apenas umacoisa, devido a nossa natureza e capacidade inferiores, teremos dificuldade de esclarecer oDharma de Buda completamente em uma vida. Discpulos, concentrem-se em uma coisa s.

    CAPTULO 3

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    O CAMINHO DO ZEN

    1. A JORNADA PARA O VERDADEIRO SELF

    Existem diversas metforas para o caminho do treinamento Zen, e a mais comum ados dez "Desenhos do Vaqueiro e o Touro" (veja o Cap. 8); entretanto, no Gakudo-Yojinshu (Diretrizes para Estudar o Caminho), o Zenji Dogen usou outra:

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    Budhisattva com doador Arte chinesa, sc.IX- X

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    As pessoas que praticam o Caminho nos dias de hoje ainda no entenderam o que ele , togrande o seu desejo de obter resultados visveis. Quem no comete este erro? E como umjovem que foge de seu pai e de sua herana e fica vagando aqui e ali, na pobreza. Embora seja ofilho nico de uma famlia abastada, no est consciente disto e eternamente perambula emterras estrangeiras, mendigando trabalho. Na verdade, todas as pessoas so assim.

    Originalmente, a histria do jovem que foge de casa vem do Sutta do "Ltus Branco"do Budismo Mahayana, um texto que, como monge novio, quase certo que oDogen deveria saber de cor.Na histria completa, o pai do jovem, muito triste pela perda de seu nico filho,procurou-o sem sucesso e, finalmente, passou a morar numa determinada cidade. Porser excessivamente abastado, construiu uma excelente manso para viver, no meio deuma grande propriedade.

    Chegou, ento, a hora em que o filho sentiu vontade de regressar para o seu prpriopas e, um dia, perambulou desconhecido na cidade de seu pai e aproximou-se damanso, procurando trabalho. O jovem estava realmente muito maltrapilho e, vendoo esplendor da manso, alm da nobreza e do refinamento do proprietrio que estavana varanda, achou que no haveria lugar ali para ele. Por isso, saiu andando. Nestemeio tempo, o pai, que nunca esquecera o rosto do filho, imediatamente ieconheceu-0na multido que estava ao lado de fora da manso. Cheio de alegria, enviou dois deseus mais importantes sditos para dar-lhe boas-vindas. Infelizmente, o filho, no

    tendo a menor idia da inteno desses homens e temendo ser motto ou tornar-seescravo, repeliu-os e fugiu para um bairro pobre. Sabendo disso, o pai resolveuenviar dois servos vestidos de roupas rasgadas, para procurar o filho e oferecer-lheum emprego de lacaio na propriedade.Desta maneira, o jovem foi atrado de volta manso, onde comeou a trabalhar,limpando um monte de sujeira. noite, voltou para o cortio. medida que o tempopassava, o jovem ia se tornando mais vontade com a vizinhana, e aceitou a oferta

    de um humilde para morar perto da propriedade. Depois, o pai se vestiu com roupasde trabalho e conseguiu se aproximar do filho e conversar com ele. O jovem foiencorajado pelo pai no seu trabalho e, com o decorrer do tempo, tornou-se melhor emais responsvel. Disse tambm o pai para o filho que, toda vez que quisesse, pode-ria ir visitar a manso.Embora o jovem estivesse feliz por ser to bem-tratado, tinha sempre a convico deque era um subalterno do poderoso nobre, que to gentilmente o havia empregado,sentindo-se muito inferior e que no merecia tanta generosidade. Entretanto,

    trabalhou com lealdade e diligentemente, enquanto o pai lhe dava mais e maisresponsabilidades at que, finalmente, se tomou gerente de toda a propriedade.Depois de muitos anos, o sentimento de inferioridade do filho diminuiu, e ele setomou, de certa forma, muito amigo do pai. Este, sentindo que a motte se

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    aproximava, pediu que todos os dignatarios comparecessem junto com seus servos ecriados. Perante todos, comunicou que o pobre homem que ele havia levado paracasa e ao qual havia confiado a gerncia da propriedade era, de fato, seu prpriofilho, e, agora, toda a propriedade lhe pertencia. S ento o jovem compreendeu, parasua alegria, que aquele era seu pai e essa herana era sua.Como no mito, a histria simboliza a nsia da psique humana no sentido datotalidade. O pai, naturalmente, tepresenta a natureza de Buda ou o verdadeiro Self;representa, tambm, o mestre do Zen. O filho o ego-Self (a mente discriminadora).A histria comea com a situao desagradvel em que a maioria das pessoas estmetida: a da alienao da natureza de Buda que no reconhecem dentro de siprprias. No Gakudo Yojinshu, o Zenji Dogen diz que o grau de alienao daspessoas representado pelo quanto, da mesma forma que o jovem, tm perambuladopelas "tetras estrangeiras", esquecendo sua "famlia" e "herana", e vivendo como

    miserveis, preocupados com a "luta pela sobtevivncia". Em outras palavras, aalienao repousa em que dimenso a maneira de a pessoa encarar a vida baseia-seno lucro e no sucesso exteriores (o que Dogen chama de lucro visvel"), em oposio reflexo sobre a natureza da vida como ela . A maior parte da humanidade estmuito preocupada com suas necessidades habituais ("a luta pela sobrevivncia"), semnunca parar e conscientemente refletir sobre como a vida realmente . Na verdade,toda a orientao e "cultura" da sociedade conspiram, por assim dizer, contta talreflexo: assim sendo, o ser humano realmente vive em "terras estrangeiras". Todavia,

    muitas vezes chega uma hora em que, quase instintivamente, mesmo a pessoa maisocupada e apatentemente mais materialista, sente-se forada a buscat harmonia comsua vida e seu verdadeiro Self. Desta maneira, o jovem foi atrado pela sua prprianecessidade de ttabalho, voltando a bater porta do seu pai.H pessoas que se sentem compelidas a refletir sobre quem realmente so, quandoalguma coisa lhes acontece, levando-as a questionai o significado da vida; porexemplo, quando defrontam com a inevitabilidade da morte. Entretanto, muitaspessoas so bem mais propensas a ignorar esses assuntos ou, pelo menos, deix-los

    de lado como sendo de interesse puramente "religioso". Em parte, talvez, comoinsinua a histria, devido s conseqncias do conhecimento de que a vida realmente um mistrio para ns serem muito assustadoras para o ego-Self. O jovemfugiu com medo da casa de seu pai e dos seus sditos de alta hierarquia.Outro aspecto at que ponto, assim como aquele filho, as pessoas se consideramsem valor ou um fracasso. As vezes querem respostas para o que consideramproblemas "espirituais", mas ficam com medo de procur-las e duvidam da sua

    prpria capacidade de entend-las. Enttetanto, a nsia do Self no sentido datotalidade e, portanto, na histria, o pai adota o que no Zen se chama compaixo oumeios "habilidosos". Em vez de tentar forar o filho a voltar para casa, enviou dois

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    serviais pobremente vestidos para oferecer ao jovem aquilo que ele julgava querer:um trabalho humilde.

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    Trade do Buda Cakyamuni Arte japonesa, perodo Asuka, ano 62

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    Para aqueles em cujas vidas surgem dvidas sobreo significado da existncia, isto pode assumir umaimportncia fundamental, e muitas vezes a razode se voltarem para o Zen ou para aprenderemmeditao. Para outros, muitas vezes acontece que

    o motivo inicial para se dedicarem ao estudo doZen no tem nada a ver, conscientemente, comqualquer necessidade que chamariam de"espiritual". Em geral, as pessoas apenas querempaz de esprito, melhorar sua concentrao ou selivrar do estresse. Talvez um de seus amigos tenhadito que a meditao pode ajudar e, por isso,decidiram tentar.

    O Zen no algo extraordinrio. O Roshi ShunryuSuzuki costumava repetir para os seus discpulosque ele "no nada especial". Na histria, tambmo jovem foi posto para trabalhar nas redondezasdomsticas, limpando uma enorme pilha desujeira. Tradicionalmente, limpar a sujeira ditopara simbolizar o trabalho de tirar as iluses. Istotem um significado importante. A pilha enorme.No Zen e no Budismo Mahayana existem quatroVotos do Bodhisattva, o segundo dos quais : "Osdesejos so inesgotveis, eu juro que darei um fimneles. Embora o filho tenha trabalhado

    leal e diligentemente, o Sutta no diz se eleconseguiu acabar com a pilha de sujeira. Otrabalho dele era em si o Caminho. Ante-

    riormente, a questo levantada se a prtica doZen no gira em torno de livrar-se do ego, e queisto vlido para a iluso. Existe um famosoMahayana que diz: "As paixes so Bodi (Ilumina-

    o)." Muitas pessoas ficam logo desiludidas com a prtica do Zen, porque se dedicama ela imaginando que, atravs da meditao, sentiro somente paz, amor e harmonia;apesar disso, o que realmente encontram aquela pilha de sujeira: toda a cobia, irri-tao, cime, dio, sentimentos de inadequao e assim por diante, que pensavam

    evitar attavs do Zen. De fato, sua prtica atingiu um estgio crucial, e o papel domestre, agora, torna-se muito importante. Treinando com um mestre, o significado dadesiluso pode ser compreendido, e o discpulo instigado e estimulado a continuar.O discpulo aprender com o mestre que as paixes so paixes at o ponto em que so

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    satisfeitas ou reprimidas, e Bodi, at o ponto em que so aceitas e que se permite quepassem pela mente incondicionalmente e sem julgamento. (O discpulo do Zen no fazvoto de acabat com os desejos porque, no fim, ele vai faz-lo, mas nutte uma atitude detreinamento que indomvel. O Zen simples, porm suas lies so duras e tm queser aprendidas sempre. Um mestre Zen chegou a dizer que sua vida toda tinha sidouma srie de erros.)A medida que o jovem tinha mais maturidade, mais o cumulavam deresponsabilidades, at que, finalmente, ele se sentiu suficientemente autoconfiantepara transitar pela manso. Ele ainda nao morava l, ainda no sabia quem realmenteera. Existe sempre uma sensao, no treinamento Zen, de que se compreende mais doque se e capaz de expressar na vida real. Por isso, a pergunta constantemente feita porpessoas com pouca ou muita experincia de treinamento Zen : "Como posso fazercom que a prtica do Zen faa parte da minha vida diria?" Existe a calma e a

    serenidade relativas ao salo de meditao, de um lado, e a confuso em que vivemos,do outro. Isto perambular para dentro e para fora da manso. Gradualmente, commaturidade e prtica, o "abismo" vai se estreitando entte o que foi compreendido, deum lado, e como vivemos nossas vidas, do outro.A morte do pai e a descoberta pelo filho de sua verdadeira identidade representammuitas coisas. naturalmente o fim da jornada e a morte da alienao, entre anatureza essencial e o ego-Self. Pode-se perguntar se a descoberta do filho foi repentinaou gradual. Ele s compreendeu quem ele era, pela primeira vez, no fim de tudo? Ou,

    talvez, seja mais provvel ter lentamente comeado a suspeit-lo, por algum tempo, e,no fim, sua suspeita foi simplesmente confirmada como certa? Estaremos vendo, aqui,o que Christmas Humphries chamou de "... um assalto direto cidadela da Verdade",ou como o Roshi Suzuki teria tido, que o progresso feito pouco a pouco?' 'Eledescreveu isto da seguinte maneira:

    Quando voc est numa neblina, no tem noo se est se molhando ou no, mas, medida que

    continua caminhando, comea a se molhar aos pouquinhos. Se sua mente tem idias deaperfeioamento, voc pode dizer: "Oh, esse ritmo terrvel. Mas, na realidade, no . Quandovoc se molha na neblina, e muito difcil se secar. Portanto, no h necessidade de se preocuparcom o aperfeioamento. E como estudar um idioma estrangeiro: voc no pode faz-lo de repente,mas, repetindo diversas vezes, poder aprender. Esta a maneira Soto de praticar.

    A morte do pai tambm o fim do sentimento de inferioridade do filho. Agora, ele v asi prprio como igual ao mestre e reconhece Buda dentro dele. Este o significado daexortao de Mumon: "Ao encontrar Buda, mate-o. Quando encontrar os patriarcas,mate-os." Existe tambm o reconhecimento do mestre para o discpulo, de Buda paraBuda que, no Soto Zen, chamado "Shisho", a Transmisso do Dharma, a mo

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    levantada do ensinamento de Buda.Todas estas coisas aconteceram quandoo filho estava bem e pronto. Nadapoderia ser forado. Ele tinha dedesenvolver a f nele prprio paraassumir a gerncia da propriedade deseu pai. No treinamento Zen, a rapidezdo aperfeioamento do discpulo vaidepender de sua capacidade e do seucomprometimento. Alguns so rpi-dos, outros lentos. Alguns querem arealizao completa, outros optarampor algo menor.

    Desde que pai e filho so elementos damesma mente, pode-se perguntar oque o filho herdou que j no tivesseoriginalmente. Em certo sentido, nadarecebeu, mas, em outro, chegou muitolonge, de verdade. uma questo deperspectiva. Quando o Imperador daChina, Wu-ti, fez uma pergunta

    semelhante para o primeiro PatriarcaZen chins, Bodhidharma, esterespondeu: "Vazio imenso nada sagra-do." Quando pressionadoposteriormente, replicou, com certeza"socrtica", que no sabia. J vimostambm que Vimalakirti manteve-se

    em silncio.Na vida de Joshu Jushin vamos encontrar algumas respostas que este famoso mestreZen deu para tais perguntas.

    2. A VIDA DE JOSHU JUSHIN (778-897)

    As histrias a seguir concentram-se na vida de Joshu (em chins, Chao-chou Ts'ung-shen), um dos maiores mestres Zen da Dinastia Tang. Elas fornecem exemplosmaravilhosos do que existe de melhor no Zen. Os comentrios e interpretaes

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    oferecidos so mais do que isto; certamente no so "respostas" para os problemas queessas histrias teptesentam.Quando Joshu ainda era adolescente, comeou o treinamento com o mestre Nansen(748-834), 36 Patriarca do Zen, na sucesso do prprio Buda Shakyamuni, e cujo nomeZen origina-se da montanha sobre a qual ele fundou seu mosteiro. Na coleo deKoans chamada Mumonkan, h um registro de um antigo encontro entte Nansen eJoshu:

    Certa vez Joshu perguntou ao mestre Nansen: "O que e o Caminho?"

    Nansen respondeu: "A mente cotidiana o Caminho. " "Ento, devemos dirigir-nos em suadireo ou no?", perguntou Joshu.Disse Nansen: "Se voc no procurar dirigir sua vida na sua direo, ir se afastar dele. "Joshu, depois, continuou: "Se no tentarmos, como poderemos saber se ele o Caminho?"

    Nansen replicou: "O Caminho no pertence ao conhecer ou no conhecer. Saber iluso. Nosaber no ter discriminao. Se Voc realmente alcanar o Caminho da No-Dvida, ver que como um grande vazio, imenso e sem fronteiras. Como pode haver certo e errado noCaminho?" Com estas palavras Joshu estava iluminado.

    Nessa poca Joshu era novio e Nansen j era bem velho. A pergunta de Joshu realmente a pergunta de todo iniciante: o que o Zen? Sobre a resposta de Nansen, o

    Sensei Genpo Merzel disse:

    Est traduzido: "A mente cotidiana o Caminho", porm aprendi a preferir chamar de "mentenatural". "Cotidiano" d a impresso de que aquilo a que estamos comumente acostumados, ecom a mente "Natural" todos ns sabemos que no somos muito naturais. mais confivelque o Caminho seja a mente natural. E mente cotidiana tambm, mas o nosso senso comumpara compreender a mente normal no muito normal. Ela cheia de todos os tipos de vaidades:cobia, ambio, cime etc. Quando voc realmente alcana essa mente normal, no aquilo aque estamos normalmente acostumados.

    "Mente", aqui, refere-se ao que, em japons, chama-se "Shin". No s a mente nosentido de crebro, mas o corao-mente ou esprito. Poder-se-ia se dizer que ocorao natural o Caminho. Joshu perguntou se deveria procurar a mente cotidiana.Nansen disse que, procuran-do-a, se afastaria dela. O problema que, como oquestionamento persistente de Joshu demonstrou, no suficiente para oprincipiante simplesmente ouvir isto. Se a vida de algum uma confuso, muito

    difcil aceitai que esta pessoa j Buda. Joshu estava piocuiando o Caminho paratomai-se Buda e, diante disso, sua peisistncia muito legtima. Entretanto, sua idiaa respeito da Iluminao eia a nica coisa que o estava impedindo de compreend-la.

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    como um gatinho. Ele est dizendo que, para experimentai o Daikensho, deve-seestar pronto para desistir de tudo."Matar o gato" coloca um problema sobre a verdade e a compaixo, que tododiscpulo do Zen pode ter de enfrentar pelo menos uma vez na vida. O Zen primeiro e ltimo a compaixo de Nansen. Somente quando usada paia racionalizaimotivos ocultos, ela respeito do despeitai paia a Iluminao. Nesse contexto, estahistria extravasa a compaixo de Nansen. Somente quando usada para racionalizarmotivos ocultos, elapode sei aviltada. (Um exemplo interessante de como possvel tal aviltamentoencontra-se na novela de Yukio Mishima,The Temple of the Golden Pavilion,na qual opeisonagem Kagiwata d uma inteipietao particularmente maliciosa a respeitodeste koan.)

    Joshu treinou com seu mestre durante quase quatro dcadas. Estava perto de 56 anos

    de idade, quando Nansen morreu. Se ele seguiu o costume chins de ficar nomosteiro vigiando a sepultura de seu mestre durante alguns anos, devia ter quasesessenta, quando saiu de Monte Nansen. difcil refletir sobre a maturidade dodespertar de Joshu, aps tanto tempo com seu mestre. Ele era muito jovem quandoencontrou a "Mente cotidiana em seu caminho". Quanto restou do velho Joshuegocntrico? Muitos anos depois, perguntaram a Joshu o que ele tinha aprendidocom Nansen:

    Um monge perguntou para Joshu: "Ouvi dizer que voc seguiu Nansen de perto. verdade?"Joshu disse: "Chinshou produz um rabanete grande."

    Katsuki Sekida disse:

    Esta foi uma pergunta desagradvel. O monge tinha um machado para afiar. Uma respostainbil bem podia ter provocado algum problema... Chinshou era um distrito perto da cidade de

    Joshu, famoso por produzir grandes e bonitos rabanetes. O que Joshu quer dizer com estaresposta? Se ele fosse ingls, teria dito: "A Inglaterra produziu Shakespeare"; ou, se fosseamericano: "A Amrica produziu Lincoln. " Em palavras simples, Joshu estava dizendo: "Tal

    pai, tal filho", mas no deu ao homem nada para tirar partido.

    Mesmo depois de quarenta anos com Nansen, Joshu no comeou logo a ensinar.Primeiro, continuou sua peregrinao, procurando outros mestres para, com eles,

    testat seu conhecimento. Naquela poca, nem todos os grandes mestres do Caminhoviviam em mosteiros. Alguns eram eremitas das montanhas.Joshu dirigiu-se ao chal de um eremita e perguntou: "O mestre esta? O mestre est?"O eremita ergueu seu punho. Joshu disse: "A gua muito rasa para ancorar aqui", e

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    Busto de um Bodhisattva Assis Arte chinesa, perodo Song, sc. XIII

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    palavras, ele compreendeu a essncia do Zen, completamente.) "Entretanto", continuaMumon, "os dois eremitas tambm viram atravs de Joshu. Se voc diz que existealguma coisa a escolher entre os dois eremitas, voc no tem os olhos da com-preenso. Se voc diz que no existe escolha entre eles, voc no tem os olhos dacompreenso."H muitos motivos para erguer o punho contra algum. Por exemplo, o seguintepode ser uma analogia com o primeiro encontro de Joshu. Certa vez, havia um grupode budistas ingleses que foram visitar uma cidade na costa da Inglaterra, para tratarde assuntos particulares. Enquanto estavam l, resolveram fazer uma visita desurpresa a um centro de meditao local. No conseguindo qualquer respostatocando a campainha da porta da frente, j estavam quase indo embora quando,olhando pela janela iluminada de um corredor, um deles viu os ps de um dosresidentes do centro que estava caminhando sobre o carpete da sala, no poro. Logo

    que viu, bateu na janela do poro para chamar ateno. E, ento, ouviu-se a pessoaque estava l dentro gritar: "Cai fora! Estou tentando meditar." O grupo afastou-se.

    Entretanto, ao perguntar: "O mestre est?" Joshu estava perguntando sobre a mente,no sentido da natureza essencial: "A mente de Buda est em casa?" Os eremitasdevem ter achado que era uma pergunta absurda, vista de qualquer ngulo. No desurpreender que tenham levantado os punhos. Faz parte da beleza dos conhecimen-tos de Joshu ter feito tais perguntas e receber a resposta to livremente. Para o grupoque estava do lado de fora do centro de meditao, a hostilidade vinda de dentro foi

    muito engraada, mas tambm um tanto ofensiva.Aps vinte anos vagando, Joshu fundou um mosteiro de treinamento na cidade deCh'ao Ch'ou, tornando-se conhecido para a posteridade. Tinha quase 84 anos deidade.Como sucessor do Dharma do grande Nansen, sua fama espalhou-se rapidamente,atraindo monges para ele. como mestre que Joshu mais lembrado. Embora leal aNansen, desenvolveu um estilo sutil todo prprio.Uma vez Leonardo da Vinci disse: "O verdadeiro discpulo supera o mestre." Pode-se,certamente, dizet a mesma coisa de Joshu. Apesar de j mencionado no primeirocaptulo, vale a pena repetir aqui:

    Um monge, certa vez, veio at Joshu na hora do caf da manh e disse: "Acabei de entrar nestemosteiro. Por favor, ensine-me. " Voc j tomou seu mingau de arroz?", perguntou Joshu. Jsim", replicou o monge. 'Ento melhor lavar sua tigela", disse Joshu.

    Joshu estava dizendo para o monge que o sabor do Zen e o sabor do mingau de arroz nico e o mesmo. No que exista qualquer coisa de especial no mingau de arroz;simplesmente no existe nada

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    Da mesma maneira que o monge teve de botar sua mo no fogo muitas vezes, notreinamento Zen cometem-se os mesmos etros, vrias vezes. Mumon sabia disso,entretanto, lanou um desafio sem fronteiras: a realizao da Iluminao e a vidacotidiana so uma coisa s, mas quem est ptonto para sentir o seu gosto?Outro monge de Joshu perguntou-lhe:

    Qual o significado da vinda de Bodhidharma para a China? (Esta pergunta era muitocomum naquela poca. Ela

    significa: O que a essncia do Zen?). Joshu disse: A rvore do carvalho est no jardim.

    J vimos como Vimalakirti e Bodhidharma responderam mesma pergunta. A belezada resposta de Joshu que ela muito natural. Exceto a vida como ela , Joshu nadatinha para oferecer a este monge. Naquele momento, a essncia do Zen era apenas ocarvalho que ficava no jardim do mosteiro. Sem dvida, havia muitas rvores belasnos jardins do mosteiro, e Joshu deve ter sentado inmeras vezes, contemplando seuesplendor, apreciando cada galho e ramo, mas esta no era a questo aqui. Joshudisse que a essncia do Budismo o carvalho no jardim pela mesma razo que omestre Zen Ummon disse que Buda um pedao de "excremento seco": porque verdade. O Zenji Dogen fez ver que:

    Mesmo se at agora voc pensou que Buda tem excelentes qualidades como Shakyamuni ouAmitabha, irradia um halo, tem a virtude de pregar o Dharma e beneficiar os seres vivos, deveacreditar no seu mestre, se ele disser que Buda no nada mais que um sapo ou uma minhoca.

    Jogue fora suas idias do passado. Entretanto, se voc procurar excelentes qualidades, um haloou outras virtudes de Buda em um sapo ou numa minhoca, ainda no reformulou sua mentediscriminadora. Entenda apenas que o que voc v agora Buda.

    Mumon tinha tambm avisado para no confundir a sineta coma

    jarra, o ncleo doproblema a distino fundamental que todosnos temos a tendncia de fazer entre o"espiritual", de um lado, e omundano , do outro. Existe uma imagem muito sedutorae

    romntica, presa aos chamados caminhos espirituais. A noo de "csmico" ou "superconscincia" emocionante: promete uma fuga daquilo que, pelo contrrio, pareceuma triste e montona vida. Infelizmente, enquanto pensarmos dessa maneira, nossaidiade conscincia superior continuar sendo nada mais que isso. Somente

    confrontando a vida como ela , destemidamente, em toda a sua monotonia, misriaou o que quer que seja, pode-se chegar a compreender, nas palavras do Roshi

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    Yasutani, que: "A existncia um todo inseparvel, cada um de ns abraando o cos-mos na sua totalidade."Para algum que esteja determinado a fugir do caminho cotidiano, esta mensagem um pouco decepcionante; entretanto, para estes que Joshu estava falando.Infelizmente, como Zenji Dogen disse, no sculo XIII:

    Os discpulos, hoje, entretanto, ainda se apegam s suas prprias mentes discriminadoras. Seupensamento baseia-se nos seus pontos de vista de que Buda deve ser "tal e tal". Se... (o que omestre diz para eles) ... vai contra suas idias, dizem que Buda no pode ser daquela maneira.Tomando tal atitude, vagando aqui e ali, em iluso, procurando o que estivesse de acordo comseus prprios preconceitos, poucos deles chegaram a fazer algum progresso, de qualquerespcie, no Caminho